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DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS
INDIVIDUAIS E
COLETIVOS
PARTE I
Professores Carlos
Alfama e Paulo Igor
SUMÁRIO

1. Introdução (Art. 5º da CF/88).................................................................. 3


2. Diferença entre Direitos Individuais e Direitos Coletivos............................... 4
3. Direito à Vida......................................................................................... 5
3.1 Marco Inicial da Vida............................................................................. 6
3.2 Momento Consumativo da Morte............................................................. 7
3.3 Aborto................................................................................................. 8
3.4 Suicídio............................................................................................... 10
3.5 Eutanásia............................................................................................. 10
3.6 Ortotanásia.......................................................................................... 11
3.7 Direito ao Testamento Vital ou Biológico (Living Will)................................. 11
3.8 Natureza Jurídica do Cadáver.................................................................. 12
3.9 Prolongamento da Personalidade após a Morte.......................................... 13
4. Direito à Igualdade................................................................................. 13
4.1 Igualdade Formal X Material .................................................................. 13
Tripla Limitação Imposta pelo Princípio da Igualdade....................................... 16
Teoria do Impacto Desproporcional (e a Consequente Discriminação Indireta)..... 16
Ações Afirmativas (Affirmative Actions)......................................................... 18
Igualdade entre Homem e Mulher................................................................. 21
Reajuste de Servidores Públicos................................................................... 23
Princípio da Igualdade nos Critérios de Admissão em Concursos Públicos........... 24
Cláusula de Barreira em Matéria Eleitoral....................................................... 28
O Direito Sucessório na União Estável........................................................... 29
Outras Situações Importantes...................................................................... 30
Estudo Dirigido........................................................................................... 32
DIREITO CONSTITUCIONAL
Direitos Individuais e Coletivos | Parte I
Professores Carlos Alfama e Paulo Igor

DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS


PARTE I
Direito Constitucional
Professores Carlos Alfama e Paulo Igor

1. INTRODUÇÃO (ART. 5º DA CF/88)

Os direitos e deveres individuais e coletivos estão previstos no art. 5º da

CF/88.

Em sua maioria, são direitos fundamentais de primeira geração, ou seja,

direitos de liberdade que exigem uma abstenção estatal, muito embora existam

também direitos de segunda e terceira geração, como o direito à igualdade material

(caput) e de proteção ao consumidor (direito coletivo), respectivamente.

Considerando o objeto imediato do direito assegurado, os direitos

individuais se dividem nas seguintes espécies:

• direito à vida;

• direito à igualdade;

• direito à liberdade;

• direito à propriedade;

• direito à segurança (para José Afonso da Silva, inserem-se no campo das

garantias individuais).

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Direitos Individuais e Coletivos | Parte I
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ATENÇÃO

É importante lembrar que o rol de direitos insculpido no art. 5º da


CF/88 é meramente exemplificativo, ou seja, existem outros direitos e garantias
individuais presentes ao longo do texto constitucional, como, por exemplo, o princípio
da anterioridade eleitoral (art. 16) – segundo o STF, esse princípio é uma garantia
individual do eleitor; ou o princípio da anterioridade tributária, uma garantia individual
do contribuinte (art. 150, III, “b”).

É interessante lembrar também que, muito embora o Capítulo I, do Título II,


da CF/88, seja: “DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS”, nos setenta
e oito incisos do art. 5º, temos também algumas garantias individuais, dentre elas
os remédios constitucionais, que estudaremos em um momento posterior.

Dito isso e tomando por base os direitos fundamentais estatuídos no caput


do art. 5º, vamos analisar os direitos e deveres individuais e coletivos em espécie.

2. DIFERENÇA ENTRE DIREITOS INDIVIDUAIS E DIREITOS COLETIVOS

O art. 5º traz como título “Dos Direitos Individuais e Coletivos”. Convém


diferenciar as duas espécies, portanto:

• Direitos individuais: são aqueles que reconhecem autonomia aos


particulares, garantindo a iniciativa e independência entre os indivíduos diante dos
demais membros da sociedade política e do próprio Estado (José Afonso da Silva).
São direitos fundados no conceito amplo de liberdade individual.

> Direitos individuais de expressão coletiva: são de titularidade


individual, mas cujo exercício pressupõe a atuação convergente de uma pluralidade
de pessoas.

Exemplo: direito de reunião.

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• Direitos coletivos: são aqueles cuja titularidade é de uma categoria de


pessoas, ainda que não possam ser determinadas com precisão.

Exemplo: direito de greve, direito ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado. Podem proteger interesses difusos
ou interesses coletivos.

> Interesses difusos: aqueles “transindividuais” de natureza indivisível,


cujos titulares são grupos indeterminados e dispersos de pessoas ligadas entre
si por circunstâncias de fato. Ex.: direito ao meio ambiente equilibrado.

> Interesses coletivos (em sentido lato): aqueles de titularidade de


categoria determinada.

> Interesses coletivos em sentido estrito: aqueles cuja titularidade recai


sobre um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte
contrária, por uma relação jurídica base.

Exemplo: interesse dos taxistas à regulamentação das respectivas


concessões.

> Individuais homogêneos: são interesses de natureza divisível e


decorrentes de origem comum, cujos titulares são pessoas individuais plenamente
identificáveis.

Exemplo: direito dos consumidores que adquiriram certo produto


com o mesmo defeito técnico.

3. DIREITO À VIDA

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

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O direito individual fundamental à vida possui duplo aspecto:

a) sob o prisma biológico, traduz o direito à integridade física e psíquica;

b) em sentido mais amplo, significa o direito a condições materiais e

espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana.

Ou seja, o direito à vida não se resume ao direito de manter-se vivo. Vai além.

Trata-se do direito de manter-se vivo, com condições mínimas de dignidade

para desfrutar da própria existência.

3.1 Marco Inicial da Vida

Para que se entenda completamente esse direito fundamental, é necessário

que fique definido quando se dá o início da vida, objeto do direito garantido

constitucionalmente. Nesse sentido, cinco teorias ganham destaque na doutrina.

São elas:

I. Teoria da concepção (concepcionista): a vida se inicia a partir da fecundação.

Adotada por José Afonso da Silva e Alexandre de Moraes.

II. Teoria da nidação: há vida a partir da fixação do embrião na parede do útero.

III. Teoria do tubo neural: há vida após a formação do tubo neural dorsal no feto

(aproximadamente a partir da 10ª semana de gestação).

IV. Teoria do impulso elétrico: há vida a partir do primeiro impulso elétrico

cerebral (aproximadamente a partir da 12ª semana de gestação).

V. Teoria natalista: a vida se inicia apenas após o nascimento (adotada como

regra pelo Código Civil em relação à personalidade jurídica).

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O STF não decidiu expressamente qual a posição deve ser adotada no


Brasil em relação à proteção constitucional do direito à vida.

No entanto, já se posicionou no sentido de afastar a teoria concepcionista


por ocasião do julgamento da ADI 3510/DF.

Isso porque, nesse julgado, considerou constitucional o art. 5º, da Lei de


Biossegurança (Lei nº 11.105/2005), que permitiu pesquisa científica com células
tronco embrionárias (ADI 3510/DF).

No inteiro teor da ADI 3510/DF, o STF chegou a afirmar que a inviolabilidade


constitucional do direito à vida diz respeito, exclusivamente, a indivíduos que
sobreviveram ao parto. Ou seja, o âmbito de proteção do Direito Constitucional
à vida não alcançaria embriões nem fetos, mas somente aqueles que nascem vivos.

Contudo, de acordo com o STF, o princípio da dignidade da pessoa


humana autorizaria o legislador a transbordar a proteção constitucional à vida,
para proteger momentos anteriores ao nascimento.

No entanto, em julgados posteriores, o STF analisou, sob a ótica constitucional,


o aborto de fetos anencéfalos (ADPF 54/DF) e o aborto até o 3º mês de gestação (HC
124306/RJ). Ou seja, nesses julgados, o STF acabou por admitir implicitamente que
a vida intrauterina também seria matéria de proteção constitucional.

Não obstante, é de se admitir que era a definição do momento inicial em que


a vida se consideraria iniciada não era o objeto central da análise.

O tema ainda é, portanto, controverso e não encontra ainda uma


solução pacífica e definida.

3.2 Momento Consumativo da Morte

Apesar de não haver previsão constitucional, a Lei nº 9.434/1997 delimitou


que se considera consumada a morte no momento da paralisação irreversível da

atividade encefálica (morte encefálica).

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3.3 Aborto

I – (IN) CONSTITUCIONALIDADE DE FUTURA DESCRIMINALIZAÇÃO


DO ABORTO

Como vimos, o STF, na ADIn 3.510/DF, entendeu que a proteção ao feto


e ao embrião é matéria infraconstitucional, aparentemente antecipando, com
isso, o entendimento pela constitucionalidade de eventuais mudanças legislativas que
viessem a descriminalizar procedimentos abortivos em circunstâncias específicas.

Não obstante, o aborto não era o ponto central do debate, razão por que não
é possível afirmar a posição da Suprema Corte sobre o tema.

II – ABORTO DE FETO ANENCÉFALO

No julgamento da ADPF 54/DF, o STF decidiu que o aborto de feto


anencéfalo não pode ser interpretado como infração penal, sob pena de se contrariar
a laicidade do Estado, à dignidade da pessoa humana, ao direito à vida e à proteção
da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde.

III – ABORTO ATÉ O 3ª MÊS DE GESTAÇÃO

A 1ª Turma do STF em 2016, por 3 votos a 2, promoveu interpretação conforme


a Constituição para fixar o entendimento de que a interrupção da gestação no primeiro
trimestre provocado pela própria gestante (art. 124) ou com seu consentimento (art.
126) não seria crime (HC 124306/RJ).

• Fundamentos da decisão (conforme texto do acórdão): a


criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo
essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher e viola o princípio
da proporcionalidade.

De acordo com a decisão, a criminalização do aborto até o terceiro trimestre


da gestação configuraria restrição que ultrapassaria os limites constitucionalmente
aceitáveis. Para a 1ª Turma do STF, haveria:

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o Violação ao princípio da proporcionalidade (no trinômio necessidade,

adequação e proporcionalidade em sentido estrito).

o Violação à autonomia da mulher: núcleo essencial da liberdade

individual, protegida pelo princípio da dignidade humana (art. 1º, III da

CF).

De acordo com o julgado:

“Todo indivíduo – homem ou mulher – tem assegurado um espaço legítimo

de privacidade dentro do qual lhe caberá viver seus valores, interesses e desejos.

Neste espaço, o Estado e a sociedade não têm o direito de interferir. Quando se

trata de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar

o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive a de cessar

ou não uma gravidez. Como pode o Estado – isto é, um Delegado de Polícia, um

Promotor de Justiça ou um Juiz de Direito – impor a uma mulher, nas semanas

iniciais da gestação, que leve esta gestação até o fim mesmo contra a sua vontade?

Isso significaria considerar como se este útero estivesse a serviço da sociedade, e

não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver

a própria vida”.

o Violação do direito à integridade física e psíquica da mulher;

o Violação aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher;

o Violação à igualdade de gênero;

o Discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres

pobres.

POR QUE O CRITÉRIO DE TRÊS MESES?

Como vimos, não há solução definida para o marco inicial da vida humana.

Porém, existe um dado científico que é inquestionável: durante os três primeiros,

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meses, o córtex cerebral (que permite que o feto desenvolva sentimentos e


racionalidade) ainda não foi formado nem há qualquer potencialidade de vida fora
do útero materno.

Justamente com base nessas premissas científicas, diversos países do


mundo adotam como critério que a interrupção voluntária da gestação não deve
ser criminalizada, desde que feita no primeiro trimestre da gestação. É o caso da
Alemanha, Bélgica, França e Uruguai.

IV – INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO EM CASOS DE MICROENCEFALIA

Trata-se de conduta criminosa, tendo em vista que a microencefalia, apesar


de ser uma má formação genética, não inviabiliza clinicamente a gestação como
ocorre nos casos de anencefalia.

A interrupção de fetos clinicamente viáveis em razão de má formação genética


é chamada de aborto eugênico e se trata de conduta proibida no ordenamento
jurídico brasileiro (crime de aborto), salvo hipóteses específicas (anencefalia, por
exemplo).

3.4 Suicídio

O suicídio não é conduta criminosa, mas a instigação, induzimento ou auxílio


ao suicídio será crime, nos termos do art. 122 do CP.

3.5 Eutanásia

Eutanásia é a conduta de matar alguém por relevante valor moral, ou seja,


por pena, piedade, misericórdia, para evitar o seu sofrimento (alguns doutrinadoras

chamam de homicídio por piedade). É considerado crime de homicídio privilegiado.

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3.6 Ortotanásia

Deixar de prolongar artificialmente a vida de pessoa em estado terminal e

irreversível. Para a doutrina majoritária, não constitui crime.

Sobre a ortotanásia, é importante observar o teor da Resolução 1.805/2006

do Conselho Federal de Medicina que preceitua em seu art. 1º:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender


procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do
doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

Outro ponto relevante reside no fato de a 14ª Vara Federal da Justiça Federal do

Distrito Federal ter legitimado a supramencionada Resolução ao julgar improcedente

ação civil pública interposta pelo Ministério Público Federal contra o documento,

dando-lhe validade em todo o território nacional.

Ou seja, até que se julgue ilegal ou inconstitucional a referida Resolução nº

1.805/2006, o médico que realize a ortotanásia se encontra amparado pela exclusão

de ilicitude do exercício regular de direito.

3.7 Direito ao Testamento Vital ou Biológico (Living Will)

Testamento vital é o instituto em que se reconhece à pessoa, em perfeito


estado de consciência, a faculdade de outorgar a outrem poderes para decidir sobre
questões relativas ao próprio tratamento médico aplicável, em caso de incapacidade
de manifestação da vontade, por ocasião de doença em estado incurável ou terminal.

Em países em que se admite a eutanásia, o direito ao testamento vital pode


incluir até a polêmica possibilidade de autorização a terceiros para decidir sobre ela.
No Brasil, a eutanásia é proibida e a legislação não cuida expressamente do

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direito ao testamento vital. Porém, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já baixou


resolução sobre figura similar: “as diretivas antecipadas de vontade” (Resolução nº
1.995/2012).

As diretivas antecipadas de vontade são o conjunto de desejos, prévia


e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que
quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e

autonomamente, sua vontade (art. 1º da Resolução nº 1.886/2012).

Em maio de 2014, na I Jornada de Direito da Saúde, organizada pelo CNJ, foi

aprovado o Enunciado 37, segundo o qual as

diretivas ou declarações antecipadas de vontade que especificam os


tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter
quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser
feitas por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas,
ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação
admitidas em direito.

3.8 Natureza Jurídica do Cadáver

Cadáver é coisa cujo domínio e disponibilidade fica transferida aos

herdeiros a partir do falecimento da pessoa. Trata-se de coisa fora de comércio (res

extra commercium), cuja destinação deve ainda atender normas de saúde pública.

A comercialização de órgãos, tecidos ou substâncias humanas está

proibida pelo art. 199, §4º, da CF, cuja redação diz que a

lei disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a remoção


de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante,
pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e
transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo
de comercialização.

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3.9 Prolongamento da Personalidade Após a Morte

A morte não extingue todos os aspectos da personalidade do falecido.

É pacífica a existência da chamada “eficácia post mortem da personalidade”. A imagem

da pessoa morta poderá projetar efeitos econômicos para além da morte, razão por

que o cônjuge supérstite e os parentes mais próximos do falecido têm legitimidade

ordinária para postularem (em nome próprio) indenização em juízo, seja por dano

moral, seja por dano material (STJ, REsp 521.697/RJ).

4. DIREITO À IGUALDADE

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

4.1 Igualdade Formal X Material

Classicamente, o direito à igualdade é analisado sob dois diferentes prismas:

igualdade material e igualdade formal.

I – IGUALDADE FORMAL

Em sua perspectiva formal, o direito à igualdade foi expressamente previsto

no art. 5º, caput, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza (...)

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A igualdade perante a lei (igualdade formal) garante a aplicação da lei a

todos, irrestritamente, de modo neutro nas ocorrências fáticas da vida, sem espaços

para privilégios ou distinções.

Trata-se do âmbito negativo do princípio da igualdade (isonomia).

II – IGUALDADE MATERIAL

Em sua perspectiva material, todavia, o princípio da igualdade vai mais

além. Garante um tratamento desigual aos que são considerados desiguais, na

medida de suas desigualdades. Busca equilibrar situações desiguais, promovendo

uma igualdade na lei (igualdade material).

Pela necessidade de manter-se a igualdade material, permite-se o uso das

discriminações positivas pelo legislador, sendo possível diferenciar para respeitar a

igualdade.

Trata-se do âmbito positivo do princípio da igualdade (isonomia).

JURISPRUDÊNCIA

Nos ensinamos do Plenário do STF:

“O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é –

enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de

regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância

vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser

considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir

privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da

igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade

puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo

de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela

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ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já


elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação
da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo
ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá
ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.”

PERSPECTIVA MATERIAL-DINÂMICA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Parte da doutrina faz referência, ainda, a uma terceira perspectiva do


princípio da igualdade: perspectiva material-dinâmica, também chamada de
perspectiva militante da igualdade.

Nessa perspectiva, a igualdade se transformaria em um objetivo a ser


perseguido pelo Estado, orientando as políticas públicas em busca de ações que
visem reduzir as desigualdades fáticas entre os cidadãos.

Dessa forma, podemos esquematizar as perspectivas da igualdade da seguinte


maneira:

Refere-se à aplicação
IGUALDADE PERANTE A Destina-se
igualitária de um
LEI precipuamente ao
diploma legal já
(IGUALDADE FORMAL) aplicador da lei
confeccionado

Refere-se à aplicação
Destina-se
IGUALDADE NA LEI da igualdade na
precipuamente ao
(IGUALDADE MATERIAL) confecção dos atos
legislador
normativos

Refere-se a um
objetivo orientador
IGUALDADE MATERIAL-
Destina-se ao Estado da confecção de
DINÂMICA
políticas públicas
estatais

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Tripla Limitação Imposta pelo Princípio da Igualdade

A doutrina ensina que o princípio da igualdade se constitui em uma tripla


limitação a atuações que atentem contra a isonomia. O princípio da igualdade,

portanto, limita:

• o legislador;

• o aplicador da lei; e

• o particular.

O legislador deve pautar a criação das leis, dentre outros, no princípio da

igualdade, promovendo a chamada igualdade na lei (igualdade material), criando

mecanismo legais de equilíbrio entre os desiguais.

O aplicador da norma, promovendo a igualdade perante a lei (igualdade

formal), deve aplicá-la indistintamente a todos, sem privilégios ou regalias.

Por fim, os particulares, em razão da eficácia horizontal dos direitos

fundamentais, devem respeitar a igualdade em suas relações privadas, sob pena de

sofrerem a interferência estatal, por meio do poder judiciário, em busca da isonomia.

Teoria do Impacto Desproporcional (e a Consequente Discriminação


Indireta)

Segundo a Teoria do Impacto Desproporcional (“disparate impact doctrine”),

o exame de constitucionalidade de uma lei, no que tange à igualdade, não deve se

restringir somente à análise do que está escrito na norma (seu teor, mera redação).

Deve ir mais além. Deve-se analisar os impactos da norma na vida dos

cidadãos, analisando se a sua aplicação a casos concretos pode gerar discriminações

às pessoas por ela atingidas.

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EXEMPLO

Exemplo de aplicação da teoria do impacto desproporcional no STF


(ADI 1946/DF)

Em 1998, por meio da Emenda Constitucional nº 20/1998, criou-se um valor


máximo para os benefícios pagos pelo regime geral de previdência: R$1.200,00. Em
tese, tal limite deveria incidir sobre todo e qualquer benefício pago pelo regime geral
de previdência.

Um desses benefícios é o salário-maternidade, pago à gestante pela previdência


durante o tempo em que ela goza de sua licença-maternidade. Pois bem.

Imagine a situação hipotética em que uma mulher receba R$6.000,00


mensais e passe a gozar de sua licença-maternidade. Com a vigência da referida
Emenda Constitucional, o salário-maternidade pago pela previdência estaria limitado
a R$1.200,00 e o empregador teria de arcar com a diferença, ou seja, deveria pagar
mensalmente R$4.800,00 à gestante durante o seu período de licença.

Perceba que, com essa regra, o constituinte derivado estaria onerando


excessivamente o empregador e o estimulando a não contratar mulheres para evitar
esse ônus. Ou, no mínimo, estimularia o empregador a pagar baixos salários às
mulheres para que o complemento salarial na hipótese de licença-maternidade fosse
pouco oneroso.

Por essa razão, o STF – utilizando a teoria do impacto desproporcional –


entendeu que o salário-maternidade não deveria se sujeitar ao teto remuneratório
imposto pela EC nº 20/1998 aos benefícios previdenciários, como forma de se
manter a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Perceba que a análise de constitucionalidade do dispositivo não ficou restrita


a seu texto. Os impactos da aplicação da norma na vida do cidadão foram analisados

para que se percebesse a ofensa ao princípio da igualdade entre homens e mulheres.

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Concluindo, podemos afirmar que a compatibilidade de uma lei com o princípio


da igualdade pode ser aferida em dois planos:

a) em abstrato, quando a violação à igualdade representaria o que


chamamos de discriminações diretas;

b) quanto aos seus efeitos práticos, quando a violação à igualdade


representaria o que chamamos de discriminações indiretas.

Lembrando que a aferição da igualdade no plano dos efeitos práticos é uma


decorrência da adoção da teoria do impacto desproporcional.

Ações Afirmativas (Affirmative Actions)

As ações afirmativas são uma forma jurídica de se superar o isolamento ou a


diminuição social a que se acham sujeitas as minorias.

Em outras palavras, são políticas públicas estatais de tratamento diferenciado


a certos grupos que historicamente foram vulnerados, marginalizados, buscando
redimensionar e redistribuir oportunidades a fim de corrigir essas distorções.

• Transitoriedade das ações afirmativas

A temporariedade (transitoriedade) trata-se de uma característica-


regra fundamental das ações afirmativas eficientes. Afinal, se tais ações
geram tratamento diferenciado entre grupos sociais distintos com vistas a reduzir
a desigualdade histórica entre eles, ao se atingir a igualdade pretendida, deve-se
interromper a ação afirmativa sob pena de tal ação se transformar em um privilégio
desproporcional àquele grupo inicialmente vulnerável e marginalizado.

Todavia, a doutrina cita determinados grupos sociais que necessitam de


amparo incondicional e permanente do Estado, para os quais as ações afirmativas

estatais devem ser ininterruptas, como por exemplo, indígenas e deficientes.

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• Casos específicos exemplificativos de ações afirmativas ratificadas

pelo STF

JURISPRUDÊNCIA

INSTITUIÇÃO DE COTAS ÉTNICO-RACIAIS PARA INGRESSO EM

UNIVERSIDADES – ADPF 186

Por meio da ADPF 186, o STF entendeu ser legítima a instituição de reserva de

20% das vagas da Universidade de Brasília – UnB para os alunos que se autodeclararem

afrodescendentes, ressaltando apenas a necessidade de que tal política tivesse um

caráter transitório para que, tão logo fosse corrigida a distorção histórica que se

buscava corrigir, fosse encerrada.

A questão das cotas em universidades e o princípio meritocrático: no

Título VIII, Da Ordem Social, a Constituição trata da educação infantil, do ensino

fundamental, do ensino médio e do acesso aos níveis mais elevados de ensino. Ao

abordar o acesso a essa última categoria, faz menção ao princípio meritocrático,

usando a expressão “segundo a capacidade de cada um”. O STF entende que as

cotas raciais em universidade não ofendem ao princípio meritocrático, pois

é possível conciliá-lo com a igualdade material (cotas), selecionando os melhores, de

uma e de outra lista. Com isso, manteve-se a validade das cotas em universidades

públicas (STF, ADPF n. 186).

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PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (PROUNI) – ADI 3330

Por meio da ADI 3330, o STF entendeu ser legítima a concessão de bolsas

de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação

específica em instituições privadas de ensino superior com ou sem fins lucrativos

para:

• estudantes que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede

pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral;

• estudantes portadores de deficiência;

• professor da rede pública de ensino para os cursos destinados à formação

do magistério;

COTA RACIAL EM CONCURSOS PÚBLICOS – ADC 41

O STF, por meio da ADC 41/DF, entendeu ser constitucional a Lei n° 12.990/2014,

que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para

provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração

Pública federal direta e indireta, no âmbito dos três Poderes.

Entendeu também que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de

critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da

pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa (ADC 41/DF, Plenário

do STF).

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Pontos Importantes:

• As ações afirmativas não beneficiam apenas pessoas físicas. Podem

também auxiliar pessoas jurídicas, como ocorre nas concessões de incentivos discais

particularizados e estabelecidos para corrigir distorções regionais ou setoriais.

• Ninguém é obrigado a fruir dos benefícios decorrentes das políticas de ação

afirmativa.

• Qualquer política de ação afirmativa deve considerar o princípio da

proporcionalidade, inclusive aquelas previstas pela própria Constituição.

• Na ADPF 186/DF, o Pleno do STF considerou constitucional política de cotas

criada por atos infralegais de universidade pública (resoluções e editais de vestibular).

• É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos

públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da

Administração Pública federal, direta e indireta, dos três Poderes.

Igualdade entre Homem e Mulher

A Constituição Federal, de forma expressa no art. 5º, inciso I, aduz que:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos


termos desta Constituição;

Esse inciso deve ser interpretado como uma garantia de igualdade material

entre homens e mulheres, não se trata de mera igualdade formal.

Ou seja, a Constituição não proíbe indistintamente tratamento

diferenciado entre homens e mulheres, muito pelo contrário, exige – em

determinadas situações – essa distinção de tratamento para que se garanta isonomia

entre os desiguais (homens e mulheres).

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Não por outra razão, a própria Constituição elenca em seu texto diversas

diferenciações entre os gêneros masculino e feminino, sempre com vistas a bem

atender ao princípio da igualdade.

Hipóteses de tratamento diferenciado entre homens e mulheres na

própria Constituição Federal

Art. 5º, L: às presidiárias serão asseguradas condições para que possam

permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

Art. 7º, XVIII: licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com

a duração de cento e vinte dias;

Art. 143, § 2º: As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar

obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes

atribuir.

Art. 201, § 7º, I e II: Diferença no tempo e idade para a aposentadoria –


para homens 35 anos de contribuição (65 anos de idade) e para mulheres 30 anos

de contribuição (60 anos de idade).

O STF também já se pronunciou sobre a necessidade de diferenciação entre

homens e mulheres na busca pela isonomia.

JURISPRUDÊNCIA

Tratamento diferenciado entre homens e mulheres no STF

• No julgamento do RE 489.064/RJ, DJe 25/09/2009, o STF entendeu ser

legítima a adoção de critérios diferenciados para o licenciamento de militares

temporários, em razão do sexo.

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• No julgamento do RE 498.900-AgR/RJ, DJ 16/02/2007, o STF entendeu ser


legítima a adoção de critérios diferenciados para a promoção de integrantes do corpo
feminino e masculino da aeronáutica.

Reajuste de Servidores Públicos

Por meio da Súmula Vinculante nº 37, entendeu o STF que o Poder Judiciário
não pode, sob o pretexto de conferir tratamento isonômico a categorias juridicamente
iguais, estender a outros servidores em geral vantagens remuneratórias concedidas
por lei a determinada categoria funcional.

Veja o inteiro teor da Súmula Vinculante 37:

SÚMULA

Súmula Vinculante 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função
legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de
isonomia.

União Estável e Casamento Homoafetivo

O STF, nos julgamentos da ADI 4277 e da ADPF 132, reconheceu como


constitucional a união estável entre pessoas do mesmo sexo com fundamento,
dentre outros, no princípio da igualdade material.

Nesse sentido, o Tribunal igualou a união estável homoafetiva à heteroafetiva,


conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 1.723 do Código Civil
para excluir desse dispositivo qualquer interpretação que resultasse em impedimento
do reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo

sexo como família.

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Em relação ao casamento homoafetivo, o CNJ editou a Resolução nº

175/2013, por meio da qual impede os cartórios de todo o Brasil de se recusarem


a celebrar casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo ou converter união
estável homoafetiva em casamento.

Princípio da Igualdade nos Critérios de Admissão em Concursos


Públicos

• Exame Psicotécnico:

O STF admite a exigência de avaliação psicológica, entendendo o exame


psicotécnico válido, desde que cumpridos 4 requisitos cumulativos:

• previsão legal;

• previsão em edital;

• critérios objetivos de avaliação;

• possibilidade de recurso na esfera administrativa;

Sobre o tema, inclusive, foi editada a Súmula Vinculante nº 44 com o seguinte


teor:

SÚMULA

Súmula Vinculante 44: Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a


habilitação de candidato a cargo público.

• Exigência de Prática Profissional

Desde que esteja prevista em lei, é admissível a exigência de prática


profissional para ingresso nos cargos públicos cujas atribuições sejam compatíveis

com a referida exigência (STF: AgRg no RE 558.833).

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• Teste de Aptidão Física (TAF)

Os Tribunais Superiores não admitem 2ª chamada em testes de aptidão


física em razão de fatos supervenientes (lesões, gravidez etc.), salvo se houver
previsão expressa no edital ou lei específica no ente federativo admitindo. Entendem
que a obrigação de que todos os candidatos cumpram o teste nas datas previamente
designadas desconsiderando-se situações pessoais dos candidatos não ofende o
princípio da igualdade (STF: RE 630.733, DJe 20/11/2013; STJ: EDcl no RMS 47.582,
DJe 25/10/2016).

• Limite de Idade para Inscrição em Cargo Público

O Supremo Tribunal Federal (STF: ARE 920676 AgR, DJe 01/02/2016) entende
ser legítimo o estabelecimento de limite de idade como requisito para o ingresso no
serviço público, desde que cumpridos três requisitos:

1) previsão legal nesse sentido;

ATENÇÃO

A previsão do limite de idade em decreto não é suficiente para satisfação


desse requisito, o qual exige previsão em lei em sentido estrito (STF: AgRg no RE
404.656).

2) que tal limitação seja justificável em razão das atribuições do cargo


a ser exercido;

ATENÇÃO

Súmula 683 do STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público


só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado

pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.”

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3) O requisito etário deve ser comprovado na data da inscrição no

certame, e não em momento posterior.

ATENÇÃO

A limitação de idade para o exercício de cargo público somente para aqueles

que ainda não eram ocupantes de cargo ou função pública anterior fere o princípio

da isonomia de acordo com o entendimento do STF (RMS 21.046).

No caso concreto, o STF considerou ofensivo ao princípio da igualdade regra

de concurso para a Defensoria de Ofício da Justiça Militar que exigia do candidato

idade mínima de 25 anos e máxima de 35 anos, SALVO se já fosse ocupante de cargo

ou função pública.

• Altura Mínima

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exigência de


altura mínima para o exercício de cargo público se legitima quando:

• há previsão legal nesse sentido (devendo ser considerada a lei em seu

sentido estrito).

• tal limitação seja justificável em razão das atribuições do cargo a ser

exercido.

Casos específicos – O STF já julgou:

» ILEGAL a exigência de altura mínima para o cargo de escrivão de polícia

civil do Mato Grosso do Sul, em razão de entender que as atribuições do cargo não

seriam compatíveis com tal exigência;

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» LEGAL a exigência de altura mínima para o exercício do cargo de Policial

Militar de Minas Gerais;

» LEGAL a exigência de altura mínima para o exercício do cargo de Guarda

Municipal de Minas Gerais;

• Tatuagens e Ingresso em Cargos Públicos

O STF considera inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos

a cargo público, seja ela estabelecida em lei ou somente no edital do certame (RE

898.450).

O Tribunal apenas ressalvou a possibilidade de restrição a tatuagens que, em

razão de seu conteúdo, violem valores constitucionais.

Em seu voto, o Relator – Min. Luiz Fux – afirmou que tatuagens que

prejudiquem a boa ordem e a disciplina, sejam extremistas, racistas, preconceituosas

ou que atentem contra a instituição devem ser coibidas, citando como exemplo uma
tatuagem que represente apologia a fato criminoso ou que exalte uma organização

criminosa, a qual seria suficiente para eliminar um candidato a cargo policial.

• Cláusula de Barreira (Cláusula de Desempenho)

A cláusula de barreira, também denominada cláusula exclusão ou

cláusula de desempenho, em concursos públicos é a cláusula do edital que prevê

uma limitação prévia objetiva para a continuidade dos candidatos aprovados no

concurso em sucessivas fases.

Exemplo: edital de concurso que estabelece número máximo de


candidatos para correção de provas discursivas, eliminando todos
os outros, mesmo que tenham sido aprovados na prova objetiva.

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O STF entende que é constitucional a regra inserida no edital de concurso

público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os

candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame (RE 635.739/AL).

De acordo com o STF, regras restritivas em editais de concurso público, quando

fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato,

não ferem o princípio da isonomia.

Cláusula de Barreira em Matéria Eleitoral

Em matéria eleitoral, a cláusula de barreira (patamar eleitoral) é formada

por normas pelas quais o funcionamento parlamentar, a participação no Fundo

Partidário e o direito de aceso gratuito a programas em rádio e televisão ficam

condicionados a certo desempenho eleitoral dos partidos políticos.

A EC nº 97/2017 (05/10/2017) criou uma cláusula de barreira prevendo

que os partidos somente terão acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo

de propaganda gratuita no rádio e na televisão (direito de antena) se atingirem um

patamar mínimo de candidatos eleitos:

REDAÇÃO ANTERIOR REDAÇÃO ATUAL (DADA PELA EC Nº 97/2017)

Art. 17 (...)
§ 3º Somente terão direito a recursos do
fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos
Art. 17. (...) que alternativamente:
§ 3º – Os partidos políticos I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos
têm direito a recursos do Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
fundo partidário e acesso dos votos válidos, distribuídos em pelo menos
gratuito ao rádio e à um terço das unidades da Federação, com
televisão, na forma da lei. um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos
válidos em cada uma delas; ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze
Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.

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Esse requisitos são muito rigorosos e praticamente asfixiam partidos pequenos.

No caso do inciso II, a grande maioria dos partidos atualmente não possui 15 Deputados

Federais. É o caso, por exemplo, do Solidariedade, do PC do B, do PSC, do PPS, PHS,

PV, PSOL, REDE e PEN. Logo, em tese, eles terão que se valer do inciso I. Chamo a

atenção para o fato de que os requisitos são alternativos.

É importante saber que, em momento anterior à EC nº 97/2017, o STF havia

entendido inconstitucional a cláusula de barreira estabelecida pela Lei nº

9.096/1995 (ADI’s 1351 e 1354).

De acordo com o STF, a competência do legislador ordinário para tratar

do funcionamento parlamentar “não deve ser tomada a ponto de esvaziarem-se

os princípios constitucionais, notadamente o revelador do pluripartidarismo, e

inviabilizar, por completo, esse funcionamento, acabando com as bancadas dos

partidos minoritários (...). Considerou-se, ainda, sob o ângulo da razoabilidade,

serem inaceitáveis os patamares de desempenho e a forma de rateio concernente à

participação no Fundo Partidário e ao tempo disponível para a propaganda partidária

adotados pela lei. Por fim ressaltou que, no Estado Democrático de Direito, a nenhuma

maioria é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais da minoria

(...)”.

Resta aguardar a análise, pelo STF, da Constitucionalidade da EC nº 97/2017.

O Direito Sucessório na União Estável

O direito sucessório distinguia, claramente, a união estável e o casamento;

o companheiro sobrevivente era menos favorecido que o cônjuge. Não obstante,

com base no princípio da igualdade, o STF manifestou-se entendendo como

inconstitucionais as regras do Código Civil que preveem tratamento desfavorável a

companheiro.

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Com isso, o art. 1.790 do Código Civil foi considerado inconstitucional (nessa

parte).

JURISPRUDÊNCIA

STF, RE 878.694/MG:

Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os

companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável.

Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de

1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94

e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos

sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste

com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como

vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso.

Outras Situações Importantes

• O STF entendeu que a exigência da propositura da ação de separação

judicial no foro do domicílio da mulher não fere o princípio da isonomia, pois visa

a dar tratamento menos gravoso à parte que, em regra, se encontra em situação

econômica menos favorável (RE 227.114/SP).

Apesar do entendimento do STF, o novo Código de Processo Civil modificou

essa regra constante no antigo CPC. Atualmente, a ação de divórcio deve ser

proposta no foro de domicílio do guardião do filho incapaz; caso não haja filho

incapaz, o do último domicílio do casal; se nenhuma das partes residir no antigo

domicílio do casal, o do réu.

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• É constitucional a VEDAÇÃO, no âmbito do SUS, da internação em

acomodações superiores, bem como do atendimento diferenciado por médico do

próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos

valores correspondentes (RE 581.488/RS, Plenário do STF).

• O STF considerou recepcionado dispositivo da Consolidação das Leis

Trabalhistas que prevê, para a mulher, descanso de 15 minutos antes do início do

período de hora extra (art. 384 da CLT). O fundamento foi a menor resistência física

da mulher (componente orgânico e biológico) e a existência de dupla jornada para a

maioria das mulheres (componente social). Tema julgado no RE 658.312 – 3/9/2015.

• Em relação às ações afirmativas, nos Estados Unidos, por muito tempo

vigorou a teoria do Separate but equal (separados, mas tratados de forma igual).

Por essa teoria, poderia ocorrer a separação entre brancos e negros, desde que nos

ambientes correspondentes houvesse tratamento igual. Essa teoria evoluiu para a

moderna teoria do Treatment as an equal (tratados de forma igual), que afastou

a possibilidade de segregação entre brancos e negros.

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ESTUDO DIRIGIDO

1. Onde estão previstos os direitos individuais e coletivos? Há um rol taxativo desses

direitos?

2. Considerando o objeto imediato do direito individual, como eles se classificam?

3. Qual a diferença entre os direitos individuais e os direitos coletivos? Quais são

suas subespécies?

4. O direito à vida limita-se ao direito de se manter vivo?

5. Quais são as teorias sobre o marco inicial da vida?

6. O STF tem posição pacífica quanto ao marco inicial da vida?

7. A proteção constitucional do direito à vida se inicia em que momento?

8. Qual é o momento consumativo da morte?

9. Um norma infraconstitucional pode legalizar o aborto em determinada situação?

10. Qual a posição do STF em relação ao aborto de fetos anencéfalos?

11. Há decisão do STF permitindo o aborto até o 3º mês de gestação? Quais os

fundamentos dessa decisão? Por que o critério de 3 meses?

12. É possível o aborto em casos de microencefalia?

13. O suicídio é crime no Brasil?

14. A eutanásia é permitida no Brasil

15. A ortotanásia é permitida no Brasil?

16. O que é o testamento vital? É regulamentado no Brasil?

17. É possível a comercialização de órgãos, tecidos ou substâncias humanas?

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18. A morte extingue todos os aspectos da personalidade do falecido?

19. Qual a diferença entre a igualdade formal e a igualdade material?

20. O que é a perspectiva material-dinâmica do princípio da igualdade?

21. Qual a tripla limitação importa pelo princípio da igualdade?

22. Qual o conteúdo da teoria do impacto desproporcional?

23. O que são ações afirmativas (affirmative actions)?

24. As ações afirmativas devem como regra ser transitórias ou permanentes?

25. As cotas raciais em universidades públicas ofendem ao princípio meritocrático?

26. É legítima a utilização de critérios de heteroidentificação nas cotas raciais

estabelecidas em concursos públicos?

27. Pessoas jurídicas podem ser beneficiadas com ações afirmativas?

28. Normas infralegais podem definir ações afirmativas?

29. A igualdade entre homens e mulheres se limita ao aspecto formal?

30. O princípio da isonomia pode justificar que o Poder Judiciário conceda aumento a

servidores públicos?

31. É possível a união estável entre pessoas do mesmo sexo? E o casamento

homoafetivo?

32. Quais são os requisitos para que o exame psicotécnico seja válido em concursos

públicos?

33. Uma lei pode exigir prática profissional em editais de concursos públicos?

34. Tem direito a 2ª chamada de Teste de Aptidão Física a candidata que ficou gestante

antes da realização do TAF de concurso público?

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35. É legítimo estabelecer limite de idade como requisito para ingresso no serviço

público? Em que momento deve ser comprovada a idade?

36. É constitucional proibição de tatuagens a candidatos a cargo público?

37. É legítima a utilização de cláusulas de barreira em editais de concursos públicos?

38. A Constituição prevê cláusula de barreira em matéria eleitoral? Antes dessa

previsão constitucional, o STF já tinha se manifestado sobre o tema?

39. É legítimo diferenciar a união estável do casamento para fins sucessórios?

40. É possível, no âmbito do SUS, a internação em acomodações superiores, bem

como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico

conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes?

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