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5 COMPETÊNCIA

5.1 Conceito

Vimos que jurisdição é o poder do Estado de dizer o direito no caso concreto,


solucionando o litigo.
Vimos também que, dentre outros, a jurisdição é regida pelo princípio da investidura,
segundo o qual só poder ser exercida por quem foi investido de tal poder, a saber, os juízes.
Portanto, todo juiz é dotado de JURISDIÇÃO, ou seja, é dotado do poder jurisdicional.
Entretanto, pela impossibilidade de os juízes exercerem tal poder em todo território
nacional ao mesmo tempo (não obstante a previsão do art. 16, NCPC1), é que o ordenamento
jurídico previu uma distribuição, uma repartição desse poder, em partes iguais ( na mesma
proporção), entre todos os juízes que compõe o Poder Judiciário.
A essa distribuição ou repartição do Poder Jurisdicional é que se denomina
COMPETÊNCIA.
Não há diferença substancial entre jurisdição e competência; comparando seria falar
do bolo e da fatia: a competência é a fatia, é uma fração da jurisdição.
ASSIM, competência é a quantidade de poder atribuído a determinado órgão judicial;
é a medida, a delimitação da jurisdição.

5.2 Limites da Jurisdição Nacional

O NCPC estabeleceu os limites da jurisdição nacional em seus arts. 21 ao 25, definindo


a competência internacional e a competência interna da autoridade brasileira.

5.2.1 Competência internacional


É a competência da autoridade judiciária brasileira para demandas que tenham algum
ponto de conexão com o Brasil. Pode ser concorrente (ou cumulativa) com as demais
autoridades judiciárias do mundo; ou exclusiva, com exclusão de qualquer outra.

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Na verdade, quando o art. 16 do NCPC diz que “a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em
todo o território nacional....”, não quer dizer que os mesmos exercerão atividade jurisdicional em toda a extensão
de nosso país posto que é, por óbvio, fisicamente e humanamente impossível; mas está a se referir ao poder
conferido a tais órgãos de dizer o direito no caso concreto com eficácia em todo o país: não é concebível que um
juiz profira uma decisão que só produza efeitos na localidade onde a proferiu, mas sim em todo o território
nacional.
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a) competência concorrente ou cumulativa (arts. 21 e 22)


- causas que podem ser julgadas por tribunais brasileiros ou estrangeiros (previstas nos
incisos do arts. 21 e 22 – em geral, são causas relacionadas a direitos pessoais);
- se a causa for julgada por um tribunal estrangeiro, para que a sentença tenha efeitos e seja
executada no Brasil, ela deverá ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i,
CF);
- litispendência entre ação no Brasil e no exterior: é solucionada conforme o art. 24, NCPC.

b) competência exclusiva (art. 23)


- causas que somente podem ser julgadas por tribunais brasileiros (previstas nos incisos do
art. 23, normalmente ligadas a direitos reais sobre bens imóveis situados no Brasil, ou que
impliquem em partilha dos mesmos, como inventário, divórcio etc).
- caso o judiciário de outro país julgue uma das causas relacionadas no art. 23, NCPC, a
sentença estrangeira NÃO será homologada pelo STJ (art. 964, NCPC).

Obs: exclusão da justiça brasileira por convenção entre as partes: art. 25, NCPC.

5.2.2 Competência interna

a) Fixação da competência interna (artigo 43, NCPC)

“Art. 43 - Determina-se a competência NO MOMENTO do registro ou da distribuição da petição


inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente
salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta .”

Significa dizer que se fixa a competência do juízo no momento em que a petição inicial
é protocolizada ou distribuída (onde houver mais de um), ainda que posteriormente houver
modificações, como, por exemplo, alteração /correção do valor causa ou adiantamento de
pedido pelo autor, tais modificações não tem o condão de alterar a competência.
Consagra-se regra da perpetuação da jurisdição (perpetuatio jurisdicionis), que é
ressalvada apenas quando houver supressão do órgão judiciário ou alteração de sua
competência absoluta (Ex: fim da Justiça do Trabalho, deslocando os processos para a Justiça
comum; ou alteração da competência das Varas de Família para abranger causas que versam
sobre sucessões).
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b) Critérios de distribuição/determinação da competência interna

A Constituição Federal de 1988 faz a grande 1º distribuição da competência interna ao


dividir o Judiciário em 5 “Justiças”: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho,
Justiça Militar, Justiça Eleitoral, a depender da causa, ou seja, da natureza do litígio.
À Justiça do Trabalho incumbe, especialmente a solução dos litígios trabalhistas.
À Justiça Militar, aos litígios Militares.
À Justiça Eleitoral, cumpre solucionar apenas os litígios eleitorais.
Por darem solução à litígios específicos é que as chamamos de Justiça Especial.
Por exclusão, à Justiça Estadual e à Justiça Federal caberá a solução de litígios
comuns, ou seja, que não sejam trabalhista, eleitoral ou militar. Em virtude disso, são
conhecidas por Justiça Comum.
Dentro da chamada Justiça Comum, também por critério de exclusão e levando em
consideração a presença da pessoa da União Federal, o que não for competência da Justiça
Comum Federal (artigo 109, CF) será da Justiça Comum Estadual.
Mas ambas possuem vários órgãos jurisdicionais, cuja competência é distribuída, por
sua vez, através de 5 critérios legais (previstos no NCPC e nos Códigos de Organização
Judiciária dos Estados):

1º) Material (competência em razão da matéria) => leva em conta a natureza da causa, ou seja, a
qualidade da relação jurídica material. Exemplo: questões de família, falência, registro
público, criminais, precatórios, ambiental etc.

2º) Pessoal (competência em razão da pessoa envolvida no litígio): este é o critério utilizado
pelo legislador constituinte para definir a competência da Justiça Federal2, separando-a da
Justiça Estadual. Mas, ainda no âmbito desta, o critério também é utilizado quando nas
causas estiverem envolvidas a pessoa da Fazenda Pública do Estado ou do Município,
prevendo, assim, em lei, a criação de Varas Especializadas em Fazenda Pública Estadual ou
Municipal.
Tal critério também é utilizado pelas Leis n. 10.259/01 e 12.153/09, que previram,
respectivamente, os Juizados Federais e da Fazenda Pública.

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De acordo com o art. 45 do NCPC, em caso de intervenção de ente federal, o processo deverá ser remetido à
justiça federal, salvo nos casos de ações de recuperação judicial, falência, insolvência civil, acidente do trabalho
e ações sujeitas à justiça eleitoral e do trabalho. Súmulas 150, 224 e 254, STJ.
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3º)Valor da causa => a competência é definida de acordo com o valor que se atribui à causa no
momento da propositura da ação (alterações posteriores não interferirão na competência).
Assim, a depender do valor, a causa será de competência de um ou outro órgão jurisdicional.
Vale lembrar os Juizados Especiais Cíveis Estaduais são competentes nas causas de até
40 salários mínimos (Lei n. 9.099/95) e os Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/01) e os
da Fazenda Pública (Lei n. 12.153/09) nas causas de até 60 salários mínimos em que estejam
envolvidas a Fazenda Pública da União, dos Estados ou dos Municípios, respectivamente.
Acima destes valores, a causa deverá ser processada necessariamente na Justiça
Comum, estadual ou federal. Para se evitar que a causa tramite na Justiça Comum, deverá
então o autor renunciar na petição inicial do valor excedente, seja de forma tácita (se JEC) ou
expressamente (se JEF ou JEFP).

4º) Funcional (competência em razão da função ou da hierarquia) => define-se de acordo com
as funções desempenhadas ou pela posição do órgão jurisdicional no processo, repartindo a
competência em competência de 1º grau, recursal; para ação principal e incidental (ex: art. 61,
NCPC); etc.

5º) Territorial (ou de foro) => causas distribuídas segundo a comodidade das partes ou pela
facilidade do processo (artigos 46 ao 53, NCPC). Leva em consideração o local onde a causa
dever ser ajuizada.
Há 2 (duas) regras gerais:

- domicílio do réu (art. 46) => para as ações fundadas em direito pessoal (obrigações) e em direito
real (propriedade etc) sobre bens MÓVEIS.
Claro que se o réu tiver mais de um domicílio, será competente o foro de qualquer
deles (§1º); se incerto ou desconhecido seu domicílio, poderá ser demandado onde for
encontrado ou no domicílio do autor (§2º); se tiver domicílio fora do Brasil, também poderá
ser demandado no domicílio do autor (§3º); ou, havendo 2 ou mais réus com diferentes
domicílios, será competente o foro de qualquer deles (§4º).

- situação da coisa (art. 47) => para as ações fundadas em direito real sobre bens IMÓVEIS,
inclusive as ações possessórias imobiliárias (§2º), embora sejam consideradas ações de direito
pessoal.
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ATENÇÃO: de acordo com o §1º do art. 47, se o litígio NÃO recair sobre direito de
propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra
nova, será opcional ao autor ajuizar a ação real imobiliária no foro da situação da coisa, ou no
do domicílio do réu ou no foro de eleição. Porém, raramente veremos um litígio assim, pois
quase todas as ações reais imobiliárias versam sobre tais assuntos (Exemplo possível: ação
real imobiliária que discuta direito real de garantia sobre bem imóvel, ou seja, hipoteca).

- Foros Especiais:
 Ações relacionadas ao Direito das Sucessões ou em que o espólio for réu => foro do
domicílio do autor da herança (art. 48);
 Ações em desfavor de ausente => foro de seu último domicílio (art. 49);
 Ação em desfavor de incapazes => foro de seu representante ou assistente (art. 50);
 Ações em que os entes públicos são parte => foro do domicílio do réu (se o ente for autor),
ou foro do domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato, no da situação da coisa, ou no DF ou
na capital do ente federado (se o ente for réu) (arts. 51 e 52);
 Ações de família => foro do último domicílio do casal ou do réu, no caso de nenhuma das partes nele
mais residir (se não tiver filhos incapazes); ou do domicílio do guarda (se tiver filhos
incapazes) (art. 53, I);
 Ação em que se pedem alimentos => foro do domicílio do alimentando (art. 53, II);
 Ação para cumprimento de obrigação => foro onde a obrigação deve ser satisfeita (art. 53, III,
d);
 Ação fundada no Estatuto do Idoso => foro da residência do idoso (art. 53, III, e);
 Ação de indenização (geral) => foro do lugar do ato ou fato ilícito (art. 53, IV, a);
 Ação de indenização em razão de delito ou de acidente de veículos => foro do lugar do fato
ilícito OU do domicílio do autor (art. 53, V).

c) Competência relativa e absoluta

Os 3 primeiros critérios (material, pessoal e funcional) são considerados critérios de


competência absoluta, ou seja, não pode a competência ser modificada pelas partes, pois é
determinada para atender o interesse público (art. 62, NCPC).
Já os 2 últimos critérios (valor da causa e territorial), via de regra, se referem à
competência relativa, ou seja, aquela que pode ser alterada pela vontade das partes, as quais
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podem alterar o regime legal caso disponham em contrário através da chamada cláusula de
eleição de foro (art. 63, NCPC).
CUIDADO:
1) Nem sempre o critério territorial terá natureza relativa. Quando o artigo 47, caput
e seu §2º (ações possessórias imobiliárias) estabelecem a competência apenas no
foro da situação da coisa, não deixa opção para o autor, revelando-se,
excepcionalmente, em um critério absoluto.
2) O mesmo deve ser dito em relação ao critério valor da causa no tocante à
competência dos JF’s e JFP’s, uma vez que suas respectivas leis (Lei n. 10.259/01 e
Lei n. 12.153/09) estabelecem que se a causa em que as Fazendas Públicas estão
envolvidas não excederem a 60 salários mínimos e no lugar estiver instalado o
respectivo juizado, não terá o autor opção em ajuizar a ação na Justiça Comum
(Federal ou Estadual, perante a Vara da Fazenda Pública), sob pena de incorrer em
incompetência absoluta deste juízo.

COMPETÊNCIA ABSOLUTA COMPETÊNCIA RELATIVA (art. 63)


(arts. 62, 64, §1º)
1 . Determinada no interesse público; 1. Determinada para atender interesse
particular;
2. Inderrogável pela vontade das partes; 2. Derrogável pela vontade das partes;
3. A respectiva incompetência deve ser 3. A respectiva incompetência só pode ser
alegada pelo réu, preferencialmente, em alegada pelo réu em preliminar da
preliminar da contestação. Mas, por ela ser contestação, sob pena de preclusão e
determinada pelo interesse público, pode prorrogação da competência;
ser alegada em qualquer tempo e grau de
jurisdição (não está sujeita a preclusão);

4. Pode ser conhecida de ofício. 4. Não pode ser conhecida de ofício (Súmula
33, STJ) – salvo cláusula de eleição de foro
abusiva - §3º, art. 63.

Se a alegação de incompetência, absoluta ou relativa, for acolhida, a consequência é a


remessa dos autos ao juízo competente, conservando-se os efeitos das decisões proferidas pelo
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juízo incompetente até que outra seja proferida pelo competente (art. 64, §§3º e 4º, NCPC).
OBS: Nos Juizados a consequência pode ser a extinção do processo.

d) Modificação (ou prorrogação) da competência (arts. 54 a 63)

Ocorre quando se amplia a esfera da competência de um órgão judiciário para


conhecer de certas causas que, ordinariamente, não estariam enquadradas em sua esfera de
atribuição. Só é possível a modificação de competência RELATIVA (art. 54) e ela pode ser:

- voluntária: quando as partes estabelecem foro de eleição para determinado negócio jurídico
(art. 78, CC); ou quando o réu não alega a incompetência relativa no prazo da defesa
(contestação).

- legal ou necessária: decorre da lei, que prevê a reunião de ações que tramitam em juízos
diferentes para o julgamento em conjunto perante o juízo prevento (ou seja, no juízo onde
houve o protocolo ou a distribuição da petição inicial – art. 59), evitando, com isso, decisões
contraditórias. Isso se dá em razão da conexão ou da continência.

d.1) Conexão (art. 55): reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o
PEDIDO ou a CAUSA de pedir.
O §3º do art. 55 entendeu se tratar de conexas também duas ou mais causas que
guardam entre si um vínculo de semelhança de tal ordem que justifique a reunião delas num
mesmo juízo para evitar decisões contraditórias e racionalizar o trabalho do judiciário.
EXEMPLO: Alimentos e investigação de paternidade não são, a rigor, conexas, pois
não possuem o mesmo pedido ou causa de pedir. [1ª) dever alimentar decorrente da relação de
parentesco e do binômio necessário-possibilidade; 2ª) vinculo de filiação]. Há aqui, na
verdade, uma relação de prejudicialidade (o julgamento de 1 prejudica a da outra).
As ações somente são reunidas se ainda não tiver sido proferida sentença

d.2) Continência (art. 56): dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há
identidade quanto às partes e a causa de pedir, mas o PEDIDO de uma, por ser mais amplo,
ABRANGE (contém) o das outras. Exemplo: ação em que se pede anulação de uma cláusula
contratual; e outra ação em se pede a anulação de todo o contrato (este último é mais amplo).
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Se a ação continente (mais ampla) foi proposta anteriormente, a ação contida (menos
ampla) é extinta sem resolução do mérito. Por outro lado, se a ação contida foi proposta
primeiramente, as ações devem ser reunidas (art. 57).

e) Conflito de competência (art. 66)


Ocorre o conflito quando mais de 1 órgão judicial se considera competente ou
incompetente para julgar a mesma causa. Será:
- positivo => quando 2 ( dois) ou mais juízes só declaram competentes para a mesma causa.
- negativo => quando 2 ( dois) ou mais juízes de declaram incompetentes para a mesma causa,
atribuindo um ao outro a competência.

É um incidente suscitado pelas partes, pelos juízes conflitantes ou pelo Ministério


Público, para apurar a competência, cujo julgamento será sempre do tribunal,
hierarquicamente superior ao dos juízes onde se deu o conflito.
Decorre, portanto, do princípio do direito alemão kompetenz-kompetenz, pois é da
competência do juiz (tribunal) declarar a sua própria competência ou incompetência, e não
de outro poder estatal.
Se o conflito envolve:
 Tribunais superiores => compete ao STF;
 Tribunais inferiores (TRF x TJ); ou Tribunal e juízes a ele não vinculados; ou juízes de
Tribunais diferentes => STJ;
 Juízes do TRF => TRF;
 Juízes do TJ => TJ.

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