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DOCUMENTO • A PESQUISA QUE FAZ DIFERENÇA

A PESQUISA QUE FAZ DIFERENÇA


RESUMO
Os pesquisadores da administração lamentam o fato de que seu trabalho tenha tão pouco impacto na
prática gerencial. Os gerentes, por sua vez, procuram conhecimento que possa ajudá-los a melhorar a
performance organizacional, mas raramente consultam os trabalhos universitários – freqüentemente tidos
como incompreensíveis e irrelevantes para os desafios cotidianos. Para que a pesquisa em administração
possa fazer diferença para os gerentes são necessárias parcerias mutuamente benéficas que envolvam os
gerentes e os pesquisadores e que sejam apoiadas por suas respectivas organizações. Ilustramos a
importância da pesquisa da administração relevante para a prática valendo-se de quatro importantes
contribuições, juntos, estes casos não somente demonstram como esse tipo de parceria pode produzir
conhecimento relevante para a prática, mas também promovem insights para aumentar a probabilidade
de ocorrência de encontros produtivos.

Eric W. Ford
Pennsylvania State University

W. Jack Duncan
University of Alabama

Arthur G. Bedeian
Louisiana State University

Peter M. Ginter
University of Alabama

Matthew D. Rousculp
University of Alabama

Alice M. Adams
University of Alabama

ABSTRACT Management researchers lament the fact that their work has so little impact on management practice. Practicing managers, so it is
claimed, search for knowledge that will help them improve organizational performance but rarely consult the work of university-based researchers
– work that they often find incomprehensible and irrelevant to their day-to-day challenges. We contend that for management research matter to
managers it is required the creation of mutually beneficial partnerships involving managers and researchers, as well as the support of their
organizations.We illustrate the importance of practice-relevant management research by drawing on four important contributions. Together these
illustrations not only demonstrate how this kind of partnership can yield practice-relevant knowledge, but also provide insights into enhancing the
likelihood that productive encounters will occur.

PALAVRAS-CHAVE Pesquisa em Administração, ciência da administração, administração de performance, instituto de pesquisa e


estilos gerenciais.
KEY WORDS Management Research, management science, performance Management, Research institutes, Management styles

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INTRODUÇÃO um círculo vicioso”. Não há, porém, nenhuma razão a


priori para que a disseminação da pesquisa de admi-
Os executivos valorizam o conhecimento como uma nistração continue nesse tipo de estado incestuoso.
fonte potencial de vantagem competitiva. Infelizmen- Considerando que uma das dúvidas mais freqüentes
te, a busca por conhecimento prático que seja de inte- diz respeito ao fato de as pesquisas serem ou não
resse raramente resulta em parcerias entre os executi- direcionadas para a melhoria das práticas, seguramente
vos e os pesquisadores acadêmicos. Pelo contrário, essa algumas delas deverão ter relevância no mundo real.
busca culminou na criação de uma indústria de consul- E, de fato, há muitos exemplos sobre como executivos
toria de US$ 15 bilhões, apenas nos Estados Unidos. acessaram e se beneficiaram da pesquisa de adminis-
Outro bilhão de dólares é gasto por ano pelos executi- tração, assim como de pesquisadores que tanto res-
vos em livros de negócios, poucos dos quais escritos ponderam aos desafios reais que os executivos enfren-
por pesquisadores que realizam investigações nas uni- tam, quanto se valeram de suas próprias experiências
versidades. Em 2001, somente 10% dos “Top Business para investigar esses desafios.
Books”, lista elaborada pela Business Week, eram de au- Para ilustrar, J. T. Carney demonstra como o presi-
toria de acadêmicos. E o mesmo se repetiu em 2002. dente da Sears, Roebuck, tornou-se um executivo que
Os pesquisadores da área de administração lamen- coloca as “mãos na massa”. Roebuck gostava de con-
tam o fato de que seu trabalho tenha um impacto tão versar com os empregados na seção de encomendas
pequeno na prática gerencial. Eles afirmam que mui- pelo correio, investigando o que eles pensavam sobre
tos executivos estão mais interessados em soluções seus trabalhos e oferecendo sugestões para ajudá-los.
rápidas para problemas imediatos do que em solu- Em seu escritório em Chicago, porém, sentia-se fora
ções de longo prazo voltadas para a melhoria da per- de contato com o campo de operações. Então ele ins-
formance organizacional. Apontando os números de truiu James Worthy, um de seus “rapazes brilhantes”
vendas dos livros de negócios, os pesquisadores sus- da área de pessoal, para que “encontrasse um meio de
tentam que, entre os executivos, há quase uma ob- me manter informado dessa parte importante de meu
sessão por modas e modismos. Eles também adver- trabalho”. Trabalhando com estudiosos de várias dis-
tem que tais modas e modismos podem causar mais ciplinas e instituições, baseando-se nos surveys da força
danos do que benefícios, pois obscurecem conceitos de trabalho realizados na Sears sob o patrocínio de
estabelecidos de management e aplicações que têm Roebuck, Worthy escreveu os clássicos artigos sobre a
potencial de melhorar o desempenho das organiza- influência da estrutura organizacional no moral do
ções. Esses mesmos pesquisadores ainda argumentam pessoal, que foram publicados na American Sociological
que, para se alcançar uma maximização de lucros, os Review e na Harvard Business Review.
resultados de seus esforços não deveriam ser De maneira complementar, Worthy observou que a
direcionados para os mundanos acontecimentos de publicação dos resultados dos surveys realizados na
dia-a-dia da vida do executivo, mas que, em vez dis- Sears teve um impacto significativo sobre o futuro pen-
so, deveriam ser usados para resolver os desafios de samento administrativo, influenciando as pesquisas de
management de longo prazo. acadêmicos como Rensis Likert, Wright Bakke, Eliot
Jacques, Douglas McGregor, William Newman e Peter
Drucker. Além disso, esses resultados possibilitaram,
PESQUISA DE ADMINISTRAÇÃO QUE a Worthy, a participação em conferências em Chicago,
FAZ DIFERENÇA PARA OS EXECUTIVOS Columbia, Harvard, Michigan, MIT, Stanford e outras
universidades, reforçando a conexão indústria /univer-
Os executivos também têm razão! Em seu discurso sidade. Dessa forma, a preocupação de um “executivo
presidencial para a Academy of Management, questio- afastado da linha de frente” gerou uma solução inova-
nado sobre “o que aconteceria se a Academy realmente dora que continuou a influenciar a pesquisa de admi-
importasse?”, Donald Hambrick insinuou que ela não nistração.
faz muita diferença para os executivos porque “todo O que aconteceria se mais organizações empreen-
mês de agosto vimos aqui para trocar idéias; durante dessem e utilizassem pesquisas relevantes para a prá-
o resto do ano lemos papers dos colegas em nosso tica gerencial? O que aconteceria se mais pesquisado-
journal e escrevemos nossos próprios papers para que res de universidades pudessem encontrar organizações
possamos ter audiência no próximo mês de agosto: é tão receptivas quanto a Sears para se engajarem nesse

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tipo de pesquisas (e patrociná-las), bem como para Management, de Lyndall Urwick, e uma antiga publi-
utilizar os resultados a fim de melhorar suas opera- cação de Urwick e Brech em que também se enfatizava
ções? Quanto dinheiro as organizações poderiam pou- a importância das biografias no entendimento da evo-
par em honorários de consultoria e na inflexível bus- lução do pensamento gerencial.
ca de soluções rápidas? Quão valioso seria para os Muito do interesse de Urwick na pesquisa biográfi-
pesquisadores saberem que realmente afetam de ma- ca provinha do desejo de entender o management, as-
neira positiva as práticas gerenciais? sim como outros campos, como um fluxo cumulativo
Refletindo sobre tais questões, este artigo ilustra a de idéias. O mesmo argumento foi colocado mais re-
importância de pesquisas práticas de administração centemente por Witzel (2001) no prefácio de seu dici-
relevantes para as práticas gerenciais, tomando como onário biográfico de management, quando declarou:
base quatro importantes contribuições para a com- “Chegamos à conclusão de que nosso principal inte-
preensão gerencial, contribuições estas que foram ins- resse não eram os executivos como indivíduos, mas o
piradas pelas experiências organizacionais de um gru- management como um conjunto de idéias e práticas.
po de executivos investigadores e de pesquisadores Queríamos verificar se poderíamos utilizar o estudo
curiosos. Cada um dos casos que apresentamos colo- das pessoas para saber mais sobre suas idéias” (p. x).
ca novas provocações, e todas as parcerias discutidas
foram mais acidentais do que planejadas. O desafio é Insights autobiográficos
reconhecer meios de aumentar a probabilidade de Devido à sua dependência de fontes secundárias, as
produzir parcerias entre executivos e pesquisadores investigações biográficas fornecem insights limitados
que sejam mutuamente benéficas e que eles se re- sobre a origem das idéias. As autobiografias, por sua
forcem. Baseando nossas sugestões nas lições apren- vez, como exercícios de auto-exemplificação, ofere-
didas em cada caso, e recorrendo às descobertas re- cem um meio singular de examinar os bastidores e
lacionadas à transferência do conhecimento para a encontrar insights valiosos para o entendimento das
prática, oferecemos uma agenda para enfrentar esse experiências pessoais de seus autores, assim como a
desafio. conexão entre suas experiências e o desenvolvimen-
to de seus interesses e idéias. As autobiografias de
vários líderes da área de negócios, por exemplo, per-
ORIGENS DE IDÉIAS GERENCIAIS mitem que eles descrevam, com suas próprias pala-
INFLUENTES: UM PONTO DE PARTIDA vras, os fatos e as pessoas que moldaram suas vidas e
que os trouxeram às posições de liderança no setor
Onde podemos encontrar a gênese de idéias que em que atuam.
influenciam a teoria e a prática do management? Um O valor das autobiografias é realçado pelo fato de
ponto de partida lógico é o exame da vida dos indiví- que os autobiógrafos são os “reais atores de um papel
duos que desenvolveram e conduziram pesquisas teó- dual de participação-observação”, tendo um acesso pri-
ricas e que, por sua vez, deram origem às idéias que vilegiado a seus próprios pensamentos internos. Por
têm influenciado as práticas gerenciais contemporâ- fornecer informação auto-relevante direta e que não é
neas. Identificamos duas fontes principais para esse de segunda mão, o autobiógrafo é mais qualificado do
tipo de informação: as biografias e, ainda mais válidas que qualquer um para documentar pensamentos e ex-
para nossos propósitos, as autobiografias. periências que não são acessíveis por meio de outras
fontes. Pesquisas indicam que as considerações auto-
Insights biográficos biográficas sobre os episódios ou eventos mais impor-
A geração de insights sobre a vida e as idéias de tantes para o autor são tipicamente mais exatas do que
membros de grupos ilustres por meio do estudo de suas a reunião de experiências mais gerais e emocionalmen-
características biográficas comuns tem uma longa tra- te neutras.
dição na sociologia da ciência. Estudos biográficos Isso não quer dizer, no entanto, que não há proble-
revelaram insights sobre a vida de premiados com o mas potenciais com o uso de dados autobiográficos.
Nobel, de presidentes dos Estados Unidos, atletas As autobiografias podem, por exemplo, ser laudatórias
olímpicos, mestres do xadrez, psicólogos e estrelas ou imprecisas. Alguns detalhes podem ser esquecidos
de cinema. Talvez duas das mais conhecidas biogra- ou mal relembrados, e detalhes completamente novos
fias da literatura de negócios sejam o Golden Book of podem tomar espaço na memória do autor.

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Autobiografias de ambientais. Felizmente, as organizações evoluíram


pesquisadores da administração para lidar com as demandas crescentes de ambientes
Os seis volumes seriados de Bedeian, intitulados cada vez mais complexos. Atualmente, um tipo espe-
Management Laureates: A Collection of Autobiographical cial de organização, a high-reliability organization
Essays, oferecem uma base de dados única para o es- (HRO), tem criado desafios especiais para aqueles que
tudo das autobiografias de uma amostra de indivíduos a administram. Essas organizações “operam sob con-
que fizeram contribuições significativas para o campo dições muito difíceis, mas apresentam menos aciden-
do management. Incluídos nessas séries estão indiví- tes do que seria esperado”. As usinas de energia nu-
duos que participaram do desenvolvimento de teorias clear são HROs, assim como os sistemas de controle
que favoreceram a inovação das práticas gerenciais. de tráfego aéreo e os submarinos nucleares. Os porta-
Tais colaboradores foram selecionados para a série aviões nucleares têm sido um dos mais importantes
porque provocaram um impacto significativo sobre campos para a pesquisa de HRO. Admiral Thomas
esse campo e porque são contínuos observadores da Mercer, o segundo-capitão da USS Carl Vinson, entrou
pesquisa e prática do management. em contato com o trabalho que Karlene Roberts e seus
Examinamos as autobiografias de 52 laureados que colegas tinham feito sobre a introdução dos esquadrões
compõem as séries de Bedeian para identificar expe- F-14 na marinha de guerra norte-americana do Pacífi-
riências, eventos e pessoas que influenciaram a for- co. O conhecimento que Admiral Mercer obteve sobre
mulação de suas idéias sobre o management. Tendo esse trabalho foi decisivo para seu patrocínio de uma
em vista nosso objetivo, de ilustrar a importância de pesquisa baseada nos porta-aviões nucleares como pro-
pesquisas relevantes para a prática do management, tótipos de HROs.
queríamos examinar a extensão na qual as próprias O primeiro-capitão da Carl Vison era também o pri-
experiências organizacionais dos laureados e suas in- meiro-comandante do esquadrão F-14 e estava pres-
terações com a prática dos executivos tinham ajuda- tes a completar sua tese de doutorado em Física. Ao
do a moldar suas idéias e pesquisas. A análise confir- procurar uma literatura para a pesquisa que pudesse
mou que, ao discutirem as influências que sofreram ser útil para assegurar a presteza operacional do es-
em suas carreiras, os laureados evocavam lugares es- quadrão, deparou-se com a comunicação de pesquisa
pecíficos, nos quais ocorreram eventos relevantes, de Karlene Roberts e Charles O’Reilly. Mais tarde,
assim como indivíduos que influenciaram seu pen- quando Admiral Mercer expressou suas preocupações
samento. em relação à administração de tecnologias perigosas,
o primeiro-capitão sugeriu-lhe contatar Roberts. Quan-
Prática e pesquisa de administração do Mercer e Roberts se encontraram, conversaram so-
O Quadro 1 apresenta uma lista de quatro impor- bre a possibilidade de conduzir uma pesquisa em sua
tantes áreas de pesquisa prática relevante que tanto embarcação sobre os meios pelos quais as organiza-
resultaram das experiências organizacionais dos lau- ções aprendem a mitigar riscos. Esse encontro e a pes-
reados, quanto evoluíram a partir das interações entre quisa que se seguiu mudaram dramaticamente a vida
eles e executivos práticos. Cada área é discutida com de Roberts.
algum nível de detalhamento para ilustrar os benefícios Roberts literalmente “escreveu o livro” sobre como
que podem advir, para executivos e pesquisadores, administrar a mais complexa organização imaginável:
desse tipo de pesquisa baseada na realidade. As lições um porta-aviões nuclear. Além disso, essa não era ape-
aprendidas com cada experiência também foram bre- nas uma organização inacreditavelmente complexa,
vemente destacadas. mas também demandava algo próximo da perfeita
confiabilidade. HROs são “extremamente rígidas quan-
do nada interessante está acontecendo”, mas, se uma
HIGH-RELIABILITY ORGANIZATIONS, batalha ou uma simulação de batalha se desenvolve,
DIMINUIÇÃO DE RISCOS E MARINHA NUCLEAR “a flexibilidade assume o posto, confia-se que as pes-
soas farão seu trabalho da maneira que têm sido trei-
A moderna tecnologia vem originando novas for- nadas e a função do comandante é ter em mãos a visão
mas organizacionais. A administração, como discipli- do que acontece. O microgerenciamento não é somente
na formal, está sendo constantemente obrigada a atua- insatisfatório em tais situações: ele pode ser desastro-
lizar suas prescrições à luz da mudança das condições so”. Os resultados da pesquisa de Roberts têm sido

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Quadro 1 – Exemplos de pesquisas relevantes para a prática.


ORGANIZAÇÃO PESSOA QUE PESQUISA INDIVÍDUO SIGNIFICÂNCIA
NA QUAL A SUGERIU OU GERADA QUE DA PESQUISA
PESQUISA SE PATROCINOU A CONDUZIU A
ORIGINOU PESQUISA PESQUISA
United States Admiral Thomas Desde 1987, a pesquisa é utili- Karlene Ajuda no entendimento de um im-
Navy – USS Carl Mercer, Segun- zada para prática do definido e H. Roberts portante e crescente tipo de orga-
Vinson do-Capitão da refinado gerenciamento das nização que opera sob condições
Carl Vison HROs, incluindo como essas for- adversas, mas precisa ter um nú-
mas organizacionais são estru- mero nulo de acidentes. Exemplos
turadas, mitigam riscos etc incluem centros de controle de trá-
fego aéreo, geração de energia nu-
clear, submarinos, porta-aviões e
salas de emergência de hospitais

Three Mile Island Cora Marrett – O estudo gerou reconhecimento Charles Falhas irreparáveis de sistemas, tais
Nuclear Plant Funcionária do de que os indivíduos criam riscos Perrow como o desastre da Challenger e o
governo que diri- catastróficos que não podem ser vazamento químico da Union
giu o estudo do administrados. Sugere que “aci- Carbide Bhopal, Índia, aceleraram
desastre de dentes normais” acontecem em a preocupação com a urgência de
Three Mile Island todos os sistemas, mas quando “pensar o impensável”, “administrar
estes são relativamente pequenos o inesperado” e obter uma melhor
e falham, os danos podem ser apreciação das necessidades de
contidos. Já quando os sistemas uma crise gerencial
se tornam maiores e mais inter-
dependentes, falhas irreparáveis
podem ocorrer

Rolls-Royce Barney Mathias, Observações do processo pelo John Child Controvérsia contínua entre os que
Diretor de qual os executivos decidem fa- defendem que “os executivos fazem
Pessoal zer mudanças que mais tarde se diferença” no sucesso ou falha de
tornarão escolha de perspectiva uma organização e os que sugerem
estratégica. Essa abordagem en- que a sobrevivência organizacional
fatiza a importância dos executi- e o sucesso resultam mais da sorte
vos, da legitimidade de sua parti- e do acaso do que das escolhas
cipação no desenvolvimento de gerenciais
arranjos organizacionais, e nega
que as questões estruturais sejam
problemas puramente técnicos

Rand Corporation Robert Gross, Exames da miopia organizacio- H. Igor Ansoff O processo decisório estratégico efe-
and Lockheed CEO da nal baseados na experiência da tivo e a formulação estratégica per-
Aircraft Lockheed Rand e de problemas relaciona- manecem sendo a mais básica de
Corporation dos com o gerenciamento de todas as questões que os executi-
organizações diante de descon- vos devem fazer e responder para a
tinuidades ambientais satisfação dos acionistas. O envolvi-
mento com essas questões culmi-
nou em um dos mais influentes li-
vros sobre estratégia corporativa

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aplicados no processo decisório de pilotos da aviação que lhe deu liberdade de aprender, experimentar e
comercial, bombeiros, médicos de salas de emergên- pesquisar questões relacionadas a gerenciamento e
cia e negociadores da polícia. desenho organizacional.
O trabalho de Roberts ensina-nos duas importantes No contexto de uma pesquisa dominada pela “teo-
lições sobre a pesquisa da administração que importa ria da contingência”, muitos pesquisadores contem-
para os executivos. porâneos formularam conceitos de desenho organi-
Primeiro, a pesquisa relevante para a prática tem zacional que parecem primariamente determinados
mais probabilidade de ocorrer quando há uma “pre- pelo meio ambiente enfrentado pela organização.
disposição” para colaborar. Admiral Mercer foi infor- Child notou, entretanto, que diferentes departamen-
mado sobre os benefícios potenciais da pesquisa que tos da Oil Engine Division da Rolls-Royce faziam suas
mitiga riscos porque um oficial amigo seu, buscando próprias opções preferenciais para ter sucesso em suas
orientação acadêmica que pudesse resolver problemas respectivas tarefas ambientais. Considerando que to-
reais, recomendou Roberts. Nas palavras de Roberts, dos os departamentos enfrentavam essencialmente o
ele “estava buscando na estante uma pesquisa que mesmo ambiente, não havia uma concordância sobre
pudesse ajudá-lo”. Além disso, a experiência pessoal o desenho organizacional para um contexto ambien-
de Roberts em seu trabalho na usina nuclear da Pacific tal uniforme. Baseado nessas observações, Child for-
Company’s Diablo Canyon tornou-a atenta aos desafios mulou sua perspectiva de escolha estratégica, susten-
singulares da gerência das HROs. tando que o ambiente organizacional não é um fator
Segundo, a pesquisa relevante para a prática pode objetivo, mas algo que é constantemente reinterpre-
requerer que os pesquisadores deixem seus campos tado e disputado pela equipe de top managers da or-
confortáveis e familiares e que os executivos este- ganização. Os executivos não são dominados por
jam dispostos a romper o invólucro e permitir o aces- ambientes determinísticos, mas fazem muitas esco-
so a contextos de pesquisa aparentemente inacessí- lhas estratégicas em relação ao desenho e aos siste-
veis. Roberts, por exemplo, foi desencorajada ao mas técnicos, seja para crescer ou para fazer novos
ouvir queixas sobre “deixar uma equipe de pesqui- contratos, seja para permanecer ou gravitar em tor-
sa a bordo de um navio durante a organização das no de uma tarefa ambiental menos dinâmica, e assim
tropas para o combate”. Mais desafiador ainda foi o por diante.
ato do Congresso, que proibia mulheres de partici- A perspectiva da escolha estratégica dirige-se para
parem de exercícios militares no mar. Como Roberts uma das mais fundamentais considerações que con-
observou, entretanto, um “oficial da Marinha suge- frontam a pesquisa e a prática da administração: se o
riu que eu persistisse. Eu o fiz, e passei uma parte ambiente organizacional determina sua estrutura e suas
dos próximos quatros anos no mar, com a Marinha decisões críticas, os executivos importam muito pou-
de guerra”. co; mas, se os executivos não importam, a pesquisa de
administração menos ainda. Por outro lado, se o esta-
do do ambiente organizacional é discutível e sujeito à
ROLLS-ROYCE, ESCOLHA ESTRATÉGICA E interpretação, os executivos fazem uma grande dife-
POR QUE OS EXECUTIVOS SÃO IMPORTANTES rença, assim como nossas tentativas de entender os
processos de tomadas de decisão estratégicas.
John Child fez algo que poucos pesquisadores da Tanto a teoria da contingência quanto o determi-
administração fazem – trabalhar em período integral nismo ambiental advogam ter desafiado grandemente
em uma corporação global. Os dois anos que Child a importância dos executivos na economia moderna.
passou na Rolls-Royce afetaram seu pensamento so- Alfred Chandler ilustra a importância dos assalaria-
bre o management de muitas maneiras. Essa influência dos, dos executivos de nível médio e dos top managers
foi talvez mais claramente demonstrada por sua for- no desenvolvimento das empresas modernas e argu-
mulação da perspectiva de escolha estratégica, descre- menta, convincentemente, que a “mão visível” do pro-
vendo o “processo pelo qual top managers decidem fissional do management vem substituindo a “mão in-
buscar a mudança por meio de uma direção estratégi- visível” da economia clássica na “coordenação dos
ca da organização”. Child atribui muito de seu pensa- fluxos e alocação de recursos”. Nesse processo, de acor-
mento à tolerância do gerente de recursos humanos do com Chandler, as empresas têm se tornado uma
da Rolls-Royce Oil Engine Division, Barney Mathias, fonte de “permanência, poder e crescimento continua-

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do”. O determinismo ambiental desafiou a necessida- ele tinha pedido a Cora Marrett, uma estudante e fun-
de de uma mão visível, mas Child reforçou o papel cionária do governo, para estudar o acidente, forne-
das habilidades e do julgamento gerencial na formula- cendo uma perspectiva sociológica para uma investi-
ção estratégica. gação predominantemente técnica e científica, e o efei-
O trabalho de Child ensina-nos duas importantes to que isso teve nele, pessoal e profissionalmente.
lições sobre como fazer a pesquisa de administração Quando ele revisou o material da investigação, decla-
importar para os executivos. rou: “Examinei as transcrições naquela tarde e não
Primeiro, embora os executivos necessitem de jus- podia dormir. Quando eu caí no sono, tive os piores
tificativas práticas para permitir o acesso dos pesqui- pesadelos que já havia tido desde meus tempos de exér-
sadores aos cenários organizacionais, desbloquear esse cito. O testemunho dos operadores causou uma im-
acesso pode resultar no que James March chamou, em pressão profunda sobre mim. Aqui estava um enorme
uma perspectiva acadêmica, de “desenvolvimento de e catastrófico risco tecnológico e eles não tinham idéia
idéias fundamentais que moldam o pensamento geren- do que estava acontecendo por algumas horas... Subita-
cial”. Primeiro-chairman do Citigroup e co-CEO, John mente, percebi que estava no meio disso, bem no meio
Reed expressou uma visão similar, destacando que era disso, porque era um problema organizacional mais do
essencial a ele se distanciar das pressões diárias dos que qualquer outra coisa, e que eu era um teórico or-
negócios para obter acesso à pesquisa e à reflexão que ganizacional”.
aumentariam “o espaço de oportunidade” para o futu- Embora a atenção hoje esteja focada em impensáveis
ro do Citigroup. atos terroristas, o subtítulo do livro de Perrow, Living
Segundo, os pesquisadores devem entrar nas organi- with High Risk Technologies, enfatiza o fato de que or-
zações com uma disposição de ir aonde as questões ganizações altamente complexas e sistemas tecnológi-
acontecem, ao invés de interpretar os fenômenos no cos apresentam igualmente sérios perigos. Antes de
contexto da sabedoria acadêmica convencional. Child sua imersão nos fatos de Three Mile Island, Perrow
foi capaz de ir além do contexto de pesquisa dominado vinha formulando uma tese para um livro, provisoria-
pela teoria da contingência e, ao fazer isso, desenvol- mente intitulado A Society of Organizations. Ele notou
veu uma explicação para o comportamento observado, que acidentes normais ou sistêmicos ocorreram em
que era inconsistente com o pensamento corrente. todas as organizações que ele tinha observado, inclu-
sive nas corporações. Sua tese, mesmo antes de Three
Mile Island, era a de que, quando os sistemas são pe-
THREE MILE ISLAND: PENSANDO O IMPENSÁVEL quenos e relativamente independentes, o resultado
danoso pode ser contido. Quando os sistemas se tor-
A crise do management, como um campo formal de nam maiores e mais inter-relacionados, tornam-se
pesquisa e prática, obteve recentemente “seu lugar.” crescentemente inadministráveis e falhas irreparáveis
Centros de excelência têm sido estabelecidos em uni- são mais prováveis de acontecer. Perrow tinha uma
versidades líderes e os consultores vêm fazendo fortu- “teoria primitiva” sobre complexidade e interconexão.
na aconselhando as corporações a como sobreviver às Three Mile Island ofereceu-lhe um caso com o qual
crises e controlar o prejuízo associado. Desde 11 de se- ele pôde testar sua teoria. Há pouca dúvida de que as
tembro de 2001, os executivos gastam cada vez mais organizações de hoje e, em grande medida, as do futu-
tempo pensando e planejando os perigos reais coloca- ro estão se tornando cada vez mais inter-relacionadas.
dos pelas crises terroristas, assim como a crescente com- Acidentes normais irão acontecer e os executivos te-
plexidade das tecnologias que são características de rão de se tornar experts sobre como responder a isso
nossa sociedade industrial moderna. A base a partir da de modo apropriado.
qual muitas decisões face à crise gerencial são tomadas, A oportunidade oferecida a Perrow por Marret para
hoje, nas salas de diretoria pode ser traçada a partir dos estudar os aspectos sociológicos da crise de Three Mile
resultados de uma pesquisa realizada em 1979 sobre o Island levou à outra pesquisa original sobre como “pen-
acidente ocorrido na usina de geração de energia nu- sar o impensável” e, em última instância, como “ad-
clear de Three Mile Island, que foi baseada no pensa- ministrar o inesperado”. Essa pesquisa investigou tó-
mento de Charles Perrow e na publicação de seu livro picos que abrangem desde acidentes de avião
Normal Accidents: Living with High Risk Technologies. aténatrasos no embarque de trens. As lições aprendi-
Perrow conta uma assustadora história sobre como das com Three Mile Island, em 1979, não tiveram de

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esperar muito para serem testadas e refinadas por exe- única para seu futuro pensamento sobre as organizações.
cutivos que enfrentaram crises: a crise de 1980 da De acordo com Ansoff, um modelo que ele desen-
Procter & Gamble com o tampão Rely, a crise da volveu em seu trabalho na Otan incluía um número
Johnson & Johnson’s com as cápsulas extrafortes do de variáveis não técnicas que eram incomuns nos es-
Tylenol, e o vazamento químico da Union Carbide tudos da Rand. Na Rand, o costume era apresentar
Bhopal, Índia, que, em estimativas conservadoras, estudos para a crítica e avaliação do staff interno an-
matou 2 mil pessoas e cegou mais umas 250 mil. tes de serem repassadas para os clientes. Ansoff obser-
Roberts e Bea, por exemplo, argumentam que o traba- vou que, na visão do staff da Rand, a introdução de
lho de Perrow tem sido útil para profissionais que estu- variáveis “soft”, que tornariam as predições de seu
dam por que aviões caem, represas colapsam, navios modelo mais realistas e importantes, seria uma deficiên-
colidem e fábricas explodem. cia. Escrevendo sua autobiografia, ele percebeu que
O trabalho de Perrow ensina-nos duas importantes esse era seu primeiro encontro com a miopia organi-
lições sobre fazer pesquisa de administração que im- zacional. Em uma experiência relacionada, envolven-
porta para os executivos. do um estudo do Strategic Air Command (SAC), Ansoff
Primeiro, que oportunidades são criadas quando observou: “Embora eu não tenha percebido naquela
os executivos reconhecem que precisam pensar de época, a rejeição pelo SAC e a quase rejeição pelo staff
forma “fora do padrão” sobre problemas convencio- da Rand continham insights valiosos sobre o modo
nais. Para muitas pessoas, Three Mile Island foi um como as organizações reagem aos estudos que contra-
problema de engenharia, mas Marret reconheceu o dizem seu comportamento e suas experiências histó-
potencial benefício de se valer de uma perspectiva ricas. Esses insights emergiram de meu subconsciente
sociológica para enriquecer e esclarecer uma perspec- 20 anos mais tarde e ajudaram-me a entender e lidar
tiva exclusivamente técnica. com os problemas de resistência gerencial às mudan-
Segundo, os pesquisadores podem criar direções ças estratégicas descontínuas”.
novas e produtivas no desenvolvimento do conheci- Mais pertinente para nossos propósitos foi a decisão
mento por meio do pensamento, que vai além de seus de Ansoff de se tornar membro do Corporate Planning
modelos convencionais de pesquisa. Embora inicial- Department da Lockheed Aircraft Corporation. Robert
mente cético, Perrow veio a apreciar o caso Three Mile Gross, o CEO da Lockheed, colocou Ansoff como
Island como um problema organizacional e começou responsável pela diversificação da força-tarefa. Em
a trabalhar aplicando seu conhecimento como teórico conseqüência, Ansoff ampliou o foco de sua aten-
das organizações. Ele havia tido uma carreira confor- ção em relação ao desafio de administrar organiza-
tável e notável na sociologia organizacional tradicio- ções que enfrentam descontinuidades ambientais, as
nal. Sua pesquisa sobre Three Mile Island, entretanto, quais se tornaram o tema central de seu trabalho
não somente resultou em uma prática relevante para o por três décadas.
conhecimento, como também influenciou a direção de Todos esses incidentes indicam a influência que
seu trabalho nos anos seguintes. Rand, Lockheed e Mr. Gross tiveram sobre o indiví-
duo que se tornou conhecido como “o pai da adminis-
tração estratégica”. Ansoff foi o principal contribuidor
RAND, LOCKHEED E ESTRATÉGIA para o entendimento que os executivos contemporâne-
CORPORATIVA MODERNA os têm sobre o processo decisório estratégico, e grande
parte de seu clássico livro Corporate Strategy: An Analytic
Os pesquisadores algumas vezes recorrem às suas ex- Approach to Business Policy for Growth and Expansion,
periências organizacionais pessoais, em um lugar parti- foi baseada em sua experiência como executivo.
cular, para definir e refinar suas idéias. A curiosidade O trabalho de Ansoff ensina-nos duas importantes
sobre por que as organizações operam da maneira como lições sobre como fazer pesquisa de administração que
o fazem é uma valiosa fonte de questões e hipóteses importa para os executivos.
de pesquisa, como foi ilustrado no caso de Child na Primeiro, as práticas organizacionais e os executi-
Rolls-Royce. As experiências de Igor Ansoff, na Rand vos que as desenvolvem freqüentemente envolvem
Corporation, enquanto administrava um grande projeto mais do que uma simples pesquisa aplicada. Na reali-
na avaliação da vulnerabilidade das forças áreas da Otan dade, muito da pesquisa de administração é baseado
ao ataque soviético, também fornecem uma plataforma na observação de práticas organizacionais. A experiên-

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DOCUMENTO • A PESQUISA QUE FAZ DIFERENÇA

cia de Ansoff demonstra que uma mente aberta e pectivas. Os pesquisadores estavam dispostos a en-
perceptiva provavelmente encontrará ricas possibili- trar em ambientes pouco familiares, até mesmo des-
dades de pesquisa relacionadas às realidades organi- confortáveis, e a se mover para além dos limites das
zacionais rotineiras. teorias existentes para perceber realidades organiza-
Segundo, a pesquisa baseada na observação partici- cionais fora das fronteiras estabelecidas pelas descri-
pativa em cenários organizacionais pode requerer mé- ções convencionais. Essas são importantes lições, mas
todos de pesquisa inovadores para capturar a riqueza os insights obtidos são insuficientes para nos ofere-
da realidade organizacional sem sacrificar a validade cer meios de aumentar a probabilidade de parcerias
interna necessária à generalização dos resultados. Em mutuamente benéficas entre executivos e pesquisa-
conseqüência, pode ser desafiante aceitar métodos não dores. Felizmente, existem pesquisas que provêem
ortodoxos, assim como usar a pesquisa gerada dessa uma base para tal entendimento.
forma para informar a prática gerencial. Nonaka e Takeuchi introduziram a noção de “es-
piral de conhecimento” para descrever como estimu-
lar intercâmbios úteis que podem ocorrer entre exe-
CONHECIMENTO ESPIRAL: REQUISITOS cutivos e pesquisadores. Um espiral de conhecimen-
PARA ENCONTROS CONSCIENTES to começa quando executivos e pesquisadores socia-
lizam ou se associam por meio de contratos de con-
Esses quatro casos oferecem lições particulares em sultoria, reuniões profissionais e programas de exe-
relação à pesquisa de administração que importa para cutivos in company. Executivos e pesquisadores tor-
os executivos. Claramente, a pesquisa de administra- nam-se mutuamente conscientes sobre suas pressu-
ção pode ser, e tem sido, útil para os executivos prá- posições, percepções e valores, e, conseqüentemen-
ticos. Alguns livros, tais como Built to Last, escrito te, alcançam um entendimento mais profundo das
por pesquisadores acadêmicos, são largamente lidos perspectivas de cada um. Isso torna então possível que
por executivos. Entretanto, tais livros, assim como executivos e pesquisadores partilhem do conhecimento
os casos que discutimos, são mais exceções do que explícito necessário para os projetos de pesquisa e
regra. Por que ficamos impressionados pos encontros cooperem como membros de equipes de pesquisa. Fi-
bem-sucedidos entre pesquisadores e executivos ou nalmente, o objetivo mais importante é atingido quan-
quando um livro de um pesquisador acadêmico inte- do a pesquisa é usada para informar e influenciar as
gra a lista de best-sellers? Não deveríamos imaginar práticas gerenciais.
que muitas, talvez a maioria, das práticas convencio-
nais do management emergiram de parcerias mutua-
mente benéficas para executivos e pesquisadores? O INTERAÇÃO: A NECESSIDADE
que seria necessário para encorajar a geração de no- DO PRIMEIRO PASSO
vos conhecimentos científicos sobre organizações e
gerenciamento e, ao mesmo tempo, para produzir pes- Embora a interação entre executivos e pesquisado-
quisas que podem ser utilizadas por aqueles que são res não assegure colaboração, as parcerias não podem
responsáveis pelo cotidiano organizacional? se desenvolver sem intercâmbios face-a-face. Quando
As lições aprendidas nos casos previamente discu- executivos e pesquisadores se juntam com o propósi-
tidos contam-nos muito sobre quais necessidades po- to de verdadeiramente aprender uns com os outros,
dem ser atendidas para encorajar mais pesquisas re- um “círculo virtuoso” começa a se formar. O círculo
levantes à pesquisa de administração. Tais pesquisas não irá, entretanto, formar-se facilmente. Diferenças e
requerem que os executivos, os pesquisadores e as incompatibilidades importantes nos estilos de resolu-
organizações tenham certas qualidades. Os encontros ção de problemas devem ser resolvidas.
descritos em cada caso ocorreram entre executivos No estudo conduzido por Dossabhoy e Berger so-
experientes que apoiaram e confiaram nos pesquisa- bre os pesquisadores das business schools, reitores,
dores e não foram avessos aos riscos profissionais e, egressos dos MBAs executivos e executivos seniores,
algumas vezes, pessoais. Os executivos estavam dis- foi feita uma tentativa de determinar o que cada gru-
postos a patrocinar novas formas de entendimento po pensa como sendo as características de uma pes-
de suas organizações e tiveram confiança suficiente quisa exemplar em administração. As características
em si mesmos para solicitar e encorajar novas pers- identificadas pelos pesquisadores foram similares às

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reconhecidas pelos reitores, assim como as caracterís- duzir muitos efeitos negativos que afetam pesquisa-
ticas identificadas pelos MBAs foram similares às re- dores e executivos.
conhecidas pelos executivos seniores. Já as caracterís- Um excelente exemplo da importância da interação
ticas identificadas pelos pesquisadores e reitores dife- com vistas à aceitação de perspectivas é estabelecido
riram significativamente das características identifica- por Roberts. Quando ela e seus colegas começaram sua
das pelos MBAs e executivos seniores. pesquisa nas HROs, uma das primeiras atitudes foi
O “modelo executivo” (MBAs executivos e executi- reconciliar “oficiais da Marinha e executivos do siste-
vos seniores) via a pesquisa exemplar começando com ma de controle de tráfico aéreo da FAA, na área da
uma explicação da realidade gerencial, escrita em ter- baía, e o pessoal da usina nuclear, em Diablo Canyon.
mos breves e concisos e com implicações diretas na A embarcação proporcionou um dia de workshop para
ação gerencial. As implicações deveriam levar a reco- que os executivos dessas unidades pudessem conver-
mendações explícitas que ajudassem na solução de sar sobre seus desafios comuns”.
problemas gerenciais reais. A pesquisa de administra- A aceitação de perspectivas deve começar com o
ção, nesse modelo, deveria melhorar a performance reconhecimento de que nem todos os pesquisado-
corporativa e ser útil para o andamento dos negócios res devem tentar realizar pesquisa relevante para a
A cultura e o ambiente competitivo das empresas prática e de que nem todas as organizações devem
requerem que os executivos tomem decisões rápidas e patrociná-la. Nesse aspecto, há dois modelos de co-
freqüentemente com insuficiência de informações. O nhecimento de administração. Cada tipo advém de uma
modelo executivo é considerado essencial no acelera- subcultura de pesquisa relativamente bem definida,
do mundo dos negócios, mas pode ocasionar proces- mas isolada. O modelo 1 de conhecimento (M1K) é
sos decisórios “rápidos e às vezes sujos”, o que é es- científico no senso convencional que interessa às uni-
tranho ao cauteloso e cuidadoso pesquisador Os pes- versidades; é disciplinar; é e mais focado na teoria do
quisadores são treinados para buscar informações, que na prática. O M1K deriva da adesão ao modelo
mesmo sob o risco e o custo de gastar mais tempo. No acadêmico tradicional. Esse modelo, aprovado pelos
ambiente acadêmico, a informação é vista mais como pesquisadores acadêmicos, defende que a pesquisa
um ativo do que como um custo. A pesquisa de quali- deveria começar com questões relevantes e ser con-
dade preocupa-se com questões de gerenciamento e cluída com contribuições para o conhecimento teóri-
organização que são “maiores” do que as soluções para co. A pesquisa deve ser baseada em premissas sensa-
problemas imediatos e é focada nas “idéias básicas que tas, a partir das quais as hipóteses podem ser desen-
moldam o discurso sobre o management”. A interação volvidas e testadas. A pesquisa acadêmica requer amos-
de executivos e pesquisadores pode levar a uma com- tragem apropriada e análise rigorosa de dados por meio
preensão, senão a uma apreciação, das perspectivas de da qual inferências lógicas podem ser feitas. Os resul-
diferentes comunidades profissionais. tados precisam ser internamente consistentes e pro-
por generalizações defensáveis, que podem ser repro-
duzidas por outros pesquisadores.
EXPANDINDO PERSPECTIVAS O modo de conhecimento 2 (M2K) é rigoroso, mas
transdisciplinar, estando mais voltado para o conheci-
A pesquisa de Dossabhoy e Berger confirmou que mento utilizado na aplicação prática. Esse tipo de co-
quanto maior o grau de aceitação de perspectivas en- nhecimento tem como objetivo gerar insights sobre um
tre os executivos e os pesquisadores, maior será o uso contexto particular com vistas a obter soluções práti-
da pesquisa para informar a prática gerencial. A acei- cas para identificar problemas gerenciais. Os usuários
tação de perspectivas, no entanto, não é resultado au- do M2K necessitam de sofisticação e rigor metodoló-
tomático da interação. Perceber a utilidade da pesqui- gico o suficiente para garantir que a evidência que
sa requer mais do que unir tópicos definidos para se- baseia suas decisões seja sensata.
rem pesquisados. Envolve um relacionamento entre os Em geral, os pesquisadores universitários têm inte-
executivos e os pesquisadores. Tem sido dito que “ser resse em gerar conhecimento do tipo M1K e se res-
acadêmico demais e ser insuficientemente acadêmico guardam na busca e disseminação de conhecimento
inevitavelmente gera uma imaginação persecutória”. em favor do próprio conhecimento. Em contraste, as
Imaginações persecutórias são disfuncionais. A verda- empresas tipicamente têm pouco interesse em patro-
deira aceitação de perspectivas, entretanto, pode re- cinar pesquisas que podem resultar em tornar pública

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DOCUMENTO • A PESQUISA QUE FAZ DIFERENÇA

uma vantagem competitiva. Compreensivelmente, admitem que a pesquisa exemplar de administração


como os pesquisadores acadêmicos estão compro- deveria emergir de problemas críticos, ter um claro
metidos no desenvolvimento do M1K, não se deve propósito, ser coerentemente escrita, usar fontes de
esperar que eles gerem M2K, e como os executivos dados confiáveis, ser objetiva e imparcial, estabele-
estão interessados no uso do conhecimento como cer uma estrutura conceitual, ser original e inovado-
ferramenta competitiva, não se deve esperar que eles ra, generalizável para além do próprio contexto, de-
disponibilizem gratuitamente resultados de pesqui- safiar suposições correntes, ter recomendações sus-
sa do tipo M2K. tentadas por dados, proporcionar muitas boas idéias
Quando os executivos, entretanto, debatem inter- e ser baseada em premissas válidas.
namente questões gerenciais, e o debate pode ser rela- Dossabhoy e Berger também sugerem um modelo
cionado a agendas mais universais de pesquisa, a acei- para superar o gap: uma transcendência em vez de uma
tação de perspectivas de todas as partes tem o poten- mera integração dos modelos acadêmico e executivo.
cial de facilitar a construção de redes efetivas de cola- A pesquisa exemplar de administração conduzida sob
boração para o desenvolvimento do conhecimento. esse modelo deveria transcender os objetivos triviais
Idealmente, a disseminação de resultados relevantes que tanto os acadêmicos quanto os executivos atribuem
nessas redes deveria ocorrer como parte integrante do às questões críticas do management, ser claramente
processo de pesquisa. apresentada, resultar em recomendações para a ação
Parcerias entre executivos e pesquisadores ou re- baseadas em dados e análise válidos e ser sujeita à ve-
des oferecem a promessa de fazer a pesquisa de ad- rificação. Essa pesquisa deveria atender às necessida-
ministração mais útil para os executivos por meio do des das mais exigentes comunidades acadêmicas e as-
aumento de sua qualidade e relevância. Geralmente segurar uma base de controle de qualidade. Ela deve-
se reconhece que os executivos tomam decisões ope- ria, também, adicionar valor real ao processo decisó-
racionais baseados em seu entendimento da história rio gerencial. As recomendações deveriam ser basea-
de uma empresa, seu background e as experiências das em dados, ao invés de especulações, e estabelecer
passadas nas quais estiveram envolvidos. No dese- diretrizes para a ação gerencial.
nho de seus estudos, os pesquisadores procedem da Uma pesquisa de administração que fosse crítica,
mesma maneira. Como Neustadt e May observaram, verificável, válida, útil e clara não apenas tornaria a pes-
o contexto requer que tanto os executivos quanto os quisa acadêmica mais útil, mas também melhoria sua
pesquisadores pensem “em tempo real”. Consideran- qualidade. Os executivos, por sua vez, oprimidos com
do que fazer isso ajuda os pesquisadores na identifi- problemas e soluções especulativas, iriam dar boas-
cação de questões de pesquisa de alto valor agrega- vindas à pesquisa gerada de acordo com um modelo
do, isso também ajuda os executivos a investigarem de transcendência, teriam mais confiança em relação
como as recomendações operacionais poderiam ser à sua utilidade e se tornariam consumidores mais se-
afetadas pelas mudanças nas condições e pressuposi- letivos da pesquisa de administração.
ções da indústria.

UMA AGENDA DE AÇÃO


UM VISLUMBRE DE ESPERANÇA
Nosso exame da gênese de pesquisa relevante para
Embora a pesquisa de Dossabhoy e Berger confir- a prática e sua transferência para a prática gerencial
me que, de fato, há um gap entre as características da sugere uma agenda para aumentar a probabilidade de
pesquisa exemplar de administração, e, como ela é geração de pesquisa com essas características. Exis-
percebida pelos acadêmicos e executivos, existe uma tem, na verdade, alguns passos específicos que os pes-
área de concordância que poderia proporcionar um quisadores universitários e os executivos podem e de-
ponto de partida para transcender esse gap, além de vem seguir para encorajar mais e melhores pesquisas
induzir mais exemplos de parcerias mutuamente be- relevantes para a prática gerencial. Ocasionalmente,
néficas entre executivos e pesquisadores. Dossabhoy como os quatro casos indicaram, o M2K desenvolve-
e Berger descobriram que há características da pes- se como resultado de acidentes ou coincidências
quisa exemplar de administração que acadêmicos e incomuns. O valor potencial de tal informação enco-
executivos concordam serem importantes. Ambos raja-nos a oferecer a seguinte agenda para aumentar a

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probabilidade de que a pesquisa de administração seja ções da pesquisa de administração para determinar a
usada para incrementar a prática executiva: extensão na qual ela é realmente útil para a prática
gerencial. Raramente algum resultado científico é per-
1. Tanto pesquisadores universitários quanto executi- feito em sua primeira aplicação. A prática gerencial
vos devem procurar ativamente oportunidades de de- partilha com a descoberta científica uma importante
senvolver fóruns de interpretação conjunta, envolven- característica: ambas melhoram com aplicação,
do executivos e pesquisadores de administração. Tais testagem e refinamento. As universidades, da mesma
fóruns encorajariam a socialização e poderiam ter a maneira, deveriam se tornar mais tolerantes com a pes-
forma de simpósios co-patrocinados nas reuniões pro- quisa que envolve mais tempo e superar a tendência
fissionais, nos programas de executivos in company e de julgar a produtividade acadêmica pelo número de
outros. Os fóruns de interpretação conjunta são úteis publicações, ao invés de medir a significância de seu
para engajar executivos e pesquisadores na definição impacto na comunidade acadêmica.
de questões, reflexão e interpretação de informação e 6. As universidades deveriam reconhecer a importância
sugestão de esforços de definição de desenho organi- da pesquisa que é crítica, verificável, válida, útil e cla-
zacional usando resultados de pesquisas. O patrocí- ra, mesmo que não seja publicada nas mais prestigiadas
nio da Marinha dos Estados Unidos para convocar revistas da área. Essas revistas, por sua vez, também
um workshop sobre redução de riscos, por exemplo, deveriam se tornar mais receptivas à pesquisa que se-
foi fundamental para envolver os executivos e in- gue o modelo de transcendência, tanto quanto o mo-
fluenciar o direcionamento inicial da pesquisa de delo acadêmico tradicional. A tolerância também de-
Roberts. veria ser aplicada a livros escritos primariamente para
2. Os fóruns de interpretação conjunta deveriam ser en- executivos e publicados por editoras mais orientadas
corajados e patrocinados por sociedades profissionais, ao mercado. Talvez as editoras universitárias pudes-
empresas e universidades, pois as evidências sugerem sem se tornar importantes atores na publicação de tra-
claramente que a interação mais freqüente entre exe- balhos que transcendessem o público acadêmico. Tal
cutivos e pesquisadores ocasiona um aprofundamento nicho poderia encontrar parceiros dispostos nas cor-
das relações e encoraja a aceitação de perspectivas en- porações e outras organizações que poderiam ver es-
tre eles. Apenas realizar pesquisas sobre temas rele- ses investimentos como alternativas de valor agregado
vantes para os executivos não gera a aceitação de pers- aos exorbitantes honorários de consultorias.
pectivas. Esta ocorre quando os pesquisadores enten- 7. As empresas e outras organizações deveriam buscar
dem o que um tema significa para os executivos e os oportunidades de parcerias com pesquisadores univer-
executivos compreendem como os pesquisadores per- sitários para investigar questões que estão abertas ao
cebem diferentes questões. debate, mas somente quando houver um claro enten-
3. Enquanto protegem a pesquisa M1K, as universidades dimento de que os resultados das pesquisas serão li-
deveriam também encorajar ativamente, e recompen- vremente disseminados para um público mais amplo.
sar, a pesquisa M2K que, por intermédio das informa- 8. As parcerias produtivas entre executivos e pesqui-
ções relevantes para a prática, resulta no engajamento sadores podem ser valiosas para todos os interessa-
das organizações na melhoria de seu próprio desenho dos, mas aumentar a probabilidade de encontros
e de suas próprias atividades. conscientes deve ser um processo deliberado. Esses
4. A importância da perspectiva crítica, da verificabilida- encontros, quer sejam acidentais ou conscientes, de-
de, da validade, da utilidade e da clareza deve ser enfa- vem ser ativamente encorajados. Entretanto, há um
tizada no treinamento dos pesquisadores de adminis- paradoxo. Parcerias produtivas não irão se desen-
tração junto às habilidades convencionais associadas à volver até que executivos, pesquisadores, universi-
pesquisa acadêmica. Esforços devem ser realizados para dades e organizações reflitam sobre os próprios ter-
demonstrar tais qualidades em toda pesquisa de admi- mos não convencionais aos quais as parcerias visam
nistração, na esperança de que os executivos come- a encorajar. No clássico “beco sem saída”, entretan-
cem a perceber que a pesquisa tem o potencial de ser to, não podemos pensar de um modo não convencio-
compreendida, de melhorar a performance organiza- nal sobre nossas suposições, papéis e valores até que
cional e de agregar valor genuíno. desenvolvamos, primeiro, parcerias efetivas. Nada,
5. Os pesquisadores devem se comprometer com acom- exceto uma “reengenharia” das relações entre exe-
panhamentos de longo prazo e avaliações das aplica- cutivos e pesquisadores, é necessário.

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DOCUMENTO • A PESQUISA QUE FAZ DIFERENÇA

UMA SUGESTÃO FINAL gerir questões mais amplas para os que estão focados
exclusivamente nos desafios cotidianos. A meta seria
Ninguém sugeriria que mesmo o mais arrogante e fornecer, de início, uma verificação de que a questão
míope dos executivos ou pesquisadores não está in- examinada é potencialmente importante para os exe-
teressado em meios de facilitar a tradução do pensa- cutivos. Admitimos, no entanto, que essa também é
mento gerencial em prática gerencial. De maneira de- uma visão unilateral, que favorece os executivos ao
fensável, muitas pessoas, ao menos intelectualmen- conduzir a pesquisa de administração.
te, vêem a necessidade de parcerias mutuamente be-
néficas entre executivos e pesquisadores. De fato, pes-
quisadores da administração freqüentemente seguem DESAFIOS FUTUROS
certas convenções para sugerir como executivos de-
veriam fazer seu trabalho. Por exemplo, uma seção- Neste artigo, chamamos por parcerias entre execu-
padrão na maioria dos artigos de pesquisa de admi- tivos e pesquisadores baseadas em uma aceitação de
nistração é a “So What”. Habitualmente, tal seção vem perspectivas que assegure que eles realmente enten-
no final dos artigos e esboça indicações de como a dam e respeitem as suposições, os valores e métodos
pesquisa relatada poderia ser utilizada para melho- de cada um. Sugerimos que a probabilidade dos exe-
rar a prática gerencial. Esse é um passo positivo, ten- cutivos e pesquisadores de se envolverem em todos os
do em vista a aceitação de perspectivas. Infelizmen- estágios da pesquisa gerencial aumentará graças a ati-
te, é uma abordagem unilateral. As suposições pre- vidades como os fóruns de interpretação conjunta,
sentes na seção “So What” das revistas são numero- patrocinados por sociedades profissionais, empresas e
sas e, muitas vezes, errôneas. universidades.
Por exemplo, para que essa seção seja valiosa, os Também apontamos os benefícios que podem ser
executivos primeiro deveriam ler o artigo em que ela adquiridos pelos executivos e pesquisadores na for-
se encontra. Em muitos casos, o objetivo do artigo é mação de parcerias significativas, e ainda argumenta-
relatar uma pesquisa M1K e os executivos tipicamen- mos que as parcerias trabalham melhor quando as di-
te não lêem as revistas nas quais esse tipo de pesquisa ferentes partes desempenham os papéis apropriados.
é publicada. Uma suposição igualmente questionável Baseados nas considerações realizadas, desafiamos
é que os pesquisadores M1K são capazes de reconhe- executivos e pesquisadores a pensarem sobre esses
cer o que seu trabalho significa para os executivos. Na papéis e a trabalharem para aperfeiçoá-los, assim como
ausência de uma aceitação de perspectivas, que só vem a maximizarem a sinergia que pode ser obtida das ex-
de uma interação conjunta, há uma alta probabilidade periências conjuntas, que efetivamente facilitem a acei-
de que tanto os executivos quanto os pesquisadores tação de perspectivas.
simplesmente percam de vista “o ponto”. Em outras Também desafiamos os executivos a catalogarem os
palavras, a seção “So What” nos artigos que relatam desafios recorrentes que enfrentam administrando suas
pesquisa M1K dificilmente adiciona algo para o en- organizações e a documentarem, na medida do possí-
tendimento dos pesquisadores sobre as implicações do vel, o porquê dos desafios se manterem. Quando estes
trabalho ou para o entendimento dos executivos de estiverem catalogados, os executivos serão encoraja-
como eles poderiam utilizar a pesquisa relatada para dos a discutir os desafios com os pesquisadores, a ofe-
melhorar a prática. Nos artigos que relatam pesquisa recer acesso a suas organizações, a interferir no traba-
M2K, as implicações deveriam ser evidentes, e a seção lho dos pesquisadores, a questionar seus resultados e
“So What”, desnecessária. a envolver os pesquisadores na implementação de no-
Talvez uma seção mais importante devesse ser co- vas práticas. Dessa forma, questões reais podem ser
locada no início dos artigos, e ser intitulada “Por que equacionadas e o processo decisório baseado em da-
esta pesquisa deveria importar para os executivos”. dos pode ser aplicado nos futuros desafios.
Essa seção conteria um breve background de como as Pedimos para que os pesquisadores sejam recepti-
idéias que sustentam a pesquisa foram desenvolvidas vos aos executivos que desejam tomar decisões infor-
e poderia conter aplicações introdutórias, tais como mados pela pesquisa. Os pesquisadores precisam ver
aquelas de Carney e a Sears, Child e a Rolls-Royce ou esses convites como oportunidades de investigação, em
Roberts e a USS Carl Vinson, entre outras. Isso pode- vez de oportunidades de consultoria. A aceitação de
ria “prender” o interesse dos executivos e mesmo su- perspectivas é realizada quando desafios reais são iden-

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tificados e quando uma pesquisa coerente é aplicada varam que elas podem sobreviver e serem bem-suce-
na solução desses desafios. Abordar tais tarefas a par- didas sem depender da pesquisa acadêmica. Os pes-
tir da perspectiva da consultoria cria conflitos de in- quisadores devem demonstrar como eles podem adi-
teresse, lança suspeitas sobre os resultados e limita as cionar valor, oferecendo idéias que melhorem a per-
oportunidades de acesso. Além disso, a consultoria é formance organizacional.
uma core competence das firmas de consultoria e não
dos pesquisadores universitários. Pedimos para que as Texto traduzido por Ana Paula Paes de Paula.
universidades resguardem a pesquisa M1K, mas tam- Artigo convidado. Aprovado em 01.06.2003.
bém valorizem e encorajem apropriadamente a pes-
quisa M2K. Antes de serem consideradas menos
prioritárias porque são aplicadas, espera-se que os pro- Notas
fessores universitários vejam essas pesquisas como
Os autores desejam expressar sua gratidão a F. Wayen Pate, B. S., antigo
sendo valiosas por informarem e melhorarem a práti-
presidente da Golden Enterprises; Fay Boozman, M. D., M. P. H., diretor
ca gerencial. Finalmente, demandamos um sério reco- da Arkansas Department of Health, e Andrew C. Rucks, Ph. D., consultor
nhecimento do modelo transcendente para a pesquisa gerencial, pela leitura dos primeiros rascunhos deste artigo e a oferta de
exemplar de administração, baseada nos critérios da sugestões para tornar a discussão relevante aos executivos.
abordagem crítica, da verificabilidade, da validade, da
Artigo originalmente publicado na Academy of Management Executive, v.
utilidade e da clareza. Esses critérios proporcionam uma 17, n. 1, p. 46-60, fevereiro 2003.
estrutura para novas e estimulantes abordagens de pes-
quisa, que evitam a irrelevância do modelo acadêmico Copyright 2003 Academy of Management. Todos os direitos são re-
e a obsessão pela prática do modelo executivo. servados. Nenhuma parte deste artigo pode ser reproduzida por qual-
quer meio ou forma sem a permissão por escrito da Academy of
Imaginemos quantas pesquisas importantes nunca
Management. Para obter autorização, entre em contato com Copyright
teriam acontecido, e quantas melhorias na prática ge- Clearence Center: www:copyright.com.
rencial teriam sido perdidas, se não tivesse havido o
encorajamento de executivos como Barney Mathias da
Rolls-Royce, as questões e direcionamentos de C. T.
Carney e Roebuck na Sears e de Robert Gross na
Lockheed, o apoio de Admiral Thomas Mercer e as Referências bibliográficas
previsões de Cora Marret, que queria entender as ra- ABRAHAMSON, E. e FAIRCHILD, G. Management fashion: lifecycles,
zões humanas por trás do desastre de Three Mile triggers, and collective learning processes. Administrative Science Quarterly,
Island. Talvez mais importantes sejam a quantidade e v. 44, n. 4, p. 708-40, 1999.
a qualidade das pesquisas e práticas de administração
que poderíamos esperar no futuro por meio do ABRAHAMSON, E. Management fashion. Academy of Management Review,
v. 21, n. 1, p. 257, 1996.
encorajamento de parcerias mutuamente benéficas,
construídas com uma efetiva aceitação de perspecti- ABRAHAMSON, E. Managerial fads and fashions: the diffusion and
vas entre executivos e pesquisadores. rejection of innovations. Academy of Management Review, v. 16, n. 3, p.
Se escolhermos ser pessimistas e concluirmos que 586-612, 1991.
as listas de best-sellers refletem de forma acurada a
AMABILE, T. M. et al. Academic-practitioner collaboration in management
influência relativa que pesquisadores acadêmicos, jor- research: a case of cross-profession collaboration. Academy of Management
nalistas e consultorias têm no processo decisório, de- Journal, v. 44, n. 2, p. 418-31, 2001.
vemos então perguntar: “Nossa contribuição é peque-
na por que somos irrelevantes?” ou “Somos irrelevan- ANDERSON, S. J., COHEN e TAYLOR, S. Rewriting the past: some factors
affecting the variability of personal memories. Applied Cognitive Psychology,
tes por que contribuímos tão pouco?”. Qualquer que
v. 14, n. 5, p. 435-54, 2000.
seja a resposta, a situação não é desesperançosa. De-
vemos, primeiro, nos tornar menos viciosos e mais ANSOFF, H. I. A profile of intellectual growth. In: BEDEIAN, A. G.
comprometidos a produzir, encorajar e recompensar a Management laureates: a collection of autobiographical essays. Greenwich :
pesquisa que é transcendente em sua essência e então JAI Press. v. 1, 1992.

desenvolver e nutrir parcerias mutuamente benéficas


BEDEIAN, A. G. Management laureates: a collection of autobiographical
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Professor de Políticas de Saúde e Administração na Pennsylvania State University. Ph.D. pela University of Alabama
E-mail: eford@psu.edu

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Professor de Administração na University of Alabama. Ph.D. pela Louisiana State University.
E-mail: jduncan@uab.edu
Endereço: University of Alabama at Birmingham. 207D BEC, 1530 3rd Avenue South. Birmingham, AL. 35294-4460.

Arthur G. Bedeian
Prof. na Louisiana State University. DBA pela Mississippi State University.
E-mail: abede@mail071.lsu.edu

Peter M. Ginter
Prof. de Administração na University of Alabama. Ph.D. em Teoria Organizacional pela University of North Texas.
E-mail.: pginter@uab.edu

Matthew Rousculp
Pesquisador da Eli Lilly and Company. Ph.D. em Administração de Serviços de Saúde pela University of Alabama
E-mail: rousculp_matthew_d@lilly.com

Alice M. Adams
Doutoranda na University of Alabama
E-mail: aadams@alumni.duke.edu

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