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REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.

dez 2013 155


abem
revista da

associação brasileira de educação musical


Associação Brasileira de Educação Musical | abem | 2011-2013

DIRETORIA
PRESIDENTE Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber, UEL, PR | magali.kleber@gmail.com

VICE-PRESIDENTE Profa. Dra. Jusamara Souza, UFRGS, RS | jusa.ez@terra.com.br

TESOURARIA
1º TESOUREIRA Profa. Dra. Cristiane Almeida, UFPE, PE | cmgabr@yahoo.com.br

2º TESOUREIRA Profa. Ms. Vânia Malagutti da Silva Fialho, UEM, PR | vaniamalagutti@hotmail.com

SECRETARIA
1º SECRETÁRIO Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz, UFPB, PB | luisrsq@uol.com.br

2º SECRETÁRIA Profa. Ms. Flavia Narita, UNB, DF | flavnarita@yahoo.com.br

CONSELHO EDITORIAL
Presidente Profa. Dra. Maria Cecilia Torres, IPA, RS | mariaceciliaartorres@yahoo.com.br

Editora Profa. Dra. Cássia Virginia Coelho de Souza, UEM, PR | cvcoelhosouza@gmail.com


Membros Prof. Dr. Carlos Elias Kater, UFSCar, SP | carloskater@gmail.com

Profa. Dra. Lilia Neves Gonçalves, UFU, MG | lilianeves@demac.ufu.br

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NORTE Profa. Dra. Rosemara Staub de Barros, UFAM, AM | rosemarastaub@hotmail.com

NORDESTE Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho, UFPB, PB | vanildom@uol.com.br

CENTRO-OESTE Profa. Ms. Flávia Maria Cruvinel, UFG, GO | fmcruvinel@gmail.com


SUDESTE Prof. Dr. José Nunes Fernandez, UNIRIO, RJ | jonufer@globo.com
SUL Profa. Dra. Claudia Ribeiro Bellochio, UFSM, RS | claubell@terra.com.br

CONSELHO FISCAL

Presidente Profa. Dra. Luciana Marta Del Ben, UFRGS, RS | lucianadelben@uol.com.br

Membros Profa. Dra. Valéria Carvalho, UFRN, RN | vcarvalhodeart@msn.com

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Profa. Dra. Inês Rocha, Colégio Pedro II, RJ | ines.rocha2OO6@hotmail.com

Suplentes Profa. Ms. Juciane Araldi, UFPB, PB | juciane.araldi@gmail.com

Profa. Dra. Viviane Beineke, UDESC, SC | vivibk@gmail.com

Prof. Ms. Darcy Alcantara, UFES, ES | darcyalcantaraneto@gmail.com


revista da

abem
Revista da Abem v.21 n.31 Londrina jul./dez. 2013 ISSN 1518-2630

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 3


Revista da Abem, v.21, n.31, jul./dez 2013

A REVISTA DA ABEM publica artigos inéditos em Educação Musical, em especial resultantes


de pesquisas de caráter teórico, revisões de pesquisa e reflexões críticas sobre experiências
pedagógicas. No sistema Webqualis (CAPES), a Revista da ABEM está avaliada como qualis A2.

Revista da ABEM, v.21, n. 31, jul./dez 2013.


Londrina: Associação Brasileira de Educação
Musical, 2000
Semestral
ISSN 1518-2630
1. Música: periódicos

Indexada em / Indexed in:

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Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal;
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CLASE - Citas Latinoamericanas em Ciências Sociales y Humanidades
(México, UNAM)
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Tiragem: 500 exemplares – Periodicidade: Semestral

É permitida a reprodução dos artigos desde que citada a fonte. Os


conceitos emitidos são de responsabilidade de quem os assina.

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sumário

7 Editorial

ARTIGOS

Andréia Pereira de Araújo Martinez 11 Um breve olhar para o passado: contribuições para
Patrícia Lima Martins Pederiva pensar o futuro da educação musical

Ana Francisca Schneider Grings 23 Performance musical pública: sucesso e fracasso


Liane Hentschke na perspectiva de estudantes de bacharelado em
instrumento do Rio Grande do Sul

João Fortunato Soares de Quadros Júnior 35 Preferência musical e classe social: um estudo com
Oswaldo Lorenzo estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito
Santo

Cristiane Magda Nogueira de Souza 51 Educação musical, cultura e identidade:


configurações possíveis entre escola, família e mídia

Rafael Rodrigues da Silva 63 Gestão de sala de aula na educação musical escolar

Franciele Maria Anezi 77 Memórias de formação musical e construção


Luciane Wilke Freitas Garbosa docente de Monica Pinz Alves

Tamar Genz Gaulke 91 Aprendizagem da docência: um estudo com


professores de música da educação básica

Eunice Dias da Rocha Rodrigues 105 A formação do professor de música e sua atuação
com alunos idosos: que saberes são necessários?

Matheus Cruz Paes de Almeida 119 O canto coral e a terceira idade – o ensaio como
momento de grandes possibilidades

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contents

7 Editorial

ARTICLES

Andréia Pereira de Araújo Martinez 11 A brief look at the past: contributions to think about
Patrícia Lima Martins Pederiva the future of music education

Ana Francisca Schneider Grings 23 Public musical performance: sucess and failure in the
Liane Hentschke perspective of undergraduate music students of Rio
Grande do Sul

João Fortunato Soares de Quadros Júnior 35 Music preference and social class: a study with
Oswaldo Lorenzo students of the high school in Vitória, Espírito Santo

Cristiane Magda Nogueira de Souza 51 Music education, culture and identity: possible
configurations between school, family and media

Rafael Rodrigues da Silva 63 Classroom management in school music education

Franciele Maria Anezi 77 Memories about formation in music and teaching


Luciane Wilke Freitas Garbosa construction of Monica Pinz Alves

Tamar Genz Gaulke 91 Learning of teaching: a study with music teachers of


basic education

Eunice Dias da Rocha Rodrigues 105 The educacion of music teacher and her performance
with elderly students: what are required knowledge?

Matheus Cruz Paes de Almeida 119 The choir and the elderly - the test as a moment of
great possibilities

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Caros leitores editorial

É
com grande alegria que apresentamos, no momento do XXI Congresso da Abem, a Revista
da Abem número 31, cujas temáticas dos artigos se entrelaçam com o tema do congresso,
“Ciência, tecnologia, inovação: perspectivas de pesquisa e ações em educação musical”. Com
os olhares e as vozes de diferentes pesquisadores, alunos, professores e educadores musicais, que
atuam em diferentes espaços e realidades, apresentamos as reflexões e questionamentos voltados
para a inovação a partir de outras práticas e de novas pesquisas.

A Revista da Abem número 31 deve ser a ultima a ser publicada em papel. Os números de 2013
da Revista da Abem marcam essa mudança do periódico, que será efetivada em 2014, para revista
online. A inovação não é, somente, uma forma de participar do tema do congresso, mas indica que
a revista, conjuntamente com o evento, projeta para a Abem uma fase de renovação, conhecimento
técnico e científico rumo à constituição de um corpo teórico/prático de conhecimentos, cada vez mais
definidores da área de educação musical.

A publicação tem início com o artigo de Andréia Pereira de Araújo Martinez e Patrícia Lima Martins
Pederiva, Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical,
que apresenta um panorama histórico da educação musical no Brasil. Cientes que a história está
sempre sendo construída, as autoras descrevem acontecimentos que marcaram nossa educação
musical e que constituíram as situações que, até o momento, acompanham a identidade da área.
Entre elas são destacados o papel secundário da música, não assumida como foco central da prática
educativa, a desconsideração da diversidade cultural que leva ao ensino padronizado e a supremacia
do estudo da técnica sobre as outras atividades musicais.

O texto Performance musical pública: sucesso e fracasso na perspectiva de estudantes de bacharelado


em instrumento do Rio Grande do Sul, de Ana Francisca Schneider Grings e Liane Hentschke,
apresenta um olhar sobre as causas atribuídas por bacharelandos em música às situações de
sucesso e fracasso na performance musical pública. Este estudo buscou conhecer os motivos,
crenças e concepções que levam um estudante a fazer um curso de bacharelado em instrumento.
Foi observada nas respostas dos sujeitos da pesquisa a relação entre aquelas situações e suas
experiências como instrumentistas sob a ótica de teorias da motivação.

O texto seguinte, de João Fortunato Soares de Quadros Júnior e Oswaldo Lorenzo, Preferência musical
e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo, é focalizado
num nível de ensino da educação básica, o ensino médio, ainda pouco explorado pelas pesquisas
brasileiras. Abordando a construção dos gostos musicais de 966 estudantes de ensino médio em
Vitória, o artigo teve como foco da discussão a influência da classe social sobre as escolhas dos
sujeitos.

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O artigo Educação musical, cultura e identidade: configurações possíveis entre escola, família e mídia,
de Cristiane Magda Nogueira de Souza, é uma reflexão sobre os diferentes tipos de música e as
identificações que eles promovem em cada situação da vida familiar ou na escola. Tendo em vista
que a música veiculada pela mídia permeia as situações musicais hodiernas a autora reflete sobre
a importância das atitudes do educador musical, que, segundo ela, deve influenciar nas opiniões e
gostos musicais de seus alunos, sempre com respeito.

Observando as possibilidades de mudanças na educação musical escolar, Rafael Rodrigues da Silva


discute no texto Gestão de sala de aula na educação musical escolar os processos que, segundo o
autor, são pouco verbalizados pelos professores, de organização das aulas. Desde o planejamento
até as questões relacionadas com comportamento, as principais situações discutidas apontam para
a necessidade de haver preocupação com a forma de comunicação do professor com os alunos, e,
também, com o papel do professor de música na construção da relação pedagógica.

Memórias de formação musical e construção docente de Monica Pinz Alves, de Franciele Maria Anezi
e Luciane Wilke Freitas Garbosa, é um estudo que utiliza referências da história oral e dos estudos
autobiográficos para traçar uma discussão sobre como e o que uma professora guarda de seu
processo de iniciação musical e carrega para a formação profissional. No artigo, as memórias da
professora estudada são trazidas com ênfase nos contextos e experiências que as produziram, em
especial a família e a igreja, as aulas de música e as práticas iniciais na carreira docente.

O texto seguinte, Aprendizagem da docência de música: um estudo com professores de música da


educação básica, de Tamar Genz Gaulke, faz uma extensa discussão sobre as formas como uma
pessoa aprende o oficio de ser professor. Ressaltando que não há um jeito específico de se ter essa
aprendizagem, a autora expõe o sistema que compreende a situação de aprendizagem docente e
afirma que cada sujeito desenvolve o seu modo de ser professor.

Outro texto que discute como se aprende a ser educador musical que atua com idosos é A formação
do professor de música e sua atuação com alunos idosos: que saberes são necessários?, de Eunice
Dias da Rocha Rodrigues. A partir de uma pesquisa com 38 professores de escolas específicas
de música de Brasília, são discutidos os saberes necessários para lidar com idosos. Pela ótica de
professores de música que colaboraram com a pesquisa chegou-se a alguns quesitos para tal ofício,
pautados, principalmente, no domínio das relações, trazendo aos cursos de formação de professores
a responsabilidade de focar nesse domínio e na faixa etária em estudo.

O canto coral e a terceira idade – o ensaio como momento de grandes posibilidades, de Matheus
Cruz Paes de Almeida, encerra a revista levando-nos a refletir sobre as práticas vocais com idosos,
que podem ir muito além da execução musical, estabelecendo uma relação de aprendizagem e de
desenvolvimento dos participantes vocalistas rumo a um trabalho motivador e gratificante.

Em nome do Conselho Editorial da gestão 2011–2013 agradecemos a todos os colegas educadores


musicais, autores e pareceristas, que contribuíram para que as Revistas da Abem pudessem ser publicadas,
sempre com a mesma qualidade de periódico científico brasileiro da área de educação musical.

8 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


Agradecemos à diretoria, especialmente à presidente Magali Kleber, pelo apoio dispensado nesses
dois anos de dificuldades para a publicação das revistas. Em nossa área, no Brasil, os periódicos
científicos não têm ganhos comerciais e distinguem-se pela divulgação de conhecimento, sendo
sempre dependentes dos recursos públicos. Como é sabido por todos, a Abem não se firma pela
solidez financeira, pois se instala a partir das anuidades de seus sócios. Nesse contexto, as revistas
passaram por momentos difíceis, culminando em 2013 com uma exigência documental que carecia
de trâmites políticos, mas que, graças ao empenho de nossa presidente junto ao deputado Tercilio
Turini, do estado do Paraná, podemos agora apresentar este número 31 aos educadores musicais
paranaenses e aos demais leitores de todo o Brasil. Nossos agradecimentos especiais vão para
o referido deputado e para a Fundação Araucária, que nos ofereceram apoios, sem os quais não
teríamos a publicação deste número 31 da revista e a sociedade brasileira não teria acesso ao
conhecimento produzido na área de educação musical.

Ao encerrar nossa gestão, expressamos o nosso desejo que as revistas continuem participando
dos desenvolvimentos profissionais dos educadores musicais como um grande fórum de reflexões,
contribuições, desafios e pesquisas para a área da educação musical.

Cássia Virgínia Coelho de Souza


Maria Cecília de Araújo Torres

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Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical

Um breve olhar para o passado:


contribuições para pensar o futuro
da educação musical
A brief look at the past: contributions to think about
the future of music education

Andréia Pereira de Araújo Martinez Universidade de Brasília (UnB) andreiamartinez4@gmail.com


Patrícia Lima Martins Pederiva Universidade de Brasília (UnB) pat.pederiva@gmail.com

resumo O objetivo deste trabalho, que parte de uma investigação de mestrado, é trazer um
breve histórico acerca da educação musical institucionalizada brasileira. O estudo
foi realizado por meio de consulta à legislação nacional e à bibliografia que trata do
assunto em questão. Ao longo dessa história perceberam-se diferentes situações em
que a música esteve inserida no contexto escolar, sendo que em muitas circunstâncias
ela exercia um papel secundário, pois o desenvolvimento musical dos alunos não era
o foco central da prática educativa. Além disso, em alguns momentos desconsiderou-
se a diversidade cultural, ou ainda, houve uma preocupação extremada com o ensino
da técnica de forma linear e padronizada. Acreditamos que este olhar para o passado
possa contribuir para a realização de discussões acerca do que ocorreu com o ensino
de música ao longo dos anos no Brasil e assim, auxiliar na história que ainda está
sendo escrita.

Palavras-chave: desenvolvimento musical, prática educativa, educação


musical.

abstract This work comes from a Masters research and intends to bring a brief history of
institutionalized Brazilian music education. The study was conducted through
consultation of national legislation and the literature from the area. Throughout this
history was perceived different situations in which music was inserted in the school
context, and in many situations had a secondary role as the musical development of
students was not the focus of educational practice. Furthermore, in some historical
moments there was a disregard for cultural diversity, or an extreme concern with the
technic. We believe that this look into the past can contribute to the discussions about
what happened to music over the years in Brazil and thus, aid the story that is still being
written.

KEYWORDS: musical development, educational practice, music education.

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Martinez, Andréia Pereira de Araújo; Pederiva, Patrícia Lima Martins

A
voltar-se para música é uma prática social que esteve inserida nas mais diversas culturas ao longo dos
o passado tempos. No Brasil, existem diferentes expressões que demonstram a riqueza musical que
emana em meio à população, como o samba, a bossa-nova, o frevo, o forró, só para citar
em busca do
algumas entre as inúmeras expressões musicais que existem nessa extensão territorial da América
futuro
do Sul. No entanto, essa musicalidade não é tão perceptível no interior dos muros escolares
da educação básica brasileira: ao observar e analisar a história da educação institucionalizada
percebem-se momentos de sua presença, e também de sua ausência. Mesmo quando a música,
de alguma forma, mostrou-se presente na legislação, currículo ou prática educativa, na realidade
ela esteve ausente, pois o desenvolvimento musical dos alunos não era o foco central desse ensino.
Houve momentos em que a música constou na legislação e no currículo, mas, como prática
educativa na escola, a realidade era outra. Isso aconteceu quando a música passou a fazer parte
da educação institucionalizada de forma indireta por meio da disciplina Educação Artística. A
música foi suprimida, pois essa disciplina, além de ter um tempo reduzido na grade horária para
trabalhar diferentes saberes tais como a própria música, artes cênicas, dança e artes plásticas,
também contribuiu para a descaracterização da arte, pois passou a ser encarada como um
espaço para recreação e preparação para festividades escolares.
Em outros momentos, a música encontrou espaço na prática educativa, servindo, entretanto,
como subproduto, ou seja, auxiliava na organização do tempo e espaço escolar, na disciplina dos
alunos, na introdução de outros conhecimentos, e até na disseminação ideológica do sistema
político-econômico que vigorava na sociedade brasileira.
Atualmente, professores e educadores musicais visualizam a possibilidade de um novo
momento histórico com a publicação da Lei Federal nº 11.769/2008 (Brasil, 2008), que torna
o ensino da música obrigatório na educação básica. Essa legislação entrou em vigor em 18
de agosto de 2008 e concedeu um período de três anos para sua implantação. No entanto,
esse prazo já decorreu e é escassa a mudança nesse cenário. Encontramo-nos em meio às
discussões para concretização das ações que possam viabilizar a presença da música na
educação institucionalizada; em um momento, portanto, de transição para implantação da lei em
todo território nacional.
Para além da legislação e do currículo, é preciso vontade para a realização de discussões
no sentido de apontar possibilidades para uma prática educativa compromissada com o
desenvolvimento musical dos alunos que se encontram na educação básica. Nesse processo,
é importante um olhar para o passado. É necessário observar a história da educação
institucionalizada no Brasil e a presença da música, com o intuito de perceber o que aconteceu
ao longo dos anos, se existe algo que pode ser aproveitado nesse novo contexto histórico-cultural
e o que precisa ser alterado.
Assim, este trabalho tem por objetivo resgatar esse percurso histórico, descrever suas
características, analisá-las e apontar possibilidades para um futuro que urge sair do papel. Vale
ressaltar que não é finalidade esgotar a história do ensino da música no Brasil, pois são muitas
as histórias que permeiam esse tema. Poderíamos discorrer sobre o ensino que ocorre em meio
às comunidades indígenas, remanescentes quilombolas ou focar nas sociedades urbanas de
uma determinada localidade ou de várias regiões do país. No entanto, o percurso histórico que
este trabalho traz trata do ensino de música que ocorre dentro dos muros escolares, ou seja, na
educação institucionalizada que é ofertada no Brasil.

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Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical

A história da educação institucionalizada no Brasil tem início com a chegada dos jesuítas, voltar-se para
em 1549. Holler (2010), em sua tese de doutorado, realizou uma pesquisa acerca da educação o passado…
musical desenvolvida pelos jesuítas no período colonial em terras brasileiras. O autor afirma que
o principal interesse da atuação da Companhia de Jesus era catequizar os índios. Os jesuítas
realizavam um trabalho que estava a serviço da Igreja Católica e da Coroa portuguesa. Nesse
sentido, além da catequese, existiam outros interesses, entre eles, a implantação de uma nova
língua – português – e a conquista dos nativos, que ajudaria no processo de colonização.
Holler (2010) esclarece que a Companhia de Jesus concentrava sua atuação nas crianças,
pois elas poderiam facilitar a aproximação aos índios adultos, que eram arredios à presença
do homem branco. Assim, criaram-se escolas de ler, escrever e contar. Estabelecimentos de
ensino que ofereciam conhecimentos elementares para as crianças nativas. Para os filhos dos
colonos, posteriormente, inseriram estudos mais avançados, o que possibilitou a criação de
colégios. Esses colégios transformaram-se nos principais estabelecimentos jesuíticos no Brasil e
localizavam-se em núcleos urbanos.
A partir de 1599, a atuação dos jesuítas estava subordinada ao documento Ratio atque
Institutio Studiorum Societatis Jesu, na forma abreviada, Ratio Studiorum. Esse documento
foi redigido por uma comissão de destacados jesuítas, ao longo de 15 anos de estudo. Ele
estabelecia a administração, o currículo e a metodologia do sistema de educação da Companhia
de Jesus.
O Ratio Studiorum foi organizado conforme os interesses da Igreja Católica para auxiliar no
processo de catequização. Ele também serviu aos interesses da Coroa portuguesa que pretendia
submeter os nativos e os colonos ao processo de colonização da terra recém-conquistada, ao
implantar uma educação pautada nos costumes europeus.
O documento apresentava três opções de curso: o secundário – estudos inferiores; e os
cursos de Teologia e de Filosofia – estudos superiores (Neto; Maciel, 2008). O secundário, com
duração de seis ou sete anos, englobava estudos de gramática inferior, média e superior, retórica
e humanidades. Os cursos superiores tinham duração de quatro anos para Teologia e de três
anos para Filosofia. O curso de Teologia compreendia estudos de teologia escolástica e moral,
sagrada escritura, direito canônico e história eclesiástica (Negrão, 2000). Já o curso de Filosofia
abrangia a lógica, a física, a metafísica, a ética e a matemática (Holler, 2010). Em nenhuma parte
desse documento havia menção ao ensino de música.
Segundo Holler (2007), existe o mito de que a música fazia parte das atividades da
Companhia de Jesus no Brasil Colônia. O autor esclarece o assunto, ao afirmar que a música
já era motivo de preocupação do padre Inácio de Loyola, no sentido de evitar a prática musical
entre os jesuítas. A restrição à prática musical não estava relacionada a um gosto pessoal de
Loyola, pois o mesmo era um apreciador de música, mas porque a Companhia de Jesus foi
criada para tratar de assuntos espirituais, tais como “catequese, pregação, confissão, comunhão
e administração de sacramentos e a atuação junto ao povo, através da educação e obras
assistenciais” (Holler, 2007). Para o referido padre, a música absorveria os jesuítas em estudos
demasiados e, assim, os impossibilitaria de exercer o trabalho espiritual.
É claro que encontramos alguns registros de prática musical entre os jesuítas, mas
concentrada nas aldeias em meio à atuação com os índios, e não habitualmente nos colégios, em
áreas urbanas. Em alguns momentos isso até ocorreu, mas tal prática era realizada por externos
à Companhia de Jesus, como religiosos de outras ordens – sobretudo mercedários e carmelitas
–, músicos contratados, seminaristas e estudantes dos colégios. Assim como a prática musical,

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Martinez, Andréia Pereira de Araújo; Pederiva, Patrícia Lima Martins

também o ensino de música era realizado por externos, e não por padres jesuítas (Holler, 2010).
Nas aldeias, os jesuítas chegaram a realizar um trabalho com a música, pois

os missionários jesuítas logo perceberam na música um meio eficaz de sedução e


convencimento dos indígenas, e, embora os regulamentos da Companhia de Jesus
fossem pouco afeitos à prática musical, referências à música em cerimônias religiosas
e eventos profanos são encontradas em relatos desde pouco tempo depois da chegada
dos jesuítas no Brasil até sua expulsão em 1759. (Holler, 2010, p. 12).

A primeira parte da citação deixa bem claros os interesses existentes em relação ao uso da
música como atividade educativa – seduzir e convencer os índios para assim facilitar o processo
de catequização e colonização dos nativos. A relação dos indígenas com a música era tão
intensa que, nos aldeamentos, foi a estratégia mais eficaz de sedução e convencimento. Nos
aldeamentos, o ensino de música era exercido pelos próprios jesuítas, pois não era possível a
contratação de externos, devido à distância desses locais.

Vale destacar que os jesuítas, além de ensinarem o português, também deveriam aprender
a língua brasílica – como era denominada a língua dos nativos. Eles aprendiam a língua nativa, em
seguida traduziam as canções religiosas portuguesas e as ensinavam aos índios. No começo, os
jesuítas utilizavam as melodias e até os instrumentos indígenas, na intenção de conquistá-los e,
dessa maneira, catequizá-los.

Aos poucos, as melodias e instrumentos europeus foram inseridos entre os índios, como
esclarece Holler (2010, p. 170), “pode-se, porém, afirmar que, no Brasil, mais cedo ou mais tarde
os instrumentos teriam sido substituídos por instrumentos de modelo europeu”. Assim, “a música
europeia passou a dominar a música nativa, dando mais um exemplo da preponderância da
Metrópole sobre a Colônia e contribuindo para o descaminho da cultura indígena” (Fucci-Amato,
2012, p. 22). Loureiro (2003, p. 44) é mais incisiva, ao afirmar que os jesuítas “conseguiram destruir
a música espontânea e natural dos nativos, fazendo com que essa perdesse, gradativamente,
suas características”.

Diante de tudo o que expusemos, até o momento, acerca da atuação dos jesuítas no Brasil,
em relação à música como atividade educativa, é possível afirmar que esta, quando acontecia,
tinha a função de catequizar as crianças indígenas e assim, como uma espécie de ponte,
catequizar os índios adultos que habitavam o Brasil no período colonial. Este era o interesse da
Igreja, que tinha o intuito de converter o índio à fé católica.

Outra função do ensino de música era impor a cultura do colonizador e, desse modo,
desconsiderar a cultura dos colonizados. Este era o interesse da Coroa portuguesa – concretizar
a colonização da nova terra e de seus habitantes, por meio da inserção da cultura europeia. Freire
(2011) denuncia que uma forma de dominação é negar a cultura do povo, impondo sobre ele a
cultura da elite. Tal pensamento pode ser empregado em relação ao índio, pois este era o povo
que habitava o Brasil antes da chegada dos portugueses.

A Companhia de Jesus foi criada com o intuito de praticar exercícios espirituais e de


catequizar, mas, com o tempo, viu na educação um meio para a conversão do homem à Igreja
Católica. Aos poucos, a educação passou a ocupar lugar de destaque nas atividades dos
jesuítas. Depois de dois séculos de uma educação dominada pelo método jesuítico, com a
reforma de Pombal, no século XVIII, essa responsabilidade passou a ser da Coroa portuguesa
(Neto; Maciel, 2006). A intenção era retirar o monopólio da Igreja Católica, que oferecia um

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Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical

ensino com interesses religiosos e que estava fechada para o novo pensamento que brotava na
sociedade – o Iluminismo.

Pombal empreendeu uma profunda reforma educacional, que tinha o intuito de colocar
a educação a serviço dos interesses políticos do Estado; “tal atitude justificava-se, pois se
pretendia reprimir a expansão do espírito nacionalista que começava a aflorar entre a população”
(Neto; Maciel, 2006, p. 472). A reforma educacional de Pombal não ultrapassou o campo das
propostas formais, pois não conseguiu ser implantada de fato, ocasionando um longo período
de decadência da educação no Brasil. Além disso, como o número de escolas e de professores
era reduzido, a educação era para poucos (Gallo, 2007).

Em 22 de janeiro de 1808, chega ao Brasil a família real com aproximadamente 15 mil


pessoas, de diferentes áreas de atuação. Isso possibilitou o surgimento de algumas instituições
culturais, cursos superiores, academias militares e teatros. Mesmo diante de tanta inovação
cultural, não havia o ensino de música nas escolas, o que provocou a proliferação de professores
particulares (Loureiro, 2003).

O ensino particular de música, em casas de famílias abastadas, perdurou por várias décadas
e continuou difundindo a cultura europeia. E mesmo quando a música começou a fazer parte da
educação institucionalizada, essa realidade permaneceu, pois “as músicas de raiz indígena e
africana pouco tiveram penetração no ensino musical […] e permaneceram como prática de
transmissão oral e assistemática, embora com densas marcas na vida popular” (Fucci-Amato,
2012, p. 24). A diversidade cultural sobreviveu, apenas, em outros espaços sociais alheios à
escola. Não havia espaço para a diferença na educação institucionalizada, pois se buscava um
padrão, e este tinha por base a cultura europeia.

Em 1822 ocorreu a independência do Brasil e, no ano seguinte, uma Constituinte, que


provocou debates acerca da importância da educação no país. Nesses debates, percebeu-
se a necessidade da implantação de um sistema de educação que tivesse uma abrangência
maior, para isso, seria necessária a criação de mais escolas e de investimento na formação de
professores. E a arte começou a surgir nos documentos legais. Na homologação da Constituição
de 1824, o artigo 179, inciso XXXIII previa “Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os
elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes” (Brasil, 1824).

Em 1835 é criada, em Niterói, a primeira escola normal, e no ano de 1847 ela passa a
proporcionar uma formação mais diversificada para os futuros professores. São incluídas novas
disciplinas em seu currículo, entre elas a música (Loureiro, 2003). É importante destacar que a
música passou a fazer parte do currículo da escola pública, por meio das escolas normais. O que
se percebe é que a música, nessas instituições, tinha a função de disciplinar, como esclarece
Fuks (1994 apud Loureiro, 2003, p. 49):

[…] a letra possuía mais uma função socializadora, uma função até disciplinadora na
escola. O canto, como elemento agradável para a maioria dos alunos, servia muito bem
para transmitir de uma forma sutil o código moral e ético, possibilitando a manutenção de
valores existentes na sociedade.

E ainda:

Trata-se de um repertório de cantigas utilizadas para introduzir as diversas atividades


infantis na escola (um canto para a hora da entrada, outro para a hora da merenda etc.).
Isto integra a preparação da futura professora que as executará durante o período de

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estágio e no exercício do magistério diretamente com as crianças. (Fuks, 1994 apud


Loureiro, 2003, p. 49).

Dessa forma, a música era usada nesses espaços de formação de professores e,


consequentemente, nas escolas para crianças, com a função de transmitir valores a serem
seguidos pelos membros da sociedade e, também, para organizar o espaço escolar, sendo
que a preocupação em estabelecer a organização da escola estava associada à organização
da sociedade. Era preciso disciplinar, moralizar, transmitir valores. Essas funções estavam
relacionadas aos interesses do Estado – usar a educação institucionalizada para estabelecer
padrões e manter a ordem. E a música auxiliava nesse processo.

Após a proclamação da República, houve o Decreto nº 981, de 8 de novembro de 1890


(Brasil, 1890), que regulamentava a instrução primária e secundária do Distrito Federal, na época,
ainda o Rio de Janeiro. O documento trazia um anexo em que constavam os conteúdos a serem
desenvolvidos em cada disciplina. No caso da música, os conteúdos foram mencionados em
quase todas as etapas do ensino primário. A escola primária de 1º grau estava dividida em três
partes: o curso elementar previa cânticos e leitura das notas; o médio, notas, compassos, claves,
exercício de solfejo e cânticos; o superior continuou o solfejo e ditado. Na escola primária de 2º
grau continuou o solfejo, ditado e coro.

Ao observar esses conteúdos – organizados de forma linear e gradual – é possível apontar


que o ensino de música na escola, nesse período, tinha o intuito de cultivar entre os estudantes a
técnica musical e preparar futuros músicos. Esse tipo de função – formação do artista – também
estava associado à intenção de descobrir e potencializar o “talento” e o “dom” de alguns
estudantes. Loureiro (2003, p. 52) esclarece que “no enfoque técnico-linear, […] os interesses
estavam voltados para a capacitação técnica de indivíduos baseada numa visão essencialista
que privilegiava o ‘talento’, a vocação, o ‘dom’, atributos indispensáveis para a prática e a
formação do artista”.

A preocupação com a técnica estava associada ao interesse de perpetuar a tradição


europeia e, assim, dar pouca visibilidade à musicalidade que aflorava em meio à população
brasileira.

Na década de 1920, principia um movimento em prol da educação, com constantes


discussões por parte de diferentes setores da sociedade brasileira. Momento em que começam
a se organizar congressos e conferências acerca da educação em todo o país. Esses
acontecimentos afinam-se com os ideais da Escola Nova. Esse movimento no Brasil lutou
pela reconstrução da educação, sustentando que esta deveria ser ampla, abrangendo todo o
território nacional. Defendeu a obrigatoriedade da escola pública, e que esta estivesse voltada
aos interesses do aluno (Fucci-Amato, 2012).

Nesse período, havia uma pequena quantidade de escolas, e o ensino de música era
destinado aos poucos que podiam estudar. Ao pensar na ampliação da escola pública, era
necessário pensar no modelo de educação existente e como ela deveria ser, não somente em
relação à música, mas a tudo o que a envolvia. Em relação ao ensino de música, este ainda
estava atrelado à cultura europeia. Nesse período, começam a surgir novos ideais, entre eles a
preocupação de disseminar a cultura brasileira e torná-la mais acessível para todos os alunos.
Segundo a interpretação de Fonterrada (2008, p. 210) acerca do pensamento do professor Anísio
Teixeira, “a arte deveria ser retirada do pedestal em que se encontrava e colocada no centro da
comunidade. Na escola, o ensino de música não deveria restringir-se a alguns talentos, mas ser
acessível a todos, contribuindo para a formação integral do ser humano.”

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Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical

No ano de 1922, aconteceu a Semana de Arte Moderna, que denunciou o conservadorismo


europeu e o quanto este influenciava a arte no Brasil. No final da década, em 1928, dialogando
com tal denúncia, surge no cenário brasileiro um clima de nacionalismo, por meio de Mário de
Andrade, entre outros artistas e intelectuais. Esse escritor e musicólogo buscava uma superação
da cultura europeia, considerada por ele artificial e formal para a sociedade que se formava no
Brasil. Ele buscava essa superação por meio do resgate das raízes da cultura brasileira.

Mário de Andrade também fazia parte do movimento modernista. Segundo as concepções


desse movimento, ele pregava que a arte deveria ter uma utilidade, ou seja, que a arte fosse uma
ferramenta útil para a sociedade. De acordo com o escritor e musicólogo, “toda arte brasileira de
agora que não se organizar diretamente ao princípio da utilidade, mesmo a tal valores eternos:
será vã, será diletante, será pedante e idealista” (Andrade, 1977 apud Fucci-Amato, 2012, p. 40).

Nesse contexto, surge o canto orfeônico1 de Heitor Villa-Lobos, que, na realidade, era
a prática do canto coletivo, que executava, além de canções folclóricas brasileiras, hinos de
exaltação patriótica.

Esse projeto político-musical, cujas bases estavam comprometidas com o nacionalismo


da era Vargas, trazia consigo, além do objetivo social, o lado político-pedagógico ao
instituir nas escolas públicas o canto orfeônico como prática cívico-musical. Sabe-se,
entretanto, que a intenção era fazer com que todos os alunos, principalmente os da rede
pública, participassem, cantando, da exacerbação nacionalista que então reinava no
país. (Loureiro, 2003, p. 57).

Getúlio Vargas assume a presidência da República após a revolução de outubro de 1930,


período em que Villa-Lobos empreende tentativas de reconstrução do ensino de música no Brasil.
Influenciado pelos movimentos modernista e nacionalista, e também, pelos ideais da Escola
Nova, ele apropriou-se do discurso de resgate da música brasileira de raiz – canções folclóricas
– e da criação de um espírito patriótico, além da socialização entre os estudantes, discurso que
encontrava lugar na República de Getúlio Vargas (Lemos Jr., 2011). Villa-Lobos realizou várias
apresentações de grande porte. Essas apresentações reuniam alunos e professores, para
demonstração do canto orfeônico em datas cívicas, em estádios de futebol; o maestro chegou
a reunir 40 mil vozes na comemoração do Dia da Independência de 1940 (Fucci-Amato, 2012).

Na década de 1930, o canto orfeônico foi implantado no Distrito Federal, ainda Rio de Janeiro.
Uma década depois, foi ampliado para todo o território nacional, com a Reforma Capanema. A
Reforma Capanema compreendeu o conjunto de oito Leis Orgânicas do Ensino, sendo quatro no
ano de 1942 e as demais no ano de 1946 (Brasil, 1942, 1946a, 1946b).

Outra preocupação durante esse período foi a formação musical dos professores. Foram
criados alguns cursos com esse intuito, e, em 1943, o maestro “fundou o Conservatório Nacional
do Canto Orfeônico, de âmbito federal, com a finalidade de formar professores e de orientar o
ensino musical em todo o país” (Lemos Jr., 2011, p. 285).

1. O canto orfeônico tem sua origem na França do século XIX. Essa denominação foi usada pela primeira vez em 1833
pelo professor de canto Bouquillon-Wilhem. O termo foi usado em homenagem ao mito grego de Orfeu. É importante
mencionar que o canto orfeônico no Brasil já havia sido usado antes de Villa-Lobos por João Gomes, quando formou
um orfeão de normalistas da escola normal de São Paulo. E foi usado também por Fábio Lozano, que desenvolveu
a prática entre as normalistas de Piracicaba, no interior paulista (Fucci-Amato, 2012). Entretanto, o canto orfeônico
conquistou abrangência nacional por meio da ação de Villa-Lobos.

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Martinez, Andréia Pereira de Araújo; Pederiva, Patrícia Lima Martins

Villa-Lobos expunha uma visão produtivista em relação à educação musical. Realizava


apresentações grandiosas, demonstrando, assim, a sua preocupação com o produto final – fazer
propaganda do Brasil, para si e para outros países.

O canto orfeônico2 foi usado com uma função bem marcante – difundir o nacionalismo, por
meio do “sentimento cívico”, “disciplina” e “responsabilidade”, oferecendo um ensino que
buscava homogeneizar e moldar a população, pregando um ideal de nação.

Aspectos relacionados à própria música passaram a ser de cunho secundário, em favor do


patriotismo, da formação moral e cívica, que estavam presentes no formato de ensino musical
oferecido por meio do canto orfeônico, que, por sua vez, estava em consonância com a ideologia
de Getúlio Vargas.

Entre as décadas de 1950 e 1960, surge o movimento da criatividade, que não exigia dos
professores conhecimento específico em música. O movimento da criatividade estava pautado
na criação e experimentação. Muitos professores o relacionavam a fazer o que se quisesse ou
a fazer qualquer coisa. No discurso, pregava a busca por um ensino artístico que respeitasse a
liberdade de expressão de cada pessoa. Esse movimento acabou por fundir diferentes campos
da arte, dando origem ao termo “arte-educação”.

Percebe-se que a função do ensino de música nesse momento era possibilitar a liberdade
de expressão e contribuir para a democratização do ensino das artes, tornando-o acessível a
todos, por meio da ideia de que todos poderiam experimentar e criar arte. A parte que trata da
democratização é louvável, no entanto vale destacar que essa liberdade de expressão estava
associada ao laissez-faire, ou seja, deixar fazer. Nesse contexto, não existia a preocupação com
a intencionalidade do ato educativo – realizar um trabalho pedagógico com a música na intenção
de possibilitar o desenvolvimento musical das crianças que frequentam as instituições educativas.

O movimento da criatividade foi interrompido pelo regime militar a partir do ano de 1964.
Antes disso, em 20 de dezembro de 1961, entrou em vigência a primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional nº 4.024 (Brasil, 1961), que substituiu o canto orfeônico pela educação
musical. Na prática, o canto orfeônico já havia enfraquecido, deixando de ser uma realidade na
educação institucionalizada, sobrevivendo apenas na legislação.

Entre a segunda metade da década de 1960 à década de 1980 o tecnicismo esteve presente
por meio da relação educação-trabalho vigente no regime militar. Em 12 de outubro de 1967 foi
editada a Portaria nº 16 (Instituto Villa-Lobos, 1967), que previa o ensino dos hinos pátrios, cívicos
e militares. Nesse momento, a função da música na escola não apresentava os mesmos ideais
do canto orfeônico, mas, sim, buscava inserir um ensino com foco na eficiência do trabalho
produtivo. Usar hinos para disseminar a ideia de produtividade e eficiência no contexto social,
para que isso pudesse contribuir para impulsionar a economia brasileira.

Em 1971 aconteceu uma reforma no 1º e 2º graus da educação nacional, por meio da Lei
Federal nº 5.692 (Brasil, 1971),3 que integrou as artes e implantou o termo “educação artística”.

2. Tal função remete-se “às origens do canto orfeônico na França [que] trouxeram a associação desse ensino aos ideais
patrióticos nacionalistas que fundamentaram a [conservadora] ideia de nação em construção de um Estado Nacional
após Revolução Francesa de 1789” (Lisboa, 2005 apud Fucci-Amato, 2012, p. 61).
3. Para muitos essa lei também foi uma LDB, no entanto ela reformulou apenas duas etapas da educação. Não se referia a
todo sistema de ensino, desse modo, não poderia ser uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Aranha, 2006).

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Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical

Assim, a música permaneceu presente no currículo escolar, mas de forma indireta. Perdeu
status de disciplina específica para fazer parte de um bloco que englobava diferentes atividades
artísticas.

O texto dessa lei gerou ambiguidade, pois não definia com clareza quais artes seriam
contempladas, ocasionando a polivalência. Esse termo foi usado para denominar a prática que
envolvia diferentes atividades artísticas que, no entanto, não conseguia prestigiar os elementos
específicos de cada uma. Penna (2010, p. 125) esclarece que “[…] a polivalência marca a
implantação da Educação Artística, contribuindo para a diluição dos conteúdos específicos
de cada linguagem”. Com isso, aos poucos, a música perdeu o seu espaço na educação
institucionalizada.

Acredita-se que o fato de reunir as artes em apenas uma disciplina esteja associado ao
contexto social que o país vivia, pois o foco da educação era inserir o brasileiro no mercado de
trabalho o quanto antes. Com isso, as artes perderam valor educativo e passaram a integrar o
currículo apenas por tradição (Loureiro, 2003).

Como a filosofia da época, no campo educativo, era inserir imediatamente o indivíduo no


mercado de trabalho, além dos cursos profissionalizantes em nível de 2º grau – atual ensino médio
–, criaram-se cursos de licenciatura curta. Em relação às artes, havia o curso de licenciatura curta
em educação artística, em que o professor recebia uma formação diversificada. Existia também
o curso de licenciatura plena com habilitação em música, artes cênicas ou artes plásticas. Penna
(1994 apud Loureiro, 2003, p. 70) elucida que o professor que iria atuar na escola recebia uma
formação limitada, pois “a licenciatura curta, onde a própria formação de professor é polivalente,
provê o mercado com um profissional habilitado de mais baixo custo (em relação ao formado
pela licenciatura plena), embora de formação mais precária”. O problema não residia apenas na
licenciatura curta, pois o professor que cursava a licenciatura plena e, por exemplo, era habilitado
em música, recebia uma formação específica, mas, ao atuar na escola, deveria exercer um ensino
polivalente, como previa a legislação.

Na realidade, a polivalência já estava presente no ensino das artes no espaço escolar por
meio do discurso da arte-educação, durante o movimento da criatividade. Discurso que pregava
a integração das artes e, desse modo, não considerava as especificidades de cada atividade
artística. De acordo com a arte-educação, o ensino estava pautado na expressão e criação,
sobretudo do aluno, e apresentava um caráter experimental. Fonterrada (2008, p. 219) elucida
que “o improviso […] não era uma técnica a ser desenvolvida e dominada, mas um procedimento
comum a alunos e professores que, confundindo espontaneidade com falta de planejamento e
de perspectivas, aderiram ao fazer e à chamada expressão livre”. Esse improviso marca a falta
de intencionalidade do ato educativo em relação às artes.

Além da liberdade de expressão e criação, as atividades recreativas e de festividades


da escola passaram a ocupar, também, espaço nas aulas de educação artística. Fonterrada
(2008, p. 229, grifo da autora) esclarece que “em grande parte das escolas, a disciplina artes
(ou educação artística, terminologia ainda vigente) não era valorizada do mesmo modo que as
outras; via de regra, o professor de artes é considerado o festeiro da escola, aquele que ajuda os
alunos a passarem seu tempo”. A autora ainda denuncia que o tratamento destinado às artes no
espaço escolar é um reflexo da sociedade atual, que não atribui valor a essa atividade humana,
ou seja, “a maneira como é encarada a disciplina artes na escola brasileira atual é reflexo de
uma ‘visão de mundo’ que valoriza o saber e as técnicas, e vê a arte como entretenimento ou
passatempo” (Fonterrada, 2008, p. 229). Com todo esse cenário, aos poucos, concretizou-se

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Martinez, Andréia Pereira de Araújo; Pederiva, Patrícia Lima Martins

a falta de importância das artes e, mais precisamente, a inexistência da música no espaço da


educação institucionalizada.

Em 20 de dezembro de 1996 foi sancionada a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional nº 9.394 (Brasil, 1996). A nova legislação inseriu o termo “ensino de arte” (art. 26) e
retirou o termo “educação artística”, em decorrência do fortalecimento das inúmeras críticas que
essa terminologia passou a receber. As críticas estavam relacionadas tanto ao ensino polivalente
como “ao esvaziamento da prática pedagógica” (Penna, 2010, p. 128), que ocorria nas aulas de
arte.

Na realidade, a troca de terminologia não provocou mudanças no ensino das artes


na educação básica, pois a ideia da polivalência continuou a persistir nas escolas e entre os
professores. Penna (2010, p. 130) esclarece que “a expressão ‘ensino de arte’ pode ter diferentes
interpretações, sendo necessário defini-la com maior precisão”. Ou seja, era necessário
esclarecer melhor a lei para que, de fato, as especificidades de cada arte fossem consideradas
na educação básica.

Nos primeiros anos do século XXI aconteceu um movimento que demonstrou preocupação
com o ensino de música especificamente. Esse movimento deu origem ao Grupo de Articulação
Parlamentar Pró-Música, que lutou pela volta da música à escola. O grupo era constituído por
educadores, músicos, músicos-educadores, entre outros. Por meio do movimento, o grupo colheu
assinaturas e deu origem ao Projeto de Lei nº 330/2006. A aprovação do projeto desencadeou
na sanção da Lei nº 11.769, em 18 de agosto de 2008, que inseriu o § 6º ao artigo 26 da vigente
LDB nº 9.394/96. “A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente
curricular de que trata o § 2º deste artigo.” (Brasil, 2008). O parágrafo segundo de que trata a
nova legislação refere-se ao ensino da arte.

A nova legislação abre múltiplas possibilidades para que a atividade musical encontre o seu
espaço na educação básica. Entretanto, é preciso mencionar que “a lei em si não é capaz de
modificar o cenário da educação escolar” (Martinez, 2012, p. 20), pois existem inúmeros fatores
que influenciam esse processo, como a organização das diferentes secretarias de educação e
dos diversos estabelecimentos de ensino, além da formação e atuação do professor.

voltar-se para Ao longo dos anos, percebemos períodos de presença e de ausência da música na
o futuro… educação institucionalizada no Brasil. A existência ou inexistência da música nesse contexto
possuía explícita ou implicitamente funções e estruturas diversas. Em boa parte da história houve
uma inversão, pois a música esteve presente apenas como “pano de fundo”. Inverteram-se os
fatores, pois o desenvolvimento musical passou a ser secundário. Assim, a exploração do universo
sonoro musical, a percepção dos sons que existem no meio natural e social, a imaginação e
criação de novos sons, ritmos, melodias e músicas, que são importantes para o desenvolvimento
musical do ser humano, por vezes, foram ignorados (Martinez, 2012). De todo modo, o que
não encontrou espaço na educação institucionalizada é ricamente vivenciado cotidianamente em
outros contextos sociais. Pederiva (2009, p. 122) assegura que a música

[…] existe na vida em quase todos os momentos e atividades humanas que decorrem
dos diversos agrupamentos sociais. Mesmo porque deve-se lembrar da origem em
comum da musicalidade e da fala que é igualmente própria da natureza humana.

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Um breve olhar para o passado: contribuições para pensar o futuro da educação musical

Ao longo dessa história, percebemos um desrespeito à diversidade cultural e uma busca por
padronização, por uma expressão “mais apropriada”. Na cultura não existe essa classificação.
Todas são válidas e precisam ser respeitadas. A música terá mais sentido para o aluno se a sua
identidade cultural for respeitada e valorizada. Como discorremos no início deste trabalho, o
Brasil é um país rico em expressão musical. Essa expressão faz parte da identidade do homem
como ser social e cultural. É preciso respeito a essa identidade que constitui o ser humano.

Outro fator perceptível nessa história são os extremos que ocorreram em relação à música.
Ora houve uma valorização extremada da técnica. Ora houve um esvaziamento da música como
prática educativa, o que ocasionou a falta de intencionalidade pedagógica, de fato. A técnica
é importante, mas a sua necessidade surge depois de uma prática que criou condições de
possibilidades para a experimentação, exploração, imaginação, criação e vivência musical. Tudo
isso não é feito sem intencionalidade. Toda essa prática precisa ser pensada, refletida e realizada
de forma consciente. Não é fazer qualquer coisa. É fazer algo que tenha sentido para o professor
e, sobretudo, para o aluno.

Acreditamos que um olhar para essa atividade humana, como prática educativa, deva pensá-
la para além das funções que foram expostas ao longo da história da educação institucionalizada
do Brasil, como uma prática libertadora, de expressão, de imaginação, de criação e interpretação
da atividade humana, como tantas outras atividades que compõem o arsenal histórico-cultural
da humanidade.

E que esse olhar para o passado passa a contribuir para debates e reflexões acerca da
educação musical que se pretende realizar no contexto da educação básica brasileira.

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22 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 11-22 | jul.dez 2013


Performance musical pública: sucesso e fracasso na perspectiva de estudantes de bacharelado em instrumento do Rio Grande do Sul

Performance musical pública:


sucesso e fracasso na perspectiva
de estudantes de bacharelado em
instrumento do Rio Grande do Sul
Public musical performance: sucess and failure in the perspective of
undergraduate music students of Rio Grande do Sul

Ana Francisca Schneider Grings Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (lFRS) francisca.schneider@gmail.com
Liane Hentschke Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) liane.hentschke@portoweb.com.br

resumo Esta pesquisa teve como objetivo investigar as causas atribuídas por bacharelandos
em música em situações consideradas de sucesso e fracasso em performance musical
pública. A atribuição de causalidade busca compreender as causas que levam os
indivíduos a obter resultados de sucesso ou de fracasso. A metodologia utilizada
foi um survey e os dados foram coletados através de um questionário envolvendo
130 alunos de bacharelado em música do estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa
mostra que estudantes que possuem mais experiência musical consideram suas
performances como boas e excelentes enquanto os que possuem pouca experiência
não conseguem percebê-las dessa forma. A partir da análise, observou-se que a
prática instrumental sofre variações de acordo com a sua natureza e com contexto da
tarefa, com o nível de especialização do instrumentista, com as experiências prévias
de performance, diferenças pessoais e também com a motivação do estudante.

Palavras-chave: motivação, performance musical pública, atribuição de


causalidade

abstract This research aimed to investigate the causes attributed by undergraduate music
students in situations considered of failure and success in public musical performance.
The Attributional Theory seeks to understand the causes that lead individuals to have
results of success or failure. The Methodology used was the Survey and the data
were collected through questionnaire involving 130 undergraduate music students of
southern Brazil. Research shows that students who have more experience consider
their musical performances as good or excellent while those with little experience
cannot perceive them alike. From the analysis, one can observe that the instrumental
practice undergoes changes according to its nature and the context of the task, the
expertise of the player, experience prior to the performance, personal differences, and
also student’s motivation.

KEYWORDS: motivation, musical public performance, attributional theory

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Grings, Ana Francisca Schneider; Hentschke, Liane

O
introdução ensino superior de instrumento no Brasil é oferecido em universidades públicas e privadas
em todas as regiões do país, e visa formar bacharéis em música para atuarem em diversos
espaços socioculturais como músicos profissionais. A formação do bacharel em música é
heterogênea, mudando de instituição para instituição. O curso de bacharelado em música, de
maneira geral, possibilita aos alunos que adéquem o repertório a ser estudado ao longo do período
letivo, de acordo com seus interesses, visando o desenvolvimento de competências-chave para
um instrumentista. Além de disciplinas individuais de instrumento, os alunos cursam disciplinas
teórico-práticas, nas quais convivem com outros estudantes e têm a oportunidade de construir
suas performances, consideradas ideais.
A motivação de alunos universitários de música ainda é um tema pouco estudado no
Brasil, com apenas algumas pesquisas realizadas, tais como: Araújo e Pickler (2008), Cavalcanti
(2009); Figueiredo (2010). O tema ainda necessita de maior aprofundamento e pesquisas que
revelem o perfil dos estudantes, suas crenças e concepções. Dessa forma, ao conhecer o
perfil desses estudantes, será possível criar e adequar estratégias de aprendizagem e tornar o
processo educacional mais significativo e efetivo. Por se tratar de estudantes de nível superior
é fundamental que estes estejam motivados a seguir a carreira e preparados para enfrentar os
desafios profissionais que aparecerão ao longo da vida. Assim, as pesquisas nesse tema no
Brasil ainda têm um longo percurso até um maior mapeamento dos bacharelandos em música.
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado em Educação Musical,
que teve como objetivo investigar as causas atribuídas por bacharelandos em música em
situações consideradas de sucesso e fracasso em performance musical pública.

motivação O interesse em entender o que leva os alunos a estudarem música, suas metas, suas
em música crenças e concepções, assim como o quanto se sentem aptos a realizar atividades musicais, fez
no ensino com que diversas pesquisas fossem realizadas em diferentes contextos de ensino e aprendizagem
de música utilizando como referência estudos e teorias da motivação.
superior
A motivação é que nos move, que nos leva a realizar certas atividades, e, segundo
Bzuneck (2004), pode ser entendida como um processo. Por ser um processo, não pode ser
observada diretamente, porém está presente nas atitudes, escolhas e no empenho para se
realizar determinadas tarefas. Ao buscar compreender o processo motivacional envolvido na
educação, pesquisadores há mais de cinco décadas desenvolvem teorias dentro da perspectiva
sociocognitiva da motivação, dando destaque para os pensamentos, crenças e percepções
individuais desse processo. Assim, segundo Boruchovitch e Martini (2004, p. 13), “o processo
motivacional dá início, dirige e integra o comportamento, sendo um dos principais determinantes
do modo como uma pessoa se comporta”.
O interesse pelo tema motivação vem crescendo e, no Brasil, nos últimos anos, algumas
pesquisas na área da educação musical foram realizadas utilizando teorias da motivação (Araújo;
Pickler, 2008; Cavalcanti, 2009; Cereser, 2009; Dantas, 2010; Figueiredo, 2010; Hentschke et al.,
2009; Pizzato, 2009; Vilela, 2009). Em outros países, as pesquisas sobre motivação e música
já estão estabelecidas e investigam diversas temáticas da motivação como, por exemplo, as
influências do contexto social na motivação de estudantes de música (McPherson, 2009; Sichivitsa,
2007), o papel do professor de música na motivação dos alunos (Hamann; Hedden; Legette,
2001), e a performance musical (Austin, 1991; Fredrickson, 2007; McPherson; McCormick, 2000,
2006; Papageorgi; Hallam; Welch, 2007).

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Performance musical pública: sucesso e fracasso na perspectiva de estudantes de bacharelado em instrumento do Rio Grande do Sul

A performance musical pode ser entendida como o desempenho do musicista, sua forma
de interpretar uma obra musical e criar a sua forma de execução e comunicação musical. Porém,
para que esse processo ocorra com sucesso, é necessário que o performer esteja motivado.
Pesquisas mostram que vários fatores influenciam o processo motivacional e podem marcar o
indivíduo com julgamentos e avaliações errôneas ou predeterminadas.
A ansiedade é um desses fatores que podem influenciar a motivação. Uma pesquisa
realizada com instrumentistas (Papageorgi; Hallam; Welch, 2007) mostrou que a ansiedade
na performance pode provocar um impacto negativo na qualidade da execução. Os autores
comentam que a suscetibilidade e o grau de sensibilidade à ansiedade são variados, ou, mais
especificamente, variam de acordo com cada indivíduo e com fatores intrínsecos (idade, gênero,
personalidade, sensibilidade à avaliação de terceiros, etc.) e extrínsecos (tirar boas notas, ganhar
prêmios, ser reconhecido pelos pares, etc.). A pesquisa mostra que, em geral, as mulheres
tendem a ser mais suscetíveis a altos níveis de ansiedade em performance do que os homens.
O professor deve estar atento e elaborar estratégias para esses estudantes mais propensos
a ansiedade. Uma maneira de ajudar os estudantes é fornecer-lhes feedbacks construtivos,
ajudando na construção de seu autoconceito e no desenvolvimento positivo de capacidades e
competências, promovendo assim a sua motivação. Papageorgi, Hallam e Welch (2007, p. 101,
tradução nossa) comentam que,

na prática, os professores precisam garantir que os estudantes estejam familiarizados


com o local da performance antes do evento para que possam ser psicologicamente
preparados para o que esperar e também para a prática de realização. Os professores
também precisam enfatizar a importância da comunicação musical e o prazer do público
em ouvir. Além disso, os professores devem enfatizar aos alunos que alguma ansiedade e
excitação psicológica antes de performance é natural e em alguns casos necessária para
executá-la de forma eficaz.1

Uma pesquisa realizada com 130 estudantes sobre as motivações para continuar os
estudos em música (Sichivitsa, 2007) demonstrou que aqueles estudantes que possuem mais
experiências prévias de performance e um suporte maior dos pais têm um autoconceito melhor
em música. Com um autoconceito maior, os estudantes tendem a persistir mais para obter níveis
maiores de performance e ficam cada vez mais motivados a continuar participando de atividades
musicais.
Uma prática de sucesso envolve uma série de estratégias de estudo, reflexão e autoavaliação.
É preciso ver se as metas estão de acordo com as reais possibilidades dos alunos dentro de um
determinado tempo de preparação para o estudante, já que, mesmo que ele seja capaz, por não
ter tempo de se preparar, o aluno pode falhar em uma apresentação. Cada indivíduo tem um
tempo e, em se tratando de estudantes, é necessário que se conheça cada um e que o aluno se
conheça para que possa adequar os desafios às suas reais condições.

1. No original: “At a practical level, teachers need to ensure that students are familiarised with the performance venue
prior to the event so they will be psychologically prepared for what to expect and also to practise performing itself.
Teachers also need to emphasise the importance of musical communication and the enjoyment of the performance by
the audience. Additionally, teachers should emphasise to students that some anxiety and physiological arousal before
performance is natural and in some cases necessary in order to perform effectively.”

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Grings, Ana Francisca Schneider; Hentschke, Liane

atribuição de Como proposto pela perspectiva social cognitiva, a motivação é entendida como um
processo que pode ser pensado como uma sequência onde cada ação pode ser analisada à luz
causalidade
de diferentes teorias. A teoria que explica o fim da sequência motivacional é a teoria da atribuição
de causalidade, desenvolvida por Fritz Heider em 1944 (Heider, 1944) e que tem como principal
teórico Bernard Weiner (1985, 1991, 2000, 2004). A intenção dessa teoria é mostrar como as
situações de sucesso e fracasso são interpretadas pelo indivíduo da ação, cabendo ao próprio
indivíduo julgar se foi uma situação de sucesso ou fracasso. As atribuições causais representam
as crenças individuais sobre acerto e falha e influenciam diretamente o processo motivacional
(Weiner, 1991).
A atribuição de causalidade é um tópico de estudo dentro do campo da motivação que está
junto a outros fatores como: ansiedade, percepção de controle, sucesso e fracasso, esforço,
desempenho, autoestima e influência do ambiente. Essa teoria tem como princípio avaliar as
atribuições causais no âmbito do pensamento humano, seus sentimentos e ações, vendo-o de
forma integrada e interdependente (Boruchovitch; Martini, 2004).
As causas atribuídas pelos alunos são muitas e não são estáticas, podem mudar de acordo
com o amadurecimento e a própria situação. Mas, segundo as pesquisas de Weiner (1985) e
Martini (1999), algumas causas são mais recorrentes, tais como: inteligência, esforço/falta de
esforço, dificuldade da tarefa, sorte, influência do professor, influência de outras pessoas e
cansaço. Martini e Del Prette (2005), ao efetuarem um levantamento de atribuições de causalidade
de alunos do ensino fundamental para situações de sucesso e fracasso escolar, encontraram
que, muitas vezes, os alunos não sabem o motivo de seus fracassos. Mas segundo os autores
existe uma tendência de os alunos “internalizarem as causas do sucesso e do fracasso escolar
e de explicarem o seu desempenho acadêmico principalmente pelas atribuições de esforço,
capacidade e atenção em detrimento da tarefa, do professor ou de outra variável externa” (Martini;
Del Prette, 2005, p. 361, grifo das autoras). A atribuição do esforço como principal causa para
situações de sucesso e fracasso foi também o resultado da pesquisa realizada por Ferreira et al.
(2002) e Mascarenhas, Almeida e Barca (2005).
Na área de música, Austin e Vispoel (1992) realizaram um estudo utilizando a teoria da
atribuição de causalidade com crianças e perceberam que estas demonstraram melhores
resultados quando recebiam um feedback dos professores com novas estratégias de estudo
do que quando recebiam um feedback de capacidade. McPherson (2004) comenta que, se o
indivíduo acredita que a sua capacidade é fixa e ele atribui o fracasso à falta de capacidade,
irá criar a expectativa de falhar nas próximas situações. Algumas vezes irá criar estratégias de
defesa para sempre associar o fracasso na performance musical à falta de capacidade e proteger
com isso a sua imagem de autoeficaz. Assim, ao se conhecer uma determinada causa e suas
dimensões, é possível saber por onde buscar caminhos para situações futuras e como preparar
esse aluno para novas situações.
Outra pesquisa sobre esse tema (Austin; Vispoel, 1998) foi realizada com o objetivo de
investigar as atribuições de causalidade de adolescentes para situações de sucesso e fracasso
na aula de música. Nessa pesquisa, os resultados apresentados trazem dados não tradicionais
para as pesquisas de atribuição de causalidade, colocando em evidência causas como, por
exemplo, influência da família. Legette (2002) investigou os licenciandos em música e concluiu
que as principais causas atribuídas para o sucesso e o fracasso em música são a capacidade
e o esforço. Esse resultado demonstra que, na área de música, as atribuições tendem a ser
iguais às de outras áreas, mas também aponta para a existência de uma diferença interna nos
dados. As atribuições de instrumentistas e de vocalistas são diferentes. Todavia, ainda não há

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Performance musical pública: sucesso e fracasso na perspectiva de estudantes de bacharelado em instrumento do Rio Grande do Sul

dados suficientes para análises mais aprofundadas sobre as diferenças de atribuições dos
instrumentistas e cantores.
Hewitt (2004) realizou uma pesquisa com bacharelandos em música sobre suas atribuições
e autopercepções em apresentações musicais individuais. Observou que a avaliação por
professores é de fundamental importância, pois, assim, os alunos têm um feedback de seu
desempenho. O autor comenta que é necessário que os alunos saibam como o processo
avaliativo está acontecendo, pois isso confere uma sensação de segurança e faz com que haja
um redimensionamento das suas atribuições sobre sucesso ou fracasso.

Esta pesquisa foi realizada dentro de uma abordagem quantitativa, com caráter descritivo metodologia
e exploratório. Para a realização desta pesquisa, o método escolhido foi o survey, por ter a
característica e o objetivo de: descrever, explicar e explorar certa amostra (Babbie, 1999). Esse
método veio ao encontro do objetivo da pesquisa, que foi investigar as atribuições de causalidade,
assim como descrevê-las. O survey é um método de pesquisa quantitativa que traz três pré-
requisitos: especificação exata do objetivo da pesquisa, a população-alvo e os meios disponíveis
para a sua realização (Cohen; Manion; Morrison, 2007).
Essa metodologia de pesquisa é frequentemente empregada para que se possa traçar um
perfil de uma determinada população, ou seja, conhecer suas características, traços e atributos
(Babbie, 1999). Nesse sentido, esta pesquisa buscou conhecer as características da amostra
pesquisada, que ainda é inexplorada pela literatura especializada da área de educação musical,
e descrever, sem explicar suas diferenças, o perfil dos alunos de bacharelado em música,
matriculados em universidades federais do estado do Rio Grande do Sul.
Para esta pesquisa, a técnica escolhida foi a de um questionário autoadministrado. A
construção do questionário surgiu da adaptação de dois outros questionários já validados em
Portugal (Sousa; Rosado; Cabrita, 2008) e nos Estados Unidos (Austin; Vispoel, 1998). O primeiro
analisa dados demográficos, dados da situação à qual o indivíduo será remetido ao responder
o questionário e contém 12 perguntas que analisam as três dimensões da causa (localização,
estabilidade e controlabilidade). O segundo analisa as atribuições de causa: capacidade,
esforço, persistência, estratégia, interesse, metacognição, sorte, dificuldade da tarefa, influência
do professor, influência da família e influência dos pares.
O questionário construído foi dividido em três partes. A primeira, referente aos dados
demográficos (idade, sexo, universidade, semestre do curso de música) e informações sobre a
trajetória musical (número de apresentações realizadas – concertos de orquestra, concertos de
música de câmara, saraus, recitais solo, solista de orquestra, prova com banca e concursos de
música –, instrumento musical e horas de estudo semanal do instrumento). A segunda parte diz
respeito a uma situação de sucesso em performance musical pública individual, e a terceira, a
uma situação de fracasso em performance musical pública individual, ambas contendo perguntas
referentes às circunstâncias da apresentação (plateia, espaço e ensaios), probabilidade de
sucesso ou de fracasso, importância da apresentação para o indivíduo e o grau de dificuldade
da apresentação.
Essas questões foram respondidas de diversas formas: a) em uma escala de um a cinco
(escala de Likert), na qual cada número da escala se refere a uma atribuição, como, por exemplo:
1, razoável ou nenhuma e 5, excelente ou muitíssima; b) respostas abertas, nas quais o estudante
descrevia o tempo de seu preparo para a apresentação; e c) múltipla escolha, como, por exemplo,

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Grings, Ana Francisca Schneider; Hentschke, Liane

as causas para o sucesso e o fracasso, de modo que houvesse escolha das causas dentre as
opções.
As causas para as situações de sucesso e de fracasso foram separadas em 12 categorias:
capacidade, esforço, persistência, estratégia, interesse, sorte, dificuldade da tarefa, influência
do professor, influência da família, influência dos pares, aspectos emocionais e outras, sendo
que, no campo “outras”, o indivíduo poderia escrever a causa que não estivesse relacionada a
nenhuma dessas categorias. Dentro dessas categorias, o bacharelando poderia assinalar uma
ou mais causas que achasse pertinente à situação considerada de sucesso ou de fracasso.
Para este estudo, foi selecionada uma amostra não probabilística de 130 alunos de ambos
os sexos, dos cursos de bacharelado em instrumento ou canto, que estivessem matriculados a
partir do terceiro semestre de curso, das três universidades federias do estado do Rio Grande do
Sul: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre; Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM), Santa Maria; e Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas.
As causas que já estavam no questionário foram agrupadas em causas intrínsecas e
extrínsecas para a realização de alguns testes. A seguir a Tabela 1 representa esse agrupamento.

CAUSAS
Intrínsecas Extrínsecas
Capacidade Capacidade
Esforço Esforço
Persistência Persistência
Estratégia Estratégia
Interesse Interesse
Aspectos emocionais Aspectos emocionais

TABELA 1

Agrupamento de causas intrínsecas e extrínsecas.

Com esse agrupamento foi possível realizar uma comparação de causas entre as situações
consideradas de sucesso e de fracasso e com isso perceber o padrão de atribuição dessa
amostra.

resultados e A seguir está representada a frequência de apresentações dos estudantes (Tabela 2) com
discussão as porcentagens significativas.

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Performance musical pública: sucesso e fracasso na perspectiva de estudantes de bacharelado em instrumento do Rio Grande do Sul

Frequência de apresentações públicas


20,8% nunca fizeram um recital solo.
Recitais solo
36,1% fizeram entre 1 e 2 recitais.
26,9% nunca fizeram um recital de música de câmara.
Recitais de música de câmara
38,4% fizeram entre 1 e 4 recitais de música de câmara.
Solistas de orquestra 77,7% nunca foram solistas de orquestra.
31,5% nunca tocaram em saraus.
Saraus 30% tocaram em saraus entre 1 a 5 vezes.
20% tocaram em saraus entre 6 e 10 vezes.
Provas com banca 57,7% realizaram entre 2 a 6 provas com banca.
66,9% nunca fizeram um concurso.
Concursos
26,9% fizeram entre 1 e 2 concursos.

TABELA 2

Frequência de apresentações realizadas pelos estudantes.

Como se pode observar 77,7% dos estudantes nunca realizaram uma apresentação
como solista de orquestra e 66,9% nunca participaram de um concurso. Os dados apresentam
uma grande variedade de respostas, o que mostra uma heterogeneidade dessa população. A
categoria que apresenta maior frequência é a de provas com banca, com 57,7% dos alunos.
Nas tabelas 3 e 4 podemos observar as causas atribuídas para a situação considerada de
sucesso e a considerada de fracasso.

Causas do bom desempenho


Frequência %
Causas intrínsecas 128 98,5
Causas extrínsecas 1 0,8
NR 1 0,8
Total 130 100,0

TABELA 3

Causas – melhor desempenho.

Causas do mau desempenho


Frequência %
Causas intrínsecas 95 73,1
Causas extrínsecas 26 20,0
NR 9 6,9
Total 130 100,0

TABELA 4

Causas – pior desempenho.

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 23-34 | jul.dez 2013 29


Grings, Ana Francisca Schneider; Hentschke, Liane

Comparando as duas situações, percebe-se que, para a situação de sucesso, as causas são
intrínsecas na maioria dos casos (98,5%). Porém, quando a situação é de fracasso, contrariando
os estudos, as causas também são intrínsecas em sua maioria, com 73,1%. De fato, apenas 20%
dos alunos relacionaram o fracasso a alguma causa extrínseca. Podemos concluir que, para
essa amostra, com esse perfil, a tendência é que os alunos se responsabilizem tanto por seus
sucessos quanto por seus fracassos.

O teste qui-quadrado foi realizado para verificar se existia relação entre o número de recitais
realizados pelos alunos (categorizados em faixas) e o desempenho (melhor e pior). Foi possível
constatar que existe relação entre o número de recitais realizado pelos bacharelandos com a
percepção que têm sobre suas performances, como é possível observar na Tabela 5. Percebe-
se que quanto mais experiências prévias o aluno tenha, mais ele tende a atribuir o seu melhor
desempenho como sendo de muito bom a excelente. Essa relação acontece quando o valor
do resíduo do teste é maior do que 1,96. Como se pode observar na Tabela 5, estudantes que
realizaram até 20 recitais se avaliaram com um desempenho de razoável a bom, enquanto os que
já realizaram entre 20 e 50 recitais avaliaram suas performances como muito boas a excelentes.
Esses dados comprovam outras pesquisas que mostram a importância das experiências prévias
para o autoconceito musical.

Total de recitais * desempenho (melhor)


Desempenho (Melhor)
Total de Recitais Muito Bom a Total
Razoável a Bom
Excelente
Observado 30 39 69
Até 20 Esperado 2,9 -2,9
% 71,4% 44,3% 53,1%
Observado 8 37 45
De 21 a 50 Esperado -2,6 2,6
% 19,0% 42,0% 34,6%
Observado 4 12 16
Acima de 50 Esperado -0,7 0,7
% 9,5% 13,6% 12,3%
Observado 42 88 130
Total % 100,0% 100,0% 100,0%

TABELA 5

Total de recitais e melhor desempenho.

Os dados emergentes da pesquisa revelam, em um primeiro momento, as causas atribuídas


ao sucesso e ao fracasso em uma situação considerada de sucesso e outra de fracasso de
performance musical pública. As causas, apresentadas nas sessões melhor desempenho e
pior desempenho, mostram que existe uma diferença nas atribuições causais para a música
em relação a outras disciplinas como, por exemplo, português e matemática. Essa diferença se
apresenta na situação do pior desempenho onde, ao invés de se isentar da responsabilidade
pelo fracasso, o aluno bacharelando em música se responsabiliza pelo resultado, atribuindo a
ele uma causa interna. Na situação de fracasso, ou pior desempenho, como causa mais citada
estão os aspectos emocionais, uma atribuição normalmente não controlável e instável. A causa

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Performance musical pública: sucesso e fracasso na perspectiva de estudantes de bacharelado em instrumento do Rio Grande do Sul

principal para o mau desempenho foi mais distribuída, sendo 73,1% para causas intrínsecas e
20% para causas extrínsecas.

Os resultados da estatística descritiva para as causas estão em desacordo com a literatura


sobre o tema quando se fala em fracasso. De acordo com Weiner (1985) e Martini (1999), para
essa situação é comum o indivíduo atribuir seu desempenho à influência de outras pessoas
como colegas, pais e professores, falta de esforço e cansaço, o que nesta pesquisa não se
comprovou. Polydoro e Azzi (2008) afirmam que os indivíduos sentem orgulho e prazer pelos seus
sucessos quando se responsabilizam por esse resultado, o atribuindo a causas como esforço e
suas próprias capacidades, enquanto que se sentem muito insatisfeitos quando percebem que o
seu resultado depende de fatores externos.

A performance musical, como apresentada anteriormente, é uma situação que envolve


muitos fatores e todos eles influenciam a motivação do estudante. Os aspectos emocionais,
causa principal para o fracasso nesta pesquisa, podem ser uma variedade de emoções que
surgem de acordo com esses fatores. A ansiedade é um desses possíveis aspectos emocionais
que influenciam negativamente o resultado (Papageorgi; Hallam; Welch, 2007). Porém, para se
conhecer todos os aspectos emocionais envolvidos e responsáveis pelo bom ou mau desempenho
na performance musical, seria necessário o desenvolvimento de pesquisas qualitativas sobre a
atribuição de causalidade em música.

Embora não seja possível generalizar os resultados obtidos nesta pesquisa para todos
os estudantes de música, já se pode ter ideia do comportamento causal desses estudantes.
Seguindo a perspectiva intrapessoal da atribuição de causalidade (Weiner, 2004), um resultado
pode desencadear uma série de comportamentos e pensamentos que influenciarão as próximas
atividades. Por isso, os indivíduos devem ter atribuições de causalidade coerentes com as
reais situações e o suporte psicológico de professores, pais e colegas quando essa causa for
incontrolável, pois poderá haver consequências psicológicas relacionadas à culpa e à vergonha
que, se mal administradas, podem bloquear o indivíduo de seguir uma carreira. No caso do
bacharelado em música, se o estudante não consegue controlar as emoções envolvidas no
seu fracasso e acredita que elas são a razão do seu mau desempenho, poderá desenvolver
sentimentos contrários à realização de uma apresentação musical pública, tarefa inerente ao
músico profissional.

Através dos resultados apresentados, são levantadas questões a respeito da formação do considerações
músico profissional, competências necessárias e soluções práticas para a preparação de uma finais
apresentação. Novas pesquisas são necessárias para traçar o perfil desse estudante e também
sobre a forma com que acontece a preparação de instrumentistas no Brasil. No entanto, esta
pesquisa aponta para alguns caminhos que podem ser melhor investigados em pesquisas futuras
que utilizem esse mesmo referencial, bem como em pesquisas longitudinais que acompanhem
de mais perto a preparação dos estudantes para uma apresentação musical, desde as suas
metas até as suas atribuições causais, passando pelas expectativas e experiências de fluxo.

A pesquisa mostra que estudantes que possuem mais experiência musical consideram
suas performances como boas e excelentes, enquanto os que possuem pouca experiência
não conseguem percebê-las dessa forma. Assim, quanto mais o estudante se apresentar, mais
experiência irá adquirir e com o tempo irá conhecer as melhores estratégias para lidar com seu

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 23-34 | jul.dez 2013 31


Grings, Ana Francisca Schneider; Hentschke, Liane

emocional. Porém, não basta que o estudante toque em público a cada semana se essa prática
não for consciente e dotada de parâmetros de avaliação. A teoria da atribuição de causalidade
não fornece parâmetros para essa avaliação e sobre o que o aluno e o professor devem levar
em consideração na hora de atribuir uma causa como principal para um resultado. Para atribuir
corretamente e conseguir realmente avaliar a situação ocorrida, é necessário que se estipulem
parâmetros e metas específicas para cada situação. Na teoria social cognitiva existem parâmetros
de auto-observação e de como ocorrem os processos de julgamento que podem ser utilizados
como base para uma reflexão pós-evento. É importante salientar que as teorias da motivação
devem ser vistas interligadas, pois o comportamento humano é influenciado pelas lembranças,
expectativas e valores do sujeito e da sociedade à qual pertence.

O questionário construído pode servir de referência para futuras pesquisas, pois cada
questão pode ser aprofundada em uma nova investigação e desvendar o comportamento do
instrumentista. Novas pesquisas podem ser realizadas com esse tema, e para completar o
estudo da teoria da atribuição de causalidade em situações de performance musical pública
seria necessário que se investigassem as dimensões da causa para conhecer e compreender as
crenças dos estudantes. Durante a coleta de dados foi percebido que os estudantes sentem a
necessidade de falar sobre essas situações, explicá-las e justificá-las. Com base nisso é importante
que sejam analisadas as performances musicais junto com os alunos e seus professores, para
compreender todos os aspectos nela envolvidos. Nesse sentido é importante que se realizem
estudos qualitativos sobre esse tema para obtermos mais subsídios de como trabalhar com as
situações de sucesso e principalmente fracasso na performance musical pública.

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Preferência musical e classe social:
um estudo com estudantes de ensino
médio de Vitória, Espírito Santo
Music preference and social class: a study with
students of the high school in Vitória, Espírito Santo

João Fortunato Soares de Quadros Júnior Universidade Estadual do Maranhão (Uema) joaofjr@gmail.com
Oswaldo Lorenzo Universidad de Granada (Espanha) oswaldo@ugr.es

resumo Este estudo objetivou conhecer as preferências musicais de estudantes de ensino


médio em Vitória, Espírito Santo, bem como verificar a influência da classe social
sobre a escolha musical desses estudantes, utilizando para isso a região geográfica
em que se localizavam as escolas pesquisadas. Contemplando uma amostra de 966
alunos (56,8% mulheres e 43,2% homens), com idades entre 14 e 46 anos (média
de 16,42 anos), distribuídos nas três séries que compõem o ensino médio (35,6%
alunos do 1º ano, 32,5% alunos do 2º ano e 31,9% alunos do 3º ano), esta pesquisa
adotou uma versão adaptada ao contexto local do Questionário sobre preferência de
estilos musicais (Lorenzo; Herrera; Cremades, 2008). Os resultados mostraram que
1) ouvintes provenientes de regiões com maior poder aquisitivo são mais ecléticos;
2) a religião pode ser um fator de influência sobre a escolha musical; 3) estilos
vinculados aos meios de comunicação massivos possuem maior representatividade
nas preferências dos participantes.

Palavras-chave: preferência musical, classe social, ensino médio

abstract This study aimed to know the musical preferences of the high school students in
Vitória, Espírito Santo, as well as to verify the influence of the social class about the
musical choice of these students, using for this the geographic region of the each
school investigated. With a sample of 966 students (56.8% women and 43.2% men),
between 14 and 46 years old (average = 16.42), belonging to three courses that form
this educational stage (35.6% 1st stage, 32.5% 2nd stage and 31.9% 3rd stage), this
research used an adapted version of the Questionnaire about musical styles preference
(Lorenzo; Herrera; Cremades, 2008). The results show that 1) listeners from the richer
regions are more eclectics; 2) the religion can be an influence factor in the music choice;
3) styles related to mass media have more representativeness in the preferences of
participants.

KEYWORDS: musical preference, social class, high school

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Quadros, João Fortunato Soares de, Júnior; Lorenzo, Oswaldo

P
preferência referência musical é uma temática ainda pouco contemplada na literatura científica. Todavia,
musical muitos autores destacam o importante papel que ela exerce na compreensão de traços de
personalidade (Mcnamara; Ballard, 1999), de comportamentos (Villani, 2001), de atitudes e
de valores (Pimentel; Gouveia; Vasconcelos, 2005; Rentfrow; Gosling, 2006). Relatos de estudos
dessa natureza antecedem ao nascimento de Cristo. Segundo Pimentel, Gouveia e Pessoa (2007),
Aristóteles já mencionava em seus trabalhos a importância dos estilos musicais na formação
do caráter do ser humano, e Platão, por sua vez, indicava que a música poderia servir como
instrumento capaz de influenciar sociedades inteiras.

Inicialmente, é importante compreender que, segundo Meyer (1963), preferência se refere


à predileção ou à eleição deliberada de algo. Mais estrito ao campo da música, Schäfer (2008)
estabelece que preferência musical pode ser definida como o grau do gosto por um estilo
musical, somado à tendência comportamental para ouvir aquele estilo mais que outros, podendo
tais decisões ser tanto de curta quanto de longa duração. Esse autor concorda com LeBlanc
(1982), destacando que atualmente está ocorrendo a substituição do termo gosto por preferência
musical devido à compreensão de que o segundo “é mais amplamente entendido e que não
transmite a impressão de que preferência para um tipo de música é necessariamente melhor do
que a preferência para outro tipo”1 (LeBlanc, 1982, p. 29, tradução nossa).

Por outro lado, existem pesquisadores que concebem esses termos de maneiras diferentes.
Gonçalves (2010) destaca que a diferença fundamental entre gosto e preferência musical está na
duração, isto é, por quanto tempo o indivíduo permanece preferindo uma determinada música
frente às outras, definindo, assim, gosto musical (musical taste) como o conjunto de preferências
que afetam positivamente o indivíduo ao longo da sua vida, enquanto que preferência musical
(music preference) se refere a decisões instantâneas, de curta duração (North; Hargreaves, 2008).
Quadros Jr. e Lorenzo (2010), complementando essa visão, enfatizam que quando a preferência
por algo se torna frequente, ela se transforma em gosto, ou seja, uma preferência estável e de
longo prazo. A concepção de preferência musical que será adotada para este trabalho estará
pautada nas escolhas de escutas de estilos musicais em um recorte temporal específico, levando
em consideração sua estreita relação com e influência sobre o gosto musical, conforme abordado
pelas exposições anteriores.

Sobre os fatores que podem exercer influências sobre a preferência musical, é necessário
pontuar que muitos pesquisadores têm buscado descobrir quais são aqueles que ajudam na
construção do gosto musical de indivíduos. De acordo com a literatura, existe uma tendência
do público de preferir peças musicais tocadas em um nível confortável de volume (Cullari;
Semanchick, 1989) e em um tempo moderado (Kellaris, 1992), levando-se em consideração
também a qualidade da performance musical (Quadros Jr.; Brito, 2012; Radocy, 1975), o tipo de
mídia (Rose; Wagner, 1995) e os aspectos musicais que são associados com ideias e conteúdos
emocionais (Jungaberle; Verres; Dubois, 2001). Com relação aos aspectos extrínsecos à música,
merecem destaque:

• a familiaridade, a complexidade e a audição repetitiva (Berlyne, 1971; Jakobovits, 1966;


North; Hargreaves, 1997, 2008; Wiebe, 1940);

1. No original: “[…] which is more widely understood and does not convey the impression that preference for one kind of
music is necessarily better than preference for another”.

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Preferência musical e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo

• as influências sociais e culturais (Delsing et al., 2008; Rentfrow; Gosling, 2006; North;
Hargreaves, 1999, 2007);

• a personalidade do ouvinte (Delsing et al., 2008; Dollinger, 1993; Gouveia et al., 2008;
Little; Zuckerman, 1986; Mccown et al., 1997; North, 2010; Pimentel; Donnelly, 2008;
Rentfrow; Gosling, 2003; Robinson; Weaver; Zillmann, 1996);

• o uso da música (Arnett, 1995; Getz et al., 2012; Hargreaves; North, 1999; Hargreaves;
North; Tarrant, 2006; North; Hargreaves, 1999; Steele; Brown, 1995; White, A., 1985);

• o gênero dos ouvintes (Christenson; Peterson, 1988; Colley, 2008; Pimentel; Gouveia;
Vasconcelos, 2005; Mcnamara; Ballard, 1999; North, 2010; North; Colley; Hargreaves,
2003; North; Hargreaves, 2008; O’Neill, 1997);

• a idade dos ouvintes (Delsing et al., 2008; Holbrook; Schindler, 1989; Levitin, 2010;
Mende, 1991; North; Hargreaves, 1995, 2002; White, C., 2001).

Além dos listados anteriormente, um outro fator que tem sido pouco estudado, mas que
constantemente aparece em pesquisas dessa natureza, é a classe social. Dessa forma, na
continuação será apresentada uma breve revisão sobre o assunto, que será a base para a análise
dos dados obtidos durante a pesquisa.

Como afirmado anteriormente, a classe social tem se mostrado um fator de impacto sobre preferência
as preferências e os gostos musicais (Denisoff; Bridges, 1983; Frith, 1981; Gans, 1974; Peterson;
musical e
Simkus, 1992; Robinson, 1993). Segundo Bourdieu (2007), nosso background cultural determina
classe social
nossas preferências musicais. Em seu trabalho, ele conseguiu distinguir três universos de gostos
singulares que se relacionavam a níveis escolares e a classes sociais:

• Gosto legítimo: o gosto pelas obras legítimas, representadas por Bourdieu pelo Cravo
bem temperado e a Arte da fuga (ambas composições de Bach). Cresce com o nível
escolar e possui maior frequência nas frações de classe dominante mais ricas em capital
escolar.

• Gosto médio: mais frequente nas classes médias que nas classes populares ou nas
frações “intelectuais” da classe dominante. Reúne, por um lado, as obras menores das
artes maiores – ex. Rhapsody in blue (de Gershwin) e Rapsódia húngara (de Liszt) – e,
por outro, as obras maiores das artes menores, por exemplo, na canção, Jacques Brel
e Gilbert Bécaud;

• Gosto popular: gosto mais comum entre as classes populares e que varia em razão
inversa ao capital escolar. É representado pela escolha de obras de música chamada
“ligeira” ou de música erudita desvalorizada pela divulgação, tais como a música do
Danúbio azul (de Strauss II), La traviata (de Verdi), Arlésienne (de Bizet) e, sobretudo, as
canções desprovidas de qualquer tipo de ambição ou de pretensão artísticas, tais como
as de Mariano, Guétary ou Petula Clark.

A visão de Bourdieu (2007) deixa evidente a existência de uma segregação social com base
nos gostos musicais. Segundo White, C. (2001), estudos têm descoberto que participantes de
classes sociais mais altas escutam formas artísticas consideradas “cultas” mais que aqueles
de classes sociais mais baixas. Entretanto, a autora contrapõe a visão de Bourdieu (2007),
enfatizando que isso não significa que os mesmos evitem escutar outros tipos de música

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Quadros, João Fortunato Soares de, Júnior; Lorenzo, Oswaldo

(North, 2010). Wilensky (1964) observou em seu estudo que quase todas as pessoas com nível
educacional mais elevado nos EUA regularmente desfrutavam formas de cultura de massa.
Dessa maneira, pode-se dizer que os resultados obtidos nesses dois últimos estudos convergem
com as descobertas de Peterson e Simkus (1992), Robinson (1993) e Van Eijck (2001) de que
as pessoas que estão localizadas em classes sociais mais elevadas são mais ecléticas em suas
preferências musicais.

Para White, C. (2001), o ecletismo no gosto musical pode criar fronteiras entre os níveis
sociais, a partir do momento em que ele pode simbolizar a adesão a classes mais elevadas e
excluir aqueles de outras classes. Sobre esse ponto, López-Sintas e Katz-Gerro (2005) verificaram
que quanto menor a discriminação referente ao status social, maior a amplitude média de
gostos musicais. Dessa forma, a emergência do eclético cultural (e, como resultado, a redução
da discriminação social) na sociedade atual é uma expressão da qualidade pessoal que são
altamente valorizadas e assim recompensadas (Peterson; Simkus, 1992).

North e Hargreaves (2007) revelaram que fãs de música sofisticada (tal como clássica)
tinham alta renda e alto nível de educação, enquanto que fãs de rap ou música eletrônica tendiam
a ter um status socioeconômico baixo. Em oposição a isso, North (2010) descobriu a existência
de relações negativas entre renda e gosto para os metaestilos clássico e jazz, representantes da
maior parte da “arte culta” entre os estilos considerados, enquanto que o metaestilo dance foi o
que originou relação fortemente positiva com renda. Essa descoberta, segundo o próprio autor,
dificulta explicar o padrão das descobertas obtidas nas pesquisas realizadas até o momento.

Gans (1974) chama a atenção de que as diferenças individuais de preferências musicais


relacionadas ao status social não devem ser vistas de maneira isolada, mas sim se levando em
consideração outros fatores como idade, grupo étnico, região de residência, etc. Como exemplo,
García-Álvarez, Katz-Gerro e López-Sintas (2007) descobriram que as mulheres tendem a preferir
a cultura culta. Na visão deles, homens e mulheres situados em classes sociais privilegiadas não
diferem em suas preferências médias. Por outro lado, em classes sociais menos privilegiadas,
homens e mulheres se especializam em diferentes tarefas, reproduzindo diferentes padrões
de consumo e preferências culturais. Concluindo, eles defendem que a ligação entre gênero e
consumo cultural depende da classe na qual o indivíduo se localiza.

vitória e sua O município de Vitória é dividido em oito regiões, a saber: Centro (I), Santo Antônio (II), Bento
constituição Ferreira (III), Maruípe (IV), Praia do Canto (V), Continental (VI), São Pedro (VII) e Jardim Camburi (VIII).
social e Para melhor compreensão, apresenta-se a seguir um mapa que ilustra a localização de cada região.

educacional

FIGURA 1

Divisão da cidade de Vitória


em regiões (Prefeitura de
Vitória, 2008).

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Preferência musical e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo

Sob a ótica socioeconômica, pode-se tentar agrupar essas regiões em três grupos:

a) Renda baixa: São Pedro, Santo Antônio e Maruípe.

b) Renda média: Bento Ferreira, Centro, Continental e Jardim Camburi.

c) Renda alta: Praia do Canto.

O primeiro grupo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE


(2010), apresenta renda familiar média entre 1,48 (São Pedro) e 2,89 (Maruípe) salários mínimos
mensais (SMM), o que em valores atuais poderíamos estimar aproximadamente entre R$ 1.000,00
e R$ 1.960,00.2 O segundo grupo apresenta média entre 4,98 (Bento Ferreira) e 8,32 (Continental)
SMM, correspondendo a atuais R$ 3.380,00 e R$ 5.650,00. Finalmente, o terceiro grupo apresenta
renda familiar média de 15,92 SMM, equivalentes a aproximadamente R$ 10.800,00.

Nota-se, a partir dos dados apresentados anteriormente, a existência de uma grande disparidade
entre as regiões, o que fica ainda mais preocupante quando se atenta para a perspectiva de que
famílias com menor renda tendem a apresentar maior número de pessoas em sua composição,
sugerindo uma renda per capta muito menor do que os valores apresentados aqui.

Sob o viés educacional, verifica-se a existência de heterogeneidade na distribuição das


escolas estaduais de ensino médio, como demonstrado na Tabela 1:

Regiões Número de escolas Porcentagem (%)


Centro 3 23,1
Santo Antônio 1 7,7
Bento Ferreira 0 0
Maruípe 2 15,4
Praia do Canto 3 23,1
Continental 2 15,4
São Pedro 1 7,7
Jardim Camburi 1 7,7
Total 13 100,0

TABELA 1

Distribuição das escolas estaduais de ensino médio


em Vitória segundo sua localização por região.

Observa-se uma grande concentração de escolas na região Praia do Canto (renda alta)
em detrimento de Santo Antônio e São Pedro (baixa renda), aspecto que sugere a necessidade
de translado de alunos de regiões mais pobres para estudar em escolas localizadas em regiões
consideravelmente mais ricas, sendo um potencial reforço para acentuar a desigualdade social
anteriormente comprovada. Além disso, o gasto com transporte pode ser um fator limitante para
que pessoas de regiões mais pobres tenham acesso à instrução escolar. Tais aspectos deveriam
ser observados pelas autoridades locais na tentativa de encontrar meios de amenizar a natural
diferença existente entre as camadas sociais capixabas.

2. Considerando o valor do salário mínimo no Brasil em 2013: R$ 678,00.

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 35-50 | jul.dez 2013 39


Quadros, João Fortunato Soares de, Júnior; Lorenzo, Oswaldo

Dessa forma, buscou-se nesse trabalho verificar a influência do fator classe social na
preferência de escuta de estilos musicais em estudantes de ensino médio de escolas estaduais
da cidade de Vitória.

método Participantes

Participaram desta pesquisa 966 alunos (56,8% mulheres e 43,2% homens) com idade entre
14 e 46 anos (média de 16,42 anos), procedentes de todas escolas estaduais de Vitória (13
no total), distribuídos nas três séries que compõem o ensino médio (35,6% alunos do 1º ano,
32,5% alunos do 2º ano e 31,9% alunos do 3º ano). Assim, na sequência será apresentada uma
descrição dos alunos participantes da pesquisa em função dos itens escola e região (Tabela 2).

TABELA 2

Frequências e porcentagens do alunado em função das variáveis região e escola.

Instrumento

Para a coleta de dados, foi utilizada uma versão adaptada ao contexto brasileiro e capixaba
do Questionário sobre preferência de estilos musicais, de Lorenzo, Herrera e Cremades (2008).
Para a adaptação do questionário e escolha dos estilos musicais foram utilizados um teste-piloto,
aplicado a um grupo de 89 alunos, e a técnica de avaliação por juízes experts (Barbero; Vila;
Suárez, 2003; Flick, 2004), garantindo assim a validez do conteúdo. É importante salientar que
esse instrumento passou pela avaliação de fiabilidade estatística, através da prova de alfa de
Cronbach, se obtendo um valor de 0,873, o que indica um alto índice de consistência interna nas
respostas dos jovens frente ao questionário. Esse questionário se articula em torno da avaliação
pelos estudantes da sua frequência de escuta musical em relação aos 34 estilos propostos.

Procedimento

O questionário foi aplicado aos participantes com o conhecimento e aprovação dos órgãos
diretivos dos centros educativos participantes, solicitados a escolher as turmas que fariam
parte do processo e os horários para aplicação dos questionários. Estes foram apresentados
aos alunos, distribuídos e lidos, com o objetivo de amenizar possíveis dúvidas referentes à
compreensão das questões. A sessão de aplicação durou aproximadamente 50 minutos.

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Preferência musical e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo

resultados

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Quadros, João Fortunato Soares de, Júnior; Lorenzo, Oswaldo

TABELA 3

Estatísticos
descritivos sobre
escuta de estilos
musicais segundo a
variável região.

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Preferência musical e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo

A partir da tabela anterior, observa-se que o estilo pagode obteve os maiores valores nas
regiões Santo Antônio (Média = 5), Praia do Canto (Média = 4,3), Continental (Média = 4) e
Jardim Camburi (Média = 4,1), com médias sempre acima de 4 e modas 6. Gospel foi o estilo que
apresentou maior índice de escuta nas regiões Centro (Média = 4,3) e Maruípe (Média = 4,4) e
hip-hop ficou em primeiro lugar em São Pedro (Média = 4,2).
Por outro lado, blues foi o estilo que obteve menor frequência de escuta em praticamente
todas as regiões, com médias sempre inferiores a 1,5, com exceção de Jardim Camburi, na qual
tecno-brega foi o estilo menos escutado.
Na tabela a seguir se apresentam os resultados obtidos através das análises de variância
(ANOVA) e teste de comparações de médias (teste de Tukey).

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Quadros, João Fortunato Soares de, Júnior; Lorenzo, Oswaldo

* Estatisticamente significativo a um nível de confiança de 95% (p < 0,05).


TABELA 4

Resultados das análises de variância realizadas para cruzamento dos distintos estilos musicais com as diferentes regiões
contempladas (1 = Centro; 2 = Santo Antônio; 3 = Maruípe; 4 = Praia do Canto; 5 = Continental; 6 = São Pedro; 7 = Jardim Camburi).

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Preferência musical e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo

Como é possível observar na Tabela 4, existem diferenças estatisticamente significativas


para a maioria dos estilos musicais em função da variável região. Uma vez realizados os testes
de Tukey (p < 0,05), obtiveram-se os seguintes resultados:

• Se escuta mais o estilo gospel na região Centro que em Jardim Camburi. Além disso, a
primeira região apresenta maior índice de escuta que Maruípe nos estilos core, jazz, MPB,
pop, pop-rock e punk.

• Em Santo Antônio o estilo pagode é mais ouvido que nas regiões Centro, Continental e
Jardim Camburi. Todavia, os índices para funk e samba em Continental foram menores
que no Centro e em Jardim Camburi, ocorrendo o contrário em se tratando do estilo
blues.

• A região Maruípe apresentou maiores índices de escuta que Santo Antônio, Continental
e Jardim Camburi nos estilos tecno-brega, funk e gospel. Por outro lado, foi observado
em Maruípe menor escuta de samba que em Santo Antônio; de bossa nova, country,
eletrônica, jazz, metal, pop e pop-rock que em Praia do Canto; e de core que em São
Pedro.

• Em Continental se escuta mais bossa nova, clássica, core, eletrônica, instrumental, jazz,
metal, pop-rock e surf music que em Maruípe. Também se destaca uma maior escuta de
metal e de reggae naquela região que no Centro.

• Os estilos bossa nova, country, jazz, reggae e surf music são mais escutados em Jardim
Camburi que no Centro. A primeira região também se mostrou preponderante para a
escuta dos estilos bossa nova, core, country, eletrônica, jazz, metal, MPB, pop, pop-rock,
punk rap, stronda music e surf music, em comparação com os participantes pertencentes
à Maruípe. Em comparação com a região Santo Antônio, Jardim Camburi apresentou
maiores índices de escuta para os estilos blues e jazz. Finalmente, é possível afirmar que
nesta última região se escuta mais reggae que em Santo Antônio.

O presente artigo permitiu observar as relações existentes entre preferência musical e classe discussões e
social de uma ampla amostra de estudantes de ensino médio. Posto que não existem estudos conclusões
similares realizados no Brasil, os resultados obtidos constituem uma fonte valiosa de informação
para futuros trabalhos nesse sentido e abrem uma interessante via de investigação que pode
resultar útil tanto na dimensão social da explicação do fenômeno musical dos adolescentes como
na educativa.

Em função dos estilos e regiões analisados, aparece uma preferência notável pelo estilo
pagode em quatro (Santo Antônio, Praia do Canto, Continental e Jardim Camburi) das sete regiões
compreendidas no estudo. Sua elevada preferência entre a maioria de participantes se deve
seguramente à influência do contexto social, nesse caso a cultura capixaba, no qual o pagode
é uma música onipresente na vida cotidiana através dos mass media e que está igualmente
presente nas atuações e gravações de grupos musicais brasileiros de grande popularidade
(Quadros Jr., 2009; Quadros Jr.; Lorenzo, 2010).

O estilo jazz foi aquele no qual a variável região exerceu maior influência. Jardim Camburi
foi aquela na qual os alunos afirmaram escutar esse estilo com maior frequência. Por outro lado,
Maruípe foi onde o jazz sofreu a maior recusa, havendo diferenças significativas com relação

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Quadros, João Fortunato Soares de, Júnior; Lorenzo, Oswaldo

a Praia do Canto, Centro e Continental. Estes dados são coincidentes com o estudo de North
e Hargreaves (2007), que indica que os estilos considerados mais cultos tendem a ser mais
preferidos por pessoas de classes sociais mais elevadas.

Blues mostrou maior frequência de escuta para os participantes de Continental que para os
de Santo Antônio, ocorrendo o contrário no caso do samba. Isso guardaria relação com o entorno
social, em função dos ambientes públicos que possibilitam o acesso a esses tipos de música.
Continental é a região onde está situada a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e em
seu entorno existe uma importante área (conhecida como Rua da Lama) que congrega lugares
de ócio que oferecem com frequência música ao vivo e shows musicais baseados em estilos
considerados mais elitistas, como MPB, jazz e blues. Não obstante, a existência na região Santo
Antônio de escolas de samba de grande tradição em Vitória (ex.: Novo Império) e a localização
do Sambão do Povo (local destinado ao desfile das escolas de samba de Vitória) podem ter
influenciado na maior preferência para o samba nessa região.

Além do samba, o funk obteve destaque nas preferências de escuta dos estudantes de
Santo Antônio, seguramente devido à existência de ambientes sociais que propiciam o contato
com estilos musicais marcados pela rítmica e pela maior probabilidade dos habitantes dessa
região às influências dos meios de comunicação massivos em função da sua baixa renda.
Todavia, o funk também se mostrou muito presente entre os participantes de Maruípe frente aos
de Continental, o que poderia guardar relação com a hipótese de Bourdieu (2007), que vincula o
fator socioeconômico às preferências musicais.

A região Maruípe demonstrou menores índices de escuta para os estilos core, jazz, MPB,
pop, pop-rock e punk que em Centro, de bossa nova, country, eletrônica, jazz, metal, pop e
pop-rock que em Praia do Canto, de bossa nova, clássica, core, eletrônica, instrumental, jazz,
metal, pop-rock e surf music que em Continental, e de bossa nova, core, country, eletrônica, jazz,
metal, MPB, pop, pop-rock, punk, rap, stronda music e surf music que em Jardim Camburi. Estes
resultados guardam relação com outros estudos que vinculam às classes sociais mais elevadas
um maior ecletismo em suas preferências musicais. (Peterson; Simkus, 1992; Robinson, 1993;
Van Eijck, 2001).

Por último, mas não menos relevante, é necessário destacar que foi possível observar uma
maior preferência dos estilos metal e reggae em Continental que no Centro, core em Praia do
Canto, Continental, São Pedro e Jardim Camburi que em Maruípe, e punk em Jardim Camburi
que em Maruípe. Como afirmado anteriormente, Centro e Maruípe foram as regiões onde gospel
obteve os maiores índices de preferência. De acordo com a literatura, expressões culturais
que possam despertar nas pessoas a inclinação para valores e hábitos indesejáveis – como,
por exemplo, o consumo indiscriminado de álcool, tabaco e drogas ilícitas e a prática libertina
do sexo – são amplamente refutadas por comunidades onde a presença religiosa é marcante
(Ferreira, 2006). Dessa forma, a baixa escuta de estilos associados tradicionalmente às práticas
mencionadas anteriormente (como são os casos do reggae e de estilos oriundos do rock, como
core, metal e punk) (Brehem, 2010; Chang; Chen, 1998) em regiões de grande preferência de
música gospel sugere a religião como um dos fatores na escolha da música. Entretanto, outros
estudos são necessários para confirmar esta hipótese, pois é certo que atualmente as músicas
de tipo rock e seus derivados são também associadas a subgêneros gospel, que incluem metal
gospel, reggae gospel e até mesmo funk gospel, os quais buscam manter as estruturas musicais
características desses estilos e substituir principalmente os conteúdos das letras.

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Preferência musical e classe social: um estudo com estudantes de ensino médio de Vitória, Espírito Santo

Concluindo, é importante frisar que este trabalho é parte integrante de uma pesquisa maior,
a qual pretendeu conhecer a preferência de estilo musical de estudantes de escolas estaduais
ensino médio na cidade de Vitória, analisando os dados coletados a partir de cinco variáveis de
estudo: região, escola, série, gênero e idade. Infelizmente, não foi possível explanar aqui sobre
os demais resultados obtidos. Todavia, é relevante mencionar que todos eles convergem para
a necessidade de o professor conhecer que tipo de música seu aluno escuta cotidianamente,
utilizando essa informação na elaboração do seu planejamento didático. Assim, seria possível
estabelecer mecanismos de aproximação musical ao alunado a partir de uma metodologia
construtivista que permitiria ao professorado conduzi-lo a músicas de maior importância
curricular mediante o conhecimento das músicas mais escutadas fora das aulas (Cremades;
Lorenzo; Herrera, 2010). Isso ajudaria a corrigir a situação atual de pouca atenção que a música
recebe dentro do sistema educativo brasileiro e que, felizmente, parece que irá mudar durante os
próximos anos, em função da implantação da Lei nº 11.769/2008 (Brasil, 2008). Se presume que
as autoridades responsáveis pela educação no Brasil façam efetiva a lei, incorporando a música
na educação básica não como mero elemento ilustrativo ou de recreação, mas como atividade
verdadeiramente educativa e de conhecimento.

Além disso, é importante buscar dispositivos que favoreçam uma ampliação nos
conhecimentos sobre estilos musicais dentro das escolas, promovendo o contato dos discentes
com uma diversidade musical que objetive torná-los ouvintes mais ecléticos, amenizando assim
os preconceitos musicais e as influências exercidas cotidianamente pelos meios de comunicação
de massa.

Finalmente, é necessário indicar que o estudo aqui publicado mostra uma forte preferência
dos alunos participantes para estilos presentes em seu entorno cultural próximo, como pagode,
gospel e funk, e uma certa recusa para aqueles estilos considerados distantes culturalmente
(blues, tecno-brega e surf music), sendo importante destacar que a idiossincrasia da realidade
cultural brasileira se mostra aqui como um fator de forte influência sobre as preferências musicais.

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50 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 35-50 | jul.dez 2013


Educação musical, cultura e
identidade: configurações possíveis
entre escola, família e mídia
Music education, culture and identity: possible
configurations between school, family and media

Cristiane Magda Nogueira de Souza Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) cristiane_magda@yahoo.com.br

resumo As relações que estabelecemos ao longo da vida com as principais instâncias de


socialização, a saber, escola, família e mídia, constituem o foco deste ensaio.
Compreendendo que tais relações definem muitos de nossos gostos musicais,
nossas preferências estéticas e nossa relação com a cultura, refletimos a respeito dos
processos educativos que permeiam a formação musical dos indivíduos, enquanto
seres sociais dotados de individualidades. O enfoque deste trabalho, portanto, é a
educação musical, permeada por áreas afins, como a sociologia, a etnomusicologia
e a educação, incorporando seu potencial sociocultural dinâmico e expandindo sua
compreensão.

Palavras-chave: educação musical, identidade, cultura

abstract The relationships we have with major instances of socialization lifelong, like school,
family and the media, are the focus of this essay. We understand that such relations
define many of our musical and aesthetic preferences and our relation with culture,
therefore, we reflect about the educational processes that underlie musical training
of individuals as social beings endowed with individuality. The focus of this paper,
therefore, is music education, but permeated by related fields such as Sociology,
Ethnomusicology and Education, incorporating potential sociocultural dynamic and
expanding your understanding.

KEYWORDS: music education, identity, culture

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 51-62 | jul.dez 2013 51


Souza, Cristiane Magda Nogueira de

O
1º ato cenário é típico de uma aula de música em uma escola regular1: sala ampla, instrumentos de
material reciclado em uma prateleira, o velho piano de armário no canto, 28 crianças, com
aproximadamente 8 anos de idade, sentadas em círculo, em um grande tapete colorido. Um
aparelho de som é ligado sob a mesa e imediatamente soa uma música2 que é ouvida pelos
presentes com curiosidade. Ao término, a professora indaga sobre as opiniões e sentimentos das
crianças com relação ao que escutaram.

– Parece barulho do espaço, professora! – uma criança comenta.

– Eu tive um pouco de medo! – outra acrescenta.

– Isso é um monte de barulho de coisas, não é música! – o colega é taxativo.

– Mas por que você acha que isso não é música? – pergunta a professora, que recebe a
resposta em seguida:

– Porque não tem uma pessoa cantando, só uns barulhos parecendo gritos de vez em
quando… Música não é assim não!

2º ato Numa manhã de domingo, enquanto a mãe prepara a mesa para o desjejum, as duas
irmãs, de 6 e 9 anos, ligam a TV e, com o controle remoto, vão mudando os canais, como que
procurando alguma programação de interesse. Fixam-se, então, em um programa de auditório
popular, quando o apresentador anuncia a próxima atração: Rodriguinho!3

Nessa hora, o pai, amante do samba de raiz, passa pela sala e, correndo os olhos na
telinha, esbraveja:

– Que porcaria é essa que vocês estão assistindo? Podem procurar outra coisa para ver, ou
então desliguem a televisão! Aqui nesta casa não entra pagode não!

As meninas, imediatamente, obedecem.

– Te contar, viu… Rodriguinho do Katinguelê4 … É o fim do mundo mesmo! – ainda murmura


o pai, enquanto sai da sala.

3º ato No dia 21 de maio de 2012, estreava no canal SBT a novelinha infantil Carrossel, uma
adaptação da versão original mexicana, exibida nos anos 1990. Dentre os temas abordados
estavam preconceito, discriminação e romance, intercalados com porções de drama e humor.
Considerada o mais novo fenômeno da TV, a novela inflou o Ibope do horário nobre (Xavier, 2012),
aumentando inclusive o faturamento da empresa com produtos relacionados e publicidade.

1. O termo se refere à escola de educação básica e será utilizado no presente trabalho com tal significado.

2. Eco de Orfeo, de Pierre Henry (França, 1927).

3. Ex-vocalista do grupo de pagode Travessos, que agora faz carreira solo no mesmo estilo.

4. Grupo de pagode. O pai certamente se confundiu ou desconhecia o grupo original do cantor em questão.

52 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 51-62 | jul.dez 2013


Educação musical, cultura e identidade: configurações possíveis entre escola, família e mídia

Uma famosa rede de chocolates, por exemplo, numa inteligente jogada de marketing,
espalhou seis bilhetes dourados em um lote de 200.000 tabletes, presenteando quem os
encontrasse com uma visita à linha de produção da indústria e às gravações da novela. Após
um dos personagens da trama morder um desses tabletes e encontrar facilmente “seu bilhete
dourado”, o produto desapareceu das prateleiras em 20 dias.

Dentre os produtos de maior venda, que levam o nome e personagens da novela, estão
bonecos, cadernos, mochilas, fantasias, enfeites de cabelo e CDs.

As cenas acima não constituem mera ficção. Ao contrário, descrevem situações vivenciadas, desvendando
direta ou indiretamente, por um número cada vez maior de pessoas, atualmente. De fato, os o enredo
professores, os alunos, os pais, os filhos ou os espectadores – que fomos em algum momento
da vida – já sentiram na pele o choque causado pela descoberta de um conceito novo, o desejo
reprimido por uma autoridade ou a euforia por algum fenômeno da TV. Memórias à parte, são
tais situações, juntamente com muitas outras, que determinam nossos gostos, nossos valores,
nossa identidade.

Também, no âmbito musical, as relações que estabelecemos ao longo da vida com as


principais instâncias de socialização, a saber, escola, família e mídia, definem muitos de nossos
gostos musicais, nossas preferências estéticas e nossa relação com a cultura5 que nos cerca.
As três situações descritas tratam exatamente disso, ou seja, como nossa identidade musical
é construída a partir das interações educativas, familiares e midiáticas; ou ainda, de como elas
podem “modelar” nossas estruturas de pensamento, uma vez que exercem uma relação de
força, mesmo que involuntária.

Nesse sentido, é importante considerar que, se compreendermos a configuração permanente


e dinâmica da relação interdependente6 sujeito-escola-família-mídia (Setton, 2002b, p. 110),
poderemos indagar também a respeito da responsabilidade que essas instituições possuem na
formação musical dos indivíduos enquanto seres sociais e dotados de individualidades.

Uma vez considerada tal responsabilidade, poderemos, então, refletir sobre os processos
educativo-musicais que caracterizam essas relações, elencando caminhos possíveis para a

5. O termo “cultura” será compreendido no presente trabalho a partir da definição preliminar de Tylor, em 1871, que a
caracterizou como “um todo complexo” que inclui conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e qualquer outra
capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade (Queiroz, 2004, p. 100). Acrescido a
essa conceituação geral, incluo o pensamento de Geertz, que concebe a cultura como um conceito “essencialmente
semiótico”, “cujos significados são constituídos a partir das interações sociais” (Queiroz, 2004, p. 100).

6. Setton (2002, p. 110) considera que escola, família e mídia são “instâncias socializadoras que coexistem numa relação
de interdependência. Ou seja, são instâncias que configuram uma forma permanente e dinâmica de relação. Não
são estruturas reificadas ou metafísicas que existem acima e por cima dos indivíduos (Elias, 1970). São instituições
constituídas por sujeitos em intensa e contínua interdependência entre si, portanto, não podem ser vistas como
estruturas que pressionam umas às outras, mas instâncias constituídas por agentes que se pressionam mutuamente
no jogo simbólico da socialização.”

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 51-62 | jul.dez 2013 53


Souza, Cristiane Magda Nogueira de

consolidação de práticas musicais mais significativas. O enfoque deste trabalho, portanto, é a


educação musical,7 mas permeada por áreas afins, como a sociologia, a etnomusicologia e a
educação. Essa tríplice abordagem justifica-se por permitir uma compreensão mais transparente
das interações formativas, esquivando-se de alguns preconceitos, tradicionalmente incorporados
ao ensino e aprendizagem da música, como aqueles que envolvem a transmissão informal desse
conhecimento, bem como o papel da música na sociedade atual.

educação Há algum tempo, a educação musical tem ampliado seu campo de atuação, inserindo
musical e em seu leque de possibilidades não apenas o estudo sistemático das técnicas e códigos
musicais, mas também o desenvolvimento da percepção auditiva como fonte de equilíbrio
cultura
entre o homem e a natureza; bem como a compreensão da diversidade musical existente no
planeta. Se considerarmos que civilizações muito antigas, como os povos de origem semita,
os gregos, egípcios e chineses, dentre outros, já organizavam os sons de maneira sistemática,
utilizando a música em seus rituais, a visão de uma educação musical ampliada e holística na
contemporaneidade tem ocorrido com certo atraso.

Por outro lado, a concepção de múltiplos espaços para o exercício da área, não se
restringindo àqueles de ensino formalizado, ou pelo menos seu reconhecimento, uma vez que
sempre existiram, e a busca por uma educação musical mais humanizada, acessível a todos e
com benefícios extramusicais, são relativamente recentes, iniciadas no final do século XIX. Sendo
assim, a tal ampliação da educação musical, citada no parágrafo anterior apresenta-se coerente
com sua evolução, permitindo reflexões contemporâneas quanto à formação docente, inovações
metodológicas e diversidade cultural.

Notamos, dessa forma, uma conexão necessária com outras áreas de conhecimento, como
salienta Queiroz (2010, p. 114):

Como campo que se dedica ao estudo do ensino e aprendizagem da música, a


Educação Musical tem estabelecido diálogos e intersecções com diferentes áreas do
saber humano, a fim de compreender os aspectos fundamentais do seu universo de
estudo, tendo como base a gama de valores e significados sociais que circundam a
música enquanto fenômeno artístico e cultural.

Uma dessas áreas, a etnomusicologia, compartilha com a educação musical a mesma


dimensão cultural e social, uma vez que ambas buscam a compreensão do fenômeno musical
enquanto discurso, ainda que em situações distintas. Elas também se interessam por questões
de ensino e aprendizagem da música, de transmissão de saberes e de expressão artística.

7. O conceito de educação musical pode ser entendido à luz de vários autores e, sinteticamente, compreende o conjunto
de práticas educacionais que transmitem o conhecimento prático e teórico da música. Numa visão ampliada, baseada
em Arroyo (2002), abrange muito mais que a iniciação musical formal, e compreende diferentes campos de ação,
tanto no âmbito escolar quanto fora dele. Numa abordagem interativa com a cultura, “a Educação Musical deve ser
muito mais do que aquisição de competência técnica; ela deve ser considerada como prática cultural que cria e recria
significados que conferem sentido à realidade” (Arroyo, 2000, p. 19).

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Educação musical, cultura e identidade: configurações possíveis entre escola, família e mídia

Entretanto, sob o ponto de vista prático, mesmo considerando os últimos avanços, essa afinidade
é ainda superficial. Tal pensamento poderá ser mais esclarecido a partir das próximas linhas.

Segundo Merriam (1964), a etnomusicologia é o estudo da música como cultura. Nessa


conceituação, podemos entender que o termo concebe a música como inerente à cultura, ou
seja, “a música é ao mesmo tempo, determinada pela cultura e determinante desta” (Queiroz,
2004, p. 100). Logo, nessa perspectiva,

podemos conceber Educação Musical como um universo de formação de valores


que deve não somente se relacionar com a cultura, mas, sobretudo, compor a sua
caracterização, ou seja, desenvolver um ensino da música como cultura. (Queiroz, 2004,
p. 100).

Do ponto de vista da aplicação, contudo, observamos uma educação musical ainda


reduzida à transmissão de conceitos técnico-musicais, muitas vezes descontextualizada de seu
valor e relação cultural. Isso ocorre especialmente nos ambientes de aprendizado formal,8 como
conservatórios, cursos superiores e escolas regulares. Nesses espaços, ainda que ocorram
experiências que contemplem a diversidade musical e cultural, tanto local quanto do aluno,
o que prevalece é o ensino musical numa visão eurocêntrica, sem relação com os aspectos
socioculturais que o envolvem. Na melhor das hipóteses, podemos encontrar experiências que
reduzem a questão multicultural9 aos chamados “folclorismo” ou “guetização”.

Esses dois termos, na visão de Canen (2002), referem-se àquelas propostas que excluem
o diálogo entre as diversas manifestações artísticas, colaborando para um empobrecimento
cultural em dois extremos. A “guetização” refere-se às experiências que trabalham apenas com
os padrões culturais específicos do grupo, aprisionando e isolando “os sujeitos nos seus próprios
padrões estéticos e artísticos” (Penna, 2005, p. 13). O “folclorismo”, por outro lado, reduz
o multiculturalismo “a uma perspectiva de valorização de costumes, festas, receitas e outros
aspectos folclóricos e ‘exóticos’ de grupos culturais diversos” (Canen, 2002, p. 182 apud Penna,
2005, p. 13). Ambos negam o dinamismo cultural, caindo em estereótipos e, por conseguinte,
levando a um “congelamento” ou “fixação” das práticas culturais, que rejeitam o caráter vivo e
dinâmico da cultura e da sociedade (Canen, 2002, p. 182 apud Penna, 2005, p. 13).

Tanto na educação musical quanto nas vivências musicais cotidianas das pessoas,
encontramos condutas que exemplificam os conceitos acima. É o caso, por exemplo, das atividades
musicais escolares vinculadas ao calendário de datas comemorativas, como celebração do Dia
do Índio, dia das Mães, entre outras, que se encaixam nas definições do folclorismo. Da mesma
forma, a imposição, seja do professor ou do aluno, de um determinado estilo musical leva a um
isolamento, prendendo os indivíduos em suas particularidades, caracterizavndo a guetização.

8. O conceito de aprendizado formal é fundamentado em Green (2001) e uma de suas características é a educação
institucionalizada, que segue um currículo predefinido, dentro de um contexto organizado e estruturado, guiado
pela figura do professor. Contrapõe-se ao aprendizado informal, quando o ensino se dá de modo não linear, sem a
interferência de um professor, mas de maneira colaborativa entre pares.
9. Termo derivado de “multiculturalismo”, que, segundo Ana Canen (2002, p. 175 apud Penna, 2005, p. 10), é o “movimento
teórico e político que busca respostas para os desafios da pluralidade cultural nos campos do saber”.

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Souza, Cristiane Magda Nogueira de

Esse tema é, decerto, bastante complexo, uma vez que envolve questões diversas, como
as funções da música na sociedade, os objetivos do ensino musical em contextos variados,
a formação do professor, dentre outros. Mas, por hora, é relevante deter-se apenas na
necessidade emergente de se trabalhar com a pluralidade das manifestações artístico-musicais,
ressignificando-as a partir de novos contextos e olhares.

herança De todas as instituições que compõem nossas redes de socialização, talvez a única que
musical e não podemos escolher seja a família. Possivelmente, graças a essa ligação, encontramos no
identidade seio familiar os princípios mais permanentes desse processo, que regerão a maioria de nossas
escolhas e valores. Assim, a transmissão de um patrimônio cultural também está a cargo dela,
pois é nesse ambiente que “a identidade social do indivíduo é forjada, ou seja, ela transmite para
seus descendentes um nome, uma cultura, um estilo de vida moral, ético e religioso” (Setton,
2002b, p. 111).

A teoria do capital cultural de Bourdieu corrobora a visão acima, pois numa perspectiva
geral, “prevê as condições objetivas de aquisição da cultura” (Fucci Amato, 2008, p. 85), cujo
papel familiar é fundamental, mesmo que de maneira inconsciente:

Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um
certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente
interiorizados, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital
cultural e à instituição escolar (Bourdieu, 1966 apud Nogueira; Catani, 2007, p. 41-42).

Também no campo da educação musical, as primeiras influências musicais são cunhadas


no ambiente familiar, passando da simples apreciação de gêneros musicais diversos, aliada ou
não aos encontros sociais, ao incentivo ao estudo prático de algum instrumento, bem como a
aquisição de CDs e participação em eventos musicais. Habituado a conviver com a linguagem
musical de maneira natural, o indivíduo cultiva interesse e curiosidade para entender tal forma de
expressão artística e, dessa maneira, vai construindo sua identidade músico-cultural.

Por outro lado, não podemos nos esquecer de que existem relações de autoridade e
hierarquias internas dentro da organização familiar que, em alguns casos, contribuem para impor
determinado estilo musical, construindo uma pseudoidentidade cultural. Isso pode ser visualizado
em práticas sutis quando um determinado estilo ou artista é privilegiado em detrimento de outro,
como também nas rotineiras discussões que confrontam música erudita e música popular. De
qualquer modo, a apreensão do discurso musical limitado a manifestações que alimentam algum
tipo de “guetização” favorece uma identidade também limitada.

Isso não significa que a identidade cultural de um indivíduo se legitime somente após a
inserção deste em um número máximo de expressões. E que, na busca por seus valores e gostos
musicais, tenha que incorporar toda a diversidade em sua personalidade, a despeito de suas
preferências. Mas, de certo modo, uma experiência multicultural possibilita a ampliação desse
universo, a interação com a cultura do outro, incorporando significados à própria identidade.

Para não cair na perspectiva de uma situação apenas ideal, é importante ressaltar que,
na maioria dos casos, o ambiente familiar não consegue propiciar toda a diversidade cultural
existente, o que é compreensível se levarmos em consideração que esse ambiente é formado
por indivíduos com valores e identidades muitas vezes já sedimentados. Aí se insere o papel da

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Educação musical, cultura e identidade: configurações possíveis entre escola, família e mídia

escola, que, como espaço democrático do acesso ao conhecimento, “deveria ser o principal e
mais importante caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, começando pelo
reconhecimento e a apreciação da ‘cultura local’, pois reconhecer sua própria cultura é conhecer
a si mesmo” (Queiroz, 2003, p. 773).

Quando observamos as transformações culturais do mundo contemporâneo e as múltiplas influência


relações que caracterizam nossos processos de socialização, somos forçados a considerar o midiática e
valor e o espaço cada vez maior dado à mídia, muitas vezes rotulada como cultura de massa,
educação
na construção de nossas identidades. Nesse sentido, é recorrente o discurso que generaliza
musical
os efeitos das mensagens midiáticas como negativos, homogeneizadores ou carentes de um
sentido formativo. Minha experiência, por exemplo, revela, atualmente, certa “preguiça” em deter-
me na frente da TV para assistir uma novela, um noticiário ou ouvir uma rádio comercial, por
razões variadas que não são relevantes no momento. Mas, quando digo atualmente é porque,
durante muito tempo, esses foram meus hobbies preferidos, e não posso afirmar que nunca mais
o serão.

O fato é que, já há algum tempo, é inegável o papel de destaque que a mídia, enquanto
fenômeno de circulação de informação, ocupa na formação moral, psicológica e cognitiva do
homem (Setton, 2002b, p. 109). Sendo assim, ela configura-se como importante instituição
social, além da escola e família, responsável pela construção da identidade, bem como da
socialização. Como salienta Setton (2002b, p. 109), “para o bem ou para o mal, a cultura de
massa está presente em nossas vidas, transmitindo valores e padrões de conduta, socializando
muitas gerações”.

No campo da música, podemos considerar, grosso modo, tal influência midiática sob o
discurso de que a indústria cultural concebe o fenômeno musical apenas na perspectiva de
produto10 e, sendo assim, impõe aqueles que teriam maior lucro financeiro; o que se dá, em geral,
sem muita diversidade. De fato, existe considerável verdade nessas palavras, especialmente
se levarmos em conta a maior veiculação de determinados estilos musicais em detrimento de
outros. Também não existem grandes problemas em considerar a música como produto, uma vez
que esse caráter é exatamente o que lhe garante circulação. Além disso, até os grandes mestres
da música erudita, como Bach, Mozart, Schumann, dentre outros, já faziam uso dessa prática
compondo missas, corais, entre outras peças, sob encomenda de seus mecenas.

Refletir sobre a pretensa homogeneização músico-cultural pode ser mais difícil, uma vez
que muitos olhares a constituem. O fator midiático talvez constitua apenas a ponta de um iceberg
que acoberta tensões no campo de identidades em construção, afirmação social ou ausências
referenciais. Numa visão geral, entretanto, essa discussão não se apresenta produtiva, porque,
dada a diversidade de estilos de vida, influências e habitus (Bourdieu, 1972, 1982 apud Setton,
2002a), cada sujeito recepciona essas mensagens, músicas e símbolos de maneira diferente, se
apropriando delas num fluxo dinâmico na medida em que constrói novos sentidos sobre elas.

10. De fato, a música, enquanto material sonoro organizado constituído de intenção e das relações sociais que a
envolvem, sempre é um produto. O termo aqui, no entanto, será utilizado com o sentido de comercialização, visando
lucro financeiro.

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Souza, Cristiane Magda Nogueira de

O maior dilema da contemporaneidade, portanto, não está em consumir as músicas da


mídia, mas em não remodelá-las com novo significado, de acordo com suas particularidades. Em
outras palavras, é se apropriar delas, não apenas como informação, mas como conhecimento
significativo. Nesse sentido, a sociologia da educação musical apresenta contribuições singulares,
uma vez que “não questiona apenas os bens produzidos, distribuídos e consumidos, os bens
culturais; mas também o significado imputado a essas coisas” (Green, 1997, p. 27).

Nessa abordagem, Green (1997) destaca dois tipos de significados implícitos em nossas
relações com a música: o inerente e o delineado. O primeiro corresponde aos sons da música,
aos seus efeitos físicos, ou seja, à organização coerente dos materiais sonoros que compõem
uma determinada música e que podem ser percebidos racionalmente pelo ouvinte. Assim, a
caracterização dos instrumentos, o senso rítmico, as partes semelhantes e diferentes, são
assimiladas, em geral, mediante relações musicais anteriores.

Essas inter-relações estarão imanentes em todas as peças, mas elas poderão emergir
das experiências anteriores do ouvinte, de um número de peças que juntas formam um
estilo, subestilo ou gênero. A organização do material sonoro age na construção do que
chamo “significado musical inerente”. São “inerentes” porque estão contidas no
material sonoro, e têm “significados” uma vez que são relacionados entre si.
(Green, 1997, p. 27-28).

Já o significado musical delineado constitui aquele que não se refere aos materiais
sonoros propriamente, mas incorporam elementos socialmente construídos, a partir de nossas
experiências e relações extramusicais. Quando ouvimos uma peça musical, por exemplo, talvez
coloquemo-nos “a pensar sobre o que os intérpretes estejam vestindo, sobre quem escuta essa
música, sobre o que nós estávamos fazendo na última vez que a escutamos” (Green, 1997, p.
29).

A exposição desses dois tipos de significados justifica-se, no contexto da cultura de massa,


uma vez que uma ou outra delineação sempre ocorrerá quando ouvirmos música. Sendo assim,
os argumentos quanto à determinada música ser “boa” ou “ruim” são substituídos pelos sentidos
reais que cada indivíduo atribui a ela, a partir de relações socialmente construídas em variadas
instâncias. Como salienta Nettl (1992 apud Queiroz, 2010, p. 118),

Cada povo tem seu próprio sistema musical, o qual reflete e expressa os
valores fundamentais e as estruturas culturais de sua sociedade. Músicas
são incomensuráveis, e nós não poderíamos afirmar que uma música é,
intrinsecamente, melhor que outra.11

Considerando o dinamismo das sociedades e o caráter ativo das relações sociais, portanto,
a opção da educação musical, nesse cenário, é promover o diálogo entre as culturas individuais e
de grupo, ampliando as “modalidades de compreensão e consciência de dimensões superiores
de si e do mundo, de aspectos muitas vezes pouco acessíveis no cotidiano, estimulando uma
visão mais autêntica e criativa da realidade” (Kater, 2004, p. 44).

11. No original: “[...] each people has its own musical system which reflects and expresses the fundamental values and
cultural structures of its society. [...] Musics are incommensurate, and we wouldn’t call one music intrinsically better
than another [...]”.

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Educação musical, cultura e identidade: configurações possíveis entre escola, família e mídia

No âmbito das instâncias socializadoras aqui apresentadas, podemos considerar que por uma
os processos de construção da identidade de todo indivíduo são concebidos por múltiplas
legitimação
referências e espaços. Além disso, essa construção identitária deve ser entendida como dinâmica
e viva, uma vez que estaremos numa constante interação social enquanto vivermos. Contudo,
das
observamos uma tendência a estereótipos culturais que, em última análise, reflete um tipo de identidades:
imposição por parte de alguma força socializadora, ou um referencial destituído de pluralidades a função da
e, logo, sem opções. Isso é reforçado por Queiroz (2004, p. 102), quando expõe: educação
musical e
Um acesso restrito a fenômenos como a música e demais manifestações de uma cultura
proporciona uma percepção e uma formação estética limitada e restritiva, que tende a
o papel do
conduzir pessoas a uma única direção. educador
musical
Tal situação nos faz questionar até que ponto nossas identidades músico-culturais são
genuinamente construídas. Em outras palavras, qual a nossa real autonomia para construirmos
nossas relações musicais, nossos significados pessoais, se a linha entre as relações de influência
e imposição mostram-se tão tênues?

Obviamente, nas hipóteses para responder tais questões, vemo-nos ocupando os dois lados
dessas interações, ou seja, somos indivíduos que recebem influências de outros, como também
influenciamos aqueles à nossa volta, com nossas referências já estabelecidas. Na instância
familiar, por exemplo, podemos ser o reflexo das heranças músico-culturais de nossos pais e entes
mais próximos, como também o padrão de referência na construção das identidades de nossos
filhos e sobrinhos. Na instância escolar, seremos sujeitos influenciados pelas experiências dos
colegas e professores, influenciando-os em alguma proporção e, se professores, necessitamos
refletir se, em nossa ânsia por cumprirmos um planejamento ou cronograma de ensino, estamos
impondo nossos pontos de vista de maneira autoritária ou contribuindo para um desenvolvimento
consciente e autônomo.

Transferindo esse pensamento para a educação musical, podemos observar as mesmas


relações dialógicas, de influências mútuas. Essas ocorrem, em maior ou menor grau, dependendo
do contexto do ensino musical – sejam eles formais, como escolas e conservatórios, ou informais,
como projetos sociais, escolas de samba, ternos de congado, ou a garagem do vizinho – bem
como dos objetivos almejados e dos transmissores desse ensino.

Dada a circulação da música nos mais diferentes espaços, compreendemos, inspirados em


Arroyo (2002), que sempre haverá alguma modalidade de educação musical sendo praticada e,
desse modo, ela deve ser entendida por meio de uma abordagem sociocultural. Sendo assim, a
educação musical se torna uma instância autêntica inter-relacional, capaz de coexistir paralela e
intrinsecamente às instituições sociais tradicionais, como escola, família e mídia.

Refletir sobre essa função da educação musical permite, contudo, repensarmos o papel do
professor numa visão ampliada, que passa de transmissor do conhecimento para mediador das
experiências musicais. Aqui é importante considerar o poder referencial do educador musical
sobre seus alunos, tanto do ponto de vista musical, no que diz respeito às suas competências
técnicas, como também enquanto ser humano que é, como salientado por Kater (2004, p. 45):

Sua postura singular [do professor], maneira de ser e de estar, opiniões e comportamentos
atuam ininterruptamente para eles [os alunos] como viva ilustração. A assimilação de
modelos e mimetismos em geral fazem parte da necessidade que todo indivíduo tem de
pertencimento a um grupo de afinidades ou classe maior e a incorporação de padrões

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 51-62 | jul.dez 2013 59


Souza, Cristiane Magda Nogueira de

diversos pelos alunos – de maneira involuntária e voluntária também –, constitui-se na


base da construção de uma identidade própria, imprescindível ao seu desenvolvimento.

Concluindo esse pensamento, percebemos que é extremamente importante que o


educador musical não sabote sua própria identidade músico-cultural, facilitando ou simplificando
o discurso musical, em prol de sua maior disseminação. Ao mesmo tempo, como articulador
das aprendizagens, ele deve promover espaços para as opiniões e gostos musicais dos alunos,
valendo-se de absoluto respeito com as vivências e significados deles. Compreendendo a
dimensão emocional que a música envolve, é preciso agir com espontaneidade e sinceridade,
mas sobretudo com afeto, com amor à profissão (ou missão?), buscando, na relação com o
outro, uma possibilidade de mútuo aprendizado.

considerações Quando eu era criança, foi a voz doce da minha primeira professora primária e sua maneira
finais: envolvente de tocar piano que me motivou a fazer aulas de música. Ao entrar no conservatório, fui
diálogos obrigada a estudar todos os instrumentos oferecidos, incluindo violão e violino, até alcançar aquele
que eu realmente queria, o piano. Na minha adolescência, enquanto minha irmã caçula ouvia
possíveis
Legião Urbana no volume máximo, eu escutava Mozart no walkman com a mesma naturalidade
que cantava alguns pagodes com as amigas ou dançava axé acompanhando a coreografia pela
televisão. Os artistas da MPB que eu conhecia eram Caetano Veloso, Milton Nascimento e Tom
Jobim, porque faziam parte do repertório do coral que participava. Samba para mim era sinônimo
de Coisinha do pai, na voz de Beth Carvalho, pois toda vez que tocava no rádio, meu pai reforçava
que aquela tinha sido a música de maior sucesso em 1979, ano em que nasci.

Tomei a liberdade de transferir a exposição deste trabalho para a primeira pessoa do


singular, como forma de ilustrar as discussões aqui apresentadas, demostrando como nossas
relações socioculturais, no âmbito da escola, da família, da mídia, ou outras instâncias, moldam
nossas identidades, gostos e afinidades musicais ao longo de nossas vidas. Mesmo pontuando
apenas alguns detalhes de minha formação inicial, percebo o quanto já se perdeu no tempo,
sendo substituída por novas experiências e significados. Além disso, a relação profissional
que estabeleci com a música, tornando-me uma educadora musical, tem me obrigado,
naturalmente, a reconstruir alguns conceitos adquiridos ao longo dos anos. Assim, compreendo
que as discussões apresentadas neste ensaio, representantes, em grande parte, das minhas
inquietações pessoais, estão longe da acomodação.

Ao longo destas linhas, procurei traçar uma teia, costurando as relações entre música,
cultura, identidade e educação musical, refletindo sobre como as instâncias socializadoras,
representadas pela escola, família e mídia, colaboram ou não para moldar nossos gostos e
referências músico-culturais. É possível perceber alguns pontos, tratados superficialmente, que
merecem um olhar mais apurado em outro momento, mas, compreendendo a amplitude do
tema aqui exposto, creio ter lançado pequenos focos de luz que poderão alimentar reflexões e
discussões futuras sobre o assunto.

O desenvolvimento das ideias, no entanto, permite-nos tirar algumas conclusões no âmbito


da educação musical, às quais gostaria de me deter. Em primeiro lugar, percebo a necessidade
urgente de expandirmos nossa compreensão sobre esse âmbito, inserindo em seu escopo sua
configuração sócio-cultural-dinâmica. Tal expansão deve ocorrer, sobretudo, para o professor,
especialmente nos contextos de aprendizagem formal. Este, por sua vez, precisa, a todo custo,

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Educação musical, cultura e identidade: configurações possíveis entre escola, família e mídia

compreender o caráter dialógico da educação, em que a aprendizagem ocorre tanto do professor


para o aluno quanto vice-versa.

Em segundo lugar, é necessário preencher de significados reais as aulas de música, se


quisermos que o fenômeno musical seja compreendido e incorporado. Enquanto isso não ocorrer,
os alunos continuarão distinguindo aula de música de música propriamente dita. Em outras
palavras, eles continuarão entendendo que música é o que eles ouvem em casa, pelo rádio,
TV e internet, enquanto a aula de música não trata de música necessariamente. Romper com
esse cenário só será possível mediante diálogo e troca de experiências, tanto de professor para
aluno, quanto de aluno para aluno. Além disso, é necessário incorporar nas didáticas atividades
que contemplem as vivências e gostos musicais dos alunos, tanto quanto criar estratégias que
possibilitem a descoberta do novo de modo significativo.

Finalmente, destaco quão importante é buscar em outras áreas afins, como sociologia e
etnomusicologia, pressupostos que fundamentem e ampliem as possibilidades da educação
musical. Eis o desafio da área: reconhecer-se como parte de um contexto muito maior e, ainda
assim, não menos essencial. Parafraseando Paulo Freire (2001), talvez a grande questão da
educação musical, sobretudo no que diz respeito à sua função sociocultural, não seja discutir o
que ela pode ou não pode, mas, sim, refletir sobre onde pode, como pode, com quem pode, e
quando pode.

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Aprovado em
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62 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 51-62 | jul.dez 2013


Gestão de sala de aula na
educação musical escolar
Classroom management in school music education

Rafael Rodrigues da Silva Universidade de Caxias do Sul (UCS) rafaelsilva.pr@gmail.com

resumo O presente artigo tem por objetivo promover o debate acerca da gestão de sala de
aula na educação musical brasileira e defender um maior destaque para o tema na
formação de professores de música. O texto está dividido em quatro partes: a primeira
traça um breve panorama das pesquisas sobre gestão de sala de aula e as questões
das quais se ocupam; a segunda analisa de que maneira as pesquisas em educação
musical publicadas no Brasil têm abordado o tema, e discute seu papel na formação
de educadores musicais. Já a terceira tem por objetivo ilustrar o debate apresentando
três propostas publicadas nos EUA, e a quarta é dedicada às conclusões finais.

Palavras-chave: gestão de sala de aula; educação musical escolar; disciplina


escolar

abstract This article aims to promote the debate about classroom management in brazilian
music education and defend a greater focus on the subject in the training of music
teachers. The text is divided into four parts. The first traces a brief overview of research
on classroom management and the issues which are involved. The second looks at
how research in music education published in Brazil have addressed the issue and
discusses its role in the formation of music educators. The third aims to illustrate the
debate by presenting three proposals published in the U.S. and the fourth is devoted
to conclusions.

KEYWORDS: classroom management; school music educarion; school discipline

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Silva, Rafael Rodrigues da

E
xiste um “causo” bastante conhecido entre aqueles que acompanham a história do futebol
brasileiro que remonta ao terceiro jogo da Copa do Mundo de 1958, contra a hoje extinta União
Soviética.1 Diz-se que Feola, então técnico da seleção brasileira, reuniu o time no intervalo e
descreveu sua estratégia para o segundo tempo: Zito e Nilton Santos deveriam desarmar o ataque
soviético e passar a bola para o meio-campo Didi. Este deveria lançar para Garrincha, que driblaria
quem estivesse pela frente, e cruzaria para Vavá, que estaria na área para marcar o gol. Simples
assim.

– Alguma pergunta? – disse o técnico, ainda entusiasmado com a própria ideia.

Garrincha, que ouviu atento, abriu um sorriso malicioso e perguntou:

– Professor, o senhor já combinou isso com os russos?

Sem querer assumir o posto tão malquisto de “explicador de piadas”, poderíamos


reconstruir de outra forma o raciocínio que levou à sarcástica resposta de Garrincha: o que está
sintetizado na resposta desse nosso gênio das pernas tortas é a ideia de que, sim, é possível que
essa jogada aconteça exatamente da maneira que foi planejada pelo técnico Feola – mas isso
depende de tantos fatores (como a disposição dos jogadores no campo no momento do início
da jogada, os passes serem realizados adequadamente, os dribles darem certo, mesmo em se
tratando de Garrincha, entre tantos outros) que a maior probabilidade era a de não acontecer
exatamente daquela forma (se acontecesse). Exceto, é claro, se pudéssemos contar com a ajuda
do time adversário. Portanto, sim, é possível que o plano de Feola, bastante otimista, digamos,
desse certo, assim como é possível que Elvis Presley esteja vivo e morando em Piracicaba, o que
é pouco provável.

Tivesse o Garrincha uma maior habilidade com as palavras do que, de fato, tinha, ou mesmo
(uma hipótese ainda mais absurda) que ele abrisse mão de fazer uma piada numa situação
como essa, ele poderia responder: “Um jogo de futebol é uma situação muito mais complexa
do que a simples disposição espacial de jogadores em face a um objetivo, professor”. De fato,
na tática feolana (pelo menos na versão que nos chega através dos causos) os russos estão em
algum lugar entre terem sido completamente subestimados enquanto grupo capaz de interferir
no resultado previsto e a crença de que são parceiros incondicionais. No futebol, ambos os
extremos são absurdos. Na educação (e, particularmente, nas pesquisas sobre o ensino), mesmo
não lidando, necessariamente, com times “adversários” ou estratégias, leituras “feolanas” das
relações em jogo em sala de aula foram tidas como aceitáveis durante um tempo considerável.

Em 2007, quando comecei a atuar em escolas públicas como professor de música no


componente curricular artes, a estratégia baseada 1) numa aprendizagem ativa e dialógica; 2)
centrada no aluno e considerando seu interesse, estágio de desenvolvimento e contexto social;
3) valorizando o conhecimento musical prévio do aluno, sua cultura e partindo do repertório que
lhe é familiar para ampliá-lo; 4) com uma avaliação que considerasse o processo de aprendizado
e não só o resultado expressado em números; 5) na convicção de que é mais interessante
que o aluno aprenda a aprender, desenvolvendo autonomia e a vontade de aprender em vez
de reproduzir conhecimentos, entre outros preceitos básicos da pedagogia ativa e do debate
contemporâneo em educação musical, parecia constituir a receita infalível para romper com a

1. Agradeço o amigo Henrique Saudade por ter me ajudado a lembrar de alguns detalhes deste causo.

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Gestão de sala de aula na educação musical escolar

educação tradicional e sua sede insaciável por reproduzir e controlar pensamentos, opiniões
e atitudes. Uma receita que operaria a transformação da escola, de um espaço de privações,
regras e conteúdos sem sentido, para um lugar de felicidade e infinitas descobertas. Era um
plano digno de um Feola, ou seja, com objetivos e estratégias coerentes e interessantes mas,
no mínimo, cheio de lacunas. Um plano que desconsiderava o quão complexo é lidar com as
individualidades quando se está num contexto coletivo como o da sala de aula e que demonstrava
que eu esperava passar todo o período de aula apenas fazendo música ou tratando de assuntos
“nobres”, o que, simplesmente, nunca acontece.

Um professor que planeja trabalhar com danças circulares ou brincadeiras de roda, por
exemplo, pode ter escolhido uma atividade interessante para aquele grupo e que desenvolve
uma série de habilidades importantes. Isso não o impede de passar aulas ou semanas sem
conseguir realizar as atividades planejadas simplesmente porque as crianças não conseguem
formar (e/ou manter) uma roda, porque brigam entre si ou porque alguns alunos não se
sentem confortáveis pegando na mão dos colegas, entre outros muitos possíveis problemas.
Formar uma roda com um grupo, respeitar a fila no banco ou o colega que te provocou não
são habilidades inatas. São habilidades aprendidas (muitas vezes, na escola) como tantas
outras que, muitas vezes, são requisitos para realizar uma determinada atividade musical. É,
geralmente, no desenvolvimento dessas habilidades-requisito que os planos de aula “feolanos”
pecam na medida em que esperam que elas já estejam construídas, não se antecipando, assim,
aos possíveis (e frequentes) problemas.

Quando se constata a ausência dessas habilidades, culpam-se as crianças, a família e


até a professora-referência. Criam-se frases de efeito do tipo “a escola ensina; educação tem
que vir de berço” para se eximir da “culpa” e, nesse “empurra-empurra”, para saber quem é
o responsável por não terem sido construídas previamente, perde-se um valioso tempo para
se pensar como é possível desenvolvê-las em sala de aula (quem melhor que um professor
para lidar com aprendizagens?). Dessa forma, em sala de aula, cabe ao professor designar (de
maneira colaborativa ou não) que postura cada atividade pede, que habilidades ainda precisam
ser trabalhadas e que comportamentos não serão tolerados. No entanto, como fazê-lo? A que
tipo de literatura ou formação um professor pode recorrer quando se questiona sobre a maneira
pela qual vem conduzindo a sua relação com as turmas?

As diversas formas de se desenvolverem habilidades de convivência e organizar o trabalho,


o tempo e o espaço visando a criação de um ambiente favorável à aprendizagem no contexto
coletivo da sala de aula é o que chamo aqui de gestão de sala de aula. Apesar de ser uma linha
de pesquisa ainda pouco explorada no campo da educação brasileira, essa tem sido uma das
maiores dificuldades encontradas por professores em todo o mundo.

Muitos estudos estrangeiros2 têm apontado as questões relativas à indisciplina e


gestão de classe como importantes fatores que contribuem para a insatisfação profissional,

2. Cabe comentar que esses estudos aqui citados foram realizados em países de língua inglesa e, portanto, com acesso
a uma grande bibliografia sobre o tema e, muitas vezes, com universidades onde a grade curricular conta com
disciplinas específicas sobre a questão da gestão de classe. Zeider (apud Merrett; Wheldall, 1993) afirmou ainda no
fim dos anos 1980 que o estágio relativamente rudimentar da ciência gestão de classe deve ter contribuído para a
formação inadequada dos profissionais no sentido de aplicar as técnicas de controle e, portanto, para as consequentes
dificuldades encontradas pelos professores.

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Silva, Rafael Rodrigues da

desenvolvimento de estresse ou da síndrome de burnout entre professores em geral (Gauthier et


al., 2006; Mavropoulou; Padeliadu, 2002; Merrett; Wheldall, 1993) e em professores de música,
em particular (Pembrook; Craig, 2002; Yourn, 2000). Resultados de pesquisa empírica realizada
por Doyle (1990 apud Gauthier et al., 2006, p. 245) entre professores dos EUA em sala de aula
mostram que “a frequência das intervenções visando a interromper problemas de comportamento
se situa em torno de 16 por hora”, o que equivale a uma média de uma interrupção a cada 3,7
minutos.

A realidade do trabalho docente no Brasil não parece refletir um contexto mais favorável
que esses acima citados. A relação entre alunos e professores tem ocupado cada vez mais os
veículos midiáticos de informação e, com uma frequência assustadora, vêm trocando a editoria
de educação pelas páginas policiais. Notícias sobre práticas de bullying, agressões físicas entre
alunos, alunos agredindo professores, professores agredindo alunos e, recentemente, chacinas
aos moldes daquela que ocorreu em Columbine, nos EUA, ou em Realengo, no Rio de Janeiro,
só trazem ao nosso conhecimento o produto final de um longo e doloroso processo. Pesquisa
realizada pela Organization for Economic Co-Operation and Development em 24 países aponta
os professores brasileiros como os que usam a maior parte do tempo de aula em função de
problemas de disciplina (18%), seguido da Malásia (17%) (OECD, 2009, p. 105). Estudo realizado
por Abramovay (2005), sobre violência nas escolas realizada em 13 capitais brasileiras, relata que
os pesquisadores observaram in loco que aproximadamente um terço dos alunos apresentavam
comportamentos indisciplinados, desregrados (unruly behaviour).

O presente artigo tem por objetivo promover o debate acerca da gestão de sala de aula
na educação musical brasileira e defender um maior destaque para o tema na formação de
professores de música. Para tanto, lanço mão de grande parte da revisão bibliográfica oriunda
da pesquisa de mestrado que venho desenvolvendo junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da PUC do Rio Grande do Sul, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Villela Pereira,
pesquisa esta que conta com bolsa da Capes. O texto está dividido em quatro partes: a primeira
traça um breve panorama das pesquisas sobre gestão de sala de aula e as questões das quais
se ocupam; a segunda analisa de que maneira as pesquisas em educação musical publicadas
no Brasil têm abordado o tema e discute seu papel na formação de educadores musicais; já a
terceira tem por objetivo ilustrar o debate apresentando três propostas publicadas nos EUA; e a
quarta é dedicada às conclusões finais.

a gestão de Tem crescido, nas últimas décadas, o número de trabalhos e pesquisas dedicadas a
sala de aula definir os saberes que baseiam a atividade profissional dos professores (Gauthier et al., 2006;
nas pesquisas Tardif, 2011). Em linhas gerais, essas pesquisas pretendem responder a questões como: “O
que acontece quando o professor ensina? O que ele faz exatamente para instruir e educar as
sobre o
crianças? Em outras palavras, o que é preciso saber para ensinar?” (Gauthier et al., 2006, p. 17).
ensino3
Dessa forma, a temática dos saberes docentes “segue a perspectiva da valorização da prática
docente, sendo, nesse sentido, um desdobramento dos trabalhos de Donald Schön e de sua

3. Esta seção do texto e a seguinte amplia uma primeira versão do panorama que aqui exponho apresentada no Seminário
Indisciplina na Escola (Silva, 2012).

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Gestão de sala de aula na educação musical escolar

proposta de basear a formação profissional em uma epistemologia da prática” (Arruda; Lima;


Passos, 2011, p. 140).

Gauthier et al. (2006), ao buscarem delimitar o repertório de conhecimentos específicos do


ensino, definem a gestão da matéria e a gestão de classe4 como as duas funções relacionadas
à prática docente. Segundo os autores, a função pedagógica da gestão da matéria ou gestão de
conteúdo (termo tirado e adaptado de Walter Doyle) “remete a todos os enunciados relativos ao
planejamento, ensino e à avaliação de uma aula ou parte dela”; e acrescentam “o conjunto de
operações de que o professor lança mão para levar os alunos a aprender o conteúdo” (Gauthier
et al., 2006, p. 196). Já a gestão de classe consiste num “conjunto de regras e disposições
necessárias para criar um ambiente ordenado5 favorável tanto ao ensino quanto à aprendizagem”.
Ela consiste numa atividade “fundamentalmente cognitiva, baseada na antecipação, pelos
professores, da trajetória provável das atividades da sala de aula e no conhecimento das
consequências dessas mesmas atividades sobre as situações de aprendizagem” (Gauthier et
al., 2006, p. 241). Para Tardif (2011, p. 219), a gestão da matéria e a gestão de sala de aula6 são
“o próprio cerne da profissão”.

Essa gestão docente do ambiente da sala de aula é avaliada considerando elementos


como seleção, organização e sequenciamento de rotinas, comunicação do que se espera dos
alunos, regras (ou combinações), procedimentos e medidas disciplinares, tipo ou grau de vínculo
afetivo, entusiasmo, supervisão do trabalho, o tempo dedicado à explicação da atividade, o
tipo de comunicação, o relacionamento com os pais, a comunicação e as combinações entre
professores que compartilham a mesma turma, entre outros. Tais práticas visam, geralmente, a
diminuir a ansiedade dos alunos, a estabelecer vínculos afetivos, a delimitar as práticas aceitáveis
e não aceitáveis em sala de aula, a promover a aprendizagem e a evitar aquilo que Walter Doyle
(1986) chamou de não empenho passivo, ou seja, não se dedicar à atividade programada, sem
todavia perturbar o programa de ação criando uma situação concorrente.

Conforme apontam Brophy e Putnam (1979 apud Gauthier et al., 2006, p. 137-138),

pesquisas revelaram que as diferenças importantes entre o sucesso ou insucesso dos


gestores de classe não estão em sua resposta ao mau comportamento dos alunos. As
diferenças se situam mais no planejamento e na preparação, que também fazem parte

4. O trabalho de Gauthier et al. (2006) que aqui referencio é uma tradução para o português do texto originalmente em
francês. Nele, o tradutor opta pelo termo “gestão de classe” em correspondência ao francês “gestion de classe”.
O correspondente em inglês “classroom management” é também amplamente reconhecido na literatura acadêmica
sobre educação nos EUA. Por se tratar de um conceito pouco explorado na literatura acadêmica brasileira, opto, no
presente trabalho por outra possibilidade de tradução trocando o termo “classe” por “sala de aula”, o que entendo
tornar mais claro sobre o que se fala pois, como sabemos, o termo “classe” pode remeter a questões sociais que não
possuem relação direta com o objetivo aqui proposto.
5. Os autores salientam que “o grau de ordem varia em função dos desvios verificados face ao programa de ação
implantado na sala de aula” (Gauthier et al., 2006, p. 240).
6. Aqui adoto os termos “gestão da matéria” e “gestão de sala de aula” e os generalizo, para fins de sistematização, aos
demais autores que tratam dos saberes docentes. No entanto, é importante salientar que as denominações dadas para
essas duas funções variam de autor para autor. Enquanto Gauthier et al. (2006) usam “gestão de matéria” e “gestão de
classe”, Tardif fala de transmissão da matéria e gestão da interação com os alunos (Tardif, 2011, p. 219) e Doyle (1986
apud Arruda; Lima; Passos, 2011, p. 142) fala de ensino de conteúdos e gestão da vida da classe.

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Silva, Rafael Rodrigues da

de um ensino eficiente, e nas técnicas de gerenciamento de grupo que os professores


empregam para prevenir a desatenção e a interrupção.

Segundo Doyle (1986), apesar do interesse dos professores e do público, o tópico gestão
de sala de aula foi sempre relegado às sombras das pesquisas sobre o ensino. Ainda segundo
o autor, a maior parte dos pesquisadores que tinham o ensino como objeto de pesquisa tendiam
a ver os processos em sala de aula de maneira restrita a ações diretamente relacionadas à
aprendizagem e não à soma completa do que professores fazem em sala de aula (Doyle, 1986,
p. 392).

Curioso perceber que essas questões fazem parte do cotidiano de todo e qualquer
professor (não importa o grau de ensino em que atue ou o seu referencial teórico-metodológico).
No entanto, estes são processos pouco verbalizados pelos professores e pouco pesquisados
atualmente no Brasil. Esse quadro nos permite concluir que há uma tendência à naturalização
dessa função, que ocupa uma parcela expressiva das decisões tomadas pelo professor em
seu cotidiano e que esse aspecto da prática docente vem sendo pouco problematizado. Para
Gauthier et al. (2006, p. 34),

na ausência de um saber da ação pedagógica válido, o professor, para fundamentar


seus gestos, continuará recorrendo à experiência, à tradição, ao bom senso, em suma,
continuará usando saberes que não somente podem comportar limitações importantes,
mas também não o distinguem em nada, ou quase nada, do cidadão comum.

Considerado esse panorama, por que as questões relacionadas à gestão de sala de


aula e disciplina não são tomadas como objetos destacados na formação docente brasileira?
Vasconcelos (2009) levanta hipóteses como: 1) o entendimento de que há uma relação direta
desta com o autoritarismo;7 2) por representar, para muitos, um fracasso profissional e pessoal;
3) por considerá-lo problema da direção ou da família; 4) por entender que esse é um saber a ser
ensinado pelo ofício (saber experiencial); 5) por compreender que a academia não deveria “se
rebaixar” para tratar de procedimentos; e/ou 6) por ser a disciplina vista como consequência de
outros aspectos do trabalho docente, normalmente abordados pela didática. O resultado disso
é que

várias gerações de novos professores saíram da universidade sem uma reflexão


mais sistemática e crítica sobre esse problema que tanto inquieta o cotidiano e
que, objetivamente, tem um papel fundamental no processo de aprendizagem e
desenvolvimento humano. (Vasconcelos, 2009, p. 33).

A formação de professores se deu durante décadas, portanto, considerando condições


ideais ou mais favoráveis do que comumente se encontra. Como apontam Gauthier et al. (2006,
p. 25),

7. “[…] praticamente toda a crítica dirigida à escola tradicional atinge amplamente a disciplina, já que esta é um dos pilares
daquela” (Vasconcelos, 2009, p. 32).

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Gestão de sala de aula na educação musical escolar

certas experiências behavioristas foram realizadas sem levar suficientemente em conta o


professor real, sozinho na sala de aula a distribuir reforços a um determinado grupo de
alunos. Outras, inspiradas na psicologia humanista não se preocuparam o bastante com
as consequências concretas para o professor, de partir das necessidades e interesses do
aluno. Confundiu-se, assim, o contexto coletivo do ensino com o contexto individual da
relação terapêutica. Outras, ainda, seguindo a tradição piagetiana, imaginaram o ensino
como se ele desenvolvesse numa relação clínica com um aluno. Embora as faculdades
de educação tenham produzido saberes formalizados a partir dessas pesquisas, esses
saberes não dirigiram ao professor real, cuja atuação se dá numa verdadeira sala de
aula, mas a uma espécie de professor formal, fictício, que atua num contexto idealizado,
unidimensional, em que todas as variáveis são controladas. Foi um inábil projeto dos
professores das faculdades de educação.

A aprovação da Lei nº 11.769/2008 (Brasil, 2008) que altera a LDB instituindo a música gestão da
como componente curricular obrigatório na educação básica pode ser tomada como um sala de aula
marco que intensifica o interesse da área pela educação musical no contexto escolar (Del-Ben,
em educação
2009). O interesse pela formação docente do professor de música para o contexto escolar tem
musical e a
crescido recentemente no campo da educação musical brasileira, manifestado particularmente
nas pesquisas acerca dos saberes docentes envolvidos nessa prática pedagógica (Beineke,
formação de
2001; Hentschke, 2001; Hentschke; Azevedo; Araújo, 2006; Penna, 2007; Santos, 2005). Com professores
frequência, os estudos realizados apontam uma insatisfação dos licenciados pesquisados com
a formação que as instituições de ensino superior em música lhes ofereceram, avaliadas como
insuficientes para a realidade da prática docente no ambiente escolar (Beineke, 2004; Cereser,
2004; Machado, 2004; Santos, 2005). Este descompasso entre a formação inicial de professores
e as demandas da realidade escolar, manifestado por profissionais atuando nas escolas, não é
exclusividade das pesquisas realizadas com educadores musicais no Brasil (Roulston; Legette;
Womack, 2005; Yourn, 2000) muito menos exclusividade do campo da educação musical (por
exemplo, Mavropoulou; Padeliadu, 2002; Perin, 2009).

Apesar da recente Lei nº 11.769/2008, como minha própria experiência como professor
mostra, e como o trabalho de orientação de licenciandos em música tem mostrado, a escola
segue sendo um espaço estranho para grande parte dos professores de música. Acostumados,
portanto, com alunos que os procuram motivados pela aprendizagem de uma determinada
habilidade musical, parece não haver, por parte da maioria dos educadores musicais,
experiências escolares com música que possam ser tomadas como referência do potencial e das
particularidades desse espaço, mesmo entre aqueles com considerável experiência docente em
outros espaços educacionais. Há uma extensa literatura em educação musical a se considerar,
que traz propostas de atividades de musicalização e vastas considerações teóricas acerca de
como crianças e jovens aprendem música e como se relacionam com ela. Muitas vezes parece
subentendido no discurso que, em havendo professores, a música acontecerá. No entanto,
as possíveis estratégias para promover ambientes favoráveis à prática musical e, portanto, à
aprendizagem, seguem pouco exploradas. Um professor entrevistado por Cereser (2004, p. 33)
relata:

[o curso] nos prepara para trabalhar com crianças que gostam de música, que
querem música, não que não gostam de música. Que querem aprender a tocar algum

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Silva, Rafael Rodrigues da

instrumento, que querem aprender a cantar que… daí sim. Aí é legal de trabalhar, tu não
tem dificuldade nenhuma. Eles já vêm prontos para isso, eles já vêm motivados. Agora
quando não estão motivados, aí a faculdade não nos deu [preparação]… aí eu também
não sei se eles [os professores formadores] não deram porque eles também não têm
[conhecimento da realidade].

Ainda que percebida a demanda, são poucos os trabalhos no Brasil que dedicam
considerável atenção à questão da gestão da sala de aula e/ou da disciplina nas práticas músico-
pedagógicas escolares. Uma importante iniciativa em favor do tema foi a de Beatriz Ilari, que
traduziu um artigo de Joan Russell (2005), publicado na Revista da Abem. Um dos pontos que
reforçam a importância desse artigo para o campo é que ele traz a única revisão de literatura
referente à gestão de sala de aula publicada no Brasil voltada a educadores musicais. Nele,
Russell analisa a gestão de sala de aula da professora Betty Lo em uma turma do (correspondente
ao) primeiro ano do ensino fundamental numa escola situada em uma comunidade próxima a
Montreal (Canadá). Russell (2005, p. 75, grifo da autora) define a “gestão da aula de música”
como resultante da relação entre “estrutura da aula (o esquema em que são distribuídos os
conceitos em um espaço de tempo predeterminado), o conteúdo (materiais musicais, conceitos,
habilidades, atividades e configurações) e o andamento usado pelo professor para conduzir a
aula”. Segundo a autora, o termo “andamento” faz referência à intensidade usada pelo professor
para conduzir a aula, o que inclui a velocidade na qual atividades e conceitos são introduzidos
e os atributos tidos pela autora como pessoais como afeto, entusiasmo, contato visual e outros
aspectos da linguagem corporal.

Ao longo do texto, os termos “gestão da aula” e “gestão da sala de aula” são usados como
sinônimos.8 Ainda assim, é evidente a diferença entre a definição de gestão de aula dada por
Russell (2005) e a definição de gestão de sala de aula dada por Gauthier et al. (2006) e Tardif
(2011): fundamentalmente, a definição apresentada por Russel considera a gestão de aula como
uma única função docente, enquanto Gauthier et al. e Tardif veem a prática docente como a
união de duas funções complementares (gestão da matéria e gestão da sala de aula). O conceito
de Russel representa uma interessante solução teórica, visto que unifica as duas categorias
de análise (gestão de matéria e gestão de sala de aula), o que termina com o problema da
categorização, uma vez que as fronteiras entre essas duas funções não podem ser definidas com
precisão, por possuírem forte influência uma sobre a outra.

Na literatura acadêmica em educação musical, os EUA possuem uma larga produção acerca
da gestão da sala de aula na aula de música. Uma busca pelo termo classroom management
realizada no site do Music Educators Journal e no Journal of Music Teacher Education, periódicos
de referência para educadores musicais do país, aponta 68 e 61 ocorrências, respectivamente.
No entanto, a produção não se limita a esse país.

Entre as dissertações, teses e artigos em periódicos, há um consenso em relação à


particularidade das aulas de música quanto às demais disciplinas no sentido de indicar que há
desafios referentes à gestão de classe que educadores de outras áreas tendem a não enfrentar.

8. Não tive acesso ao texto original, por isso, não é possível afirmar se esse tratamento é dado também no original ou só
na tradução.

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Gestão de sala de aula na educação musical escolar

Para Gordon (2001 apud Mann, 2008), alunos de música, com muita frequência, trabalham em
grupo para criar um produto coletivo enquanto outras áreas costumam trabalhar de maneira
independente para completar suas tarefas. Em outras palavras, aulas de música costumam exigir
que o aluno olhe à sua volta e interaja com seus colegas durante as atividades acadêmicas (a
mesma tendência vale para áreas como teatro, educação física e dança), enquanto que a maior
parte das disciplinas contempladas na escola tende a exigir que o aluno olhe para o caderno,
para o livro, para o quadro ou para o professor. No Brasil, particularmente, o grande número de
turmas atendidas pelo professor de artes e o fato de compartilhar as turmas e os espaços com
outros professores são também um empecilho para a criação de vínculos afetivos e combinações
da turma, além de, no caso dos professores sem sala específica, dificultar a customização do
espaço físico da sala (cadeiras, mesas, armários, etc.).

Além disso, a ansiedade gerada entre as crianças por causa dessa diferença na postura
exigida para o aprendizado ou mesmo pelo próprio fenômeno musical pode gerar ainda outros
aspectos pouco comuns em outras aulas. Segundo Riccardi (2000, p. 1),

cuando un grupo de alumnos asiste a una clase de música se observa un cambio de


conducta de los alumnos que se traduce principalmente em movimiento: deseos de
correr, saltar, gritar entre los alumnos de educación infantil y primaria, y entre los alumnos
de educación secundaria y universidad, el no poder mantener una conducta silenciosa
y ordenada frente a los instrumentos musicales, durante actividades de movimiento em
relación a la música o a la audición de una obra musical.

Tais reações ao fenômeno musical ou às possíveis dinâmicas de uma aula de música


podem ser um sinal de uma relação positiva de interação com o fenômeno musical, sinais de
uma alegria ligada à experiência musical. Podem, no entanto, também representar o próprio
impedimento para a prática musical na medida em que uma turma agitada e ansiosa potencializa
atividades concorrentes com as atividades pedagógico-musicais, como conflitos entre os alunos.
Ainda segundo Riccardi (2000, p. 2, tradução minha), esses tipos de condutas “não ordenadas”
se convertem em indisciplina quando não permitem centrar-se no objetivos acadêmicos a
desenvolver. É fundamental reconhecer que se trata de um outro registro, uma outra habilidade
de concentração que não é natural e cuja turma onde o professor de música está trabalhando
pode não ter ainda desenvolvido a contento. Como se ensina isso? Como operar a transposição
didática (Chevallard, 2005) de uma habilidade como essa?

No intuito de ilustrar o debate, selecionei três propostas de gestão de sala de aula três
voltadas à educação musical escolar dentre as muitas que venho pesquisando. As três foram
propostas
publicadas no periódico estadunidense Music Educators Journal em forma de artigos de caráter
de gestão de
instrumental, direcionado a professores que atuam na escola. Talvez como consequência desse
caráter, praticamente não se ocupam de definir o que se entende por gestão de sala de aula ou
sala de aula
explorar os diferentes entendimentos do conceito. A seguir, apresento brevemente as diretrizes na educação
que apresentam e faço algumas considerações. musical
Merrion (1991) propõe a criação de um ambiente suficientemente livre para permitir
escolar
manifestações individuais, improvisação e criatividade, enquanto oferece uma estrutura em que

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Silva, Rafael Rodrigues da

todos os alunos podem estar coletivamente envolvidos nas atividades. Para isso, elenca três
estratégias:

• disciplina preventiva, baseada na consistência e na razoabilidade das regras ou


combinações estabelecidas em sala de aula, para que a criança possa ter uma ideia
mais clara dos tipos de comportamentos que serão ou não aceitos naquele espaço;

• presença docente, ou seja, adequar a maneira pela qual o professor se faz presente.
Merrion cita aspectos a se considerar como roupas adequadas, altura, intensidade e
velocidade na voz falada e expressões faciais;

• agendas compartilhadas, ou seja, a comunicação para os alunos das atividades


planejadas para o dia no início da aula como forma de administrar a ansiedade e a
curiosidade.

Snyder (1998, p. 30) elenca técnicas que têm se mostrado bem sucedidas, como:

• criar um ambiente organizado (incluindo cadeiras e estantes de partitura);

• estabelecer regras da sala desde o primeiro dia de aula;

• ser consistente no estabelecimento e no cumprimento destas regras;

• criar rotinas (openning routines) para os alunos;

• dar andamento às atividades de maneira a permitir maior tempo da aula ligado às


atividades musicais;

• manter contato visual;

• usar sinais verbais e não verbais para manter a atenção dos alunos;

• interromper as conversas ou comportamentos disruptivos logo, antes que se intensifiquem.

Reese (2007) promove o que chama de 4 Cs da gestão de classe. Para a autora, uma
boa gestão de classe deve observar quatro aspectos, a saber: Comendation (elogiar, promover),
Comunicação, Consistência e Conteúdo. O primeiro aspecto sugere que o professor ocupe mais
do seu tempo de fala elogiando os alunos que se comportam adequadamente do que criticando
aqueles que se comportam de maneira inadequada. O segundo é a comunicação (com alunos e
pais), que permite que fique claro como o professor se comportará em cada caso para permitir
que o aluno possa fazer uma decisão esclarecida acerca do seu comportamento. A proximidade,
o contato visual e mensagens curtas e claras são uma forma de qualificar essa abordagem. A
consistência consiste em rotinas e procedimentos seguidos diariamente que permitem que o
professor reduza o número de indicações a serem dadas em uma determinada aula. Para a autora,
o estabelecimento de rotinas permite que o professor guie em vez de controlar.9 Finalmente, o
conteúdo consiste em reduzir o tempo em aula que não possui um objetivo musical bem definido.
A autora cita possibilidades como cantar enquanto distribui material para a atividade seguinte ou
enquanto caminha até a sala de aula.

9. A autora cita cinco regras básicas estipuladas por ela em suas aulas: entre calmamente; participe com a turma; mostre
respeito para consigo mesmo, os colegas e os materiais; dê o melhor de si; e saia calmamente (Reese, 2007, p. 27).

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Gestão de sala de aula na educação musical escolar

As três propostas, aqui apresentadas em ordem cronológica, não são, a meu ver,
excludentes, e possuem algumas preocupações em comum: há nos três trabalhos uma
preocupação com a comunicação entre professor e alunos. Em outras palavras, cada professor
e cada turma possuem dinâmicas particulares e acordos particulares; mas é fundamental que
os “russos” sejam avisados. Para os autores, deixar claro para os alunos de que forma está
planejada a aula, a unidade e o ano bem como o que se espera deles (também em relação a
seus comportamentos) e como será realizada a avaliação, lhes dá condições de contribuir para
o processo. Outro ponto em comum é a defesa do que comumente se chama na literatura norte-
americana de consistência, ou seja, seguir as diretrizes e as consequências de comportamentos
inapropriados estabelecidas e comunicadas à turma.

Vejo, no entanto, que de Snyder (1998) a Reese (2007), há uma progressiva preocupação
em descentralizar o processo de gestão da sala de aula, investindo também na autonomia do
aluno, o que é comum na literatura sobre disciplina escolar e gestão de sala de aula. Para Garcia
(2012, p. 205), essas abordagens podem ser situadas entre dois polos: as mais tradicionais,
baseadas na ideia de que a construção da disciplina deve estar centrada no professor e no
controle que este exerce sobre os alunos; e as democráticas, baseadas na construção coletiva
da disciplina, compartilhamento de decisões e equilíbrio nas relações de poder.

Entendo que a função docente da gestão de sala de aula é uma habilidade fundamental considerações
à prática docente e que deve também se desenvolver durante a formação de professores e não finais
somente através da prática (saber experiencial). Para tanto, é preciso que se desenvolvam com
maior frequência pesquisas acerca desses saberes e maneiras de trabalhar essas habilidades,
o que pode se dar na forma de uma disciplina específica (como acontece com frequência em
universidades estrangeiras), de maneira integrada com outras disciplinas ou em modelos menos
fragmentados.

Me parece importante também considerar as limitações do conceito que aqui proponho. É


comum na literatura sobre gestão de sala de aula um tipo de discurso que se quer técnico que,
em verdade, faz parte de uma cultura gerencial que marca a cultura estadunidense (Bendassolli,
2007). Há, portanto, perdas e ganhos ao optar por abordar o problema aqui levantado pela
perspectiva da gestão de sala de aula em vez do, mais comum entre nós, binômio disciplina
e indisciplina escolar. É possível cair numa crença de que se pode conceber (e razoavelmente
almejar) uma sala de aula onde todos os elementos são controlados e somente pelo professor.
A ideia de que uma escola pode funcionar como uma fábrica onde se deve medir a quantidade
de conhecimentos trabalhados por minuto, alheia aos interesses ou significados que são
despertados por aqueles que compõem a sala de aula, não representa o que se pretendo aqui
promover.

Entendo que a opção pelo conceito de gestão de sala de aula me ajuda no sentido de
fugir do dualismo presente no binômio disciplina/indisciplina, e fujo por dois problemas básicos:
em primeiro lugar, ao caracterizar os comportamentos em sala de aula como disciplinados
ou indisciplinados, há uma tendência a ignorar a diversidade presente em cada uma dessas
categorias e a tomá-las como categorias pouco maleáveis quando as transferimos para os
diversos contextos e áreas de ensino. O que se entende por ordem ou condições favoráveis ao
ensino não pode adotar, necessariamente, os mesmos critérios numa aula de música, matemática

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 63-76 | jul.dez 2013 73


Silva, Rafael Rodrigues da

ou geografia. São dinâmicas diferentes e demandas diferentes que a ideia de gestão de sala de
aula me ajuda a considerar ao analisar.

Estabelecendo dessa forma a diferenciação, não afirmo que todos que se valem do conceito
de disciplina para a sua análise façam esse tipo de redução. Em verdade, hoje a linha de pesquisa
sobre disciplina escolar tem trabalhado de maneira muito coerente com o que venho tomando
aqui como gestão de sala de aula (por exemplo, Estrela, 2002; Garcia, 2012; Gotzens, 2003). No
entanto, entendo também que a ideia de disciplina nos discursos pedagógicos brasileiros esteja
talvez saturada pelas diversas representações que se fazem acerca do seu papel na escola e
pelas recorrentes associações diretas entre disciplina e militarismo, comuns ainda hoje. Mudar a
perspectiva, o conceito e o tipo de abordagem pode significar uma outra forma de se aproximar
de um problema ainda traumático para um país que viveu por décadas sob regime militar.

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76 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 63-76 | jul.dez 2013


Memórias de formação musical
e construção docente de
Monica Pinz Alves
Memories about formation in music and teaching
construction of Monica Pinz Alves

Franciele Maria Anezi Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) franci_anezi@yahoo.com.br


Luciane Wilke Freitas Garbosa Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) l.wilke@hotmail.com

resumo No intuito de contribuir com os estudos voltados às memórias de formação em


música, o presente artigo, decorrente de pesquisa realizada no ano de 2012, tem
como objetivo compreender as memórias de iniciação musical da professora de
música Monica Pinz Alves, de forma a conhecer as lembranças ligadas a personagens,
acontecimentos e lugares (Pollak, 1992). Além disso, busca refletir sobre como e o
que esta professora rememora, no que tange ao seu processo de iniciação musical
até a entrada na profissão. Os referenciais teórico-metodológicos adotados baseiam-
se nos estudos (auto)biográficos desenvolvidos junto a professores (Abrahão, 2010;
Bueno, 2002; Nóvoa, 1995) e na história oral (Meihy, 2005), trazendo discussões sobre
memória (Pollak, 1992) e narrativa. Neste artigo, as memórias da professora Monica
são trazidas com ênfase nos contextos e experiências que a produziram, em especial
a família e a igreja, as aulas de música e as práticas iniciais na carreira docente.

Palavras-chave: professores de música, iniciação musical, pesquisa (auto)


biográfica

abstract In order to contribute to the research about memories of formation in music, this
paper, which is the result of an investigation undertaken in 2012, seeks to understand
the musical initiation memories of the music teacher Monica Pinz Alves, so as to get
to know the memories attached to characters, events and places (Pollak, 1992). In
addition, it seeks to reflect on how and what this teacher rememorates, regarding the
process of her musical initiation up to the beginning of her profession. The theoretical
and methodological frameworks are based on (auto) biographical studies developed
with teachers (Abrahão, 2010; Bueno, 2002; Nóvoa, 1995) and on oral history (Meihy,
2005), bringing discussions about memory (Pollak, 1992) and narrative. In this paper,
the memories of Monica are revealed with emphasis on the contexts and experiences
that produced it, particularly the family and the church, the music classes and the initial
practices in the teaching career.

KEYWORDS: music teachers, musical initiation, (auto) biographical research

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Anezi, Franciele Maria; Garbosa, Luciane Wilke Freitas

introdução O Pequeno Príncipe, contra vontade, cativara a raposa, a pedido


dela. Mas chegou a hora da despedida e a raposa disse: “Vou
chorar.” O Pequeno Príncipe retrucou: “Não é culpa minha. Eu não
queria te cativar. Agora você vai chorar. Qual foi a vantagem?”
Respondeu a raposa: “A vantagem? Os campos de trigo. Eu sou uma
raposa. Como galinhas. O trigo me é indiferente. Mas você me
cativou. Seu cabelo é louro. Os campos de trigo são dourados. Porque
você me cativou sempre que o vento balançar as espigas douradas de
trigo eu me lembrarei de você. E sorrirei…”

Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe

N
o decorrer de nossas vidas, temos contato com inúmeras pessoas em diferentes situações.
Algumas apenas passam sem deixar grandes marcas; outras, como o Pequeno Príncipe
na vida da raposa, nos cativam e permanecem para sempre em nossa memória. Os
professores são pessoas que temos ao lado em grande parte dos nossos dias desde muito
pequenos e suas marcas, positivas ou não, podem estar presentes muito além de nossas
lembranças. Muitas das visões de mundo, das nossas atitudes, ideias e das escolhas que
fazemos podem ter influência desses personagens que têm uma importância ímpar em nossa
história pessoal.
Nas últimas décadas, as pesquisas na área da educação têm se voltado para a pessoa do
professor, entendendo que este é um dos protagonistas dos processos de ensino e aprendizagem
e que o contato com seus conhecimentos, experiências e saberes pode contribuir na formação de
novos profissionais. Nesse contexto, surgem inúmeros trabalhos relacionados à trajetória de vida
e formação de professores,1 nos quais esses se constituem simultaneamente em personagens e
contadores de histórias.
Assim, este artigo apresenta um recorte do trabalho de conclusão de curso – Música –
Licenciatura Plena – “Uma história a duas vozes: memórias de iniciação musical da professora
Monica Pinz Alves”, defendido no início de 2013, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
A pesquisa está ligada ao grupo Fapem (CNPq) e ao Laboratório de Educação Musical – LEM/
CE. A partir da pesquisa “Tecendo memórias, contando histórias: lembranças de iniciação
musical de professores de música”,2 tivemos contato com as memórias de iniciação musical
de professores vinculados à graduação em Música da UFSM. Refletindo sobre suas narrativas,
pudemos compreender suas trajetórias, perceber a importância que determinadas pessoas,
experiências e contextos exerceram em sua formação e assim compreender melhor suas atitudes
e ideias enquanto professores.

1. Tais trabalhos são designados como histórias de vida, biografias, autobiografias, memoriais de formação, narrativas,
biografias educativas, memórias, dentre outras terminologias.

2. Pesquisa, em andamento, coordenada pela Prof. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa.

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Memórias de formação musical e construção docente de Monica Pinz Alves

Tendo em vista a possibilidade da pesquisa (auto)biográfica, enquanto metodologia, e


motivadas a refletir sobre a trajetória de iniciação musical de professores que fizeram parte de
nossas histórias, optamos por investigar as memórias da professora de música Monica Pinz
Alves. É importante mencionar que a referida professora se constituiu na primeira referência
docente da primeira autora, cujo contato inicial ocorreu em 2001, aos 10 anos de idade. As
lembranças que a autora guarda desse tempo são marcadas pelo encantamento característico
da infância, sendo que as experiências vivenciadas possivelmente exerceram influência em suas
escolhas relacionadas à música.
Os questionamentos que moveram a investigação se deram em torno dos elementos
constitutivos da memória (Pollak, 1992), os quais incluem personagens, lugares e acontecimentos,
bem como as particularidades dos contextos nos quais a colaboradora teve suas experiências
musicais. Quais as lembranças que a professora guarda de suas primeiras vivências com
música? Quais os espaços, pessoas e acontecimentos que fizeram parte de sua iniciação? O
que e como rememora as primeiras aulas? Como ocorreu a escolha da música e da docência
como profissão? Quais os principais desafios, alegrias, frustrações de seu início de carreira?
Considerando tais questionamentos, o trabalho teve como objetivo compreender as memórias
de iniciação musical da professora Monica Pinz Alves, bem como refletir sobre como e o que
rememora desse processo até a entrada na profissão.

A partir dos anos 1980, estudos diversos têm se voltado ao professor, entendendo-o como o professor
protagonista dos processos educativos. Metodologias que dão voz ao professor, a partir de
como objeto
análises qualitativas de narrativas e vivências individuais, têm ocupado um espaço cada vez
maior na área da educação. Na tentativa de contemplar a complexidade e a especificidade da
de estudo
ação docente, dos contextos escolares, do exercício da profissão, das relações com o ensino
e com o conhecimento, das trajetórias de formação pessoal e profissional, o professor passa a
ser estudado a partir de sua subjetividade, de suas experiências e trajetória de vida dentro de
abordagens (auto)biográficas.3
Tais pesquisas são significativas na perspectiva da formação ao longo da vida, a partir da
qual se entende que o professor não é formado apenas no tempo e no espaço dos cursos de
graduação.

[…] é preciso pensar a formação do professor como um processo, cujo início se situa
muito antes do ingresso nos cursos de habilitação – ou seja, desde os primórdios de sua
escolarização e até mesmo antes – e que depois destes tem prosseguimento durante
todo o percurso profissional do docente. (Bueno, 2002, p. 10).

Autores como Nóvoa (1995) defendem que não ensinamos só o que sabemos, mas o que
somos, e o que somos tem ligação com aquilo que experimentamos pessoal e profissionalmente.
Portanto, compreender as experiências que formaram um professor desde a infância possibilita

3. Neste artigo, método, pesquisa ou abordagem (auto)biográfica (Nóvoa, 1995) e narrativas (auto)biográficas (Abrahão,
2010) serão expressões utilizadas para designar as diversas modalidades de investigações narrativas que envolvem
histórias de vida e formação, sejam elas biográficas (escritas por outras pessoas) ou autobiográficas (escritas de si com
ou sem a intermediação de um pesquisador).

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 77-90 | jul.dez 2013 79


Anezi, Franciele Maria; Garbosa, Luciane Wilke Freitas

compreendê-lo em sua atuação, no trabalho que desenvolve e na maneira de ser e estar na


profissão.
Especialmente na profissão docente, podemos dizer que desde muito pequenos estamos
vivenciando o que é ser professor e como é estar no espaço da escola. Diferentemente de outras
profissões, o professor tem contato desde criança com o que será seu contexto de atuação, com
experiências e modelos docentes Esta bagagem impressa na vida e na memória não poderia ser
deixada de lado ao estudar a formação e as práticas docentes. Nesse sentido, diversos estudos
têm apontado para a importância dos modelos que tivemos na construção de nossa identidade
docente e na própria escolha da profissão.

Uma característica comum do ambiente sociocultural colhida nas narrativas dos


professores é o aparecimento de um professor preferido que influenciou, de modo
significativo, a pessoa enquanto jovem aluno. Relatam, muitas vezes, que: “foi esta
pessoa que, pela primeira vez, me fez aderir ao ensino”; “estava sentado na sala de aula,
quando, pela primeira vez, decidi ser professor”. (Goodson, 1995, p. 72).

Segundo Catani, Bueno e Sousa (2000), a ideia de que exista uma vocação pessoal que
conduz à escolha da profissão de professor vem sendo superada e dando espaço à reflexões
que consideram as experiências vividas enquanto aluno como responsáveis pela construção
de habilidades pedagógicas da docência e motivadoras da escolha da profissão. Propostas de
cunho (auto)biográfico que contemplam os processos iniciais de escolarização podem contribuir
para a compreensão do “papel das experiências escolares anteriores e as possíveis relações
que essas mantêm com as experiências profissionais que têm lugar após o término dos cursos”
(Catani; Bueno; Sousa, 2000, p. 12).
Na área de Música, a relação professor-aluno estabelecida especialmente no ensino de
instrumento tende a ser intensa e a deixar marcas importantes, incluindo metodologias de
trabalho, concepções sobre música e sobre o ser professor. Os modelos vivenciados desde cedo
influenciam na maneira de ver a música e a aula de instrumento, nas metodologias adotadas e na
escolha do repertório considerado adequado, bem como na relação professor aluno, superando,
muitas vezes, ideias e aprendizagens que se tem contato no período da graduação.
A utilização de metodologias (auto)biográficas em trabalhos voltados ao professor de
música tem crescido nos últimos anos. Assim, destacamos Lima (2013); Lima e Garbosa (2012);
Garbosa et. al. (2012); Anezi, Garbosa e Weber (2012); Weber, Garbosa e Anezi (2012); Machado
(2012); Ferla (2009); Louro (2004); Bozzetto (2004); e Torres (2003). Tais pesquisas tematizam
práticas docentes, trajetórias de vida e formação, além de concepções sobre a música e seu
ensino.
É importante destacar que o trabalho com narrativas exige discussões sobre os processos de
constituição e transformação da memória. Conforme Abrahão (2004, p. 202) “produzir pesquisa
(auto)biográfica significa utilizar-se do exercício da memória como condição sine qua non. A
memória é elemento-chave do trabalho.” Um dos elementos que caracteriza o envolvimento da
memória na narrativa é a presença de uma tridimensionalidade temporal. Passado, presente e
futuro articulam-se em uma história que, mesmo narrada no presente, remete o autor e o ouvinte
às experiências vivenciadas no passado, com projeções para o futuro.

Assim, essa metodologia se constitui a partir de condicionantes da própria pessoa,


atravessada pelos condicionantes (reguladores) sociais aos quais está/esteve afeta,
sua história, seu passado; o contexto presente, em que projeta as redes de relações

80 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 77-90 | jul.dez 2013


Memórias de formação musical e construção docente de Monica Pinz Alves

construídas no presente e no passado, com perspectiva para o futuro. (Abrahão, 2010,


p. 191).

Dentre as particularidades envolvidas em um trabalho com memórias e narrativas, Pollak


(1992) destaca a articulação entre a memória individual e coletiva, a veracidade dos fatos, com
a seleção daquilo que se omite ou se narra, e os elementos constitutivos da memória. Conforme
Pollak (1992, p. 4), a memória é seletiva, sendo que nem tudo fica registrado. Assim, “sofre
flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa.
As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória.” Portanto,
ao narrar um acontecimento do passado, mesmo que inconscientemente, o sujeito seleciona
aquilo que irá falar, pois o vivido vem carregado de interpretações inerentes às transformações
da pessoa. A narrativa é sempre elaborada a partir das perspectivas atuais de quem narra, dos
interesses que pressupõe serem os do investigador – já que é desencadeada por sua solicitação
– e dos processos de transformação da memória.
Dentre os fatores que atuam na transformação da memória, a articulação da memória
individual com a memória coletiva, produzindo ressignificações decorrentes da relação com outros
sujeitos que viveram no mesmo tempo e tiveram as mesmas experiências, deve ser destacada.
Pode-se dizer que, por mais individuais que sejam, “as histórias narradas se assemelham às
versões de algo que é mais geral” (Prado; Soligo, 2005, p. 3), tornando difícil a definição entre o
que é memória do sujeito daquilo que é memória dos outros. Esse trabalho de adequação das
percepções individuais a uma memória coletiva e uniforme é designado por Pollak (1992) como
“memória enquadrada”. Segundo o autor, a memória também possui processos próprios de
manutenção, que atuam na busca “de coerência, de unidade, de continuidade, da organização”
(Pollak, 1992, p. 7) e provocam rearrumações que acabam sendo cristalizadas.
Essas características da memória trazem à tona discussões em relação à autenticidade
da narrativa. É importante ter a clareza de que uma narrativa não busca, e tampouco seria
capaz disso, reconstituir o vivido. A narrativa apresenta uma versão dos fatos, a de quem conta,
produzida a partir de suas subjetividades, de seu olhar e de suas reflexões sobre o ocorrido.
Conforme Catani, Bueno e Sousa (2000, p. 15) “especialmente nas narrativas autobiográficas, os
limites entre realidade e fantasia e entre memória e pensamento são […] tênues e indefinidos”.
Pollak (1992) reflete ainda sobre os elementos constitutivos da memória, envolvendo
acontecimentos, personagens e lugares, que aparecem com destaque nas recordações do
que foi vivido individual ou socialmente. Os acontecimentos representam vivências marcantes
que permanecem na memória, como a lembrança de um recital ou do primeiro contato com o
instrumento. Os personagens dizem respeito às pessoas que fizeram parte de uma trajetória, ou
seja, um familiar, um professor, um amigo. Os lugares de memória trazem recordações sobre os
espaços, como a sala de aula ou a casa da professora. Personagens, lugares e acontecimentos
aparecem conectados em lembranças, pois uma experiência pode produzir memórias que
entrelaçam pessoas que dela participaram, espaços nos quais ocorreu, cheiros, cores, etc.
Assim, a pesquisa foi construída tendo como referenciais os estudos sobre (auto)biografias
docentes, memória, narrativa e trabalhos envolvendo o professor de música. Referenciais do
campo da história oral, dos quais se destaca Meihy (2005), também foram utilizados para a
construção da metodologia. A produção de dados deu-se através de entrevistas narrativas, na
qual a professora Monica teve liberdade para narrar suas experiências com a música a partir de
perguntas amplas, organizadas em grandes blocos, indicando acontecimentos ou fases de sua
vida e formação.

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Anezi, Franciele Maria; Garbosa, Luciane Wilke Freitas

A partir de nosso olhar, enquanto pesquisadoras, trazemos alguns momentos da história


de vida da professora Monica, relacionados aos diferentes contextos nos quais teve suas
experiências de iniciação e formação musical, com destaque para a família e a igreja, e as aulas
de instrumento, além do início da carreira docente.

Monica Pinz Monica nasceu no município de Tuparendi, na região de Santa Rosa (RS), em 4 de novembro
de 1973. Seus pais, Karl Heinz Pinz e Hildegard Pinz, vieram da Alemanha no ano de 1970. Karl
Alves
Heinz Pinz é pastor e veio com um grupo de outros quatro missionários fundar a Sociedade de
Cristo no Brasil, mais conhecida como Igreja de Cristo.4 Os missionários estavam concentrados
na região de Santa Rosa, porém, após conhecer o município de Augusto Pestana, Karl Heinz Pinz
encantou-se com o pequeno município e solicitou permissão para comprar um terreno e atuar
naquela cidade. Após o período probatório no Brasil, a família retornou à Alemanha por um ano e
em 1975 reinstalou-se em Augusto Pestana5, município no qual Monica reside até hoje.
O contato de Monica com a música iniciou na família, atrelado às atividades religiosas.
Posteriormente, Monica cursou bacharelado em música sacra na Faculdade Batista do Paraná e
pedagogia na Universidade Regional de Ijuí (Unijuí). Realizou especializações em gestão escolar,
psicopedagogia clínica e institucional e língua alemã, e mestrado em educação nas ciências,
pela Unijuí. Atualmente, está cursando doutorado na Escola Superior de Teologia (EST), de São
Leopoldo (RS).
Monica fundou a Escola de Música Beethoven, na qual atuou como professora de música,
ensinando piano, teclado, saxofone, acordeom, regência, técnica vocal, violão, flauta transversal
e flauta doce. Posteriormente, iniciou em Ajuricaba e depois em Augusto Pestana a criação do
Centro Educacional Primeiros Passos (CEPP), que atualmente oferece educação infantil e ensino
fundamental. Além da atuação como diretora, Monica é professora da Faculdade Batista na área
de didática e atua na pós-graduação em educação musical do Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa,
Extensão e Pós-Graduação (Censupeg).

família A família e a Igreja foram contextos de grande proximidade na vida de Monica, pelo fato
e Igreja: do pai ser pastor. Suas primeiras memórias ligadas à música relacionam-se a esses contextos,
ficando visível a motivação vinda da família para que Mônica e suas duas irmãs mais velhas
espaços de
tivessem uma formação musical:
motivação
e primeiras Sempre teve aquele incentivo pelo fato do meu pai ser pastor. Tocava na igreja, sempre

experiências tinha música e sempre faltava alguém para tocar, então: “Ah, minhas filhas vão estudar
para que um dia possam tocar na Igreja.” Eu cresci ouvindo isso. […] Pelo fato de ser
musicais
pastor, saber da necessidade que tinha de ter música dentro da Igreja, ele [o pai] sempre
nos incentivou. (Entrevista em 29/09/2012).

4. O termo Igreja com inicial maiúscula será utilizado no trabalho para referir-se à Igreja de Cristo.
5. Cidade natal da primeira autora.

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Memórias de formação musical e construção docente de Monica Pinz Alves

Também foi em casa que Monica teve as primeiras aulas de instrumento. Ela conta que a mãe
vinha de uma família que cultivava a prática musical, cantava e tocava flauta doce, instrumento
com o qual iniciou a filha. “Minha mãe me ensinou flauta com oito anos. Ensinou as primeiras
notas musicais. Hoje não me recordo totalmente, mas creio que foi só sem acidentes, de dó
a dó.” (Entrevista em 29/09/2012). Suas irmãs mais velhas iniciaram aulas de piano e Monica,
através delas, também foi tendo contato com o instrumento.

Depois as minhas irmãs começaram a tocar piano e o meu pai comprou um piano bem
velho para nós. […] Lembro até hoje que ele disse que ia comprar esse piano para ver se
realmente íamos aprender e então ele ia investir, mais tarde, num piano melhor. Minhas
irmãs começaram com as aulas de piano em Ijuí e eu, como era a caçula, era para
aprender com elas [risos], para não gastar muito. (Entrevista em 29/09/2012).

A atividade musical estava presente na casa de Monica, de modo que pudessem desenvolver
o gosto pela música e pela prática em conjunto. Monica tem memórias alegres dos momentos
em que a família se reunia para fazer música na sala, o que, conforme Garbosa (2003, p. 26),
“assinalava um hábito entre as famílias dos imigrantes e de seus descendentes, remetendo à
ideia de Hausmusik (música de casa), a qual se caracterizava como uma atividade comum entre
os alemães”. Nas comunidades teuto-brasileiras, a família era o primeiro espaço de manifestação
da música e educação musical, tornando-a uma atividade natural e prazerosa. Com a mãe e as
irmãs, Monica cantava e tocava instrumentos. Apesar de ter um grande apreço pela música, Karl
Heinz Pinz não tocava nenhum instrumento por ter perdido três dedos de uma mão durante a
Segunda Guerra Mundial. Segundo Monica:

Tinha aquele incentivo da gente sentar de noite, no inverno, cantar, uma tocando violão,
outra tocando flauta, outra tocando piano, outra cantando, e assim por diante. Acho que
são memórias muito boas que tenho da minha infância e que vem desse incentivo que
recebi deles [dos pais]. E o pai nunca podia tocar, porque não conseguia, não tinha
condições pela falta dos dedos. Mas, às vezes, ele deitava no sofá e fazia nós tocarmos.
Então, ele realmente gostava, apreciava aquilo que a gente fazia. Acho que isso também
foi dando um incentivo pra nós continuarmos, essa questão até de fazer algo que agrade,
mas ao mesmo tempo ter gosto pela música. (Entrevista em 29/09/2012).

Em paralelo às atividades musicais em casa, Monica foi sendo iniciada nas atividades
musicais da Igreja, acompanhando os pais nos cultos e retiros. Em um destes retiros, começou a
aprender informalmente violão, com o amigo Marcelo. A partir daí foi participando de forma mais
ativa dos grupos musicais que tocavam nas celebrações.

A gente começou devagarzinho. Foi com o Marcelo, filho de outro pastor da Argentina
que veio pra cá. Ele também tinha 8 anos e tocava violão. A gente tinha um retiro de
jovens e o pai dele veio ser o preletor desse retiro. Nós não éramos jovens, mas a gente
estava junto como filhos dos pastores. Lembro muito bem que ele me ensinou violão.
Hoje ele é um músico renomado na Argentina e me ensinou as primeiras notas, como lá,
ré. A gente tocava alguns cânticos juntos na Igreja. Todos os alunos tocavam e a gente
também começou a tocar. Então, a gente errava na hora das posições, mas foi a forma
de começar, foi a forma de criar coragem e começar a tocar. (Entrevista em 29/09/2012).

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O Marcelo é um dos personagens (Pollak, 1992) que fazem parte das memórias de Monica.
Ao lembrar-se de sua iniciação musical, Monica dá destaque à presença desse amigo por ter
vivido situações marcantes com ele. Além de ensinar-lhe violão, foi com o Marcelo que veio
a “coragem” e talvez o estímulo que faltava para que tocasse na Igreja, afinal, participar de
um grupo musical com pessoas da mesma idade acaba sendo uma experiência prazerosa e
motivadora. Aos poucos, mesmo sozinha, a Igreja foi tornando-se um espaço de fazer musical
para Monica. “Depois, começou aquela questão da gente ser jogado na água: de repente, eu
estava sozinha, só eu sabendo tocar violão: ‘Vai lá, Monica, tu sabe tocar, então tem que tocar.’”
(Entrevista em 29/09/2012). Mais tarde, já frequentando aulas de piano, Monica recorda de como
foram as primeiras vezes que acompanhou os cantos na Igreja.

Lembro até hoje de quando comecei a tocar piano, com a primeira música, supersimples,
bem fácil, e todo o pessoal ia cantando atrás de mim. [O piano] era o acompanhamento,
mas, de certa forma, eles que me acompanhavam, porque eu tinha que ver a questão
da velocidade, não sabia ainda o que fazia, quando errava uma nota, por exemplo, se
voltava ou não voltava. […] Hoje, a gente percebe que foi o que incentivou a continuar. O
apoio das pessoas quando percebia que a gente conseguia tocar, o pessoal cantando
e você acompanhando junto, acho que isso é um sentimento muito bom para mim. É o
que recordo, tanto que toco até hoje na Igreja e isso é bom. (Entrevista em 29/09/2012).

A Igreja, assim como a família, além de ser um espaço de prática musical, se constituiu
em um importante contexto de motivação e de significação das aprendizagens musicais. Fazia
sentido estudar e aprender música com o objetivo de tocar na Igreja. A partir de sua experiência
como professora e das reflexões que vão ocorrendo ao longo da narrativa, Monica percebe esse
aspecto tanto em sua trajetória quanto na de outros alunos que conheceu.

Creio que foi importante o fato de estar estudando música e ter aonde aplicar a música,
saber por que estava estudando música. Também noto bastante nos alunos particulares
que quando eles só tocam por tocar, sem ter um “porquê” [para] tocar, muitas vezes não
estudam tanto como quando dizem: “tenho que tocar na igreja”, “tenho que tocar na
catequese”, “tenho que tocar não sei aonde”, “tenho um motivo de tocar”. (Entrevista em
29/09/2012).

Posteriormente, as primeiras atividades relacionadas à docência em música também se


desenvolveram em torno das atividades religiosas. Podemos dizer que na trajetória de Monica,
assim como de inúmeros músicos e educadores musicais, a Igreja e a família se mostram como
os primeiros espaços de prática musical e de motivação para aprender música.

as aulas de A partir das aprendizagens iniciais, em contextos não formais, na família, na Igreja, com a
música – do mãe e com os amigos, Monica iniciou as aulas de piano aos 12 anos de idade. Foi nessas aulas
que estudou teoria musical, conheceu repertório específico para piano, trabalhou habilidades
piano ao
técnicas do instrumento e também teve contato com um grande modelo docente, a professora
bacharelado Hariet.
em música
sacra Com 12 anos, isso eu recordo bem, estava na sétima série e fui autorizada a ir para Ijuí
de ônibus para aula de piano. Então eu ia de tarde, uma vez por semana, na professora
Hariet, que até hoje dá aulas de música. Iniciei minhas primeiras aulas e, por mais que já

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Memórias de formação musical e construção docente de Monica Pinz Alves

soubesse algumas coisas, o que a profe ensinou era melhor do que aquilo que as minhas
irmãs tinham ensinado. Então, de certa forma, foi ali, formalmente, que comecei. Foram
praticamente seis anos que estudei com ela. (Entrevista em 29/09/2012).

Nas lembranças referentes à professora Hariet, aparecem memórias ligadas ao espaço no


qual ocorriam as aulas de piano, ou seja, a casa da professora, os móveis, a presença dos filhos
e a maneira como isso influenciava no andamento das aulas. Esse “lugar de memória” (Pollak,
1992) é descrito com detalhes na narrativa.

Era uma casa antiga e bem escura, e ela também não abria aquela janela, não sei por
quê. Então, a gente só tinha a luz da porta pra ter aula. E atrás tinha um armário enorme,
onde ela tinha a televisão. As crianças ficavam assistindo TV enquanto a gente tinha aula.
Então era o piano, o sofá, e daí ia pra casa dela, para os quartos, tinha um banheiro.
(Entrevista em 24/11/2012).

Lugares de memória, como a sala e a casa da professora, fazem parte das lembranças
de formação de muitos estudantes. Conforme a pesquisa de Bozzetto (2004), é frequente a
utilização da própria residência do professor como espaço para as aulas de piano, sendo que a
presença dos filhos, as características peculiares relacionadas à mobília, aos cômodos da casa
podem imprimir marcas na memória dos alunos.
Sobre a metodologia das aulas, a narrativa de Monica mostra um ensino sistemático,
baseado em um repertório tradicional de música erudita, dentro de uma sequência de obras
e estudos com ênfase na técnica, característicos do ensino conservatorial. “Tinha sempre uma
mesma ordem, escala, depois vinha o Hannon, depois tinha o Czerny, depois do Czerny nós
tínhamos Bach e depois do Bach, tínhamos uma peça, uma sonata, e foi indo.” (Entrevista em
29/09/2012). Conforme Penna (2003) o ensino conservatorial perpetua uma tradição resistente
a transformações, onde “mantém-se o direcionamento do ensino de música para o domínio da
leitura e escrita musicais, em função da prática de instrumentos tradicionais” (Penna, 2003, p. 73).
Apesar do trabalho sistemático a partir de métodos e repertório tradicionais, a professora
Hariet valorizava a prática musical de Monica na Igreja e abria espaço em suas aulas para tratar
de repertório religioso. “Nas peças musicais, sempre fazia também um arranjo evangélico, pois
ela deixava e incentivava a tocar os hinos do Cantor Cristão, que é o hinário que a gente usa na
Igreja, porque sabia que eu estava aprendendo para tocar na Igreja.” (Entrevista em 29/09/2012).
Essa flexibilidade possivelmente contribuiu para manter o interesse de Monica pelo estudo,
tornando-o mais próximo das atividades musicais externas às aulas, ligadas ao fazer musical em
grupo na Igreja.
Outras memórias relacionadas às aulas mostram um estudo baseado na repetição. As
orientações da professora para a execução das peças em aula e para o estudo em casa eram
anotadas em um caderno. Hoje, Monica percebe como positivo este estudo sistematizado que
teve com a professora Hariet, pois “como adolescente, não tinha muita noção que precisava
estudar bastante, repetir muitas vezes. Então, se eu ia lá repetir cinco vezes porque estava escrito,
eu realmente fazia e acabava chegando ao resultado que esperava.” (Entrevista em 24/11/2012).
Após interromper as aulas com a professora Hariet para ingressar no bacharelado em
música sacra, Monica teve outros professores de piano. No entanto, a “primeira referência
sempre foi ela [Hariet]. Aquilo que aprendi com ela acabou ficando.” (Entrevista em 29/09/2012).
Durante a graduação, Monica estudou com três professores de piano, buscando uma referência
que trabalhasse de maneira próxima à de sua primeira professora. Essa identificação de Monica

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com a proposta da professora Hariet mostra que essa forma sistemática de trabalho, muitas
vezes criticada por sua rigidez, pode funcionar com alguns alunos, revelando que nem sempre
um ensino mais livre, menos rígido, vai ao encontro das necessidades dos estudantes.
As aprendizagens musicais com a professora Hariet tiveram grande influência tanto na
opção de Monica por cursar uma graduação na área quanto em suas práticas docentes como
professora de música. Por mais que vivenciasse outras aprendizagens e modelos de atuação
durante a graduação, a experiência como aluna de Hariet, especialmente em virtude dos
resultados positivos, ficou enraizada com intensidade, consistindo essa em uma das principais
referências docentes para Monica.

Diferentemente do que se poderia supor, tais experiências não desaparecem da história


do sujeito. Embora pouco visíveis, pode-se dizer que, de algum modo, permanecem vivas
e atuantes ao longo da formação, dando suporte às relações que paulatinamente o aluno,
mais tarde, professor, acaba por estabelecer com a escola e com o conhecimento ao
longo da vida. (Catani; Bueno; Sousa, 2000, p. 13).

No ensino de instrumento, possivelmente a influência de modelos docentes adquira


proporções ainda maiores, pois os cursos de música, em geral, não priorizam uma formação
para essa atividade profissional, que acaba sendo exercida tanto por bacharéis quanto por
licenciados. A formação do professor de instrumento se dá num entrelaçamento entre as
habilidades de performance e de docência, muitas vezes construída a partir das experiências
que teve como aluno e que vai vivenciando enquanto professor, percebendo o que possibilita
melhores resultados para cada contexto e cada aluno. A primeira professora de piano de Monica
é uma personagem (Pollak, 1992) marcante em suas memórias de iniciação musical e em seu
processo de formação, aparecendo de modo marcante em suas lembranças, diferentemente
de outros professores que teve ao estudar flauta, saxofone e outros instrumentos durante a
graduação.

o início da As experiências de Monica enquanto professora de música, assim como ocorre com
outros alunos que ingressam em cursos na área, iniciaram antes da graduação. Mesmo tendo
carreira
aprendido violão com um amigo e ampliado as habilidades no instrumento de forma autodidata,
docente
a falta de profissionais para ensinar o instrumento no município de Augusto Pestana, região na
qual a cultura musical ainda hoje possui um espaço tímido, fez com que Monica fosse procurada
por alunos até de outros municípios para dar aulas. Além das aulas de violão, também trabalhou
com corais infantis ligados à Igreja. As experiências anteriores à graduação influenciaram,
possivelmente, na realização de um curso superior de música.
Durante a graduação, Monica também desenvolveu atividades de docência em música,
especialmente de regência coral, as quais se constituíram como fundamentais em sua formação,
possibilitando uma conexão entre saberes aprendidos na academia e prática docente. Conta que
quando começou a trabalhar com um grupo coral, na cidade de Campo Largo (RS), “não tinha
muita noção, ainda estava crua, começando com regência. Ainda não tinha tido nenhuma base
de regência. Para mim isso foi bom, foi uma escola.” (Entrevista em 29/09/2012).
Considerando os múltiplos espaços de atuação de um professor de música, os quais
compreendem desde a educação básica até a regência de grupos, o trabalho em projetos
sociais, as aulas particulares de instrumento, a musicalização para bebês, e até mesmo o

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Memórias de formação musical e construção docente de Monica Pinz Alves

trabalho com idosos, fica claro que um curso de graduação não prepara o futuro professor
para essa diversidade de situações, isso porque as graduações apresentam limites formativos
e porque um curso não consegue prever todas as situações que o professor encontrará ao
longo da profissão (Mizukami, 2008). As experiências de atuação, portanto, potencializam o
processo de aprendizagem da docência, possibilitando uma aproximação entre teoria e prática,
direcionando as aprendizagens aos contextos de atuação que são de interesse de cada professor
e proporcionando cruzamentos entre o que sabemos e o que ensinamos de música, entre o que
entendemos sobre ser professor e o professor que conseguimos ser. Visto que o curso de Monica
era na modalidade de bacharelado, essas experiências tiveram uma importância pedagógica
ainda maior. As vivências enquanto regente de coral e professora de música produziram
acontecimentos marcantes (Pollak, 1992), como o concerto de sua formatura, no qual regeu
cinco grupos corais com diferentes formações.
A partir do ano de 1996, Monica regressou à Augusto Pestana, criando a Escola de Música
Beethoven e atuando também no município de Ajuricaba. Os desafios dessa fase da carreira
foram diversos e foi na atuação e na reflexão que Monica se construiu enquanto professora.

Acho que o maior desafio foi me constituir como professora. Eu sabia o que queria dos
meus alunos, o que queria ensinar para eles. […] Outra lacuna que ficou do meu curso foi
a questão da preparação de metodologias, como preparar uma aula, como dar essa aula.
Por exemplo, aqui não existia piano. Ninguém tinha piano aqui pra eu dar aula, entende?
Então tinha que ser teclado. Eu não tinha aprendido teclado, tinha feito órgão eletrônico
e tive que fazer essa transição, daquilo que sabia de piano e de órgão para o teclado
e ao mesmo tempo me definir como professora. Lembro de ir atrás das partituras, por
exemplo, naqueles primeiros anos. Recordo-me que foi um dos meus desafios, tanto que
montei três ou quatro apostilas. (Entrevista em 29/09/2012).

A atuação dessa professora teve um papel fundamental para que crianças e jovens que
seguiram a carreira musical em bandas da região ou chegaram à graduação em música tivessem
a oportunidade de aprender um instrumento. Estudantes dos pequenos municípios da região,
basicamente rurais, procuravam a professora, visto que Monica era uma das poucas pessoas
com formação em música a ensinar uma variedade de instrumentos, dentre eles, flauta doce e
transversal, teclado, piano, violão, saxofone.

Era uma época que eu trabalhava bastante. Tinha mais de cem alunos. Eram muitos
alunos! Tanto que era de segunda a sexta dando aula de música e todas as noites eu
tinha um coral. Tinha cinco corais diferentes e cada coral era em uma cidade e tinha
aula de canto e técnica. Era uma época muito boa, que realmente o pessoal procurava.
(Entrevista em 29/09/2012).

Muitas características de Monica, enquanto professora, remontam ao modelo docente


de Hariet. Por outro lado, a preocupação em atender as necessidades dos alunos, o carisma
e a musicalidade da professora marcaram inúmeros alunos. A partir da narrativa, é possível
perceber a importância do professor na vida dos alunos, sendo que sua atuação pode marcar,
positivamente ou não, a vida e as escolhas futuras dos estudantes.

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Anezi, Franciele Maria; Garbosa, Luciane Wilke Freitas

considerações Os registros de memória apresentados ao longo deste artigo trouxeram as vivências


finais e aprendizagens que tornaram Monica professora de música, cativando e marcando as
aprendizagens de seus alunos. Dessa trajetória, a iniciação musical ligada à família e à Igreja,
as aprendizagens nas aulas de piano e junto à primeira professora, além das atividades iniciais
relacionadas à docência em música nos permitem compreender e refletir sobre as relações
plurais que atravessam nossas vidas e nos constituem. As primeiras experiências formativas,
cujo processo se inicia ainda na infância, se perpetuando ao longo da vida, têm reflexos nas
aprendizagens e na construção da pessoa e do ser professor. Família, igreja, escola, universidade,
professores, colegas, alunos, são assim instâncias e personagens que nos constituem e nos
definem enquanto professores.
O processo formativo de uma pessoa supõe trocas, experiências, interações entre pares,
em perspectiva individual e coletiva. Cada professor guarda um percurso de formação marcado
por lembranças pessoais, carregadas de significados, que refletem épocas e espaços nos quais
se situam e nos permitem compreender o presente e sua atuação profissional.
A construção docente é marcada, sobretudo, pelas memórias referentes às primeiras
experiências como professora, as quais ocorrem antes, depois e ao longo da escolarização e da
formação superior. Os desafios e a pluralidade dos contextos e situações de educação musical
fazem parte dessa formação, sendo tratados a partir dos modelos, experiências e referenciais
que guardamos de nossa trajetória. Assim, narrar e refletir sobre o próprio percurso de formação
também desencadeia novas reflexões para quem conta, possibilitando que se situe a experiência
pessoal na prática pedagógica. Conforme Abrahão (2010, p. 192), as narrativas (auto)biográficas
assumem um caráter formador por possibilitarem aos indivíduos reflexões sobre suas vivências,
fazendo com que adquiram o status de experiência. Por fim, as influências dos professores que
tivemos mostram as implicações que um modelo docente pode trazer para a vida dos alunos,
seja através de posturas, relações, vivências, práticas, escolhas ou palavras.
As narrativas de formação de professores que viveram em diferentes momentos históricos
trazem perspectivas únicas, fazendo parte da história de um tempo. O registro dessa história
individual também se torna significativo à medida que possui a potencialidade de articular-se a
trabalhos semelhantes e contribuir para a compreensão de diferentes épocas, metodologias e
contextos de educação musical. Compartilhar essas trajetórias nos conduz a importantes reflexões
sobre situações de educação musical e formação para a docência, mostrando potencialidades
das pesquisas (auto)biográficas. O uso da narrativa oral, e, nesse sentido, de fontes menos
tradicionais nas pesquisas acadêmicas, tem possibilitado uma outra compreensão das práticas
educativas, assinalando testemunhos das relações tecidas nos processos de escolarização
e contribuindo para reflexões, para a formação de novos educadores e para a construção de
uma outra história da educação musical no Brasil, marcada pela perspectiva daqueles que a
vivenciaram.

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Aprendizagem da docência: um
estudo com professores de música
da educação básica
Learning of teaching: a study with music teachers of basic education

Tamar Genz Gaulke Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tamargenzgaulke@hotmail.com

resumo Este artigo é um recorte de uma dissertação de mestrado1 que teve como objetivo
geral compreender como se aprende a ensinar música na educação básica. A visão
conceitual de aprendizagem e de docência de Josso, Delory-Momberger e Nóvoa,
bem como as narrativas de formação, constituíram o referencial teórico-metodológico.
Os resultados sinalizam que, para aprender a docência, o professor precisa integrar-
se à escola e aprender o saber-fazer, que inclui tanto o ensinar quanto o ensinar para
fazer aprender. A construção da docência de música de cada professor aprendente
acontece num tempo e num espaço, docência que é única na sua singularidade, mas
faz parte da pluralidade de uma categoria profissional.

Palavras-chave: aprendizagem da docência de música, música e educação


básica, narrativas

abstract This paper is an excerpt from a dissertation that aimed at to understanding how
one learns to teach music in basic education. The theoretical and methodological
framework was based on the conceptual view of learning and teaching of Josso, Delory-
Momberger and Nóvoa, as well as the narratives of formation. The results indicate that,
in order to learn how to teach, the teacher needs to integrate him/herself to the school
and learn the know-how, which includes both teaching and to make students learn. The
process of learning to teach music of each teacher depends upon time and space.
Each teacher´s way of teaching is unique in its uniqueness, but part of the plurality of
a professional category as well.

KEYWORDS: learning to teach music, music and basic education, narratives


1. Dissertação
desenvolvida no
Programa de Pós-
Graduação em Música da
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, sob
orientação da Profa. Dra.
Luciana Del-Ben, com
bolsa CNPq.

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Gaulke, Tamar Genz

O
introdução interesse em pesquisar a aprendizagem da docência de música remete ao momento em que
comecei a atuar profissionalmente como professora de música em uma escola de educação
ao tema,
básica. Na prática percebi que somente os conhecimentos que construía no curso de licenciatura
objetivos e não me bastavam para atuar na sala de aula. Sentia, a cada aula, que compreendia algo mais, era
revisão de simplesmente algo que se dava naquele momento em que eu aprendia na prática com as crianças.
literatura Percebi que a formação acadêmica inicial é, como o próprio termo indica, somente uma etapa da
construção da docência, uma etapa importante, mas não suficiente.

Esses questionamentos, aliados à revisão de literatura que apresento a seguir, me levaram


a definir como objetivo geral do trabalho compreender como se aprende a ensinar música na
educação básica. Como objetivos específicos busquei compreender como o professor iniciante
lida com as dimensões dos fenômenos educativo-musicais escolares; entender como o professor
iniciante lida com os sujeitos escolares em seu trabalho diário; e identificar quais são as principais
dificuldades e desafios que o professor iniciante enfrenta.

Ao buscar, na literatura de educação musical, referências sobre a aprendizagem da docência


de música, percebi que são diversas as maneiras de entender a construção da docência. Hentschke,
Azevedo e Araújo (2006, p. 51) fundamentam-se, principalmente, nos estudos sobre os saberes
que constituem a profissão de professor, entendidos como “uma diversidade de conhecimentos,
competências e habilidades que caracterizam e devem ser inerentes ao profissional professor”.

Dentro dos saberes docentes, a categoria dos saberes experienciais está envolvida
diretamente com a prática da profissão, isto é, com a atuação como professor, que é destacada
no estudo de Carvalho e Joly (2003). Para as autoras, a aprendizagem da docência, inicialmente,
está “alicerçada em dois aspectos: os modelos de outros professores e a experiência do próprio
professor” (Carvalho; Joly, 2003, p. 458).

Também nessa perspectiva, ganha destaque o estágio. Diretamente vinculado aos saberes
experienciais, o estágio revela-se como local de articulação e mobilização de saberes docentes
(Azevedo; Hentschke, 2005; Cereser, 2003; Mateiro, 2009); é uma situação que prioriza a
aprendizagem na prática por representar um exercício do ser docente.

Outros autores, como Bellochio e Beineke (2005), entendem a construção da docência através
do conhecimento prático. A construção do conhecimento prático está vinculada às vivências do
profissional, “o que mostra a importância de se ter uma postura reflexiva, que considere a própria
ação educativa e as experiências fora do ambiente escolar como pressupostos importantes
na constituição da prática educativa” (Bellochio; Beineke, 2005, p. 2). Nessa perspectiva, a
construção da docência é entendida como aprender na prática, aprender fazendo.

Uma outra maneira de entender a construção da docência ocorre pela via do conceito de
identidades profissionais. Para autores como Torres (2004), Louro, Schwan e Rapôso (2007) e
Vieira (2008), os professores, ou futuros professores, constroem sua identidade na aprendizagem
de valores, crenças e formas de ver o mundo, referentes à cultura a que pertencem. O conceito
de identidade abrange os modos de compreensão e representação da educação musical nas
práticas pedagógicas do professor.

Há, ainda, a perspectiva que busca entender a construção da docência a partir de um processo
de vir a ser, de tornar-se professor (Abreu, 2010, 2011; Scarambone, 2007). Nessa perspectiva,
Abreu (2010, p. 7) faz uso do conceito de profissionalização docente, que é compreendida e
fundamentada “na articulação entre os saberes docentes e na busca pelo reconhecimento social

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Aprendizagem da docência: um estudo com professores de música da educação básica

dos indivíduos em seus contextos”. A aprendizagem é um processo constante, perpassando a


vida toda, e se torna um intenso vir a ser.

A revisão sinaliza que são diversas as formas de entender e investigar a construção da


docência. Entretanto, ainda são escassas as publicações que tratam da atuação inicial do
professor de música na escola de educação básica de modo a compreender o aprender a ser
professor, ou, dito de outro modo, a aprendizagem da docência de música na educação básica.

Ao buscar conhecer o professor iniciante, é importante lembrar que a literatura sustenta a


ideia de que os professores estão em contínuo desenvolvimento, isto é, sempre aprendem. Para
García (1995, p. 55), deve haver um constante “desenvolvimento profissional do professor”, que
ocorrerá, principalmente, quando o professor estiver na prática em sala de aula. Há, no entanto,
tentativas de melhor compreender esse processo contínuo por meio da identificação de fases ou
momentos específicos.

Das fases da docência, García (1995, p. 66) comenta sobre a fase da “iniciação profissional”,
que “compreende os primeiros anos de docência e denomina-se período de iniciação ao ensino”.
Já Huberman (1995), um dos estudiosos sobre o ciclo de vida profissional do professor, divide esse
ciclo em cinco fases: 1ª) entrada na carreira; 2ª) fase de estabilização; 3ª) fase da diversificação;
4ª) fase da serenidade; 5ª) fase do desinvestimento.

Campbell, Thompson e Barret (2010) apresentam outras fases de desenvolvimento do


professor. Destacam que, na maioria das vezes, a carreira é caracterizada pelas seguintes fases:
pré-universitário, pré-serviço ou anos de faculdade, ano de indução, ano profissional e maturidade
profissional e descanso. No entanto, o desenvolvimento profissional do professor é bastante
singular. Para os autores, se olharmos para cada professor, poderemos discernir várias fases
distintas de crescimento e mudança.

Também na área de educação os pesquisadores têm diferentes maneiras de entender a


construção da docência. Essas maneiras diferenciam-se pelo uso de termos ou formulação
de conceitos. Nóvoa (1995; 2000) entende a construção da docência a partir do processo de
construção do ser professor, ou, ainda, pelo termo “tornar-se professor” por meio da prática, o
que condiz com as ideias de Gimeno Sacristán (1995) e Pérez Gómez (1998). Encontrei, ainda,
a expressão “aprendizagem da docência” (Bolzan; Isaia, 2006; Isaia 2006), que define o período
inicial de atuação na sala de aula, o momento de inserção na prática profissional. A aprendizagem
da docência é definida por Isaia (2006, p. 377) como um

[…] processo interpessoal e intrapessoal que envolve a apropriação de conhecimentos,


saberes e fazeres próprios ao magistério […] que estão vinculados à realidade concreta da
atividade docente em seus diversos campos de atuação e em seus respectivos domínios.

A aprendizagem da docência traduz-se numa construção constante no aprender na/da


prática na escola, na situação de sala de aula e da interação com pessoas. É construída por meio
da relação professor-aluno, que ocorre em uma determinada sala de aula, de uma determinada
escola, que segue uma política própria, possui recursos, tempos e espaços específicos, com
determinados alunos e colegas professores. Por esses fatores que determinam um caso, a
aprendizagem da docência torna-se única.

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Gaulke, Tamar Genz

pressupostos Para construir minha compreensão do significado da palavra aprendizagem, busquei,


teórico- inicialmente, uma definição geral. Segundo o dicionário Michaelis, aprendizagem significa:

metodológicos
1 Ação de aprender qualquer ofício, arte ou ciência. 2 O tempo gasto para aprender
uma arte ou ofício. 3 Psicol. Denominação geral dada a mudanças permanentes de
comportamento como resultado de treino ou experiência anterior; processo pelo qual se
adquirem essas mudanças. (Aprendizagem, 2009).

Partindo dessas definições, é possível perceber que a aprendizagem está diretamente


ligada a algum tipo de prática. Ela é também um processo pelo qual se adquirem mudanças de
comportamento do professor, através de exercício somado às experiências anteriores. A prática
docente inicial é, prioritariamente, um exercício imbuído das experiências adquiridas ao longo da
vida e da formação acadêmica.

Para Josso (2010, p. 35, grifo da autora), “Formar-se é integrar numa prática o saber-fazer
e os conhecimentos, na pluralidade de registros […] (o psicológico, o psicossociológico, o
sociológico, o político, o cultural e o econômico). Aprender designa, então, mais especificamente,
o próprio processo de integração.” A aprendizagem da docência, como processo de aprender a
ser professor na prática, é um formar-se, ou, ainda, uma produção de si mesmo como docente.

Compreendo, então, que aprendizagem da docência é ação e tempo do processo de


integrar na prática o saber-fazer com o conhecimento, o que envolve constantes mudanças
num contexto específico e por meio da interação pessoal. O processo de construção do sujeito
(no ponto de vista de quem busca compreender o professor aprendente) ocorrerá na sucessão
de tempo, prática e reflexão do aprendente, não necessariamente de modo consciente, mas
que, através das experiências, interligue-se como sujeito ao seu jeito. Em outras palavras, um
processo em que o aprendente torna-se um sujeito com suas individualidades, sua história, seus
modos de ser, pensar e agir, próprios do seu jeito de ser docente.

Os caminhos metodológicos utilizados na pesquisa foram a pesquisa (auto)biográfica e as


narrativas. Delory-Momberger (2008, p. 37, grifo da autora) traz como princípio básico a ideia de que:

É a narrativa que faz de nós o próprio personagem de nossa vida; é ela, enfim, que dá
uma história a nossa vida: não fazemos a narrativa de nossa vida porque temos uma
história; temos uma história porque fazemos narrativa de nossa vida.

Alguns estudos biográficos trabalham com “narrativas de formação”, que não remetem à
formação acadêmica, mas, sim, à formação do indivíduo até o que ele é agora. O aprender
remete ao formar-se, à aprendizagem como formação do sujeito, essa que o fez chegar a ser o
que é. A narrativa de formação tem como objetivo principal falar da experiência de formação e
apresentar um segmento da vida: aquele durante o qual o indivíduo esteve implicado num projeto
de formação.

As narrativas de formação realizadas neste trabalho foram entrevistas narrativas individuais


que, entendidas a partir de Delory-Momberger (2012), advinham de professores narrando suas
histórias em andamento, em que a “narrativa de formação” serviu, principalmente, como matriz
de interpretação e de projeção e não como modelo de reconstrução da existência. Foram

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Aprendizagem da docência: um estudo com professores de música da educação básica

selecionados oito professores atuantes em escolas públicas municipais de educação básica de


Porto Alegre, licenciados em música e com até três anos de docência de música.

Os professores foram solicitados a narrar suas experiências de aprendizagem docente a


partir de um roteiro de perguntas amplas, que tinha a função de convidar o professor a narrar
suas experiências. Após as perguntas iniciais, que buscaram informações pessoais e de caráter
funcional dos professores, introduzi uma pergunta geradora da narrativa principal e, depois,
segui um roteiro de perguntas que auxiliavam os professores na lembrança da sua chegada e
inserção na escola.

“As histórias de vida explicitam e tornam visíveis (para si mesmo e para outros) o conjunto
de percepções, interesses, dúvidas, orientações, marcos e circunstâncias que influenciaram e
configuraram, de modo significativo, como a pessoa é e como age.” (Bolívar, 2007, p. 13). As
narrativas dos professores aprendentes mostraram-se como uma construção e reconstrução
do aprender a ser professor. O desenvolvimento das entrevistas ocorreu pela condução dos
professores aprendentes quanto aos acontecimentos narrados, mas, também, a partir da minha
condução como entrevistadora, em que assumi o papel de auxiliar que a narrativa desse processo
formativo viesse à tona.

A primeira etapa da análise dos dados consistiu em releituras das narrativas a partir das
quais procurei fazer um tipo de codificação embasada nos princípios da teoria fundamentada
apresentados por Strauss e Corbin (2008) e Charmaz (2009), com o objetivo de fazer emergir,
dos dados, acontecimentos pertinentes à problemática. Com o cuidado de não fragmentar a vida
dos sujeitos, mas, ao mesmo tempo, procurando relacionar as narrativas umas com as outras,
percebi, durante a análise, uma trama no processo de aprendizagem da docência, que definiu o
rumo da escrita da minha narrativa, a partir da minha experiência com os dados.

A trama que conduz a narrativa deste trabalho parte da construção de uma história com
muitas histórias. A trama, que apresento a seguir, parece ter uma sequência ou sugerir que a
aprendizagem ocorre em etapas; porém, minha intenção não foi determinar etapas, mas, sim,
contar uma história, a partir das narrativas dos sujeitos, com o objetivo de dar uma inteligibilidade
ao processo de aprendizagem docente que foi evidenciado pelas narrativas.

A trama inicia a partir da chegada dos professores de música na escola de educação integrar-se
básica. Inserindo-se na escola, eles precisam conhecer o lugar e se assumir como professores.
à escola de
A inserção na escola é um dos momentos mais difíceis da entrada na carreira docente (Nóvoa,
educação
2009). O momento em que o professor insere-se na escola, no ambiente de trabalho, mexe com
o sentimento de tornar-se um profissional, “o professor de música da escola”. Além de carregar
básica
o peso da nova responsabilidade, esse cargo faz com que o professor passe a participar de um
determinado grupo profissional, da categoria docente, ou seja, da profissão de professor.

Nóvoa (2009) trata a inserção na profissão como um processo de integrar-se à cultura


profissional docente, que, através das comunidades de prática, reforça um sentimento de
pertença e de identidade profissional. Os professores iniciantes na escola de educação básica
procuram, como meio de segurança e conforto, o apoio e a parceria dos professores mais
antigos. Contudo, percebem que, mesmo tendo parcerias dentro da escola, eles continuam
sendo os principiantes, ou, como Cláudio contou: “[…] o novato. E aí você começando uma

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Gaulke, Tamar Genz

coisa nova. Então, a relação com os professores é isto, você é o novato. Você é aquele que não
sabe, aquele que está começando etc. e tal.”

A narrativa de José também destaca o sentimento de ser novo na escola:

[…] A maioria das coisas são difíceis, né? São difíceis porque a gente tá começando a
atuar, tudo é novo. Então é uma quebra de paradigmas, todo dia você tenta, puxa daqui,
puxa dali, traz um material, traz outro, traz um filme […]. Então é difícil. Eu gostaria de,
sinceramente, falar uma coisa que foi fácil. Até chegar aqui, até chegar aqui na escola,
descobrir onde é, não foi fácil [risos].

Os aprendentes precisam conhecer o funcionamento e as condições materiais da escola


para poder nela trabalhar. Eles percebem que, para sua atuação em sala de aula, não terão algum
tutor que os acompanhe. A partir disso, precisam assumir suas responsabilidades e atribuições
como professores de música, pois, afinal, são professores concursados e não mais estagiários
ou alunos.

Os professores percebem que o professor novo é colocado na escola sem ter orientações
iniciais sobre a profissão e precisa buscar aprender. Cada professor lida de uma maneira com
a estrutura organizacional da escola; cada um ressalta um aspecto do seu funcionamento, mas
todos destacam a necessidade de conhecer normas, rotinas e procedimentos adotados pelas
escolas, com os quais terão que lidar, de uma forma ou de outra.

Os professores aprendentes já conheciam a escola – como alunos que passaram pelo


processo de escolarização e como estagiários do curso de licenciatura, mas, como professores
concursados, precisam conhecer a escola de uma nova perspectiva: suas rotinas e normas
organizacionais, suas condições materiais, seus alunos. Mais que isso, eles precisam assumir
suas responsabilidades na escola de educação básica e reconhecer que não são mais alunos,
nem estagiários, mas, sim, professores de música, como relatou João.

Foi assim: na verdade, eu acho que a escola pegou e: “Olha… aqui são as aulas que tu
dá, a sala é essa, vai, te vira.” Sabe? Eu não me senti muito… Bom, bem ou mal é um
cara, não é um estagiário, é um cara, digamos entre aspas, que passou no concurso. É
formado então, né?

A formação acadêmica faz parte da construção da docência, mas é na prática que o


professor vai sentir e perceber como realmente é a profissão, vai sentir o cansaço, o estresse, as
dúvidas, o prazer e as alegrias. “É inegável que a investigação científica em educação tem uma
missão indispensável a cumprir, mas a formação de um professor encerra uma complexidade
que só se obtém a partir da integração numa cultura profissional” (Nóvoa, 2009, p. 6), a partir da
prática em sala de aula, do aprender o saber-fazer.

aprender o Os professores aprendentes sinalizam reconhecer suas responsabilidades na escola,


saber-fazer: sendo a principal delas ensinar. Eles buscam aprender o saber-fazer cada um com o seu jeito.
ensinar Josso (2010), referindo-se à dialética do conhecido/desconhecido, auxiliou-me na compreensão
da adaptação necessária para administrar o que é novo ou desconhecido.

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Aprendizagem da docência: um estudo com professores de música da educação básica

[…] a relação entre o processo de aprendizagem e o processo de conhecimento


permite atualizar ao mesmo tempo os recursos e as resistências afetivo-cognitivas em
torno da dialética conhecido/desconhecido. Em particular, as dificuldades de reajustes
epistemológicos e pragmáticos necessários para a nova aprendizagem, pois ela obriga,
por um lado, a desaprender o que tinha sido precedentemente integrado e, por outro, a
recompor uma coerência existencial. (Josso, 2010, p. 108-109).

Preocupados em construir seu saber-fazer, os professores buscam referências nas suas


experiências anteriores. Além de alunos e estagiários, também já foram professores e é a essas
experiências anteriores que eles recorrem para aprender o saber-fazer. Jorge se lembra de
influências de experiências anteriores de suas aulas de música quando aluno da escola regular:
“[…] volta e meia eu me lembro da referência de ter aula de música da Tia Zenia, que era minha
professora […] quando estudava na 2ª série. […] E eu me lembro da gente aprendendo o hino
nacional brasileiro, e […] o jeito que ela estava nos ensinando.” As experiências revisitadas, a
partir das narrativas, são importantes, mas não suficientes.

Como o espaço de atuação é outro, os professores percebem que é preciso reconfigurar


e reconstruir essas experiências. Santos demonstrou estar consciente das diferenças de uma
escola específica de música para uma escola de educação básica. Ele percebe a diferença de
formato de aula e das turmas e a diferença de trabalho nesses dois contextos, por isso, sabe que
as aulas serão diferentes e que terá que reconfigurar suas experiências anteriores para atuar na
educação básica.

As mudanças demandadas pelo diferente espaço de atuação do professor de música


envolvem um movimento de refletir sobre o passado, repensar o presente e projetar o futuro. Os
professores, a partir de suas narrativas, fazem esse movimento e mostram como as mudanças
de status profissional (Delory-Momberger, 2012) interferem no seu jeito de ser professor. A
aprendizagem da docência compreende várias mudanças que levam o professor a aprender o
saber-fazer e a construir-se como docente.

Os professores aprendentes, a partir do momento em que se inserem na escola de


educação básica, precisam lidar com muitas situações novas ou desconhecidas. Eles contaram
diferentes maneiras que buscam para cumprir o que García (2008) denomina como “tarefas” dos
professores iniciantes e superar dificuldades. Para João, por exemplo, foi importante observar
e conversar com os outros colegas professores: “Uma coisa que tá sendo legal pra mim, eu tô
pegando meus blocos vagos e, conversei com os professores, e tô observando eles, como um
estagiário ali, digamos […].”

Ter clareza dos seus princípios, observar e conversar com os colegas, recorrer a leituras
e materiais didáticos são estratégias usadas pelos professores para lidar com uma “realidade
totalmente nova”, como disse Santos, e para ampliar seu repertório docente (García, 2008).

Uma dificuldade relatada por vários professores em relação ao início do processo de


aprender a ensinar música na educação básica foi a necessidade de assumir a tarefa de planejar,
isto é, decidir o que e como ensinar naquele contexto específico. Lorenzo lamenta a “falta de um
norte”, que pudesse orientar seu trabalho:

[…] como eu te disse, como a gente está livre pra fazer uma atividade, e isso é bom, tu
também, quando tu está entrando, tu não tem muita ideia do que fazer, de como fazer, de
que linha seguir. […] Então, falta de um norte, de como fazer e o que fazer […].

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Gaulke, Tamar Genz

García (2008) critica a preocupação dos professores iniciantes com a dimensão processual
do ensino, que, embora importante, para ele, não garante um desenvolvimento profissional
eficaz. A partir da narrativa de Tiago, entretanto, é possível compreender a importância atribuída
pelos professores a essa dimensão processual do ensino.

Quando a gente vai pra sala de aula e apresenta a proposta pros alunos, se a gente sabe
apresentar essa proposta, vender a ideia pros alunos, eles se motivam e fazem, e, se a
gente não sabe muito bem, eles também percebem que tu não tá muito seguro no que tu
vai fazer, e, aí, eles já não participam como poderiam.

É com o tempo, com a repetição, com tentativas, erros e acertos, que os professores
aprendentes amadurecem ideias e procedimentos, o que os leva a entender melhor como lidar
com as atribuições de ser professor de música e como conduzir seu trabalho na escola de
educação básica.

aprender o Os professores aprendentes entendem que é necessário relacionar-se com o aluno e


saber-fazer: estabelecer uma comunicação para que possam desenvolver as aulas de música de modo

ensinar significativo. Basabe e Cols (2010, p. 127, tradução minha)2 esclarecem que o ensino “abrange
indistintamente tanto os esforços infrutíferos realizados para que alguém aprenda alguma coisa,
para fazer
como as ocasiões em que isso efetivamente acontece”. Salientam, assim, que “entre os processos
aprender de ensino e aprendizagem não há uma relação do tipo causal”, porém, “esses dois processos
são como se fossem ‘as duas faces de uma mesma moeda’”, pois “o segundo fenômeno deve
existir como possibilidade”.

A partir dessa reflexão, entendo que os professores passam do processo de procurar “para
quem” desenvolver a aula para o “com quem”, valorizando o vínculo com o aluno e buscando
construir a relação professor-aluno-conhecimento. As narrativas dos professores sinalizam que
uma primeira dificuldade a superar, em direção ao ensinar e fazer aprender, é conseguir organizar
os alunos em sala de aula para que seja possível desenvolver as propostas de ensinar. Essa
dificuldade é expressa por meio de termos como disciplina, limites e controle ou domínio da
turma.

São vários os fatores que dificultam que o professor consiga organização em sala de
aula, que vão desde o pouco tempo que estão com os alunos em sala de aula, a diferença
de realidades e vivências entre alunos e professores, até a visão que cada um tem sobre a
aula de música. Cada professor lida de um jeito com isso, mas o que todos querem é construir
um ambiente em que seja possível a comunicação entre professores e alunos. Os professores
começam a perceber que é necessário ir ao encontro do aluno e conseguir estabelecer uma

2. No original: “abarca indistintamente tanto a los esfuerzos infructuosos realizados para que alguien aprenda algo, como
a las ocasiones en las que ello efectivamente sucede […] entre los procesos de enseñanza y aprendizaje no hay una
relación de tipo causal. […] estos dos procesos como si fueran ‘las dos caras de una misma moneda’. […] el segundo
fenômeno debe existir como posibilidad. […] el concepto ‘enseñanza’ depende para existir del concepto ‘aprendizaje’.”

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Aprendizagem da docência: um estudo com professores de música da educação básica

comunicação com ele, pois a aula se concretiza na medida em que começam a relacionar-se
com os alunos.

Cada sujeito tem seu jeito. Por isso, são muitas as possibilidades de se aproximar
dos alunos, se comunicar com eles e construir laços. Contudo, a construção do vínculo é
fundamental para que o professor desenvolva seu trabalho e para que a aula de música
tenha significado para o aluno e, assim, possibilite que ele construa vínculos também com o
conhecimento. Nesse sentido, Jorge contou que: “[…] tem que criar um vinculo, é difícil criar
um vínculo, às vezes. Isso é importante, e tu só vai criar um vínculo mostrando quem tu é bem
claramente e sendo alguma coisa que eles respeitem. E isso depende de ti.”

A narrativa de Jorge indica a importância que o vínculo tem na aula de música. Estabelecer
uma relação sincera e de cuidado com o aluno é um caminho difícil, porém é o que possibilita
construir laços e estabelecer uma comunicação com os alunos. Os vínculos são necessários
para que os professores consigam “trazer os alunos paras as atividades”, “atingir os objetivos
propostos”, ser “parceiro na aprendizagem” do aluno. É por meio dos vínculos que os
aprendentes conseguem “cumprir o papel de professor”, o que significa assumir, entre outras
tarefas, a de ensinar. E, independentemente do modo como é concebido e realizado, o ensino
não é algo que se faz sem algum tipo de conteúdo (Basabe; Cols, 2010). Como professores
de música, os aprendentes também estão comprometidos com sua especialidade na escola
e, nesse sentido, acreditam que têm algo a “oferecer” aos alunos.

O professor Judai contou que tenta conectar-se aos interesses dos alunos: “Eu ouço
meus alunos, eu procuro entender onde e o que eu devo trabalhar com eles pra que eles
tenham uma aula mais agradável.” As narrativas indicam que, também em relação aos
conteúdos da aula de música, os professores buscam se aproximar da realidade dos
alunos. O acolhimento dessa realidade, no entanto, nem sempre se concretiza. Ao contrário,
conflitos podem surgir em decorrência das diferenças entre professor e alunos quanto a seus
modos de se relacionar com música, o que dificulta que os alunos construam vínculo com o
conhecimento.

O saber-fazer, como o próprio termo já diz, aprende-se na prática dentro da sala de sobre o
aula quando se é professor e se está envolvido com alunos e conhecimento. Santos relata:
processo de
Eu acho, sinceramente, eu acho que o aspecto teórico, no que se refere às
aprendizagem
licenciaturas, […] eles te ajudam, são ferramentas de auxílio no aspecto de organizar da docência
o teu pensamento didático. Mas eles não dão o caminho, não existe, esse caminho de música
tu só aprende ali na lida. na educação
básica
As narrativas tornam-se parte da aprendizagem da docência no momento em que os
professores percebem que essa aprendizagem do saber-fazer está ligada com a prática e com
a experiência, uma aprendizagem que precisa de tempo e que ocorre em um determinado
espaço, pois: “[…] aprender não é apenas memorizar informações e um saber-fazer, mas
implica tempo e um trabalho sobre si para mobilizar os recursos indispensáveis a toda e
qualquer aprendizagem” (Josso, 2010, p. 107).

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Gaulke, Tamar Genz

A partir das narrativas, o professor aprendente não só relata e descreve as atividades e


acontecimentos na sala de aula, mas também passa a perceber que seu trabalho na sala de aula
funciona, começa a acreditar na sua atuação como professor de música, começa a ver-se como
professor de música. Para Judai, a aprendizagem da docência está embasada na vivência em
sala de aula, principalmente, inserir-se na escola para atuar como professor. Ele disse:

[…] ah, eu aprendi mesmo, […] foi através da experiência em sala de aula, lá na sala de
aula mesmo. Não antes, não com a leitura, não bibliografias e nem no estágio. O estágio
foi uma preparação, ele é muito curto, tu não cria um vínculo com a tua turma. Em sala de
aula tu cria o vínculo. […] Não existe uma fórmula de como atingir… melhor todo mundo.

Para ocorrer a aprendizagem há a necessidade de um tempo, um tempo de conquistas,


tentativas, erros e acertos, e de reconhecer-se na pluralidade da categoria docente sem deixar de
ter sua singularidade. A construção da docência, em sua gênese, ocorre por meio de um retorno
e da reflexão do aprendente sobre si e sobre sua prática. Os professores aprendentes, por meio
das reflexões sobre si e de suas narrativas, destacam a existência de uma singularidade do sujeito
em formação. Como já destacado, cada professor é único, cada um conduz a aprendizagem
da docência do seu jeito. Cada professor tem o seu jeito de ser professor, é o sujeito de sua
aprendizagem.

Compreendo que o ser professor na escola tem um movimento complexo entre o singular
e o plural. O sujeito insere-se na escola e começa a fazer parte de um plural, de uma categoria,
precisa compreender a linguagem desse plural e aprender a conviver ali. Contudo, ele não pode
abrir mão da sua singularidade, do seu jeito de ver o mundo e de viver, pois é esse jeito que o
faz ser o professor que é e que o sustenta como indivíduo (com suas individualidades) dentro de
uma profissão.

A aprendizagem da docência compreende uma formação a partir da experiência existencial,


em que os aprendentes devem assumir o status de professor que compreende todo um novo
sistema a ser reconhecido. Não existe um caminho prescrito de aprendizagem docente. Cada
sujeito desenvolve o seu jeito de ser professor.

O que está em jogo nesse conhecimento de si mesmo não é apenas compreender como
nos formamos por meio de um conjunto de experiências, ao longo da nossa vida, mas,
sim, tomar consciência de que esse reconhecimento de si mesmo como sujeito, mais ou
menos ativo ou passivo, conforme as circunstâncias, permite à pessoa, daí em diante,
encarar o seu itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de uma
auto-orientação possível […]. Transformar a vida socioculturalmente programada numa
obra inédita a construir, guiada por um aumento de lucidez, tal é o objetivo central que
oferece a transformação da abordagem “Histórias de vida”. (Josso, 2010, p. 84, grifo da
autora).

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Aprendizagem da docência: um estudo com professores de música da educação básica

A partir das reflexões sobre aprendizagem da docência trazida pelos professores considerações
aprendentes, compreendo que o professor constrói sua docência na prática, principalmente, finais
a partir de tentativas e experimentação, revisitando suas experiências anteriores, buscando
compreender o saber-fazer a partir delas, em um determinado contexto, e enfrentando os
desafios gerados pelo desconhecido. Tudo isso está permeado pela busca do vínculo com os
alunos e com a escola.

É a partir dessas experiências, que incluem modos de se relacionar com música e com
o ensino de música, que os professores de música aqui investigados buscam formas de criar
vínculo com os alunos, com o conhecimento, com o fazer musical em sala de aula e os interesses
musicais dos alunos, e de construir um modo de ensinar e fazer aprender música na educação
básica.

Nesse sentido, busquei uma metáfora que me auxiliasse na explicação de meu entendimento
da construção da aprendizagem da docência de música: uma roda de bicicleta e seu movimento
em uma superfície, que representa toda a movimentação que ocorre na aprendizagem da
docência de música na escola de educação básica. Uma roda de bicicleta é formada de partes
essenciais para que possa movimentar-se. No centro da roda encontra-se a parte chamada cubo,
que se conecta ao aro por meio dos raios, formando, assim, o princípio da roda. O aro da roda é
coberto por um pneu que tem a função de dar conforto e segurança no momento do movimento
da roda em alguma superfície.

No movimento de aprendizagem da docência, percebo o professor como o cubo da roda


da bicicleta: ele é o centro da aprendizagem, com sua formação e experiências. Para construir a
docência, esse professor vincula-se aos alunos, assim como o cubo, por meio dos raios, liga-se
ao aro da roda. Os raios representam o vínculo, e o aro, os alunos, e, para criarem o princípio
de estrutura da roda, precisam estar conectados. O aro é coberto pelo pneu que dá conforto
e segurança, assim como os professores mais antigos da escola estão juntos dos iniciantes,
“dando cobertura” no convívio com os alunos para que o professor sinta-se mais seguro e
“confortável”. Essa estrutura é a base para a aprendizagem da docência, assim como a base
para a roda movimentar-se.

Contudo, essa estrutura só entra em movimento por alguma força que é realizada e por
estar em atrito com a superfície em que se encontra posicionada. A partir da força provocada
na roda, a roda movimenta-se, rodando “para trás”. Para que o conjunto passe a movimentar-se
para frente é necessária a existência da força de atrito. O atrito da roda com a superfície gera uma
força que movimenta o conjunto para frente. Portanto, é a força de atrito que é responsável pela
aceleração/movimento da bicicleta (ou da própria roda).

A base para a aprendizagem (o professor, o vínculo, os alunos e os professores mais


antigos), ou seja, a roda, entra em movimento pela força aplicada e pelo atrito dessa roda com
uma superfície. A força aplicada representa a prática na sala de aula, como um impulso inicial
para que a roda se movimente. A superfície representa o desconhecido; em contato com a
base para a aprendizagem (a roda), partindo do impulso inicial da prática, a superfície gera os
desafios – o atrito. Esses desafios geram um movimento em busca do aprender, para, assim, ir
em frente. Portanto, é a prática, com seus desafios, a responsável pelo movimento da roda, e é
esse processo a própria aprendizagem da docência.

A aprendizagem da docência é todo o movimento do professor vinculado aos alunos


enfrentando os desafios provocados pelo contexto e pelo desconhecido. O vínculo do professor

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Gaulke, Tamar Genz

com os alunos é o fundamento de toda a aprendizagem; sem isso, “a roda” e “o movimento”


não podem acontecer. Contudo, o que movimenta o professor a aprender são os desafios que
encontra no contexto, ou, ainda, no encontro do professor com o contexto. A aprendizagem da
docência ocorre na prática, na vivência da escola, e somente ali o professor torna-se professor.
A aprendizagem da docência é o movimento do professor em busca do aprender, da superação
dos desafios; esse movimento é o que o faz manter o equilíbrio, assim como acontece ao
andarmos de bicicleta.

Por fim, ressalto que cada sujeito tem sua história, suas vivências e experiências e essas
são a base da construção deste trabalho. E é principalmente na narrativa dos sujeitos que este
trabalho encontra seus limites. Como os professores narram sua vida, é difícil saber o quanto de
lucidez há nas definições deste trabalho, pois ele representa uma teorização sobre a vida dos
professores. E assim, lidamos com a complexidade da docência de música na educação básica,
com suas diferentes dimensões, atritos e movimentos.

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A formação do professor de música e
sua atuação com alunos idosos: que
saberes são necessários?
The educacion of music teacher and her performance
with elderly students: what are required knowledge?

Eunice Dias da Rocha Rodrigues Centro de Educação Profissional/Escola de Música de Brasília eunicerr70@gmail.com

resumo O presente trabalho apresenta os resultados da pesquisa cujo objetivo foi investigar os
saberes que norteiam a formação e a atuação de professores de música que atendem
alunos idosos. A pesquisa teve como apoio os trabalhos de Tardif (2002), Gauthier et
al. (1998) e Charlot (2000). A metodologia empregou um survey de pequeno porte,
tendo como instrumento de coleta de dados o questionário autoadministrado, com
questões fechadas e abertas. Participaram da pesquisa 38 professores atuantes no
ensino da música em escolas específicas em Brasília. Neste artigo são abordados, na
ótica dos professores, os saberes necessários para se atuar profissionalmente com
essa faixa etária, tendo emergido em maior número os saberes relacionais como:
ouvir o idoso, exercitar a tolerância, acreditar na capacidade do idoso, respeitar seus
limites, elevar sua autoestima e, sobretudo, saber exercer a paciência.

Palavras-chave: terceira idade, formação de professores, saberes docentes

abstract This paper presents the results of research whose objective was investigate bases
that guide the teacher education and performance of music teachers serving elderly
students. The research adopted the work of Tardif (2002), Gauthier et al. (1998)
e Charlot (2000). The methodology used was a small scale survey that had as its
instrument of data collection a self-administered questionnaire composed of closed
and open questions. In the study participated 38 teachers engaged in music teaching
in specifics schools in Brasilia-DF. This article examines, from the perspective of
teachers, the teacher knowledge bases needed to work professionally with this age
group. The knowledge that emerged in greater numbers were the relacional knowledge
as: knowing to listen the to the elderly, exercising tolerance, believing in the ability of
the elderly, respecting their limits, raising their self-esteem and, above all, learning to
exercise patience.

KEYWORDS: elderly, training of music teachers, knowledge base

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

A
introdução população idosa no Brasil tem aumentado significativamente e as políticas direcionadas a essa
parcela da população têm enfatizado o direito de acesso dessas pessoas a oportunidades
educacionais formais, incluindo a adequação de currículos e metodologias (Brasil, 2003).

Na área da educação musical, os pesquisadores têm considerado a presença do indivíduo


idoso nos mais variados ambientes de ensino e aprendizagem musical como um dos novos
desafios pedagógico-musicais do século XXI (Yarbrough, 1999). A inserção dessas pessoas
nesse tipo de atividade demonstra que, aos poucos, o idoso tem buscado seu espaço, exigindo
dos professores de música um novo olhar sobre esse público, uma formação diferenciada e o
desenvolvimento de novos saberes para atendê-lo.

Nesse aspecto, o presente artigo discute a questão dos saberes do profissional da área
de música que atende essa clientela de alunos. A pesquisa teve como objetivo geral investigar
os saberes que norteiam a formação e a atuação de profissionais de música que atendem
indivíduos na terceira idade em Brasília, Plano Piloto. Especificamente, investigou: 1) a formação
dos professores de música que atendem alunos idosos; 2) os tipos de atuação desenvolvidos
pelos professores em suas atuações com o idoso; 3) as concepções relacionadas ao idoso que
norteiam a atuação e os saberes dos profissionais que atendem essa faixa etária; 4) os saberes
emergentes na atuação com o idoso; 5) os saberes necessários para a atuação com o idoso.

Neste artigo serão enfatizados os saberes que, na opinião dos professores, emergiram de
suas atuações com os alunos idosos e os que consideram necessários para atuar com essa faixa
etária. Convém destacar que, com base nas orientações da Organização Mundial da Saúde, é
considerado idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos de idade (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, 2002).

metodologia O método que conduziu a investigação foi o survey, segundo a perspectiva teórica de
Babbie (2005). De acordo com esse autor, o survey é uma das ferramentas investigativas utilizadas
por pesquisadores sociais, apresentando vantagens ao se examinar uma variedade de assuntos
relacionados ao social. Segundo o autor, “usados corretamente em situações apropriadas,
surveys podem gerar informações necessárias, difíceis de serem obtidas através de qualquer
outro método” (Babbie, 2005, p. 30).

O survey em questão teve um desenho interseccional ou cross-sectional, caracterizado


pela realização de uma única coleta de dados, em um determinado período de tempo, com
cada indivíduo da amostra selecionada. Esse procedimento foi escolhido por apresentar maior
viabilidade financeira e exigir menor tempo em sua execução (Babbie, 2005).

Para a coleta de dados utilizou-se o questionário autoadministrado. Segundo Babbie (2005),


o questionário é uma forma de coleta de dados utilizada por pesquisadores de survey e deve ser
construído de acordo com os objetivos da pesquisa e distribuído à amostra a ser pesquisada.
Para Laville e Dionne (1999), trata-se de instrumento importante nas “pesquisas de opinião”. O
questionário tem sido definido como uma série de perguntas ordenadas sobre o tema visado na
pesquisa, que são respondidas por escrito por uma amostra consideravelmente representativa,
sem a presença do entrevistador (Lakatos; Marconi, 1985; Laville; Dionne, 1999).

As temáticas do questionário foram abordadas por meio de questões abertas e fechadas,


sendo que, na sua maioria, as perguntas tiveram caráter aberto, o que possibilitou respostas

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A formação do professor de música e sua atuação com alunos idosos: que saberes são necessários?

discursivas. Para Laville e Dionne (1999, p. 186), o questionário aberto “compõe-se de questões
cuja formulação e ordem são uniformizadas, mas para as quais não se oferecem mais opções de
respostas”.

Para selecionar a amostra da pesquisa, foi realizado um levantamento exploratório, que


contribuiu para a verificação dos locais e do número de profissionais existentes em Brasília, Plano
Piloto, atuando com alunos idosos. Os resultados desse estudo indicaram a existência de oito
escolas de música e de 80 professores atuando na cidade.

Dos oito espaços encontrados, inicialmente foram escolhidos apenas quatro, considerados
mais representativos: 1) escola pública, com fins profissionalizantes, onde havia maior número
de professores atuando com idosos; 2) escola voltada para o ensino do repertório do choro; 3)
escola com finalidade de preparar músicos para atuar em igrejas evangélicas; 4) escola particular
de maior renome no Plano Piloto.

No total, foram encontrados 72 profissionais, sendo que o questionário foi distribuído a 62


professores, dos quais 61,29%, ou seja, 38 docentes, participaram da pesquisa. De acordo com
os critérios de seleção, envolveram-se nessa averiguação: 1) professores de música que atuavam
com pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 anos no momento da investigação, em um
período de até dois anos anteriores à entrega dos questionários; 2) professores vinculados a uma
instituição específica de ensino e aprendizagem musical; 3) professores que aceitaram colaborar
voluntariamente com a pesquisa.

A análise dos dados ocorreu da seguinte maneira: à medida que os questionários eram
devolvidos recebiam um código (Q1 ao Q38). Cada questionário teve as questões abertas
transcritas para um caderno de 57 páginas, e os dados de caráter fechado tabulados no programa
Excel, sendo posteriormente enviados a um estatístico para a elaboração de tabelas no programa
SPSS. A redução das respostas abertas foi realizada no programa Word, de acordo com o número
e assunto das questões. A partir da redução dos dados, as respostas foram categorizadas. De
acordo com Laville e Dionne (1999), essa etapa consiste em atribuir códigos aos dados coletados
e ordená-los em categorias.

A literatura pesquisada revelou que atualmente, no Brasil, a população com idade igual contextualização
ou superior a 60 anos já é equivalente a 9,5% da população, abrangendo cerca de 15 milhões do idoso na
de pessoas. Esse contingente poderá atingir, em 2020, o percentual de 13% da população,
sociedade
ultrapassando os 30 milhões e continuando a crescer a taxas elevadas (Brasil, 2003; Mendonça;
contemporânea
Araújo, 2003; Organização das Nações Unidas, 2007).

Apesar do aumento significativo do percentual de pessoas nessa faixa etária, nota-se que a
questão do envelhecimento na sociedade ainda é abordada de forma incipiente, sendo o assunto
considerado de menor importância. De acordo com Junges (2004), isso ocorre em decorrência de
o jovem ser preconizado como modelo ideal de ser humano, apresentando-se como um indivíduo
perfeito em todos os aspectos, como exemplo e critério de felicidade. Assim, o assunto da velhice
acarreta uma indisposição. Todos envelheceremos um dia, contudo, é melhor não pensar nisso,
pois essa realidade incomoda e não queremos ver na face dos idosos a imagem estampada
do que seremos no futuro (Junges, 2004). As palavras de Junges (2004, p. 128) retratam a
precariedade do cenário que envolve a situação do idoso:

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

Num mundo sanitariamente perfeito, a velhice é transformada em doença que precisa ser
debelada. Não existe lugar reconhecido para os idosos porque estes não correspondem
ao ideal de pessoa em perfeitas condições. Eles são recolhidos nos asilos e clínicas,
porque são um estorvo num mundo organizado para a produtividade. São escondidos
do convívio porque estampam, no seu rosto, as rugas da velhice que incomodam o
estereótipo cultural da eterna juventude. A figura do idoso questiona a idealização atual
do jovem, porque lembra inconscientemente a esse que ele será um dia o que o ancião é
hoje. Essa lembrança é indecente para a cultura atual. Por isso é melhor esquecê-la e não
falar dela. Nessa situação cultural, o idoso não tem lugar nem papel social reconhecidos.

Por outro lado, entretanto, a ciência valoriza o idoso ao procurar alcançar a “eterna
juventude”. Essa condição dual é contraditória para o idoso, conforme explica Junges (2004,
p. 137): “por um lado valorizado pela medicina que lhe oferece sempre maior longevidade; por
outro, socialmente marginalizado, porque a sociedade não sabe o que fazer com os idosos
sempre mais longevos”. Daí a condição de inutilidade e ausência de papéis sociais no cotidiano
das pessoas idosas.

Atualmente, porém, nota-se que o idoso tem buscado desmistificar essa condição em busca
da expressão de sonhos antigos, explorando suas potencialidades e abrindo caminho para um
leque de experiências e oportunidades. Uma variedade de programas tem contemplado essa
faixa etária: grupos de convivência; cursos em diversas áreas; escolas abertas e até universidades
para a terceira idade. Isso indica que a própria sociedade brasileira tem se sensibilizado frente às
demandas do envelhecimento, haja vista que os idosos já alcançaram uma representatividade
considerável em relação a outras faixas etárias (Debert, 1999).

o idoso nas Na educação musical, pesquisas nacionais e internacionais revelam a presença do idoso
pesquisas em atividades de ensino e aprendizagem musical. Esses estudos examinam diferentes situações
em educação e constatam, principalmente, a contribuição da prática musical para a melhoria das condições
físicas, emocionais e sociais dos indivíduos nessa faixa etária.
musical
Internacionalmente, Yarbrough (1999) destaca que uma das novas tendências da educação
musical para o século XXI é a presença do indivíduo idoso nos mais variados ambientes de ensino
e aprendizagem musical. A autora ressalta a relevância do ensino da música em articulação com
a vida dessas pessoas, e enfatiza a importância da atuação do idoso em experiências musicais
intergeracionais, ou seja, com pessoas de diferentes idades, gerações. Nesse ponto de vista,
a mudança da situação dos idosos na sociedade, aos poucos, fará com que essas pessoas
participem cada vez mais de atividades de ensino e aprendizagem musical, de tal forma que
se torne possível a realização de um intercâmbio entre as diferentes faixas etárias, nos mais
diferentes locais destinados a essas práticas. Essa fusão poderá concorrer para o benefício da
própria trajetória de vida e do desenvolvimento educacional musical dos envolvidos.

A pesquisa de Bugos (2004) exemplifica a tendência explicitada por Yarbrough (1999).


O trabalho objetivou avaliar as contribuições do ensino individual de piano na preservação de
funções relacionadas a processos de organização, tais como a concentração e a manutenção
da atenção e o funcionamento da memória, em idosos de 60 a 85 anos, avaliando o papel
da educação musical no desafio de prevenir declínios cognitivos decorrentes da idade. O

108 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 105-118 | jul.dez 2013


A formação do professor de música e sua atuação com alunos idosos: que saberes são necessários?

resultado da investigação demonstrou que o ensino individual de piano tem o poder de melhorar
as capacidades cognitivas em adultos idosos, trazendo benefícios à memória, atenção e
concentração.

Pesquisas nacionais em educação musical abordam, também, os seguintes temas relativos


ao idoso: canto coral na terceira idade (Rodrigues, 2007); aulas de musicalização (Luz, 2006; Luz;
Silveira, 2006; Torres, 2003); práticas de conjunto (Souza, 2005; Torres, 2003); aulas de música
em EJA (educação de jovens e adultos), aulas coletivas e intergeracionais (Ribas, 2006); aulas
coletivas de instrumento – flauta doce (Bueno; Borges, 2007); oficina de música popular brasileira
para a terceira idade (Souza; Leão, 2007) e o relacionamento de indivíduos maduros com várias
modalidades musicais – canto coral, teclado, piano, violino, regência (Renner, 2007). De modo
geral, as investigações procuram verificar as motivações, expectativas, práticas e metodologias
que norteiam as aulas com alunos idosos. Nota-se que as pesquisas realizadas sobre as práticas
musicais na terceira idade enfatizam, principalmente, os benefícios desse tipo de atividade em
diferentes aspectos da vida dos alunos.

Ao investigar os saberes que norteiam a formação e atuação dos professores de música que pressupostos
atendem indivíduos na terceira idade, este trabalho teve como apoio principal as fundamentações teóricos:
de Gauthier et al. (1998), Tardif (2002) e Charlot (2000). os saberes
Gauthier et al. (1998, p. 14) definem os saberes docentes como “o conjunto dos docentes
conhecimentos, competências e habilidades que servem de alicerce à prática concreta do
magistério e que poderão, eventualmente, ser incorporados aos programas de formação dos
professores”. De acordo com Tardif (2002), Gauthier et. al. (1998) e Pimenta (1999), os saberes
docentes se articulam à atuação do professor, e servem de base para o exercício profissional
da docência. Na mesma perspectiva Tardif (2002) relata que a compreensão dos saberes
dos professores está diretamente vinculada à relação estabelecida entre o profissional e suas
situações de trabalho, enquanto Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 54) afirmam que “o
profissional da educação produz, mobiliza e conduz saberes que lhe são próprios, peculiares”.

Segundo Azevedo (2007) e Hentschke, Azevedo e Araújo (2006), a preocupação com os


saberes docentes teve início com debates internacionais relacionados à qualificação profissional
dos professores, em meio às reformas do ensino em todo o mundo. O interesse sobre os
saberes dos professores esteve vinculado à consciência sobre a “desqualificação profissional
dos docentes e o crescente distanciamento entre os cientistas da educação e os professores
em exercício” (Azevedo, 2007, p. 48). Eles consistem em um “campo de pesquisa na formação
de professores” e são frutos “de uma concepção educacional que relaciona a qualidade da
educação com a qualificação da formação docente” (Hentschke, Azevedo, Araújo, 2006, p. 50).

Na perspectiva de Charlot (2000), o saber está permeado por relações. Assim, “o saber é
construído em uma história coletiva que é a da mente humana e das atividades do homem e está
submetido a processos coletivos de validação, capitalização e transmissão” (Charlot, 2000, p.
63). Sendo um produto de relações epistemológicas e sociais entre os homens, está vinculado a
um sujeito “engajado” em uma relação com o saber.

Tardif (2002) traz uma concepção de saber também complexa e interativa, assim como
Charlot (2000), enfatizando a construção do saber ao sujeito e às relações que ele estabelece

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

consigo mesmo, com os outros e com o contexto em que está inserido. Tardif (2002) revela
uma concepção de saber que contempla as relações do indivíduo em sua experiência de vida
individual e coletiva, em que o saber não é uma coisa que flutua no espaço, pois está relacionado
à pessoa e sua identidade, sua experiência de vida, sua história profissional, suas relações com
alunos em sala de aula e com outros atores escolares, e não está separado desses elementos
constitutivos do trabalho docente. Ou seja, o saber docente apresenta características próprias e
pode ser definido como “um saber plural” proveniente tanto da formação profissional quanto da
experiência e da vivência do professor. Em tal concepção, os saberes dos professores dependem:
a) das condições concretas nas quais os seus trabalhos se realizam; b) da personalidade do
professor; c) da experiência profissional dos próprios docentes. Assim, o saber está permeado
pelo ser (emoções, expectativas, histórias de vida pessoal) e pelo agir (o que é o professor e o
que ele faz para ensinar).

O saber, segundo Gauthier et. al. (1998, p. 336), está vinculado a argumentos, discursos,
ideias, juízos, e em suas palavras a “pensamentos que obedecem a exigências de racionalidade,
ou seja, as produções discursivas e as ações cujo agente é capaz de fornecer os motivos que
as justificam”. Nessa compreensão de saber, análoga à de Tardif (2002), os professores não
dispõem de um modelo prévio de racionalidade, mas esse saber é legitimado e validado pela
prática e articula-se com o discurso e argumentação do professor em sua reflexão crítica sobre
a prática. Trata-se de um “saber prático implicado na ação” (Gauthier et al., 1998, p. 337). Em
torno desse tipo de saber, cria-se uma espécie de “espaço pedagógico”, um espaço de saberes,
decisões, liberdade e de jogo. Um espaço de investimento e criação/criatividade.

As tipologias de saberes utilizadas neste trabalho seguiram as classificações propostas por


Tardif (2002), Gauthier et al. (1998) e Charlot (2000). Os trabalhos de Tardif (2002) e Gauthier et al.
(1998) apresentam um corpo de saberes que caracterizam a profissionalidade do professor. Os
estudos de Charlot (2000), em uma linha um pouco distinta, também enfatizam saberes, os quais
foram classificados em tipologias e podem ser relacionadas com as apresentadas por Tardif
(2002) e Gauthier et. al. (1998).

Tardif (2002) apresenta quatro tipos distintos de saberes necessários ao ensino: 1) saberes
da formação profissional: referem-se a saberes definidos e transmitidos pelas instituições de
formação de professores; 2) saberes disciplinares: são saberes sociais definidos e selecionados
de acordo com o agente formador, por meio de disciplinas que a universidade oferece; 3) saberes
curriculares: estão relacionados a saberes vinculados a objetivos, conteúdos e procedimentos
de ensino a partir dos quais as escolas orientam seu processo educacional e aos quais os
professores devem submeter suas práticas docentes; 4) saberes experienciais ou práticos que,
nas palavras do autor, são “saberes desenvolvidos no exercício da profissão, com base em seu
trabalho cotidiano e no conhecimento do seu meio. Saberes que brotam da experiência e são
validados por ela.” (Tardif, 2002, p. 37).

Gauthier et al. (1998), em uma linha de raciocínio próxima à de Tardif (2002), apresentam seis
tipos de saberes necessários à atuação do professor: 1) saber disciplinar – relativo à produção
científica nas diversas disciplinas científicas em cursos diversificados; 2) saber curricular –
oriundo dos programas curriculares das instituições de ensino e que são produzidos, na maioria
das vezes, por funcionários do Estado ou especialistas em diversas disciplinas e, às vezes, por
professores. Refere-se ao conhecimento do programa pelo professor, tendo-o como guia para
planejar e avaliar; 3) saber das ciências da educação – relativo a noções referentes ao sistema
escolar e ao desenvolvimento da criança. Segundo os autores é um saber não diretamente

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A formação do professor de música e sua atuação com alunos idosos: que saberes são necessários?

relacionado à ação pedagógica, mas que serve como pano de fundo para a profissão; 4) saber
da tradição pedagógica – relativo à representação da profissão pelos professores que serve
de molde para guiar seus comportamentos. Esse saber é adaptado e modificado pelo saber
experiencial e validado ou não pelo saber da ação pedagógica; 5) saber experiencial – relacionado
à aprendizagem a partir da própria experiência (pessoal e privada) profissional que é incorporada
ao reservatório de saberes particulares, se transformando em rotina. Os autores apresentam
uma limitação do saber experiencial: o fato de ele ser feito de pressupostos e argumentos que
não são verificados por métodos científicos; 6) saber da ação pedagógica – “saber experiencial
dos professores a partir do momento em que se torna público e testado através das pesquisas
realizadas em sala de aula” (Gauthier et al., 1998 p. 33), ou seja, quando o saber se torna público
e não privado como os experienciais.

Charlot (2000) se diferencia de Gauthier et al. (1998) e de Tardif (2002) ao enfatizar a relação
com o saber. Para ele, não existe saber senão em uma relação consigo mesmo, com o outro e
com o mundo. Nesse sentido, o autor apresenta algumas classificações de saberes para fins
de sistematização. No entanto, mostra-se contrário à divisão em tipologias de saberes, pois,
no seu entender, as relações com o saber, os usos que se faz dele, e não o saber em si é que
determinam sua classificação.

Para o autor, a relação epistêmica com o saber ocorre de três maneiras: 1) por meio da
apropriação de um objeto virtual (saber) encarnado em objetos empíricos, que o autor chama
de “objeto-saber” (livros, etc.), abrigado em locais (escola, universidade, biblioteca, etc.) e
possuído por pessoas que já percorreram esse caminho (docentes, cientistas, etc.). Esse saber
está sendo chamado, neste trabalho, de “saber-objeto”, terminologia adotada pelo próprio autor
para designar um saber “enquanto ‘objetivado’, isto é, quando se apresenta como um objeto
intelectual, como o referente de um conteúdo de pensamento. Nesse caso, trata-se de uma
atividade de “apropriação de um saber que não se possui, cuja existência é depositada em
objetos, locais, pessoas”, que significa “passar da não-posse à posse” “da identificação de um
saber virtual à sua apropriação real” (Charlot, 2000, p. 68); 2) com o domínio de uma atividade
ou de uma capacitação na utilização de um objeto de forma pertinente, ou seja “passar do não-
domínio ao domínio” de uma atividade, um saber-fazer. (Charlot, 2000, p. 69). A terminologia
adotada para designar esse tipo de saber nesta pesquisa foi “domínio de atividades” ou “saber
prático”, que se aproxima do saber ligado à prática ou experiencial dos demais autores, os quais
brotam da experiência e que se relacionam com a prática; 3) por meio do domínio relacional, em
que se aprende, por exemplo, a ser solidário, desconfiado, responsável. Nesse caso, passa-se
do “não-domínio ao domínio” de uma relação e não de uma atividade em vez de constituir um
“saber-objeto”. Esse saber leva em conta o aspecto relacional, em que o domínio da relação se
sobressai ao da atividade propriamente dita. Dessa forma, decidiu-se neste trabalho pelo uso
da terminologia “saber relacional” para fazer menção a essa natureza do saber, que se refere ao
“domínio de relações”(Charlot, 2000, p. 70).

A seguir serão apresentados os tipos de saberes necessários à atuação profissional com o


aluno idoso, na visão dos professores investigados.

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

resultados e A pesquisa identificou, na atuação dos professores investigados, saberes que foram
discussão: classificados de acordo com as tipologias anteriormente descritas apresentadas por Tardif
os saberes (2002), Gauthier et al. (1998) e Charlot (2000).

necessários à Os tipos encontrados foram: saberes disciplinares, curriculares (Gauthier et al., 1998; Tardif,
atuação com 2002) ou saber-objeto (Charlot, 2000), saberes experienciais (Gauthier et al., 1998; Tardif, 2002),
o idoso saberes de outras áreas e saberes relacionais ou do “domínio de relações” (Charlot, 2000).

Em relação aos saberes disciplinares, na ótica dos professores investigados, é requerido


do profissional que atua com o idoso que conheça, por meio das disciplinas oferecidas nos
programas de formação, seu desenvolvimento físico, mental e a maneira como é processada sua
aprendizagem. Na visão dos professores é necessário:

Primeiro o conhecimento musical e o conhecimento do desenvolvimento mental, social,


físico e psíquico dos idosos. (Q13, p. 32).

[…] um programa de trabalho voltado para o aprimoramento e formação dos profissionais


incumbidos de lecionar para tal faixa etária como: palestras voltadas para o conhecimento
sobre o desenvolvimento mental de um idoso; as problemáticas enfrentadas por um idoso
e as consequências de um mau aprendizado nesta faixa etária; a contextualização do
aprendizado de um idoso (o objetivo de um estudo específico neste momento da vida).
Enfim, um programa de contextualização de ensino para esta faixa etária. (Q37, p. 57).

Nesse contexto, os saberes provenientes de outras áreas do conhecimento foram aludidos


pelos professores como necessários para subsidiar o trabalho com o idoso. Desse modo, para
atuar com os idosos é dada importância não só à formação específica em música, mas também
ao conhecimento de saberes provenientes da psicologia, que poderão auxiliar na questão do
ensino específico para a faixa etária; da fisiologia específica do idoso; da sociologia relacionada
à terceira idade; da educação; da fisioterapia, da musicoterapia e da terapia ocupacional, como
se pode observar nos relatos a seguir:

Assim como em se tratando de qualquer faixa etária, o professor deve conhecer os


aspectos específicos da psicologia e da fisiologia do idoso, assim como deve acompanhar
as discussões sobre os aspectos sociais relacionados à Terceira Idade. (Q7, p. 32).

[…] conhecer propostas de trabalho semelhantes, ler, aprofundar seu conhecimento em


áreas específicas como psicologia, educação, etc. (Q8, p. 32).

Precisaríamos de um apoio de um psicólogo no auxílio de um trabalho de elevação da


autoestima do aluno e um fisioterapeuta que nos ajudasse a conhecer o limite físico do
idoso, pois a maioria se queixa de dores e tenho medo de agravar o problema exigindo
que os alunos façam movimentos repetitivos. (Q23, p. 33).

Esses depoimentos revelam que os saberes necessários à atuação com a terceira idade
não estão restritos à educação musical, mas se entrelaçam nas diversas áreas do conhecimento.
Essa constatação foi abordada na pesquisa de Both (2002), que alerta sobre a necessidade da
interdisciplinaridade entre as ciências, no desenvolvimento de um projeto educacional voltado
para o idoso. Para o autor, a intersecção de ciências como a filosofia, a biologia, a enfermagem,
a educação física, a antropologia, a engenharia, a arquitetura, a história, a política, entre outras,
pode gerar novos parâmetros para os clamores e anseios da velhice.

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A formação do professor de música e sua atuação com alunos idosos: que saberes são necessários?

A pesquisa retratou a importância do domínio do conhecimento, por parte do professor,


e a necessidade de sua posterior transmissão de maneira clara:

Saber transferir o conhecimento de modo limpo e simples para o entendimento da


matéria. (Q28, p. 34).

Luz (2008, p. 47), ao explicitar a metodologia utilizada na iniciação musical com idosos,
faz alusão a essa necessidade e afirma que, além do domínio do conteúdo musical, o
professor precisa dominar “princípios metodológicos que favoreçam o relacionamento entre
o conhecimento e seu contexto social”. Nesse aspecto, o autor enfatiza importância do
preparo de aulas prazerosas.

Ainda em relação aos saberes disciplinares e curriculares (Gauthier et al., 1998; Tardif,
2002), é colocada a relevância de orientação prática por meio de:

[…] livros adequados, cursos de formação profissional para interessados e os que


trabalham na área, congressos, convenções, simpósios, etc. (Q38, p. 57).

Os saberes experienciais foram expressos pelos professores ao apontarem


aprendizagens a partir de seu cotidiano com o aluno idoso. A experiência prática dos
professores participantes da pesquisa revela, por exemplo, a necessidade de se promover
a integração entre as faixas etárias inseridas na sala de aula, para facilitar o aprendizado do
aluno idoso, como se pode conferir no relato:

Acho que o mais importante é promover a socialização dentro de sala de aula. A


partir do momento em que o idoso se integra ao grupo, participando, contribuindo,
ensinando e aprendendo, ele se torna mais produtivo inclusive no seu aprendizado.
(Q11, p. 32).

Os professores revelam ainda que é fundamental observar as dúvidas que aparecem


no decorrer das aulas para que o idoso não se sinta excluído e atrase seu processo de
aprendizagem musical. Dessa forma, os depoimentos mostram que:

[…] muitas vezes, saber ir mais devagar é melhor do que tentar correr com a matéria.
Devemos ter cuidado para não criar frustrações e as pessoas desistam de tentar
aprender música. (Q35, p. 34).

Na experiência com os alunos idosos, os professores aprenderam, ainda, que é


necessário valorizar a participação desse aluno nas atividades, sempre tomando o cuidado
de considerar suas reais capacidades, sem exigir mais do que eles consigam.

Enfim, os saberes mais citados nas respostas dos investigados foram os saberes
relacionais (Charlot, 2000), e sugerem que a relação consigo mesmo e com os alunos
(outros), o pessoal, o afetivo e o emocional têm papel preponderante na determinação de
um repertório de saberes para a atuação com o idoso. O exercício da paciência foi o saber
relacional que mais emergiu nas respostas dos professores. Esse saber chamou atenção por
ter sido mencionado por 18 do total de 38 professores (47,36%) nas respostas às diferentes
questões abordadas no questionário. Para eles, trabalhar com o idoso constitui:

Uma atividade muito específica, que requer muita paciência. (Q22, p. 30).

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

Assim, para desenvolver um trabalho de qualidade com o aluno idoso é preciso conhecê-lo
com suas limitações e dificuldades:

Conhecer as dificuldades do outro é muito importante. Como pensam, como andam,


como sentam, como dormem, com o que sonham. (Q33, p. 56).

Saber ouvir, entender o idoso, respeitar seu ritmo, aprender a gostar do seu trabalho como
professor, promover a socialização entre os alunos, integrar o idoso ao grupo em que está
inserido, saber “ser para cada aluno o professor que gostaria de ter encontrado”, aprender a
desenvolver a tolerância foram alguns dos saberes relacionais enfatizados pelos professores:

O mais difícil, mas o que é mais importante é saber ouvir o que eles pensam. (Q33, p. 56).

Mais paciência, tolerância e menos arrogância e preconceito. E sim amor e amor. (Q24,
p. 33).

Outros saberes abordados referem-se ao aprender a respeitar os limites e diferenças do


aluno em relação aos demais, ser menos preconceituoso, desenvolver a sensibilidade para
atender os objetivos dos alunos:

[…] acredito que sensibilidade para atender os objetivos dos alunos é o grande segredo.
(Q25, p. 33).

Esse tipo de saber, segundo Tardif (2002), está relacionado ao “fenômeno da individualidade”
e se encontra no centro do trabalho dos professores. Assim, o professor tem como objeto de
trabalho “seres humanos” os quais apresentam particularidades e individualidades. Dessa forma,
em sua atuação docente, embora trabalhem com grupos de alunos, os professores devem atingir
cada aluno como pessoa individual, pois eles “existem primeiro por si mesmos, como indivíduos”
e todos possuem capacidade para aprender.

É preciso ainda, de acordo com os investigados: saber exercer o dom da escuta e da


persistência; estar preparado para elevar a autoestima do idoso; aprender a esperar o resultado
do seu trabalho; conhecer e respeitar o tempo de assimilação de cada aluno; respeitar o seu
desenvolvimento motor; estimular o interesse; aprender a não criar frustrações e desestimular o
desenvolvimento musical dos idosos. É necessário, ainda, saber usar psicologias diferentes de
acordo com o aluno; transmitir carinho; dispensar maior atenção e saber perceber as dúvidas
existentes no “olhar” do idoso. Saber escolher o repertório a ser trabalhado e, sobretudo, um
saber crucial é relatado na fala a seguir: saber considerar e acreditar na capacidade do aluno:

É importante que o professor, sinceramente, considere o aluno mais capaz do que o


próprio aluno se considera. O professor que é útil é aquele que torna o aluno mais capaz
do que o próprio aluno achava que era. (Q21, p. 50).

O depoimento abaixo explicita, de maneira objetiva, como acreditar na capacidade do aluno


idoso e suscitar nele a vontade de desenvolver suas potencialidades musicais:

Dentre várias histórias de superação, tive a de um baixo de 65 anos que participava de um


dos coros que regi e que, por ter pouco contato com música, tinha problemas de afinação
e ritmo, sendo mesmo rejeitado pelos outros integrantes. No entanto, ele tinha grande
força de vontade, ouvia as fitas de ensaio diariamente, e teve uma evolução lenta, mas

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A formação do professor de música e sua atuação com alunos idosos: que saberes são necessários?

visível, a ponto de todo o coro passar a lhe incentivar. Alguns anos depois, quando o coro
do qual ele participava deixou de existir por falta de recursos da empresa, ele me pediu
para participar de outro coro que eu regia à época e me surpreendeu agradavelmente,
pois passou a ser o chefe do naipe, pela sua segurança musical e dedicação ao grupo.
Ele também se tornou um apaixonado frequentador de concertos. Gosto de pensar
que o fato de eu ter acreditado nele (como acredito em todos os meus alunos, como
postura profissional) e incentivado seu desenvolvimento desde o início tiveram alguma
importância para que ele tivesse tanto sucesso no seu contato com a música. (Q7, p. 49).

A necessidade de saber olhar o idoso com igualdade, saber fazer correções cuidadosas,
saber elogiar com frequência, saber desenvolver o respeito de forma contínua e em todos os
aspectos foram saberes também aludidos pelos docentes:

É preciso […] exercer com ele(a) o respeito ao seu processo que no caso, é “único”. O
respeito é necessário em todas as esferas de trabalho, mas em se tratando de idosos,
é necessário desenvolver sempre mais, e continuamente e sabiamente, “atributos”
pessoais do professor(a). (Q27, p. 56).

Destacou-se, ainda, a necessidade de saber ouvir o que os idosos pensam e saber aprender
o que eles têm para ensinar:

É preciso ter o tempo para aprender com eles na medida em que ensinamos, pois não
querem nunca só aprender já que eles possuem sempre algo para ensinar. E isto abre o
caminho. (Q33, p. 56).

Tratar o idoso com consideração, manter com ele um bom relacionamento e desenvolver o
trabalho com amor foram saberes mencionados:

Tenho chegado a uma conclusão que o mais importante, seja lá qual for a faixa etária, é
o amor com o qual fazemos nosso trabalho. Não estou invalidando a formação de um
profissional, que também é fundamental, mas muitas vezes observo professores com
muita formação e titulação, mas sem amor e tesão pelo seu trabalho. (Q22, p. 33).

O saber valorizar a experiência do idoso se apresentou como essencial:

O professor deve saber se relacionar com o idoso valorizando o que ele tem de bom,
seu conhecimento e experiência, seja a respeito de música ou da vida. O idoso gosta de
compartilhar suas histórias, gosta muito de conversar. Isso pode ser aproveitado como
elemento motivador para a atividade musical e seu desenvolvimento. (Q18, p. 33).

O saber ter postura adequada frente ao idoso também foi lembrado:

[…] é preciso que o professor tenha consciência de que a sua postura afeta diretamente
o aprendizado de seus alunos, e o seu próprio, já que estamos mesmo aprendendo o
tempo todo, e isso não é apenas um clichê […]. (Q7, p. 54).

Esse relato lembra o que Gauthier et al. (1998) discorrem a respeito da interferência do
comportamento do professor no resultado da aprendizagem do aluno. Para os autores, as
pesquisas sobre o ensino revelam que as atitudes dos professores influenciam diretamente
o rendimento dos alunos. Assim, se o professor se mostra otimista, encorajador, confiante e
preocupado com os alunos, sem se ater a estereótipos, e se atende os alunos de maneira geral e

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

também individual, mostrando-se atento aos problemas de cada um, a aprendizagem dos alunos
é afetada de maneira positiva.

considerações Entre os investigados, os saberes adquiridos na experiência do professor com o aluno


finais idoso foram os tidos como os mais necessários para a atuação com a faixa etária. Os saberes
disciplinares, curriculares e pedagógicos, adquiridos na formação inicial, foram citados como
importantes, mas não suficientes para suas atuações.

Diante dos resultados obtidos, conclui-se que a atuação e experiência dos professores
mostram a necessidade da inserção de novos saberes nas bases da formação do professor de
música, de forma a habilitá-lo para uma atuação mais sólida com a clientela de pessoas idosas,
nos mais diversos espaços de ensino da música. As respostas dos professores investigados
apontam para a necessidade de se implementar ações, no sentido de que os programas de
formação, seja inicial ou continuada, contemplem a questão do idoso inserido em espaços de
ensino e aprendizagem da música.

A atuação dos professores com o idoso mostrou que os saberes relacionais ou “o domínio
das relações” são uma necessidade a ser trabalhada nos cursos de formação do professor. Isso
indica que a formação inicial com foco em aspectos técnicos e reprodutivos, em detrimento de
questões afetivas e emocionais do futuro professor e da compreensão das especificidades de
cada aluno nos aspectos físicos, mentais e emocionais, é tema a ser ponderado.

Essa preocupação pode ser percebida nas vozes dos professores investigados quando
expressam a necessidade de saberes que não obtiveram em suas formações. Suas experiências
com esse grupo etário foram as mais relevantes fontes de saberes, o que confirma o argumento
dos autores apresentados sobre a importância que deve ser dada à construção desses saberes
no ambiente cotidiano de ensino e aprendizagem.

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Rodrigues, Eunice Dias da Rocha

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O canto coral e a terceira idade - o
ensaio como momento de grandes
possibilidades
The choir and the elderly - the test as a moment of great possibilities

Matheus Cruz Paes de Almeida Universidade Estadual de Londrina (UEL) matheuscpa.cruz@gmail.com

resumo O texto relata a pesquisa que teve como objetivo geral verificar as possibilidades
pedagógicas de afinação vocal e ritmo em uma atividade de canto coral com cantores
da terceira idade. Observando as propostas, principalmente as que visam solucionar
os problemas musicais nesses dois âmbitos, a pesquisa de campo foi realizada com
o grupo Jovens de Ontem, um coro de terceira idade com faixa etária de 54 a 93
anos. No decorrer dessa pesquisa, verificamos um grande avanço técnico vocal e
perceptivo nos coralistas. A revisão bibliográfica está apoiada em Costa, P. (2009),
Gois (2009), Amato, R. (2007), Coelho (1994), Figueiredo, S. (1990), Fernandes,
Kayama e Östergren (2001), Fonterrada (2008), entre outros.

Palavras-chave: canto coral; afinação vocal; ritmo; educação musical na


terceira idade

abstract This report describes research that aims to check the general pedagogical possibilities
of vocal pitch and rhythm in an activity of choral singers with seniors. Noting the
proposals, especially those that aim to solve the problems in these two areas the
musical field research was conducted with the group “Youth of Yesterday”, a chorus
of seniors aged 54-93 years. During this research we find a breakthrough vocal coach
and perceptive in choristers. The literature review is supported by the authors: Costa, P.
(2009), Gois (2009), Amato, R. (2007), Coelho (1994), Figueiredo, S. (1990), Fernandes,
Kayama and Östergren (2001), Fonterrada (2008), among others.

KEYWORDS: choral, vocal tuning, rhythm, music education in old age

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Almeida, Matheus Cruz Paes de

O
introdução Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera que pessoas com 60 anos ou
mais são idosas. O aumento dessa população é uma realidade e se constitui em um fenômeno
social. Portanto, o Brasil tem envelhecido à medida que a expectativa de vida tem se ampliado.

“A população de idosos representa um contingente de quase 15 milhões de pessoas com 60


anos ou mais de idade (8,6% da população brasileira) [esse por sua vez] ocupa, cada vez mais,
um papel de destaque na sociedade brasileira.” (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2002, p. 1). Nesse sentido, a terceira idade se consolida como mais um campo de atuação do
regente/educador na realização do canto coral como uma das possibilidades de musicalização
para essa faixa etária.

Hoje, o canto coral tem grande importância na área de educação musical, como ferramenta
de ensino ou, também, como atividade musical em que se promove educação. Fonterrada (2008),
em seu livro De tramas e fios, ao expor a importância do canto, o exemplifica através de alguns
dos métodos ativos em educação musical.

Citando o método Kodály nos diz que:

O objetivo do método de educação musical de Kodály é ensinar o espírito do canto a


todas as pessoas, além da alfabetização musical para todos, trazendo a música para o
cotidiano, nos lares e nas atividades de lazer, de modo a formar público para a música de
concerto. (Fonterrada, 2008, p. 156, 157).

Nessa perspectiva, posso afirmar que um dos mais acessíveis contatos com o processo de
musicalização acontece quando as pessoas ingressam em algum grupo coral. Conforme Penna
(1990), o canto em conjunto é um instrumento de educação musical; a autora ainda diz que “o
canto coral é tido, com freqüência, como instrumento privilegiado de musicalização” (Penna,
1990, p. 68). Esta autora discute vários conceitos de musicalização, mas dentre eles destaco a
música como linguagem.

Musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o


indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical
como significativo – pois nada é significativo no vazio, mas apenas quando relacionado
e articulado no quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os
esquemas de percepção desenvolvidos. (Penna, 1990, p. 68).

Parto desse pressuposto, que o ato de musicalizar com o canto coral, no caso específico da
terceira idade, é uma prática que cada vez mais vem sendo adotada pelos educadores/regentes
em suas atividades.

As áreas de educação em geral, principalmente, a área da educação musical, podem


oportunizar discussões e ações que permitam atender as necessidades dos idosos. Um exemplo
dessa ação é o projeto da prefeitura do município de Maringá, estado do Paraná, com o coral
Jovens de Ontem. Sendo esse grupo um coro de terceira idade, eu, o regente deste, pude
observar, através de uma pesquisa1 participante, que o coro apresentava dificuldades de ritmo
e afinação e que, enquanto regente, deveria criar atividades que permitissem um crescimento
musical.

1. O trabalho foi realizado como conclusão do curso de Licenciatura em Educação Musical da Universidade Estadual de
Maringá (UEM).

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O canto coral e a terceira idade - o ensaio como momento de grandes possibilidades

Para empreender a análise das possibilidades de atividades pedagógicas musicais


de afinação vocal e ritmo em uma atividade de canto coral, foi realizado um estudo de caso
com o grupo de pessoas da terceira idade que formam o referido coro. O coral, na época da
investigação, era composto por 28 integrantes de faixa etária distinta, de 54 a 93 anos. O coral
Jovens de Ontem teve início no ano de 1998 com o objetivo de criar uma atividade que integrasse
as pessoas da terceira idade na arte musical.

Partindo do momento em que assumi a regência do coral pude sistematizar meus objetivos
para o coro e com isso fazer a pesquisa tendo como objetivo geral verificar as possibilidades
pedagógicas de afinação vocal e ritmo em uma atividade de canto coral com pessoas idosas, e
como objetivos específicos constatar as formas de movimento corporal que ajudam no processo
de afinação vocal do coro; averiguar quais atividades rítmicas auxiliam para a aprendizagem e
quais promovem a precisão rítmica necessária para a realização do repertório.

É no canto coral que temos a oportunidade de fazermos novas amizades, das quais o canto coral
podemos lembrar por toda a vida, e também é nesse espaço de convívio que acontecem tantas na terceira
situações sociais envolvendo muitas pessoas, que acarretam experiências de grande valor.
idade
Carlos Alberto Figueiredo (2006, p. 4) afirma que:

Cantar em coro deveria ser sempre uma experiência de desenvolvimento e crescimento,


individual e coletivo: o desenvolvimento da musicalidade e da capacidade de se expressar
através de sua voz; a possibilidade de vir a executar obras que tocam tanto no coletivo
quanto no coração, ensejando o crescimento intelectual e afetivo do cantor e de outros
agentes envolvidos; o desenvolvimento da sociabilidade e da capacidade de exercer uma
atividade em conjunto, onde existem os momentos certos para se projetar e se recolher,
para dar e receber.

Concordando com o autor supracitado, Kerr (2006, p. 123) ressalta a importância que o
canto coral tem no aspecto social das pessoas que buscam viver essa prática:

Cantar em coral é participar da sua construção e desenvolver essa participação é pertinente


e esperado […] Portanto, o cantor pode e deve participar. É o instante da descoberta de
que tem voz, de que pode construir com a voz e de que, na fala, o potencial criador já
existe e quanto mais se fizer dele uso, mais as emoções poderão eclodir sonoramente
[…] Ensaio, um momento para apreender, ao invés de aprender.

Embora os autores discutam o canto coral, não se firmam no coral para a terceira idade.
“As atividades de ensino e aprendizagem musical na terceira idade no Brasil ainda se encontram
em estágio inicial, pois, apesar das crescentes pesquisas na área, muitas possibilidades ainda
precisam ser exploradas.” (Borges, 2010 apud Rabelo, 2011, p. 4).

Quando voltamos o olhar para um grupo de terceira idade, podemos observar os benefícios
que o canto coral tem a lhes proporcionar, como um veículo de fortalecimento das relações
interpessoais em que a música se torna um elemento socializador. Rabelo (2011) nos mostra os
grandes benefícios que o canto coral pode proporcionar aos idosos.

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Almeida, Matheus Cruz Paes de

[…] algumas contribuições para a melhoria da qualidade de vida dos idosos, entre elas
a ressocialização e a auto-estima, reativação da memória, o estímulo do processo de
aprendizagem destacando também a conscientização vocal e a melhora da coordenação
motora. (Dejair, 2008, p. 28 apud Rabelo, 2011 p. 5).

A prática da educação musical por meio do canto coral vem sendo gradativamente mais
utilizada por regentes, professores e educadores como um meio eficaz e amplo de musicalização.
Essa educação tem enfatizado a aproximação com a realidade dos idosos, pois

o educador deve se inserir no contexto do grupo. O cotidiano da terceira idade é


instrumento para elaboração das aulas. Dissociar a vida do ensino é distanciar a educação
de um propósito coerente com as necessidades do mundo hodierno. (Souza, 2006 p. 59).

Souza (2006, p. 57) apresenta através de alguns autores benefícios que o ensino musical
pode trazer para a terceira idade:

Tame (1997) ensina que há exemplos que fortalecem a crença de que a música tem uma
força que interfere em todo o mundo a nossa volta e que essa força pode ter um caráter
físico, visível e auditível e até mesmo, místico. Sobre a ação da música em benefício da
memória, Tourinho (2006) acrescenta que a música pode favorecer a memória, evocando
lembranças do passado. Quando se ativa a memória através da música transmite-se o
pensamento de que a senescência é um período propício à recordação. Assim, o idoso
reconstrói experiências do presente e do passado. Esta memória advém de um trabalho
em que o prazer da música suscita o inconsciente a trazer material ao consciente.

Num coral percebe-se que a memória pode ser uma grande deficiência apresentada pelos
idosos, estando ou não associada a dificuldades como percepção rítmica, auditiva, falta de
atenção e concentração. Souza (2006) salienta algumas dificuldades rítmicas que, para a autora,
provavelmente, são decorrentes de um desequilíbrio emocional, relacionado a uma patologia.
Dessa forma, a autora, apoiada em Gainza, defende a utilização das atividades pedagógico-
musicais que trabalhem bastante com a relação corpo e som, para que os cantores consigam
apurar melhor os seus sentidos, principalmente sua sensibilidade quanto a percepção rítmica,
auditiva e de concentração (Gainza, 1988 apud Souza, 2006).

É de conhecimento geral que a falta de produtividade na terceira idade desenvolve


aspectos negativos, que com o passar do tempo podem desencadear problemas psicológicos,
neurológicos e motores. E a música se constitui em um recurso estimulante para essa faixa etária.
Daniel Amato (2004, p. 17) nos diz que “é notório que a inatividade na terceira idade é temida
como uma derrocada final […] Só por este fato já se justificaria atividade musical para acréscimo
na qualidade de vida do indivíduo.”

Dessa forma, os olhares de pesquisadores, nas últimas décadas, e de toda a sociedade em


geral, voltaram-se bastante para a terceira idade e os trabalhos com essa faixa etária se ampliam
cada vez mais em nossa sociedade.

o canto coral O regente coral em exercício de sua função se depara com várias situações no coro em
na literatura que precisa atuar como educador, tais como: problemas de afinação, ritmo, dicção, entoação,
dentre outros problemas músico-técnico-vocais. Para solucionar esses problemas é necessário

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O canto coral e a terceira idade - o ensaio como momento de grandes possibilidades

que o regente tenha domínio não somente das técnicas de regência e leitura de partituras, mas
também conheça “a pedagogia vocal, pela qual consiga efetivamente desenvolver nos cantores
uma maior habilidade vocal, facilitando a tarefa de interpretação de repertórios diversificados”
(Fernandes; Kayama; Östergren, 2001, p. 53).

Nesse sentido, o mais aconselhável é que se una a ação pedagógico-musical do licenciado


em música com a técnica do bacharel em regência coral. Coelho (1994, p. 16) afirma que o
trabalho de técnica vocal com coralistas não desenvolve apenas condições e habilidades vocais,
mas promove também mudanças em suas estruturas internas de sensibilidade e conhecimento.
Isso implica que na condição de professor de técnica vocal este seja, antes de mais nada, um
educador musical.

A formação do regente vem em auxílio em sua caminhada rumo a um resultado sonoro formação do
que lhe agrade, embasado em seu conhecimento prévio de como deverá acontecer o som do regente
grupo. Nessa caminhada pelo conhecimento é apresentada uma série de ferramentas citadas
por Figueiredo, C. (2006, p. 5, 6), que diz que “a capacidade de leitura musical que dá total
liberdade a qualquer músico” e “a capacidade de desenvolver a comunicação através dos
gestos, a famosa técnica de regência” são ferramentas indispensáveis para qualquer pessoa
que queira ser um bom regente.

Todavia, Kerr (2006) vem mostrar que o gestual é importante, porém mais importante do
que essa técnica é imprescindível que algumas habilidades estejam presentes, dentre elas a
interpretação e uma boa gestão de recursos humanos em música.

Regência coral é gesto maior que o gesto de reger. É uma tomada de atitude frente à
música […] é a busca incessante das qualidades do som, em conjunções e disjunções
com os silêncios e as sonoridades. É a procura incansável de um repertório. É a
identificação de muitas maneiras de cantar. É a habilidade em reunir grupos de cantores.
É, acima de tudo, admitir que estudar música significa estudá-la por toda a vida. Esse
gesto maior pode até dispensar o gesto de reger, porque no momento em que ele for
necessário, tudo já terá sido feito (e muito ainda haverá por fazer). Trata-se, então, da
construção de um projeto sonoro. (Kerr, 2006, p. 119).

Dentre tantas habilidades que se fazem necessárias para ser um bom regente, é
indispensável que o regente tenha “cartas na manga”, sempre. São aquelas horas em que nos
deparamos no ensaio com problemas que não havíamos pensado e que acontecem e temos que
resolver. Não podemos esperar que os coralistas tentem resolver os problemas que aparecem no
decorrer do ensaio, ao contrário, eles devem se motivar pela forma com que o regente soluciona
tais problemas. São essas as atitudes que motivam os coralistas tanto a continuarem no coro
quanto a convidarem novas pessoas para entrarem no mesmo.

Dentro da disposição com que o coro Jovens de Ontem se encontrava é que me baseei escolha do
na escolha do repertório, levando em consideração que precisava de outros elementos que me repertório
assegurassem as escolhas. Tomei como base o que diz Sérgio Figueiredo (1990), ao se referir
a escolha do repertório coral: “É preciso selecionar obras que contribuam para a solução de
problemas”; o autor acrescenta três dicas importantíssimas para essa escolha:

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Almeida, Matheus Cruz Paes de

[…] a literatura sobre a prática coral é enfática na questão da seleção do repertório. A


escolha adequada de repertório estimula o crescimento do grupo. E a análise prévia do
repertório pode contribuir para a eficácia de sua aplicação. (Figueiredo, S., 1990, p. 22).

Alem desses três elementos básicos para a escolha do repertório “é preciso abordar cada
composição com um conhecimento do seu estilo musical e da técnica vocal mais eficiente para
sua execução” (Fernandes; Kayama; Östergren, 2001, p. 53).

A partir desse conhecimento a questão do repertório se torna mais amena, sendo que este
“é o elo principal entre todos os agentes que participam da atividade coral – coralistas, regente e
público – e o fio condutor das atividades desenvolvidas pelo conjunto – ensaios, apresentações,
etc.” (Figueiredo, C., 2006, p. 25).

Referindo-se também ao repertório, Kerr (2006, p. 133) ressalta que este é “o recado que
o coro tem para dar. É aquilo que o seu coro tem a dizer […].” Dessa forma, um trabalho que
investiga como o elo entre o coro e o público – a construção de repertório – pode facilitar os
ensaios é de extrema importância para que todos os indivíduos envolvidos na realização do
trabalho coral tenham consciência dos benefícios que o canto coral pode proporcionar.

momento do Toda a formação relatada no item anterior deve ser aplicada na hora do ensaio, que é
ensaio quando o regente tem a oportunidade de mostrar seu conhecimento ao lidar com a gestão de
várias pessoas reunidas em um único lugar com vários objetivos. É dever do regente que, dentre
todos esses objetivos individuais, se sobressaia o de fazer música através do canto coral, e esse
momento se resume praticamente na hora do ensaio.

[…] o ensaio é o grande encontro entre os coralistas e seu regente, intermediados pela
partitura, na maior parte dos casos. Cada ensaio é único, na medida em que está sujeito a
um número infinito de variáveis: número de cantores presentes, disposição física, mental
e psicológica de cada cantor e do regente, condições climáticas, mudanças de local, etc.
(Figueiredo, C., 2006, p. 7).

O ensaio pode ser compreendido de duas formas, uma é o ensaio geral e outra é o ensaio
de naipes. No coral Jovens de Ontem, dentro da estrutura do ensaio geral, se iniciava pelo
aquecimento corporal, e depois, pelo aquecimento vocal ou momento de técnica vocal. Como
regente, tive que tomar cuidado para que a forma com que eram aplicados os exercícios de
técnica vocal não deixasse os coralistas cantarem como se fossem solistas.

Cantar em coro é sempre cantar em uníssono. Parece estranho dizer isso, quando a
maior parte das obras feitas por coros é a duas, três e mais vozes. Não podendo perder
de vista, porém, que cada cantor, soprano, contralto, etc. – canta em uníssono com seus
colegas de naipe. Assim sendo, a busca de um perfeito uníssono é um passo importante
em qualquer etapa de um ensaio, um ideal. (Figueiredo, C., 2006, p. 8).

O momento em que acontece o ensaio é um momento de troca de experiências entre


o regente e o coro. É também no momento do ensaio que o regente, provido de uma série
de metodologias, leva os coralistas a sentirem prazer de estarem realizando uma atividade
inteligente, que os conduz ao crescimento.

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O canto coral e a terceira idade - o ensaio como momento de grandes possibilidades

Todos nós sabemos que a atividade coral desenvolve tanto o lado físico quanto o
psicológico de um cantor. Desde o simples ato de respirar de maneira disciplinada até
o “se expor”, cantando, traz benefícios permanentes para um coralista. Além disso, a
atividade coral é associada por excelência, sendo um trabalho de equipe, que, bem
conduzido, prepara indivíduos para uma convivência positiva em sociedade. (Figueiredo,
C., 2006, p. 9).

Sem dúvida, a preparação do ensaio começa na escolha do repertório. Todavia pensemos


que este já esteja definido, dessa forma a preocupação continua. Quando selecionamos uma
peça para realizá-la com o coro, nos deparamos com várias situações-problema, que se
resolverão somente quando se chegar ao trecho ou trechos da peça em que elas se apresentam.

O profundo conhecimento da partitura, associado com a postura de estar aberto para “o


que der e vier” são as ferramentas indispensáveis para uma boa condução do ensaio de
uma obra, em qualquer de suas etapas […] e que a cada ensaio, é um novo coro, que
nunca vimos antes, imprevísivel. (Figueiredo, C., 2006, p. 14).

Em meio a tantas atividades realizadas no canto coral, acredito que o ensaio seja um dos
momentos mais importantes para o coro. Como ressalta Figueiredo, S. (1990, p. 13), “é no
ensaio que se constrói o conhecimento musical de um grupo [e acrescenta dizendo] que este
treinamento que ocorre no ensaio deve ter como objetivo facilitar a realização musical”.

O ensaio de naipe é um momento importantíssimo para o regente que busca um bom


trabalho em um menor espaço de tempo. Normalmente, esse trabalho conta com a ajuda de
pessoas que o auxiliam na sua realização, tendo sempre em vista os mesmo objetivos; a essas
pessoas denominamos de monitores de naipe. São os monitores que ensaiam as melodias de
seus respectivos naipes, realizando no momento do ensaio ações pedagógicas que venham a
auxiliar os coralistas na compreensão de sua linha melódica, problemas rítmicos, entre outros.
Todavia há muitos casos de regentes que não contam com a ajuda de monitores e têm que
realizar esses dois papéis. Nesse caso, tudo acontece em um mesmo ambiente, o ensaio de
naipe é realizado com todo o coro presente.

Todas essas questões são essenciais, pois buscamos um ensaio produtivo no qual
possamos nós (regentes) e os coralistas sair dele satisfeitos e com vontade de participar do
próximo ensaio. Esse ensaio, por sua vez, é dividido em duas partes: 1) preparação corporal; 2)
vocalise.

Preparação corporal

Quando se pensa em um repertório coral, deve-se analisar se o coro, para o qual estamos
trabalhando, tem condições de realizar determinada obra. No que se refere ao canto e à técnica
vocal: “A voz é o resultado sonoro de um instrumento que exige cuidados.” Coelho (1994, p. 11)
afirma que a preparação vocal e corporal é um “trabalho que promove, também, mudanças em
suas estruturas internas de sensibilidade e conhecimento”.

No trabalho realizado com o coro Jovens de Ontem foram utilizadas na preparação vocal
as metáforas físicas, uma abordagem que se baseia em gestos para o desenvolvimento das
habilidades vocais e da compreensão musical dos coralistas.

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Almeida, Matheus Cruz Paes de

Gestos não são apenas eficazes quando se trata dos desafios associados à técnica vocal;
eles podem ser muito importantes para ajudar os cantores a sentir e entender a música
em um nível mais profundo e primordial. Os cantores podem vivenciar em seus corpos
os elementos estruturais ou as qualidades expressivas da música: eles podem ver o que
suas mãos estão fazendo à medida que eles pintam a frase, eles podem sentir a tensão e
relaxamento inerentes à linha melódica, enquanto eles representam estes tipos de gestos,
e eles podem conectar sua consciência sinestésica com o som e suas mudanças sutis ou
dramáticas. (Wis, 1999, p. 7).

Além dos gestos como parte importante do processo de afinação, Coelho elucida que “os
principais objetivos do trabalho de postura são: adquirir consciência do próprio corpo, colocá-
lo em posição natural, manter ou restabelecer sua elasticidade, e desenvolver equilíbrio e
autocontrole” (Hofbauer, 1978 apud Coelho, 1994, p. 25).

Vocalise

Os elementos citados acima são necessários para um coralista realizar o ato de cantar
complementado pelo vocalise que precede o ensaio de repertório. Coelho (1994) elucida que o
ato de vocalizar é exercitar e desenvolver possibilidades técnicas da habilidade vocal, sendo que
cada vocalise possui um objetivo específico a ser alcançado.

Procurei realizar com o coral Jovens de Ontem vocalises que lhe propusessem uma boa
dicção, sustentação vocal, principalmente nas notas mais agudas, assim como agilidade, maior
extensão vocal, ou seja, tudo para que realizasse o repertório proposto com maior facilidade.

Respiração

Para que o corpo desempenhe também seu papel de intérprete, é imprescindível que o
coralista desenvolva uma habilidade respiratória que supra suas necessidades. A expiração do
ar é um dos problemas comuns que aparecem e que se faz necessária para a prática do canto
coral. Coelho, apoiada em Gomez, afirma que o verdadeiro “problema para quem canta não é a
inspiração, mas a expiração” (Gomez, 1980 apud Coelho, 1994, p. 35).

Pude perceber tal problema bem evidente na prática com o coral Jovens de Ontem,
observando que os cantores conseguem realizar a inspiração com certa facilidade, todavia a
expiração é mais difícil, pois exige um controle maior do diafragma, controle esse que leva um
tempo variável para ser dominado, de pessoa a pessoa. Mathias (1986, p. 36) se refere à voz
humana como um instrumento musical que o homem carrega dentro de si mesmo, e que precisa
estar em boas condições de uso: afinado, aquecido e bem preparado: “A respiração (coluna de
ar) tem a função de emissor da voz falada ou cantada tal como o arco é para o violino.”

Tendo o ar essa função de emissor da voz, seja ela cantada ou falada, é pertinente que
se tenha para essa realização uma quantidade grande de ar, e é na inspiração que se obtém
essa quantidade. É necessário que ao realizar o ato de inspiração se tenha um grande espaço
para que esse ar possa se acomodar e assim servir de veículo para o canto. Para que haja
esse espaço no corpo é indispensável que o diafragma seja suspendido com o movimento da
inspiração e que as costelas sejam expandidas, obtendo assim mais espaço para que ar se
acomode. Depois é necessário que os coralistas consigam manter o diafragma suspendido, as
costelas também expandidas até o término da frase musical, expelindo o ar com muito controle.

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O canto coral e a terceira idade - o ensaio como momento de grandes possibilidades

Ressonância

“A ressonância é um fenômeno físico observável pelo reforço na intensidade de uma onda


mecânica qualquer – reforço este sobre seu som fundamental e/ou seu harmônico(s) – ao atingir
um sistema oscilante cuja freqüência seja igual a sua” (Coelho, 1994 p. 59). Nos momentos de
aquecimento corporal, realizei também uma sensibilização com os coralistas no que diz respeito
à ressonância. Pedi a eles que com as mãos sentissem o som vibrando nas regiões do corpo
onde tocassem. Em determinados aquecimentos solicitei a eles que realizassem os vocalises
com a mão na cabeça, procurando sentir a vibração. Contudo, disse aos coralistas que não havia
somente a cabeça como ressoador do som no nosso corpo, que existiam outros lugares, os
quais chamamos de “cavidades de ressonância humanas que são todas aquelas cavidades do
corpo cujo conteúdo aéreo e cujos componentes ósseos, cartilaginosos ou musculares entram
ou podem entrar em vibração a partir das vibrações do interior da laringe” (Coelho, 1994, p. 59).

Articulação

O controle da expiração está diretamente ligado com a articulação. O termo “articulação”


apresentado por Rita Amato (2007) significa a pronúncia com clareza da interpretação musical
inteligente veiculada pela separação equilibrada e coerente do trecho musical em pequenas
unidades.

Todavia, por outra ótica, Fernandes, Kayama e Östergren (2001, p. 62) afirmam que a dicção:

[…] permite uma enunciação clara, capaz de proporcionar um melhor entendimento do


texto; uniformidade sonora das vogais, essencial para uma afinação refinada e para a
maior homogeneidade sonora; uniformidade de articulação consonantal, essencial para
o equilíbrio rítmico; e flexibilidade dos lábios e da garganta, permitindo uma produção
vocal eficiente e saudável.

A articulação sem dúvida é uma grande ferramenta em benefício de uma boa realização
musical. No coral Jovens de Ontem percebi a grande dificuldade nesse aspecto, pois a falta de
facilidade em articular as palavras enquanto se canta é sem dúvida uma dificuldade motora da
faixa etária.

A “articulação vocal é uma série de movimentos realizados pelas partes móveis das
cavidades de ressonância através dos quais o ruído e o som glóticos se transformam em
palavras e linguagem” (Gomes, 1980 apud Coelho, 1994, p. 43). Sem dúvida, um coro no qual se
canta articulando bem as palavras, a sonoridade, afinação e dicção não serão problemas para o
regente se preocupar.

O trabalho consistiu numa pesquisa qualitativa. Segundo Bresler (2007), a pesquisa metodologia
qualitativa envolve perspectivas múltiplas de participantes situados em lugares diferentes, é
empírica e dirigida para um campo, sendo este o local onde acontece o caso a ser investigado.
Ela é descritiva, é interpretativa e empática, em que o investigador é o instrumento fundamental e
a análise dos dados é indutiva. As observações e interpretações preliminares são validadas e o
relatório da pesquisa procura facilitar a transferência dos resultados às experiências dos leitores.

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Almeida, Matheus Cruz Paes de

Para fundamentar a pesquisa, busquei estudar artigos e livros nas áreas de educação
musical e canto coral. Encontrei respostas e questionamentos para esse assunto, importante
para os dias de hoje, que é o canto coral. Estruturei basicamente o projeto de pesquisa no livro
de técnica vocal para coros de Helena de Souza Nunes Wohl Coelho (1994) e no livro Ensaios,
de Carlos Alberto Figueiredo et al. (2006) e nos artigos referentes a prática coral de Angelo José
Fernandes, Adriana Giarola Kayama e Eduardo Augusto Östergren (2001), Rita Fucci Amato
(2007), Micheline Gois (2009), tanto quanto nas dissertações de Sérgio Figueiredo (1990) e Paulo
Rubens Costa (2005).

Nesse estudo da ação de trabalhar com o coral Jovens de Ontem foram realizadas
gravações e anotações de todas as situações pedagógicas, desde o planejamento até os
ensaios e apresentações do coro. Dessa forma, um relato do desenvolvimento do coro ressalta
as experiências com a afinação vocal e ritmo.

Primeiramente, foi necessário fazer um planejamento semestral, referente ao repertório que


eu pensava realizar com o coro. Estando essa primeira etapa resolvida, passei para a segunda,
que foi o planejamento por ensaio, o que corresponderia a uma aula. Nesse planejamento foi
de grande importância se pensar em um aquecimento corporal, ou ainda poderíamos chamar
de uma “sensibilização corporal”, em que se realizariam exercícios corporais de respiração, de
alongamento e de ritmo (referente ao repertório proposto). Depois viria o aquecimento vocal,
ou o vocalise, que seria compreendido por volta de uns quatro exercícios (1º vibração vocal;
2º ressonância vocal; 3º e 4º extensão vocal; e 5º um exercício de staccato). Tanto o terceiro
quanto o quarto exercício deveriam ser trabalhados baseando-se nas melodias em que o coro
apresentasse dificuldades. Dessa forma, seria feito um trabalho tentando sanar as dificuldades
apresentadas nas melodias das músicas do repertório do grupo através do vocalise, o que,
provavelmente, repercutiria na realização das peças.

Continuando o planejamento, tendo em vista que já teríamos passado pelo aquecimento


corporal e aquecimento vocal, agora como terceira etapa viria o ensaio de naipe. Esse ensaio
para um coro amador é de excepcional importância, visando uma realização musical com mais
qualidade e em menor tempo. No ensaio de naipe, como o próprio nome já diz, os naipes do
coro se dividem, cada um realizando um ensaio específico da parte de voz, trabalhando as
dificuldades que o naipe apresente em cada peça, deixando assim os coralistas mais seguros
dos papéis que devem desempenhar dentro do coro. Logo em seguida, após o ensaio de naipe,
todos voltam a um mesmo lugar e se inicia a quarta etapa, o ensaio geral. É nessa hora que tudo
faz sentido, todos os exercícios de aquecimento corporal, vocal, ensaio de naipe estão voltados
para esse momento, tão importante. No ensaio geral fazíamos todas as músicas que estavam
programadas no planejamento.

Levando em consideração essa sequência de planejamento fiz planos de ensaio-aula que


auxiliaram em cada aula ou ensaio obtendo grande eficiência e organização. O plano de aula foi
realizado para cada ensaio, sendo que ao término de cada um foi feito um relatório, incluindo
detalhes ou outras situações que mereciam destaque por não terem dado certo e relatando como
se tentou resolver a questão.

A pesquisa se baseou nas observações que aconteceram nos ensaios de segunda e sexta-
feira, que foram feitas basicamente através das gravações e dos planos e relatórios semanais,
por um período aproximado de 13 meses, de março de 2011 a abril de 2012.

No que se refere à prática dessa técnica é necessária “a observação enquanto processo


de abordagem do real: e de conhecer com objetividade a realidade em que se pretende intervir”

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O canto coral e a terceira idade - o ensaio como momento de grandes possibilidades

(Mateiro; Souza, 2009, p. 119). Mas as autoras, referindo-se à realização professor-aluno, que
entendo semelhante à realização regente-cantor, complementam dizendo que “é preciso prestar
atenção na relação que os alunos estabelecem com a música e, enquanto professor inserir-se na
relação, buscando interagir com eles e com seu jeito de fazer e de gostar de música” (Mateiro;
Souza, 2009, p. 120).

Estando em mãos com os planos de aulas, relatórios e gravações, pude realizar então
uma análise desses materiais, tendo como alvo a afinação vocal dos coralistas e a apreensão
do ritmo nas músicas que eles cantaram. A partir dessa análise, pude avaliar quais atividades
pedagógico-musicais deram certo, quais não deram, que possibilidades ainda teria e, por fim,
redigir o trabalho de conclusão de curso de graduação, apontando sugestões de atividades
práticas que podem ser aplicados por regentes educadores em situações semelhantes.

O levantamento dos dados sobre os participantes do coral Jovens de Ontem foi dados sobre
realizado através de um questionário, no qual os coralistas preencheram informações como: os coralistas
nome, endereço, data de nascimento, atividade profissional, se já haviam cantado em coro, se
dominavam algum instrumento musical.

O coral Jovens de Ontem era à época composto por 28 coralistas, que dividi em três naipes
sendo eles: 13 sopranos, 8 contraltos e 7 homens com vozes diferentes. Dentre as sopranos, 7
possuíam extensão que alcançava do lá2 ao fá#4, 3 alcançavam do si2 ao sol4 e 3 alcançavam
do si2 ao sol#4.

O naipe de contraltos era composto por 3 cantoras com extensão do sol2 ao re4; 2
alcançavam do lá2 ao ré#4 e 3 alcançavam do lá2 até o fá#4. Essa extensão é geral e a maioria
das contraltos desse coro era de mulheres de idade mais avançada, com alguns problemas
vocais, como rouquidão.

O terceiro e último naipe era o dos homens. Na classificação eu os dividi em tenores e


barítonos, contudo como eram poucos e a maioria apresentava problemas de afinação vocal,
achei por bem colocá-los juntos. Este naipe era composto por 7 homens, dos quais 3 eram
classificados como tenores e 4, como barítonos. Dos tenores, 2 possuíam a extensão vocal do
si1 ao sol3 e um, do lá1 ao lá3. Dentre os 4 barítonos, 2 possuíam uma extensão que alcançava
do lá1 até o fá3; 1 alcançava do lá1 ao si2 e 1 alcançava do lá1 até o dó#3.

Período de observação inicial


a pesquisa
Iniciei a pesquisa no primeiro semestre de 2011, buscando examinar os problemas de com os
afinação vocal e ritmo, identificados frente ao coro. “jovens de
Os ensaios do coro aconteceram todas as segundas e sextas das 9h às 11h, no Centro de ontem”
Ação Cultural (CAC) da prefeitura da cidade de Maringá, nas instalações da Biblioteca Central, no
terceiro piso. O ensaio tinha uma rotina, em que iniciávamos com um trabalho de aquecimento
corporal, pensando na respiração diafragmática; depois o aquecimento vocal, buscando uma
voz equilibrada, flexível e afinada. Quando se fez necessário, realizamos o ensaio de naipe, em
que dividimos o grupo em dois; um grupo ficava comigo e o outro com a pianista. Para finalizar,
realizávamos o ensaio geral para preparar as obras musicais com todos.

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 119-133 | jul.dez 2013 129


Almeida, Matheus Cruz Paes de

Para explicar o processo da análise realizado no trabalho, apresento os problemas


diagnosticados nesse processo de investigação, através das músicas trabalhadas.

A seguir apresentarei as músicas Vinhetas de maracatu e Lua e estrela servindo como


exemplos de como se tentou solucionar os problemas de afinação e ritmo e os resultados obtidos
junto às músicas do repertório estudado.

Vinhetas de maracatu

A música Vinhetas de maracatu, dos compositores Dímas Sedicia e Antonio Nóbrega, com
arranjo de Edu Fernandes a quatro vozes, foi escolhida por tratar-se de um arranjo de melodias
sobrepostas do folclore nordestino. O arranjo está em fá maior, contém 9 compassos e têm a
tessitura do sol2 ao dó4. A música está estruturada com melodias sobrepostas, facilitando ao
coro uma junção mais rápida de uma música a mais de uma voz.

Pensei em possibilitar ao coro através dessa música um trabalho sistematizado de ritmo,


sendo que a cada melodia o ritmo é variável. No ensaio em que apresentei a música a eles,
observei que a melodia não era o ponto a ser analisado, mas sim o ritmo. No ensaio seguinte,
solicitei que se dividissem em três grupos (homens, contraltos e sopranos) e que cada grupo
realizasse as células rítmicas, percutindo-as uma vez com palmas, outra vez com os pés e outra
vez batendo as mãos nas pernas, e como última vez percutindo em qualquer parte do corpo,
porém falando o texto junto com a percussão, conforme demonstra a célula rítmica a seguir:

FIGURA 1

Células rítmicas de Vinhetas


de maracatu.

A célula rítmica acima é o trecho inicial da música Vinhetas de maracatu que está a
seguir.

FIGURA 2

Parte da música Vinhetas de maracatu.

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O canto coral e a terceira idade - o ensaio como momento de grandes possibilidades

Após a realização dessa atividade, pude perceber que o aspecto rítmico da música passou
a ficar mais claro para todos. Os cantores conseguiram executar com mais facilidade a obra,
deixando a dicção do texto e o ritmo de acordo com o que se espera para essa obra.

Como foi citado acima, nessa obra, o aspecto de afinação não era o mais grave e sim o
aspecto rítmico; contudo, isso não quer dizer que a afinação do coro era satisfatória. Quanto a
isso, o mesmo levou um pouco mais de tempo para conseguir um bom resultado. Nos naipes
femininos, esse processo ocorreu mais rápido, todavia, no naipe masculino, esse processo foi
um pouco mais demorado, devido à pequena extensão vocal dos homens. Trabalhei a questão
da técnica vocal somente com eles, com exercícios respiratórios e de extensão vocal em várias
aulas, surgindo dentro desse processo resultados positivos.

Lua e estrela

Um exemplo de como foi trabalhada a questão da melodia (afinação) foi a realização de


um vocalise baseado na música Lua e estrela, do autor Vinícius Cantuária com o arranjo de Nenê
Cintra, a duas vozes. Estabeleci uma relação entre o vocalise e a parte da música que estava
apresentando problemas melódicos de afinação a qual apresento a seguir o vocalise que realizei.

FIGURA 3

Exercício para a música


Lua e estrela.

Segue um trecho da música Lua e estrela que estava apresentando problemas de afinação
nos compassos dois e três, os quais deram origem ao vocalise acima.

FIGURA 4

Trecho da música Lua e estrela.

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 119-133 | jul.dez 2013 131


Almeida, Matheus Cruz Paes de

Após a realização desse vocalise, pude perceber uma grande evolução melódica (no aspecto
de afinação) e harmônica em toda a música. Após a realização desse vocalise, realizamos na
sequência a música Lua e estrela e para satisfação de todos o resultado foi imediato e positivo. O
coro relacionou bem o vocalise com a parte da música que não estava bem.

Esses processos – tanto rítmicos quanto melódicos (afinação) – foram também realizados
com as outras músicas com resultados bem positivos, em que pude perceber que a cada nova
música esses processos aconteciam em um menor espaço de tempo e com uma qualidade
sonora muito melhor.

considerações Relato na pesquisa com o grupo Jovens de Ontem uma situação positiva de aprendizado
musical de idosos observada atentamente nas situações de ensaio. Tendo percebido que o grupo
finais
não fazia bem algumas práticas, com maior atenção aos vocalises, na prática do aquecimento
corporal comecei a trabalhar com os cantores essa vivência musical mais detalhada, a partir do
próprio repertório, em que foram aparecendo os resultados positivos com poucos meses de
ensaios. O trabalho de conclusão de curso mostra os 13 meses em que eu realizei a pesquisa,
bem como as dificuldades com que me deparei no início do trabalho, além das vitórias alcançadas
logo nos primeiros meses, verificadas também nas apresentações.

A técnica vocal para idosos é uma questão um tanto delicada, principalmente porque
sempre aparecem pessoas novatas para o grupo, as quais muitas vezes nunca cantaram na vida,
que têm problemas de afinação relacionados a muitos fatores. Todavia, eu acredito que todas as
pessoas estão aptas a cantar. É perceptível nos coralistas do coral Jovens de Ontem o desejo de
cantar, de se sentir útil, de sentirem-se importantes quando são admitidos no coral.

Nos casos das pessoas que chegam perguntando se podem cantar no coral, eu respondo
que sim e digo que preciso realizar com elas um pequeno vocalise para conhecer e classificar
suas vozes. Quando informo o naipe em que elas irão cantar, a felicidade em saber que já fazem
parte do coro é muito grande e isso faz com que elas se sintam mais motivadas ainda.

A pesquisa terminou em março de 2012, porém eu segui com esse repertório e outras
peças, que fui acrescentando no decorrer do ano. A quantidade de pessoas que aderem ao coral,
assim como os depoimentos que ouço, são muito importantes para a minha experiência, não só
musical, mas de vida. E a confirmação de que esse trabalho está dando bons resultados motiva-
me a buscar sempre estratégias de ensino para o meu aperfeiçoamento e para o desenvolvimento
de uma educação musical para pessoas idosas através do canto coral.

referências AMATO, D. C. A contribuição da atividade coral na qualidade de vida da terceira idade. (Relato de uma
experiência). Monografia (Pós-graduação em Educação Musical)–Faculdade de Música Carlos Gomes,
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REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | 119-133 | jul.dez 2013 133


Dados dos Andréia Pereira de Araújo Martinez
Possui graduação em Pedagogia e curso de especialização em Educação Infantil, ambos pela Universidade
autores
de Brasília (UnB). Atualmente cursa o mestrado no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação
Revista da
da UnB. É professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Tem experiência na
Abem 31 área de educação, com ênfase em educação infantil e educação musical. Possui publicações acadêmicas
em congressos nacionais, internacionais e periódicos e realiza cursos e oficinas de formação musical para
professores da educação infantil.

Patrícia Lima Martins Pederiva


É professora doutora do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília (UnB). É coordenadora da linha de pesquisa de Ensino, Aprendizagem, Ação Pedagógica e
Subjetividade na Educação (EAPS) da Pós-Graduação em Educação da UnB. Integra o eixo de pesquisa
sobre escolarização. É integrante do GT de reformulação do Currículo de Música na Educação Básica no
DF. Coordena o Grupo de Pesquisa em Práticas Educativas (Geppe), o Laboratório de Música, Cultura e
Educação (Lamce) e a Rede de Embalos Musicais, Culturas e Infâncias (Emci). É membro da Associação
Brasileira de Educação Musical (Abem), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd) e da International Society for Music Education (ISME), Movimento Interfóruns de Educação Infantil
do Brasil (Mieib), entre outros. Possui publicações nacionais e internacionais no campo da educação
musical. Coordena a formação de professores em educação musical e infância. Tem ministrado oficinas de
formação em educação musical para professores da educação infantil em todo o Brasil.

Ana Francisca Schneider Grings


Mestre em Educação Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutoranda em
Educação Musical pela mesma instituição. Possui graduação em Licenciatura em Música pela UFRGS,
graduação em Pedagogia e especialização em Gestão Escolar pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente é professora de Artes/Música do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Canoas. Participa do grupo de pesquisa Formação e
Atuação de Profissionais em Música (Faprom) desde 2007, onde pesquisa sobre a temática da motivação
para aprender e ensinar música.

Liane Hentschke
Doutora em Educação Musical pela University of London, Inglaterra, com Pós-Doutorado na mesma
instituição. Professora titular do Departamento de Música, Instituto de Artes da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Diretora do Conselho de Gestores de Relações Internacionais da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2011-2012, atualmente
ocupa o cargo de secretária de Relações Internacionais da UFRGS. Presidente da International Society for
Music Education (ISME) entre 2004 e 2010, atualmente ocupa o cargo de vice-presidente do International
Music Council (IMC), órgão assessor de música para a Unesco. Desde 1992 tem atuado como professora
no curso de Licenciatura em Música e como professora e orientadora no Programa de Pós-Graduação em
Música da UFRGS. Pesquisadora Nível 1 do CNPq, coordena o grupo de Pesquisa Formação e Atuação de
Profissionais em Música (Faprom), do PPG-Música UFRGS.

João Fortunato Soares de Quadros Júnior


Doutor em Educação Musical pela Universidad de Granada, Espanha, e mestre em Música pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor adjunto A do curso de Licenciatura em Música da
Universidade Estadual do Maranhão (Uema). Autor de diversos artigos em revistas brasileiras Qualis A,
bem como do livro Fatores de influência no processo de ensino-aprendizagem musical: o caso da Escola
Pracatum (Unimontes, 2009), em parceria com o Dr. Oswaldo Lorenzo (Universidad de Granada – Espanha)
e a Dra. Ana Cristina Tourinho (UFBA).

Oswaldo Lorenzo
Doutor em Filosofia e Ciências da Educação (Prêmio Extraordinário de Doutorado, UNED). Mestre em
Gestão Cultural pela Universidad Complutense de Madrid. Na atualidade, é Professor Contratado Doutor

134 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


– acreditado pela ANECA para Professor Titular de Universidade – na Facultad de Educación y
Humanidades de Melilla, Universidad de Granada. Autor de publicações científicas sobre pesquisa
em educação musical e pesquisa educativa em diferentes revistas indexadas na WOS (JCR-SSCI e
A&HCI). Terceiro prêmio nacional de pesquisa educativa (2004), Ministério de Educação e Ciência da
Espanha-CIDE. Pesquisador principal e participante em diferentes projetos e contratos de pesquisa
nacionais e internacionais (Comenius, Alfa, I+D+I). Palestrante e visitante habitual em congressos
e universidades de distintos países. Atualmente, coordena o programa de doutorado “Educación
Musical: una perspectiva multidisciplinar” no México e o Mestrado Oficial “Educación Musical: una
perspectiva multidisciplinar” na Universidad de Granada

Cristiane Magda Nogueira de Souza


Mestranda em Música pela Universidade Federal de Minas (UFMG), onde desenvolve pesquisa sobre
os saberes docentes em música, e especialista em Educação Musical pela mesma instituição. É
graduada em Música pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), onde leciona para o curso de
Licenciatura em Música, atualmente. professora de música para crianças a partir de 3 anos de idade
no Instituto Santo Antônio de Pádua, em Itabirito (MG).

Rafael Rodrigues da Silva


É professor do curso de Licenciatura em Música da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre, onde atua no componente curricular Artes em turmas do ensino
fundamental e ministra oficinas extracurriculares de música. Licenciado em Música pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e especialista em Pedagogia da Arte pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), cursa o Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), com bolsa Capes, onde desenvolve pesquisa acerca da gestão de sala de
aula entre professores licenciados em Música da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.

Franciele Maria Anezi


Licenciada em Música pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), atua como professora de
música em escolas de educação básica e como professora particular de violino e flauta-doce. Participou
de eventos e cursos de curta duração com os educadores musicais Josette Feres (2010), Teca Alencar
de Brito (2011), Fernando Barba (2012), Thelma Chan (2012). Participou como colaboradora dos
Programas LEM: tocar e cantar e SOM: formação, assessoria e orientação em Música, vinculados ao
Laboratório de Educação Musical (LEM/CE). Foi bolsista Fipe/Pibic da pesquisa “Tecendo memórias,
contando histórias: lembranças de iniciação musical de professores de música”, durante os anos de
2012 e 2013, permanecendo como colaboradora.

Luciane Wilke Freitas Garbosa


Doutora em Música – Educação Musical – pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista
em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade de Cruz Alta (Unicruz). É professora adjunta
do Departamento de Metodologia do Ensino – Centro de Educação da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM), atuando junto aos cursos de Licenciatura em Música, Pedagogia e Educação
Especial. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado – PPGE/UFSM. Vice-
coordenadora do Laboratório de Educação Musical – LEM, no qual desenvolve projetos de ensino,
pesquisa e extensão. Coordenadora do Programa SOM: formação, assessoria e orientação em
música. Vice-líder do grupo Fapem: Formação, ação e pesquisa em educação musical (CNPq). Atua,
especialmente, com os seguintes temas: história e memórias da educação musical no Brasil, formação
de professores, música na educação básica.

Tamar Genz Gaulke


É doutoranda em Música – Educação Musical (bolsista Capes) da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Música – Educação Musical pela mesma instituição. Graduada
em Licenciatura Plena em Música pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Participou de
projetos de pesquisa e extensão na UFSM. Foi professora de música da educação básica no Centro

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 135


Educacional Exponencial, regente do Coro e da Orquestra de Câmara da Universidade Comunitária da
Região de Chapecó (Unochapecó) e coordenadora de projetos de extensão voltados a música nessa
universidade.

Eunice Dias da Rocha Rodrigues


Mestre em Música pelo Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília (UnB),
especialista em Educação Musical pela Fundação Brasileira de Teatro-Faculdade Dulcina de Moraes
(FADM). Graduada em Educação Artística: Habilitação em Música, pela UnB e em Geografia, pelo Centro
de Ensino Unificado de Brasília (Ceub). Possui experiência profissional em educação musical, na atuação
com crianças e, sobretudo, adultos idosos, com os quais tem trabalhado desde 1994. Integra, desde
2001, o corpo docente do Centro de Educação Profissional/Escola de Música de Brasília (CEP-EMB), onde
atualmente exerce a função de coordenadora do Núcleo de Musicalização Infanto-Juvenil e ministra aulas
de musicalização e teclado em grupo para alunos idosos.

Matheus Cruz Paes de Almeida


Licenciado em Educação Musical pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atualmente cursa a pós-
graduação em Regência Coral pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). É integrante do grupo de
pesquisa Educação Musical, Tecnologias e Sociedade, na UEM. É regente dos corais municipais adulto
e infantil da cidade de Flórida (PR) e dos corais das paróquias Santo Antônio e São Silvestre de Maringá
(PR).

136 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


• Educación y música contemporánea: encuentros y desencuentros entre compositores y Revista da
docentes ABEM nº 30
Ana Urrutia Rasines
Maravillas Díaz Gómez jan./jun. 2013

• A internet em desenvolvimento: vivências digitais e interações síncronas no ensino a


distância de instrumentos musicais
Daniel Marcondes Gohn

• Educação musical a distância online: desafios contemporâneos


Giann Mendes Ribeiro

• O ensino de música a distância: um estudo sobre a pedagogia musical online no ensino


superior
Fernanda de Assis Oliveira-Torres

• Tipos de motivação para a licenciatura em educação musical de estudantes brasileiros e


portugueses
Tais Dantas
Graça Maria Boal Palheiros

• Educação estética e processos de ensinar e aprender na formação continuada de


professores em música
Patrícia Wazlawick
Viviane Elias Portela
Glauber Benetti Carvalho
Soraia Schutel

• Educação musical em escolas da Costa Verde, Sul Fluminense: problematizando


possibilidades de implementação da Lei 11.769/2008
Luciana Pires de Sá Requião

• Música nas escolas de educação básica: o estado da arte na produção da Revista da


Abem (1992-2011)
Nair Pires
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

• A audiação em músicos profissionais: um estudo de caso


Ronaldo da Silva
Ricardo Goldemberg

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 137


Revista da • Nuevos retos para la educación musical. El docente de música como investigador
ABEM nº 29 Luz Dalila Rivas Caicedo
jul./dez. 2012 • Música na escola: aspectos históricos da legislação nacional e perspectivas atuais a
partir da Lei 11.769/2008
Luis Ricardo Silva Queiroz

• A escola de tempo integral: um espaço potencial para as aulas de música na educação


básica
Andréia Veber

• Sobre ensinar música na educação básica: ideias de licenciandos em música


Luciana Del-Ben

• Educação musical e a ideia de arquiteturas pedagógicas: práticas na formação de


professores da geração “nativos digitais”
Luciane Cuervo

• A autonomia do aluno de violão em um curso de licenciatura em música a distância: um


estudo sobre os fatores de influência
Bruno Westermann

• A teoria da autodeterminação e as influências das necessidades psicológicas básicas na


motivação dos professores de música
Francine Kemmer Cernev
Liane Hentschke

• A formação do técnico em música em nível médio na visão de professores de


instrumento musical
Cristina Porto Costa

• O que a filosofia da linguagem pode nos ensinar sobre a ideia de linguagem musical e
quais as implicações deste diálogo para a educação musical?
José Estevão Moreira

• Jovens musicando: a constituição da condição juvenil marcada pela aprendizagem das


práticas musicais
Lucielle Farias Arantes

• Nas rotinas do cotidiano: educação musical em Belém do Pará na primeira metade do


século XX1
Lia Braga Vieira

• Práticas musicais gospel no cotidiano e educação musical


André Müller Reck

• Música e saúde: a humanização hospitalar como objetivo da educação musical


José Davison da Silva Júnior

138 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


• ABEM: 20 anos de construção coletiva para a consolidação do ensino de música no Revista da
Brasil ABEM nº 28
Alda Oliveira
edição especial
• A ABEM e a educação musical no século XXI: contextualizando o significado da 2012
dinâmica em rede
Magali Kleber

• A educação musical no Brasil do século XXI: articulações do ensino de música com as


políticas brasileiras de avaliação educacional
Luis Ricardo Silva Queiroz

• Políticas públicas para a formação de professores no Brasil: os programas Pibid e


Prodocência
Maria Isabel Montandon

• Ensino da música popular em si, para si mesma e para “outra” música: uma pesquisa
atual em sala de aula
Lucy Green

• Educação Musical sob a perspectiva da diversidade cultural e globalização: posição da


CIIMDA
Meki Emeka Nzewi

• Os desafios da arte na educação e as associações de área: uma perspectiva histórica


Arão Paranaguá De Santana

• FLADEM – Fórum Latinoamericano de Educação Musical: Por uma Educação Musical


Latinoamericana
Teca Alencar De Brito

• Ações para a implementação do ensino de música na escola: uma experiência no


município de Natal/RN
Jean Joubert Freitas Mendes
Valéria Lázaro De Carvalho

• Ensino de Música na Escola: formação de educadores


Iveta Maria Borges Ávila Fernandes

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 139


Revista da • The social contract and music education: The emergence of political authority
ABEM nº 27 Cathy Benedict
jan./jun. 2012 • Interação vocal entre bebês e pais durante a rotina da “troca de fraldas”
Anna Rita Addessi

• Música, pesquisa e infância: cantorias do repente


Dulcimarta Lemos Lino

• Convivendo, conversando, criando e fazendo música: a educação musical no Corpo


Cidadão
Evandro Carvalho de Menezes

• Programa de apoio pedagógico e inclusão: um estudo de caso


Lisbeth Soares

• Educação musical com função social: qualquer prática vale?


Maura Penna
Olga Renalli Nascimento e Barros
Marcel Ramalho de Mello

• Aula de música e escola: concepções e expectativas de alunos do ensino médio sobre a


aula de música da escolar
Cristina Bertoni dos Santos

• O que faz uma música “boa” ou “ruim”: critérios de legitimidade e consumos musicais
entre estudantes do ensino médio
Rafael Rodrigues da Silva

• Educação musical sob a ótica do pensamento complexo


Fernanda Albernaz do Nascimento

• “Permita-me que o apresente a si mesmo”: o papel da afetividade para o


desenvolvimento da criatividade na educação musical informal da comunidade jazzística
Alvaro Neder

• Interações pedagógico-musicais da prática coral


Leila Miralva Martins Dias

Por uma mudança de paradigma na iniciação musical ao piano


Maria F. de T. G. Barbosa França
Sandra Leite de Sousa Azevedo

• Modelagem matemática: ferramenta potencial para avaliação das inflexões rítmicas na


realização musical de estudantes
Regina Antunes Teixeira dos Santos
Cristina Capparelli Gerling
Álvaro Luiz de Bortoli

• Resenha: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.). Pedagogias em educação musical. Curitiba:


Ibpex, 2011. 352 p. (Série Educação Musical).
Vanilda Lídia Ferreira de Macedo

140 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


• ¿NORMALES O ANORMALES? Normalidades y anormalidades en la formación del Revista da
educador musical ABEM nº 26
Ethel Batres
jul./dez. 2011
• Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education
Patrick Schmidt

• A rede de sociaabilidade em projetos sociais e o processo pedagógico musical


Magali Oliveira Kleber

• Discursos de professores de música: cultura e pedagogia em práticas de formação


superior
Eduardo Luedy Marques

• A música dos professores de música: representação social da "música de qualidade" na


categorização de repertório musical
Mônica de Almeida Duarte

• Compreender a escola de música: uma contribuição para a sociologia da educação


musical
Elisa da Silva e Cunha

• Práticas musicais coletivas: um olhar para a convivência em uma orquestra comunitária


Maria Carolina Leme Joly
Ilza Zenker Leme Joly

• Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianças sobre suas
práticas musicais
Viviane Beineke

• As crianças pequenas e seus processos de apropriação da música


Sílvia Cordeiro Nassif Schroeder
Jorge Luiz Schroeder

• Música e histórias infantis: o engajamento da criança de 0 a 4 anos nas aulas de música


Aneliese Thönnigs Schünemann
Leda de Albuquerque Maffioletti

• A formação e atuação de professores de acordeom na interface de culturas populares e


acadêmicas
Douglas Rodrigo Bonfante Weiss
Ana Lúcia de Marques e Louro

•A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem


de acordeom fomentados por dois professores atuantes na região metropolitana de
Porto Alegre – RS
Jonas Tarcísio Reis

DOCUMENTOS E DEBATES
• Ensino-aprendizagem da música da Folia do Divino no litoral paranaense: diálogos entre
etnomusicologia e psicologia sócio-histórica a partir do trabalho de campo
Carlos Eduardo de Andrade Silva e Ramos

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 141


Pareceristas Adriana Bozzetto
ad hoc 2013 Celson Gomes
Cintia Thais Morato
Claudia Bellochio
Eduardo Luedy Marques
Fernanda Oliveira
Flávia Candusso
Guilherme Garbosa
José Nunes Fernandes
José Ruy Henderson Filho
José Soares
Luciane Wilker Garbosa
Luis Fernando Lazzarin
Margarete Arroyo
Maria Cristina C Azevedo
Maria Guiomar Ribas
Maria Isabel Montandon
Monica Duarte
Patricia Keibach
Paulo Roberto Affonso Marins
Rosane Cardoso Araújo
Sergio Luís Ferreira de Figueiredo
Sonia Albano
Sonia Tereza Ribeiro
Tais Helena Palhares
Teca Alencar de Brito
Teresa Mateiro
Valéria Lazaro de Carvalho
Valéria Lüders
Vanda Freire
Vania Beatriz Müller
Viviane Beineke

Aos colegas, agradecemos a colaboração.


Conselho Editorial

142 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


A Revista da ABEM é uma revista científica da área de Educação Musical que tem como objetivo LINHA
divulgar a pluralidade do conhecimento em educação musical seja este de cunho científico, através de
EDITORIAL
relatos de pesquisa; de cunho teórico, através de reflexões acerca dos fundamentos e novos paradigmas
educacionais, políticos, estéticos e culturais, ou de cunho histórico, contextualizando as práticas atuais sob
uma perspectiva histórica.
O requisito principal para publicação na Revista da ABEM consiste em que o artigo represente, de
fato, contribuição científica no que se refere à relevância e pertinência do tema abordado ao contexto
e ao momento; ao reflexo do estado da arte do conhecimento na área do referencial teórico-conceitual
adotado; à consistência do desenvolvimento do artigo em relação aos princípios de construção científica
do conhecimento; à clareza e concisão das implicações do trabalho para a teoria e/ou para prática de
educação musical.
A Revista da ABEM tem interesse na publicação de artigos inéditos de desenvolvimento teórico,
trabalhos empíricos e ensaios, além de resenhas. A publicação dos textos da Revista da ABEM foi realizada
até o ano de 2013 em formato impresso e eletrônico. A partir de 2014 teremos o formato de periódico online.
A revista está disponível no site da ABEM no endereço
http://abemeducacaomusical.com.br/publicacoes.asp

Artigos
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliográfica
e propor novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes no campo da educação musical.
Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o conhecimento na área por meio de pesquisas
metodologicamente bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas e adequadamente analisadas.
Os ensaios compõem formas mais livres de contribuição científica. Tais trabalhos devem privilegiar as
abordagens críticas e criativas revelando novas perspectivas e trazendo reflexões sobre temas relevantes
na área de educação musical.
Não serão aceitos artigos em formato de comunicação de experiência.

Resenhas
A seção de resenhas tem como objetivo apresentar aos leitores os lançamentos de livros no campo
da educação musical, contribuindo para a divulgação do conhecimento na área. As obras escolhidas para
as resenhas devem ser recentes e apresentar conteúdo inovador e consistente, de interesse para a área. As
resenhas podem ser enviadas em dois formatos:
- Resenhas de um livro analisando um lançamento nacional ou estrangeiro. O autor deverá localizar
o campo de estudo ao qual a obra pertence, introduzir a obra e apresentar uma apreciação crítica,
mencionando sua contribuição para a teoria e/ou prática da educação musical.
- Resenhas múltiplas analisando de duas a cinco obras. O autor deverá localizar o campo de estudo
ao qual os livros pertencem e comentá-los brevemente, mencionando pontos de complementaridade
e interfaces. Uma apresentação crítica é desejável.
As resenhas devem ser encaminhadas para a comissão editorial da Revista da ABEM com as mesmas
características de formatação dos artigos.

Documentos e Debates
A seção Documentos e Debates destina-se à divulgação de documentos que subsidiem novas
pesquisas e possibilitem o avanço da área. Além disso, a seção é voltada à difusão de relatos de debates
e audiências acerca das políticas públicas voltadas à Educação Musical.

ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES


A Revista da ABEM está aberta a colaborações do Brasil e do exterior, e aceita textos em português,
inglês e espanhol. Todos os trabalhos devem ser enviados pelo endereço:

Conselho Editorial da Revista da ABEM


http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 143


Para os autores e co-autores brasileiros que submeterem artigos ou resenhas é necessário ser sócio da
abem e estar em dia com a anuidade.

Para submeter artigo para a Revista 1 do ano, o(s) proponente(s) deverá (ão) estar com a anuidade
do ano anterior em dia. Se a submissão do artigo for para a Revista 2, a anuidade que deverá estar em dia
é a do ano corrente.
A Revista da ABEM não aceita a submissão de mais de um artigo do mesmo autor e ou co-autor
para um mesmo número. Tampouco aceita publicar artigos do mesmo autor ou co-autor em números
sucessivos da revista, de modo que, uma vez que determinado autor ou co-autor tenha um artigo aceito
para publicação, não poderá tornar a submeter artigo para o número consecutivo da revista.
Os autor(es) que tiver(em) seu texto aprovado deverá(ão) enviar à Editoria da Revista uma Carta de
Cessão (modelo Revista ABEM), cedendo os direitos autorais para publicação, em formato impresso e
eletrônico, em regime de exclusividade e originalidade do texto, pelo período de 2 (dois) anos, contados a
partir da data de publicação da Revista.
Os trabalhos submetidos deverão ser encaminhados sem nenhum tipo de identificação do autor.
Em caso de aceite, o autor poderá incorporar seus dados, assim como os referentes à instituição, linha de
pesquisa e orientador.

Normas Técnicas:
a) Os artigos devem ter uma extensão entre 22.000 e 44.000 caracteres com espaço, incluindo a
totalidade do texto: resumo, abstract, palavras-chave, texto e referências.
b) As resenhas devem apresentar cerca de 7.500 caracteres com espaço e os trabalhos destinados à
seção Documentos e Debates devem conter entre 8.000 e 12.000 caracteres com espaço.
c) Serão aceitos trabalhos em português, inglês e espanhol.
d) Todos os trabalhos deverão ser enviados em arquivos no programa Word for Windows 7.0 pelo
endereço eletrônico
http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/
e) Os textos devem ser escritos em Times New Roman, fonte 12, espaço 1.5;
f) A primeira página do texto deve conter:
- Título
- Resumo em português, inglês ou espanhol, com cerca de 150 palavras, alinhamento à esquerda,
contendo campo de estudo, objetivo, método, resultados e conclusões. O Resumo deve ser colocado
logo abaixo do título e acima do texto principal.
- Três (3) palavras-chave, alinhamento à esquerda, em português, inglês ou espanhol.
Para os trabalhos escritos em português ou espanhol:
- Título em inglês
- Resumo em inglês (Abstract) com cerca de 150 palavras, alinhamento à esquerda, contendo campo
de estudo, objetivo, método, resultado e conclusões. O Abstract deve ser colocado logo abaixo do
resumo em português ou espanhol.
- Três (3) palavras-chave em inglês com alinhamento à esquerda.

Para os trabalhos escritos em inglês:


- Título em português ou espanhol.
- Resumo em português ou espanhol com cerca de 150 palavras, alinhamento à esquerda, contendo
campo de estudo, objetivo, método, resultado e conclusões. O Resumo deve ser colocado logo
abaixo do Abstract.
- Três (3) palavras-chave em português ou espanhol com alinhamento à esquerda.

g) Em separado, deverá ser enviado um arquivo intitulado DADOS DO AUTOR contendo os seguintes
dados:
1- título do artigo,
2- identificação do(s) autor(es) - nome completo,

144 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


3- instituição à qual está(ão) ligado(s),
4- cargo(s),
5- endereço(s) para correspondência,
6- telefone fixo, celular, fax e e-mail do(s) autor(es).

h) Os textos devem ser escritos de forma clara e fluente. A utilização de notas de rodapé é recomendável
quando o autor quiser detalhar algo que não necessita constar no texto principal. Para estas notas, deve
ser usada fonte tamanho 10.
i) As citações com menos de três linhas devem ser inseridas no texto e colocadas entre aspas, seguidas da
indicação da fonte pelo sistema autor-data. As citações que excederem três linhas devem ser colocadas
em destaque, fonte 11, espaço simples, entrada alinhada a 2,5 cm da margem, à esquerda, seguidas
da indicação da fonte pelo sistema autor-data. - No caso de citações de obras em língua estrangeira,
essas devem aparecer no texto traduzidas para o português e ser apresentadas “no original” em nota de
rodapé.

As indicações das fontes entre parêntesis, seguindo o sistema autor-data, devem ser estruturadas da
seguinte forma:
• Uma obra com um autor: (Meyer, 1994, p.15)
• Uma obra com até três autores: (Cohen; Manion, 1994, p.30)
• Uma obra com mais de três autores: (Moura et al., 2002, p.15-17)

- Mesmo no caso das citações indiretas (paráfrases), a fonte deverá ser indicada, informando-se
também a(s) página(s) sempre que houver referência não à obra como um todo, mas sim a uma idéia
específica apresentada pelo autor.
- As citações do próprio autor devem ser colocadas de forma imparcial no texto, reportando-se à fonte
bibliográfica.

j) Tabelas e quadros devem ser inseridos no texto, com a devida numeração (ex. Tabela 1, etc.).
k) Não serão aceitos artigos que estiverem fora das normas editoriais. O não cumprimento do prazo e/
ou a desobediência às normas poderão implicar a não aceitação do trabalho para avaliação
pelos pareceristas ad hoc.

REFERÊNCIAS:
Devem ser apresentadas em espaço simples, com alinhamento apenas à esquerda, seguindo as
normas da ABNT/2002 (NBR 6023), abaixo exemplificadas.

Livros
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es). Título do trabalho: subtítulo [se houver]. edição [se
não for a primeira]. Local de publicação: Editora, ano.
Exemplo:
MEYER, L. B. Music, the arts, and ideas: patterns and predictions in twentieth-century culture. 2. ed.
Chicago: The University of Chicago Press, 1994.
COHEN, L.; MANION, L. Research methods in education. 4. ed. London: Routledge, 1994.

Partes de livros (capítulos, artigos em coletâneas, etc.)


SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) da Parte da Obra. Título da parte. In: SOBRENOME,
Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) da Obra. Título do trabalho: subtítulo [se houver]. edição [se não for a
primeira]. Local de publicação: Editora, ano. página inicial-final da parte.
Exemplo:
WEBSTER, P. R. Research on creative thinking in music: the assessment literature. In: COLWELL, R (Ed.).
Handbook of research on music teaching and learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 145


Artigos em periódicos :
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) do Artigo. Título do artigo. Título do Periódico, Local de
publicação, número do volume, número do fascículo, página inicial-final do artigo, data.
Exemplo:
LOANE, B. Thinking about children’s compositions. British Journal of Music Education, Cambridge, v. 1, n.
3, p. 205-231, 1984.

Trabalhos em anais de eventos científicos:


SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) do Trabalho. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO,
número do evento, ano de realização, local. Título. Local de publicação: Editora, ano de publicação. página
inicial-final do trabalho.
Exemplo:
DELALANDE, F. A criança do sonoro ao musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p.48-51.

A exatidão das referências constantes na listagem ao final dos trabalhos bem como a correta
citação ao longo do texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho.

PROCESSO DE AVALIAÇÃO:
O processo de avaliação dos artigos enviados para a Revista da ABEM consta de duas etapas:
- Primeiro, uma avaliação preliminar pelo Conselho Editorial que examina a adequação do trabalho à
linha editorial da revista;
- Segundo, consulta a pareceristas ad hoc (peer review).
Eventuais modificações serão solicitadas e efetuadas em consenso com o(s) autor(es).

OBSERVAÇÕES EDITORIAIS:
- Os artigos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es).
- A revisão ortográfica e gramatical dos trabalhos em língua estrangeira é de responsabilidade do(s)
autor(es)
- É permitido citar parte dos artigos sem autorização prévia desde que seja identificada a fonte. A
reprodução total de artigos é proibida. Em caso de dúvidas, consulte o Conselho Editorial.
- Os artigos aprovados poderão ser encaminhados para a publicação na próxima edição da Revista da
ABEM, de acordo com a decisão da Editoria.
- O Curriculum Vitae resumido com extensão máxima de 150 palavras, contendo as principais atividades
na área e o título das principais publicações do(s) autor(es), será solicitado apenas aos autores que
tiverem trabalhos aprovados.
- A Revista da ABEM trabalha com assinaturas, doações e permutas com instituições públicas dos
números impressos. Em caso de aprovação pelo Conselho, as bibliotecas que receberem doação de
exemplares deverão acusar o recebimento por escrito.

146 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


The Journal of Brazilian Association of Musical Education (Revista da ABEM) is a scientific periodical EDITORIAL
of Musical Education that aims at publishing the plurality of musical education knowledge. This knowledge
LINE
can be scientific, through research projects report; theoretical, through reflections on new educational,
political, esthetic and cultural paradigms; or historical, contextualizing the present practices under a
historical perspective.
In order to be published in this journal, the paper needs to offer scientific contribution from the
relevance and pertinence discussed under a contextualized and timing perspective; the state of the art; the
consistency of the paper development with the scientific knowledge; the clearness and conciseness of the
study implications for musical education theory or practice.

This journal seeks theoretical papers, empirical works and essays, as well as reviews. The printed
and online versions of the journal are available. The Revista da ABEM texts have been published, up to the
year 2013, both in the electronic and printed formats. From 2014, we will maintain only the electronic journal
format. The journal is available at the ABEM website
http://abemeducacaomusical.com.br/publicacoes.asp

Articles
The theoretical papers must be supported by a wide bibliographical research and propose new
models and interpretation for relevant phenomena in the musical education field. The empirical works
must improve the knowledge through researches that are methodologically well supported and conducted,
as well as appropriately analyzed. The essays are considered free ways of scientific contribution. They
must favor the creative and critical approaches and reflect on relevant themes in the musical education field.
Articles in the form of experience communication will not be accepted.

Reviews
The review section aims at providing the readers with book launches in the musical education field
that contribute to improve the knowledge. The books selected to the reviews must be new and they need
to present innovative and consistent content of the field interest. The reviews can be sent in two formats:
- Reviews of new national or international books. The author must specify the study field of the book,
introduce the book, as well as present a critical evaluation in order to make clear its contribution to musical
education theory and/or practice.
- Multiple Reviews, analyzing from two to five books. The author must specify the study field of the
books, offering a brief comment of them in order to mention points of complementarity and interfaces
among them. A critical presentation is expected.
The reviews must be sent to the editorial body of the journal, following the same guidelines for the
papers.

Documents and Debates


The Documents and Debates section aims at publishing documents to support new researches and to
improve the field knowledge. Furthermore, the section has served to publish debate reports about the public
policies in the musical education field.

GUIDELINES FOR CONTRIBUTORS


Revista da ABEM accepts collaborations from Brazilians and foreigners and the texts can be written in
Portuguese, English or Spanish. All the works must be sent to:

Editorial Board of Revista da ABEM

http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/

Brazilian authors and co-authors interested in publishing articles or reviews must be members of the
association.
More than one paper written by the same author and/or co-author for the same edition of the
journal is not accepted. The same orientation is applied to the consecutive edition, that t is, if the author has

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 147


his paper published in one edition of the journal, he will not submit another paper to the consecutive
edition of that one he had his paper published.
Revista da ABEM holds the copyright for articles published for a period of two years from the date
of the journal publication. A permission letter (a model of ABEM Journal), in printed and electronic formats,
must be sent by the authors who have their papers accepted to be published in order to guarantee the
exclusivity and originality of the text.
The manuscripts must not contain any kind of author´s identification. If accepted, the author must
add later information about himself, his institution, research line and advisor.

Technical Guidelines:
a) The articles must be of 22,000 - 44,000 characters (with space), including the whole text: abstract,
keywords, text and references.
b) The reviews must contain about 7,500 characters (with space) and the texts sent to the Documents
and Debates section must contain from 8,000 to 12,0000 characters (with space).
c) Portuguese, English and Spanish are the languages accepted.
d) The text must be send to website http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/.
The Word for Windows 7.0 is the program accepted.
e) The texts must be written in Times New Roman, 12, space 1,5.
f) The first page of the text must present:
- Title
- Abstract in Portuguese, English or Spanish must present the following aspects: around 150
words, left alignment, study field, objective, methods, results and conclusions. The abstract must be written
below the title and above the main text.
- Three keywords, left alignment, in Portuguese, English or Spanish.

Manuscripts in Portuguese or Spanish:


- Title in English.
- Abstract in English must present the following aspects: around 150 words, left alignment, study
field, objective, methods, results and conclusions. The abstract must be written below the abstract in
Portuguese or Spanish.
- Three keywords, left alignment, in English.

Manuscripts in English:
- Title in Portuguese or Spanish.
- Abstract in Portuguese or Spanish must present the following aspects: around 150 words, left
alignment, study field, objective, methods, results and conclusions. The abstract in Portuguese or Spanish
must be written below the abstract in English.
- Three keywords, left alignment, in Portuguese or Spanish.
g) Another one-page document must be sent containing the article title followed by the author’s
identification - full name, institution, address, telephone number, fax number and e-mail.
h) The text language must be clear and fluent. When authors need to explain some ideia outside
the main text, footnotes must be included. For these notes, please use font 10.
i) The three-line citations, or less, must be inserted into the main text and between inverted
commas, followed by author-date reference. The longer citations must be written as a separate piece of text,
font 11, simple space, 2,5 cm alignment, left, followed by author-date system.

The author-date references must be presented in brackets in the following way:


• One-author book: (Meyer, 1994, p.15)
• One-to-three authors: (Cohen; Manion, 1994, p.30)
• More than three authors: (Moura et al., 2002, p.15-17)
- For the indirect citations, through paraphrases, the reference must be indicated with the
respective page numbers when an author’s particular Idea is presented.87
- The own author’s citations must be presented in an impartial way, mentioning the bibliographical
source.
j) Tables and charts must be attached to the end of the text in a number sequence (i.e. Table 1 an

148 REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013


so on). They must be indicated in the main text.
k) Manuscripts that do not follow the editoral guidelines will not be accepted. It is possible, according to
the journal editor, the author can revise the text in a stated period (reference correction, citations, language).
After that, the articles could not be accepted if the author do not either satisfy the stated period or
solve the inadequacies.

REFERENCES:
The references must conform to the requirements of the ABNT /2002 /NBR 6023) Guidelines, as the
following examples.

Books
MEYER, L. B. Music, the arts, and ideas: patterns and predictions in twentieth-century culture. 2. ed.
Chicago: The University of Chicago Press, 1994.
COHEN, L.; MANION, L. Research methods in education. 4. ed. London: Routledge, 1994.

Book chapters, articles in edited books, and others


WEBSTER, P. R. Research on creative thinking in music: the assessment literature. In: COLWELL, R
(Ed.). Handbook of research on music teaching and learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.

Journal Articles:
LOANE, B. Thinking about children’s compositions. British Journal of Music Education, Cambridge, v.
1, n. 3, p. 205-231, 1984.

Proceedings Articles:
DELALANDE, F. A criança do sonoro ao musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p.48-51.

Authors are responsible for the accuracy of all references and citations.

EVALUATION PROCESS:
All manuscripts go through a two-step evaluation process:
- Internal Review. The editors first review each manuscript to see if it meets the basic requirements of the
journal.
- External Review. Submissions which meet the basic requirements are then sent out for blind peer review.
Authors will be consulted for editorial changes to manuscripts accepted for publication.

EDITORIAL OBSERVATIONS:
- Authors are responsible for the texts.
- The spelling and grammar review of work in a foreign language is the responsibility of the author (s).
- It is allowed to cite part of the articles published in the Revista da ABEM since the source is identified.
The reproduction of the whole articles is prohibited. The Editorial Board must be consulted for further
information and permission.
- The approved articles will be submitted for publication in an upcoming issue of the Revista da ABEM,
according to the decision of the editors.
- The Curriculum Vitae with a maximum extension of 150 words, containing the main activities in the
area and the title of the main publications of the author (s) will be requested only for authors who have
papers approved.
- The printed journal can be subscribed, donated or permuted with public institutions. When the
libraries receive free copies of the journal they must acknowledge receipt .

REVISTA DA ABEM | Londrina | v.21 | n.31 | jul.dez 2013 149


LÍNEA La Revista de la Abem (Revista da ABEM) es una revista científica del área de Educación Musical que
tiene como objetivo divulgar la pluralidad del conocimiento en educación musical, sea éste de tipo científico,
EDITORIAL a través de relatos de investigación; de tipo teórico, a través de reflexiones acerca de los fundamentos y
nuevos paradigmas educacionales, políticos, estéticos y culturales; o de tipo histórico, contextualizando las
prácticas actuales bajo una perspectiva histórica.
El requisito principal para publicación en Revista da ABEM consiste en que el artículo represente,
de hecho, contribución científica en lo que se refiere a la relevancia y pertinencia del tema abordado al
contexto y al momento; a la exposición del estado del arte del conocimiento en el área de la referencia
teórica-conceptual adoptada; a la consistencia del desarrollo del artículo en relación a los principios de
construcción científica del conocimiento; a la claridad y concisión de las implicaciones del trabajo para La
teoría y/o para práctica de educación musical.
La Revista da ABEM tiene interés en la publicación de artículos inéditos de desarrollo teórico, trabajos
empíricos y ensayos, además de reseñas. La publicación de los textos de la Revista se llevó a cabo hasta
el año 2013 a través de impresos y electrónicos. A partir de 2014 sólo habrá la publicación de la revista en
Internet.

Artículos
Los artículos de desarrollo teórico se deben sostener por amplia investigación bibliográfica y
proponer nuevos modelos e interpretaciones para fenómenos relevantes en el campo de la educación
musical. Los trabajos empíricos deben hacer avanzar el conocimiento en el área por medio de
investigaciones metodológicamente bien fundamentadas, conducidas de manera crítica y adecuadamente
analizadas. Los ensayos componen formas más libres de contribución científica. Tales ensayos deben
privilegiar los enfoques críticos y creativos revelando nuevas perspectivas y trayendo reflexiones sobre
temas relevantes en el área de educación musical.
Artículos en formato de comunicación de la experiencia no serán aceptados.

Reseñas
La sección de reseñas tiene como objetivo presentar a los lectores los lanzamientos de libros en
el campo de la educación musical contribuyendo, así, para la divulgación del conocimiento en el área. Las
obras escogidas para las reseñas deben ser recientes y presentar contenido innovador y consistente, de
interés para el área. Se pueden enviar las reseñas en dos formatos:
- Reseñas de un libro analizando un lanzamiento nacional o extranjero. El autor deberá ubicar el campo
de estudio al cual la obra pertenece, introducir la obra y presentar una apreciación crítica, mencionando su
contribución para la teoría y/o práctica de la educación musical.
- Reseñas múltiples analizando de dos a cinco obras. El autor deberá ubicar el campo de estudio
al cual los libros pertenecen y comentarlos brevemente, mencionando puntos de complementariedad e
interfaces. Una presentación crítica es deseable.
Se deben encaminar los originales para la comisión editorial de la Revista da ABEM con las mismas
características de formato de los artículos.
Documentos y Debates
La sección Documentos y Debates se destina a la divulgación de documentos que subsidien nuevas
investigaciones y posibiliten el avance del área. Además de eso, la sección se orienta a la difusión de
relatos de debates y audiencias acerca de las políticas públicas que se relacionan a la Educación Musical.

ORIENTACIONES A LOS COLABORADORES


La Revista da ABEM está abierta a las colaboraciones de Brasil y del exterior, y acepta textos en
portugués, inglés y español. Todos los trabajos deben ser presentados a través de la página web

Consejo Editorial da Revista da ABEM


http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/

Para los autores y coautores brasileños que sometan artículos o reseñas es necesario ser
socio de la Abem.
La Revista da ABEM no acepta la sumisión de más de un artículo del mismo autor y/o coautor para
un mismo número de la revista. Tampoco acepta publicar artículos del mismo autor o coautor en números
sucesivos de la revista, de modo que, una vez que determinado autor o coautor tenga un artículo aceptado
para publicación, no podrá hacer la sumisión de artículo para el número consecutivo de la revista.

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El autor(es) que tenga(n) su texto aprobado deberá(n) enviar al Editorial de la Revista una Carta de
Cesión (modelo de la Revista da ABEM), cediendo los derechos autorales para publicación, en formato
impreso y electrónico, en régimen de exclusividad y originalidad del texto, por el período de 2 (dos) años,
contados a partir de la fecha de publicación de la Revista.

Los trabajos sometidos deberán ser encaminados sin ningún tipo de identificación del
autor. En caso de aprobación de la obra, el autor podrá incorporar sus datos, así como los referentes a la
institución, línea de investigación y orientador.

Normas Técnicas:
a) Los artículos deben tener una extensión entre 22.000 y 44.000 caracteres con espacio, incluyendo
La totalidad del texto: resumen, abstract, palabras-clave, texto y referencias.
b) Las reseñas deben presentar cerca de 7.500 caracteres con espacio y los trabajos destinados a La
sección Documentos y Debates deben contener entre 8.000 y 12.000 caracteres con espacio.
c) Se aceptarán trabajos en portugués, inglés y español.
d) Se deberán enviar todos los trabajos en archivos en el programa Word for Windows 7.0 para la
página web http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/ ;
e) Los textos deben ser escritos en Times New Roman, fuente tamaño 12, espacio 1.5;
f) La primera página del texto debe contener:
- Título
- Resumen en portugués, inglés o español, con cerca de 150 palabras, alineación a la izquierda,
conteniendo campo de estudio, objetivo, método, resultados y conclusiones. Se debe poner el resumen
inmediatamente abajo del título y por encima del texto principal.
- Tres (3) palabras-clave, alineación a la izquierda, en portugués, inglés o español.
Para los trabajos escritos en portugués o español:
- Título en inglés
- Resumen en inglés (abstract) con cerca de 150 palabras, alineación a la izquierda, conteniendo
campo de estudio, objetivo, método, resultado y conclusiones. Se debe poner el abstract inmediatamente
abajo del resumo en portugués o español.
- Tres (3) palabras-clave, alineación a la izquierda, en inglés.
Para los trabajos escritos en inglés:
-Título en portugués o español.
-Resumen en portugués o español con cerca de 150 palabras, alineación a la izquierda, conteniendo
campo de estudio, objetivo, método, resultado y conclusiones. Se debe poner el resumen inmediatamente
abajo del abstract.
-Tres (3) palabras-clave, alineación a la izquierda, en portugués o español.

g) En separado, debe enviar un archivo titulado DATOS DEL AUTOR que contiene los siguientes
datos:
1- el título del artículo,
2- la identificación del (de los) autor(es) - nombre completo,
3- institución a la cual está(n) vinculado(s),
4- cargo,
5- dirección para correspondencia,
6- teléfono, móvil, fax y correo electrónico del (de los) autor(es).
h) Los textos deben ser escritos de forma clara y fluente. La utilización de notas al pie de página es
recomendable, cuando el autor quiera detallar algo que no necesita constar en el texto principal. Para estas
notas, se debe usar fuente tamaño 10.
i) Las citaciones con menos de tres líneas se deben insertar en el texto y poner entre comillas,
seguidas de la indicación de origen por el sistema autor-fecha. Las citaciones que excedan tres líneas se
deben poner en destaque, fuente tamaño 11, espacio simple, entrada alineada a 2,5 cm del margen, a la
izquierda, seguidas de la indicación de la fuente por el sistema autor-fecha. En el caso de citaciones en
lengua extranjera, se debe traducir la citación y presentar el texto original en nota al pie de página.
Las indicaciones de las fuentes entre paréntesis, siguiendo el sistema autor-fecha, se deben
estructurar de la siguiente forma:
• Una obra, con un autor: (Meyer, 1994, p. 15)

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• Una obra, con hasta tres autores: (Cohen; Manion, 1994, p. 30)
• Una obra, con más de tres autores: (Mora et al., 2002, p. 15-17)
- Incluso en el caso de las citaciones indirectas (paráfrasis), la fuente deberá ser indicada, informándose
también la(s) página(s) siempre que haya referencia no a la obra como un todo, sino que a una Idea
específica que presenta el autor.
- Las citaciones del propio autor se deben poner de forma imparcial en el texto, reportándose a la fuente
bibliográfica.
j) Tablas y cuadros se deben adjuntar al texto, con la correspondiente numeración (p.ej. Tabla 1, etc.). Em
el cuerpo del texto se debe indicar el lugar de las tablas.
k) No se aceptarán artículos que estén fuera de las normas editoriales. El incumplimiento con el plazo y
/ o la desobediencia a las reglas puede resultar en el rechazo de los trabajos antes de la evaluación
de los árbitros ad hoc.

REFERENCIAS:
Se deben presentar en espacio simple, con alineación solo a la izquierda, siguiendo las normas de
la ABNT/2002 (NBR 6023).

Libros
MEYER, L. B. Music, the arts, and ideas: patterns and predictions in twentieth-century culture. 2. ed. Chicago:
The University of Chicago Press, 1994.
COHEN, L.; MANION, L. Research methods in education. 4. ed. London: Routledge, 1994.

Capítulos de libros, artículos en libros editados, y otros


WEBSTER, P. R. Research on creative thinking in music: the assessment literature. In: COLWELL, R (Ed.).
Handbook of research on music teaching and learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.

Artículos de Revistas
LOANE, B. Thinking about children’s compositions. British Journal of Music Education, Cambridge, v. 1, n.
3, p. 205-231, 1984.

Artículos de los Anales


DELALANDE, F. A criança do sonoro ao musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p.48-51.

Los autores son responsables de la exactitud de todas las referencias y citas.


Proceso de Evaluación
Todos los trabajos pasan por un proceso de evaluación en dos fases:
- Revisión interna. Lo consejo editorial primero revisa cada manuscrito para ver si cumple con los
requisitos básicos de la revista.
- Evaluación Externa. Las presentaciones que cumplan los requisitos básicos se envían fuera para
evaluación ciega por pares.
Los autores serán consultados para los cambios de redacción en los manuscritos aceptados para su
publicación.
OBSERVACIONES EDITORIALES:
- Los autores son responsables de los textos.
- La ortografía y la gramática de revisión de la obra en un idioma extranjero es responsabilidad del autor
(es).
- Se permite citar parte de los artículos publicados en la Revista da ABEM desde la fuente ha sido identificada.
La reproducción de los artículos enteros está prohibido. El Consejo Editorial debe ser consultado para
obtener más información y el permiso.
- Los artículos aprobados pueden ser sometidos para su publicación en un próximo número de la Revista
da ABEM, de acuerdo con la decisión de los editores.
- El Curriculum Vitae con una extensión máxima de 150 palabras, que contiene las principales actividades
de la zona y el título de las principales publicaciones del autor (s) será requerido sólo para los autores
que han aprobado sus obras.
- La revista impresa se puede suscribir, donados o permutados con las instituciones públicas. Cuando
las bibliotecas recibir copias gratuitas de la revista tienen que acusar recibo (por escrito).

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