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3 Educacao Brasileira Temas Educacionais e Pedagogicos
3 Educacao Brasileira Temas Educacionais e Pedagogicos
1 HISTÓRIA DO PENSAMENTO
PEDAGÓGICO BRASILEIRO.
O pensamento pedagógico brasileiro passa a ter mais autonomia com o desenvolvimento das teorias da Escola Nova. Até o final
do século XIX, nossa pedagogia reproduzia o pensamento religioso medieval. Com o pensamento iluminista a teoria da educação
brasileira pôde das alguns passos.
Em 1924, com a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) nosso maior objetivo era o de reconstruir a sociedade
através da educação. Na década de 20, reformas importantes impulsionaram o debate intelectual, superando a educação jesuíta tradi-
cional que dominava o pensamento pedagógico brasileiro desde os primórdios.
Com os jesuítas, tivemos um ensino de caráter verbalista, retórico, repetitivo, que estimulava a competição através de prêmios e
castigos. Era uma educação que reproduzia uma sociedade perversa, dividida entre analfabetos e doutores.
Rui Barbosa fez um balanço da educação até o final do Império em dois pareceres: o primeiro sobre o ensino secundário e supe-
rior e o segundo sobre o ensino primário. Neles Rui Barbosa prega a liberdade de ensino, a laicidade da escola pública e a instrução
obrigatória. O balanço mostrava o nosso atraso educacional, a fragmentação do ensino e o descaso pela educação popular, que pre-
dominaram até o Império.
O movimento anarquista também teve interesse na educação no início do século. Para os anarquistas, a educação não era o prin-
cipal agente desencadeador do processo revolucionário, mas precisariam acontecer mudanças na mentalidade das pessoas para que
a revolução social fosse alcançada.
O pensamento pedagógico libertário teve como principal difusora Maria Lacerda de Moura (1887-1944) que propôs uma educa-
ção que incluísse educação física, educação dos sentidos e o estudo do crescimento físico. Moura afirmava que, além das noções de
cálculo, leitura, língua prática e história, seria preciso estimular associações e despertar a vida interior da criança para que houvesse
uma autoeducação.
Em 1930, a burguesia urbano-industrial chega ao poder e apresenta um novo projeto educacional. A educação, principalmente a
pública, teve mais espaço nas preocupações do poder.
Foi com o Manifesto dos pioneiros da educação nova que houve o primeiro grande resultado político e doutrinário de 10 anos
de luta da ABE em favor de um Plano Nacional de Educação. Outro grande acontecimento foi em 1938, com a fundação do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), realizando o sonho de Benjamin Constant que havia criado em 1890 o Pedagogium. Em
1944, o Inep inicia a publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, que é um precioso testemunho da história da educação
no Brasil, fonte de informação e formação para educadores brasileiros até hoje.
Depois da ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), começa um período de redemocratização no país que é interrompido com o
golpe militar de 1964.
Neste intervalo de tempo, em que as liberdades democráticas foram respeitadas, o movimento educacional teve um novo impul-
so, distinguindo-se por dois movimentos: o movimento por uma educação popular e o movimento em defesa da educação pública.
Em ambos os movimentos existem posições conservadoras e progressistas. O ideal seria unir os defensores da educação popular
que se encontravam nos dois movimentos, os que defendiam uma escola com nova função social, formando a solidariedade de classe
e lutando por um Sistema Nacional Unificado de Educação Pública.
Essa unidade passou a ser mais concreta a partir de 1988, com o movimento da educação pública popular, sustentado pelos par-
tidos políticos mais engajados na luta pela educação do povo.
A maior contribuição de Paulo Freire deu-se no campo da alfabetização de jovens e adultos. Seu trabalho de formação da
consciência crítica passa por três etapas que podem ser descritas da seguinte forma: a) etapa da investigação, na qual se descobre o
universo vocabular, as palavras e temas geradores da vida cotidiana dos alfabetizandos; b) etapa de tematização, em que são codifi-
cados os temas levantados na fase anterior de tomada de consciência; c) etapa de problematização, na qual se descobrem os limites,
as possibilidades e os desafios das situações concretas, para se tornar na práxis transformadora. O objetivo final de seu método é a
conscientização. Sua pedagogia é para a libertação na qual o educador tem um papel diretivo, mas não o bancário, é problematizador,
é ao mesmo tempo educador e educando, é coerente com sua prática.
No pensamento pedagógico contemporâneo, Paulo Freire situa-se entre os pedagogos humanistas e críticos que deram uma
contribuição decisiva à concepção dialética da educação. Não se cansa de repetir que a história é a possibilidade e o problema que se
coloca ao educador e a todos os homens é saber o que fazer com ela.
Florestan Fernandes (1920), com sua sociologia, criou um novo estilo de pensar a realidade social, por meio da qual se torna
possível reinterpretar a sociedade e a história, como também a sociologia anterior produzida no Brasil.
Didatismo e Conhecimento 1
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Para Luiz Pereira (1933-1985) a solução dos problemas enfrentados dentro da escola depende da solução dos problemas exter-
nos a ela, que envolvem aspectos econômicos e sociais. Ele criticou a maioria dos pedagogos que desconsideravam esses aspectos
extraescolares e que acreditavam que a escola, por si só, transformaria a sociedade.
No início da década de 90, o discurso pedagógico foi enriquecido pela discussão da educação como cultura. Temas como diver-
sidade cultural, diferenças étnicas e de gênero começaram a ganhar espaço no pensamento pedagógico brasileiro e universal.
Os educadores e pedagogos da educação liberal defendem a liberdade de ensino, de pensamento e de pesquisa, os métodos novos
baseados na natureza da criança. Segundo eles, o Estado deve intervir o mínimo possível na vida de cada cidadão particular. Os ca-
tólicos também podem ser incluídos no pensamento liberal, embora existam alguns mais conservadores. Nessas tendências existem
defensores da escola pública e defensores da escola privada. Mas tem em comum uma filosofia do consenso, isto é, não reconhecem
na sociedade o conflito de classes e restringem o papel da escola ao pedagógico somente.
Os seguidores da educação progressista defendem o envolvimento da escola na formação de um cidadão crítico e participante
da mudança social. Dentro deste pensamento encontramos correntes que defendem várias posições para a escola: para uns, a forma-
ção da consciência crítica passa pela assimilação do saber elaborado; para outros, o saber técnico-científico deve ter por objetivo o
compromisso político.
O pensamento pedagógico brasileiro é rico e está em movimento, e tentar reduzi-lo a esquemas fechados seria uma forma de
esconder essa riqueza e essa dinâmica.
corrente tradicional
A escola tradicional, que reinou soberana até a decana de 1950, tem o professor como foco central, orientando o conteúdo do en-
sino do proporcionar ao aluno o conhecimento da evolução das ciências e das grandes realizações da civilização, através da História.
O academicismo e a teoria prevalecem sobre a visão prática, na medida em que o conservadorismo dificulta os processos da ino-
vação e tornam o currículo excessivamente rígido e conteudista. Predomina o que se denominou “educação bancária”, que faz o aluno
um recipiente passivo em relação ao conhecimento, modelando os currículos como sínteses descritivas dos modelos pré-existentes.
Não confere o devido estimulo à pesquisa, com vistas à invenção e ao desenvolvimento das inovações.
O aluno tende a acumular informações isoladas sobre cada ciência, o que dificulta a percepção da realidade, em relação à teoria.
A educação sistemática é complementada pela família e, de alguma forma, pela igreja.
O professor é o centro do processo de transmissão do conhecimento, monopolizando e transmitindo os saberes de forma sistemá-
tica e padronizada, de acordo com modelos pré-estabelecidos. Como centro de todo processo de aprendizagem, o professor conduz a
aula sozinho, e, através de sua autoridade, procura induzir o aluno à memorização e à repetição.
A pedagogia da escola tradicional é uma proposta de educação centrada na figura do professor, cuja função abrangente vai desde
ensinar a matéria e corrigi-la, até acompanhar o desenvolvimento dos alunos, aconselhando e orientando-os. A metodologia tradi-
cional tem como princípio a transmissão dos conhecimentos através da aula do professor, geralmente expositiva e sequencialmente
predeterminada e fixa, conferindo ênfase à repetição de exercícios, com exigências de memorização dos conteúdos.
Prisioneira de um currículo que revela um conteúdo programático inflexível, essa vertente tende a valorizar o conteúdo livresco,
a quantidade e àquilo que Paulo Freire chamou de “Educação Bancária”: reduz o aluno a um mero receptáculo do saber, menospre-
zando e subestimando seu potencial holístico.
Dessa forma, o professor fala, enquanto o aluno ouve e “apreende”, o que não propicia ao sujeito que “aprende” (ou deveria
estar aprendendo) um papel ativo e autônomo na construção dessa aprendizagem - aceita e vista, por sua vez, como vinda de fora
para dentro. Muitas vezes, esse tipo de educação pouco leva em consideração o universo que cerca a criança, ou melhor, o que ela
aprende fora da escola, bem como seus esforços espontâneos na tentativa de construção pessoal e coletiva de um corpo significativo
de conhecimento. Enfim, a autoridade do professor - como “vetor-transmissor” detentor de todo saber - é a principal força motriz que
rege o espírito dessa vertente.
No contexto do modelo tradicional de ensino, a principal função da escola é transmitir conhecimentos disciplinares para a for-
mação geral do aluno- formação essa que o levará a sua adequada inserção posterior na sociedade, bem como poder optar por uma
profissão valorizada.
Didatismo e Conhecimento 2
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Essa pratica pedagógica, na grande maioria das escolas que a adotam, caracteriza-se pela sobrecarga de informações que são vei-
culadas aos alunos, os que o torna, muitas vezes o processo da aquisição de conhecimento burocratizado e destituído de significação
prática para a vida do aluno.
Dessa forma, a postura de uma escola tradicional tende a ser excessivamente conservadora. No processo de alfabetização, apoia-
-se principalmente nas técnicas para codificar/decodificar a escrita, não se levando em conta a escrita espontânea da criança em fase
de alfabetização, sendo a cartilha sequencialmente seguida, ao pé da letra, pois é considerada a base do processo de alfabetização.
Corrente Comportamental
Na corrente comportamental predomina o método científico, visando à experimentação cientifica. O homem é o produto do meio
ambiente e deve ser orientado no sentido de exercer o sentido pleno sobre a natureza. A educação e o ensino devem enfatizar o co-
nhecimento do mundo exterior, de serem orientados dentro de um processo de transmissão de cultura de geração em geração, visando
adequar o indivíduo para o convívio coletivo, em sociedades civilizadas.
A escola é voltada para as questões sociais, com vistas à harmonia social. A mudança do individuo, que a escola se propõe a fazer,
consiste na transformação de seu comportamento, através do mecanismo da repetição e da punição aos resultados não alcançados. A
aplicação dos métodos científicos está voltada para a experimentação empírica.
Cabe ao professor o planejamento adequado dos conteúdos curriculares, de forma a promover a promover o desenvolvimento
eficaz do sistema de aprendizagem. A situação do aluno é menos passiva em relação à aquisição do conhecimento, e de certa forma,
passa a ser corresponsável pelo controle do processo de aprendizagem.
Através da avaliação sucessiva, em várias etapas, procura-se averiguar se o aluno está realmente aprendendo e se estão sendo
alcançados os objetivos propostos pelo professor.
Principais expoentes dessa Escola: Skinner, Mager, Briggs, Prophan, Glaser Papay.
Corrente Montessoriana
A pioneira e fundadora desta corrente é Maria Motessori, fisioterapeuta e educadora, tendo desenvolvido, na Itália, em 1907, um
sistema educacional com materiais didáticos que objetivam despertar interesse espontâneo na criança, obtendo uma concentração
natural nas tarefas, para não cansá-las ou desinteressá-las. Diverge fundamentalmente da escola tradicional. Até os dias de hoje o
método é considerado original no sentido em conferir total liberdade as crianças que, por sua vez, permanecem livres para se movi-
mentarem pela sala de aula e suas próprias atividades, utilizando materiais apropriados, tentando sempre gerar o ambiente propício à
autoeducação. A manipulação desses materiais em seus aspectos multissensorial é, igualmente, um fator fundamental para o apren-
dizado da linguagem, matemática, ciências e prática de vida.
O aprendizado da leitura e da escrita se inicia mais cedo, com crianças antes da idade de 05 anos. Os agrupamentos não seguem
delimitações de idade muito rígidas: procura-se agrupar crianças de faixas etárias diferentes, ou seja, com diferença de idade de até
três anos. O professor assume o papel de observador, facilitador e orientador dos fatores de aprendizagem.
Através da aprendizagem auto motivada e individualizada- que é a essência da metodologia Montessori Ana – procura-se de-
senvolver nas crianças, a autodisciplina e a autoconfiança – o que futuramente gerará a autonomia necessária para a continuação do
aprendizado em outros níveis.
Hoje em dia, podemos encontrar muitas escolas montessorianas, mais especificadamente atendendo crianças da educação infan-
til, bem como as quatro primeiras séries do ensino fundamental.
Renovadora
Inteiramente antagônicas aos modelos educacionais tradicionais, o movimento da “pedagogia renovada” é uma resposta dire-
ta aos excessos da vertente tradicional, constituindo-se numa concepção pedagógica que inclui inúmeras correntes, e que de uma
maneira ou de outra, estão ligadas ao movimento da escola nova ou escola ativa (escolanovismo). Tais correntes, embora admitam
algum nível de divergência entre si, assumem um mesmo princípio no sentido de nortear a valorização do indivíduo como ser livre,
ativo e social.
As atividades da escola deixam ter o professor como o centro de tudo, incontestável monopolizador do saber. Portanto os conteú-
dos disciplinares também cedem lugar para o aluno que, agora, como ser ativo e curioso, passa a ser o centro dos processos. Ademais,
o mais importante não é o resultado final do processo de aquisição do conhecimento, mas todo o processo de aprendizagem em si-
tendo um aluno como elemento central.
Em oposição à escola tradicional, a escola nova confere ênfase ao princípio da aprendizagem por descoberta, estabelecendo que
a atitude de aprendizagem, que, por sua vez, aprendem fundamentalmente pela experiência, ou seja, pelo que descobrem por si mes-
mos. Neste contexto, o professor passa a ser visto como orientador e facilitador do processo de busca de conhecimento que, por sua
vez, deve partir do aluno, ou melhor, das motivações espontâneas dos mesmos.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Cabe ao professor, portanto, organizar e coordenar as situações de aprendizagem, tentando permanentemente adaptar suas ações
às características individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais.
Contudo a ideia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos acabou, em muitos casos, por desconsiderar a necessidade de um
trabalho planejado, fato que muito contribuiu para que perdessem de vista os conteúdos que deveriam ser ensinados e aprendidos.
Essa tendência, que na década de 30 teve grande penetração no Brasil, mais especificamente no âmbito do ensino pré-escolar
(jardim de infância), ainda exerce, nos dias de hoje, uma grande influência sobre a maior parte das práticas pedagógicas.
Tecnicista
A década de 70 assistiu a um acentuado desenvolvimento e proliferação da corrente que se denominou de “tecnicismo educacio-
nal”, totalmente inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino.
Portanto, as práticas educacionais da época definiram uma prática pedagógica altamente burocrática, controlada e dirigida pelo
professor, com um currículo pouco flexível aliada a atividades mecânicas, inseridas numa proposta educacional rígida, conteudista e
passível de ser totalmente programada em detalhes. A supervalorização da tecnologia programada de ensino trouxe consequências:
A escola se revestiu de uma grande autossuficiência, reconhecida por ela e por toda a comunidade por ela influenciada, criando desta
maneira, a ideia errônea de que aprender não é algo natural do ser humano, mas que depende exclusivamente de especialistas e téc-
nicas.
Assim, dentro deste contexto, nem o professor, tampouco o aluno são elemento centrais, ou seja, são valorizados: o que é de
fato valorizado nessa perspectiva não é o professor, mas a tecnologia. O professor passa a ser um mero transmissor do conhecimento
técnico, ou melhor, um mero especialista na aplicação de manuais, estando a sua criatividade restrita aos limites e estreitos da técnica
utilizada. A figura do aluno, por sua vez, passa a se restringir a um individuo (ou objeto) que reage mecanicamente aos estímulos
de forma a responder as respostas esperadas pela escola, pois estas eram as atitudes esperadas pela escola, pois estas eram atitudes
esperadas pela instituição parar que eles obtivessem êxito e avançar. Os interesses dos alunos, bem como o seu processo particular
deixam de ser considerados, sendo que a atenção recebida limitava-se a ajustar seu ritmo de aprendizagem ao conteúdo pragmático
que deve ser implementado pelo professor dentro de rígidos cronogramas estabelecidos. Essa orientação foi dada para as escolas
pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje está presente em muitos materiais didáticos com caráter estritamente técnico
e instrumental.
A característica principal desta escola é a sua preocupação direcionada totalmente para as questões sociais, visando possibilitar
uma maior participação do povo nos processos de formação de sua própria cultura. Do ponto do ponto de vista ideológico, apresenta
tendência de elaborar síntese entre o humanismo, o Existencialismo e o Marxismo.
O individuo é visto como sujeito ativo e participante na aquisição e construção do conhecimento, inserido no contexto histórico.
É um ser práxis, que age e reflete sobre o mundo, com o claro objetivo de transformá-lo. O individuo interage, continuamente, com
a sociedade, em um processo permanente de transformação. A ênfase do processo educacional é a consciência crítica da realidade.
A educação deve propiciar a interação plena entre o professor e o aluno, sem o caráter do oprimido/opressor, com base no diálogo
democrático e na maior liberdade dos participantes no processo ensino/ aprendizagem. A relação professor/ aluno é horizontal, des-
provida de mecanismo coercivo ou repressores.
A metodologia adotada por esta escola baseia-se na criação de simulações realistas, com um conteúdo adaptado a essa finalidade.
No processo de avaliação, o aluno é convidado a ser co-autor das propostas e estratégias do ensino, de modo a permitir um sistema
de auto-avaliação, que tanto se aplica aos alunos, como aos professores. O principal expoente desta escola, no Brasil, é Paulo Freire.
Corrente humanista
Para a corrente humanista, o individuo é peça chave e principal colaborador da construção dos saberes humanos, de modo que
toda ênfase é referida a vida emocional e psicológica do aluno, bem como em suas relações interpessoais. O professor é um facilita-
dor, um orientador para levar o conhecimento ao aluno, cultivando as experimentações práticas junto com os próprios alunos.
Nessa escola não se aceita a existência de modelos prontos e regras pré-definidas, pois o homem é um ser em permanente evo-
lução, e a sua vida é um processo contínuo de exercício de utilização de sua capacidade parar superar-se. Dessa forma, o homem
e o conhecimento estão em permanente e inacabado processo dialético, que exige esforço contínuo de atualização. A característica
fundamental desta abordagem é que o individuo já nasce com a potencialidade de vir a ser.
Para se ter uma visão do mundo, deve-se proporcionar ao aluno um ambiente de liberdade, a fim de que o mesmo possa se ma-
nifestar e se expressar livre e abertamente (dentro dos princípios de educação e civilidade), o que contribui para o desenvolvimento
de suas potencialidades.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
É o próprio homem que constrói seu mundo real. Diferentemente do enfoque da escola sociocultural, o humanismo não enfatiza
o coletivo, nem o trato social, concentrando-se no próprio individuo. Daí que a educação deve ser vista com independência suficiente
para não cair na planificação social, nem servir de controle coercitivo à manipulação das pessoas.
Na escola humanista, o ensino procura gerar um ambiente propício à aprendizagem, fazendo com que todos os alunos participem
do processo educativo. Preocupa-se, igualmente, com a promoção da capacidade de autoaprendizagem do aluno, com vista a acelerar
seu desenvolvimento intelectual e afetivo, valorizando a autonomia e a autodeterminação, no combate à heteronomia (dependência
de tudo e de todos).
No processo de aprendizagem, o aluno deve usar sua própria experiência, buscando, buscando construir, ele mesmo, sua capaci-
dade de estruturar a forma de absorver o conhecimento, tanto no plano cognitivo, como afetivo.
A aprendizagem tende a ser psicologicamente significativa e envolver, politicamente os mais variados aspectos do individuo. O
professor, neste caso funciona com um facilitador de aprendizagem, cabendo ao aluno a responsabilidade de definir seus objetivos e
dar significados a eles.
A metodologia adotada, portanto, deve promover o relacionamento interpessoal, a autonomia do educando e a troca de expe-
riências. As grades curriculares consistem em diretrizes, não acolhendo verdades absolutas. O aluno é o principal responsável pela
seleção dos conteúdos, bem como da respectiva construção do conhecimento através deles.
O processo de avaliação não contempla qualquer padronização dos resultados da aprendizagem, utilizando-se mais os métodos
de auto-avaliação e menos o poder de avaliação do professor.
Libertadora
De um modo geral, podemos dizer que a proposta brasileira atual é a da escola libertadora, embora não seja a esta realidade.
No final dos anos 70 e inicio dos anos 820, a abertura política decorrente do final do regime militar coincidiu com a intensa mo-
bilização dos educadores em busca de uma educação crítica a serviço a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas em
vigor, objetivando a superação das desigualdades existentes no interior da sociedade. Ao lado das denominadas teorias “pedagogia
libertadora” e da “pedagogia critico social dos conteúdos”, que foram as correntes adotadas pela facção de educadores marxistas.
A “pedagogia libertadora” originou-se dos movimentos para a educação popular que ocorreram no final da década de 50 e início
dos anos 60, sendo interrompidos pelo golpe militar de 1964, para ter seu desenvolvimento retornado somente no final da década de
70 e inicio dos anos 80.
Nessa proposta, a atividade escolar está concentrada em discussões de temas sociais e políticos, bem como em ações diretas sobre
a realidade social vigente na época: analisam-se os problemas, seus fatores determinantes, ao mesmo tempo em que se tenta organizar
uma forma de atuação capaz de transformar a realidade social e política do país. O professor passa a ser um coordenador de atividades
que organiza e atua com a coparticipação dos alunos. No entanto, este movimento esteve muito mais presente nas escolas públicas -
nos mais variados níveis de ensino -, bem como em universidades, do que no âmbito do ensino privado propriamente.
Corrente Cognitivista
A corrente cognitivista enfatiza a investigação dos processos centrais do individuo, bem como a preocupação com a gênese dos
processos cognitivos. Defende a interação do individuo com o meio, ou seja, é interacionista; porém, considera a aprendizagem como
um resultado que vai além da interação do indivíduo com o meio ambiente. O objetivo é conferir capacidade ao aluno para assimilar
o conhecimento, com vistas à integração das informações, para processá-las, posteriormente. O homem é visto com um ser receptivo,
estágio final, que naturalmente não existe. As ideias interacionistas predominam como processo gradual de adaptação entre o indivi-
duo e o meio ambiente, daí surgindo sua visão do mundo.
A ação educativa deve contribuir para o fortalecimento da democracia, mas seu objetivo principal é fazer com que o aluno
conquiste, gradualmente, sua autonomia intelectual. A escola tem por função ensinar a criança a observar e a pensar, para tirar suas
próprias conclusões sobre o conhecimento estudado e as experiências realizadas. As atividades, realizada em grupo, deve favorecer
a formação de um ambiente democrático e proporcionar o dialogo permanente, em que imperem a liberdade de ação e de opinião. O
ensino deve favorecer a estratégia de aprendizagem através da metodização dos esquemas mentais, para facilitar a assimilação dos
conteúdos. O erro deve ser encarado como parte do processo de aprendizagem e um estágio capaz de levar conclusões mais acertadas.
Para tanto, são fundamentais a reciprocidade intelectual e a cooperação mútua entre o professor e aluno, cabendo ao professor criar
desafios, como estratégias de ensino.
Pelo visto, a metodologia adotada pela escola cognitivista é essencialmente motivada pelo individualismo, ao mesmo tempo
em que pelo interativismo, utilizando uma didática permanente voltada para a investigação científica. A avaliação final do processo
de ensino e aprendizagem é realizada mediante a utilização de parâmetros, baseados na teoria do conhecimento, visando averiguar
se o aluno assimilou os conceitos básicos, através da teoria da prática experimental. Principais expoentes: Piaget, Emília Ferreiro e
Jerome Braner.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Crítico social dos conteúdos
A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” surge no final dos anos 70 e inicio da década de 80, no mesmo período da pedago-
gia libertadora. Sua proposta se fundamenta na reação de alguns educadores que, na época, não aceitavam a pouca relevância que a
“pedagogia libertadora”, ou seja, historicamente acumulado que, por sua vez, deveria constituir importante parte do legado cultural
da humanidade.
A “pedagogia crítico-social de conteúdos” assegura, sobre tudo, a função social e política da escola através do permanente do
trabalho com conhecimentos sistematizados, de forma a colocar as classes populares em condições intelectuais para a sua efetiva
inserção e participação nas lutas sociais – vigentes e futuras.
Desta forma, a visão desta nova corrente pedagógica acredita que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais atuais,
vista de maneira isolada e linear, mas é necessário que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplas,
capazes de conferir aos alunos a capacidade de interpretar suas experiências de vida e, com isto, defender seus direitos individuais e
interesses de classes.
Piagetiana
Com maior evidência a partir dos anos 80, surge um movimento que pretende integrar tendências que possuíam caráter mais
psicológico com outras cujo viés era mais sociológico e político.
Se já era crescente a necessidades de se preocupar com o domínio de conhecimentos formais que propiciassem uma maior par-
ticipação ativa e crítica na sociedade se uma adequação psicopedagógica às características de um aluno que pensa, e que, por isso,
precisa ser considerado como ser integral, bem como a de um professor que, por sua vez, domina conteúdos de valor social e forma-
tivo. Esse momento é caracterizado pelo enfoque centrado no caráter social do processo de ensino de aprendizagem e é, por sua vez,
marcado pela influência da psicologia genética.
Tal enfoque inseriu nas questões pedagógicas aspectos muito relevantes, especialmente no que diz respeito à maneira como se
entende as relações entre: desenvolvimento e aprendizagem; a importância da relação interpessoal nesse processo; a relação entre
cultura e educação; o papel da ação educativa ajustada às situações de aprendizagem; e finalmente, às características básicas da ativi-
dade de construção dos esquemas mentais elaborada pelos alunos em cada diferente estágio de sua escolaridade.
A psicologia genética criou perspectivas de aprofundamento da compreensão sobre o processo de desenvolvimento na constru-
ção do conhecimento, mais especificamente, no que diz respeito à compreensão mais sistemática e profunda dos mecanismos pelos
quais as crianças constroem representações internas de conhecimento (esquemas mentais). Os conhecimentos, portanto, são construí-
dos através da interação direta da criança com seu meio social, em uma perspectiva psicogenética, trazendo uma enorme contribuição
que vai muito além dos grandes estágios de desenvolvimento.
A teoria epistemológica de Piaget e se seus seguidores, com suas relevantes descobertas, acarretaram muitos desvios por parte de
interpretação de vários pedagogos que, por sua vez, passaram a “criar” inúmeras “teorias” para a educação, como se o próprio Piaget
as tivesse elaborado, o que de fato não ocorreu. Neste sentido, a pedagogia em si sequer fazia parte dos objetivos fundamentais das
pesquisas de Piaget.
Assim, encontramos inúmeras escolas que, através de um marketing agressivo se autodenominam piagetianas, mesmo sem
aplicarem, em suas profundas pesquisas de Piaget sobre a teoria do conhecimento, ou sobre a evolução do pensamento infantil, até
a adolescência.
Construtivista
A pesquisa sobre a psicogênese da língua escrita chegou ao Brasil em meados dos anos 80, causando um enorme impacto nas
correntes e teorias em vigor, revolucionando o ensino da língua nas séries iniciais do ensino fundamental. Ao mesmo tempo, tais
estados acarretam uma revisão uma revisão do tratamento conferido ao ensino e à aprendizagem em diversas outras áreas do saber.
Essa investigação evidencia a atividade construtiva do aluno em relação à língua escrita, reconhecido objeto de estudo escolar, evi-
denciando a importante presença dos conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento da escrita já alcançada pela criança, e que,
apesar de ainda não coincidirem com a dos adultos, possui sentido próprio para ela.
De acordo com schnitman, “o construtivismo é uma teoria post-objetiva do conhecimento que defende que o observador parti-
cipa de suas observações e que constrói e não descobre uma realidade, questionando assim os conceitos da verdade, objetividade e
realidade”.
A metodologia utilizada nessas pesquisas foi, muitas vezes, interpretada como uma proposta de pedagogia construtivista para a
alfabetização, o que re4presenta um duplo equívoco: (1) a redução do construtivismo à uma teoria psicogenética que tenta explicar
a aquisição da língua escrita;(2) e, por conseguinte, a transformação de uma investigação acadêmica em método de ensino. Esses
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equívocos proliferam-se sob o rótulo de “pedagogia construtivista”, contribuindo erradamente para reforçar a crença de que não se
deve corrigir os erros das crianças, pois, fazendo as coisas “do seu jeito”, elas acabam “aprendendo” – por tentativa e erro - aquilo
que necessitam aprender.
Enfim, o fato é que essa pedagogia - que se intitula construtivista -, ou melhor, a má interpretação da prática docente em relação
a seus postulados teóricos, acabou trazendo sérios problemas no que diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem, pois tira
de foco a função primordial da instituição escolar que é ensinar, intervindo como facilitadora do processo de aprendizagem, a fim de
que os alunos aprendam o que é correto - posto que, sozinhos, teriam mais dificuldades em destrinchar os caminhos do conhecimento.
Em relação à alfabetização podemos citar Terezinha Nunes, que diz:
“Talvez a contribuição mais significativa que o construtivismo já ofereceu à alfabetização foi auxiliar as alfabetizadoras na tarefa
de compreender as produções da criança e saber respeitá-las como construções genuínas, indicadoras de processo, e não como erros
absurdos. Nesse sentido, podem-se destacar dois momentos em alfabetização: antes e depois dos trabalhos de Emília Ferreiro”.
Dessa forma, não existe um “método construtivista” para a educação, no sentido em que certas escolas fazem acreditar, sendo
que “construtivismo” seria muito mais do que uma vertente ou abordagem metodológica; mas uma postura, um olhar permanente do
educador em relação à autonomia do educando que, por sua vez, passa a ser visto e considerado como coprodutor dinâmico, ativo e
autônomo de seu próprio conhecimento – e não mero receptáculo e depositário passivo e alienado de saberes alheio. O aluno é cor-
responsável pelo seu próprio processo de aprendizagem.
E por essa razão, não se pode dispensar totalmente o “livro didático” como recurso, pois sua finalidade é a de ordenar o conheci-
mento, o ensino e a aprendizagem. Um livro didático bem elaborado pode funcionar como um quadro sinóptico a orientar e facilitar
o processo de aprendizagem, conferindo-lhe consistência, dinamismo eficiência e legitimidade.
Na concepção construtivista, a forma como se constrói o saber é muito ampla, de forma que realmente se incluem as ações de
descobrir, inventar, redescobrir, criar: sendo que aquilo que se faz (as ações), ou seja, que se obtém por resultado, é tão importante
quanto o “como” e o “por que” se faz, estratégia que contribui para que ênfase também seja conferida ao processo de aprendizagem
- e não apenas aos resultados em si.
É sempre importante lembrar que, dentro da concepção construtivista, a ação pedagógica se dará no sentido da compreensão
entre dois fatores: daquilo que o ambiente dispõe (oferece): e das estruturas mentais que o sujeito potencialmente carrega (em termos
de carga genética hereditária). (Texto adaptado de GALVÊAS, E. C.)
Até muito recentemente a questão da escola limitava-se a uma escolha entre ser tradicional e ser moderna, Essa tipologia não
desapareceu, mas não responde a todas as questões atuais da escola. Muito menos à questão do seu projeto.
A crise paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade
pós-moderna e pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura, pelo plu-
ralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a reivindicação pela participação e autonomia contra toda
forma de uniformização e o desejo de afirmação da singularidade de cada região, de cada língua etc. A multiculturalidade é a marca
mais significativa do nosso tempo.
Didatismo e Conhecimento 7
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
seus currículos, dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e o seu modo de vida. Um projeto Sempre confronta
esse instituído com o instituinte.
Não se constrói um projeto sem uma direção política, um norte, um rumo. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é também
político. O projeto pedagógico da escola é por isso mesmo, sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade
que permanece como horizonte da escola.
• De quem é a responsabilidade da constituição do projeto da escola?
O projeto da escola não é responsabilidade apenas de sua direção. Ao contrário, numa gestão democrática, a direção é escolhida
a partir do reconhecimento da competência e da liderança de alguém capaz de executar um projeto coletivo. A escola, nesse caso,
escolhe primeiro um projeto e depois essa pessoa que pode executá-lo. Assim realizada, a eleição de um diretor ou de uma diretora
se dá a partir da escolha de um projeto político-pedagógico para a escola. Portanto, ao se eleger um diretor de escola, o que se está
elegendo é um projeto para a escola.
Como vimos, o projeto pedagógico da escola está hoje inserido num cenário marcado pela diversidade. Cada escola é resultado
de um processo de desenvolvimento de suas próprias contradições. Não existem duas escolas iguais. Diante disso, desaparece aquela
arrogante pretensão de saber de antemão quais serão os resultados do projeto para todas as escolas de um sistema educacional. A
arrogância do dono da verdade dá lugar à criatividade e ao diálogo. A pluralidade de projetos pedagógicos faz parte da história da
educação da nossa época.
Por isso, não deve existir um padrão único que oriente a escolha do projeto de nossas escolas. Não se entende, portanto, uma
escola sem autonomia, autonomia para estabelecer o seu projeto e autonomia para executá-lo e avaliá-lo.
A autonomia e a gestão democrática da escola fazem parte da própria natureza do ato pedagógico. A gestão democrática da escola
é, portanto, uma exigência de seu projeto político-pedagógico.
Ela exige, em primeiro lugar, uma mudança de mentalidade de todos os membros da comunidade escolar. Mudança que impli-
ca deixar de lado o velho preconceito de que a escola pública é apenas um aparelho burocrático do Estado e não uma conquista da
comunidade. A gestão democrática da escola implica que a comunidade, os usuários da escola, sejam os seus dirigentes e gestores e
não apenas os seus fiscalizadores ou, menos ainda, os meros receptores dos serviços educacionais. Na gestão democrática pais, mães,
alunas, alunos, professores e funcionários assumem sua parte de responsabilidade pelo projeto da escola.
Há pelo menos duas razões que justificam a implantação de um processo de gestão democrática na escola pública:
1a) A escola deve formar para a cidadania e, para isso, ela deve dar o exemplo. A gestão democrática da escola é um passo im-
portante no aprendizado da democracia. A escola não tem um fim em si mesma. Ela está a serviço da comunidade. Nisso, a gestão
democrática da escola está prestando um serviço também à comunidade que a mantém.
2a) A gestão democrática pode melhorar o que é específico da escola, isto é, o seu ensino. A participação na gestão da escola
proporcionará um melhor conhecimento do funcionamento da escola e de todos os seus atores; propiciará um contato permanente
entre professores e alunos, o que leva ao conhecimento mútuo e, em consequência, aproximará também as necessidades dos alunos
dos conteúdos ensinados pelos professores.
A autonomia e a participação — pressupostos do projeto político- pedagógico da escola — não se limitam à mera declaração de
princípios consignados em algum documento. Sua presença precisa ser sentida no Conselho de Escola ou Colegiado, mas também na
escolha do livro didático, no planejamento do ensino, na organização de eventos culturais, de atividades cívicas, esportivas, recreati-
vas. Não basta apenas assistir às reuniões.
A gestão democrática deve estar impregnada por certa atmosfera que se respira na escola, na circulação das informações, na
divisão do trabalho, no estabelecimento do calendário escolar, na distribuição das aulas, no processo de elaboração ou de criação de
novos cursos ou de novas disciplinas, na formação de grupos de trabalho, na capacitação dos recursos humanos etc. A gestão demo-
crática é, portanto, atitude e método. A atitude democrática é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de métodos democráticos
de efetivo exercício da democracia. Ela também é um aprendizado, demanda tempo, atenção e trabalho.
Existem, certamente, algumas limitações e obstáculos à instauração de um processo democrático como parte do projeto político-
-pedagógico da escola. Entre eles, podemos citar:
a) a nossa pouca experiência democrática;
b) a mentalidade que atribui aos técnicos e apenas a eles a capacidade de planejar e governar e que considera o povo incapaz de
exercer o governo ou de participar de um planejamento coletivo em todas as suas fases;
c) a própria estrutura de nosso sistema educacional que é vertical;
d) o autoritarismo que impregnou nossa prática educacional;
e) o tipo de liderança que tradicionalmente domina nossa atividade política no campo educacional.
Enfim, um projeto político-pedagógico da escola apoia-se:
a) no desenvolvimento de uma consciência crítica;
b) no envolvimento das pessoas: comunidade interna e externa à escola;
c) na participação e na cooperação das várias esferas de governo;
d) na autonomia, responsabilidade e criatividade como processo e como produto do projeto.
Didatismo e Conhecimento 8
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
O projeto da escola depende, sobretudo, da ousadia dos seus agentes, da ousadia de cada escola em assumir-se como tal, partindo
da “cara” que tem, com o seu cotidiano e o seu tempo-espaço, isto é, o contexto histórico em que ela se insere.
Um projeto político-pedagógico constrói-se de forma interdisciplinar. Não basta trocar de teoria como se ela pudesse salvar a
escola.
Pelo que foi dito até agora, o projeto pedagógico da escola pode ser considerado como um momento importante de renovação da
escola. Projetar significa “lançar-se para frente”, antever um futuro diferente do presente. Projeto pressupõe uma ação intencionada
com um sentido definido, explícito, sobre o que se quer inovar. Nesse processo podem-se distinguir dois momentos:
a) o momento da concepção do projeto;
b) o momento da institucionalização e implementação do projeto.
Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável
para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto
contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas.
As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.
A noção de projeto implica, sobretudo tempo:
a) Tempo político — define a oportunidade política de um determinado projeto.
b) Tempo institucional — Cada escola encontra-se num determinado tempo de sua história. O projeto que pode ser inovador para
uma escola pode não ser para outra.
c) Tempo escolar — O calendário da escola, o período no qual o projeto é elaborado é também decisivo para o seu sucesso.
d) Tempo para amadurecer as ideias — Só os projetos burocráticos são impostos e, por isso, revelam-se ineficientes em médio
prazo. Há um tempo para sedimentar ideias. Um projeto precisa ser discutido e isso leva tempo.
Como elementos facilitadores de êxito de um projeto, podemos destacar:
1o) Comunicação eficiente. Um projeto deve ser factível e seu enunciado facilmente compreendido.
2o) Adesão voluntária e consciente ao projeto. Todos precisam estar envolvidos. A corresponsabilidade é um fator decisivo no
êxito de um projeto;
3o) Suporte institucional e financeiro, que significa: vontade política, pleno conhecimento de todos — principalmente dos diri-
gentes — e recursos financeiros claramente definidos.
4o) Controle, acompanhamento e avaliação do projeto. Um projeto que não pressupõe constante avaliação não consegue saber se
seus objetivos estão sendo atingidos.
5o) Uma atmosfera, um ambiente favorável. Não se deve desprezar certo componente mágico-simbólico para o êxito de um
projeto, certa mística que cimenta a todos os que se envolvem no design de um projeto.
6o) Credibilidade. As ideias podem ser boas, mas, se os que as defendem não têm prestígio, comprovada competência e legiti-
midade, o projeto pode ficar limitado.
7°) Referencial teórico que facilite encontrar os principais conceitos estrutura ao projeto.
A falta desses elementos obstaculiza a elaboração e a implantação de um projeto novo para a escola. A implantação de um novo
projeto político pedagógico da escola enfrentará sempre a descrença generalizada dos que pensam que de nada adianta projetar uma
boa escola enquanto não houver vontade política dos “de cima”. Contudo, o pensamento e a prática dos “de cima” não se modificarão
enquanto não existir pressão dos “de baixo”. Um projeto político-pedagógico da escola deve constituir-se num verdadeiro processo
de conscientização e de formação cívica; deve ser um processo de recuperação da importância e da necessidade do planejamento na
educação.
Tudo isso exige certamente uma educação para a cidadania.
• O que é “educar para a cidadania”?
A resposta a essa pergunta depende da resposta à outra pergunta: — “O que é cidadania?”.
Pode-se dizer que cidadania é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia. Não há cidadania sem
democracia.
A democracia fundamenta-se em três direitos:
• direitos civis, como segurança e locomoção;
• direitos sociais, como trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação etc.
• direitos políticos, como liberdade de expressão, de voto, de participação em partidos políticos e sindicatos etc.
O conceito de cidadania, contudo, é um conceito ambíguo. Em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estabe-
lecia as primeiras normas para assegurar a liberdade individual e a propriedade. Existem diversas concepções de cidadania: a liberal,
a neoliberal, a progressista ou socialista democrática (o socialismo autoritário e burocrático não admite a democracia como valor
universal e despreza a cidadania como valor progressista).
Didatismo e Conhecimento 9
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Existe hoje uma concepção consumista de cidadania (não ser enganado na compra de um bem de consumo) e uma concepção
oposta que é uma concepção plena de cidadania, que consiste na mobilização da sociedade para a conquista dos direitos acima men-
cionados e que devem ser garantidos pelo Estado. A concepção liberal e neoliberal de cidadania — que defende o “Estado mínimo”,
a privatização da educação e que estimula a concentração de renda — entende que a cidadania é apenas um produto da solidariedade
individual (da “gente de bem”) entre as pessoas e não uma conquista no interior do próprio Estado. A cidadania implica em institui-
ções e regras justas. O Estado, numa visão socialista democrática, precisa exercer uma ação — para evitar, por exemplo, os abusos
econômicos dos oligopólios — fazendo valer as regras definidas socialmente.
Cidadania e autonomia são hoje duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em torno das quais há fre-
quentemente consenso. Essas categorias se constituem na base da nossa identidade nacional tão desejada e ainda tão longínqua, em
função do arraigado individualismo tanto das nossas elites, quanto das fortes corporações emergentes, ambas dependentes do Estado
paternalista.
O movimento atual da chamada “escola cidadã” está inserido nesse novo contexto histórico de busca de identidade nacional. A
“escola cidadã” surge como resposta à burocratização do sistema de ensino e à sua ineficiência.
É nesse contexto histórico que vem se desenhando o projeto e a realização prática da escola cidadã em diversas partes do país,
como uma alternativa nova e emergente. Ela vem surgindo em numerosos municípios e já se mostra nas preocupações dos dirigentes
educacionais em diversos Estados brasileiros.
Movimentos semelhantes já ocorreram em outros países. Vejam-se as “Citizenship Schools” que surgiram nos Estados Unidos
nos anos 50, dentro das quais se originou o importante movimento pelos Direitos Civis naquele país, colocando dentro das escolas
americanas a educação para a cidadania e o respeito aos direitos sociais e humanos.
Do movimento histórico-cultural a que nos referimos, estão surgindo alguns eixos norteadores da escola cidadã: a integração
entre educação e cultura, escola e comunidade (educação multicultural e comunitária), a democratização das relações de poder dentro
da escola, o enfrentamento da questão da repetência e da avaliação, a visão interdisciplinar e transdisciplinar e a formação permanen-
te dos educadores. A interdisciplinaridade refere-se à estreita relação que as disciplinas mantém entre si e a transdisciplinaridade, à
superação das fronteiras existentes entre as disciplinas, indo, portanto, além da interação e reciprocidade existentes entre as ciências.
Da nossa experiência vivida nesses últimos anos, tentando entender esse movimento, algumas lições podemos tirar que nos
levam a acreditar nessa concepção/realização da educação. Por isso, baseado nessa crença, apresentamos um “decálogo” no livro
Escola cidadã, em 1992. Para nós, a escola cidadã surge como uma realização concreta dos ideais da escola pública popular, cujos
princípios vimos defendendo, ao lado de Paulo Freire, nas últimas duas décadas. Concretamente, dessa experiência vivida, pudemos
tirar algumas lições. Para finalizar, gostaríamos de mencionar pelo menos quatro:
1a) A escola não é o único local de aquisição do saber elaborado. Aprendemos também nos fins de semana, como costuma dizer
Emília Ferreiro.
2a) Não existe um único modelo capaz de tornar exitosa a ação educativa da escola. Cada escola é fruto de suas próprias contra-
dições. Existem muitos caminhos, inclusive para a aquisição do saber elaborado. E o caminho que pode ser válido numa determinada
conjuntura, num determinado local ou contexto, pode não o ser em outra conjuntura ou contexto. Por isso, é preciso incentivar a
experimentação pedagógica e, sobretudo, ter uma mentalidade aberta ao novo e não atirar pedras no caminho daqueles que buscam
melhorar a educação.
3a) Todos não terão acesso à educação enquanto todos — trabalhadores e não trabalhadores em educação, estado e sociedade
civil — não se interessarem por ela. A educação para todos supõe todos pela educação.
4a) Houve uma época em que pensávamos que as pequenas mudanças impediam a realização de uma grande” mudança. Por
isso, no nosso entender, elas deveriam ser evitadas e todo o investimento deveria ser feito numa transformação radical e ampla. Hoje,
minha certeza é outra: a grande mudança exige também o esforço contínuo, solidário e paciente das pequenas ações. Estas, no dia-a-
-dia, construídas passo a passo, numa certa direção, também são essenciais à grande mudança. E o mais importante: devem ser feitas
hoje. Como dizia Paulo Freire, “a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanha alguma coisa que não é possível ser feita
hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não
pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer.
Isso, de forma alguma, significa renunciar ao sonho da construção de uma sociedade justa e humana, nem jogar no lixo da Histó-
ria nossa utopia revolucionária. Precisamos, sobretudo da utopia neo-socialista contra a ideologia neoliberal que prega o fim da utopia
e da história. Estamos convencidos, acima de tudo, que a educação, mais do que passar por uma melhoria da qualidade do ensino que
está aí, como sustenta o Banco Mundial, ela precisa de uma transformação radical, exigência premente e concreta de uma mudança
estrutural provocada pela inevitável globalização da economia e das comunicações, pela revolução da informática a ela associada
e pelos novos valores que estão refundando instituições e convivência social na emergente sociedade pós-moderna. Por isso, como
afirmamos no início do texto, não se constrói um projeto político-pedagógico sem uma direção política, um norte, um rumo. (Texto
extraído de GADOTTI, Moacir. “Projeto político pedagógico da escola: fundamentos para sua realização”.
In: GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José Eustaquio (orgs.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 4. ed. São Paulo: Cor-
tez, 2001.)
Didatismo e Conhecimento 10
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
2 A DIDÁTICA E O PROCESSO
DE ENSINO E APRENDIZAGEM.
o que é didática?
É comentário comum entre alunos o fato de que um professor é um ótimo conhecedor do assunto, mas falta-lhe Didática. Essa
palavra, então, passa a ter um valor mais significativo para quem está do outro lado da docência: o próprio discente. Muitas vezes
sua utilização é impregnada por esses atores com a impressão de que os alunos conhecem muito mais sobre sua definição do que o
próprio professor.
Em se tratando das raízes do termo, Didática corresponde a uma expressão grega que, traduzindo-se para a linguagem vernacu-
lar, significa arte ou técnica de ensinar. Castro (2008), reportando-se sobre a história da Didática, apregoa que a mesma apesar do
termo ter surgido originalmente na Grécia Antiga veio a consolidar-se como campo de investigação científica a partir da tentativa de
atribuir à Didática uma aglutinação de conhecimentos pedagógicos, devendo-se sua configuração atual a dois estudiosos: Ratíquio e
Comênio, que praticamente atribuíram à didática a identificação com a arte de ensinar tudo a todos .
Ao que parece, a excessiva preocupação com seus aspectos conceituais tem desviado, ao sabor dos tempos, uma interpretação
mais voltada para a concepção do que representa a Didática no campo educacional. Santos (2003) é quem dá respaldo a essa ar-
gumentação, ao colocar que a Didática passou de apêndice de orientações mecânicas e tecnológicas para um atual modo crítico de
desenvolver uma prática educativa, forjadora de um projeto histórico, que não se fará tão-somente pelo educador, mas pelo educador,
conjuntamente, com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.
Ainda na opinião desse autor, a partir desse enfoque a Didática começa a ser vista não como simplesmente um conjunto de téc-
nicas e saberes metodológicos que subsidiam a arte de ensinar algo a alguém, mas se reveste de uma construção pedagógica que por
vezes é confundida com a própria ciência da Pedagogia
Libâneo (1992) é um dos defensores desse pensamento. Sua principal argumentação é de que a didática é o principal ramo de
estudo da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos, as condições e os modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe con-
verter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos.
Tal exposto acima, representa um cenário deveras abrangente para se tentar explicitar o que efetivamente seja didática. Ao se
apresentar a Didática como responsável pela investigação dos fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensi-
no, a mesma passa a ter caráter de ciência da educação e assume o lugar da própria Pedagogia.
Quando converte os objetivos sociopolíticos e pedagógicos em objetivos educacionais, mescla-se aos propósitos da Filosofia
da Educação. Quando seleciona conteúdos e métodos, se imbrica para o universo da Metodologia. Então, pelo que se verifica, há,
mesmo contemporaneamente, uma falta de uniformidade a respeito da intenção de se conceituar a Didática.
Portanto, o que descortina é uma atribuição conceitual se permeia em exatidões epistemológicas. Tanto assim que a didática
passa, no momento atual, por uma junção de termos, como se verifica em Gil (1997), ao abordar sobre a metodologia didática , en-
tendendo esta como [...] a sistematização e racionalização do ensino, constituída de métodos e técnicas de ensino de que se vale o
professor para efetivar a sua intervenção no comportamento do estudante . Essa intervenção, na ótica do autor, é que seria a principal
responsável pelo efeito da aprendizagem.
Aproveitando a explicitação do autor acima, tem-se que a metodologia é a parte da teoria do ensino que estuda os recursos mais
eficientes na direção da aprendizagem, para que os objetivos do ensino sejam alcançados.
Diferentemente de outras áreas do saber, onde os objetivos podem ser traduzidos em quantificação com a aplicação de metas, por
exemplo na educação os objetivos educacionais são abstratos, isso porque referem-se a mudanças de comportamento que se espera
de determinados indivíduos face à ação promovida pelo agente educador.
Segundo Santos (2003), não há uma nitidez perceptível entre Didática e Metodologia Didática. Analisando-se essa observação,
e comparando-se com os milhares de enfoques expostos tanto na literatura de fonte secundária quanto em diversos programas e
ementas disciplinares disponibilizados ao domínio público, verifica-se que é comum o emprego da expressão metodologia didática
para identificar os métodos e técnicas com os quais se irão trabalhar os conteúdos em determinado curso ou disciplina.
Nesse ponto, Gil (1997) considera que os métodos e técnicas de ensino servem para [...] conduzir o estudante a integrar no seu
comportamento, conhecimentos, técnicas, habilidades, hábitos e atitudes que hão de enriquecer a sua personalidade .
Didatismo e Conhecimento 11
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Pela ótica do autor acima, então, a metodologia didática se faz valer de determinados métodos e técnicas que, a nosso ver, se
juntam a outros aspectos necessários para a formação do processo de ensino-aprendizagem.
Nesse ponto, pode-se retomar a discussão colocada no início dessa fundamentação teórica. O que seria mais passível de questio-
namento por alunos que consideram o professor sem didática: a Didática propriamente dita, ou a Metodologia Didática incorporada
por este para aplicação dos conteúdos?
Pode ser que aí resida a cabal diferenciação. Pelo verificado até aqui, existe certa composição hierárquica que busca facilitar a
compreensão dessas terminologias. Assim, Didática assumiria o posto-chave, de onde derivaria a Metodologia Didática. Esta, por sua
vez, se fragmentaria em métodos e técnicas didáticos ou de ensino, e estes ainda, obedecendo à cadeia lógica, seriam fragmentados
em diversas outras delimitações, ou seja, partir-se-ia do geral a Didática - para o particular o uso de métodos e técnicas voltadas para
o ensino.
Não se tem a intenção, nesse artigo, de promover uma explicitação acerca dos diversos métodos e técnicas apontados na litera-
tura, até porque nosso entendimento é de que essa explicação é por demais técnica para caber numa reflexão empírica, como a que
se promove nesse artigo.
Ao longo de seu processo histórico, várias alusões acerca dos processos pedagógicos têm levado autores a desenhar métodos
e técnicas subjacentes às diversas propostas pedagógicas constituídas. Desde que se concebia a aprendizagem como um processo
passivo, onde os métodos consistiam basicamente na memorização de regras, conceitos e fórmulas, ou verdades que se tinham como
absolutas várias outras abordagens foram sendo incluídas como propícias à facilitação do processo ensino-aprendizagem.
Iniciando-se esses apontamentos por Comenius, no século XVII, já identifica-se uma preocupação com a não-utilização pura e
simplesmente dos livros mortos , mas do contato com a natureza das coisas. Nesse ponto, os métodos e técnicas seriam dedicados a
mostrar ao discente como as coisas se situam em seu próprio universo.
Já no século XVIII, Rousseau contribuiu, dando destaque ao jogo, ao trabalho manual, à experiência direta das coisas como pas-
síveis de utilização visando ao processo natural de desenvolvimento do ser aprendente. Nesse aspecto, os métodos e técnicas tinham
por propósitos valorizar os aspectos biopsíquicos do aluno em desenvolvimento (FIORENTINI e AMORIM, 1995).
Pestalozzi, entre o final do século XVIII e início do século XIX, considerava como essencial que se utilizassem métodos e téc-
nicas que enfatizassem a postura ativa dos alunos. Nesse aspecto, apontava como fundamentais o canto, o desenho, a modelagem,
jogos, excursões ao ar livre, a manipulação de objetos onde as descrições antecederiam as definições, entre outros aspectos.
Mais adiante, os autores behavioristas se voltaram para a formação do conceito de que a aprendizagem se refere a uma mudança
de comportamento. Nesse sentido, Fiorentini e Amorim (1995) apresentam que suas principais ideias estariam voltadas para o desen-
volvimento de habilidades ou mudanças de atitudes. Portanto, as técnicas se voltariam para estimular respostas a fatores externos,
controladas por meio de reforços.
Para não nos determos em exaustivas explanações históricas, entende-se que os clássicos acima já dão uma interpretação coe-
rente com o propósito dessa discussão. A pergunta que norteia, portanto, esse tópico é a seguinte: existiria um arcabouço de técnicas
e métodos de ensino adequados a uma metodologia didática que se pudesse considerar como uniforme dentro do ensino superior?
Começamos nossa explanação pelo argumento de que, para que haja uma aplicação de métodos e técnicas adequadas ao ensino,
é preciso que haja um lócus de aplicação. (Nesse âmbito, entende-se que a sala de aula que atualmente pode ser concebida como
qualquer ambiente propício a prática de ensino-aprendizagem, tais como: bibliotecas, laboratórios, oficinas, fóruns de discussão
interativos, entre outros) na da mais é do que um simples espaço físico que acomoda determinado conjunto de professores e alunos.
Para fugir dessa típica caracterização, nosso entendimento é de que o primeiro método a ser aplicado é o de construção da sala
de aula , obviamente que no sentido de sua organização para o desenvolvimento intelectual. Para o cumprimento dos objetivos didá-
ticos, é necessário que essa sala seja construída a partir da necessidade de coexistência de dois grupos distintos: o de ensino e o de
aprendizagem. O primeiro, constituído pelos professores; o segundo, pelo corpo discente.
Essa construção perpassa pelo estabelecimento de regras consensuais de convivência democrática, onde predominem o respeito
mútuo, a cordialidade, o companheirismo e, acima de tudo, o arbítrio. O método de construção da sala representa também o respeito
à pontualidade, o cumprimento de prazos e estrita observância aos deveres, e isso serve para os dois grupos em questão.
Estabelecida a construção desse espaço, através do método de construção da a verdadeira sala de aula , pode-se passar à utili-
zação de técnicas que visem à mudança de comportamento, já que, como visto em Gil (1997) essa é uma tônica indispensável para
orientação da aprendizagem.
Via de regra, esses comportamentos se associam a uma grande incidência de senso comum, em que predominam opiniões pes-
soais, julgamentos difusos e acríticos, impregnados de subjetivismo. Os métodos e técnicas didáticos servem, então, para reordenar
a passagem do senso comum para a construção do pensamento científico. A metodologia, nesse sentido, é corretiva, com o intuito de
promover a objetividade e aguçar o espírito crítico.
Didatismo e Conhecimento 12
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Outro emprego dos métodos e técnicas didáticos se direciona para a transformação do aluno em estudante, fomentando neste um
razoável grau de autonomia acadêmico-intelectual, livrando este da situação de dependência básica quanto à necessidade de aplica-
ção de conteúdos.
Da mesma forma que o professor se utiliza de recursos que compõem o escopo dos métodos e técnicas de ensino, o aluno também
se utiliza de recursos para sua aprendizagem. Nesse sentido, os métodos e técnicas utilizados pelo professor devem direcionar-se
para formar nesse aluno uma capacidade de empreender sua própria trajetória em sua formação, mediante a utilização racional desses
recursos.
Um dos maiores artifícios para a promoção de um ensino-aprendizagem com confiança e alocação sistêmica dos métodos e téc-
nicas perpassa pela execução de um inventário de desempenho escolar e a capacidade do professor em interferir pedagogicamente
para um processo de melhoria contínua desse desempenho.
Nesse sentido, a observação do que ocorre em sala de aula antecede toda e qualquer utilização de metodologia didática, sendo
esta, na verdade, a metodologia primeira. Somente a partir da observação que se podem ter condições concretas para orientar e acom-
panhar o que se desenvolve em sala de aula. Essa observação se materializa com seus complementos, que são o acompanhamento,
orientação e avaliação, ciclos pedagógicos que considero essenciais para um quefazer à altura de um profissional que se propõe a
executar uma Didática pautada por uma planejamento com objetivos educacionais definidos, mas que se encontra sempre atento a
possíveis desvios de percurso que possam interferir em sua execução.
Processo de ensino-aprendizagem
Para se analisar os vários conceitos que envolvem o processo ensino-aprendizagem é necessário ter-se em mente as diferentes
épocas nas quais estes se desenvolveram, como também compreender sua mudança no decorrer da história de produção do saber do
homem.
O conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em Psicologia, ou seja, de investigações levadas a termo
com base no pressuposto de que todo conhecimento provém da experiência. Ora, se o conhecimento provém de outrem, externo ao
indivíduo, isto significa afirmar o primado absoluto do objeto e considerar o sujeito como uma tábula rasa, como um ser vazio, sem
saberes e com a função única de depositário de conhecimento.
Este conceito inicial é baseado no positivismo que influenciou diferentes conhecimentos, entre eles o behaviorismo. Neste, a
aprendizagem se dá pela mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência. E se sustenta sobre os trabalhos dos
condicionamentos respondente e, posteriormente, operante.
Para refutar estes conceitos que determinam o ser humano como passivo e não produtor, surge a Gestalt, racionalista. Neste
momento histórico não se fala em aprendizagem mas em percepção, posto que tal corrente não acredita no conhecimento adquirido,
mas defende o conhecimento como resultado de estruturas pré-formadas, do biológico do indivíduo.
Por fim, há de se chegar à psicologia genética tendo como representantes nomes como Piaget, Vygotsky e Wallon e que segundo
Giusta, levam a uma concepção de aprendizagem a partir do confronto e colaboração do conhecimento destes três: empirismo, beha-
viorismo e gestáltico.
Atualmente, não só na área da educação mas também em outras áreas, como a da saúde, pensa-se no indivíduo como um todo
– paradigma holístico. Parte-se de uma visão sistêmica e portanto, amplia-se o conceito de educação, o conceito do processo de
ensino-aprendizagem.
O processo de ensino-aprendizagem tem sido historicamente caracterizado de formas diferentes que vão desde a ênfase no papel
do professor como transmissor de conhecimento, até as concepções atuais que concebem o processo de ensino-aprendizagem com
um todo integrado que destaca o papel do educando.
As reflexões sobre o estado atual do processo ensino-aprendizagem nos permite identificar um movimento de ideias de diferentes
correntes teóricas sobre a profundidade do binômio ensino e aprendizagem. Entre os fatores que estão provocando esse movimento
podemos apontar as contribuições da Psicologia atual em relação à aprendizagem, que leva todos a repensar a prática educativa,
buscando uma conceptualização do processo ensino-aprendizagem.
Apesar de tantas reflexões, a situação atual da prática educativa das escolas ainda demonstra a massificação dos alunos com
pouca ou nenhuma capacidade de resolução de problemas e poder crítico-reflexivo, a padronização dos mesmos em decorar os con-
teúdos, além da dicotomia ensino-aprendizagem e do estabelecimento de uma hierarquia entre educador e educando.
A solução para tais problemas está no aprofundamento de como os educandos aprendem e como o processo de ensinar pode
conduzir à aprendizagem.
Acrescenta-se ainda que a solução está em partir da teoria e colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo
de forma crítica-reflexiva-laborativa: crítica e reflexiva para pensar os conceitos atuais e passados e identificar o que há de melhor;
laborativa não só para mudar como também para criar novos conhecimentos.
Didatismo e Conhecimento 13
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
“Para que se repensem as ciências humanas e a possibilidade de um conhecimento científico humanizado há que se romper com
a relação hierárquica entre teoria, prática e metodologia. Teoria e prática não se cristalizam, mas se redimensionam, criam e são tam-
bém objetos de investigação. Nesse sentido, pesquisa é a atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade. É a
pesquisa que alimenta a atividade de ensino/aprendizagem e a atualiza”.
Paulo Freire apud DIAS diz que daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos aber-
tos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo
gnosiológico: o que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não
existente. A dodiscência – docência-discência – e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por estes momentos do
ciclo gnosiológico.
Pensar nesse processo ensino-aprendizagem de forma dialética associando-se à pesquisa, promove a formação de novos conhe-
cimentos e traz a ideia de seres humanos como indivíduos inacabados e passíveis de uma curiosidade crescente – aqui considerada
como uma curiosidade epistemológica, uma capacidade de refletir criticamente o aprendido – capaz de levar a um contínuo no pro-
cesso ensinar-aprender.
No processo pedagógico alunos e professores são sujeitos e devem atuar de forma consciente. Não se trata apenas de sujeitos do
processo de conhecimento e aprendizagem, mas de seres humanos imersos numa cultura e com histórias particulares de vida. O aluno
que o professor tem à sua frente traz seus componentes biológico, social, cultural, afetivo, linguístico entre outros. Os conteúdos de
ensino e as atividades propostas enredam-se nessa trama de constituição complexa do indivíduo.
O processo de ensino-aprendizagem envolve um conteúdo que é ao mesmo tempo produção e produto. Parte de um conhecimen-
to que é formal (curricular) e outro que é latente, oculto e provém dos indivíduos.
Todo ato educativo depende, em grande parte, das características, interesses e possibilidades dos sujeitos participantes, alunos,
professores, comunidades escolares e demais fatores do processo. Assim, a educação se dá na coletividade, mas não perde de vista
o indivíduo que é singular (contextual, histórico, particular, complexo). Portanto, é preciso compreender que o processo ensino-
-aprendizagem se dá na relação entre indivíduos que possuem sua história de vida e estão inseridos em contextos de vida próprios.
Pela diversidade individual e pela potencialidade que esta pode oferecer à produção de conhecimento, consequentemente ao pro-
cesso de ensino e aprendizagem, pode-se entender que há necessidade de estabelecer vínculos significativos entre as experiências de
vida dos alunos, os conteúdos oferecidos pela escola e as exigências da sociedade, estabelecendo também relações necessárias para
compreensão da realidade social em que vive e para mobilização em direção a novas aprendizagens com sentido concreto.
Pensar cada indivíduo como um contribuinte no processo de ensinar-aprender é participar da colocação de Giusta sugerindo que
se deve superar a dicotomia transmissão x produção do saber levando a uma concepção de aprendizagem que permite resgatar: a)
a unidade do conhecimento, através de uma visão da relação sujeito/objeto, em que se afirma, ao mesmo tempo, a objetividade do
mundo e a subjetividade; b) a realidade concreta da vida dos indivíduos, como fundamento para toda e qualquer investigação.
Lembrando que o processo ensino-aprendizagem ocorre a todo o momento e em qualquer lugar questiona-se então neste proces-
so, qual o papel da escola? Como deve esta deve ser considerada? E qual o papel do professor?
É função de a escola realizar a mediação entre o conhecimento prévio dos alunos e o sistematizado, propiciando formas de acesso
ao conhecimento científico. Nesse sentido os alunos caminham, ao mesmo tempo, na apropriação do conhecimento sistematizado, na
capacidade de buscar e organizar informações, no desenvolvimento de seu pensamento e na formação de conceitos. O processo de
ensino deve, pois, possibilitar a apropriação dos conteúdos e da própria atividade de conhecer.
A escola é um palco de ações e reações, onde ocorre o saber-fazer. É constituída por características políticas, sociais, culturais
e críticas. Ela é um sistema vivo, aberto. E como tal, deve ser considerada como em contínuo processo de desenvolvimento influen-
ciando e sendo influenciada pelo ambiente, onde existe um feedback dinâmico e contínuo.
É neste ambiente de produções e produto que se insere o professor, o educador, não como um indivíduo superior, em hierarquia
com o educando, como detentor do saber-fazer, mas como igual, onde o relacionamento ente ambos concretiza o processo de ensinar-
-aprender.
O papel do professor é o de dirigir e orientar a atividade mental dos alunos, de modo que cada um deles seja um sujeito cons-
ciente, ativo e autônomo. É seu dever conhecer como funciona o processo ensino-aprendizagem para descobrir o seu papel no todo e
isoladamente. Pois, além de professor, ele será sempre ser humano, com direitos e obrigações diversas.
Pensar no educador como um ser humano é levar à sua formação o desafio de resgatar as dimensões cultural, política, social e
pedagógica, isto é, resgatar os elementos cruciais para que se possa redimensionar suas ações no/para o mundo.
Ainda no processo da história da produção do saber, permanece na atualidade o desafio de tornar as práticas educativas mais con-
dizentes com a realidade, mais humanas e, com teorias capazes de abranger o indivíduo como um todo, promovendo o conhecimento
e a educação. (Texto adaptado de RIBEIRO, S. L.).
Didatismo e Conhecimento 14
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Em uma sala de aula, durante a fala do professor, um aluno formula uma pergunta. O professor ouve atentamente e se vê diante
de um dilema: O que fazer? Responder a pergunta objetivamente e continuar a exposição? Anotar a questão no quadro e dizer que
responderá ao terminar o que está expondo? Anotar a pergunta e pedir a toda classe que pense na resposta? Solicitar ao aluno que
anote a pergunta e a repita ao final da exposição? Qual a conduta mais correta?
Escolher uma resposta adequada depende de vários fatores que devem ser considerados pelo professor. Entre eles, se a pergunta
contribui para o desenvolvimento da atividade de ensino e aprendizagem naquele momento, ou ainda se existe pertinência em relação
ao conteúdo em jogo na atividade.
A pergunta pode evidenciar um nível de compreensão conceitual mais elaborado de um aluno se comparado à maioria da classe.
Respondê-la naquele momento transformaria a aula em uma conversa entre o professor e aquele aluno, que dificilmente seria acom-
panhada pelos demais. Pode também revelar uma criança ou jovem com dificuldade de compreender o conceito em questão, o que
sugere algum tipo de atenção mais individualizada. É possível concluir ainda que a questão seria uma ótima atividade de aprendiza-
gem em um momento posterior, quando certos aspectos do conteúdo já estiverem esclarecidos.
O professor tem um papel fundamental de coordenar o processo de ensino e aprendizagem da sua classe. “É preciso organizar
todas as suas ações em torno da educação de seus alunos. Ou seja, promover o crescimento de todos eles em relação à compreensão
do mundo e à participação na sociedade”. Para isso, ele precisa ter claro quais são as intenções educativas que presidem esta ou aquela
atividade proposta. Na verdade, ele precisa saber que atitudes, habilidades, conceitos, espera que seus alunos desenvolvam ao final
de um período letivo.
Certamente isso significa fazer opções quanto aos conteúdos, às atividades, ao modo como elas serão desenvolvidas, distribuir
o tempo adequadamente, assim como fazer escolhas a respeito da avaliação pretendida. Se essas intenções estiverem claras, as res-
postas a esta ou àquela pergunta ou a diferentes situações do cotidiano de uma sala de aula serão mais coerentes com os objetivos e
propósitos definidos.
O Planejamento do Ensino tem como principal função garantir a coerência entre as atividades que o professor faz com seus alu-
nos e as aprendizagens que pretende proporcionar a eles.
planejamento de ensino
Em muitos casos, quando o professor atua junto à sua classe sem ter refletido sobre a atividade que está em desenvolvimento,
sem ter registrado de alguma forma suas intenções educativas, a atividade pode se revelar contraditória com os objetivos educativos
que levaram o professor a selecioná-la.
Esse tipo de contradição é muito mais comum do que parece. No ensino da leitura, por exemplo, é frequente o professor exigir
de um aluno uma leitura em voz alta de um texto que o próprio aluno lerá pela primeira vez. Logo após essa leitura, o professor pede
que ele comente o que leu, ou faça um resumo. Faz perguntas sobre as informações contidas no texto e pede-lhe que relacione ideias
com outras anteriormente tratadas em classe. Geralmente, os professores que propõem essa atividade a seus alunos dizem que ela
tem o objetivo de desenvolver a capacidade de ler e interpretar um texto. Mas esses professores se esquecem de que, para ler em voz
alta, principalmente um texto que está sendo lido pela primeira vez, a atenção do leitor volta-se para a emissão da voz, a entonação,
os cuidados com a pontuação.
Ou seja, o leitor, nessas ocasiões, preocupa-se em garantir a audição de sua leitura, não a compreensão lógica e conceitual do
que está lendo. Já uma leitura voltada à compreensão de um texto deve ser silenciosa, visando o entendimento dos raciocínios e, por
isso, com idas e vindas constantes. Se um parágrafo apresenta uma ideia mais difícil, pode-se lê-lo várias vezes. Se uma palavra tem
significado desconhecido, usa-se o dicionário. A leitura em voz alta é contraditória com uma leitura voltada ao estudo, à confecção
de um resumo do texto. A atividade proposta pelo professor fica comprometida por essa contradição.
Didatismo e Conhecimento 15
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Quem faz o planejamento
Flexibilidade
Vale lembrar que nenhum Planejamento deve ser uma camisa-de-força para o professor. Existem situações da vida dos alunos,
da escola, do município, do país e do mundo que não podem ser desprezadas no cotidiano escolar e, por vezes, elas têm tamanha
importância que justificam por si adequações no Planejamento do Ensino.
No processo de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, novos conteúdos e objetivos podem entrar em jogo; outros, es-
colhidos na elaboração do plano, podem ser retirados ou adiados.
É aconselhável que o professor reflita sobre suas decisões durante e após as atividades, registrando suas ideias, que serão uma das
fontes de informação para melhor avaliar as aprendizagens dos alunos e decidir sobre que caminhos tomar.
Além disso, as pessoas aprendem o mesmo conteúdo de formas diferentes; portanto, o Planejamento do Ensino é um orientador
da prática pedagógica e não um “ditador de ritmo”, no qual todos os alunos devem seguir uniformemente. Ao longo do ano letivo e
a partir das avaliações, algumas atividades podem se mostrar inadequadas, e será necessário redirecionar e diversificá-las, rever os
conteúdos, fazer ajustes.
Registro
O Planejamento do Ensino, chamado também de planejamento da ação pedagógica ou planejamento didático, deve explicitar:
- as intenções educativas – por meio dos conteúdos e dos objetivos educativos, ou das expectativas de aprendizagem;
- como esse ensino será orientado pelo professor – as atividades de ensino e aprendizagem que o professor seleciona para coor-
denar em sala de aula, com o propósito de cumprir suas intenções educativas, o tempo necessário para desenvolvê-las;
- como será a avaliação desse processo.
Conteúdos e objetivos
Conteúdo é uma forma cultural, um tipo de conhecimento que a escola seleciona para ensinar a seus alunos. Informações, con-
ceitos, métodos, técnicas, procedimentos, valores, atitudes e normas são tipos diferentes de conteúdos. Informações, por exemplo,
podem ser aprendidas em uma atividade, já o algoritmo da multiplicação de números inteiros, que é um procedimento, não. Esse é
um tipo de conteúdo cuja aprendizagem envolve grandes intervalos de tempo e que necessita de atividades planejadas ao longo de
meses, pelo menos.
Didatismo e Conhecimento 16
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Valores são conteúdos aprendidos nas relações humanas, ocorram elas no espaço escolar ou não. Muitas vezes, aprender um
valor pode significar também mudar de valor, o que torna o ensino e a aprendizagem de valores, e de atitudes também, um processo
complexo, que não se resolve apenas com a preparação de atividades localizadas. Em uma escola onde o respeito mútuo e o combate
a qualquer tipo de preconceito de gênero, de etnia ou de classe social estejam ausentes no dia-a-dia, não há como ensinar valores e
atitudes por meio de atividades ou “sérias conversas” sobre esses temas.
Os conteúdos do Planejamento do Ensino são aqueles que guiaram a escolha das atividades na elaboração do plano e são os
conteúdos em relação aos quais o professor tentará observar, e avaliar, como se desenvolvem as aprendizagens, pois isso não seria
possível fazer com relação a “todos” os conteúdos presentes na atividade.
Em uma atividade de ensino e aprendizagem, os alunos trabalham com vários tipos de conteúdos ao mesmo tempo. Pensando
sobre um conceito de Matemática, os alunos podem estar mais ou menos mobilizados para essa ação, e a mobilização necessária
pode ser fruto de um valor anteriormente aprendido: são alunos que gostam do desafio de aprender, e que identificam na atividade
problemas interessantes que aguçam seu pensamento lógico.
Para resolver uma questão de História ou de Geografia, o aluno precisa mobilizar seus conhecimentos de leitura, lembrar dados e
relações que ele já aprendeu e que lhe permitam compreender a questão feita e pensar em possíveis respostas, ou em possíveis fontes
para obter informações ou esclarecer conceitos. Por fim, terá que mobilizar seus conhecimentos de escrita para redigir a resposta.
Durante uma atividade, alunos interagem com outros alunos e com o educador, e nessas relações inúmeros valores e atitudes
entram em jogo. Quando o professor, ao iniciar um debate, relembra as regras de participação com sua classe, está trabalhando con-
teúdos atitudinais ainda que o debate seja sobre reprodução celular.
É preciso lembrar, ainda, que existem conteúdos, geralmente, valores ou atitudes, que são eleitos no Projeto de Escola, e que de-
vem ser trabalhados em todas as atividades de sala de aula, bem como em todas as relações pessoais ocorridas no espaço escolar. Res-
peito mútuo e intolerância com qualquer tipo de discriminação étnica, de gênero ou classe social são dois exemplos desses conteúdos.
Objetivos
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino, também chamados objetivos didáticos ou específicos, ou ainda de expecta-
tivas de aprendizagem, definem o que os professores desejam que seus alunos aprendam sobre os conteúdos selecionados. A forma
tradicional de redigir um objetivo é utilizar a frase “ao final do conjunto de atividades, cada aluno deverá ser capaz de...”. Não há
problema em definir dessa forma os objetivos no Planejamento do Ensino, desde que os alunos não sejam obrigados a atingi-los todos
ao mesmo tempo.
É possível definir esses objetivos descrevendo as expectativas de aprendizagem da forma que for mais fácil de compreendê-las.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino são importantes porque muitos conteúdos, os conceitos científicos entre
eles, são aprendidos em processos que se complementam ao longo da escolaridade. Por exemplo, se um aluno das séries iniciais do
Ensino Fundamental afirmar que célula é uma “coisa” muito pequena que forma o corpo dos seres vivos, pode-se considerar que seu
conhecimento sobre o conceito de célula está em bom andamento. Mas, se esse for um aluno de 1a série do Ensino Médio, então, ele
está precisando aprender mais sobre esse conceito.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino definem o grau de aprendizagem a que se quer chegar com o trabalho peda-
gógico. São faróis, guias para os professores, mas não devem se tornar “trilhos fixos”, em sequências que se repetem independente-
mente da aprendizagem de cada aluno.
Organizar as atividades:
A principal função do conjunto articulado de atividades de ensino e aprendizagem que devem compor o Planejamento do Ensino
é provocar nos alunos uma atividade mental construtiva em torno de conteúdo(s) previamente selecionado(s), no Projeto de Escola,
no Planejamento do Ensino ou durante sua realização.
Ao escolher uma atividade de ensino e aprendizagem para desenvolver com seus alunos, o professor precisa considerar principal-
mente a coerência entre suas intenções – explicitadas pelos conteúdos e objetivos – e as ações que vai propor a eles. Precisa também
pensar em como aquela atividade irá se articular com a(s) anterior (es) e com a(s) seguinte(s). Uma atividade que está iniciando o
trabalho sobre um ou mais conteúdos é muito diferente de uma atividade na qual os alunos estão discutindo um problema real, visto
no jornal, por exemplo, baseados em seus estudos anteriores sobre conceitos que estão em jogo no problema.
Didatismo e Conhecimento 17
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
As atividades devem ser de acordo com aquilo que se quer ensinar, seja a curto, médio ou longo prazo. A diversidade é uma de
suas características principais: assistir a um filme, a uma peça teatral ou a um programa de TV; realizar produções em equipe; parti-
cipar de debates e praticar argumentação e contra argumentação; fazer leituras compartilhadas (em voz alta); práticas de laboratório;
observações em matas, campos, mangues, áreas urbanas e agrícolas; observações do céu; acompanhamento de processos de médio
e longo prazo em Biologia e Astronomia. Idas a museus, bibliotecas públicas, exposições de arte. Pesquisa em livros e revistas, com
ou sem uso de informática e Internet. Assistir a uma exposição por parte do professor.
Novamente, deve-se insistir no fato de que a sequência de atividades que compõe o Planejamento do Ensino deve levar em conta
as experiências dos próprios alunos no decorrer de cada atividade escolhida. Existem planos que se realizam quase integralmente, os
que se realizam em grande parte, ou aqueles que, simplesmente, precisam ser refeitos tendo como critério a avaliação da aprendiza-
gem dos alunos.
avaliação continuada
A avaliação continuada, ou mediadora da aprendizagem, indispensável no Planejamento do Ensino, é o instrumento por meio
do qual o professor procura observar o desenvolvimento de seus alunos à medida que o processo de ensino e aprendizagem está em
andamento. Essa observação tem por objetivo regular as atuações do professor, ou seja, dar a ele informações para que seja possível
decidir se o que foi traçado no planejamento está correspondendo ao esperado ou não. Sendo que, no segundo caso, o professor pre-
cisa, então, refletir sobre o que deve mudar para que as aprendizagens esperadas comecem a se realizar ou melhorem. É importante
frisar que essa avaliação não tem por objetivo dar nota aos alunos, mas sim regular o processo de ensino e aprendizagem.
Quando uma professora inicia seu trabalho em uma 2ª série e percebe que quase metade de seus alunos não consegue ler um
pequeno bilhete de boas-vindas que ela havia preparado, então, deve começar a pensar no que fazer imediatamente, ou seja, tem que
pensar em como irá articular as atividades de forma a proporcionar o desenvolvimento da leitura a todos os alunos, cada um partindo
do estágio em que se encontra.
Sempre que um professor dá início ao trabalho com algum conteúdo, deve observar o que os alunos já sabem sobre esse conte-
údo. Essa avaliação pode ser chamada de inicial Mas ela não se refere ao início do ano ou do bimestre e, sim, ao início do trabalho
pedagógico com um determinado conteúdo. A avaliação inicial auxilia o professor a ajustar seu plano de ensino, principalmente
considerando as diferenças entre seus alunos no momento de desenvolver as atividades selecionadas no planejamento.
Quando um professor de Ciências descobre que seus alunos da 6a série não conseguem resolver problemas porque têm dificul-
dades de leitura, deverá, então, colaborar com o desenvolvimento da competência leitora de seus alunos, ainda que trabalhando com
textos específicos de sua área, como por exemplo, de divulgação científica, textos expositivos ou argumentativos.
Ao refletirmos sobre a avaliação mediadora do ensino e da aprendizagem em sala de aula, explicitamos uma função importante
do Planejamento do Ensino: ser a referência que o professor utiliza para avaliar continuamente o processo de ensino e aprendizagem,
com o propósito de garantir as aprendizagens dos alunos naqueles conteúdos eleitos no Planejamento. (Texto adaptado de SIGNO-
RELI, V.).
Na teoria de Henri Wallon, a dimensão afetiva é destacada de forma significativa na construção da pessoa e do conhecimento.
Afetividade e inteligência, apesar de terem funções definidas e diferenciadas, são inseparáveis na evolução psíquica. Entre o aspecto
cognitivo e afetivo existe oposição e complementaridade. Dependendo da atividade há a preponderância do afetivo ou do cognitivo,
não se trata da exclusão de um em relação ao outro, mas sim de alternâncias em que um se submerge para que o outro possa fluir. A
escola é um campo fértil, onde essas relações a todo tempo se evidenciam, seja através dos conflitos e oposições, seja do diálogo e
da interação.
Para Wallon, os conflitos são essenciais ao desenvolvimento da personalidade. O conflito faz parte da natureza, da vida das es-
pécies, porque somente ele é capaz de romper estruturas prefixadas , limites predefinidos. O conflito atinge os planos sociais, morais,
intelectuais e orgânicos (Almeida, 2001).
Wallon deu destaque ao conflito eu-outro, característico da fase do personalismo (aproximadamente dos 3 aos 6 anos) e da ado-
lescência, segunda e última crise construtiva. O conflito emocional estimula o desenvolvimento, pois resolvê-los implica manter o
equilíbrio entre razão e emoção, o que levará a um maior amadurecimento tanto da afetividade quanto da inteligência.
Didatismo e Conhecimento 18
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Só há conflito onde há diferença e o homem sendo um ser múltiplo e diversificado não tem como evitá-lo. No cotidiano escolar,
essencialmente heterogêneo, é imprescindível que o conflito seja encarado como possibilidade favorável ao desenvolvimento emo-
cional e intelectual dos sujeitos envolvidos no processo ensino- aprendizagem.
Levando em consideração que o cenário educativo é espaço de desejos, afetos e conflitos que constituem a vida inter e intrap-
síquica, presentes em todos os momentos na relação ensino-aprendizagem; é um espaço dialético, onde convivem autoritarismo e
diálogo, oposição e interação, razão e emoção, achamos importante destacar, dentre as observações e entrevistas, realizadas com
professores e alunos, situações e falas que nos parecem importantes na análise do tema.
Conflitos
O foco de análise que iremos priorizar nesse momento é o conflito, entendido como componente de extrema afetividade que
exerce influência nas relações que se estabelecem no cotidiano escolar.
Foi possível perceber que os alunos quando repreendidos pelos professores ao solicitarem mais atenção às aulas, quando disputa-
vam determinado lugar na sala, quando recebiam apelidos por parte dos colegas, entre outras situações, apresentavam comportamen-
to agressivo e uma irritabilidade que dificultava as relações entre eles e os demais, chegando a agredir verbalmente os professores,
às vezes de forma direta, outras de forma velada, e principalmente o coordenador de turno e o inspetor de alunos, quando tentavam
colocá-los na sala de aula, pois é comum quererem ficar nos corredores e nas janelas das outras turmas. Porém, apresentavam atitudes
antagônicas, pois ao mesmo tempo em que eram “agressivos” e “sem limites”, momentos depois mostravam atitudes de carinho e
companheirismo entre eles e com alguns professores.
Essas observações nos remeteram à teoria de Wallon, quando ele diz que uma das situações de conflito comuns à realidade esco-
lar é o que chama de “atitudes de oposição”, que podem ocorrer quando há um motivo concreto como: atividades desinteressantes,
atitude autoritária do professor, dentre outras; ou pelo simples gosto de exercitar a oposição, que provavelmente não seja contra a
pessoa, mas contra o papel de elemento diferenciado que ela ocupa.
Alia-se a isso o fato do adolescente, segundo Wallon, se encontrar numa fase em que se faz necessária a reconstrução da per-
sonalidade. O conflito eu-outro, característico da fase personalista (por volta dos três anos), reaparece na adolescência, instalando
uma nova crise de oposição mais sofisticada do ponto de vista intelectual, no entanto continua sendo um importante recurso para a
diferenciação do eu.
O despreparo para lidar com as questões emocionais e a visão padronizada de comportamentos e valores, dos sujeitos envolvidos
na ação educativa – professores, diretores, coordenadores, inspetores – acirram de forma significativa esses conflitos, na medida em
que os vê como afronta e desrespeito. Sem ter clareza sobre os fatores que provocam tais conflitos, se contagiam com o descontrole
emocional dos alunos, o que os impede de racionalmente controlar a situação e encontrar possíveis caminhos para a sua resolução.
Isso não significa que tudo o que o aluno fizer deverá ser percebido e entendido numa visão psicologizante, mas se faz necessário en-
carar os conflitos, não somente como transgressão e abuso e sim de modo que permita a construção de um sujeito consciente de seus
limites e possibilidades. A escola precisa ser espaço de formação de pessoas capazes de serem sujeitos de suas vidas, conscientes de
suas opções, valores e projetos de referência e atores sociais comprometidos com um projeto de sociedade e humanidade (Candau,
2000).
Uma situação vivenciada por nós foi o diálogo ocorrido entre um dos elementos do grupo de pesquisa com um aluno da turma de
5ª série, turma esta constituída só por meninos repetentes, apresentando faixa etária acima do que naturalmente corresponde à série
e considerados “difíceis” no comportamento e na aprendizagem. Ao levantar questões sobre o trabalho na vida das pessoas, ouvimos
o aluno dizer que - ser ladrão é que é bom, não precisa estudar e ganha muito.
Essa fala fez com que refletíssemos sobre as expectativas em relação à vida, aos valores e projetos de referência construídos
por esse aluno. A escola será capaz de interferir nesse processo de construção, buscando uma mudança na sua expectativa de vida?
Contextualiza essa fala imbricada em questões econômicas e sociais, ou simplesmente confirma a visão dele, na medida em que se
omite ou o exclui por suas atitudes, que não são as esperadas pela escola?
Geralmente o que ocorre, quando se oportuniza situações em que o aluno pode expressar suas ideias, concepções e crenças, é
encarar com perplexidade falas como a citada, percebendo-a como uma atitude de confronto e de agressividade. Às vezes é ignorada
por considerar que o aluno em questão não merece ser levado em consideração ou se assume um discurso moralista, fundamentado
nos valores de uma sociedade conservadora e liberal que se supõe harmônica, e a qual responsabiliza o sujeito e a sua família por seus
sucessos e fracassos ignorando os condicionamentos históricos a que está submetido, ou seja, a origem social das diferenças. Essas
atitudes acabam não possibilitando a reflexão por parte do aluno e, portanto, não interfere em seus posicionamentos.
Refletindo ainda sobre esse fato, trazemos outra situação ocorrida com o mesmo aluno num dia em que o professor, ao constatar
que ele não fazia o exercício, riscou o seu caderno como forma de punição, o que fez com que ele imediatamente se tornasse agressi-
vo, dizendo que o professor não tinha o direito de fazer aquilo. Então o aluno jogou o caderno no chão e afirmou que não faria mais
nada, permanecendo agressivo durante todo o restante da aula.
Didatismo e Conhecimento 19
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Essa situação mostra o quanto a escola ainda não consegue lidar com as situações que se apresentam de forma diferenciada dos
valores por ela cristalizados ao longo do tempo. O professor ao agir assim, provavelmente tinha como objetivo provocar no aluno a
sua atenção e despertá-lo para a necessidade de realizar a tarefa, mas o fez calcado em sua concepção sobre a importância do conhe-
cimento e da tradição histórica dos conteúdos escolares, valores esses construídos pela sociedade burguesa. E o aluno? Que valor ele
dá ao conhecimento? Que expectativas têm em relação ao que vai aprender na escola? Será que se julga capaz de aprender?
Retomando a fala do aluno, ser ladrão é que é bom, não precisa estudar e ganha muito, fica evidente que a concepção que tem
sobre o conhecimento não é a mesma da escola. O conhecimento que geralmente é valorizado pela escola nega a legitimidade de
conhecimentos e formas vividas pelas classes populares. Como afirma Candau, a cultura escolar predominante nas nossas escolas se
revela como “engessada”, pouco permeável ao contexto em que se insere, aos universos culturais das crianças e jovens a que se dirige
e a multiculturalidade das nossas sociedades (2000).
Assim, fica claro um desencontro entre a dinâmica cristalizada pela cultura escolar e as diferentes formas de conhecimentos e
linguagens dos vários grupos presentes no contexto da escola.
Em algumas aulas observamos a tentativa por parte do professor de impor autoritariamente a disciplina aos alunos, mas apesar
disso não conseguiam fazer com eles se interessassem pela aula; no máximo, conseguiam uma atenção momentânea que rapidamente
se dispersava. Outros procuravam agir com mais democracia, mas não conseguiam ter autoridade suficiente para que fossem res-
peitados, eram por muitos alunos ignorados. Esse antagonismo de atitudes nos levou a considerar que tanto o autoritarismo quanto
a falta de autoridade não encontra eco na organização da sala de aula, não favorece a criação de um clima participativo e reflexivo
em que a disciplina não seja vista como um adestramento, mas decorrente da necessidade de estruturação da relação pedagógica em
favor da autonomia e da apropriação do conhecimento. Pelo contrário, geravam conflitos que muitas vezes não conseguiam ser ad-
ministrados e que contribuíam para a não efetivação do processo ensino-aprendizagem. É oportuno esclarecer que ao apresentarmos
essa discussão não estamos acenando para a falta de diretividade do professor e para a simples aceitação de atitudes dos alunos que
em nada contribuem para a sua formação. No entender de Freire, qualquer que seja a qualidade da prática educativa, autoritária ou
democrática, ela é sempre diretiva.
No momento, porém, em que o educador ou a educadora interfere na capacidade criadora, formuladora, indagadora do educando,
de forma restritiva, então a diretividade necessária se converte em manipulação, em autoritarismo (2000).
Outro conflito que daremos destaque é o que se refere à discriminação sofrida por um determinado aluno que apresenta carac-
terísticas femininas e que a todo tempo se defronta com piadinhas feitas pelos colegas e sutilmente incentivadas por um professor.
Comentários como “homem que não gosta de mulher, tem que apanhar, tem que morrer” são constantes entre os alunos.
Que consequências atitudes como estas, podem trazer para as relações estabelecidas na sala de aula e para a visão de mundo que
está sendo construída por esses alunos? O professor, um dos elementos responsáveis pela formação do sujeito, mesmo discordando
das atitudes do aluno, poderia estar incitando esse preconceito em relação ao diferente?
A contemporaneidade é caracterizada pela diversidade, pela multiplicidade de valores, estilos e comportamentos. Apesar disso,
o preconceito, a discriminação, a valorização de padrões, seja culturais, morais ou sociais, é ainda muito presente em nossas con-
cepções e atitudes. A proclamação de direitos, de liberdade de expressão, do respeito às diferenças é uma realidade, mas também, é
real o hiato existente entre esses ideais democráticos e as práticas discriminatórias sofridas por aqueles que são considerados como
“diferentes” dos estereótipos estabelecidos. É cada vez maior a conscientização de que estamos vivendo mudanças profundas, mas
também que ainda não somos capazes de entendê-las adequadamente. Nesse sentido, a escola, como lócus da diversidade, de sujeitos
concretos e contextualizados constitui-se em palco desses conflitos e contradições .
A escola vai além do desenvolvimento de um processo instrutivo, de um programa de estudo e teoria, nela se desenvolve também
o que é chamado de currículo oculto, que se refere às consequências não intencionais do processo de escolarização. Segundo McLa-
ren, os educadores críticos reconhecem que as escolas modelam os estudantes através de situações de aprendizado padronizado, e
através de outras agendas, incluindo regras de conduta, organização de sala de aula e procedimentos pedagógicos informais usados
por professores com grupos específicos de estudantes.
Assim, a responsabilidade da escola é imensa, o encaminhamento dado às questões pedagógicas e não-pedagógicas que surgem
no seu dia-a-dia, principalmente na sala de aula assume um importante significado na formação dos sujeitos, na construção de seus
conceitos e concepções. O desafio de enfrentar os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, social, étnica, entre
outras, é cada vez mais patente no processo educativo e não pode ser silenciado.
Segundo Maturana, as relações humanas que não se baseiam na aceitação do outro como um legítimo outro na convivência não
são relações sociais. Qualquer tipo de preconceito, seja social, racial, religioso ou de gênero, deve ser questionado, criticado e banido
do espaço escolar se quisermos educar para a aceitação e o respeito de si mesmo, que leva à aceitação e ao respeito do outro (Matu-
rana, 1999, p.32), para a reconstrução de uma sociedade mais justa e fraterna.
No cotidiano da sala de aula, essas situações de conflito aluno/aluno, aluno/professor são muito comuns. São decorrentes de
fatores diversos. Nesses momentos, a afetividade é intensa, há um misto de irritação e medo e as crises emocionais são frequentes,
gerando muitas vezes, o descontrole e a redução do nível de discernimento para a resolução dos mesmos. A emoção só será compatí-
Didatismo e Conhecimento 20
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
vel com os interesses e a segurança do indivíduo se souber se compor com o conhecimento e o raciocínio – seus sucessos –, ou seja,
se em parte, deixar-se reduzir (Wallon apud Almeida, 2001, p. 82)
As crises emocionais geralmente impedem o exercício de determinada atividade cognitiva.
Nas relações de sala de aula, é imprescindível identificar os fatores que agem como “combustíveis” dos conflitos, a fim de permi-
tir sua análise e suas possibilidades de solução. Portanto, o desafio é buscar o equilíbrio entre a razão e a emoção, indispensável para
que a tensão dialética que permeia a sala de aula possa contribuir na articulação entre o ensino e a aprendizagem.
Ensinar a condição humana, eis um dos setes saberes necessários à Educação do Futuro propostos por Edgar Morin. Ao falarmos
das relações vividas em sala de aula, a citação de Morin assume crucial importância , pois estamos nos referindo à sala de aula não
apenas como espaço de construção de conhecimentos, mas de convivência, de formação de seres humanos.
A sala de aula é espaço vivo. Nela, além dos conflitos, há momentos de interação que ocorrem naturalmente entre alunos e pro-
fessores e há os que são provocados tanto pelo professor quanto pelo aluno e que se revestem de significado.
Nas observações em sala de aula percebemos, em algumas aulas, um interesse e uma participação maior por parte dos alunos.
Professores que em sua prática pedagógica procuravam criar um clima de respeito e amizade entre eles e os alunos, na medida em
que os tratava de forma educada e respeitosa, mesmo quando os repreendia, não utilizava expressões que os rotulassem como inca-
pazes, tinha interesse em ouvi-los, procurando dar um sentido conceitual e significativo a essas falas, relacionando-as ao conteúdo da
área e muitas vezes à formação do aluno como pessoa, assim valorizava os conhecimentos e vivências trazidas por eles. Procuravam
estimulá-los através de palavras, gestos, manifestando interesse por eles, como sujeitos importantes e ativos nas relações estabeleci-
das, tentando delinear novos percursos que rompessem com a noção de fracasso e de exclusão vivida por muitos alunos. Essas aulas
significavam mais que um simples conteúdo, havia uma relação direta com situações pertinentes a eles.
O que vimos nos permitiu analisar esse fato embasados no pressuposto de que a construção e reconstrução do saber acontecem
quando se percebe o significado do que está sendo vivenciado, quando há a mobilização e a interação dos sujeitos nesse processo.
Quando as relações professor/aluno/conhecimento permitem a participação, a argumentação, o respeito pela palavra do outro, mesmo
em meios aos tropeços no caminho, há a possibilidade de avanço no processo de aprendizagem.
Nas entrevistas com os alunos foi possível perceber a importância do diálogo na sala de aula, a necessidade que o aluno tem de
sentir que o professor se interessa por ele e também a importância que dão ao que chamaremos aqui de “bom humor” por parte do
professor, definido de forma variada pelos alunos, mas como referência comum entre eles.
Avaliamos que a não preocupação do professor em tecer uma relação de interação com os alunos acaba provocando uma reação
– aí a gente perturba mesmo – que dificilmente será vista por ele como uma resistência a sua atitude, e sim como desrespeito, rebeldia
e falta de interesse do aluno, que em nada contribuirá para o encaminhamento de possíveis soluções para os conflitos.
Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho com gente, miúda, jovem ou adul-
ta, mas gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas porque
gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir.
Sabemos que a atitude do professor, a forma como ele interage com a classe, como direciona o seu fazer pedagógico está relacio-
nado às suas concepções de homem e de mundo, sejam elas conscientes ou inconscientes.
É relevante destacar essa fala para elucidarmos a visão construída por muitos professores de que quando falamos de afetividade
estamos nos referindo apenas às manifestações de carinho. A afetividade abrange as paixões, os sentimentos e as emoções, portanto,
também estão nela inseridas as manifestações de agressividade, medo e raiva. O desconhecimento teórico desses conceitos dificulta a
compreensão das relações de reciprocidade e oposição entre afetividade e cognição, e o poder das emoções, sejam elas perturbadoras
ou ativadoras, influindo de forma estimuladora ou desagregadora na aprendizagem. Isso pode acarretar enganos na interpretação de
determinadas reações ou ações na sala de aula, levando à redução da capacidade de discernimento tanto do aluno quanto do professor.
O que queremos evidenciar, tanto dos alunos, quanto dos professores é a importância do diálogo na prática educativa. O diálo-
go oferece oportunidades, segundo Hernández, para expandir, reconsiderar uma questão ou problema e procurar compreendê-lo de
diferentes maneiras. O que, por sua vez, permite desenvolver a consciência de aprender e impulsionar estratégias de pensar sobre a
própria aprendizagem.
Além disso, a partir do diálogo, enfatiza-se a reflexão, a investigação crítica, a análise, a interpretação e a reorganização do co-
nhecimento.
O diálogo pode então, ser significativo para estimular o interesse, a necessidade e a conscientização na relação ensino-aprendiza-
gem e pode contribuir para a reciprocidade entre afetividade e aprendizagem, o que não deve ser confundido com permissividade, o
diálogo entre professores ou professoras e alunos ou alunas não os torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas.
Os professores não são iguais aos alunos por n razões, entre elas porque a diferença entre eles os faz ser como estão sendo. (Texto
adaptado de LIMA, C. A. F.).
Didatismo e Conhecimento 21
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Alunos costumam comentar entre si: “gosto desse professor porque ele tem didática”. Outros dizem: “com essa professora a
gente tem mais facilidade de aprender”. Provavelmente, o que os alunos estão querendo dizer é que esses professores têm um modo
acertado de dar aula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Então, o que é ter didática? A didática pode ajudar os alunos
a melhorar seu aproveitamento escolar?
O que um professor precisa conhecer de didática para que possa levar bem o seu trabalho em sala de aula? Considerando as
mudanças que estão ocorrendo nas formas de aprender e ensinar, principalmente pela forte influência dos meios de informação e
comunicação, o que mudar na prática dos professores?
É certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalho conseguir que seus alunos aprendam da me-
lhor forma possível. Por mais limitações que um professor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta,
insuficiente domínio da matéria, pouca variação nos métodos de ensino, desânimo por causa da desvalorização profissional, etc.),
quando entra em classe, ele tem consciência de sua responsabilidade em proporcionar aos alunos um bom ensino. Apesar disso, sabe-
rá ele fazer um bom ensino, de modo que os alunos aprendam melhor? É possível melhorar seu desempenho como professor? Qual
é o sentido de “mediação docente” nas aulas?
os estilos de professor
Há diversos tipos de professores. Os mais tradicionais contentam-se em transmitir a matéria que está no livro didático, por meio
de aula expositiva. É o estilo professor-transmissor de conteúdo. Suas aulas são sempre iguais, o método de ensino é quase o mesmo
para todas as matérias, independentemente da idade e das características individuais e sociais dos alunos. Pode até ser que essas prá-
ticas de passar a matéria, dar exercícios e depois cobrar o conteúdo na prova, tenham algum resultado positivo. Mesmo porque alguns
alunos aprendem “apesar do professor”. O mais comum, no entanto, é o aluno memorizar o que o professor fala, decorar a matéria e
mecanizar fórmulas, definições etc. A aprendizagem que decorre desse tipo ensino (vamos chamá-la de mecânica, repetitiva) serve
para responder questões de uma prova, sair-se bem no vestibular ou num concurso, mas ela não é duradoura, ela não ajuda o aluno
a formar esquemas mentais próprios. O aluno que aprende mecanicamente, na maior parte dos casos, não desenvolve raciocínio
próprio, não forma generalizações conceituais, não é capaz de fazer relações entre um conceito e outro, não sabe aplicar uma relação
geral para casos particulares.
O professor transmissor de conteúdo não favorece uma aprendizagem sólida porque o conteúdo que ele passa não se transforma
em meio de atividade subjetiva do aluno. Ou seja, o aluno não dá conta de explicar uma ideia, uma definição, com suas próprias pala-
vras, não saber aplicar o conhecimento em situações novas ou diferentes, nem na sala de aula nem fora dela. A participação do aluno
é pouco solicitada, e quando o professor faz uma pergunta, ele próprio imediatamente a responde. É possível que entre os professores
que se utilizam desses procedimentos de ensino haja alguns que levem os alunos a aprender os conceitos de forma mais sólida, que
saibam lidar de forma autônoma com os conceitos. Mas não é o caso da maioria. O que se vê nas instituições de ensino superior é
um ensino meramente expositivo, empírico, repetitivo, memorístico. Os alunos desses professores não aprendem solidamente, ou
seja, não sabem lidar de forma independente com os conhecimentos, não “interiorizam” os conceitos, o modo de pensar, raciocinar
e atuar, próprios da matéria que está sendo ensinada e, assim, os conceitos não se transformam em instrumentos mentais para atuar
com a realidade.
O estilo professor-facilitador aplica-se a professores que se julgam mais atualizados nas metodologias de ensino, eles tentam
variar mais os métodos e procedimentos. Alguns deles preocupam-se, realmente, com certas características individuais e sociais
dos alunos, procuram saber os conhecimentos prévios ou as experiências dos alunos, tentam estabelecer diálogo ou investir mais no
bom relacionamento com os alunos. Outros tentam inovar organizando trabalhos em grupo ou estudo dirigido, utilizando recursos
audiovisuais, dando tarefas que requerem algum tipo de pesquisa. Há, também, em algumas áreas de conhecimento, professores que
entendem que a melhor forma de aprender é colocar os alunos no laboratório na crença de que, fazendo experiências, lidando com
materiais, assimilam melhor a matéria. Essas formas de trabalho didático, sem dúvida, trazem mais vantagens do que aquelas do
ensino tradicional. Entretanto, quase sempre esses professores acabam voltando às práticas tradicionais, por exemplo, não sabem
utilizar a atividade própria do aluno para eles próprios formando conceitos. Com efeito, ao avaliar a aprendizagem dos alunos pedem
respostas memorizadas e a repetição de definições ou fórmulas. Mesmo utilizando técnicas ativas e respeitando mais o aluno, as mu-
danças metodológicas ficam apenas na forma, mantendo empobrecidos os resultados da aprendizagem, ou aluno não forma conceitos,
não aprende a pensar com autonomia, não interioriza ações mentais. Ou seja, sua atividade mental continua pouco reflexiva.
Didatismo e Conhecimento 22
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Poderíamos mencionar outros estilos de professor: o professor-técnico (preocupado pelo lado operacional, prático da sua matéria,
seu objetivo é saber-fazer, não fazer-pensar-fazer); o professor-laboratório (acha que única forma eficaz de aprender é a pesquisa ou
a demonstração experimental); o professor-comunicador (o típico professor de cursinhos que só sabe trabalhar o conteúdo fazendo
graça, não dando conta de colocar o próprio conteúdo no campo de interesses e motivos do aluno).
Em resumo, muitos professores não sabem como ajudar o aluno a, através de formas de mobilização de sua atividade mental,
elaborar de forma consciente e independente o conhecimento para que possa ser utilizado nas várias situações da vida prática. As
atividades que organizam não levam os alunos a adquirir conceitos e métodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais,
para poderem lidar de forma independente e criativa com os conhecimentos e a realidade, tornando esses conceitos e métodos meios
de sua atividade.
Sugerimos para quem deseja um ensino eficaz, tendo em vista aprendizagens mais sólidas dos alunos, a metáfora do professor-
-mediador. Quais são as características do professor mediador? O que caracteriza uma didática baseada no princípio da mediação?
Numa formulação sintética, boa didática significa um tipo de trabalho na sala de aula em que o professor atua como mediador da
relação cognitiva do aluno com a matéria. Há uma condução eficaz da aula quando o professor assegura, pelo seu trabalho, o encon-
tro bem sucedido entre o aluno e a matéria de estudo. Em outras palavras, o ensino satisfatório é aquele em que o professor põe em
prática e dirige as condições e os modos que asseguram um processo de conhecimento pelo aluno. Vejamos isso mais detalhadamente.
Uma pedagogia que valoriza os conteúdos e as ações mentais correspondentes ao modo de constituição desses conteúdos
Uma boa didática, na perspectiva da mediação, é aquela que promove e amplia o desenvolvimento das capacidades intelectuais
dos alunos por meio dos conteúdos. Conforme a teoria histórico-cultural, formulada inicialmente pelo psicólogo e pedagogo russo
Lev Vigotsky, o objetivo do ensino é o desenvolvimento das capacidades mentais e da subjetividade dos alunos através da assimila-
ção consciente e ativa dos conteúdos, em cujo processo se leva em conta os motivos dos alunos . O ensino é meio pelo qual os alunos
se apropriam das capacidades humanas formadas historicamente e objetivadas na cultura material e espiritual. Essa apropriação se
dá pela aprendizagem de conteúdos, habilidades, atitudes, formadas pela humanidade ao longo da história. Conforme as próprias
palavras de Vigotsky:
A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as
operações com signos. (...) A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto
característico da psicologia humana. (1984, p. 65)
Esse processo de interiorização ou apropriação tem as seguintes características:
a) O desenvolvimento mental dos alunos depende da transmissão-apropriação de conhecimentos, habilidades, valores, que vão
sendo constituídos na história da humanidade;
b) O papel do ensino é propiciar aos alunos os meios de domínio dos conceitos, isto é, dos modos próprios de pensar e de atuar
da matéria ensinada, de modo a formar capacidades intelectuais com base nos procedimentos lógicos e investigativos da ciência
ensinada;
c) A ação de ensinar, mais do que “passar conteúdo”, consiste em intervir no processo mental de formação de conceitos por parte
dos alunos, com base na matéria ensinada;
d) As relações intersubjetivas na sala de aula implicam, necessariamente, a compreensão dos motivos dos alunos, isto é, seus
objetivos e suas razões para se envolverem nas atividades de aprendizagem.
e) A aprendizagem se consolida melhor se forem criadas situações de interlocução, cooperação, diálogo, entre professor e alunos
e entre os alunos, em que os alunos tenham chance de formular e opera com conceitos.
Na mesma linha teórica, Davydov afirma que o papel do ensino é desenvolver nos alunos as capacidades intelectuais necessárias
para assimilar e utilizar com êxito os conhecimentos. Ele escreve:
Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos
conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a
escola deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para
o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse ensino de desenvolvimental. (Davydov,
1988).
Conforme Davidov, para que o ensino esteja voltado para o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos, é preciso
que o professor conheça quais são os métodos de investigação utilizados pelo cientista (em relação à matéria que ensina), pois é nes-
ses métodos que encontrará as capacidades intelectuais a serem formadas pelos estudantes enquanto estudam a matéria. Em outras
palavras, para aprender a pensar e a agir com base nos conteúdos de uma matéria de ensino é preciso que os alunos dominem aquelas
ações mentais associadas a esses conteúdos, as quais são encontradas nos procedimentos lógicos e investigativos próprios da ciência
que dá origem a esses conteúdos. Conclui-se, daí, que a um professor não basta dominar o conteúdo, é preciso que saiba mais três
coisas: a) qual é o processo de pesquisa pelo qual se chegou a esse conteúdo, ou seja, a epistemologia da ciência que ensina; b) por
quais métodos e procedimentos ensinará seus alunos a se apropriarem dos conteúdos da ciência ensinada e, especialmente, das ações
mentais ligadas a esses conteúdos; c) quais são as características individuais e socioculturais dos alunos e os motivos que os impul-
sionam, de modo a saber ligar os conteúdos com esses motivos.
Didatismo e Conhecimento 23
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Para M. Castells, a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver em quem está aprendendo a capacidade
de aprender, em razão de exigências postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes informacionais, da
necessidade de lidar com um mundo diferente e, também, de educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades fle-
xíveis e eticamente ancoradas (in Hargreaves, 2001). Também E. Morin expressa com muita convicção a exigência de se desenvolver
uma inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos. Escreve
esse autor:
(...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especia-
lizadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados
particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto
em cada caso particular. (...) Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inte-
ligência geral (Morin, 2000).
Em síntese, esses estudos destacam, nos processos do ensinar a aprender e a pensar em um campo de conhecimento, o papel ativo
dos sujeitos na aprendizagem e, especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências
cognitivas, como meio para compreender e atuar no mundo da profissão, da política, da cultura. Esses meios da atividade aprender
são aprendidos pelo estudante quando desenvolve as ações mentais conexas aos conteúdos, isto é, o modo próprio de pensar, pesqui-
sar e agir que corresponde à ciência, arte ou tecnologia ensinadas.
A didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no qual os objetivos, os conteúdos, os métodos e as formas de organi-
zação da aula se combinam entre si, de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa.
Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe mais segurança profissional.
Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio básico que define esse processo é o seguinte: o núcleo da
atividade docente é a relação ativa do aluno com a matéria de estudo, sob a direção do professor. O processo de ensino consiste de
uma combinação adequada entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno.
O papel do professor, portanto é o de planejar, selecionar e organizar os conteúdos, programar tarefas, criar condições de estudo
dentro da classe, incentivar os alunos para o estudo, ou seja, o professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que
estes se tornem sujeitos ativos da própria aprendizagem. Não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas capacidades e
habilidades mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios
e verificações feitos em classe, seja na prática da vida.
Podemos dizer, então, que o processo didático é o conjunto de atividades do professor e dos alunos sob a direção do professor,
visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habi-
lidades intelectuais. Nessa concepção de didática, os conteúdos escolares e o desenvolvimento mental se relacionam reciprocamente,
pois o progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades mentais se verificam no decorrer da assimilação
ativa dos conteúdos. Portanto, o ensino e a aprendizagem (estudo) se movem em torno dos conteúdos escolares visando o desenvol-
vimento do pensamento.
Mas, qual é a dinâmica do processo de ensino? Como se garante o vínculo entre o ensino (professor) e a aprendizagem efetiva
decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e a matéria?
A pesquisa mais atual sobre a didática utiliza a palavra “mediação” para expressar o papel do professor no ensino, isto é, mediar
a relação entre o aluno e o objeto de conhecimento. Na verdade, trata-se de uma dupla mediação: primeiro, tem-se a mediação cog-
nitiva, que liga o aluno ao objeto de conhecimento; segundo, tem-se a mediação didática, que assegura as condições e os meios pelos
quais o aluno se relaciona com o conhecimento. Sendo assim, a especificidade de toda didática está em propiciar as condições ótimas
de transformação das relações que o aprendiz mantém com o saber. Escreve D´Ávila:
A relação com o saber é, portanto, duplamente mediatizada: uma mediação de ordem cognitiva (onde o desejo desejado é reco-
nhecido pelo outro) e outra de natureza didática que torna o saber desejável ao sujeito. É aqui que as condições pedagógicas e didáti-
cas ganham contornos, no sentido de garantir as possibilidades de acesso ao saber por parte do aprendiz educando. (2008)
A força impulsionadora do processo de ensino é um adequado ajuste entre os objetivos/conteúdos/métodos organizados pelo
professor e o nível de conhecimentos, experiências e motivos do aluno. O movimento permanente que ocorre a cada aula consiste
em que, por um lado, o professor propõe problemas, desafios, perguntas, relacionados com conteúdos significativos, instigantes e
acessíveis; por outro lado, os alunos, ao assimilar consciente e ativamente a matéria, mobilizam seus motivos, sua atividade mental
e desenvolvem suas capacidades e habilidades. Portanto, um bom planejamento de ensino depende da análise e organização dos
conteúdos junto com a análise e consideração dos motivos dos alunos.
Didatismo e Conhecimento 24
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Essa forma de compreender o ensino é muito diferente do que simplesmente passar a matéria ao aluno. É diferente, também, de
dar atividades aos alunos para que fiquem “ocupados” ou aprendam fazendo. O processo de ensino é um constante vai-e-vem entre
conteúdos e problemas que são colocados e as características de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. É isto que caracteriza
a dinâmica da situação didática, numa perspectiva histórico-cultural.
Insistimos bastante na exigência didática de partir do nível de conhecimentos já alcançado, da capacidade atual de assimilação
e do desenvolvimento mental do aluno, dos motivos do aluno. Ou seja, não existe o aluno em geral, mas um aluno vivendo numa
sociedade determinada, que faz parte de um grupo social e cultural determinado, sendo que essas circunstâncias interferem na sua
capacidade de aprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivações. Ou seja, a subjetividade (os motivos) e a
experiência sociocultural concreta dos alunos são o ponto de partida para a orientação da aprendizagem. Um professor que aspira
ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade dos alunos, seus motivos, sua linguagem, suas
percepções, sua prática de vida. Sem essa disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os
conteúdos, condição para se conseguir uma aprendizagem significativa.
Essas considerações mostram o traço mais marcante de uma didática crítico-social na perspectiva histórico-cultural: o trabalho
docente como mediação entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e o aluno que, para além de um sujeito psicológico,
é um sujeito portador da prática social viva. O modo adequado de realizar a mediação didática, pelo trabalho dos professores, é o
provimento aos alunos dos meios de aquisição de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas,
dois elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
A teoria do ensino desenvolvimental de Vasíli Davydov, baseada na teoria histórico-cultural de Vygotsky, sustenta tese de que o
bom ensino é o que promove o desenvolvimento mental, isto é, as capacidades e habilidades de pensamento. Segundo Vygotsky, a
aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvolvimento mental. Para Davydov, a atividade de aprendizagem está assen-
tada no conhecimento teórico-científico, ou seja, no desenvolvimento do pensamento teórico e nas ações mentais que lhe correspon-
dem. É importante esclarecer que, na teoria histórico-cultural elaborada entre outros por Vygotsky, Leontiev e Davídov, pensamento
teórico ou conceito não tem o sentido de “estudar teoria”, de lidar com o conteúdo só na teoria. Em outro texto escrevi sobre isso:
Na teoria histórico-cultural, conceito não se refere apenas às características e propriedades dos fenômenos em estudo, mas a uma
ação mental peculiar pela qual se efetua uma reflexão sobre um objeto que, ao mesmo tempo, é um meio de reconstrução mental desse
objeto pelo pensamento. Nesse sentido, pensar teoricamente é desenvolver processos mentais pelos quais chegamos aos conceitos
e os transformamos em ferramentas para fazer generalizações conceituais e aplicá-las a problemas específicos. Como escreve Seth
Chaiklin, conceito significa um conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares de uma relação abstrata. (LIBÂNEO,
2008).
O ensino, portanto, propicia a apropriação da cultura e da ciência, e o desenvolvimento do pensamento, por meio da formação
e operação com conceitos. São dois processos articulados entre si, formando uma unidade: Podemos expressar essa ideia de duas
maneiras:
• à medida que o aluno forma conceitos científicos, incorpora processos de pensamento e vice-versa.
• enquanto forma o pensamento teórico-científico, o aluno desenvolve ações mentais mediante a solução de problemas que sus-
citam sua atividade mental. Com isso, o aluno assimila o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse
conhecimento.
Sendo assim, o papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam
dos conteúdos. Nesse sentido, a metodologia de ensino, mais do que o conjunto dos procedimentos e técnicas de ensino, consiste em
instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência
que se ensina. Por exemplo, a boa pedagogia da física é aquela que consegue traduzir didaticamente o modo próprio de pensar, inves-
tigar e atuar da própria física. Boa pedagogia da geografia é aquela cujo aluno sai das aulas pensando, raciocinando, investigando e
atuando como o modo próprio de pensar, raciocinar, investigar e atuar da geografia.
Trata-se, assim, de fazer a junção entre o conteúdo e o desenvolvimento das capacidades de pensar. A ideia central contida nessa
teoria é simples: ensinar é colocar o aluno numa atividade de aprendizagem. A atividade de aprendizagem é a própria aprendizagem,
ou seja, com base nos conteúdos, aprender habilidades, desenvolver capacidades e competências para que os alunos aprendam por si
mesmos. É essa ideia que Davydov defende: a atividade de aprender consiste em encontrar soluções gerais para problemas específi-
cos, é apreender os conceitos mais gerais que dão suporte a um conteúdo, para aplicá-los a situações concretas. Esse modo de ver o
ensino significa dizer que o ensino mais compatível com o mundo da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, é aquele que
contribui para que o aluno aprenda a raciocinar com a própria cabeça, que forme conceitos e categorias de pensamento decorrentes
da ciência que está aprendendo, para lidar praticamente com a realidade. Os conceitos, nessa maneira de ver, são ferramentas mentais
para lidar praticamente com problemas, situações, dilemas práticos, etc.
Didatismo e Conhecimento 25
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Explicitando essa ideia numa formulação mais completa, podemos dizer: o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende
do modo de lidar epistemologicamente com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive
(vale dizer, as condições da realidade econômica, social, etc.). Trata-se, portanto, de unir no ensino a lógica do processo de investiga-
ção com os produtos da investigação. Ou seja, o acesso aos conteúdos, a aquisição de conceitos científicos, precisa percorrer o pro-
cesso de investigação, os modos de pensar e investigar da ciência ensinada. Não basta aprender o que aconteceu na história, é preciso
pensar historicamente. Pensar matematicamente sobre matemática, biologicamente sobre biologia, linguisticamente sobre português.
Essa forma de entender a atividade de ensino das disciplinas específicas requer do professor não apenas o domínio do conteúdo
mas, também, dos procedimentos investigativos da matéria que está ensinando e das formas de pensamento, habilidades de pensa-
mento que propiciem uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que se está aprendendo. Ensinar, portanto, é ad-
quirir meios do pensar, através dos conteúdos. Em outras palavras, é desenvolver nos alunos o pensamento teórico, que é o processo
através do qual se revela a essência e o desenvolvimento dos objetos de conhecimento e com isso a aquisição de métodos e estratégias
cognoscitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e resolver problemas. Escreve a esse respeito Rubtsov:
A aquisição de um método teórico geral visando à resolução de uma série de problemas concretos e práticos, concentrando-se na-
quilo que eles têm em comum e não na resolução específica de um entre eles, constitui-se numa das características mais importantes
da aprendizagem. Propor um problema de aprendizagem a um escolar é confrontá-lo com uma situação cuja solução, em todas as suas
variantes concretas, pede uma aplicação do método teórico geral. (...) Podemos definir o processo de resolução de um problema como
o da aquisição das formas de ação características dos conteúdos teóricos. O termo “forma de ação geral”, também chamado de forma
de ação universal, designa aquilo que é obtido como resultado ou modo de funcionamento essencial para trazer soluções para os pro-
blemas de aprendizagem; mais do que soluções, é este resultado particular que constitui o objeto desses problemas (Rubtsov, 1996).
Nesses termos, o papel da didática é: a) ajudar os alunos a pensar teoricamente (a partir da formação de conceitos); b) ajudar o
aluno a dominar o modo de pensar, atuar e investigar a ciência ensinada; c) levar em conta a atividade psicológica do aluno (motivos)
e seu contexto sociocultural e institucional.
Para chegar à consecução desses objetivos, o professor precisa saber como trabalhar a matéria no sentido da formação e operação
com conceitos. Para isso, no trabalho com os conteúdos, podem ser seguidos três momentos:
1º) Análise do conteúdo da matéria para identificar um princípio geral, ou seja, uma relação mais geral, um conceito nuclear, do
qual se parte para ser aplicado a manifestações particulares desse conteúdo.
2º) Realizar por meio da conversação dirigida, do diálogo com os alunos, da colocação problemas ou casos, tarefas que pos-
sibilitem deduções do geral para o particular, ou seja, aplicação do princípio geral (relação geral, conceito nuclear) a problemas
particulares.
3º) Conseguir com que o aluno domine os procedimentos lógicos do pensamento (ligados à matéria) que têm caráter generalizan-
te. Ao captar a essência, isto é, o princípio interno explicativo do objeto e suas relações internas, o aluno se apropria dos métodos e
estratégias cognitivas dos modos de atividades anteriores desenvolvidas pelos cientistas; o aluno reproduz em sua mente o percurso
investigativo de apreensão teórica do objeto realizado pela prática científica e social.
Todos esses momentos devem estar conectados com os motivos e objetivos subjetivos do aluno, ampliados com as necessidades
sociais de estudar e aprender interpostos pelo professor, na sua condição de educador.
Ao assumir o ensino de uma matéria, os professores geralmente partem de um conteúdo já estabelecido num projeto pedagógico-
-curricular. O procedimento da análise de conteúdo indicado na didática desenvolvimental pode levar a uma organização do conteúdo
muito diferente da existente na instituição, ou seja, os temas podem ser os mesmos, mas a sequência e a lógica de estruturação podem
ser outras.
Os procedimentos a serem utilizados em relação à formulação de conteúdos, objetivos e metodologia podem ser os seguintes:
a) Identificar, o núcleo conceitual da matéria (essência, principio geral básico) e as relações gerais básicas que a definem e lhe
dão unidade. Este núcleo conceitual contém a generalização esperada para que o aluno a interiorize, de modo a poder deduzir relações
particulares da relação básica identificada.
b) Construir a rede de conceitos básicos que dão suporte a esse núcleo conceitual, com as devidas relações e articulações (mapa
conceitual).
c) Estudo da gênese e dos processos investigativos do conteúdo, de modo a extrair ações mentais, habilidades cognitivas gerais
a formar no estudo da matéria.
d) Formulação de tarefas de aprendizagem, com base em situações-problema, que possibilitem a formação de habilidades cogni-
tivas gerais e específicas em relação à matéria.
e) Prever formas de avaliação para verificar se o aluno desenvolveu ou está desenvolvendo a capacidade de utilizar os conceitos
como ferramentas mentais. (Texto adaptado de LIBÂNEO, J. C.).
Didatismo e Conhecimento 26
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
3 PRINCIPAIS TEORIAS DA
APRENDIZAGEM.
Para entender os pontos centrais da natureza da aprendizagem é necessário reporta-se ao seu desenvolvimento histórico, filosófi-
co e psicológico. Várias correntes de pensamento se desenvolveram e se definiram para os modelos educacionais: “a corrente empi-
rista, o inatismo ou nativismo, as associacionistas, os teóricos de campos e os teóricos do processamento da informação ou psicologia
cognitivista, o construtivismo e sócio construtivismo”. (SILVA, 1998).
Segundo Mizukami (1986), a corrente empirista fundamenta-se no princípio de que o homem é considerado desde o seu nas-
cimento como sendo uma “tábula rasa”, uma folha de papel em branco, e sobre esta folha vão sendo impressas suas experiências
sensório-motoras. O conhecimento é uma cópia de algo dado no mundo externo, ou seja, é uma “descoberta” e é nova para o sujeito
que a faz. Portanto, o que foi descoberto já se encontrava presente na realidade exterior.
O inatismo ou nativismo refere-se a hereditariedade do sujeito. Suas características são determinadas desde o seu nascimento.
A hereditariedade permite argumentar que o sujeito é basicamente bom/mau/racional, ativo ou passivo em sua relação com o meio.
Presume-se nesta teoria que as propriedades básicas do sujeito como a inteligência, personalidade, motivos, percepções, emoções,
existam pré-formadas desde o nascimento.
Essas teorias se baseiam na similaridade das tarefas. A aprendizagem consiste em gravar respostas corretas e eliminar as incor-
retas. A transferência da aprendizagem ocorre à medida que existem elementos idênticos em duas situações.
Segundo Barros (1998) os associacionistas têm como principal pressuposto explicar que o comportamento complexo é a combi-
nação de uma série de condutas simples. Os precursores dessa corrente foram Edward L. Thorndike e B. F. Skinner e suas expectati-
vas teorias do comportamento reflexo ou estímulo e resposta.
associacionismo x aprendizagem
A aprendizagem estabelece novas relações que tem como fundamento a lei da contiguidade (proximidade). De acordo com essa
lei, as associações se formam entre as experiências ou as tarefas realizadas pelo sujeito, entre os elementos estímulo percebido ou
resposta fornecida pelo próprio sujeito.
Isso ocorre quando esses elementos se encontram próximos uns dos outros quer no espaço ou no tempo.
Segundo Bill e Forisha (1978), o conceito de aprendizagem de Thorndike, consiste na formação de laços associativos ou cone-
xões que são os processos de ligação de acontecimentos físicos, estímulos e mentais, percebidos ou sentidos.
A aprendizagem é o processo de selecionar e associar as unidades físicas e as unidades mentais que são percebidas ou sentidas.
Este processo é passivo e mecânico. O termo “selecionar e associar”, é conhecido popularmente pelos educadores e psicólogos como
“ensaio e erro”.
A aprendizagem corresponde à atividade de gravar respostas corretas e eliminar as incorretas ou desagradáveis, isto é, dentro de
um processo de recompensas ou opiniões. Este processo denomina-se “Lei de Efeito”.
Didatismo e Conhecimento 27
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Behaviorismo/Aprendizagem
Segundo Mizukami (1986), no ensino-aprendizagem os comportamentos dos alunos são listados e mantidos por condiciona-
mentos e reforçadores arbitrários tais como elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento do professor e colegas, prestígio, etc.; os
mesmos estão associados com uma classe reforçadora mais generalizadas como o diploma, vantagens da futura profissão, a aprova-
ção final do curso, status, etc.
O ensino para Skinner corresponde ao arranjo de contingências para uma aprendizagem eficaz. Este arranjo depende de elemen-
tos observáveis na presença dos quais o comportamento ocorre, seja uma resposta, um evento antecedente um evento consequente
(reforço) e fatores contextuais.
Didatismo e Conhecimento 28
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Para este mesmo autor, de acordo com a teoria do reforço, é possível programar o ensino para qualquer comportamento, como o
pensamento crítico e criatividade, desde que seja possível definir previamente o plano final desejado.
A proposta de aprendizagem será estruturada de maneira a dirigir os alunos pelos caminhos adequados que conduzirão ao com-
portamento final desejado. Ainda segundo Skinner, o comportamento humano é modelado e reforçado, o que implica em recompensa
e reforço. Para proceder a análise comportamental do ensino, é necessário considerar os elementos do ensino, bem como as respostas
do aluno, pois o ensino é composto por padrões de comportamento, seguindo objetivos prefixados (Mizukami, 1986).
No comportamentalismo, o homem é considerado como uma consequência das influências do meio ambiente é considerado
como produto do meio (Mizukami, 1986) e este pode ser manipulado. Para que a formulação das relações entre o organismo e seu
meio ambiente sejam adequadas, é necessário considerar três aspectos: a ocasião na qual a resposta ocorreu a própria resposta e as
consequências reforçadas. A relação entre esses elementos constituem as contingências de reforço.
Skinner (1986) considera que qualquer ambiente físico ou social, deve ser avaliado de acordo com seus efeitos sobre a natureza
humana. Para este autor, o conhecimento tem como base a experiência planejada, sendo resultado direto da experiência. Sua preocu-
pação, portanto, não é com a aprendizagem, e sim com o comportamento observável.
A educação está intimamente ligada à transmissão cultural, pois deverá transmitir os conhecimentos assim como os comporta-
mentos éticos, práticos e sociais. São habilidades consideradas básicas para a manipulação e controle do mundo/ambiente (cultural
etc.). A educação tem como objetivo básico promover mudanças desejáveis no sujeito. Essas mudanças implicariam na aquisição de
novos comportamentos e também na modificação dos comportamentos já existentes (Mizukami, 1986).
A escola direciona os comportamentos dos alunos segundo determinadas finalidades sociais. O conteúdo pessoal será socialmen-
te aceito. Os conteúdos programáticos serão estabelecidos e ordenados numa sequência lógica e psicológica. É matéria de ensino
apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável.
- Papel do Professor
Em uma abordagem behaviorista (comportamentalista), o professor é considerado transmissor de conhecimento ao aluno e admi-
nistra as condições da transmissão do conteúdo. Nesta teoria o professor é considerado um planejador e um analista de contingências.
O professor deverá decidir os passos de ensino, os objetivos intermediários e finais com base em critérios que fixam os comporta-
mentos de entrada e os comportamentos que o aluno deverá exibir durante o processo de ensino.
O professor tem uma função de arranjar as contingências de reforço de maneira a possibilitar o aumento da probabilidade de
ocorrência de uma resposta a ser aprendida. Ela deverá dispor e planejar melhor as contingências desses reforços em relação às res-
postas. O professor acaba por ser um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno.
O professor tem também a função de garantir a eficácia da transmissão do conhecimento, não importando as relações afetivas e
pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino- aprendizagem. Sua tarefa é modelar respostas apropriadas aos objetivos instru-
cionais, sendo que a principal é conseguir um comportamento adequado.
Ao mestre cabe questionar cada conteúdo a ser apresentado. O aluno é incapaz de assimilar algo novo. Uma vez que o sujeito
é considerado totalmente determinado pelo mundo do objeto ou meio físico e social. Em uma sala de aula, o mundo é representado
pelo professor que acredita que somente ele pode produzir e transferir novos conhecimentos para o aluno. Este processo, portanto,
não considera o que o estudante sabe. Em nível de abstração ou formalização, tudo pode ser transferido ou transmitido para o aluno
(Becker, 1989).
- Papel do aluno
Em uma abordagem behaviorista o aluno não possui qualquer conhecimento. A capacidade de conhecimento do aluno vem do
meio físico/social. O aluno recebe, escuta, escreve e repete as informações tantas vezes quanto forem necessárias, até acumular em
sua mente o conteúdo que o professor repassou.
O aluno aprende se executar os conteúdos que o professor determinar. Ele é responsivo, aprende se o professor ensinar (Becker,
1989). Com base nesta informação pode-se dizer que o professor transmite e ensina todo o conteúdo em questão ao aluno. O aluno
não cria nem inventa, reproduz o que aprende.
Didatismo e Conhecimento 29
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Tarefa prescrita do professor e do aluno no desenvolvimento ensino-aprendizagem
• Transmite o conhecimento;
• Determina o objetivo;
• Determina o ritmo do ensino;
• Fixa os comportamentos finais do aluno;
• Avalia o aluno segundo os objetivos alcançados.
• Escuta o professor;
• Repete as informações transmitidas pelo mestre, tantas vezes quanto forem necessárias, para aprender o conteúdo transmitido;
• Questiona pouco (ou quase nada);
• Procura repetir o conhecimento do professor (na maioria das vezes utilizando-se do mesmo vocabulário);
• É pouco criativo
O aluno será avaliado ao atingir os objetivos propostos, isto é, quando o programa for conduzido até o final de maneira correta.
A avaliação será ligada aos objetivos estabelecidos. Pode-se fazer pré-testagem, com a finalidade de conhecer os comportamentos
prévios e a partir daí, planejar e executar as etapas seguintes do processo ensino-aprendizagem. Os alunos são modelados à medida
que tem conhecimento dos resultados de seu comportamento. No final do processo ocorre a avaliação com o objetivo de medir os
comportamentos finais.
Esta teoria Tem com base a representação global de uma situação. As escolas da corrente dos teóricos de campo são representadas
na Gestalt e suas teorias são centradas sobre a atividade do indivíduo.
Segundo Barros (1988), a Gestalt é representada pelos alemães Wertheimer, Koffka e Köhler, e Para os representantes da corrente
Gestáltica (psicologia da forma) a atividade e o comportamento do sujeito são determinados de acordo com o modo pelo qual vê e
compreende a estrutura dos elementos da situação problema. Para Koffka a percepção e pensamento não podem ser reduzidos a um
acúmulo de sensações ou associações individuais, mas, são determinadas pela estrutura global.
Para Pozo (1988), o paradigma da aprendizagem consiste na solução de problemas que tem como princípio o todo (a globalidade)
para as partes (o todo não pode ser compreendido pela separação das partes) e na organização dos padrões de percepção.
Em Pozo (1998), na Gestalt, as ideias de Köhler (1929) são opostas aos princípios do associacionismo (ou anticonstrutivista).
Esta escola não aceita a concepção do conhecimento como a soma de partes preexistentes. A unidade mínima de análise é a estrutura
ou a globalidade. Rejeita a ideia de que o conhecimento tenha natureza cumulativa ou quantitativa, de tal maneira que qualquer ati-
vidade ou procedimento poderia transformar-se em várias partes aleatoriamente separadas.
A insistência na estrutura global dos fatos e dos conhecimentos concede maior importância à compreensão do que a simples
acumulação de conhecimentos. Isso fez com que Wertheimer em 1945 distinguisse o pensamento reprodutivo do pensamento produ-
tivo. O pensamento reprodutivo se constitui de conhecimentos previamente adquiridos à situações novas e o pensamento produtivo
por sua vez, implica no descobrimento de uma organização perceptiva ou conceitual, com relação ao problema a ser tratado, isto é,
a compreensão real do problema, como compreender o problema que é vantajoso em relação a simples aprendizagem mnemônica
ou reprodutiva. Isso porque essa compreensão resulta mais fácil de ser generalizada a outros problemas estruturalmente semelhante.
Para este autor, obter a solução produtiva de um problema é algo fundamental para a compreensão do mesmo. Para que ocorra
uma solução produtiva de um problema, é necessário captar aspectos estruturais da situação além de elementos que a compõem
(Pozo, 1998).
Gestalt x Aprendizagem
O psicólogo Wertheimer (1945) utiliza-se da história da ciência como área de estudo da psicologia do pensamento e da aprendi-
zagem. Este autor considera que cada um dos mecanismos de aprendizagem associativa corresponde a um mecanismo alternativo nas
concepções gestálticas (Pozo 1998).
Didatismo e Conhecimento 30
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Wertheimer considera ainda que a associação é como a compreensão da relação estrutural entre uma série de elementos que
necessitam uns dos outros, auxiliando dessa forma a captar as relações entre os elementos dentro da estrutura. O “ensaio e erro”
deixaria de ser aleatório (incerto), para se converter em uma comprovação estrutural de hipóteses significativas. O aluno aprende
reinterpretando seus erros e acertos, compreendendo as razões estruturais que o tornaram possível.
A compreensão de um problema para Wertheimer está vinculada a uma tomada de consciência de seus aspectos estruturais ou
“insight”, que significa “achar subitamente a solução para uma situação difícil”, “perceber relações entre os elementos de uma situ-
ação”. O “insight” só é possível quando uma situação de aprendizagem é arranjada de maneira que se possa observar todos os seus
aspectos. Se houver a omissão de qualquer um dos aspectos, não ocorrerá o “insight”, portanto, não haverá solução.
Se um problema tiver várias estruturas e alguma delas resultar mais imediata ou mais fácil para que o sujeito perceba a reestru-
turação dessas estruturas vai se apresentar mais facilmente, mais imediata.
Segundo Barros (1998), na teoria da Gestalt o sujeito tem várias formas de aprendizagem, que são: gradação, diferenciação,
assimilação e redefinição.
A aprendizagem por gradação implica em estabelecer um relacionamento sucessivo entre as várias partes de algo percebido.
Kölher, em seus experimentos, demonstrou que o aluno quando do início de sua aprendizagem, percebe a forma total, a Gestalt das
coisas. O autor aconselha que o ensino inicial para os alunos, deve ser composto de frases e palavras completas oportunizando o
estabelecimento deste tipo de ralação. Em uma frase completa, o aluno percebe as sílabas e as letras.
O processo de diferenciação consiste em destacar, no todo, uma parte do objeto que se está percebendo. Isso ocorre quando um
elemento é apresentado em diferentes situações, permitindo que a mente o destaque como sendo o mais notado entre os demais, ou
como sendo uma figura, permitindo que as partes restantes formem o fundo. Este princípio é chamado de princípio da unidade dentro
da variedade de diferentes situações, sendo uma condição de extrema importância para que se diferencie um elemento entre os de-
mais. Como exemplo, pode-se apresentar no início da aprendizagem uma mesma palavra em várias frases de modo que a mesma se
destaque. Como por exemplo: Lili tem uma pata; A pata nada no lago; As penas da pata são brancas.
Ainda no processo de diferenciação, existe um segundo princípio que permite o destaque de um elemento da situação total de-
nominado princípio da variedade dentro da unidade. No ensino da leitura, introduz-se aos poucos alguns fatores novos entre os já
conhecidos. Num texto, por exemplo, aparece, dentro de sentenças já conhecidas e muito repetidas, algumas formas gráficas novas.
Como por exemplo: Lili tem um boné, Lalau tem uma boneca; olhe a bola, olhe o bolo; olhe o papel, olhe o papelão.
O processo de redefinição consiste em perceber um mesmo estímulo de modo inteiramente novo, segundo a situação total ou a
forma que ele se apresenta, ou seja, sua posição em relação aos demais estímulos ou ainda segundo a natureza dos outros estímulos
componentes da situação em que ele nos é apresentado. Grisi esclarece este processo quando apresenta um exemplo que mostra for-
mas diferentes de perceber um simples ponto”.”. Para ele, o ponto pode ser definido como ponto final em uma sentença, como um
pingo da letra “i” ou ainda como um sinal de abreviatura (Barros, 1998).
O processo de assimilação segue ao de diferenciação, onde uma parte da situação total é destacada pelo processo de diferencia-
ção, tornando-se figura. Esta figura pode se reunir às outras, constituindo novas estruturas pelo processo de assimilação. Em relação
a leitura, o aprendizado por assimilação ilustra-se pelo fato de que o aluno no início de sua aprendizagem por assimilação é capaz
de escrever uma palavra nova, a palavra camelo, por exemplo, por ter aprendido anteriormente as palavras boneca, menino e lobo.
A Gestalt defende o caráter inato das leis da percepção e da organização do conhecimento e, baseia-se na categorização direta
dos objetos, quase de forma imediata. O pensamento encontra- se mediado por estruturas de conceitos de natureza e origens muito
diferentes. A tomada de consciência ou insight adquire dimensões diferentes em um e outro caso. A tomada de consciência concei-
tual requer uma reflexão a respeito do próprio pensamento que, necessariamente, não está presente no insight perceptivo. O sujeito
somente pode tomar consciência de algo que já está presente nele, embora se desconheça as etapas precedentes (Pozo, 1998).
Essa teoria contribui com alguns conceitos que embora em sua formulação inicial sejam vagos ou pouco operacionais, lembram
conceitos nucleares de uma teoria de aprendizagem alternativa ao associacionismo. Assim, ela estabelece diferenças entre o pensa-
mento reprodutivo e produtivo (consiste na compreensão real do problema), e em consequência entre a aprendizagem mnemônica e
compreensiva considerando a aprendizagem compreensiva um produto do insight, ou reestruturação súbita do problema. Esta estru-
turação está vinculada ao conceito de equilíbrio que é desenvolvido por Piaget.
- Papel do professor
Na Gestalt, o ensino é centrado no aluno e o professor tem como função dar assistência ao aluno de forma a não transmitir o co-
nhecimento. Ele deve ser um facilitador da aprendizagem, que consiste na compreensão, aceitação e confiança em relação ao aluno.
Deve aceitar o aluno como ele é.
Didatismo e Conhecimento 31
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
O professor deve possuir um estilo próprio para “facilitar” a aprendizagem. Sua intervenção deverá ser a mínima possível, de-
vendo criar um clima favorável de aprendizagem. O conteúdo não deve ser repassado, uma vez que ele é adquirido da experiência
vivida do aluno.
Para o professor, qualquer ação que o aluno decide fazer deve ser considerada como boa e instrutiva. Cabe ao professor auxiliar
a aprendizagem do aluno de maneira a despertar o seu próprio conhecimento (Becker, 1992).
- Papel do Aluno
O aluno deve ser responsabilizar pelos objetivos referentes a aprendizagem que lhes são significativos. Ele é compreendido como
um ser que se autodesenvolve e o processo de aprendizagem deve facilitar este desenvolvimento. O aluno aprende por si mesmo, en-
contrando o seu próprio caminho. Cabe aos alunos pesquisar os conteúdos, criticar, aperfeiçoar ou até mesmo modificá-los (Becker,
1992).
A avaliação só tem sentido como uma auto avaliação e deve estar de acordo com os padrões prefixados pelos alunos. Os alunos
aprendem o que desejam aprender. Não existe qualquer padronização. Ele deverá assumir a responsabilidade pelas formas de controle
de sua aprendizagem, definindo e aplicando critérios para avaliar se os objetivos foram atingidos. Após esta auto avaliação o profes-
sor faz a sua avaliação de maneira a perceber se os objetivos foram atingidos atribuindo ao aluno um conceito.
Teorias Representativas
Representação x Aprendizagem
A aprendizagem acontece quando se estabelece uma relação significativa entre os elementos que constituem uma situação. A
transferência da aprendizagem ocorre quando existe similaridade (semelhança) entre as situações. A aprendizagem acontece quando
o sujeito consegue organizar ou estruturar uma dada situação.
Didatismo e Conhecimento 32
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O papel do professor e do aluno
- Papel do professor
O professor tem como função apresentar ao aluno problemas de modo que este identifique e diferencie o significante do signifi-
cado. Estes problemas devem apresentar-se de tal maneira que o aluno a partir de suas experiências anteriores, possa evocar (lembrar)
os elementos ausentes. Estes elementos contribuem para a estruturação do problema.
O professor deve conhecer as experiências anteriores do aluno para observar com profundidade suas representações com relação
às atividades ligadas à ação (execução do problema). A partir do momento que o aluno estruturar e conceituar um problema, estará
aprendendo.
- Papel do aluno
O aluno terá como atribuição, a resolução de problemas a partir da seleção de elementos que são úteis e estão relacionados à ação.
A seleção de elementos necessários à formação estrutural do problema dependerá da experiência vivida pelo aluno.
A facilidade ou dificuldade na diferenciação do significante e significado e, consequentemente, a formação do conceito durante a
aprendizagem são próprias do aluno em particular. A resolução de um problema pode seguir caminhos diferentes.
A avaliação deve ser feita através da observação e da capacidade do aluno de diferenciar significante e significado. Deve-se ob-
servar a capacidade do aluno de estruturar uma situação e os caminhos que percorre para buscar o resultado, que é a aprendizagem.
Teorias Cognitivas
O processamento da informação ou teoria cognitiva aborda o estudo da mente e da inteligência em termos de representações
mentais e dos “processos centrais” do sujeito, ambos dificilmente observáveis. Nesta teoria, o conhecimento consiste em integrar e
processar as informações.
Segundo Mizukami (1986), uma abordagem cognitiva envolve vários aspectos tais como, estudar cientificamente a aprendiza-
gem como sendo um produto do ambiente das pessoas ou de fatores que são externos a elas. Estuda-se como as pessoas lidam com
os estímulos ambientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos, constituindo,
assim, a investigação como um todo.
Os teóricos cognitivistas se opõem à aprendizagem behaviorista que parte do princípio de que o aluno consegue o mesmo en-
tendimento daquele que transmite o conhecimento, uma vez que eles buscam pesquisar a mente humana. E para tanto estudam os
mecanismos subjacentes no comportamento humano.
Didatismo e Conhecimento 33
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Segundo Wadsworth (1993), Piaget define a inteligência como a adaptação que tem como característica o equilíbrio entre o orga-
nismo e o meio, que resulta na interação entre o processo de assimilação e acomodação, que é o motor da aprendizagem. Este autor
apresenta o conceito do processo de assimilação e acomodação. O processo de assimilação consiste em uma mudança quantitativa
no sujeito, mediante a incorporação de elementos que vêm do meio para as suas estruturas mentais já existentes, o que implica no
seu desenvolvimento intelectual. O processo de acomodação consiste em uma mudança qualitativa na estrutura intelectual (esquema)
do sujeito pelas quais se adapta ao meio. Ele cria novas estruturas ou altera às já existentes em função das características de novas
situações. A assimilação e a acomodação juntas justificam a adaptação. As estruturas do conhecimento são como os esquemas, vão
se tornando mais complexos sobre o efeito combinado dos mecanismos da assimilação e acomodação. Comenta ainda que o sujeito
ao nascer não possui qualquer estrutura de conhecimento e sim reflexas como sucção e um modo de emprego destes reflexos para a
elaboração dos esquemas que irão desenvolver.
Segundo Mizukami (1986) a aquisição do conhecimento cognitivo ocorre sempre que uma nova informação é assimilada à
estrutura mental existente (esquema) que ao fazer esta acomodação, modifica-se permitindo um processo contínuo dos mecanismos
internos.
Nos vários trabalhos de Piaget, encontra-se o desenvolvimento da inteligência definido como um processo contínuo, e que as
mudanças no desenvolvimento intelectual, são gradativas, e os esquemas são construídos ou modificados de forma gradual. Então
define o crescimento cognitivo, e julga necessário dividir o desenvolvimento intelectual em estágios: da inteligência sensório- mo-
tora (0-2 anos), do pensamento pré-operacional (2-7 anos), das operações concretas (7-11 anos) e das operações formais (7-15anos).
A primeira forma de inteligência é uma estrutura sensório-motora. Durante este estágio, o comportamento é basicamente motor.
Não há lógica. O sujeito não representa e não “pensa” conceitualmente. Esse estágio torna-se estável entre os 18 e 24 meses.
O estágio do pensamento pré-operacional, caracteriza-se pelo desenvolvimento da linguagem e outras formas de representação,
e também pelo rápido desenvolvimento conceitual. O raciocínio, nesse estágio, é pré-lógico ou semiológico. O que o sujeito adquire
através da ação, irá aprender a fazer em pensamento.
No estágio das operações concretas, o sujeito faz novas modificações, desenvolve a habilidade de aplicar o pensamento lógico a
problemas concretos. Esta fase precede a anterior e seu equilíbrio acontece ente os sete e 11 anos.
No estágio das operações formais, as estruturas cognitivas alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento; os sujeitos
tornam-se capazes de aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas, ou seja, aplicam não mais aos objetos presentes,
mas aos objetos ausentes e hipotéticos.
O desenvolvimento das estruturas mentais é um processo coerente de sucessivas mudanças qualitativas das estruturas cognitivas
(esquemas). A estrutura e a mudança lógica são resultantes da estrutura precedente.
Para Wadsworth (1993), o desenvolvimento da inteligência acontece desde o nascimento até a fase adulta. As estruturas da
inteligência e os esquemas estão em constante desenvolvimento a medida que o sujeito age de forma espontânea sobre o meio e as-
simila e se acomoda a arranjos de estímulos do meio ambiente. Este autor considera quatro fatores relacionados ao desenvolvimento
cognitivo:
• maturação, interação social, experiência ativa, e uma sucessão geral de equilíbrio.
• maturação: são os processos neuropsicológicos que o sujeito passa para adquirir a aprendizagem.
• interação social: é o relacionamento com a imposição do nível operatório das regras, valores e signos da sociedade na qual o
sujeito se desenvolve, e com as interações realizadas entre os sujeitos que compõem o grupo social;
• experiência ativa: segundo Mizukami (1986), este fator pode acontecer sob três tipos:
• devido ao exercício, resultando na consolidação e coordenação de reflexos hereditários, o exercício de operações intelectuais
aplicadas ao objeto;
• devido à experiência física, que comporta ações sobre o objeto para descobrir as propriedades que são abstraídas desses objetos,
e resultado da ação está vinculado ao objeto;
• a experiência lógico-matemática implica na ação sobre os objetos, de forma a descobrir propriedade que são abstraídas destas
pelo sujeito. Consistem em conhecimentos retirados das ações sobre os objetos típicos do estágio operatório formal, que é o resultado
da equilibração, cuja condição para obter é a interação do sujeito com o meio.
Os fatores relacionados ao desenvolvimento cognitivo como a maturacão, interação social experiência ativa, não são suficientes
para explicar o desenvolvimento cognitivo necessitando segundo Piaget, de um quarto fator, a equilibração.
• Equilibração: é o mecanismo autorregulado necessário para assegurar uma eficiente interação do sujeito com o meio ambiente.
É o processo de passagem do desequilíbrio para o equilíbrio, cujos instrumentos são a assimilação e a acomodação.
Para Piaget a teoria epistemológica busca o saber como, quando e por que o conhecimento se constrói, cuja repercussão incide
na área educacional. Sua teoria segundo Mizukami (1986) é predominantemente interacionista e seus postulados sobre o desenvolvi-
mento da autonomia, cooperação, criatividade e atividades centradas no sujeito, influenciaram práticas pedagógicas ativas centradas
nas tarefas individuais, na solução de problemas, na valorização do erro dentre outras orientações pedagógicas.
Didatismo e Conhecimento 34
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Na área de Informática, esta teoria contribui para modelagens computacionais na área de Inteligência Aplicada (IA), no desen-
volvimento de linguagens e dentre outras modalidades, no ensino auxiliado por computador sob a orientação construtivista.
A linguagem LOGO, criado por Papert caracteriza-se como um ambiente de aprendizagem, embasado no construtivismo. O am-
biente LOGO dá condições ao aluno de construir os mecanismos do pensamento e os conhecimentos a partir das interações que têm
relações com seu ambiente psíquico e social.
Ensino Aprendizagem
Segundo Mizukami (1986), que se baseia nas ideias de Piaget, o ensino numa concepção cognitivista que procura desenvolver
a inteligência, deverá em primeiro lugar priorizar as atividades do sujeito considerando-o inserido em uma situação social. A con-
cepção piagentiana de aprendizagem tem caráter de abertura e comporta possibilidades de novas indagações, assim como toda a sua
teoria e epistemologia genética.
A aprendizagem consiste em assimilar o objeto a esquemas mentais. O aluno aprende dependendo da esquematização presente,
do estágio e da forma de relacionamento atual com o meio. Como consequência, o ensino deve assumir várias formas durante o seu
desenvolvimento.
Assim a aprendizagem ocorre com base em tentativas e erros através da pesquisa feita pelo aluno, eliminando-se as fórmulas,
nomenclaturas, definições, etc. O aluno parte de suas próprias descobertas, ele irá compreender o objetivo principal do ensino, que
são os processos e não os produtos de aprendizagem. A aprendizagem só ocorre a partir do momento em que o aluno elabora o seu
próprio conhecimento.
O ensino deve levar progressivamente ao desenvolvimento de operações, evitando a formação de hábitos que constituem a fixa-
ção de uma forma de ação, sem reversibilidade e associatividade. O desenvolvimento seria os mecanismos gerais do ato de pensar e
conhecer, inerente à inteligência. O ensino dos fatos devem ser substituídos pelo ensino de relações, desenvolvendo a inteligência,
uma vez que a inteligência é um mecanismo de fazer relações. Nessa abordagem o ensino deve estar baseado em proposições de
problemas. É necessário, então, que se considere o “aprender a aprender” (Mizukami, 1986).
- Papel do Professor
O professor tem como função criar situações que propiciam condições que possam estabelecer reciprocidade intelectual e coo-
peração ao mesmo tempo moral e racional. Ele deve evitar a rotina, e a fixação de respostas e hábitos.
Ele deve também propor problemas ao aluno, sem que lhes ensine a solução. Deve provocar desequilíbrios, desafios, mas para
tanto é importante que conheça o aluno. A orientação, a autonomia e a ampla margem de autocontrole aos alunos deve ser concedida
pelo professor.
O professor deve assumir o papel de mediador, investigador, pesquisador, orientador e coordenador. É necessário sua convivên-
cia com os alunos para observar os seus comportamentos, promovendo diálogos com eles, perguntando e, sendo interrogado; realizar
com os alunos suas próprias experiências para auxiliar na sua aprendizagem e desenvolvimento.
- Papel do aluno
O aluno deve ser ativo e observador. Ele deve experimentar, comparar, relacionar, analisar, justapor, encaixar, levantar hipótese,
argumentar, etc. Cabe ao aluno encontrar a solução dos problemas que lhes são apresentados.
Didatismo e Conhecimento 35
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Tarefa prescrita do aluno
• ser observador;
• ser ativo;
• experimentar;
• comparar;
• relacionar;
Na avaliação, deve-se proceder de forma a verificar se o aluno adquiriu noções, conservações, se realizou operações, relações,
etc. O rendimento do aluno pode ser avaliado de acordo com a sua aproximação a uma norma qualificativa pretendida. Uma das for-
mas que se pode verificar o rendimento é também através de reproduções livres, sob diferentes formas e ângulos, através explicações
práticas, explicações causais, expressões próprias, relacionamentos, etc.
A teoria de aprendizagem social, segundo Pfromm (1987) versa sobre o estudo da observação e a imitação feita pelo sujeito. Na
década de 60, Albert Bandura realizou pesquisas com crianças que incidiam sobre a imitação. Ele dedicou-se à pesquisa e à teorização
sobre a aprendizagem social por observação. Nesta abordagem, o comportamento de um observador se modifica em consequência da
exposição do comportamento de um modelo. A este tipo de aprendizagem o autor denominou de “modelação”. O modelo utilizado
pode ser da vida real como também um modelo simbólico, observado em um filme na televisão, no rádio, livros e revistas, etc.
Na aprendizagem por observação, os comportamentos específicos exibidos pelo modelo são chamados de pistas de modelação.
Para o autor os sujeitos aprendem simplesmente olhando o que o modelo faz, embora não procurem ativa e espontaneamente imitá-lo.
A aprendizagem por observação ocorre em três estágios: exposição, aquisição e aceitação. Durante a exposição, o observador se
vê diante de pistas de modelação. A aquisição por sua vez, é comprovada pela capacidade do observador de reproduzir ou evocar os
comportamentos do modelo a que foi exposto e, aceitação, que é traduzida no uso, pelo observador das pistas de modelação adquiri-
das, quer na imitação direta do comportamento do modelo, quer na contra imitação direta, que consiste em evitar o comportamento
modelado.
O comportamento específico observado pode generalizar-se a tipos semelhantes de comportamentos e tratar ainda dos processos
de desinibição e inibição. Sendo o processo de inibição a não aceitação generalizada e o processo de desinibição, a aceitação genera-
lizada para uma classe geral de comportamentos, a partir de um comportamento modelado específico.
Na aprendizagem social por observação, destacam-se quatro processos: atenção, retenção, reprodução motora e motivacional. No
processo de atenção, o sujeito deve prestar atenção ao modelo e aos aspectos críticos do comportamento deste mesmo modelo. Na
retenção, o comportamento do modelo necessita ser codificado ou simbolicamente representado e retido na memória do observador.
A reprodução motora é responsável pela cópia fiel dos movimentos do modelo, e o processo motivacional, atua sob a forma
de reforço da resposta aprendida que pode ser externo (como exemplo, uma recompensa dada ao observador), vicário (um modelo
recompensado ou punido).
Este reforço, pode ser visto em um determinado programa de televisão, que se transfere ao observador ou do tipo conhecido
como auto reforço, que se pode exemplificar como no caso da satisfação pessoal em que o observador experimenta após imitar o
comportamento observado.
A noção de auto eficácia ultimamente passou a ocupar a posição central. Na teoria cognitiva de Albert Bandura, a auto eficácia
refere-se à convicção de que o sujeito tem que pode executar algo com êxito e à confiança em sua capacidade de alcançar objetivos
em situações específicas graças às próprias ações. A auto eficácia inclui também a percepção generalizada do sujeito capaz de con-
trolar o ambiente como uma percepção específica de sua capacidade de executar uma tarefa particular.
Qualquer aprendizagem ou modificação de comportamento segundo o autor só é bem sucedida quando se cria ou fortalece a
crença do sujeito em sua eficácia pessoal. Ele coloca ainda, como indispensável que o sujeito conte com as capacidades necessárias
para a execução da tarefa e com motivação ou incentivo para fazê-la. As mudanças no comportamento do sujeito são determinadas
pelos percepções de sua auto eficácia. Nessas mudanças, considera-se as ações que o sujeito procura executar, o esforço dedicado a
essas ações, sua persistência, considerando obstáculos, pensamentos e sentimentos. A auto eficácia é influenciada de modos diferen-
tes como: concretização do desempenho, experiências vicárias, indução verbal e ativação emocional.
• concretização do desempenho, isto é, completa efetivamente a tarefa real, que constitui a principal fonte de elevação ou redução
de nossas expectativas de auto eficácia;
Didatismo e Conhecimento 36
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
• experiências vicárias, consiste na observação de desempenhos de outros sujeitos;
• indução verbal, consiste em levar outra pessoa, oralmente ou por escrito à acreditar que pode ser bem sucedida;
• ativação emocional, trabalhar as pistas internas, de caráter afetivo ou fisiológico, que o sujeito usa para julgar seu entusiasmo
ou sua vulnerabilidade em relação a determinados desempenhos.
- Papel do professor
Na teoria de aprendizagem social, o professor tem como função apresentar um modelo que pode ser real ou simbólico. Ele deve
criar ou propor um modelo que mostre, com evidência, as pistas de modelação (os comportamentos específicos). Este modelo propos-
to deve ser codificado ou ser simbolicamente representado para facilitar a memorização do aluno. O professor pode premiar, punir,
motivar ou incentivar o comportamento do aluno (do modelo).
- Papel do aluno
Na aprendizagem social, o aluno tem como papel principal aprender mediante a apresentação de um modelo que pode ser real
ou simbólico.
Ele desempenha a função de observador, fixando sua atenção nos aspectos críticos do modelo, ou seja, retendo os comportamen-
tos específicos desse modelo na sua memória. Este comportamento é aprendido através da imitação, onde buscará fazer a cópia fiel
dos movimentos desse modelo que é facilitada através da identificação das pistas de modelação. Pode-se dizer então, que os alunos
aprendem por meio da observação, imitando os comportamentos de outros sujeitos (modelo).
Para avaliar o aluno, deve-se verificar sua observação com relação ao modelo apresentado e suas respectivas pistas e consequen-
temente, verificar a existência da cópia fiel desse modelo.
Segundo Gilly (1995), a abordagem sócio construtivista do desenvolvimento cognitivo é centrada na origem social da inteligên-
cia e no estudo dos processos sócio cognitivos de seu desenvolvimento. Os trabalhos sobre esses processos se fundamentam na teoria
do psicólogo Lev Vygotsky e é relativa aos processos físicos superiores.
Gilly (1995) e Gaonnach’h (1995) apresentam duas formas de funcionamento mental chamadas de processos mentais elemen-
tares e os processos superiores. Os processos metais elementares correspondem ao estágio da inteligência sensório-motora de Jean
Piaget, que é derivado do capital genético da espécie, e da maturação biológica e da experiência da criança com seu ambiente físico.
Os processos psicológicos superiores, de acordo com Oliveira (1993), são construídos ao longo da história social do homem.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Essa transformação acontece através da relação do homem com o mundo que é mediada pelos instrumentos simbólicos e são
desenvolvidos culturalmente, possibilitando uma diferenciação do homem em relação aos outros animais, na forma de agir e na in-
teração com o mundo.
Gilly (1995) classifica três princípios fundamentais interdependentes que dão suporte à teoria de desenvolvimento dos processos
mentais superiores:
• relação entre a educação, a aprendizagem e ao desenvolvimento;
• função da mediação social nas relações entre o indivíduo e o seu meio (mediação por ferramenta) ;
• atividade psíquica intraindividuais (mediação por signos) e a passagem entre o interpsíquico para o intrapsíquico nas situações
de comunicação social.
Para Vygotsky o desenvolvimento é considerado como uma consequência das aprendizagem com que o sujeito é confrontado.
Seu estudo passa necessariamente, pela análise de situações sociais que favorecem ao sujeito construir seu meio físico pois, numa
abordagem sócio construtivista o desenvolvimento cognitivo envolve as interações sujeito-objeto-contexto social.
Em Pozo (1998), o funcionamento cognitivo superior considerado por Vygotsky está ligado às relações sociais pelas transfor-
mações do processo interpessoal para o intrapessoal. Nessa teoria, o desenvolvimento resulta na zona de desenvolvimento proximal
(ZDP).
Moll (1996) explica como o sujeito reorganiza o pensamento que se manifesta inicialmente, entre as pessoas e grupos de forma
tal que os sujeitos, aos poucos, aumentam seu controle e direcionam o seu próprio pensamento e relações com o mundo no qual eles
sempre se mantêm interdependentes.
A ZDP compreende a diferença entre o desenvolvimento efetivo e o desenvolvimento potencial. No desenvolvimento efetivo,
o sujeito consegue resolver problemas sozinho, sem qualquer auxílio de outra pessoa ou mediadores externos. No desenvolvimento
potencial, o sujeito torna-se capaz de resolver problemas mas com o auxílio de outras pessoas ou instrumentos mediadores externos
tais como um professor, pais, colegas, etc.
Para Vygotsky a função da mediação social nas relações entre o indivíduo e o seu meio ocorre através de “ferramenta” (mediação
por ferramenta), e na atividade física intraindivíduo é feita através de sinais (mediação por sinais) (Oliveira, 1993).
A atividade humana deve ser socialmente mediatisada considerando a atividade exterior que envolve as relações do homem com
a natureza, ou de uma atividade interior que trata da atividade física. Essas atividades são socialmente mediatisadas ou instrumenta-
das e transformadas por ferramentas socialmente elaboradas.
Vygotsky afirma que o homem não age direto sobre a natureza. Ele faz uso de dois tipos de instrumentos em função do tipo de
atividade que a torna possível, considerando o mais simples instrumento a mediação por “ferramenta” que são elaboradas por gera-
ções anteriores. Elas atuam sobre o estímulo, modificando-o. A ferramenta transforma a atividade.
O outro tipo de instrumento mediador são os “sinais” ou símbolos, que medeiam as ações do sujeito. O sistema de sinais mais
comum é a linguagem falada. O sinal modifica o sujeito que dele faz uso como mediador. O sinal atua sobre a interação do sujeito
com o seu meio.
A ferramenta serve de condutora da influência humana na resolução da atividade, provoca mudanças no objeto. O sinal é um
meio da atividade física interna e encontra-se orientado internamente. Ele muda o sujeito e o sujeito muda o objeto.
- Papel do professor
A função do professor é a de orientar de forma ativa e servir de guia para o aluno, de forma a oferecer apoio cognitivo. O profes-
sor deve ser capaz de ajudá-lo a entender um determinado assunto e, ao mesmo tempo, relacioná-lo ao conteúdo com experiências
pessoais e o contexto no qual o conhecimento será aplicado. Ele deve também interferir na zona de desenvolvimento proximal de
cada aluno, provocando avanços não ocorridos espontaneamente por este aluno. Várias atividades oferecidas devem ser flexíveis,
permitindo ajustes no plano de aula.
A intervenção por parte do professor é fundamental para o desenvolvimento do aluno. Ele deve intervir, questionando as respos-
tas do aluno, para observar como a interferência de outro sujeito atinge no seu desenvolvimento e observar os processos psicológicos
em transformação e não apenas os resultados do desempenho do aluno.
- Papel do aluno
O aluno deve construir a compreensão do assunto que lhe for apresentado. Ele é considerado possuidor de conhecimentos, de-
vendo integrar-se ao meio, mas guiado pelo professor.
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EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Tarefa prescrita do professor e do aluno no desenvolvimento ensino-aprendizagem
A avaliação do processo consiste na auto avaliação e/ou avaliação mútua. A avaliação dispensa qualquer processo formal tais
como nota, exames, etc. neste processo, tanto o professor como o aluno saberão suas dificuldades e também seus processos. O pro-
fessor pode observar a evolução da representação do aluno, se ele construiu seu conhecimento com relação ao que se propõe.
A história da ciência é cheia de desencontros e encontros memoráveis, datas coincidentes, inventos e descobertas concomitantes.
É curioso notar que Piaget e Vigotski nasceram no mesmo ano (1896) e apresentaram trabalhos em um mesmo Congresso, sobre o
mesmo tema, antes de terem seus trabalhos o reconhecimento mundial que têm hoje.
O evento ocorreu em 1929 no IX Congresso Internacional de Psicologia em Chicago, EUA, no qual apresentaram a questão sobre
fala egocêntrica, sem, no entanto se encontrarem, pois Vigotski não pode viajar, porque piorou de sua tuberculose. O tema abordado
pelos autores não gerou muito interesse dos participantes, uma vez que o assunto central do evento foram os estudos sobre reflexo
condicionado de Pavlov, um dos interesses principais da psicologia estadunidense naquele período.
Outro encontro que deixou de ocorrer foi no famoso Segundo Congresso de Toda Rússia de Psiconeurologia ocorrida em São Pe-
tersburgo em 1924. Neste evento Vigotski fez sua primeira apresentação para os grandes nomes da psicologia soviética. Wallon, que
também participou deste evento para conhecer melhor a produção do país dos sovietes, não se encontrou pessoalmente com Vigotski.
É importante notar que, apesar de não terem se encontrado, muitas discussões foram desenvolvidas nos anos posteriores entre
os autores e seguidores dessas teorias. As discussões entre as produções piagetianas e histórico-culturais (considerando aqui as pro-
duções de Vigotski, Luria e Leontiev, assim como de seus continuadores na ex- União Soviética e no Brasil) são bastante férteis e
volumosas.
Didatismo e Conhecimento 39
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Já as discussões entre as produções dos soviéticos e wallonianas não são tão comuns assim. Em pesquisa realizada no portal de
busca do Scielo pode-se comprovar esta escassez de produção, pois se encontrou somente um artigo (Teixeira, 2003), cuja discussão
é a periodização proposta pelos autores da França e URSS.
Assim sendo, entende-se como necessária a comparação – o que significa estabelecer pontos de ligação e diferenciação – entre
as distintas produções. Para tal ela serão analisadas em três diferentes dimensões: epistemológica, metodológica e desenvolvimental.
Iniciar-se-á por aquela dimensão na qual há menos (ou não há) divergências, sendo o materialismo histórico e dialético a episte-
mologia fundante de ambas as teorias.
Epistemológico
Tanto Vigotski e seu grupo quanto Wallon procuraram construir uma teoria psicológica fundamentada no materialismo histórico
e dialético e, assim sendo, compromissada com o pleno desenvolvimento da humanização dos indivíduos. Isto implica em posi-
cionamentos em relação à educação, política e sociedade, assim como implica numa clareza de objetivos, ou em outras palavras, o
que e para quem elaboramos uma psicologia. Para evitar um sem número de citações dos autores, apresentaremos de forma geral os
pressupostos nos quais as obras foram fundamentadas.
Antes de tudo é preciso ressaltar que há uma diferença de estilo no que tange à apropriação da epistemologia. Wallon difere de
seus colegas soviéticos ao pouco fazer citações das obras de Marx, Engels e Lênin. Wallon utiliza os principais pressupostos teórico-
-metodológicos sem, no entanto, usar muitas referências diretas.
Isto não significa que sua produção é menos explicitamente marxista que a dos soviéticos, nem que os soviéticos faziam citações
por exigência do regime, apesar disto ser verdadeiro em alguns momentos históricos da União Soviética e em algumas teorias psico-
lógicas daquele país. Entendemos que a diferença é mais de estilo e de condições culturais e necessidades historicamente determina-
das, do que um maior ou menor grau de entendimento ou apropriação do marxismo.
O monismo materialista é um dos pressupostos mais seriamente defendidos, isto é, os autores defendem que a existência precede
a essência, ou em outras palavras, entendem que o que somos é resultado de nossa relação com a realidade e não produto de pré-
-determinações como, por exemplo, as biológicas, ambientalistas ou metafísicas, assim como também sustentam a indissociabilidade
entre matéria e ideia, objetivo e subjetivo, pois é a unidade destes que constituem a essência humana.
Defendem que o psiquismo tem sua origem sócio histórica, e assim sendo, o cérebro não é seu demiurgo. No entanto, sem este
não existe psiquismo, pois é ele que lhe confere materialidade. Desta forma, o biológico não determina quem somos, mas não somos
sem o biológico. Há efetivamente uma integração orgânico-social, visto que o homem não vive e se desenvolve sozinho, mas é on-
tologicamente social.
Tanto Wallon quanto Vigotski e seu grupo, como base para suas críticas às concepções mecanicistas e idealistas de sua época,
realizam uma extensa análise histórico-comparativa da ciência psicológica existente, mostrando seus pontos frágeis e apropriando-
-se de seus avanços e pontos relevantes. Esses conteúdos apropriados eram integrados à produção que estava sendo desenvolvida,
superando por incorporação as teorias analisadas.
Argumentavam que não bastava a análise do material produzido na época, era necessário também a análise genética do objeto de
estudo (desenvolvimento do psiquismo humano), investigando sua formação e transformação, movimento e desenvolvimento, tanto
na filogênese quanto na ontogênese, assim como no desenvolvimento histórico-cultural da humanidade.
O autor francês e os soviéticos explicitaram claramente em suas obras a preocupação com a questão da intencionalidade e elabo-
raram teorias nas quais o desenvolvimento psíquico está relacionado com o domínio dos indivíduos sobre sua conduta e sociedade,
sendo que para isto faz-se necessário que estes mesmos indivíduos se apropriem dos conhecimentos historicamente elaborados pela
humanidade.
Fica explícito que os autores defendiam que para o efetivo desenvolvimento dos indivíduos é necessária uma radical reestrutu-
ração da sociedade. Tanto Wallon quanto Vigotski e seu grupo elaboraram um corpo teórico também com uma intencionalidade es-
pecífica, qual seja entender e promover o pleno desenvolvimento psíquico dos homens numa sociedade mais justa e solidária. Enfim,
suas produções tinham como objetivo investigar o desenvolvimento sócio histórico do homem em sua gênese e multideterminação,
observando sempre a totalidade dos fenômenos, na busca de sua essência. Afinal, como apontou Marx n’O Capital, se aparência e
essência coincidissem, toda ciência seria supérflua.
Metodológico
Wallon, Vigotski e grupo procuraram construir, como já apontado, uma psicologia fundada nos princípios do materialismo his-
tórico e dialético, e assim sendo, também procuraram elaborar e desenvolver suas investigações e experimentações tendo essa sólida
referência.
Desta forma, não podiam simplesmente utilizar os modelos experimentais empregados na psicologia de sua época, que eram
ou introspeccionistas ou então positivistas no sentido mais lato do termo, modelos severamente criticados. Tal posição é ricamente
colocada por Leontiev e também por Wallon.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
A Psicologia materialista nos requer mais que a incorporação dialética dos princípios materialistas para fundamentar os proble-
mas psicológicos ou exemplificar os princípios de dados psicológicos concretos: o método dialético deve tornar-se o método de aná-
lise psicológico. Neste sentido, a psicologia contemporânea não pode descansar tranquila com a simples interpretação de sua matéria
do ponto de vista subjetivo enquanto se acomoda em dados da velha psicologia empírica; ela deve, na verdade, estudar seu material
por meio do método dialético, que deve desempenhar papel central, dominando outros métodos mais específicos. (Leontiev, 1977).
É ela (a dialética marxista) que dá à Psicologia o seu equilíbrio e a sua significação, que subtrai à alternativa dum materialismo
elementar ou dum idealismo oco, dum substancialismo grosseiro ou dum irracionalismo sem horizontes. É ela quem mostra simul-
taneamente ciência da natureza e ciência do homem, suprimindo deste modo a ruptura que o espiritualismo procurava consumar no
universo entre a consciência e as coisas. É ela que lhe permite considerar numa mesma unidade o ser e o seu meio, as suas perpétuas
interações recíprocas. É ela que lhe explica os conflitos dos quais o indivíduo deve tirar a sua conduta e clarificar a sua personalidade.
(...) O materialismo dialético interessa a todos os domínios do conhecimento, tal como interessa ao domínio da ação. Mas a psico-
logia, principal fonte das ilusões antropomórficas e metafísicas, devia, com mais relevo que qualquer outra ciência, encontrar nele a
sua base e a sua direção normais. (Wallon, 1975)
O psiquismo deve ser entendido como uma totalidade e em sua base material. Mas isto somente não é suficiente. É preciso rea-
lizar a análise histórica dos processos psicológicos, buscando compreender seu movimento e sua historicidade, sendo assim possível
investigá-los dialeticamente: “Estudar algo historicamente significa estudá-lo em movimento. Esta é a exigência fundamental do
método dialético.” (Vygotski, 1995), ou como aponta Wallon (1975), estudar “(...) o psiquismo em sua formação e em suas transfor-
mações.”
Para investigar estes processos, Vigotski e seus colaboradores realizaram diversas pesquisas. Entendiam a experimentação como
“(...) o único caminho pelo qual podemos pesquisar por dentro nos padrões dos processos psicológicos superiores (...)” (Vygotsky,
1999). Além da experimentação, um grande relevo era dado às observações, sejam estas nos espaços clínicos (como nos casos rela-
tados por Luria em seus romances científicos), sejam em escolas e outros espaços pedagógicos.
É importante notar que as pesquisas realizadas por Vigotski e seu grupo eram diferentes dos modelos predominantes. O rigor
científico na realização e análise dos experimentos era respeitado sem, no entanto, seguir o modelo positivista de ciência, com o qual
se buscava, por meio de experimentações imparciais, leis universais.
Um dos métodos de investigação mais utilizados pelos soviéticos na realização de experimentos – principalmente sobre desen-
volvimento infantil – é o método do experimento formativo. Este procedimento consiste em estudar as mudanças no desenvolvimento
do psiquismo por meio da ativa influência do pesquisador na experimentação, ou em outras palavras, pela formação dirigida dos
processos psicológicos que serão investigados (Davidov; Shuare, 1987). Vigotski (1995) nomeava este método de genético-causal ou
genético-experimental por ele permitir o estudo dos processos psicológicos desde sua origem, suas multideterminações e complexi-
dade de desenvolvimento.
Este modelo ganhou forte impulso com a sistematização realizada por Vigotski do conceito de zona de desenvolvimento proxi-
mal. Se nesta o autor propõe que o mais relevante é aquilo que o indivíduo sabe fazer com auxílio, deduz-se que os modelos experi-
mentais devem considerar esta zona de desenvolvimento.
Um rico exemplo deste modelo é apresentado na discussão vigotskiana de memória (um dos poucos que ele delineou).
Em um desses experimentos que foram mais bem explicitados, pediu-se para crianças de 6-7 anos recordarem 10 números lidos
para elas, sendo que estas conseguiam recordar poucos números (média de 3 números). Após isso, foi dado às mesmas crianças um
instrumento (pedaço de papel, corda ou madeira). Inicialmente as crianças não recorreram a esse auxílio; com a ajuda dos experimen-
tadores, os sujeitos começaram a utilizar os instrumentos, porém ainda de forma rudimentar. (Almeida, 2004).
É importante ressaltar que outras formas de auxílio podem ser utilizadas como, por exemplo, a escrita, mas uma das mais impor-
tantes, eram dicas dadas pelos pesquisadores para que os sujeitos pudessem ir além do que realizariam sozinhos.
Outro exemplo possível é a pesquisa de Zaporozhets (1987) sobre desenvolvimento de movimentos voluntários em crianças
pré-escolares. O experimento consiste no controle do ato motor por crianças em idade pré-escolar em atividades diversas, sendo
elas: 1) saltar sem impulso após ordem; 2) solução de uma tarefa prática dada pelo pesquisador que exija salto; 3) jogo (competição
desportiva).
Observa-se que em todas essas atividades há participação do pesquisador. Em algumas delas, como a primeira, a participação é
mais formal, como em uma pesquisa tradicional; já nas demais há um efetivo envolvimento do pesquisador na preparação da ativi-
dade, assim como no decorrer desta, coordenando e orientando a criança, inclusive jogando com ela. Uma tarefa semelhante seria o
brincar de escolinha com crianças, em uma pesquisa em que é necessário investigar a criança (principalmente pré-escolar) no espaço
escolar.
Como isto os pesquisadores (...) não estão interessados somente nos resultados dos processos individuais do comportamento,
mas também nos modos que eles são formados. Deste modo, por exemplo, não estamos somente interessados em encontrar como os
educandos memorizam sob diferentes condições de aprendizado. Nós estamos também interessados no modo em que ele memoriza, e
no curso dessa memorização. Nós empregamos atenção especial para o aspecto qualitativo dos processos que estudamos. (Smirnov,
1961).
Didatismo e Conhecimento 41
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
É importante ressaltar que este não era o único modelo existente e utilizado. Outros modelos mais tradicionais também o eram
(chamados por Luria de análise- estrutural), assim como o método de dupla dissociação ou patológico-experimental (Luria, 1981),
cuja principal característica é a análise de lesões cerebrais, observando quais comportamentos e processos psicológicos foram afeta-
dos ou não pela lesão, possibilitando assim uma maior compreensão do encéfalo e do psiquismo.
Esse modelo foi também utilizado por Wallon. Durante a 1ª Grande Guerra (1914-1918), convocado para prestar serviços mé-
dicos, pode ampliar seus conhecimentos na área neurológica, estudando feridos de guerra lesionados, e reorganizando os dados de
suas observações com crianças gravemente perturbadas (de 2-3 anos a 14-15 anos), já feitas anteriormente. Desses estudos decorrem
trabalhos apresentados em revistas na área da Psicopatologia e em 1925, sua tese de doutorado publicada com o título: “L´enfant
turbulent. Étude sur les retards et les anomalies du développement moteur et mental”.
Em “L´enfant turbulent” sua observação não é um olhar frio sobre o objeto, mas ela é animada por uma atitude de respeito e
de simpatia, bem como por uma atenção reflexiva para penetrar e compreender o ser observado. Aí, afirma Trant-Thong (1984), no
prefácio da referida obra, Wallon aparece como fundador de uma Psicologia integral da criança nas suas dimensões normais e pato-
lógicas e em sua dupla direção de uma psicologia genética geral, que tende a por em evidência os estágios, os mecanismos, as leis e
os fatores do desenvolvimento, e de uma psicologia diferencial que tende a extrair as variações individuais no curso de desenvolvi-
mento e a elaborar sua tipologia genética. Nessa obra estão em germe as principais teses metodológicas e de conteúdo da psicologia
walloniana. Nela, afirma a necessidade de um método comparado, em que o patológico e o infantil sejam aproximados, na medida
em que um corresponde à dimensão involutiva, e outro à dimensão evolutiva do psiquismo. A teoria da emoção, uma das maiores
contribuições da psicologia walloniana, encontra-se também aí esboçada.
Mas é de 1934 o livro mais representativo de sua abordagem dialética: “Les origines du caractere chez l´enfant”. Já no prefácio,
Wallon (1995a) se compromete com a psicogenética, declarando-a a mais fecunda para a psicologia, e dando-lhe lugar central para
uma metodologia psicológica. Fica evidente que considera a comparação com o patológico importante, porém insuficiente para com-
preender o desenvolvimento do psiquismo humano. Inclui a psicologia animal como mais um campo de comparação. Mais tarde,
Wallon vai recorrer também a dados da antropologia, incluindo a dimensão histórica.
Os princípios metodológicos vão se tornar mais precisos em “L ´évolution psychologique de l´enfant”, de 1941, na qual consa-
grou um capítulo a “Como estudar a criança” para definir as exigências e as condições de objetividade na utilização dos métodos de
observação, experimentação e de teste (Wallon, 1995).
A observação, para Wallon, é o instrumento adequado para a apreensão dos fenômenos psicólogos, porque permite a verificação,
o registro e a análise dos questionamentos que a própria observação levanta:
Observar é evidentemente registrar o que pode ser verificado. Mas registrar e verificar é ainda analisar, é ordenar o real em fór-
mulas, é fazer-lhe perguntas. É a observação que permite levantar problemas, mas são os problemas levantados que tornam possível
a observação (Wallon, 1975).
A análise dos dados obriga o investigador a proceder a sucessivas comparações: internas e externas. A característica principal da
comparação interna é que ela utiliza apenas referências interiores à psicologia da criança, a criança com ela mesma, por oposição à
comparação externa: da criança com o animal, com o patológico, com o primitivo, com o adulto.
É o método genético comparativo multidimensional.
Comparar para Wallon implica em verificar semelhanças e diferenças de um mesmo fenômeno:
Demais, comparar não é necessariamente identificar. Com frequência as dessemelhanças se prestam mais á análise que as simili-
tudes. E estas não implicam forçosamente processos sobreporíeis. Para efeitos análogos, para formas de ação ou de pensamento que
ofereçam o mesmo aspecto, pode haver causas e condições diversas (Wallon, 1979, p. 36).
Para estudar as origens do pensamento, Wallon recorre a uma pesquisa na escola de Boulogne-Billancourt, onde se encontravam
representados todos os elementos componentes da população da cidade, população sem operária e semi-burguesa. Ressalta ele ser
provável que, se a pesquisa fosse feita numa escola rural, por exemplo, o conteúdo de certas respostas teria sido diferente, como as
relativas às plantas e à cultura. Mas, ressalta ainda, seu propósito não foi estabelecer um inventário de conhecimentos ou de crenças,
mas de apreender o funcionamento do pensamento em seus primórdios na criança. Para fazê-lo, “o único modo de por à prova as ca-
pacidades de pensamento da criança é de questioná-la, de forma a obter explicações dela” (Wallon 1989, p.XI). Mas, sem colocá-las
em situação artificial, Wallon desenvolve um diálogo com as crianças (entre 5 anos e meio e 9 anos) levando-as habilmente a falar de
realidades de sua ambiência habitual, sem desprezar qualquer resposta. Surge, então, em
1945, “Les origines de la pensée”, estudo original e rigoroso sobre a inteligência teórica ou discursiva.
Desenvolvimental
As elaborações sobre a periodização do desenvolvimento nas obras de Wallon e de Vigotski e seu grupo seguiram caminhos dife-
rentes nas produções brasileiras. Enquanto a discussão sobre esta questão relacionada aos soviéticos é mínima – encontram-se poucas
produções dentre as quais se destacam a de Teixeira (2003), já citada, e de Facci (2004), esta temática é mais ressaltada nos autores
que discutem a obra de Wallon como pode ser observado em diversas publicações, entre elas Mahoney e Almeida (2000,2004, 2005).
Didatismo e Conhecimento 42
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Destaca-se que apesar das significativas diferenças entre as periodizações soviética e francesa, que serão observadas na apresen-
tação de cada uma dessas categorizações, há similaridades expressivas que devem ser apontadas, principalmente porque refletem a
utilização pelos dois grupos da mesma epistemologia.
Pode-se caracterizar cada período (ou estádio) para os autores, além do já apontado caráter ontológico sócio histórico, por uma
série de características e formações orgânicas e psíquicas idiossincráticas àqueles anos de vida e que são essenciais para o desenvol-
vimento do indivíduo. É importante ressaltar que este desenvolvimento está estritamente vinculado à apropriação pelos indivíduos
dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade.
Outro ponto a ser observado, cuja relação com a epistemologia marxiana é fundamental, é a elaboração de ambas as periodiza-
ções no movimento de contradição (ou crises e rupturas) e síntese, destacando momentos de alternância e estabilidade, sendo estes
momentos mais ou menos geradores de sofrimento para o indivíduo e para o grupo, dependendo do papel da educação neste processo.
Como aponta Leontiev (...) as crises não são absolutamente acompanhantes do desenvolvimento psíquico. Não são as crises que são
inevitáveis, mas o momento crítico, a ruptura, as mudanças qualitativas no desenvolvimento. A crise, pelo contrário, é a prova de que
um momento crítico ou uma mudança não se deu a tempo. Não ocorrerão crises se o desenvolvimento psíquico da criança não tomar
forma espontaneamente e, sim, se for um processo racionalmente controlado, uma criação controlada. (Leontiev, 1994).
No início dos anos 1930, Vigotski (1996) desenvolveu uma interessante periodização, na qual o autor russo buscou romper com
as periodizações biologizantes, assim como com aquelas que não tinham critérios de análise que fossem válidos e relevantes para
todas as idades. Nesta o autor propôs os seguintes períodos de estabilidade, lembrando desde já, e isso vale para toda a discussão
presente neste texto, que são datas de referência, que podem variar de sociedade para sociedade e de uma época para outra: a) de 2
meses a um ano; b) de 1 a 3 anos; c) de 3 a 7 anos; d) de 7 a 13 anos; de 13 a 17; e por fim de 17 em diante (idade adulta).
Estes períodos de estabilidade são intercalados por momentos de ruptura (mudanças) sendo as idades de crises, segundo Vigotski,
a pós-natal, um ano, três anos, sete, treze e dezessete anos. Cada momento de crise pode durar de alguns meses até um ano, assim
como pode não ser significativamente perceptível.
A particularidade de cada período está na mudança da situação social de desenvolvimento (Vygotski, 1996), ou como nomeado
por Leontiev (1995), mudança em sua atividade principal. A atividade principal é aquela que desempenha papel central na relação
indivíduo-realidade, orientando as principais mudanças no desenvolvimento do psiquismo e com a qual as demais atividades estão
relacionadas.
Elkonin (1987) e Davidov (1988) desenvolveram a discussão de Vigotski e Leontiev sistematizando e ampliando a discussão
sobre a periodização. Apontam que há três épocas no desenvolvimento, sendo elas: primeira infância (por volta de 0-6 anos), infân-
cia (por volta de 6-10 anos) e adolescência (por volta de 10-18 anos). O autor elaborou seis períodos, sendo eles aqui sucintamente
apresentados:
a) comunicação emocional direta (0-1a) – caracterizado pela relação direta adulto-bebê; b) atividade objetal-manipuladora (1a-
3a) – aos poucos o indivíduo começa a relacionar-se com a realidade de outra forma. A manipulação dos objetos da realidade passa a
ser o principal meio de conhecimento do mundo. Com o surgimento da fala, marcha, assim como do “eu” infantil, o indivíduo ganha
novas estratégias de apreender a realidade;
c) atividade de jogo (3a-6a) – o jogo é neste período a atividade principal. O desenvolvimento mais pleno da função simbólica e
da relação eu-outro são as principais formações psíquicas deste período, e estas são ao mesmo tempo um requisito para o jogo, assim
como são impulsionadas por este.
d) atividade de estudo (7a-10a) – a atividade escolar é a principal deste momento, pois é o principal meio para a apropriação
pelo indivíduo da realidade e formação do psiquismo. Há também um maior conhecimento dos motivos e necessidades individuais,
proporcionado pela maior capacidade de elaboração da realidade circundante e do próprio eu. Os processos psicológicos estão mais
bem formados (ganhos impulsionados pelo período anterior) e permitem ao indivíduo uma maior categorização (racionalização) do
mundo.
e) comunicação íntima pessoal ou também chamada atividade socialmente útil (10a- 15a) – a atividade de estudo ainda está
presente neste momento, mas novos elementos surgem na vida do indivíduo, sendo a mais relevante a mudança de sua relação com o
adulto. Os sujeitos neste período conseguem lidar com o mundo com maior responsabilidade e independência (formações propiciadas
pelo desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo), pois conseguem avaliar melhor a realidade e entender mais seus motivos
e necessidades assim como da sociedade. Outra característica é o aumento de atividades grupais, assim como mudanças fisiológicas
(sexuais) importantes.
f) atividade de estudo e profissional (15a-18a) – as atividades profissionais começam a tomar corpo e o estudar ganha novos
contornos (mudanças de motivos). Pode haver um aumento de interesse em questões relacionadas à ideologia e moral, seja no âmbito
macro nas relações com a sociedade, seja no micro, no que se refere às ações do indivíduo e do grupo de referência.
A utilização da categoria atividade (principal) como critério de referência é um aspecto a ser destacado neste processo, pois man-
tém a proposição vigotskiana de que o desenvolvimento é ontologicamente social, assim como ratifica a posição marxiana de que o
mediador entre o homem e a natureza e entre os homens é a atividade (trabalho).
Didatismo e Conhecimento 43
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
A educação ganha neste processo grande relevo, uma vez que o desenvolvimento do indivíduo está diretamente relacionado com
a apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade e esta é justamente uma das, se não a, principal função
da escola, a transmissão sistematizada de conhecimentos.
O processo educativo está diretamente envolvido também com a organização e orientação do desenvolvimento infantil, sistema-
tizando suas atividades tomando as leis do desenvolvimento infantil como referência e com o objetivo de impulsionar e dirigir o devir
dos sujeitos, permitindo a estes a construção da liberdade e universalidade.
A periodização walloniana, como já observado, tem pontos de intersecção com a soviética, assim como tem sua originalidade.
Wallon também ressalta que a idade não é o indicador principal de cada estágio; que cada estágio é um sistema completo em si mes-
mo, e as características propostas para cada um deles se expressam através de conteúdos determinados culturalmente. Da mesma
forma que o grupo soviético de Vigotski, Wallon afirma:
Efetivamente, as etapas seguidas pelo desenvolvimento da criança são marcadas, uma a uma, pela explosão de atividades que,
por algum tempo, parecem absorvê-la quase totalmente e das quais a criança não se cansa de tirar todos os efeitos possíveis. Elas
assinalam a sua evolução funcional e alguns dos seus traços poderiam ser consideradas como prova para descobrir e medir a ação
correspondente... (Wallon, 1995b).
Dado que o foco da teoria de desenvolvimento walloniana é a integração da criança como o meio, integração cognitiva-afetiva-
-motora, sua periodização vai levar em conta a predominância de um dos conjuntos funcionais (motor, afetivo, cognitivo) e da direção
(centrípeta – para o conhecimento de si ou centrífuga – para o conhecimento o mundo exterior). Tem-se então: Estágio impulsivo e
emocional (do nascimento há um ano): predominância do conjunto motor-afetivo, e da direção centrípeta; estágio sensório-motor
e projetivo (de 1 ano a 3 anos): predominância do conjunto cognitivo, e da direção centrífuga; estágio do personalismo (de 3 a 6 anos):
predominância do conjunto afetivo, e da direção centrípeta; estágio categorial (de 6 a 11 anos): predominância do conjunto cognitivo,
e da direção centrífuga; estágio da puberdade e adolescência (acima de 11 anos): predominância do conjunto afetivo, e da direção
centrípeta; adulto: equilíbrio entre os conjuntos afetivo e cognitivo e entre as direções centrífuga e centrípeta.
Na perspectiva walloniana, tal qual a de Vigotski e grupo, a educação e particularmente a escola, ganha papel de relevo, tanto
é que Wallon colocou suas ideias de psicólogo e de educador a serviço da reformulação do ensino francês, colaborando no Plano
Langevin-Wallon (1969), ao qual emprestou o nome por ter assumido a presidência da Comissão que o elaborou, após a morte de
Paul Langevin. A diretriz norteadora do projeto foi construir uma educação mais justa para uma sociedade mais justa, com base na
solidariedade.
A produção e a trajetória de Wallon apontam-no, e ele assim tem sido apresentado, como psicólogo da criança, do desenvolvi-
mento, da emoção e como educador. Mas ele pode ser apresentado também como psicólogo da educação pois, em suas pesquisas e
estudos, não havia um pensar psicológico que não desembocasse em atos pedagógicos e não havia um pensar pedagógico que dis-
pensasse o aporte psicológico.
Vigotski e Wallon, partindo de contextos culturais tão diversos oferecem conceitos e princípios valiosos para a reflexão sobre a
educação dos dias atuais. Despertam a esperança que eles conseguiram visualizar para a construção de uma sociedade que pudesse
superar o mundo conturbado em que viviam, e no qual vivemos. (Texto adaptado MAHONEY, A. A; ALMEIDA, L. R; ALMEIDA,
S. H.)
No início do século XX, as autoridades francesas solicitaram a Alfredo Binet que criasse um instrumento pelo qual se pudesse
prever quais as crianças que teriam sucesso nos liceus parisenses. O instrumento criado por Binet testava a habilidade das crianças
nas áreas verbal e lógica, já que os currículos acadêmicos dos liceus enfatizavam, sobretudo o desenvolvimento da linguagem e da
matemática. Este instrumento deu origem ao primeiro teste de inteligência, desenvolvido por Terman, na Universidade de Standford,
na Califórnia: o Standford-Binet Intelligence Scale.
Subsequentes testes de inteligência e a comunidade de psicometria tiveram enorme influência, durante este século, sobre a ideia
que se tem de inteligência, embora o próprio Binet (Binet & Simon, 1905 Apud Kornhaber & Gardner, 1989) tenha declarado que um
único número, derivado da performance de uma criança em um teste, não poderia retratar uma questão tão complexa quanto à inteli-
gência humana. Neste artigo, pretendo apresentar uma visão de inteligência que aprecia os processos mentais e o potencial humano
a partir do desempenho das pessoas em diferentes campos do saber.
As pesquisas mais recentes em desenvolvimento cognitivo e neuropsicologia sugerem que as habilidades cognitivas são bem
mais diferenciadas e mais específicas do que se acreditava (Gardner, I985). Neurologistas têm documentado que o sistema nervoso
humano não é um órgão com propósito único nem tão pouco é infinitamente plástico. Acredita-se, hoje, que o sistema nervoso seja
altamente diferenciado e que diferentes centros neurais processem diferentes tipos de informação (Gardner, 1987).
Didatismo e Conhecimento 44
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Hervard, baseou-se nestas pesquisas para questionar a tradicional visão da inte-
ligência, uma visão que enfatiza as habilidades linguística e lógico-matemática. Segundo Gardner, todos os indivíduos normais são
capazes de uma atuação em pelo menos sete diferentes e, até certo ponto, independentes áreas intelectuais. Ele sugere que não exis-
tem habilidades gerais, duvida da possibilidade de se medir a inteligência através de testes de papel e lápis e dá grande importância a
diferentes atuações valorizadas em culturas diversas. Finalmente, ele define inteligência como a habilidade para resolver problemas
ou criar produtos que sejam significativos em um ou mais ambientes culturais.
A teoria
A Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner (1985) é uma alternativa para o conceito de inteligência como uma
capacidade inata, geral e única, que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação. Sua
insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência, que focalizam sobretudo as habilidades importantes para o
sucesso escolar, levou Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. Através da
avaliação das atuações de diferentes profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de
soluções, culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo
para eventualmente chegar às inteligências que deram origem a tais realizações. Na sua pesquisa, Gardner estudou também: (a) o
desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças normais e crianças superdotadas; (b) adultos com lesões cerebrais e como
estes não perdem a intensidade de sua produção intelectual, mas sim uma ou algumas habilidades, sem que outras habilidades sejam
sequer atingidas; (c) populações ditas excepcionais, tais como idiot-savants e autistas, e como os primeiros podem dispor de apenas
uma competência, sendo bastante incapazes nas demais funções cerebrais, enquanto as crianças autistas apresentam ausências nas
suas habilidades intelectuais; (d) como se deu o desenvolvimento cognitivo através dos milênios.
Psicólogo construtivista muito influenciado por Piaget, Gardner distingue-se de seu colega de Genebra na medida em que Piaget
acreditava que todos os aspectos da simbolização partem de uma mesma função semiótica, enquanto que ele acredita que processos
psicológicos independentes são empregados quando o indivíduo lida com símbolos linguísticos, numéricos gestuais ou outros. Se-
gundo Gardner uma criança pode ter um desempenho precoce em uma área (o que Piaget chamaria de pensamento formal) e estar na
média ou mesmo abaixo da média em outra (o equivalente, por exemplo, ao estágio sensório-motor). Gardner descreve o desenvolvi-
mento cognitivo como uma capacidade cada vez maior de entender e expressar significado em vários sistemas simbólicos utilizados
num contexto cultural, e sugere que não há uma ligação necessária entre a capacidade ou estágio de desenvolvimento em uma área
de desempenho e capacidades ou estágios em outras áreas ou domínios (Malkus e col., 1988). Num plano de análise psicológico,
afirma Gardner (1982), cada área ou domínio tem seu sistema simbólico próprio; num plano sociológico de estudo, cada domínio se
caracteriza pelo desenvolvimento de competências valorizadas em culturas específicas.
Gardner sugere, ainda, que as habilidades humanas não são organizadas de forma horizontal; ele propõe que se pense nessas
habilidades como organizadas verticalmente, e que, ao invés de haver uma faculdade mental geral, como a memória, talvez existam
formas independentes de percepção, memória e aprendizado, em cada área ou domínio, com possíveis semelhanças entre as áreas,
mas não necessariamente uma relação direta.
As inteligências múltiplas
Gardner identificou as inteligências linguística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésica, interpessoal e intrapessoal.
Postula que essas competências intelectuais são relativamente independentes, têm sua origem e limites genéticos próprios e subs-
tratos neuroanatômicos específicos e dispõem de processos cognitivos próprios. Segundo ele, os seres humanos dispõem de graus
variados de cada uma das inteligências e maneiras diferentes com que elas se combinam e organizam e se utilizam dessas capacidades
intelectuais para resolver problemas e criar produtos. Gardner ressalta que, embora estas inteligências sejam, até certo ponto, inde-
pendentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente. Embora algumas ocupações exemplifiquem uma inteligência, na
maioria dos casos as ocupações ilustram bem a necessidade de uma combinação de inteligências. Por exemplo, um cirurgião neces-
sita da acuidade da inteligência espacial combinada com a destreza da cinestésica.
- Inteligência linguística - Os componentes centrais da inteligência linguística são uma sensibilidade para os sons, ritmos e sig-
nificados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem
para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Gardner indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos
poetas. Em crianças, esta habilidade se manifesta através da capacidade para contar histórias originais ou para relatar, com precisão,
experiências vividas.
- Inteligência musical - Esta inteligência se manifesta através de uma habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça
musical. Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habi-
lidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena com habilidade musical especial percebe desde cedo diferentes sons
no seu ambiente e, frequentemente, canta para si mesma.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
- Inteligência lógico-matemática - Os componentes centrais desta inteligência são descritos por Gardner como uma sensibilidade
para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através da manipulação de objetos
ou símbolos, e para experimentar de forma controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas
e resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e cientistas Gardner, porém, explica que, embora o talento científico e o
talento matemático possam estar presentes num mesmo indivíduo, os motivos que movem as ações dos cientistas e dos matemáticos
não são os mesmos. Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os cientistas pretendem explicar a na-
tureza. A criança com especial aptidão nesta inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e para criar
notações práticas de seu raciocínio.
- Inteligência espacial - Gardner descreve a inteligência espacial como a capacidade para perceber o mundo visual e espacial de
forma precisa. É a habilidade para manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilí-
brio e composição, numa representação visual ou espacial.
É a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em crianças pequenas, o potencial especial nessa inteli-
gência é percebido através da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais.
- Inteligência cinestésica - Esta inteligência se refere à habilidade para resolver problemas ou criar produtos através do uso de
parte ou de todo o corpo. É a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas no controle
dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza. A criança especialmente dotada na inteligência cinestésica se
move com graça e expressão a partir de estímulos musicais ou verbais demonstra uma grande habilidade atlética ou uma coordenação
fina apurada.
- Inteligência interpessoal - Esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade pare entender e responder adequadamente
a humores, temperamentos motivações e desejos de outras pessoas. Ela é melhor apreciada na observação de psicoterapeutas, pro-
fessores, políticos e vendedores bem sucedidos. Na sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal se manifesta em crianças
pequenas como a habilidade para distinguir pessoas, e na sua forma mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e
desejos de outras pessoas e para reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Crianças especialmente dotadas demonstram muito
cedo uma habilidade para liderar outras crianças, uma vez que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos de outros.
- Inteligência intrapessoal - Esta inteligência é o correlativo interno da inteligência interpessoal, isto é, a habilidade para ter
acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o re-
conhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios, a capacidade para formular uma imagem precisa de si
próprio e a habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas, ela
só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou
cinestésicas.
Na sua teoria, Gardner propõe que todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e procurar respostas usando
todas as inteligências. Todos os indivíduos possuem, como parte de sua bagagem genética, certas habilidades básicas em todas as in-
teligências. A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no entanto, será determinada tanto por fatores genéticos e neurobiológi-
cos quanto por condições ambientais. Ele propõe, ainda, que cada uma destas inteligências tem sua forma própria de pensamento, ou
de processamento de informações, além de seu sistema simbólico. Estes sistemas simbólicos estabelecem o contato entre os aspectos
básicos da cognição e a variedade de papéis e funções culturais.
A noção de cultura é básica para a Teoria das Inteligências Múltiplas. Com a sua definição de inteligência como a habilidade para
resolver problemas ou criar produtos que são significativos em um ou mais ambientes culturais, Gardner sugere que alguns talentos só
se desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente. Ele afirma que cada cultura valoriza certos talentos, que devem ser dominados
por uma quantidade de indivíduos e, depois, passados para a geração seguinte.
Segundo Gardner, cada domínio, ou inteligência, pode ser visto em termos de uma sequência de estágios: enquanto todos os
indivíduos normais possuem os estágios mais básicos em todas as inteligências, os estágios mais sofisticados dependem de maior
trabalho ou aprendizado.
A sequência de estágios se inicia com o que Gardner chama de habilidade de padrão cru. O aparecimento da competência sim-
bólica é visto em bebês quando eles começam a perceber o mundo ao seu redor. Nesta fase, os bebês apresentam capacidade de
processar diferentes informações. Eles já possuem, no entanto, o potencial para desenvolver sistemas de símbolos, ou simbólicos.
O segundo estágio, de simbolizações básicas, ocorre aproximadamente dos dois aos cinco anos de idade. Neste estágio as inteli-
gências se revelam através dos sistemas simbólicos. Aqui, a criança demonstra sua habilidade em cada inteligência através da com-
preensão e uso de símbolos: a música através de sons, a linguagem através de conversas ou histórias, a inteligência espacial através
de desenhos etc.
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
No estágio seguinte, a criança, depois de ter adquirido alguma competência no uso das simbolizações básicas, prossegue para ad-
quirir níveis mais altos de destreza em domínios valorizados em sua cultura. À medida que as crianças progridem na sua compreensão
dos sistemas simbólicos, elas aprendem os sistemas que Gardner chama de sistemas de segunda ordem, ou seja, a grafia dos sistemas
(a escrita, os símbolos matemáticos, a música escrita etc.). Nesta fase, os vários aspectos da cultura têm impacto considerável sobre o
desenvolvimento da criança, uma vez que ela aprimorará os sistemas simbólicos que demonstrem ter maior eficácia no desempenho
de atividades valorizadas pelo grupo cultural. Assim, uma cultura que valoriza a música terá um maior número de pessoas que atin-
girão uma produção musical de alto nível.
Finalmente, durante a adolescência e a idade adulta, as inteligências se revelam através de ocupações vocacionais ou não voca-
cionais. Nesta fase, o indivíduo adota um campo específico e focalizado, e se realiza em papéis que são significativos em sua cultura.
As implicações da teoria de Gardner para a educação são claras quando se analisa a importância dada às diversas formas de
pensamento, aos estágios de desenvolvimento das várias inteligências e à relação existente entre estes estágios, a aquisição de co-
nhecimento e a cultura.
A teoria de Gardner apresenta alternativas para algumas práticas educacionais atuais, oferecendo uma base para: (a) o desenvol-
vimento de avaliações que sejam adequadas às diversas habilidades humanas (Gardner & Hatch, 1989; Blythe Gardner, 1 990) (b)
uma educação centrada na criança c com currículos específicos para cada área do saber (Konhaber & Gardner, 1989); Blythe & Gard-
ner, 1390) (c) um ambiente educacional mais amplo e variado, e que dependa menos do desenvolvimento exclusivo da linguagem e
da lógica (Walters & Gardner, 1985; Blythe & Gardner, 1990)
Quanto à avaliação, Gardner faz uma distinção entre avaliação e testagem. A avaliação, segundo ele, favorece métodos de levan-
tamento de informações durante atividades do dia-a-dia, enquanto que testagens geralmente acontecem fora do ambiente conhecido
do indivíduo sendo testado. Segundo Gardner, é importante que se tire o maior proveito das habilidades individuais, auxiliando os
estudantes a desenvolver suas capacidades intelectuais, e, para tanto, ao invés de usar a avaliação apenas como uma maneira de
classificar, aprovar ou reprovar os alunos, esta deve ser usada para informar o aluno sobre a sua capacidade e informar o professor
sobre o quanto está sendo aprendido.
Gardner sugere que a avaliação deve fazer jus à inteligência, isto é, deve dar crédito ao conteúdo da inteligência em teste. Se
cada inteligência tem certo número de processos específicos, esses processos têm que ser medidos com instrumento que permitam
ver a inteligência em questão em funcionamento. Para Gardner, a avaliação deve ser ainda ecologicamente válida, isto é, ela deve
ser feita em ambientes conhecidos e deve utilizar materiais conhecidos das crianças sendo avaliadas. Este autor também enfatiza a
necessidade de avaliar as diferentes inteligências em termos de suas manifestações culturais e ocupações adultas específicas. Assim,
a habilidade verbal, mesmo na pré-escola, ao invés de ser medida através de testes de vocabulário, definições ou semelhanças, deve
ser avaliada em manifestações tais como a habilidade para contar histórias ou relatar acontecimentos. Ao invés de tentar avaliar a ha-
bilidade espacial isoladamente, deve-se observar as crianças durante uma atividade de desenho ou enquanto montam ou desmontam
objetos. Finalmente, ele propõe a avaliação, ao invés de ser um produto do processo educativo, seja parte do processo educativo, e
do currículo, informando a todo o momento de que maneira o currículo deve se desenvolver.
No que se refere à educação centrada na criança, Gardner levanta dois pontos importantes que sugerem a necessidade da indi-
vidualização. O primeiro diz respeito ao fato de que, se os indivíduos têm perfis cognitivos tão diferentes uns dos outros, as escolas
deveriam, ao invés de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir que cada um recebesse a educação que favorecesse o seu
potencial individual. O segundo ponto levantado por Gardner é igualmente importante: enquanto na Idade Média um indivíduo podia
pretender tomar posse de todo o saber universal, hoje em dia essa tarefa é totalmente impossível, sendo mesmo bastante difícil o
domínio de um só campo do saber.
Assim, se há a necessidade de se limitar a ênfase e a variedade de conteúdos, que essa limitação seja da escolha de cada um,
favorecendo o perfil intelectual individual.
Quanto ao ambiente educacional, Gardner chama a atenção pare o fato de que, embora as escolas declarem que preparam seus
alunos pare a vida, a vida certamente não se limita apenas a raciocínios verbais e lógicos. Ele propõe que as escolas favoreçam o co-
nhecimento de diversas disciplinas básicas; que encorajem seus alunos a utilizar esse conhecimento para resolver problemas e efetuar
tarefas que estejam relacionadas com a vida na comunidade a que pertencem; e que favoreçam o desenvolvimento de combinações
intelectuais individuais, a partir da avaliação regular do potencial de cada um. (Texto adaptado de GAMA, M. C. S. S.).
Didatismo e Conhecimento 47
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A Psicologia do Desenvolvimento como ramo da ciência psicológica constitui-se no estado sistemático da personalidade huma-
na, desde a formação do indivíduo, no ato da fecundação até o estágio terminal da vida, ou seja, a velhice.
Como ciência comportamental, a psicologia do desenvolvimento ocupa-se de todos os aspectos do desenvolvimento e estuda
homem como um todo, e não como segmentos isolados de dada realidade biopsicológica. De modo integrado, portanto, a psicologia
do desenvolvimento estuda os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e morais da evolução da personalidade, bem como os fatores
determinantes de todos esses aspectos do comportamento do indivíduo.
Como área de especialização no campo das ciências comportamentais, argumenta Charles Woorth (1972), a psicologia do desen-
volvimento se encarrega de salientar o fato de que o comportamento ocorre num contexto histórico, isto é, ela procura demonstrar a
integração entre fatores passados e presentes, entre disposições hereditárias incorporadas às estruturas e funções neurofisiológicas, as
experiências de aprendizagem do organismo e os estímulos atuais que condicionam e determinam seu comportamento.
Muitos autores usam indiferentemente as palavras desenvolvimento e crescimento. Entre estes encontram-se Mouly (1979) e
Sawrey e Telford (1971). Outros, porém, como Rosa, Nerval (1985) e Bee (1984-1986), preferem designar como crescimento as
mudanças em tamanho, e como desenvolvimento as mudanças em complexidade, ou o plano geral das mudanças do organismo como
um todo.
Mussen (1979), associa a palavra desenvolvimento a mudanças resultantes de influências ambientais ou de aprendizagem, e o
crescimento às modificações que dependem da maturação.
Diante dos estudos e leituras realizados, torna-se evidente e necessário o estabelecimento de uma diferenciação conceitual desses
termos, vez que, constantemente encontramos os estudiosos dessa área referindo-se a outro termo, de acordo com a situação focali-
zada. Desta forma, preferimos conceituar o crescimento como sendo o processo responsável pelas mudanças em tamanho e sujeito às
modificações que dependem da maturação, e o desenvolvimento como as mudanças em complexidade ou o plano geral das mudanças
do organismo como um todo, e que sofrem, além da influência do processo maturacional, a ação maciça das influências ambientais,
ou da aprendizagem (experiência, treino).
Através da representação gráfica, que se segue, ilustramos o conceito de crescimento e desenvolvimento, evidenciando a interve-
niência dos fatores que o determinam: Hereditariedade, meio ou ambiente, maturação e aprendizagem (experiência, treino).
processo de desenvolvimento
A controvérsia hereditariedade e meio como influências geradoras e propulsoras do desenvolvimento humano tem ocupado,
através dos anos, lugar de relevância no contexto geral da psicologia do desenvolvimento.
A princípio, o problema foi estudado mais do ponto de vista filosófico, salientando-se, de um lado, teorias nativistas, como a de
Rousseau, que advogava a existência de ideias inatas, e, de outro lado, as teorias baseadas no empirismo de Locke, segundo o qual
todo conhecimento da realidade objetiva resulta da experiência, através dos órgãos sensoriais, dando, assim, mais ênfase aos fatores
do meio.
Didatismo e Conhecimento 48
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Particularmente, no contexto da psicologia do desenvolvimento, o problema da hereditariedade e do meio tem aparecido em
relação a vários tópicos. Por exemplo, no estudo dos processos perceptivos, os psicólogos da Gestalt advogaram que os fatores
genéticos são mais importantes à percepção do que os fatores do meio. Por outro lado, cientistas como Hebb (1949) defendem a
posição empirista, segundo a qual os fatores da aprendizagem são de essencial importância ao processo perceptivo. Na área de estudo
da personalidade encontramos teorias constitucionais como as de Kretschmer e Sheldon que advogam a existência de fatores inatos
determinantes do comportamento do indivíduo, enquanto outros, como Bandura, em sua teoria da aprendizagem social, afirmam que
os fatores de meio é que, de fato, modelam a personalidade humana. Na pesquisa sobre o desenvolvimento verbal, alguns psicólogos
como Gesell e Thompson (1941) se preocupam mais com o processo da maturação como fato biológico, enquanto outros se preocu-
pam, mais, com o processo de aprendizagem, como é o caso de Gagné (1977), Deese e Hulse (1967) e tantos outros. Com relação ao
estudo da inteligência, o problema é o mesmo: uns dão maior ênfase aos fatores genéticos, como é o caso de Jensen (1969), enquanto
outros salientam mais os fatores do meio, como o faz Kagan (1969).
Em 1958, surgiu uma proposta de solução à questão, por Anne Anastasi, que publicou um artigo no Psychological Review, sobre
o problema da hereditariedade e meio na determinação do comportamento humano.
O trabalho de Anastasi lançou considerável luz sobre o problema, tanto do ponto de vista teórico como nos seus aspectos meto-
dológicos. Isso não significa que o problema tenha sido resolvido mas, pelo menos, ajudou os estudiosos a formularem a pergunta
adequada pois, como se sabe, fazer a pergunta certa é fundamental a qualquer pesquisa científica relevante.
Faremos, a seguir, uma breve exposição da solução proposta por Anne Anastasi (1958), contando com o auxílio de outras fontes
de informação.
A discussão do problema hereditariedade versus meio encontra-se, hoje, num estágio em que ordinariamente se admite que tanto
os fatores hereditários como os fatores do meio são importantes na determinação do comportamento do indivíduo. A herança genética
representa o potencial hereditário do organismo que poderá ser desenvolvido dependendo do processo de interação com o meio, mas
que determina os limites da ação deste.
Anastasi afirmou que mesmo reconhecendo que determinado traço de personalidade resulte da influência conjunta de fatores
hereditários e mesológicos, uma diferença específica nesse traço entre indivíduos ou entre grupos pode resultar de um dos fatores
apenas, seja o genético seja o ambiente. Determinar exatamente qual dos dois ocasiona tal diferença ainda é um problema na meto-
dologia da pesquisa.
Segundo Anastasi, a pergunta a ser feita, hoje, não mais deve ser qual o fator mais importante para o desenvolvimento, ou quanto
pode ser atribuído à hereditariedade e quanto pode ser atribuído ao meio, mas como cada um desses fatores opera em cada circuns-
tância. É, pois, portanto, mais preocupada com a questão de como os fatores hereditários e ambientais interagem do que propriamente
com o problema de qual deles é o mais importante, ou de quanto entra de cada um na composição do comportamento do indivíduo.
Anastasi procurou demonstrar que os mecanismos de interação variam de acordo com as diferentes condições e, com respeito aos
fatores hereditários, ela usa vários exemplos ilustrativos desse processo interativo.
O primeiro exemplo é o da oligofrenia fenilpirúvica e a idiotia amurótica. Em ambos os casos o desenvolvimento intelectual do
indivíduo será prejudicado como resultado de desordens metabólicos hereditárias. Até onde se sabe, não há qualquer fator ambiental
que possa contrabalançar essa deficiência genética. Portanto, o indivíduo que sofreu essa desordem metabólica no seu processo de
formação será mentalmente retardado, por mais rico e estimulante que seja o meio em que viva.
A partir do patrimônio hereditário e tendo, do outro lado, o meio para complementar o processo de desenvolvimento, temos dois
processos fundamentais: o da MATURAÇÃO e o da APRENDIZAGEM ou EXPERIÊNCIA.
Segundo Schneirla (1957), o desenvolvimento se refere a mudanças progressivas na organização de um organismo. Este, por
sua vez, é encarado como um sistema funcional e adaptativo através de toda a vida. Portanto, desenvolvimento implica em mudança
progressiva num sistema vivo, individual, funcional e adaptativo. Nessa mudança progressiva do desenvolvimento há dois fatores
gerais de alta complexidade e de grande importância - maturação e experiência.
Maturação significa crescimento e diferenciação dos sistemas físicos e fisiológicos do organismo. Crescimento se refere a mu-
danças resultantes de acréscimo de tecidos. É portanto, de natureza quantitativa. Diferenciação se refere a mudanças nos aspectos
estruturais dos tecidos. Um exemplo típico de diferenciação seria o caso do embrião, que em determinada fase de seu desenvolvi-
mento é dividido em três camadas ou folhetos - o mesoderma, o endoderma e o ectoderma - dos quais se originam os vários órgãos
e sistemas do corpo.
Maturação, portanto, se refere a mudanças que ocorrem no organismo como resultado de crescimento e diferenciação de seus
tecidos e órgãos.
Para elucidar, mais um pouco, a questão, faremos as seguintes colocações;
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- O crescimento refere-se a alguns tipos de mudanças, passo a passo em quantidade, como por exemplo, em tamanho. Falamos
do crescimento do vocabulário da criança ou do crescimento do seu corpo. Tais mudanças em quantidade podem ser em função da
maturação, mas não necessariamente. O corpo de uma criança pode mudar de tamanho porque sua alimentação mudou, o que é efeito
externo, ou porque seus músculos e ossos cresceram, o que é, provavelmente, um efeito maturacional.
Note-se, entretanto, que a maturação não ocorre à revelia da contribuição do meio. Segundo Schneirla, o processo maturacional
deve, sempre, ocorrer no contexto de um ambiente favorável. Visto que existe essa interdependência, a direção exata que a maturação
tomará será afetada por aquilo que acontece no contexto em que vive o organismo.
- Experiência se refere a todas as influências que agem sobre o organismo através de sua vida. A experiência pode afetar o or-
ganismo em qualquer fase de sua ontogênese. Há experiência com ações químicas, ou enfermidades, que podem afetá-lo na vida
intrauterina, e há outras que podem afetá-lo depois do nascimento. Quer se trate, por tanto, de experiência endógena ou exógena, ela
constitui, sempre, um dos fatore s de interação que deter minam o desenvolvimento.
Maturação e experiência, portanto, interagem no processo do desenvolvimento, e isso se dá de modo específico. Há experiên-
cias, por exemplo, que produzem o que Schneirla chamou de efeitos de traços, que são mudanças orgânicas que, por sua vez, afetam
experiências futuras. Isto é, há experiências que produzem mudanças no organismo, e estas mudanças determinam o modo como
experiências futuras afetarão o organismo. Exemplo, se uma criança passa por uma experiência que a incapacita para atividades
esportivas, um programa de educação física a afetará de modo diferente do que afetaria sem tal experiência traumática - exemplificar
dentro do nosso sujeito.
Acontece, porém, que os efeitos que determinada experiência pode causar são limitadas pelo nível de maturação do organismo.
A mesma experiência poderá produzir diferentes efeitos, dependendo do nível de maturação do organismo. Aparentemente, não será
de grande proveito submeter o organismo a um processo de aprendizagem para o qual ele não tenha um mínimo de condições em
termos de seu processo maturacional. Por outro lado, entretanto, a experiência impõe limites à maturação. O crescimento e diferen-
ciação do processo maturacional não ocorrerão sem os efeitos facilitadores da experiência. Portanto, maturação e experiência devem
interagir para que o desenvolvimento possa ocorrer.
Passamos a ilustrar, com exemplos, situações práticas, através das quais venha a ser evidenciada a questão da maturação versus
aprendizagem/experiência. É necessário que compreendamos que o desenvolvimento determinado pela maturação ocorre, na sua
forma pura, independentemente da prática ou tratamento, pois as sequências maturacionais são poderosas. Você não precisa praticar
o crescimento dos pelos pubianos, não precisou que lhes ensinassem como andar. Mas essas mudanças não ocorrem no vácuo. A
criança amadurece num ambiente específico, e mesmo tais padrões maturacionais poderosos podem ser perturbados pela privação
ou por acidentes.
Uma criança que não come o suficiente pode andar depois que outra que recebeu uma boa dieta. Durante o desenvolvimento pré-
-natal a sequência de mudanças pode ser perturbada por coisas, como por exemplo, doenças na mãe. Mesmo as mudanças físicas na
puberdade podem ser alteradas em circunstâncias extremas, particularmente pela desnutrição. Por exemplo, meninas severamente
subnutridas não menstruam. Dennis (1960), observou o desenvolvimento físico de crianças criadas em orfanato no Irã, durante os
anos 50. Em um dos orfanatos, as crianças eram colocadas em seus berços deitadas de costas, sobre colchões que já estavam tão
afundados que se tornava extremamente difícil para os bebês rolarem, ou virarem.
Na medida em que eles raramente ficavam deitados de barriga para baixo, tinham poucas oportunidades para praticar os mo-
vimentos que compõem os primeiros estágios da sequência que leva ao engatinhar e andar. Em função disso, muitos bebês não
engatinhavam. Ao invés disso, eles conseguiram se movimentar “patinando”, uma forma de locomoção na qual a criança senta e
impulsiona- se para frente através de um movimento de flexionar e esticar as pernas. Todas as crianças acabavam andando, mas os
“patinadores” eram muito atrasados, e sua sequência de movimentos pré-marcha estava alterada. Portanto, embora as sequências
maturacionais sejam poderosas, elas são afetadas pelo tipo de estimulação disponível para a criança.
Com referência às influências ambientais, tem havido grande quantidade de pesquisas de psicologia do desenvolvimento sobre
os efeitos de influências ambientais, como a pobreza ou classe social. Estas pesquisas e estudos equivalentes sobre os efeitos dos
padrões familiares, dieta ou diferenças étnicas envolvem, basicamente, a comparação de grupos que tenham sofrido experiências
bastante diferentes. As questões básicas respondidas são perguntas do tipo o que mais, do que, por que. Qual é o efeito da pobreza
sobre o desenvolvimento da linguagem ou crescimento físico da criança?
O que acontece com o conceito de gênero da criança se ela não tem o pai ou a mãe em casa? Podemos descobrir, por exemplo,
que as crianças criadas em famílias pobres conhecem um número menor de palavras que as crianças em famílias financeiramente
mais seguras. Mas, por quê? Esta pergunta “por que” nos leva, inevitavelmente, ao exame mais detalhado dos ambiente desses dois
tipos de crianças. Quem conversa com a criança? Com que frequência? Que tipos de palavras são usados? Quando abordamos per-
guntas como essas saímos dos efeitos ambientais amplos e caímos no campo das experiências individuais específicas. Na verdade,
os dois aspectos do desenvolvimento, maturação e aprendizagem, são tão intimamente ligados que não é possível isolar a influência
de um e de outro. A pessoa baixa pode sê- lo devido a uma tendência hereditária, ou devido a uma doença que impediu o seu cres-
cimento. A capacidade herdada não pode desenvolver-se num vácuo, nem pode ser medida a não ser através do estado atual de de-
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
senvolvimento, e este, naturalmente, resulta em parte da aprendizagem. Se uma pessoa se comporta de maneira não-inteligente, não
existe forma infalível de saber se tal comportamento resulta de limitações herdadas ou de limitações de seu ambiente na estimulação
do crescimento. Apenas no caso em que podemos, com razoável certeza, eliminar as possibilidades de insuficiente oportunidade para
aprender, podemos considerar o comportamento inadequado como indicador de deficiências herdadas. Dessa maneira, se alguém
parece estúpido em um problema de cálculo adiantado, isso pode ou não implicar falta de inteligência, o que depende da experiência
do indivíduo nesse campo; ao contrário, a incapacidade para compreender relações entre ideias comuns pode ser interpretada, com
mais segurança, como resultado de insuficiência mental.
Segundo Samuel Pfromm Neto (1976), pode-se inferir a atuação de dois processos básicos no desenvolvimento: a maturação e a
aprendizagem. A maturação, responsável pela diferenciação ou desenvolvimento de traços potencialmente presentes no indivíduo,
ocorre independentemente da experiência. Frank (1963), entretanto, assinala que “mais do que a emergência de padrões não aprendi-
dos, a noção de maturação implica na reorganização e recombinação da sequência total de funções e comportamentos anteriormente
padronizados, possibilitando a emergência de novos padrões essenciais ao desenvolvimento humano. De tal processo resultam as
mudanças ordenadas no comportamento, que se dão de modo universal e ocorrem, mais ou menos na mesma época, em todos os in-
divíduos. A aprendizagem refere-se a mudanças no comportamento e nas características físicas do indivíduo que implicam em treino,
exercício e, por vezes, em esforço consciente, deliberado, do próprio indivíduo. É de particular importância, em se tratando de seres
humanos, a aprendizagem que ocorre em situação social.
Embora a maturação possa ser tratada separadamente da aprendizagem, numa exposição teórica sobre o desenvolvimento hu-
mano não é fácil fazer tal separação na prática. Quase todos os comportamentos resultantes de maturação sofrem a influência da
aprendizagem e os dois processos se apresentam de tal modo inter-relacionados que raramente é possível distinguir o primeiro do
segundo. No desenvolvimento da linguagem da criança, por exemplo, a maturação de estruturas e funções envolvidas na produção
e reconhecimento de sons interage estreitamente com a aprendizagem de um idioma específico. A maturação, na verdade, fornece as
mesmas bases para a aprendizagem de quaisquer idiomas.
O desenvolvimento psicossexual do adolescente, segundo Samuel Pfromm Neto, serve, também, para ilustrar a interação acima
referida. Não basta a maturação sexual ligada às transformações pubertárias para garantir a efetivação do comportamento sexual.
Um complexo de aprendizagens sociais-sexuais deve ter lugar, antes que o jovem possa ser considerado seguro, bem ajustado e bem
aceito em suas relações com o sexo.
Não obstante a dificuldade de diferenciar, na prática, as influências da maturação e da aprendizagem, numerosas pesquisas reali-
zadas com êxito, com animais e seres humanos, permitiram melhor conhecimento das relações entre os dois processo. Eis algumas
generalizações, derivadas de tais pesquisas:
a) As habilidades alicerçadas de modo mais direto sobre padrões de desenvolvimento do comportamento que resulta de ma-
turação são mais facilmente aprendidas (por exemplo, a aprendizagem universal de pa-pa e ma-ma, palavras que se ajustam mais
facilmente ao balbucio natural da criancinha).
b) Quanto mais amadurecido o organismo, tanto menor treino é necessário para atingir um determinado nível de proficiência.
c) A aprendizagem ou treino antes da maturação pode resultar em melhoria nula ou apenas temporária.
d) Quando o treino prematuro é frustrado, seus efeitos podem ser prejudiciais (Hitgard -1962).
O desenvolvimento é um processo contínuo que começa com a vida, isto é, na concepção, e a acompanha, sendo agente de mo-
dificações e aquisições.
A sequência do desenvolvimento no período pré-natal, isto é, antes do nascimento, é fixa e invariável. A cabeça, os olhos, o
tronco, os braços, as pernas, os órgãos genitais e os órgãos internos desenvolvem-se na mesma ordem, e aproximadamente nas mes-
mas idades pré-natais em todos os fatos.
Embora os processos subjacentes ao crescimento sejam muito complexos, tanto antes quanto após o nascimento, o desenvolvi-
mento humano ocorre de acordo com certo número de princípios gerais, os quais veremos a seguir.
Primeiro: O crescimento e as mudanças no comportamento são ordenados e, na maior parte das vezes, ocorrem em sequências
invariáveis. Todos os fetos podem mover a cabeça antes de poderem abrir as mãos. Após o nascimento, há padrões definidos de cres-
cimento físico e de aumentos nas capacidades motoras e cognitivas. Toda criança consegue sentar-se antes de ficar de pé, fica de pé
antes de andar e desenha um círculo antes de poder desenhar um quadrado. Todos os bebês passam pela mesma sequência de estágios
no desenvolvimento da fala: balbuciam antes de falar, pronunciam certos sons antes de outros e formam sentenças simples antes de
pronunciar sentenças complexas. Certas capacidades cognitivas precedem outras, invariavelmente. Todas as crianças podem classi-
ficar objetos ou colocá-los em série, levando em consideração o tamanho, antes de poder pensar logicamente, ou formular hipóteses.
A natureza ordenada do desenvolvimento físico e motor inicial está ilustrada pelas tendências “direcionais”. Uma dessas tendên-
cias é chamada cefalocaudal ou da cabeça aos pés, isto é, a direção do desenvolvimento de qualquer forma e função vai da cabeça
para os pés. Por exemplo, os “botões” dos braços do feto surgem antes dos “botões” das pernas, e a cabeça já está bem desenvolvida
antes que as pernas estejam bem formadas.
Didatismo e Conhecimento 51
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No instante, a fixação visual e a coordenação olho-mão estão desenvolvidas muito antes que os braços e as mãos possam ser
usadas com eficiência para tentar alcançar e agarrar objetos. A direção seguinte do desenvolvimento é chamada próximo-distal, ou de
dentro para fora. Isso significa que as partes centrais do corpo amadurecem mais cedo e se tornam funcionais antes das partes que se
situam na periferia. Movimentos eficientes do braço e antebraço precedem os movimentos dos pulsos, mãos e dedos. O braço e a coxa
são controlados voluntariamente antes do antebraço, da perna, das mãos e dos pés. Os primeiros atos do infante são difusos grosseiros
e indiferenciados, envolvendo o corpo todo ou grandes segmentos do mesmo. Pouco a pouco, no entanto, esses movimentos são subs-
tituídos por outros, mais refinados, diferenciados e precisos - uma tendência evolutiva do maciço para o específico dos grandes para
os pequenos músculos. As tentativas iniciais do bebê para agarrar um cubo, por exemplo, são muito desajeitadas quando comparadas
aos movimentos refinados do polegar e do indicador que ele poderá executar alguns meses depois. Seus primeiros passos no andar
são indecisos e implicam movimentos excessivos. No entanto, pouco a pouco, começa a andar de modo mais gracioso e preciso.
Segundo: O desenvolvimento é padronizado e contínuo mas nem sempre uniforme e gradual. Há períodos de crescimento físico
muito rápido - nos chamados surtos do crescimento - e de incrementos extraordinários nas capacidades psicológicas. Por exemplo,
a altura do bebê e seu peso aumentam enormemente durante o primeiro ano, e os pré-adolescentes e adolescentes também crescem
de modo extremamente rápido. Os órgãos genitais desenvolve-se muito lentamente durante a infância, mas de modo muito rápido
durante a adolescência. Durante o período pré-escolar, ocorrem rápidos aumentos no vocabulário e nas habilidades motoras e, por
volta da adolescência, a capacidade individual para resolver problemas lógicos apresenta um progresso notável.
Terceiro: Interações complexas entre a hereditariedade, isto é, fatores genéticos, e o ambiente (a experiência) regulam o curso
do desenvolvimento humano. É, portanto, extremamente difícil distinguir os efeitos dos dois conjuntos de determinantes sobre ca-
racterísticas específicas observadas. Considere- se, por exemplo, o caso da filha de um bem sucedido homem de negócios e de uma
advogada. O quociente intelectual da menina é 140, o que é muito alto. Esse resultado é o produto de sua herança de um potencial
alto ou de um ambiente mais estimulante no lar? Muito provavelmente, é o resultado da interação dos dois fatores.
Podemos considerar as influências genéticas sobre características específicas como altura, inteligência ou agressividade, mas,
na maior parte dos casos de funções psicológicas as contribuições exatas dos fatores hereditários são desconhecidas. Para tais carac-
terísticas, as perguntas relevantes são: quais das potencialidades genéticas do indivíduo serão realizadas no ambiente físico, social
e cultural em que ele ou ela se desenvolve? Que limites para o desenvolvimento das funções psicológicas são determinados pela
constituição genética do indivíduo?
Muitos aspectos do físico e da aparência são fortemente influenciados por fatores genéticos - sexo, cor dos olhos e da pele, forma
do rosto, altura e peso. No entanto, fatores ambientais podem exercer forte influência mesmo em algumas dessas características que
são basicamente determinadas pela hereditariedade. Por exemplo, os filhos de judeus, nascidos na América do Norte, de pais que para
lá imigraram há duas gerações, tornaram-se mais altos e mais pesados do que seus pais, irmãos e irmãs nascidos no estrangeiro. As
crianças da atual geração, nos Estados Unidos e em outros países do Ocidente, são mais altas e pesadas e crescem mais rapidamente
do que as crianças de gerações anteriores. Evidentemente, os fatores ambientais, especialmente a alimentação e as condições de vida
afetam o físico e a rapidez do crescimento.
Fatores genéticos influenciam características do temperamento, tais como tendência para ser calmo e relaxado ou tenso e pronto
a reagir. A hereditariedade pode também estabelecer os limites superiores, além dos quais a inteligência não pode se desenvolver.
Como e sob que condições as características temperamentais ou de inteligência se manifestarão, depende, não obstante de muitos
fatores do ambiente. Crianças com bom potencial intelectual, geneticamente determinado, não parecem muito inteligentes se são
educadas em ambientes monótonos e não estimulantes, ou se não tiverem motivação para usar seu potencial.
Em suma, as contribuições relativas das forças hereditárias e ambientais variam de características para características. Quando
se pergunta sobre as possíveis influências genéticas no comportamento, devemos sempre estar atentos às condições nas quais as
características se manifestam. No que diz respeito à maior parte das características comportamentais, as contribuições dos fatores
hereditários são desconhecidas e indiretas.
Quatro: Todas as características e capacidades do indivíduo, assim como as mudanças de desenvolvimento, são produtos de
dois processos básicos, embora complexos, que são os seguintes: maturação (mudanças orgânicas neurofisiológicas e bioquímicas
que ocorrem no corpo do indivíduo e que são relativamente independentes de condições ambientais externas, de experiências ou de
práticas) e experiência (aprendizagem e treino).
Como a aprendizagem e a maturação quase sempre interagem é difícil separar seus efeitos ou especificar suas contribuições rela-
tivas ao desenvolvimento psicológico. Com certeza, o crescimento pré-natal e as mudanças na proporção do corpo e na estrutura do
sistema nervoso são antes produtos de processos de maturação que de experiências. Em contraste, o desenvolvimento das habilidades
motoras e das funções cognitivas depende da maturação, de experiência e da interação entre os dois processos. Por exemplo, são as
forças de maturação entre os dois processos que determinam, em grande parte, quando a criança está pronta para andar. Restrições
ao exercício da locomoção não adiam seu começo, a nãos ser que sejam extremas. Muitos infantes dos índios bopis são mantidos em
berços durante a maior parte do tempo de seus primeiros três meses de vida, e mesmo durante parte do dia, após esse período inicial.
Portanto, têm muito pouca experiência ou oportunidade de exercitar os músculos utilizados habitualmente no andar. No entanto,
começam a andar com a mesma idade que as outras crianças. Reciprocamente, nãos e pode ensinar recém-nascidos e ficar de pé ou
andar antes que ser equipamento neural e muscular tenha amadurecido o suficiente.
Didatismo e Conhecimento 52
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Quando essas habilidades motoras básicas forem adquiridas, no entanto, elas melhoram com a experiência e prática. O andar
torna-se mais coordenado e mais gracioso à medida que os movimentos inúteis são eliminados; os passos mais longos, coordenados
e rápidos.
A aquisição da linguagem e o desenvolvimento das habilidades cognitivas são, também, resultados da interação entre as forças
de experiência e da maturação. Assim, embora as crianças não comecem a falar ou juntar palavras antes de atingirem certo nível
de maturidade física, pouco importando quanto “ensinamento” lhes for ministrado, obviamente a linguagem que vierem a adquirir
depende de suas experiências, isto é, da linguagem que ouvem os outros falar. Sua facilidade verbal será, pelo menos parcialmente,
função do apoio e das recompensas que recebem quando expressam verbalmente.
Qualogamente, as crianças não adquirirão certas habilidades intelectuais ou cognitivos, enquanto não tiverem atingido determi-
nado grau de maturidade. Por exemplo, até o estágio o que Piaget denomina operacional - aproximadamente entre seis e sete anos as
crianças só conseguem lidar com objetos, eventos e representações desses. Mas não conseguem lidar com ideias ou conceitos. Antes
de atingirem o estágio operacional. não dispõem do conceito de conservação a ideia de que a qualidade de uma substância, como a
argila não muda simplesmente porque sua forma mudou de esférica, digamos a cilíndrica. Uma vez atingido o estágio das operações
concretas e tendo acumulado mais experiências ligadas à noção de conservação, podem, agora aplicá-la a outras qualidades. Podem
compreender que o comprimento, a massa, o número e o peso permanecem constantes, apesar de certas mudanças na aparência ex-
terna.
Quinto: características de personalidade e respostas social, incluindo-se motivos, respostas emocionais e modos habituais de
reagir, são em grande proporção aprendidos, isto é, são o resultado de experiência e prática ou exercício. Com isso, não se pretende
negar o princípio de que fatores genéticos e de maturação desempenham importante papel na determinação do que e como o indiví-
duo aprende.
A aprendizagem vem sendo, desde há muito, uma das áreas centrais de pesquisa e teoria em psicologia e muitos princípios im-
portantes de aprendizagem foram estabelecidos. Há três tipos de aprendizagem que são de importantes critica no desenvolvimento da
personalidade e no desenvolvimento social.
A primeira e mais tradicional abordagem da aprendizagem é c condicionamento operante ou instrumental, uma resposta que já
está no repertório da criança é recompensada ou reforçada por alimento, prazer, aprovação ou alguma outra recompensa material.
Torne-se, em consequência, fortalecida, isto é, há maior probabilidade de que essa resposta se repita. Por exemplo, ao reforçarmos ou
recompensarmos crianças de três meses cada vez que elas vocalizem (sorrindo-lhes ou tocando- lhes levemente na barriga), ocorre
um aumento marcante na frequência de vocalização das crianças.
Muitas das respostas das crianças são modificadas ou modeladas através do condicionamento operante. Num estudo, cada crian-
ça de uma classe pré-escolar foi recompensada pela aprovação do professor por toda resposta social que desse e outras crianças e cada
vez que manifestasse um comportamento de cooperação ou de ajuda a outras crianças. Respostas agressivas, como bater, importunar,
gritar e quebrar objetos, foram ignoradas ou punidas por repreensão. Dentro de muito pouco tempo, houve aumentos notáveis no
número de respostas dirigidos aos colegas, de respostas agressivas declinou rapidamente. Do mesmo modo, diversas características
de personalidade, muitos motivos e respostas sociais são aprendidos através do contato direto com um ambiente que reforça certas
respostas e pune ou ignora outras.
Respostas complexas podem, também, ser aprendidas de outro modo pela observação dos outros. O repertório comportamental
de uma criança expande-se consideravelmente, através da aprendizagem por observação. Esse fato tem sido muitas vezes demons-
trado em experimentos envolvendo grande variedade de respostas. Nesses experimentos, as crianças são expostas a um modelo que
executa diversos tipos de ações, simples ou complexas, verbais ou motoras, agressivas, dependentes ou altruísticas. As crianças do
grupo de controle não observam o modelo. Posteriormente, as crianças são observadas para se determinar até que ponto copiam e
imitam o comportamento mostrado pelo modelo. Os resultados demonstram que aprendizagem por observação é muito eficiente. As
crianças do grupo experimental geralmente imitam as respostas do modelo, ao passo que as do grupo de controle não exibem essas
respostas. Note-se que não foi necessário o reforço para adquirir ou para provocar respostas imitativas.
Obviamente, a criança não tem de aprender como responder a cada situação nova. Depois de uma resposta ter-se associado a
um estímulo ou arranjo ambiental, ela têm probabilidade de ser transferida a situações similares. Esse é o princípio da generalização
do estímulo. Se a criança aprendeu a acariciar seu próprio cão, poderá acariciar outros cães, especialmente os semelhantes ao seu.
Sexto: Há períodos críticos ou sensíveis ao desenvolvimento a certos órgãos do corpo e de certas funções psicológicas. Se ocor-
rem interferências no desenvolvimento normal durante esses períodos, é possível que surjam deficiências, ou disfunções permanen-
tes. Por exemplo, há períodos críticos no desenvolvimento do coração, olhos, rins e pulmões do feto. Se o curso do desenvolvimento
normal for interrompido em um desses períodos por exemplo, em consequência de rubéola ou de infecção causada por algum vírus
da mãe, a criança pode sofrer um dano orgânico permanente.
Erick Erikson, psicanalista eminente de crianças, além de teórico, considera que o primeiro ano de vida é um período crítico para
o desenvolvimento de confiança nos outros. O infante que não for objeto de calor humano e de amor, e que não for satisfeito em suas
necessidades durante esse período, corre o risco de não desenvolver um sentido de confiança, por conseguinte, de não ser sucedido
Didatismo e Conhecimento 53
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
posteriormente na formação de relações sociais satisfatórias: De mó análogo, parece haver um período crítico ou de “prontidão” para
a aprendizagem de várias tarefas, como ler ou andar de bicicleta. A criança que não aprende tais tarefas durante esses períodos pode
ter grandes dificuldades em aprendê- las posteriormente.
Sétimo: As experiências das crianças, em qualquer etapa do desenvolvimento, afetam ser desenvolvimento posterior. Se uma
mulher grávida sofrer problemas severos de desnutrição, a criança em formação pode não desenvolver o número normal de células
cerebrais e, portanto, nasce com deficiência mental.
Os infantes que passam os primeiros meses em ambientes muitos monótonos e não estimulantes parecem ser deficientes em ati-
vidades cognitivas e apresentam desempenho muito fraco em testes de funcionamento intelectual em idades posteriores.
A criança que recebe pouco afeto, amor e atenção no primeiro ano de vida não desenvolve a autoconfiança nem a confiança nos
outros no início da vida e, provavelmente, será, na adolescência, desajustada e emocionalmente instável.
Embora criticado por algumas teorias, o conceito de estágios evolutivos é uma ideia constante nos estudos atuais da psicologia do
desenvolvimento. Enquanto aquelas teorias interpretam o desenvolvimento humano como algo contínuo, desenvolvendo-se o com-
portamento humano de maneira gradual, na direção de sua maturidade, as teorias que preconizam a existência de estágios evolutivos
(de Freud, Erickson, Sullivan, Piaget e muitos outros) tendem a ver o desenvolvimento humano como algo descontínuo. Segundo
essas teorias, o curso do desenvolvimento humano se dá por meio de mudanças mais ou menos bruscas, na história do organismo.
Mussem et ali (1974), afirmam que cada estágio do desenvolvimento humano, segundo essas teorias, representam um padrão
de características inter-relacionadas. Cada estágio de desenvolvimento representa uma evolução de estágio anterior, mas, ao mesmo
tempo, cada um deles se caracteriza por funções qualitativamente diferentes. De acordo com essas teorias o desenvolvimento psico-
lógico do indivíduo ocorrem de maneira progressiva através de estágios fixos e invariáveis, cada indivíduo tendo que atravessar os
mesmos estágios, na mesma sequência. Conforme Jean Piaget (1973) existe fundamento biológico para a teoria de estágios evoluti-
vos, em outro contexto (1997), considerando as estruturas principais, diz que os estágios cognitivos tem uma propriedade sequencial,
isto é, aparecem em ordem fixa de sucessão, pois cada um deles é necessário para a formação do seguinte.
Os embriologistas dão evidências em favor da teoria dos estágios evolutivos. Falam da existência de períodos críticos para o
desenvolvimento do zigoto, ou seja “fases críticas” em que se determinadas mudanças não ocorrem na célula dentro de cada intervalo
e em dada sequência, o desenvolvimento do organismo pode sofrer danos permanentes. Os estágios do desenvolvimento humano se
caracterizam pela organização dos comportamentos típicos que ocorrem simultaneamente em determinado estádio evolutivo. Há,
portanto, certos padrões de comportamento que caracterizam cada estágio da evolução psicológica do indivíduo, sem, contudo, impli-
car que tais comportamentos sejam de natureza estática. Os estágios evolutivos se caracterizam, também por mudanças qualitativas,
com relação a estágios anteriores. Pode acontecer, também, que num determinado estágio evolutivo várias mudanças ocorram simul-
taneamente. É o caso, por exemplo, da adolescência. Num período relativamente curto, o indivíduo muda em muitas significativas
maneiras. Nesta fase da vida o adolescente se torna biologicamente capaz de reproduzir a espécie, experimenta acelerado crescimento
físico, seguido, logo depois , por uma quase paralisação nesse processo, e seu desenvolvimento mental atinge praticamente o ponto
culminantes, em termos de suas potencialidades para o raciocínio abstrato.
Outro conceito de fundamental importância para o estudo da psicologia do desenvolvimento é a noção de tarefa evolutiva. De-
senvolvido, principalmente, por Havighurst (1953), esse conceito tem sido de grande utilidade para o estudo da evolução do com-
portamento humano.
A pressuposição fundamental desse conceito é a de que “viver é aprender, e crescer ou desenvolver- se é, também, aprender”.
Há certas tarefas ou habilidades que o indivíduo tem que aprender para poder ser considerado como pessoa de desenvolvimento
adequado e satisfatoriamente ajustado, conforme as expectativas da sociedade. Segundo essa teoria, à semelhança do que acontece
nas teorias de estágios evolutivos, há fases críticas no processo do desenvolvimento humano, isto é, período em que tais tipos de
aprendizagem ou ajustamento devem acontecer. O organismo, por assim dizer, encontra- se em condições ótimas para que tal ajus-
tamento ocorra. Por exemplo, há um momento em que o organismo da criança está maturacionalmente pronto para aprender a falar,
a andar, etc. Se a aquisição dessas habilidades se der no tempo próprio, os ajustamento delas dependentes serão feitos naturalmente,
através de todo o processo evolutivo. Caso contrário, haverá, sempre, déficits em todo tipo de ajustamento que requer tais habilidades
como condição fundamental. Em termos gerais do organismo, podemos dizer que se uma tarefa evolutiva for realizada na fase crítica
adequada, as fases subsequentes da evolução do indivíduo serão mais facilmente alcançadas em termos do seu ajustamento pessoal.
Se, por outro lado, o organismo deixar de realizar uma tarefa evolutiva, ou se houver falhas no processo em qualquer das suas partes,
os ajustamentos nas fases subsequentes serão mais difíceis e, em alguns casos, podem até deixar de ocorrer. As tarefas evolutivas
abrangem vários aspectos do processo evolutivo, incluindo o crescimento físico, o desempenho intelectual, ajustamento emocionais
e sociais, as atitudes com relação ao próprio eu, é realidade objetiva, bem como a formação dos padrões típicos de comportamento e
a elaboração de um sistema de valores.
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Segundo Havighurst, há três aspectos principais da tarefa evolutiva.
O primeiro se refere à maturação biológica, tal como aprender e andar, a falar, etc. O segundo se refere às pressões sociais, tais
como aprender a ler, a comportar-se como cidadão responsável e várias outras formas do comportamento social. O terceiro aspecto
se refere aos valores pessoais que constituem a personalidade de cada indivíduo, que resulta de processos de interação das forças
orgânicas e ambientais.
Para cada estágio da vida humana, há certas tarefas evolutivas que devem ser incorporadas aos padrões de experiências e de
comportamento do indivíduo.
A complexidade do desenvolvimento humano de certo modo exige uma complexa metodologia para seu estudo. Dentre as es-
tratégias para o estudo de desenvolvimento da personalidade salientam- se a teoria dos estágios evolutivos, as teorias diferenciais,
ipsativas e da aprendizagem social.
A teoria dos estágios evolutivos procura estabelecer leis gerais do desenvolvimento humano. Advogando a existência de dife-
rentes níveis qualitativos da organização, através dos quais, invariavelmente, passam todos os indivíduos de determinada espécie.
As teorias diferenciais, por outro lado, procuram estabelecer leis que permitem predizer os fatores determinados das diferenças
individuais de subgrupos no processo evolutivo. Para os adeptos das teorias ipsativas o que interessa é verificar o que muda e o que
permanece constante através da história evolutiva de cada indivíduo. As teorias da aprendizagem social procuram explicar o proces-
so evolutivo do ser humano em temos das técnicas de condicionamento, e tentam explicar o comportamento como simples relação
estímulo-resposta.
Dentre as muitas teorias do desenvolvimento humano salientamos quatro que evidenciam como de maior importância: a teoria
psicanalítica de Freud, a teoria interpessoal de Sullivan, a teoria psicossocial de Erickson, e a teoria cognitiva de Jean Piaget.
Teoria Psicanalítica de Freud - Existem críticas a essa teoria pelo fato de não haver Freud, para estabelecer suas conclusões, feito
seus estudos com crianças, e sim, com adultos psicologicamente doentes. E há sérias restrições à teoria freudiana da personalidade,
especialmente por ela baseada, exclusivamente, no método de observação clínica e fundamentada na psicopatologia. Reconhecemos,
entretanto, a grande intuição de Freud e sua notável contribuição para o estudo do comportamento humano. Convém salientar que
mais recentemente tem havido sérias tentativas no sentido de testar, experimentalmente, algumas das hipóteses levantadas por Freud,
como atestam o trabalho de Lindzey e Hall, Silvermam e outros. Segundo Hall e Lindzey (1970), Freud foi o primeiro a reconhecer
a estrita relação existente sobre o processo evolutivo e a personalidade humana.
Embora hoje a influência da teoria psicanalítica não seja tão grande como antes, no campo da psicologia do desenvolvimento, ela
perdura através de reformulações que procuram operacionalizar, para fins de pesquisa experimental, alguns dos conceitos fundamen-
tais elaborados pelo criador da Psicanálise.
Parece razoável dizer-se que, de todas as teorias de personalidade até hoje formuladas, a teoria de Freud é a que mais se aproxima
daquilo que chamam os autores de “paradigma” na história das ciências.
É verdade que podemos fazer restrições à teoria freudiana do desenvolvimento da personalidade, mas há certos pontos que
mesmo os que não concordam com Freud têm dificuldade em negar. Por exemplo, a tese de que existe uma relação de causa e efeito
no processo evolutivo, partindo da infância até a vida adulta, parece indiscutível à luz das evidências disponíveis. Se bem que o
determinismo absoluto do passado, implícito na teoria freudiana, mereça restrições, não se pode negar que experiências prévias são
importantes na determinação de futuros padrões de comportamento.
A grande ênfase da teoria freudiana, quanto ao processo da evolução psicológica do homem, concentra-se nos primeiros anos de
vida. Daí o fato de que, até recentemente os estudos da psicologia do desenvolvimento, que sofreram durante muito tempo grande
influência da psicanálise, limitavam-se à infância e à adolescência. A rigor, a psicanálise clássica não tem muito a dizer sobre o desen-
volvimento da personalidade após a adolescência, pois o estágio genital representa, praticamente, o ponto final e até mesmo, ideal da
evolução psicossexual do ser humano. Mais tarde, Freud tentou ampliar a extensão desse processo evolutivo, ao elaborar a teoria do
impulso para a morte, ou, mais especificamente, a teoria do comportamento agressivo. Não chegou a deixar marcas significativas às
demais fases da evolução psicológica do homem, além da infância e da adolescência. Coube a outros psicanalistas a tarefa de ampliar
a teoria freudiana quanto a esse aspecto. É o caso, por exemplo, de Harry Sullivan e especialmente o de Erik Erikson.
A teoria freudiana salienta os conceitos de energia psíquica e de fatores inconscientes de comportamento como ponto de partida.
Os impulsos básicos são eros - impulso para a vida, e agressão - impulso para a morte. A estrutura da personalidade concebida origi-
nalmente, em termos topográficos como consciente, pré-consciente e inconsciente, é substituída pelo conceito dinâmico do id, que re-
presenta as forças biológicas, instintivas da personalidade; e ego, que representa o princípio da realidade, e o superego, que representa
as forças repressivas da sociedade. Há cinco estágios da evolução psicossexual: a fase oral, período da vida em que, praticamente,
a única fonte de prazer é a zona oral do corpo, e que apresenta como principal característica psicológica a dependência emocional.
Didatismo e Conhecimento 55
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A fase anal, caracterizada pela retentividade, a fase fálica, na qual surge o Complexo de Édipo, e o que se caracteriza pelo exi-
bicionismo. A fase latente, em que a energia libidinosa é canalizada para outros fins e a fase genital, que representa o alvo ideal do
desenvolvimento humano. No processo evolutivo o indivíduo pode parar numa fase imatura. Nesse caso se diz que houve uma
fixação. O indivíduo pode, também, voltar a formas imaturas do comportamento, em cujo caso se diz que houve uma regressão. Me-
canismos de defesas são formas pelas quais o eu procura manter sua integridade. Dentro de certos limites são considerados normais.
Quando, porém, ultrapassam esses limites, tornam-se patogênicos.
Sullivan é psicanalista, mas dá muita ênfase aos fatores sociais do comportamento humano. As relações interpessoais constitui
a base da personalidade. Na infância, a experiência básica é o medo ou ansiedade, resultante da inter-relação com a figura materna.
Através da empatia a criança incorpora personificações positivas e negativas. Nesse período ela forma, também, diferentes auto-
-imagens: o “bom-eu”, o “mau-eu” e o “não-eu”. A idade juvenil é a grande fase do processo de socialização. A criança aprende a
subordinação e a acomodação social bem como a lidar com o conceito de autoridade. A pré-adolescência se caracteriza pela neces-
sidade de companheirismo com pessoas do mesmo sexo e pela capacidade de apreciar as necessidades e sentimentos do outro. Na
primeira adolescência o indivíduo se torna cônscio de três necessidade básicas: paixão, intimidade e segurança pessoal, e procura
meios de integrá-los adequadamente. A segunda adolescência marca o início das relações interpessoais amadurecidas. Na fase adulta
o eu se apresenta estável e idealmente livre da excessiva ansiedade.
Erickson salienta os aspectos culturais do processo evolutivo da personalidade. Há oito estágios nesse processo, cada um deles
apresenta duas alternativas: quando o estágio evolutivo é satisfatoriamente alcançado, o produto será uma personalidade saudável;
quando não é atingido, o resultado será uma personalidade emocionalmente imatura ou desajustada. Na infância o indivíduo adquire
confiança básica ou desconfiança básica. Na meninice ele pode adquirir o senso de autonomia ou, então, o sentimento de vergonha
e dúvida.
Na fase lúdica a criança pode desenvolver a atitude de iniciativa ou, quando lhe falta o estímulo do meio, pode desenvolver o
sentimento de culpa e de inadequação. Na idade escolar o indivíduo se identifica com o ethos tecnológico de sua cultura adquirindo
o senso de indústria ou, na ausência dessas condições, pode desenvolver o sentimento de inferioridade. Na adolescência a crise
psicossocial é o encontro da identidade do indivíduo. Quando isso não ocorre, dá- se a difusão da identidade com repercussões ne-
gativas através de toda a vida.
A vida adulta compreende três fases: adulto jovem, caracterizada por intimidade e solidariedade, do ângulo positivo, e isolamen-
to, do lado negativo; adultícia que se caracteriza ou pela geratividade ou pela estagnação; e a maturidade que apresenta a integridade
ou desespero como alternativas.
A teoria cognitiva de Jean Piaget exerce hoje relevante papel em todas as áreas da psicologia e, principalmente, nos campos
aplicados da educação e da psicoterapia. Abandonando a ideia de avaliar o nível de inteligência de um indivíduo por meio de suas
respostas aos itens de determinados testes, Piaget adotou um método clínico através do qual procura acompanhar o processo do
pensamento da criança para daí chegar ao conceito de inteligência como capacidade geral de adaptação do organismo. Os conceitos
fundamentais da teoria de Piaget são: esquema, ou estrutura, que é a unidade estrutural do desenvolvimento cognitivo; assimilação,
processo pelo qual novos objetos são incorporado aos esquemas; acomodação, que ocorre quando novas experiências modificam
esquemas; equilibração, resolução de tensão entre assimilação e acomodação; operação, rotina mental caracterizada por sua reversi-
bilidade e que representa o elemento principal do processo do desenvolvimento cognitivo. O desenvolvimento cognitivo se dá em
quatro período: o período sensório-motor, caracterizado pelas atividades reflexas; o período pré-operacional, em que a criança pode
lidar simbolicamente com certos aspectos da realidade, mas seu pensamento ainda se caracteriza pela responsabilidade; o período
das operações concretas, em que a criança adquire o esquema de conservação; e o período das operações formais, caracterizado pelo
pensamento proposicional e que representa o ideal da evolução cognitiva do ser humano.
Os psicólogos do desenvolvimento humano são unânimes em estabelecerem fases, períodos para determinar nas várias etapas
da vida do indivíduo.
São assim circunscritas por apresentarem características e padrões de si mesmas semelhantes. Sucedem-se, naturalmente, uma a
outra, desde o momento da concepção até à velhice.
Para atender aos objetivos do trabalho, focalizaremos as primeiras fases de vida até à adolescência.
Tomando por base a classificação dos estágios evolutivos segundo Jean Piaget, o grande estudioso da gênese e desenvolvimento
dos processos cognitivos da criança, existem quatro períodos no desenvolvimento humano:
1 - Período sensório-motor: de 0 a 2 anos
2 - Período pré-operacional: de 2 a 7 anos
2.1. Pensamento simbólico pré-conceitual: 2 a 4 anos
2.2. Pensamento intuitivo: 4 a 7 anos
3 - Período das operações intelectuais concretas: 7 a 12 anos
4 - Período das operações intelectuais abstratas: dos 12 anos em diante.
Didatismo e Conhecimento 56
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Além de serem observados os períodos ou estágios acima, os estudiosos da psicologia do desenvolvimento humano estabelece-
ram áreas ou aspectos para esse estudo. Embora o ser humano seja um todo, integrado, sabemos que existem setores ou áreas para
as quais são dirigidas as atividades e o comportamento humanos, ainda que sejam profundamente interligados. Desta forma, para
estudo e análise apropriados, o desenvolvimento é estudado nos aspectos físico, mental/cognitivo, emocional/ afetivo, social. Muitas
vezes empregam-se outras divisões, agrupando diferentemente as áreas: psicofísica, sócio emocional, psicossocial, psicomotora, etc.
As tarefas evolutivas do processo de desenvolvimento humano são, sobretudo:
a) ter um corpo sadio, forte, residente, desenvolvido;
b) usá-lo como instrumento de expressão e de comunicação social, como meio de participar da vida social, de colaborar com os
outros na responsabilidade de fazer sua vida e de melhorar sua qualidade e, enfim, uma base consistente sobre a qual a pessoa possa
desenvolver o seu espírito;
c) formar o intelecto até alcançar a etapa do pensamento abstrato, imprescindível para se compreender com mais profundidade
e realidade humana;
d) alcançar o equilíbrio emocional;
e) a integração social;
f) a consciência moral;
g) compreender o seu papel, em seu tempo, na comunidade em que vive e ter condições de assumi-lo, decisão e capacidade de
realizá-lo.
Para iniciar o estudo das fases do desenvolvimento humano, é necessário que seja focalizado o período que antecede o nasci-
mento, tão importante e decisivo que é para o desenvolvimento, anterior ao período pré-natal. A vida começa, a rigor, no momento
em que as células germinais procedentes de seus pais se encontram. Modernamente, o desenvolvimento pré-natal tem sido focalizado
sob três perspectivas, a saber: do ponto de vista dos fatores hereditários, da influência do ambiente durante a vida intrauterina, e do
efeito das atitudes das pessoas que constituem o mundo significativo da criança. O estudo da inter-relação entre esses fatores revela
a importância do desenvolvimento pré-natal sobre as fases subsequentes do processo evolutivo do ser humano.
O mecanismo de transmissão hereditária é altamente complexo, mas ao nível do presente texto ele consiste essencialmente no
encontro de uma célula germinal masculina e uma feminina. Os genes, unidades genéticas que fornecem a base do desenvolvimento,
são diretamente responsáveis pela transmissão do patrimônio hereditário.
Existe uma diferença fundamental entre fatores genéticos e fatores congênitos no processo de desenvolvimento. Genético só
é aquilo que o indivíduo recebe através dos genes. Congênito é tudo aquilo que influencia desenvolvimento do indivíduo, e que foi
adquirido durante a vida intrauterina, mas não é transmitido através dos genes. Ex.: a sífilis é uma doença congênita, porque pode ser
adquirida durante a vida intrauterina, mas não é transmitida através dos genes. Logo, a sífilis não é hereditária.
Durante a vida intrauterina, o indivíduo pode receber a influência de vários fatores que determinarão o curso do seu desenvolvi-
mento. Dentre esses fatores, salientam-se a idade e a dieta da gestante e o uso abusivo de tóxicos, infecções e da própria irradiação.
Enfermidades que podem ser transmitidas ao indivíduo na vida intrauterina, como a sífilis, a rubéola e a diabete, prejudicam o de-
senvolvimento normal do ser humano.
Qualisaremos, a seguir, de maneira muito sucinta, os períodos do desenvolvimento humano, a partir do nascimento, focalizando
as áreas ou aspectos em cada um deles.
Segundo Piaget, cada período é caracterizado pelo que de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os
indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, nessa sequência, porém o início e o término de cada uma delas dependem das
características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais, sociais. Portanto, a divisão nessas faixas etárias é uma referência,
e não uma norma rígida.
Didatismo e Conhecimento 57
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Segundo Piaget, nessa etapa inicial o indivíduo se encontra na fase sensório-motora do seu desenvolvimento cognitivo. Essa fase
compreende seis sub-fases, a saber: o uso dos reflexos, as reações circulares primárias e secundárias, reações circulares, terciárias, e
a invenção de novos significados para as coisas através de combinações mentais.
Apesar da importância dos aspectos biológicos do desenvolvimento humano nessa fase, os aspectos psicossociais dessa evolução
são os de maior interesse para a psicologia do desenvolvimento. Dentre os aspectos mais importantes do desenvolvimento psicosso-
cial salientam-se os seguintes: a aquisição da linguagem articulada, cujo processo se completará no período pré-operacional, é que
constitui elementos de fundamental importância para os outros aspectos do desenvolvimento humano; o desenvolvimento emocional,
através do qual o indivíduo deixa de funcionar a nível puramente biológico e passa ao processo de socialização dos seus próprios
atributos fisiológicos e a aquisição do senso moral, que permite ao indivíduo a formulação de um sistema de valores no qual, em
muitas circunstâncias, as necessidades secundárias se tornam mais salientes e decisivas do que as próprias necessidades psicológicas
ou primárias.
Na fase do nascimento aos dois anos de vida as estruturas básicas da personalidade são lançadas. A figura materna, ou substituta,
é muito importante para essa formação, bem como a forma ou a maneira como o indivíduo recebe o alimento da figura materna tem
profundas repercussões sobre seu futuro comportamento em termos da modelagem de sua personalidade. O contato físico é, também,
de vital importância para o desenvolvimento emocional do indivíduo.
Com relação à aquisição do senso moral, sabemos que o mesmo vai ser incorporado através da aprendizagem social dos valores.
Ela é relativa ao meio que o produziu. A princípio o comportamento moral da criança é de caráter imitativo e mais ou menos guiado
pelos impulsos. O conceito de certo ou errado para a criança é uma função de prazer ou de sofrimento que sua ação é capaz de produ-
zir. Esse conceito ainda não é concebido em termos do bem ou do mal que a criança fez aos outros. Nessa idade a criança ainda não
tem a capacidade intelectual de considerar os efeitos de sua ação sobre outras pessoas. Consequentemente ela não sente a necessidade
de modificar seu comportamento, a não ser quando sua ação lhe produz algum desconforto. Isto quer dizer que a criança nessa idade
ainda não tem propriamente uma consciência moral; ela ainda não tem a capacidade de sentir-se “culpada”.
Segundo a teoria psicanalítica, o período de treinamento de toalete desempenha importante papel na formação dos conceitos
morais do indivíduo. Aqui pela primeira vez, o indivíduo se defronta com os conceitos do certo e do errado. Daí, segundo a teoria,
o começo de um superego ou de uma consciência moral. Do ponto de vista do desenvolvimento da personalidade, a natureza desse
treino de toalete é de grande significação.
Se o indivíduo foi educado com excessivo rigor nesse particular, ele poderá tornar-se uma pessoa extremamente meticulosa e
supersensível, sempre perseguido pelo sentimento de culpa. Se, por outro lado, não houve qualquer restrição ao seu comportamento
nesse período, ele pode se tornar um tipo humano desorganizado e com tendências absolutistas prejudiciais a si mesmo e à sociedade.
O ideal, portanto, seria uma atitude comedida para que se possa antecipar um desenvolvimento normal da personalidade do indivíduo.
De acordo com Freud, ao primeiro ano de vida o indivíduo está na fase ORAL da evolução psicossexual, ou seja, todo o senso
de prazer que o indivíduo experimenta provem das zonas orais do seu corpo. A primeira ou única sensação de prazer que a criança
experimenta é através da boca, pela ingestão de alimentos. O alimento não se refere a simples incorporação de material nutritivo,
mas inclui uma gama de relações humanas e de afetos implícitos no processo da alimentação. Uma das características mais óbvias de
uma criança nessa idade é sua dependência do mundo adulto, especialmente da figura materna. A criança depende dos outros não só
para lhe fornecer o senso do prazer e conforto através da alimentação e de outros cuidados, mas por sua própria sobrevivência. Nesta
fase da vida, a mãe é praticamente a única fonte de prazer da criança e a atitude básica da mãe para com ela determinará a sua atitude
básica perante a vida. A essa fase oral corresponde uma característica psicológica chamada caráter oral. O indivíduo é dependente
emocionalmente de outros. Aparece aglutonomia, o alcoolismo.
É grande o interesse dos estudiosos sobre a fase da vida humana. Corresponde ao período pré- escolar, considerado a idade áurea
da vida, pois é nesse período que o organismo se torna estruturalmente capacitado para o exercício de atividades psicológicas mais
complexas, como o uso da linguagem articulada. Quase todas as teorias do desenvolvimento humano admitem que a idade de estudo
seja de fundamental importância na vida humana, por ser esse o período em que os fundamentos da personalidade do indivíduo lança-
dos na fase anterior começam a tomar formas claras e definidas. Existe um enorme volume de trabalho científico sobre esse período,
que em termos de pesquisa, em consequente formulação de teorias sobre esta fase do desenvolvimento.
O período pré-operacional é caracterizado por consideráveis mudanças físicas, as quais são um desafio para os pais e educadores,
como para as próprias crianças. A terminologia período pré- operacional foi dada por Piaget e se refere ao desenvolvimento cognitivo.
No mundo moderno Piaget é, talvez, a figura de maior relevo no estudo do desenvolvimento dos processos cognitivos do ser huma-
no. De acordo com esse cientista, o período pré-operacional é dividido em dois estágios: de dois a quatro anos de idade, em que a
criança se caracteriza pelo pensamento egocêntrico, e dos quatro aos sete anos, em que ela se caracteriza pelo pensamento intuitivo.
As operações mentais da criança nessa idade se limitam aos significados imediatos do mundo infantil.
Didatismo e Conhecimento 58
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Enquanto no período anterior ao pensamento e raciocínio da criança são limitados a objetos e acontecimentos imediatamente
presentes e diretamente percebidos, no período pré-operacional, ao contrário a criança começa a usar símbolos mentais _ imagens
ou palavras que representam objetos que não estão presentes. São características dessa fase o egocentrismo infantil, o animismo, o
artificialismo e o finalismo. Também inexiste o conceito de invariância e a noção de reversibilidade.
É adquirida a linguagem articulada, e passa por uma sequência de aquisições. A criança nesta fase precisa aprender novas ma-
neiras de se comportar em seus relacionamentos. Freud descreve os anos pré-escolares como sendo o tempo do conflito de Édipo
(para os meninos) e do complexo de Eletra (para as meninas). Segundo Erikson, a tarefa primordial da criança nessa idade é resolver
o conflito entre a iniciativa e a culpa. Quando os pais são capazes de tratar os filhos aplicando a dosagem certa da permissividade e
de autoridade, as crianças acham mais fácil desenvolver um senso de autonomia pessoal.
Nesse estágio, a criança aprende a assumir os papéis sexuais considerados aceitáveis pelos pais e pela sociedade.
Os relacionamentos sociais e as atividades lúdicas preparam a criança para lidar com um mundo mais vasto, fora do círculo
familiar.
Os aspectos mais importantes do desenvolvimento psicossexual da idade pré-operacional abrangem os seguintes pontos:
1) a formação de um conceito do “eu”, facilitado pela aquisição da linguagem articulada;
2) a definição da identidade sexual do indivíduo através da qual ele aprende a se comportar de acordo com as expectações da
sociedade;
3) a aquisição de sua consciência moral que vai além da simples limitação do comportamento do mundo adulto e que é capaz de
levar o indivíduo a se sentir culpado em face da violação das regras de conduta do seu meio social;
4) o desenvolvimento dos padrões de agressão que resulta de vários fatores dentre os quais se salientam: a severa punição física,
identificação com o agressor e a frustração;
5) as motivações básicas do senso de competência e a necessidade de realização, ambas muito dependentes das condições do
meio e da fundamental importância para o desenvolvimento adequado do ser humano.
É a fase escolar, também chamada de período das operações concretas. Nesta fase da vida, o crescimento físico é mais lento do
que em fases anteriores, as diferenças resultantes do fator sexo começam a se acentuar mais nitidamente.
Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo o indivíduo se encontra, na idade escolar, no estágio das operações concretas,
segundo a teoria de Piaget. O pensamento da criança nessa idade apresenta as características de reversibilidade e de associação que
lhe permitem interpretar eventos independentemente do seu arranjo atual. Nesse estágio, entretanto, a criança ainda se limita, em
termos cognitivos, ao seu mundo imediato e concretamente real.
Este período, ou idade escolar, segundo a teoria freudiana, corresponde ao estágio latente, assim designado por que nela a libido
não exerce grande influência no comportamento observável do indivíduo, visto que praticamente toda a sua energia é utilizada no
sentido de adquirir as competências básicas para a vida em sociedade. O ponto mais importante a salientar nesta fase da vida, no con-
texto da teoria psicanalítica, é o conceito de mecanismo de defesa, dos quais se distinguem a negação, a identificação com o agressor,
a repressão a sublimação, o deslocamento, a regressão, a racionalização e a projeção.
Segundo a teoria de Erickson, a crise psicossocial da idade escolar se encontra nos pólos industriais versus inferioridade. De-
pendendo do resultado da solução dessa crise evolutiva, o indivíduo pode emergir como ser capaz e produtivo, ou como alguém com
um profundo e persistente sentimento de incompetência e de inferioridade.
Nessa idade, advogada Sullivan, o indivíduo adquire os conceitos de “subordinação social” que podem ajudá-lo a ajustar-se à
vida em sociedade. Nesta idade, os “padrões supervisores” contribuem para a formação de uma autoimagem através das expectativas
do mundo social do indivíduo. Mas, sobretudo, a idade escolar é importante porque nela a criança adquire o conceito de “orientação
na vida”, através do qual ela realiza a integração dos vários fatores sócio- emocionais do processo de desenvolvimento.
No ajustamento psicossocial os grupos de parceria e a escola representam relevante papel. Os grupos de parceria oferecem à
criança nessa idade certo apoio social, modelos humanos a imitar, a noção fundamental dos diferentes papéis que os indivíduos exer-
cem na sociedade, e certos padrões de auto avaliação. Por sua vez, a escola oferece à criança a oportunidade de lidar com figuras que
representam autoridade fora do ambiente do lar.
No período das operações concretas, ou seja, época denominada fase escolar, o autoconceito assume forma mais definida, espe-
cialmente porque aqui a criança aprende que é um indivíduo diferente dos demais. É assim que ela é tratada por seus professores e
colegas. Esse tratamento recebido e também dispensado aos outros contribui para acentuar a identidade sexual da criança de idade
escolar. Quanto ao conceito de moralidade nessa fase da vida, talvez o ponto mais importante seja a mudança quanto à orientação
ou ponto de referência. Antes, a decisão moral da criança era inteiramente heteronômica, segundo Piaget, agora ela tende a ser auto-
nômica. Uma das melhores evidências dessa mudança de orientação é a capacidade de sentir-se culpada, e não somente com medo
de ser apanhada em falta e castigada.
Didatismo e Conhecimento 59
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Os padrões de agressão da criança de idade escolar são influenciados por três fatores principais, a saber: pelos pais, pelos compa-
nheiros e pelos meios de comunicação de massa. Quanto aos pais, os fatores que mais afetam esses padrões de agressão são a rejeição
e o castigo físico demasiado severo. Os grupos de parceria modificam esses padrões criando rivalidade intergrupal e reduzindo a
cooperação entre grupos competitivos. Os meios de comunicação de massa oferecem modelos de violência, que tendem a aumentar
a agressão dos indivíduos que já possuem certo grau de revolta contra as instituições sociais.
O fenômeno PUBERDADE
A puberdade é considerada uma fase de transição no processo evolutivo porque ela abrange parte da infância e parte da adoles-
cência. Representa o início de uma das fases mais importantes do desenvolvimento humano. Ela é um período relativamente curto de
vida, com duração de dois a quatro anos, e os estudiosos da psicologia do desenvolvimento a dividem em três fases, a saber:
- o estágio pré-pubescente, durante o qual as características sexuais secundárias começam a aparecer. Nesse estágio, entretanto,
os órgãos reprodutivos ainda não se encontram plenamente desenvolvidos;
- o estágio pubescente, durante o qual as características sexuais secundárias continuam a se desenvolver e os órgãos sexuais
começam normalmente a produzir células germinativas;
- o estágio pós-pubescente, durante o qual as características sexuais secundárias continuam a se desenvolver e os órgãos sexuais
começam a funcionar de maneira amadurecida.
São muitas e profundas as mudanças fisiológicas e estruturais que ocorrem no corpo das meninas e meninos púberes, porém
podemos afirmar não estarem aptos para o exercício da atividade sexual. Com relação aos meninos, e as características sexuais pri-
márias e secundárias, as gônadas masculinas ou testículos, até a idade de catorze anos, aproximadamente, representam cerca de dez
por cento do seu tamanho normal no adulto.
Durante um ano ou dois, então, ocorre um crescimento rápido, que logo depois começa a decrescer até que pelos vinte ou vinte
e um anos de idade os testículos atingem seu desenvolvimento pleno.
Com relação às meninas, temos a constatação muito válida e útil para o objeto do nosso estudo, que o seu aparelho reprodutor
vai-se desenvolvendo ao longo da puberdade, mas não bruscamente. A exemplo, o útero de uma garota de onze ou doze anos de idade
pesa, em média, quarenta e três gramas. Os demais órgãos _ trompas, ovários, vaginas _ crescem rapidamente. A ação dos hormônios
é determinante para essas mudanças do organismo.
Ao lado dos efeitos físicos mencionados, verificam-se, também, efeitos psicológicos de consequências consideráveis. Nesta fase
tende a criança a isolar-se do convívio com outras pessoas, torna-se, geralmente, mais hostil para com os companheiros e para com os
seus próprios familiares. Passa muito tempo sozinha, sentindo-se mal compreendida, entregando-se ao auto-erotismo ou masturbação.
Perde o interesse pelas atividades de que gostava e o entusiasmo pelas atividades escolares. Possui um autogonismo social, negando
sua cooperação e se tornando hostil à criança do sexo oposto. É instável emocionalmente, sujeita a irritabilidade e a demonstração de
ansiedades. Passa a ter um elevado grau de falta de confiança própria e medo de falhar socialmente. Muitos não alcançam o grau de
ajustamento nessa fase e atravessam a existência dominados pelo chamado complexo de inferioridade. Outro problema é a excessiva
timidez, ou acanhamento natural, resultante do fato de que a criança teme que os outros vão notar as mudanças porque está passando
e também por ignorar qual a atitude que essas pessoas terão com ela. Existe uma falta de coordenação motora resultante do rápido
crescimento de certas áreas do corpo que torna a criança desajeitada e tímida e receosa de dar má impressão aos que a cercam. Esses
problemas serão esclarecidos e solucionados com a definição da identidade do indivíduo, que normalmente ocorre na adolescência.
Corresponde ao período chamado adolescência, que significa crescer ou desenvolver-se até a maturidade.
Durante muitos séculos, o termo adolescência foi definido quase que exclusivamente, em função dos seus aspectos biológicos.
Adolescência e puberdade eram usadas como palavras sinônimas. Modernamente, entretanto, a adolescência deixou de ser um con-
ceito puramente biológico e passou a ter, sobretudo, uma conotação psicossocial. É baseado neste conceito que Munuss (1971), define
adolescência em termos sociológicos, psicológicos e cronológicos.
Cronologicamente, a adolescência, ao menos nas culturas ocidentais, é o período da vida humana que vai dos doze ou treze anos
até mais ou menos aos vinte dois ou vinte e quatro anos de idade, admitindo-se consideráveis variações. Tanto de ordem individual
e, sobretudo, de ordem cultural.
Sociologicamente, adolescência seria o período de transição em que o indivíduo passa de um estado de dependência do seu
mundo maior para uma condição de autonomia e, sobretudo, em que o indivíduo começa a assumir determinadas funções e respon-
sabilidades características do mundo adulto.
Do ponto de vista psicológico, a adolescência é o período crítico de definição da identidade do “eu”, cujas repercussões podem
ser de graves consequências para o indivíduo e a sociedade.
Didatismo e Conhecimento 60
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Vale ressaltar a diferença entre os termos puberdade, pubescência e adolescência. A puberdade é o estágio evolutivo em que o
indivíduo alcança a sua maturidade sexual. A data exata em que ocorre o amadurecimento sexual do ser humano, diz Munuss, varia de
acordo com fatores de ordem sócio- econômica e geográfica. Por exemplo, a maturidade sexual tende a ocorrer mais cedo em indiví-
duos que vivem em climas temperados e que pertencem a classes sociais mais elevadas. Em zonas tropicais, e também por influência
de fatores nutricionais, esse amadurecimento sexual tende há ocorrer um pouco mais tarde. Pubescência seria o período, também
chamado de pré-adolescência, caracterizado pelas mudanças biológicas associadas com a maturação sexual. É o período de desen-
volvimento fisiológico durante o qual as funções reprodutoras amadurecem; é filogenético e inclui o aparecimento de características
sexuais secundárias e a maturidade fisiológica dos órgãos sexuais primários. Estas mudanças ocorrem num período de aproxima-
damente dois anos. Adolescência é um conceito mais amplo e inclui mudanças consideráveis nas estruturas da personalidade e nas
funções que o indivíduo exerce na sociedade. Em síntese, o conceito moderno de adolescência não se confunde com puberdade, como
fato biológico, nem tampouco com pubescência, como estágio de transição marcada por grandes mudanças fisiológicas. Adolescência
é um conceito psicossocial. Representa uma fase crítica no processo evolutivo me que o indivíduo é chamado a fazer importantes
ajustamentos de ordem pessoal e de ordem social. Entre estes ajustamentos, temos a luta pela independência financeira e emocional, a
escolha de uma vocação e a própria identidade sexual. Como conceito psicossocial, a adolescência não está necessariamente limitada
aos fatores cronológicos. Em determinadas sociedades primitivas, a adolescência é bastante curta e termina com os ritos de passagem
em que os indivíduos, principalmente os de sexo masculino, são admitidos no mundo adulto. Na maioria das culturas ocidentais, en-
tretanto, a adolescência se prolonga por mais tempo e pode-se dizer que a ausência de ritos de passagem torna essa fase de transição
um período ambíguo da vida humana. Portanto, diz Munuss, só se pode falar sobre o término da adolescência em termos de idade
cronológica à luz do contexto sociocultural do indivíduo. O que, de fato, marca o fim da adolescência são os ajustamentos normais
do indivíduo aos padrões de expectativas da sociedade com relação às populações adultas.
Do ponto de vista de um conceito psicossocial da adolescência, podemos dizer, como observa Hurlock (1975), que ela é um perí-
odo de transição na vida humana. O adolescente não é mais criança, porém, ainda não é adulto. Esta condição ambígua tende a gerar
confusão na mente do adolescente, que não sabe exatamente qual o papel que tem na sociedade. Esta confusão começa a desaparecer
na medida em que o adolescente define sua identidade psicológica. A adolescência é, também, um período de mudanças significa-
tivas na vida humana. Hurlock fala de quatro mudanças de profunda repercussão nessa fase. A primeira delas é a elevação do tônus
emocional, cuja intensidade depende da rapidez com que as mudanças físicas e psicológicas ocorrem na experiência do indivíduo.
A segunda mudança significativa dessa fase da vida é decorrente do amadurecimento sexual que ocorre quando o adolescente se
encontra inseguro com relação a si mesmo, a suas habilidades e seus interesses. O adolescente experimenta nesta fase da vida o sen-
timento de instabilidade, especialmente em face do tratamento muito ambíguo que recebe do seu mundo exterior. Em terceiro lugar,
as mudanças que ocorrem no seu corpo, nos seus interesses e nas suas funções sociais, criam problemas para o adolescente porque,
muitas vezes, ele não sabe o que o grupo espera dele. E, finalmente, há mudanças consideráveis na vida do adolescente quanto ao
sistema de valores. Muitas coisas que antes eram importantes, para ele, passam a ser consideradas como algo de ordem secundária, a
capacidade intelectual do adolescente lhe dá condição de analisar de modo crítico o sistema de valores a que foi exposto e a que, até
então, respondem de modo mais ou menos automático. Porém, agora o adolescente está em busca de algo que lhe seja próprio, algo
pelo qual ele possa assumir responsabilidade pessoal. Daí, então, as lutas por que passa o ser humano nessa fase da vida, no sentido
da vida, no sentido de definir seu próprio sistema de valores, seus próprios padrões de comportamento moral.
A adolescência é, também, um período em que o indivíduo tem que lutar contra o estereótipo social e contra uma autoimagem
distorcida dele decorrente. A cultura tende a ver o adolescente como um indivíduo desajeitado, irresponsável e inclinado às mais va-
riadas formas de comportamento antissocial. Por sua vez, o adolescente vai desenvolvendo uma autoimagem que reflete, de alguma
forma, esse estereótipo da sociedade. Essa condição indesejável ordinariamente cria conflitos entre pais e filhos, entre o adolescente
e a escola, entre o adolescente e a sociedade em geral.
A adolescência é o período de grandes sonhos e aspirações, mesmo que não sejam sempre, realistas. De acordo com o próprio
Piaget, nessa fase da vida a possibilidade é mais importante do que a realidade. Com o amadurecimento normal do ser humano é que
ele vai aprendendo a discriminar entre o possível e o desejável.
Na adolescência, como nas demais fases da vida, o indivíduo tem que cumprir tarefas evolutivas.
As principais tarefas evolutivas da adolescência, segundo Havighurst, são as seguintes: aceitar e aproveitar ao máximo o próprio
corpo; estabelecer relações sociais mais adultas com companheiros de ambos os sexos; chegar a ser independente dos pais e de outros
adultos, dos pontos de vista emocional e pessoal; escolha de uma ocupação e preparação para a mesma; preparação para o noivado
e o matrimônio; desenvolvimento de civismo; conquista de uma identidade pessoal, uma escala de valores e uma filosofia de vida.
Do ponto de vista cognitivo e segundo Jean Piaget, o adolescente está no estágio das operações formais. Segundo Piaget, o
amadurecimento biológico do adolescente torna possível a aquisição das operações formais, que representam o ponto máximo do
processo do desenvolvimento cognitivo. As operações formais, entretanto, não são um dado a priori, mas dependem da interação do
organismo com o meio. A aquisição das operações formais é de fundamental importância, especialmente em face do enorme pro-
gresso das ciências naturais em nosso século. Elas são, também, necessárias a todo o processo de ajustamento social do adolescente.
(Texto adaptado de PINHEIRO, M. S.).
Didatismo e Conhecimento 61
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Não é de hoje que a “crueldade” das crianças chama a atenção, principalmente nas escolas, onde, reunidas em grupos, muitas
vezes eles elegem aquele que estará, constantemente, na mira de suas “brincadeiras”. Em geral, as vítimas são aquelas que possuem
características que tradicionalmente já são alvo de preconceito. Os escolhidos, normalmente, são: “o gordo”,” o magro”, “o negro”,”
o nerd”,” o tímido”.
O que passou a causar estranhamento, entretanto, é o número cada vez maior de situações de discriminação e a agressividade
crescente nos atos entre as crianças. Com isso, passou-se a adotar a palavra de origem inglesa “bullying” para caracterizar um con-
junto de atitudes de violência física e/ou psicológica nas instituições de ensino. Bullying pode ser como um conjunto de atitudes
agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente adotada por um ou mais alunos contra outros. Os mais
fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão e prazer, cujas “brincadeiras” têm como propósito maltratar, intimi-
dar, humilhar e amedrontar, causando dor, angústia e sofrimento às suas vitimas. A caracterização do bullying se dá quando o com-
portamento dos agressores ou “bullies” é agressivo, negativo e executado repetidamente. Podemos separá-lo em duas categorias: o
bullying direto (agressão física) e o bullying indireto (agressão social). Além das escolas de ensino fundamental e médio, o bullying
também pode ocorrer em faculdades, locais de trabalho, entre vizinhos e até mesmo entre países. Os atos de bullying são ilícitos, pois
desrespeitam princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, e o Código Civil, que determina que todo ato ilícito que
cause dano a outro gera o dever de indenizar.
De acordo com a pesquisa Bullying no Ambiente Escolar, realizada pela organização não-governamental Plan, cerca de 70% dos
alunos já assistiram algum colega ser maltratado pelo menos uma vez na escola. O levantamento aponta que 28% dos alunos afirmam
já ter sofrido maus-tratos na escola praticados por colegas, e cerca de 10% são considerados vítimas de bullying. A maior incidência
de maus-tratos nas relações entre estudantes está na faixa de 11 a 15 anos, e independente do sexo, raça ou classe social.
Outra revelação é que os meninos se envolvem com maior frequência em situações de bullying que as meninas. Mais de 34,5%
dos garotos pesquisados foram vítimas de maus-tratos aos menos uma vez no ano, sendo 12,5% vítimas de bullying, caracterizado por
agressões com frequência superior a três vezes. Os pesquisadores entrevistaram mais de cinco mil estudantes em 25 escolas públicas
e particulares nas cinco regiões do país. Eles também realizaram 14 grupos focais com 55 alunos, 14 pais/responsáveis e 64 técnicos,
professores ou gestores de escolas localizadas nas capitais pesquisadas.
A variação do bullying é o chamado cyberbullying, uma prática que envolve o uso de tecnologias de informação e comunicação
para dar apoio a comportamentos repetidos e hostis praticados por uma pessoa ou um grupo com a intenção de prejudicar alguém.
Exemplos clássicos são a criação de páginas e perfis falsos em sites de relacionamento e envio de e-mails com informações inverídi-
cas e/ou ofensivas sobre uma pessoa. Exemplos:
- Insultar a vítima;
- Ataques físicos repetidos contra o corpo ou propriedade de uma pessoa;
- Espalhar rumores negativos sobre a vítima;
- Depreciar alguém (ou algum parente) sem qualquer motivo;
- Obrigar uma pessoa a fazer o que ela não quer, ameaçando-a;
- Colocar a vítima em situação problemática com alguém (geralmente, uma autoridade) ou conseguir uma ação disciplinar contra
a vítima por algo que ela não cometeu ou que foi exagerado pelo bullying.
- Fazer comentários depreciativos sobre o local de moradia de alguém, aparência pessoal, orientação sexual, religião, etnia, nível
de renda, nacionalidade ou qualquer outra particularidade.
- Isolar socialmente uma pessoa.
- Usar as tecnologias de informação para praticar o cyberbullying (criar páginas falsas em sites de relacionamento, de publicação
de fotos etc.).
- Chantagem
- Ameaças
- Grafitagem depreciativa
- Agressões físicas
Didatismo e Conhecimento 62
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
É cada vez mais frequente o número de casos de bullying que vão parar nas manchetes de jornais e nos tribunais. Em geral, ga-
nham mais visibilidade aqueles que são mais violentos e chocam a opinião pública. Abaixo, alguns exemplos recentes.
- O estudante Matheus Abvragov Dalvit, 15 anos, foi morto com um tiro nas costas, quando descia de um ônibus na Zona Norte
de Porto Alegre. Segundo a Polícia Civil, Matheus era alvo frequente de piadas dos colegas de escola. Por isso, ele teria agredido um
colega. Um amigo do rapaz foi tirar satisfações e acabou atirando no adolescente. O jovem procurou a polícia um dia depois do crime
e se entregou. Ele foi recolhido a uma instituição para menores infratores.
- Um estudante de uma escola de Belo Horizonte foi condenado a pagar indenização de R$ 8 mil pela prática de bullying. O juiz
Luiz Artur Rocha Hilário, da 27ª Vara Cível de Belo Horizonte, considerou comprovada a existência do bullying diante das provas
apresentadas. Segundo a vítima, o colega a insultou durante grande parte do período letivo. O agressor chegou a receber uma adver-
tência escolar, mas seu comportamento não mudou. Os parentes da adolescente decidiram, então, ajuizar uma ação contra o menino.
O juiz ainda entendeu que o comportamento do garoto era excessivo e que mesmo uma adolescente deve respeitar os limites neces-
sários para uma boa convivência. A decisão foi dada em primeira instância. Ainda cabe recurso.
- O bullying não se restringe apenas a pessoas “comuns”. A princesa Aiko, 9 anos, filha única do herdeiro do trono do Japão,
Naruhito, passou uma semana longe da escola.
O motivo teriam sido as “brincadeiras e zoações” feitas por um grupo de alunos a vários colegas, entre eles a princesa Aiko. Um
responsável da escola negou que a menina tivesse sofrido “diretamente” um caso de bullying. Filha única de Naruhito e Masako, Aiko
é conhecida como “a princesa triste” por causa da depressão da qual sofre.
- Uma adolescente ganhou uma indenização de 290 mil dólares australianos (cerca de R$ 474 mil), após passar anos sendo
perseguida por colegas na escola. Os colegas chegaram a bater na adolescente, colar chicletes em seu cabelo, jogar cadeiras nela e
esvaziar seu armário, jogando as coisas no chão. Quando um deles ameaçou dar um tiro na garota, o diretor da escola em que ela
estudava pediu aos pais que a levassem, pois disse não poder garantir sua segurança. Isso fez com que a família se mudasse da cidade.
Na justiça, os danos causados à adolescente, hoje com 17 anos, foram detalhados como distúrbios psicológicos, síndrome do pânico,
insônia, dificuldade de alimentação, psoríase e pensamentos suicidas. A indenização será paga pelo Departamento de Educação do
Estado de Victoria.
- Seis adolescentes de um povoado de Massachusetts, nos Estados Unidos, estão sendo acusados após uma colega de classe a
quem supostamente perseguiam se suicidar. As acusações são de violação dos direitos civis de Phoebe Prince, uma colega de classe
irlandesa que se suicidou aos 15 anos. Desde que chegou da Irlanda, a garota sofreu bullying por parte de colegas. A menina foi vítima
de assédio verbal, ameaça de agressão física e mensagens hostis através da rede social Facebook. Até ser encontrada enforcada em
um armário de casa. Os jovens se declararam inocentes e terão nova audiência.
- Doze adolescentes com idades entre 12 e 15 anos foram mortos na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo,
zona oeste do Rio de Janeiro, num ataque sem precedentes no Brasil. O atirador, Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, se matou
após ser confrontado por um policial militar. Outros seis adolescentes, atingidos pelos disparos, de um total de 13 feridos, ficaram
internados em hospitais da região. O crime comoveu o país, que nunca havia sido palco de uma tragédia em proporções semelhantes
dentro de uma escola. Nos últimos dez anos, ataques a escolas e universidades tornaram-se comuns nos Estados Unidos, com regis-
tros também na Europa.
De acordo com o relato de familiares, Wellington sofria de esquizofrenia. Esquizofrenia é um grave distúrbio mental caracteriza-
do pela perda de contato com a realidade. A psicose provoca isolamento social e, em alguns casos, delírios e alucinações.
Textos escritos pelo atirador e encontrados pela polícia revelaram fixação por terrorismo e religião. Ele também teria sido vítima
de bullying (abuso emocional e físico) na época em que cursou o ensino fundamental no mesmo colégio. Em anotações e vídeos
encontrados pela polícia, o assassino aponta a humilhação sofrida como motivo para o massacre. O rapaz estava armado com dois re-
vólveres calibres 32 e 38, além de farta munição. Ele usava colete à prova de balas, um cinturão artesanal e uma ferramenta chamada
speadloader, que municia a arma com todas as balas de uma vez.
Por volta das 8h, Wellington chegou à escola e se identificou como ex-aluno. Ele alegou que iria buscar um histórico escolar.
Em seguida, foi até o segundo pavimento, onde entrou em uma das salas, da 8ª. Série, disse que daria uma palestra e, na sequên-
cia, sacou as duas armas de dentro de uma mochila e começou a atirar. O atirador entrou ainda numa outra sala, em frente, e fez mais
disparos. Os alvos preferenciais eram as meninas. Dos 12 estudantes mortos, 10 eram do sexo feminino. E, de um total de 13 feridos,
10 também são meninas. As vítimas tiveram ferimentos em regiões vitais: cabeça e tórax. A matança durou 15 minutos. Segundo a
polícia, o assassino recarregou a arma três vezes e disparou mais de 30 tiros.
Parte dos 400 alunos da escola no período da manhã se refugiou num auditório no terceiro andar do prédio. Outros se trancaram
em salas de aulas com os professores.
Durante o ataque, um aluno, mesmo ferido, conseguiu escapar e avisar uma guarnição da Polícia Militar que fazia uma blitz
no trânsito. O terceiro-sargento, Márcio Alexandre Alves, encontrou o assassino nas escadarias que dão acesso ao terceiro andar do
prédio. De acordo com a polícia, Wellington foi baleado com um tiro de fuzil e, em seguida, se matou com um tiro na cabeça.
Didatismo e Conhecimento 63
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
O massacre em Realengo reabriu o debate sobre a venda de armas no Brasil. Após o episódio, o Governo Federal anunciou
que anteciparia a campanha de desarmamento. Por meio da campanha, o governo indenizará donos de armas que as entreguem às
autoridades. Nas campanhas anteriores, eram pagos entre R$ 100 e R$ 300 por armas entregues à Polícia Federal, fossem ou não
registradas.
No Congresso, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB–AP) apresentou aos líderes de partidos a proposta de realização de
um novo referendo sobre desarmamento. No primeiro referendo, realizado em 23 de outubro de 2005, 63,94% dos eleitores votaram
contra a proibição do comércio de arma de fogo e munição no país. A lei do Estatuto do Desarmamento, regulamentada por decreto
de 1º de julho de 2004, tornou mais rigorosos os critérios para aquisição e porte de arma de fogo no país, além de prever penas espe-
cíficas e mais severas para o comércio e porte ilegal.
O bullying sempre existiu entre nós, mas só hoje é amplamente discutido na mídia e vem despertando um interesse crescente nos
nossos meios acadêmicos. Este trabalho tem a intenção de divulgar esse fato social e suas consequências no nosso país. Multidis-
ciplinar, o bullying tem despertado o interesse de diferentes ramos de atividade, como a educação, a saúde, e, recentemente, a área
jurídica. Trataremos do bullying escolar no Brasil tendo como base as últimas pesquisas nacionais sobre o tema. Iremos conceituar e
caracterizar o bullying. Logo após, conheceremos o posicionamento de alguns especialistas no assunto sobre as providências a serem
tomadas na ocorrência deste fato em ambientes escolares.
No blog Observatório da Criminologia, encontramos o seguinte depoimento: Meu nome é Daniele Vuoto, uma gaúcha de 22
anos. Vim aqui contar um pouco da minha vida escolar para vocês. Desde a pré-escola, quando via alguma coleguinha sendo motivo
de risada, eu ia lá e defendia. Não achava certo! Com o tempo, isso virou contra mim: por virar amiga das vítimas, passei a ser uma.
As desculpas utilizadas na época eram coisas banais: eu ser muito branca, muito loira, as notas altas, e mais tarde minha tendinite
virou motivo de piada também. [...] com 14 anos resolvi mudar de escola. Achava que a mudança seria um recomeço, e não sofreria
mais. Isso foi um grande engano. Aquela escola foi um pesadelo:
Lá, eu era vista como assombração, as pessoas me tratavam como se fosse uma aberração. Berravam quando me viam, empur-
ravam, davam muita risada, roubavam coisas, e o pior: alguns professores apoiavam as atitudes dos meus colegas. Troquei de escola
no meio daquele ano. [...] No ano seguinte, fui para outra escola: a última escola que estudei. Lá, fiz como sempre: via quem estava
sozinho, e fazia amizade. Mais do que nunca, eu era tida como a diferente. [...] Mas consegui fazer duas amigas, e no ano seguinte
fiz amizade com mais duas meninas.
Logo, uma delas começou a dizer o quanto as outras falavam mal de mim. Aquilo foi me incomodando muito, pois já era humi-
lhada todos os dias. [...] Com isso me deprimi mais ainda. Ia caminhando até a escola, e parei de olhar ao atravessar a rua. Para mim,
morrer seria lucro. Estava novamente sozinha numa escola enorme, tentando me refugiar na biblioteca, e até lá sendo perseguida.
Passei a comer menos, a me cortar e ver tudo como uma possível arma para acabar meu sofrimento.
Nas férias de inverno, me fechei mais ainda, não poderia voltar para escola nenhuma. Via meus pais feito loucos me procurando
uma escola nova, e piorava mais ainda por isso. Foi ai que pedi para ir numa psicóloga, e ela contou aos meus pais que, naquele
estado, eu não teria condições de enfrentar uma nova escola. Comecei um tratamento com ela, e em seguida, com um psiquiatra. [...]
Hoje tenho 22 anos, [...] Não tomo mais remédios, nem faço tratamentos. A maior lição que tirei do que aconteceu é que não podemos
acreditar em tudo que dizem de nós, e sim acreditar que as coisas podem mudar, e lutar pra isso! Afinal, enquanto estamos vivos,
ainda temos chance de mudar a nossa história.
O bullying faz muitas vítimas. Em 2005, logo após receber alta do tratamento a que tinha se submetido por ter sido vítima de
bullying, Daniele criou um blog para divulgar o tema no Brasil. Hoje, ela não atualiza mais seu blog, mas, além de colaborar com a
divulgação do assunto, deixou para todos nós um excelente exemplo de superação.
A palavra bullying tem origem no termo inglês bully que significa: brigão, mandão, valentão. A educadora e pesquisadora CLÉO
FANTE descreve esse fenômeno social da seguinte maneira: Bullying é um termo utilizado na literatura psicológica anglo-saxônica,
para designar comportamentos agressivos e antissociais, nos estudos sobre o problema da violência escolar. Universalmente, o
bullying é conceituado como sendo um “conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação
evidente, adotadas por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento, e executadas dentro de uma relação
desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima.” Acrescenta a educadora que “ridicularizações, intimidações, apelidos
pejorativos, ameaças, perseguições, difamações, humilhações, são algumas das condutas empregadas por autores de bullying.”
Didatismo e Conhecimento 64
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Além dessas condutas comissivas, existe o bullying por omissão, que também pode ser devastador, conforme explica o promotor
Lélio Braga Calhau: Ele pode ser produzido com atos de ignorar, “dar um gelo” ou isolar a vítima. Se provocados por um grupo de
alunos numa sala de aula podem ser devastadores para a autoestima de uma criança, por exemplo. Em geral, o bullying praticado com
omissão é mais afeto ao praticado por meninas e é bem sutil. É quase invisível. Se você analisar o ato isolado ele pode não significar
nada, mas são como pequenas agressões, que pouco a pouco vão minando a integridade psicológica da vítima. O pesquisador norue-
guês Dan Olweus estabeleceu alguns critérios importantes para que possamos identificar corretamente os casos de bullying escolar.
O conhecimento desses critérios, ou características, é fundamental para identificarmos o bullying e para o distinguirmos das
outras formas de violência não relacionadas ao fenômeno em estudo. Também não são caracterizadas como bullying aquelas brinca-
deiras impetuosas próprias dessa faixa etária, provenientes daquela busca natural de autoafirmação. Sinteticamente, o bullying tem
três personagens: o agressor, a vítima e o espectador.
Mas, segundo CLÉO FANTE, os estudiosos identificam e classificam os tipos de papéis sociais desempenhados pelos protago-
nistas de bullying de cinco maneiras:
- A vítima típica: que serve de bode expiatório para um grupo;
- A vítima provocadora: que provoca reações que não possui habilidades para lidar;
- A vítima agressora: que reproduz os maus-tratos sofridos;
- O agressor: que vitimiza os mais fracos;
- O espectador: que presencia os maus-tratos. LÉLIO BRAGA CALHAU acrescenta a esses cinco tipos a figura do:
- Novato: aluno transferido de escola que fica fragilizado nas situações de bullying.
As consequências do bullying
Sobre as possíveis consequências dessas agressões, extraímos da cartilha lançada recentemente pelo Conselho Nacional de Jus-
tiça, Bullying – Projeto Justiça nas Escolas, a seguinte informação: a vítima dessa agressão social pode enfrentar ainda na escola e
posteriormente ao longo de sua vida as mais variadas consequências. Tudo vai depender da estrutura da vítima, de suas vivências, da
sua predisposição genética e, também, da forma e da intensidade das agressões sofridas. No entanto, todas as vítimas, em maior ou
menor proporção, sofrem com os ataques de bullying. Muitas dessas pessoas levarão para a vida adulta marcas profundas e, muito
provavelmente, necessitarão de apoio psicológico e/ou psiquiátrico para superar seus traumas.
Após um prolongado período de estresse ao qual a vítima é submetida, o bullying poderá provocar um agravamento de problemas
preexistentes ou desencadear as seguintes consequências: desinteresse pela escola, problemas psicossomáticos, transtorno do pânico,
depressão, fobia escolar, fobia social, ansiedade generalizada, dentre outros. Em casos mais graves, podem-se observar quadros de
esquizofrenia e até homicídio e suicídio. Segue abaixo alguns casos onde, infelizmente, tivemos um final trágico: Em 1999, no Insti-
tuto Columbine (Colorado, EUA), Eric Harris e Dylan Klebold, vítimas de bullying, entraram na escola e passaram a disparar contra
professores e colegas. Após matar doze colegas e um professor, eles se suicidaram.
Em 2005, um aluno de 16 anos matou cinco colegas, um professor e um segurança numa escola de Minnesota (EUA). Em 2006,
na Alemanha, um ex-aluno abriu fogo numa escola e deixou onze feridos (cometeu suicídio em seguida). Em 2007, um estudante,
vítima de bullying, na escola Virginia Tech (EUA) assassinou trinta e duas pessoas e feriu outras quinze. Em novembro de 2007, em
Jokela (Finlândia), oito pessoas foram assassinadas por um aluno, que divulgou um vídeo no YouTube, o qual anunciava o massacre.
No dia 25 de maio de 2008, um aluno de 22 anos matou nove estudantes e um professor em Kauhajoki (Finlândia). Em seguida se
suicidou. - No Brasil, não são incomuns casos de alunos que são flagrados dentro de escolas com armas de fogo. Em 2003, em Taiúva
(SP), um ex-aluno voltou à escola e atirou em seis alunos e numa professora, que sobreviveram ao ataque. Era ex-obeso e vítima
de bullying, e após o atentado, cometeu suicídio. Em 2004, em Remanso (BA), um adolescente matou dois e feriu três, após sofrer
humilhações (era também vítima de bullying).
O bullying é tão antigo quanto os estabelecimentos de ensino. Apesar de existir a muito tempo, somente no início dos anos 70
esse fenômeno passou a ser objeto de estudo científico. Tudo começou na Suécia, quando a sociedade, em sua maioria, demonstrou
preocupação com a violência entre estudantes e suas consequências no âmbito escolar. Essa onda de interesse social em pouco tempo
contagiou os demais países escandinavos. Na Noruega, pais e professores se utilizaram durante anos dos meios de comunicação para
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educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
tornar público a sua preocupação com o bullying. No entanto, jamais as autoridades educacionais se pronunciaram oficialmente sobre
o assunto. No final de 1982, ocorreu uma tragédia ao norte daquele país que marcou a história do bullying nacional.
Três crianças com idade entre 10 e 14 anos se suicidaram. Logo após, as investigações concluíram que elas resolveram se matar
porque foram submetidas a situações de maus-tratos pelos colegas da escola onde estudavam. No ano seguinte, em resposta a grande
mobilização nacional fruto desse acontecimento, foi realizada uma ampla campanha com o objetivo de combater o bullying escolar.
Foi nesse contexto que o pesquisador Dan Olweus iniciou um estudo pioneiro em que participaram aproximadamente 84 mil estu-
dantes, 1000 pais de alunos e 400 professores. O objetivo desse estudo foi avaliar em detalhes como o bullying se apresentava na
Noruega.
A pesquisa concluiu que um em cada sete alunos entrevistados estava envolvido com o bullying escolar como vítima ou agressor.
Essa revelação mobilizou grande parte da sociedade civil daquele país e deu origem a uma campanha nacional antibullying, que rece-
beu amplo apoio do governo. A iniciativa de Olweus fez tanto sucesso que desencadeou outras campanhas semelhantes em diversos
países do mundo. Os primeiros estudos sobre bullying escolar realizados no Brasil, além de restritos à esfera municipal, apenas refle-
tiam os trabalhos europeus existentes até o momento: No Brasil, como reflexo dos trabalhos europeus, encontramos alguns estudos
sobre Bullying no ambiente escolar, realizadas recentemente:
a) O trabalho realizado pela Prof.ª Marta Canfield e colaboradores (1997), em que as autoras procuraram observar os comporta-
mentos agressivos apresentados pelas crianças em quatro escolas de ensino público em Santa Maria (RS), usando uma forma adap-
tada pela própria equipe do questionário de Dan Olweus (1989);
b) As pesquisas realizadas pelos Profs. Israel Figueira e Carlos Neto, em 2000/2001, para diagnosticar o Bullying em duas Esco-
las Municipais do Rio de Janeiro, usando uma forma adaptada do modelo de questionário do TMR;
c) As pesquisas realizadas pela Prof.ª Cleodelice Aparecida Zonato Fante, em 2002, em escolas municipais do interior paulista,
visando ao combate e à redução de comportamentos agressivos. Em 2002 e 2003, a ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofis-
sional de Proteção à Infância e à Adolescência) realizou uma pesquisa em 11 escolas municipais do Rio de Janeiro e um dos dados
levantados que surpreendeu a todos foi que as ocorrências de bullying aconteceram, na sua maioria, em sala de aula (60,2%).
Aramis Lopes Neto, médico do Município do Rio de Janeiro e sócio fundador da ABRAPIA, em artigo científico publicado em
2005, acrescentou que: O bullying é mais prevalente entre alunos com idades entre 11 e 13 anos, sendo menos frequente na educação
infantil e ensino médio. Entre os agressores, observa-se um predomínio do sexo masculino, enquanto que, no papel de vítima, não há
diferenças entre gêneros. O fato de os meninos envolverem-se em atos de bullying mais comumente não indica necessariamente que
sejam mais agressivos, mas sim que têm maior possibilidade de adotar esse tipo de comportamento. Já a dificuldade em identificar-se
o bullying entre as meninas pode estar relacionada ao uso de formas mais sutis. Considerando-se que a maioria dos atos de bullying
ocorre fora da visão dos adultos, que grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida, pode-se entender por que
professores e pais têm pouca percepção do bullying, subestimam a sua prevalência e atuam de forma insuficiente para a redução e
interrupção dessas situações.
Recentemente, o tema atraiu a atenção de uma Organização Não Governamental de origem inglesa, que atua no Brasil desde
1997 e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em parceria com o Ministério da Saúde. Destacamos a seguir alguns
dados que foram coletados por essas pesquisas, que foram considerados por nós, relevantes para este artigo: A PLAN BRASIL reali-
zou em 2009 a pesquisa Bullying no Ambiente Escolar. Esse estudo, que foi o primeiro com abrangência nacional, permitiu conhecer
as situações de maus tratos nas relações entre estudantes dentro da escola, nas cinco regiões do País. Para essa pesquisa foram selecio-
nadas cinco escolas de cada uma das cinco regiões geográficas do País onde 5.168 alunos responderam ao questionário apresentado.
Os fatos colhidos nesse trabalho foram os seguintes: Presenciaram cenas de agressões entre colegas no ano letivo 70 % dos estudantes
pesquisados, enquanto 30% deles vivenciaram ao menos uma situação violenta no mesmo período.
O bullying foi praticado e sofrido por 10% do total de alunos pesquisados, sendo mais comum nas regiões Sudeste e Centro-oeste
do País. Considerando a idade dos alunos, foi na faixa de 11 a 15 anos de idade onde se observou a maior incidência de bullying e
durante esta ocorrência os alunos estavam matriculados na sexta série do ensino fundamental. O IBGE, em parceria com o Ministério
da Saúde, na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2009, coletou dados importantes junto aos estudantes do 9º ano (8ª série) do
ensino fundamental nos Municípios das Capitais Brasileiras e no Distrito Federal. Inicialmente foi levantado que 69,2% dos alunos
disseram não ter sofrido bullying.
O percentual dos que foram vítimas deste tipo de violência, raramente ou às vezes, foi de 25,4% e a proporção dos que disseram
ter sofrido bullying na maior parte das vezes ou sempre foi de 5,4%. O Distrito Federal com (35,6%) seguido por Belo Horizonte
com (35,3%) e Curitiba com (35,2 %) foram às capitais com maiores frequências de escolares que declararam ter sofrido esse tipo de
violência alguma vez nos últimos 30 dias. Foram observadas diferenças por sexo, sendo mais frequente entre os meninos (32,6%) do
Didatismo e Conhecimento 66
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
que entre as meninas (28,3%). Quando comparada a dependência administrativa das escolas, a ocorrência de bullying foi verificada
em maior proporção entre os escolares de escolas privadas (35,9%) do que entre os de escolas públicas (29,5%). Destacamos nas pes-
quisas acima relatadas dois importantes dados: O primeiro foi a faixa etária da maioria dos alunos envolvidos em casos de bullying.
O segundo foi a maior incidência de bullying nos estabelecimentos de ensino privados.
O Estatuto da Criança e do Adolescente positivou diversas garantias e medidas protetivas com o propósito de afiançar um de-
senvolvimento sadio aos infanto-juvenis. O comportamento discriminatório e agressivo dos bullies atenta acintosamente contra o
respeito e a dignidade de suas vítimas ferindo os direitos estatutários transcritos abaixo: Estatuto. Art. 5º Nenhuma criança ou ado-
lescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma
da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de de-
senvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.[...].
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
A violação de quaisquer desses direitos afeta a dignidade do infanto-juvenil, incidindo, portanto, em dano moral. Sendo assim,
as vítimas de bullying poderão contender judicialmente pelo devido ressarcimento, conforme orienta o Professor Fábio Maria De
Mattia: O atentado ao direito à integridade moral gera a configuração de dano moral, que, no caso, será pleiteado pela criança ou ado-
lescente através de seu representante legal. A indenização por dano moral não mais suscita dúvidas, é a consagração do dano moral
direto, em face dos termos do princípio constitucional previsto no art. 5º, X, que dispõe: “São invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Mas, antes que o dano moral ao infanto-juvenil efetivamente ocorra, temos o dever de comunicar essa iminência ao Conselho
Tutelar que é o órgão - administrativo, municipal, permanente e autônomo - encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento
dos direitos da criança e do adolescente. O artigo 13 do Estatuto trata dessa obrigatoriedade de comunicação à autoridade competente
no caso de conhecimento de maus tratos perpetrados contra crianças e adolescentes. Aqueles que não o fizerem incorrerão na pena
prevista no art. 245: Estatuto.
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados
ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Art. 245.
Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou cre-
che, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos
contra criança ou adolescente:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Quanto ao contexto em que está inserido o artigo 13 no Estatuto, Rossato, Lépore e Cunha comentam: Vale ressaltar que apesar
de alocado em meio a dispositivos que versam sobre o direito à saúde e obrigações dos profissionais dessa área, o dever de comu-
nicação de maus tratos também se estende a outros profissionais, a exemplo de professores, responsáveis por estabelecimentos de
ensino, dentre outros, conforme explicita a redação do art. 245 do Estatuto, que considera infração administrativa o descumprimento
dessa determinação legal. Mesmo porque, em se tratando de responsáveis por escolas de ensino fundamental – etapa de ensino onde,
conforme pesquisa da PLAN BRASIL, se verificou a maior incidência de bullying - a lei foi específica ao tratar do assunto:
“Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I - maus-tratos envolvendo seus alunos;[...].”
Na cartilha lançada pelo Conselho Nacional de Justiça encontramos a seguinte orientação dada aos responsáveis pelos estabele-
cimentos de ensino nos casos de bullying:
A escola é corresponsável nos casos de bullying, pois é lá onde os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam
ou se agravam na maioria das vezes. A direção da escola (como autoridade máxima da instituição) deve acionar os pais, os Conse-
lhos Tutelares, os órgãos de proteção à criança e ao adolescente etc. Caso não o faça poderá ser responsabilizada por omissão. Em
situações que envolvam atos infracionais (ou ilícitos) a escola também tem o dever de fazer a ocorrência policial. Dessa forma, os
fatos podem ser devidamente apurados pelas autoridades competentes e os culpados responsabilizados. Tais procedimentos evitam a
impunidade e inibem o crescimento da violência e da criminalidade infanto-juvenil.
Didatismo e Conhecimento 67
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
No entanto, na opinião do Procurador Guilherme Zanina Schelb “a intervenção deve ser ponderada, na medida em que, se, por
um lado, deve fazer cessar a humilhação, por outro, deve estimular na vítima do bullying a capacidade de autodefesa, evitando uma
superproteção prejudicial.” Considerando o caráter multidisciplinar do tema em questão e a necessidade das escolas estarem pre-
paradas para lidar com a questão, Lélio Braga Calhau diz que: Atualmente um grande número de escolas mantém em seus quadros
pedagogos e psicólogos, que, em sendo chamados para ajudar, poderão contribuir muito com a solução dos problemas. A orientação
deve nortear a ação desses profissionais. Chamar a polícia e o Ministério Público, a meu ver, somente nos casos mais graves.
A solução, dentro do possível, deve ser conseguida compartilhando o problema com o grupo de alunos, tendo em vista que os
alunos tendem a voltar a praticar os atos de bullying assim que se colocarem sem supervisão. Sobre a atuação das escolas, também
acrescenta o Professor NELSON JOAQUIM: Cabe, também, às instituições escolares, se necessário, reprimir atos de indisciplina
praticados por alunos e aplicar as penalidades pedagógicas nos casos previstos no regimento escolar ou interno. Entretanto, deve
esgotar todos os recursos sociopedagógicos a ela inerente, inclusive ter uma equipe especializada de profissionais, como psicope-
dagogos e profissionais afins, para atuar de forma preventiva nos distúrbios ou problemas de aprendizagem. Porém, sendo inócua a
tentativa de resolver o problema diretamente com os alunos e esgotadas todas as possibilidades pertinentes ao caso concreto “é o caso
de acionar o Conselho Tutelar e o Ministério Público.” complementa Lélio Braga Calhau.
Ao final, acrescenta o eminente Promotor que “embora a polícia possa participar hoje com grupos de acompanhamento escolar,
chamar a polícia pode assustar demasiadamente os alunos e provocar o retraimento, o que dificultaria qualquer medida negociada.”
Finalmente, gostaríamos de destacar que, antes que seja necessário o acionamento das autoridades competentes, a prevenção sempre
será o melhor a ser feito pelos estabelecimentos de ensino. As escolas têm feito isso através de programas ou campanhas esclarecedo-
ras sobre o tema. Considerando que o bullying é uma realidade nas escolas do nosso país, encerraremos este artigo com um programa
de intervenção escolar criado pelo professor Dan Olweus que é referência internacional. Esse programa tem sido implementado
preventivamente em diversas escolas pelo mundo. Resumidamente, o programa tem as seguintes propostas:
- estudo de questionário;
- jornada escolar com debates sobre os problemas de agressores e vítimas;
- melhor vigilância durante o recreio e na hora da alimentação;
- zonas de descanso da escola mais atrativas;
- telefone para contato; reunião de pais e funcionários da escola;
- grupos de professores para o desenvolvimento do meio social da escola;
- círculos de pais.
Medidas individuais:
- falar seriamente com agressores e vítimas; falar seriamente com os pais dos envolvidos;
- uso de criatividade por parte dos professores e pais;
- ajuda de alunos “neutros”;
- ajuda e apoio para os pais (cartilhas para os pais etc.);
- grupos de debate para pais de agressores e de vítimas; troca de turma ou de escola.
Ao prevenir, os estabelecimentos de ensino estarão em consonância com o prudente artigo 70 do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente que institui: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.” Os
estudos levados a efeito sobre a ocorrência do bullying no Brasil e os direitos da criança e do adolescente autorizam as seguintes
conclusões: A vítima de bullying pode enfrentar ainda na escola e posteriormente ao longo de sua vida as mais variadas consequên-
Didatismo e Conhecimento 68
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
cias. Muitas dessas pessoas levarão para a vida adulta marcas profundas e, muito provavelmente, necessitarão de apoio psicológico e/
ou psiquiátrico para superar seus traumas. De acordo com pesquisas realizadas no Brasil: foi na faixa de 11 a 15 anos de idade onde
se observou a maior incidência de bullying entre os alunos e foi em estabelecimentos de ensino privado onde o bullying ocorreu em
maior proporção.
O comportamento discriminatório e agressivo dos bullies atenta acintosamente contra o respeito e a dignidade de suas vítimas,
violando direitos que afeta a dignidade do ofendido, incidindo, portanto, em dano moral. Caracterizado o dano moral por terem sido
ofendidas em sua dignidade, as vítimas de bullying poderão contender judicialmente pelo devido ressarcimento. Diante da iminência
do dano moral ao infanto-juvenil, todos têm o dever de comunicar o fato ao Conselho Tutelar, que é o órgão encarregado de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Aqueles que não o fizerem incorrerão na pena prevista no art. 245 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Antes que seja necessário o acionamento das autoridades competentes para se resolva os casos de bullying, a prevenção sempre
será o melhor a ser feito pelos estabelecimentos de ensino. Permanecendo o problema, deve-se tentar resolve-lo diretamente com os
alunos. Sendo inócua essa tentativa e esgotadas todas as possibilidades pertinentes ao caso concreto o estabelecimento de ensino deve
acionar o Conselho Tutelar e o Ministério Público.
O papel da escola
A sociedade tem avançado em vários aspectos, e mais do que nunca é imprescindível que a escola acompanhe essas evoluções,
que ela esteja conectada a essas transformações, falando a mesma língua, favorecendo o acesso ao conhecimento que é o assunto
crucial a ser tratado neste trabalho.
É importante refletirmos sobre que tipo de trabalho temos desenvolvido em nossas escolas e qual o efeito, que resultados temos
alcançado. Qual é na verdade a função social da escola? A escola está realmente cumprindo ou procurando cumprir sua função, como
agente de intervenção na sociedade? Eis alguns pressupostos a serem explicitados nesse trabalho. Para se conquistar o sucesso se faz
necessário que se entenda ou e que tenha clareza do que se quer alcançar, a escola precisa ter objetivos bem definidos, para que possa
desempenhar bem o seu papel social, onde a maior preocupação – o alvo deve ser o crescimento intelectual, emocional, espiritual do
aluno, e para que esse avanço venha fluir é necessário que o canal (escola) esteja desobstruído.
A Escola no Passado
A escola é um lugar que oportuniza, ou deveria possibilitar as pessoas à convivência com seus semelhantes (socialização). As
melhores e mais conceituadas escolas pertenciam à rede particular, atendendo um grupo elitizado, enquanto a grande maioria teria
que lutar para conseguir uma vaga em escolas públicas com estrutura física e pedagógica deficientes.
O país tem passado por mudanças significativas no que se refere ao funcionamento e acesso da população brasileira ao ensino
público, quando em um passado recente era privilégio das camadas sociais abastadas (elite) e de preferência para os homens, as
mulheres mal apareciam na cena social, quando muito as únicas que tinham acesso à instrução formal recebiam alguma iniciação em
desenho e música.
A política de atuação da equipe pedagógica é de suma importância para a elevação da qualidade de ensino na escola, existe a ne-
cessidade urgente de que os coordenadores pedagógicos não restrinjam suas atribuições somente à parte técnica, burocrática, elaborar
horários de aulas e ainda ficarem nos corredores da escola procurando conter a indisciplina dos alunos que saem das salas durante
as aulas, enquanto os professores ficam necessitados de acompanhamento. A equipe de suporte pedagógico tem papel determinante
no desempenho dos professores, pois dependendo de como for a política de trabalho do coordenador o professor se sentirá apoiado,
incentivado. Esse deve ser o trabalho do coordenador: incentivar, reconhecer, e elogiar os avanços e conquistas, em fim o sucesso
alcançado no dia a dia da escola e consequentemente o desenvolvimento do aluno em todos os âmbitos.
Função do Professor
Ao professor compete a promoção de condições que favoreçam o aprendizado do aluno, no sentido do mesmo compreender o
que está sendo ministrado, quando o professor adota o método dialético; isso se torna mais fácil, e essa precisa ser a preocupação
do mesmo: facilitar a aprendizagem do aluno, aguçar seu poder de argumentação, conduzir ás aulas de modo questionador, onde o
aluno- sujeito ativo estará também exercendo seu papel de sujeito pensante; que dá ótica construtivista constrói seu aprendizado,
através de hipóteses que vão sendo testadas, interagindo com o professor, argumentando, questionando em fim trocando ideias que
produzem inferências.
Didatismo e Conhecimento 69
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
O planejamento é imprescindível para o sucesso cognitivo do aluno e êxito no desenvolvimento do trabalho do professor, é como
uma bússola que orienta a direção a ser seguida, pois quando o professor não planeja o aluno é o primeiro a perceber que algo ficou a
desejar, por mais experiente que seja o docente, e esse é um dos fatores que contribuem para a indisciplina e o desinteresse na sala de
aula. É importante que o planejar aconteça de forma sistematizada e contextualizado com o cotidiano do aluno – fator que desperta
seu interesse e participação ativa.
Um planejamento contextualizado com as especificidades e vivências do educando, o resultado será aulas dinâmicas e prazero-
sas, ao contrário de uma prática em que o professor cita somente o número da página e alunos abrem seus livros é feito uma explica-
ção superficial e dá-se por cumprido a tarefa da aula do dia, não houve conversa, dialética, interação.
A cultura organizacional do gestor é decisiva para o sucesso ou fracasso da qualidade de ensino da escola, a maneira como ele
conduz o gestionamento das ações é o foco que determinará o sucesso ou fracasso da escola. De acordo com Libâneo (2005), carac-
terísticas organizacionais positivas eficazes para o bom funcionamento de uma escola: professores preparados, com clareza de seus
objetivos e conteúdos, que planejem as aulas, cativem os alunos.
Um bom clima de trabalho, em que a direção contribua para conseguir o empenho de todos, em que os professores aceitem
aprender com a experiência dos colegas.
Clareza no plano de trabalho do Projeto pedagógico-curricular que vá de encontro às reais necessidades da escola, primando por
sanar problemas como: falta de professores, cumprimento de horário e atitudes que assegurem a seriedade, o compromisso com o
trabalho de ensino e aprendizagem, com relação a alunos e funcionários.
Quando o gestor, com seu profissionalismo conquista o respeito e admiração da maioria de seus funcionários e alunos, há um
clima de harmonia que predispõe a realização de um trabalho, onde, apesar das dificuldades, os professores terão prazer em ensinar
e alunos prazer em aprender.
A escola é uma instituição social com objetivo explícito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e afetivas
dos alunos, por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, atitudes, e valores) que, aliás,
deve acontecer de maneira contextualiazada desenvolvendo nos discentes a capacidade de tornarem-se cidadãos participativos na
sociedade em que vivem.
Eis o grande desafio da escola, fazer do ambiente escolar um meio que favoreça o aprendizado, onde a escola deixe de ser apenas
um ponto de encontro e passe a ser, além disso, encontro com o saber com descobertas de forma prazerosa e funcional, conforme
Libâneo (2005) devemos inferir, portanto, que a educação de qualidade é aquela mediante a qual a escola promove, para todos, o do-
mínio dos conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas indispensáveis ao atendimento de necessidades
individuais e sociais dos alunos.
A escola deve oferecer situações que favoreçam o aprendizado, onde haja sede em aprender e também razão, entendimento da
importância desse aprendizado no futuro do aluno. Se ele compreender que, muito mais importante do que possuir bens materiais, é
ter uma fonte de segurança que garanta seu espaço no mercado competitivo, ele buscará conhecer e aprender sempre mais.
Analisando os resultados da pesquisa de campo (questionário) observamos que os jovens da turma analisada não possuem pers-
pectivas definidas quanto à seriedade e importância dos estudos para suas vidas profissional, emocional, afetiva. A maioria não tem
hábito de leitura, frequenta pouquíssimo a biblioteca, outros nunca foram lá. A escola é na verdade um local onde se encontram,
conversam e até namoram. Há ainda, a questão de a família estar raramente na escola, não existe parceria entre a escola e família,
comunidade a escola ainda tem dificuldades em promover ações que tragam a família para ser aliadas e não rivais, a família por sua
vez ainda não concebeu a ideia de que precisa estar incluída no processo de ensino e aprendizagem independente de seu nível de
escolaridade, de acordo com Libâneo (2005), “o grande desafio é o de incluir, nos padrões de vida digna, os milhões de indivíduos
excluídos e sem condições básicas para se constituírem cidadãos participantes de uma sociedade em permanente mutação”.
Políticas que fortaleçam laços entre comunidade e escola é uma medida, um caminho que necessita ser trilhado, para assim
alcançar melhores resultados. O aluno é parte da escola, é sujeito que aprende que constrói seu saber, que direciona seu projeto de
vida, assim sendo a escola lida com pessoas, valores, tradições, crenças, opções e precisa estar preparada para enfrentar tudo isso.
Informar e formar precisa estar entre os objetivos explícitos da escola; desenvolver as potencialidades físicas, cognitivas e afeti-
vas dos alunos, e isso por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, atitudes e valores), fará
com que se tornem cidadãos participantes na sociedade em que vivem.
Uma escola voltada para o pleno desenvolvimento do educando valoriza a transmissão de conhecimento, mas também enfatiza
outros aspectos: as formas de convivência entre as pessoas, o respeito às diferenças, a cultura escolar. (Progestão 2001).
Didatismo e Conhecimento 70
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Ao ouvir depoimentos de alunos que afirmaram que a maioria das aulas são totalmente sem atrativos, professores chegam à
sala cansados, desmotivados, não há nada que os atraem a participarem, que os desafiem a querer aprender. È importante ressaltar a
importância da unidade de propostas e objetivos entre os coordenadores e o gestor, pois as duas partes falando a mesma linguagem o
resultado será muito positivo que terá como fruto a elevação da qualidade de ensino.
Contudo, partindo do pressuposto de que a escola visa explicitamente à socialização do sujeito é necessário que se adote uma
prática docente lúdica, uma vez que ela precisa estar em sintonia com o mundo, a mídia que oferece: informatização e dinamismo.
Considerando a leitura, a pesquisa e o planejamento ferramentas básicas para o desenvolvimento de um trabalho eficaz, e ainda
fazendo uso do método dialético, o professor valoriza as teses dos alunos, cultivando neles a autonomia e autoestima o que conse-
quentemente os fará ter interesse pelas aulas e o espaço escolar então deixará de ser apenas ponto de encontro para ser também lugar
de crescimento intelectual e pessoal.
Para que a escola exerça sua função como local de oportunidades, interação e encontro com o outro e o saber, para que haja esse
paralelo tão importante para o sucesso do aluno o bom desenvolvimento das atribuições do coordenador pedagógico tem grande
relevância, pois a ele cabe organizar o tempo na escola para que os professores façam seus planejamentos e ainda que atue como
formador de fato; sugerindo, orientando, avaliando juntamente os pontos positivos e negativos e nunca se esquecendo de reconhecer,
elogiar, estimular o docente a ir em frente e querer sempre melhorar, ir além.
O fato de a escola ser um elemento de grande importância na formação das comunidades torna o desenvolvimento das atribuições
do gestor um componente crucial, é necessário que possua tendência crítico-social, com visão de empreendimento, para que a escola
esteja acompanhando as inovações, conciliando o conhecimento técnico à arte de disseminar ideias, de bons relacionamentos inter-
pessoais, sobretudo sendo ético e democrático. Os coordenadores por sua vez precisam assumir sua responsabilidade pela qualidade
do ensino, atuando como formadores do corpo docente, promovendo momentos de trocas de experiências e reflexão sobre a prática
pedagógica, o que trará bons resultados na resolução de problemas cotidianos, e ainda fortalece a qualidade de ensino, contribui para
o resgate da autoestima do professor, pois o mesmo precisa se libertar de práticas não funcionais, e para isso a contribuição do coor-
denador será imprescindível, o que resultará no crescimento intelectual dos alunos.
Irritabilidade, isolamento, tristeza e queda no rendimento escolar são comuns em adolescentes em determinados momentos do
desenvolvimento. Mas, se esses sintomas vêm acompanhados da recusa alimentar progressiva ou dos excessos à mesa, é bom ficar
atento. Esses são os sinais mais comuns de transtorno alimentar, um problema que vem crescendo em todo o mundo.
Em geral, esses males levam o jovem a assumir uma mudança repentina de comportamento em relação à comida, seja por meio
da rejeição ou da compulsão. Outro indício claro de transtorno alimentar é a insatisfação com o próprio corpo. “Durante a adoles-
cência, os transtornos alimentares mais frequentes são a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar”, afirma o psi-
quiatra Adriano Segal, diretor de psiquiatria e transtornos alimentares da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade
e da Síndrome Metabólica).
De acordo com o psiquiatra da Abeso, os transtornos alimentares são mais comuns entre as meninas, mas podem atingir meninos
também.
Cada um dos problemas possui sintomas específicos. No caso da anorexia nervosa, é comum que o adolescente apresente baixo
peso para sua altura e idade, medo exagerado de engordar e distorção da imagem corporal. Assim, uma garota que sofre desse trans-
torno verá sua imagem diferente no espelho e, mesmo sendo magra, poderá se enxergar com medidas mais avantajadas.
O bulímico, pelo contrário, não costuma ter oscilações de peso, o que dificulta o diagnóstico da doença pela família. “Ele normal-
mente come de forma compulsiva, em grandes quantidades. Porém, logo após a refeição, para compensar o abuso, induz o vômito,
toma laxantes, diuréticos ou se submete a dietas extremamente restritivas e à prática de atividade física compulsiva”, diz o psiquiatra
Glauber Higa Kaio, do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Assim como a bulimia, a compulsão alimentar é caracterizada pelo descontrole diante da comida, porém quem sofre desse mal
não cria nenhuma estratégia de compensação e acaba ganhando peso. “A pessoa fica deprimida e com forte sentimento de culpa por
ter comido em excesso. Com o tempo, isso pode levar a uma condição de isolamento”, afirma a psicóloga Marilice Rubbo de Carva-
lho, especialista em transtornos alimentares pela Escola Paulista de Medicina.
Outros sinais ajudam a fechar o diagnóstico de transtorno alimentar, como, por exemplo, evitar fazer as refeições com os pais,
passar muito tempo no banheiro logo depois de comer, ter certa obsessão por alimentos lights e diets e contar as calorias de tudo o
que consome.
“Obviamente, cabe aos pais estimular hábitos saudáveis. Mas é preciso estar atento para perceber quando esse aspecto da preo-
cupação com o que come se torna exacerbado. Na dúvida, vale procurar orientação profissional”, declara o psicólogo Marco Antonio
De Tommaso.
De acordo com o especialista, esses transtornos são mais comuns no final da adolescência. Porém, vêm crescendo significativa-
mente os casos entre jovens a partir dos 12 anos, em grande parte por conta do padrão de beleza valorizado atualmente, que parte do
corpo esguio como um modelo a ser perseguido.
Didatismo e Conhecimento 71
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
O papel dos pais
Pediatras ou mesmo clínicos gerais fazem o diagnóstico do transtorno alimentar, porém, uma vez descoberto o problema, o ideal
é procurar um psiquiatra ou um profissional especializado na doença.
Ignorar os sinais ou adiar o tratamento pode ser perigoso. “O risco é o adolescente desenvolver um quadro de desnutrição grave,
que certamente vai deixá-lo debilitado. No caso da compulsão alimentar, o perigo é ganhar peso e desenvolver doenças crônicas
associadas à obesidade, como diabetes e colesterol alto”, afirma a endocrinologista Maria Edna de Melo, do Grupo de Obesidade e
Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
E, muito além de levar o filho ao médico, é importante que os pais se orientem e acompanhem de perto o tratamento, já que a
taxa de reincidência é grande. “Os pais devem ser um modelo de comportamento dentro de casa, alimentando-se adequadamente e
mantendo hábitos de vida saudáveis, mas sem exageros”, diz Kaio, da Unifesp.
Segundo o psiquiatra, é necessário conversar bastante com o adolescente. “Os pais devem se colocar sempre na posição de quem
quer ajudar a encontrar recursos para vencer o problema, evitando julgar, criticar ou resolver na base do conflito. Se o adolescente se
sente acuado ou confrontado, as chances do tratamento dar certo diminuem”, declara a psicanalista Dirce de Sá Freire, professora do
curso de transtornos alimentares da PUC do Rio de Janeiro.
Escolhas sexuais
Escolher por quais caminhos seguir e que decisões tomar é difícil em qualquer fase da vida. Durante a juventude tomar decisões
e fazer escolhas são grandes tormentos, gerando dúvidas e conflitos. Quando o assunto é a sexualidade as dúvidas parecem ser ainda
maiores.
O comportamento do jovem mudou nos últimos anos, a sexualidade é vista de maneira bastante banalizada, assim como também
os relacionamentos afetivos. A aparente liberdade gera conflito, principalmente entre os jovens que estão vivendo um momento de
transição entre a adolescência e a vida adulta.
Seguir os valores herdados da família, ou assumir o comportamento adotado pelo grupo? Essa segundo Ana Cláudia Bortolozzi
Maia, professora do departamento de Psicologia da Unesp de Bauru é uma dúvida muito frequente entre os jovens. Ela ressalta que
para se sentirem inseridos no grupo, os jovens adotam comportamentos, como consumir bebidas alcoólicas e drogas ou assumir
determinados comportamentos sexuais, sem estarem de fato conscientes dessas atitudes e, portanto, preparados para as possíveis
consequências dessas escolhas. É preciso refletir sempre os “porquês” das nossas atitudes, especialmente quando elas exigem res-
ponsabilidades pessoais e sociais.
Atualmente, os jovens estão iniciando a vida sexual mais cedo. A sexualidade tem sido discutida de forma mais “aberta”, nos
discursos pessoais, nos meios de comunicação, na literatura e artes. Entretanto, segundo a professora Ana Cláudia, essa aparente
“liberdade sexual” não torna as pessoas mais “livres”, pois ainda há bastante repressão e preconceito sobre o assunto. Além disso, as
regras de como devemos nos comportar sexualmente prevalecem em todos os discursos, o que torna uma questão velada de repressão.
Ela cita a questão da virgindade feminina, que antes era supervalorizada e hoje é vista como um problema para muitas meninas.
Muitas garotas iniciam a vida sexual de forma precipitada, mais para responder a uma exigência do grupo do que a uma escolha
pessoal, o que as tornam menos propensas a assumir as responsabilidades que uma vida sexual ativa requer. Ana Cláudia explica
que essa cobrança do grupo, também é vista como um tipo de repressão, pois parece que hoje as pessoas perderam a possibilidade
de assumir ‘ser’ ou ‘não ser’ virgem, diante da cobrança do grupo social. Outro exemplo diz respeito às cobranças exigidas ao papel
feminino. Atualmente, cobra-se da mulher a entrada no mercado de trabalho, e por consequência isso pode resultar em uma maior
autonomia. Mas, apesar disso, ainda hoje é exigido também da mulher que ela se case, tenha filhos e seja uma boa mãe. Ter que se
casar ou ter filhos parecem condições inerentes à felicidade pessoal. A mulher que tem uma opção de vida diferente dessa é vista
como infeliz.
Outro exemplo ainda, diz respeito aos relacionamentos amorosos. Na década de 80 surge a expressão “ficar com”. Essa expressão
representa uma nova condição de relacionamento em que as pessoas irão manter contatos físicos e afetivos durante um curto tempo,
sem que isso signifique um vínculo duradouro. O “ficar com”, apesar de aparentar uma grande liberdade sexual está repleto de regras.
Essas regras dependem do grupo social (idade, classe social e educacional) e momento histórico. Ana Cláudia considera esse com-
portamento um avanço nas relações afetivas, pois acredita que há uma maior possibilidade de escolher parceiros e de experimentar as
sensações prazerosas do toque com o outro, sem que esse relacionamento necessariamente leve ao “casamento”. Isso, para ela, é um
fator importante no desenvolvimento afetivo do jovem. No entanto, alerta para uma possível banalização das relações, quando jovens
ficam com “usando o outro como objeto”, o que muitas vezes pode provocar frustrações para ambas as partes envolvidas.
O jovem do século XXI é visto como livre, bem informado, “antenado” com os acontecimentos, mas as pesquisas mostram que
quando o assunto é sexo há muitas dúvidas e conflitos. Desde dúvidas específicas sobre questões biológicas, como as doenças sexu-
almente transmissíveis, até conflitos sobre os valores e as atitudes que devem tomar em determinadas situações.
Didatismo e Conhecimento 72
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Apesar de iniciarem a vida sexual mais cedo, os jovens não têm informações e orientações suficientes. A mídia, salvo exceções,
contribui para a desinformação sobre sexo e a deturpação de valores. A superbanalização de assuntos relacionados à sexualidade e
das relações afetivas gera dúvidas e atitudes precipitadas. Isso pode levar muitos jovens a se relacionarem de forma conflituosa com
os outros e também com a própria sexualidade.
Existe muita preocupação por parte dos jovens em entrar em um padrão. Tanto meninas quando meninos, ainda reproduzem o
comportamento machista de anos atrás. Para a professora Ana Cláudia as garotas ainda sonham com um “príncipe encantado” (que
seja um bom partido: fiel e bem sucedido na vida) e os garotos com uma “bela princesa” (que seja adequada aos padrões de beleza
física, com indícios de uma futura boa dona de casa e mãe de família, mesmo que possa almejar o mercado de trabalho). Essas expec-
tativas retratam determinadas características, que só reproduzem a repressão e o machismo, que atualmente se encontra mascarado.
Os jovens, de maneira geral, ainda se preocupam em seguir padrões de comportamento. Ana Cláudia ressalta que ainda que so-
ciedade imponha certo tipo de comportamento sexual e afetivo considerado normal, o que dever ser levado em conta é o bem estar
de cada um.
Enfim, hoje existe uma aparente liberdade sexual. Ao mesmo tempo em que as pessoas são, em comparações há anos anteriores,
mais livres para fazer escolhas no campo afetivo e sexual, ainda há muita cobrança por parte da sociedade, e esta cobrança acaba
sendo internalizada, e assim as pessoas acabam assumindo comportamentos e valores adotados pela maioria.
Apesar da necessária identificação com o grupo, para que nos reconheçamos no outro, todos nós temos as nossas individuali-
dades que devem ser respeitadas. Devemos refletir que nossas atitudes refletem nossa história pessoal de educação sexual, repleta
de valores e concepções. Parece arriscado assumir comportamentos apenas para seguir os padrões, por considera-los certos, sem
refletir sobre eles. Seria melhor se vivêssemos de acordo com nossos valores, mas sempre tendo consciência das responsabilidades
das escolhas que fazemos, não só durante a juventude, mas ao longo de toda a vida. Você já pensou sobre isso? (Texto adaptado de
MAIA, A. C. B.).
4 TEORIAS DO CURRÍCULO.
Ao entender educação como um processo que consiste em modificar padrões de comportamento das pessoas, Tyler compreende
o currículo como o conjunto de objetivos educacionais e conteúdos que visam desenvolver determinados comportamentos, os quais
se delineiam a partir dos objetivos e se concretizam a partir dos conteúdos. A partir destes pressupostos defendidos pelo autor, este
texto visa discorrer sobre os argumentos e exemplos utilizados na obra de Tyler, Princípios Básicos de Currículo e Ensino, os quais
compõem um arcabouço teórico que se propõe a servir como referencial na elaboração de currículos eficazes.
O autor compreende como essencial a definição dos objetivos educacionais coerentes a cada projeto educacional. Por isso,
ele inicia com uma exposição sobre fontes para a construção de tais objetivos. Tyler acredita que é possível realizar pesquisas que
forneçam informações e conhecimentos úteis na decisão a respeito de objetivos educacionais. Assim, o autor apresenta três fontes
(estudos dos próprios alunos, da vida contemporânea fora da escola e dos conhecimentos científicos acumulados, representados pelas
sugestões fornecidas por especialistas em disciplinas) que podem ser utilizadas para obter informações que sejam satisfatórias nesse
sentido. Para isso, o autor expõe brevemente que tipos de informação podem ser obtidos de cada uma dessas fontes e como essas
informações podem sugerir objetivos educacionais significativos.
A primeira fonte destacada, um estudo dos próprios alunos, procuraria identificar as mudanças necessárias nos padrões de com-
portamento dos estudantes que competiria à educação produzir.
Desse modo, esses estudos devem investigar quais as necessidades/carências e os interesses dos alunos. Pois, os esforços da
escola devem ser focados, particularmente, em falhas sérias no desenvolvimento atual dos estudantes e não reproduzir experiências
educacionais já fornecidas de uma forma adequada fora desta. Assim, a escola pode dar motivação e significado às suas próprias
atividades, oferecendo aos alunos meios de atenderem as necessidades que não foram devidamente satisfeitas fora desta. E também
porque, a educação é um processo ativo, que envolve os esforços ativos dos próprios alunos. Geralmente, estes só aprendem aquelas
coisas que fazem. Portanto, se as situações escolares versam sobre assuntos de interesse do aluno, ele participará ativamente dessas
situações e aprenderá a lidá-las com eficiência.
Porém, Tyler afirma que, embora esses estudos sejam úteis, não há uma fórmula única para inferir objetivos educacionais dos
dados sobre alunos, o que pode resultar em várias interpretações possíveis; ou seja, a filosofia de vida e de educação que orienta
o professor influi na interpretação dos dados dessa espécie. Dessa forma, segundo o autor, fica evidente que os objetivos não são
identificados automaticamente pela coleta de informações sobre os estudantes. Além disso, ainda sobre esses estudos, ele sugere
que o professor, ao derivar objetivos de estudo das necessidades dos alunos, deve identificar as implicações relevantes aos objetivos
educacionais e não confundi-las com aquelas que não se relacionam ao alcance da educação.
Didatismo e Conhecimento 73
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
A segunda fonte, estudos da vida contemporânea, é considerada importante para derivação de objetivos educacionais, porque, ao
focar os esforços da educação sobre aspectos essenciais da vida e sobre aqueles aspectos que têm importância atualmente, não ocor-
reria desperdício do tempo dos alunos na aprendizagem de coisas que eram importantes tempos atrás, mas que já não têm significação
hoje, ao mesmo tempo em que se identificaria as áreas da vida que são importantes agora e que não são oferecidas pelas escolas.
Além disso, o aluno teria muito mais chance de aplicar a sua aprendizagem, quando reconhecesse a semelhança entre as situações
encontradas na vida e as situações em que ocorreu a aprendizagem.
No entanto, Tyler destaca várias críticas que são feitas a esses estudos. Segundo ele, a identificação das atividades contemporâ-
neas não indica, por si mesma, a desejabilidade das mesmas. Isto pelo fato de a vida estar em contínua transformação, preparar os
alunos para resolver os problemas de hoje é torná-los incapazes de fazer frente aos problemas que encontrarão como adultos, pois
estes terão mudando; entre outras. Em geral, de acordo com o autor, essas críticas se aplicam à derivação de objetivos unicamente a
partir desses estudos, o que não aconteceria se os objetivos fossem derivados em conjunto com outras fontes.
A terceira fonte, sugestões sobre objetivos, fornecidos por especialistas em disciplinas, é a mais usada em escolas e faculdades
típicas, de acordo com Tyler. Os livros e textos escolares e universitários são geralmente escritos por especialistas na matéria e refle-
tem, em grande parte, as opiniões desses especialistas. O autor afirma que muitas críticas têm sido feitas à adoção dessas sugestões,
porque os objetivos que eles propõem são demasiado técnicos e especializados, ou inadequados, sob outros pontos de vista, a um
grande número de alunos.
Ele acredita ser provável que a inadequação de muitas listas de objetivos sugeridos por esses especialistas provenha de não terem
feito a estes as perguntas apropriadas, como por exemplo, “Com que pode contribuir a sua disciplina para a educação de jovens que
não se destinam a ser especialistas no seu campo; qual pode ser a contribuição da sua disciplina para o leigo, o cidadão comum?
Tyler também ressalta que os relatórios mais recentes sobre currículos indicam que os especialistas em disciplinas podem fazer
sugestões de muito proveito em resposta a essa pergunta. Ele cita os relatórios de grupos de inglês, literatura, de ciências e de artes
plásticas. De acordo com o autor, geralmente, duas espécies de sugestões podem ser obtidas desses relatórios no que se relaciona aos
objetivos: uma lista de sugestões sobre as funções amplas que uma determinada matéria pode desempenhar e outra que diz respeito a
contribuições particulares que uma disciplina pode trazer para outras grandes funções educacionais e que talvez não sejam conside-
radas como funções exclusivas da disciplina em causa.
O posicionamento de Tyler é claro quando afirma que nenhuma fonte pode ser exclusiva na definição dos objetivos educacionais,
pois nenhuma fonte isolada de informação é adequada para fornecer uma base para decisões amplas e criteriosas sobre objetivos
educacionais. Ele defende a necessidade de dar a cada uma das fontes alguma consideração no planejamento de qualquer programa
curricular que procure ser tão completo quanto possível, ou seja, todas elas devem auxiliar na composição dos objetivos.
No entanto, como todos os métodos utilizados em cada uma das fontes resultam em um número muito grande de sugestões, é
necessário, como crivo, uma base filosófica da instituição educacional que determina o que é essencial para os pressupostos educati-
vos e uma orientação psicológica que distingue o que é possível ou não de se atingir no processo de aprendizagem de determinados
grupos; ou seja, quais as metas que são atingíveis. Uma vez definidos os objetivos educacionais, elencam-se os conteúdos e temas a
serem desenvolvidos, os quais tendem a corresponder, no processo pedagógico, de forma mais eficaz, para alcançar o comportamento
desejável, que será avaliado por uma série de métodos e procedimentos tão complexos quanto aqueles realizados para construir os
objetivos.
Dessa forma, os objetivos educacionais são o ponto de partida e de chegada da avaliação. De um lado, os objetivos definem as
formas de avaliação, de outro estas formas de avaliação analisam em que medida estes objetivos estão sendo alcançados. Vale res-
saltar que o autor aponta a avaliação como instrumento para averiguar de que forma os planos de experiências de aprendizagem (que
foram construídos com base nos objetivos educacionais e conteúdos definidos por estes) estão conseguindo funcionar como “guias
para obtenção dos resultados desejados” (TYLER, 1979). Dessa forma, a avaliação visa “medir” o processo de desenvolvimento do
aluno no período de início ao término das experiências de aprendizagens previstas. Para Tyler, só assim será possível identificar as
modificações ocorridas.
Tendo em vista que os objetivos educacionais apontam para o desenvolvimento de comportamentos desejáveis e que tais com-
portamentos envolvem pensamento, sentimento e ação, não é possível utilizar um único instrumento de avaliação. Nesse ponto, Tyler
se distancia da avaliação como conjunto de testes e exames, unicamente.
Embora, sem descartar estas formas de avaliação, o autor acrescenta também instrumentos de avaliação como observação de
comportamentos diários, como de alimentação, uso dos espaços da escola (biblioteca, sala de artes, laboratórios, etc.), relações so-
ciais no âmbito escolar, entrevistas, questionários, amostragens e produções em sala de aula. Os métodos podem ser tão variados
quanto forem os objetivos educacionais.
Diante da proposição do autor sobre a função da avaliação no processo educativo, de um lado, ressaltamos duas questões que
entendemos como positivas: a compreensão de avaliação como um processo e não apenas resultado, e a valorização de variados ins-
trumentos de avaliação. Esta postura frente à avaliação permite o acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno, da mesma
forma que permite ao mesmo ser avaliado não apenas sob um aspecto, democratizando as formas de expressão de sua aprendizagem.
Didatismo e Conhecimento 74
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Por outro lado, questionamos o objetivo da avaliação frente ao processo educativo. A nosso ver, a avaliação está centrada no aluno
e na metodologia, tendo como norte os objetivos educacionais, o que abre pouco espaço para repensar os objetivos educacionais e
conteúdos traçados para o processo educativo.
O autor defende a ideia de que os objetivos educacionais, cerne do currículo, devam estar relacionados diretamente ao compor-
tamento desejado. Analisa o comportamento sob o aspecto lato, ou seja, pensamento, sentimento e ação. O currículo visto assim é
entendido como uma organização estabelecida e direcionada, com intenções definidas e claras. Pode-se perceber uma ideia de cur-
rículo extremamente ligada a uma preocupação: ele é incisivo na definição dos objetivos. Embora defenda que tais objetivos sejam
construídos a partir de diversas fontes, estes serão o resultado do crivo de um “elaborador”, que à luz de sua neutralidade e cientifi-
cidade irá apontar quais os objetivos mais adequados para determinado projeto educacional.
Sua obra escrita, no contexto da racionalidade e do positivismo, evidencia várias lacunas de reflexão, como por exemplo, uma
discussão de classes, sujeitos e poder. Poderíamos nos perguntar: de que sujeito e experiências, Tyler se refere? Por tratar-se de um
contexto histórico e social, onde as relações são pautadas por teorias positivistas, e o autor emerge deste tempo, sua definição de
comportamento desejado, parece ser um sujeito submergido em uma ordem histórica, econômica e social de uma sociedade linear e
que deseja o sucesso do progresso. Uma obra clássica, mas, não podemos nos esquecer que o autor é um sujeito de seu tempo e de
sua História.
Devemos pensar o quanto ainda trazemos em nossa concepção curricular, mesmo no tempo presente, o currículo como objetivo
já definido e que os educadores (as) são instrumentos de sua operacionalização. Uma reflexão para uma escola que não consegue
distanciar-se da racionalidade e que deseja sujeitos preparados para a construção de uma sociedade, que busca sempre o progresso.
Devemos nos indagar: que progresso? Que escola? Que sujeitos?
Entendemos que a constituição desse arcabouço teórico que visa colaborar no desenvolvimento de currículos eficazes possui
uma orientação positivista do conhecimento da realidade. Como exemplo, na fase da avaliação, utiliza-se levantamento de dados,
variáveis, verificação, medida, amostragem, entre outros. E, como essa corrente filosófica aposta na neutralidade científica, aqueles
que a buscam para construir os pressupostos educativos também propõem uma educação neutra na teoria, mas que na prática tenta
modelar o comportamento para uma adaptação às necessidades sociais vigentes, evitando, sempre quando possível, os conflitos ge-
rados pelas contradições imanentes dessa sociedade. Tal padronização do comportamento para uma harmonização social, torna-se
evidente quando o autor afirma ser “necessário passar pelo crivo a coleção heterogênea de objetivos que se obteve até agora, a fim de
eliminar os menos importantes e os contraditórios” (TYLER, 1979).
Mesmo oferecendo uma base teórica à elaboração de objetivos que visam uma educação comprometida com a democracia, esta
não se concretiza. Isso porque, a validade, principal categoria de análise da avaliação, “se aplica ao método e indica o grau em que
um dispositivo de avaliação realmente fornece evidências sobre o comportamento desejável” (TYLER, 1979). É uma educação que
não permite escolhas, o que fere os princípios democráticos, impedindo de que as pessoas sejam sujeitos de sua história e, quando
o “instrumento tem muito pouca objetividade ou fidedignidade, será necessário melhorá-lo” (TYLER, 1979). Isto é, será necessário
ajustar melhor a fôrma.
Essa concepção de educação encontrou seu amadurecimento nesses últimos anos. O currículo e seus objetivos educacionais, que
anteriormente se desenvolvia nos contextos escolares, mesmo considerando seu método positivista, era uma possibilidade de pensar
a educação pelos próprios que a elaboravam, o que permitia alguns espaços para uma reflexão crítica. Atualmente, os métodos de
elaboração dos objetivos educacionais estão restritos a pequenos grupos de especialistas, muitos ligados a organizações políticas e
econômicas, os quais eram vistos com muita cautela pelos primeiros. Os professores passaram de elaboradores a meros executores de
tarefas. (Texto adaptado de DRABACH, N. P.; FRUET, F. S. O.; LUCIANO, C. L. P.; VELÁSQUEZ, C. D. C.).
O sucesso e a permanência do aluno fundamentados na Pedagogia Histórico-Crítica se consolidam com a apropriação do conhe-
cimento científico e cultural, de forma contextualizada, considerando para isto uma nova postura do professor como do aluno frente
ao processo de ensino e aprendizagem, por isso o docente precisa rever a prática pedagógica, visto que há contradição entre o que
apregoa teoricamente na pesquisa e o que realmente se efetiva em sala de aula. Na metodologia utilizada, evidenciaram-se as aulas
expositivas, tanto no parecer do aluno, quanto do docente, o que se contrapõe à didática defendida na Pedagogia Histórico-Crítica.
O professor parece ter consciência sobre as mudanças que ainda se fazem necessárias na sua prática pedagógica, porém, há
influências que acabam por interferir neste processo, como a falta de continuidade das Políticas Públicas na área educacional, a di-
versidade social, cultural e econômica presente na sala de aula, recaindo no desinteresse do aluno pela aprendizagem.
Didatismo e Conhecimento 75
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
O aluno, por sua vez, relata ver a importância da escola e afirma estar aprendendo. O que então está faltando para que a perma-
nência e o sucesso sejam garantidos, visto que os dados estatísticos de evasão e reprovação divergem do que o aluno descreve? Neste
contexto, sugere-se maior envolvimento da família e do aluno nas atividades desenvolvidas pela escola. O processo é lento, mas só
oportunizando esta integração, onde a família e aluno possam interagir sobre a importância do conhecimento é que se saberá se o
objetivo será atingido ou não.
A Escola, enquanto instituição formadora, precisa assumir a responsabilidade de atuar na transformação e na busca do desenvol-
vimento dos sujeitos que dela fazem parte, assegurando a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico, fazendo com que todos
se sintam co-responsáveis na concretização do que foi discutido e elaborado.
A escola desempenha um papel importante na construção da “nova” sociedade, elevando o nível de conhecimento e conscienti-
zação de seus educandos e educadores, pois na sociedade em que vivemos, alicerçada nos marcos da contradição, todos os que vivem
em torno e dentro dela, participam do processo em busca de uma sociedade justa e igualitária, assumida por todos que fazem parte,
conforme afirma Gadotti, (2000): “A escola precisa ter projeto, precisa de dados, precisa fazer sua própria inovação, planejar-se a
médio e longo prazo, fazer sua própria reestruturação curricular, ... enfim ser cidadã. As mudanças que vêm de dentro das escolas são
mais duradouras”
Quanto ao Governo, compete-lhe garantir as condições básicas para que a Escola Pública possa ser vista com qualidade, desti-
nando os recursos financeiros necessários à infraestrutura, bem como, promover a democratização no âmbito escolar, oportunizando a
autonomia da gestão escolar e investindo na formação dos profissionais. Dessa forma, atingir-se-á a organização do trabalho pedagó-
gico, fundamentado em princípios democráticos e comprometidos com uma escola que contemple as reais necessidades da sociedade.
Ciente das dificuldades na busca pelo êxito do aluno na aprendizagem, acredita-se que somente com o envolvimento dos que
fazem parte do cotidiano da escola é que se chegará ao sucesso. Por isso, compromissos e responsabilidades precisam ser assumidos
coletivamente, pois ninguém conseguirá mudar o quadro educacional atual, se não se retomar a concepção de que cada um precisa
fazer a sua parte de forma integrada, para que o todo tenha sucesso. (Texto adaptado de GUILHERME, M. A.).
A prática pedagógica reflexiva tem sido evidenciada como sendo de extrema importância na constituição do ser professor ad-
vindo de todo o processo formativo onde o saber é vital, necessário e indispensável, frente aos novos desafios sócios educativos.
O importante papel que o professor exerce no sistema de ensino exige o reconhecimento de que este profissional necessita de uma
formação continuada através de capacitação, qualificação, aperfeiçoamento e antes de tudo, ter o propósito da reflexão inovadora,
reelaborando continuamente suas práticas docentes. Além disso, este profissional enfrenta grande desafio de se consolidar como pro-
fissional reflexivo frente às dificuldades e aos obstáculos do cotidiano escolar, onde a base de sua prática é a sala de aula.
É evidente que este agente pedagógico constitui-se através do reconhecimento e da compreensão do próprio fazer e a possibili-
dade da transformação da própria prática, sendo a reflexão entendida como um compromisso ético-social. Esta ideia de profissional
docente supõe o reconhecimento e a consciência nas ações, numa perspectiva de valores pessoais que sustentam a condição humana
de analisar seus erros, interrogando suas práticas de ensino, a fim de melhorá-las cotidianamente, tendo como compromisso pessoal,
o pensamento voltado a educação como “processo de humanização” (UTSUM, 2006). Perceber no ensino reflexivo, onde a condição
ética é imprescindível nos espaços de aprendizagem, implica uma prática “catalisadora” de melhores práticas, contemplando um
ensino no sentido “de ensinar, de educar, de formar, de construir, enfim, de viver”. (UTSUM, 2006).
O compromisso ético-social tem de ser discutido e classificado, não só como processo, e sim, como ação reflexivo-transformado-
ra, pois, não é qualquer pensamento sobre a prática ou ação, pode-se dizer que é reflexiva. Deve-se assumir e levar em conta que, este
pensamento reflexivo “tem subjacente uma avaliação continua de crenças, de princípios e de hipóteses” (OLIVEIRA, 2009). Nessa
perspectiva, a prática pedagógica aponta para mudanças, transformando o professor num profissional reflexivo dentro da comple-
xidade do trabalho docente, frente às incertezas pedagógicas cotidianas. Assim, em um primeiro momento discorreremos sobre os
desafios do docente como profissional reflexivo, pressupondo a respeito da nova realidade de onde está, requer o comprometi-
mento e a redefinição nas ações reflexivas, de forma persistente e cuidadosa, tendo a docente consciência de seu papel, acrescentando
a isso, o princípio da dialogia reflexivo-transformadora. A seguir, destacaremos a questão do perfil conceitual inerente à profissão
docente do profissional reflexivo, apontando para a necessidade de um docente estudioso, que objetiva reestruturar estratégias de
ação-reflexão-ação, possibilitando uma análise, de forma crítica, numa dialogia entre a realidade da política profissional e o contexto
social.
Didatismo e Conhecimento 76
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Os desafios do professor como profissional reflexivo
A ação reflexiva no processo de ensino e aprendizagem nos remete identificar a importância e os novos desafios que predominam
na prática onde o profissional consiga dar respostas às situações que emergem no dia-a-dia, criando um repertório de soluções às
situações complexas no cotidiano escolar.
A terminologia “desafio”, dentro do contexto educacional, remete-nos a busca e a superação de limites previamente impostos e
que precisam ser superados onde exige um grande esforço de ações que atendam as exigências de um mundo contemporâneo, obje-
tivando potencializar os saberes docentes e discentes.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDB, nos termos do inciso II, artigo 67) cita o direito de aper-
feiçoamento profissional continuado.
O que se tem observado é que esta preocupação, muitas vezes, só é sentida pelo docente na forma de cumprir com “status de obri-
gação” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008) em decorrência das exigências institucionais transformando assim o professor um “refém”,
de uma necessidade formativa. Acrescenta a isso que a forma como esta formação vem sendo conduzida coloca o professor
num papel secundário seja “... pela rigidez dos currículos ou pela lógica avaliativa que confina o professor a uma condição passiva”
(KRAHE, WIELEWICKI, 2008), no que diz respeito às definições curriculares.
E citando Zeichner onde este afirma que para haverem “mudanças” na prática, o docente terá que aceitar e entender “como sendo
suas próprias” (Ibidem). Na busca de construir-se, como docente reflexivo, não existe uma receita para se definir o “bom pro-
fessor”, é preciso ter consciência e saber enfrentar o desafio docente, onde Zeichner afirma que para haverem “mudanças na prática,
o professor terá de aceitar e entender como sendo suas próprias” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008), na intenção de compreender o
processo de autoconstrução do saber como instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação. Acrescenta que, para o profes-
sor empreender mudanças como sendo suas Zeichmer aponta quatro problemas os quais podem explicar a dificuldade que a prática
reflexiva enfrenta para a promoção dos avanços no desenvolvimento profissional do docente “reflexão com a conotação de
auxiliar o professor a replicar em sua prática aquilo que a pesquisa acadêmica contempla como válido e adequado [...] a limitação do
processo reflexivo para levar em conta as habilidades, competências e vivências do professor [...] a falta de consideração dos aspectos
ou condições sociais da escolarização [...] a insuficiente ênfase no discurso da prática reflexiva que tipifique a reflexão como
prática social” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008).
Nesta perspectiva, apesar de termos clareza das incertezas e das profundas transformações, a “fonte” da aprendizagem do do-
cente está na sua incessante e incansável atualização, este exercício possibilita ao mesmo, tornar-se qualificado transformando sua
prática em constante construção do conhecimento como bem disse Benincá “a prática pedagógica é o objeto de investigação e uma
fonte de conhecimento” (BENINCÁ, 2004). Sendo assim é fundamental “não perder de vista os espaços institucionalizados de
atuação e enxergar seu potencial!” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008).
As “luzes’ que podem aclarar caminhos seguros para enfrentar os problemas que se apresentam frente ao grande desafio de uma
educação de qualidade serão na formação continuada do profissional de educação, na ação reflexiva, no comprometimento individual,
na participação ativa no ato e no processo da construção dialógica do conhecimento, na valorização do profissional cidadão, na não
banalização do ensino por parte dos órgãos governamentais.
Tenho a concepção real de que o ser humano é finito e, inacabado em relação à prática pedagógica. Assim sendo, precisa-se ter
consciência que ao término da formação profissional, o docente não é possuidor da verdade e do conhecimento pleno, portanto,
precisa constantemente e continuamente buscar aprimoramento no ato de desenvolver suas habilidades pedagógicas “a
pedagogia tradicional compreende o ser humano como profissionalmente pronto a partir da diplomação” (BENINCÁ, 2004). Acres-
cente que “o saber é um processo permanente de construção [...] sua compreensão precisa de aprendizagem”.
Esta busca vem ao encontro de um ideal de educação, ideal este, que nos remete a pensarmos os modelos de formação docen-
te, como processo de aprendizagem o qual envolvem atos de desacomodação, de se abrir para o novo, de encarar os desafios no
enfrentamento do desconhecido, superando os medos, adotando um novo agir pedagógico, Benincá considera que na “pedagogia da
práxis... requer a transformação dos sujeitos nela envolvidos, por isso, gera medo” (BENINCÁ, 2004).
A insatisfação com a profissão docente, em todos os níveis é grande como é colocado por Selma Pimenta em seu texto-Professor
Reflexivo: construindo uma crítica, quando diz que “além dos salários considerados baixos, os docentes sentem “falta de didática”
para ensinar melhor e a perda crescente de seu status profissional na sociedade” (PIMENTA, 2005). A desmotivação não pode assim
fazer parte da rotina do docente, e, é preciso ter bem claro o seu papel enquanto educador, independendo de qualquer obstáculo.
Apontando a problematicidade desta situação, cabe neste momento a consciência de que a ação reflexiva é uma necessidade
constante para “... as transformações sociais” as quais “... irão gerar transformações no ensino” (ROBERTO, 2009).
Na busca de amenizar e/ou evitar o “caos”, é importante ressaltar que “a aprendizagem torna-se um elemento essencial durante
toda a vida do indivíduo” (DELORS, 2005). Dessa forma as práticas de formação continuada devem ser o polo referencial das es-
colas.
Didatismo e Conhecimento 77
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Na concepção de Nóvoa, são indispensáveis duas competências para a prática do professor “a competência de organização, isto
é, o professor não é [...] um mero transmissor de conhecimento [...] é um organizador de aprendizagens [...] por via das novas realida-
des virtuais”, em segundo “a competência da compreensão do conhecimento”, em que Nóvoa cita Bernard Shaw referindo-se a ação
docente, “quem sabe faz quem não sabe ensina” (NÓVOA, 2001). Nóvoa assim argumenta que para compreender o conhecimento
“não basta deter o conhecimento para o saber transmitir a alguém, é preciso compreender o conhecimento, ser capaz de reorganizar,
ser capaz de reelaborá-lo e de transformá-lo...” (NÓVOA, 2001).
Nesta perspectiva a concepção da qualificação docente “precisa ser cada vez mais abrangente: o docente não precisa apenas de
‘didática’ e ‘metodologia’, ele precisa de uma formação que o construa como intelectual público [...] por meio de processos cons-
tantes de aprendizagem em formação continuada” (PIMENTA, 2005). A efetivação deste processo de formação implica, não
somente num ato mecânico de adquirir conhecimento e ou saberes; o grande desafio está em compreender este conhecimento como
produto histórico e humano, onde construímos formas plurais de dialogar com o mundo.
Esta dialogia reporta para a importância da reflexão coletiva remetendo-a a reconstrução da prática individual docente. “Na
dialética do local/global [...] docente/intelectual/público” (PIMENTA, 2005).
Na acepção de Nóvoa “o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: na própria pessoa, como agente, e a escola
como lugar de crescimento profissional permanente [...] a formação continuada se dá de maneira coletiva e depende da experiência e
da reflexão como instrumentos contínuos...” (ROBERTO, 2009).
Isto requer então um repensar crítico perante a dimensão da condição reflexiva dialógica que viabilize a formação efeti-
va dos envolvidos no processo. Na teoria do desenvolvimento intelectual Vygotsky “sustenta que todo conhecimento é construído
socialmente, no âmbito das relações”. Nóvoa afirma que “a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de for-
mação mútua...” (ROBERTO, 2009).
Pode-se dizer então que o grande desafio do profissional em educação é a reflexão contínua e dialógica das suas práticas pedagó-
gicas, é estar disposto ao enfrentamento dos conflitos ideológicos internos e externos presente nas práticas dos processos educativos.
Sabemos que o ato de “pensar” é uma capacidade inata a qual nos difere dos ditos, seres irracionais, já que o ato da reflexão
necessita de aprendizagem a qual nos impulsiona na melhoria das práticas profissionais docentes e nas demais esferas de convívio
social.
Dentro desta mesma perspectiva “o pensar reflexivo abrange um estado de dúvida, hesitação, perplexidade, dificuldade mental e
um ato de pesquisa procura e inquietação” (UTSUMI, 2009), esta necessidade de buscar soluções para as dúvidas que se colocam de
forma desafiadora, vem assim, como fator básico e orientador de todo o mecanismo da reflexão.
Esta busca constante é que projeta o profissional para que este se envolva em atividades de pesquisa, investigando o ato
docente, problematizando a realidade, levantando possibilidades na busca de respostas, através do ato reflexivo.
Nesta lógica não se pode conceber que haja uma separação entre o profissional que pensa e planeja e o outro que realiza o traba-
lho pedagógico. Nessa perspectiva “o professor reflexivo como um ser humano criativo, capaz de pensar, analisar, questionar a sua
prática a fim de agir sobre ela e não como um mero reprodutor de ideias e práticas [...] espera-se que o professor reflexivo seja capaz
de atuar de uma forma mais autônoma, inteligente, flexível, buscando construir e reconstruir conhecimentos”. Diante disso, a prática
docente reflexiva requer um profissional capaz de ser autor na construção e execução das suas ações pedagógicas.
E, prossegue citando Shon onde este “valoriza a prática profissional como momento de construção de conhecimento e esta se
realiza por meio da reflexão, análise e problematização”. Nóvoa julga que “através da troca de experiências, através da partilha – seja
possível dar origem a uma atitude reflexiva [...] A experiência é muito importante, mas a experiência de cada um só se transforma em
conhecimento através da análise sistemática das práticas” (NÓVOA, 2009).
Como bem disse Schon “a atuação do educador implica o conhecimento prático (saber- fazer), a reflexão-na-ação [...] e uma
reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação”.
Na concepção inerente ao professor pesquisador e reflexivo Nóvoa coloca que ambos fazem parte de uma mesma realidade e um
mesmo objetivo em que “eles fazem parte de um mesmo movimento de preocupação com um professor que é um professor indaga-
dor, que é um professor que assume a sua própria realidade escolar como um objeto de pesquisa, como um objeto de reflexão, como
objeto de análise (NÓVOA, 2009).
Ao longo do tempo percebe-se uma cobrança cada vez maior do próprio docente com seu compromisso social e profissional;
em contra partida a isso, a sociedade espera e exige deste, além do exercício da sua prática, que gerencie o seu percurso profissional.
Ainda tem-se a concepção de que o docente exerce uma “missão”, onde de acordo com Nóvoa “... pede-se demais dos profis-
sionais, pede-se demais das escolas [...] as escolas valem o que vale a sociedade. Não podemos imaginar escolas extraordinárias,
espantosas, onde tudo funciona bem numa sociedade onde nada funciona” (NÓVOA, 2009). O grande paradoxo desta questão
é que, é inaceitável e insustentável que a sociedade projete na escola/docente, responsabilidades as quais não conseguem dar cabo. As
tendências de sobrecarregar os professores com “um excesso de missões” (NÓVOA, 2009) onde a família sequer consegue cumprir
com seu papel primeiro na educação dos seus filhos.
Didatismo e Conhecimento 78
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Creio não ser uma tentativa de justificar a ação da escola e do docente não reflexivo, perante os papéis sociais e profissionais
exercido por ambos: a questão é que em meio às condições colocadas no capítulo I, que trata do desafio do docente reflexivo, é impor-
tante questionar se vivemos numa sociedade reflexiva, onde esta se coloca por vezes, na posição de algoz da instituição e do docente,
acerca da realidade escolar complexa, como reflexo de uma sociedade paradoxal.
Julgo poder dizer que a escola/educando tem de cumprir com sua função social, dialogando com a sociedade, consolidando suas
práticas reflexivas de forma a comprometer todos os envolvidos, pais, alunos, colegas, sociedade, numa questão central que é o envol-
vimento, a cumplicidade, nos fundamentos de uma reflexão coletiva, indo em direção à emancipação do cidadão no processo humano
da constituição do saber. Ghedin coloca “a capacidade de questionamento e de auto questionamento é pressuposto para a reflexão
[...] onde o individualismo” (GHEDIN, 2009) vem em contraposição aos ideias de transformação e mudança social na ação reflexiva.
Refletir criticamente significa então colocar-se no contexto das ações como atores nas práticas institucionalizadas da educação.
Em face de tais observações, o universo escolar tem de se organizar de modo a criar condições para a prática reflexiva individual e co-
letiva, a fim de melhorar as práticas cotidianas do ensino, com competência e consciência profissional em uma sociedade complexa.
Nesse sentido Ghedin diz que “os professores não estão à margem da discussão pública sobre a finalidade do ensino e sua organização
[...] se encontram no meio das contradições presentes na sociedade” (GHEDIN, 2009).
Se a sociedade vai se modificando, os aspectos voltados à cultura e educação devem pela lógica, acompanhar estas transforma-
ções para atender ao propósito social. A instituição educacional, neste sentido deveria investir na qualificação dos seus profissionais.
A formação e a qualificação docente oferecidas, muitas vezes, vêm de encontro às exigências sócias educacionais, dentro de um
contexto contemporâneo.
A efetivação de uma resposta que não vem deixa a questão com um grande desafio ao docente que necessita de uma formação
qualificada como possibilidade transformadora onde lhe resta educar seu alunado como cidadãos críticos ativos e comprometidos na
construção de uma vida individual e pública digna de ser vivida (CONTRERAS, Apud, GHEDIN, 2009). A ação crítica e reflexiva
concebe colocar-se como agente de todo o processo de construção humana.
Contudo, este texto teve a pretensão de suscitar não somente o debate, mas, principalmente, a consolidação de práticas que
efetivem a construção e a realização de ações transformadoras advindas ao encontro da consciência dos valores e significados ideo-
lógicos na atuação docente através das práticas reflexivas na construção do saber docente. O que sugere um professor crítico da ação
e formação profissional. Esta ação emancipadora das formas e do pensamento prático educativo tem sua vertente nos processos de
formação e nos processos contínuos de descoberta e redescoberta destas ações transformadoras, numa postura crítica diante do seu
fazer docente tendo como eixo central a “reflexão na ação e a ação reflexiva”.
Neste processo, o professor tem papel decisivo, enquanto profissional deve possibilitar e conduzir à reflexão exercendo seu papel
de líder na preparação dos educandos, objetivando a formação de cidadãos ativos e críticos em que “o professor tem um papel deci-
sivo: tem o poder de se comunicar [...] um porta voz de princípios, conceitos e hábitos [...] deixa o papel de mero informante e passa
a interagir com o aluno, construindo junto o conhecimento e o saber” (BENINCÁ, 2004). Acrescentando a isso, faz-se necessário o
rompimento das “amarras” da “zona de conforto”, onde os modelos metodológicos ultrapassados vêm, por comprometer um ensino
de qualidade, onde o grande fantasma dos docentes são as pressões e os rótulos pré-estabelecidos que acabem por engessá-los, fa-
zendo com que permaneçam executando uma prática pedagógica distante da dialogia, ação-reflexão-ação, através do conhecimento
cientifico e da prática cotidiana, referindo-se a isso Benincá aponta que ”é preciso rever posições, revisar roteiros, romper os quadros
esquemáticos que relegam nossa prática a um status submisso aos chavões advindos do senso- comum”(BENINCÁ, 2004).
(Texto de adaptado de CASTELLI, M. D. B.).
Em uma sala de aula, durante a fala do professor, um aluno formula uma pergunta. O professor ouve atentamente e se vê diante
de um dilema: O que fazer? Responder a pergunta objetivamente e continuar a exposição? Anotar a questão no quadro e dizer que
responderá ao terminar o que está expondo? Anotar a pergunta e pedir a toda classe que pense na resposta? Solicitar ao aluno que
anote a pergunta e a repita ao final da exposição? Qual a conduta mais correta?
Escolher uma resposta adequada depende de vários fatores que devem ser considerados pelo professor. Entre eles, se a pergunta
contribui para o desenvolvimento da atividade de ensino e aprendizagem naquele momento, ou ainda se existe pertinência em relação
ao conteúdo em jogo na atividade.
A pergunta pode evidenciar um nível de compreensão conceitual mais elaborado de um aluno se comparado à maioria da classe.
Respondê-la naquele momento transformaria a aula em uma conversa entre o professor e aquele aluno, que dificilmente seria acom-
panhada pelos demais. Pode também revelar uma criança ou jovem com dificuldade de compreender o conceito em questão, o que
sugere algum tipo de atenção mais individualizada. É possível concluir ainda que a questão seria uma ótima atividade de aprendiza-
gem em um momento posterior, quando certos aspectos do conteúdo já estiverem esclarecidos.
Didatismo e Conhecimento 79
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Planejar: coerência para as ações educativas
O professor tem um papel fundamental de coordenar o processo de ensino e aprendizagem da sua classe. “É preciso organizar
todas as suas ações em torno da educação de seus alunos. Ou seja, promover o crescimento de todos eles em relação à compreensão
do mundo e à participação na sociedade”. Para isso, ele precisa ter claro quais são as intenções educativas que presidem esta ou aquela
atividade proposta. Na verdade, ele precisa saber que atitudes, habilidades, conceitos, espera que seus alunos desenvolvam ao final
de um período letivo.
Certamente isso significa fazer opções quanto aos conteúdos, às atividades, ao modo como elas serão desenvolvidas, distribuir
o tempo adequadamente, assim como fazer escolhas a respeito da avaliação pretendida. Se essas intenções estiverem claras, as res-
postas a esta ou àquela pergunta ou a diferentes situações do cotidiano de uma sala de aula serão mais coerentes com os objetivos e
propósitos definidos.
O Planejamento do Ensino tem como principal função garantir a coerência entre as atividades que o professor faz com seus alu-
nos e as aprendizagens que pretende proporcionar a eles.
Planejamento de Ensino
Em muitos casos, quando o professor atua junto à sua classe sem ter refletido sobre a atividade que está em desenvolvimento,
sem ter registrado de alguma forma suas intenções educativas, a atividade pode se revelar contraditória com os objetivos educativos
que levaram o professor a selecioná-la.
Esse tipo de contradição é muito mais comum do que parece. No ensino da leitura, por exemplo, é frequente o professor exigir
de um aluno uma leitura em voz alta de um texto que o próprio aluno lerá pela primeira vez. Logo após essa leitura, o professor pede
que ele comente o que leu, ou faça um resumo. Faz perguntas sobre as informações contidas no texto e pede-lhe que relacione ideias
com outras anteriormente tratadas em classe. Geralmente, os professores que propõem essa atividade a seus alunos dizem que ela
tem o objetivo de desenvolver a capacidade de ler e interpretar um texto. Mas esses professores se esquecem de que, para ler em voz
alta, principalmente um texto que está sendo lido pela primeira vez, a atenção do leitor volta-se para a emissão da voz, a entonação,
os cuidados com a pontuação.
Ou seja, o leitor, nessas ocasiões, preocupa-se em garantir a audição de sua leitura, não a compreensão lógica e conceitual do
que está lendo.
Já uma leitura voltada à compreensão de um texto deve ser silenciosa, visando o entendimento dos raciocínios e, por isso, com
idas e vindas constantes. Se um parágrafo apresenta uma ideia mais difícil, pode-se lê-lo várias vezes. Se uma palavra tem significado
desconhecido, usa-se o dicionário. A leitura em voz alta é contraditória com uma leitura voltada ao estudo, à confecção de um resumo
do texto. A atividade proposta pelo professor fica comprometida por essa contradição.
Didatismo e Conhecimento 80
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Registro
O Planejamento do Ensino, chamado também de planejamento da ação pedagógica ou planejamento didático, deve explicitar:
- as intenções educativas – por meio dos conteúdos e dos objetivos educativos, ou das expectativas de aprendizagem;
- como esse ensino será orientado pelo professor – as atividades de ensino e aprendizagem que o professor seleciona para coor-
denar em sala de aula, com o propósito de cumprir suas intenções educativas, o tempo necessário para desenvolvê-las;
- como será a avaliação desse processo.
Conteúdos e objetivos
Conteúdo é uma forma cultural, um tipo de conhecimento que a escola seleciona para ensinar a seus alunos. Informações, con-
ceitos, métodos, técnicas, procedimentos, valores, atitudes e normas são tipos diferentes de conteúdos. Informações, por exemplo,
podem ser aprendidas em uma atividade, já o algoritmo da multiplicação de números inteiros, que é um procedimento, não. Esse é
um tipo de conteúdo cuja aprendizagem envolve grandes intervalos de tempo e que necessita de atividades planejadas ao longo de
meses, pelo menos.
Valores são conteúdos aprendidos nas relações humanas, ocorram elas no espaço escolar ou não. Muitas vezes, aprender um
valor pode significar também mudar de valor, o que torna o ensino e a aprendizagem de valores, e de atitudes também, um processo
complexo, que não se resolve apenas com a preparação de atividades localizadas. Em uma escola onde o respeito mútuo e o combate
a qualquer tipo de preconceito de gênero, de etnia ou de classe social estejam ausentes no dia-a-dia, não há como ensinar valores e
atitudes por meio de atividades ou “sérias conversas” sobre esses temas.
Os conteúdos do Planejamento do Ensino são aqueles que guiaram a escolha das atividades na elaboração do plano e são os
conteúdos em relação aos quais o professor tentará observar, e avaliar, como se desenvolvem as aprendizagens, pois isso não seria
possível fazer com relação a “todos” os conteúdos presentes na atividade.
Em uma atividade de ensino e aprendizagem, os alunos trabalham com vários tipos de conteúdos ao mesmo tempo. Pensando
sobre um conceito de Matemática, os alunos podem estar mais ou menos mobilizados para essa ação, e a mobilização necessária
pode ser fruto de um valor anteriormente aprendido: são alunos que gostam do desafio de aprender, e que identificam na atividade
problemas interessantes que aguçam seu pensamento lógico.
Para resolver uma questão de História ou de Geografia, o aluno precisa mobilizar seus conhecimentos de leitura, lembrar dados e
relações que ele já aprendeu e que lhe permitam compreender a questão feita e pensar em possíveis respostas, ou em possíveis fontes
para obter informações ou esclarecer conceitos. Por fim, terá que mobilizar seus conhecimentos de escrita para redigir a resposta.
Durante uma atividade, alunos interagem com outros alunos e com o educador, e nessas relações inúmeros valores e atitudes
entram em jogo. Quando o professor, ao iniciar um debate, relembra as regras de participação com sua classe, está trabalhando con-
teúdos atitudinais ainda que o debate seja sobre reprodução celular.
É preciso lembrar, ainda, que existem conteúdos, geralmente, valores ou atitudes, que são eleitos no Projeto de Escola, e que de-
vem ser trabalhados em todas as atividades de sala de aula, bem como em todas as relações pessoais ocorridas no espaço escolar. Res-
peito mútuo e intolerância com qualquer tipo de discriminação étnica, de gênero ou classe social são dois exemplos desses conteúdos.
Didatismo e Conhecimento 81
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Objetivos
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino, também chamados objetivos didáticos ou específicos, ou ainda de expecta-
tivas de aprendizagem, definem o que os professores desejam que seus alunos aprendam sobre os conteúdos selecionados. A forma
tradicional de redigir um objetivo é utilizar a frase “ao final do conjunto de atividades, cada aluno deverá ser capaz de...”. Não há
problema em definir dessa forma os objetivos no Planejamento do Ensino, desde que os alunos não sejam obrigados a atingi-los
todos ao mesmo tempo. É possível definir esses objetivos descrevendo as expectativas de aprendizagem da forma que for mais fácil
de compreendê-las.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino são importantes porque muitos conteúdos, os conceitos científicos entre
eles, são aprendidos em processos que se complementam ao longo da escolaridade. Por exemplo, se um aluno das séries iniciais do
Ensino Fundamental afirmar que célula é uma “coisa” muito pequena que forma o corpo dos seres vivos, pode-se considerar que seu
conhecimento sobre o conceito de célula está em bom andamento. Mas, se esse for um aluno de 1a série do Ensino Médio, então, ele
está precisando aprender mais sobre esse conceito.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino definem o grau de aprendizagem a que se quer chegar com o trabalho peda-
gógico. São faróis, guias para os professores, mas não devem se tornar “trilhos fixos”, em sequências que se repetem independente-
mente da aprendizagem de cada aluno.
Organizar as atividades:
A principal função do conjunto articulado de atividades de ensino e aprendizagem que devem compor o Planejamento do Ensino
é provocar nos alunos uma atividade mental construtiva em torno de conteúdo(s) previamente selecionado(s), no Projeto de Escola,
no Planejamento do Ensino ou durante sua realização.
Ao escolher uma atividade de ensino e aprendizagem para desenvolver com seus alunos, o professor precisa considerar principal-
mente a coerência entre suas intenções – explicitadas pelos conteúdos e objetivos – e as ações que vai propor a eles. Precisa também
pensar em como aquela atividade irá se articular com a(s) anterior (es) e com a(s) seguinte(s). Uma atividade que está iniciando o
trabalho sobre um ou mais conteúdos é muito diferente de uma atividade na qual os alunos estão discutindo um problema real, visto
no jornal, por exemplo, baseados em seus estudos anteriores sobre conceitos que estão em jogo no problema.
As atividades devem ser de acordo com aquilo que se quer ensinar, seja a curto, médio ou longo prazo. A diversidade é uma de
suas características principais: assistir a um filme, a uma peça teatral ou a um programa de TV; realizar produções em equipe; parti-
cipar de debates e praticar argumentação e contra argumentação; fazer leituras compartilhadas (em voz alta); práticas de laboratório;
observações em matas, campos, mangues, áreas urbanas e agrícolas; observações do céu; acompanhamento de processos de médio
e longo prazo em Biologia e Astronomia. Idas a museus, bibliotecas públicas, exposições de arte. Pesquisa em livros e revistas, com
ou sem uso de informática e Internet. Assistir a uma exposição por parte do professor.
Novamente, deve-se insistir no fato de que a sequência de atividades que compõe o Planejamento do Ensino deve levar em conta
as experiências dos próprios alunos no decorrer de cada atividade escolhida. Existem planos que se realizam quase integralmente, os
que se realizam em grande parte, ou aqueles que, simplesmente, precisam ser refeitos tendo como critério a avaliação da aprendiza-
gem dos alunos.
Avaliação continuada
A avaliação continuada, ou mediadora da aprendizagem, indispensável no Planejamento do Ensino, é o instrumento por meio
do qual o professor procura observar o desenvolvimento de seus alunos à medida que o processo de ensino e aprendizagem está em
andamento. Essa observação tem por objetivo regular as atuações do professor, ou seja, dar a ele informações para que seja possível
decidir se o que foi traçado no planejamento está correspondendo ao esperado ou não. Sendo que, no segundo caso, o professor pre-
cisa, então, refletir sobre o que deve mudar para que as aprendizagens esperadas comecem a se realizar ou melhorem. É importante
frisar que essa avaliação não tem por objetivo dar nota aos alunos, mas sim regular o processo de ensino e aprendizagem.
Quando uma professora inicia seu trabalho em uma 2ª série e percebe que quase metade de seus alunos não consegue ler um
pequeno bilhete de boas-vindas que ela havia preparado, então, deve começar a pensar no que fazer imediatamente, ou seja, tem que
pensar em como irá articular as atividades de forma a proporcionar o desenvolvimento da leitura a todos os alunos, cada um partindo
do estágio em que se encontra.
Sempre que um professor dá início ao trabalho com algum conteúdo, deve observar o que os alunos já sabem sobre esse conteúdo.
Essa avaliação pode ser chamada de inicial Mas ela não se refere ao início do ano ou do bimestre e, sim, ao início do trabalho
pedagógico com um determinado conteúdo. A avaliação inicial auxilia o professor a ajustar seu plano de ensino, principalmente con-
siderando as diferenças entre seus alunos no momento de desenvolver as atividades selecionadas no planejamento.
Didatismo e Conhecimento 82
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Quando um professor de Ciências descobre que seus alunos da 6a série não conseguem resolver problemas porque têm dificul-
dades de leitura, deverá, então, colaborar com o desenvolvimento da competência leitora de seus alunos, ainda que trabalhando com
textos específicos de sua área, como por exemplo, de divulgação científica, textos expositivos ou argumentativos.
Ao refletirmos sobre a avaliação mediadora do ensino e da aprendizagem em sala de aula, explicitamos uma função importante
do Planejamento do Ensino: ser a referência que o professor utiliza para avaliar continuamente o processo de ensino e aprendizagem,
com o propósito de garantir as aprendizagens dos alunos naqueles conteúdos eleitos no Planejamento.
A avaliação se faz presente em todos os domínios da atividade humana. O “julgar”, o “comparar”, isto é, “o avaliar” faz parte
de nosso cotidiano, seja através das reflexões informais que orientam as frequentes opções do dia-a-dia ou, formalmente, através da
reflexão organizada e sistemática que define a tomada de decisões.
Como prática formalmente organizada e sistematizada, a avaliação no contexto escolar realiza-se segundo objetivos escolares
implícitos ou explícitos, que, por sua vez, refletem valores e normas sociais. Segundo Villas-Boas, as práticas avaliativas podem,
pois, servir à manutenção ou à transformação social. Ainda para a referida autora, a avaliação escolar não acontece em momentos
isolados do trabalho pedagógico; ela o inicia, permeia todo o processo e o conclui.
No entanto, em qualquer nível de ensino em que ocorra, a avaliação não existe e não opera por si mesma; está sempre a serviço
de um projeto ou de um conceito teórico, ou seja, é determinada pelas concepções que fundamentam a proposta de ensino, como
afirma Caldeira (2000):
A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada
prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de
educação e, consequentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica.
Essa ideia de que avaliar o processo de ensino e de aprendizagem não é uma atividade neutra ou destituída de intencionalidade
nos faz compreender que há um estatuto político e epistemológico que dá suporte a esse processo de ensinar e de aprender que acon-
tece na prática pedagógica na qual a avaliação se inscreve.
Sobre a importância dessa compreensão, Cunha (1998), que pesquisou as concepções de conhecimento que fundamentam a prá-
tica pedagógica no ensino superior, afirma:
A compreensão de que a concepção de conhecimento preside a definição da prática pedagógica desenvolvida na Universidade
foi muito importante para ultrapassar a análise simplista, realizada sobre as regras didáticas aplicadas ao ensino superior. Compreen-
der que ensinar e aprender estão alicerçados numa concepção de mundo e de ciência facilitou uma visão mais global e elucidativa,
especialmente numa época em que a supremacia da ciência tem sido amplamente reconhecida.
Endossando essa mesma posição, Álvarez Méndez (2002), ao indagar a respeito do objetivo da avaliação, ou sobre o porquê e
para quê avaliar, sustenta que a resposta nos remete, necessariamente, ao sentido que tenha o conhecimento ou que a ele seja atri-
buído. Segundo o autor, o conhecimento deve ser o referente teórico que dá sentido global ao processo de realizar uma avaliação,
podendo diferir segundo a percepção teórica que guia a avaliação. Aqui está o sentido e o significado da avaliação e, como substrato,
o da educação.
Portanto, para esse autor, a avaliação está estritamente ligada à natureza do conhecimento, e uma vez reconhecida essa natureza,
a avaliação deverá ajustar-se a ela se quiser ser fiel e manter a coerência epistemológica.
Nessa direção, podemos partir do pressuposto de que a avaliação, como prática escolar, não é uma atividade neutra ou meramente
técnica, isto é, não se dá num vazio conceitual, mas é dimensionada por um modelo teórico de mundo, de ciência e de educação,
traduzida em prática pedagógica.
Um segundo pressuposto é que a prática de avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem ocorre por meio da relação
pedagógica que envolve intencionalidades de ação, objetivadas em condutas, atitudes e habilidades dos atores envolvidos.
Na condição de avaliador desse processo, o professor interpreta e atribui sentidos e significados à avaliação escolar, produzindo
conhecimentos e representações a respeito da avaliação e acerca de seu papel como avaliador, com base em suas próprias concepções,
vivências e conhecimentos. Nesse sentido, uma avaliação espelha um juízo de valor, uma dada concepção de mundo e de educação,
e por isso vem impregnada de um olhar absolutamente intencional que revela quem é o educador quando interpreta os eventos da
cena pedagógica.
Didatismo e Conhecimento 83
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Considerando, então, essa condição do professor, como avaliador, de atribuir sentidos e significados à avaliação, cabe-nos ques-
tionar: que concepções pedagógicas subjazem à atual prática de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem no contexto
escolar?
Para responder a essa indagação, nos propomos a resgatar o significado de avaliação nas concepções pedagógicas dominantes
no contexto escolar, a partir dos séculos XVI e XVII, quando surge a prática dos exames escolares e, em seguida, analisar em que
medida tais concepções se encontram, ainda hoje, presentes e dominantes, na atual prática de avaliação do processo de ensino e de
aprendizagem no contexto escolar.
Utilizaremos quatro categorias para a análise da relação entre concepções pedagógicas e os significados de avaliação.
Em um primeiro momento, situaremos os exames e as provas escolares como práticas de avaliação, utilizadas a partir do século
XVI, no que se convencionou chamar de “Pedagogia Tradicional”, da qual decorre a concepção de que avaliação e exame se equiva-
lem. Em um segundo momento, analisaremos a concepção de avaliação como medida, que teve o seu auge com a denominada “Peda-
gogia Tecnicista”. A seguir, passaremos à concepção da avaliação como instrumento para a classificação e regulação do desempenho
do aluno. Finalmente, em um quarto momento, trataremos da concepção qualitativa da avaliação.
Numa perspectiva diacrônica, podemos remontar às práticas de avaliação sob a forma de exames e provas, usadas em colégios
católicos da Ordem Jesuítica e em escolas protestantes, a partir do século XVI. Conforme Luckesi (2003): a tradição dos exames
escolares, que conhecemos hoje, em nossas escolas, foi sistematizada nos séculos XVI e XVII, com as configurações da atividade
pedagógica produzidas pelos padres jesuítas (séc. XVI) e pelo Bispo John Amós Comênio (fim do séc. XVI e primeira metade do
século XVII).
No entanto, há registros de que tal prática antecede a esse período, pois, na China, três mil anos antes de Cristo, já se usavam
os exames para selecionar homens para o exército. Todavia, os exames escolares, como praticados hoje em nossas escolas, foram
sistematizados com o advento da modernidade e sua consequente prática educativa.
A prática dos exames atinge o seu apogeu com a ascensão e consolidação da burguesia, uma vez que desprovida dos privilégios
garantidos por nascimento e da fortuna da aristocracia recorre ao trabalho e aos estudos como forma de ascensão social. Contudo,
torna-se importante ressaltar que a introdução generalizada do exame de admissão para o serviço público foi um grande passo na
democratização do Estado e na configuração de uma sociedade meritocrática.
Mediante o desenvolvimento do modo de produção capitalista, o exame continuou a ser “uma das peças do sistema” e, nesse
sentido, Afonso (2000) sustenta:
É, portanto, ao longo do século XIX que se assiste à multiplicação de exames e diplomas, pondo em evidência o contínuo con-
trole por parte do Estado dos processos de certificação. Como Karl Marx observou, o exame passa a mediar as relações mais amplas
da cultura com o Estado, constituindo-se num vínculo objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado.
Defendendo a tese de que, ainda hoje, na escola brasileira, pública e particular, do ensino básico ao superior, praticamos exames
escolares em vez de avaliação da aprendizagem, Luckesi, afirma: historicamente, passamos a denominar a prática de acompanha-
mento da avaliação da aprendizagem do educando de “Avaliação da aprendizagem escolar”, mas, na verdade, continuamos a praticar
“exames”. Por essa razão, o autor denomina de Pedagogia do Exame essa prática que, segundo ele, ainda se faz presente em nossas
escolas. Para esse autor, também podemos verificar os resquícios dessa Pedagogia do Exame em algumas práticas nacionais de ava-
liação, tais como o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes (o
extinto “Provão”), e que, segundo ele, mais reforçam a cultura do exame do que a cultura da avaliação.
Embora o autor reconheça a utilidade e a necessidade dos exames nas situações que exigem classificação, como os concursos,
e naquelas que requerem certificação de conhecimentos, para ele, a sala de aula é o lugar onde, em termos de avaliação, deveria
predominar o diagnóstico como recurso de acompanhamento e reorientação da aprendizagem, em vez de predominarem os exames
como recursos classificatórios.
Essa breve análise a respeito da prática de exames possibilitou-nos identificar uma primeira concepção sobre a avaliação ainda
presente em nossas escolas, ou seja, a de que avaliar é examinar.
Outro conceito dominante é o de que avaliar é medir o desempenho e, nessa perspectiva, será discutido a seguir.
Didatismo e Conhecimento 84
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Medir para Avaliar
A concepção de avaliação como processo de medida teve sua origem no início do século XX, nos Estados Unidos, com os estudos
de Thorndike acerca dos testes educacionais. Tais estudos prosperaram muito e resultaram no desenvolvimento de testes padroni-
zados para medir habilidades e aptidões dos alunos. Paralelamente, há de se considerar, no início do século XX, a contribuição da
Psicologia à avaliação educacional. Essa contribuição pode ser vista sob dois ângulos. O primeiro diz respeito aos testes psicológicos,
com base nos estudos de Sperman, sobre a Psicometria, e de Binet e Simon (1905), que criaram o primeiro teste de inteligência para
crianças e adultos.
Essa possibilidade de mensuração de comportamentos por meio de testes propiciou a expansão de uma cultura dos testes e me-
didas na educação e, por essa razão, Dias Sobrinho (2003) afirma que, nas primeiras décadas do século passado, avaliar se confundia
com medir:
Embora consideremos hoje importante distinguir avaliação e medida, naquele momento, esses termos se tomavam um pelo outro.
A avaliação era eminentemente técnica, consistindo basicamente em testes de verificação, mensuração e quantificação de resultados.
O segundo ângulo por meio do qual se pode focalizar a contribuição da Psicologia à avaliação educacional refere-se aos estudos
da Psicologia Comportamental sobre a aprendizagem. Essa abordagem considera que a aprendizagem pode ser quantificada e, por-
tanto, medida. Tais estudos fundamentam a chamada Pedagogia Tecnicista.
A Pedagogia Tecnicista busca sua concepção de aprendizagem na psicologia comportamental. Esta sempre buscou adquirir o
“status” de ciência, libertando-se da introspecção e fundamentando-se na lógica científica dominante que lhe garantisse a objetivi-
dade das ciências da natureza. Seu principal foco de preocupação são as mudanças comportamentais que possam ser cientificamente
observadas, portanto, quantificadas.
A ideia de avaliar, não só para medir mudanças comportamentais, mas também a aprendizagem, portanto para quantificar resul-
tados, encontra-se apoiada na racionalidade instrumental preconizada pelo Positivismo.
Coerente com essa visão de quantificação de resultados, a avaliação é conceituada como a sistemática de dados por meio da qual
se determinam as mudanças de comportamento do aluno e em que medida estas mudanças ocorrem. Portanto, ela visa a comprovar o
rendimento do aluno com base nos objetivos (comportamentos) predefinidos e, desse modo, a avaliação é reduzida à medida e separa
o processo de ensino de seu resultado.
Mas afinal o que é uma medida?
Segundo Hadji (2001), medir significa atribuir um número a um acontecimento ou a um objeto, de acordo com uma regra logi-
camente aceitável.
Para esse autor, a ideia de que a avaliação é uma medida dos desempenhos dos alunos encontra-se fortemente enraizada na
mente dos professores e, frequentemente, na mente dos alunos, e a dificuldade para a superação dessa concepção reside na suposta
“confiabilidade” das medidas em educação e nos parâmetros “objetivos” utilizados pelos professores para atribuir notas às tarefas
dos alunos:
Uma medida é objetiva no sentido de que, uma vez definida a unidade, deve-se ter sempre a mesma medida do mesmo fenômeno.
Certamente, um erro é sempre possível, devido às imperfeições da instrumentação, pois ele resulta então das condições de operacio-
nalização dos instrumentos. Ele provém da operação de medida. Por essa razão, pode ser calculado e, portanto, neutralizado.
Desse modo, para o referido autor, reduzir a avaliação à medida ou mais especificamente à prova implica aceitar a confiabilidade
da prova como instrumento de medida e desconsiderar que a subjetividade do avaliador pode interferir nos resultados da avaliação.
Em razão disso, ele nos alerta, registraremos aqui o fato de que hoje se sabe que a avaliação não é uma medida pelo simples fato
de que o avaliador não é um instrumento, e porque o que é avaliado não é um objeto no sentido imediato do termo. Todos os profes-
sores- avaliadores deveriam, portanto, ter compreendido definitivamente que a “nota verdadeira” quase não tem sentido.
Uma das concepções mais tradicionais sobre a avaliação na escola refere-se à possibilidade de classificar o desempenho do aluno
por meio da avaliação.
Nessa perspectiva, Perrenoud (1999) declara:
A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência [grifo do autor]. Os alunos são com-
parados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida em absoluto ou encarnada pelo professor e pelos
melhores alunos.
Para esse autor, outra função tradicional que a avaliação assume no contexto escolar é a certificação, isto é, o diploma garante
que o seu portador recebeu uma formação e, portanto, não necessita se submeter a novos exames.
Didatismo e Conhecimento 85
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Uma certificação fornece poucos detalhes dos saberes e competências adquiridos e do nível de domínio precisamente adquirido
em cada campo abrangido. Ela garante, sobretudo, que um aluno sabe globalmente “o que é necessário saber” para passar para a
série seguinte no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão (...). A vantagem de uma certificação instituída é
justamente a de não precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formação posterior.
Segundo Perrenoud (1999), nossas práticas de avaliação são atravessadas por duas lógicas não necessariamente excludentes: a
formativa e a somativa.
No que se refere à lógica da avaliação somativa, Sordi (2001), apoiando-se em Perrenoud (1999), afirma:
Esta se relaciona mais ao produto demonstrado pelo aluno em situações previamente estipuladas e definidas pelo professor, e se
materializa na nota, objeto de desejo e sofrimento dos alunos, de suas famílias e até do próprio professor. Predomina nessa lógica o
viés burocrático que empobrece a aprendizagem, estimulando ações didáticas voltadas para o controle das atividades exercidas pelo
aluno, mas não necessariamente geradoras de conhecimento.
Já a outra lógica – a formativa – preocupa-se com o processo de apropriação dos saberes pelo aluno, os diferentes caminhos que
percorre, mediados pela intervenção ativa do professor, a fim de promover a regulação das aprendizagens, revertendo a eventual rota
do fracasso e reinserindo o aluno no processo educativo.
Assim, podemos depreender que a avaliação somativa apoia-se em uma lógica ou em uma concepção classificatória de avaliação
cuja função, ao final de uma unidade de estudos, semestre ou ano letivo, é a de verificar se houve aquisição de conhecimento.
Quanto a essa modalidade de avaliação, Azzi (2001) declara:
A avaliação que acontece ao final nos dá uma dimensão do significado e da relevância do trabalho realizado. Difundida nos
meios educacionais com a denominação de somativa, é sempre associada à ideia de classificação, aprovação e reprovação. Tal asso-
ciação tem sentido e não é errada em uma proposta que tenha esses objetivos. Numa proposta que vise à inclusão do aluno, a avalia-
ção final necessita ser redimensionada, sem perder seu caráter de seriedade e rigor.
Com relação à avaliação formativa, Hadji (2001) sustenta que sua função principal é a de contribuir para uma boa regulação da
atividade de ensino (ou da formação, no sentido amplo). Trata-se, portanto, de levantar informações úteis à regulação do processo
de ensino-aprendizagem. Todavia, ele nos lembra: uma avaliação não precisa conformar-se a nenhum padrão metodológico para ser
formativa.
Nessa medida, observa-se que, na prática, essas lógicas convivem entre si. Para Sordi (200i), porém, a diferença reside na posição
do educador diante delas, ou seja, na coragem do professor em assumir a sua titularidade e sua autonomia na definição do que vale
em avaliação.
Como reação às concepções tecnicista e quantitativa da avaliação, segundo Saul (1988), a partir da década de 1960, surgem inú-
meras críticas sobre os modelos e práticas da avaliação em nossas escolas, verificando-se um rápido desenvolvimento de enfoques de
avaliação alternativos, com pressupostos éticos, epistemológicos e teóricos bem diferentes. Nesse sentido, a autora se refere à busca
de alternativa para a avaliação escolar:
Produziu-se um acelerado desenvolvimento do interesse sobre a perspectiva chamada de avaliação “qualitativa”. Esse movi-
mento deveu-se em grande parte ao reconhecimento de que os testes padronizados de rendimento não ofereciam toda a informação
necessária para compreender o que os professores ensinavam e o que os alunos aprendem.
Caracteriza que na concepção qualitativa de avaliação há uma preocupação em compreender o significado de produtos comple-
xos a curto e a longo prazos, explícitos e ocultos, o que requer uma mudança de orientação, uma troca de polo: da ênfase nos produtos
à ênfase no processo.
Por essa razão, para a autora, a “avaliação qualitativa” passa a incorporar um conjunto de técnicas, orientações e pressupostos da
metodologia etnográfica, da investigação de campo.
Outra característica dessa avaliação é o delineamento flexível que permita um enfoque progressivo, isto é, a avaliação centrada
em processos é em si mesma um processo que evolui em virtude de descobertas sucessivas e de transformações do contexto; supõe,
então, um enfoque seletivo e progressivo.
Na esteira de uma avaliação de cunho qualitativo, a autora propõe uma modalidade, por ela denominada de avaliação emanci-
patória, cujas três vertentes teórico-metodológicas são: a avaliação democrática; crítica institucional e criação coletiva; e a pesquisa
participante.
Observamos, portanto, que essa proposta de avaliação qualitativa surgiu a partir da necessidade de uma revisão e ultrapassagem
das premissas epistemológicas até então vigentes. Demo (2004) declara: a avaliação qualitativa pretende ultrapassar a avaliação
quantitativa, sem dispensar esta. Entende que no espaço educativo os processos são mais relevantes que os produtos, não fazendo jus
à realidade, se reduzida apenas às manifestações empiricamente mensuráveis. Estas são mais fáceis de manipular metodologicamen-
Didatismo e Conhecimento 86
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
te, porque a tradição científica sempre privilegiou o tratamento mensurado da realidade, avançando, por vezes, de maneira incisiva
em algumas disciplinas sociais, como a economia e psicologia. Todavia, não se pode transferir a limitação metodológica a pretensa
redução do real. Este é mais complexo e abrangente do que sua face empírica. A avaliação qualitativa gostaria de chegar até à face
qualitativa da realidade, ou pelo menos de se aproximar dela.
Na opinião de Esteban (2003), a avaliação qualitativa configura-se como um modelo em transição por ter como centralidade a
compreensão dos processos dos sujeitos e da aprendizagem, o que produz uma ruptura com a primazia do resultado característico do
processo quantitativo. Nesse sentido, a autora afirma:
A avaliação qualitativa tenta responder à imposição de a avaliação qualitativa apreender a dinâmica e a intensidade da relação
aprendizagem-ensino, porém articulada por princípios que sustentam o conhecimento-regulação-mercado, Estado e comunidade.
Suas pesquisas sobre a avaliação do rendimento do aluno indicam que a construção de um modelo híbrido, que mantém como
perspectiva global o modelo quantitativo, de alguma maneira suavizado pela inclusão da análise de alguns fatores subjetivos nessa
avaliação, não chega a significar uma real transformação no paradigma da avaliação. Nesse sentido, Esteban (2001) assinala: Muitas
vezes observamos, tanto na sala de aula quanto nas propostas que chegam à escola, a manutenção da prática de avaliação fundamen-
tada na lógica classificatória e excludente, ainda que a prática adquira uma aparência inovadora e que o conceito de avaliação escolar
associado à quantificação do rendimento do/a aluno/a seja objeto de inúmeras e profundas críticas.
De acordo com Santos Guerra, fala-se em avaliação de conteúdos, conceitos, procedimentos, atitudes, mas há que se sintetizar
todo o processo num conceito ou número.
Desta análise, podemos depreender que embora não se possa negar a incorporação da abordagem qualitativa como um avanço
na proposta de avaliação escolar ela ainda não é suficiente para a reconstrução global da práxis avaliativa. Segundo Esteban (2001),
as concepções qualitativa e quantitativa mantêm o sujeito individualizado e não consideram a dimensão social da constituição da
subjetividade, de suas características peculiares, de suas possibilidades, de suas dificuldades, etc.; conservam a concepção de que é
necessário harmonizar o indivíduo às condições postas.
Assim, ao abordar as concepções pedagógicas que permeiam a avaliação no contexto escolar, pudemos verificar, inicialmente,
que avaliar e examinar se equivalem. Esteban (2004) declara: embora muito criticada, a avaliação do desempenho escolar, como
resultado do exame que o professor ou professora realiza sobre o aluno ou aluna, ainda é predominante.
Observa-se também que avaliar tem-se confundido com a possibilidade de medir a quantidade de conhecimentos adquiridos
pelos alunos e alunas, considerando o que foi ensinado pelo professor ou professora. Nesse sentido, Gatti (2003) afirma:
É preciso ter presente, também, que medir é diferente de avaliar. Ao medirmos um fenômeno por intermédio de uma escala, de
provas, de testes, de instrumentos calibrados ou por uma classificação ou categorização, apenas estamos levantando dados sobre uma
grandeza do fenômeno. (...) Mas, a partir das medidas, para termos uma avaliação é preciso que se construa o significado dessas
grandezas em relação ao que está sendo analisado quando considerado com um todo, em suas relações com outros fenômenos, suas
características historicamente consideradas, o contexto de sua manifestação, dentro dos objetivos e metas definidos para o processo
de avaliação, considerando os valores sociais envolvidos.
Outra concepção sobre a avaliação escolar refere-se à classificação dos alunos e alunas em uma escala que opera com pares
excludentes, tais como: maduro/imaturo, capaz/incapaz, forte/fraco, bom/mau, entre outros. Essa classificação possibilita a delimi-
tação dos lugares dos estudantes na escola, seus limites e possibilidades de aprendizagem. Para Esteban (2004, p. 85), a avaliação
classificatória não é somente um elemento justificador da inclusão/exclusão, ela está constituída pela lógica excludente dominante
em nossa sociedade.
O conceito de avaliar para qualificar exige que a questão metodológica da avaliação seja tratada com pluralidade e maior flexi-
bilidade, a fim de contemplar as diferenças. Contudo, em relação ao processo de avaliação qualitativa no cotidiano escolar, Esteban
(2003) assinala:
Não obstante a crítica ao modelo quantitativo e a redefinição das práticas em consonância às novas perspectivas teórico-meto-
dológicas apresentadas, a avaliação qualitativa continua sendo uma prática classificatória. Vemos, na escola, as provas únicas com
questões objetivas serem substituídas por testes ou provas distribuídas ao longo de um período letivo trazendo questões mais abertas,
que solicitam opiniões e reflexões dos estudantes, que propõem o estabelecimento de questões mais amplas. As questões pretendem
estimular uma maior participação do sujeito que aprende na elaboração de respostas e captar o processo de aprendizagem; os exames
passam a ser complementados pela observação da professora sobre o movimento dos alunos e alunas que aprendem.
Assim, há evidências de que a vertente qualitativa da avaliação introduz aspectos que nos conduzem à reflexão epistemológica
sobre a práxis da avaliação escolar, pois, embora a prática pedagógica permaneça delimitada pelo modelo positivista, observamos o
movimento que denuncia sua insuficiência para responder às demandas cotidianas.
Portanto, a análise do contexto escolar aponta o esgotamento do modelo teórico-epistemológico que define a avaliação e confirma
a ideia apresentada por Barriga (1982) segundo a qual é indispensável a ruptura com o paradigma epistemológico que circunscreve o
processo avaliativo, para que se possa formular uma teoria de avaliação que ultrapasse os limites da teoria da medida e implemente
práticas pedagógicas com novos significados.
Didatismo e Conhecimento 87
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Além disso, com base nesta análise acerca das concepções que permeiam a avaliação no contexto escolar, concluímos que elas
estão intimamente relacionadas às mudanças que vêm ocorrendo em relação às concepções de educação que orientam as práticas
pedagógicas desde que a escola foi instituída como espaço de educação formal.
Nessa perspectiva, o processo escolar, constituído sob o prisma do pensamento liberal e do paradigma positivista, determinou
uma prática de avaliação essencialmente classificatória.
Por essa razão, consideramos que a implementação de políticas educativas, aliada a uma atuação pedagógica atenta a conflitos,
contradições, fissuras, fragmentos, vozes que constituem o panorama escolar, poderá dar novos sentidos à práxis da avaliação. (Texto
adaptado de Mary Stela F. C., Mestre em Educação).
Didatismo e Conhecimento 88
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Tal preocupação também vem permeado as discussões sobre o processo de formação de professores, que, de acordo com Marin
(1996), é bastante antiga, no entanto, continua uma problemática atual, uma vez que a produção teórica em torno desta temática, para
quem trabalha na área é objeto fundamental de investigação.
Nóvoa (1995, 1995, 1995), ao escrever sobre as dimensões pessoais e profissionais dos professores, valendo-se de uma retrospec-
tiva histórica, mostra que os estudos sobre a formação e atuação de professores, de forma geral, foram marcados por uma separação
entre o eu pessoal e o eu profissional. No final da década 80, começaram a ocorrer estudos que tiveram o mérito de “recolocar os
professores no centro de debates educativos e das problemáticas da investigação” (Nóvoa, 1995), contribuindo para compreender
a complexidade dessa profissão e das atuais sociedades, o que exige por parte dos professores uma ampla preparação profissional e
maior autonomia na condução de suas atividades profissionais.
Os trabalhos de Nóvoa e de muitos outros trouxeram uma nova perspectiva nos estudos dos professores, resgatando a influência
da individualidade do professor no desempenho de sua profissão.
Referindo-se à questão da profissão professor, Sacristán (1995) entende “por profissionalidade a afirmação do que é específico
na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade
de ser professor”.
A profissão, no entendimento de Pophkewitz (1995), “é uma palavra de construção social”, cujo conceito muda em função das
condições sociais em que as pessoas o utilizam. Tem relação com o modo como o termo profissionalização é usado no contexto
propriamente sócio- político onde a prática pedagógica se desenvolve. O conceito do que é profissionalidade docente não é estático,
sendo, portanto, constantemente elaborado.
Para Libâneo (1998), profissionalismo “significa compromisso com um projeto político-democrático, participação na construção
coletiva do projeto pedagógico, dedicação ao trabalho de ensinar a todos, domínio da matéria e dos métodos de ensino, respeito à cul-
tura dos alunos, assiduidade, preparação de aulas, etc.” Os professores, no contexto atual, vivenciam as consequências de uma situa-
ção de mal-estar, provocadas por mudanças recentes na educação. Essa situação de mal-estar pode ser representada pelos sentimentos
que os mesmos têm diante das circunstâncias que o próprio processo histórico produziu em termos de educação, como desmotivação
pessoal e, muitas vezes, abandono da própria profissão, insatisfação profissional, percebida através de pouco investimento e indis-
posição na busca de aperfeiçoamento, esgotamento e “stress”, como consequência do acúmulo de tensões, depressões, ausência de
uma reflexão crítica sobre a ação profissional e outras reações que permeiam a prática educativa e que acabam, em vários momentos,
provocando um sentimento de autodepreciarão (Esteve, 1995).
Além de abordar sobre essa situação de mal-estar, a produção científica em torno de questões da profissionalização docente tem
destacado a necessidade da formação reflexiva dos professores, Alarcão (1996) esclarece que, na década de 80, começaram a ser
difundidas as ideias de Donald Schön, que despertaram considerações sobre a abordagem reflexiva na formação de professores.
O conceito de professor reflexivo emergiu, inicialmente, nos Estados Unidos em oposição ao movimento que enfatizava a
aprendizagem de técnicas, ao racionalismo técnico, considerando, então, que o professor deve ser encarado como um intelectual em
contínuo processo de formação.
Schön fundamentou suas pesquisas na teoria da indagação de John Dewey, filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano que
muito influenciou o pensamento pedagógico contemporâneo e o movimento da Escola Nova.
Campos e Pessoa (1998) afirmam que Dewey foi um crítico das práticas pedagógicas que pregavam a obediência e a submissão
e que a educação, no seu entender, “está continuamente reconstruindo a experiência concreta, ativa e produtiva de cada um” (p. 187).
Gerardi, Messias e Guerra (1998, p. 248) esclarecem que Dewey “definiu a ação reflexiva como uma ação que implica uma conside-
ração ativa e cuidadosa daquilo que se acredita ou que se pratica, iluminada pelos motivos que a justificam e pelas consequências a
que conduz” e que “a busca do professor reflexivo é a busca do equilíbrio entre a reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento”. A
ação reflexiva envolve intuição, emoção e não é somente um conjunto de técnicas que podem ser ensinadas aos professores.
Zeichener e Liston, nos Estados Unidos, também trabalham com a perspectiva do professor reflexivo. No entanto, seus estudos
distinguem- se dos de Schön e mesmo de sua fonte inspiradora básica, Dewey. Para estes autores, conforme Geraldi, Messias e Guer-
ra (1998, a reflexão não é um ato solitário, como Schön propõe, mas um ato coletivo.
Diante das atuais circunstâncias, a proposta de formação de professores na perspectiva do professor reflexivo salienta o aspecto
da prática como fonte de conhecimento através da reflexão e da experimentação. Onde o papel do formador consiste mais em facilitar
a aprendizagem, em ajudar a aprender, o que sugere um repensar o processo de formação dos processos de formação de professores,
que devem então, propor situações de experimentação que permitam a reflexão, assim como os professores precisam refletir sobre o
papel de ensinar.
Nesse sentido, Libâneo (1998) esclarece que a tarefa de ensinar a pensar exige do professor o conhecimento de estratégias de
ensino e o desenvolvimento de competências de ensinar. O professor necessita então, aprender a regular as suas próprias atividades
de pensamento e, principalmente, “aprender a aprender”.
O ensino reflexivo, mesmo quando analisado sob diferentes óticas teórico-metodológicas, dá ênfase às preocupações com a
experiência pessoal e com o desenvolvimento profissional de professores. Retomando as ideias de Nóvoa, é necessário um investi-
mento na pessoa do professor e na sua profissão. O que pode constituir-se numa política de valorização do desenvolvimento pessoal-
-profissional dos professores.
Didatismo e Conhecimento 89
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Diante das abordagens acima, apontadas e perante as transformações e inovações tecnológicas que na atualidade se processam
de forma cada vez mais rápida, exigindo das pessoas novas habilidades e novos conhecimentos, muitos ainda não dominados, é
oportuno e nunca demais lembrar que o conhecimento e a capacidade de lidar com inúmeras informações se torna cada vez mais uma
exigência a todos os profissionais, em particular dos profissionais da educação.
Além de ter de enfrentar esses novos desafios, na sua própria profissão, e considerando a função de preparar seus alunos para as
exigências do mundo globalizado onde lhes são exigidas cada vez mais uma visão do todo, que sejam capazes de agir diante das mais
diversas situações, que sejam críticos e criativos, capazes de desenvolver o pensamento reflexivo e interagindo com todos e tudo o
que está à sua volta, para que o aluno possa então, atingir o conhecimento (episteme). Essa busca não se limita a descobrir apenas a
verdade dos objetos, mas algo bem mais superior: chegar à contemplação das ideias morais que regem a sociedade – o bem (agathón),
o belo (to kalón) e a justiça (dikaiosyne).
Posto isso, cabe-nos o desafio: Diante das atuais transformações em curso na sociedade e no mundo do trabalho, quais passam
ser as novas exigências educacionais da profissão docente?
Até que ponto, a nossa ação pedagógica está contribuindo para que os alunos possam desenvolver na totalidade suas potenciali-
dades e contribuir, para numa ação constante para atingir o conhecimento construir e reconstruir a sociedade humana fundamentada
no bem, no belo e na justiça?
Eis o desafio que nos pode ser cobrado e renovado a cada momento, sob novas luzes, que devemos desvendar e enfrentar. (Texto
adaptado de Rauber, P.).
Até princípios da década de 1980, as pesquisas em docência e formação de professores no Brasil investigavam fundamental-
mente sobre a prática docente, e isso configurava, na maioria dos casos, uma relação de distanciamento entre pesquisador e escola,
fazendo com que esta fosse retratada a partir de um olhar externo. Empregando abordagens metodológicas que dialogavam com a
intencionalidade de investigar sobre a escola, essas pesquisas educacionais produziam, muitas vezes, uma imagem negativa dessa
escola, e, sobretudo, de professores e professoras. Isso conduzia a um distanciamento entre a produção acadêmica e a prática escolar,
fazendo com que as pessoas que trabalham nas escolas não se interessassem pelos conhecimentos produzidos nas universidades, ao
mesmo tempo em que dificultava aos próprios pesquisadores conhecer e investigar os interesses daqueles profissionais.
Pesquisar sobre a escola, sobre os professores, enfim, sobre o outro, era algo que não contribuía de forma significativa para o
conhecimento do cotidiano escolar e para a necessária aproximação entre universidade e escola. Esse modelo de pesquisa começava a
mostrar sua insuficiência. Já não bastava olhar para o outro, observar suas práticas e desenvolver análises sobre tudo isso. Era preciso
repensar o lugar do pesquisador, questionar as abordagens metodológicas empregadas e, acima de tudo, abandonar qualquer tentativa
de explicar as práticas para, diferente disso, tentar compreender os significados que as perpassavam.
Têm início, então, pesquisas na e com a escola. Os professores e as professoras, antes tomados na qualidade de meros “objetos”,
passam a ser vistos como sujeitos, participantes do processo de investigação. Preocupações epistemológicas levam os pesquisadores
a questionar o conhecimento que produzem, sua relevância e capacidade de contribuir com a escola por meio dos resultados de suas
investigações. Assim, de objeto de pesquisa, a prática docente passa a ser compreendida como espaçotempo1 de formação e de in-
vestigação coletiva.
Neste artigo, trazemos para a discussão algumas questões, tais como: quais os possíveis significados da pesquisa na prática
docente? Quais as dificuldades e os desafios, em nosso país, para a realização da investigação na escola pelos próprios profissionais
que lá trabalham? Qual a relevância desse tipo de pesquisa para a introdução de inovações no currículo escolar e para a formação
docente? Ainda em termos da formação, se um dia enfatizamos o domínio dos conteúdos para depois nos concentrarmos no domí-
nio dos métodos, não seria o enfoque na pesquisa mais uma escolha arbitrária que estaria negando outras possibilidades formativas
também relevantes?
Dessa maneira, com a intenção de fomentar o debate sobre o tema, o que pretendemos abordar neste artigo é discutir possíveis
significados da pesquisa na prática docente, e não o que ela de fato significa. É muito importante que destaquemos este nosso propó-
sito uma vez que a problematização que traremos a seguir se refere às nossas preocupações somente, e não se trata de questões que
tenhamos recebido de um coletivo de professores e professoras, até porque, enquanto estamos aqui pensando sobre este assunto, eles
estão na escola tratando de outras coisas que demandam deles uma resposta muito mais imediata.
Didatismo e Conhecimento 90
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Mas, afinal, o que denominamos de pesquisa na prática docente?
O significado da palavra “pesquisa” é polissêmico - portanto, dependendo de quem a utiliza, e do contexto que a envolve, pode
apresentar significados diferentes para pessoas diferentes. Tomemos, a princípio, a pesquisa como atividade científica desenvolvida
no universo acadêmico. Não obstante as diversas orientações teóricas, metodológicas e epistemológicas, a pesquisa científica busca
dialogar com o paradigma no qual se inscreve. Tradicionalmente, as pesquisas percorrem caminhos os quais as caracterizam como
científicas, com a intencionalidade de conhecer determinado objeto para posteriormente socializar esse conhecimento. Como já nos
ensinou Thomas Kuhn (2001), imersos em atividades de investigações acadêmicas, pesquisadores e pesquisadoras utilizam uma
linguagem comum aos membros da comunidade científica da qual participam, e que os distingue como tais.
O desenvolvimento de pesquisas na prática docente é algo ainda polêmico no meio acadêmico, especialmente entre aqueles que,
abusando de uma linguagem prescritiva, apresentam e formulam as direções que os currículos escolares e a formação de professores
devem seguir. Essa polêmica provavelmente não existiria caso se tratasse de algo a ser mantido sob o controle dessas mesmas pesso-
as, algo que pudesse ser administrado por elas - mas, daí perguntamos: quem pode controlar a produção de conhecimentos do outro?
A polêmica no meio acadêmico acerca da possibilidade (ou não) de haver pesquisas na prática encontra-se relacionada a questões
de poder, e isso porque ainda há quem olhe para a pesquisa na prática como algo que possa competir com a pesquisa acadêmica,
abalando sua legitimidade.2
Assim, podemos encontrar nas universidades quem defenda e quem critique, com bastante intensidade, o desenvolvimento da
pesquisa na prática docente. Examinando o que dizem, podemos notar que ambos os grupos, embora discordem entre si, dispõem de
concepções semelhantes acerca do que seria essa pesquisa. Grande parte dos acadêmicos envolvidos nessa discussão toma a pesquisa
científica como modelo para a investigação na prática, e parece-nos que reside aí a razão de toda a discórdia, pois o que caracteriza
a segunda é a simultaneidade entre trabalho e pesquisa - o que, para alguns acadêmicos, configura essa investigação como qualquer
outra coisa que não a pesquisa científica. A investigação desenvolvida na prática dispõe, portanto, de um estatuto epistemológico e
metodológico próprio e ainda pouco conhecido, e que em muito pouco se assemelha à pesquisa científica.
A pesquisa na prática docente trata-se de uma investigação desenvolvida no cotidiano escolar e compreendida como discussão
permanente acerca do currículo, da prática e da problemática social. Trata-se ainda de uma pesquisa que possibilita a professores
e professoras das escolas se firmarem na qualidade de sujeitos que autogerenciam sua própria formação, auxiliados pelo conheci-
mento teórico tomado como texto dialógico junto à tessitura do cotidiano escolar. Refere-se também a uma pesquisa que minimiza
a tutela e legitima a emancipação docente, no sentido de romper com essa pretensiosa via de mão única em que a palavra externa
historicamente vem tentando dizer o que deve ser a escola. Uma pesquisa que possibilita o conhecimento das teorias presentes nas
práticas pedagógicas, as quais possam dialogar com o conhecimento teórico produzido fora da escola. Remete ainda a um trabalho
que potencializa a atitude investigativa no cotidiano escolar e propicia a discussão acerca de uma epistemologia das classes popula-
res, inserindo na prática a discussão permanente sobre as relações entre sociedade e escola. Por fim, significa também uma pesquisa
que fortalece na escola o trabalho coletivo entre professores e professoras, levando-os a sistematizar o conhecimento que produzem.
A pesquisa na prática docente, desenvolvida por professores e professoras das escolas, é, além do mencionado anteriormente,
uma forma bastante interessante e eficaz de desenvolvimento profissional (Zeichner & Diniz-Pereira, 2005). É inegável a contri-
buição da pesquisa nos processos formativos, uma vez que a prática investigativa pressupõe a articulação de processos cognitivos,
linguísticos, criativos, dialógicos e outros mais. A pesquisa, portanto, interfere positivamente na constituição dos saberes docentes e
na compreensão de sua própria prática profissional. Favorece a tessitura de uma escola em que o conhecimento produzido passa a ser
sistematizado, discutido, socializado - uma escola em que as proposições externas se misturam às proposições internas.
Por fim, do ponto de vista político, a pesquisa na prática docente também pode ser vista como um movimento contra hegemônico
que contribui para a ruptura de uma determinada forma de saber e poder (Diniz-Pereira, 2002). Socializando os saberes oriundos da
prática, e tomando a teoria como texto cuja serventia é a interlocução com esses saberes, a prática investigativa na escola favorece
o esfacelamento de uma relação endurecida, onde tradicionalmente a teoria era tomada como texto a ser transformado em método e
aplicado na prática.
Desenvolveremos um pouco mais, na seção seguinte, o tema da relação teoria e prática, procurando explicitar a necessidade de
outra compreensão para que se aceite e se admita a legitimidade e a relevância da pesquisa na prática docente. Porém, como essa
temática já tem sido bastante explorada na literatura especializada, não é nosso objetivo apresentar aqui uma discussão aprofundada
sobre o assunto.
Pesquisa na prática docente: necessidade de uma mudança de olhar sobre a relação teoria e prática
Como sabemos, tradicionalmente, espera-se que a teoria educacional seja aplicada de forma direta à prática docente. Nos progra-
mas de formação profissional e nas escolas, é bastante comum ouvirmos frases do tipo: “Conheça a teoria e aplique-a em sua sala de
aula”. E, então, dispomo-nos a conhecer a teoria, para depois descobrir que ela não se encaixa perfeitamente em nossas salas de aula.
Didatismo e Conhecimento 91
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
E isso acontece porque a primeira lição que nos ensina a teoria - e isso dificilmente aprendemos - é que ela só nos oferece serventia se
a transformarmos em outra coisa: em conhecimento. Teoria alguma se aplica diretamente a prática alguma, mas toda teoria se entrega
facilmente aos desdobramentos que alguém faz dela.
Desse modo, de acordo com a visão tradicional, a prática é concebida como ponto de chegada. A teoria, o método e, na atua-
lidade, a pesquisa destinam-se e devem se aplicar à prática. Tudo isso deveria nos causar estranhamento, afinal o lugar de chegada
remete-nos à ideia de ponto final, de terminalidade, e, em se tratando da teoria, do método e da pesquisa, a prática poderia ser en-
tendida, então, apenas como campo de aplicabilidade. Essa relação linear em direção à prática desconsidera justamente duas de suas
mais significativas características: o movimento e a imprevisibilidade. A prática docente, portanto, não pode ser considerada ponto de
chegada, não pode ser considerada espaço tempo de aplicabilidade de qualquer coisa que seja, e isso porque a prática não é um lugar
inerte onde algo possa ser simplesmente depositado.
É possível encontrar, na literatura educacional, no que diz respeito não somente às reformas curriculares, mas também aos
programas de formação, muitas críticas a ações verticalizadas, ou seja, aquelas implementadas de cima para baixo. Essas ações são
pensadas em esferas que não a escola, mas que deveriam ser por ela executadas. Aparentemente, há aqueles que pensam e aqueles
que executam e, se assim fosse, a implementação da pesquisa na prática docente seria algo simples de ser efetivado - bastaria um
decreto e professores e professoras das escolas se tornariam pesquisadores na próxima segunda-feira. Isso, porém, não se passa assim.
Se buscarmos nos estudos sobre currículo, por exemplo, poderíamos perceber a distância que há entre as diretrizes propostas por um
poder central e o que efetivamente acontece nas escolas. Isso nos leva a desconfiar de que as pessoas produzem coisas, e Certeau
(1994) já nos disse isso há tempos.
Proposições verticalizadas só existem na intenção de quem ocupa o lugar de poder e na crítica de quem procura desvendá-las,
porque, nas escolas, as pessoas tomam essas proposições e fazem outras coisas com elas.
E se isso realmente acontece, é preciso então saber o que fazem, para, assim, podermos compreender como é possível a pesquisa
na prática de quem trabalha na escola, o que, além de ser algo diferente da pesquisa científica, também é algo bastante diferente da
investigação desenvolvida por alguém que se encontra no momento da formação inicial.
As implicações do desenvolvimento da pesquisa na prática docente para a formação de professores serão discutidas mais adian-
te neste texto. Antes, diante de todas as dificuldades enfrentadas pela educação formal no Brasil, não podemos de maneira alguma
romantizar esse tema e, por isso mesmo, mencionaremos, a seguir, alguns desafios que a pesquisa na prática docente enfrenta em
nosso país.
Como se sabe, quem trabalha em escolas brasileiras - e, talvez, isso não seja muito diferente em vários outros lugares do mundo -
envolve-se, na maior parte do tempo, apenas com atividades de ensino - o que não garante, necessariamente, a aprendizagem efetiva
e significativa entre os alunos. A carga horária dos docentes concentra-se nas salas de aula e pressupõe a elaboração de planejamentos,
cumprimento de propostas curriculares, processos diferenciados de avaliação e todas as demais atividades relacionadas ao ensino.
Além disso, quem trabalha na escola também precisa destinar uma parcela de seu tempo às reuniões pedagógico-administrativas, em
que, geralmente, as ações limitam-se a questões técnicas e burocráticas. A formação continuada, desenvolvida a partir dos problemas
que emergem da própria sala de aula, praticamente não existe.
Além disso, as condições desfavoráveis de trabalho dos nossos docentes - salários aviltantes, dupla ou até mesmo tripla jornada
de trabalho, sobrecarga de aulas, número excessivo de alunos por sala de aula etc. -, na maioria das redes de ensino brasileiras, pra-
ticamente inviabilizam a pesquisa na escola. Estamos bastante conscientes de que, mantidas essas condições, a pesquisa na escola
poderia significar apenas a intensificação do trabalho docente. Assim, poderíamos perguntar: como desenvolver, na escola, ensino e
pesquisa ao mesmo tempo?
Se tomarmos o modelo de pesquisa científica como norteador da investigação desenvolvida na prática docente, podemos afir-
mar que ensinar e pesquisar concomitantemente na escola é algo impossível. É preciso, pois, desvencilharmo-nos desse modelo de
investigação e tentarmos, junto com professores e professoras de escolas, discutir possibilidades de inserção da pesquisa no ensino,
ao mesmo tempo em que se lute para que as condições de trabalho dos docentes melhorem significativamente. Para tal, precisamos
pensar em uma investigação que não objetive perseguir os mesmos caminhos metodológicos da pesquisa científica, que contribua
para transformar as práticas pedagógicas, registrar conhecimentos que vêm sendo produzidos, redimensionar a relação com a teoria
e, finalmente, problematizar a relação entre sociedade e escola. Se a pesquisa científica parte de um problema delimitado no interior
de um tema mais amplo, a pesquisa desenvolvida na prática docente é algo que não começa em um lugar predeterminado, mas que
reside na complexidade da prática, na necessidade de compreender o cotidiano escolar, no desejo de compreender algo que venha
causando indignação e surpresa. Como fazer isso, então?
Didatismo e Conhecimento 92
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Não há respostas simples para esta pergunta. Tampouco acreditamos que será por meio da apresentação de uma receita que as
dificuldades e os desafios em relação ao desenvolvimento da pesquisa na prática docente serão resolvidos. Pensamos que o lugar para
começar a buscar uma pluralidade de posicionamentos a respeito desse assunto - e disso não temos dúvidas - é a própria escola. Se
a pesquisa tem o potencial para transformar a escola em um lugar melhor - do ponto de vista intelectual, humano e da aprendizagem
(mais do que do ensino propriamente) - e se os professores e as professoras devem investigar suas próprias práticas para que isso
aconteça, então é imperativo que sejam inseridos na discussão dessa proposição os que têm sido incluídos apenas como executores.
Se a professores e professoras continuar sendo relegado o lugar de executores de ideias pensadas por outros, essas proposições muito
dificilmente farão parte da tessitura escolar e continuarão sendo um apêndice - não importa o quanto essas ideias sejam coerentes e
interessantes.
Sabemos, por meio da literatura especializada e pelas práticas que ainda se perpetuam em muitas instituições de ensino superior
no país, que um dia a formação de professores se preocupou enormemente com o domínio dos conteúdos, e, assim, professores e pro-
fessoras concluíam sua formação inicial supostamente dominando os conteúdos das disciplinas que iriam ministrar. Isso, contudo, foi
mostrando sua insuficiência, e, assim, também os programas de formação profissional, baseados no modelo da racionalidade técnica,
em que o conteúdo, desprovido dos meios, não respondia às necessidades educativas.
Minimizando os conteúdos e intensificando os métodos e as técnicas, os programas de formação promoveram uma mudança
significativa, mas quase nenhuma transformação. Aqueles e aquelas que estavam sendo formados continuavam sendo vistos como al-
guém que precisava conhecer algo e que, para conhecer, precisava dominar esse algo conhecido. Esse conhecimento, contudo, estava
fora do sujeito conhecedor, não era produzido por ele e tampouco se originava a partir da prática. Substituindo a ênfase nos conteúdos
pela ênfase nos métodos, houve mudança de enfoque, mas a professores e professoras coube manter-se no extremo de um processo
verticalizado, no lugar de quem recebe, e por isso afirmamos que se tratou somente de uma mudança, não de uma transformação.
Não queremos com isso afirmar que os programas de formação devam relegar a segundo plano o ensino dos conteúdos a serem
ministrados, nem que também não devam problematizar os métodos utilizados. Qualquer atividade de ensino precisa estar articulada,
necessariamente, a um currículo, a uma teoria, a um método, mas, se quisermos uma transformação e não somente uma mudança, é
preciso que as atividades de ensino estejam articuladas a currículos, teorias e métodos que sejam problematizados permanentemente
por aqueles e aquelas que trabalham nas escolas, por quem os precisa articular, compreender, refutar e inventar cotidianamente em
meio às práticas pedagógicas.
No modelo atual, em se tratando da pesquisa na prática docente, quando esta se refere à investigação como eixo formativo dos
cursos de licenciatura, podemos notar grande semelhança com o que se faz na pesquisa científica: os alunos e alunas das licenciaturas
delimitam um objeto, fazem uma revisão de literatura sobre o tema, detalham a metodologia de pesquisa, coletam e analisam dados
para, por fim, produzirem um trabalho de conclusão de curso - geralmente chamado de monografia - que é considerado um dos pré-
-requisitos da habilitação. Embora não desconsideremos a relevância de todo esse trabalho de iniciação científica, pensamos que ain-
da precisamos avançar na discussão acerca da formação do professor e da professora pesquisadores tendo como atividade formativa
o desenvolvimento de uma monografia.3 Mas esta é outra questão, que não pretendemos abordar neste artigo.
Simplesmente inserir a dimensão da pesquisa nos cursos de licenciatura não garante, porém, a formação do professor e da pro-
fessora na qualidade de pesquisadores, e, mesmo que isso fosse possível, o estatuto epistemológico e metodológico empregado na
investigação desenvolvida durante a formação inicial muito dificilmente poderia ser utilizado em meio à prática pedagógica desen-
volvida no cotidiano escolar. Pensamos que a inserção da dimensão da pesquisa nos cursos de licenciatura em muito tem ajudado a
desconstruir a artificialidade que havia na parte prática desses cursos, mas em pouco tem auxiliado para a compreensão de como isso
poderia dar-se no chão da escola.
Se a pesquisa na prática docente, tomada como eixo articulador dos cursos de licenciatura, em diálogo com o estágio e a prática
de ensino, pode ressignificar as disciplinas de conteúdo, também a pesquisa na prática docente, desenvolvida por professores e pro-
fessoras das escolas, pode imprimir movimento ao conhecimento teórico que, tradicionalmente, vem sendo tomado com a intenção de
ser aplicável. Cabe aqui, então, formular outra questão que deixamos para o debate: se não pretendemos minimizar o acesso à teoria
intensificando a investigação sobre a prática, como poderemos estabelecer uma relação dialógica entre ambas?
Por fim, acreditamos que o movimento de pesquisa na prática docente pode influenciar os cursos de licenciatura, minimizando
o enfoque anteriormente oferecido aos conteúdos e aos métodos, e inserindo a pesquisa como eixo articulador da formação. As
exigências legais pela distribuição da parte prática no decorrer dos cursos, bem como a articulação entre a pesquisa, o estágio e a
prática de ensino, também contribuem para que, na atualidade, a pesquisa seja tomada como importante componente dos programas
de formação de professores.4 Quais interpretações estão sendo realizadas, nas universidades e demais instituições de ensino superior,
sobre esse princípio norteador? Como tais interpretações estão sendo traduzidas em termos de propostas curriculares para os cursos
de formação inicial de professores nas diversas instituições de ensino superior brasileiras? Estas são questões também urgentes de
serem pesquisadas e debatidas em nosso país. (Texto adaptado de PereiraI, J. E. D; Lacerda, M. P.)
Didatismo e Conhecimento 93
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
Para começar a tratar sobre ética é preciso fazer a distinção entre ética e moral, já que estas duas palavras, frequentemente, são
empregadas como sinônimos (mores, no latim, e ethos, no grego) uma vez que as duas indicam um significado comum, remetendo
à ideia de costume. De acordo com o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ética e moral são “o estudo dos juízos de apreciação
que se referem à conduta humana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada
sociedade, seja de modo absoluto”.
Embora as palavras que os designam tenham a mesma origem etimológica, os conceitos de ética e moral incorporam, em seu
percurso histórico, significações diferenciadas. No âmbito da filosofia faz-se uma distinção entre eles, definindo a moral como um
conjunto de princípios, crenças, regras que orientam o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades, e a ética como a re-
flexão crítica sobre a moral.
Após a distinção entre os termos, este artigo propõe discutir como a escola vem trabalhando com a ética, uma vez que os projetos
políticos pedagógicos, em sua maioria, têm como objetivo tornar os educandos cidadãos conscientes, capazes de interferir no meio
em que vivem, despertando-lhes o senso crítico e a autonomia.
A moral na escola se apresenta através de regras, normas a serem cumpridas, expressas nos seus regimentos, planos de
estudos e projetos políticos pedagógicos. A escola ainda é o principal caminho para se discutir questões éticas uma vez que o âmbito
escolar está repleto de possibilidades que evidenciam a ética como necessária e capaz de permitir um relacionamento mais amistoso
entre os atores educacionais. No entanto, a escola não necessariamente conseguirá responder a todas as questões levantadas quando
se trata de ética, nem deverá se considerar fracassada por não conseguir atingir tal objetivo. Pode então, insistir na sua função fomen-
tadora de conhecimento.
a ética na educação
Como a ética permeia as relações socioeducativas entre os atores da instituição denominada escola? Qual a função da ética no
cotidiano escolar? Que pressupostos estão vinculados à ideia de ética? Essas foram as questões norteadoras das discussões que se
estenderam às escolas e permitiram então, a possibilidade de articular temas e propostas colocadas nos projetos políticos pedagógicos
com a ética na educação.
Presença constante nas falas dos educadores, ser ético pressupõe uma carga de obrigatoriedade e compromisso para com o outro.
Com a ética, instala-se no espaço escolar a necessidade de reconhecimento dos sujeitos enquanto atuantes no seu microuniverso,
responsáveis pela problematização das ações e dos saberes instituídos. Para os educadores, a ética é vinculada como norteadora do
comportamento dos atores, das ações e atitudes que estes praticam no ambiente escolar permitindo assim, o diálogo constante na
intencionalidade de melhor resolver os problemas educativos.
Nesse sentido, ser ético para a maioria dos educadores é estar aberto ao diálogo, uma vez que acreditam que ele é uma po-
derosa ferramenta para a formação de cidadãos conscientes, críticos e responsáveis. Esse estado de ser ético, também possibilita
ao educador atuar de forma digna na execução de sua profissão construindo saberes no seu cotidiano.
A ética é a responsável pela possibilidade atribuída à escola de conduzir o ser à condição de crítico e responsável pelos seus
atos, no entanto, ela entrelaça a estas condições a capacidade de definir o que seja justo e injusto, moral e imoral, uma vez que atribui
valores às atitudes dos educandos e os vigia, como se a qualquer momento pudessem fazer, falar ou sentir algo que não é permitido
eticamente.
Respeitar a liberdade do outro é conhecer os direitos e deveres de cada um dos atores do ambiente escolar. Para Kant, na escola
ninguém tem privilégios, mas apenas direitos. Ela corporifica assim, o local privilegiado que permite ao ser reconhecer a sua função
social no mundo, compreendendo sua posição, se de explorado ou de explorador, mediatizado ou mediatizador.
Nas interlocuções, os educadores ressaltaram a formação moral como componente imprescindível na formação do ser enquanto
crítico e proativo. No entanto, proporcionar ao educando tornar-se um cidadão crítico, autônomo, capaz de interferir e dialogar com
o meio em que vive parece não ser tarefa fácil. Uma das alternativas para a escola é criar condições para que isso possa ocorrer,
proporcionando espaços para discussão, não ficando presa apenas a questões individualistas e autoritárias. A escola pode se tornar
o ponto de partida para uma melhor intervenção do homem no seu meio social e servir como suporte para então ampliar o leque
de discussão, da escola, para o bairro, para as associações de moradores, para os órgãos públicos e assim por diante até abranger a
sociedade globalmente.
Didatismo e Conhecimento 94
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Participar e comprometer-se com a prática de valores que estimulem os princípios educativos no âmbito escolar exige muito mais
do que uma compreensão da realidade. Exige transparência e consciência da verdadeira função que cada ator tem em estruturar as
suas ações e seus diálogos vislumbrando uma convivência harmoniosa e ponderada.
Os educadores participantes das discussões evidenciaram ainda a ética como construtora da felicidade humana baseada na liber-
dade e no respeito às diferenças individuais.
Todos têm direitos e deveres no meio em que vivem. Cabe a escola questionar como eles se apresentam. Até que ponto a comu-
nidade onde se está inserido não está abnegando estes direitos, cada um cumpre com os seus deveres para cobrar os seus direitos?
Questões que podem ser levantadas constantemente pela escola.
Alguns pressupostos estão vinculados à ética como a justiça, a solidariedade, o respeito mútuo e o diálogo. Temas impor-
tantes para serem inseridos nas aulas de diferentes disciplinas de maneira transversal, permitindo desmitificar a questão ética como
sendo restrita à área da Filosofia.
A justiça já era uma preocupação dos filósofos gregos, pois Platão em sua República já pensava como deveria ser tratado um
ato justo, qual a relação entre justiça e injustiça. No entanto, há de ser questionado como despertar no educando a noção de justiça.
A escola pode propiciar situações onde seja exercitada a criticidade do educando oportunizando-lhe a distinção entre um ato justo e
um injusto. Fazer essa distinção na escola faz com que o educando reflita sobre a diferença e possa a partir de suas vivências criar
relações que exemplifiquem tais questões.
A escola pública possui uma diversidade cultural, étnica, religiosa, sexual e social muito grande. Nesse contexto, a solidariedade
assume um lugar de comprometimento com o aprendizado. Ser solidário no ambiente escolar é respeitar as diferenças que constituem
os atores educacionais, não ocultando a sua existência, mas trabalhando estas diferenças no coletivo. Solidariedade. A partir dela, os
educadores sentiram-se mais confiantes no que realmente podem ser enquanto profissionais da educação comprometidos com a vida
de cada um de seus educandos. Faz-se necessário superar as barreiras do Capitalismo, do corre-corre diário, de competição desen-
freada, onde a vantagem está em primeiro lugar, para triunfar a solidariedade, a compreensão e o respeito. Respeito mútuo. Sem ser
unilateral. Respeitar com reciprocidade.
E ainda, dialogar. Manter o diálogo em sala de aula é uma atividade muito importante para criar condições de discussão, sobre
temas relacionados a questões sociais, políticas e econômicas. Essas discussões criam conceitos ou os reformulam, ou até mesmo
constroem outros a partir da vivência de cada um.
Contudo, de acordo com os PCN’s a distinção que se faz contemporaneamente entre ética e moral tem a intenção de salientar o
caráter crítico da reflexão, que permite um distanciamento da ação, para analisá-la constantemente e reformulá-la, sempre que
necessário. Por ser reflexiva, a ética tem, sem dúvida, um caráter teórico. Isso não significa, entretanto, que seja abstrata, ou me-
tafísica, descolada das ações concretas. Não se realiza o gesto da reflexão por mera vontade de fazer um “exercício de crítica”. A
crítica é provocada, estimulada, por problemas, questões-limites que se enfrentam no cotidiano das práticas. A reflexão ética só tem
possibilidade de se realizar exatamente porque se encontra estreitamente articulada a essas ações, nos diversos contextos sociais. É
nessa medida que se pode afirmar que a prática cotidiana transita continuamente no terreno da moral, tendo seu caminho iluminado
pelo recurso à ética.
No contexto escolar, âmbito de diversos atores, a ética faz-se presente em momentos imensuráveis, uma vez que está vinculada
às relações que se processam entre esses atores.
Assim, os professores da rede pública estadual compreendem por ética as relações estabelecidas entre os seres humanos e a
valorização das relações interpessoais. A partir daí busca-se o respeito mútuo criando um espaço de discussão, aberto ao diálogo
possibilitando aos envolvidos no processo de ensinar e aprender a compreensão da ética como eixo condutor das atitudes morais.
Por fim, foi salientada a valorização do diálogo enquanto uma prática possível e viável para a solução dos problemas escolares
vislumbrando a pretensão de que a escola possa um dia aprender a trabalhar com as diferenças onde todos sejam possuidores de
direitos e deveres, sentenciando o fim das desigualdades. (Texto adaptado dos professores Edson Carpes Camargo, e Jorge Alberto
Lago Fonseca)
Didatismo e Conhecimento 95
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
A educação sempre foi, direta ou indiretamente, tema presente nas constituições brasileiras. Naquelas outorgadas, a educação
teve um papel secundário, pois se entendia que a responsabilidade de educar crianças e adolescentes era dos pais e da sociedade civil
(personificada, sobretudo, nas instituições de cunho religioso ligadas, em sua maioria, à Igreja Católica).
Nas Constituições promulgadas (exceto na primeira Constituição republicana, que se ateve aos aspectos formais, ou seja, esta-
belecer as competências dos níveis de ensino), a temática educacional teve um espaço mais destacado. Na Constituição de 1988, por
exemplo, a educação é considerada responsabilidade do Estado, da família e da sociedade, devendo propiciar ao educando o pleno
desenvolvimento enquanto pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205 da atual
Constituição Federal).
A Magna Carta outorgada em 1824 assegurava a gratuidade da instrução primária e inseria a criação de colégios e universidades
no rol dos direitos civis e políticos (art. 179, XXXII e XXXIII).
A centralização administrativa foi uma das características preponderantes do governo imperial e marcou profundamente a ques-
tão educacional. A administração do ensino estava centralizada na Coroa que, por sua vez, delegou às Câmaras Municipais a incum-
bência de realizar a inspeção das escolas primárias.
Com o advento do Ato Adicional de 1834 ocorreu uma relativa descentralização administrativa da educação, na qual as Assem-
bleias Legislativas Provinciais passaram a ter competência para legislar sobre instrução pública e sobre a criação dos estabelecimen-
tos destinados a promovê-la.
Traço marcante da educação na Constituição Imperial foi a obrigatoriedade do ensino da doutrina católica em todos os estabele-
cimentos educacionais. Tal medida se justificava pelo fato do Estado imperial brasileiro possuir uma religião oficial a ser transmitida
a todos os seus cidadãos.
Mesmo contendo medidas que regulavam o ensino no país, a Constituição de 1824 não pode ser caracterizada por seu cuidado
com a questão educacional. De acordo com os princípios que orientaram o conteúdo da Constituição Imperial, o Estado não era res-
ponsável pela educação; esta deveria caber, principalmente, à família e à Igreja.
A primeira carta constitucional da República preocupou-se mais com questões de ordem formal – como estabelecer competências
– do que com questões propriamente educacionais.
Da aplicação do princípio de competência residual instituído por esta Constituição resultou que aos Estados-Membros competia:
legislar sobre o ensino primário e secundário; criar, sem prejuízo da competência da União, instituições de ensino superior e secun-
dário; além de se responsabilizar, inteiramente, pela criação e manutenção das escolas primárias (arts. 34 e 35).
Um dos maiores avanços da primeira Constituição republicana foi a determinação do ensino leigo em todas as instituições pú-
blicas. Inconcebível manter-se o ensino de uma única doutrina religiosa em um Estado oficialmente laico e, por isso, desprovido de
religião oficial.
A obrigatoriedade do ensino leigo nos estabelecimentos oficiais estava prevista no capítulo que tratava dos direitos e garantias
dos cidadãos:
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á
liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes:
§6° Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
Com uma série de avanços na área educacional, a Constituição de 1934 foi uma das Constituições brasileiras que mais reconhe-
ceu a importância da educação para o desenvolvimento sócio cultural do país.
Didatismo e Conhecimento 96
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Deve-se ressaltar que os progressos na área educacional inseridos no texto final da Carta Constitucional de 1934 se deram em
virtude do grande debate acerca do tema existente à época. De um lado estavam os defensores da chamada “Educação Nova” – in-
fluenciados pelas doutrinas pedagógicas surgidas na década de 30 – e, de outro, os adeptos da corrente católica que continuavam a
exercer grande influência na área educacional. O resultado dessa discussão foi a inserção de um capítulo especial na Constituição
sobre família, educação e cultura.
A educação passava a ser vista como um direito de todos, devendo ser ministrada pelo Estado e pela família. Neste sentido, ca-
beria ao Estado traçar, com exclusividade, as diretrizes da educação nacional. Esta foi a primeira tentativa na história constitucional
brasileira de se estabelecer bases concretas para a criação de um projeto educacional de longo prazo que contemplasse todo o terri-
tório nacional.
Os Estados e o Distrito Federal deveriam organizar os seus próprios sistemas de ensino, tendo sempre em vista as diretrizes es-
tabelecidas pela União. Além disso, deveriam ser organizados os conselhos estaduais de educação com funções semelhantes àquelas
atribuídas ao Conselho Nacional.
A liberdade de cátedra foi uma das maiores conquistas atribuídas ao magistério no texto constitucional. É impossível imaginar
uma verdadeira educação baseada na liberdade e no respeito mútuo sem que o professor tenha a plena garantia de que não sofrerá
retaliações por manifestar seu pensamento.
Pela primeira vez a Constituição estabeleceu valores mínimos a serem aplicados em educação:
Art. 156. A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de
vinte por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.
Parágrafo único. Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das quotas destina-
das á educação no respectivo orçamento annual.3
A Constituição determinou, ainda, a prestação de auxílios subsidiários à educação, tais como: atendimento médico-dentário e
alimentação aos alunos mais carentes (art. 157, §2º).
A Constituição de 1934 se preocupou também com a qualificação dos professores. Neste sentido, estabeleceu a realização de
concurso de títulos e provas para o provimento em cargos do magistério que, a partir de então, passavam a contar com a garantia de
vitaliciedade e inamovibilidade. Somente poderiam ser contratados professores sem concurso por prazo determinado.
A Carta Constitucional outorgada em 1937 foi instrumento de notável retrocesso em matéria educacional. Parte das conquistas
alcançadas com a Constituição de 1934 foi descaracterizada pela Constituição do “Estado Novo”.
João Baptista Herkenhoff define muito bem quais os princípios norteadores da política educacional getulista:
Sob a inspiração do fascismo, via-se o Estado promovendo a disciplina moral e o adestramento físico da juventude, de maneira
a prepará-la para o cumpri- mento de seus deveres com a economia e a defesa da Nação. Foi dada ênfase ao ensino cívico, que se
confundia com o culto ao regime e à pessoa do ditador.
A política educacional assumiu um caráter centralizador, em consonância com o centralismo do Estado autoritário. Suprimido o
Parlamento, o chefe de Estado legislou, discricionariamente, em matéria de ensino, como em todas as outras matérias.
Concedeu-se grande privilégio ao ensino particular. Exemplo disso é a subsidiariedade do ensino público em relação ao ensino
privado. A preferência pelo ensino particular demonstrava a intenção do governo getulista em se eximir da responsabilidade no que
tange à matéria educacional. A educação tornara-se, deste modo, responsabilidade exclusiva das famílias e da sociedade civil.
No texto constitucional não havia nenhuma indicação de recursos a serem utilizados pela União e pelos Estados na criação e
manutenção dos sistemas de ensino.
Para que os objetivos político-econômicos da gestão de Getúlio Vargas fossem plenamente realizáveis, deu-se preferência ao en-
sino profissionalizante das classes menos favorecidas. Esta “preferência” demonstrava uma política educacional totalmente discrimi-
natória: aos pobres era oferecido ensino profissionalizante e aos ricos cabia o privilégio de frequentar uma escola secundária voltada
à formação intelectual da elite. Depreende- se da leitura do art. 129 da Constituição de 1937 a opção pela distinção na educação de
ricos e pobres:
Art. 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Na-
ção, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade
de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do
Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados,
dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos
filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre
essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.
Didatismo e Conhecimento 97
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
A educação na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
A Constituição promulgada após o fim do “Estado Novo” procurou restabelecer a ordem democrática e, em matéria educacio-
nal, buscou re- compor o modelo educacional idealizado pela Constituição de 1934 e que fora completamente esquecido pela Carta
outorgada em 1937.
Estabeleceu que a União seria competente para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, modificando sensivel-
mente a centralização das políticas educacionais adotada por Getúlio Vargas.
A educação volta a ser direito de todos, a ser ministrada no lar e na escola, devendo inspirar-se nos princípios da liberdade e
nos ideais de solidariedade humana (art. 166). O Estado deveria assegurar a oferta de ensino público em todos os níveis, sendo, no
entanto, livre o ensino pela iniciativa particular desde que respeitadas as leis reguladoras.
Retornou a obrigação da aplicação de percentuais mínimos da renda dos impostos em educação: 10% para a União e 20% para
os Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 169).
A Constituição determinou a criação dos sistemas estaduais de ensino, tendo o sistema federal atuação supletiva, ou seja, atuaria
somente para suprir eventuais deficiências locais (art. 171).
Continuando a alternância entre Constituições outorgadas e promulga- das, chega-se à primeira Constituição pós Golpe Militar: a
Constituição de 1967. O “Novo Regime” necessitava legitimar seu poder e a melhor maneira encontrada foi a outorga de uma Cons-
tituição aparentemente legítima, mas que, na verdade, não passava de mais uma imposição da Ditadura.
A educação era um importante instrumento para que o governo mi- litar pudesse implantar sua política da “unidade e da seguran-
ça nacional”, ou seja, o ensino era a melhor forma de impor posições ideológicas capazes de atender a todos os interesses dos novos
governantes do país. A educação serviria para legitimar os princípios da “Revolução”:
Ao definir as diretrizes ideológicas da educação, a Constituição de 1967 acrescentou, entre os princípios que deveriam ser objeti-
vados, o da unidade nacional, conceito bastante equívoco no Brasil pós-64, quando unidade e segurança nacional foram confundidos
com unidade ideológica e segurança do regime ditatorial.
Dando força à privatização no ensino, a Carta de 67 determinou aos poderes públicos que prestassem assistência técnica e finan-
ceira ao ensino particular, sem cogitar de quaisquer regras ou restrições para essa ajuda.
Uma notável contradição acompanhou o advento da Carta de 67: ao mesmo tempo em que o texto constitucional estendia a obri-
gatoriedade do ensino para a faixa dos sete aos quatorze anos (art. 168, §3º, II), permitia o trabalho infantil a partir dos doze anos (art.
158, X). Mais um retrocesso da política social do Governo Militar, uma vez que a Carta de 46 estipulara em quatorze anos a idade
mínima para o trabalho de adolescentes.
O acesso gratuito ao ensino pós-primário foi restringido, pois se passou a exigir a demonstração de aproveitamento escolar para
que a continuação dos estudos fosse patrocinada pelo Poder Público (art. 168, §3º, III) . Isto significa, mais uma vez, a valorização do
ensino particular em detrimento do dever estatal de oferecer educação gratuita em todos os níveis de formação.
Foram abolidos os percentuais orçamentários a serem aplicados em educação, perpetuando o desinteresse dos governantes em
propiciar condições econômicas mínimas para o desenvolvimento das atividades escolares.
A Emenda Constitucional n.º 1/69 funcionou como uma dura continuação dos princípios arbitrários estabelecidos em 1967. No
que se refere à educação, todos os retrocessos foram mantidos, aumentando, inclusive, o caráter ditatorial instituído em 1964. Exem-
plo disso foi a substituição da liberdade de cátedra pela “liberdade de comunicação dos conhecimentos” (art. 176, §3°, VII), em nítido
prejuízo a qualquer processo educacional baseado na liberdade como ferramenta mais eficaz de construção do saber.
Como exposto acima, a Emenda Constitucional de 1969 apenas ratificou os princípios de ensino que interessavam ao Regime
Ditatorial.
Didatismo e Conhecimento 98
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.
O direito à sobrevivência significa garantir a vida, a saúde e a alimentação de todas as crianças do país. Já o direito ao desen-
volvimento deve ser efetivado com a garantia principal do acesso à educação e, também, da garantia de acesso à cultura, ao lazer e à
profissionalização. O direito à integridade (física, psicológica e moral) dar-se-á pela garantia da dignidade, da liberdade, do respeito
e da convivência familiar e comunitária.
A garantia da educação, como concretização do direito ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, está expressa de forma
muito clara na Constituição (arts. 205 – 214), na Lei n.º 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e nos
artigos 53 a 59 da Lei n.º 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Até 1988 não havia uma preocupação real em criar mecanismos que fossem eficazes na garantia do direito à educação. Durante
muito tempo a única ação do Poder Público foi tornar obrigatória a matrícula escolar, como se isto fosse suficiente para garantir a
educação. A Constituição Federal (art. 208, §1º) estabelece que o ensino obrigatório gratuito (ensino fundamental) é direito público
subjetivo (pode ser exigido do Estado a qualquer tempo). O Estatuto da Criança e do Adolescente reforçou a disciplina constitucional
ao estabelecer a proteção judicial para combater a não oferta ou o oferecimento irregular do ensino obrigatório (art. 208, I).
A Constituição e o Estatuto não deixam toda a responsabilidade de garantir tal direito ao Estado. Tanto a Carta Constitucional
quanto o Estatuto da Criança sepultam a visão de Estado paternalista ao estabelecerem que a responsabilidade no que tange aos di-
reitos de crianças e adolescentes não é exclusiva: cabe ao Estado, à família e à sociedade civil (art. 205, CF).
O processo constituinte que resultou na Constituição de 1988 foi o que contou com a maior participação popular na história do
constitucionalismo pátrio. A comunidade educacional se mobilizou e se fez presente nos debates que acompanharam a Assembleia
Nacional Constituinte. Como resposta a esta ampla participação da comunidade interessada, a educação ocupou lugar de destaque em
todos os anteprojetos de Constituição.
O Regimento da Assembleia Nacional Constituinte acolheu pedido do Plenário Nacional Pró-Participação Popular na Constituin-
te e admitiu a iniciativa de populares, de modo a permitir que a população tivesse participação mais direta na elaboração constituinte.
Assim, nada menos que dezoito emendas populares trataram direta e exclusivamente do problema da educação ou, abrangendo
também outros assuntos, tocaram em pontos relacionados com a questão educacional. Essas dezoito emendas populares alcançaram
o total de 2.678.973 assinaturas, o que demonstra o interesse pela discussão da escola, no amplo leque da mobilização popular em
torno da Constituinte.
Um dos maiores reflexos da efetiva participação popular nas discussões em torno da educação foi a exigência constitucional
de democratizar a gestão do ensino público (art. 206, VI, CF). Tal dispositivo foi regula- mentado pelo art. 14 da Lei de Diretrizes
e Bases que estabelece como princípios da gestão democrática da educação básica a participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola, bem como a participação das comunidades escolar e local nos conselhos escolares ou
seus equivalentes.
Outro ponto a ser destacado é o dispositivo constitucional que prevê o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 211, caput, CF). A União deve exercer, no que se refere à matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, garantindo igualdade de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade
do ensino mediante assistência técnica e financeira aos demais entes federados (art. 211, §1º, CF). A prioridade de atuação dos Mu-
nicípios deve ser a educação infantil e o ensino fundamental (art. 211, §2º, CF). Já os Estados e o Distrito Federal devem priorizar o
ensino funda- mental e médio (art. 211, §3º, CF). Edivaldo Boaventura define muito bem o que se deve entender pelo termo “sistema”
quando aplicado à educação.
Em educação, o vocábulo sistema é entendido como um conjunto de instituições educacionais e de normas vinculadas a determi-
nada esfera da administração, seja a União, estados e ou municípios. Esse conjunto de normas e instituições que formam um sistema
é uma realidade, objetiva e atuante, principalmente, no que toca à criação, autorização de funcionamento e reconhecimento de cursos
e estabelecimentos. Essas normas têm consequências diretas para o aluno, especialmente na regularização de sua vida escolar, e para
o professor, no particular de sua carreira docente. Atingem também o servidor, o próprio estabelecimento e representantes legais, pelo
direito de recorrer às instâncias superiores, e a toda a comunidade educacional.
O texto constitucional demonstra grande preocupação com a questão específica da escolarização em detrimento de um processo
educativo mais abrangente. Todavia, falar em direito à educação implica falar em direito à educação escolar. O acesso à educação
escolar se realiza através da concretização de vários direitos presentes na legislação e que podem ser classificados da seguinte forma:
• Universalidade do acesso e da permanência: art. 206, I, da CF e art. 3°, I, da LDB. O acesso à educação escolar deve ser dado a
todos indistintamente, ou seja, qualquer forma de discriminação deve ser repelida. A universalidade implica, além do acesso à vaga,
também o acesso ao ingresso, à permanência na escola e ao sucesso dentro dos estudos;
Didatismo e Conhecimento 99
educação brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos
• Gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental: art. 208,
§1°, da CF e art. 54, I. A Constituição estabelece que é direito público subjetivo o ensino fundamental gratuito e obrigatório para
qualquer cidadão brasileiro maior de 7 anos. Se o Estado não ofertar esse ensino, as autoridades competentes podem responder por
crime de responsabilidade. Os pais, por sua vez, têm o dever de matricular os filhos em idade escolar, sendo que se assim não fizerem
poderão ser responsabilizados pelo crime de abandono intelectual (art.246 do Código Penal);
• Atendimento especializado aos portadores de necessidades especiais: arts. 58 a 60 da LDB e art. 203, IV e V, da CF. A inclusão
escolar é um dos aspectos da inclusão social dos portadores de necessidades especiais;
• Creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos: art. 11, V, da LDB. O oferecimento de vagas em creches e pré-escolas é de
competência do sistema de ensino municipal. A oferta deste tipo de ensino deve ser vista como uma política social básica da educação
e não como forma de apoio sócio familiar;
• Ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador: art. 54, VI, do ECA e art. 4°,VI e VII, da LDB. A
universalidade do acesso deve atender também àqueles adolescentes que necessitam, para a própria subsistência ou a de sua família,
trabalhar;
• Programas suplementares: além da obrigatoriedade de matrícula e da oferta de vaga, todas as outras condições necessárias para
a educação escolar, como material didático, transporte, alimentação e saúde, devem estar presentes no dia-a-dia do educando;
• Direito de ser respeitado pelos educadores: art. 227, caput, da CF e art. 17, do ECA. O respeito mútuo é a base fundamental
sobre a qual vai se desenvolver todo o processo educativo;
• Direito de contestar critérios avaliativos e de recorrer às instâncias escolares superiores: art. 53, III do ECA. Este direito repre-
senta a clara manifestação da cidadania. É muito importante que crianças e adolescentes possam exercer a prerrogativa de cidadãos
já dentro do universo escolar;
• Direito de organização e participação em entidades estudantis: a liberdade de associação e de reunião é assegurada pelo art.
5°, XVI e XVII, da CF. Aos estudantes é assegurado o direito de participar de entidades estudantis independentes das escolas ou dos
sistemas de ensino;
• Participação dos pais no processo pedagógico e na proposta educacional: como os pais são responsáveis pelos filhos e estão
sujeitos a várias obrigações, nada mais justo que lhes atribuir o direito de participar do processo educacional do filho.
Para que a educação funcione como instrumento de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF) é im-
prescindível que o modelo pedagógico adotado esteja baseado em um novo paradigma: a opressão deve ceder lugar à liberdade e os
valores inerentes à condição humana devem ter presença garantida nos currículos escolares de todos os níveis de ensino.10 Além
disso, é necessário que a mudança do sistema educacional seja acompanhada de uma mudança no sistema econômico a fim de acabar
com diferenças no acesso à educação formal.
A transformação do nosso sistema pedagógico deve ser feita, entretanto, à base de uma mudança do sistema econômico, pois
a escola sempre corresponde a novas estruturas sociais. Só uma política de planejamento educacional levada em termos integrais,
acarretando de outro lado um desenvolvimento do poder de assimilação das classes deserdadas, mediante uma melhor nutrição,
despertando-lhe o interesse pelo ensino e renovando os métodos de ensino à base de um novo esquema pedagógico, poderá concorrer
para uma revitalização do ensino no país.
Após as garantias constitucionais era preciso elaborar a Lei Ordinária que regulamentasse a proteção da criança e do adolescente,
revogando definitivamente toda a legislação do período autoritário.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, desaparece a figura do menor, expressão estigmatizada, e passa-se a
falar em crianças e adolescentes, agora como sujeitos de direitos, protegidos juridicamente, alvo de respeito e preocupação através
da Doutrina da Proteção Integral. Referida doutrina afirma que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e que, pela condição
peculiar na qual se encontram, devem ter prioridade absoluta no estabelecimento das políticas públicas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio para ser o instrumento de garantia da satisfação das necessidades de crianças e
adolescentes, as- segurando o cumprimento dos seus direitos à proteção integral.
A educação de crianças e adolescentes é regulada no Livro I, Capítulo IV – Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao
Lazer – do Esta- tuto da Criança e do Adolescente. O art. 53 do Estatuto estabelece:
Art. 53 – A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores;
III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
A Constituição Federal de 1988 veio trazer novas perspectivas ao país. Também quanto à educação era necessário reformular
estruturas e conceitos com o intuito de tornar realidade as expectativas trazidas pelo novo texto constitucional.
Diferentemente da tradição brasileira, na qual todas as iniciativas de reformas educacionais sempre foram propostas pelo Poder
Executivo, a iniciativa de criar uma nova Lei de Diretrizes e Bases partiu do Legislativo, tendo por base uma proposta de lei nascida
na comunidade educacional brasileira.
Este projeto de lei começou a tramitar na Câmara dos Deputados em dezembro de 1988, tendo por relator o Dep. Jorge Hage. O
substitutivo elaborado pelo deputado apresentava vários aspectos positivos, dentre os quais:
• significativa abrangência da lei;
• criação de um sistema nacional de educação;
• regulamentação da pré-escola como parte da educação infantil;
• avanços no ensino médio;
• redução na jornada de trabalho para aqueles que cursassem o ensino noturno;
• instituição do salário-creche;
• descrição de quais despesas poderiam ser consideradas como despesas referentes à educação.
Concomitantemente ao projeto da Câmara, passou a tramitar também no Senado, em maio de 1992, um projeto de lei, de autoria
do Senador Darcy Ribeiro, que buscava adiantar-se ao projeto em tramitação na Câmara dos Deputados. Interessante notar que o
projeto do Senador era bastante diferente do projeto em tramitação na Câmara e parecia ter sofrido certa influência do governo Collor,
deixando de contemplar aspectos importantes como o Sistema Nacional de Educação.
O substitutivo da Câmara demonstrava estar ligado à democracia participativa já que seu projeto tinha origens na comunidade
educacional. O projeto do Senado, por sua vez, deixava claro que o princípio da representação deveria preponderar no que se refere à
criação das leis e que, portanto, não cabia à comunidade educacional elaborar um projeto de Lei de Diretrizes e Bases para a educação
nacional. Em 1993, por questões de regimento interno, o primeiro projeto do Senador Darcy Ribeiro é definitivamente abandonado.
O substitutivo do Deputado Jorge Hage é aprovado com algumas alterações de índole conservadora pela Câmara dos Deputados
sendo, em seguida, enviado ao Senado Federal.
A relatoria do projeto na Comissão de Educação do Senado coubera ao Senador Cid Saboia (que já havia relatado o 1° projeto
de Darcy Ribeiro). O substitutivo apresentado por esse Senador levou em conta a opinião da comunidade educacional, bem como a
opinião do governo e dos partidos políticos. No final, o substitutivo incorporou algumas partes do projeto original do Senador Darcy
Ribeiro e deu uma forma mais rebuscada ao projeto.
O substitutivo Cid Saboia, depois de aprovado na Comissão de Educação, foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça
do Senado. Nesta Comissão, a relatoria do substitutivo coube ao Senador Darcy Ribeiro.
Segundo parecer emitido pelo Senador Darcy Ribeiro, em 1995, tanto o projeto original da Câmara quanto o substitutivo Cid
Saboia eram inviáveis por apresentarem inconstitucionalidades de todo tipo. As inconstitucionalidades apresentadas se referiam, de
maneira particular, à criação do Conselho Nacional de Educação que, segundo interpretação do Senador, seria prejudicial ao princípio
da democracia representativa, pois, como órgão decisório, estaria influenciando nas atividades administrativas do poder Executivo.
A educação infantil
A única referência à educação infantil feita na legislação anterior se encontra no § 2° do art. 19 da lei n.º 5.692/71: “Os sistemas
de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de
infância e instituições equivalentes.”
A educação infantil não era valorizada nem mesmo dentro da estrutura educacional, pois não fazia parte de nenhum sistema de
ensino. Pode- se perceber que, diferentemente dos estudos mais avançados na área educacional, não se fazia necessário assegurar a
oferta do que a nova Lei de Diretrizes passou a denominar, com muita propriedade, de educação infantil. Tem-se a impressão de que
a única necessidade era a criação de espaços nos quais os pais poderiam colocar seus filhos enquanto estives- sem trabalhando, sem
com eles se preocupar, já que estariam sendo “velados” em maternais e jardins de infância.
A Lei n.º 9.394/96 trouxe uma grande novidade nesta área, talvez um dos maiores avanços do novo texto legal. Em uma seção
própria, dentro do capítulo que trata da educação básica, as mudanças podem ser percebidas. O art. 29 proclama: “A educação in-
fantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da escola.”
Mesmo no plano estrutural há uma mudança relevante já que as instituições de educação infantil, públicas e privadas, passam a
compor o sistema municipal de ensino (art.18, LDB).
É interessante notar como a visão de educação infantil inserida no texto da Lei de Diretrizes está em plena sintonia com a Cons-
tituição Federal de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este último visa garantir a proteção integral das crianças
e adolescentes, o que inclui o disposto no art. 29 da LDB: o desenvolvimento integral da criança de até seis anos. Além disso, este
artigo reafirma outro princípio da Constituição, qual seja: a responsabilidade quanto à educação cabe ao Estado, à família e à comu-
nidade (sociedade civil).
O ensino fundamental
Talvez o art. 30 da lei n.º 4.024/61 (antiga Lei de Diretrizes, revogada pela lei de 1996) possa representar, um pouco, o espírito
da legislação anterior no que diz respeito ao ensino fundamental:
Art. 30- Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em sociedade de economia mista ou empresa concessionária de
serviço público, o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento
de ensino, ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar.
Parágrafo único: Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei:
a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsável;
b) insuficiência de escolas;
c) matrícula encerrada;
d) doença ou anomalia grave da criança.
Parece louvável a intenção do caput deste artigo quando condiciona o exercício de função pública à matrícula do filho na rede
escolar. Toda- via, é difícil de compreender a lógica dos critérios de isenção enumera- dos no parágrafo único.
O estado de pobreza do pai o eximiria da responsabilidade da educação de seu filho. Este fato demonstra claramente que o Estado
estava se desobrigando quanto à responsabilidade de oferecer a educação funda- mental, repassando-a aos pais.
No segundo e terceiro casos – insuficiências de escolas e matrícula encerrada – o descaso para com a educação por parte do
Poder Público era, da mesma forma, notório. Se não existissem escolas ou se as matrículas já estivessem encerradas, ninguém era
responsabilizado e as crianças que não tivessem condições de estudar por tais motivos estariam jogadas à sorte, sem a possibilidade
de exigir a garantia de um dos seus direitos mais fundamentais.
Uma das poucas alterações feitas na Lei de Diretrizes de 1961 pelo governo militar foi referente ao ensino fundamental. A Lei n.º
5.692/71 alterou as bases e as diretrizes da educação nacional no tocante ao que hoje se denomina ensino fundamental.
O antigo ensino primário passou a ser chamado de ensino de 1º grau e o ensino médio tomou o nome de ensino de 2º grau. O
ensino de 1º grau era obrigatório, cabendo aos Estados e Municípios fiscalizarem e incentivarem a frequência dos alunos.
No que se refere à finalidade do ensino de 1º grau, a Lei n.º 5.962/71 era bastante sintética. O art. 17 desta Lei estabelecia que
o ensino de 1º grau destinava-se à formação da criança e do pré-adolescente, variando em conteúdo e métodos segundo as fases de
desenvolvimento dos alunos.
Com a entrada em vigor da nova Lei de Diretrizes e Bases da educação ocorreram algumas mudanças referentes ao modo de
entender as finalidades e os meios de implantação do ensino fundamental.
Contudo, as alterações realizadas não são tão radicais no sentido de favorecer a democratização e a melhoria na qualidade da
educação neste nível de ensino.
A primeira alteração diz respeito à nomenclatura: o antigo ensino de 1º grau passa a ser chamado de ensino fundamental. Mu-
dança mais consistente talvez fosse a substituição do termo “ensino” pelo termo “educação”, que traria consigo uma nova postura, ou
seja, o processo educacional seria visto não mais do ponto de vista do ensino, mas do ponto de vista do processo de aprendizagem.
Uma das alterações mais significativas foi elevar o ensino fundamental à categoria de direito público subjetivo, exigível a qual-
quer tempo (art.5º, LDB e art. 208, I, CF). Todo e qualquer cidadão pode exigi-lo, sendo que a oferta irregular ou a não oferta podem
acarretar crime de responsabilidade para a autoridade competente.
A duração do ensino fundamental é de 8 anos (dos 7 aos 14 anos, de preferência), sendo que sua oferta é responsabilidade dos
sistemas de ensinos estadual e municipal (arts.10, VI, e 11, V, da LDB).
A progressão da permanência na escola, uma das ideias mais defendidas por Darcy Ribeiro, é uma das metas estabelecidas no
art. 34 da LDB. Tal progressão não foi imposta na lei, demonstrando um de seus fatores positivos: a flexibilização, que favorece uma
prática mais democrática no desenvolvimento da educação.
Ao contrário da lei anterior, extremamente sintética quanto às finalidades do ensino fundamental, a atual LDB apresenta uma
série de finalidades que devem ser alcançadas através do ensino fundamental (art. 32 e incisos, LDB). Algumas dessas finalidades
são mais do que lógicas: certamente a educação deve proporcionar o domínio da leitura, da escrita e do cálculo (art. 32, I). O que não
pode acontecer é fazer com que o ensino fundamental restrinja sua atuação somente à obrigação de ensinar a leitura, a escrita e os
números. A educação deve ir além, se deseja ser instrumento na construção de uma sociedade cidadã, proporcionando aos educandos
o diálogo e conscientização como fatores de produção do conhecimento.
o ensino médio
Denominado de 2º grau pela Lei n.º 5.692/71, a nova Lei de Diretrizes e Bases passou a chamar de ensino médio a etapa posterior
ao ensino fundamental.
Na antiga legislação, a ênfase maior era dada à educação profissional tanto que a 5692/71 obrigava a profissionalização em todos
os cursos de 2º grau. Em virtude de fortes contestações (vindas, de maneira particular, da classe média, que exigia formas de ensino
voltadas para a preparação ao ensino superior), esta obrigatoriedade foi, mais tarde, revogada.
Como forma de assentar a preponderância do ensino de 2º grau voltado para a formação profissional, surge a Lei n.º 7.044/82
que regulamentava a profissionalização do ensino de 2º grau. De acordo com estas alterações, o art. 1º da Lei n.º 5.692/71 passou a
vigorar com a seguinte redação: “o ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente
da cidadania”.
A grande crise do ensino médio sempre residiu no fato de sua indefinição: ora deve ser um fim em si mesmo e, desta forma, ser
profissionalizante, ora deve ser um meio para atingir realidades subsequentes, isto é, o ensino médio deve ser instrumento de prepa-
ração para o ensino superior.
No contexto desta eterna indefinição, e na tentativa de encontrar uma posição capaz de amenizar este quadro, surgem os debates
em torno de uma nova lei de Diretrizes e Bases da Educação. A proposta feita pela comunidade educacional, através do Fórum Nacio-
nal em Defesa da Escola Pública, foi a concepção da politécnica (não formar exclusivamente técnicos, mas dar-lhes a possibilidade
de ter uma formação mais geral) unida a uma proposta de educação geral. “Tais cursos teriam, necessariamente, a educação geral
como eixo unificador, ficando a oferta de disciplinas e atividades profissionalizantes condicionadas à ampliação de sua duração, sem
dispensar um conteúdo organicamente estruturado”.
A Lei nº. 9.394/96, contudo, não trouxe a perspectiva da politécnica já que a tramitação da lei no Congresso Nacional não per-
mitiu esta alteração. A educação profissional, assim como está regulada pela LDB, mostra-se ineficiente para efetivar a inserção da
profissionalização como aspecto ligado à educação.
Uma mudança, porém, representa um avanço: a denominação do capítulo passou de “Educação técnico-profissional” para “Edu-
cação Profissional”. A Lei de Diretrizes e Bases trata da educação profissional nos artigos 39 a 42. Estes artigos foram regulamenta-
dos pelo Decreto Federal n.º 2.208, de 17 de abril de 1997.
A Emenda Constitucional n.º 14, ao alterar a expressão do art. 208, I, da Constituição de “extensão da obrigatoriedade” para
“progressiva universalização do ensino médio”, reduziu a obrigatoriedade constitucional no que se refere ao ensino médio. Este fato
demonstra um retrocesso, visto que quanto maior a obrigação no oferecimento de níveis educacionais maior a possibilidade de tornar
conscientes e livres os membros de uma sociedade. (VERONESE J. R. P. e Vieira C. E.)
A constituição e a trajetória histórica das políticas educacionais no Brasil, em especial os processos de organização e gestão da
educação básica nacional, têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade, por carência de planejamento de
longo prazo que evidenciasse políticas de Estado em detrimento de políticas conjunturais de governo. Tal dinâmica tem favorecido
ações sem a de- vida articulação com os sistemas de ensino, destacando-se, particular- mente, gestão e organização, formação inicial
e continuada, estrutura curricular, processos de participação.
Desde a redemocratização do país, houve mudanças acentuadas na educação brasileira, com destaque para a aprovação e promul-
gação da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social inaliená-
vel, bem como a partilha de responsabilidade entre os entes federados e a vinculação constitucional de recursos para a educação. No
âmbito das políticas educacionais, destacaram-se, sobremaneira, as modificações de ordem jurídico-institucional.
Algumas políticas, programas e ações têm se desencadeado nos âmbitos federal, estadual e municipal, a fim de contribuir para a
ampliação das oportunidades educacionais na educação básica, tarefa constitucionalmente de competência direta dos estados, Distrito
Federal e municípios. A iniciativa da União, por meio da indução do financia- mento de ações, programas e políticas, nem sempre tem
se realizado de modo orgânico, na medida em que se caracteriza pela superposição e pela ingerência direta nas escolas vinculadas
aos sistemas de ensino, entre outros. Nesse cenário, assiste-se a um discurso marcadamente voltado à descentralização do ensino,
por meio do regime de colaboração entre os entes federados, e à proposição de políticas centraliza- das no âmbito de programas e
ações do MEC, nem sempre articuladas e cuja adesão por estados e municípios se efetiva, historicamente, sem clara conexão com
prioridades estabelecidas pelos respectivos sistemas de ensino.
Dessa forma, assegurar condições políticas e de gestão para o envolvimento e a participação da sociedade civil na formulação,
implementação das ações e programas de universalização da educação básica, bem como a melhoria da educação nos diferentes ní-
veis e modalidades, é tarefa dos poderes públicos. No Brasil, dada a natureza patrimonial do Estado, muito há que ser feito, a fim de
garantir a participação da sociedade civil nas políticas públicas, especialmente na educação.
Essas constatações contribuem para a compreensão de que a democratização do ensino não se dá somente pela garantia do
acesso, reque- rendo sua oferta com qualidade social, para otimizar a permanência dos estudantes e, desse modo, contribuir para a
melhoria dos processos formativos e a participação cidadã.
Todas essas questões se articulam às condições objetivas da população, em um país historicamente demarcado por forte desi-
gualdade social, revelada nos indicadores sociais preocupantes e que, nesse sentido, carece de amplas políticas públicas, incluindo a
garantia de otimização nas políticas de acesso, permanência e gestão, com qualidade social, na educação básica.
O investimento em educação básica, tendo a qualidade como parâmetro de suas diretrizes, metas e ações e conferindo a essa
qualidade uma dimensão sócio histórica e, portanto, inclusiva, é um grande desafio para o país, em especial para as políticas e gestão
desse nível de ensino. Pensar a qualidade social da educação implica assegurar um pro- cesso pedagógico pautado pela eficiência,
eficácia e efetividade social, de modo a contribuir com a melhoria da aprendizagem dos educandos, em articulação à melhoria das
condições de vida e de formação da população.
A busca por melhoria da qualidade da educação exige medidas não só no campo do ingresso e da permanência, mas requer ações
que possam reverter a situação de baixa qualidade da aprendizagem na educação básica, o que pressupõe, por um lado, identificar os
condicionantes da política de gestão e, por outro, refletir sobre a construção de estratégias de mudança do quadro atual.
ensino médio
O ensino médio é a etapa final da educação básica e prepara o jovem para a entrada na faculdade. Com duração mínima de três
anos, esse estágio consolida e aprofunda o aprendizado do ensino fundamental, além de preparar o estudante para trabalhar e exercer
a cidadania. Ensina teoria e prática em cada disciplina, facilitando a compreensão das profissões, e desenvolve o pensamento crítico
e a autonomia intelectual do aluno.
Nesta nova etapa do ensino, é obrigatória a inclusão de uma língua estrangeira moderna, como o inglês ou o espanhol. Desde
2008, o ensino de Filosofia e Sociologia em todas as séries do ensino médio também é obrigatório.
Última etapa do curso básico visa preparar candidatos para o vestibular
As escolas de educação profissional, científica e tecnológica também fazem parte do ensino médio. Existem hoje 314 unidades
voltadas para este tipo de educação em todos os estados do Brasil entre Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, Cen-
tros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas vinculas às Universidades Federais e Universidades Tecnológicas indus-
triais. A expectativa é que mais 81 unidades sejam entregues pelo MEC até o primeiro semestre de 2012.
Segundo dados do Censo Escolar 2009, um total de 8.337.160 estudantes está matriculado no ensino médio regular – 1,1%
em escolas federais (90.353), 85,9% em estaduais (7.163.020), 1,33% em municipais (110.780) e 11,67% em instituições privadas
(973.007). A região Sudeste tem o maior número de matrículas no ensino médio com 3.356.293 alunos, seguida pela região Nordeste,
com 2.512.783. O Centro-Oeste tem o menor número de alunos matriculados nessa etapa de ensino, com 609.722 estudantes. Ainda
segundo o Censo Escolar 2009, o ensino médio brasileiro conta com 25.923 instituições.
iniciativas importantes
O MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica, promove diversas iniciativas e programas voltados ao Ensino Médio. O
Ensino Médio Inovador, por exemplo, estimula as redes estaduais de educação a pensar em novas soluções que tornem o currículo
escolar desta etapa mais interessante e atraente para o estudante. Entre as propostas em estudo, está mudança da carga horária mínima
do ensino médio para três mil horas e a possibilidade de o aluno escolher as atividades de 20% de sua carga horária e grade curricular.
O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio também merece destaque (PNLEM). Implantado em 2004, o
programa investiu R$ 184,8 milhões em 2010 na compra e na distribuição de livros de português e matemática para escolas de todo
o país.
O MEC também possui outros programas voltados ao ensino médio, como o Prêmio Ciências no Ensino Médio, as Olimpíadas
de Matemática, as Olimpíadas da Língua Portuguesa, entre outros.
O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, organizou, na atual administração, o
projeto de reforma do Ensino Médio como parte de uma política mais geral de desenvolvimento social, que prioriza as ações na área
da educação.
O Brasil, como os demais países da América Latina, está empenhado em promover reformas na área educacional que permitam
superar o quadro de extrema desvantagem em relação aos índices de escolarização e de nível de conhecimento que apresentam os
países desenvolvidos.
Particularmente, no que se refere ao Ensino Médio, dois fatores de natureza muito diversa, mas que mantêm entre si relações
observáveis, passam a determinar a urgência em se repensar as diretrizes gerais e os parâmetros curriculares que orientam esse nível
de ensino.
Primeiramente, o fator econômico se apresenta e se define pela ruptura tecnológica característica da chamada terceira revolução
técnico-industrial, na qual os avanços da micro- eletrônica têm um papel preponderante, e, a partir década de 80, se acentuam no País.
A denominada “revolução informática” promove mudanças radicais na área do conhecimento, que passa a ocupar um lugar
central nos processos de desenvolvimento, em geral. É possível afirmar que, nas próximas décadas, a educação vá se transformar
mais rapidamente do que em muitas outras, em função de uma nova compreensão teórica sobre o papel da escola, estimulada pela
incorporação das novas tecnologias.
As propostas de reforma curricular para o Ensino Médio se pautam nas constatações sobre as mudanças no conhecimento e seus
desdobramentos, no que se refere à produção e às relações sociais de modo geral.
Nas décadas de 60 e 70, considerando o nível de desenvolvimento da industrialização na América Latina, a política educacional
vigente priorizou, como finalidade para o Ensino Médio, a formação de especialistas capazes de dominar a utilização de maquinarias
ou de dirigir processos de produção. Esta tendência levou o Brasil, na década de 70, a propor a profissionalização compulsória, es-
tratégia que também visava a diminuir a pressão da demanda sobre o Ensino Superior.
Na década de 90, enfrentamos um desafio de outra ordem. O volume de informações, produzido em decorrência das novas
tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para a formação dos cidadãos. Não se trata de acumular co-
nhecimentos.
A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade
de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação.
Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à formação específica; o desenvolvimento de capacidades
de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício
de memorização.
São estes os princípios mais gerais que orientam a reformulação curricular do Ensino
Médio e que se expressam na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96.
Se é necessário pensar em reformas curriculares, levando em conta as mudanças estruturais que alteram a produção e a própria
organização da sociedade que identificamos como fator econômico, não é menos importante conhecer e analisar as condições em que
se desenvolve o sistema educacional do País.
No Brasil, o Ensino Médio foi o que mais se expandiu, considerando como ponto de partida a década de 80. De 1988 a 1997,
o crescimento da demanda superou 90% das matrículas até então existentes. Em apenas um ano, de 1996 a 1997, as matrículas no
Ensino Médio cresceram 11,6%.
É importante destacar, entretanto, que o índice de escolarização líquida neste nível de ensino, considerada a população de 15 a 17
anos, não ultrapassa 25%, o que coloca o Brasil em situação de desigualdade em relação a muitos países, inclusive da América Latina.
Nos países do Cone Sul, por exemplo, o índice de escolarização alcança de 55% a 60%, e na maioria dos países de língua inglesa
do Caribe, cerca de 70%.
O padrão de crescimento das matrículas no Ensino Médio no Brasil, entretanto, tem características que nos permitem destacar as
suas relações com as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade.
As matrículas se concentram nas redes públicas estaduais e no período noturno.
Os estudos desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), quando da avaliação dos con-
cluintes do Ensino Médio em nove Estados, revelam que 54% dos alunos são originários de famílias com renda mensal de até seis sa-
lários mínimos e, na Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, mais de 50% destes têm renda familiar de até três salários mínimos.
O processo de trabalho
O projeto de reforma curricular do Ensino Médio teve como estrutura, desde sua origem, um modelo cuja principal preocupação
era proporcionar um diálogo constante entre os dirigentes da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, a equipe técnica coorde-
nadora do projeto da reforma e os diversos setores da sociedade civil, ligados direta ou indiretamente à educação.
Definiu-se que, para a formulação de uma nova concepção do Ensino Médio, seria fundamental a participação de professores e
técnicos de diferentes níveis de ensino.
A primeira reunião entre os dirigentes, a equipe técnica da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e professores convidados
de várias universidades do País apontou para a necessidade de se elaborar uma proposta que, incorporando os pressupostos acima
citados e respeitando o princípio de flexibilidade, orientador da Lei de Diretrizes e Bases, se mostrasse exequível por todos os Estados
da Federação, considerando as desigualdades regionais.
A primeira versão da proposta de reforma foi elaborada pelo então diretor do Departamento de Desenvolvimento da Educação
Média e Tecnológica, professor Ruy Leite Berger Filho, e pela coordenadora do projeto, professora Eny Marisa Maia.
Propôs-se, numa primeira abordagem, a reorganização curricular em áreas de conhecimento, com o objetivo de facilitar o desen-
volvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização.
Foram convidados a participar do processo de elaboração da proposta de reforma curricular professores universitários com reco-
nhecida experiência nas áreas de ensino e pesquisa, os quais atuaram como consultores especialistas.
As reuniões subsequentes foram organizadas com a participação da equipe técnica de coordenação do projeto e representantes de
todas as Secretarias Estaduais de Educação, para as discussões dos textos que fundamentavam as áreas de ensino.
A metodologia de trabalho visava a ampliar os debates, tanto no nível acadêmico quanto no âmbito de cada Estado, envol-
vendo os professores e técnicos que atuavam no Ensino Médio. Os debates realizados nos Estados, coordenados pelos professores
representantes, deveriam permitir uma análise crítica do material, contendo novas questões e/ou sugestões de aperfeiçoamento dos
documentos.
Concluída esta primeira etapa, os documentos foram submetidos à apreciação dos Secretários de Estado em reuniões do CON-
SED e outras, organizadas pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica com esse objetivo específico.
O debate ampliou-se por meio da participação dos consultores especialistas em diversas reuniões nos Estados e pela divulgação
dos textos de fundamentação das áreas entre os professores de outras universidades.
Concomitantemente à reformulação dos textos teóricos que fundamentavam cada área de conhecimento, foram realizadas duas
reuniões nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro com professores que lecionavam nas redes públicas, escolhidos aleatoriamen-
te, com a finalidade de verificar a compreensão e a receptividade, em relação aos documentos produzidos.
Obtivemos índices de aceitação muito satisfatórios nesses dois encontros, o que se considerou como um indicador da adequação
da proposta ao cotidiano das escolas públicas.
O projeto foi também discutido em debates abertos à população, como o organizado pelo jornal Folha de S. Paulo no início de
1997. Neste debate, do qual participaram os sindicatos de professores, a associação de estudantes secundaristas, representantes de
escolas particulares e outros segmentos da sociedade civil, o professor Ruy Leite Berger Filho apresentou a proposta de reforma
curricular, que obteve dos participantes uma aprovação consensual.
Os trabalhos de elaboração da reforma foram concluídos em junho de 1997, a partir de uma série de discussões internas que
envolveram os dirigentes, a equipe técnica de coordenação do projeto e os professores consultores.
O documento produzido foi apresentado aos Secretários de Educação das Unidades Federadas e encaminhado ao Conselho
Nacional de Educação em 7 de julho de 1997, solicitando-se o respectivo parecer. Nessa etapa, a Secretaria de Educação Média e
Tecnológica trabalhou integradamente com a relatora indicada pelo Conselho, a professora Guiomar Namo de Mello, em reuniões
especialmente agendadas para este fim e por meio de assessorias específicas dos professores consultores especialistas.
O Parecer do Conselho Nacional de Educação foi aprovado em 1/06/98 – Parecer nº 15/98 da Câmara de Educação Básica
(CEB), do Conselho Nacional de Educação (CNE), seguindo- se a elaboração da Resolução que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, Resolução CEB/CNE nº 03/98 e à qual o Parecer se integra.
Os textos de fundamentação das áreas de conhecimento, elaborados pelos professores especialistas, foram submetidos à apre-
ciação de consultores visando ao aperfeiçoamento dos mesmos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi a principal
referência legal para a formulação das mudanças propostas, na medida em que estabelece os princípios e finalidades da Educação
Nacional.
A centralidade do conhecimento nos processos de produção e organização da vida social rompe com o paradigma segundo o qual
a educação seria um instrumento de “conformação” do futuro profissional ao mundo do trabalho. Disciplina, obediência, respeito
restrito às regras estabelecidas, condições até então necessárias para a inclusão social, via profissionalização, perdem a relevância,
face às novas exigências colocadas pelo desenvolvimento tecnológico e social.
O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática, deve contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que
capacitem o ser humano para a realização de atividades nos três domínios da ação humana: a vida em sociedade, a atividade produ-
tiva e a experiência subjetiva, visando à integração de homens e mulheres no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e
da simbolização subjetiva.
Nessa perspectiva, incorporam-se como diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular as quatro premissas apontadas pela
UNESCO como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea:
• Aprender a conhecer
Considera-se a importância de uma educação geral, suficientemente ampla, com possibilidade de aprofundamento em determi-
nada área de conhecimento.
Prioriza-se o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, considerado como meio e como fim. Meio, enquanto forma
de compreender a complexidade do mundo, condição necessária para viver dignamente, para desenvolver possibilidades pessoais e
profissionais, para se comunicar. Fim, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir.
O aumento dos saberes que permitem compreender o mundo favorece o desenvolvimento da curiosidade intelectual, estimula o
senso crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição da autonomia na capacidade de discernir.
Aprender a conhecer garante o aprender a aprender e constitui o passaporte para a educação permanente, na medida em que
fornece as bases para continuar aprendendo ao longo da vida.
A parte diversificada do currículo destina-se a atender às características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia
e da clientela (Art. 26 da LDB). Complementa a Base Nacional Comum e será definida em cada sistema de ensino e estabelecimento
escolar.
Do ponto de vista dos sistemas de ensino, está representada pela formulação de uma matriz curricular básica, que desenvolva
a Base Nacional Comum, considerando as demandas regionais do ponto de vista sociocultural, econômico e político. Deve refletir
uma concepção curricular que oriente o Ensino Médio no seu sistema, ressignificando-o, sem impedir, entretanto, a flexibilidade da
manifestação dos projetos curriculares das escolas.
A parte diversificada do currículo deve expressar, ademais das incorporações dos sistemas de ensino, as prioridades estabelecidas
no projeto da unidade escolar e a inserção do educando na construção do seu currículo. Considerará as possibilidades de preparação
básica para o trabalho e o aprofundamento em uma disciplina ou uma área, sob forma de disciplinas, projetos ou módulos em conso-
nância com os interesses dos alunos e da comunidade a que pertencem.
O desenvolvimento da parte diversificada pode ocorrer no próprio estabelecimento de ensino ou em outro estabelecimento con-
veniado. É importante esclarecer que o desenvolvimento da parte diversificada não implica profissionalização, mas diversificação
de experiências escolares com o objetivo de enriquecimento curricular, ou mesmo aprofundamento de estudos, quando o contexto
assim exigir. O seu objetivo principal é desenvolver e consolidar conhecimentos das áreas, de forma contextualizada, referindo-os a
atividades das práticas sociais e produtivas.
Estas são as questões consideradas centrais para a compreensão da nova proposta curricular do Ensino Médio. As informações
apresentadas neste texto têm como objetivo discutir, em linhas gerais, a reforma curricular do Ensino Médio em seus principais ele-
mentos. A intenção é situar os leitores – professores, técnicos de educação e demais interessados na questão educacional – sobre os
aspectos considerados centrais da nova concepção para o Ensino Médio.
Desta forma, procuramos discutir:
• as relações entre as necessidades contemporâneas colocadas pelo mundo do trabalho e outras práticas sociais, a Educação Bá-
sica e a reforma curricular do Ensino Médio;
• a metodologia de trabalho utilizada para a elaboração da proposta;
• os fundamentos legais que orientam a proposta de reforma curricular do Ensino Médio, extraídos da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96;
Assim, ninguém discutiria que o legislador deve ocupar-se sobretudo da educação dos jovens. De fato, nas cidades onde não
ocorre assim, isso provoca danos aos regimes, uma vez que a educação deve adaptar-se a cada um deles: pois o caráter particular a
cada regime não apenas o preserva, como também o estabelece em sua origem; por exemplo, o caráter democrático engendra a de-
mocracia e o oligárquico a oligarquia, e sempre o caráter melhor é causante de um regime melhor.
Fica claro, portanto, que a legislação deve regular a educação e que esta deve ser obra da cidade. Não se deve deixar no esqueci-
mento qual deve ser a educação e como se há de educar. Nos tempos modernos, as opiniões sobre este tema diferem. Não há acordo
sobre o que os jovens devem aprender, nem no que se refere à virtude nem quanto ao necessário para uma vida melhor. Tampouco
está claro se a educação deveria preocupar-se mais com a formação do intelecto ou do caráter. Do ponto de vista do sistema educativo
atual, a investigação é confusa e não há certeza alguma sobre se devem ser praticadas as disciplinas úteis para a vida ou as que tendem
à virtude, ou as que se sobressaem do ordinário (pois todas elas têm seus partidários). No que diz respeito aos meios que conduzem
à virtude, não há acordo nenhum (de fato não honram, todos, a mesma virtude, de modo que diferem logicamente também sobre seu
exercício).
A Lei nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), prevê em seu Artigo 9º inciso IV, entre as
incumbências da União, estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes
para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a
assegurar formação básica comum.
Essa incumbência que a lei maior da educação atribui à União reafirma dispositivos legais anteriores, uma vez que, já em 1995,
a Lei nº 9.131, que trata do Conselho Nacional de Educação (CNE), define em seu Artigo 9º alínea c, entre as atribuições da Câmara
de Educação Básica (CEB) desse colegiado, deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do
Desporto. A mencionada incumbência da União estabelecida pela LDB deve efetuar-se, assim, por meio de uma divisão de tarefas
entre o MEC e o CNE.
No entanto, apesar de delegar ao Executivo Federal e ao CNE o estabelecimento de diretrizes curriculares, a LDB não quis deixar
passar a oportunidade de ser, ela mesma, afirmativa na matéria. Além daquelas indicadas para a Educação Básica como um todo no
Artigo 27, diretrizes específicas para os currículos do Ensino Médio constam do Artigo 36 e seus incisos e parágrafos.
A este Conselho cabe tomar decisões sobre matéria que já está explicitamente indicada no diploma legal mais abrangente da
educação brasileira, o que imprime às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), objeto de o presente Parecer e
Deliberação, significado e magnitude específicos.
“Diretriz” refere-se tanto a direções físicas quanto a indicações para a ação. Linha reguladora do traçado de um caminho ou de
uma estrada, no primeiro caso, conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio,
etc.
O marco desse momento histórico está dado pela LDB, que aponta o caminho político para o novo Ensino Médio brasileiro. Em
primeiro lugar destaca-se a afirmação do seu caráter de formação geral, superando no plano legal a histórica dualidade dessa etapa
de educação:
Artigo 21. A educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior.
Como bem afirma o documento do MEC que encaminha ao CNE a proposta de organização curricular do Ensino Médio, ao
incluir este último na Educação Básica, a LDB transforma em norma legal o que já estava anunciado no texto constitucional. Na
verdade, a Constituição de 1988 já prenunciava isto quando, no inciso II do Artigo 208, garantia como dever do Estado a “progressiva
extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio”. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 14/96 altera a redação desse
inciso, sem que se altere neste aspecto o espírito da redação original, inscrevendo no texto constitucional a “progressiva universali-
zação do Ensino Médio gratuito”. A Constituição, portanto, confere a esse nível de ensino o estatuto de direito de todo cidadão. O
Ensino Médio passa, pois, a integrar a etapa do processo educacional que a Nação considera básica para o exercício da cidadania,
base para o acesso às atividades produtivas, inclusive para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação, e
para o desenvolvimento pessoal.14(...)
O caráter de educação básica do Ensino Médio ganha conteúdo concreto quando, em seus Artigos 35 e 36, a LDB estabelece suas
finalidades, traça as diretrizes gerais para a organização curricular e define o perfil de saída do educando:
Art. 35: O Ensino Médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento
de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar
com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelec-
tual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina.
Art. 36: O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico
de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exer-
cício da cidadania;
II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;
III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segun-
da, em caráter optativo dentro das disponibilidades da instituição.
Parágrafo primeiro. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que, ao final do
ensino médio, o educando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das formas contem-
porâneas de linguagem;
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Parágrafo segundo. O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões
técnicas.
Parágrafo terceiro . Os cursos de ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.
Parágrafo quarto . A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas
nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.
O desafio de ampliar a cobertura do Ensino Médio ocorre no Brasil ao mesmo tempo em que, no mundo todo, a educação poste-
rior à primária passa por revisões radicais nas suas formas de organização institucional e nos seus conteúdos curriculares.
Etapa da escolaridade que tradicionalmente acumula as funções propedêuticas e de terminalidade, ela tem sido a mais afetada
pelas mudanças nas formas de conviver, de exercer a cidadania e de organizar o trabalho, impostas pela nova geografia política do
planeta, pela globalização econômica e pela revolução tecnológica.
A facilidade de acessar, selecionar e processar informações está permitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas
quais este se revela cada vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilidades requeridas por uma organização
da produção na qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais importantes, comparadas à
repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca, há um forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça
de fragmentação e segmentação. Essa mudança de paradigmas – no conhecimento, na produção e no exercício da cidadania – colocou
em questão a dualidade, mais ou menos rígida dependendo do país, que presidiu a oferta de educação pós-obrigatória.
Inicia-se, assim, em meados dos anos 80 e primeira metade dos 90 um processo, ainda em curso, de revisão das funções tra-
dicionalmente duais da Educação Secundária, buscando um perfil de formação do aluno mais condizente com as características da
produção pós- industrial. O esforço de reforma teve com forte motivação inicial as mudanças econômicas e tecnológicas.
Descontadas as peculiaridades dos sistemas educacionais dos diferentes países e até mesmo o grau de sucesso até hoje alcançado
pelos esforços de reforma, destacam-se duas características comuns a todas elas: progressiva integração curricular e institucional
entre as várias modalidades da etapa de escolaridade média; e visível desespecialização das modalidades profissionalizantes15 .
Numa velocidade nunca antes experimentada, esse processo de reforma, que poderia ter evoluído para o reforço – apenas mais
otimista – da subordinação do Ensino Médio às necessidades da economia, rapidamente incorpora outros elementos. No bojo das
iniciativas que começaram em meados dos 80, a segunda metade dos anos 90 assiste ao surgimento de uma nova geração de reformas.
Estas já não pretendem apenas a desespecialização da formação profissional. Tampouco se limitam a tornar menos “acadêmica”
e mais “prática” a formação geral. O que se busca agora é uma redefinição radical e de conjunto do segmento de educação pós-
-obrigatoriedade.
À forte referência às necessidades produtivas e à ênfase na unificação, características da primeira fase de reformas, agregam-se
agora os ideais do humanismo e da diversidade.
Houve tempo em que os deuses existiam, mas não as espécies mortais. Quando chegou o momento assinalado pelo destino para
sua criação, os deuses formaram-nas nas entranhas da terra, com uma mistura de terra, de fogo e dos elementos associados ao fogo
e à terra. Quando chegou a ocasião de as trazer à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu de as prover de qualidades apropriadas.
Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais – o transporte, as comunicações e todas as outras indús-
trias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática
do voto – dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a
ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa
mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.
Do ponto de vista legal, não há mais duas funções difíceis de conciliar para o Ensino Médio, nos termos em que estabelecia a
Lei nº 5.692/71: preparar para a continuidade de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão. A duplicidade de demanda
continuará existindo porque a idade de conclusão do ensino fundamental coincide com a definição de um projeto de vida, fortemente
determinado pelas condições econômicas da família e, em menor grau, pelas características pessoais. Entre os que podem custear
uma carreira educacional mais longa, esse projeto abrigará um percurso que posterga o desafio da sobrevivência material para depois
do curso superior. Entre aqueles que precisam arcar com sua subsistência precocemente, ele demandará a inserção no mercado de
trabalho logo após a conclusão do ensino obrigatório, durante o Ensino Médio ou imediatamente depois deste último.
Vale lembrar, no entanto, que, mesmo nesses casos, o percurso educacional pode não excluir, necessariamente, a continuidade
dos estudos. Ao contrário, para muitos, o trabalho se situa no projeto de vida como uma estratégia para tornar sustentável financei-
ramente um percurso educacional mais ambicioso. E, em qualquer de suas variantes, o futuro do jovem e da jovem deste final de
século será sempre um projeto em aberto, podendo incluir períodos de aprendizagem – de nível superior ou não – intercalados com
experiências de trabalho produtivo de diferente natureza, além das escolhas relacionadas à sua vida pessoal: constituir família, par-
ticipar da comunidade, eleger princípios de consumo, de cultura e lazer, de orientação política, entre outros. A condução autônoma
desse projeto de vida reclama uma escola média de sólida formação geral.
Mas o significado de educação geral no nível médio, segundo o espírito da LDB, nada tem a ver com o ensino enciclopedista e
academiciza dos currículos de Ensino Médio tradicionais, reféns do exame vestibular. Vale a pena examinar o já citado Artigo 35 da
lei, na ótica pedagógica.
Enquanto aprofundamento dos conhecimentos já adquiridos, o perfil pedagógico do Ensino Médio tem como ponto de partida
o que a LDB estabelece em seu Artigo 32 como objetivo do Ensino Fundamental31 . Deverá, assim, continuar o processo de desen-
volvimento da capacidade de aprender, com destaque para o aperfeiçoamento do uso das linguagens como meios de constituição dos
conhecimentos, da compreensão e da formação de atitudes e valores.
O trabalho e a cidadania são previstos como os principais contextos nos quais a capacidade de continuar aprendendo deve se
aplicar, a fim de que o educando possa adaptar-se às condições em mudança na sociedade, especificamente no mundo das ocupações.
A LDB, nesse sentido, é clara: em lugar de estabelecer disciplinas ou conteúdos específicos, destaca competências de caráter geral,
dentre as quais a capacidade de aprender é decisiva. O aprimoramento do educando como pessoa humana destaca a ética, a autonomia
intelectual e o pensamento crítico. Em outras palavras, convoca a constituição de uma identidade autônoma.
Ao propor a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos do processo produtivo, a LDB insere a experiência cotidiana
e o trabalho no currículo do Ensino Médio como um todo e não apenas na sua Base Comum, como elementos que facilitarão a tarefa
educativa de explicitar a relação entre teoria e prática. Sobre este último aspecto, dada sua importância para as presentes diretrizes,
vale a pena deter-se.
Os processos produtivos dizem respeito a todos os bens, serviços e conhecimentos com os quais o aluno se relaciona no seu dia-
-a-dia, bem como àqueles processos com os quais se relacionará mais sistematicamente na sua formação profissional. Para fazer a
ponte entre teoria e prática, de modo a entender como a prática (processo produtivo) está ancorada na teoria (fundamentos científico-
-tecnológicos), é preciso que a escola seja uma experiência permanente de estabelecer relações entre o aprendido e o observado, seja
espontaneamente, no cotidiano em geral, seja sistematicamente, no contexto específico de um trabalho e suas tarefas laborais.
Castro, ao analisar o Ensino Médio de formação geral, observa: Não se trata nem de profissionalizar nem de deitar água para fazer
mais rala a teoria. Trata-se, isso sim, de ensinar melhor a teoria – qualquer que seja – de forma bem ancorada na prática. As pontes
entre a teoria e a prática têm que ser construídas cuidadosamente e de forma explícita. Para Castro, essas pontes implicam em fazer
Na área de LINGUAGENS E CÓDIGOS estão destacadas as competências que dizem respeito à constituição de significados
que serão de grande valia para a aquisição e formalização de todos os conteúdos curriculares, para a constituição da identidade e o
exercício da cidadania. As escolas certamente identificarão nesta área as disciplinas, atividades e conteúdos relacionados às
diferentes formas de expressão, das quais a Língua Portuguesa é imprescindível. Mas é importante destacar que o agrupamento das
linguagens busca estabelecer correspondência não apenas entre as formas de comunicação – das quais as artes, as atividades físicas
e a informática fazem parte inseparável – como evidenciar a importância de todas as linguagens enquanto constituintes dos conhe-
cimentos e das identidades dos alunos, de modo a contemplar as possibilidades artísticas, lúdicas e motoras de conhecer o mundo.
A utilização dos códigos que dão suporte às linguagens não visa apenas ao domínio técnico, mas principalmente à competência de
desempenho, ao saber usar as linguagens em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os interlocutores ou públicos.
Em nosso modo de ver, uma implicação que vale a pena destacar, derivada desta visão problemática, incerta e imprevisível das
mudanças em educação, deveria afetar nosso modo de nos posicionarmos frente às mesmas. Não procede esperar soluções salvadoras
de reformas em grande escala, nem tampouco extrair conclusões precipitadas de seus primeiros fracassos, para escudar atitudes
derrotistas e desencantadas, fatalistas ou elusivas. Uma reforma não é boa ou má pelos problemas e dificuldades que possam surgir
em seu desenvolvimento. Estes não só são naturais, como necessários. Só encarando as mudanças educacionais numa perspectiva de
conflito, evitaremos a tentação de considerá-las más só por terem vindo da administração ou de um grupo de especialistas sisudos,
e poderemos esquadrinhá-las pessoal e coletivamente em seus valores e propósitos, em suas políticas concretas e decisões, em suas
incidências positivas ou naquelas outras que não o sejam tanto, e que servirão para manter uma atitude permanente de crítica e refle-
xão, de compromisso e responsabilidade com a tarefa de educar. Esta é, em última instância, a postura mais responsável que nós,
profissionais da educação, podemos e devemos adotar diante das mudanças, sejam as propostas desde fora, sejam aquelas outras que
somos capazes de orquestrar desde dentro: pensar e refletir, criticar e valorar o que está sendo e o que deve ser a educação que nos
ocupa em nossos respectivos âmbitos escolares nos tempos em que vivemos e naqueles que estão por vir, e não iludir as responsabi-
lidades inescapáveis que nos tocam, a partir de uma profissionalidade eticamente construída, que há de perseguir a transformação e
melhoria da sociedade por meio da educação.
O real não está nem na chegada nem na saída. Ele se dispõe prá gente no meio da travessia.
A implementação destas DCNEM será ao mesmo tempo um processo de ruptura e de transição. Ruptura porque sinaliza para um
Ensino Médio significativamente diferente do atual, cuja construção vai requerer mudanças de concepções, valores e práticas, mas
cuja concepção fundante está na LDB.
No entanto, seria ignorar a natureza das mudanças sociais, entre elas as educacionais, supor que o novo Ensino Médio deverá
surgir do vácuo ou da negação radical da experiência até agora acumulada, com suas qualidades e limitações. De fato, como já se
manifestou esta Câmara a respeito das Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, os saberes e práticas já instituídos cons-
tituem referência dos novos, que operam como instituintes num dado momento histórico: A nossa relação com o instituído não deve
ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e iden-
tidades, perdemos o vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas.
Dessa dinâmica entre transição e ruptura vai surgir a aprendizagem com os acertos e erros do passado e a incorporação dessa
aprendizagem para construir modelos, práticas e alternativas curriculares novas, mais adequadas a uma população que, pela primeira
vez, chegará ao Ensino Médio. Esse processo que se inicia formalmente, neste final de milênio, com a homologação e publicação
destas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, não tem data marcada para terminar. Como toda reforma educacional, terá
etapas de desequilíbrios, seguidas por ajustes e reequilíbrios.
Por mais que as burocracias e os meios de comunicação esperem a tradução destas Diretrizes Curriculares com lógica e raciona-
lidade cartesianas – de preferência por meio de uma tabela de dupla entrada que diga exatamente “como está” e “como fica” o Ensino
Médio brasileiro –, nem mesmo com a ajuda de um martelo a realidade do futuro próximo caberia num modelo desse tipo. O resultado
de uma reforma educacional tem componentes imprevisíveis, que não permitem dizer com exatidão como vai ficar o Ensino Médio
no momento em que estas diretrizes estiverem implementadas.
O produto mais importante de um processo de mudança curricular não é um novo currículo materializado em papel,
tabelas ou gráficos. O currículo não se traduz em uma realidade pronta e tangível, mas na aprendizagem permanente de seus agentes,
que leva a um aperfeiçoamento contínuo da ação educativa. Nesse sentido, uma reforma como a que aqui se propõe será tanto mais
eficaz quanto mais provocar os sistemas, escolas e professores para a reflexão, análise, avaliação e revisão de suas práticas, tendo em
vista encontrar respostas cada vez mais adequadas às necessidades de aprendizagem de nossos alunos. Em suma, o Ensino Médio
brasileiro vai ser aquilo que nossos esforços, talentos e circunstâncias forem capazes de realizar.
Papel decisivo caberá aos órgãos estaduais formuladores e executores das políticas de apoio à implementação dos novos currí-
culos de Ensino Médio. E aqui é imprescindível lembrar dois eixos norteadores50 da Lei nº 9.394/97, que deverão orientar a ação
executiva e normativa tanto dos sistemas como dos próprios estabelecimentos de Ensino Médio:
• o eixo da flexibilidade, em torno do qual se articulam os processos de descentralização, desconcentração, desregulamentação e
colaboração entre os atores, culminando com a autonomia dos estabelecimentos escolares na definição de sua proposta pedagógica.
• o eixo da avaliação, em torno do qual se articulam os processos de monitoramento de resultados e coordenação, culminando
com as ações de compensação e apoio às escolas e regiões que maiores desequilíbrios apresentem, e de responsabilização pelos re-
sultados em todos os níveis.
Esses papéis, complementares na permanente tensão que mantêm entre si, desenham um novo perfil de gestão educacional no
nível dos sistemas estaduais. O aprendizado desse novo perfil de gestão será talvez mais importante do que aquele que as escolas
deverão viver para converter suas práticas pedagógicas, porque a autonomia escolar é, ainda, mais visão que realidade. Depende,
portanto, do fomento e do apoio das instâncias centrais, executivas e normativas.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de conformidade com o disposto no art. 9º §
1º, alínea “c”, da Lei 9.131, de 25 de novembro de
1995, nos artigos 26, 35 e 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e tendo em vista o
Parecer CEB/CNE 15/98, homologado pelo Senhor Ministro da Educação e do Desporto em
25 de junho de 1998, e que a esta se integra, RESOLVE:
Art. 1º. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM –, estabelecidas nesta Resolução, se constituem num
conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização pedagógica
e curricular de cada unidade escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que manda a lei, tendo em vista
vincular a educação com o mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propi-
ciando preparação básica para o trabalho.
Art. 2º. A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores apresentados na Lei 9.394, a saber:
I - os fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II - os que fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca.
O Ensino Médio tem sido um sobrevivente: sem recursos próprios, vem existindo das sobras do Ensino Fundamental, não rece-
bendo a devida atenção tanto no que diz respeito às necessidades de investimento quanto no que se refere à reflexão sobre seu papel
na formação do estudante. As exigências da modernidade, porém, fazem crescer a procura por esse nível de ensino e nos obrigam a
repensá-lo. É preciso definir que Ensino Médio queremos, dar-lhe identidade.
A LDB de 1996 define a identidade do Ensino Médio com relação ao seu papel na formação do aluno: parte final da educação
básica, o Ensino Médio deixa de ser um curso de “passagem” para o Ensino Superior ou para uma qualificação profissional específica
que assegure formação geral ao estudante.
A identidade também se define no universo das unidades escolares. Constrói-se na elaboração do projeto escolar. O projeto es-
colar expressa o pensamento, a cultura da comunidade escolar, composta por pais, alunos, professores, professor (es) coordenador
(es), diretor.
Essa participação legitima o projeto na medida em que torna toda a comunidade responsável pela sustentação do que ele propõe.
Ao ser formalizado, esse projeto define os rumos e objetivos do trabalho a ser desenvolvido: o que ensinar; para que ensinar;
como ensinar; quais os materiais mais adequados e mais estimulantes para que o aluno se motive e aprenda; como avaliar, entenden-
do-se avaliação como bússola que reorienta o trabalho da equipe escolar. O projeto também delineia como a escola, em seu conjunto,
irá se organizar para desenvolvê-lo: os modos de gestão do tempo e da vida escolar; a participação da APM, do Conselho de Escola
e do Grêmio Estudantil; o plano de investimento dos recursos financeiros recebidos.
Ao elaborar seu projeto, a escola expressa necessidades, desejos e objetivos que definem, afinal, sua identidade. Uma reavalia-
ção periódica desse projeto permite um atendimento mais afinado com o perfil da clientela da escola, amplia a eficácia do trabalho e
contribui para o crescimento de quem trabalha nele.
A Reunião Internacional sobre Educação para o Século XXI, organizada pela UNESCO, aponta quatro necessidades básicas
de aprendizagem para o cidadão deste novo milênio: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Ao
adotá-las como eixos organizadores do currículo, as DCNEM introduzem, ao mesmo tempo, duas mudanças.
Interdisciplinaridade
A construção de competências passa, necessariamente, pelo desenvolvimento de conteúdos. Mas é necessário dar sentido a esses
conteúdos, tratar o conhecimento do modo como ele de fato se faz: da conjunção de vários saberes que se comunicam e produzem no-
vos saberes. É preciso tratá-lo de uma forma orgânica, promovendo o diálogo entre o que se vem desenvolvendo fragmentadamente
na escola, tornando a interdisciplinaridade uma prática pedagógica que se realize em projetos de estudo, pesquisas e atividades que,
mesmo mantida a integridade disciplinar do currículo, ponham em contato os saberes em favor de uma compreensão de mundo mais
integrada, mais próxima do modo como a realidade de fato se apresenta.
“Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre dis-
ciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais,
globais, planetários” . Compreender, analisar, imaginar interferências para os problemas ambientais, para ficarmos em um exemplo
simples, exige a mobilização de conhecimentos tradicionalmente desenvolvidos em diferentes disciplinas. Só um tratamento interdis-
ciplinar permite conjugá-los e dirigi-los para o estudo e/ou a resolução de problemas complexos como, por exemplo, os ambientais.
Contextualização
A construção de competências e o desenvolvimento mais integrado, interdisciplinar, dos conteúdos passam necessariamente pela
contextualização, ou seja, pela relação entre os conteúdos e as situações nas quais eles se produziram ou se aplicam.
A vida cotidiana é profícua em situações que podem contextualizar conteúdos das diferentes áreas. O jornal, por exemplo,
constitui-se num grande contexto que oferece inúmeras possibilidades de se desenvolver um trabalho interdisciplinar. A simples
leitura de um artigo pode iluminar de sentido conteúdos de mais de uma área: além do uso da língua, cabe discutir público, intenções
de um texto, imaginar mais de uma estratégia de leitura, conjugá-la com a leitura de textos não-verbais. Cabe também, obviamente,
uma leitura do conteúdo do artigo, que pode manter conexão com várias e diferentes disciplinas. Talvez caiba uma leitura histórica
do texto, investigando variáveis que tenham participado da produção do fato em si e a versão dada pelo artigo. Os processos de pro-
dução, os quais permitiram que aquele artigo tenha chegado a seu leitor, são complexos: envolvem cálculo em mais de um momento,
demandam tecnologia, aliando-a o tempo todo ao que o trabalho tem de mais humano - decisões, riscos, possibilidades de erro.
Este é apenas um exemplo. Mas é suficiente para mostrar como a contextualização pode garantir sentido a esse conteúdo, propi-
ciando não só a construção de competências, mas também a legitimação da escola como espaço de convivência, aprendizado, acesso,
construção e partilha do conhecimento.
O exemplo também esclarece sobre a articulação natural entre contextualização e interdisciplinaridade: o contexto, sendo mais
amplo que o objeto imediato de estudo, lança-se em direções que a escola trata em disciplinas diferentes. Só o diálogo entre essas
disciplinas, portanto, pode de fato compor o contexto em seu conjunto. Em outras palavras, a interdisciplinaridade se dá pela con-
textualização.
De acordo com as DCNEM, o contexto explícito é o mundo do trabalho - aqui entendido em seu sentido geral, e não prático - e
o exercício da cidadania.
A construção de um projeto pedagógico e a realização de um trabalho interdisciplinar e contextualizado são espaços de exercício
de flexibilidade e autonomia.
O projeto pedagógico deve pensar, dentro do currículo proposto, na criação de condições que assegurem uma “aprendizagem
motivadora e significativa”, cercada de elementos que digam respeito à vida dos alunos e da comunidade em que vivem. É essa pers-
pectiva que ampara a decisão sobre o recorte dos conteúdos de cada disciplina, as estratégias para abordá-los e os materiais a serem
utilizados para desenvolvê-los. Essas definições exercitam a autonomia do professor e da equipe escolar: ao decidir sobre diferentes
aspectos do processo de aprendizagem, esses agentes tornam-se responsáveis pela aprendizagem do aluno, pelos resultados do pro-
cesso.
Preparar para o mundo do trabalho não é o mesmo que preparar para um posto de trabalho
O Ensino Médio dissociou-se do ensino profissionalizante, realizado agora ao mesmo tempo ou depois desse nível de ensino.
Assim, o Ensino Médio não é mais profissionalizante, não prepara para o exercício desta ou daquela profissão específica, mas está
atrelado à formação geral do aluno.
Mas o mundo do trabalho é contexto privilegiado, ao qual deve voltar-se o olhar de quem trabalha com jovens em vias de com-
pletar sua formação básica e cujo interesse pelo mercado de trabalho é de curto ou médio prazo, se não imediato. Ao aluno deve
ser garantida formação geral pensando-se no trabalho como uma das principais atividades humanas, como espaço de exercício de
cidadania, como espaço de produção de bens e serviços e essencial na compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos. Assim, o mundo do trabalho se apresenta como contexto extremamente oportuno e rico para dar sentido aos
conhecimentos desenvolvidos na escola.
O jovem hoje tem expectativas bastante sensatas em relação à escola: quer que ela seja limpa, agradável, bem equipada, um lugar
onde possa de fato aprender. Espera sentir-se parte dela e poder dela se orgulhar. Para isso, quer que ela tenha uma “cara própria”
e que lhe ofereça canais de participação, além da oportunidade de se envolver em questões que digam respeito a ele mesmo e a sua
comunidade, como as relacionadas a saúde (sexualidade, drogas), meio ambiente e qualidade de vida.
Para grande parcela dos jovens, a escola tem sido um espaço de desalento e de desesperança. Com efeito, na escola que aí está, os
verdadeiros e únicos protagonistas têm sido os adultos. Essa situação necessita ser invertida urgentemente, ou melhor, precisa encon-
trar um novo ponto de equilíbrio. Sem isso, não é possível fazer do jovem coautor do processo de ensino e aprendizagem, elemento
capaz de exercer e aprofundar sua autonomia e cidadania.
Como espaço de aprender a ser e de aprender a conviver, a escola é também um espaço onde o jovem pode e deve exercitar o pro-
tagonismo, atuando efetivamente na escola, apresentado propostas, promovendo discussões que digam respeito à vida escolar ou ao
interesse da comunidade; ou participando de organizações como, por exemplo, o grêmio ou outros grupos em interesses específicos;
seja participando de grupos que a própria escola propõe como aglutinadores de interesse: teatro, dança, banda ou jornal são atividades
que, dentre outras, podem reunir interesses e contribuir para a construção ou o fortalecimento da identidade da escola.
Afinal, por que se fala tanto do novo Ensino Médio? Teria ele mudado tão radicalmente, a ponto de ser chamado de novo?
Se o analisarmos, por exemplo, sob o prisma da organização do tempo na escola, ou das possibilidades de organização curricular,
que mantêm a alternativa disciplinar, vamos constatar que mudou muito pouco. As mudanças mais profundas e verdadeiras transitam
num espaço interno, exigindo de nós, profissionais da educação, alterações no nosso modo de nos relacionarmos com o conhecimen-
to, com o trabalho, com nosso próprio desenvolvimento.
Mudar, no contexto do que se propõe hoje para o Ensino Médio, significa abandonar alguns paradigmas sobre o que é ensinar e
aprender, revendo e revitalizando nossos compromissos com a escola e o aluno.
A temática do Currículo Integrado é apresentada neste texto a partir de três aspectos considerados relevantes na revisão bibliográ-
fica e na análise da mesma: uma abordagem sobre a origem e os compromissos político-ideológicos que norteiam a defesa da sua re-
alização, partindo de uma interpretação do conceito de trabalho em Marx, da Escola Unitária de Gramsci e dos atuais proponentes do
Currículo Integrado e o debate que se estabeleceu sobre o tema nas últimas décadas; o aparecimento da definição de currículo como
espaço de organização do conhecimento escolar, na concepção de John Franklin Bobbit (apud SILVA, 2009), como um processo de
seleção de conhecimentos para serem abordados na escola, segundo Silva (2009) ou, ainda, um “plano pedagógico e institucional”
(DAVINI, 2009); e, por último, a construção teórica que fundamenta o Currículo Integrado e sua intencionalidade como proposta de
educação transformadora.
O Currículo Integrado faz parte de uma concepção de organização da aprendizagem que tem como finalidade oferecer uma
educação que contemple todas as formas de conhecimento produzidas pela atividade humana. Trata-se de uma visão progressista de
educação à medida que não separa o conhecimento acumulado pela humanidade na forma de conhecimento científico daquele ad-
quirido pelos educandos no cotidiano das suas relações culturais e materiais. Por essa razão, possibilita uma abordagem da realidade
como totalidade, permitindo um cenário favorável a que todos possam ampliar a sua leitura sobre o mundo e refletir sobre ele para
transformá-lo no que julgarem necessário. O ensino integrado tem por objetivo “disponibilizar aos jovens que vivem do trabalho a
nova síntese entre o geral e o particular, entre o lógico e o histórico, entre a teoria e a prática, entre o conhecimento, o trabalho e a
cultura” (KUENZER, 2002).
Por se tratar da integração da formação básica com a formação profissional, o Currículo Integrado possibilita que os trabalhado-
res tenham acesso aos bens científicos e culturais da humanidade ao mesmo tempo em que realizam sua formação técnica e profissio-
nal. Esta formação se diferencia dos projetos vinculados aos interesses de mercado, uma vez que é bem mais que isso. É um ensino
que pretende formar um profissional crítico, que seja capaz de refletir sobre sua condição social e participar das lutas em favor dos
interesses da coletividade.
Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação
completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade polí-
tica. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005).
O currículo escolar, em uma sociedade de classes, constitui a representação dos interesses do pensamento dominante, mas tam-
bém traz em si contradições que podem ser identificadas pelo princípio básico da dialética. O Currículo Integrado é uma forma de
organização do conhecimento escolar que permite a compreensão das relações complexas que compõem a realidade e possibilita a
emancipação dos educandos. Seu caráter transformador está em romper com as fragmentações que dificultam o desvelamento das
contradições presentes nessa sociedade.
A integração curricular, no entanto, não se realiza apenas pela oferta de disciplinas da Educação Profissional e da educação bá-
sica. Integrar requer uma leitura da realidade concreta, com a participação dos sujeitos envolvidos na aprendizagem, para desvelar
suas relações e suas especificidades. Para isso, é necessário mais do que práticas de cooperação entre as disciplinas do conhecimento
científico. “A integração exige que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da
formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura” (RAMOS, 2005). O exercício da aprendizagem, nesta perspectiva, tem re-
lações estreitas com as condições específicas dos educandos e educadores. Por isso, integrar sob os eixos do trabalho, da ciência e da
O conceito de currículo
O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar,
espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida,
curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de iden-
tidade (SILVA, 2009).
Tentar captar de uma forma abrangente todo o movimento que o currículo, entendido como proposta de organização escolar, fez
desde que foi concebido como tal, é uma tarefa difícil, especialmente pela variedade de teorias e ou discursos sobre ele produzidos no
último século, em especial na segunda metade do século XX. Porém, há produções de fôlego para apoiar a elaboração deste trabalho
em sua proposta: descrever e analisar um pouco do que já se disse sobre o tema, à luz das elaborações produzidas na esfera mais
ampla do pensamento sobre a Educação, seu caráter na sociedade capitalista e seu papel nos processos de superação do capitalismo
e proposição de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
O texto que aqui se apresenta sobre o currículo de forma geral tem o objetivo de fazer uma descrição e algumas observações
através do seguinte fio condutor: o currículo escolar e o papel da educação escolar e dos educadores na construção de uma proposta
capaz de oferecer formação que possibilite a apreensão do mundo nas suas relações econômicas, políticas e culturais. Pretende-se,
ainda, caracterizar a formação escolar, através da sua organização, chamada currículo, como um espaço de afirmação e contestação
de projetos de sociedade. Portanto, interpreta-se o que se chama de “movimento do currículo” a partir da perspectiva das teorias
críticas de currículo, conforme define Silva (2009). A escola não determina a estrutura social e não é totalmente determinada por ela,
mas tem papel importante na reprodução do modelo social e na produção de referenciais culturais que contribuem na sustentação ou
desestabilização da ordem posta em uma sociedade. O foco de observação escolhido é o currículo na perspectiva de construção e ou
manutenção do poder.
Pela origem etimológica, curriculum é uma palavra latina que designa caminho, ou caminho a percorrer, referindo-se às corridas
de biga na Roma Antiga. Se considerar- se que a vivência no ambiente escolar está para o percurso da vida humana, assim como as
pistas estavam para os carros de competição dos romanos, pode-se dizer que a palavra currículo está bem apropriada para referir-se
ao conjunto de conhecimentos e práticas que a educação formal adota diante do desafio de preparar as novas gerações para a vida
social. Por este olhar, currículo pode ser um objeto a ser definido e estudado, ou, como diz Silva (2009), algo a ser descoberto e
descrito. Portanto, desse ponto de vista parece que currículo é algo dado na história da escola, como que se existisse a priori. Para
se fazer uma boa educação, portanto, bastaria conhecer o currículo, isto é, o conjunto de conhecimentos e práticas inerentes à vida
escolar, compreendê-lo e bem aplicá-lo. Em se tratando de currículo escolar, este aparece em uma realidade específica, embora as
preocupações com as questões escolares já tenham sido objeto de preocupação muito antes.
Provavelmente o currículo aparece pela primeira vez com um objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos
anos vinte. Em conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da es-
colarização, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas, sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo de
construção e desenvolvimento e testagem de currículos. As ideias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de Bobbitt,
The Curriculum (1918). Aqui, o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigo-
rosamente especificados e medidos. O modelo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica (SILVA, 2009).
O estudo específico sobre currículo escolar nasce com uma característica importante: que ele deve seguir os padrões de como
fazer, típicos da sociedade industrial, já que esta determina o método de organização que deve ser utilizado em todas as organizações.
Ainda, segundo Silva (2009), no modelo de Bobbitt, o currículo é um conjunto de procedimentos que visa alcançar determinados
resultados mensuráveis. Trata-se de uma proposta de organização escolar que atende aos interesses das práticas econômicas domi-
nantes.
No primeiro item deste capítulo, procurou-se apresentar o nascedouro da concepção de educação e de sociedade que deu origem
à abordagem do ensino de Currículo Integrado. Uma proposta que se insere numa teoria crítica de currículo, comprometida com
as transformações estruturais da sociedade contemporânea para a superação das relações de opressão produzidas pelo capitalismo.
Qualquer definição de Currículo Integrado que procure diminuir o seu caráter transformador nega sua origem e seus compromissos.
Por esta razão, faz-se necessário: identificar o início de seu percurso como proposta para a educação brasileira; analisar o debate em
torno da revogação do Decreto nº 2.208/1997, através do Decreto nº 5.154/2004; definir o ensino integrado como caminho na cons-
trução do ensino unitário e politécnico, capaz de proporcionar a compreensão do real como totalidade.
O Brasil é um país de grandes desigualdades sociais e, conforme Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), de dualismos que se apre-
sentam na apropriação dos bens e serviços produzidos pelo conjunto da sociedade. Em se tratando de escolarização, houve diferentes
formas de segregação. Inicialmente, ela ocorreu entre analfabetos e pessoas com algum grau de escolarização. Mais tarde, as políticas
públicas de educação instituíram formas distintas de educação formal, destinadas a determinados grupos sociais e com o objetivo de
atender demandas específicas, o que significa que a tradição dualista não foi superada.
Na educação, apenas na metade do século XX, o analfabetismo se coloca como uma preocupação das elites intelectuais, e a
educação do povo se torna objeto de políticas de Estado. Mas sua organicidade social está em reservar a educação geral para as elites
dirigentes e destinar a preparação para o trabalho para os órfãos, os desamparados (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Por meio da Lei Orgânica, promulgada sob o governo do Estado Novo, foi instituído o ensino secundário e reforçada a dicotomia
entre a formação geral e a formação profissional, esta última regulada por leis orgânicas específicas. “O caminho escolar dos setores
mais pobres da população, caso chegassem à escola e, nela, escapassem de se transformar em índice de evasão, que não era pequeno,
era o do primário aos diversos cursos profissionalizantes” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2009). Mais tarde, com as Leis de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), a questão da dicotomia entre formação geral e formação para o trabalho não foi superada.
Apesar de a Lei nº 5.692/1971 ter estabelecido a união entre elas, não tardaram medidas para que houvesse um afrouxamento desta
determinação em favor dos segmentos sociais que reclamavam por uma educação propedêutica, uma vez que seus integrantes tinham
como objetivo o êxito no processo seletivo ao ensino superior.
A Lei nº 7.044/1982 e mesmo o Decreto nº 2.208/1997, este já produzido na vigência da Lei nº9. 394/1996, representaram, com
nuances, o interesse da classe dominante, pois cada um, a seu modo, estabeleceu uma dualidade entre a formação propedêutica e a
formação profissional. Esta dualidade como interesse de classe fica clara ao se perceber o caráter elitista de todos os governos que
aprovaram os marcos legais anteriormente mencionados e o seu pronto atendimento às demandas dos segmentos empresariais.
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a proposta de integração entre formação geral e formação profissional no Brasil
tem origem nas lutas pela democracia e em defesa da escola pública, nos anos 80, no projeto de LDB, em que o Fórum Nacional em
Defesa da Escola Pública teve grande importância ao propor a superação da dicotomia entre cultura geral e cultura técnica. O meio
para superar este caráter dual da educação brasileira pode ser encontrado na proposta de educação politécnica, sendo que “o conceito
de politecnia13 implica a união entre escola e trabalho ou, mais especificamente, entre instrução intelectual e trabalho produtivo”
(SAVIANI, 2007). O autor, apesar de ter gerado algumas controvérsias em torno do termo, sustenta que o mesmo, embora do ponto
de vista etimológico não corresponda à definição que tem dado no que se refere ao aspecto semântico, é coerente com a tradição so-
cialista e com os objetivos de formação integrada no ensino básico. Esta possibilidade, no que se refere à formação escolar, foi aberta
somente com a implantação do governo Lula, em 2003.
Com o Decreto nº 5.154/2004 foi criado amparo legal, embora tímido, que permite outras formas de ensino profissional, para
que se desenvolva uma abordagem curricular mais progressista– o Currículo Integrado. Esta organização curricular possibilita que o
aluno curse a formação básica e a formação profissional ao mesmo tempo. No entanto, não basta que se faça uma “mistura mecânica
de conteúdos” das duas formações. “A forma integrada de oferta do ensino com a educação profissional, caso não esteja sustentada
por uma concepção de formação omnilateral, é extremamente frágil e não lograria mais do que suas finalidades formais” (RAMOS,
2005).
O Decreto nº 2.208/1997, no seu art. 5º, dispõe que “A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria
e independente do ensino, podendo ser oferecida de forma concomitante sequencial a este”. Por este ato, o governo afastou qualquer
possibilidade de integração entre a formação geral e a formação técnica, e teve como um de seus objetivos atender às demandas do
mercado de trabalho. Pode-se identificar neste fato o compromisso com os interesses do capital, que se realiza através da concepção
de educação que mantém a dicotomia entre o ensino oferecido para os trabalhadores e o ensino para as camadas sociais que ambi-
cionam as funções dirigentes.
Esta forma histórica de segregação social vem sustentando a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, entre o
conhecimento científico e a relação do homem com a natureza, da qual a ciência é sua expressão elaborada.
Com a chegada do governo Lula, em 2003, e a implantação de compromissos com políticas educacionais mais progressistas,
abriu-se ampla discussão em torno da educação de nível médio e da Educação Profissional. Na verdade, de acordo com Frigotto, Cia-
vatta e Ramos (2005), havia três posicionamentos diferentes: um grupo pretendia apenas revogar o Decreto nº 2.208/1997; um segun-
do grupo, por razões ideológicas, desejava mantê-lo e; um terceiro posicionamento, o qual, em tese, estava de acordo com o primeiro
quanto à necessidade de revogação, porém entendia que um novo decreto se fazia necessário para garantir mudanças fundamentais.
Considerando que para o objetivo desta análise não se faz necessário abordar a discussão a respeito dos aspectos processuais legais
da questão, isto é, da controvérsia sobre a necessidade de um novo decreto ou não, importa apenas sublinhar o fundamental que se
pode constatar, que é a existência de dois projetos distintos: um de caráter conservador, que pretendeu manter separadas educação de
nível médio e Educação Profissional, e outro que protagonizou amplo debate em torno da necessidade de se estabelecer a integração
entre o ensino médio e a Educação Profissional.
A ideia de um novo decreto que contemplasse a possibilidade de adoção do ensino integrado à Educação Profissional, mas que
não restringisse outras formas de oferta da Educação Profissional obrigou vários dos seus defensores a optar em,
[...] manter-se afastado do processo, movimentando-se na crítica, buscando criar forças para um governo com opção e força de
corte revolucionário, ou entender que é possível trabalhar dentro das contradições do governo que possam impulsionar um avanço
no sentido de mudanças estruturais que apontem, no mínimo, mais realisticamente, o efetivo compromisso com um projeto nacional
popular de massa (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Os autores afirmam terem seguido a segunda opção por compreender os limites do governo, devido à sua composição de forças.
Também o processo de elaboração da minuta que deu origem ao Decreto nº 5.154/2004 apresentou diversidade de propostas. “O
documento é fruto de um conjunto de disputas e, por isso mesmo, é um híbrido, com contradições que, para expressar a luta dos se-
tores progressistas envolvidos, precisa ser compreendido nas disputas internas na sociedade, nos estados, nas escolas” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005). As controvérsias relatadas não ficaram restritas ao processo que deu origem ao referido decreto. Elas
também estão presentes nas diferentes interpretações da concepção de Currículo Integrado entre os educadores das escolas brasileiras
e nos interesses político-ideológicos que permeiam a sua implementação. Quanto à interpretação, uma análise mais profunda dos
fundamentos teóricos e das circunstâncias históricas que inspiraram o Currículo Integrado pode contribuir nesse processo. Quanto
aos interesses político-ideológicos, o constante debate pode abrir novos caminhos para a superação de valores que sustentam uma
sociedade tão desigual, não apenas no acesso aos bens materiais, mas aos saberes construídos por homens e mulheres, nas diferentes
ocupações humanas.
Mas afinal, por que a pessoa com deficiência tem direito a frequentar a escola comum? Por que ela tem direito a apreender? Quais
são os fundamentos filosóficos, psicológicos e legais dos que defendem a inclusão escolar das pessoas com deficiências?
Os fundamentos filosóficos:
O fundamento filosófico mais radical para a defesa da inclusão escolar de pessoas com deficiências é, sem dúvida, o fato de que
todos nascemos iguais e com os mesmos direitos, entre eles o direito de convivermos com os nossos semelhantes. Não importam as
diferenças, não importam as deficiências: o ser humano tem direito de viver e conviver com outros seres humanos, sem discriminação
e sem segregações odiosas. E quanto mais “diferente” o ser humano, quanto mais deficiências ele tem, mais esse direito se impõe. E
este é um direito natural, que nem precisaria estar positivado em lei. Não precisava constar na Constituição.
Os fundamentos psicológicos:
Do ponto de vista psicológico e afetivo, não há dúvida de que é na interação com o grupo e com as diferenças de sexo, de cor,
de idade, de condição social e com as diferenças de aptidões e de capacidades físicas e intelectuais existentes no grupo que a criança
vai construindo sua identidade, vai testando seus limites, desafiando suas possibilidades e, consequentemente, aprendendo. Este é o
mundo real. E quanto mais diversificadas forem essas experiências, quanto mais instigantes esses desafios, mais a criança aprende.
Segregar a pessoa com deficiência é negar-lhe o direito a viver num mundo real, é negar-lhe o direito a aprender pela convivência
com pessoas ditas não deficientes.
“Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de
visões de mundo, confrontos, ajuda mútua e consequente ampliação das capacidades individuais.”
As mesmas autoras, com base na teoria de VIGOTSKY (A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicoló-
gicos superiores. São Paulo. Martins Fontes.1998), ressaltam:
“Se construir conhecimentos implica uma ação compartilhada, já que é através dos outros que as relações entre sujeito e objeto
de conhecimento são estabelecidas, a diversidade de níveis de conhecimento de cada criança pode propiciar uma rica oportunidade de
troca de experiências, questionamentos e cooperação. A aceitação da criança deficiente pelos colegas vai depender muito do professor
colocar em prática uma pedagogia inclusiva que não pretenda a correção do aluno com deficiência, mas a manifestação do seu poten-
cial. A escola, nesta perspectiva, deve buscar consolidar o respeito às diferenças, vistas não como um obstáculo para o cumprimento
da ação educativa, mas como fator de enriquecimento e melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, tanto para alunos
com deficiência quanto para aqueles sem deficiência.”
Por isso, numa perspectiva de escola inclusiva, o ambiente escolar deve representar, com a maior fidelidade possível, a diver-
sidade dos indivíduos que compõem a sociedade. São as diferenças que possibilitam enriquecer as experiências curriculares e que
ajudam a melhor assimilar o conhecimento que se materializa nas disciplinas do currículo. Somente numa escola em que a sociedade,
sempre plural e heterogênea, esteja equitativamente representada, com alunos com deficiências ou não, é que o currículo escolar pode
cumprir sua função: construir a cidadania e preparar os alunos para viverem em harmonia fora da escola, dotados de habilidades e
competências que a experiência de escola e o conhecimento nela construído os ajudou a desenvolver.
Nessa concepção de escola que não exclui ninguém, em que a deficiência, seja ela qual for, não deve constituir barreira para a
criança permanecer na escola e aprender, vem assumindo particular importância e papel decisivo o atendimento educacional especia-
lizado, que tem como pressuposto fundamental o direito da criança com deficiência a frequentar a escola comum e de nela progredir,
dentro de seus limites e possibilidades.
Os fundamentos legais:
A rigor, como já dito acima, os direitos da pessoa com deficiência em relação à educação nem precisariam estar positivados em
lei: são direitos originários, fundamentais, que decorrem do simples fato de o sujeito desses direitos ser pessoa humana.
Em geral, porém, para, de um lado, serem melhor explicitados e ganharem mais força cogente, e, por outro, para que fiquem mais
claras as responsabilidades de quem lhes deve garantir a eficácia, esses direitos acabam sendo recepcionados em textos legais que vão
desde os tratados internacionais até uma simples portaria ministerial ou parecer de um órgão colegiado, passando pelas leis ordinárias
e pela própria constituição do país. Foi o que aconteceu com os direitos das pessoas com deficiências, particularmente, com o direito à
Sobre esse aspecto é preciso destacar que a letra e o espírito da lei não identificam a preparação para o trabalho ou a habi-
litação profissional com a parte diversificada do currículo. Em outras palavras, não existe nenhuma relação biunívoca que faça
sentido, nem pela lei nem pela doutrina curricular que ela adota, identificando a Base Nacional Comum com a formação geral do
educando e a parte diversificada com a preparação geral para o trabalho ou, facultativamente, com a habilitação profissional. Na
dinâmica da organização curricular descrita anteriormente, elas podem ser combinadas de muitas e diferentes maneiras para resultar
numa organização de estudos adequada a uma escola determinada.
A segunda observação importante diz respeito ao uso, pelos sistemas e pelas escolas, da possibilidade de preparar para o exercí-
cio de profissões técnicas (Parágrafo 2o do Artigo 36) ou da faculdade de oferecer habilitação profissional (Parágrafo 4o Artigo 36).
Essa questão implica considerar vários aspectos e deve ser examinada com cuidado, pois toca o princípio de autonomia da escola:
• o primeiro aspecto refere-se à finalidade de Educação Básica do Ensino Médio, que não está em questão, pois a LDB é clara a
respeito;
• o segundo refere-se à duração do Ensino Médio, que também não deixa dúvidas quanto ao mínimo de 2.400 horas, distribuídas
em 3 anos de 800 horas, distribuídas em pelo menos
200 dias letivos;
• o terceiro aspecto a considerar é que a LDB presume uma diferença entre “preparação geral para o trabalho” e “habilitação
profissional”.
Essa diferença presumida deve ser explicitada. Por opção doutrinária, a lei não dissocia a preparação geral para o trabalho da
formação geral do educando, e isso vale tanto para a Base Nacional Comum como para a parte diversificada do currículo e é por essa
razão que se dá ênfase neste parecer ao tratamento de todos os conteúdos curriculares no contexto do trabalho.
Essa preparação geral para o trabalho abarca, portanto, os conteúdos e competências de caráter geral para a inserção no mundo
do trabalho e aqueles que são relevantes ou indispensáveis para cursar uma habilitação profissional e exercer uma profissão técnica.
No primeiro caso, estariam as noções gerais sobre o papel e o valor do trabalho, os produtos do trabalho, as condições de pro-
dução, entre outras.
No caso dos estudos que são necessários para o preparo profissional, quer seja em curso formal, quer seja no ambiente de traba-
lho, estariam, por exemplo, conhecimentos de Biologia e Bioquímica para as áreas profissionais da saúde, a Química para algu-
mas profissões técnicas industriais, a Física para as atividades profissionais ligadas à mecânica ou eletroeletrônica, as Línguas para
as habilitações ligadas a comunicações e serviços, as Ciências Humanas e Sociais para as áreas de administração, relações públi-
cas, mercadologia, entre outras. Dependendo do caso, essa vinculação pode ser mais estreita e específica, como seria, por exemplo,
o conhecimento de História para técnico de turismo ou de redação de textos e cartas comerciais para alunos que farão secretariado e
contabilidade.
Enquanto a duração da formação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, é inegociável, a duração da formação
profissional específica será variável. Um dos fatores que afetará a quantidade de tempo a ser alocado à formação profissional será a
maior ou menor proximidade desta última com a preparação básica para o trabalho que o aluno adquiriu no Ensino Médio. Quanto
Assim, a articulação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional, dar-se-á por uma via de mão dupla e poderá gerar inúmeras
formas de preparação básica para o trabalho, no caso do primeiro, e aproveitamento de estudos, no caso do segundo, respeitadas
as normas relativas à duração mínima da educação básica de nível médio, que inclui – repita-se – a formação geral e a preparação
para o trabalho:
• às escolas de Ensino Médio cabe contemplar, em sua proposta pedagógica e de acordo com as características regionais e de sua
clientela, aqueles conhecimentos, competências e habilidades de formação geral e de preparação básica para o trabalho que,
sendo essenciais para uma habilitação profissional específica, poderão ter os conteúdos que lhe deram suporte igualmente aproveita-
dos no respectivo curso dessa habilitação profissional;
• às escolas ou programas dedicados à formação profissional cabe identificar que conhecimentos, competências e habilidades
essenciais para cursar uma habilitação profissional específica já foram adquiridos pelo aluno no Ensino Médio, e considerar as
disciplinas ou estudos que lhes deram suporte como de caráter profissionalizante para essa habilitação e, portanto, passíveis de serem
aproveitados;
• como a articulação não se dá por sobreposição, os estudos de formação geral e de preparação básica para o trabalho que sejam
ao mesmo tempo essenciais para uma habilitação profissional podem ser incluídos na duração mínima prevista para o Ensino Médio
e aproveitados na formação profissional;
• estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma ou em outra instituição, concomitante
ou posteriormente ao Ensino Médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 previstas pela LDB como mínimas;
• as várias habilitações profissionais terão duração diferente para diferentes alunos, dependendo do perfil do profissional a ser
habilitado, dos estudos que cada um deles esteja realizando ou tenha realizado no Ensino Médio e dos critérios de aproveitamento
contemplados nas suas propostas pedagógicas.
As fronteiras entre estudos de preparação básica para o trabalho e educação profissional no sentido restrito nem sempre são fáceis
de estabelecer. Além disso, como já se observou, depende do perfil ocupacional a maior ou menor afinidade entre as competências
exigidas para o exercício profissional e aquelas de formação geral.
É sabido, no entanto, que em cada habilitação profissional ou profissão técnica existem conteúdos, competências e mesmo atitu-
des, que são próprios e específicos. Apenas a título de exemplo, seria possível mencionar: o domínio da operação de um torno mecâ-
nico, ou do processo de instalação de circuitos elétricos para os técnicos dessas áreas; a operação de uma agência de viagens para o
técnico de turismo; o uso de aparelhagem de tradução simultânea para o tradutor; a manipulação de equipamentos para diagnóstico
especializado no caso do técnico de laboratório; o domínio das técnicas de esterilização no caso do enfermeiro.
Conhecimentos e competências específicos, tais como os exemplificados, não devem fazer parte da formação geral do educando
e da preparação geral para o trabalho. Caracterizam uma habilitação profissional ou o preparo para o exercício de profissão técnica.
Considerando que a LDB prioriza a formação geral quando define os mínimos de duração do Ensino Médio e apenas faculta o ofe-
recimento da habilitação profissional, garantida a formação geral, aquela só pode ser oferecida como carga adicional dos mínimos
estabelecidos, podendo essa adição ser em horas diárias, dias da semana ou períodos letivos.
Emergindo no cenário político e econômico do final da década de 1980, a expressão protagonismo juvenil tem sido identificada
à concepção de empoderamento e participação democrática da juventude, associando-se à noção de sujeito de direitos, presente nas
diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2000a), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL,1996), e
do Estatuto da Juventude (2007).
A própria origem etimológica da palavra, derivada do grego protagnistés, que se refere ao ator principal no teatro grego ou o que
ocupa papel central em um acontecimento (FERRETTI et alli, 2004), afirma o protagonismo como tema fundante de uma perspecti-
va com relação à juventude, que remete ao fortalecimento da participação do jovem no processo de transformação política e social,
abrindo espaço para o resgate de sua condição de sujeito de direitos e cidadão.
Entender que a categoria juventude se constrói nas e pelas relações sociais contribui para resgatar a dimensão social da educa-
ção, seu caráter de instrumento mediador de conhecimentos historicamente acumulados pelo homem, e mediado pela construção de
sentidos e de novas relações no e com o mundo.
A construção de uma proposta pedagógica, que consolide o protagonismo juvenil como práxis sócio histórica, se ancora em prin-
cípios básicos, norteadores de uma metodologia que possibilite ao jovem um reposicionamento objetivo e subjetivo, ressignificando
a juventude como categoria social.
O primeiro princípio é a concepção de homem como ser histórico, que constitui sua subjetividade a partir das determinações
econômicas, políticas, sociais e culturais da sociedade onde vive, produto e produtor do mundo, que, ao engendrá-lo, engendra em
si mesmo sua própria transformação. Internalizando os significados apreendidos nas e pelas relações sociais, e transformando-os
em sentidos subjetivos, a partir da síntese com seus conhecimentos, suas experiências e emoções, o homem incorpora o social a seu
patrimônio interno, constituindo sua subjetividade e conformando a representação que faz de si mesmo e do mundo, sua leitura da
realidade, seus interesses, suas vivências psíquicas, sua forma de se relacionar com as pessoas, de se colocar e agir na sociedade.
Outro princípio é a concepção de jovem como sujeito sócio-histórico-cultural do processo de aprendizagem, agente ativo da
construção/transformação da sua própria história, da história coletiva e da constituição de sua subjetividade, a demandar relações
pautadas na ética e no respeito à sua dignidade e à sua autonomia.
Um terceiro princípio é o resgate do educador como principal elemento de mediação do processo político-pedagógico de eman-
cipação do jovem e de mudança de sua forma de inserção na sociedade. Possibilitando o acesso ao conhecimento historicamente
construído e ampliando o horizonte de interesses, o educador se torna agente mediador da formação e do desenvolvimento das fun-
ções psicológicas superiores.
A práxis social é outro princípio educativo, respaldado na concepção de que, por meio do trabalho e da ação, o homem constrói a
cultura e as formas de relação humana. Sendo uma atividade material consciente e objetiva, com o fim último da transformação real
do mundo exterior, conforme Vasquez (2007), a práxis social fortalece a função formadora da educação, enfatizando a apreensão,
compreensão e apropriação de saberes, e o desvelamento das relações entre educação e condições materiais de vida, entre formação
humana e cultura e entre educação e história.
Outro princípio a considerar é a participação e a atuação na sociedade como resultado de um processo de desenvolvimento da
consciência crítica, da leitura contextualizada da realidade, do desvelamento dos determinantes sócio histórico- culturais das con-
dições individuais, da relação entre condições objetivas e subjetivas de vida, da construção de novas relações sociais e da atuação
comprometida com a transformação social.
QUESTÕES
1) “A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CF/88,
art. 205)
Sobre os direitos assegurados ao aluno, marque a alternativa INCORRETA:
(A) O Ensino Religioso é de caráter obrigatório nas escolas públicas de ensino fundamental. (CF)
(B) Contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores. (ECA)
(C) Na Educação Infantil, a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de
promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental. (LDBEN)
(D) Garantia de Ensino Fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram. (PNE)
2) É na elaboração do currículo que são definidos os aspectos voltados diretamente para a prática pedagógica, marcando o espaço
e o papel exercido por todos os diferentes elementos ligados no processo educativo.
Sobre currículo, a alternativa CORRETA é:
(A) O currículo pode ser pensado apenas como um rol de conteúdos a serem transmitidos para um sujeito passivo.
(B) Atitudes e habilidades não são consideradas na organização do currículo.
(C) O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural.
(D) Conhecimentos, valores, costumes e hábitos não interferem na organização
de um currículo.
4) O Conselho ou Colegiado Escolar é concebido como um local de debate e tomada de decisão. Como espaço de debates e dis-
cussão, permite que professores, funcionários, pais e alunos explicitem seus interesses, suas reivindicações.
Com base no texto acima, marque a alternativa INCORRETA:
(A) O Conselho ou Colegiado Escolar é um órgão de gestão que garante representatividade, continuidade e legitimidade das
ações.
(B) Apresenta instância de caráter deliberativo sobre assuntos substantivos da escola.
(C) Favorece a aproximação dos centros de decisão, facilita comunicação vertical e horizontal, rompe com relações burocráticas
e formais na Instituição.
(D) Reúne todas as pessoas envolvidas com a escola, de maneira permanente,
para tomar cada um as decisões que se fazem pertinentes no percurso
escolar.
5) “ A inclusão de alunos deficientes não se concretiza nem pelo dispositivo legal, nem pela simples admissão do aluno na es-
cola regular. O oferecimento de serviços complementares, a adoção de práticas criativas na sala de aula, a construção de um projeto
pedagógico que considere a diversidade do alunado, com a consequente revisão de posturas e a construção de uma nova prática edu-
cacional são requisitos da efetiva inclusão.” Maria Eliana Novais - Subsecretaria de Desenvolvimento da Educação.
Em qual das situações descritas abaixo, os alunos com deficiência, matriculados nas escolas regulares, têm seus direitos obser-
vados. Marque (S) para as alternativas PERTINENTES e (N) para as NÃO PERTINENTES.
( ) Oferecer uma variedade de atividades desconexas entre si, sem
implementação de uma prática educativa para a diversidade.
( ) Flexibilização curricular, a qual será repensada a partir do contexto grupal em que se insere determinado aluno.
( ) Analisar o percurso de cada aluno, do ponto de vista da evolução de suas competências ao resolver problemas, na organização
do trabalho escolar, e integração na vida social da escola.
( ) Os profissionais da educação envolvidos com a inclusão precisam ter preparação apropriada antes ou concomitante à chegada
do aluno.
( ) O professor terá um plano de ensino único para toda classe, incluindo o aluno com deficiência.
( ) Ter um atendimento educacional especializado fora da rede regular, como substituto do ensino ministrado na escola comum.
A sequência CORRETA, de cima para baixo, é:
(A) S, S, S, S, N, S.
(B) N, N, N, S, N, N.
(C) N, S, S, S, S, S.
(D) N, S, S, S, N, N.
6) “Qual é o papel da avaliação no processo de ensino aprendizagem? É certo que podermos separar o fato de ensinar do fato de
ensinar e avaliar? Antes de ensinar, sempre fazemos uma avaliação inicial?” BASSEDAS, HUGUETE, SOLE, 1999. São muitos os
questionamentos sobre avaliação. Analise as afirmativas a seguir e marque a alternativa INCORRETA:
(A) A avaliação é utilizada para ajustar ou modificar as atividades em função dos conhecimentos e as dificuldades no início de
uma sequência de ensino e de aprendizagem.
7) O Conselho de Classe pode ser concebido como uma instância colegiada, que ao buscar superação da organização burocrática,
guarda em si a possibilidade de articular os diversos segmentos da escola.
Saber avaliar? O quê avaliar? Quando avaliar? Como? Para quê? São indagações que levam a reflexões no momento de avaliar
os alunos. Neste contexto, marque a alternativa CORRETA:
(A) O Conselho de Classe é objeto central de análise e recurso metodológico para a reflexão sobre o processo avaliativo.
(B) O Conselho de Classe é peça-chave para o fortalecimento da fragmentação e da burocratização do trabalho pedagógico.
(C) É um espaço de posicionamento igualitário quando se refere ao desempenho do aluno, ficando restrito à avaliação de apenas
um profissional.
(D) O Conselho de Classe tem como objeto o ensino, independente de suas relações com a aprendizagem e a organização do
trabalho pedagógico.
8) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, define
que a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Tendo como referência a LDBEN,
registre (V) para as afirmativas verdadeiras e (F) para as falsas.
( ) Caberá ao Estado assegurar o Ensino Fundamental e oferecer prioridade ao Ensino Médio.
( ) Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu
sistema de Ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica.
( ) Filosofia e Sociologia serão incluídas como disciplinas facultativas em todas as séries do Ensino Médio.
( ) Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos, com necessidades especiais, terminalidade específica para aqueles que não
puderem atingir o nível exigido para a conclusão do Ensino Médio.
( ) Há obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para casos de baixo rendimento
escolar.
( ) Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos quantitativos sobre os qualitativos e
dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.
A sequência CORRETA, de cima para baixo, é:
(A) F, V, F, F, V, V.
(B) F, V, V, V, F, F.
(C) V, F, V, V, F, F.
(D) V, V, F, F, V, F.
9) Conforme expresso no artigo 67 da LDBEN “Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação,
assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e nos planos de carreira do magistério público”:
Marque a alternativa INCORRETA:
(A) Período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho.
(B) Condições adequadas de trabalho.
(C) Ingresso por indicação e concurso público.
(D) Progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação de desempenho.
GABARITO
01 A
02 C
03 A
04 D
05 D
06 D
07 A
08 D
09 C
10 C
ANOTAÇÕES
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ANOTAÇÕES
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