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organizacional
as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
volume ii
Copyright© Projeto Editorial Praxis, 2016
Conselho Editorial
Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP)
Prof. Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP)
Prof. Dr. José Meneleu Neto (UECE)
Prof. Dr. André Vizzaccaro-Amaral (UEL)
Profa. Dra. Vera Navarro (USP)
Prof. Dr. Edilson Graciolli (UFU)
Organizadores
Jane Salvador de Bueno Gizzi
Ricardo Nunes de Mendonça
Gabriela Caramuru Teles
Assédio moral
organizacional
as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
volume ii
1ª edição 2016
Bauru, SP
Ilustração da capa
“Composition V” – Wassily Kandinsky (1911)
Neue Galerie, Coleção privada de Ronald Lauder
ISBN 978-85-7917-401-8
CDU 34:331.101
(Karl Marx)
Sumário
■■ APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Elias Hennemann Jordão
■■ O Mal-estar e a
sociedade de gestão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Jane Salvador de Bueno Gizzi
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■■ ASSÉDIO MORAL E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO:
Percepções da Justiça do Trabalho sobre a
organização do trabalho bancário como vetor de
poluição ambiental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
João Gabriel Pimentel Lopes
Denise Arantes Santos Vasconcelos
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
trabalho pouco importam às empresas e ao capital, pois a taxa de lucro dos bancos
é o que determina as ações de gestão da empresa, independente das consequências
nas vidas dos bancários atingidos.
É comum o trabalhador começar sua carreira em um banco estando total-
mente sadio e encerrar sua carreira ou se aposentar por motivos de saúde, já em
condições físicas e emocionais precárias. Se por um lado sabemos que este mal
atinge a todos, é em nossa rotina que percebemos o quanto os bancários são afe-
tados e adoecidos. Se há algumas décadas o adoecimento dos bancários era um
adoecimento físico hoje a categoria é atingida tanto em seu físico como a parte
psíquica, com total nexo causal com a profissão.
Nossa atuação enquanto representantes dos trabalhadores têm sido contun-
dente tanto na prevenção, como na comprovação, caracterização e responsabiliza-
ção do adoecimento decorrente do trabalho; desde há muito temos nos aprofun-
dado e investido na temática para um enfrentamento qualificado do problema.
Igualmente importante como a luta por uma remuneração digna e justa, está
o esforço do sindicato na garantia de melhores condições de trabalho com foco
na saúde do trabalhador. Para isso não temos medido esforços em atuarmos em
todas as frentes possíveis, seja em mesa de negociação geral, em mesas temáticas,
em estudos e pesquisas, na busca de parcerias para enfrentamento do problema e
na área jurídica. O Projeto Vítimas do Itaú, organizado pelo Sindicato dos Ban-
cários de Curitiba e Região junto ao Instituto Defesa da Classe Trabalhadora é
um esforço de pesquisa empírica e campanha de prevenção no enfrentamento aos
adoecimentos decorrentes dos métodos de gestão assediosos. O enfrentamento
é desproporcional, contra um sistema que domina e impõe regras, mas não de-
sistimos e a cada pequena vitória é uma injeção de ânimo para continuarmos
defendendo a vida.
Muito ainda há que ser feito, e a principal tarefa é criar nos trabalhadores a
consciência de classe para que compreendamos que a disputa fraticida no dia a
dia somente trará benefícios aos patrões. A tentativa de captura da subjetividade
dos trabalhadores e a suposta justa retribuição é um engodo do capitalismo, que
ao final sempre descarta estes mesmos trabalhadores quando já estão adoecidos e
não produzem o mesmo. Ainda é muito comum os trabalhadores pensarem que
são imprescindíveis para a empresa, vez que fizeram o jogo proposto pelos bancos
e por isso seriam insubstituíveis. A ficha só cai quando o bancário é descartado
pelo banco e tudo se torna um enorme pesadelo, pela carência de renda e, muitas
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APRESENTAÇÃO
vezes, a falta de saúde. Para o banco somos apenas números em um cadastro geral
de trabalhadores.
Ter saúde, não precisar tomar remédios, poder pegar os filhos e netos no colo,
estar bem para viajar, conseguir se alimentar bem, estar feliz e próximo de quem
amamos, ter o movimento dos membros (braços e pernas) garantido, ter a cabeça
funcionando bem e coração pronto para a luta é o mínimo de dignidade exigi-
da por aqueles que produzem diariamente a riqueza apropriada pelos donos dos
bancos.
O presente livro é um esforço para somarmos contribuições de pesquisadores,
professores, advogados e médicos no combate ao adoecimento no trabalho bancá-
rio e aos métodos de gestão praticados pelos bancos.
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PROJETO MÉTODOS DE GESTÃO E
ADOECIMENTO DE TRABALHADORES
CADERNO 2:
O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
Atuação sindical
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CADERNO 2: O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
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5 ALLAN, Nasser Ahmad; GIZZI, Jane Salvador Bueno; COZERO, Paula Talita. Assédio moral orga-
nizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos. Bauru: Canal 6, 2015.
6 Para saber mais, consultar as páginas <vitimasdohsbc.com.br> e <www.facebook.com/vitimasdo-
hsbc>.
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Instituto Declatra.
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Aspectos metodológicos
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2 - Operacional (agência):
Gerente (Operacional)
Caixa
Coordenador/Supervisor, (Coordenador, Tesoureiro, Supervisor (Processamento Agências,
Operacional), Chefe Serviço Bancário, CSB, Chefe Serviço Operacional, Coneg, etc.)
Assessor
3 - Comercial (agência):
Gerente (de Agência) (Gerente Geral, Gerente Geral de Agência, Gerente, Gerente Geral de
Contas, Plataforma).
Gerente (de Contas) (Gerente de Relacionamento, Gerente Uniclass, Gerente Empresas, Gerente
PF e PJ, Gerente de Negócios, Gerente Comercial, etc.)
Assistente (de Gerente, Comercial, Assistente Prod. PF, etc.)
Agente / Atendente (Comercial, de Negócios, Orientador Caixa Eletrônico, Autoatendimento)
Locais:
Departamento: SDIS, CPSA, ACC, USD-GSO, GORT, DEJUD, Unidade de Segurança, Poder
Público, Sustentabilidade, Representante Legal
Agência: Plataforma, PAB, Private, Corporate, Leasing, Câmbio, Middle, Superintendência,
Consultoria Agências
ITAU BBA
Considerações iniciais
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Resultados estatísticos
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CADERNO 2: O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
Dos 505 desligados que referiram algum problema de saúde, a maioria citou
o estresse (240 ou 47,5%), vindo a seguir a citação de problemas no ombro (40%).
Considerando o total de desligados no período 2006-2014, problemas de estresse
corresponderiam a 20,1%. Se se considerar esse conjunto de trabalhadores como
representativo do universo de trabalhadores do Itaú, de Curitiba e Região, pode-
-se dizer, com 95% de confiança, que entre 17,8% e 22,4% desse universo estariam
sentindo este problema de saúde.
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Entre 2006 e 2014, 187 dos trabalhadores desligados que referiram proble-
mas de saúde tiveram afastamento de trabalho (ver quadro 1.3-B). Dentre estes, as
mulheres são a maioria (62,6%), o que corresponde a 18,5% do total de mulheres
desligadas no período.
Quanto ao cargo dos que tiveram afastamento, a maior e mais significativa
parcela é composta por gerentes. Porém, se se considerar o total de desligados, os
analistas compõem a maior população (29,9%).
Com relação ao tempo de trabalho, a maioria dos que tiveram afastamento
trabalhava há mais de 10 anos no ITAÚ (70,1% dos afastados e 22,2% do total de
desligados com mais de 10 anos de banco).
Na questão do local de trabalho, a maioria dos que já se afastaram do trabalho
é composta por trabalhadores da área comercial. Porém, se se considerar o total
dos desligados por local de trabalho, o percentual maior é dos trabalhadores de
departamento.
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A definição dos grupos para classificação dos problemas de saúde referidos foi feita com a assesso-
ria do médico do trabalho Doutor Elver Moronte.
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Dos 505 desligados que referiram algum tipo de problema de saúde, 287
(56,8%) citaram depressão e/ou estresse (24,0% do total de desligados no período).
Entre as mulheres que referiram problemas de saúde, 59,5% citaram depres-
são e/ou estresse (27,6% das mulheres desligadas no período).
Entre assessores e assistentes estão os maiores percentuais dos que citaram
depressão e/ou estresse.
Analisando quanto ao tempo de banco, importante observar que a partir de
“2 anos” os percentuais diminuem conforme aumenta o tempo de casa, o que
pode ser indicativo de que os métodos de gestão abusivos são orientados com
maior intensidade para os funcionários mais novos.
Do total dos que referiram depressão e/ou estresse, 22,6% apresentam his-
tórico de afastamento por problemas de saúde (9,5% do total de desligados no
período). Deve-se observar, contudo, que esses afastamentos podem ser devidos a
outras causas.
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Dos 505 desligados que referiram algum problema de saúde, 245 (48,5%) cita-
ram problemas nos ombros e/ou punhos (20,5% do total de desligados no período).
Entre as mulheres que referiram problemas de saúde, 50,3% citaram proble-
mas nos ombros e/ou punhos (23,4% das mulheres desligadas no período).
Entre caixas, analistas, técnicos/operadores e assessores estão os maiores per-
centuais dos que citaram ombros e/ou punhos.
Analisando quanto ao tempo de banco, observa-se que os percentuais aumen-
tam conforme aumenta o tempo de casa .
Por local de trabalho, o que se destaca é o percentual significativamente me-
nor na área comercial para os problemas nos ombros ou nos punhos.
Dos que referiram problemas nos ombros e/ou punhos, 20,2% apresentam
histórico de afastamento por problemas de saúde (8,5% do total de desligados no
período). Deve-se observar, contudo, que esses afastamentos podem ser devidos a
outras causas.
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CADERNO 2: O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
No geral, e para todo o período, o tempo médio de banco dos desligados é 13,7
anos. O maior tempo médio de banco é dos técnicos/operadores, e o menor é dos
agentes/atendentes.
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No geral, e para todo o período, o tempo médio de banco dos gerentes desliga-
dos é 11,7 anos. O maior tempo médio de banco é dos gerentes de departamento,
e o menor é dos gerentes de contas.
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CADERNO 2: O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
A tendência indicada nas tabelas C.2 e C.3 é confirmada na tabela C.4, que
traz os problemas de saúde agrupados (osteomusculares, mentais e crônicos) com
os percentuais obtidos por faixas de tempo de trabalho no banco Itaú.
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* Entre os desligados com até 5 anos de banco, o percentual de referência a doenças mentais/psíqui-
cas é significativamente maior do que o percentual de referência a doenças osteomusculares. Entre
os desligados com mais de 10 anos de banco ocorre o contrário, sobressaindo-se os problemas
osteomusculares.
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CADERNO 2: O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
os que tinham mais de 10 anos de banco, e como esses são quase metade dos des-
ligados (ver quadro 1.2), tiveram maior peso no percentual geral. Com até 10 anos,
o percentual dos que relatam problemas de saúde é maior no HSBC.
Os principais problemas de saúde relatados são basicamente os mesmos nos
dois bancos.
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Aspectos metodológicos
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água, etc), fazendo com que todos os empregados saibam que ele está fora
de seu posto de trabalho enquanto a sinalizar estiver presente.
27. Exigência superior às habilidades: é exigido do empregado que exerça
atividades para além daquela que foi contratado e que não está relacio-
nada exatamente a suas funções, fazendo com que passe por situações
vexatórias.
28. Humilhação na demissão: casos em que o empregado sofreu conduta ve-
xatória por parte de superiores e colegas de trabalho no momento em que
foi comunicado de sua dispensa.
29. Exigência de prática ilícita: empregado é obrigado a realizar procedimen-
tos fraudulentos, como, por exemplo, compensar um cheque sem a assi-
natura correta.
30. Discriminação: casos em que o empregado relata algum ato discrimina-
tório no ambiente de trabalho por razões diversas, como deficiência, reli-
gião ou doença.
31. Falta de pausa para recuperação: não é concedido ao empregado intervalo
para que se recupere dos esforços repetitivos e afins, situações em que o
empregado reivindica o cumprimento do artigo 72 da CLT.
32. “Demissão” abusiva: empregado relata que sua despedida foi ilegal. O caso
mais comum é a dispensa discriminatória em razão de doença.
33. Estorno da comissão: quando há estorno de uma parcela paga a título de
comissão devido a motivos alheios ao empregado (acontece habitualmen-
te quando o empregado recebe comissão pela venda de cartões de crédito
e deve “devolver” a comissão se o cartão for cancelado antes de certo tem-
po de uso).
34. Invasão da vida privada: quando empresa pratica atos com vistas a inves-
tigar a vida privada dos empregados, invadindo a esfera íntima do mesmo.
35. Promessa frustrada: quando a empresa faz promessas em relação ao tra-
balho e não cumpre, como, por exemplo, divulgar que pagará prêmio para
o empregado que alcançar determinada meta, mas não pagar.
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Encaminhamento judicial
A pesquisa conta ainda com a análise do encaminhamento judicial das re-
clamatórias trabalhistas: situação do processo (arquivado ou em andamento), se
consta no processo laudo pericial, se houve acordo judicial, qual foi o resultado em
1ª instância, se houve recurso no tocante à indenização por danos morais, qual foi
o resultado de eventual julgamento em grau de recurso.
A análise dos processos foi realizada entre junho de 2015 e abril de 2016. A
situação processual diz respeito ao que constava nos autos neste período.
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Resultados estatísticos
Todo esse grande conjunto de informações pesquisadas junto aos processos dos
473 trabalhadores filtrados – aqueles que acionaram o Itaú por dano moral entre
2011 e junho de 2015 – foi armazenado em um banco de dados, seguindo-se os tra-
balhos de conferência e tabulação. Os resultados apurados serão agora apresentados
em tabelas acompanhadas de breve análise estatística, iniciando-se pelo perfil dos
demandantes, segundo o ano em que foi ajuizada a ação em face do banco Itaú.
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mente estão ligadas à menção de falta de apoio social pelo banco no período pos-
terior aos traumas vivenciados.
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CADERNO 2: O CASO DO ITAÚ EM CURITIBA
A título de desfecho, cabe ressaltar que o trabalho de pesquisa não acaba por
aqui. Por este caderno disponibilizamos os dados estatísticos produzidos pelo
nosso trabalho de organização e análise documental. É necessário pontuar, entre-
tanto, que os resultados apresentados não constituem o ponto final dessa segunda
fase do projeto MÉTODOS DE GESTÃO E ADOECIMENTO DE TRABALHA-
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Instituto Declatra.
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Introdução
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Entre nós, enfim, até por influência do pensamento estrangeiro, diversos tri-
bunais regionais do trabalho já trataram de, igualmente, relativizar ou inverter o
“onus probandi” nos processos que versam danos morais. Poderiam fazê-lo?
Compreendamos melhor os pressupostos dessas teses.
3 Márcia de Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, São Paulo, LTr, 2003, pp.47-48.
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
No Brasil, o Código de Processo Civil de 2015, tal como já havia feito o código
de 1973 e, antes dele, o de 1939, assimilou a teoria rosenberg-chiovendiana de dis-
tribuição do ônus da prova, positivando duas regras estáticas de repartição (artigo
373). Mas, diferentemente dos diplomas anteriores, positivou hipóteses gerais de
relativização do paradigma rosenbergiano (à semelhança do que já fizera, décadas
antes, o Código Civil português, em seu artigo 344º), como se lê textualmente no
parágrafo 1º do mesmo preceito. In verbis:
O CPC/2015 não fez mais, neste particular, que trazer aos escaninhos da lei
processual geral algo que há muito já estava assimilado pelo direito processual
brasileiro. Com efeito, mesmo sob a égide do CPC/1973 − quando a única possibi-
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
lidade legal de inversão do ônus da prova era aquela da pactuação entre as partes
(artigo 333, par. único) e, ainda assim, se a convenção incidisse sobre direitos (rec-
tius: pretensões materiais ou “direitos prováveis”) de cárater disponível4 −, havia
hipóteses específicas de inversão ou exclusão do “onus probandi” positivadas na
legislação esparsa. Citem-se, como exemplos:
— a inversão do ônus da prova nas ações consumeristas, em favor do consu-
midor, e “a critério do juiz”, quando houver verossimilhança da alegação
e/ou hipossuficiência do autor, “segundo as regras ordinárias da experi-
ência” (permissão legal contida no artigo 6º, VIII, do CDC, já reportada
supra)5;
— a inversão do ônus da prova em matéria de publicidade, sendo certo que
“[o] ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunica-
ção publicitária cabe a quem as patrocina” (artigo 38 do CDC), em caráter
incondicional6;
— a inversão do ônus da prova, em favor do devedor, nas ações relativas a
estipulações usurárias e afins, ainda que não regidas pelo CDC, desde que
haja verossimilhança da alegação (MP n. 2.172-32, de 23.08.20117);
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
direitos, são celebradas para garantir, direta ou indiretamente, contratos civis de mútuo com estipu-
lações usurárias” (i.e., simulações maliciosas — art. 2º). E, em todos esses casos, dispõe que “[n] as
ações que visem à declaração de nulidade de estipulações com amparo no disposto nesta Medida Pro-
visória, incumbirá ao credor ou beneficiário do negócio o ônus de provar a regularidade jurídica
das correspondentes obrigações, sempre que demonstrada pelo prejudicado, ou pelas circunstâncias
do caso, a verossimilhança da alegação” (art. 3º — g.n.). A ementa da MP n. 2.172-32/2001, aliás, já
diz a que veio, nos planos material e processual: “Estabelece a nulidade das disposições contratuais
que menciona e inverte, nas hipóteses que prevê, o ônus da prova nas ações intentadas para sua
declaração” (g.n.).
8 In verbis: “O INSS terá até 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da solicitação, para fornecer
ao segurado as informações previstas no caput deste artigo”. O caput diz que “[o] INSS utilizará,
para fins de cálculo do salário-de-benefício, as informações constantes no Cadastro Nacional de
Informações Sociais - CNIS sobre as remunerações dos segurados”.
9 Com esse entendimento, cf. , por todos, Sandra Aparecida Sá dos Santos, A inversão do ônus da pro-
va como garantia constitucional do devido processo legal, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais,
2006, pp.97-98. In verbis: “Antes, o contribuinte era obrigado a apresentar a carteira de trabalho
para comprovar o tempo de serviço e a remuneração. Agora, é o INSS que deve fornecer as informa-
ções relativas ao tempo e ao valor da contribuição do segurado, constantes do Cadastro Nacional de
Informações Sociais (CNIS). [...] É evidente que ocorrerá a inversão do onus probandi na esfera ju-
risdicional havendo necessidade de propositura da ação, pelo contribuinte, visando ao recebimento
do benefício previdenciário, uma vez que cabe ao INSS fornecer ao segurado todas as informações
constantes do Cadastro Nacional das Informações Sociais, nos teros da mencionada lei” (g.n.). Como
se trata de uma interpretação derivada da inversão administrativa, esta hipótese é obviamente mais
polêmica. Assim, em sentido contrário, v. Xavier Leonardo, Imposição e inversão..., p.310: “Não se
trata, efetivamente, de uma regra de inversão do ônus da prova. Isto porque, em primeiro lugar, sua
aplicação limita-se ao procedimento administrativo voltado para o recebimento do salário-de-bene-
fício [rectius: do benefício]. Em segundo lugar, não se inverte um ônus de provar ao se estabelecer um
dever legal de prestação de informações, no caso, constantes do Cadastro Nacional de Informações
Sociais”. Mas a seguir concede: “A não apresentação dessas informações pelo INSS, porém, pode
ser utilizada como elemento de convicção do julgador ao apreciar uma demanda voltada para o
recebimento do benefício previdenciário”. De nossa parte, acompanhamos SÁ DOS SANTOS: se o
único objeto da prova, nos pedidos simples de aposentadoria, é o tempo de serviço ou contribuição
e o elenco histórico das contribuições — todas informações disponíveis no CNIS —, e se o INSS
é legalmente obrigado a apresentá-los no procedimento administrativo (não se exigindo, naquele
âmbito, qualquer atividade probatória anterior do segurado), não é lógico que, na demanda judi-
cial, essa vantagem seja perdida. O ônus da prova resta aprioristicamente invertido, até mesmo em
homenagem ao princípio da aptidão para a prova. Se, todavia, a prova documental carreada pela
autarquia infirmar a pretensão inicial, caberá ao autor a contraprova, seja ela documental (v., no
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Para mais, a par dessas possibilidades legais, tanto a jurisprudência cível como
sobretudo a trabalhista já eram ricas, antes mesmo do CPC/2015, em casuísticas
de inversão/exclusão do ônus da prova, ora “secundum legem”, ora “praeter legem”
ou até mesmo “contra legem”, pelos mais variegados motivos. Vejamos, para o caso
específico da jurisprudência trabalhista.
plano administrativo, o artigo 29-A, §2º, da Lei n. 8.213/1991), seja mesmo oral (v. artigo 55, §3º, da
Lei n. 8.213/1991). V. ainda, supra, o tópico 27.3.1, n. III (quanto à interpretação conforme do artigo
55, §3º, da Lei n. 8.213/1991).
10 In verbis: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter
com o exame”. V. a respeito G. G. Feliciano, Direito à prova..., passim.
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
11 O artigo 74, §2º, da CLT estatui que “[p]ara os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será
obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico,
conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação
do período de repouso”. Logo, por dever legal, o empregador com mais de dez empregados está
obrigado a manter controles de ponto, o que o torna muito mais apto para produzir essa prova em
juízo. “A contrario”, manter esse ônus com o empregado, por obediência cega à letra do artigo 818
da CLT, significaria “premiar” o empregador desidioso com suas responsabilidades administrati-
vas: desatendendo ao comando do artigo 74, §2º, da CLT, não geraria prova preconstituída; e, por
seu ilícito (sancionado com multa, ut artigo 75 da CLT), teria em juízo a vantagem de que a prova
da jornada alegada caberia, de regra, ao trabalhador-reclamante. Nada mais ignominioso.
12 A Lei n. 9029, de 13.04.1995, “[p]roíbe a exigência de atestado de gravides e esterilização e outras
praticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de traba-
lho, e dá outras providência”.
13 V., e.g., TST, AIRR n. 8925-84.2010.5.01.0000, 8ª T., rel. Min. MÁRCIO EURICO VITRAL AMA-
RO, j. 03.08.2011, in DEJT 05.08.2011. In verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA - EMPREGADA PORTADORA DO VÍRUS HIV. DISPENSA IMOTIVADA. REINTE-
GRAÇÃO. PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO . INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
Nega-se provimento ao Agravo de Instrumento que não logra desconstituir os fundamentos do despa-
cho que denegou seguimento ao Recurso de Revista. Agravo de Instrumento a que se nega provimen-
to” (g.n.). Ou,ainda, TST, RR n. 124400-43.2004.5.02.0074, 1ª T., rel. Des. JOSÉ PEDRO DE CA-
MARGO RODRIGUES DE SOUZA, j. 25.04.2012, in DEJT 11.05.2012. In verbis: “RECURSO DE
REVISTA - EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV - DISPENSA IMOTIVADA - PRESUNÇÃO
DE ATO DISCRIMINATÓRIO - DIREITO À REINTEGRAÇÃO. A jurisprudência desta Corte é
firme no sentido de que a dispensa imotivada de empregado soropositivo é presumidamente dis-
criminatória, salvo comprovação de que o ato decorreu de motivo diverso. Viabilizado o recurso
por divergência válida e específica, merece reforma a decisão do Regional, para que se restabeleça
a r. sentença que concedeu ao reclamante o direito à reintegração. Recurso de revista conhecido e
provido” (g.n.). Vale lembrar que, na estreita visão do artigo 818 da CLT, nada disso seria possível.
69
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Chega-se, por fim, à figura dos assédios, i.e., do assédio sexual e do assédio
moral. Embora a matéria ainda não esteja sumulada, a técnica da inversão do ônus
da prova tem sido frequentemente aplicada pelos tribunais regionais do trabalho.
Com efeito, em diversos julgados se tem admitido, à falta de prova da normalidade
da conduta, que o abuso foi perpetrado, mesmo à falta de testemunhas oculares.
Sobre essas nos debruçaremos, adiante, no tópico n. 4. Registre-se, porém, não
ser essa a jurisprudência dominante nos últimos anos, especialmente em alguns
tribunais regionais14.
14 Assim, p.ex.: “ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. Não res-
tando provado, por parte da reclamante, o alegado assédio moral, correta a sentença ao não deferir a
pleiteada indenização correspondente” (TRT 7ª Região, RO n.0001721-79.2010.5.07.0013, 2ª Turma,
rel. Paulo Régis Machado Botelho, in DEJT 14.11.2011). “INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
INEXISTÊNCIA DE PROVA. Não demonstrada pela prova dos autos o propalado assédio moral
perpetrado pela reclamada, o indeferimento do pedido de indenização por danos morais é medida
que se impõe. Recurso parcialmente provido” (TRT 7ª Região, RO n. 0000702-47.2010.5.07.0010, 2ª
Turma, rel. Maria Roseli Mendes Alencar, in DEJT 03.10.2011). “DANOS MORAIS. AUSÊNCIA
DE PROVA. O panorama instrutório se presta suficientemente para respaldar as lúcidas conclusões
da magistrada sentenciante quanto à ausência de elementos probatórios robustos da ofensa moral
alegada, em face mesmo da impossibilidade de se dar crédito aos depoimentos das testemunhas do
autor - sob suspeita de troca de favores e aliciamento - os quais, por outro lado, foram contrariados,
em seu conteúdo, pelas testemunhas conduzidas pela empresa que ressaltam o clima de tranquili-
dade e harmonia na agência gerenciada pela Sra. Rosângela, impondo-se, pois, a confirmação da
sentença vergastada, também neste tocante” (TRT 7ª Região, RO n. 0079900-91.2009.5.07.0003,1ª
Turma, rel. Rosa de Lourdes Azevedo Bringel, in DEJT 08.11.2011). “ASSÉDIO MORAL. ÔNUS DA
PROVA. Indevida indenização por danos morais quando não restou evidenciado o alegado assédio
moral, ônus que incumbia ao reclamante (artigo 818 da CLT c/c artigo 333, inciso I, do CPC). Não se
vislumbram nos autos quaisquer indícios de que tenha o autor tenha sofrido constrangimento em ra-
zão de receber salário inferior aos paradigmas indicados. Sentença que se mantém” (TRT 9ª Região,
RO n. 1558-2008-094-09-00.0, 4ª Turma, rel. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos, in DJe 14.05.2010 , p.
243). V. ainda, entre outros, TRT 9ª Reg., RO n. 00297-2006-673-09-00-7-ACO-34648-2007, 1ª
70
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
e que
T., rel. Des. UBIRAJARA CARLOS MENDES, in DJPR 23.11.2007; TRT 3ª Reg., RO n. 0001235-
68.2011.5.03.0014, 2ª T., rel. Des. JALES VALADÃO CARDOSO, in DEJT 02.02.2012.
15 Guilherme G. Feliciano, Por um processo realmente efetivo: Inflexões do “due process of law” na
tutela processual dos direitos humanos fundamentais, São Paulo, LTr, 2016. p.1355 e ss.
71
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
72
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
73
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
§1º, da Lei n. 8.036/1990 (equivalente a quarenta por cento dos depósitos corrigidos do FGTS, tal
como devidos da admissão à dispensa), com arrimo no artigo 10, I, do ADCT. Assim é que, p.ex., o
décimo terceiro e as férias proporcionais seguem sendo calculadas de acordo com a “maior remu-
neração que tenha percebido na mesma empresa”, o que inclui a integração de horas extraordinárias
e de outros títulos salariais habituais.
18 Cap. V do Título IV da CLT: “Da Rescisão”.
19 In verbis: “O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão de contrato de trabalho, firmado
por empregado com mais de 1(um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência
do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho” (g.n.). Trata-se, para
parte da doutrina, de formalidade “ad solemnitatem”, que condiciona a própria validade da resili-
ção por iniciativa do empregado com mais de um ano de casa.
74
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
20 E.g., inquéritos judiciais para apuração de falta grave (em face de empregados estáveis), ações de
consignação em pagamento, ações meramente declaratórias (ou de simples apreciação), ações pos-
sessórias, reconvenções etc.
21 Manoel Antonio Teixeira Filho, Curso..., v.II, pp.977-978 (g.n.). De se recordar, a propósito, que, ao
contrário do que pode sugerir o excerto, a “hipossuficiência” objeto do artigo 6º, VIII, do CDC não
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
é exatamente, para boa parte da jurisprudência nacional, a hipossuficiência econômica que decorre
do artigo 3º, caput, da CLT, mas sim uma hipossuficiência de ordem técnica (v., supra, nota n. 2322).
22 Cf. Mangoldt, Klein, Starck, Kommentar..., Band 1, pp.163-164 (“Gebot der Verfassungskonformi-
tät”).
23 Cf. Walter Berka, Lehrbuch Verfassungsrecht: Grundzüge des österreichischen Verfassungsrechts für
das juristische Studium, Wien, SpringerWienNewYork, 2005, pp.23-24.
24 Cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, t. II,
pp.232 e ss.
25 Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., pp.1151-1152.
76
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
et al., “um cânone interpretativo [que] ao mesmo tempo que valoriza o trabalho
legislativo, aproveitando ou conservando as leis, previne o surgimento de conflitos,
que se tornariam crescentemente perigosos caso os juízes, sem o devido cuidado, se
pusessem a invalidar os atos da legislatura”29.
Mas não é só. Para além de se escolher a interpretação que se compatibilize
com a Constituição (e não o contrário), intelecções mais recentes da «verfassun-
gskonforme Auslegung» sinalizam que, entre as várias interpretações constitu-
cionais de uma norma, há que se optar por aquela que mais agudamente se orienta
para a Constituição, ou que melhor corresponda ao seu programa normativo30. No
dizer de MENDES, vê-se no princípio um “mandato de otimização do querer [ob-
jetivo] constitucional”. E é esse o ponto fulcral, nomeadamente em sede de direitos
humanos fundamentais. Tendo em conta que a literalidade do artigo 344º do CC
não veda expressamente outras hipóteses de inversão do ônus da prova, extrair do
preceito a sua “ratio essendi” — como fez, e bem, LYNCE DE FARIA — para com
ela autorizar inversões pretorianas onde as mesmas razões de necessidade ou con-
veniência se ponham, com vista à consecução de decisões de mérito mais afinadas
com as possibilidades concretas das partes e a dignidade das pretensões mate-
riais envolvidas, é indubitavelmente um modo de otimizar o «due process of law»
(quanto à efetividade da jurisdição e ao mais amplo acesso à ordem jurídica justa);
e, por ele, os próprios direitos fundamentais “in tese” vindicados. Realiza-se, de
resto, o princípio da máxima efetividade (especialmente importante em contextos
de crise ou vulnerabilidade hipotética de direitos humanos fundamentais, como,
p.ex., nos supostos de assédio moral).
Nem por isso, porém, estava ferido de morte, no que tange à repartição do
ônus da prova, o disposto no artigo 333 do CPC/1973 (e tanto menos no artigo 373
a interpretação conforme, que valha a constitucionalidade do ato normativo, só poderá ser aquela
que assegure ao proprietário uma fruição econômica razoável do bem: “Eigentumsbeschränkenden
Regelungen ist in verfassungskonformer Auslegung zu unterstellen, dass sie unter einem Vorbehalt
des wirtschaftlich Zumutbaren stehen” (Berka, Lehrbuch..., p.24). V. Sammlung der Erkentnisse und
wichtigsten Beschlüsse des Verfassungsgerichtshofes n. 11.036/1986 e n. 14.489/1996 (respectiva-
mente)..
29 Gilmar Mendes et al., Curso..., p.119. Daí que a constitucionalidade se presume, enquanto a incons-
titucionalidade deve ser demonstrada “de modo cabal, irrecusável e incontroverso”.
30 Cf., por todos, Rui Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica
Editora, 1999, pp.290-291. V. também Gilmar Mendes, Curso...,p.120.
78
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
31 José Luis Ugarte Cataldo, El nuevo derecho del trabajo, Santiago de Chile, Editorial Universitaria,
2004, p.132 (g.n.). Não por outra razão, no Anteprojeto de Reforma do Processo do Trabalho brasi-
leiro, propusemos a positivação do princípio do ônus dinâmico da prova (artigo 762-C, §2º, V), que
se basearia “na melhor aptidão para a prova, nas constelações de indícios, na verossimilhança das
alegações ou na utilidade do processo, sem prejuízo de outros elementos que informem uma reparti-
ção fundamentada, exarada em decisão judicial que anteceda a fase instrutória e seja previamente
79
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
comunicada às partes do dissídio, prevenindo-se a surpresa” (§18). Cf. G. G. Feliciano et al., Fênix...,
pp.132 e 134.
32 Cf., e.g., Manoel Antonio Teixeira Filho, A Prova no Processo do Trabalho, 5ª ed., São Paulo,
LTr, 1991, p.84 (reportando-se a PORRAS LÓPEZ). V. também, do mesmo autor, Curso..., v. II,
p.977.
33 V., a respeito, Guilherme G. Feliciano, Por um processo..., §18º, n. III.
80
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
não ao processo civil ou laboral34). Daí se extrair que, não a produzindo injustifi-
cadamente, possa vir a suportar o ônus da prova quanto àqueles fatos: escandali-
za que, por descumprir o seu dever geral de cooperação processual, quando não
obrigações ou deveres materiais de documentação ou preconstituição, a pessoa
logre obter uma vantagem no processo. Um raciocínio jurídico que conduza a esse
resultado é, em si mesmo, antissistemático.
A rigor, mesmo a “objetividade abstrata” da teoria de ROSENBERG permitiu
soluções que não raro abrigam, a nosso sentir, pendores mais teleológicos do que
lógico-formais. Excelente exemplo está nas considerações do próprio ROSENBERG
quanto ao ônus da prova de uma “violação grave de deveres conjugais” nas ações
de divórcio (§43 do EheG): dever-se-ia esperar do cônjuge ofendido — o autor (e,
àquele tempo, geralmente o homem35) — não apenas a prova da prática faltosa do
“ex adverso”, senão também a prova da “ausência das circunstâncias que obstam a
que os eventos que fundam a demanda se apresentem como grave falta conjugal” (i.e.,
a inocorrência de legítima defesa ou de enfermidade mental, ou de qualquer outra
razão especial que justificasse, p.ex., a ausência de coabitação sexual, e que viesse a
ser alegada pela ré). Segundo ROSENBERG, essas circunstâncias não se ligariam a
normas impeditivas de direitos (como se dá, de regra, com a legítima defesa), mas
seriam apenas a concretização do conceito de “violação grave e culposa”, integrante
da “ facti species” da norma constitutiva. Provar a culpa do adversário, aqui, signi-
ficaria provar inclusive a inexistência de excludentes de culpa e/ou de ilicitude (o
que já não se admite nos tribunais de hoje). O mesmo se daria, outrossim, nas ações
judiciais para a privação da legítima: apontados, e.g., os maus tratos ao “de cuius”,
se o réu alegasse legítima defesa ou estado de necessidade ao tempo da agressão,
caberia à parte que quer ver o réu privado da legítima não apenas provar os maus
tratos, mas também a inocorrência da excludente; do contrário, os maus tratos não
se provariam “culposos” para os fins do § 2333, 2, do BGB36.
Ora, em ambos os casos, a repartição sugerida por ROSENBERG recrudes-
ce sobremodo a carga probatória daquele que, pretendendo alterar o “status quo”
81
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
37 Idem, pp.357-358.
82
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
pacífica e sem armas (artigos 45º da CRP e 5º, XVI, da CRFB) e a proibição de
associações armadas, paramilitares, racistas ou fascistas (artigo 46º, 4, da CRP e
artigo 5º, XVII, da CRFB), GOMES CANOTILHO38 reportou que
E, após uma série de considerações (que passa pela própria análise do ônus
da prova — na verdade, ônus da alegação e da demonstração, pois neste caso
não há matéria fática — decorrente da inversão ditada pela “presumption of
38 J. J. Gomes Canotilho, Estudos..., pp.169-175 (“O ónus da prova na jurisdição das liberdades: Para
uma teoria do direito constitucional à prova”).
83
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
E conclui:
84
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
42 Cf., e.g., Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, 3ª ed., São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p.31.
43 Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p.124.
44 Pela teoria dos poderes implícitos, para cada competência ou atribuição outorgada pela Consti-
tuição estão implicitamente outorgados amplos poderes para a respectiva execução, desde que
não expressamente limitados. Surge na jurisprudência da U.S. Supreme Court, quando aos po-
deres do Congresso, e daí se espraia para o mundo. Foi já evocada pelo STF em algumas ocasiões
(recentemente, v. STF, HC 107644/SP, 1ª T., rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j.
06.09.2011: reconheceu-se ao delegado de polícia, por lhe competirem as funções
constitucionais de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, ut artigo 144,
§4º, da CRFB, o poder implícito de conduzir coercitivamente o suspeito para prestar
esclarecimentos, se ele a isso resistir, ainda que inocorrente qualquer hipótese legal
de prisão). Confira-se, de resto, o §33º, infra.
86
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
45 “Residual”, aqui, como adjetivo concernente a fundo, raiz ou âmago (v. iDicionário Aulete, verbete
“resíduo”, in http://aulete.uol.com.br — acesso em 15.07.2012), e não como “resto”, “escória”
ou “sobra”. O modelo rosenberg-chiovendiano segue sendo o modelo de fundo, a
que retrocedem todos os casos que não desafiem a distribuição dinâmica do ônus
probatório.
46 Além das razões já alinhavadas, quanto à sua fixidez ancilosadora, pode-se acrescentar, com MÚ-
RIAS (especialmente para o caso português): a “Normentheorie” é estéril no plano legislativo (não
consegue assegurar a estabilidade afiançada e pressupõe um legislador disposto a enunciar a lei
segundo os seus esquemas linguísticos, o que é por tudo duvidoso), torna-se inutilizável sempre
que o aplicador do direito não possa reconduzir o seu juízo a um texto legal ou equiparável (assim,
e.g., se decidir por princípios jurídicos implícitos, por cláusulas gerais ou por conceitos jurídicos
indeterminados), é limitada — quando não contrariada — pelos próprios limites do instituto do
ônus da prova e, por fim, o seu “ funcionamento [...] em casos de «normas autônomas incompatíveis»
implica uma atenção incompleta à avaliação substantiva dos problemas” (Múrias, Por uma distri-
buição..., pp. 87-92, 131-143 e 160). No mesmo diapasão, MICHELI obtempera que não se podem
reger pela mecânica da repartição estática do ônus probatório, ainda quando haja matéria de fato,
os julgamentos que se façam por princípios gerais de direito, pela aplicação de princípios do direito
87
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
comparado ou pela própria aplicação do costume. Cf. Gian Antonio Micheli, “Teoria geral da pro-
va”, in Revista de Processo, trad. Arruda Alvim, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul./set. 1976, n.
03, pp.161-168; e ainda, do mesmo autor, L’onere della prova , Padova, Cedam, 1942, passim.
47 Por uma distribuição..., pp.156-157. Como esplendidamente evidenciou, “[n]uma área em que os «fac-
tos» relevantes não se encontram previstos na lei, a «teoria» redunda em pura arbitrariedade e fonte de
desequilíbrio entre as partes, pela unilateralidade da «distribuição»” (p.157); e, por conta disso — em-
bora sem caminhar adiante na investigação de quais poderiam ser os critérios materiais que funda-
riam com maior especificidade a distribuição do ônus probatório —, sinaliza claramente a sua opção
por um recuo nas “grandes narrativas”, de que são espécies as teorias generalizantes. Percebe-se isso
no elogio que faz a WAHRENDORF, a quem creditou“o grande mérito de querer fundamenta o ónus
da profa por institutos, e não, de uma vez só, para a totalidade do sistema” (g.n.).
48 Michele Taruffo, “Presunzioni, inversioni, prova del fatto”, in Rivista Trimestrale di Diritto e Pro-
cedura Civile, Milano, Giuffrè, 1992, v. 46, n. 3, pp. 755-756. Para TARUFFO, o risco de arbítrio
e manipulação, quando a repartição do ônus da prova é feita pelo juiz, “caso por caso e ex post”,
seria incontornável e insuportável. Considerando-se, porém, o que registramos na nota n. 2396,
concluir-se-á que, em um ambiente de renascimento da jurisprudência dos valores pela matriz
do “pós-positivistismo”, esse risco já existe, mantenha-se ou não a fé nas virtudes do regramento
geral e abstrato daquela repartição. Cada vez mais se julga com base em princípios, em ensejos
que dificilmente poderiam ser reduzidos ao modelo rosenberguiano ou a qualquer outro modelo
estático-formal. Melhor será, portanto, desenvolver conceitos, discursos e rotinas que permitam a
controlabilidade das decisões judiciais nesse novo ambiente. É o que propomos.
49 Giovanni Verde, “L’inversione degli oneri probatori nel processo”, in Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, Milano, Giuffrè, 1992, v. 46, n. 3, p.720 (menos incisivamente).
88
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
50 V., por todos, Elena Maria Catalano, “Prova indiziaria, probabilistic evidence e modelli matematici
di valutazione”, in Rivista di Diritto Processuale Civile, Padova, CEDAM, 1996, v. 51, n. 2, pp.519
e ss.; Xavier Leonardo, Imposição e inversão..., pp.194 e ss. (citando PATTI, TARUFFO e a pró-
pria CATALANO). Das tecnologias que menciona, porém, algumas há que devem ser desde logo
descartadas ou mitigadas. Assim, e.g., a tecnologia da probabilidade quantitativa, de origem es-
tadunidense, que pretende ser um método de racionalização e quantificação matemática do nível
de pertinência entre a prova produzida e os fatos alegado, expresso pelo chamado «teorema de
Bayes»: P(X/E) = P (E /X). P(X)/P(E), onde “X” e “E” são os eventos que se quer relacionar, “P(X/E)”
é a probabilidade de um evento “X” dado um evento “E” e “P(E/X)” é a frequência estatística com
a qual, dado “X”, verifica-se “E”. Poder-se-ia eventualmente aplicar essa tecnologia, no processo
civil, para inverter o ônus da prova, mas jamais para excluí-lo absolutamente, porque desumaniza
a justiça (Xavier Leonardo, Imposição e inversão..., p.198). Na prática, a tecnologia da probabilidade
quantitativa já fundamentou condenações criminais perante cortes norte-americanas, como na
corte de Los Angeles, com o célebre caso COLLINS (em que se admitiu como prova cálculos es-
tatísticos que indicavam haver uma única possibilidade, sobre doze milhões, de que em um casal
diferente dos COLLINS, mas com as mesmas características físicas narradas pela vítima — jovem
branca, loira de cabelos presos em rabo de cavalo, com jovem negro e barbado em automóvel ama-
relo —, houvesse praticado o assalto). Outro modelo bem similar, mas sem a pretensão de apuro
matemático, é a tecnologia da probabilidade lógica (dita “baconiana”), muito utilizada nos siste-
mas de «common law»: a partir de um procedimento de sucessivas tentativas lógico-argumentati-
vas de destruição lógica da relação entre a prova produzida e a alegação (= “method of eliminative
reasoning”), obter-se-ia solidez quanto à verdade dos fatos no processo; mas, ao invés de dados esta-
tísticos, utilizar-se-iam, para aquela redução, as máximas de experiência e as presunções “hominis.
No fim, essa teoria acaba desafiando os mesmos defeitos da anterior: deformação da lógica jurídica
e desumanização das decisões judiciais.
51 V., mais uma vez, Guilherme G. Feliciano, Por um processo..., passim.
89
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
52 V. Julio Cesar Machado, Jr., O ônus da prova no processo do trabalho, 3ª ed., São Paulo, LTr, 2001,
p.145.
90
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
53 “A prima-facie case is a lawsuit that alleges facts adequate to prove the underlying conduct suppor-
ting the cause of action and thereby prevail. Below’s an example dealing with employment discrimi-
nation claims. […] A plaintiff can establish a prima facie case of race discrimination under Title VII
by establishing that (1) he or she belongs to a racial minority; (2) he or she applied and was qualified
for a job for which the employer was seeking applicants; (3) he or she was rejected for the position
despite his or her qualifications; and (4) the position remained open after his or her rejection and the
91
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
jurisprudência que, uma vez verificadas no caso concreto, bastam para a satisfa-
ção do ônus probatório da parte, por mera verossimilhança (= plausibilidade, cre-
dibilidade, atributo do que parece ser verdadeiro ou tem condições de realmente
ter acontecido) da alegação. Diante da hipótese-tipo (prima facie case), incumbirá
à parte contrária provar que aquele fato presuntivo não se verificou.
Com efeito, é esse o modelo de repartição que a jurisprudência norte-ame-
ricana tem aplicado aos casos de alegadas práticas discriminatórias no emprego,
na esteira do célebre McDonnel Douglas Corporation v. Green (411 U.S. 792)54,
precedente que remonta ao ano 1973. Não há, portanto, regulação legal. Por aquele
employer continued to seek applications from other people with similar qualifications to the plaintiff.
McDonnell Douglas v. Green, 411 U.S. 792, 802 (1973). In Texas Dept. of Community Affairs v. Burdi-
ne, 450 U.S. 248, 253 (1981), the Supreme Court stated that”[t]he burden of establishing a prima facie
case of disparate treatment is not onerous.” […] After the plaintiff has established a prima facie case,
the burden of production shifts to the employer to articulate a legitimate, non-discriminatory
reason for the plaintiff’s rejection” (The ‘Letric Law Library, disponível em http://www.lectlaw.
com/def2/p078.htm, acesso em 2.10.2016 - g.n.).
54 McDONNELL DOUGLAS, empresa do segmento aeroespacial sediada em St. Louis at the time
of the lawsuit, but has since been acquired by Boeing . Percy Green was a black me-
chanic and laboratory technician laid off by McDonnell Douglas in 1964 during
a reduction in force at the company.Louis e adquirida pela BOEING, demitira em 1964 o
mecânico e técnico de laboratório PERCY GREEN, homem negro, durante um episódio de corte de
pessoal. GREEN, ativista de movimentos de direitos civis, entendeu-se discriminado por sua cor e,
juntamente com outros trabalhadores descontentes, iniciou uma série de protestos e bloqueios em
detrimento da empresa. Ulteriormente aos incidentes, qualificado para uma vaga de mecânico que
se abrira na McDONNEL DOUGLAS, GREEN não foi admitido, agora com o argumento de que
havia participado dos protestos anteriores e causado prejuízos à empresa. GREEN levou o caso à
EEOC e à corte distrital, de cuja decisão recorreu para a U.S. Court of Appeals for the Eighth Circuit
e, finalmente, para a U.S. Supreme Court, onde obteve ganho de causa por nove votos a zero. Em
sua decisão, a U.S. Supreme Court registrou: “1. A complainant’s right to bring suit under the Civil
Rights Act of 1964 is not confined to charges as to which the EEOC has made a reasonable-cause
finding, and the District Court’s error in holding to the contrary was not harmless since the issues
raised with respect to 703 (a) (1) were not identical to those with respect to 704 (a) and the dismissal of
the former charge may have prejudiced respondent’s efforts at trial. 2. In a private, non-class-action
complaint under Title VII charging racial employment discrimination, a private, non-class-action
complaint under Title VII charging racial employment discrimination, the complainant has the
burden of establishing a prima facie case, which he can satisfy by showing that (i) he belongs to a
racial minority; (ii) he applied a and was qualified for a job the employer was trying to fill; (iii)
though qualified, he was rejected; and (iv) thereafter the employer continued to seek applicants
with complainant’s qualifications” (g.n.). Na espécie, eram todos fatos desde logo incontroversos,
o que tornava as alegações de GREEN verossímeis “ab ovo”.
92
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
precedente, desde que sejam verossímeis as alegações do autor (pelo seu pertenci-
mento a uma minoria racial, pela sua qualificação para o posto e pelo fato de que o
posto foi depois ocupado por indivíduo com qualificações similares55 – vide nota
n. 52), pode-se reconhecer um “prima facie case”, incumbindo ao réu a prova de
que as condutas e procedimentos corporativos pautaram-se por critérios objetivos
e legítimos56.
Em sentido similar, invertendo o “onus probandi” quando das alegações do
autor se deduza a existência de “indicios fundados de discriminación” — seja em
razão da raça, da etnia, da religião, das convicções, da deficiência, da idade ou da
orientação sexual —, vejam-se, na Espanha, os artigos 32 e 36 da Ley n. 62/2003,
de 30 de dezembro (para o processo judicial civil e contencioso-administrativo).
Ou, mais extensivamente (para todo o contexto europeu), a Diretiva n. 97/80/CE,
de 15 de dezembro (sobre o ônus da prova em casos de discriminação por motivo
de sexo), no seu artigo 4º; a Diretiva n. 2000/78/CE, de 27 de novembro (sobre
igualdade de tratamento no emprego e na ocupação), no seu artigo 10; a Diretiva
n. 97/80/CE, de 15 de dezembro (sobre o ônus da prova em casos de discriminação
por motivo de sexo), no seu artigo 4º; e a Diretiva n. 2000/43, de 29 de junho (sobre
a aplicação do princípio da igualdade de trato das pessoas independentemente de
sua origem racial ou étnica), em seu artigo 8º. Em todos esses casos, bastará, para
a inversão do ônus da prova − que deve ser transposta para a ordem legislativa dos
Estados-membros −, a mera alegação (ou apresentação) de fatos que permitam
presumir a existência de discriminação direta ou indireta. Na dicção de ORMA-
ZABAL SÁNCHEZ57,
55 Aspectos que ora exsurgirão desde logo incontroversos, ora demandarão alguma prova. Em de-
mandando provas, estaremos mais próximos da tecnologia das constelações de indícios, senão das
próprias presunções judiciais (em se identificando, num bem definido fato a provar, a figura de um
fato-base presuntivo).
56 George Rutherglen, Employment Discrimination Law: visions of equality in theory and doctrine ,
New York, Foundation Press, 2007, pp.35-54.
57 Guillermo Ormazabal Sánchez, Carga de la prueba y sociedad de riesgo, Madrid, Marcial Pons,
2004, pp.134-135. No entanto, o autor compreende que “el término ‘presumir’ o ‘presunción’ se en-
tende como equivalente a indicio o elemento que, sin probar ni permitir deducir logicamente e lacto
discriminatório correspondiente, sugere certa verosimilitud o probabilidade en su comisión. La apor-
tación de dichos indícios provocaria la inversión de la carga de la prueba [...]”. A ser assim, se é ônus
do autor subministrar a prova preliminar de fatos indiciários (e não apenas alegar de modo verossí-
93
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
A rigor, em todos esses casos, o que se dá é uma pura inflexão formal do en-
cargo probatório em favor da parte que noticia, de modo verossímil, a lesão a um
seu direito humano fundamental (notadamente o direito à isonomia formal e ao
tratamento não-discriminatório).
E no caso brasileiro?
A tecnologia da Ancheinsbeweis, que, como visto, usualmente tem em mira
situações de aguda assimetria na comunidade processual e/ou pretensões mate-
riais especialmente protegidas, foi positivada no Brasil pelo já referido artigo 6º,
VIII, do CDC (“... quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação...”), podendo
decerto ser aplicada em outras espécies litigiosas, notadamente na Justiça do Tra-
balho (por força do próprio artigo 769/CLT, já que o processo civil consumerista
também pode ser considerado “processo comum” para aquele efeito58).
mil, a partir do que é “ab ovo” incontroverso), parece-nos que estaríamos no âmbito da constelação
de indícios, não na Ancheinsbeweis. E não é como entendemos esta hipótese, com todas as vênias.
58 Não por outra razão, aliás, antes do CC/2002 – ou mesmo depois −, diversos julgados evocavam
o artigo 28 do CDC para fundamentar, nas execuções trabalhistas, a desconsideração da
personalidade jurídica do empregador. V., por todos: “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALI-
DADE JURÍDICA. PENHORA SOBRE BEM DO SÓCIO. A desconsideração da personalidade
jurídica, ‘disregard of legal entity doctrine’, oriunda do sistema de ‘common law’, consiste na cons-
trição de bens particulares dos sócios e ex-sócios da pessoa jurídica, sempre que frustrada a execução
direta nos bens dessa. No ordenamento jurídico nacional vigente, encontra guarida nos artigos 28
do Código de Defesa do Consumidor e 50 do Código Civil, de aplicação subsidiária ao Processo
do Trabalho. Proposta a reclamatória trabalhista em face do empregador e das empresas integrantes
do grupo econômico, somente os sócios que se retiraram há mais de dois anos desde o ajuizamento da
ação (arts. 1003, parágrafo único, e 1032 do CCB) é que não poderão ter seus bens pessoais atingidos
94
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
E, da jurisprudência originária:
95
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
60 Trata-se de um dos arestos regionais precursores, no Brasil, desta tese e matéria. Hoje, quase vinte
anos depois, já é jurisprudência praticamente consolidada no Tribunal Superior do Trabalho, como
visto.
61 V., por todos, Firmino Alves Lima, Teoria da discriminação nas relações de trabalho, São Paulo,
Elsevier, 2011, passim.
62 V., e.g., Meritor Savings Bank v. Vinson (1986), o mundialmente famoso Clinton v. Jones (1997) e
ainda Oncale v. Sundowner Offshore Services, Inc. (1998). O primeiro tratou de ação judicial
movida por Mechelle Vinson em face do Meritor Savings Bank, sob as alegações de que sofria de
assédio sexual no trabalho e de que o Civil Right Act proibia quaisquer hipóteses de discriminação
no ambiente de trabalho; já perante a U.S. Supreme Court, afirmou-se o entendimento – a favor da
autora – de que a interpretação da Civil Right Act deveria ser ampla, abarcando todas as formas de
discriminação direta e indireta (disparate treatment) no ambiente de trabalho, inclusive os assé-
dios. Já o último pacificou, também na U.S. Supreme Court, a compreensão de que a Civil Right Act
também protege os trabalhadores contra assédio sexual praticado por pessoas do mesmo sexo.
63 Nada mudou a respeito, ademais, com a edição do Civil Right Act de 1991, sob George W. Bush, nem
tampouco com o Lily Ledbetter Fair Pay Act, de 2009.
96
ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Por fim, cabe falar da tecnologia que melhor se aplica às hipóteses de assédios
morais e sexuais nas relações de trabalho: a das constelações de indícios. Baseia-se
na ideia de que um conjunto coerente de fatos laterais tendentes ao fato principal
(objeto da prova) satisfaz o respectivo “onus probandi”64 e permite atribuir à con-
traparte processual o ônus de provar a inocorrência do fato principal ou a impres-
tabilidade dos indícios para a inversão no caso concreto.
É essa a tecnologia por detrás da O.J. SDI-1/TST n. 233 (extensão presuntiva
da jornada alegada), na medida em que o “convencimento” do julgador, quanto à
extensão da jornada, evidentemente derivará do conjunto coerente de fatos late-
rais indiciários (p.ex., mesmos superiores hierárquicos, mesma unidade, mesmo
“modus operandi” etc.). In verbis:
64 Note-se que, conquanto sejam ideias próximas (v. Leonardo Xavier, Imposição e inversão..., pp.205-
206), as constelações de indícios não se confundem com as presunções “hominis” (ou judiciais), em
ao menos dois aspectos: (1) enquanto as presunções em geral pressupõem um fato-base mais ou
menos delimitado ou preconcebido, as constelações de indícios refletem uma multiplicidade de
fatos laterais — amiúde ainda mais laterais que um fato-base presuntivo —, aferíveis quase que in-
teiramente “ex post”, desde que coerentes e convergentes; e (2) as presunções judiciais têm regulação
legal em algumas ordens jurídicas (e.g., artigo 351º do CC português), o que é bem mais incomum
em se tratando de constelações de indícios (o que “a priori” confere ao aplicador do direito uma
maior liberdade de utilização, desde que não se queira aplicar à espécie algum argumento de tipo
“ex minorem, ad maiorem”).
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
65 Em Xavier Leonardo, Imposição e inversão..., p.206, aparece equivocamente grafada como “Lei Ita-
liana nº 5” (na verdade, 125).
66 No original: “5. Quando il ricorrente fornisce elementi di fatto desunti anche da dati di carattere
statistico relativi alle assunzioni, ai regimi retributivi, all`assegnazione di mansioni e qualifiche, ai
trasferimenti, alla progressione in carriera ed ai licenziamenti - idonei a fondare, in termini precisi
e concordanti, la presunzione dell`esistenza di atti o comportamenti discriminatori in ragione del
sesso, spetta al convenuto l`onere della prova sulla insussistenza della discriminazione”.
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Não há, como se vê, qualquer distinção, para esse efeito, entre os assédios
(harcèlements) sexual e moral. Daí que, nas palavras de BOURKHRIS67,
67 Isabelle Bourkhris, cit.. No mesmo sentido, v. Anne Orsay, “La notion de harcèlement moral trois
ans apres l’adoption de la loi du 17 janvier 2002”, in Le village de la justice, 2004, disponível em
http://www.village-justice.com/articles/harcelement,71 (acesso em 15.07.2012)
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Deduz-se, pois, haver uma inversão do ônus probatório quanto ao fato prin-
cipal (o assédio); mas, para tanto, o autor deverá fazer alguma prova: provará
“elementos de fato que deixem [permitam] supor a existência de um assédio” (=
constelação de indícios). Ou, na dicção do Conseil Constitutionnel (examinando
preventivamente este exato preceito),
68 Orsay, cit.
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Logo adiante (n. 3), o Código lusitano especifica o assédio sexual (“comporta-
mento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o
objectivo ou o efeito referidos no número anterior”), sem o elemento subjetivo do
injusto que o qualificaria no sistema penal brasileiro (= intuito de obter favor sexu-
al, ut artigo 216-A do CP); e, para mais, equipara os assédios à discriminação para
certos efeitos (artigo 29º, 3), seguindo de perto o pensamento norte-americano.
Daí que, no modelo português, alegada e fundamentada a circunstância de
assédio baseado em fator de discriminação, pode-se bem concluir pela incumbên-
cia do empregador quanto ao ônus de provar que não há tratamento diferenciado,
nos termos do artigo 25º, 5 e 6. Aproximar-nos-íamos, também aqui, da figura dos
“prima facie cases”, estudados no tópico anterior. No entanto, é certo que esse qua-
dro hermenêutico parecia mais claro na redação do anterior Código do Trabalho
português (Lei n. 99/2002), à luz dos artigos 24º e 23º, 3.
69 Julie Bourgault, “Le harcèlement moral en France: un concept juridique subjectif-objectif ?”, Regards
croisés sur les politiques publiques visant à contrer la violence au travail, in Santé, société et solidari-
té, Québéc, Observatoire franco-québécois de la santé et de la solidarité, 2006, n. 2, p.113.
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
70 María Dolores Rubio de Medina, Extinción del contrato laboral por acoso moral – mobbing, Barce-
lona, Bosch, 2002, p.45.
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Por fim, no Brasil, observa-se idêntica tendência – ainda que atualmente mi-
noritária −, na jurisprudência e na própria legislação.
No âmbito dos tribunais, merecem especial destaque os julgados do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região que inverteram o ônus da prova em casos de
assédio moral e sexual, não raro para resguardar a própria utilidade do processo.
Leiam-se, por todas, duas paradigmáticas decisões (uma das quais nos honrou
com extensa citação):
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
71 Decisão que, a propósito, foi mantida pelo Tribunal Superior do Trabalho (conquanto por razões
basicamente formais, na linha da Súmula n. 126 do TST). V. TST, AIRR n. 192/2006-056-03-40.0,
3ª T., rel. Min. ALBERTO BRESCIANI, j. 21.3.2007. In verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. DANO MORAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIO-
NAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS DE PROVAS. Traduz-se o
requisito do prequestionamento, para fins de admissibilidade do recurso de revista, pela emissão de
tese expressa, por parte do órgão julgador, em torno dos temas destacados pela parte, em suas razões
de insurreição. Por outra face, a moldura fática da questão repele o conhecimento do recurso de
revista. Esta é a inteligência da Súmula 126 do TST. Deixando a parte de fazer patentes as situações
descritas nas alíneas do art. 896 consolidado, correto o despacho que nega curso à revista. Agravo
de instrumento conhecido e desprovido”. O recorrente apontava justamente violações dos artigos
818/CLT e 333, I, CPC/1973 (além do próprio artigo 216-A/CP). No seu voto, porém, o relator re-
gistrou que, “além de alicerçada na denominada ‘máxima de experiência’ (CPC, art. 335), a decisão
recorrida está calcada, ainda, na prova testemunhal, realidade que torna patente a inespecificidade
dos paradigmas indicados para o confronto de teses”, admitindo, implicitamente, que as máximas
de experiência possam ser utiliziadas para a inversão do ônus da prova em supostos de assédio,
mercê das contestações de indício (ainda que não se tenha sufragado explicitamente a tese). Com o
advento do artgo 373, §1º, do CPC/2015, essa possibilidade nos parece ainda mais palmar.
107
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Para mais, especificamente quanto ao assédio moral, tramita pela Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei n. 2.369/2003, de autoria do Deputado VICENTINHO
(PT/SP), que “[d]ispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho”. A ser apro-
vado, nos termos do seu artigo 7º (acrescido pela Emenda Aditiva n. 02), será regra
processual, no Brasil, a de que
“[o] juiz pode determinar a inversão do ônus da prova, caso seja veros-
símil a alegação de assédio moral” (g.n.)
Pelo teor literal do texto, estaríamos outra vez mais próximos da Ancheins-
beweis do que, propriamente, das constelações de indícios (que efetivamente exi-
gem algum fato concreto, específico para o caso, já provado ou incontroverso).
Seja como for, porém, não destoa de todo o conjunto apresentado acima. Estamos
diante de uma indelével tendência de relativização do ônus da prova em supostos
de assédio moral e sexual. Tendência que, no Judiciário ou no Legislativo, promis-
sora e paulatinamente se densifica.
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ASSÉDIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo quanto apresentado, podemos então concluir, para o caso brasileiro, que,
a uma, as regras do artigo 373 do CPC/2015 e do artigo 818 da CLT não normas
preceptivas “a priori” (FERRAZ JR.72), mas não são normas estritamente proibiti-
vas (tanto que admitem convenções processuais em contrário), pois sua “ratio es-
sendi” e força de incidência não as classifica entre as normas constitucionalmente
imperativas, ligadas à Wesenskern do devido processo formal73.
A duas, concluiremos que, em casos especiais o juiz pode — desde que o faça
fundamentadamente e sob contraditório (atual ou diferido) — esquivar-se do mo-
delo estático rosenberg-chiovendiano (artigo 373/CPC), para modular, mitigar,
redistribuindo ou mesmo excluir o ônus da prova, para além da “ditadura do
alegado” e da “Normentheorie”, e não apenas com base em presunções (artigos 374,
IV, e 375 do CPC/2015, Súmula 16 do TST etc.), mas também com base em tec-
nologias específicas reconhecidas pela “communis opinio doctorum” (e.g., aptidão
para a prova, constelação de indícios, «Anscheinsbeweis» etc.).
A três, por fim, concluiremos que, dentre esses “casos especiais”, a classe mais
evidente é a dos que reclamam inflexões do modelo abstrato de repartição do ônus
da prova para o fim de prestigiar pretensões materiais ligadas a direitos humanos
fundamentais (individuais ou sociais), sendo essa jusfundamentalidade o “leit mo-
tiv” de grande parte das inflexões hoje consagradas na jurisprudência brasileira.
É o que já se verifica, em diversos julgados, nos dissídios que envolvem alegações
de assédio laboral (moral ou sexual), notadamente por meio da tecnologia das
constelações de indícios (mas com abertura para, nos casos de assédio tipicamente
discriminatório, recorrer-se também à tecnologia da Ancheinsbeweis).
E assim há de ser doravante, com progressiva sistematicidade, desde que se
reconheça que, na imensa maioria dos casos, exigir do assediado a prova cabal do
assédio corresponderá a, na prática, invocar o devido processo legal formal para
fulminar os prováveis direitos subjetivos subjacentes à alegada agressão. Afinal,
109
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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112
DEPENDÊNCIA E SUPEREXPLORAÇÃO
NO TRABALHO BANCÁRIO BRASILEIRO:
UMA APROXIMAÇÃO EMPÍRICA
I. Introdução
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestranda em Direito pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestranda em Tecnologia pela Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: caramuru.ga@gmail.com.
2 Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Pesquisador Jurídico.
E-mail: guilherme.uchimura@hotmail.com.
3 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-graduado em Direito Pro-
cessual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e Mestre em Direito pela
mesma Instituição. Professor de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho no Cen-
tro Universitário UniBrasil. E-mail: ricardo@declatra.adv.br.
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DEPENDÊNCIA E SUPEREXPLORAÇÃO NO TRABALHO BANCÁRIO BRASILEIRO: UMA APROXIMAÇÃO EMPÍRICA
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DEPENDÊNCIA E SUPEREXPLORAÇÃO NO TRABALHO BANCÁRIO BRASILEIRO: UMA APROXIMAÇÃO EMPÍRICA
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
po, com mortes por exaustão, a reduzida expectativa de vida dos trabalhadores
da América Latina em relação aos do capitalismo central e os adoecimentos de-
correntes do trabalho, que intensificam tanto o desgaste físico quanto o desgaste
psicológico dos trabalhadores, se concentram sobretudo em países periféricos.
Exemplo desta prática é a reterritorialização de departamentos responsáveis pelo
telemarketing, pertencentes a empresas multinacionais, que repassam aos países
periféricos trabalhos notoriamente precários.
Além do aumento da intensidade, a superexploração do trabalho é identifica-
da pelo aumento da jornada de trabalho. Constata-se que, na América Latina, as
regulações de jornadas de trabalho apresentam limites legais com mais horas de
trabalho e férias reduzidas em relação aos países centrais, isso ainda sem conside-
rar as violações aos limites legais praticadas corriqueiramente pelos capitalistas.
Isso se verifica ao compararmos a jornada de trabalho legal dos países da América
Latina à dos países centrais. Na França, por exemplo, a jornada legal é de 35 horas
semanais. Em outros países, como Áustria, Canadá, Holanda, Itália, Nova Zelân-
dia e Portugal, a jornada de trabalho é regulada em 40 horas semanais. No Chile
(45 horas semanais) e no Brasil (44 horas semanais), as jornadas são ampliadas. Os
trabalhadores trabalham em média 4 horas a mais por semana, somando 16 horas
de trabalho a mais no mês. (DIEESE, 2010).
Já no que se refere ao terceiro mecanismo de superexploração, os baixos salá-
rios e menor poder de consumo dos trabalhadores latino-americanos e brasileiros
se consolidam na reprodução atrofiada da força de trabalho. Os elementos da su-
perexploração do trabalho estão presentes estruturalmente no contexto brasileiro.
A superexploração tem nuances ainda mais assombrosas para majorar o tra-
balho excedente e a formação de mais-valor, como é o caso do trabalho infantil,
do trabalho em condições análogas à de escravo (que em realidade é trabalho assa-
lariado próprio do capitalismo e da extração do mais-valor absoluto com redução
de custos) e o trabalho feminino precarizado.
O padrão de reprodução dependente, que compensa a transferência de capital
com a superexploração do trabalho, encerra o ciclo de subordinação na medida
em que promove um divórcio entre a produção e o consumo nos países da Amé-
rica Latina (MARINI, 2011).
Os baixos salários, decorrentes do pagamento da força de trabalho abaixo do
valor da reprodução, encerram um mercado interno fragilizado nos países depen-
dentes. Sendo assim, a realização das mercadorias produzidas na América Lati-
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DEPENDÊNCIA E SUPEREXPLORAÇÃO NO TRABALHO BANCÁRIO BRASILEIRO: UMA APROXIMAÇÃO EMPÍRICA
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IV. Conclusão
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DEPENDÊNCIA E SUPEREXPLORAÇÃO NO TRABALHO BANCÁRIO BRASILEIRO: UMA APROXIMAÇÃO EMPÍRICA
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125
Presenteísmo: suas causas, formas
e consequências no mundo do
trabalho
Margarida Barreto1
Roberto Heloani2
Luiz Salvador3
127
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
128
Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
Pesquisa realizada em doze países mostra que 38% dos trabalhadores entre-
vistados tinham medo de tirar férias. E por quê? A maioria dos participantes desse
“survey” afirmou ter medo que decisões importantes para suas carreiras pudes-
sem ser tomadas durante seu período de descanso. Como se não bastasse, 3% evi-
tava o merecido e sagrado repouso por medo que seus colegas não se lembrassem
deles...
Não estamos nos referindo a um aspecto trivial, e até saudável, como, por
exemplo, o trabalhador do setor administrativo que prolonga, voluntariamente, o
seu dia para dedicar-se a outros afazeres que, muitas vezes, não possuem relação
direta com o seu trabalho. Por exemplo: uma escapada para verificar seus e-mails,
pesquisar algum tema na internet, telefonar para um amigo ou para a família. Às
vezes, simplesmente, ler um jornal em um local que lhe dê conforto e lhe inspire
confiança. Não nos referimos a isso.
Estamos sinalizando para um fenômeno que faz com que “aquele que vive do
seu trabalho” prolongue a sua jornada laboral involuntariamente, não por gosto
ou deleite, mas por temor ou medo difuso que o faz permanecer na empresa para
além do estipulado, avançando na madrugada, sem dever legal ou moral- mesmo
que doente ou prestes a se tornar. Como se diz coloquialmente: “com o atestado
no bolso”. Trabalhadores que estão tomados pelo medo de uma transferência, de
perder o seu posto, de ter esvaziado suas funções, de ser fritado ou colocado na
geladeira!
Hoje, muitos trabalhadores têm seus e-mails controlados, têm chips em seus
celulares, capazes de dizer se estão parados ou em movimento e até mesmo com
potencial para localizar a sua posição dentro ou fora da empresa. Nestes tempos
de crise e de incertezas, a presença de pessoas adoecidas trabalhando, é alarmante.
No presenteísmo, os trabalhadores comparecem e estão firmes durante toda a jor-
nada ou mais, constituindo o que se conhece como Síndrome da Cadeira Ocupada
ou do Assento Quente.
O fator gerador do presenteísmo é uma organização que pune quando se tem
mais de três faltas, quando se procura ao médico, quando se retorna da licença da
previdência. Por trás do controle, há uma organização que exige; que pressiona
por metas, que impõe múltiplas tarefas, que captura as emoções e subjetividades;
que não reconhece o saber fazer dos trabalhadores. Igualmente há uma pessoa que
trabalha por múltiplos outros, dá conta de varias tarefas que não é sua, que dedica
seu tempo a empresa enquanto reduz sua presença em família, por medo de perder
129
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
o emprego. Uma trabalhadora me disse entre lagrimas que seu chefe conseguia
deixar o ambiente de trabalho pesado, pois não se podia falar, sorrir, argumentar,
sugerir ou até mesmo ir ao banheiro.
Na Espanha, a Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO 2013)4
apresentou o resultado de uma ampla pesquisa realizada em de Sevilha e Anda-
luzia. O universo pesquisado corresponde a 2.500 trabalhadores/as, visando esta-
belecer o mapa de saúde dos trabalhadores que trabalham em medias e pequenas
empresas. O resultado nos forneceu um universo repleto de insegurança e medo,
pois, dos respondentes, 76,6% admitiu que a reforma trabalhista e o impacto da
crise tem afetado a sua saúde e os demais relacionaram as condições concretas de
trabalho à influencia negativa em seu corpo. A média de idade foi de 44 anos, mais
de 75% eram homens e menos de 25% de mulheres. Quanto aos entrevistados,
44% afirmaram ter medo de perder seus empregos, enquanto 43,6% relataram que
seus salários foram reduzidos em nome da crise. A pesquisa deixa evidente que é
o temor à demissão ante um cenário de reestruturações, reformas e demissões, a
causa fundamental do presenteísmo.
Anteriormente, entre 2008 e 2009, pesquisa realizada pela empresa holandesa
de Recursos Humanos Randstad, com mais de 1.000 trabalhadores, revelou que 45%
dos trabalhadores praticavam o presenteísmo, por medo do descarte. Essa empresa
de recursos humanos, mostra que enquanto o absenteísmo diminuiu, acentuada-
mente, o presenteísmo vem crescendo em toda a Comunidade europeia. Ás causas,
segundo a pesquisa, estão relacionadas à nova conjuntura econômica e financeira
aliada ao crescente número de insolvências e às elevadas taxas do desemprego que
afetaram mais intensamente a Grécia, 27% (mais que o dobro da media europeia);
Espanha com 23,6%; Portugal, 17,7%; Itália, 9,3%; e Chipre, 9,7%. Outros países têm
sido afetados, a exemplo da Áustria, Holanda, Luxemburgo e Alemanha, sendo a
juventude a mais prejudicada. Como o absenteísmo pode subsistir?
Em nosso país, nestes últimos dez anos, não tem sido diferente e assim, pas-
samos do absenteísmo ao presenteísmo. Não porque as condições de trabalho
melhoraram ou porque a empresa privilegia a prática da qualidade de vida de seus
trabalhadores com enfoque na organização do trabalho. Ao contrário, o privilegio
passou a ser a busca desenfreada pela produtividade, centrada na competitividade
ante um mercado global e consumista. Enquanto isso, os programas qualidade de
4 La reforma laboral y la crisis en las empresas empeoran la salud de las personas trabajadoras
130
Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
131
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
5 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p 24.
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
coce, os suicídios têm elos fortes com os processos históricos de trabalho, a cultu-
ra organizacional, o que significa que os danos orgânicos e psíquicos estão intima-
mente entrelaçados (Seligmann-Siva, 2011). As defesas e estratégias desenvolvidas
pelos trabalhadores como, por exemplo, a negação individual tem como causa a
organização do trabalho, os modos e condições de trabalho nocivas; e como efeito,
teremos o sofrimento psíquico, os distúrbios e os transtornos. Quando a rede de
relações laborais em uma dada empresa é integrada, quando a coesão social é forte
e as pessoas se consideram como parte vital desta empresa e não se sentem so-
cialmente isoladas ou dominadas pela competitividade, individualismo e solidão,
constatamos que este tipo de organização social constitui um obstáculo para as
enfermidades e o suicídio (PitirimSorokin). Cabe uma pergunta: como vou preve-
nir o presenteísmo e adoecimento, se não conheço o processo de trabalho?
Não é difícil perceber que o trabalho em que há abuso de poder, atos de violên-
cia continuada e cotidiana, materializa-se como dor moral, sofrimento psíquico,
isolamento, doenças, acidentes e até mesmo mortes. Como exemplo, citamos o que
ocorreu no mês de fevereiro deste ano quando oito trabalhadores/as denunciaram
ao Consulado Geral, no Itamaraty, o cônsul brasileiro em Sydney – Austrália e seu
adjunto – por praticar assédio moral e sexual, homofobia, discriminação e abu-
so de poder. Houve oito pedidos de demissões. Esse mal-estar generalizado dos
trabalhadores estava relacionado ao modo de administrar aos gritos, palavrões
e ameaças; assedio sexual e laboral, o que banaliza a violência, transformando o
ambiente de trabalho no lugar de metabolização da barbárie.
Essas situações vividas e vivenciadas no trabalho levam a perturbações dos
vínculos, das identidades, dos projetos pessoais e coletivos (Hornstein, 2008) ante
uma cultura do sucesso e ação individual em que é necessário ser o primeiro para
não ser o último. São os caminhos e descaminhos do adoecer: perde-se o sentido
do saber-fazer na medida em que não se é reconhecido e sequer respeitado. O mal
-estar instaurado apresenta três dimensões paradoxais e simultaneamente causais:
137
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
138
Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
drontada. É um viver que esmaga, pois não se pode viver e trabalhar de qualquer
forma, no susto e no absurdo das humilhações e medos!
139
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Sua esposa acrescenta: “Ele tinha sonhos, queria ter êxito, porém a sua hierar-
quia o humilhava e menosprezava constantemente. Ele sentia que já não valia mais
nada. Isso o que causou sua morte”.
Na China, várias dezenas de suicídios na Foxconn Technology , ceifam a vida
de jovens trabalhadores. No Brasil, na época das fusões e reestruturações agressivas
da rede bancária, ocorreram mais de 180 suicídios. Entre as causas dos suicídios
e mal estar no trabalho a tese mais difundida e aceita internacionalmente é que
há um mal-estar generalizado dos trabalhadores. Sofrimento que se deve ao modo
atual de administrar e forma de organizar o trabalho. Uma “doutrina”, em nome
da excelência, típica de uma ideologia gerencialista, que demanda atitudes contradi-
tórias, como a de ser (individualmente) vencedor e (coletivamente) colaborador, ou,
de produzir muito, mas com qualidade e com poucos recursos (GAULEJAC, 2007).
Ontem 21/05/2013 um trabalhador de Caxambu após cinco anos trabalhando
em uma empresa de transporte de passageiros, adoeceu e se afastou, por alguns
meses, em licença médica. Depois de passar por perícia e ser considerado apto pela
Previdência Social, apresentou-se à empresa. Mas a empregadora não permitiu seu
140
Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
retorno ao seu posto de trabalho e sequer lhe passou qualquer trabalho. Ademais,
não pagou seus salários, a partir da alta previdenciária. O comportamento do mé-
dico do trabalho da empresa teve por base a lógica da proteção aos interesses da
empresa, que não raro é o responsável por lamentáveis violações éticas. O traba-
lhador permaneceu nessa situação por seis meses, sendo colocado à disposição
da empregadora, na garagem da empresa, sem que lhe fosse atribuída qualquer
função. Perguntamos: como não adoecer?
Poderíamos perguntar inspirados no médico gaúcho Álvaro Melro, o que faz
um trabalhador sofrer e adoecer? A resposta está no conflito permanente entre a
qualidade do trabalho esperado e a quantidade a produzir; na densificação das
atividades laborais (supressão de qualquer tempo que não seja utilizado direta-
mente na produção); na frustração por não poder fazer um trabalho de qualidade
e, também, nas discriminações e humilhações no trabalho.
Os trabalhadores não desejam sofrer acidentes, ficar transtornados, ficar
afastados dos seus pares; ter alterado seus pensamentos, pensar em suicídio, se
aposentar precocemente ou afastar-se do trabalho por doenças. Recentemente,
um gestor contou-nos que seu trabalho se caracterizava por acúmulo de servi-
ços, grande demanda e excessivo fluxo de clientes, falta de pessoal qualificado
e grande quantia de dinheiro sob sua responsabilidade. Tudo isso o fazia ficar,
constantemente, sob forte tensão e estresse que se tornaram uma constante no seu
dia-a-dia, com reflexos em seu ambiente familiar, o que lhe causava sérios confli-
tos conjugais. Após um tempo, já não conseguia dormir a noite, passando então a
sofrer com crises maníaco-depressivas e síndrome do pânico, passando inclusive
a ter visões e ouvir vozes. Foi diagnosticado como portador de Transtorno Afetivo
Bipolar. Foi afastado do trabalho para tratamento de saúde e acabou aposentado,
após a constatação que os seus distúrbios psíquicos haviam apresentado evolução
e progressividade, restando um quadro clínico crônico irreversível. Resta duvida
da causalidade de seu adoecer?
Reafirmamos: o presenteísmo leva o trabalhador a permanecer em seu posto
de trabalho, mesmo desmotivado, sem condições psíquicas e ou físicas para tra-
balhar, ultrapassando a sua jornada. Para ele, o trabalho torna-se tudo: não pelo
prazer, mas pelo medo. Necessita que sua presença seja notada pelos colegas e em
especial, a chefia. Em sua atitude, quer mostrar ao outro que não faz corpo mole,
apesar de sobrecarregado, e que também produz. Que trabalha e dá duro, apesar
de adoecido, e, muitas vezes, exaurido.
141
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Para a ABB (Asea Brown Boveri), a qualidade de vida, deve estar embasada
em cinco pilares: respeito à vida, rejeição à violência, generosidade, ouvir para
compreender e redescoberta da solidariedade. Pergunto: existe este ambiente? O
que ainda vemos, são programas voltados para o controle de peso, do fumo, do se-
dentarismo, da hipertensão etc. Mas, se o presenteísmo é essencialmente um pro-
blema de organização do trabalho e gestão de pessoas, como esses programas irão
de fato, resolver e eliminar as causas do presenteísmo? Sabemos que ao serviço
médico compete a “promoção da saúde, assistência integral e eficaz, além de um
registro prático e ético” (Souto, 1980). Ou seja, qualquer programa de prevenção,
deve levar em consideração tanto as condições objetivas da organização do tra-
balho quanto as condições subjetivas das relações hierárquicas e abuso de poder.
A prevenção do presenteísmo diz respeito aos gestores, aos Recursos Humanos,
à área de saúde e segurança do trabalho. Estes profissionais devem ter autono-
mia para propor mudanças e que estas sejam acatadas e compreendidas pela alta
gestão. Sabemos que ouvir e acolher o trabalhador, respeitosamente, é essencial.
Contudo, não menos importante, é pensar conjuntamente as estratégias preven-
tivas que controlem os riscos psicossociais e gerem bem-estar aos trabalhadores.
Uma sugestão necessária é refletir, honestamente, a respeito das jornadas pro-
longadas, tarefas monótonas e repetitivas. Essas jornadas prolongadas e exaus-
tivas, trazem prejuízos tanto para a empresa como trabalhadores, qual seja: a
baixa produtividade. Impedir as reuniões pós- jornada de trabalho, ou seja, no-
turnas, faz-se necessário, pois causam insônia ou sono insuficiente. Além disso,
interferem na relação afetiva do casal e filhos que, muitas vezes, apresentam mal
desempenho escolar devido a falta de convivência com os país. Uma logica voltada
exclusivamente para custos, metas e lucratividade não combina com os sentimen-
tos, desejos e olhar dos trabalhadores.
Todos que trabalham desejam ser respeitados e reconhecidos ao invés de
serem submetidos a um largo processo de duvidas, interrogações, incoerências,
ameaças, pressões que torturam e causam erosão das emoções. Nenhum de nós
aspira à dor, mesmo quando sabemos que ela nos constitui. A chave da resistência
é estabelecer um estilo de direção e governança que não seja autoritário e indi-
ferente às necessidades elementares dos trabalhadores enquanto seres humanos.
Quase ao final, reafirmamos que a precarização, a pressão por metas impos-
tas e nunca fixas, o excesso de trabalho e a extensão da jornada, pelo medo de
perder o emprego ou mesmo a conduta sistemática de trabalhar com um atestado
142
Presenteísmo: suas causas, formas e consequências no mundo do trabalho
no bolso, evitando afastar-se pelo medo de um outro seja colocado em seu lu-
gar, tem gerado consequências negativas para a saúde de todos os trabalhadores.
Para a Organização Internacional do Trabalho, a falta de prevenção adequada
das doenças ocupacionais tem ocasionado efeitos negativos profundos sobre os
trabalhadores, suas famílias e também na sociedade em consequência do enorme
custo que gera, em particular no que se refere à perda de produtividade e sobre-
carga do sistema previdenciário.
Finalizamos com uma carta de um trabalhador grego que se suicidou em de-
zembro de 2012, após reestruturações que culminaram com várias demissões:
Violência é trabalhar 40 anos por una miséria e não saber se algum dia,
chegarás a se aposentar. Violência são os bônus do Estado, as pensões
roubadas, a fraude da bolsa. Violência é estar obrigado a obter um em-
préstimo hipotecário que finalmente pagas a preço de ouro. Violência
é o direito do diretor de te despedir em qualquer momento. Violência
é o desemprego, a precariedade, os 700 euros com ou sem seguro social.
Violência são os «acidentes» laborais, porque os patrões limitam seus
gastos às custas da segurança dos trabalhadores. Violência é tomar
psicofármacos e vitaminas para fazer frente aos horários extenuantes.
Violência é ser uma imigrante, viver com o medo de que em qualquer
momento vão te jogar fora do país e experimentar constantemente a
insegurança. Violência é ser ao mesmo tempo assalariada, dona de
casa e mãe. Violência é o quanto te fodem o cu no trabalho e te dizem:
“Sorria, tampouco é para tanto” (METOIKIDIS, 2012).
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tituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial à obtenção ao título
de “Doutor em Saúde Pública”, área de concentração em Epidemiologia, Salvador, 2013.
145
O Mal-estar e a
sociedade de gestão
1 Advogada trabalhista. Mestre em Direito pela PUC/PR. Professora licenciada de Direito do Traba-
lho do Centro Universitário UNIBRASIL.
147
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
suas principais dimensões e onde a empresa coloca-se como o centro, assim como
a satisfação de suas necessidades como objetivo a ser atingido2.
Se por um lado a sociedade de gestão teve seu embrião nos fenômenos aborda-
dos por BENBASSOLI, por outro, o seu efetivo estabelecimento se deu a partir das
transformações ocorridas já no final do século XX, conforme explica GOULE-
JAC, quais sejam, a crescente obsessão pela rentabilidade; a substituição da lógica
de produção pela lógica financeira; a substituição da gestão do pessoal pela de
recursos humanos; o surgimento da economia financeira em lugar da industrial;
a impossibilidade de regulação do capital – controle e contenção dos seus efeitos
- em razão de sua expansão mundial; e o estreitamento do tempo e do espaço, ins-
taurando “a ditadura do ‘tempo real’ e a imediatidade das respostas às exigências
dos mercados financeiros” 3.
A partir de então, a precarização das condições de trabalho acentuou-se. Tan-
to é verdade que ALVES, ao tratar do tema, apresenta a maquinofatura (que seria
o resultado da síntese das categorias sociais manufatura e grande indústria) e a
“crise estrutural de valorização do valor” (capital financeiro + financerização da
riqueza = força de trabalho como mercadoria), como os fenômenos do século XXI,
responsáveis pelo surgimento de uma nova e mais nefasta categoria de precariza-
ção: a precarização existêncial, e do próprio homem, portanto, transcendendo a
mera precarização salarial4. Categoria social que “põe, como pressuposto efetivo, a
‘captura’ da subjetividade da pessoa humana por meio do espírito do toyotismo, im-
plicando, de modo intensivo e extensivo, o processo de reprodução social do traba-
lho vivo. Deste modo, com o surgimento da maquinofatura, alteraram-se os termos
do estranhamento social, dado pela relação tempo de vida/tempo de trabalho e pela
constituição de um novo modo de vida just-in-time” 5.
Esse novo modo de vida, pautado na gestão e na centralidade da empresa e de
seus valores, é formado por indivíduos cada vez mais dependentes e em constante
mal-estar, na medida em que “O desempenho e a rentabilidade são medidos em
2 BENDASSOLLI. Pedro F. Prefácio. In: GOULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social: ideo-
logia, poder gerencialista e fragmentação social, Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2007, pp. 9-11.
3 GOULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação
social, Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2007, p.41.
4 ALVES, Giovani. Trabalho e neodesenvolvimentismo: choque de capitalismo e nova degradação
do trabalho no Brasil, Bauru: Canal 6, 2014, pp.11-18.
5 Ibidem, p.15
148
O Mal-estar e a sociedade de gestão
curto prazo, ‘em tempo real’, pondo o conjunto do sistema de produção em uma ten-
são permanente: zero atraso, tempo exato, fluxos tensos, gerenciamento imediato,
etc. Trata-se de fazer sempre mais, sempre melhor, sempre mais rapidamente, com
os mesmos meios e até com menos efetivos” 6 .
Os indivíduos trabalhadores, ainda docilizados, massificados e nivelados se-
gundo as regras e a lógica da empresa, porém forçados a equilibrar competitivi-
dade (que pressupõe um alto nível de individualismo) e cooperação (trabalhar em
favor do grupo e, em consequência, em favor da empresa) são o centro de uma
equação impossível de ser resolvida.
De um lado, espera-se que o trabalhador utilize todas as suas habilidades,
desenvolva suas potencialidades e se supere a cada dia, sendo o único responsável
por sua própria empregabilidade. De outro, e paradoxalmente, exige-se que não se
sobreponha ao grupo e não o transcenda; como “colaborador” que é, torna-se tão
responsável pelo sucesso do empreendimento – do ponto de vista, exclusivamente,
da produção – quanto seu próprio empregador.
Em uma sociedade de gestão, afirma GOULEJAC, “compreender é medir” (só
é aplicado aquilo que pode ser parametrizado, objetivado e calculado, eliminando-
se tudo o que não pode ser medido, por impertinente e não confiável). A economia
é uma mera equação matemática (racionalização em lugar da razão, eliminando-
se o conhecimento acerca da história e das experiências do passado em favor da
lógica e suas parametrizações: custos, vantagens, eficácia, curvas de vendas, etc); a
organização é um dado (as condutas humanas são analisadas a partir da ótica da
descoberta “dos mecanismos de adaptação e de desvio”); a expertise é usada como
modelo de observação da atividade humana (“O ato de trabalho é decomposto em
unidades de base, que permitam reconstituir a atitude ótima na execução das di-
ferentes tarefas a realizar”. Busca-se aplicar métodos e técnicas científicas para
medir a atividade humana, considerando-se o indivíduo trabalhador uma mera
engrenagem do sistema e o seu trabalho, um mero indicador; o trabalho humano
é valorado segundo a sua eficácia, ou seja, aquilo que é capaz de produzir 7.
Esses elementos criam um ambiente laboral em absoluto desequilíbrio, que
exige que se sufoquem as próprias necessidades em favor dos postulados da em-
6 GOULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação
social, Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2007, p. 41.
7 Ibidem, p. 67-76.
149
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
8 Ibidem, p. 50.
9 MELHADO, Reginaldo, Poder e sujeição: os fundamentos da relação de poder entre capital e tra-
balho e o conceito de subordinação. São Paulo: LTr, 2003, pp. 13-18
10 DEJOURS, Christophe, 1949, A loucura do trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho; tradu-
ção Ana Isabel Praguay e Lúcia Leal Ferreira, 5 ed. ampliada, São Paulo: Cortez – Oboré, 1992, p.96.
150
O Mal-estar e a sociedade de gestão
11 Ibidem, pp 101-102.
12 CORREAS, Óscar. Introdução à sociologia jurídica. Trad.: Carlos Souza Coelho. Porto Alegre:
Crítica Jurídica, 1996, p.41.
13 LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso sobre a servidão voluntária; tradução J. Cretella Jr e Agnes Cre-
tella, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.25.
14 Ibidem, pp33-34.
151
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
152
O Mal-estar e a sociedade de gestão
17 CERQUEIRA, Vinícius da Silva. Assédio moral organizacional nos bancos. São Paulo: LTr, 2015,
pp. 130-134.
18 Ibidem, pp. 130-135.
153
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Seja como for, é preciso refletir sobre as consequências desse tipo de socie-
dade, em especial sobre o sentimento de mal-estar que se prolifera no seio das
empresas. Sentimento este, como bem lembra DUNKER, que nem sempre pode
ser nomeado e reconhecido, intensificando ainda mais o sofrimento infligido ao
indivíduo: “O pesadelo de não ter seu sofrimento reconhecido é proporcional à difi-
culdade de nomeação do mal-estar”21.
Essa dificuldade, continua o autor, residiria no fato de que este tipo de sofri-
mento não pode ser reduzido a “uma gramática normativa” e nem a uma “unifor-
mização dos sintomas”22; um diagnóstico formal não abarcaria todas as possibi-
lidades que esse tipo de mal engendra pois não se reduz a uma única dimensão
do sofrimento; ao contrário, manifesta-se não apenas pelo mal-estar do corpo
(sintoma), mas também pelo mal-estar moral (experiência do sofrimento, seja co-
letiva ou individual); é angústia, mas também é “sentimento existencial de per-
154
O Mal-estar e a sociedade de gestão
23 Ibidem, p. 196.
24 Ibidem, p. 205.
25 BENDASSOLLI. Pedro F. Prefácio. In: GOULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social: ideo-
logia, poder gerencialista e fragmentação social, Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2007, p.13.
26 Ibidem, pp. 14-17.
27 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004, p.16.
155
ASSÉDIO MORAL E MEIO AMBIENTE
DE TRABALHO: Percepções da
Justiça do Trabalho sobre a
organização do trabalho
bancário como vetor de
poluição ambiental
1. Introdução.
1 Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Sócio Coordenador
da Unidade São Paulo do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados.
2 Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do UniCEUB. Sócia Subcoor-
denadora da Unidade Federal e integrante do Grupo de Estudos sobre Trabalhadores Bancários do
escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados.
157
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
158
ASSÉDIOMORALEMEIOAMBIENTEDETRABALHO:PercepçõesdaJustiçadoTrabalhosobreaorganizaçãodotrabalhobancáriocomovetordepoluiçãoambiental
7 MACIEL, Regina Heloisa et al. Auto retrato de situações constrangedoras no trabalho e assédio
moral nos bancários: uma fotografia. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. 3, set.-dez. 2007.
159
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
160
ASSÉDIOMORALEMEIOAMBIENTEDETRABALHO:PercepçõesdaJustiçadoTrabalhosobreaorganizaçãodotrabalhobancáriocomovetordepoluiçãoambiental
8 ANABUKI, Luisa Nunes de Castro. Assédio moral organizacional: uma análise da gestão em-
presarial como dano ao meio ambiente do trabalho. Monografia: Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Brasília, 2013.
161
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Tal constatação, aliada aos inegáveis prejuízos à saúde decorrentes das práti-
cas de assédio, impõe aos operadores jurídicos e, em especial, à Justiça do Traba-
lho, uma ampliada sensibilização à imperativa responsabilização do empregador
pelos danos ambientais, sempre que se verifique que a prática de assédio tem con-
tornos organizacionais.
Como antes referido, destaca-se, contemporaneamente, o adoecimento ocu-
pacional e o desconforto ocupacional veiculado no trabalho bancário. Como
aferição disso, a pesquisa Métodos de gestão e adoecimento dos trabalhadores: o
caso do Itaú em Curitiba, de 2016, realizada pelo Instituto Defesa da Classe Tra-
balhadora (Declatra) em parceria com o Sindicato dos Bancários de Curitiba e
região, apresenta dados críticos acerca das práticas abusivas de gestão realizada
pelo banco Itaú. A partir da análise das ações judiciais ajuizadas contra o referido
banco entre 2011 e 2015, a pesquisa apurou que 42,1% das referidas demandas
apresentavam pedidos de indenização por danos morais, baseados em métodos
de gestão assediosos. Dentre as causas de assédio moral mais referidas pelos re-
clamantes nos processos examinados10 na referida pesquisa, se destacam princi-
palmente as jornadas de trabalho exaustivas (65,1%), as metas abusivas (47,4%) e
as relações danosas com superiores e colegas de trabalho (46,1%). Por outro lado,
verifica-se que, quando das homologações de rescisões de contratos individuais de
trabalho, percebeu-se que, em determinados segmentos do banco, quase 25% dos
trabalhadores reportavam situações de estresse e quase 15% relatavam episódios
depressivos, para além dos transtornos de ordem física ocasionados por esforços
repetitivos e pela busca de atingimento de metas abusivas estipuladas unilateral-
mente pelo empregador.
9 ANABUKI, Luisa Nunes de Castro. Assédio moral organizacional como dano ao meio ambiente
do trabalho e a atuação do MPT. Monografia: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2016.
10 Mais de uma causa pode ser citada em um processo.
162
ASSÉDIOMORALEMEIOAMBIENTEDETRABALHO:PercepçõesdaJustiçadoTrabalhosobreaorganizaçãodotrabalhobancáriocomovetordepoluiçãoambiental
Esses dados indicam uma circunstância à qual deve permanecer atenta a Jus-
tiça do Trabalho, porquanto comprovam que, além de circunstâncias individuais
que possam justificar a responsabilização de empregadores, tem-se uma dissemi-
nada prática organizacional do assédio como instrumento de gestão de popula-
ções obreiras.
11 Processo TST-RR 959-33.2011.5.09.0026, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de
Julgamento: 29/04/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015. No julgamento, a conde-
nação do banco Itaú foi majorada, pelo TST, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para 60.000,00 (sessen-
ta mil reais). No mesmo sentido, precedentes da mesma Turma proferidos nos autos dos processos
TST-RR 19448-74.2010.5.04.0000 (data de publicação: DEJT 22/11/2013) e do processo TST-RR
1149-98.2011.5.08.0001 (Relatora Desembargadora Convocada: Maria das Graças Silvany Dourado
Laranjeira, Data de Julgamento: 20/02/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/03/2013.
163
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
prejuízo moral de difícil reversão ou até mesmo irreversível, mesmo com trata-
mento psiquiátrico adequado.”
Na mesma linha, há também precedente da 3ª Turma do TST12 que, reconhe-
cendo a violação ao princípio da dignidade da pessoa, condenou o banco Itaú ao
pagamento de indenização por danos morais também em decorrência de assédio
moral organizacional, por entender que “A conduta da empresa em cobrar metas
de forma excessiva afronta o princípio da dignidade da pessoa, além do que viola
a privacidade do empregado, expondo-o a situação vexatória. Concluiu o colegia-
do que “Se a empresa busca a eficiência de suas atividades deve se valer de meios
legítimos para tanto, já que assume os riscos do negócio, mas nunca desrespeitar a
dignidade do trabalhador, com atitudes desumanas e constrangedoras.”
Em outro caso, julgado pela 1ª Turma do TST13, o banco Itaú também foi con-
denado por assédio moral pela conduta abusiva de ameaça de dispensa pelo não
cumprimento das metas de produtividade. Decidiu aquele colegiado que “o fato
de a exigência das metas ser reforçada com a ameaça da perda do emprego reflete
a abusividade da conduta do Banco e induz à conclusão de que configurado o as-
sédio moral passível de indenização.” Concluiu-se, ainda, que o exercício abusivo
do poder diretivo pelo empregador, “com a utilização de práticas degradantes de
que é vítima o trabalhador, implica violação dos direitos de personalidade, consti-
tucionalmente consagrados (art. 1º, III).”
Corroborando esse mesmo entendimento, a 7ª Turma do TST14 também con-
denou o Itaú em danos morais, ao asseverar que “as modernas técnicas de incen-
164
ASSÉDIOMORALEMEIOAMBIENTEDETRABALHO:PercepçõesdaJustiçadoTrabalhosobreaorganizaçãodotrabalhobancáriocomovetordepoluiçãoambiental
restrição do uso de banheiro, o Itaú foi condenado pela 7ª Turma ao pagamento de indenização por
danos morais, nos autos do processo TST-RR - 1179-78.2012.5.02.0062 , Relator Ministro: Cláu-
dio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 24/08/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT
26/08/2016.
15 RR 308-77.2013.5.04.0023, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento:
31/08/2016, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/09/2016. Na mesma linha, os precedentes pro-
feridos nos autos dos processos TST-ARR 788-17.2012.5.09.0002, Relator Ministro: Aloysio Corrêa
da Veiga, Data de Julgamento: 28/10/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/11/2015 e TS-
T-RR - 1096-91.2010.5.10.0003 , Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento:
26/08/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/11/2015.
16 Precedente proferido nos autos TST-RR 264300-72.2006.5.01.0341 , Relatora Desembargadora
Convocada: Luíza Lomba, Data de Julgamento: 18/11/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT
20/11/2015
165
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Note-se que a conduta abusiva foi praticada por uma preposta da em-
presa no exercício do seu poder hierárquico. A responsabilidade do
empregador neste caso é objetiva consoante disposto no art. 932, III,
do Código Civil.
166
ASSÉDIOMORALEMEIOAMBIENTEDETRABALHO:PercepçõesdaJustiçadoTrabalhosobreaorganizaçãodotrabalhobancáriocomovetordepoluiçãoambiental
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
18 Sobre o tema, vide artigo: RAMOS FILHO, Wilson. Bem-estar nas empresas e mal-estar laboral:
assédio moral empresarial como modo de gestão de recursos humanos. Disponível em: <http://
www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/702>
168
ASSÉDIOMORALEMEIOAMBIENTEDETRABALHO:PercepçõesdaJustiçadoTrabalhosobreaorganizaçãodotrabalhobancáriocomovetordepoluiçãoambiental
4. Conclusão.
169
PESQUISA ESTATÍSTICA: ORIGENS E
SUA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSOS
JUDICIAIS
Julio Gnap1
Apresentação
171
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
interesse pelas pesquisas tem acompanhado esse crescimento, vindo daí a necessi-
dade de se conhecer melhor esse tema, o que justifica a análise a seguir.
O que é pesquisa
172
PESQUISA ESTATÍSTICA: ORIGENS E SUA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSOS JUDICIAIS
roso das informações, através de uma sucessão de passos orientados por conheci-
mentos teóricos, buscando explicar a causa desses fenômenos, suas correlações e
aspectos não-revelados” (GOLDENBERG, 2004, p.105). Com a apresentação des-
ses conceitos acredita-se já ser possível diferenciar bem o objeto desta análise, que
é a Pesquisa Estatística e seu caráter científico.
Pesquisa Estatística
173
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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PESQUISA ESTATÍSTICA: ORIGENS E SUA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSOS JUDICIAIS
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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PESQUISA ESTATÍSTICA: ORIGENS E SUA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSOS JUDICIAIS
177
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
qualquer pessoa, as suas taxas não deveriam ser muito diferentes. Mas, obvia-
mente, não é isso que os dados da pesquisa mostram, o que autoriza argumentar
que questões culturais podem também estar se fazendo presentes. E isso já coloca
o segundo aspecto relacionado ao suicídio. É a tendência para o suicídio de que
cada sociedade está coletivamente afetada expressa em medidas; as quais são qua-
se uma exclusividade sua. Percebe-se que poucos países têm suas taxas de suicídio
num mesmo patamar.
Enfim, através dos dados de sua pesquisa, Durkheim comprova que a taxa de
suicídios efetivamente constitui uma ordem de fatos única e determinada. Ordem,
ou regularidade, demonstrada ao mesmo tempo pela sua permanência e pela sua
variabilidade. O que lhe permite concluir esta parte do seu estudo relacionado ao
suicídio com a seguinte frase: “cada sociedade se predispõe a fornecer um deter-
minado contingente de mortos voluntários” (DURKHEIM, 2000, p. 24).
Concluindo este breve apanhado histórico, deve-se destacar, ainda que em
algumas poucas linhas, a grande evolução que ocorreu no campo das pesquisas
sociais com o desenvolvimento das pesquisas enquanto métodos investigativos e
da estatística como recurso matemático especializado. Evolução que se deu pelo
avanço do conhecimento científico nas áreas sociais e do comportamento huma-
no, bem como pelo desenvolvimento de robustas técnicas estatísticas aplicadas. O
que conferiu às pesquisas maior precisão e confiabilidade nos seus resultados, co-
locando as pesquisas estatísticas como instrumentos válidos para a demonstração
e comprovação de postulados teóricos em diversas áreas, especialmente na que
nos interessa aqui, que é a área do Direito.
4 DeGrot, Fiemberg & Kadane (1994). “Statistics and the Law” Ed. Wiley-Interscience.
178
PESQUISA ESTATÍSTICA: ORIGENS E SUA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSOS JUDICIAIS
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
180
PESQUISA ESTATÍSTICA: ORIGENS E SUA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSOS JUDICIAIS
REFERÊNCIAS
181
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
GALLIANO, A. Guilherme. O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harbra, 1986.
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais. 8ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
182
Sobre assédio e a profissão
bancaria
Introdução
Este texto não será escrito como um trabalho acadêmico, a minha ideia é mais
a de colocar questões e me posicionar frente a essas questões. A minha linha de
pensamento está baseada em um trajetória onde procuro colocar em evidência
a importância do trabalho para a vida das pessoas e para o desenvolvimento da
cultura, sempre baseado nos conhecimentos produzido por colegas das áreas da
psicodinâmica do trabalho e da ergonomia, entre outras.
Trabalhar, uma atividade fundamental para a construção da vida dos sujeitos
e para a construção da cultura é algo que pertence a cada um de nós é que só pode
existir se for em relação com os outros. Trata-se de uma relação social, mediada
por leis, por regulações, por oportunidades, por tradições; mas também, por rup-
turas, por conflitos, por exploração, pela invisibilidade. Quando pensamos em
1 Graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (1980), Mestre em DEA pelo
Conservatoire National des Arts et Metiers (1984), Doutor em Ergonomia pelo Conservatoire Na-
tional des Arts et Metiers (1992) e Pós-Doutor pelo Laboratoire de Psychologie du Travail et de
l’Action du CNAM – Psychodynamique du Travail (dez. 2000 a fev. 2001). Livre-docente pelo De-
partamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (2013),
Membro da equipe do Laboratoire de Psychologie du Travail et de l’Action du CNAM (dez. 2008 a
fev. 2009). Professor RDIDP do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo.
183
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Qualquer pessoa que ingressa em uma profissão carrega consigo uma série
de sonhos e ilusões. Ao buscar um lugar na sociedade, o emprego é uma chave
fundamental para as pessoas possam reforçar a sua identidade, de construir no-
vos referenciais pessoais e coletivos e, sobretudo, de ingressar numa trilha que
184
Sobre assédio e a profissão bancaria
será o seu caminho ao longo da sua existência profissional. O ideal seria que
cada um pudesse encontrar caminhos em alguma profissão de sua escolha e, a
partir de então enfrentar os desafios que encontrará no seu trabalho e que, com
o passar do tempo, se sinta engrandecido, que tenha a sua subjetividade reforça-
da. Qualquer jovem trabalhador busca se identificar com aquilo que faz e fará ,
qualquer trabalhador não tão jovem busca se identificar naquilo que fez, que faz
e que fará. Aqueles que já estão no final de sua carreira, prestes a se aposentar,
buscam se identificar sobretudo com o que já fizeram. A questão fundamental é
a de saber se os modelos de organização e de gestão propiciam cenários para tan-
to ou se, ao contrário, os destroem. Desmotivar as pessoas, tornando-as cínicas
(defendidas) é muito mais o que se encontra nesses cenários. Propiciar condições
para que as pessoas continuem e reforcem as suas motivações é exatamente o
contrário, uma vez que para tal, não se pode impedir que cada um se desenvolva
como profissional.
A questão é saber o que acontece em cada categoria, em especial na dos
bancários. Em se tratando de modos de organização do trabalho onde uma das
questões-chave está relacionada com a segurança operacional e, também com a
segurança dos trabalhadores envolvidos nos processos de produção, a questão da
confiabilidade é de suma importância, até porque há questões que envolvem não
só a instituição, mas também os clientes e outros atores sociais, como o Estado.
Em se tratando de questões ligadas às finanças há muitas coisas em jogo e uma
das preocupações diz respeito exatamente à segurança. Segurança remete a mo-
dos de controle que, apesar de legítimos, dependendo de como são construídos,
implementados e gerenciados, cria-se uma atmosfera de desconfiança que não é
inócua no que diz respeito às relações entre as pessoas e, à saúde mental também.
Há uma tênue diferença entre o confiar e o desconfiar e a construção da confian-
ça entre as pessoas é algo que precisa ser constantemente reforçada. Todavia se o
ambiente é mais propício para a competição exacerbada entre pares a construção
da confiança fica prejudicada. Quando é que alguém se torna confiável? Esta
questão, de difícil resposta, indica a sutileza necessária para que, no ambiente de
trabalho, as pessoas saibam que há sim controles, mas que estes servem para a se-
gurança de todos. A confiança não se adquire como uma prescrição operacional,
ela é fruto de uma vivência comum e que só pode ser fruto de como as pessoas
agem em situação e como isto é reconhecido pelos pares e pela hierarquia. Cons-
185
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
186
Sobre assédio e a profissão bancaria
dos os trabalhadores que atuam nessas instituições, no modo como são tratados
os clientes, nas modalidades de obtenção de resultados por parte da empresa. Não
há como negar a importância dos resultados para qualquer sistema de produção e
para as pessoas que nele trabalham. A grande questão é saber como isto se dá nos
bancos, como são definidos os produtos, as metas e as tarefas que servem como
guia para o trabalho nessas instituições. Um dos grandes problemas dessas insti-
tuições se constitui no fato de não haver um compartilhamento de valores. Fica a
dúvida se isso é possível.
Um dos exemplos a serem trabalhados está justamente na venda de diferen-
tes produtos dos bancos. Em princípio, não há qualquer questão ética com rela-
ção à venda de produtos, afinal trata-se de relações comerciais entre os bancos e
clientes. Todavia há que se considerar que, ao definir metas para as vendas, não
fica claro se a postura das empresas está balizado por princípios éticos ou se, ao
pressionar os seus assalariados para atingir e bates as metas, abre-se um flanco
muito grande, onde o recado dado é, atingir as metas, sem necessariamente se
importar com as reais necessidades dos clientes. O que seria louvável e respeitável
no universo das vendas, isto é, de oferecer aos clientes produtos que eles queiram,
que necessitam, ou que ainda não sabem se necessitam, pode se tornar uma cor-
rida para vender de qualquer jeito, sem que esses valores constituam a base das
operações dos bancos.
Ao meu ver, este ponto é chave, uma vez que, se não ficar claro que, em pri-
meiro lugar, o papel de todos os profissionais dos bancos seria o de se pautar
por valores compartilhados profissionalmente e balizados por princípios ético-
-morais, cria-se um cenário propício para todo tipo de pressão, de assédio, isto
é, um cenário propício para a emergência de sofrimento patogênico e para o sur-
gimento de diferentes distúrbios psíquicos. Isto porque o que está em jogo são
exatamente os valores da profissão de bancário. Há que se colocar claramente o
que baliza a profissão, o que é trabalhar no sistema financeiro e como isto está
em fase com aquilo que os diferentes sujeitos acreditam e compartilham como
pilares de uma profissão.
Sem este tipo de posicionamento, por parte das empresas, o que está em risco
mesmo é a contribuição que elas poderiam e deveriam ter para o desenvolvimento
profissional daqueles que nelas atuam e, ainda para a sua própria contribuição
com vias ao desenvolvimento dos valores sociais e da cultura.
187
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
Profissão bancária
188
Sobre assédio e a profissão bancaria
Uma outra questão que pode ajudar na reflexão diz respeito àquilo que se
propõem os bancos no âmbito do relacionamento com os clientes. Muitos ainda
falam que um serviço é prestado a alguém, a alguma população, ou até a algum
“nicho de mercado”. A despersonalização da relação se dá justamente no momen-
to em que se considera o serviço como uma mercadoria que o cliente busca e que
o trabalhador lhe fornece; isto é, uma transação comercial que pode ser localizada
no tempo e no espaço. O que é preconizado pelas empresas do setor bancário é
a busca de relações no longo prazo, mesmo que, haja muitas operações no setor
que se resumiriam ou que se destinariam a clientes “de passagem”, até porque os
bancos precisam “prestar” serviços à população por força de lei. Este cenário é
propício para grandes confusões, afinal trata-se de pessoas que devem ser trata-
das como “clientes” ou como alguém a quem devo propiciar um serviço pontual
e passageiro. Entre criar uma verdadeira relação de serviço, construída e man-
tida ao longo do tempo e baseada numa escuta do que precisam os clientes e da
oferta de serviços que lhe convenham e prestar um serviço que se resume a uma
operação pontual, há uma vácuo que causa confusões. Como é que se avaliar o
trabalho desses profissionais? Como é dividido o trabalho entre os diferentes tra-
balhadores do banco? Será que, pelo fato de haver operações consideradas como
de pouco valor agregado, como o trabalho de caixas, de atendentes por telefone,
entre outras tarefas, cria-se cenários propícios para que se diminua o sentimento
de pertencimento a uma profissão, de que se está construindo uma relação veraz e
significativa com os clientes, que se está reforçando os valores da profissão, ou ao
contrário? Os valores de uma profissão não são mensuráveis, não se trata de uma
relação de produtividade e de ganho financeiro apenas, trata-se também da cons-
tituição e do desenvolvimento de valores imateriais que se exprimem na qualidade
189
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
190
DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO AO
DIREITO FUNDAMENTAL
AO CONTEÚDO DO PRÓPRIO
TRABALHO E AO MEIO AMBIENTE
ORGANIZACIONAL SAUDÁVEL
1 Possui Doutorado em Direito, área de concentração em Direitos Humanos e Cidadania pela Uni-
versidade Federal do Paraná (2009), Diploma de Estudios Avanzados en Derechos Humanos y De-
sarrollo pela Universidad Pablo de Olavide de Sevilla (2006), mestrado em Direito das relações
sociais pela Universidade Federal do Paraná (2003), graduação em Direito pela Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (1992). Atualmente é professor pesquisador III e coordenador de curso de
especialização no Centro Universitário Autônomo do Brasil - UNIBRASIL, Líder do GP-Trabalho
e Regulação no Estado Constitucional, instrutor colaborador - SEDH/Presidência da República,
membro do conselho consultivo do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho,
Juiz do Trabalho Titular e membro da Comissão Permanente de Saúde - Tribunal Regional do
Trabalho 9ª Região (PR). Membro fundador da Academia Paranaense de Direito do Trabalho. leo-
wandelli@terra.com.br
191
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
jamais o contrário. Não são as instituições sociais que devem se servir da pessoa
como sua mediação. A radicalidade do reconhecimento da dignidade e dos direi-
tos humanos está em que o critério último de verdade não está nas instituições, ou
2
mesmo nos valores, mas na realidade concreta das pessoas humanas.
Isso não se altera pelo fato de que esse discurso normativo não seja confir-
mado na realidade que, evidentemente, desmente todo o tempo essa afirmação
do direito. Na Declaração de Filadélfia, de 1944, afirma-se que o trabalho não é
uma mercadoria. Mas a realidade cotidiana é de instrumentalização das pessoas,
como peças da valorização incessante do capital, no trabalho. Normas jurídicas,
diferentemente das leis da física, não perdem validade ao não se confirmarem
na realidade. Ao contrário, são manifestações da luta social que criam espaços
de reivindicação pelo seu cumprimento. Ou seja, ainda que as normas jurídicas
consagrem critérios de (in)justiça não observados na prática, agora essas violações
podem ser ditas como injustas, apoiando a luta frente ao desrespeito.3
Pois bem. Levar a sério a relação entre trabalho e dignidade implica em esten-
derem-se as fronteiras da disciplina jurídica para aprofundar o diálogo transdis-
ciplinar com a antropologia do sujeito. É preciso discutir o que é concretamente
relevante para a dignidade dessa pessoa que se pretende reconhecer, proteger e
apoiar também por meio do direito. Theodor Adorno, em uma célebre conferência
de 1931, sobre a atualidade da filosofia, disse que, após a crise da metafísica, a fi-
losofia não tinha outra alternativa que não se aprofundar no ponto de vista inter-
no das discussões das diversas ciências onde se debatiam problemas particulares
concretos. De forma análoga, ao direito, após o reconhecimento radical da cen-
tralidade da dignidade humana, não resta alternativa senão aprofundar o diálogo
com as ciências que dizem sobre a pessoa em sentido concreto e sobre aquilo que
se pode considerar concretamente essencial para essa dignidade. É esse o ponto
em que avulta a inafastabilidade de tomar-se a sério o diálogo com as ciências
que veiculam as necessidades humanas concretas, inclusive do ponto de alguma
antropologia do sujeito, pois a noção constitucional de dignidade não prescinde
2 DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. São Paulo, Vozes,
2002. HINKELAMMERT, Franz. El sujeto y la ley: el retorno del sujeto reprimido. Heredia, Euna,
2005.
3 WANDELLI, Leonardo. O direito humano e fundamental ao trabalho: fundamentação e exigibilida-
de. São Paulo, LTr, 2012, p. 186-189.
192
DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO AO DIREITO FUNDAMENTAL AO CONTEÚDO DO PRÓPRIO TRABALHO
E AO MEIO AMBIENTE ORGANIZACIONAL SAUDÁVEL
193
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
É claro que esse processo produz sofrimento. Não é necessário ilustrar isso.
Basta olhar para o lado ou para nós mesmos. A pergunta que cabe fazer e que
atormenta os estrategistas da gestão do trabalho é: o que, então, mobiliza as pes-
soas para o trabalho, enfrentando todas os riscos e dificuldades e sofrimento que
daí advêm? É certo que sempre está presente, de algum modo, a compulsão para
o trabalho pelo aguilhão da fome. Marx descreveu a história de violência que foi
a separação dos produtores dos meios de produção, impondo às populações irem
ao mercado vender a sua força de trabalho, sem poder descolá-la de seus próprios
corpos. Mas só isso não basta para mobilizar os trabalhadores para a produção.
É preciso necessariamente implicar subjetivamente os trabalhadores. Não basta
também o salário, como Max Weber já demonstrou na Ética Protestante e o Espí-
rito do Capitalismo. Não há nada de natural em aferrar-se aos ganhos econômicos
pelo trabalho. Foi preciso construir uma determinada subjetividade ainda ine-
xistente. Mas isso também mobiliza processos complexos de negociação em que
estão envolvidos os sujeitos. Os sujeitos que se inserem em relações de poder, de
dominação, onde são submetidos, mas não são nunca inteiramente anulados. Há
uma certa irredutibilidade do trabalho vivo, que sempre resta presente, aí.
E isso é o próprio trabalho cotidiano que prova. Na visão da PDT, trabalhar
é implicar o corpo – não só o corpo da biologia, mas também o corpo fenomeno-
lógico, numa unidade que Michel Henry denomina “o corpo que eu sou” – para
enfrentar a resistência do real e suplantar a deficiência intrínseca da prescrição.
Sem atuação da subjetividade não há trabalho. O saber do trabalhador precisa ir
muito além das prescrições do patrão ou dos manuais, agregar suas capacidades
para inovar, complementar e mesmo subverter a ordem prescrita a fim de alcançar
os objetivos de trabalho. Trabalhar, portanto, implica em persistir para suplantar
a resistência do real do trabalho, o real objetivo, o real intersubjetivo e o real sub-
jetivo. O real, nessas três dimensões, resiste à nossa tentativa de domínio e experi-
mentamos essa resistência como fracasso. A racionalidade pática está presente no
trabalho, assim como a racionalidade prático- moral e a estratégico-instrumental.
Os deuses gregos, diferentemente dos deuses monoteístas, expõem o pathos. Eles
sofrem, odeiam, desejam. O trabalho é experimentado pelo sujeito, antes, de tudo
afetivamente, pela experiência da impotência, do fracasso, da frustração, frente à
resistência do real.
O sofrimento no trabalho, pois, é ordinário, é inerente a toda experiência de
trabalho. Importante notar que ele não é necessariamente um mal, algo negativo.
194
DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO AO DIREITO FUNDAMENTAL AO CONTEÚDO DO PRÓPRIO TRABALHO
E AO MEIO AMBIENTE ORGANIZACIONAL SAUDÁVEL
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
5 DEJOURS, Christophe (2013). Sublimação entre sofrimento e prazer no trabalho. Revista Portugue-
sa de Psicanálise, n. 33 (2), p. 9-28
6 WANDELLI, Leonardo. Op. Cit. p 64.
196
DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO AO DIREITO FUNDAMENTAL AO CONTEÚDO DO PRÓPRIO TRABALHO
E AO MEIO AMBIENTE ORGANIZACIONAL SAUDÁVEL
Trabalhar é sempre trabalhar sobre si, sobre os meios materiais e com os ou-
tros. Aí entra em cheio a temática do reconhecimento que diz respeito ao segundo
mecanismo de sublimação de que fala Dejours. Dependemos do olhar do outro
para construirmos a nossa identidade, autoconfiança, autoestima, autorrespeito.
Se nós nos empenhamos em persistir frente ao sofrimento no trabalho e em assu-
mir graves riscos em relação à própria saúde e autonomia, com custos para outras
relações pessoais a fim de fazer um bom trabalho, isso se dá na expectativa de uma
gratificação subjetiva em termos de fortalecimento da identidade por meio do re-
conhecimento de nosso fazer no trabalho. Por isso, avaliar o trabalho é essencial.
Mas não é possível medir quantitativamente o trabalho. A avaliação possível do
trabalho assenta-se sobre as bases do julgamento e não da medição. Enquanto o
julgamento consiste em uma apreciação sobre o resultado de um trabalho, medir
é valorar grandezas comparando-as a uma grandeza constante da mesma espécie,
o que contraria o caráter intrinsecamente variável e singular do trabalho. O que se
mede, ainda fazendo tábula rasa da variabilidade das condições, é o resultado do
trabalho. É necessário, pois, conhecer o trabalho para julgá-lo qualitativamente.
Mas isso apresenta dificuldades maiores, já que o essencial do trabalho é pouco
197
Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
198
DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO AO DIREITO FUNDAMENTAL AO CONTEÚDO DO PRÓPRIO TRABALHO
E AO MEIO AMBIENTE ORGANIZACIONAL SAUDÁVEL
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Quem trabalha não está só cumprindo uma obrigação de prestação que in-
teressa ao credor dessa prestação, que seria o empregador. De fato, o trabalhador
em parte está adimplindo a obrigação contraída, sendo credor da contraprestação
salarial, ao passo que o empregador, que detém o poder de dirigir a prestação de
serviços, é credor de trabalho e devedor das contraprestações. Mas, além disso, ao
mesmo tempo, quem trabalha também está, nesse mesmo ato, exercendo um di-
reito fundamental absolutamente central para a sua dignidade, para o desenvolvi-
mento da sua personalidade, formação de vínculos de solidariedade, aprendizado
ético e para a vida cívica, e que contra-arresta, tensiona, o poder de direção do to-
mador dos serviços. Trata-se de algo comum no direito, dois comandos jurídicos
concorrentes em apontar sentidos opostos em uma mesma situação problemática.
O fato, porém, é que até aqui vínhamos anulando um dos pólos dessa tensão, ao
considerar que ao trabalhador não interessaria o conteúdo do próprio trabalho.
Quem trabalha não só trabalha para outrem, mas também trabalha para si mes-
mo, consigo mesmo e com outrem, mediado pelos objetos e meios de trabalho. Daí
nasce o primeiro grande ganho da reconstrução da fundamentação do direito ao
trabalho à luz das teorias das necessidades e do reconhecimento: a compreensão
de que o direito ao trabalho inclui como sua dimensão central, o direito ao conte-
údo do próprio trabalho: a) à tarefa/atividade e b) às condições da organização do
trabalho no duplo sentido da coordenação e cooperação.
O direito fundamental ao trabalho é um megadireito multidimensional, que
envolve vários aspectos, como é da tradição da doutrina jurídica reconhecer13,
como a proteção contra a despedida injustificada, o direito a um padrão juridi-
camente protegido de trabalho, a proteção da liberdade de profissão, promoção e
proteção da igualdade no acesso às oportunidades de trabalho, tutela da profissio-
nalidade, limites jurídicos às políticas de pleno emprego, além de outros. Mas esta
dimensão que aqui se quer ressaltar, do direito ao conteúdo do próprio trabalho,
é a sua dimensão central, cuja compreensão afeta todas as demais, mas que estava
13 Ver, a respeito, a Observação Geral n. 18, de 2005, do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e
Culturais da ONU.
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velada pela incompreensão das relações concretas entre os sujeitos e o objeto desse
direito fundamental, o trabalho.
Essa percepção é radical, uma verdadeira Revolução Copernicana do Direi-
to do Trabalho – tomando-se emprestado a expressão de Luiz Edson Fachin -,
porque obriga juridicamente a abrir-se a casamata da empresa, dos métodos de
gestão, da organização do trabalho e da atividade individual e coletiva de traba-
lho, como lugar da soberania absoluta do empregador. Se a atividade de trabalho
e a organização de trabalho realizam, a par do interesse do empregador, também
necessidades fundamentais de desenvolvimento da corporalidade, protegidas pelo
direito fundamental ao trabalho, isto impõe recuperar-se o espaço da organização
do trabalho como espaço de cidadania e não só como espaço privado sob o domí-
nio do empreendedor.
Esse direito ao conteúdo do próprio trabalho é muito mais amplo e profun-
do que o direito à ocupação efetiva, consagrado no art. 4.2, a, do Estatuto dos
Trabalhadores da Espanha, no sentido de dar trabalho e permitir sua execução
normal. Trata-se de uma ocupação qualificada, de modo que o trabalho seja capaz
de permitir o desenvolver das capacidades humanas, em termos de conteúdo sig-
nficativo, potencialidade para o desenvolvimento das próprias capacidades e dons
(art. 1º da Convenção n. 122 da OIT)14 e que diz respeito ao conteúdo da atividade
de trabalho, bem como as condições organizacionais para que seja possível reco-
nhecer-se e ser reconhecido pelo trabalho bem feito, cooperaração e participação
deliberativa, o que se sintetiza em uma “ocupação plena e produtiva, em condições
que garantam as liberdades políticas e econômicas fundamentais da pessoa hu-
mana”, conforme positivado no art. 6º do PIDESC.
Deve ser garantido ao cidadão trabalhador um direito à atividade e à organi-
zação saudável do trabalho, corolário do direito ao trabalho, traduzido em práticas
de gerenciamento e direção da organização do trabalho na empresa, instituição
ou organização, que observem parâmetros positivos e negativos de adequação à
14
Dispositivo da Convenção 122 que dispõe sobre a política de emprego, a qual deverá procurar
garantir:
“a) que haja trabalho para todas as pessoas disponíveis e em busca de trabalho; b) que este trabalho
seja o mais produtivo possível; c) que haja livre escolha de emprego e que cada trabalhador tenha
todas as possibilidades de adquirir e de utilizar, neste emprego, suas qualificações, assim como seus
dons, qualquer que seja sua raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou ori-
gem social”
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nal é uma mediação necessária. Mas não se trata só de evitar adoecimentos e sim
de assegurar as condições de possibilidade para que o trabalho possa permitir a
autorrealização pelo trabalho – ainda que isso seja limitado e contingente, sob as
condições do capitalismo.
A compreensão do conceito de meio ambiente organizacional do trabalho traz
repercussões jurídicas de monta para a tutela do trabalho, à medida que atrai o ar-
cabouço jurídico de tutela do meio ambiente que, sintomaticamente, é mais inten-
so que aquele de tutela do trabalho. E não se poderia admitir que o meio ambiente
seja menos protegido na parcela em que ele mais se aproxima da vida humana
cotidiana. Por isso cabe situar o direito a uma organização do trabalho saudável
em relação aos conceitos do Direito Ambiental.
A doutrina ambientalista nacional assentou, didaticamente, que o conceito
constitucional de meio ambiente abriga o meio ambiente natural (físico), o meio
ambiente artificial, cultural e do trabalho.15 Para Fiorillo, o meio ambiente do tra-
balho é
15 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 22-23. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalha-
dor. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013. P. 28.
16 FIORILLO, loc. Cit.
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17 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed., São Paulo, Malheiros, 2000, p. 23.
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18 Aquilo que a lei denomina como enfoque humanista e holístico pode ser melhor compreendido
pela noção de complexidade das interações ambientais, notabilizada na obra de Edgar Morin. O
pensamento complexo constitui inteligibilidades possíveis, ainda que incompletas, sobre o tecido
conjunto (complexus) de elementos altamente inter-relacionados dos fenômenos e seus contex-
tos, baseando-se em três princípios que atuam como operadores de inteligibilidade: a) dialógi-
co, segundo o qual princípios ou noções que deveriam se repelir reciprocamente, como ordem e
desordem, tornam-se simultaneamente indispensáveis na compreensão de uma realidade, sem se
reconduzirem a uma síntese homogenizadora; b) recursivo, segundo o qual os produtos de algo
são também produtores daquilo que os produz; c) hologramático: não só a parte está no todo, mas
o todo está em cada uma das partes, de um modo que o todo é mais que a soma das partes, alcan-
çando qualidades distintas, e ao mesmo tempo menos, pois a organização introduz constrições
que inibem qualidades das partes. MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade In.: Schnitman
Dora F. (org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p.274-
289.
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para os peixes, está o habitat principal das “pessoas que vivem do trabalho”, que se
chama organização do trabalho.
Raimundo Simão de Melo apanha com precisão essa dimensão, ao definir o
ambiente de trabalho para além do local de trabalho:
Art. 3º: Para os fins previstos nesta lei, entende-se por: (...)
III: poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de ativi-
dades que diretamente ou indiretamente:
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20 EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O meio ambiente do trabalho. Conceito, responsabilidade civil
e tutela. Jus Navigandi. Teresina, ano 17 (/revista/edições/2012), n.3377 (/revista/edições/2012/9)
2012 (/revista/edições/2012). Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22694. Acesso em:
15/03/2015.
21 Não há uniformidade, entre os autores nacionais do Direito Ambiental, sobre o elenco e a taxiono-
mia desses princípios, sendo esses os que figuram na grande maioria das obras.
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o dano diante do risco conhecido, aquela pretende evitar o próprio risco ao am-
biente, quando há incerteza científica sobre ele.
Nesse sentido, a síntese de Paulo Affonso Leme Machado:
22 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed., São Paulo, Malheiros,
2002, p. 62.
23 CESÁRIO, João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhis-
tas. São Paulo, LTr, 2012, p. 80.
24 Art. 161 - O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que
demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de
serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevi-
dade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortú-
nios de trabalho. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977). Evidentemente que, na omissão
da autoridade administrativa, poderá o juiz determinar que o faça.
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25 Nesse sentido, o art. 166 da CLT bem como o item 12, b, da NR-4 introduzida pela Portaria MTb
3.214;78, estabelecem a prioridade da eliminação do risco na fonte sobre o isolamento da exposição
e a proteção individual.
26 Invocando o princípio de precaução, embora sem fazer referência ao dispositivo da Convenção
155 da OIT, Seção de Dissídios Coletivos do TST manteve, em agravo regimental, decisão do Pre-
sidente da Corte, Min. João Oreste Dalazen, que negou a suspensão de sentença normativa do
TRT da 2ª Região que havia assegurado o pagamento dos dias de paralização em caso de greve
voltada à adoção de medidas de segurança no trabalho de petroleiros. Processo: AgR-ES - 4253-
26.2011.5.00.0000 Data de Julgamento: 13/02/2012, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Seção
Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 02/03/2012.
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27 Nesse sentido, o enunciado 38 aprovado na1a Jornada de Direito Material e Processual da Justi-
ça do Trabalho, realizado no TST em 23/11/2007: 38. RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS
OCUPACIONAIS DECORRENTES DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Nas
doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade
do empregador é objetiva. Interpretação sistemática dos artigos 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, §3º, da
Constituição Federal e do art. 14, §1º, da Lei 6.938/81.
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Conclusão
28 HELLER, Agnes. Teoria de las necesidades em Marx, Barcelona, Península, 1978, p. 87-113.
29 SÁNCHEZ RUBIO, David. Direitos humanos, ética da vida humana e trabalho vivo, In WOLK-
MER, Antonio Carlos (org). Direitos humanos e filosofia jurídica na América Latina. Rio de Janei-
ro, Lumen Júris, 2004, p. 140.
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
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NOTAS SOBRE O ASSÉDIO
ORGANIZACIONAL E SEUS EFEITOS
DELETÉRIOS PELO OLHAR DA
“CLÍNICA” DO TRABALHO
1. Introdução
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
2 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral as Relação de Trabalho. 2ª Edição. Curitiba: Ju-
ruá, 2008: O assédio moral, também conhecido como terrorismo psicológico ou psicoterror, é uma
forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, e que consiste na prática de atos, gestos,
palavras e comportamento vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores, de forma sis-
temática e prolongada...
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NOTAS SOBRE O ASSÉDIO ORGANIZACIONAL E SEUS EFEITOS DELETÉRIOS PELO OLHAR DA “CLÍNICA” DO TRABALHO
3 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 579.
4 AGUIAR, André Luiz Souza. Assédio Moral: o direito à indenização pelos maus-tratos e humilha-
ções sofridos no ambiente de Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 71.
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Assédio moral organizacional: as vítimas dos métodos de gestão nos bancos
5 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 27. no começo
de 1984 Heinz Leymann publica, num pequeno ensaio científico contendo uma longa pesquisa
feita pelo National Board of Occupational Safety and Health in Stokolm, no qual demonstra as
conseqüências do mobbing, sobretudo na esfera neuropsíquica, sobre a pessoa que é exposta a um
comportamento humilhante no trabalho durante certo lapso de tempo, seja por parte dos superio-
res, seja por parte dos colegas
6 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho – Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janei-
ro: Bertrand Brasil, 2010. p. 16: O fato de o conceito de assédio moral ter sido tão significativo para
um número tão grande de pessoas em minha obra anterior está provavelmente ligado à escolha do
termo moral. Este conceito, qualificado de psicológico, significaria que se tratava unicamente de
um estudo sobre mecanismos psicológicos, ou seja, especialistas. A escolha do termo moral impli-
cou uma tomada de posição.
7 Países como França, Italia, Suécia, Noruega e Austrália passaram a criar leis que proibiam a prática
de assédio moral no trabalho.
8 O assédio moral vertical descendente é a espécie mais comum, e ocorre quando o empregado é
assediado pelo empregador ou aquele que está investido na posição de chefia e o assédio moral. O
assédio moral horizontal ocorre quando as agressões partem dos colegas de trabalho ou grupo do
mesmo patamar hierárquico. Ela pode iniciar-se devido à disputa de funcionários por uma promo-
ção ou um cargo novo.
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12 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral as Relação de Trabalho. 2ª Edição. Curitiba: Ju-
ruá, 2008. p. 45.
13 FILHO, Wilson Ramos. p. 100.
14 Dejours foi estimulado em sua pesquisa sobre o poder emancipatório do trabalho por Axel Hon-
neth, que estudou o conceito crítico do trabalho, mas não o concluiu, porém, foi Honneth que
conseguiu na teoria do reconhecimento um lugar para o trabalho.
15 BOUYER, Gilberto C. Contribuição da Psicodinâmica do Trabalho para o debate: “o mundo con-
temporâneo do trabalho e a saúde mental do trabalhador. Revista Brasileira de Saúde Ocupacio-
nal, vol. 35, nº 22, São Paulo, julho/ Dezembro, 2010. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572010000200007. Acesso em 15.08.2016.
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Considerações
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NOTAS SOBRE O ASSÉDIO ORGANIZACIONAL E SEUS EFEITOS DELETÉRIOS PELO OLHAR DA “CLÍNICA” DO TRABALHO
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