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Assédio moral: a violência perversa no cotidiano - 643-

Hirigoyen MF. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002.

Resenha de: Regina Lúcia Mendonça Lopes1, Normélia Maria Freire Diniz2

1
Doutora em Enfermagem/UFRJ. Livre-Docente/UNI-Rio. Mestre em Educação/UERJ. Especialista em Avaliação à Distância/UNB.
Especialista em Educação/UERJ. Especialista em Enfermagem do Trabalho/UERJ. Habilitada em Enfermagem Obstétrica/UFRJ.
Bacharel em Enfermagem/UFRJ. Profª Titular da Escola de Enfermagem da UFBA. Pesquisadora na Área de Saúde da Mulher.
2
Doutora em Enfermagem/UNIFESP. Mestre em Enfermagem/UNIFESP. Especialista em Enfermagem Obstétrica e Obstetrícia
Social/UNIFESP. Especialista em Metodologia do Ensino e da Assistência de Enfermagem/UFPB. Habilitada em Enfermagem
Obstétrica/UFPE. Bacharel em Enfermagem/FESPE. Profª Adjunta da Escola de Enfermagem da UFBA. Pesquisadora do Grupo de
Estudos em Saúde da Mulher/GEM-EEUFBA. Coordenadora da sub-linha de Pesquisa Mulher, Saúde e Violência.

A autora francesa Marie-France Hirigoyen tem tender que se trata de uma violência declarada, mes-
como formação básica a Medicina, com Especializa- mo quando oculta, na qual o processo de destruição
ção em Psiquiatria, Psicanálise, Psicoterapia Familiar e moral do outro, pode levá-lo à enfermidade mental
Vitimologia. Sua última Especialização como Vitimó- ou, em casos extremos, ao suicídio.
loga, na área da Criminologia, realizada nos Estados A primeira parte intitulada A violência perversa no
Unidos da América, levou-a a analisar as múltiplas re- cotidiano, é sub-dividida em: a violência privada e o as-
percussões psíquicas em indivíduos que tinham sofri- sédio na empresa.
do agressões diversas. Seu especial interesse na violên-
Quanto à violência privada, com vários recortes
cia psicológica, teve como resultado imediato a publi-
de casos reais, a autora tem como foco primeiro a
cação do livro Assédio moral: a violência perver-
relação entre os casais, detalhando a evolução do rela-
sa no cotidiano, que já está sendo divulgado em vá-
cionamento desde o enredamento até a possível sepa-
rios países.
ração, procedimento este defensivo, que, não raramen-
Afora a introdução e a conclusão, a obra é cons- te, requer suporte externo profissional. Em seguida,
tituída por três partes, tendo como objetivo principal traz a situação da violência no âmbito familiar, cujos
analisar, em detalhes, uma forma específica de violên- depoimentos demonstram os sentimentos que
cia, ou seja, o assédio moral com relação às diferentes eclodem em casos de violência direta, em que há uma
formas de sofrimento no ambiente laboral. rejeição consciente ou não da criança, por parte de
Na introdução, a autora denuncia que, diante de um dos genitores ou de ambos. Partindo para uma
episódios de assédio moral, o contexto sócio-cultural atmosfera familiar mais doentia, aborda o incesto la-
atual, de forma geral, induz-nos à cegueira, à tolerân- tente, em que há, entre os envolvidos, uma cumplici-
cia e à complacência, levando-nos a banalizar tal for- dade, implantando-se o domínio maléfico que impe-
ma de perversão, que tem origem em um processo de a vítima de perceber claramente os fatos e poder
inconsciente de destruição psicológica. Justifica que se cessá-los.
utiliza dos termos “agressor” e “agredido”, por en- Já no assédio na empresa, também com a ilus-

Endereço: Resenha
Regina Lúcia Mendonça Lopes Recebido em: 15 de maio de 2003
Rua Engenheiro Milton Oliveira, 187/702. Aprovação final: 25 de agosto de 2003
40140 100 - Barra. Salvador, Ba
E-mail: reginalm@cpunet.com.br

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tração de casos, a autora destaca que o assédio no destarte, é escolhida porque suscita inveja. Esta, ques-
trabalho é qualquer conduta abusiva que se manifesta, tiona-se sobre sua escolha como bode expiatório, e
sobremaneira, por comportamentos, palavras, atos, depois passa, à primeira vista, a aceitar seu destino,
gestos e escritos. Tal situação tem como conseqüênci- emergindo, nesse momento, os sentimentos de desva-
as imediatas lesar a personalidade, a dignidade e/ou à lorização e de culpa. É o momento em que o poder
integridade física ou psíquica do agredido. Este, mui- mais impera, e faz a vítima calar-se pelo terror.
tas vezes, vê a degradação do ambiente laboral e seu Na última parte, Conseqüências para a vítima e res-
emprego ser colocado em perigo. Detalhando quem ponsabilidades, Hirigoyen detalha cinco itens, quais se-
é visado e quem é o autor da agressão, a autora cami- jam: as conseqüências da fase do enredamento, as con-
nha para as diversas formas de impedimento de rea- seqüências a longo prazo, conselhos práticos no lar e
ção, que incluem: a recusa de comunicação direta, a na família, conselhos práticos na empresa e assumir a
desqualificação, o descrédito, o isolamento, o vexame, responsabilidade psicológica.
a indução ao erro e o assédio sexual. Aponta como
Quanto as conseqüências da fase do enreda-
ponto de partida do assédio, a luta pelo poder e o
mento, tem-se a renúncia, em que os dois adotam uma
abuso deste, descrevendo os procedimentos existentes
atitude de cessão mútua, evitando o conflito mais aber-
em empresa, cujos responsáveis que não tomam ne-
to, embora, subliminarmente, o agressor fique cada
nhuma atitude, bem como os procedimentos utilizados
vez mais certo de seu poder. A outra possibilidade é a
por àquelas que estimulam os métodos perversos.
confusão da vítima, pois, não sabe ou não ousa se
A segunda parte, denominada A relação perversa e queixar, e aqui se tem como produto a instalação do
seus protagonistas, apresenta: a sedução perversa, a co- estresse, do medo e do isolamento.
municação perversa, a violência perversa, o agressor e
A longo prazo, as conseqüências são: o choque
a vítima.
emocional, quando a vítima toma consciência da agres-
Na sedução perversa, o enredamento apresenta são, e passa a sentir-se desamparada e ferida, e a dor
três dimensões: uma ação de apropriação, em que o soma-se à angústia; a descompensação, ocorrendo um
outro se despossui; uma ação de dominação, em que esgotamento psíquico com respostas fisiológicas, situ-
o outro é mantido em estado de submissão e de de- ação que, não raro, leva-a a buscar ou a ser encami-
pendência; e uma dimensão de impressão, pois se nhada o um serviço de psiquiatria; a separação, esta
objetiva imprimir no outro uma marca de característi- que, quando chega a ocorrer, é sempre por iniciativa
cas negativas. da vítima e, este processo de libertação, se dá com
Na comunicação perversa, o enredamento e a dor e culpa, podendo vir a buscar um encaminha-
comunicação se estabelecem com o uso de procedi- mento jurídico; a evolução, como última conseqüên-
mentos que, dão à todos a ilusão que o intercâmbio cia citada, é a tentativa de superação ou de esqueci-
pessoal está se processando. Surge, então, a situação mento por parte da vítima, nunca sendo afastada a
da angústia, pois, a violência é abafada pelas reticênci- possibilidade de seqüelas psíquicas, com por exem-
as, subentendidos e pelos não-ditos. A angústia se agra- plo, o desenvolvimento da síndrome do estresse pós-
va pela recusa da comunicação direta; pela linguagem traumático.
deformada; pelas mentiras; pelo manejo do sarcas- Os conselhos práticos no lar e na família dizem
mo, da derrisão e do desprezo; pelo uso do parado- respeito ao reconhecimento da situação, a busca por
xo; pela desqualificação; pela divisão para melhor do- ações, a resistência psicológica e a intervenção judiciá-
minar; e, finalmente, pela imposição do próprio po- ria.
der.
Os conselhos pertinentes à empresa são de cu-
No item violência perversa, a resistência ao do- nho prático e imediato: a vítima deve descobrir e re-
mínio é diretamente proporcional à exposição ao ódio, gistrar os fatos; buscar ajuda dentro da empresa, re-
sentimento que se torna visível, levando a acuação do correndo à chefia imediata e/ou ao Serviço de Recur-
outro. sos Humanos; resistir psicologicamente, se possível,
Na descrição do agressor, a autora destaca com auxílio terapêutico; reconhecer a possibilidade de
exemplos de narcisismo, de perversão, de megaloma- ações judiciais como um caminho, analisando o co-
nia, de vampirização, de irresponsabilidade e de para- nhecimento da empresa. Como ponto importante afir-
nóia. Já sobre a vítima, a estudiosa afirma que, esta é ma que, a organização deve visar a prevenção do as-
vítima porque assim foi designada pelo agressor, e, sédio moral.
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O texto que trata do assumir a responsabilidade Administração, bem como a todas(os) que se interes-
psicológica, enfoca a necessidade de cura, tendo como sam em aprofundar a complexidade das relações
ponto de apoio o atendimento psicoterápico, que de- interpessoais, quer no âmbito familiar ou, especifica-
verá trabalhar a perversão vivenciada e a saída da situ- mente, no trabalho. O livro conduz-nos à reflexão
ação, auxiliando o indivíduo a livra-se da culpa e do sobre tal forma de perversão, levando-nos a valorar a
sofrimento. Por último, esclarece sobre as várias dimensão social desta conduta, para a saúde mental e
psicoterapias disponíveis: a cognitivo-comportamental, física de todos os indivíduos.
a hipnose, a sistêmica e a psicanálise. Embora o assédio moral não seja um fenôme-
Na conclusão, Marie-France Hirigoyen nos aler- no novo, somente a partir dos anos 80 tem sido abor-
ta que tal fenômeno pode ser encontrado em todos dado, principalmente nos Estados Unidos da Améri-
os grupos sociais em que a rivalidade se instala, desta- ca e em alguns países da Europa. A autora nos apre-
cando como meios as escolas e as universidades. Sen- senta uma triste radiografia dessa violência perversa,
do a imaginação do ser humano desmedida, o assé- realidade que, não tem sido suficientemente discutida
dio moral caracteriza o sucesso como o valor primor- em nossa sociedade. É, pois, de caráter emergencial
dial e reveste a honestidade de fraqueza. levarmos em conta, não só as terríveis conseqüências
A obra fornece subsídios as(aos) estudiosas(os) pessoais para os diretamente envolvidos, mas, tam-
das áreas de Saúde Mental, de Violência e Saúde, e de bém, para as organizações ou empresas em que se
esta forma de violência se origina.

Texto Contexto Enferm 2004 Out-Dez; 13(4):643-5.

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