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A mais-valia não deve apenas ser produzida, ela deve ser realizada em
termos de dinheiro real no mercado. E dinheiro “real” deve ser uma
mercadoria, que requer trabalho para ser produzida, uma vez que só isso
pode realizar todas as funções do dinheiro, das quais a mais importante
é a de ser a medida de valor para todas as outras mercadorias em
termos de seu próprio valor de uso – em quantidades de ouro, se ouro for
a mercadoria-dinheiro. O capitalismo, que aloca o total da força de
trabalho na produção de todas as diferentes mercadorias que a
sociedade necessita de acordo com flutuações de preço e lucro no
mercado, não poderia funcionar de outra forma. A quantidade de
dinheiro, em termos de poder de compra disponível para realizar o valor
de todas as outras mercadorias, é, portanto, limitada pela quantidade de
dinheiro real – reservas de ouro – em existência. Outras formas de
dinheiro, dinheiro fiduciário e dinheiro creditício, apenas podem ser
compreendidas a partir desse fato básico (mais sobre isso abaixo). O
desenvolvimento dos sistemas modernos de moeda, câmaras de
compensação, bancos e crédito permite que se utilize menos o material
monetário, mas no fim a reprodução ampliada – e o capitalismo só pode
existir em reprodução ampliada, Williams afirma repetidamente – não
pode ocorrer sem um certo nível de produção de ouro [2].
A trilha do ouro
Williams testa sua teoria examinando tendências históricas da produção
de ouro. Ele faz a afirmação geral de que “Todo período maior de
prosperidade na história do capitalismo desde a metade do século XIX foi
precedido ou acompanhado por um grande aumento na produção
aurífera, enquanto todo período de maior crise foi acompanhado ou
precedido por grandes quedas na produção aurífera.” Os dois
grandes booms de corrida por ouro do século XIX, (sobre os quais há
mais abaixo), são casos óbvios. Williams também aponta para dois
exemplos mais recentes: no século XX, uma queda na produção aurífera
desencadeada pelo aumento de preços do “longo boom” das décadas de
50 e 60, precederam a queda de 1974-5. Uma queda similar na produção
aurífera, desencadeada pelo aumento de preços da “grande moderação”
da década de 90, precedeu a queda de 2007-09. Ou inversamente, as
recessões de 1974-75 e 1981-82 abaixaram os preços (em termos de
ouro) e levaram, depois de um intervalo necessário, ao aumento na
produção aurífera que pavimentou o caminho para a expansão da
década de 90, assim como a queda mais profunda no preço das
mercadorias na década de 30 aumentou a produção de ouro e tornou
possível o boom da Segunda Guerra. (Sua explicação para a severidade
da “super depressão” da década de 30 é que a “reprodução reduzida” da
Primeira Guerra Mundial não permitiu que os preços das mercadorias
caíssem, na verdade o que ocorreu foi o oposto, de modo que eles já
estavam muito altos em relação ao valor do trabalho quando o boom da
década de 20 começou, mantendo a pressão de declínio na produção
aurífera que começou com a expansão pré-guerra, que vinha se
mantendo sem interrupção há décadas).
Esse movimento de preços de mercado em relação a valores
subjacentes e seu efeito sobre a produção de ouro é o arcabouço da
teoria de Williams, mas dois outros fatores, não necessariamente
cíclicos, que podem funcionar de modo favorável ou antagônico a ele
estão operando no mundo real, e essas interações variáveis devem ser
levadas em consideração. A primeira é o preço do ouro em dólar, que
esteve sujeito a variações, eventualmente drásticas, desde o fim dos
últimos vestígios do padrão-ouro internacional com o colapso do sistema
de Bretton Woods em 1971; o segundo é a capacidade física do estoque
de ouro do mundo aumentar (ele nunca de fato decresce), e a questão
relacionada da produtividade da mineração do ouro em relação às outras
indústrias, isto é, mudando o valor de trabalho do ouro em relação às
outras mercadorias.
As formas do dinheiro
Dinheiro fiduciário é o papel-moeda emitido pelo Estado e seu
equivalente eletrônico, reservas bancárias comerciais em depósito no
banco central (por isso é legítimo referir-se a políticas de “alívio
quantitativo” estatal que expandem esses depósitos como se
“imprimissem dinheiro.”) Se muito dinheiro fiduciário é criado ele se
desvaloriza em relação ao ouro, em outras palavras os preços de
mercadorias em termos da moeda desvalorizada sobem. Dinheiro
creditício, apesar de compor a grande massa do que os economistas
chamam de “massa de dinheiro” e em muitos países já ter quase
completado sua invasão do mercado de varejo, é em primeira instância
dinheiro simbólico, mas em última instância estoque de ouro. Se uma
quantidade excessiva de crédito é emitida em relação a uma base cada
vez menor de “dinheiro real,” uma crise bancária ocorrerá, destruindo
uma parte do dinheiro creditício. Houve prova suficiente disso
internacionalmente nos últimos anos.
A lei segundo a qual dobrar a quantidade de papel-moeda em relação ao
estoque de material monetário (ouro) levará à duplicação dos preços
nominais foi aparentemente contestada pelo fato de que no rescaldo de
2007-2009 governos e bancos centrais em vários países empenharam-se
num exercício de “alívio quantitativo” massivo sem causar inflação. Para
explicar isso, Williams recorre à ressalva “permanecendo iguais as
demais circunstâncias.” Em tempos de crise as coisas não estão iguais, e
a demanda por dinheiro como meio de pagamento ou entesouramento
permite que as autoridades saiam impunes por imprimir dinheiro. Mas a
presidente da Reserva Federal Janet Yellen e seus pares internacionais
estão cientes das lições da década de 70 [3], e sabem que não podem
continuar indefinidamente com esses programas sem minar a confiança
na moeda e causar uma fuga do dólar. Daí as manobras recentes para
desacelerá-los.
A falha do Keynesianismo
Para confirmar o fato de que leis que se aplicam ao dinheiro metálico não
se aplicam a papel-moeda, Williams, como Yellen e seus colegas,
frequentemente retoma as lições da década de 70, os experimentos do
“Keynesianismo monetário” nos quais se embarcou com tanta confiança,
e o resultado inevitável no “Choque Volcker” ao fim da década. Um
aumento na quantidade de dinheiro metálico em relação às mercadorias,
mantendo-se iguais as demais circunstâncias, diminui as taxas de juros e
cedo ou tarde leva a uma expansão do mercado.
Para começar ele aponta que quando Marx estabeleceu a lei na parte
três do Volume Três d’O Capital, ele não estava tentando explicar as
crises periódicas do capitalismo, mas explicando por que seu
desenvolvimento em geral leva inexoravelmente ao seu colapso. Nesse
sentido, a lei de Marx mantém toda sua força e validade. Mas para
analisar a evolução da taxa de lucro da maneira que ele fez no Volume
Três, Marx teve de se concentrar nas condições técnicas da produção
isoladamente, abstraindo de todas as flutuações da atividade capitalista,
“inclusive,” diz Williams, “a mais dramática de todas as flutuações – as
crises. É por isso que o estudo da tendência histórica da taxa de lucro é
de forma alguma a mesma coisa que uma teoria sobre as crises.”
Conclusão e política
Devo adicionar uma ressalva em relação à política. As postagens
volumosas de Williams são permeadas de comentários políticos. Isso é
sem dúvidas inevitável, uma vez que ele mesmo diz em determinado
momento que “como marxistas, não podemos separar a economia da
política.” Ainda assim eu espero que isso não seja verdade, porque
algumas de suas opiniões políticas – que advêm, na minha opinião, de
uma falha na percepção da natureza essencialmente
contrarrevolucionária do estalinismo – podem ser ainda mais
controversas do que as econômicas.
Ele pretende prover uma teoria mais completa das crises econômicas
capitalistas do que aquelas previamente propostas demonstrando que a
mais-valia não deve ser apenas produzida, ela precisa também ser
realizada em termos de dinheiro real – “o segundo ato no processo” nas
palavras de Marx. Nesse sentido ele obtém grande sucesso.
Notas
[1] Williams iniciou seu blog em 2009, e até a presente data [abril de
2017] houve mais de 150 postagens, cobrindo todas as áreas de
economia, de teorias de comércio internacional à economia de
sociedades pós-capitalistas. Neste artigo eu me concentrei mais
estreitamente em teoria da crise. Apoiadores do blog prometeram
um ebook resumindo a teoria de Williams, mas qualquer leitor pode
simplesmente escolher entre as postagens listadas. As seguintes podem
proporcionar uma boa amostra de sua visão:
https://critiqueofcrisistheory.wordpress.com/michael-heinrichs-new-
reading-of-marx-a-critique-pt-1/michael-heinrichs-new-reading-of-marx-a-
critique-pt-3/;