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SoniaA.Siqueira
Prof.a Adjunta de História Ibérica
da Universidade de S. Paulo.

A rNQUr$ÇÃO PORTUGUESA
EASOCIEDADE COLONIAL

São Paulo, Editora Ática, 1978.


CAPA (layout): Ary Almeida Normanha
DIAGRAMAÇÃO: Elaine Regina de Oliveira
SUPERVISÃO GRÁFICA: Ademir C. Schneider

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP

Siqueira, Sonia Âparecida de.


S632i A inquisição portuguesa e a sociedade colonial / Sonia
A. de Siqueira. * São Paulo : Ática, 1978.
(Ensaios ; 56)
Bibliografia.
l. Brasil Condições sociais Pcríodo colonial
2. Brasil -
História -
Período colonial 3. Inquisição.
Brasil I. -Título. -
cDD-272.2098t
181021
-309.
78-05 r5 -98r.021

Indices para catálogo sistemático:


l. Brasil : Inquisição : Perseguições religiosas 272.20981
2. Brasil-colônia : Condições sociais 309.181021
3. Brasil-colônia : História 981.021
4. Brasil : Período colonial : História 981.021

Todos os direitos reservados pela Editora Ãtica S,A.


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Azls StruÃo, da Universidade de São Paulo.
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FrÁvro VespesrnNo Dr GroRGr, da PontiÍícia Universidade Caíólica.
Hequtne OseKenE, da Universidade de Campinas.
Rooolno lrrnt, da Universidade de Campinas.
Ruv GervÃo DE ANDRADA Cou-Ho, da Universidade de São Paulo.

Coordenador: José Adolfo de Granville Ponce


I

Para meu mestre, Prof. Eduardo D'Oliueira França


"Juzgue cada quim a la Inquisición según su
propío dictamen. Pero júzguela por lo que era, no
por lo que no era; por lo que hacín, no por lo que
no hacía".
Alfonso Junco. Inquisición sobre la Inquisi-
cion. p. 3.

"Creemos fundamentalmente que la Historia


es la Vida, en toda su compleja diversidad. No nos
sentimos, por lo tanto, atados por ningunq prevm-
ción apriorística, ni de mëtodo, ni de especulación,
ni de finalidad. Intentamos captar la realidad viva
del Pasado, y en primer lugar, los intereses y las
pasiones del hombre común".
J. Vicens Vives. Historia Económica y Social
de Espaffa y América. I, p. 17.
ÍNDICE

PREFÁCIO 11
INTRODUçÃO 13

PRIMEIRA PARTE
15
DAS CONSCIÊNCIAS NA SOCIEDADE
t.
l7
I
t7
I
26
I
38
44
52

B. COLONIZADORES, COLONIZADOS E ATITUDES RELI.


GIOSAS 6l
1. Demografia e Religião 61
2. Estruturas Sociais e Religião 67
3. Estratificação Social e Religião 76
4. A Dinâmica da Nova Sociedade 89
5. Dispersão Demográfica e Vida Religiosa 93
- A psicologia ... ;.. ...
A dispersão 93
religiosa dos homens dispersos 99
-
SEGUNDA PARTE
A INQUISIçÃO NA COLÔNIA 113
A. A ADMTNTSTRAçÃO DO SANTO OFÍCrO PORTUGUÊS ll5
B. OS ÓRGÃOS INSTITUCIONAIS 125
l. O Tribunal de Lisboa 125
?. Os Agentes no Brasil 144
a. O Bispo e seus Assessores . t44
b. Os Oficiais do Santo Ofício . r56
r Comissários 160
a Notários 164
a Qualificadores e Revedores ... . 168
a Visitadores das Naus 170
a Familiares t72
C. OS PROCEDIMENTOS 18I
1. As Visitações: .. . . l8l
a. Origem e finalidade 181
b. Periodicidade 189
c. Legislação !93
d. Ostrabalhos.... 203
o Confissões 2O3
o Denúncias 235
o Ratificações .... 266
2. Os Visitadores ... 266
3. Os Processos Ordinários 276

CONCLUSÕES 306
FONTES E BIBLIOGRAFIA 3I3

ANEXOS
. APÊNDICE 1. Homens ligados ao mar presentes em Pernambuco
entre 1591 e 162O 329

APÊNDICE 2. Senhores de engenho da Bahia e de Pernambuco


entre 1590 e 162O, referidos na documentação
inquisitorial 333

APÊNDICE 3. Mercadores presentes na Bahia e em Pernambuco


entre 1579 e 162Q, referidos na documentação
inquisitorial 340
;

APÊNDICE 4. Donos de fazendas presentes na Bahia e em


Pernambuco entre 1590 e 1620, referidos na
I

documentação inquisitorial 354

APÊNDICE 5. Processos do Brasil


VisitaçãodePernambuco... 361

APÊNDICE 6. Processos da Bahia 376

I
PREFÁCIO

Este trabalho nasceu dn necessidade por nós sentida, após explo-


rar os arquivos portugueses, de ligar o metropolitano ao coloninl, i.e.,
de annlisar a persistência das instituições; da necessidnde de estudar
a organização da colonização, i.e., de pôr em destaque o problema
das estruturas; da necessidade de estudar as ideologias, i.e., o proble-
ma dns idéias cambiantes que inspiraram a colonização. Este íraba-
lho nasceu, em outras palavras, da necessidode de uma revisão na
história de nosso período colonial, para a compreensão da seqüência
das experiências humanas.
Nossa idéia inicial foi estud.sr a ação do Santo Ofício português
no Brasil. História institucional. Ao analisar a docummtação, no
entanto, verificamos que os papéis da Inquisição guardam, sob a ri-
gidez do formulário jurídico, fragmentos ou amostras da existência
cotidinna, da conjunlura mental, ao revelarem conexões sociais, po-
líticas, econômicas. Ao revelarem, sobretudo, opiniões: opiniões dos
homens sobre os seus semelhantes, e sobre si próprios. IsÍo nos induziu
a wns nova abordagem: Íentamos refazer a história da Bahia e de
Pernambuco no fim do seculo XVI e início do século XVII, princi'
palmente através da documentação do Santo Ofício. Perseguíamos o
sonho de todo historiador moderno: o de apreender a história total
de um tempo, o de captar a visão da vida como um todo. Para alëm
da compreensão do próprio Santo Ofício, o estudo do meio social
que o acolheu ou rejeiÍou. O estudo, principalmente, da história do
homem comum, com quem q documentação do Tiibunal nos põe frente
a frente.
O trabqtho - nossa tese de livre-docência na Faculdade de Fi'
losofia da Universidade de São Faulo - desmesurou'se. A analise
da uida colonial e a da ação do Santo Oficio nessa uida configuraram-se
trabalhos que poderiam ser desvinculados. Nesía publicação excluí-
mos, pois, a vida de Pernambuco e da Bahia. Dela ficou apenas uma
síntese para a compreensão do Tribunal no Brasil. Publicamos na
12 PREFÁcro

htegra a parte do Santo Ofício. O estudo da Inquisição sugere me-


lhor a visão da História como compreensão da vida, das experiências
httttunas que, vistas na perspectiva do passado, ilwninam as experiên-
cias atuais do homem.
Expressatnos nossa gratiüo àqueles que, muito de perto
nos deram
ajuda nas dificuldndes
estímulo nos momentos de desânimo
colaboração no deslindar problettas
presença nas horas de soliüo
àqueles que durante estes longos anos
de trabalho foram
mestrcs
amigos
irmãos
pois foram todos, sobretudo, GENTE

SoNn A. Steunru
INTRODUçÃO

"Chantada a cÍttz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza,


que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela"r.
Onde iam as arÍnas do Rei de Portugal, associadas a elas, ia a Cruz
de Cristo.
A presença de Cabral na Terra de Santa Cruz era o.coroa-
mento da expansão portuguesa: relacionavam-se as âreas afro-
-asiáticas e o ocidente americano.2
"E acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse mui-
tas cruzes de estanho com crucifixo, que lhe Íicaram ainda da outra
vinda, houveram por bem que se lançasse uÍna ao pescoço de cada
um. Pelo que o Padre Frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e
ali, a um por um, lançava a sua atada em um Íio ao pescoço, fazen'
doJha primeiro beijar e alevantar as mãos".3
Cruz. Missa. Evangelho. Irrompia o Cristianismo, naquele
mesmo instante de "sol grande" em que se incorporava o Brasil
no Império. Imperio voluntariamente cristão, o dos Avis. De Vera
Cruz tinha que ser a terra descoberta. Perderia o nome' mas ficaria
o espírito.
A necessidade de preservação da nova terra que então se afi-
gurava "mui convenienìe e necessária à navegação da Índia"a' deu
início à obra colonial. Com os primeiros portugueses iniciava-se
1 A Carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro, Ed. Jaime Cortesão, l%3. p.
235.
2 "No Mar Oceano se organizaram as úas de passagem para as regiões coloniais
do Novo Mundo, conexas com as $ras congêneres afro-asiáticas que Portugal vinha,
desde rccuados anos, assentando em sólidas bases". Nuxrs Dns' Manoel. Partilha
do Mar Oceano e Descobrimento do Brasil, Sep. de ,Srüdto, Lisboa' julho' n'' 12, p.
159, 1963.
3 A Carta de Pero Vaz de Canzinln. Ed. çit., p. 237.
4 Carta de 28/8/1500, em que D. Manuel informa aos Reis Católicos a viagem de
Cabral. Transcrita por Mrr,nsnos Dns, Carlos. História da Colonização Portu-
guesa no Brasil (HCPB). Porto, 1921. t. II, p. 165.
14 rNrRoDUçÃo

o transplante de toda uma cultura: maneiras peculiares de ver e


sentir a vida, a pautarJhes o comportamento em relação ao Cria-
dor e às criaturas. Homens smersos de um complexo cultural euro-
peu: o Barroco, que na Península Ibérica se exacerbara confron-
tando-se com a originalidade de sua formação espiritual. Esse Bar-
roco incipiente, visível no manuelino, não se atinha à mentalidade
das elites. Contagiara também o povo.
Até onde o Brasil colonial perfilhou as formas de vida e con-
cepção do mundo vigentes na Metrópole? Até que ponto con-
servou-se intacta, em diferentes cenários, a espiritualidade da cul-
tura portuguesa? Problema de persistência de estruturas e de idéias,
i. e., da organização da colonização à luz de certas concepções que
a inspiraram. Reeditaram-se simplesmente nas novas terras as
cristalizadas instituições metropolitanas ou se ajustaram à reali-
dade nova?
Teria a Colônia exigido tratamento institucional diverso, e
imposto uma dinâmica de criação? As novas terras eram áreas de
experiência nova também: a ocupação reclamaria outras técnicas
de vida. Um meio que diferia do metropolitano fisica, social, eco-
nômica e mentalmente propunha um desalïo à inventiva institucional.
O estudo de uma das instituições mais significativas da menta-
lidade ibérica do tempo - o Santo Oficio - e sua atuação no
mundo colonial pode servir de amostragem do comportamento
europeu. Capítulo da história da Inquisição: o sentimento religioso
em trânsito, visto nos homens que o mantinham ou intentavam
afrouxáJo. E por isso mesmo, capítulo da história da mentalidade
colonial, o.r unt"r de tudo, das atiìudes dos grupos que constituíam
a sociedade. Capítulo da história das consciências, do mundo in-
terior.
Colocado o binômio Metrópole-Colônia, resta a veriÍicação
da originalidade desta em relação àquela, ou do seu decalque.
PRIMEIRAP{R[E
AColonia
A. A SITUAçÃO DAS CONSCTÊNCTAS NA
SOCIEDADE COLONIAL

1. lntenção Colonizadora e Retigião


Depois da descoberta, as vagas atlânticas ao se espraiarem
nas costas brasileiras derramavam sobre elas, de tempos em tem-
pos, fluxos de civilização. r Presença de uma Metrópole, a se fazer
t sentir em aportações humanas.
tl
l
Com os homens ancorava todo um complexo conjunto de
crenças e idéias, veículos da própria vida portuguesa. Transplanta-
i vam-se, a longas distâncias e incertos ritmos, idéias de um mundo
branco, não raro exclusivista e intolerante. Mundo hierarquizado
consoante a uma escala de valores que estava então sendo restau-
rada, e que se procurava reafirmar constantemente.
O colono que demandava o Brasil era agente da cultura portu-
guesa2 que, através dele, se impunha ao país de que se apossava.3
Canalizavam-se para o mundo americano elementos espirituais e
modos de vida: produtos da atividade mental, religiosa, artística
ou tecnica. Concepções de vida, costumes, estruturas sociais acon-
dicionadas em homens para exportação. Tudo de modo mais ou
menos experimental.
A cultura está sempre ligada às peculiaridades nacionais: com
os colonizadores chegavam também traços da fìsionomia espiritual
e moral do povo português.
I Desde que D. Manuel soube da existência de seus novos domínios, "daí por diante
começou logo a mandar alguns navios a estas partes, e'assim se foi a terra desco-
brindo pouco a pouco, e conhecendo cada vez mais, até que depois se veio toda a
repartir em Capitanias e a povoar de maneira que agora esta". GÂttplvo, Pero de
Magalhães. Hístória da Província de Santa Cruz. S. Paulo. Ed. Brasil Bendecchi,
1964. p. 26.
2 Usamos a palavra caltura na acepçõo consagrada por Tylor: "Um complexo que
compreende os conhecimentos, ag crenças, as artes, a moral, as leis, os costumes
e todos os demais Mbitos e aptidões adquiridos pelo homem na qualidade de mem-
bro de uma sociedade". Tvlol, E. B. La Civilization Primitive. Paris, 1876. t. I. p. L
3 Cf. Mrrsrno Dus, Carlos. "Introduçõo." ln:. HCPB. Porto, 1923. t. III. p. VI.
f 8 A srrulçÃo DAs coNScrÊNcIAs ...

Os primeiros brancos que chegavam destacavam-se do Portu-


gal do decurso do séculoXVI. Traziam - às vezes inconscientemente
- impressas as formas culturais da sociedade barroca em que se
haviam formado. Cultura barroca na qual se ajustara a persona-
lidade portuguesa - mescla de ativismo e de sonho. Sem ter como
o castelhano "um forte ideal abstrato, nem acentuada tendência
mística"r, o português dividia com ele a flutuação entre o ideal
e o real.2
A idealização da ylda e o chamamento irresistível para o mundo
real povoavam de fundas antinomias a individualidade psicossocial
do português. Idealização que impulsionara a ação desde a busca
do reino de Prestes João até o cruzadismo inconseqüente de Al-
cácer-Quibir, e que teimava em abrir passagens para a evasão da
realidade superestimando as próprias forças. Os mesmos caminhos
que tornaram possível a esperança de um casamento e de um her-
deiro do Cardeal Infante D. Henrique "trêmulo, trôpego, às bordas
do túmulo" 3 e que levavam a coisas como o casamento do Infante
D. Luís com Violante Gomes. Idealização mesclada de religiosidade,
mal sofreada pelas aspirações de ordem. Cruzadismo. Legitimidade.
Idealização socavada sob a corrupção fácil de uma nobreza incon-
sistente que havia de se entregar ao Espanhol, acomodada a um
pseudolegitimismo mas que persistia, travestida, na projeção da
ilusão sebastianista. Sebastianismo que refletia, como diz Lúcio
de Azevedo, a feição inseparável da alma portuguesa "nascido da
dor, nutrindo-se da esperança"4.
A certeza de posse da verdadeira vida espiritual gerara em
muitos homens aquele cruzadismo difuso que se sublimava nas
missões e se norteara muitas vezes para o Brasil como para a Africa
ou para o Oriente.
A consciência da realidade assaltava com veemência os espíri-
tos após essas fugas mais ou menos voluntárias e mais ou menos
conscientes das imposições da natureza e da vida. Então abdicavam
os indivíduos de suas condições de heróis, renunciavam aos sonhos
de santidade e contentavam-se em ser apenas homens comuns.
1 Dns, Jorge. "Os Elementos Fundamentais da Cultura Portugu.esa." lt: Actas do
l.o Colóquio Interrucional de Estüos Luso-Brasileiros. Nashville, 1950. p. 56.
2 PrrNot, Ludwig. Introducción al Siglo de Oro. Barcelona, 1959. p. 288.
3 RrsrLo or Srrv.t, Luis Augusto. Históría de Portugal nos Sécalos XVII e XVIil'
Lisboa, 1860. ï. l, p. 329.
4 Aztvsoo, João Lúcio de. A Evolução do Sebastionismo. Lisboa, 1947. p. 8.
rNrENçÃo coLoNrzADoRA E RELt(írÃo 19

Aceitavdm as próprias limitações. Sentiam-se fracos. Pessimistas.


Por isso aglan: despertavam das irrealidades de seus sonhos e mer-
gulhavam na ação para se realizarem a si próprios ou desafiar aos
demais. O dinamismo característico dos homens do tempo impelia-
-os à aventura de atravesiar o oceano e construir uma nova iocie-
dade onde nada havia. {spírito de aventura, fruto de um espírito
mercantil que em grandelparte possibilitou a existência de um Im-
pério Português. Ultramâres. Seu heroismo incentivara-os a criar
um mundo. Seu pragmatismo criou-o. Para quem? Para Deus e
para o Rei, sugeria dentro de si o Quixote; para si mesmo, reclamava
Sancho.
Procedia o colono de uma sociedade de homens que agasalha-
vam conflitos interiores. Sociedade que tentava reafirmar os tra-
dicionais conceitos de hierarquia, ordem e paz social, mas abri-
gava, não obstante, os inquietantes fermentos destilados pela pre-.
sença de uma burguesia em ascensão e pelas novas formas de vida
econômica que com ela se instalavam. O emigrado vinha de um
mundo em processo de reafirmação. Procedia de um país em trans-
formações, onde as persistências culturais das idades anteriores ti-
úam força suficiente para travar as consciências que optavam
pelos novos valores emergentes.
Dúvidas quanto à validez da autoridade e da hierarquia dei-
ravam entrever as fermentações do racionalismo e do individualis-
mo, a sedução do primado do particular sobre o universal. A razão
individual exaltada levava os indivíduos mais facilmente a consti-
tuírem-se em árbitros dos conhecimentos. Mesmo daqueles que
proviessem de fontes autorizadas. O Pe. Francisco Pinto Doutel,
por exemplo, repreendido pelo Visitador de Pernambuco por nâo
se ter conformado com o que dizia o Frade João Seixas, carmelita,
pregador e letrado, objetou que não tinha consciência que o frade
fosse muito letrado, tendo para si que seria muito duro que Deus
cerrasse as portas da misericórdia aos penitentes ainda que pres-
critos. Achara melhor, portanto, optar por suas próprias idéias
sobre a predestinação. I
Traziam os homens que vinham para o Novo Mundo nos es-
píritos inquietos e titubeantes, temerosos ou arrojados, uma tônica:
a religião, denominador comum das consciências.
I lÌrqu$çÃo os LsBoA. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTI), proc.
n-' l0 888.
20 A srruAçÃo DAS coNscrÊNcrAs...

Portugal nascera da luta contra o muçulmano. A Reconquista


é a subestrutura de sua história. O signiÍicado religioso do empre-
endimento avivou o Cristianismo nas etnias hispano-visigóticas,
primeiros elementos da nacionalidade portuguesa. Um Catolicismo
belicoso que se mantinha vivo, incorporou-se à própria visão da
ação. No século XVI predispunha a participação do país na Refor-
ma da Igreja Católica, garantindo uma peculiar receptividade. Re-
tomada da militância, reencontro com a história dos antepassados.
Nessa época, Portugal dividiu com a Espanha a liderança na de-
fesa da ortodoxia.
Produto dessa sociedade cristã militante, o homem do século
XVI tivera plasmado no subconsciente, com maior ou menor in-
tensidade, uma série de imagens e conceitos. Entre eles, a consciên-
cia de um mundo visível e outro invisivel, constituído por Deus e
por Ele governado. Nesse mundo encaixava-se o homem - projeção
da vontade criadora de Deus. r Homem dotado de espírito e de li-
berdade, capaz de decaimento, como também de retorno ao Cria-
dor.2 Homem consciente de que o caminho para a aproximação
a Deus era escalonado em sucessivos degraus da perfeição da vir-
tude. Opondo-se a Ele ftcavaa idéia do vício3 ligada à de homem
natural com seus apetites para o alimento, a bebida, a luta, o jogo,
a vanglória e os excessos sexuais. Tudo isso implicava numa con-
cepção de justiça, com seus corolários de mérito, demérito, prêmio
e castigo, arrastando o conceito do valor medicinal das penas. Idéias
elaboradas pela Teologia, reestruturadas pela Escolástica restau-
rada, que substantivavam o pensamento cristão do tempo. Pensa-
mento que avivava a consciência dualística dos planos natural e
sobrenatural do homem, hóspede provisório do mundo, tangido a
preparar seu fim eterno. Cristianismo: estímulo e critério de ação.
Nessas condições é claro que a preocupação com a vida eterna
emigra na bagagem mental dos colonos. No alpendre da casa de
Heitor de Barros, Pero Carneiro chocava seu hospedeiro perguntan-
do ao Pe. Luís do Couto por que Cristo temera a morte se sabia
I "A vontade de Deus é a causa dos seres" ensinara Sto. Tomás e reafirmava a Es-
colástica restaurada. Suma Teológica. Madri, Ed. Pe. Ismael Quiles S.I., 1957. C.
46, a. l. p. 68.
2 "...o fim último do homem e igualmente de todos os demais seres é Deus..." Op.
cit., c. l, a. 8. p. 99.
3 "...a virtude é a disposição ao perfeito, ao ótimo... e o que a ela se opõe chama-se
vicio..." Op. cit., e. 71, a. l. p. l19-20.
rNrENçÃo coLoNrzADoR E RELrcrÃo 2l

que haveria de ressuscitar.l Provavelmente tinha na lembrança as


palavras do Apóstolo: "Se Cristo não ressuscitou é, pois, vã a nossa
pregação e também vâ a vossa fé"2.
Manoel Gonçalves deixava entrever em seu espírito o entrosa-
mento dos dois planos da vida - terrena e extraterrena - expri-
mindo as idéias da necessidade da fornicação, para que no outro
mundo os diabos não fornicassem a pessoa. Tudo expunha, aos
amigos e conhecidos, "pelas palavras desonestas que vulgarmente
se dizem", anotou o Notário em seu processo.3
Patenteava-se com naturalidade a dependência do Céu. Jorge
Dias exprobava o Criador pela sua saúde perdida em frases tais
como esta: "Jesu-s Cristo, onde estais que não me dais saúde, que
tantas vezes Vo-la-hei pedido". E agastava-se: "Já Vo-la não hei
de pedir mais".a
A idéia de crime-castigo emerge nítida nas palavras do con-
I fitente Salvador Barbosa que declarava ao Visitador saber que os
atos sodomiticos que cometera eram pecado grave e passível de
i
pena de morte pelo fogo. s Diogo Monteiro confessava saber que
I

'
ingerir carne nos dias defesos era culpa heretical, por isso pedia
misericórdia à Inquisição, pois não queria perder sua alma. ó
A existência de um mundo do Bem e outro do Mal, identifi-
cados com Deus e o demônio transparece com muita freqüência
dos processos inquisitoriais, como no de Jorge Dias que, doente
das chagas e dos corrimentos, disse à sua mulher: "se agorâ viera
o diabo e me perguntara qual queria se morrer agora e ir direto ao
Paraíso, se darlhe a ele diabo um membro e Íìcar valente e rijo,
eu tomara antes dar-lhe um membro por ficar são".7 A dualidade
implicava em opção e esta deixava entrever a convicção do livre-
-arbítrio com que tanto se preocupou a espiritualidade do tempo.
A solução católica da liberdade da escolha entre o Bem e o Mal
possuía as mentalidades. Dão testemunho disso as palavras de
Afonso Pereira que arrenegou Deus e disse que não acreditava n'Ele
e chamou os demônios para que o viessem buscar.s Descria de Deus;
t lrqursrçÃo op Lrsnoe. ANTT, proc. n} 2 553.
2 SÃo Pruro, 1." Epístola aos Coríntios. cap. XV, versículo 14.
3 InqursrçÃo oe Lrsnol. ANTT, proc. n." 13250.
a Id., proc. n.' 16895.
s 1d., proc. n." 11208.
6 Id., proc. n." ó343.
1 Id., proc. n.' 1ó895.
I Id., proc. n.' 11068.
22 A srruAçÃo DAs coNscrÉNcrAs ...

tinha que optar pelo diabo. André Fernandes Caldeira num re-
pente afirmara diante de testemunhas "que queria levar boa vida
neste mundo, que no outro o levassem os diabos; que lá não o via
ninguém." 1 Seduzido pelos gozos do mundo tentara libertar-se do
temor da sanção post-mortem afirmando seu desdém. Dias depois
sabemos que foi implorar no confessionário dos jesuítas o perdão
para as suas palavras. Chegada a Visitação a Pernambuco, apre-
sentou-se voluntariamente a Furtado de Mendonça para recontar
o caso. As heresias eram de circunstâncias; enraizadas fundamente
estavam as crenças.
O homem do século XVI cria.2 Inelutavelmente. Angustiada-
mente. Fé inculcada no aconchego familiar, complementada na vida
social, no trabàlho, nas viageÃ, nos bancos àas igrejas ou nos
confessionários. Fé que chegava aos corações através da palavra
ouvida3 e que só excepcionalmente era burilada nas Faculdadçs de
Cânones ou de Teologia. Estavam em começo ainda os Seminários.
Basicamente cristalizavam-se as noções dogmáticas dos mistérios,
eficácia sacramental, imprescindibilidade da graça,interpretação da
morte e idéia da imortalidade, em grau de maior ou menor pro-
fundidade, conforme as possibilidades das mentes ou sua procedên-
cia social. As práticas litúrgicas tornavam-se hábitos quase inamo-
víveis sob a dupla pressão da consciência e da sociedade.
Os extremos próprios do clima do século passavam crenças e
comportamentos éticos por"uma lente de aumento.
Se o principal motivo da vinda para a Colônia era o ganhoa,
trazia o português para cá., no âmago de sua personalidade, os tra-
ços culturais do seu mundo. Mundo cristão, com suas inquietações
e preconceitos. Mundo católico ortodoxo, com suas intolerâncias.
Mundo barroco com seus contrastes, seus exageros, suas hesitações.
Mundo que se modernizava, abalando com as críticas, os valores
tradicionais da autoridade, hierarquia, religião, reformulando-os.
Mundo em que se esboçavam modificações das, estruturas e nas
atitudes em face da vida.
I INqunrçÃo oe LrssoÁ.. ANTT, proc. n." 8 414.
2 Ver Dtrnny, Ìür'ihelm. Hombre y Mundo en los Siglos XVI y XWL México, 19214.
3 Para o homem do século XVI "Fé é audição" escreveu Febvre, ressaltando a me-
mória auditiva, tão grande no tempo. Frnl,nn, Lucien. "O homem do seculo XVI".
Revista de História. São Paulo, V. l: 15-16, 1950.
a Palavras como as de Antônio Gonçalves (ou Monteiro) que declarou ao Visita-
dor ter abandonado o Reino e a família "para granjear a vida e tornar com algum
remédio" explicitam bem os interesses materiais que moviam colonizadores. Itqur-
stçÃo or LrssoA,. ANïï, no proc. n.' 8 480.
rNrENçÃo coLoNrzADoRA E RELrcrÃo 23

O colonizador vinha marcado pela Metrópole. Emergia em geral


do povo. Ou das camadas médias da sociedade. O homem comum
nada tinha a perder na aventura ultramarina. O risco do sucesso
valia a pena. O patriciado via novas possibilidades de vida e pro-
gresso em área de menor conflitualidade. Excepcionalmente vinham
homens dos estratos sociais mais elevados: funcionários régios,
impulsionados pelo desejo de agradar ao Soberano e pela espe-
rança de haurir no futuro beneficios do "el-dourado" indiano. Por
isso condescendiam em empregar na Colônia parte do seu tempo
e bens. Aqueles que eram obrigados, aqueles que deviam sair do
Reino, ou simplesmente aqueles que a isso se atreviam, povoavam
caravelas e galeões.
Homens comuns na maioria estavam, no entanto, envoltos pela
atmosfera cultural da época. Nuúa ânsia de imitação das elites,
burguesia e povo eram barrocos a seu modo. Partilhavam da mesma
cosmovisão. Retinham ainda certas inquietações do espírito e da
consciência que já estavam sendo superadas nas elites. Ainda bus-
cavam ordem e disciplina. A abertura maior ou menor para a apre-
ensão dessa "caÍga cultural" dependia da origem social, com suas
implícitas limitações econômicas e culturais, e de suas condições
biológicas: sexo, idade, etnia de que procediam. A firmeza das con-
vicções sofria nuances. Com toda a facilidade as mulheres partilha-
vam das idéias e esposavam valores aceitos por seus pais, irmãos
e maridos. A pouca idade respondia por flutuações e hesitações
psicológicas e morais. A pouca instrução fechava os horizontes
mentais. O analfabetismo condicignava a formação do espírito ao
que ganhasse por via auditiva.
A geografia também contava na edificação espiritual desses
canais vivos através dos quais se escoava para o Brasil a cultura
portuguesa. As províncias tinham cores próprias, como se a dis-
tância da capital fizesse empalidecer, gradativamente, os tons do-
minantes.
Se nas bagagens dos colonos vinham sementes e charruas, nelas
tinham lugar de importância primordial cruzes e evangelhos - sím-
bolos de um estado de espírito, de uma necessidade da alma, de um
estilo de vida. Fardel igual traziam clérigos e leigos: vinham iniciar
um novo mundo. Mundo português e quem dizia português, dizia
cristão. O transplante cultural alicerçava-se no da crença. O Cris-
tianismo emigrava. Conscientemente, no ideal missionário de frades
e padres, ou inconscientemente, na religiosidade mais ou menos
U A srruAçÃo DAs coNSCrÊNCrAs...

aguçada dos homens comuns. O objetivo religioso estava paralelo


à preocupação do ganho. Os colonos vinham para enriquecer, mas
sua ação não excluía a crença de que tinham impregnado a vida
interior.
Portugal, comerciante por natureza e marinheiro por predes-
tinação,1 levou consigo para as novas terras que descortinava ao
mundo, conexo e imediato, o escopo da propagação da fé. A cruz
viajava nos pendões e nas bandeiras e ficava nos marcos de posse
e nas capelas.
O espírito apostólico ressalta no grande movimento social e
cultural dos descobrimentos e da colonização.2 A empresa marí-
tima não empanara o sentido espiritual das ações dos povos ibé-
ricos.3 A importância que mereciam os ideais religiosos foi regis-
trada por numerosos cronistas dos tempos. Zrtrara, ao expor "As
cinco razões porque o Senhor Infante foi moüdo de mandar buscar
as terras da Guiné", diz:
"A quinta razão foi o grande desejo que havia de acrescenlar
em a santa fë de Nosso Senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas
as almas que se quisessem salvar, conhecendo que todo o mis-
tério da encarnação, morte e paixão de N.S.J.C. foi obrado
a este fim, scilicet, por salvação das almas perdidas, as que se
não podia ao Senhor fazer maior oferta; que Deus prometeu
cem bens por um, justo está que creiamos que por tantos bens,
scilicet, por tanÍas almas quantas por azo deste senhor são sal-
vas, ele tenha no reino de Deus tantos centendrios de galardões,
por que a sua alma depois desía vida possq ser glorificada no
celeste reino..." a

Duarte Pacheco fala na salvação divina feita ao Infante D.


Henrique na qual foi ele cientificado
"como faria muito seruiço a nosso senhor descobrir as ditas
Etiópias", "cujas gentes muita paríe delas hsviam de ser salvas
1 Lenn, Pe. Serafim (S.I.). "Prefâcio".ln: História da Companhia de Jesus no Brasí|.
Lisboa, 1938. t. l.
2 "Entre o ideal medievo da religiosidade e cavalaria, e o ideal moderno da razão,
da experiência e do lucro, a atividade de descobrir, conquistar e colonizar exerce-se
no plano da prática metódica, da cobiça, da preocupação com o destino da alma,
da aventura raciocinada, do impulso da força das armas e da tenacidade do desbra-
vamento do solo". Goonnro, Vitorino de Magalhães. Documentos sobre a Expansão
Portuguesa. Lisboa, [s. d.]. t. 1, p. 19.
3 V. An,c.úro, Maria Benedita Aires de. *'A Expansão Portuguesa e o Sentimento Re-
ligioso". ln Estudos Políticos e Sociais. Lisboa, 1965, v. III, n.o I, p. 49-216.
4 Zunmr, Gomes Eanes de. Crônica dos Feitos de Guiné. Lisboa, 1949. cap. VII.
rNrENç.íO COLONTZADORA E RELTGTÃO 25

pelo sacramento do santo Batismo sendo-lhe mais dito que nestas


terras se acharia tanto oiro com outras tão ricas mercadorias,
com que bem e abastadamente se manteriam os Reis e Povos
deste Reino de Portugal, e poderia fazer guerra aos infiéis ini-
migos de nossa sants fé católica..."L
Damião de Góis, já no século XVI, insistia no móvel religioso,
em carta ao Cardeal Bembo:
"Muitos e altos feitos, doutíssimo, praticam os portugueses cada
din na Á|rtca e na Ásia, em defesa de nossa santa fé católica...
Nós também procuremos - e é lícito confessd-lo - auferir lu-
cros e riquezas, sem os quais a Europa não poderia compen-
sar as despesas enormes que todos os dias fazemos. Merecemos
porém, louvores por não sulcarmos os mares, como outrora fize-
ram e ainda hoje fazem, muitos povos dn ltália, da Espanha e
dn França, quais inermes mercadores em busca só de especiarias,
mas com exércitos e armadas, bem apanhados contra o inimigo,
não tanto para a dilatação do nosso império, como para a expan-
são de nossas crençes".z
O trono sempre esteve presente ao plano de expansão cristã.
Aos 13 de junho de 1565 o Cardeal Infante D. Henrique escrevia a
São Francisco de Borja nos significativos termos:
"Quando a Divina Providência nos desvendou gentes bárbqras e
mares desconhecidos e vinculou ao cerro português, reinos e re-
motos impérios, ao mesmo tempo e sobretudo lhe vinculou a messe
e a cultura das almas. Nela nos ocupqmos com a diligência e o
cuidado (que nos legaram os nossos antepassados com o direito
de reinar) preocupando-nos sempre por não perder ocasião al-
guma de levar avante a propagação da fé".3
I Esmeraldo de Situ Orbis. Lisboa. Ed. de Augusto Epiphanio da Silva Dias, 1905.
cap. XXII, p. 68.
2 "Breve Contestação a Paulo Jovio sobre o Domínio dos Portugueses." Opúsculos
Históricos. Porto, 1945. p. 85 et seqs.
3 Lrrta, Pe. Serafim (S.I.). lfovas Páginas da História do Brasil. São Paulo, 1965.
p. 286.
À intenção apostólica da Coroa referiam-se inúmeros documentos do tempo,
como a Carta de Nóbrega de 5 de julho de 1559, na qual queixando-se dos colonos
dizia que "mui mal olham que a intenção do nosso rei santo, que está em glória,
não foi povoar tanto por esperar da terra ouro Dem prata, que a não tem, nem tanto
pelo interesse de povoar e fazer engenhos, nem por ter onde agasalhar os portugue-
ses que lá em Portugal sobejam e não cabem, quanto por exaltação da fé católica
e salvação das alnas". Cenrm Dos PRrr,GrRos JnsuÍus Do BRAsTL "Carta do Pe.
Manoel da Nóbrega a Tomé de Sousa." São Paulo, 1954. t. lll, p. 67.
26 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrÀs ...

Nos Regimentos, Alvarás, Cartas, Instruções Régias estão con-


tidas as mesmas determinações sobre a dilatação da crença e a
doutrinação. I Recomendações de um rei cristão que é ao mesmo
tempo soberano absoluto.2 As razões da fé estavam ligadas às do
Estado.
O Brasil nasceu cristão. A tomada de posse da terra foi feita
pelo alçamento da cruz-padrão.3 No espírito vigente, Caminha es-
crevia a D. Manoel:
"Contudo o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me será
salvsr esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa
Alteza em efa deve lançar".a
Cumpriram-se os desejos do escrivão da armada cabralina.
Primeiro derramaram-se a esmo pelas costas do Brasil as sementes
da religião do Nazareno, contidas em cada português que ali desem-
barcava. Em 1549 iniciou-se o plano de doutrinação da Terra de
Santa Cruz: os filhos de Santo Inácio chegavam com Tomé de
Sousa. A história religiosa do Brasil começava. Moderna. O país
fora pelo Rei Pio entregue aos jesuítas, detentores e responsáveis
pela nova espiritualidade que se erigira naqueles anos de renovação
da Igreja Católica.
2, "De Propaganda Fide"
A propagação da fé nas novas terras era vital para a Igreja de
s
Trento que se voltava para o mundo com sua doutrina de expansão.
1 "Porque a principal cousa que me moveo a mandar povoar as ditas terras do Bra-
sil foi porque a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica, vos encomendo
muito que pratiqueis com os ditos capitães e oficiais a melhor maneira que para
isso se pode ter e de minha parte lhes direis que lhes agradecerei muito terem espe-
cial cuidado de os provocar a serem cristãos..." "Regimento de Tomé de Sousa
(l7ll2ll548)." In: Mnr.rnno Dus, Carlos. HCPB. v. lll, p. 347.
2 "...vendo quanto serviço de Deus e meu é conseÍvar e nobrecer as capitanias e
povoações das terras do Brasil e da ordem e maneira com que melhor e mais segu-
ramente se possam ir povoando para exalçamento de nossa santa fé e proveito de
meus reinos e senhorios e dos naturais dele..." Id. ibid. p.345.
3 "Chantada a cruz, com as armas e divisas de Vossa Alteza, que primeiro lhe ha-
viam pregado, arrnaram altar ao pé dela". "A Carta de Pero Vaz Caminha." R:io de
Janeiro, Ed. Jaime Cortesão, 1943. p.235.
a Id. p.236.
5 Três atitudes missionárias tomou a lgreja nessa êpcr;at rctraimenlo, fechando-se
em si mesma até superar suas crises; luta contra os inimigos da fé (quer no plano
do ataque, quer noãa defesa); expansão pelo Oriente, África e Américas. "A geo-
grafia eclesial perdeu uma província, mas ganhou um mundo". Humcl, Alvaro.
(O.P.) "La Vida Cristiana en los Siglos XV-XVI". lt:. Espiríualidad Católica. Bar-
celona, 1969. p. 132. (Col. Historia de la Espiritualidad.)
"DE PROPAGANDA FrDE" n
Embora a Igreja desde o primeiro instante de sua vida histó-
rica tenha sido missionária,l no século XVI essa vocação tomou
novo impulso. O Concílio reafirmara os atributos da instituição
eclesiástica: (Jna, Santa, Católica e Apostólica.
; Católica e Apostólica. Com isso pusera a descoberto os funda-
mentos teológicos da universalidade e do espírito missionário.
Cristo propiciara a redenção do gênero humano sem a colaboração
deste, mas exigira sua cooperação para que pudesse se salvar. O
mistério da catolicidade coincide com os mistérios dos desígnios
supranacionais de Deus sobre a história dos homens.2 A Igreja to-
mara consciência que sua missão era a de unificar os homens no
Corpo Místico. Não podia manter-se fechada. Era de todos e para
todos.
' O fundamento eclesiológico da Obra Missionária está em sua
catolicidade essencial e em sua objetiva rhissão universal. A Igreja
deve pregar e tem o direito de ser escutada em todas as partes:3
ì aqui o nervo da expansão missionária, segundo entendiam-no os
I
'padres conciliares.a
I
i Nesse século definiu-se um consenso de expansão territorial vin-
culado à palavra Catolicidade,s tendo na vanguarda os povos
ibéricos de fé muito viva.
I Mt., 28, 19; Mc. 16, 15; Lc. 24, 47.
: S. Francisco de Assis, no seculo XIII, tentando provaÍ que os métodos de força não
l, são os melhores quis substituir uma cruzada pela pregação com que tentou converter
i o sultão Melek-el-Kâmil, do Egito. Rors, Daniel. "A Igreja das Catedrais e das Cru-
1 zadas". ln:.História da lgreja de Cristo. Porto, 1961, t. II, p. 669-70.
2 Gu-w, Angel Alcalá. La lglesia. Misterio y Misión. Madri. 1958. p. 425-26.
3 A Catolicidade expressa-se na liturgia
com as palavras in toto orbe terrartn. Stua
base está em SÂo P,luro (I Tim., 2,4-6) que fala na vocatio omnium gentium.
a Seu embasamento doutrinário resultou da progressiva elaboração, no seculo XVI,
de uma série de livros, devida principalmente aos fr'ades mendicantes, cujo denomi-
nador comum era o espirito apostólico. Todos esses livros seguiram as diretrizes
' fixadas por Santo Tomás na Suma contra os gentios e nas Razões da Fé confia os
Sanacenos. Por sua especial significação devem ser lembrados: Ars generalis de
, Raimundo Lulio (suma destinada à conversão dos infiéis); Epitome de Nicolas Her-
:. born (O.F.M.) (método de conversão dos pagãos), ambos de 1532; Itínerarium dgfran-
. ciscano Focher (guia para missionários), 1574; As razões da catequese nas Indias,
Frei Luís de Granada (O.P.), 1584; do mesmo ano, Como levar a fé aos índios do
Acosta, Stimulus Missionum do carmelita Tomás de Jesus, ló10. Rors, Daniel.
. Pe.
"Une ère de renouveau. La Réforme Catholique". ln: L'Eglise de la Renaissance
:. et de la Rëforme. Paris, 1955. p. 30ó.
i 5 Humanistas bristãos incentivaram as missões. São de Erasmo as seguintes pala-
i was: "Como é jainda imenso o terreno onde ainda não foi semeado o Evangehó!Os
i viajantes trazeú consigo de terras longínquas ouro e pedras preciosas, mas seria um
r maior triunfo levar daqui para lá a sabedoria do Cristo, mais preciosa que o ouro é
i a pérola do Evangelho, que vale bem todas as riquezas da Terra". Id. Ibid. p. 305.
2t A srruAcÃo DAs coNscIÉNcIAs...

A Restauração Católica reviu a missão do apostolado. A Igreja


integrou-se na expansão. E sobre as novas terras abertas aos brancos
plantavam-se cruzes, preanunciando a História das Missões' I
A difusão geográfica da Igreja implicava numa pluralidade de
adeptos, de culturas e de mentalidades. Seria vã e inconsistente se
não ficassem todos unidos. A evangelização e a propagação das
crenças tinham implícita a idéia de unidade. Unidades dos homens
com Deus através da própria santidade. Una, Santa.
Ajudar a manter a fé da comunidade era uma atitude volunta-
riamente escolhida pelos homens que tinham sido.envolvidos pelo
clima tridentino. Os leigos tomaram consciência de sua própria
apostolicidade; conquista renovailora da comunidade cristã.2
Não era diferente a atitude dos colonos ao se trasladarem para
o Brasil. Estavam, como os homens que Íìcaram na Metrópole, con-
vencidos da sua responsabilidade como membros da lgreja. Acei-
tavam a idéia de que Cristo quisera contar com homens como ins-
trumentos para salvar homens. Atitude de luta contra o demônio
e o herege originava-se da compenetração desse dever. Por isso,
parte dos habitantes do Brasil estava mobilizada contra o diabo -
a antítese de Deus - e contra o herege, grandes obstâculos p ra a
obtenção da eterna bem-aventurança. Gândavo, falando sobre o
nome Brasil, escrevia:
"Mas para que nesta parte magoemos ao demônio, que tanto
trabalhou e trabalha por extinguir a memóris da Santa Cruz e
desterrá-la dos corações dos homens, mediante a qual somos re-
dimidos e livrados do poder de sua tirania, tornemos-lhe a res-
tituir seu nome e chamernos-lhe Prouíncia de Santa Cruz como
trl
em prlnctpto. ,. -
O Pe. Domenech escrevia de Almeirim ao Pe. Loyola sobre o
início de sua casa:
1 Segundo a Teologia, Mlssa'o signiÍïca todo trabalho da Igreja para dilatar suas
fronteiras e atender ao programa do Mestre: Docele omnes gentes. Missões são todas
as expedições apostólicas cujos objetivos consistem na conquista de uma região
para Cristo. Missão: um envio. Missionários: os apóstolos. Daí considerar a Igreja
vários tipos de missões: aos inÍìéis, aos heréticos e cismáticos, aos Íìéis abandona-
dos. A História das Missões é a História da Igreja em marcha. Hor.Er, J. B. "Mis-
sões." Dictionnaire de Théotogie Catholique. Dir. por A. Vacant, E. Mangenot e E.
Amann. Paris, 1929. t. 10, 2." paÍte, p. 1865-997.
2 Glrw, Ángel Alcalá. In lglesia. Misterio y Misión. Madri, 1958' p' 439.
3 GÂNnevo, Pero de Magalhães: Hístória da Proúncia de Santa Cruz. São Paulo,
1964. p. 26.
"DE PRoPAGANDA FIDE" 29

",..e1 Sefror dió gracia para se principiar aunque el demonio tra-


bajó asás para la estorvar, y aun no la deixa, como quien es..."7
Obsedando os pensamentos cá ou lá, esse mesmo demônio, que
os jesuítas reencontraram no Brasil a assustar os índios,z mercê
do qual era de mister se organizassem defesas mais atiladas que a
dos índios que apenas acendiam luzes para afastá1o.3
A necessidade vital de afirmação do Cristianismo, que ressur-
gia purificado pela Reforma da lgreja, mesclava-se nos colonos com
a necessidade de implantar um mundo branco e português. Conquis-
tar a terra: façanha de heroísmo e de interesse, pela qual tinha sido
cortado o oceano incerto. Encaixar-se nesta terra, dominar aquele
costão selvagem que o mar espumejava, inserir-se nessa paisagem
inçada de tanto gentio emplumado, era um desaÍìo. Demandava
uma resposta superior às forças puramente humanas se não tivessem
a ampará-los a vontade e o auxílio do Céu. Conscientes disso apela-
vam os homens paÍa a proteção divina quando se defrontavam com
os perigos, como o fez Cristóvão de Figueiredo na enseada deYaza-
-Barris quando a urcÍì em que viajava foi presa dos ventos e desgo-
vernou-se, gritando pela Virgem sob a tríplice invocaçâo: "por
Nossa Senhora da Lluz, dos Remédios, e da Conceição".4
A continuidade espiritual para os colonos era conscientemente
querida, como condição de permanência nos novos quadros geográ-
Itcos e humanos. Por isso transportaram também para câ um certo
temor residual à heresia dissolvente. Sua condenação reponta cá
e lá. Contra o herege alçavam-se num lutar suadamente obscuro

I 17 l2l 1551. Cerrs oos h.u,cnos JrsuÍus oo Bnesrr. São Paulo, 1954. t. I, p. 213.
2 Em carta escrita na Bahia ao Dr. Azpilcueta Navarro dizia Nóbrega aos 10/8/1549:
"tienen mucha noticia del demonio y topan con él de noche y han gran miedo del".
Op. cit., t. I, p. 137.
3 "Andan con lumbre de noche por miedo delle, y esta es su defensión". Carta de
Nóbrcga. Op. cit.
4 Aumroe PRADo, J. F. A Bahia e as Capitanías do Cento do Brasil. S. Paulo, 1950.
t. III, p. 51.
Os homens que úviam no mar sentiam grande necessidade de proteção dos céus,
dos quais dependiam o apaziguamento dos ventos e o amainar das procelas. Era
comum expressarem essa necessidade de proteção pondo as naves sob a invocação
de um ou vários oragos, como por exemplo: Nossa Senhora das Neves, Santa Ana
e Santa Isabel; Nossa Senhora do Livramento, e São José; Santo Antonio, São Dio-
go e São Vicente. Anss on A*lúro, Maria Benedita. "A Expansão Portuguesa e
o Sentimento Religioso. Contribuição paÍa seu estudo". ln'. Esíudos Políticos e So-
rrars. Lisboa, 1965. v. III, n." l, p.49-216.
30 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs ...

o homem comum ou, numa militância blasonada, aqueles que eram


senhores de apelidos ilustres.
O preconceito em relação ao cristão-novo - veículo de heresia
r - coltinuava ferreteando o ânimo daqueles homens precatados
contra as artes do demo. As denúncias feitas ao Santo Ofício, no
Brasil, refletem prevenções. João Batista exclamara: "só Deus é
justo". Isto lhe valeu uma incursão pelo Tribunal da Fé, pois o
Pe. João Fernandes que ouviu tal frase foi denunciáJo, explicando
que por ser o moço cristão-novo, tais palavras poderiam estar de-
nunciando dúvidas ou negação da santidade de Nossa Senhora ou
de alguns santos. I
Das prevenções não se furtavam sequer os governantes. Tomé
de Sousa, a 1.o de junho de 1553, escreviai "...e eu agora tirei um
(locotenente do capitão-mor) da capitania dos Il,héus... por ser
cristão-novo, e acusado pela Santa Inquisição e não ser para o tal
' cargo em modo algum o qual mandou o nmo de Jorge de Èigueiredo
que Deus haja e provi de capitão um homem honrado e abastado e
de boa casta que vive na dita capitania..."2
A fama dos cristãos-novos ultrajarem imagens e gravuras de
Cristo, da Virgem e dos Santos corria despejadaÃente pãla Colônia.
De João Nunes, por exemplo, era fama pública, freqüente e escan-
; dalosa, em Olinda, que tinha um Crucifixo dentro de um bispote.3
i Diogo Castanho foi acusado em Pernambuco de pôr debaixo de
i negra, com quem tinha ajuntamento carnal, um Crucifixo. a
Rajadas de indignação encresparam a alma do Pe. Francisco
Pinto Doutel, ao ver que Pero Cardoso tinha na escada, sob um
degrau, uma tábua onde estava pintada a imagem do Cristo Cru-
cificado. Escandalizou-se, disse o denunciante ao Inquisidor, tanto
mais porque o denunciado era homem da nação. s
Irreverências ou descasos continham esses incidentes? Ou indi-
cariam, realmente, a presença da heresia inimiga charamelando
' 1 INqurslçÃo on Lrssol. ANTT, proc. n.. 13957.
2 "Carta." In: M,lr.nEno
Dres, Carlos. HCPB. t.III, p. 365. O cristão-novo destituído
, foi Francisco Lopes Raposo. Prova-o o mandato de Tomé de Sousa em 1552 para Joâo
. Gonçalves Dormondo, provido na capitania de llhéus, ordenando fosse pago a Fran-
; cisco Lopes Raposo, locotenente do capitão que fora da dita capitania, tudo o que lhe
, montasse haver de sua redízima do rendimento da dita capitania*des o dia em que
foi
i tirado dele,eisto dando ele fiança segura" ...Documentoi Históricos,v.yrM,;.2g2.
, 3 "Denunciações de Pernambuco". p.43-44.
,, n Id., p. 15. Denúncia de Simão Godínho Franca.
s lNqursrçÀo oe Lrssor, ANTT, no proc. n.. l0 888.
;
"DE PROPAGANDA FIDE" 31

abertamente? Na dúvida, corriam ao juiz os delatores e nesses rela-


tórios prenhes de leva-e-tÍaz, pÍovavelmente muita intriga deve ter
sido urdida na sombra da católica e boa tenção.
Pero Nunes, portador de sangue ainda quente de mosaísmo,
foi acusa,Jo à Inquisição por Fernão Ribeiro de Sousa (que sabia
do incidente por relato de seu sogro), de ter ao açúcar chamado
Deus. Fora assim: indo ao engenho e vendo no chão, mal acabado
e preto, o açúcar apartado para o dízimo de Deus, disse: "pois
esse é o vosso Deus e assim o tratais?"1 Alvaro Lopes, neocristão,
foi denunciado por Inês Rodrigues de estar na igreja olhando o Cru-
cifxo do altar, ameaçando-o, pondo o dedo no nariz duas ou três
vezes, pondo a mão pelas barbas, e dando-lhe duas ou três fltgas.2
Que indicariam tais atos? Traduziriam o comportamento de um
homem azedo e mau, que vivia a fermentar no coração contra
todos e tudo grandes ódios que extrovertia na igreja num momento
I de esbraseada cólera? Ou ter-se-iam suspendido temporariamente
I

I os Íìos do consciente que governam a censura, e ele teria agido livre


i
I
de inibições? O certo é que com ar murcho, pesado e fúnebre, teve
I
de percorrer diante do Inquisidor um pedregoso e duro caminho
de explicações de seus descontrolados atos.3
Tais ações repetidas amiúde na vida cotidiana ficaram a indi-
czrr que parte considerável dos colonos estava integrada na preo-
cupação missionária pós-conciliar. Reafirmar sua fé em outros
horizontes geográficos faz parte da "conquista de si próprio"a
essencial à elaboração do protótipo social do tempo.
Se tal cousa acontecia com os leigos, muito mais claramente
proposto era o progÍama missionário das Ordens Religiosas.
As transformações do início do século XVI exigiram da evan-
gelização um esforço de adaptação. As antigas Ordens renovaram-
-se,5 e foram agir além-mar. O zelo pela pfêservação e pelo difundir

I Id. proc. n." 16797.


2 Id. proc. n.' 1ó894.
3 lbid.
a Essa atitude espiritual comum aos homens ibéricos foi intuída por Frei Juan de
tos Ángeles: "Oh grandes, oh riquisimas conquistas / de las Indias de Dios, de aquel
gran mundo / tan escondido a las humanas vistas!"
d
3As reformas das Ordens, principalmente de suas Constituições, impuseram-se para
Í que se adaptassem às qualidades e necessidades reclamadas pelo tempo. A obra
apostólica se diversificou em terrenos cada vez mais especializados. Multiplicaram-se
Ordens e Congregações. Wrttlnnr, Leopold (S.I.). lpris le Concile de Trente, la
Rcstauratian Catholique. Paris, t960. p. 128.
32 A srruAçÃo DAS coNscIÉNCIAS...

a ortodoxia católica estava naturalmente contido em todos os es-


píritos, principalmente no daqueles homens que haviam dedicado
suas vidas à causa de Cristo. Para estes o campo se alargava à me-
dida que procuravam conquistar novas almas, possuidores que eram
de uma grande disponibilidade para a luta.l
Quando em 1516 o dominicano Isidoro Isolanis reivindicou,
num tratado, o mundo inteiro até as ilhas mais longínquas para
o império da Igreja Militante, ele apenas traduziu um estado de
espírito comum a eclesiásticos - seculares e regulares - que tinha
o apoio das hierarquias.
A história missionária2 não pode ser dissociada daquela da
Reforma Católica, de que foi a consagração. A alma católica redes-
cobrira a experiência apostólica substancialmente ligada à sua
fé.3 Para o apostolado preparava a Igreja Restaurada enviados
especiais, que deviam levar preferentemente aos novos rincões a
mensagem da salvação: Plantqre Ecclesiam.
Entre as Ordens Religiosas que se uniram aos desígnios do
Papado nas lides pela restauração da Igreja e afirmação do Cato-
licismo no mundo destaca-se a Companhia de Jesus.
A Companhia nasceu em pleno clima da reforma espiritual.a
Entregou-se não só a reformas quanto à elaboração de estruturas
de que a sociedade necessitava.
I Robert Ricard entronca o espírito apostólico com o clima tridentino. Histoire
de fÉslise. Paris, 1950. Dir. Fliche-Martin, t. XV, p. 310-ll.
2 Sobre a História das Missões, ver, principatmente, DELAcRoIx. M. Histoire UniveÌ-
selle des Missions Catholiqrcs. Paris, 1958; I-opETEcur. L.L. Manwl de Historia de
yï"ïjïí::r"Rlliïï;"1ï,1.t.,.
"Nuevas rormas de vivir er idear rerigioso". rn: r1,.r-
toria de In Espiritualidad. Barcelona, 1969. t. II, p.207-17.
a Bula de aprovação da Companhia: "Regimini Militantis Ecclesine", de Paulo III,
de 27l9ll540.In: Lnrn, Pe. Serafim (SJ.). História da Companhia de Jesus no Brasil.
Lisboa, 1938. t. I, p. 6. Bula de Julio III. Exposcit debitum, de 211611550.
Sobre a fundação, constituição e organização da Companhia de Jesus, V.
principalmente: "Monumenta lgnaíiana".In: Col. dos Monumenta Historica Socie'
tatis lesu. Série I, Madri. 1903-1907. 6 v. Asrnerr, Ã. Historia de la Compafría de
Jesus en la Asistencia de Espafra. Madri. 1902. Roontcurs, Pe. Francisco (S.I.). I/is-
toria da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal. Porto, 1931. Cnrrnwlu-
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(S.I.) Súsldra ad Historiam 5.L v. l.o; Orimtaciorus Bibliográficas sobre S. Ignacio.
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Génesis Históricc. Roma, 196ó. CAscoN, Pe. Miguel (S.I.). /,os Jesuítas en Menéndez
Pelayo. Santander, 1968. CnIsrrm, L. "L'Église à lèpoque dn Concile de Trente".
"DE PRoPAGANDA FIDE" 33

A primeira atitude de Santo Inácio foi própria dos reformado-


res da época tridentina: ver as necessidades, estudar os problemas
da realidade, analisar a situação, diagnosticar a natureza da enfer-
midade. Não se empenhou em salvar práticas e devoções que em
outros tempos tinham tido uma função providencial mas que não
sintonizavam com a sensibilidade do momento. A preocupação bá-
sica de Santo Inácio era de que não se perdessem os valores pere-
nes, e que estes passassem ao mundo em formação. Santo Inácio
queria "que os apóstolos andassem sempre previdentes e atentos
para descobrir as chagas da sociedade e a situação do momento
em que se encontrassem". Aceitava o novo sem vacilações, mas não
se deixava arrastar por ele.
Buscavam, os inacianos, ir ao espírito das cousas, fixar-se no
fim por que foi instituída cada cousa e depuráJa das aderências
do tempo: atecar pontos nevrálgicos de cada estado e grupo social.
Por isso a Companhia ofereceu soluções que o momento exigia:
zupôs e subentendeu uma teologia diametralmente oposta à dos re-
formadores protestantes. Opôs ao fatalismo quietista de Lutero e
ao predestinacionismo de Calvino, uma espiritualidade de esforço,
um trabalho interior cooperando com a graça. 1 Ofereceu às almas
uma nova espiritualidade2 não porque tenham os jesuítas inovado,

Paris, 1948. v. XVII. p. 296326. ln Histoire de l'Église. Dir. por Fliche-Martin;


Wtt-t.lnnr, Léopold (S.I.). "lprês le Concile de Trente la Restaurution Catholique".
Paris, 39ó0. v. XVII, p. 130 et seqs. "Histoire de l'É$ise". Dictionnaire de Thëologie
Catholique. Paris, 1928. t. VIII, col. l0l2-108. Catholic Encyclopedia. Nova lorque,
(1913-14) t. vIII, p.54; t. XIv, p.8l; r. XV, p. l3l.
I Rops, Daniel. "Une ère de renouveau. La Réforme Catholique." ln L'líglise de
Ia Renaissance et de la Rëforme. Paris, 1955, p. 47.
: Sobre a espiritualidade da Companhia são válidas as asserções do Pe. de Puniet
(O.S.B.) em: In Spirilualitë Benedictine. "Existe realmente uma espiritualidade
bcneditina? Sim e não. Não, se entendermos por estas duas palavras um sistema
particular exclusivo, fechado a inflúncias estranhas; não, se se trata de uma dou-
trina de escola nitidamente Íìxada e formulada que tenha sido objeto de ensino ofi-
cial. A Ordem de São Bento nunca teve doutrina espiritual particular: não tem outÍo
casino senão o da Igreja... Contudo não é inexato afirmar que a ordem beneditina
possui uma tradição de família, fiel e preciosamente conservada através dos qua-
torze séculos de sua existência". Ápud GusERr, Pe. José (S.I.). /-c Espiritu
la Compaãía de Jesus. Santander, 1955. p. XIII.
A espiritualidade da Companhia está particularmente contida nos "Exercí-
cios." É teocêutrica, cristológica, otimista, de orientação realista e dosadamente
intelectualista. DunÂo, Paulo. "A Espiritualidade de Santo Inácio." ln:. Broteria.
Lisboa, 195ó. v. LXII, n.' l, p. 5-24.
Y A slruAçÃo DAS coNscIÊNcIAS...

mas sim no sentido de retorno às fontes, de encontro mais vivo


da tradição, conciliando os dois princípios de progresso e fidelidade.
Nova espiritualidade porque preparava os cristãos para agir de
conformidade com a sua fé, i.e., para se tornarem eficazes no plano
das contingências - dos combates humanos -, num tempo em
que o mundo fremia de aspirações e paixões confusas' A Companhia
de Jesus fazia consistir a reforma interior num meio de salvação.
Importava-se menos com os aspectos exteriores da religião - digni-
daáes, liturgia, usos eclesiásticos - para interessar-se mais pela
reforma das almas e pela sua submissão a Deus. Dava um novo
acento à meditação e às práticas.
O sucesso de sua atuação e a rapidez com que ganhou o mundo
parecem decorrer de sua própria estrutura: uma instituição moder-
nu q,re sintetizava as tendências dominantes na vida espiritual do
tempo. I Nela há muito do idealismo, mas também, paralelamente'
muito de realismo aceito e incorporado na sua organização, no seu
modo de atuar.
Entre os valores ideais, por exemplo, o heroísmo. Heroísmo
individual, que devia ser largamente comprovado para além da
prática real dos votos de castidade e perpétua pobreza' O ideal de
ordem tão buscado no tempo era rigorosamente perseguido no pro-
grama que cumpriam os jesuítas de disciplinarem-se a si mesmos,
è obedecerem aos altos princípios do Instituto. Princípio essencial
das Constituições2 era a obediência perinde ac si cadaver esset qve
levava ao despojamento dos próprios sentimentos, das afeições
individuais e inclinava a vontade diante do Superior da Congrega-
ção "por respeito a Jesus Cristo que ele representa'''3 Isso implicava
no-Jhietutquia estrita, numa disciplina férrea' Implicava na busca
dos interessei da Sociedade de Jesus, em primeiro lugar, antes dos
interesses ou desejos de seus membros.
O ativismo, tão característico da cultura do tempo, talvez
fosse o traço mais marcante da Companhia. Partindo de uma con-
cepção do antagonismo irreconciliável entre o Bem e o Mal encai-
*auam-re os jesuítas nas hostes divinas para lutar contra as forças

1 Rornrcuns, Pe. Francisco (s.I.). I Formação Intelectual do Jesuíta. Leis e Fatos.


Porto, 1917.
, Redigidas por Santo Inácio que as terminou em 1550. Dehnitivamente aprova-
das na congregação geral da Ordem em Roma, 1558.
. GursERr, pe. fosé lS.t.). La Espiritualidad de Ia Compafrío de Jesus. Santander.
1955. p. 93.
"DE pRopAcANDA FIDE" 35

infernais. I
Tratava-se de um combate - noção fundamental para
a milícia inaciana - em que se empregava todo um código de es-
tratégia. O prêmio da luta era a Salvação. Deviam agir para pro-
mover a glória de Deus, usando como arÍnas o sacrificio, a humil-
dade, a caridade. E mais: a inteligência e a disciplina. Glória a Deus
nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade. pelo menos
eram essas as intenções iniciais do Instituto, o que estava na letra
de sua regulamentação e no espírito de seus fundadores.
A orientação realista dos inacianos refletia feição profunda-
mente humana de sua maneira de serem cristãos. Suas Constitui-
ções insistiam sobre o espírito de caridade e de amor.2 Amor que
consistia mais nas obras do que nas palavras. Amor verdadeiro
que exigia entre amante e amado comunicações recíprocas de
bens.3 Emergia de sua doutrina espiritual a preocupação de ser
bem concreto e deÍïnido.a Páginas dos "Exercícios" deixavam en-
trever claramente as idéias de adaptação, acomodações, circuns-
pecções, preferências que se deviam respeitar. s Dessa faculdade de
adaptação às circunstâncias, de ajuste a todas as mentalidades, dessa
sua flexibilidade de acomodação, resultou a ação direta dos jesuí-
tas em todas as camadas sociais. Entre o povo também. Princi-
palmente. Um Cristianismo mais fácil de praticar por exigir real-

I Ponto culminante dos "Exercícios" era o quarto dia da segunda sernana, quando
se fazia a meditação sobre os dois estandartes. O estandarte de Cristo com todos
os que o seryem "na grande terra de Jerusalém" defronta-se com o de Lúcifer, que
o comandava "na grande terra da Babilônia", assentado numa especie de grande
cadeira de fogo e fumo". Dois exércitos inimigos. O cristão verdadeiro é o que com-
bate por Cnsto. Apud Rors, Daniel, "Une ère de renouveau. La Réforme Catho-
lique." In: L'Églíse de Ia Rmaissance et de la Réforme. Paris, 1955. p.47.
2 Proêmio e 3.' parte das Co4stituições. Apud DvxÃq Paulo.
"A Espiritualidade
de Santo Inácio." lnl. Brotería. Lisboa, 195ó. V. LXil, n." l. p. 14.
3 Nota preliminar à Contemplaçõo ad atnorem. Id., Ibid., p. 15.
4 DunÃo, Paulo. "O Itinerário Espiritual de Santo Inácio." ln: Broteria. Lisboa,
1956. v. LXII, n.'5, p. 513.
5 DunÂo, Paúo. "A Espiritualidade de Santo Inácio." ln: Broteria. Lisboa, 195
v. LXI, n.o l. "Segundo a disposição das pessoas que querem tomar exercícios es-
pirituais, i.e., segundo a idade, letras ou engenho que tenham, se lhes hão de apli
car os tais exercícios... do mesmo modo conforme se quiserem dispor, e assim se
lhes deve dar a cada um aquilo com que mais se possam ajudar e aproveitar." 18.'
anotação preliminar. Apnd DuxÃo, Paulo, Op. cit., p. 15-17.
Para os religiosos formados impõe-se apeúas um princípio: devem ter adqui-
rido com a total abnegação de si mesmos grande facilidade de encontrar a Deus
em tudo e a Ele se unirem até no meio dos trabalhos mais absorventes. Id. Ibid.
36 A srruAçÃo DAs coNscIÉNcIAs ...

mente apenas o essencial. Os detalhes podiam ser adaptados às


necessidades do cotidiano. Compartilhavam com os homens comuns
os verdadeiros problemas do dia-a-dia. Aceitavam-nos com alegria
interior. Procuravam enlaçar o homem a seu Criador lembrando
com freqiiência que Deus se fizera homem, e que era seu desejo
estar unido aos homens. O culto do Calvário, as devoções ao Sa-
grado Coração e à Virgem foram inflecções que tomou o zelo je-
suítico. A restauração do hábito da comunhão freq.iiente também
a ele pertence.
Não apontavam os loiolanos um caminho rígido e infleúvel
para a eternidade e sim muitos, não importava fossem diretos ou
ie enredassem em emaranhados meandros. O importante para eles
era conduzir os homens a louvar, venerar e servir a Deus e pelo
Seu amor salvarem as próprias almas. Meios? Quaisquer gue a esse
fim se ajustassem: pregação, ministério da palavra de Deus, ensino,l
exercícios espirituais, obras de caridade, confessionário.
Contemplar a Deus em todas as criaturas. Esta concepção é
a chave da perspectiva apostólica. Deus em todas as partes: podia
ser buscado através de todas as coisas. Podia-se também levar todos
a Deus nas mais diversas circunstâncias. Santifrtcar não só ao homem
isolado em si mesmo, mas também em sua vida real. Ganhar o
ambiente. Dentro dessa orientação preocuparam-se os inacianos em
associar os Íïéis à sua órbita espiritual, levando-os a servir desin-
teressadamente aos demais, como meio de santiflrcação. Organi-
zaram congregações para quase todas as profissões - sacerdotes,
soldados, meróadores, - vinculadas aos "Exercícios".2
Os jesuítas eram levados a buscar racionalmente a consecução
de suas metas. As Constituições impeliam-nos a desenvolver suas
forças do modo mais eficaz, determinando, por exemplo, "escolher
a parte da vinha do Senhor que tem mais necessidade' pela falta
dJ outros operários..." "trabalhar onde se espera maior fruto";
"at€nder aos que podem influir mais nos demais." Dentro dessa

1 Santo Inácio até 1550 não queria que sua Ordem se dedicasse ao ensino, prin-
cipalmente para salvaguardar o ideal de pobreza. Quando a Bula de Julio III (Ex-
poscit debitim) oficializôu o ensino como um dos meios de ação da Companhia,
ioyola incluiu-o na 4." parte das constituições (cap. 13 2Al. Princípios Hucatiuos
doi Colégios da Cia. de Jesas. Roma, l9ó3. Trad. E. Vasconcelos (SJ')' p' 10'24'
2 Breve de clemente vIII de 301811602. lpallrennecunnr, Pe. Inácio (s.I'). IIis'
toria de la Espiritualidad. p. 229.
"DE pRopAGANDA F!DE" 37

orientação procuraram os filhos de Santo Inácio atrair a benevo-


lência dos príncipes e das pessoas gradas, dirigindoJhes as consciên-
cias, prestando-lhes serviços, angariando seus favores para apoio
e fortalecimento da Companhia na sociedade. Insinuava-se um
critério de utilidade norteando as ações dos loiolanos. Na prática,
emergia um maquiavelismo apostólico.
Aplicavam os padres à vida espiritual um principio em voga
no tempo: o da exemplaridade do modelo, convencidos que esta-
vÍrm que a perfeição pessoal tinha ressonância na sociedade. l A in-
terdependência entre a perfeição pessoal e o fruto espiritual formava
a base da tática apostólica. Daí ser tão importante a perfeita obser-
vância das regras de maior repercussão externa como a modéstia,
atitudes do corpo, e p€quenas práticas. Conseguiam assim o ascen-
dente moral indispensável para agir sobre as almas. Era de mister
que as pessoas reconhecessem serem os jesuitas melhores que os
outros eclesiásticos para que fossem os preferidos de todos para tudo.
Como formas de irradiação da espiritualidade recorreram prin-
cipalmente à pregação e à conÍissão. Dos púlpitos ditavam instru-
ções claras e simples, pondo as Escrituras e a Teologia ao alcance
do povo. Multiplicavam-se comparações e imagens para sensibilizar
a doutrina. Doutrina ortodoxa, tirada dos padres e teólogos, mas
aplicada ao mundo do ouvinte.
A direção espiritual, nos confessionârios, era uma das caracte-
rísticas mais importantes do método inaciano. Em contrapartida,
as almas sentiam-se compreendidas e ajudadas, encontravam so-
lução de seus problemas. Essa era a razão do sucesso da Compa-
nhia a que tantos buscavam. Talvez por isso D. João III ao sentir
a necessidade de integrar o Brasil na Igreja de Cristo tenha recorrido
aos filhos de Santo Inácio.2 Efetivamente, mandou embaixador a

t "Nenhum seja recebido nesta Companhia se não for por longo tempo e cuidado-
samente provado e só quando se mostraÍ prudente em Cristo e insigne ou pela ciên-
cia, ou pela pureza da vida cristâ seja finalmente incorporado a esta milicia de Jesus
Cristo". Br;Ja " fugimini Militantis Ecclesiae" . Ápud Lnrr, Pe. SeraÍìm (S.I.). Iíistó-
rio da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa, 1938. t. I, p. 9.
r Ou terá sido pelos favores prestados ao Rei na obtenção da Bula " Meditatia cor-
drs" conseguida por Santo Inácio de Paulo III para estabelecer em Portugal a Inqui-
sirfo nos moldes de Castela?
38 A srruAçÃo DAs coNscrÉNcrAs ...

Roma para convencer os jesuítas 1 a integrarem-se "na empresa da


India e em todas as outras conquistas que eu tenho", dizia ele.z
Aos l0 de.março de 1540 D. Pedro Mascarenhas escrevia ao seu
Rei dando contas de sua missão em que tinha tido pouco trabalho
"porque com muito contentamento aceitaram a jornada".3
Na messe dos filhos de Santo Inácio incluía-se o Brasil. Ini-
ciava-se, com os loiolanos, o missionarismo sistemático na Provín-
cia de Santa Cruz que, pela catequese, era incorporada à Reforma
Católica, incluída no plano tridentino. Para isso vieram os jesuítas
para o Brasil, fazer da Colônia terra da lgreja Militante.
3. O Desafio do Paganismo
Um caprichoso arranjo dos fatos ofereceu no Brasil, ao gosto
barroco do século XVI, o mundo de contrastes e superlatividades.
Desmesuravam-se as terras, ampliando, exasperantemente, suas
paisagens. As 4pvas regiões espicaçavam o heroísmo a que se incli-
navam os homens, oferecendolhes um mundo ignoto, onde o pe-
rigo se escondia em cada floresta, rastejava no meio das touceiras,
boiava nos riachos. As cartas ou as crônicas do tempo revelam,
nos elencos de plantas e animais, a impressão que causaram esses
elementos novos que iam sendo revelados.
No complexo do mundo novo que ia se devassando surgia o
homem, o índio, como uma incógnita a ser decifrada. Um desafio
à inteligência e à ação. Estariam os espíritos preparados para com-
preendê-los, e para atuar junto a eles em função dessa compreensão?
I Carta que de Paris escreveu o Dr. Diogo de Gouveia, o velho, a D. João III aos
t7l2lt538:
"...Se estes homens se podessem aver por irem a India, seria hum bem inex-
timável... Sam homens proprios pera esta obrê. E se V. A. deseja de fazer o que
sempre mostrou, crea que nom podia nem a pi{ir de boca achar homens mais autos
pera converter toda a India. Elles sam todos Câcerdotes e de muito exempro e le-
trados e nom demandam nada". Cmrls oos iìnnu.tnos JrsuÍrm. t. I, p. 94-95.
2 "Cafia deD. João III a D. Pedro de Mascarpnhas. Lisboa,4-8-1539."
Cenrm
Dos PRrlmrRos JnsuÍus. t. I, p. 101.
3 Carta de D. Pedro Mascarenhas ao Rei. Id.tp. 106.
Os jesuitas não eram só pastores. Deviam militar por Deus sob a bandeira da Cruz,
portanto, conquistar almas, empenhar-se na defesa da fé e da Igreja. Reconhece-
ra-o Júlio III na Bula Exposcit debítum, de 211611550, dçclarando ter sido a Com-
panhia "fundada principalmente para se empregar toda em defender e dilatar a san-
ta fé católica e ajudar as almas na vida e demais oficios de anunciar a palavra de Deus,
como são, dar os Exercícios Espirituais, ensinar aos meninos e rudes a doutrina
cristã, ouvir as confissões dos fiéis e administrarlhes os demais sacramentos, para
consolaçâo espiritual das almas".
O DESAFIO DO PAGANISMO 39

O impacto do inesperado, ligado às ideologias, responde pelas


primeiras impressões registradas sobre os silvícolas. Criaturas en-
ãntadoras, .tiuttçut graãd"., quase angélicas, fáceis de cristianizar?l
Ou seriam demônios indolentes?
Outros cenários, homens diferentes. Os portugueses habituados
aos antagonismos eram eles próprios termos de uma equação de
contrastes, porque se defrontavam Portugal, o Portugal do barroco
incipiente, e a América, a América da pré-história. Padrões de
cultura inteiramente diversos separavam os conquistadores de seus
conquistados.
Diferiam a sociedade portuguesa e a ameríndia porque viviam
diversos tempos sócio-culturais.2 A análise de um dos aspectos
fundamentais da vida espiritual, o das crenças e práticas religiosas'
pode servir de exemplificação da distância cultural que medeava
éntre brancos e índios.3 A maneira de comportarem-se ambos dian-
te do extraterreno evidencia a dessemelhança entre eles. Quanto
maior essa dessemelhança, menor a proximidade no espaço cultural.a
A configuração dos padrões culturais indígenas que lhes dera
técnicas para a exploração do meio natural ainda incipientes quando
confrontadas com as dos brancos deralhes também certos meios
de proteção do sobrenatural: mitos, fórmulas verbais, objetos sa-
grados a que atribuíam determinado conteúdo e significado.
Os mitos - criações místicas pelas quais personagens sobrena-
turais, objetos fabulosos, regiões fantásticas se faziam sentir na re-
presentação coletiva dos selvícolas disseminados pelas costas do
nordeste brasileiro s tinham ainda bastante vigor no seculo XVI.
I "E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa
para sei toda cristã, senão entender-nos, porque assim tornavam aquilo que nos
viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idola-
tria, nem adoração tèm." "Carta de Pero Vaz de Caminha' Rio de Janeiro, Ed' Jai-
me Cortesão, 1943. p. 165.
2 Cortesâo fala do índio como detentor de uma cultura espacial, possuidor da tec-
nica rude e primitiva, de crença supersticiosa, como ser instintivo, dotado de mo-
bilidade, e aponta o português como dono de uma consciência reÍlexiva, amante
da natureza è da humanidade, possuidor de uma ciência verificada pela experiência,
dotado de grande mobilidade fÍsica, social e histórica. ConnsÃo, hime. Inttoàt'
ção ò História das Bandeiras. Lisboa, [s.d.]. t. I, p. 133.
3 "No período colonial a religião teve influência preponderante e quase exclusiva
na organização do sistema cultural." AzYvwo, Fernando de. A Cultura Brasileira,
Rio de Janeiro, 1943. p. 127.
a Sonorn, A. Piritim. "sociocultural time, its forms and properties in Sociocul-
turalCausality,space,Time."Trad. In: HomemeSociedade. SãoPaulo, 1961.p.242.
s Mitos eram prõdutos de constante interação de um conjunto de forças psiquicas
e sociais atuando ora simultânea ou sucessivamente. ScHADEN, Egon. I
Mitologia
Heróica de Tribos Indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, 1959. p. 10.
& A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs...

Através de mitos cosmogônicos, antropogênicos e heróicos eram


explicadas as origens do mundo, da humanidade e fundamentadas
as instituições sociais. Paralelamente medrava imprescindível o
culto à figura do herói. Nele encontravam expressão e síntese da
cultura do grupo, recordavam um passado remoto - a história da
tribo - e esboçavam o ideal de vida a ser realizado pelo indivíduo
e pela comunidade.l
Relacionavam-se e interinfluenciavam-se mitos e religião. Atra-
vés da mitologia indígena transparece com nitidez que possuíam os
selvícolas a consciência de terem sido criados, da existência do
Bem e do Mal antagonizando-se nos bons e maus espíritos que co-
abitavam com os homens protegendo-os ou atormentando-os con-
forme conseguissem ou não estes concitá-los para o Bem. Por isso
aceitavam temerosos a mediação dos pajés, que por terem relações
com os espíritos podiam pôJos ao próprio serviço.2
Em relação direta com a facilidade com que aceitavam as cren-
ças em forças desconhecidas e mágicas - fruto do predominio do
irracional, das atividades afetivas sobre a razão - €stava o temor
que nutriam por aqueles que podiam desencadear tais forças, que
podiam fazer nascer as plantas ou receber alimentos de maneira
miraculosa.3 Atribuíam todas as suas desditas às prédicas ou pres-
ságios dos mesmos.a
No século XVI - quando se puseram em contacto com os
brancos - o animismo dos tupinambás coexistia com o fetichismo:
faziam-se já oferendas aos espíritos dos mortos, sentiam a neces-
sidade de ter choças sagradas e de representar materialmente os
seres superiores que temiam ou veneravam,s
I Scn,torN, Egon. Op. cit., p. l9l.
2 Os postes que ficavam em sitios visitados pelos espiritos, ao pé dos quais depo-
sitavam dádivas, parecem ser provas disso. Clnoru, Pe. Fernão. Tratado da Terra
e Gente do Brasil. Rio de Janeiro, 1925. p. 16l.
3 Sobre a pequena afetividade e a mínima responsabilidade que prendiam filhos e
pais, por ex., assim se exprimiu Gândavo: "...somente lhe pagam com aquela cria-
ção em que a natureza foi universal a todos os outros animais quê nâo participam
da razão". Op. cit., cap. XI, p. 57.
a GÂNolvo, Pero de Magalhâes. Op. cit., cap. XII, p. 62.
5 "Julgam os tupinambás que os bons esp-íritos
lles atraem €m tempo oportuno
as chuvas, não destruindo suas plantações nem jamais os atormentando ou batendo,
E quando vão ao céu, contam a Deus tudo o que se pa.ssa embaixo, dizendoJhe que
os referidos bons espiritos não fazem medo aos índios, quer à noite, quer nos bos-
ques". D'Evnrux,Y. Voyage dans le Nord du Brésil.Paris, l8ó4. p. 280.
O DESAFIO DO PAGANISMO 4I

Os índios criam instintivamente, irracionalmente, por temor,


pela necessidade de sobreviver. Primariamente. Ausentes estavam
de sua vida um corpo de doutrinas definidas e de moral religiosa e
social. Inexistentes um corpo sacerdotal, práticas litúrgicas ou ins-
tituições religiosas. Seres amedrontados do desconhecido e eivados.
de superstições. Seres broncos, às vezes mais próximos da natureza
do que dos homens, 1 cheios de vícios e vontades, comportando-se
em consonância com os estímulos partidos de seus instintos "que
ainda neles excedem os brutos animais que não têm uso da razão
nem foram nascidos para obrar clemência".2 Bem longe estavam
os colonos, por mais simples que fosse sua proveniência. Impossível
para a compreensão de homens possuidores de um corpo acabado
de crenças, de instituições religiosas defìnidas, a aceitação conscien-
te, ou mesmo a admissão da realidade imaterial de um mito religioso,
da força mística de fórmulas e gestos de caráter sagrado de instru-
mentos capazes de influenciar nos pensamentos, desejos e compor-
tamentos dos selvícolas. Mitos, crenças e magias estavam muito lon-
ge do Cristianismo e só podiam, quando confrontados com ele, ter
uma significação axiológica negativa.
A resistência do indígena à catequese que muitas vezes se
-
traduziu na resistência à aceitação do jesúta ficou a testemu-
-
nhar a dificuldade da aceitação pelo índio das práticas religiosas
do Catolicismo. Talvez porque não lhes pudessem entender o signi-
hcado associável de tais práticas às idéias básicas do Bem e do
Mal que poderiam sofrer. A resistência ao Batismo, nos primeiros
tempos da catequização, é bem elucidativa. Associaram o sacra-
mento à morte (obviamente porqu€ muitas vezes fora administrado
in extremis), fugindo dele, as velhas3 escondendo as crianças.a Con-
tra ele peroravam os feiticeiros.
t ArrvIrrr, Claude d'. História da Míssão das Padres Capuchinhos na Ilha do Mara'
nhão,São Paulo, 1945. p.69-70. ANcrner4 Pe. Jose de. "Cartas Ineditas". In Anais
da Biblíoteca Nacional do Rio de Janeiro. 1877. v. II, p. ll0.
2 Arrvtttr, Claude d'. Op. cit., p. 327.
3 "Na Aldea com as velhas não há cousa que as mova da nossa parte para quererem
receber o baptismo, porque tem por muy certo que lhe deitão morte com o baptismo.
Huma estando doente foy conúdada com a rnesinha sem a qual ninguem sara daquella
chaga de morte. Respondeo ella que si, mas em breve espaço tornou a dizer que não.
Como Nosso Senhor hé importuno em cousas de nosso proveyto, foy chamado um
indio seu parente que lhe viesse falar, o qual hé fervente e desejoso de ser christão e
já bem instruido dos Padres e falando à velha da morte e payxão de N.S., alevantou-se
na rede e disse que ha baptizassem que querya ser christãa. Baptizaram-na. Esta parece
que quis N.S. que vivesse para matar a imaginação às outras, mas muytas morrião
em a sìra pertinacia". *Carta do Ir. Antonio de Sá aos Padres e Irmãos da Búia."
€mTÁs pos Pnrrr'mrnos Jrsulres. Espirito Santo, fevereiro de 1559. t. ilI, p. 20.
a "Mas como o imigo üse que pera muytos não eÍa morte mas vida, quis impedir
tomando temoÍ e agouro no baptismo, dizendo que juntamente naquella agua hya
42 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs...

Os índios continuavam a praticar seus feitiços às escondidas dos


padres, por quem na aparência docilmente deixavam-se doutrinar.
A doutrinação, aliás, era aceita epidermicamente pelos indios,
como foi também epidermicamente aceita pelos negros.
As necessidades econômicas do aproveitamento da terra e a
ânsia de incrementar sua rentabilidade moveram os colonos às pri-
meiras diligências para a introdução do negro escravo.1 Calmon
estima em três ou quatro mil os negros existentes na Bahia em 1585.2
Anchieta, em Carta, dâ para Pernambuco em 1581 um contingente
de dez mil negros vindos da Guiné ou de Angola.3 Eram as estacas
da monocultura latifundiária do Nordeste.
As áreas de cultura africana delimitadas no trabalho de Mel-
ville J. Herskovitsa permitiram esboçar os traços estruturais da cul-
tura africana transplantada parc a Bahia e Pernambuco ali exis-
tentes no Íïm do século XVI e primeiros anos do século XVII: Yoruba
e Angola congolense. s
Predominou a cultura yoruba - da grande maioria dos escra-
vos da Bahia6 - dos nagôs,7 que trouxe para o Brasil a religião
também a morte, e como sabião que o Padre estava no porto escondião-se nas redes
e as mães escondião os filhos e alguns por força do demonio pedião agua para se la-
vaÍem por qu'e chegando o Padre lhes parecesse que estavão valentes, e perguntando-
lhes como estavão, respondiâo que bem e que não estavam já doentes..." Id. p. 19.
I "Não foi fixada ainda data precisa sobre a introdução dos primeiros escravos
negros. Cf. Perdigão Malheiro, a caravela encontrada por Martin Afonso na Bahia,
em 1531, jâ fazia transporte de escravos. PrnoIcÂo MlLrnno, Agostinho Marques.
A Escraviüo no Brasil. Rio de Janeiro, 18ó6. 3." parte, p. ó. A. Taunay fala num
carregamento regular de negros em 1538. "Subsídios para a História do Tráfico
Africano no Brasil Colonial." Anais do 3." Congresso de História Nacional. R:io de
Janeiro, 1941. v. III, p. 7. Exarado o Alvará de 291311549 foi concedido aos senhores
de engenho a permissão para introduzirem 120 escravos da Guiné e de São Tomé
para o trabalho de cada engenho. hnotoÃo Mlrrcno. Op. cit.,3.' WÍte, p. 212.
2 CrI-uoN, Pedro. História Social do Brasil. São Paulo, 1937. t. I. p. 49.
3 Cit. por Capistrano
de Abreu na Introdução à Pnnrrrne Vrsrr,lçÃo oo Savro OrÍcro
'\s penres r)() BRASIL. "Denunciações de Pernambuco", p. X-XI.
a "A preliminary consideration of the culture areas of Africa." The American Anthro-
pologist. v. XXVI, n.' l.
' Segundo este estudo os negros que nessa época estavam no Nordeste procediam
da área do Congo, da sub-área da Costa da Guiné e da área oriental do gado. "A pre-
liminary consideration of the culture areas of Africa". The Ámerican Anthropologist.
v. XXVI, n.o L
ó PrnsoN, Donald. Brancos e Pretos na Bahia. São Paulo, 1945. p. 81.
? V. sobre os nagôs: Roontcurs, Nina. Os Africanos no BrasíL. São Paulo, 1932.
Reuos, Artur. Introdução à Antropologia Brasileira. São Paulo, 1947; O Negro Bra-
sileiro. São Paulo, 19,10; As Cultwas Negrus no Novo Mtotdo. Rio de Janeiro, 1937;
A Aculturaçõo Negra no Brasil. São Paulo, 1942. BmrIoE, Roger. "Contribuição ao
estudo do sincretismo católico-fetichista". Boletim da Faculdade de Filosoha, Ciên-
cias e Letras da USP (Sociologia, n.' l). São Paulo, 1946. n.o LIX.
O DESAFIO DO PAGANISMO 43

e o culto dos orixás da Nigéria e vestígios míticos que foram sendo


esquecidos com os anos.l
Havia uma divindade suprema: Olurun a quem se prestava culto
através de grande número de orixás. Destes, os mais conhecidos
eram: Obatalá ou Oxalá, o maior de todos; Xangô, deus do trovão;
Exu, entidade maléfica; Ogum, das lutas e guerras; Yemanjá, Yan-
san, Anamburucu ou Nanan, Oxum, divindades das águas; Pxu-
maré, o arco-íris; Oxossi, deus caçador; Omolu, orixá da variola,
senhor das doenças; Irôco, Ifá, cultos fitolátricos; Ibeji, os gêmeos.
O culto era celebrado em templos especiais, os terreiros; e os santos
tinham seus altares, os pejis.
As festas religiosas eram os candombles na Bahia (catimbós
e xangôs em Pernambuco) e os sacerdotes, babalaôs (ou babalorixás)
preparavam o "santo" com a lavagem do fetiche, o sacrifïcio de
animais e a comida do santo.
As pessoas dedicadas ao serviço do orixá - os filhos e filhas
de santo - submetiam-se a ritual de iniciação com reclusão no
terreiro e abstinências.2
O preto foi batizado. Defrontaram-se então o conglomerado
fetichista negro-africano e o Catolicismo luso-brasileiro. A uma
religião de estrutura relativamente simples, facilmente redutível a
objetivações prontas e cômodas, contrapôs-se uma complexa orga-
nização religiosa, com um rico aparato de conceitos sutis, diÍïceis,
impossíveis de serem traduzidos em objetivações acessíveis e plás-
ticas.3 Durante muitos anos os escravos viam na divindade branca
a encarnação de seus orixás e encontraram correspondências entre
o hagiológico cristão e o pantheon africano. A transição das idéias
e práticas herdadas dos ancestrais para ritos e crenças católicas fi-
cou marcada por estágios intermediários em que coexistiam elemen-
tos de ambas as religiões. Finalmente procedeu-se ao ajustamento
de ambas as culturas no campo religioso.a
Três culturas diferentes - a amerindia, a negra e a lusa - pas-
saram a coexistir no Brasil. Três estágios diferentes de crenças e
1 Reuos, A. O Negro Brasileiro. São Paulo, 1940. p. 336 et seqs.
2 Id., ibid., p. 61,249 et seqs.; Roonrcurs, Nina. Op. cit., p. 69 eÍ seqs. Descreve os
cerimoniais.
3 Vr,mnr, Waldemar. Sincretismo Religioso Afro-brasileiro. São Paulo, 1955. p. 45.
a Esse ajustamento que se traduz em manifestações sincréticas de brancos e ne-
gros, evidenciando a interfusão de crenças e comportamentos escapa à época que
estudamos, tendo-se realizado muitos anos depois. Por isso tratamos do tema em
linhas muito gerais.
U À srruAçÃo DAs coNscIÊNcIAs...

espiritualidades roçavam-se no dia-a-dia dos homens na Colônia.


Homens que tinham sua atenção voltada a problemas da subsistên-
cia, para os quais canalizavam o melhor de sua disponibilidade
para a luta. Os cristãos não viam aqui necessidade de militância.
Não percebiam a erosão do Paganismo no terreno de suas con-
vicções religiosas. Por isso não o combatiam, não sentiram o desafio'

4. A Conflitualidade Relativa
Assim como a terra brasileira não foi conquistada pelas afinas'
mas simplesmente ocupada, e nenhum estado existia para ser do-
minado, o que permitiu a ereção de estruturas políticas sem maio'
res resistências, o Paganismo não foi, por sua vez' combatido mas
superado.
A ausência de uma religião organicamente constituida, a ine-
xistência da luta pela sobrevivência do animismo e do fetichismo
dos índios e negros, geraram nos brancos atitudes de indulgência
e benignidade.l Esta circunstância explica muitos descuidos e des-
casos.
Não se configurou para os colonizadores a necessidade de ba-
talhar pela própria crença.2 Em meio às agitações das consciências
com a Reforma da Igreja Católica, procurava-se uma especie de
paz to missionarismo. Converter os pagãos não era o mesmo que

I $obre a condescendência dos brancos com os traços religiosos de negros e lndios,


e sobre a reinterpretação de elementos de suas crenças' V.: RrsFIRo, Renê. Religiiro
e relações racrars. Rio de Janeiro, 1956; Hrnsrovns, H. Mot and his works. Nota
Iorque, 1948; MENoBs CoRREIA, A. A Cultura Portuguesa na Á1rica e no Orien-
re. Washing3on, 1950. Comunicação l''
^. apresentada ao Colóquio de Estudos Luso-
Brasileiros.
2 Batalhar com seres quase irracionais, colocados "abaixo dos pretos e pouco acima
dos macacos?"
Em meado do éculo XVII ainda, o jesuita irlandês Ricardo Flekno aÍirmava que
os indígenas brasileiros eram "como os asnos, dolentes, fleugmáticos, e só apro-
veitáveis para o labor, e para a escravidâo, motivo por que a natur€za não dotara
esse país de nenhum outro animal de carga senãoele". AptüTststtr;v,E. A', Yisitor-
tes no Brasil Colonínl. São Paulo, 1933. p. 59. No entanto, paÍa a espiritualidade
cristã, o princípio de identidade em Jesus Cristo piegado nos primeiros tempos para
o grego e para o bárbaro estendia-se agora ao negÍo e ao indio. FaltavaJhes ape-
nas a evangelização. Nesta, nem todos acreditavam. Um exemplo: a posição do
l.o Bispo do Brasil, relatada por Nóbrega: "...mas quanto ao gentio e sua salva-
ção se dava pouco, poÍque não se tinha por seu Bispo, e eles lhe pareciam incapa-
zes de toda a doutrina por sua bruteza e bestialidade, nem os tinha por ovelhas do
seu curral, nem que Cristo N. Sr. se digraria de os ter por tais"'.. Catta a Tomé de
Sousa, Bahia, 51711559. lnl- Cartas, t. lll, p.72.
A CONFLITUALIDADE RELATIVA 45

guerrear hereges. O problema era pedagógico, não militar. Ensino,


não lutas. Nem processos ou penas.
Limitaram-se portanto, os brancos, a estender sobre os bár-
baros a sua lei e seu Deus, que eram aceitos mais ou menos pas-
sivamente. Sempre, ao certo, sem luta ostensiva. Não cabia por-
tanto, no Brasil, aquela agressividade da intolerância que surge
nas situações de antagonismo.
Índios e negÍos acolhiam as prescrições religiosas dos mis'
sionários.
Aceitavam os padres l e suas doutrinas: "o que todos aceitam
facilmente sem contradição alguma porque como eles não tinham
nenhuma Lei nem cousa entre si a que adorem, éJhes muito fácil
tomar esta nossa".2 Esta adesão à doutrina pelos índios, no en-
tanto, nunca foi tão integral como se julgou no início, O próprio
Gândavo anotou: "E assim também çom a mçsma facilidade, por
qualquer çousa levç a tornam a dçixar, e muitos fogem para o sertão,
depois de batizados e instruídos na doutrina çristã, e porque o$
padres vêem a inçonstância que há neles, s a pouca capacidade que
têm para obsgrvarçm os mandamentos da Lei de Deus, principalmente
os mais antigos que sâo aqueles em que menos frutiÍìca a semçnte
da doutrina..,"3
Das dificuldades de catequese logo se deram conta os jesuítas
que disso se queixam amiúde aos seus superiores. O Pe, Anbrósio
Pires queixava-se a Loyola: "questa vigna alquanto sterile e èhe
non ha risposto alla fatica nè alla diligentia delli operarij".a O Pe.
Azpilcueta escrevia desconsolado aos padres e irmãos de Coimbra:
"Ansi anduvimos por otras aldeas no sin poco trabajo y descon-
solación por ver tan poco conocimiento de Dios, y gente tan in-
dispuesta y incapaz para recibir la fe, aunque con su rudeza mues-
tran holgar de la oyr, y deseos de la recibir". :'

I Numerosos textos jesuiticos dão disso testemunho. Um exemplo: a carta do Ir.


Vicente Rodrigues ao Pe. Simão Rodrigues: "En la capitania de Pernambuco venian
los gentiles de 6 y 7 leguas a fama de los Padres, cargados de millo, y lo que tenian
para les ofrecer, y si sabian por donde habian de pasar, salianles al camino con mu-
cho maútenimiento, diciéndoles que les hechascn la bendición". Ce*rrs oos hu-
Menm JEsulrAs. Bahia, maio de 1552. t. I, p. 319.
2 GÂNorvo, Pero de Magalhães: História da Província de Santa Cruz. São Paulo,
1964. cap. XIII, p. 67.
t Id. Ibid.
a Crnres Dos PRn ãRos Insdr,rs. Bahia, 121611555. t. IL p. 235.
3 Salvador, agosto de 1551. Id. t. l, p. 279.
6 A slruAÇÃo DAs coNscrÊNcrAs...

A relativa facilidade com que aceitaram os missionários deve


ter, em muito, raizes na ausência de ministros próprios de uma
religião organizada.
A inexistência de uma casta sacerdotal projetava as funções
de liderança e as comunicações com o sobrenatural para a figura
do pajé I ou feiticeiro. Figura comum a todos os grupos primi-
tivos da América, o pajé adquiriu expressão original entre os tu-
pinambás, entre os quais nascia como que predestinado:
"Só os fortes de coração, os que sabem superar as provas de
iniciação, os que têm fôlego necessario podem aspirar a ser pajés.
Com menos de cincofôlegos não há pajé que possa enfrentar impu-
nemente as cobras venenosas. Os pajés que têm de sete fôlegos
para cima, lêem claro no futuro, curam à distância, podem mu-
dar-se ò vontade no animal que lhes convëm, tornar-se invisíveis
e se transportar de um lugar para outro com o simples esforço
do próprio querero'.z
Propunham os pajés como seres escolhidos, diferentes dos
demais, donos de poderes extranaturais, como o da precognição,
da metamorfose, da invisibilidade e o da cura. Comunicarem-se
com os espíritos ou com o diabo - geralmente através dos ma-
racás - era outro de seus apanágios, o que os elevava à categoria
de xamã.3
1 Etimologicamente pajé se decompõe em pa-yë, i.e., aquele que diz o fim, o pro-
feta. O vocábulo aparece também com as variações de pagi, pay, payni, paié, piaccé,
piaché, pautché. PrNro, Estevão. Notas em Religião dos Tupiiarnbás. Trad. de A.
Métraux. p. 170.
2 Stnrouu, Apud Pl,.o, Estevão. Op. cit., cap. VII, p. l7l.
Ao pajé ou xamã refere-se Gabriel Soares:
l'Entre esse gentio tupinambá há grandes feiticeiros, que têm esse nome entre
eles, por lhe meterem em cabeça mil mentiras; os quais feiticeiros vivem em casa
apartada cada um por si, a qual é muito escura e tem por muito pequena, pelo qual
não ousa ninguém de entrar em sua casa, nem lhe tocaÍ em cousa dela; os quais pela
maior parte, não sabem nada e para se fazerem estimar e temer tomam esse oficio,
por entenderem com quanta facilidade se mete em cabeça a esta gente qualquer cou-
sa... A estes feiticeiros chamam os tupinambás pajés." In: Notícia do Brasil. cap.
CLXI, p. 264. Sobre o pajé e seus dotes carismáticos, V. FrnNlNoes, Florestan. .Ensaro
Etno-sociológico sobre a Mítologia Heróica de Algurnas Tribos Indígenas do Brasil:
São Paulo, 1956; LozlNo, Pedro. Desuipción Corográfica del Gran Chaco Gualamba.
Tucumã, l94l. Onde são estudados os feiticeiros dos guaicuús, alipones, chiriguanos.
Mrrneux, A. "Le Shamanisme chez les Indiens du Gran Chaco." ln: Sociologia.
São Paulo, 1946. VII, n.'3.
3 O xamã ê uma espêcie de mediun que tem o dom de relacionar-se com o sobrenatural
e servirlhe de intérprete. LowIE, Robert H. Manuel dAnthropologie Culturelle. Pa-
ris, 1936. p. 337.
A CONFLITUALIDADE RELÀTIVA 47

Outro poder dos pajés: fazer prosperar os meios de subsis-


tência das tribos, prenunciando abundância das colheitas e das ca-
I
çadas. Podia - e isto temia-se muito - lançar a morte.z
Com tão variados e importantes poderes os pajés adquiriam
geralmente atitudes de homens-deuses. Misteriosos, segregados da
comunidade, professando cega fé na própria onipotência e rejei-
tando, portanto, qualquer idéia nova, convencidos da própria imor-
talidade e onisciência, pregando a existência de um mundo ideal,
facilmente se metamorfosearam em profetas predestinados a salvar
a moribunda cultura indígena.
Acostumados à existência dos pajés e de seus poderes, com
naturalidade transferiram, os índios, tais dotes aos missionários
que lhes falavam em nome de outra divindade.3 Eventualmente ti-
nham provas do poder divino concitado, criam eles, pelos padres.
Sofrimentos e penas sobrevinhamlhes e eram explicados como
castigos do Céu. Um índio batizado pelo Pe. Francisco Pires con-
tinuou a viver amancebado. Tendo adoecido voltou a procurar o
jesuíta para dizerJhe que tinha deixado a concubina, "que la diera
a su padre, que ya conociera que aquella enfermedad le venía por
aquel pecado y que estava muy arrepentido".a A mediação dos
padres era sempre posta em destaque para acalmar a cólera divina
e impetrar bênçãos sobre os índios cristianizados. Um dos muitos
exemplos, guardados nas cartas jesuíticas:
"Aconteceu num dia destes, ter ido uma moça ignorante à roça
trabalhar, e começando a trabalhar, apareceu-lhe uma dor de bar-
riga tão grande que teve logo de voltar à casa. Entrando em c'asa
disscrunt-lha qua erq dia santo. Achando-se culpada de ter ido à
roça, foi logo a um Padre pedindo-lhe que rogasse a Deus por
ela, que Deus usaria de misericórdia com ela, pois o que fizera
fora ignorantemenÍe Ex illa hora sanata est". 5
1 "...Predizem a fertilidade e a secura da terra e prometem muita
chuva e todos os
bens". AsEvu,rs, Claude d'. História da Missão dos Padres Capuchfuhos na llha do
Maranhão. São Paulo, 1945. p. 88.
2 Cl. Trcvrr, Andrê. Les Singularitez de la France Antarctique: Paris, 1878.
3 Um exemplo relatado pelo Ir. Antonio de Sá aos padres e irmãos
da Bahia, so-
bre o filho de um chefe índio salvo de uma possessão demoníaca "...y agora tienen
al Padre grande crédito y por el verdadero pajé." Esrinno Smro, 13/6/1559. C,c,RrAs
oos Pmrcnos JnsuÍus. t. ilI. p. 40.
a Id. p. 47.
s C*rls oos Pnrrmnos JssuÍrAs. "Carta do Pe. João de Azpilcueta aos padres
e
Irmãos de Coimbra." Bahia, 28/3/1550. t. I, p. 179.
48 A srruAçÂo DAs coNscrÊNcrAs...

A verdade é que uma predisposição meio ingênua, própria da


alma primitiv4 aplainava o caminho aos catequistas e facilitava
ensinamentos. I A persistência na nova doutrina, isto era outro
problema.
Os missionários tratavam aos catecúmenos brandamente. Seu
progÍama era a conversão: vencer pelo amor. Seu principal escopo
era levar a crer. Na teologia do tempo, a fé era encarada como
adesão vital à doutrina do Catolicismo. Nela intervinham senti-
mento, inteligência, vontade. Os missionários sentiam que deviam
iluminar as inteligências explicando a doutrina cristã e despertar os
sentimentos pelo bom exemplo.2 Compreendiam que os sentimen-
tos dos nativos estavam enleados em compromissos provenientes
de seus usos e costumes ancestrais. Limitavãm-se, obtiãa uma ade-
são mínima, a batizâ-los, prosseguindo paulatinamente seu traba-
lho de conversão enquanto çsperavam que a graça e as virtudes
teologais infundidas com o sacramento agissem sobre as almas. Pa-
cientemente proçuravam variar o sentido das cerimônias pagãs ino-
fensivas, recondicionando-as para o Cristianismo. Este procedi-
mento implicava em certa aceitação de gentilidades.3
O Rei legislava de longe. Dava ordens a serem cumpridas
pelos colonizadores. Ordens cumpridas muito frouxamente. Os
colonos, professando uma religião mais ou menos tíbia, deixavam
muitas vezes de obrigar seus escravos e dependentes a cumprirem
os preceitos do Catoliçismo, Descuidavam-se inclusive de cristia-
nizá-los. No engenho de Fçrnão Cabral de Ataíde, confessava ele
próprio, por serem muitos os indios, alguns morriam sem confis-
são e sem batismo, por sua negligência e descuido. a Muitos colo-
nizadores peitenciam às fileiras dos novos conversos - de crença
ainda frágil - ou dos criptojudeus - de fé epidérmica e social.

I Atribuíam os indigenas aos sacramentos virtudes mágicas e por vezes temeram-


.-nos, associando-os à morte. As Cartas Jesúticas registraram inúmeras pasôagens em
que tal ligação foi feita em relação ao Batismo e à Extrema-unção.
2 "Ho converter todo este gentio
hé mui facil cousa, mas ho sustentálo em boons
costumes nam pode ser senam com muitos obreiros, porque em cousa nenhuma
crem, e estão papel branco pera nelles escrever há vontade, se com exemplo e conti-
nua conversação os sustentarem." Cerus Dos PRnerRos JrsuÍrls. "Carta do Pe.
Nóbrega a D. João IIL Olinda, l4l9ll55l.* Í. l, p. 291.
3 Percebeu-o o bispo D. Pedro Fernandes Sardinha, que escreveu rigoroso libelo
contra os jesuitas, acusando-os da prática de costumes pagãos.
a lNqursrçÃo oe Lrssol. ANfi, proc. n.. 17065.
ACONFLITUALIDADERELATIVA 49

Não edificavam com o exemplo, 1 inobservantes também os senho-


res aos deveres litúrgicos. Não podiam pedir correções e virtudes
que eles próprios não tinham. Pelo menos no pecado, igualavam-se
cristãos e gentios. Pouca moral possuiam para invectivarem os co-
lonizados. Eram tolerantes com eles porque o eram consigo mesmos.
Na área dos contactos entre uns e outros, a ausência de intransi-
gências tolheu o surgimento de conflitos significativos.
Os missionários não poupavam críticas aos brancos:
o'...Deste
mal se segue outro mui grande e é como a conversa-
ção destes cristãos perdidos, que andavam entre a gentilidnde,
é abominação, com seu exemplo yão os índios imitando-os no
mal, e assim ajuntam a sua maldade com a daqueles e fazem
uma embrulhadq diabólica, a qual ordena o inimigo do gênero
humano, para que duplexvel triplex funiculus difficilius rumpatur
e assim se fazem cada yez mais incapazes da palavra de Deus" 2
Irritavam-se com aqueles que estragavam sua obra, pois esta-
vam convictos da abundância de frutos de sua messe.
". . .e saiba V.P. que sõo muito poucos os pecados da gentilidaile em
comparação com os que aprendem dos maus cristãos, porque
tirando-lhes osfeiticeiros, e fazendo-os uiuerem com uma só rmtlher,
tudo o mais neles é muito uenial..."3
Abrandavam os padres o rigor religioso, convencidos de que
não havia inimigos a vencer, traidores a punir, crises a superar,
entre os naturais da terra. Havia, isso sim, a necessidade de con-
verter e vigiar. E, eventualmente, isolar o índio do convívio ma-
léfico dos colonos. Esse abrandamento próprio do missionarismo
jesuítico excluía incompatibilidades irreconciliáveis. Não se conhgu-
ravam na Terra de Santa Cruz conflitos de idéias e doutrinas ou
de práticas litúrgicas como os conhecidos no âmbito metropolitano
ou em áreas coloniais.

1 As Cartas Jesuíticas guardaram queixas sobre os maus procedimentos dos bran-


cos: "por isso digo que quanto mais longe estivermos dos cristãos velhos que aqui
estão, tanto maiores frutos se farão" dizia Nóbrega em Porto Seguro aos 61111550
ao Pe. Simão Rodrigues. O Pe. João de Azpilcueta não escrevia melhores palavras:
"os cristãos que aqui tinham vida conformes ou piores que os próprios gentios, como
se não tivessem pastor que os metesse no curral da vida cristã." B,*nl, 281311550.
Clnr,u oos PnruErnos JnsuÍms po Bnesn. t. I, p. 164 e 178, respectivamente.
2 Cartas do Pe. Antonio Blasques sobre o Brasil (1556-1565). Revista do Instítuto
Histórico e Geogrófíco Brasileiro (RIHGB). Rio de Janeiro, 1886. t. XLIX, n.' 72,
p. 18.
3 1óid. Esquecia, neste passo, a antropofagia.
í) A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs ...

Basicamente lutavam os jesuítas contra a antropofagia, a po-


ligamia e algumas práticas pagãs. No entanto, com a passividade
resistiam os indígenas. Defesas psicológicas - talvez inconscien-
tes - os levaram por vezes a agir na preservaçâo de elementos
de sua cultura. Sua propensão aos misticismos derivava-se em
messianismos. Destes, as santidades e as migrações defensivas foram
manifestações expressivas.
O messianismol costuma desenvolver-se quando se configura
uma situação sócio-cultural em que se instala o desespero de se
obter o que a cultura defìniu como a satisfação comum das neces-
sidades vitais.2 Os movimentos messiânicos ocorreram nos mo-
mentos em que certas populações sentiram-se incapazes de con-
ter a ruína. Formas de evasão da realidade, que continham, em
seu âmago, repulsa pelos valores novos que se infiltravam. Va-
lores culturais, entre os quais prevaleciam os religiosos.
Nas situações desfavoráveis que colhiam os indígenas, vendo
esfacelarem-selhes os elementos de cultura ante a invasão de usos,
costumes e crenças de outros povos indígenas ou brancos, havia
um desafìo para reações. O "senso de confusão e a perda de orien-
tação" advindos do choque entre a civilização aborígine e a alie-
nigena, geraram uma atmosfera propícia à difusão das idéias mes-
siânicas.3 Tais idéias enquadravam-se nas aspirações religiosas e
giravam em torno da fìgura de um messias, i.e., "alguém enviado
por uma divindade para :razeÍ vitória do Bem sobre o Mal ou para
corrigir a imperfeição do mundo, permitindo o advento do Paraíso
Terrestre".a Tratava-se de um líder religioso e social, geralmente

I Sobre a origem dos termos "messianismo", "messiânico", "messias", sua evolu-


çâo e usos. V.Pnnrnl DE QuEIRoz, Maria Isaura. O Messianismo no Brasil e no Mun-
do. São Paulo, 1965. p.3-26.
2 Bmnnn, Bernard. "Acculturation and Messianic Movements." Amerícan Socio-
Iogical Review. Nova lorque, 1941. v. VI, p. 6ó4.
3 Cf. MrcrEop, William Christie. The Ámerican Indían Frontier. Londres, 1928
p. 38.
Na Revista Ameúcan Anthropologist. v. XLV: 207-212 1943. Ruth Benedict no ar-
tigo "Two patterns of Indian acculturation" estuda os diferentes padrões de rea-
ção da cultura ameríndia em face da conquista européia. Formula questões em ter-
mos de sobrevivência das populações aborígines. Sustenta a tese de que os indios
puderam sobreviver e ajustar-se às condições criadas pelo conquistador europeu
naquelas áreas em que as tribos traziam, de épocas anteriores, instituições políticas.
a Prnrrne or Quernoz, Maria Isaura. O Messianismo no Brasil e no Mundo. São
Paulo, 1965. p. 5.
A CONFLITUALIDADE RELATIVA 5I

o feiticeiro ou pajél que passava a seÍ o centro de gravidade do


grupo. Núcleos de convergência, ponto de etnocentrismo, em torno
de sua firgura processava-se a defesa do grupo. Defesa que assumia
duas formas: evasão no espaço, uma ação concreta, - as migra-
ções; evasão no tempo, por uma atitude de abandono mental - as
santidades.
Cronistas, viajantes, missionários testemunharam nos séculos
XVI e XVII certa efervescência religiosa das tribos tupi-guaranis.
Assinalaram também a preocupação da busca da Terra sem Males,
espécie de paraíso nativo.
Ânsia de evasão coletiva levava os indígenas a convencerem-se
da existência da terra sem mal2 e movia-os para encontrá-la, assim
que um elemento catalisador os imantava falandolhes com a auto-
ridade dos heróis míticos. O retorno a uma situação de glórias e
abastanças que já existira em tempos passados era considerado
possível.
A primeira referência a tais movimentos foi feita por Gândavo,
datando-a de 1539, quando grande quantidade de tupis, liderados
pelo feiticeiro Viaruzu partira buscando a "terra da imortalidade e
do descanso eterno". Em 1562 três mil índios da Bahia teriam
acompanhado dois feiticeiros para o sertão 3 se missionários e auto-
ridades portuguesas não se opusessem pela força. Abeville refere-se
a sessenta mil índios que no fim do século XVI deixaram em massa a
região de Pernambuco, em busca de uma terra de promissão:
"Assim foi que após a destruição da sua raça pelos perós, mui-
tos deles foram maltratados pelo diabo. Este, apareceu-lhes en-
carnado em um dos seus antepassados e díscorreu acerca da mi-

I Nos primeiros tempos, os pajés confrontados com os jesuítas sentiram perda de


influência, o que os fez reivindicar parentesco com os padres: "Este hechicero, vien-
do el crédito que tenían los padres con el gentil decía que era su pariente, y que los pa-
dres decían la verdad, y que él ya muriera y pasara desta vida e tornara a vivir como
decian los dichos Padres, y que portanto creyesen en é1..." Cmres Dos PRrMErRos
JnsuÍre,s. "Carta do Ir. Vicente Rodrigues por comissão do gov. geral Tomé de Sousa
ao Pe. Simão Rodrigues". Bahia, maio de 1552. t. I, p. 32O. Esforço aculturativo de-
terminado pela necessidade de resistência aos valores culturais brancos. Passado o
primeiro impacto essa resistência ofereceu noVa feição.
2 Crença relacionada
com os antigos mitos sobre a destroição do Universo. Nessa
terra as plantas nascem sozinhas, corre o mel em abundância e todos são felizes.
MÉrnnux. A. A Religião dos Tupinambás. São Paulo, 1950. p.328-ó3.
3 VrscoNceLos, Pe.
Simão. Chronica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil.
2.'ed. Lisboa, 1865. liv. II, p. 178.
52 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs ...

sëria dos índios e dos meios de adquirir a liberdade. Acrescentou


que fora também igual aos selvagens, mas que, quando bem lhe
aprout)e, ffansformara-se em puro espírito; se os meynos tiuessem
fé, e quisessem segui-lo, tornar-se-iam todos iguais a ele e iriam
todos para o Paraíso teruestre, onde assistiam os caraíbas e os
profetas. Dando crédito às palavras persuasivas do demônio,
que lhe aparecia assim em forma humana, seguiu-o o povo em
ruirnero não inferior a sessenta mil. Como, porëm o diabo na
realidnde só desejava a sua desgraça, ja na travessia do primeiro
rio fez com que boa parte perecesse afogada. Outros loram mor-
tos pelos contrórios e os poucos restantes leuados para o deserto
onde deviam continuamente dançar em homenagem a iurupari.. ." L
Outro movimento migratório foi anotado por Abeville em
1605, quando um pajé levou doze mil índios de Pernambuco para
a Ilha de Maranhão onde estavam outros fugitivos dos portugueses.
Este pajé afirmava ter nascido da boca de Deus que o fizera bai-
xar à terra para anunciar a palavra divina. Fazia-se carregar por
dois indios. Dizia que tornava a terra fértil, que Deus lhe enviava
os alimentos de que precisavam seus companheiros, porque ele não
comia.2 Era precedido nas aldeias por um emissário que dizia
quem era ele e ameaçava com doenças, servidão e fome os que não
lhe obedecessem. Chegados ao Maranhão foram na sua maior parte
dizimados pelos potiguares. Os restantes voltaram a Pernambuco.3
Evadiam-se os índios de uma realidade incômoda, buscando
outros espaços. Buscavam também uma evasão no tempo: as san-
tidades, que projetavam os índios para o futuro, dandoJhes o con-
forto de um abandono mental.
5. A Luta Inútil
A consciência católica despertou no Brasil vagarosamente para
os problemas oriundos da fé dúctil que aqui imperava. Zelosamente
agiam, de quando em vez, o clero e as autoridades reinóis, tentando
coibir o alastramento de tudo o que tendesse às gentilidades. Só
agiam porém, se tais coisas causassem escândalo público.
Os Bispos procediam a visitas pastorais, pessoalmente ou atra-
vés de seus Vigários-Gerais ou Visitadores Eclesiásticos, cumprindo

1 A-arr, rr, Claude d'. História do Missão dos Padres Capuchinhos na llha do Ma-
ranhão. São Paulo, 3945. p. 323.
' Id. ibid., cap. XII. p. ó5.
3 Id.. ibíd.
A LUTA INÚTIL 53

um dever de sua condição de pastores.r A documentação inquisitorial


guardou informes sobre essas visitas e sobre alguns poucos proces-
sos nelas instaurados. Foram estes movidos contra sodomíticos,2
bígamos,3 blasfemosa e até contra alguns judaizantes.s Nenhum
desses processos foi armado para investigar e punir as práticas gen-
tílicas. Parece que o espírito tolerante que dominara D. Pedro Fer-
nandes Sardinha6 fora se transmitindo a seus sucessores. O meio
teria conquistado também os prelados.
Passados alguns anos, a aceitação de mamelucos, T com sua
religião inconsistente e oscilante, nos quadros dos ministros de
Cristo teria sido mais um óbice para a conscientização, por parte
do clero, do perigo que para a integridade do Catolicismo represen-
tava o Paganismo latente na religião mestiça. Deste perigo aperce-
bera-se a Companhia de Jesus. Sua determinação de não aceitar
em suas fileiras aos mestiços - apesar da premente necessidade de

I Os papéis do Santo Oficio guardam referências a visitas pastoÍais a Itaparica,


Ilhéus e em 1567 às capitanias do Sul. D. Pero Leitão visitou pessoalmente vários
pontos de sua diocese inclusive Pernambuco. Semelhantes inspegões foram feitas
por D. Fr. Antonio Barreiros e D. Constantino Barradas. Ern 1590, o Ouvidor Ecle-
siástico Pe. Gaspar Dias visitou Porto Seguro em nome do Bispo. Sebastião da Luz,
vigário-geral do Salvador, pouco antes da Primeira Visitação recebia, durante sua
visita, denúncias sobre a prática do pecado nefando. V. "Denunciações de Pernam-
buco, (1593)." p.439; "Denunciações da Bahia, (1591)." p.21,27,55 e 86; "Con-
fissões da Bahia, (1591)", p. 58.
2 Gaspar Pacheco tinha ainda ao tempo da Primeira Visitação processo pendente

no Juizo Eclesiástico da cidade por denúncias contra ele feitas ao Bispo, de heresia,
blasfêmia e sodomia. "Confissões da Bahia, (1591)", p. 86. A justiça eclesiástica
movera ainda processo contra o Pe. Frutuoso Alvares por sodomítico (id. p.22) e
contra Gaspar Rodrigues, pelo mesmo motivo (1d. p. 52).
3 Processo da justiça eclesiástica contra Baltazar Martins Florença, acusado de
bigamia. "Confissões da Bahia, (1591)." p.27.lóem em relação a Antonia Fogaça
(1d. p. l0l).
a Autos de Pero Teixeira. "Confissões da Bahia. (1591)", p. 28. Certas palavras
irreverentes pronunciadas com leviandade ou por inconsciência também deram pro-
cesso no Juízo Eclesiástico, como as proferidas por Catarina Mendes - ao Agnus
Dei quie trazia no pescoço tinha tanta veneração como a uma hóstia. Acabou senten-
ciada pelo Bispo. Id. p. 35.
5 Processo contra Salvador da Maia. "Denunciações da Bahia, (1591)" p. 278,282
e 286.
6 "...Nos princípios muitas cousas se hão de dissimular que castigar, maiormente
em terra nova como esta." Meuuro Dns, Carlos. História da Colonização Por-
íugu.esa no Brasil. t. III, p. 304.
? Ex. o cônego Jácome de
Queiroz, sacerdote de missa, mameluco, natural do Es-
pírito Santo. "Confissões da Bahia, (1591)", p. 46.
g A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs...

padres de que o Instituto se ressentia no Brasil 1 - parece a melhor


prova de sua incapacidade para serem condutores de almas. O Pe.
Luís da Grã escrevia em 1556 que os mamelucos não tinham apti-
dões para a Companhia. As experiências feitas nesse sentido tinham
falhado e levado à expulsão de alguns neófitos em nome da digni-
dade da Ordem.2
Anchieta, em Carta ao Pe. Inácio de Loyola exprimiu a opinião
dos jesuítas sobre os mestiços:
"...porque é a gente mais perdida desta terra, alguns piores que
os próprios Índios..." 3
Não conÍìavam em sua religiosidade, os filhos de Santo Inácio:
"..não era gente com que se pudesse contat na conversão dos
infiéis. . ." u
Por isso seria
" . . . muito grande serviço de Deus tê-los e crid-los como índios" . s
O testemunho dos jesuítas comprova que sacerdotes mamelucos
serviriam mais para solapar a ortodoxia do que para conservá-la,
incapazes que eram de absorver o sentido do Cristianismo na ple-
nitude de seus preceitos.
Os Bispos, como o clero em geral, pela sua dupla condição
de eclesiásticos e de portugueses tinham um compromisso básico
com o Papa e com o Rei: deviam colonizar e evangelizar. No sen-
tido mesmo em que os dois termos do binômio se interpenetravam
e completavam. Colonizar e evangelizar paa a dilatação da Cris-
tandade, para a aÍìrmação do Império.
Desta posição conscientemente aceita adviriam, por certo,
predisposições de complacência. O meio social híbrido tendia a
alargar os limites da tolerância. Explica-se, pois, uma certa falta
1 Em Carta ao Pe. Diego Lainez, dizia Nóbrega aos 12161156l: "Nesta terra,
Padre
temos por diante muito número de gentios e grande falta de operários. Devem-se
abraçar todos os modos possíveis de os buscar e perpetuar a Companhia nestas pÍrÍ-
tes para remediar tanta perdição de almas". ln: Cartas do Brasil e mais escritos do
Pe. Manoel da Nóbrega. Coimbra, 1955, p. 390.
2 Lurr, Pe. Serafim. História da Companhia de Jesw no Brasil. t. II, p. 430.
3 Carta escrita em Piratininga, em julho de 1554. Publicada emi Cartas Jesuíticas.
São Paulo, 1954. t. II, p. 76.
n "Agora quis Nosso Senhor por sua misericórdia dar-nos a conhecer de que não
é gente com que se possa contar para a conversão dos infiéis..." Id., ibid.
s Cmils JEsuÍrIcls. "Carta escrita em Piratininga, em julho de 1554." São Paulo.
1954. t. II, p. 76.
Sobre a desconhança dos jesuítas em relação aos mestiços V. ConrrsÃo, Jaime. "Je-
suitas e Mamelucos." ln: Intoàtção à História das Bandeìras. t. II, p. 253.
A LUTA INÚTIL 55

de percepção dos homens que viviam no Brasil ante as ameaças


solapadoras do Paganismo.
O Tribunal da Fé, pelo menos por duas vezes neste fim do
século XVI e imõio do XVII, visitou ó Brasil, alarmado talvez pela
ïropicalização das consciências. Os oficiais da Inquisição teorica-
mente pelo menos deviam estar descomprometidos com o meio, cô-
locados acima das hierarquias civis e religiosas. Esperavam-se, por-
tanto, desses homens que aqui vinham inspecionar, procedimentos lú-
cidos. Não se demorariam o suÍïciente para serem também amolda-
dos pela atmosfera social. Não seriam induzidos por amizades ou
rancores. Eram, por seus cargos, homens odiados por muitos. E te-
midos por todos.
Que descortínio teriam tido para perceber a gravidade do'pe-
rigo que aqui rondava o edificio espiritual do Cristianismo? Que
pistas lhes foram oferecidas paru tal compreensão através das Con-
fissões e das Denúncias?
A população das Capitanias de cima fora demasiadamente ga-
nha pela mestiçagem para se dar conta da ameaça que os hibri-
dismos espirituais representavam para a fé. Diante dos Visitadores
do Santo Oficio compareceram mais ou menos espontaneamente
cento e vinte e um conlttentes em 1591 e cento e quinze em 1618.1
Apenas oito confissões versaram a prínica de ritos gentílicos, 2 prin-
cipalmente o de riscareni-se, i.e., tatuaretrl';tre os homens nos braços
e pernas para exibição pública de valent'ia;3 Nas Visitas feitas pelo
Tribunal a Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, entre as 332, 43 e
76 denúncias feitas respectivamente em cada uma das Capitanias
citadas, apenas em uma se procurou chamar a atenção do Visita-

1 Ver: Primeira Visitação do Santo Oficio às partes do Brasil. "Confi.rsões da Bahia.


(1591)." Segunda Visitação do Santo OÍÌcio às partes do Brasil. "Coz/r'rsões da Bahia.
(l 618)."
2 Exceção feita, naturalmente, às numerosas referências à Santidade do Jaguaripe.
3 Confissão de Rodrigo Martins. "Confissões da Bahia. (1591)." p.93; Confissões
de Manoel Branco, Tomás Ferreira, Francisco Afonso Capara, Gaspar Nunes Bar-
reto, João Gonçalves, Tomacauna e Lâzaro da Cunha, respectivamente às páginas
96,97,98,99, 126, 167 e 107 do Livro das Confissões citado. Os confitentes apon-
taram companheiros de sertão que teriam incidido nos mesmos erros. Antonio Dias,
por exemplo, acusado na confissão de Manoel Branco de riscar-se acusou por sua
vez das mesmas culpas..a Domingos Dias. Iil. p.96,97 e 98. Nas denúncias de 1591
há referência aos irmãos de Paraguaçu que viviam como índios. "Denunciações da
Bahia, (1591)." p. 349. Eram os Rodrigues Adomo, descendentes do Caramuru.
56 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs ...

dor sobre contágios paganizantes.l Problema aliás já superado no


tempo. Referência única sobre a Santidade sincrética que também
se fez sentir em lgaraçu. Curioso que.. à proporção que se cami-
nhava para o Norte e se avançava em anos diminuía-se, até o sumiço
completo no século XVII, a sensibilidade para detectar desvios da
religiosidade provocados pelos indígenas e seus descendentes. Na
segunda Visitação do Santo Oficio ao Brasil não há qualquer refe-
rência a tais problemas nas cento e quinze confissões ou nas cento e
treze denúncias.2 O parentesco étnico e o condicionamento social e
geográfico - com o afastamento das tribos para o interior - devem
ser os responsáveis pelas explicações.3
Das informações a propósito das infiltrações pagãs levadas à
Mesa Inquisitorial, algumas apenas mereceram maior atenção do
Visitador, que fez abrir alguns processos. Nenhuma, no entanto,
pareceu tão importante que justificasse o envio do réu e seus autos
para Lisboa. Os processos instaurados pelo Santo Oficio parece.te-
rem tido como causa a pressão da opinião local que se registrava
escandalizada quando os desrespeitos à crença vigente eram muito
flagrantes. Tal o caso das Santidades sincréticas como a do Jaguaripe.
Todos estes processos resolveram-se em cenários locaiS, com
reprimendas, conselhos, doutrinação, algumas penitências, e oca-
sionalmente, a publicidade de um "doméstico" auto-de-fé na cate-
dral da cidade. Apenas um foi tratado com maior rigor: o do se-
nhor de Jaguaripe. Os motivos teriam sido a necessidade do exem-
plo, ou teriam pesado interesses locais?a
1 Domingos da Costa cristão-velho, mameluco, natural da Paraíba, filho do mareante
branco, Salvador da Costa, e de sua mulher, Margarida Coelho, "denunciou que sendo
ele testemunha, moço de l0 ou 12 anos lhe disse na porta de Igaraçu, Antonio de Bar-
ros, mameluco que ora mora com um mulato Boaventura Dias em Itamaracá sendo
então mancebo de 16 para 17 anos, que ele mesmo, Antonio de Barros, andara com os
gentios na sua abusão chamada Santidade, e que com eles fizera as suas cerimônias por
ser estimado deles, mas que não crera nisso". A convivência com os gentios induzia o
confitente à aceitação de seus rituais. "Denunciações de Pernambuco. (1593)." p. 438.
2 V. Segunda Visitação do Santo OÍïcio às partes do Brasil. "Confissões da Bahia,
(1618)" e "Denunciações da Bahia, (1618)."
3 V. ConrnsÃo, Jaime. "A aliança tribal luso-tupi." In: "Introdução à,História das
Bandeiras." Lisboa, 1964. t. II, p. 133. A partir do século XVII desapareceram as San-
tidades da zona costeira. Passam a proliferar os messias na região paraguaia, onde
loram considerados "uma classe especial de magos." MÉrn,c,ux, A. "Les messies de
l'Amérique du Sud." In: "Archives de Sociologie des Religions." Paris, 1957. n." 4,
p. 53-60.
a Significativas as palavras do despacho: "vistas as considerações que no caso se
tiveram". Que natureza teriam tais considerações? Apenas religiosas? Os assessores
do Visitador eram homens da terra com interesses na terra. Eram sobretudo jesuitas:
Fernão Cardim, Lionardo Arminio, Marçal Beliarte, Luís da Fonseca que tinham
interesses temporais na cidade e não andavam em relações ideais com o senhor de
Jaguaripe.
A LUTA INÚTTL 57

Provavelmente Furtado de Mendonça sentiu-se impotente para


avaliar as intenções reais daqueles que haviam incorrido em usos
gentílicos. O Visitador tinha sido treinado para captar as heresias
nos meandros de sutilezas em que elas se ocultassem, em mentes
esclarecidas dos judaizantes. Nunca nos toscos engenhos de homens
rudes como era a maioria dos mamelucos com quem se defron-
tava. Certas práticas, pela freqüência com que eram relatadas, talvez
lhe tivessem parecido comuns, coisas de somenos, exotismos de
um meio estranho. Muitas cousas que devem ter ficado nos Ca-
dernos de Lembranças ou que nem sequer terão sido anotadas, se
analisadas acuradamente, talvez pudessem revelar os fermentos dis-
solventes para o Catolicismo europeu.
Devia ser dificil para o Visitador com sua mentalidade euro-
péia julgar a maldade intencional de homens que cometiam desli-
zes quando se embrenhavam nos sertões a serviço da expansão e
da manutenção da Colônia. Vinham depois contar-lhe que se tinham
riscado, que se tinham esquecido por lapsos de tempo de sua con-
dição de brancos e vivido ao modo e costume indígena. A necessi-
dade criava leis de adaptação. Isto o Visitador entendia. Penetrar-
lhes as mentes e avaliar por inteiro sua crença mal consistente
era impossível para Furtado de Mendonça, como o seria para outro
ministro do Santo Oficio recém-chegado do Reino. As mentalida-
des eram outras. O diálogo penoso. Pouquíssimos foram pois, os
processos abertos contra os praticantes de gentilidades.
Gaspar Nunes Barreto 1 foi denunciado por ter numa das
pernas entre o joelho e o quadril "riscos e lavores riscados na carne
feitos com uma certa erva que ficam pretos como ferretes perpe-
tuos."2 Confessou ao Visitador que tal hzera quando tinha vinte
anos, por ignorância e inconseqüência própria da juventude. Aca-
bou repreendido na Mesa, apenas.3
João Gonçalves, alfaiate e mameluco,a anquanto fez a gterra
no Sergipe del Rei também se fez riscar num braço, "por ser afa-
mado entre os negros, sem outra tenção mais gentílica". s No des-
1 Natural da Bahia, hlho de Francisco Nunes e de sua mulher Joana Barìeta. Mo-
rador no Paraguaçu, onde era lavrador, e tinha casa de meles. Casado com Ana Alve-
loa. 40 anos, INqusrçÃo on Lrsnoe, ANTT, proc. n." 11075.
2 "Denúncia de Pero Carneiro," proc. citado.
3 "Sentença." 1áid
a XV natural de llhéus, filho do Tomé Fernandes e de sua mulher Isabel Gonçalves,
trabalhadores. Solteiro, 20 anos. "Inquisição de Lisboa", no ANTT, proc. n." 13098.
5 "Confissão" no proc. citado.
58 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs...

pacho, a Mesa considerou seu sangue índio e impôsJhe penitências


espirituais, além da costumeira repreensão. 1
Rodrigo Martins2 também tatuou-se numa coxa apenas sen-
tiu-se só no sertão do Ninho da Garça aonde fora na companhia
de Diogo Leitão c. 1576 a resgatar e fazer descer índios. Fez mais:
tomou fumos e ervas como os nativos; apenas para agradáJos, de-
clarou. Repreendido, foram-lhe impostas penitências espirituais e
multa de cinco cruzados para o Santo OÍïcio.3
Com Manoel Branco procedeu o Visitador com a mesma bran-
dura, aceitando suas explicações de ter-se riscado ignorantemente.
As penas e penitências foram idênticas às aplicadas nos casos jâ
citados.4
Com Francisco Afonso Capara,s também riscado e acusado
de não se abster de carne nos dias de direito, foi a Inquisição mais
severa, por não ter ele se acusado na graça. Como é mameluco,
diz o despacho, "que para exemplo vá à Sé, em ato público de pe-
nitenciados, onde estará em pé e em corpo com a cabeça descoberta
com uma vela acesa na mão". Acrescentaram-se as penitências es-
pirituais, a doutrinação obrigatória e a multa de dez cruzados para
o Santo Oficio.ó No presente caso, parece que a ascendência indi-
gena foi agravante aos olhos dâ Mesa. Em Lisboa, no entanto, o
Conselho Geral não concordou com a pequena severidade e anotou:
"bastava repreender o réu e não o tirar no auto." 7 O que ficou
a sugerir que o Tribunal lisboeta não só se dava conta dos pro-
blemas coloniais em assuntos de sua jurisdição, como devia temer
entravar a obra da colonização. A mestiçagem, ainda que pesassem

| "Sentença." .Ibid.
2 Natural de Porto Seguro, filho de Erancisco Martins e de sua escrava brasila Isa-
bel, 38 anos. Casado com Isabel Rodrigues, também mameluca. Lavrador em Ta-
mararia. "INqursrçÃo on Lrsnol". ANTT, proc. n} 12229.
3 "Sentença" no processo citado.
a XV segundo cria. Natural da Bahiai filho de Francisco Estevão Branco, francês,
e de sua mulher Barbara Branca, braslla. Solteiro, 24 anos. Vivia por sua indústria,
sem oficio, em Pirajá. INqursrçÃo or Lrssol. ANTT, no proc. n.o 11072.
s XV natural de Pernambuco, frlho de Diogo Corredeira, homem branco, e de sua
escrava brasila Felipa. 40 anos. Lavrador morador em Pirajá. INqutstçÃo pE LIs-
sol. ANT'T, no proc. n." 17813.
ó Repreendido, loi mandado confessar-se uma vez antes da Quaresma, jejuar uma
quarta-feira e nela rezar o rosário de Nossa Jenhora. Além de pagar as custas do
processo, naturalmente. V. "Sentença", no processo citado.
? "Sentença" no processo citado.
A LUTA INÚTIL 59

muitos inconvenientes, era um dos meios de fixação do branco à


terra. I Portanto, de enraizamento da cultura portuguesa;
Tentou o português instalar a Metrópole em Terras de Santa
Cruz. Para isso buscou transplantar uma sociedade branca, hierar-
quizada, leal ao Rei e a Cristo.
Foi o colonizador constrangido a erigir seu novo mundo sobre
uma realidade preexistente: a cultura indígena. Embaraçado ainda
com o elemento rebelde por ele criado: o mestiço. Isso porque o
português se isolou da família indígena.2 De um lado, alianças ma-
trimoniais ocorreram, arrastando-o paralelamente aos conúbios
econômicos e guerreiros. De outro, as imposições da lei natural -
a do instinto de conservação da espécie - fizeram-se sentir sobre
dominadores e dominados e o colono tupinizou-se pela poligamia.3
Americanizava-se o branco. Gerando os mestiços iniciava a ereção
de um mundo português ainda, mas diferenciado do metropoli-
tano. Nesse novo mundo as epidermes tinham coloridos diversos,
os valores escalonavam-se de outra maneira e, sobretudo, aplaina-
vam-se as arestas das intolerâncias.
A miscibilidade étnica espraiava-se pela vida espiritual. A ten-
tativa de implantação de uma espiritualidade pura cristã-católica
falhava também. Os mestiços de raça eram-no também na fé. O mi-
soneísmo próprio dos primitivos impedira, entre outras cousas, aos
indígenas de abraçarem realmente o novo credo que lhes era imposto.
Transmitiam as mães índias a seus filhos, nessa neofobia, uma
súmula de valores espirituais próprios. Com os mamelucos insta-
lou-se o sincretismo, estimulado por mil situações da vida coti-
diana, principalmente pelos meses de vida no sertão. Fenômeno
igual ocorria com os africanos.a
1 "Molti christiani per essere poveri si sono maritati con le done negre delta terra,
ma altri assai ne ritorneranno nel regno nostro..." Cmrls JnsuÍncls. "Carta de
Nóbrega ao Pe. Simão Rodrigues." Porto Seguro, 61111550. São Paulo, 1954. t. I,
p. 165.
2 Cf. ConrEsÃo, Jaime. "A família luso-tupi." ln: Introdação à História das Ban-
deíras. t. II, p. 123.
3 Caramuru é o primeiro e básico exemplo. Indianizado no nome, na família e nos
hábitos, demonstrou-o claramente, defendendo os incolas a quem chefiava e com
quem se identificava. V. FneNçe, Eduardo d'Oliveira. "Caramuru". Diciondrio da
História de Portugal, p. 479-80.
a V. a respeito: Basnor, Roger. ls Religiões Africanas no Brasil, Contribuições
a uma Sociologia das Interpenetrações de Civílizações. São Paulo, 1971. Trad. v. il,
p. 359.
fi A srruAçÃo DAs coNscrÉNcrAs...

Aceito o sincretismo - consciente ou inconsciente, voluntária


ou involuntariamente - predispunham-se os espíritos para a to-
lerância. Os brancos tinham-se adaptado às novas necessidades.
No mundo brasileiro a Inquisição estava desarmada. Pior ainda:
foi incapaz de obturar as frinchas que as manifestações sincréticas
es&ÌvavÍÌm no ediÍício da ortodoxia.
Nele o hibridismo espiritual do Brasil tornara impossível a
unidade das consciências em termos idênticos aos europeus.
Luta inútil essa de reprimir o sincretismo. Inútil porque os con-
tendores desconheciam as verdadeiras dimensões do problema.
Atacavam casos isolados, nunca a fonte do mal. Ignoravam-na.
Mesmo que tivessem tido a percepção nítida da questão, teriam sido
impotentes diante dela. Esse hibridismo de crenças era tão fatal
quanto o de raças. A mestiçagem era a resposta do grande desaÍìo
que as terras brasileiras lançaram ao branco. Era a sua grande pos-
sibilidade de subsistência. E ele - o branco - tinha-se decidido a
subsistir.
B. COLONIZADORES, COLONIZADOS E
ATITUDES RELIGIOSAS

1. DemograÍia e Religião
Elementar paÍa a recomposição histórica de uma sociedade,
a fixação do número de seres que viveram em determinada época
dentro de certos marcos geográficos.
Marcos geográficos: a região ocupada no tempo pelas capita-
nias de Pernambuço, Itamaracá, Paraiba, Bahia, Ilhéus e Porto
Seguro, individualizadas do ponto de vista administrativo, cons-
tituindo, no entanto, uma unidade relativamente homogênea do
ponto de vista histórico. Tal unidade, definida em torno da organi-
zação econômica do século XVI, transparece nas atitudes dos ho-
mens, nas suas crenças, nas suas idéias sobre o trabalho, conforto,
posse da terra, na vida cotidiana, nas festas, na alimentação.
Dois núcleos humanos polarizavam a vida dessa região: a ci-
dade de Salvador, da Bahia de Todos os Santos, fundada em 1549
e a Vila de Olinda, fundada em 1537.1
A cidade do Salvador teve em Gabriel Soares o seu biógrafo2:
depois de relatar o quadro geográfico, a fundação da cidade, des-
creve-a, falando do arruamento "por boa ordem com as casas co-
bertas de palma ao modo do gentio", dos "muros de taipa grossa'
com dois baluartes ao longo do mar e quatro da banda da terra",
da fundação de "um colégio dos padres da Companhia e outras
igrejas e grandes casas, para viverem os governadores, casas da

I Sobre as cidades do Brasil-colônia, ver principalmente, MounÃo' João Martins


Coelho. Os Munícípios; Sua Importância Polítíca no Brasil Colonial. Rio de Janeiro,
1916. l.' Congresso de História Nacional do IHGB. p. 299, 3." parte. AzEvEDo,
..vilas e cidades do Brasil colonial. Ensaio de Geografia urbana Retros-
Aroldo de.
pectiva." Boletim da Facutdade de Filosofia, ciências e Letras da universidnde de são
Paulo. São Paulo, 1956. n.o 208, Geografia n.o 1l'
2 "Memorial e declaração das grandezas da Bahia de 'Iodos os Santos, ,lc sua fer-

tilidade e das notáveis partes que tem". In: Tratado Descritivo do Brssil em 1587.4."
ed. São Paulo, Ed. Francisco Adolfo Varnhagen, 1971. p.'127-352.
62 coLoNrzADoRES, coloNrzADos E...

Câmara, Cadeia, AlÍândega, contos, fazendas, armazéns e outras


oficinas convenientes ao serviço de S.A.". "Na sua parte central fi-
cava a praça onde se erguiam os principais edificios públicos e as
mais importantes ruas comerciais; a Sé, o Colégio, as casas residen-
ciais, os desembarcadouros próximos de três fontes em as quais
os mareantes fazem sua aguada bem à borda do mar", a zona rural
ocupada pelas roças onde se cultivavam "muitos mantimentos, quin-
tas e hortaliças".
Salvador era no fim do século XVI um burgo estreitamente
ligado ao Recôncavo,l em torno do qual girava a vida dos moradores
de Oentum, Matoim, Iacaracanga, Iapassê, Tasuapina, Tamararia,
Itaparica, Sergipe do Conde, Paraguaçu, Jaguaripe, e Sergipe de
São Cristovão.
A vila de Olinda, ediÍìcou-a Duarte Coelho "em um alto livre
de padrastos da melhor maneira que foi possível, onde fez uma
torre de pedra e cal que ainda agora está na praça da vila" relata
Gabriel Soares em Íim do século XVI.2 Dentro dela "habitam
inumeráveis mercadores com suas lojas abertas, colmadas de merca-
dorias de muito preço, de toda a sorte, em tanta quantidade que
semelha outra Lisboa pequena. A barra do seu porto é excelentíssima,
guardada de duas fortalezas bem providas de artilharia e soldados
que as defendem; os navios estão surtos da banda de dentro segurís-
simos de qualquer tempo que se levante, posto que muito furioso,
porque tem para sua defesa grandíssimos arrecifes onde o mar
quebra" informam os Diálogos das Grandezas ìlo Brasil no início do
século XVII.3 Olinda galvanizava a vida dos habitantes de lgaraçu,
Itamaracá e Paraiba. Sobre Itamaracá registra o Livro da Razão:
"Esta capitania tem tanta vizinhança com Pernambuco que mais
parece aldeia sua, que vila ou jurisdição à parte, e assim sempre as
cousas desta povoação em barcos se levaram ao Recife e ali se car-
regaram para o Reino. . ."4
I Etimologicamente Recôncavo: terras em torno de uma baia. Contém, para Milton
Santos mais um conceito histórico que uma realidade geográfica. "Villes et régions
dans un pays sous développé: I'exemple du Reconcavo da Bahia." Annales de Géo-
graphie. Paris, 1967. p. 678.
2 "Roteiro Geral da Costa Brasileira." ln'. Tratada Descritivo do Brasil em 1587.
cap. XVI, p. 58.
3 "Primeiro Diálogo". Didlogos das Grandezas do Brasil. Bahia. Ed. Livraria Pro-
gresso, 1956. p. 6l-62.
a Monexo, Diogo de Campos. Livro que dá Razão ao Estado do Brasil. Recife. Ed.
Helio Viana, 1955. p. 194.
DEMOGRAFIA E RELIGIÃO 63

Os fatores demográficos influíram direta ou indiretamente na


vida religiosa da Colônia, quer no campo das práticas litúrgicas ou
da moral religiosa, quer no da conservação da fé.
Basicamente a população do fim do século XVI e início do
XVII dividia-se entre residentes e estantes.
Grande parte dos residentes estava ainda marcada pelo caráter
de transitoriedade, pois tinha vindo atrás de um ideal: enriquecer.
O mito do Lago Dourado e do Rio de Ouro são expressões da iden-
tificação Brasil-Riqueza de que partilharam também as autoridades
reinóis. r A obsessão de melhorar o nível da vida - do indivíduo
ou da família que à espera ltcara no Reino - marcava psicologica-
mente os emigrantes, impelindo-os a determinados comportamentos
que discrepavam da moral religiosa. A atenuação dos escúpulos
imperava no meio pioneiro. De maneira geral aderiram as consciên-
cias à doutrina do Ultra equinoxialem non peccatur, aqui ensinado
e praticado inclusive por eclesiásticos, como o cônego Bartolomeu
de Vasconcelos que fez queimar autos incriminadores de Gaspar
Rodrigues2 ou frei Damião da Fonseca, que, tirando o hábito, saía
à noite para aventuras amorosas por Olinda.3
Abalados os mitos dos metais e pedras preciosas, a população
gradativamente passava a buscar riquezas na fonte possível: pro-
dução e comércio. A este estava basicamente ligada a população
estante, que aqui passava parte de sua vida. E quem fala em comércio
no tempo, fala em espírito capitalista, fala na gradativa substituição
dos padrões costumeiros de consumo pelo acúmulo de capitais para
a produção frutuosa, fala em padrões de conduta social originados
dos óbvios interesses dos grupos comerciais. Voltava à tona o pro-
blema dos empréstimos a juros, "prática astuciosa e proibida".
Instalava-se a agiotagem: sem justiÍìcáJa teoricamente, defendiam-
-na os interessados na prática. E acostumavam-se todos com a pre-
sença dos onzeneiros, como João Nunes a quem Lourenço Teixeira,
seu criado, rotulava de "roubador das fazendas dos homens".4 A
tendência a aplicar padrões econômicos às relações sociais difundia-se
gradativamente. E gradativamente iam-se separando os interesses
econômicos dos éticos, em oposição à tradição religiosa. Mais rapida-

I ConrnsÃo, Jaime. "O Mito do rio do Ouro," In: Introdução à História das Bandeiras.
Lisboa, 1964. t. II, p. 213.
2 "Confissões da Bahia, (1591)." p. 53-54.
3 lNqursrçÃo oE Lrseon, ANfi, proc. n." 5 206.
a Id., proc. n." 1491.
A coLoNIzADoREs, coloNlzADos E...

mente na Colônia ia-se estendendo a ponte entre "a antiquada


denúncia da cobiça descaridosa e o moderno aplauso à empresa
econômica" de que fala Tawney. I
Apesar de permanecerem religiosos, os povoadores sentiam com
mais intensidade que deviam harmonizar dois domínios incompa-
tiveis e heterogêneos da experiência: precisavam manter relações
com o sagrado e com o profano.
Ademais, as constantes viagens atlânticas favoreciam o contacto
com outros povos para quem "a ordem do universo era obra de
Deus, e seu plano requer que o indivíduo trabalhe para a, glória de
Deus". Havia para o homem uma vocação temporal e espiritual.
Dever do cristão era trabalhar nos afazeres da vida práúica: cumprir
conscienciosamente os deveres comerciais também. 2
Muitos são os casos de abordagem das naus protestantes, e de
aprisionamento de seus tripulantes que, conduzidos para suas terras,
apreendiam tais idéias. Isto era muito mais solapador das convic-
ções do que a simples assistência a rituais das igrejas separadas
de que muitos se confessaram depois à Inquisição, como Baltazar
André que contou ter sido preso pelos ingleses luteranos quando
c.1589 ia da Bahia para o Porto na nau de Antonio de Freitas Por-
tales. Levado para Southampton, assistira naquela cidade e no mar
às "orações luteranas feitas pelos navegantes assentados, desbar-
retados, em língua inglesa". Na cidade, freqüentara o templo pro-
testante por seis ou sete vezes, notando inexistirem nele "retábulo,
nem imagem de Deus nem de Santo nem Cruz, somente nele está,
no meio do chão, sobre um pau, uma ave como corvo feita de metal
e tem também um púlpito onde pregam por um livro mais uns bancos
cobertos de panos finos roxos".3 As práticas religiosas diferentes
tinham sido notadas. Conscientemente pelo menos, não devem ter
sido anotadas idéias e crenças referentes ao lucro, às virtudes eco-
nômicas aceitas pelos ingleses protestantes.
Os nascidos no Brasil achavam-se já instalados num meio que
se definia como utilitário e mais plástico em relação aos modelos
metropolitanos. Conheciam já uma religião mais branda, que fazia
menor número de exigências.

I TewuEY, R.H. A Religião e o Surgimento do Capitalismo. São Paulo, 1971. Trad.


p. 233.
2 Id., ibid., p. 227-28.
3 lNqutsrçÃo or Llsrol, ANfi, proc. n.' 7953. Pernambuco, 1595.
DEMOGRAFIA E RELIGIÃO 65

Os mestiços, procurando embora copiar o comportamento dos


brancos, absorviam pouco de seus padrões religiosos. Prova-o o
pequeno número de confitentes e denunciantes que compareceu
diante da Mesa inquisitorial na Bahia e em Pernambuco. Depois, o
freqiiente contacto com os ancestrais de cor induzia a sincretismos
de prática e crenças.
Pesava ainda bem forte nos mestiços a atração dos costumes
ancestrais. Gaspar Gonçalves, mameluco, c. 1585 .fugt.u de sua
casa em llhéus com uma negra manceba para viver no sertão onde
perÍnanecera vivendo õomo gentio. Depois fora para Boipeba e
ali alvorotara os escravos cristãos para os levar para o mato. r
Era fama pública - contou-se ao Visitador em l59l' - que
dois irmãos mamelucos moradores na Cachoeira do Peroaçu tinham
mais de uma mulher e assim o consentiam lazer a seus escravos. Con-
sentiam que se matasse em terreiro e outÍas cousas semelhantes,
próprias dos selvagens pagãos.3
Lízaro Aranha pôclamava que havia vários deuses: o dos
cristãos e o do gentio, além daquele dos mouros.a
O hibridismo da crença dos mamelucos permitiu a sobreüvência
de muitos valores espirituais nativos e câ elâ gerou desvios grosseiros
da religião católica. Desüos que causaram um relativo espanto e
aiionaram uma tênue repressão por parte do clero e, posteriormente,
pelo Santo OÍicio.
Havia o problema da religião esçlarecida. Embora fosse menor
o número de mulheres vindas do Reino, e fossem elas melhores
guardiãs da religiosidade, por sua própria condição feminina, seu
menor grau de instrução, acabaram conservando uma religião mais
feita de exterioridades do que de consciência. De outro lado, eram
mais submissas ao clero local que, na maior parte das vezes, res-
sentia-se da formação doutrinária ou de escrúpulos morais como
frei Honório, envolto num rumoroso caso com Felipa Raposa.s
Para a mulher há de se levar em conta, ainda, a convivência do
casamento. O enlace com cristãos-novos podia signiÍicar aceitação
das práticas judaicas, ou pelo menos contacto com o Judaísmo,
como aconteceu à citada Felipa Raposa, obrigada por seu marido,
I "Denunciações da Bahia (l59lf'. p. 363.
2 Id. p. 349.
3 Id.
4 lNqurstçÃo oe Lrsuoe, ANTT, proc. n.' 12927.'
s Id., proc. n.' 5 206.
ffi coLoNIzADoREs, coLoNIzADos E...

Bento Teixeira, às cerimônias da guarda do sábado.l O número


maior de mulheres na sociedade, a grande facilidade amorosa rei-
nante, acabaram por abalar a crença no sexto e nono mandamentos.
A todos esses motivos de corrosão moral cristã e de atenuação
do sentimento religioso somam-se a presença dos degredados e a
procedência geográfica da maioria dos moradores das capitanias.
AInquisição Portuguesa degredava para o Brasil, como o
faziaa Coroa. Pessoas quejá tinham um passado pouco recomendá-
vel quer do aspecto das crenças, quer do comportamento ético-
-religioso, como o Pe. Frutuoso Alvares, degredado por sodomítico.2
Ou como Catarina Fernandes, que veio cumprir pena de cinco anos
na Bahia pela morte de um homem.3 Ou ainda, como as ciganas
Maria Fernandes que pelo furto de burros veio do ReinoÍ e Apolonia
Bustamante também degredada por furto. s Ou Joana Afonso,
crioula de São Tomé, degredada por adultério.6
No Brasil, o meio propiciava recaída nas faltas. Assim o Pe.
Frutuoso Alvares tornou a cometer o nefando com uns vinte moços
mais ou menos. ? Sebastião d'Elvas foi degredado para o Brasil
por furtos, e furtou novamente aqui.8
Os degredados do Santo Oficio vinham aumentar o número
das pessoas de fé oscilante. Aumentavam o número dos criptoju-
deus como Branca Dias, seu marido e filhas. Catarina Rodrigues,
por bigamia, foi condenada pelo Santo Oficio lisboeta aos 14 de
janeiro de 1623 a três anos de degredo para o Brasil.e Esse duplo
casamento não conteria no fundo dúvidas sobre o sacramento do
matrimônio?
Segundo Rocha Pombo, na segunda metade do seculo XVII
trezentas pessoas de ambos os sexos teriam sido degredadas para
câ, pela Inquisição Portuguesa. lo
A presença de tais pessoas, positivamente, concorria paÍa
debilitar ainda mais a ortodoxia católica da Colônia já erigida em
I lbid.
2 "Confissões da Bahia. (1591)". p.20-22.
3 Id. p. 35.
a Id. p. 57.
s Id. p. 127.
ó "Denunciações de Pernambuco". p. 392.
? "Confissões da Bahia. (1591)". p. 20.
8 "CartadeDuartedaCostaaD.JoãoIII".3l4llss1.ClnresoosPnIMnlr.osJssuius.
t. ll, p. 221.
e NorÍcrrs sosre Auros-oc-FÉ. ANTT, E. 144 P.2 fol. 103.
to História do Brasil. t. V, p. 659.
ESTRUTURAS SOCIAIS E RELIGIÃO II
bases pouco sólidas, mercê da procedência geográfica da maioria
de seus moradores brancos.
Na realidade, nas capitanias da Bahia, Pernambuco, Paraíba
e Itamaracá encontra-se uma nítida predominância de elementos
saídos das comarcas de Entre-Douro-e-Minho, Beira, Algarve, e
delas, de regiões bem afastadas das sedes dos bispados, regiões
geralmente ainda não atingidas pelas reformas tridentinas, ou onde
as referidas reformas não tinham tido tempo de modificar as menta-
lidades e estabelecer um equilíbrio entre fé e vida. Estas pessoas
sofreriam o impacto do oceano e da sociedade afrouxada de seus
rigores ortodoxos. Isto pesou, e muito, na confìguração religiosa
da Colônia.
2. Estruturas Sociais e Religião
A colonização do Brasil, marcada pelo caráter empresarial, foi
também um processo de europeização da terra. Os agentes desse
processo - os burgueses
- eram em sua grande maioria cristãos-
-novos. E entre os cristãos-novos alinhavam-se coesos os criptojudeus.
D. Manuel, em 1521, batizando os judeus criara em portugal o
cristão-novo. Este continuou contando com a mesma irritação com
que a coletividade brindava aos hebreus. Diferiam estes religiosa,
psicológica e socialmente do
-enrpo cristìo que os abrigava.
A partir de Cristo tornara-se irnpossível coexistirem indifererr-
temente, do ponto de vista doutrinário, os adeptos da Velha e da
Nova Lei. O Judaísmo era ameaça à integridade da ortodoxia cristã
porque oferecia solução diferente aos problemas básicos do Cato-
licismo.
O judeu deixava transparecer nitidamente sua crença. Expres-
sá-la através da vida cotidiana era indispensável para sua integração
religiosa. O filho de Israel devia fazer de cada ato, de cada gesto,
uma miçwah, i.e., um cumprimento da Lei. Isto irnplicava na obser-
vância dos preceitos que tinham sua fonte na Torah escrita, ou na
tradição, e visavam a afastar todos os perigos das transgressões.l
O ideal religioso do Judaísmo incluía a compenetração íntima entre
a crença e a vida de todos os dias: daí a santificação das habitações,
as leis alimentares com suas interdições, os ritos de purificação do

I Desde o começo da tradiçâo rabinica loi estabelecida uma lista clássica de pre-
ceitos, em número de 613:248 positivos e 365 negativos. DÉulN, pa'ul. Os Judeur,
Fé e Destíno. São Paulo, 1962. p. ó4. Trad.
68 coLoNrzADoREs, coLoNIzADos E...

corpo ou dos objetos, o luto com suas abluções, recitação de ver-


sículos, prantos e culto em memória dos falecidos.
Na exteriorízação de sua fé reafirmavam-se os judeus a cada
dia, acentuando sua diferença da generalidade cristã, individua-
lizando-se coletivamente.
Definitiva a influência da religião na estrutura psicológica da
personalidade.l A crença mosaica orientava seus adeptos para
certas metas. A imprescindibilidade do conhecimento da religião
e da sua vivência acabavam por imprimir a toda a coletividade urna
determinada estrutura mental, uma certa cosmovisão, que lhe ditavam
específico comportamento na sociedade. Atitudes individuais ou cole-
tivas que ofereciam, ao contacto com os cristãos, arestas de impossível
polimento.
Desprezavam os hebreus as leis e crenças alheias à sua raça,
compenetrados da idéia de superioridade individual e grupal, o que
ofendia e irritava os cristãos.
No esforço de ser religioso o judeu era levado por um dina-
mismo para o conhecimento de Deus - pela busca e investigação - e
o cristão a certa passividade e aceitação do ensino da lgreja' Logo,
porém, convencido da necessidade de preparar'sua vida transcen-
dental, e da sua responsabilidade de membro atuante da Igreja,
lançava-se o católico num ativismo missionário intra e extrafron-
teiras. Proselitismo que visou também o judeu.
Aos judeus, marcavam um certo individualismo e uma porção
de auto-suÍiciência, possivelmente originados na consciência de
possuir um mundo próprio, um parentesco espiritual unificador: a
Verdade. Características que não podiam se harmonizar com os
ensinamentos da lgreja Cristã que procurava desenvolver em seus
filhos o senso da catolicidade, despi-los da auto-suficiência e inte-
gráJos na Cristandade.
Das esperanças de Israel, a espera do reino de Deus levava os
judeus a buscarem assenhorear-se do mundo para si próprios, o que
devia ditar um certo tipo de comportamento comunitário e associa-
tivo hebraico em todos os campos da atividade humana - econô-
mico, proÍissional, científico, administrativo ou cultural - onde se
respeitava o indivíduo, mas se exercia o amparo mútuo dentro da grei.
Da valentia de permanecer fiéis a si próprios derivavam a
conservação da individualidade e a imperiosa necessidade de luta

I V. a respeito: JuNc, C. G' Psicologia e Retigião.Rio de laneiro, l9ó5' Trad'


ESTRUTURAS SOCIAIS E RELIGIÃO 69

espiritual paÍa a perpetuação. Por isso erigiram barreiras que impe-


diram a assimilação. O cristão, por sua vez, eÍa treinado para fun-
dir-se na coletividade, paÍa submeter-se à hierarquia, para lutar
pelo grupo, não por si mesmo apenas. Acabava por isso com a
mentalidade diversa dos judeus.
O otimismo ético contido na essência do Judaísmo convertia-se
numa exigência de heroísmo humano, numa vontade moral de lutar.
O pessimismo do cristão, cônscio de seu pecado genético e da mal-
dade intrínseca à sua natureza - que se externava em faltas coti-
dianamente renovadas - impulsionavam-no também à luta pelo
espírito. Faziam-no desejar a santidade ou modestamente lutar para
garantir a vida eterna.
O hebreu era essencialmente um homem prático: aos seus ideais
deste mundo deviam se subordinar os do outro, portanto seu aÍã,
sua ambição, era viver esta vida. Tendia a ser um homem mate-
rializado. Teoricamente pelo menos, o adepto de Cristo era um ho-
mem espiritualizado em maior ou menor intensidade de acordo com
a convicção que possuia de que a vida verdadeira era a extraterrena,
e que este mundo era apenas um exílio que necessitava cumprir.
O judeu era um homem ancorado em sua raça, o que o levava
a uma série de entendimentos e até de concessões para satisfazer
aos interesses de seus patrícios. Convencido da indissolubilidade do
binômio credo-vida, eliminando o fantástico e o obscuro, pro-
clamava que a religião não chocava com a vida uma vez que devia
realizar-se através dela. O significado da vida se manifestava na
ação: a vontade divina se revelava no homem. Por isso julgava o
mundo para determinar sua atitude diante dele. A vida se convertia
para ele num mandamento. Queria modificar o mundo para si.
Atitudes mentais a gerar comportamentos diferentes dos católicos
para quem a vida era um tributo a ser pago para, a eterna felicidade,
portanto uma provação e um encargo, o que os dispunha a aceitar
o mundo como estava.
Diferenciavam-se judeus e cristãos. Tais diferenças expres-
saram-se em atritos de maior ou menor intensidade que foram
sempre a constante de quatro séculos de vida comum entre os dois
grupos. No fim do século XV, instalado o clima tridentino na Pe-
nínsula Ibérica, a coexistência entre hebreus e católicos passou a
se tornar cada vez mais dificil. Os conflitos aumentaram em número
e importância.
70 coLoNIzADoREs, coloNrzADos E...

Tentando solucionar o problema, D. Manuel impôs o batismo


aos descendentes de Moisés,1 dando nascimento ao cristão-novo,2
aumentando o preconceito anti-semita e agravando, portanto. as
tensões sociais.
O sacramento católico não elidira o judaísmo, por isso não
podia aproximar os judeus dos cristãos. Tampouco podia fazer
desaparecer os antagonismos entre os dois grupos sociais ou des-
matginalizar o hebraico de um momento para outro.
Se o Rei decidira considerar parte integrante e una com seus
naturais aos cristãos-novos, e sentiu o indeclinável dever do trono
de darJhes os mesmos direitos, e fazêlos participar das mesmas
obrigações,3 com o povo tal não se deu. Nem D. Manuel nem
seus sucessores puderam persuadir à gente menos instruída que os
descendentes da nação hebréia depois de batizados tinham tanto
direito à bem-aventurança eterna fazendo obras meritórias como os
que haüam nascido de pais cristãos e tinham recebido o Sacramento
na infância.
Tentando eliminar as áreas de atrito, proibiu o Rei as discri-
minações e igualou os horizontes e as possibilidades sociais. A
reação dos portugueses foi grande a essa igualdade de direitos e
deveres com os descendentes de Israel. Rejeitavam a assimilação dos
cristãos-novos quase tão constantemente quanto estes não queriam
ser assimilados.
Ser cristão-novo era, pois, viver desajustado, semi-imper-
meabilizado à miscibilidade e à aculturação. A presença do cristão-
-novo não diminuíra a tensão social. O judeu batizado causava na
coletividade maior irritação.

I Osónro, D. Jerônimo. Da Vida e Feitos de El-Rei D. Manoel. Porto, 1944. t. I, liv. l,


p. 13; Góts, Damião de. Crônica di Felicíssimo Rei D. ManoeL Coimbra, 1926. p. I,
cap. XX; Gonoo, Ferreira. "Memória Sobre os Judeus em Portugal". ln: Memórias
da Academia Real das Ciências de Lisboa. Lisboa, 1823. t. VIII, 2." parte,cap. l. p. l0;
RÍos, José Amador delos. Historía Social, Política y Religiosa de los Judios de Es-
paãa y Portugal. Madri, 1960. p. 745, nt. 3; HrncuNo, Alexandre. História da
Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal.13." ed. Lisboa, [s.d.]. liv. II, t. I,
p. 107; RorH, Crcil. A History of Mananos. Filadelfia, 1941. cap.III, p. 54-73.
2 Os cristãos-novos loram também denominados "conversos", termo estendido
no
sêculo XVII a todos os que tivessem qualquer ascendente infiel, mesmo longínquo.
Onrrz, Dominguez. "Los Cristianos Nuevos. Notas para el Estudio de una classe
Social". No Boletim de la Universidad de Granada. 1949. n.. 21, p.249-97.
3 D. Manuel proibiu que se legislasse sobre os cristãos-novos como se constituíssem
comunidade diferente.
ESTRUTURAS SOCIAIS E RELIGIÃO 7I

As implicâncias mútuas levaram a radicalizações: muitos se-


mitas refugiaram-se no criptojudaismo - tão velho quanto o pró-
prio Judaísmo, nas palavras de Roth I - e em Portugal mais reni-
tente e tenaz que nos domínios de Castela.2
Cristão-novo e criptojudeu não são sinônimos. O nascimento
gera o primeiro, a vontade o segundo. O cristão-novo esforçava-se
por ser igual aos demais: tentava vencer as barreiras do meio e do
seu íntimo e ajustar-se. O criptojudeu contentava-se em parecer
igual aos demais. Reservava-se o direito de continuar sendo judeu,
de permanecer, às vezes, heroicamente fiel a si mesmo, à religião
herdada. Por isso tinha duas religiões: uma externa, social, outra
a religião da sua consciência, interior, feita de práticas secretas.
Odiava a sociedade que o compelia a uma vida de simulações que
lhe tolhia a liberdade de crença, mas guardava cefta atitude pre-
cavida, cônscio de ser o lado mais débil. Cristão-novo e cripto:
elementos desigualmente marginalizados na sociedade do barroco.
A inquietude passara a ter dupla polarização. Tanto na írea
cristã, quanto na área judaica. Na área cristã, suspeitava-se da
existência de um criptojudeu em cada neoconverso. Na área ju-
daica, bipartia-se ainda o grupo cristão-novo que se esforçava por
se assimilar à sua nova condição e entre o grupo criptojudeu que
mantinha uma dupla face religiosa, política e social. Os criptojudeus
comprometiam a posição dos cristãos-novos, pois mantinham acesa
a desconÍiança.
O criptojudaísmo exacerbava a inquietação reinante, primordial-
mente, porque falseava o cristão-novismo. Quais os conversos que
se conservavam judeus? Rompiam eles, às ocultas, isto sabiam-no
bem os cristãos-velhos, a unidade espiritual do Catolicismo e do
Império Português. Irritavam aos Céus, atraindo com suas here-
sias a cólera divina, que acabaria se abatendo sobre toda a popula-
ção. Espicaçavam esses judeus disfarçados a consciência de ho-
mens zelosos de suas crenças. Porque se deslocavam com extrema
facilidade, num migracionismo forçado ou não, eram sempre ad-
ventícios em qualquer meio social.
Porfiavam em manter uma feição nacional, caracterizada
pela linguagem aprendida nas escolas, empregada nos seus ritos,
nos livros de suas contas, nas produções de sua literatura.3 Tradi-
I Rour, Cwil. A History ol Marranos. Filadelfia, 1941. cap. lll, p. 54-73.
2 Id., ibid. p. 6l-62.
3 Azrvroo, João Lúcio de. História dos Cristãos-novos Poríugueses. Lisboa, I 92 I . p. 38.
t
I

T2 COLONIZADORES, COLONIZADOS E .. .

ções, usos, crenças do organismo social eram aceitos epidermica-


mente. O zelo pelo próprio patrimônio impedia uma assimilação
consciente e integral à cultura do meio. Por isso as nacionalidades
que adotavam eram para eles provisórias. Suas preocupações eram
a conservação da mentalidade comum da herança pslcológica e do
patrimônio histórico, além da busca de condições de realização de
melhores negócios. Seu supranacionalismo assegurava-lhes uma
ausência de compromissos que objetivamente se traduzia em plas-
ticidade, alargando ou restringindoJhes horizontes, conforme a
conveniência do momento. Sentiam-se isentos de lealdade para com
Portugal. Eis por que se distanciavam dos ideais éticos e das aspira-
ções da maioria da coletividade e do trono.
No Reino, cristãos-novos e criptojudeus compeliam ao desas-
sossego e impulsionavam os homens - individual e socialmente
e ordem. E tal busca muitas
- à busca de soluções de equilíbriojudaico:
vezes sinonimizava evasão do grupo para lugares da Europa
onde havia tolerância, ou para o mundo de além-mar, onde a coloni-
zação se deÍinia como um fenômeno tipicamente burguês, atraindo
homens e capitais para tal empresa.
Cristãos-novos e cristãos-velhos vieram para o Brasil. Tam-
tÉm vieram os criptojudeus.
A generalidade dos colonos estava convencida de que devia
criar um mundo e estruturálo. Para isso havia grandes obstáculos
a vencer.
Dominado o oceano, o grande desaÍïo para os que chegavam
era a terra. Terra indomesticada, com seus campos imensos, com
suas matas, rios caudalosos, pantanais, montanhas, terra envolta
por um clima estranho e desconhecido. 1 O outro problema: o índio,
para o português, parte integrante do solo. O índio e sua resistência.
O índio e sua agressividade. O índio e sua inconquistabilidade mental.
O desaÍìo era lançado ao branco que chegava. Fosse qual
fosse a antiguidade de sua crença, estavam todos constrangidos no
descobrir técnicas que lhes permitissem viver no meio estranho;
Cediam por isso a todo um processo de adaptações. Assumiam ati-
tudes novas, mais ou menos empíricas, sugeridas pela problemática
do momento. A resposta dos portugueses ao desafio do mundo
brasílico consistiu num processo de acomodação cujo nervo ütal
I". . . Muitas coisas há ainda assim de frutos como minerais por descobrir que os ho-
mens não alcançaram sua propriedade natural" registravam os "Diálogos" em 1618.
Dülogos das Grandezas do Brasit. Bahia. Ed. Capistrano de Abreu, 1956.
ESTRUTT]RAS SOCIAIS E RELIGIÃO 73

foi criar o homem paÍa a, terra. Nele se encaixa pois a gênese do


mestiço e a plasticidade do branco para se deixar modelar pelo con-
tinente americano.
Desde o primeiro momento atuaram na Colônia sobre o incons-
ciente e o consciente do reinol forças novas. Os imperiosos apelos da
vida deram à índia um lugar na rede do colono e produziram outras
vidas. O mestiço foi uma imposição genética. Sua aceitação social já
foi uma condescendência e o início do processo diversificatório
da Colônia.
Coloriram-se as epidermes em várias gradações cromáticas. Os
mamelucos, mulatos, pardos e cafuzos inauguraram um mundo de
sincretismos: de usos, costumes, crenças. Unindo-se aos usos, costu-
mes e crenças da Metrópole davam continuidade a esse processo acul-
turativo, agravando as deformações dos modelos culturais importa-
dos. Alguns desses modelos tornaram-se inadequados. Por inúteis,
tornaram-se desnecessários. Extinguiram-se ou foram usados com
adaptações.
A ânsia do imediato cortava idealizações. Brandônio, nos Didlo-
gos, reclamava dos colonos a quem dois ou três anos parecia uma
eternidade. l
O heroísmo tinha multiplicadíssimas possibilidades de realiza-
ção em roupagens locais. Entre elas, avultava a colonização das
consciênciâs nativas. O protótipo social se afastava do metropolitano,
2
à medida que a posse da riqueza era fator diferenciador da sociedade
e via de ascensão nela.
A necessidade da sobrevivência diante do inimigo bárbaro e
antropófago exigiu, pelo menos nos primeiros tempos, a atenuação
de preconceitos entre os brancos. A instabilidade dos primeiros esta-
belecimentos portugueses criava uma atmosfera de relativa solidarie-
dade entre o punhado de homens que os mantinha. Os cristãos-novos
eram aceitos com maior facilidade, irmanados nos problemas comuns
I "Primeiro Diálogo". In: Dfuilogos das Grandezas do Brasí|. Bahia, Ed. Capistrano
de Abreu, 1956. p. 39.
2 "... As riquezas do Brasil constituem em seis coisas com as quais seus povoado-
res se fazem ricos, que são estas: a primeira, a lavoura do açúcar; a segundâ, a mer-
cancia; a terceira, o pa.u a que chamam de Brasil; a quarta, os algodões e as madeiras;
a quinta, a lavoura de mantimentos; a sexta e última a criação de gados." "Terceiro
Diálogo". Op. cit., p. 149-50.
74 coLoNrzADoREs, coloNrzADos E...

do viver. I As desconfianças recalcaram-nas os cristãos-velhos, no


âmago de seus corações, onde ficaram mais ou menos latentes, mas
sem grande tempo ou oportunidade de se manifestarem. No fim do
século firmara-se a empresa brasileira. E a burguesia que a susten-
tava era em sua maior parte cristã-nova. Impunha-se certa tolerância.
Não há dizer que o homem se deseuropeizasse. As estruturas
gerais do mundo que erguia eram inegavelmente portuguesas. Ape-
nas tais estruturas sofreram adoçamentos. Quebravam-se{hes muitas
arestas. Tornaram-se mais maleáveis. Instalara-se uma relativa to-
lerância.
A flexibilidade das estruturas sociais e da mentalidade dos
homens que as haviam levantado não implicara na transformação
total desses homens. Aqueles que aqui se haviam instalado ou que
aqui moravam por determinados lapsos de tempo estavam ainda
convencidos, no fundo de suas consciências - bem lá no fundo,
muitas vezes - da importância dos interesses da alma no quadro
dos valores terrenos. Homens interessados em colaborar com o
Trono na manutenção da ordem no Império Ultramarino.
O abrandamento de problemas e preconceitos não significava
que estes tivessem deixado de existir. Desarmaram-se em grande
parte as resistências dos grupos hebráico e cristão. Ficaram apenas
alguns focos representados pela presença de criptojudeus que tal-
vez tivessem vindo para o Brasil à procura de um clima de liberdade
que permitisse o retorno às suas crenças. Prolongava-se, dest'arte,
além-mar, um problema metropolitano, a que eram sensíveis não
apenas os cristãos-velhos, como os cristãos-novos, imersos já no
processo de assimilação. Marranos judaizantes houve-os, sem
dúvida, nesses primeiros séculos da vida colonial. Seu programa no
Brasil era o mesmo que tinham os júdaizantes no Reino.
Na Colônia um certo grupo de conversos timbrava em se manter
judeu e supranacional. Defendia-se do Cristianismo através de
reservas rnentais como a daqueles que ouviam missa aos domingos
e enfeitavam-se nos sábados, que freqüentavam a igreja e depois
ajuntavam-se para judaizar.z Ou atacavam violentamente a ieli-
I "E os hlhos dos taes, já entronizados com as mesmas riquezas e governo da terra
despiam a pele de ovelha, como cobra, usando em tudo de honradíssimos termos,
como se ajuntar a isto o haverem vindo depois a este Estado muitos homens nobilís-
simos fidalgos, os quais casaÍam nele, e se liaram em parentesco com os da terra, de
sorte que se há feito entre todos, uma mistura de sangue assás nobre . . ." Id. p. 170-71.
2 Pnrlrlnrne VrsnlçÃo oo SlNro OnÍcro es P,c,RTEs Do Bnesu-. "Denunciações
de
Pernambuco", São Paulo, 1929. p. 361-62,353-54,316, 466, 4'16, 478.
ESTRUTURAS SOCIAIS E RELIGIÃO 75

gião do Nazareno, como Ana Rodrigues, ou Jorge Dias, que dese-


javam quebrar a cabeça de Cristo,l ou ainda baÍizavam bichos
para ridicularizar o Sacramento.2 Supranacionais, seguiam a polí-
tica de interesse dos de seu grupo.3
Os criptojudeus eram veículos ideais para penetração e cir-
culação das heresias. E heresias, no tempo, eram também na Co-
lônia sinônimos de desagregação política. A preocupação de "des-
mascarálos" gerou denúncias e processos na justiça eclesiástica
e civil, como os que teve contra si Bento Teixeira, Maria Barbosa ou
João Nunes.a Fruto de uma necessidade absoluta de vigiar os crip-
tojudeus são as Visitações do Santo Oficio ao Brasil, principalmente
às capitanias do Nordeste em l59l e em 1618. Ação intimidatória
principalmente.
Veículos de penetração de heresia eram também os homens
do mar que traziam, em suas presas ou nos seus barcos, idéias,
crenças ou livros que continham heterodoxias. Homens como o
marinheiro Diogo Dias que estante em casa de seu conterrâneo
Vicente Tomé, do Porto, declarara que o estado dôs casados era
tão bom como o dos religiosos. s Ou como Antonio Maciel, piloto
da nau São Pedro, que numa de suas viagens fora feito prisioneiro
pelos ingleses e com eles rezara.6
Um outro problema os donos e capitães de naus, principal-
mente das urcas flamengas, que davam fuga aos indivíduos incursos
nos autos inquisitoriais ou que em Lisboa, ao invés de entregar
diretamente os presos nos cárceres do Santo Oficio, deixavam-nos
primeiro tratar de seus negócios, manter alguns contactos que po-
deriam ajudá-los quando estivessem sob a vigilância do Tribunal.
O Visitador Furtado de Mendonça instaurou auto contra An-
tonio Vaz por ter sabido que ele partiria para o Rio, desobede-
I Pnrlmn.l Vrsrr^lçÃo po Slxro Orícro Às Plnrns oo Bn,lsIL. "Denunciações da
Bahia", 159l-1592. São Paulo, 1925. p. 544.
' Id. p. 321, 473-74. Pr.rrrrntnr. VrsnlçÃo no SlNro OrÍcro Às P^lxrrs oo Bn.lstr.
"Confissões da Bahia", (1591-1592). São Paulo, 1935. p. 65,79 e 87.
3 V. Funç1, Eduardo d'Oliveira: "Um problema, a traição dos cristãos-novos ern
1624." Revista de História. São Paulo, 83''21-71, 1970.
a Transcritos em parte nos processos que tiveram na Inquisição Portuguesa as refe-
ridas pessoas. Inquisição de Lisboa. ANTT, procs. n." 5 206,5 53ó, I 491 e 885 res-
pectivamente.
s lNquntçÃo DE LrsBoA. ANTT, proc. n." 6 350. Pelo mesmo motivo foi processado
Francisco Pires. Inquísição de Lisboa, ANfi, proc. l7 8ll.
6 Id., proc. n.' 6 364.
76 coLoNrzADoREs, coloNrzADos E...

cendoJhe às ordens e não temendo as penas que por ele lhe tinham
sido postas, levando em sua nave Adrião Francisco, serralheiro, e
uma castelhana Joana Martins. 1 Pelo mesmo motivo foi preso Diogo
de Mozim Soares, escrivão da Alfândega do Rei na Bahia.2
Da cumplicidade dos capitães das urcas que se ofereciam para
desembarcar os réus do Santo Oficio em outros portos europeus
aüsava ao Tribunal de Lisboa Bento Teixeira num de seus Avisos, em-
bora ele mesmo se sentisse descrente da possibilidade de impedir a
açâo dos navegantes das urcas: "E dizem que se S.M. impedir que
não vão lá urcas, que de dentro de Itália e de Veneza hão de mandar
vir vasilhas para se embarcarem".3
Outro atentado à integridade ortodoxa da Colônia era a pre-
sença dos holandeses ou dos corsários luteranos que nas rotas
comerciais do açúcar, do pau-brasil ou das especiarias freqiienta-
vam as Ilhas, África e Brasil, trazendo elementos não católicos que
ilegalmente aqui ficavam e constituíam perigo paÍa a fé da coleti-
vidade. 'As avenças vendidas pelos contratadores de escravos eram
outra via de penetração no Nordeste e no Recôncavo de elementos
de outras crenças. População estante por alguns meses, no decurso
dos quais contactava com os moradores da terra e podia abalar as
já pouco sólidas fidelidades à dogmática cristã.
3. EstratiÍìcação Social e Religião
A presença de acentuações dominantes em toda a sociedade
é um fato inegável da organização social.a De acordo com o que a
sociedade considera valioso, procede ela à hierarquização das
funções sociais desempenhadas pelos seus membros. Os status são
diferenciados a partir de seus papéis.
A estrutura sócio-econômica do Nordeste e do Recôncavo
construiu uma hierarquia sobre base escrava em que se encontra-
vam, de alto para baixo: os grupos ligados à terra e os grandes comer-
ciantes aqui radicados, partícipes da mesma concepção de vida, do-
nos das tendências autoritárias, que transmitiam por herança seus
bens e suas prohssões. Depois, vinham nos incipientes burgos a média
e a pequena burguesias, mal dehnidas, que abrangiam os mercadores,

I Id. proc. 6345.


2 Id.
3 /d., proc. n." 5 20ó. Aviso último.
'TuuIN, Melvin M. Estratificação Social. As Formas e Funções da Desigualdade.
São Paulo, 1970. p. 40. Trad.
EsrRATrFrcAçÃo socr,c.r n nnr,rcúo 77

pequenos industriais, artesãos e todos os responsáveis pelas ativi-


dades estereotipadas ou reprodutoras do sistema burocrático que se
transplantou para a Colônia. Este grupo social era integrado, nos
campos, pelos pequenos lavradores, rendeiros e trabalhadores assa-
lariados. Nos campos e nos meios urbanos, aí estava o clero. Abai-
xo deles, a massa indefinida e informe da plebe, e os escravos respon-
sáveis por todo o trabalho das lavouras e das fábricas: "derrubadores
para roçarem o mato das plantações, agricultores para limparem
as derrubadas e prepararem o terreno para as semeaduras, as cargas
e as colheitas das messes, o transporte das canas ou das espigas de
milho e das demais culturas; operários para construírem ou remen-
darem os engenhos, as rodas de água, os canais ou regos; remadores
para os barcos e lanchas em que se transportavam rio abaixo até
o oceano as utilidades colhidas ou preparadas; caldeireiros para
tachos, carapinas, marceneiros, ferreiros, pedreiros, serventes, fa-
zedores de tijolos e de telhas; criadores de toda a especie para as
necessidades caseiras; caçadores e pescadores para sustento da
fazenda; guardas para protegerem famílias e propriedades: tais eram,
em resumo, as mais importantes formas de trabalho impostas aos
empregados e escravos". 1
A sociedade açucareira do fim do seculo XVI e do início do
XVII definiu como seu argumento principal a ríqueza e a fé. Seus
elementos diretores foram os principais responsáveis pela consecu-
ção do lucro e pela cristianização das consciências.
A divisão das riquezas deu o primeiro critério de valorização
do status: a diferença da propriedade e do dinheiro, ou o fato de
ter ou não propriedade e dinheiro. Encimava a estratifltcação colo-
nial o grupo dos senhores de engenho e terras e dos mercadores.
A interligação dos latifundiários aos comerciantes, a mudança de
posições, o acúmulo de ambas as funções, caracterizaram o Íim do
primeiro século e início do segundo na vida brasileira. Ligados à
posse dos bens imobiliários e mobiliários estavam o poder e o pres-
tígio que exerciam e gozavam na sociedade esses elementos. O poder
derivava de posições econômicas privilegiadas como as exercidas
pelos senhores de engenho e pelos mercadores.
O prestígio advinha da riqueza e do poder. Prestígio que não era
minimizado pela vida em cenários rurais, pois parte do ano pas-
1 CerócEnes, J. Pandiá. Formação Histórica da Brasil. 2.' ed. São Paúo, 1935.
p. 29-30.
78 coLoNIZADoREs, coloNrzADos E...

sava-a o senhor de engenho nas cidades ou vilas onde tinha tam-


bém residência.
A esse primeiro grupo social pertenciam também, em certo sen-
tido, o clero e alguns altos funcionários do Rei, na medida em que
eram individual ou coletivamente (pela ordem religiosa) senhores
de terras ou de engenho. As sesmarias dos padres bentos, dos Íilhos
de Santo lnácio, do governador Luís de Brito são exemplos. Como
é exemplo o engenho do Sergipe do Conde, dos jesuítas, a partir
do século XVII. T

Os senhores de engenho e terras, organizados no sistema do


patriarcalismo, mantêm uma forte hierarquia social que tem seu
modelo na organização do engenho onde "uina grande divisão social
do trabalho tem as correspondentes diferenciaçõEs sociais, uma
vez que a produção do açúcar resulta dos esforços combinados e
especializados de vários homens"2.
Nas pequenas concentrações urbanas encaixava-se o branco
recém-vindo que "não encontrando no interior, onde estão os en-
genhos, aplicação para seus braços porque os escravos bastam para
o serviço das lavouras e moendas, é forçado a retornar sobre seus
passos e fìxando-se nas cidades, no granjeio de pequenos oficios,
como o de ourives ou no pequeno comércio como o negociante de
vara-e-côvado" 3.
Nos meios urbanos fìcavam também os burocratas, estreita-
mente organizados em quadros hierárquicos, disciplinados até a
minúcia por normas, regimentos e leis. Integraram eles o mecanismo
colonizador na medida em que o sistema burocrático português
era fundado no princípio de fidelidade pessoal ao Rei.
Elementos ligados à administração e elementos ligados à eco-
nomia acabaram muitas vezes participando das mesmas funções
devido à rarefação dos quadros humanos especializados, devido ao
prestígio de que gozavam os homens ligados à terra e ao comércio.
Há na pequena e média burguesias e no povo pequena nitidez
na delimitação das esferas de funcionamento social. Contornos pouco
definidos. Além disso, a rarefação demográfica foi a responsável
I Yet: Documentos para a História do Açucar. v. ll. Livro de Contas do Engenho
do Sergipe do Conde. Rio de Janeiro,1956 Espólio de Mem de Srj. fuo dc Janeiro,
1963. v. III.
2 OrIwna Tor.nns, João Camilo de. Estratilicação Social no Erasil. São Paulo,
1965. p. 18.
3 Vnxr, J. P. Oliveira. A Evolução do Povo Brasileiro. p. 143.
ESrRArrFrcAçÃo socnl e ncucrÃo 79

pela bivalência e até polivalência funcional. Aparecem referidos


nos papéis da Inquisição: pedreiros que eram ao mesmo tempo cal-
deireiros; carpinteiros-marceneiros; caldeireiros-donos de curral;
torneiros-lavradores; cuteleiros-mercadores; alfaiateslavradores;
procurador do número-dono-de-roça ; confeiteiro-mercador-criado ;
criado-tendeiro ; lavradores-pescadores ; lavradores-carpinteiros-pe-
dreiros; pedreiro-mestre-de-obra; pedreiro-carpinteiro; pescador-
-soldado; pescador-contador e ourives-mercadores.
Sempre a predominância da lavoura e do comércio nesses
casos de acúmulo de funções que levava os indivíduos a participarem
de mais de um grupo ou de diferentes camadas do mesmo grupo
social. Em todos os estratos da organização social, a presença dos
cristãos-novos.
Dos 2 214 homens que viviam nas capitanias do Nordeste e
no Recôncavo entre l59l e 1620, | 240 declarcram ao Santo OÍïcio
suas profissões. A distribuição numérica pelo estrato social a que
pertenciam é a seguinte:

Grande Burguesia: total percentagem

engenho.....
Senhores de 86
Mercadores..... ........223 309 196e%
Pequcna e Média Burguesía:
Àrfecãnc I ?{
Assalariados 180
Burocratas 133
Pequenos lavradores... 389
I ihcrqis Á,^

Mercadores de lógea . l8
Clero (médio e baixo) 94 1053 67,07%

Povo:
Pequenos oficios 148
Sem oficios ....... 26
Fcravnc 7,4 208 t3,24%

Tntnl 1570 r r0n,00%

I A diferença de 670 é explicada pelos casos de dupla e até tripla função social.
618 pessoas cujos nomes estão relacionados nos papéis do Santo Oficio não declara-
ram sua condição profissional.
m @rcNtzlooRns, coloNrzADos 8...

Media e Pequena Burguesias

l- Artesãos -Fazenda:29
Alfaiates : 44 -Roça:2
- Obreiro de alfaiate : I Mestrede-açúcar : 28
Armador de igreja : 2 - Aprendiz de mestre-de-açú-
Calafate:4' Q&t :2
Calceteiro : I - Purgador : 5
Carpinteiro : 66 Contra-mestrede-nau : 4
- Aprendiz de carpinteiro: I - Guarda de naus : I
Chapineiro : I - Mestrede-nau : ll
Cordoeiro : 3 - Marinheiro : 46
Costureira : 3 - Piloto : 19
Cozinheiro : 2
Cutileiro : I 3. Burocratas
Entalhador : 2 Alcaide-mor: 3
Ferreiro : 14 Almotacel: 3
- Aprendiz de ferreiro : I Almoxarife de cidade : 2
-com tenda: I Almoxarife de capitania : 3
Fiandeiro : I Capitão de capitania : 5
Imaginário : I Carcereiro : 4
Oleiro : l0 Contador da fazenda del-Rei :2
- Aprendiz de oleiro : I Demarcador das terras : I
- Mestre oleiro : I Desembargador :2
Ourives : 5 Escrivão : 12
Serralheiro : 2 - Escrivão da alçada: 2
Tanoeiro : 5 - Escrivão dos defuntos : I
Torneiro : I - Escrivão da câmara do bispo :
Tecedeira : I

- Escrivão do fisco : 2
2. Assalariados Escrivão dos órÍãos : 2
-
Banqueiro : I - Escrivão dos agravos da Rela-
Barqueiro : 4 ção da Bahia : 2
Caldeireiro : 4 - Escrivão do campo : I
Caixeiro : I - Escrivão dos contos : I
Contador : I - Escrivão da alcaidaria : I
Encaixador: I - Escrivão do eclesiástico : I
Feitor : I - Escrivão do público-eclesiás-
-Engenho:20 tico : I
ESTRATIFTCAçÃO SOCT,C,L n nEr,rCtÃO 81

Governança da terra: 22 Procurador do conselho : 2


Inquiridor : I - Procurador do número : 4
Juiz : 9
- Juiz dos orÍãos : 2 4. Homens do mar
Meirinho da AlÍândega : I Dono-de-nau: 8
- Meirinho da correição : I Capitão de embarcação : I
- Meirinho da vara eclesiásti- 5. Pequmos lavradores
C&:3 Donos-de-roça: 17
- Meirinho do campo : I :371
Lavradores
- Meirinho da cidade : I
Trabalhador de enxada e foi-
- Meirinho da capitania : I
Meirinho do mar = 3
ce: I
-
Ouüdor Geral do Estado : 3 6. Liberais
- da vara eclesiástica : 3 Advogados:7
Provedor: Bacharéis: I
Provedor da alÍândega : 3 Cirurgião: ll
- Licenciados : 6
- Provedor dos dízimos do Rei :
Estudantes : 25
-l Físico : 3
- Provedor dafazenda do Rei:
:J Médico : 3
Provedor-mor dos defuntos: Mestres de ler e escrever : 4
- Letrado : 4
:l
- Provedor da capitania : I 7. Mercadores de lógea
Procurador de indios : I Mercadores de lógea : l8
Povo
Pequmos ofícios Pasteleiro : 2
Parteira: 2
Boticário : 4 Padeira : I
Canoeiro : 2 Camareiro: 2
Confeiteiro : 5
Criado : 52
Carreiro : 3 Pajem: 3
Cortador de carne : I Mulher do mundo : 7
Barbeiro : 14 Taverneiro : 1
Vendeiro : 9
Vinhateiro : I
Ferrador: I Trabalhador de soldada : 4
Hortelão : I :
Lingaa:2 Escravos 34
Pedreiro : 19 Sem ofício :26
Pescador: 12 Não declarados : 618
82 coLoNrzADoREs, coLoNIzADos 8...

Das I 212 mulheres que viviam na Colônia na região estudada


aparecem nos papéis do Tribunal apenas dezesseis exercendo pro-
fissões fora dos afazeres domésticos:

Costureiras 3
Tecedeira I
Padeira I
Vendeira 2
2
Mulher do mundo ... 7

Dessa distribuição sócio-profissional emerge uma elite bur-


guesa que devia manter a maioria pela autoridade e pela disciplina.
Seus anseios concentravam-se no desenvolvimento da propriedade
na manutenção da família patriarcal. Resistiam à infiltração das
classes inferiores.
Os senhores de engenho tinham um sentido extremamente vivo
de autonomia e suficiência só comparável "ao desejo de estabili-
dade que lhes davam as terras férteis de cana". Seu espírito de auto-
ridade aguçava mais o sentido de ordem e disciplina. Homens du-
ros, sem fraquezas nos julgamentos, sem flutuações na ação. Incli-
nados a reações violentas. Eram os senhores de engenho responsáveis
pela existência de um espírito fragmentário favorecido pelo isola-
mento e pela distância, origem das tendências particularistas.
Já os funcionários burocráticos, componentes alguns de uma
elite administrativa - elite flutuante - eram educados no senti-
mento de obediência ao Rei de quem se consideravam servidores.
Apegados às normas e aos regulamentos, com seu espírito esquemá-
tico e rotineiro eram fundamentalmente conservadores. Represen-
tavam, no mundo colonial, forças de coesão que ligavam a Colônia
à Metrópole.
Nos grupos médios, dada a heterogeneidade de sua composição
não são perceptíveis traços de sua mentalidade além da busca da
fortuna e da conservação de traços religiosos - traços distintivos
de toda a sociedade.
Quanto ao clero manteve seu ascendente na sociedade que se
estruturava. E no clero, maior influência, inegavelmente, era a
exercida pelos filhos de Santo Inácio. Um entre muitos exemplos:
EsrRArrFrcAçÃo socI,c.r s nsucrÃo 83

Joâo de Sevalhos 1 foi perguntar ao Pe. Manoel Nogueira se estava


c€rto o que iria contar ao Visitador do Santo Oficio não obstante
todas as explicações dos Monitórios e a proibição dos denunciantes
de se comunicarem com alguém antes de comparecer à Mesa. A
dependência mental do clero era maior, pois era ele fator de seguran-
ça para as consciências.
A mesma coisa fizera Antonio de Oliveira, procurando pri-
meiro os jesuítas Antonio Blasques e Pero Coelho.
Manoel de Paredes explicando-se diante do Santo Oficio de-
clarou que falara tanta verdade quanto a Companhia.2 Continua-
vam os padres a influir nas elites e na massa sendo um fator de in-
tegração social.
A integração de uma sociedade depende de valores comuns ou
quase comuns, de ampla aceitação de normas prescritivas ou pros-
critivas, de um potencial de concentração de força nas autoridades
reconhecidas na sociedade.3 A religião era na sociedade colonial
o mais importante poder integrador na medida em que contribuía
para o reforço de normas e valores comuns. Na medida em que se
fundiam autoridades política e religiosa era inequivocamenie in-
tegradora. No momento em que os padres brandiam sanções exco-
municatórias contra alguns desvios como o roubo por exemplo,
estavam ajudando a reforçar a instituiçâo social da propriedàde,
portanto tendiam a santihcar a estrutura social existente.
Além do mais exercia o clero o controle social dos atos litúr-
gicos brandindo sanções contra os faltosos: admoestações, nega_
ções dos sacramentos, excomunhão ipso facto incurrenda ou publióa-
mente proclamada.
Através da Companhia de Jesus, precipuamente, era ainda
do clero a função de ensinar. Em pernambuco e Bahia havia apenas
três mestres leigos: Bento Teixeira,a Fernão Rodrigues dapaz,s
Gabriel Gonçalves.6
I "Denunciações da Bahia (ló18)". p. 103.
2 lNqursrçÃo DE LrsBoA,
ANTT, proc. ll07l.
3 JottNsoN, H.
M. "Religião e Subsistemas Sociais." rn: sociologia de la Retigión
y de k Moral. Buenos Aires, 1968. p. 192. Trad.
4 h.rqursrçÂo oE Lrsnoa, ANTT, proc.
5 206.
5 "Denunciações de Pernambuco".
p. 37g,451.
6 "Denunciações da Bahia (1591)". p.
148 (ratificações).
U coLoNIzADoREs, coLoNIzADos 8...

A religião católica, no período colonial, influiu quase que


1,
exclusivamente na organização da cultura no Brasil que se desen-
volveu à sombra dos conventos, seminários e, principalmente, dos
colégios dos filhos de Santo Inácio. Notadamente no primeiro século
da colonização as únicas agências difusoras da cultura foram as
Escolas Inacianas,2 decididos que estavam os jesuítas de levantar
sobre os alicerces do ensino toda sua obra de evangelização e colo-
nização.3 Sua política educativa alicerçava-se no abrir sempre
uma escola onde erigissem uma igreja.
Desde o srau elementar era o ensino iesuítico marcado pelo
ideal norteadoï da Companhia: subordinação às exigências ecumê-
nicas da Igreja tridentina e à missão de instalar e conservar a civiliza-
ção ibérica que lhes dera o Rei. Eram os inacianos, pois, instrumentos
poderosos de domínio espiritual, fazendo do ensino cunhas por onde
penetrava na Colônia a cultura portuguesa. Focos de reação euro-
pizante numa sociedade mestiça que ameaçava com seus sincre-
tismos a unidade que se buscara instalar. Focos de ibericidade num
mundo ameaçado constantemente pelos estrangeiros invasores. Fo-
cos de Cristianismo num mundo solapado pelos germens da hetero-
doxia.
As condições de vida influem nas tendências religiosas dos
homens. Ora, essas condições estão relacionadas com a estratiÍì-
cação social.a

1 "Cultura elaborada pela Igreja, tributária da religião, verdadeiros vínculos en-


trelaçando nizes" para Fernando de Azevedo, que vê nossa história cultural entÍon-
cada em sucessos, institúções e influências religiosas. A Cultura Brasileira. R:io de
Janeiro, 1943. p. 132.
2 Na Bahia, 15 dias após a chegada dos jesuítas já funcionava escola de ler, escre-
ver e contar. O mesmo tipo de ensino elementar existiu em todos os estabelecimentos
inacianos do Brasil. Cf. Lure, Pe. Serafim (5.1.). Históría da Companhia de .Iesus
no Brasil. Lisboa.-l 938. t. l, p. 72 e segs ; Y . também : "Vicente Rodrigues, l.o Mestre-
Escola do Brasil". ln: Broteria. Lisboa, 1951. n.o 52, p. 288-300.
3 V. sobretudo idéias pedagógicas do Pe. Nóbrega, nas "Cartas do Brasil e mais
escritos do Pe. Manoel da Nóbrega (Opera Omnia)." Introdução, notas históricas
e críticas de SerafÏm Leite. Publ. da Acta Universitatis Conimbrigensis' Coimbra,
1955. V. tarnbém: Cosu, M. Gonçalves da. Indcio de Azevedo. O homem e sua Epoca.
1526-1570. Braga, 1957; JAUcER, Luiz Gonzaga. Pe. Manoel da Nóbrega. 4." Cente'
nório de sua Vinda ao Brasil. Porto Alegre, 1949. Sep. do Relatório do Colégio An-
chieta de Porto Alegre; Ditilogo sobre a Conversão do Gentio. Com preliminares e
anotações do Pe. Serafim Leite. Lisboa, 1954.
4 WErm, l.[lax. The Sociology of Religion. Nova lorque, 1947. p. 10.
ESTRATIFTcAçÃo socr,c.r e nnrtclÃo 85

Homens da mesma religião - cristã


- estavam colocados em
diferentes grupos da sociedade. Dada a grande mobilidade dentro
das camadas sociais, houve também um intenso deslocamento de
certo tipo de necessidade religiosa ou de determinada interpretação
da religião.
Os senhores de engenho, dado o desmesuramento do seu in-
dividualismo, tendem a separar o conteúdo doutrinal do Cristianis-
mo da vida cotidiana. Isto explica os comportamentos, como o de
Fernão Cabral de Ataíde que solicitara sua comadre, Luisa de Al-
meida, para relações sexuais dentro da capela de seu engenho após
a missa dizendo "que compadra (sic) não era parentesco e que não
era mais que carantonhas que punham, que deixasse isso à sua
conta que tudo se lavava com uma bochecha de água"t.
Pero Garcia confessou a Marcos Teixeira ter cometido o ne-
l
fando "vencido do apetite da carne" com Maria Alvares num de
i seus engenhos, enquanto o marido estava fora com um mulato
i
I
forro, Joseph, com um cativo, Bento e com Jacinto, moleque de
I
6 ou 7 anos.z
t Belchior Luís, senhor de engenho no Jaboatão, em conversa
sobre a confraria dos ferreiros do Porto chamou a Virgem de Mal-
aventurada.3
I Fernando Soares, senhor de engenho, era cristão-novo e sua
I mãe fora ao cadafalso em Lisboa. Também fora queimada por judia
a mãe do cristão-novo, Tristão Ribeiro, senhor de engenho de bois
em Passé.4
Alvaro Velho, senhor de engenho da yârzea do Capibaribe,
era "muito costumado a pessar e a dar ao diabo a lua a quem a
mandava" s.

Gaspar Pacheco, cristão-novo, dono de engenho de bois em


Itaparica, tinha fama na Bahia de ter vindo do Reino, fugido da
Inquisição. ó

Os grupos privilegiados consciente ou inconscientemente atri-


buíam à religião a função fundamental de legitimar seu padrão
de üda, sua situação no mundo. Isto explica a figura do capelão

t "IrqursrçÃo oE Lrsnoe", ANTT, proc. 17 065.


2 "Confìssões da Bahia (1618)". p. 444-45.
3 "Denunciações de Pernambuco". p. 18-19.
a "Confissões da Bahia (1591)". p. 256.
s "Denunciações da Bahia (1591)". p. 516.
6 Id. p. 321.
t6 coLoNrzADoRES, coloNrzADos E...

do engenho a conviver no dia-a-dia com senhores de ortodoxia


discutível ou de fé apenas aparente como a de grande parte dos neo-
conversos.
"Privando com o senhor de engenho que é o proprietário da
capela onde se diz a missa, protetor da religião e seu maior con-
tribuinte, sentando-se à sua mesa como conviva habitual, confiden-
te e parceiro de jogo, associado a ele nas lutas políticas, o capelão
domesticado, na observação de Gilberto Freire, teria de acabar
como acabou, tão ligado à família patriarcal, aos seus interesses,
aos seus segredos, às suas pendências, internas ou externas, que
fazia corpo com ela e dela já não podia mais despregar-se, como se
fora o próprio esteio da religião. Nessa comunidade de vida e inte-
resses, nessa troca de serviços e nesse regime de concessões mútuas,
que iam até à complacência, senão cumplicidade, para com os erros,
fraqueza ou crimes de um e de outro, capelão e senhor de engenho,
vivendo de portas a dentro, solidários, beneficiavam-se das forças
que cada um representava e eram postas a serviço do poder senhorial
e do poder eclesiástico. Nenhum obstáculo levantou a religião ao
poder do senhor de engenho, rude e autocrático que, tomando uns
ares de correção até à austeridade, prudente e temerário a um tem-
po, com atitudes e gestos aristocráticos se forjava para uso próprio,
aos olhos indulgentes e receosos da religião, uma moral dos se-
nhores" 1.
Alguns exemplos de capelães de engenho e fazenda na Bahia:
Francisco Saraiva, padre da capela de Sta. Catarina, do engenho
de Gaspar Dias Barbosa em Matoim; Estevão Fernandes, na capela
da fazenda de Cristovão de Barros em Jacaracanga; Jerônimo
Braz, capelão da fazenda do Margalho em Tassuapina.2
O padre, pela educação dos filhos dos senhores, incutialhes
subordinação aos pais e às estruturas sociais em que se anicha-
vam. Havia interesse da Igreja em manter tais estruturas. O en-
sino religioso dos colégios principalmente jesuítas completava
essa "obra de coesão que tinha por base uma mesma estrutura
econômica e rematava numa mesma concepção e nos mesmos es-
tilos de vida".
Confundiam-se o elemento religioso e o elemento leigo, ganho
que estava àquele pelos problemas do meio.
1 Aznvroo, Fernando de. Canaviais e Engmhos na Vida Política do Brasil.2." d.
São Paulo, 1960. p. ?0.
2 "Confissões da Bahia (1591)". p. 82.
EsrRArrFrcAçÃo socllr r nrrrcrÃo 87

O clero na Colônia debatia-se entre duas tendências contra-


ditórias: compromisso com o mundo, rejeição do mundo. Ora pu-
nha-se a serviço dos homens da elite do dinheiro como o cônõgo
Bartolomeu de Vasconcelos que peitou o escrivão do bispo, Antonio
Gomes, para rasgar autos que Gaspar Rodrigues tinha na justiça
l eclesiástica.1 Ou como o vigário da Vara Eclesiástica que para não
obrigar o cristão-novo João Rodrigues a voltar para sua mulher no
Reino, isentou-o da excomunhão do bispo, dele recebendo 100
varas de pano de linho, um arratel de linhas finas e uma dúzia de
peles.2 Ora brandia a sanção excomunicatória a pedido de alguém
que se sentia prejudicado como Manoel Ferreira que teve sua lavoura
destruída por Jerônimo de Barros.3 Ora controlava as práticas
litúrgicas de seus paroquianos como se depreende das denúncias
feitas pelo vigário de S. Lourenço ao Visitador Furtado de Men-
donça. a
O clero das paróquias na sua grande maioria pecava por ig-
norância. Faltavamlhe condições para pastorear as almas. Trazia
ainda consigo aqueles inúmeros desvios da ortodoxia cristã que
Trento ordenara fossem sendo dirimidos pela instrução esclarecida
dos seminários. Resultado: padres que descriam da importância
das obras paÍaa salvação ou que ignoravam a ordem das pessoas da
I SS. Trindades ou que escandalizavam os fregueses como o pe.
t Pinto Doutel que dissera na homilia "o homem se havia de amancebar
antes com mulher formosa que com feia, se havia de embebedar
antes com bom vinho que com vinagre"ó. Frei Alvaro de Monção,
franciscano, ignorava a maneira certa das pessoas benzerem-se e
persignarem-se ensinando erradamente seus alunos. ? O Pe. Luiz
do Couto, em conversa respondera, quando interpelado, que Cristo
não sabia que ia ressuscitar.s Nos deslizes de comportamento tam-
bém igualavam-se os religiosos aos leigos. Que dizer das denúncias
feitas contra Frei Damião de São Bento, que fora achado "à noite
vestido à indiática em casa de mulheres solteiras" de quem publica-
mente se dizia que "tinha acesso com urna Isabel Raposa e Ana
1 "Confissões da Bahia (1591)". p. 54-5ó.
2 INqulsrçÃo oe Lrsroe, ANTT, proc. n.. 6 353.
3 Id. p. 33-34.
I a "Denunciações da Bahia (1591)". p. 516.
5 lrqusrçÃo or Lrsrol, ANTT, proc. n.o ll 063.
6 Id. proc. n.' l0 888.
7 "ConÍissões da Bahia (1591)". p. 30.
I lrqurslçÃo on Lrsnoe, ANTT, proc. 2 553.
tt coroNrzADoREs, coLoNIzADos 8...

Lins, mulheres casadas, e com outras muitas, comprando cousas


de seis e sete mil réis para trazer de noite";l
Os burocratas, presos a um conjunto de convenções, prendiam-
-se mais aos exteriores da crença do que a uma religião pessoal de
tipo emocional. Ambrósio Peixoto de Carvalho, Provedor-mor dos
defuntos e ausentes da Bahia, foi levar ao Visitador uma teima que
tivera com Antonio Nunes Reimão na qual dissera que não se con-
vencia dos motivos apontados pelo interlocutor, mesmo que São
João Evangelista dissesse o contrário.2
Os grupos mais simples da população misturavam as crenças'
dividindo-se entre o profano e o sagrado, Deus e o Diabo, a Igreja
e as feitiçarias. Riscavam-se, recebiam os fumos das Santidades,
adoravam seus ídolos e declaravam que não tinham deixado a
crença do Cristianismo. Amaro da Cruz confessou-se sacramental-
mente com um jesuíta de palavras irreverentes e não satisfeito foi
de novo confessar-se ao Padre Frei Jerônimo, presidente de São
Bento 3; evidenciando com essa atitude a limitada compreensão que
tinha do sacramento da Penitência e de seus efeitos de perdoar os
pecados.
Francisco de Almeida sabia que devia estar em jejum para
receber a Eucaristia. Acreditava que na hóstia estava o verdadeiro
corpo de Jesus, e comungou depois de ter almoçado.a A mesma
cousa fez Cosmo Martins.5
Os cristãos-novos procuravam, principalmente quando crip-
tos, realizar com perfeição os exteriores de bom católico. Eram
os mordomos das confrarias mais importantes, como o era Manoel
de Paredes, da confraria de Nossa Senhora da Ajuda 6 na Bahia
de 1591.
Nicolau Faleiro de Vasconcelos afiançou ao Visitador que
sua mulher apesar de cristâ-nova era muito boa cristã e virtuosa:
fazia romarias, rezava a Nossa Senhora, jejuava às vésperas da
?
festa da Virgem, dava esmolas e fazia obras dos que temem a Deus.
No seu testemunho sobre o cristão-novo Bernardo Ribeiro, Cristovão
t "Denúncias de Bento Teixeira". INqusIçÃo pr Lrsroe. ANTT, proc. n.o 5 206.
2 "Confissões da Bahia (1591)". p. a2
3 INqursrçÃo DE LIsBoA, ANTT, proc. n.' 8 479.
a "Denunciações de Pernambuco". p. 3ó1.
s lNqusçÃo DE LIsBoA. ANTT, proc. n.' 5 534.
6 Id., proc. n.' 11 051.
? "Confissões da Bahia". p. 23-24. n.o 13 957.
A DINÂMICA DA NOVA SOCIEDADE S)

da Costa declarou que "sempre o teve por amigo de Deus e o vê devo-


to de Nossa Senhora, rezandoJhe seu ofïcio e horas e freqiientar a
Igreja".l Frutuoso Antunes, cristão-novo, declarou a Marcos Tei-
xeira conhecer corretamente a posição da Igreja sobre o dogma da
Virgindade de Maria, sobre o valor da oração da missa.2
Gaspar Dias Matado, marrano, queria construir altar para
Santa Catarina, na igreja de sua freguesia. Constantemente em-
prestava à igreja cortinas e toalhas.3
Sobre Bento Teixeira grande parte da opinião pública era unâ-
nime: tinha exteriores de bom'cristão, ensinava a seus alunos a
doutrina cristã e com eles freqüentava a igreja e os sacramentos,
acompanhava os enterros e Íezava pelos defuntos. E no entanto
judaizava às ocultas.a
A Igreja aceitava os neoconversos em suas fileiras, abriaJhes
os lugares de destaque em suas Confrarias e Irmandades. Identi-
ficava-se a instituição eclesiástica com os interesses dos vários
estamentos.s A estratificação religiosa não era diferente da secular
nem apartava-se dela. O clero estava imiscuído nos vários estratos
da sociedade, partilhando da mentalidade comum aos vários esta-
ï mentos. Partilhando, portanto, de suas fraquezas e em certo sen-
tido também de sua ignorância doutrinária e de sua plasticidade.
t 4. A Dinâmica da Nova Sociedade
O estudo da dinâmica da sociedade colonial propõe, em pri-
meiro plano, a análise daquilo que Lucien Febvre denominou o
equipamento mental ". . . inventariar primeiro em seu detalhe e
depois recompor, para a época estudada, o material mental de que
dispunham os homens de certa época".6
Em primeiro lugar, portanto, os meios de expressão que o
indivíduo recebe do grupo social de que provém e que serve de
quadro à sua vida mèntal. Interessante, portanto, a análise de al-
gumas atitudes mentais dos colonos que deixam entÌever modifica-
ções. As idéias são transplantadas. Permanecem principalmente algu-
mas, €ssas "prisões de longa duração" de que fala Braudel, e que
1 lNqursrçÃo oE Lrsnoe. ANfi, proc. n.' 13 957.
? 2 "ConÍissões da Bahia (1618)". p. 360-61.
3 lNquistçÃo on LIssol. ANTT, proc. n.' ll 133.
a Id. proc. n.o 5 20ó.
s Exceção feita à Companhia de Jesus na sua politica indigenista.
ó "Combats pour I'histoire".
90 coLoNrzADoREs, coloNrzADos E...

continuam, na Colônia, determinando atitudes profundas e condutas


dos indivíduos. A herança cultural portuguesa fazia-se sentir no
Brasil.
Reaparecem aqui conceitos que se prendem ao mundo dos
sentimentos com aqueles exarados sobre Cristianismo (salvação, mo-
ral cristã), ao dualismo entre o Bem e o Mal (que transparece nas
idéias sobre Deus, a Virgem, os Anjos e Santos, e o pecado), ao
sobrenatural, ao sagrado (objetos, imprescindibilidade dos sacerdo-
tes, magia, feiticeiros, bruxos), ao Santo Oficio.
A crença em Deus extrovertia-se numa série de idéias que
eram expressas na vida cotidiana. Um Deus humanizado e tosco
imaginava Maria Fernandes ao declarar que "mijava como qualquer
homem" l; parvo para Simão Freire que valorizando sua própria
inteligência afirmava que "podia enganar qualquer pessoa como
enganaria a Deus e ao Santíssimo".2 Jorge Fernandes rejeitava
Sua posição de criador ao proclamar due "não devia nada a Deus".3
E Fernão Gomes que dizia: "não devo nada a ninguém nem
mesmo a Deus".4 Pero Nunes comparava Deus ao açúcar: mascavo
e preto, s reduzindo a grandeza divina àquilo que lhe parecia im-
portante em termos humanos: o açúcar.
Jeovah aparece nas palavras de Diogo Lopes de Lisboa: "Deus
que aqui nos juntou nos junte ao pé da forca".
Esses exemplos ficam a indicar a humanização de Deus, o
esvaziamento daquela imagem do Criador e do Juiz que Trento
procurava aguçar. Tais atitudes dos homens que confiavam bas-
tante em si próprios, para permitir que arrefecessem o medo e o res-
peito à divindade, propõem, em primeiro plano, o problema da segu-
rança na Terra e da maior ou menor dependência dos Céus. Cor-
roboram tais atitudes os arrenegos à fé, aos óleos (do Batismo e da
Crisma), a Cristo e a Deus que somam 2ll em 781 denúncias e con-
Íìssões da Bahia e de Pernambuco.
Cousa semelhante acontece com a idéia de Cristo. Bartolo-
meu Fragoso acreditava mais em si próprio que em Cristo.6 Baltazar

I "Denunciações da Bahia (1591)". p. 57-58.


2 Id. p. 3ll.
1 Id. p. 252.
a "Confissões da Bahia (1591)." p. 24.
s Id. p.282.
ó "Denunciações da Bahia (1591)". p. 289-90.
A DINÂMICA DÀ NOVA SOCIEDADE 9I

Leal duvidava da morte e da ressurreição de Cristo. 1 Um cristão-


-novo chamava Cristo de malogrado.2 Branca de Leão arremessara
água no Crucifixo chamando-O de malogrado.3 Jorge Fernandes
duvidava que Cristo fosse imortal e glorioso.a
A humanização e o despojamento da divindade do Nazareno
levavam a atitudes de desrespeito ao CruciÍìxo como as de açoitá-
Jo, colocá-lo sob a mulher durante o ato sexual, cobri-lo com es-
terco, enterrá-lo, sentar-se sobre ele, fazet sobre ele as neceqsidades
corporais. s João Biscainho renegou a Cristo durante briga com
sua mulheró, Bento Rodrigues Lameiro também arrenegou o Naza-
reno por ciúmes.7
Dentro ainda da mesma linha de valorização do humano, as
dúvidas sobre a virgindade de Maria,s a afirmação de Manuel de
Filho também' e
Paredes que Nossa Senhora era mulher baixa e seu
Pero de Novais comparou a Virgem com sua mulher.
ro Fernão
1r
Rodrigues disse ter incorporado Nossa Senhora na forma de açúcar.
Manoel de Gallegos passou à ação: colocou o nome de Maria numa
êgaa.t'
Os santos também foram tratados com maior intimidade:
Lâzaro de Almeida disse que Santo Antonio era interesseiro. 13
Domingos Alvares de Serpa, que São João Batista era pecador
como qualquer homem. la
O sagrado era também vítima de invectivas. Rui Teixeira
disse que não acreditava em seu negro de igual modo que desacredi-
tava no Evangelho.rs O Pe. Antonio Viegas repetia as palavras da
Consagração com irreverência, como duvidando delas.16 Roque Gar-
I Id. p. 136.
2 Id. p. 138.
3 Id. p.333.
a Id. p.329.
Id. p. 357, 358, 330, 323, 319,301,291.
6' "Confissões da Bahia (1591)". p. 163.
'8 Id. p. 109.
"Denunciações da Bahia (1591)". p. 272,263.
e Id. p.254.
10 Id. p. 240.
t' Id. p.331 e 338.
12 Id. p. 175.
13 Id. p. 350-51.
1a Id. p. lW.
t5 Id. p.292.
t6 Id. p. l7l.
92 coroNrzADoREs, coloNrzADos E...

cia dizia que seus negros mentiam como o Evangelho de S. João. 1


Bartolomeu Garcez disse que as religiões não eram boas.2 Alvaro
Pacheco declarou que a Epístola da missa não era nada.3 Pero
Nunes comparava os anjos do paraíso com os diabos que eram seus
filhos. a

Esta preocupação de profanar cousas e objetos sagrados e


a própria divindade parece ser expressão de um processo de idei-
Íìcação das crenças, i.e., sua tradução em termos de idéias, cujos
conteúdos coincidem com os das crenças. s
A série enorme de dificuldades do novo habitat deve ter con-
corrido para o desencadeamento desse processo. Processo incons-
ciente que não conduziu a um debilitamento ou a uma volatilização
das crenças, mas, porque se sustentava em crenças autênticas e
num complexo de interesses vitais, acabaram por suprir a energia
que perderam como crença e intensificaram-se. ó Daí o agravamento
da intolerância em termos religiosos e a mais intensa ação do Santo
Ofïcio no Brasil do século XVIII.
O destino transcendente do homem era posto em dúvida:
Tereza Rodrigues dizia não haver juízo final. ?
Curiosos os conceitos vigentes sobre o Santo Oficio: Antonio
Velho dizia que a Inquisição prendia as pessoas para tomar-lhes
as fazendas pois só Deus podia saber de seus corações e vontade. s
O que se nota na Colônia é a persistência de valores metro-
politanos criticados e reacondicionados no novo meio. E, entre
esses valores, a fé e a crença na lgreja.
Estas mudanças mentais de que foram citados alguns exem-
plos são aspectos de um fenômeno muito mais amplo. A sociedade
da Colônia estava sempre em mudanças nesses primeiros tempos,
inacabada que estava a adaptação de formas sociais e culturais
trazidas da Metrópole. Ademais no Brasil a sociedade tendia a tor-
nar-se mestiça, burguesa e tolerante.
Diferentes grupos recebem diferentes influências na mudança
social: uns mais dispostos que outros a promover os câmbios.
I "ConÍìssões da Bahia (1591)". p. 41.
2 Id. p. 84.
3 Id. p. 246ì.
a Id. p. 279.
s Onrrc,c. y GAssEr, José. "Prólogo". Apud BnEnrEn. Historia de ta Filosofía.
6 M.mI-rs, Julian. I Estrutura Socral. São Paulo, 1955. p. 133-38. Trad.
? "Conhssões da Bahia (1591)". p. 308.
E "Denunciações da Bahia (1618)". p. 133.
l

iii

DISPERSÃO DEMOGRÁFICA 8... 93

O próprio grupo dos senhores de engenho não polarizava o conserva-


dorismo social pois era de fácil acesso desde que se tivesse dinheiro.
Tentou durante século e meio aristocratizar-se, nobilitando-se,
o que só foi possível no século XVIII quando eram mais sólidos
seus baluartes financeiros e já estavam dissolvidas as nódoas de seu
cristão-novismo.
Saltos bruscos na hierarquia social davam os que para a Co-
lônia emigravam. A trajetória oÍicio - comércio - terra acelera-
va-se ou alterava-se. Às vezes invertia-se.
A instabilidade das fronteiras sociais facilitava o acesso às
camadas reitoras. As vias tradicionais de ascensão social: serviço
ao Rei: casamenío, instrução, posse de terra, ingresso no clero e
no Sanlo Ofício, acresciam-se novas: a catequese pela qual o índio
era manipulado para entrar na civilização branca; o dinheiro que
permitia compra de terra e de privilégios e a mestiçagem que per-
mitia sair da raça.
O Cristianismo que se manteve atuante na Colônia e impregnou
toda sua vida, aumentou o respeito pelas nonnas da sociedade.
Ff Ligou-as ao sagrado. Seus ritos renovaram o respeito pelas normas,
solidihcaram a coerência dos grupos. A religião contribuiu como
um fator de coesão nesse primeiro tempo da vida brasileira de
maneira latente e positiva.
No entanto o Cristianismo defrontou-se na Colônia, principal-
mente nos primeiros tempos de sua vida, com um problema sério:
o da dispersão demográfica que teve influência na sua conÍìguração.

5. Dispersão Demogáfica e Vida Religiosa


A dispersão
Portugal nos séculos XVI e XVII não fugia ao mal crônico
que assolava os países do Ocidente europeu: o da rarefação demo-
gráfica. As pestes sucediam.se alarmantes: 1506, 1530 foram anos
macabros. Em 1569 uma grande epidemia vitimava seiscentas pes-
soas diariamente. De 1598 a lo02 a peste bubônica matou oitenta
mil pessoas na Capital. Numa associação inevitável, às grandes
doenças seguiam-se as fomes. A de 1579 parece ter ficado famosa
pelo seu poder dizimador: quarenta mil vidas levou em Lisboa,
vinte mil em Évora. Cem mil em todo o Reino. Os terremotos tam-
bém foram fatores negativos no dinamismo demográflrco: o de
p't 1531 destruiu mil e quinhentas casas e fez milhares de vítimas;
% coLoNIzADoRES, coLoNIZADos E...

ern 1551, duzentas casas ficaram arrasadas e duas mil pessoas foram
mortas; em 1597 no alto do Monte de Santa Catarina um tremor des-
truiu três ruas e pôs abaixo cento e dez prédios. Outra grande sangria
populacional era a Índia, que imantizava c. de 8.000 homens válidos
por-ano. Somem-se as demandas feitas pelas feitorias e fortalezas
da Africa, os sete ou oito mil homens mortos em Alcácer mais seus
dezoito mil prisioneiros e compreender-se-á a rarefação de povoa-
mento da Metrópole. 1 Carência de almas que ficou a explicar
no século XVII a lei da "grande tolerância para com toda espécie
de união que resultasse aumento de gente" e a própria atitude da
Igreja no reconhecer o casamento "de juras" quando consumado
pelas relações sexuais.2
Com um pessoal exíguo Portugal iniciou a ocupação da Terra
de Santa Cruz. Talvez por isso tenha o Soberano recorrido às Ilhas:
"Encomendo-vos que este negócio façais como fazeis todas as
outrqs cousas que vos encomendo e na melhor maneira que pu-
derdes provoqueis a gente a folgar de ir viver às ditas partes
do Brasil porque assim receberei disso muito contentamenlo".3
Procedentes das llhas, ou do Reino, o certo foi que um pequeno
número de colonos veio para o Brasil defrontar-se com uma paisagem
em que tudo era superlativo: a vastidão dos horizontes, a extensão
das praias, a largura dos rios, a pluralidade dos perigos . . .

I Sobre os problemas demográficos de Portugal nos séculos XVI-XVII, ver prin-


cipalmente: CAMpos, Ezequiel de. O Enquadramento Geo-econômico da Populaçõo
Portuguesa Através dos Sëculos. Lisboa, 1943; F,mrl, Manuel Severim de. Notícias
de Portugal. Lisboa, 1655; LEÂo, Duarte Nunes de. Descrição Geral do Reino de
Portugal, Lisboa, 1610; Cosre, Lobo A. de Sousa Silva. História da Sociedade em
Portugal no Século XV. Lisboa, 1903; Rrstro oe Srr-v.c, J. Ã. Memória sobre a Popula-
ção e Agrícultura de Portugal desde a Fundação da Monarquia até 1865. Lisboa, 1868;
Solnns or BARRos, J. J. "Memórias sobre as Causas da Diferente População de
Portugal em Diferentes Tempos da Monarquia Portuguesa". ln: Memória Econômica
da Academia de Ciências. Lisboa, 1885; B,c.rsr, Adrien. Essai statistique sur le Por-
tugal. Paris, 1822.
2 HrncutnNo, Alexandre. Casamento Civil. Lisboa, 1907. p. 30.
3 Carta de D. João III a Pedro Anes do Canto. ANTT, "Corpo Cronológico", I, 65,
52, pedindo açorianos para a Bahia. A carra régia de 11/9/1550 dirigida ao mesmo
Pedro Anes, tinha idêntico teor:
". .. vos encomendo que façais notificar nessa cidade d'Angra e em todas as
vilas e povoações dessas ilhas como eu mando dar embarcações e mantimentos
a todas as pessoas que quiserem ir viver às ditas partes do Brasil e além disso
que serâo lá dadas pelo dito Tomé de Sousa terras que plantem e aproveitem
livremente sem delas pagarem mais que o dízimo a Deus . . ."
ln'. Documentos para a Hístória do Açúcar. t. l, p. 97-99.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA E... 95

A ocupação da terra foi o grande desafio aos colonos recém-


-chegados. Desafio da imensidão. Desafio das distâncias. Um pu-
nhado de homens yersas milhares de quilômetros a serem ocupados,
defendidos, retidos.
A resposta? A dispersão dos povoadores. Resposta à natureza.
Resposta à rarefação demográfica que do Reino se prolongava
r no Brasil. Esparramaram-se eles, primeiro, procurando garantir o
I máximo do litoral. E os homens alongaram-se longitudinalmente de
Pernambuco à Laguna. ". . . Edificaram suas povoações ao longo da
i costa nos lugares mais convenientes e acomodados que lhes pareceu
para a vivenda dos moradores". r Alinharam-se assim Itamaracá,
numa ilha, Olinda "em um alto à vista do mar",2 lgaraçu, Reci-
fe, Salvador, Vila Velha e Paripe.3 São Jorge dos Ilhéus estava
"em cima de uma ladeira à vista do mar, situada ao longo de um
l rio".a Em Porto Seguro uma das povoações ficava em "um teso so-
berbo que fica sobre o rolo do mar da banda do norte" s e outra
I junto ao rio. Espírito Santo estava numa ilha; Rio de Janeiro "edi-
Í-rcada ao longo de um braço de mar";ó S. Vicente e Santos também
I eram beijadas pelo Atlântico.

No século XVII continuavam os colonos agarrados às praias


"...neste Brasil fazem curta a conquista" observava Alviano
nos Dítilogos das Grandezas do Brasil em 1618.1

Povoações em geral pequenas, com uma população branca flu-


tuante, polarizada entre o Mar caminho da Metrópole e o
- -
Sertão, com suas riquezas hipotéticas ou reais. Criadas as capita-
nias, suas sedes, afirma Capistrano, reduziam-se a meros lugare-
jos onde a população permanente era constituída de funcionários,
mecânicos, regulares ou gente de vida pouco edificante.8

1 GÂNoevo, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Craz. São Paulo,


1954. cap. III, p. 31.
, Id., ibid.
3 Estas três, diz o cronista, estavam "situadas ao longo de uma baía mui grande e
formosa". ld., ibíd.. p. 3l .
a Id., ibid., p. 32.
s Id., ibid. p. 31.
6 Id., ibid. p. 33.
" "Primeiro Diálogo." ln: Diálogos das Grandezas do Brasil. Bahia, Ed. Capistrano
de Abreu, 1956. p. 34.
8 Arnru, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Rio de Janeiro, 1954. p. 138.
96 coLoNIzADoREs, coLoNIzADos 8...

A necessidade de permanecer na terra levou às guerras de


conquista interioranas cujo objetivo era dizimar ou subjugar o
aborígine rebelde. Nisto se empenharam Cristovão de Barros contra
os tupinambás, 1 ou Miguel de Azeredo, Antonio Jorge e João Soares
contra os goitacazes.2
O índio era um desaÍìo, inimigo a ser deslocado ou dominado.
As lutas no Paraguaçu onde foram por Mem de Sá destruídas cento
e sessenta aldeias silvícolas,3 a redução do gentio das terras do
Rio Reala ou ainda a conquista da Paraíbas foram respostas con-
venientes advindas da persistência e do valor português.
De outro lado, era de mister conseguir-se localizar no Brasil
jazidas metalíferas ou pedras preciosas. O pensamento econômico
do tempo exigia-o para valorizar a terra. O Rei desejava-o prin-
cipalmente diante da experiência castelhana na América. A cobiça
aguilhoava os homens. A esperança do encontro das valiosas pedras
aquelas "que alegram o colação com a sua vista" enchia de arrojo
os colonos e movia-os à aventura pioneira do sertão. Acreditavam
todos (ou queriam acreditar?) num el-dourado mítico:
". . . esta Província ë certo ser tambëm muiío rica e haver nelu
muito ouro ou pedraria de que se tem grandes esperanças".6
À busca dos metais seguiram-se entradas de exploração desde 1538
atê 1592, principalmente. Alinharam-se uns detrás de outros, nomes
como os de ,vÍiguel Henriques, Francisco de Bruza Espinosa,T
I MrcrnrÂrs, Basilio de. Expansão Geográfica do Brasil Colonial. São Paulo, 1935.
p.31.
2 RustÌr{, Braz da Costa. "Memória histórica e documentada da Província do Espirito
Santo." RIHGB. t. XXIV, l.' parte, p. l7l.
3 Instrumento de serviços prestados por Mem de Sâ. ÁBN n." 27.
a "Primeiros trabalhos dos jesuítas no Brasil." RIHGB. t. LVII, 1." parte, p. 23841.
Sousr, Gabriel Soares de. Tratado. cap.23, p. 67.
SeLveoon, Frei Vicente do. História do Brasil. cap. 3, l. IV. p. 23.
FnEtnr, Felisbelo. Histth'io do Sergipe. Rio de Janeiro, 1891. p. 6 et seqs.
s "História de la fundación del Collegio de la Capitania de Pernambuco." ABN.
Rio de Janeiro, 1927. t. XLIX. p. 5-54.
V. também: "Sumário das armadas que se hzeram e guerras que se deram na con-
XXXU, 1." parte, p. 15-16; Pneoo, J. F. de Almeida.
quista do rio Paraiba." RIHGB. t.
Conquista da Paraíba. São Paulo, 1964.
ó GÂNorvo, Pero de Magalhães. Histórìa da Província de Santa Cruz. cap. XIV, p. 68.
No mesmo teor estão escritos os capítulos finais do Tratado Descritivo do Brasil em
1587 de Gabriel Soares de Sousa. 49." ed. São Paulo, 1971.
? Aanzu, J. Capistrano de. "Os Primeiros Descobridores de Minas." Revísta do
Arquito Público Mineiro.Yl, p. 365-72.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA 8... N
Vasco Rodrigues Caldasl, Martim Carvalho2, Sebasiiao Fernan-
des Tourinho3, Antonio Dias Adornoa, Sebastião Alvaress, João
Coelho de Souza6 e Gabriel Soares de Souza.T
À proporção que a terra ia sendo subjugada, pensou o ho-
mem na sua rentabilidade. Explorá-la requeria braços. O trabalho
imposto ao índio foi uma solução: a primeira, mas não a mais sim-
ples. Implicava no subjugamento do silvícola. O resgate levou mui-
tos homens para as matas. Luís Alvares Espinha, por exemplo, saiu
dos Ilhéus, andou trinta léguas, mas fez descer ..infinito gintio,'. e
Em contrapartida, Francisco Caldas com Gaspar Dias de Ataíde saí-
ram de Pernambuco, percorreram muitas léguas pelo sertão do rio
de São Francisco sem nada conseguir. O mesmo insucesso marcou os
trabalhos de Francisco Barbosa da Silva. e
A documentação inquisitorial guardou lembranças de numero-
sas entradas à cata do índio: Tomacaúna chefiou companhias que em
1572,1575,1576,1578 e depois em 1582 percoÍreram com esse Íito
os sertões de Pernambuco, Arabo, Ilhéus e Tapioãis. ro Mais ou
menos em 1576 Diogo Leitão percorreu o sertão de Tujuruiba.ll
No mesmo ano Gonçalo Alvares andou com sua companhia resgatan-
do no sertão das Alpariacas.12 Em 1580 Gaspar de Leao perõorreu
o sertão do Caipe.l3 Em 1589, Cristóvão da Rocha e Antonio
Rodrig.u.es de Andrade foram ao sertão do Raripe na Serra pe-
quena;1a no ano seguinte, Rodrigo Martins percorreu com sua
I M,rcer,nÃrs, Basílio de. Expansão GeográJica do Brasil Colonial. Sâo paulo, 1935.
p. 41.
2 Cerócrxes, J. Pandiá. As Minas do Brasil
e sua Legislação. Rio de Janeiro, 1904.
t. I, p. 379.

!1Noevo, Pero de Magalhães. Traíado da Terra do Brasil. São paulo, 1964. cap.
lX, p. 94.
3 Cerócnn,ls, J. Pandiá. Op. ait., p.
380-88.
a "Carta do Pe. Inácio de Tolosa de 7l9ll571',.In:
Fnnrns, Felisbelo. História de
Sergipe, Rio de Janeiro, 1891. p. ll.
5 Setveoon, Frei Vicente do. História
do Brasì\.4." ed. l. üI, cap. 20,p. 197.
ó Cerócrus, J. Pandiá. Op. cít., p.
380-88.
7 M,rcu,nÃns, Basílio de. Op.
cit., p. 46.
8 Srrveoon, Frei Vicente do. Hístória do Brasil.
l. III, cap. 20 e 25, p. 197 e 20g res-
poctivamente.
e Id., ibíd.
r0 IuqursrçÃo DE LrsBoA, ANTI, proc. n..
10776.
rr Id., proc. n." 12229.
t2 Id., procs. n.. 17811, 11666 e ll 068.
13 1d.,proc. n.' 10874.
ra 1d, procs. 11072 e 11635.
98 coLoNIzADoREs, coLoNIZADos E...

companhia o sertão aquém do São Francisco.l Em 1591 Cristóvão


da Rocha tornou a ir "serra acima fazet descer o gentio".2
A exploração econômica do solo dividiu-o em sesmarias e
"latifúndios" onde grande quantidade de terra era entregue a um
só que além de guardáJa devia fazê-la produzir. Retalharam-se
o recôncavo e a região do Cabo em fazendas, roças e engenhos,
ruralizando a vida de muitos. Algumas povoações passaram a
ser "cidades de domingo", i.€.0 habitadas de sábado a segunda,
quando os trabalhos do campo paravam. Quando paravam . . .
Na Colônia sempre a mesma constante: a dispersão.
O povoamento escasso do Reino implicara numa ultra-rarefa-
ção demogrâfica da Colônia: os brancos viviam dispersos num
mundo subpovoado no século XVI: "... como esta Província
seja tão grande, e a maior parte dela inabitada . . .",t e ainda defici-
entemente habitado no século XVII:
". . . com não haver hoie cem anos, quando isto escrevo, que se
começou a povoqr, id se hão despovoado alguns lugares, e sendo
a terra tão grande e fértil como adiante veremos, nem por isso
vai em aumento, antes em diminuição . . ."4
A ocupação da terra obrigou o homem a dispersar-se pelo
litoral para mantê-lo português. Dispersos estiveram no isolamento
dos sertões por onde se adentravam muitas léguas. Dispersos ainda
permaneceram em suas terras: ". os mais moradores das Ca-
pitanias estão espalhados (dizia Gândavo, para contrapô-los aos
estabelecidos nas ralas povoações) ou quase todos, em suas terras
de sesmarias dadas e repartidas pelos Capitães e Governadores da
terra". s Desurbanizados, na medida em que a desurbanização era
superação das vastidões naturais, e, portanto, espalhados.
O domínio da terra levou o colono a fabricar o homem para
ela. Criou o mestiço. E ficou encerrado num maciço mundo acobrea-
do. Mundo que ele mesmo gerara numa tentativa de humanizar a
paisagem, de vencêla. Um mundo colorido, hesitando entre padrões
culturais diferentes, bipolarizado entre a terra querida pela mãe e
I INquntçÃo on Ltsrol, ANTT, proc. n.' 12229.
2 Id., proc. n." 11072.
t GÂNorvo, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz. cap. Yl,
p. 39.
a Selveoon, Frei Vicente do. História do Brasil. l. I, cap. 2, p' 41.
t GÂnorvo, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz- crlp. lY'
p. 34.
DISPERSÃO DËMOGRÁFICA E. D
desamada pelo pai. Neste mundo, o colono estava isolado quase
tanto quanto nos seus dias pioneiros de sertâo. Solidão que deixou
fundas marcas em sua espiritualidade.

A psicologia religiosa dos homens dispersos

Na Colônia os homens deviam continuar a ser cristãos. Era


um imperativo de suas consciências, uma exigência do seu Rei. E
ser cristão, sob qualquer céu, era "ter fé, crer e praticar a doutrina
de Cristo". Mais: deviam zelar pela integridade do Catolicismo,
i.e., manter a sua ortodoxia inalterada. A lgreja Tridentina o exigia
de cada um em particular, sob pena de comprometimento da sal-
vação transcendente.
Precisavam, portanto, os colonos de guia e amparo na sua
vida religiosa, além de assistência para possibilitáJos a praticar os
atos inerentes ao culto. Deviam vigiar suas almas e as de seu pró-
ximo. Para robustecer a fê e praticar a liturgia necessitavam os
homens de pastores, não importava estivessem nos pequenos aglo-
merados das vilas e nascentes cidades, ou nos erÍnos das matas.
E poucos erarn na Colônia os ministros, quando postos em confronto
com o desmesurado meio geográfico. A escassez de padres não era
fenômeno original da Colônia, mas problema do tempo. r Disper-
savam-se eles pelo Brasil dividido em imensas freguesias, abran-
gendo várias vilas e povoados dentro dos quais ainda os colonos
viviam espalhados, como em Igaraçu por exemplo, a que se referia
o Visitador em 1593: "E porquanto esta dita vila de Igaraçu é uma
povoação pequena pelo sertão adentro e todas as mais freguesias são
habitações espalhadas por engenhos e fazendas remotas e distan-
tes . . .".2

I A t-alta de sacerdotes foi uma constante em toda a história do Brasil. De Pernambuco,


em 1652, escrevia o Conde de Castelmelhor carta dirigida ao cabido daquela pro-
víncia:
"A Câmara de Pernambuco me escreve que é grande a desconsolação em que
os moradores daquela Capitania vivem na falta de sacerdotes e religiosos que lhes
preguem e administrem os sacramentos". "Caía de 211611652". Documentos His-
tóricos. v. III, p. 12.
A mesma queixa se depreende de vários fiechos de documentos oficiais de
toda a época colonial.
2 Auto de publicação do Santo OÍicio na Vila de Igaraçu e
nas demais freguesias de
Pernambuco. "Denunciações de Pernambuco. (1593-1595)". p. 137.
100 coLoNrzADoREs, coloNrzADos E...

A dificuldade de acesso às igrejas por serem "freguesias e


capelas mui distantes" 1 separadas das moradias dos brancos, comu-
mente por muitas e muitas léguas, deixavam-nos mais ou menos
sós espiritualmente.
A ausência de centros mais povoados, por sua vez, onde cada
um seria ao mesmo tempo um freio e um exemplo para a coletivi-
dade, foi extremamente negativa para a conservação da integridade
da ortodoxia. A falta de coerção do meio refletia-se na pouca ne-
cessidade de uma coerência na vida espiritual. O povoamento rare-
feito e disperso influiu, certamente, na vida religiosa dos primei-
ros tempos. O Cristianismo conheceu estremeções na prática litúr-
gica e na moral revelada.
O homem que vivia num meio praticamente vazio de assistên-
cia eclesiástica, pouco conhecimento tinha das leis positivo-divi-
nas que deviam orientar sua vida. Desprendido do meio metropolita-
no, que tentava se recuperar das crises espirituais em que andara
mergulhado, não tinha ainda tido tempo de ser instruído nas cou-
sas da fé e da Igreja. Se nem o baixo clero ainda superara a fase
da ignorância, que dizer desses colonos, homens simples do povo?
As determinações tridentinas estavam em vigor no Reino desde
1564.2 Mas em geral ainda eram ignoradas por todos. Exemplos
abundam. Um deles: uma opinião condenada pelo Concílio: a de que
o estado dos religiosos era pior ou tão bom quanto o dos casados.
No entanto era crença generalizada na Colônia pensamento contrá-
rio. Opinião defendida com teimosia por muitos, como João Rodri-
gues Marinho que argumentava racionalmente: Deus fizera primeiro
a ordem dos casados que todas as outras ordens, por isso era melhor
que a dos religiosos ou, pelo menos, tão boa.3 André Pinto re-
petia a mesma cousa que ouvira dizer não sabia a quem. Tampouco
sabia que era herética tal proposição.a

I Auto dos dias de graça concedidos ao Recôncavo. "Confissões da Bahia


(1591)." p. 82.
2 Alvará de 121911564, de D. Sebastião instituindo as determinações tridentinas
como leis do Reino. Roro, Frei Raul de Almeida. "Trento". Dicionárío de História de
Portugal. Lisboa, 1971. t. IV, p. 209. Posteriormente foi suscitada a observância do
Concílio por lei de 161611668 e dec. de 811111776. OuvEnn, Pe. Miguel de. História
da lgreja. Lisboa, 1958. p. 209.
3 lNquIsrçÃo or LIsrol, ANTT, proc. n." 2 560.
a Id., proc. n.'8471.
DISPERSÃO DEMOGRÂFICA 8... 101

Quando os portugueses conseguiam vencer os obstáculos que


lhes dificultava a freqüência às suas paróquias, encontravam-se, não
poucas vezes, diante de pastores faltos de conhecimentos, ou inobser-
vantes dos próprios deveres, pois parece ter sido da pior reserva do
clero secular metropolitano que se abasteceu o Brasil no seu primeiro
século. 1 Vieram para câ uns espontaneamente, outros para fugir aos
rigores das reformas diocesanas.2 Ou ainda alguns por indesejâveis
em suas terras, como o Pe. Frutuoso Alvares, que por sodomítico foi
degredado de Braga para o Cabo Verde, e de lá, por reincidência no
mesmo crime foi mandado pata a Bahia, onde passou a ter sob seu
encargo a paróquia de Nossa Senhora da Piedade de Matoim, no
recôncavo.3 Que respeito poderia infundir tal pastor, que com .suas
ovelhas infringia tão escandalosamente o sexto mandamento?a Que
esclarecimentos doutrinários poderia fornecer a seus dependentes o
vigário de São Lourenço, Pe. Francisco Pinto Doutel, se ele próprio
cria - e pregava! - a doutrina da predestinação, escandalizando
seus paroquianos que dele foram denunciar ao Santo Oficio?s Ou o
Pe. Luís do Couto, que duvidava da ressurreição de Cristo?ó Juntan-
do-se àqueles que deviam ser mestres e exemplos, mas que nem de
longe disso se aproximavam, os colonos continuavam muitas vezes
sós. ? Entregues a si próprios.
I "... E certo he muÍo necessario aver homens qui quaerant lesum Christum solum
crucifixum. Cá há clérigos, mas he a escoria que de lá vem: omnes quaetunt quae flia
slnt. Não se devia consentir embarcar sacerdote sem ser sua vida muyto approvada,
porque estes distruem quanto se edífrca; sed mitte Pater, filios tuos ín Domino nutrítos,
Fratres meios, ut ín omnem hanc terram exeat sonus eorum". Carta de Nóbrega ao Pe.
Simão Rodrigues. Bahia, 151411549. Cartas Jesuíticas, t. I, p. 116.
2 V. por ex. sobre a resistência do clero à reforma da diocese de Braga. Roro, Frei
Raul de Almeid a (O .P .'1 L' evêque de la Reforme Tridentine . Sa M íssion Pastorale I après
le Vënerable Bathélemy des Martyrs. Lisboa, 1965.
3 "Confissões da Bahia (1591)." p. 20-22.
a Ào Visitador Furtado de Mendonça confessava Frutuoso Alvares ter cometido "a
torpeza dos tocamentos desonestos com algumas 40 pessoas, pouco mais ou menos ..."
"Confissões da Bahia, (1591)." p. 20.
s INqursrçÃo or Lrsnol, ANTT, proc. n.' 10 888.
6 Id., proc. n.' 2 553.
7 0 problema moral e cultural do clero atravessou todo o período colonial. Em 1816
Frei Manoel Joaquim da Mãe dos Homens escreüa ao Rei sobre a irreligiosidade dos
habitantes da Colônia, a depravação de seus costumes, atribuindo-os "à falta de instru-
ção do clero, falta de observância de seus deveres, que longe de anunciar a paz evangeli-
zando o reino de Deus, recomendando a modéstia dos costumes ... se entregava ao
gosto da vida legando aos povos os deleitos e vícios que pululam no seio de nossa socie-
dade." "Ensaio político, histórico e cronológico para servir dé introdução aos melhora-
mentos dos estados do Reino Unido de Portugal, do Brasii e dos Algarves, oferecido
102 coLoNrzADoREs, coloNlzADos E...

A esse abandono espiritual, se for somado o peso exercido


sobre os homens pelos trópicos, que supra-excitava a sensualidade
- eles que já provinham de uma cultura sensual - ver-se-á facil-
mente o porquê das quebras da lei moral cristã, o afrouxamento
das consciências.
A libidinagem era sugestão do meio.l À forte sexualidade do
português acresceu-se a das índias que, segundo Anchieta, tinham
por ponto de honra dormir com os cristãos.2 A Igreja foi impotente
para conter a onda avassaladora de amancebamentos com os quais
os colonos respondiam às imposições genéticas e tentavam se Íìxar
na terra hostil.3 Impotente porque seus próprios ministros sucum-
biam às tentações, acabavam por achar natural toda manifestação
de erotismo. O cônego Jácome de Queiroz, por exemplo, pedia
perdão ao Visitador por ter tido relações sodomíticas "com uma
moça mameluca de seis ou sete anos que andava de noite vendendo
peixe pela rua"4 e que ele levara para sua casa. A consciência o in-
comodava não pelo barbarismo do ato, mas por ter sido desatento e
cometido sem o querer um ato antinatural, quando queria cometer um
natural. Desculpava-se: tinha ceiado e se enchido de vinho.s

ao muito alto, ao muito poderoso e soberano rei, o sr. D. João VI, pelo Pe. frei Manoel
Joaquim da Mãe dos Homens, religioso dos Menores Observantes da Província dos
Algarves". RIHGB, t. XIX, 1856. p. 480.
I Talvez para quebráJa um pouco fosse que Nóbrega pedisse esmolas de roupas
"ao menos uma camisa a cada mulher" para que as indias não fossem nuas às igrejas:
"Nâo parece honesto estarem nuas entre os cristãos nas igrejas e quando as ensina-
mos". Carta de Nóbrega ao Pe. Simão Rodrigues. Bahia,91811549. Cartas Jesuíticas.
t. I, p. l19.
2 ". . . onde las mujeres andan desnudas y no se saben negar a ninguno, mas aun ellas
mismas acometen y importunam los hombres echándosse con ellos en las redes,
porque tienen por honrra dormir con christianos . . ." Carta do Irmão José de Anchieta
ao Pe. Inácio de Loyola. Piratininga, julho de 1554. Cartas dos Primeiros Jesuítas.
t. ll, p. 77.
V. ConrnsÃo, Jaime. "O português, Ibérico Amoroso". In: Introduçõo à História das
Bandeiras. Lisboa, 1964. t. I, p. 153.
3 "Nesta terra há um grande pecado que é terem os homens suas negras por mancebas,
e outras livres que pedem aos negros por mulheres, segundo o costume da terra que é
terem muitas mulheres. E estas deixam-nas quando lhes apraz o que é grande escândalo
para a nova lgreja que o Senhor quer fundar." Carta de Nóbrega ao Pe. Simão Rodri-
gues. Bahia, 91811549. Cartas Jesuíticas, t. I, p. ll9.
a "Confissões da Bahia, (1591)." p. a6.
s Id. p. 46.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA E... 103

A complucência com a mancebia era fato notório a partir de


Caramuru que "teve muitas mulheres porque não se tinha por honrado
o principal que com ele se não tinha aparentado". l
Nessa sociedade que fazia da mestiçagem um de seus básicos
esteios, impossível era a permanência da moral cristã ortodoxa.
Tinha que haver, como realmente houve, enorÍne desnível entre
acrençaeavida.
Já o Pe. Luís do Couto, cura de Jaguaribe em 1592, costumava
beber demais. Aí estava a explicação de certos erros doutrinários que
propalara.2 Em vão protestavam os jesuítas. Sua voz era a de uma
consciência incômoda, que os homens tentavam não ouvir. O apego
a certas proposições quc viriam acalmar escrúpulos de alma ê catacte'
ristico da vontade de an oldar a lei evangélica aos interesses próprios'
Muitas e muitas vezes at arecem repetidas nos registros inquisitoriais
3
asserções como ter ajuntamento carnal não ser pecado, por exemplo'
Fernão Ribeiro acatava tal opinião e nela estribado vivia com duas
cunhadas.a Não era pecado a fornicação simples entre solteiros,
asseverava Diogo Martins Pessoa aos seus amigos Pero Marinho e
Cristóvão Gonçalves, no engenho de Izabel Pereira. s Manuel Gon-
çalves, feitor da fazenda de Vicente Correa, navarzea do Capibaribe,
ia além: não só declarava que a fornicação era cousa natural, como
defendia a necessidade dela: "quem neste mundo não fornicava,
que no outro mundo o fornicavam os diabos".6
O meio livre e ignorante soltava os freios da moral, minadas
as continências, um espírito rude e ignorante extravasava-se em
palavras que iam da simples irreverência como a grosseria de Gas-
par Afonso que atestava a veracidade das cousas jurando pelas
partes vergonhosas de Nossa Senhora 1 atê a blasËmia acabada,
como a proferida pelo mulato Antonio Dias ao negar a presença
divina na Eucaristia. s
1 SeNre Merll, Frei Agostinho de. Santuário Mariano. p. 24.
2 "Tendo ele bebido algum copo de vinho a mais do necessário com o qual ele per-
turbado do juízo responderia . . ." E confessa ter isso acontecido muitas vezes. Ix-
qusrçÃo oE Lnro,l, ANTT, proc. n." 2 553. (2." sessão).
3 Luis db Rego garantia isso a Antonia Fogaça com quem viveu por seis meses.
INqursrçÃo oE Ltsaol, ANTT, proc. n." 11034.
4 Id.
5 Id., proc. n." 6 348.
6 Id., proc. n.' 13250.
? "Denunciações de Pemambuco". p. 451.
I Id. p. 423.
104 coLoNIzADoREs, coLoNIzADos 8...

Na realidade o meio pouco povoado levava à acentuação do


sentimento de liberdade. Principalmente aqueles que durante meses
s meses viviam sertões adentro sendo durante esses grandes lapsos de
tempo padres de si mesmos: aquela situação extremamente perigosa
que a Reforma Protestante postulava como base, e que a Igreja de
Trento combatia aferradamente.
Poucos eram os sacerdotes que nos fins do seculo XVI entra-
vam pelos mâtos com as companhias de resgate. Estavam já presos,
em geral, no seu ministério das paróquias ou capelanias dos co-
légios, dos aldeamentos. 1 Os homens passavam por isso mais de
um ano sem receber os sacramentos como aconteceu com o mameluco
Sebastião Madeira, que no sertão fìcou dezoito meses sem confissão,
por não haver em sua companhia um sacerdote.2
Os jesuítas a princípio acompanhavam as entradas.3 De-
pois foram proibidos disso fazer dado seu pequeno número e a ne-
cessidade que deles tinham as Capitanias. a Ficavam, portanto,
aqueles que penetravam as matas entregues às suas próprias consciên-
cias, mal formadas, renitentes nos erros ou alargadas pelo meio.
Exemplos dos companheiros? A maioria das companhias era cons-
tituída de mamelucos, homens de pouca fé, por dehnição genética.
Um exemplo: a expedição capitaneada por Gonçalo Alvares que
entre 1590-1592 percorreu, durante quinze meses, o sertão das Alpa-
I O rei de Portugal, Infante e Governadores em meados do seculo XVI passaram a
achar mais justo que os jesuitas ficassem nas vilas do litoral a que entrassem no sertão.
Nesse sentido escreveu o Pe. Diego de Mirón ao Pe. Inácio de Loyola: ". . . Diôme a
entender o Rei que holgaria más que se rehiziessen en las partes que avian començado,
antes que tomar otras de nuevo, y lo mismo dezia el Inffante que estava pÍesente y
la Reina. . . . Maestro Polanco me escrive aoÍa que seria bueno entrassen por la
tierra dentro si pudiessen cumpliendo con los demás. Pero ellos allá son muy pócos
y están repartidos en muchos lugares, y aora haziendose el collegio está claro que
no podrán supplir a todo. Y a querer hazer otra cosa, es Íepugnar a la voluntad del
Rey e del Cardenal, y de los Goverüadores, que es muy grande inconveniente, ni
tengo yo razón que darles para que lo tengan por bien, por ser nostros tanpocos y no
poder cumplir con todo". 171911554. CARus oos Pnnurnos JrsuÍrm, t.ll, p. 125-26.
2 INqusIçÃo oE Lrstor., ANTT, proc. n." ll0ó8.
3 "Estando N. Padre (Nóbrega) eo la Baya de Todos los Sanctos determinó S.A.
mandar doze hombres por el sartón a descubrir oro! que dezian que aviá, para lo qual
el governador Tomé de Sosa pidió un Padre, que fuesse con ellos en lugar de Chris-
to, porqu€ no fuessem desamparados." Carta do Ir. José de Anchieta ao Pe. Inácio
de Loyola. Carta dos Primeiros Jesuitas. r. ll, p.79. O enviado foi o Pe. João de Azpil-
cueta Navarro cf. Carta sua aos Padres e Irmãos de Coimbra, datada de Porto Seguro,
241611555. Id. p. 245.
a C.utrs Jrsuincrs. Carta do Pe. Diego Mirón ao Pe. Inácio de Loyola. Lisboa
t7l3lts54. t. II, p. 32.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA 8... IO5

riacas resgatando e aprisionando índios. Integravam-na vinte e


cinco homens; além de sessenta índios pagãos e trinta cristãos. Destes
homens, eram mamelucos Francisco Pires, t Simão Rodrigues,2
Simão Rodrigues, o moço,3 Felipe Rodrigues,a Domingos Luís, s
Fernão Monje, ó Gaspar Dias, ? Diogo Luis,8 o língua Lâzaro da
Cunhae e o próprio capitão, Gonçalo Alvares. 10 Perigosa para
a crença a presença dos mamelucos. Reivindicavam eles seu sangue
paterno e com isto pensavam ingressar no mundo cultural branco.
Traziam no entanto na psique tendências às crenças e ao acata-
mento das superstições do povo materno. Insensivelmente ape-
gavam-se aos valores nativos. Sua conduta patenteava o drama
do seu espírito. Oscilavam os mamelucos. Polarizados por duas
etnias, optavam alternativamente por uma ou outra, conforme
o grau de pressão que o meio exercia sobre eles. No mato, eram
indígenas, possuídos de funda odiosidade ao branco estrangeiro.
Tomacaúna por exemplo, penetrou no sertão de Arabó por capitão
de uma companhia, a fazer descer o gentio. O mundo verde dos
matos fechou-se sobre ele. Os sons foram outros: rumorejos, gritos,
pios, guinchos. Sobrepondo-se a tudo, o linguajar selvícola. A
coragem selvícola. A sedução das mulheres nativas. O aconchego
de suas ocas. Fora delas, a noite preta. Noite de sertâo. Apavo-
rante, com suas ocultas peçonhas, suas ciladas, o horror dos duendes
malígnos. Tomacaúna sentiu-se índio. Achegou-s€ aos seus. Teve
duas mulheres, tingiu-se, riscou-se. Bailou, cantou, tangeu ins-
trumentos gentílicos. t t Um dia voltou à cidade. Um desejo agui-
lhoante de ser branco suscitoulhe crises de consciência e pros-
trou-o aos pés do confessionário. Absolvido e reconciliado tentou
ser cristão. Isso durou até a proxima entrada ao mesmo Arabó
onde teve então três mulheres e bebeu os fumos da erva dita santa

t lNqustçÂo os Ltsgol. ANTT, proc. n." ll66ó.


2 Id. proc. n." I I 632.
3 Id. proc. n." I I 666
4 Id.
5 Id.
6 Id. proc, n." 12229
* 1 Id.
,li,
I Id.
e Id. proc. n.' I I 0ó8
$ ro /d proc. n." 12229.
; tr Id. proc. n." l0 ?7ó.
;i
106 coLoNizADoREs, coLoNIZADos E...

e foi pelos indígenas tratado como sobrinho. 1 Durante dezoito anos


vacilou entre ser indio ou branco. Em 1592 surpreendemo-lo con-
fitente voluntário diante do Tribunal da Fê,2 ganho ainda uma vez
pela pressão do meio que ao tempo tentava um arrocho na ortodoxia
vigente.
Outros seguiram trilhas semelhantes. Sebastião Madeira, du-
rante os dezoito meses que passou na selva tingiu-se de jenipapo
pelas pernas e pelas coxas por fazer vontade ao gentio que lhe rogava
que usasse tal costume3 embora declarasse depois ao Visitador que
tivera sempre em seu coração firme a fé de Cristo.a
Os índios tinham por hábito rasgar as carnes com dente agudo
de bicho, derramando nas ranhaduras sumo de certa erva chamada
"erva moura" que tingia indelevelmente. O signiÍicado parece ser
a ostentação da coragem e da valentia. Tatuavam assim braços,
pernas, corpo e rosto, indicando alguns feitos grandes e mortes. s
Os mamelucos que iam para os matos e passavam lá tempos, vol-
tavam riscados ao modo gentílico. No meio dos brancos declaravam
depois terem-no feito para se impor à admiração do gentio e assim
facilitar o alcance de seu desiderato, geralmente o apresamento dos
selvícolas. Talvez estivessem falando a verdade. Ou talvez fosse isso
apenas parte da verdade, pois durante os anos de sertão eles se rein-
tegravam verdadeiramente na cultura aborígine. Exemplos não
faltam para a viabilidade da hipótese: Sebastião Madeira e Cris-
tóvão da Rocha denunciaram Marçal de Aragão, por eles encon-
trado nas matas despido, com as pestanas depenadas ajudando
o gentio na guerra contra o branco. ó De volta à cidade, o próprio
Marçal de Aragão foi ao Santo Oficio formular acusações seme-
lhantes contra Lâzaro Cunha, que andou "feito todo ao modo
gentílico, nu, com as pestanas arrancadas e as sobrancelhas rapadas
e as pernas tintas de jenipapo, e com o cabelo rapado tudo ao uso
e costume dos ditos gentios segundo ele denunciante viu ..."7
Esse mesmo Lâzaro da Cunha teria dito que enquanto estava no
t IxqursrçÃo or Lrsno,c., ANfi, proc. n.' l0 776.
2 "Confissões da Bahia, (1591)." p. 167.
3 lNqutsIçÃo oE LIsnol. "Confissão." Processo de Lâzaro da Cunha. ANTT, proc.
n.' I I 068.
4 Id.
5 Cf. confissão de Gaspar Nunes Barreto. "Confissões da Bahia, (1591)." p. 99.
6 Processo de Lâzaro da Cunha, citado.
? Confissão. Processo deLâzaro da Cunha. "Inquisição de Lisboa" no ANTT, proc.
n.' l0 776.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA E... IVT

sertão do Rio Sâo Francisco entre os índios, sem conhecer a Deus,


tudo lhe andava bem e depois que se chegara a Deus, tudo ia de
traves. I
O uso de riscar-se não se restringia aos mestiços, mas às vezes
ganhava os brancos como Baltazar de Leão, correeiro, morador
em Pernambuco que se fez tingir no sertão do Laripe.2 Muitas
vezes na própria cidade - sem a habitual desculpa da coerção
gentílica - algum branco mandava traçar em suas carnes os lavores
da valentia. Gaspar Nunes Barreto, parte de cristão-novo, confes-
sou que no próprio Salvador mandou-se riscar, quando moço,
por "um negro da terra".3
Entre os brancos, ainda é de mister assinalar a presença de
cristãos-novos. Na mesma expedição de Gonçalo Alvares foram
dois cristãos-novos: Luís Moachoa e Tristão Rodrigues.s Os ou-
tros, homens simples, lavradores como André Rodrigues,6 Pero
Fernandes,? Manoel Castanho,s Damião da Mota,e Manoel de
12 ou artesãos
Carvalho, 1o Diogo da Mota. 11 Francisco Negreiros,
como o sapateiro Bento Machado, 13 os alfaiates Pero Braz Rei, la
Salvador Martins, ls o obreiro de alfaiate João Gonçalves, 1ó e o
criado do cônego Gaspar Leitão, Leonardo Gonçalves.tt Que
cuidados poderiam, mesmo que quisessem, ter tais homens com as
coisas do espírito?
Cercados de índios pagãos e semipaganizados, de cristãos-
-novos e mamelucos, donos de fé tíbia e obscurecida, postos diante
I Denúncia de Tristão Rodrigues. 1d.
2 Denúncia de Marçal de Aragão e confissão de Sebastião Madeira. Processo de
Lávarc da Cunha, citado.
3 Confissão de Gaspar Nunes Barreto. "Confissões da Bahia (1591)l'p. 99.
4 lNqurstçÃo DE LIsBoA, ANTT, proc. n.' 11666.
5 Id.
6 Id.
1 Id.
8 Id.
e Id., proc. n.' 12229.
10 Id.
t1 Id.
12 Id.
13 Id.
ra Id. ptoc. n." I I 66ó.
15 Id. proc. n.' 12229.
1õ "Confissões da Bahia (1591)." p. 126'
I 1? IrquIsIçÂo on LIsaoe, ANTT, proc. n'' 1l 666.
108 coLoNrzADoREs, coloNrzADos 8...

de situações onde o senso prático devia prevalecer, o resultado se


expressou em comportamentos pouco ortodoxos facilmente aceitos
por todos. Descuraram-se as práticas religiosas, como a do jejum
e abstinência de carne nas Quaresmas e dias defesos. 1 Duvidavam
mesmo alguns da necessidade de tanta proibição de carne. Talvez
por isso o mameluco André Fernandes, desrespeitando as ordens
da Igreja tivesse comido um bocado de veado. Advertido, protes-
tara: "... o diabo tantas quatro têmporas, noutro dia quatro têm-
poras, ontem quatro têmporas, hoje quatro têmporas, o diabo
tantas quatro têmporas . . ." 2.
Comia-se carne por imposição da necessidade. O peixe era
inexistente muitas vezes, e não havia outro alimento disponível, como
declararam ao Visitador os mamelucos Rodrigo Martins3 e Gon-
çalo Alvares.a Nos poucos dias que tinham tido peixe, haviam-no
preferido à carne. s A intenção era a da observância cristã; a
prâtica, o que ditava a lei da necessidade. Tal lei era invocada,
I Cf. as Constituições Eclesiásticas de Lisboa, vigentes no Brasil atê 1707, eram
dias de abstinência de carne: todos os dias da Quaresma, menos os domingos; quatro
têmporas do ano, a saber: a L', 4.", 6." e sábado depois do terceiro domingo do Advento,
idem depois do primeiro domingo da Quaresma, idem depois da festa do Espírito
Santo e da Exaltação da Santa Cruz em setembro; vigílias da Ascensão e de Pentecostes,
todas as ó."" feiras e sábados do ano na 2.u,3.", e 4." feira da Ladainha de Maio, mais
quinze datas hxas:
Fevereiro: l: Véspera da PuriÍìcação de Nossa Senhora
23: Vigília de São Matias, Apóstolo (sendo bissexto, dia 24)
Junho: 23: Vigilia do nascimento de São João Batista
28: Vigília dos Apóstolos São Pedro e São Paulo
.Iulho: 24: Yigílìa de Santiago Apóstolo
Agosto: 9: Vigília de São Lourenço Mártir
14: Vigília da Assunção de Nossa Serlhora
23: Vigília de São Bartolomeu Apóstolo
Setembro: 7: Véspera do nascimento de Nossa Senhora
20: Vigília de São Mateus Apóstolo
Outubro: 27: Vigília de São Simão e São Judas Apóstolos
3l: Vigilia de Todos os Santos
Novmúro: 29: Vigília de Santo André Apóstolo
Dezembro: 20: Vigilia de Sâo Tomé Apóstolo
24: Yigília do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo
Primeiras Constituições do Arcebispado da Bahia, feitas e ordenadas por D. Sebas-
tião Monteiro da Vide. São Paulo, 1853. p. 160-ó1.
2 PRITfiIRA VtsnlçÃo oo Sluro Oricro Às Penrss po BRAslL. "Denunciações de
Pernambuco (1593-1595)." São Paulo, 1929. p. 179.
3 lNqurslçÂo oE Lrsnon, ANTT, proc. n.' 12229.
4 Íd.
: Id.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA E... 109

naturalmente, por Francisco Pires, que inquisitoriado pela Mesa do


Santo Oficio, declarou que comera carne durante a Quaresma passada
no sertão do Laripe por necessidade "porque não tinha lá nenhum
outro mantimento com que poder manter-se senão com carne dos
porcos e bichos que matavam".l Em sua consciência entendia "que
nunca pôde escusar de comer e que isto mesmo ftzeram todos seus
companheiros pela dita necessidade".2 Alegação semelhante foi
feita à Inquisição pelo mestiço Domingos de Coimbra durante sua
participação na guerra do Sergipe.3
Comia-se a carne no sertão simplesmente porque apetecia
comêJa, como o fizeram Antonio Gonçalves, Antonio Vieira, Manoel
Machado e João Morgado que degustaram um porco indiferentes à
sexta-feira. a Ou como o confessou Francisco Afonso Capara, ter
usado a carne de porco e de outros bichos do mato, sem licença do
Ordinário, escusado de comêla a maior parte das vezes, embora
cônscio de estar cometendo culpa heretical's Falta idêntica cometeu
ó
o mameluco João Gonçalves enquant o fez a guerra no Sergipe Novo
T
e nos quinze meses que viveu no sertão das Alpariacas. Cristovão
de Bulhões, mestiço, durante dezesseis meses que esteve no sertão
faltou à abstinência durante toda a Quaresma, sem necessidade. s
Os meses de sertão eram parênteses à realidade da vida dos
brancos. Não é verossímil que se alienassem totalmente quando
fechados dentro do mundo verde das matas, mas vez por outra podiam
realmente os homens esquecerem-se se era dia de peixe ou carne,
como disse Lâzaro Aranha terlhe acontecido. e A alegação não
pareceu improvável à argúcia inquisitorial.l0 O Visitador aceitava,
ao que parece, sem espanto tal costume: ". '. esta culpa heretical
de comer carne sem necessidade em dias proibidos é usada nesta ter-
ra e sertão 1 Nem por isso deixava de investigar sua gravi-
dade ou de registrar as ocorrências.

L Id. proc. n.' 17 809.


2 Id. proc. n.' 10 874.
3 Id.
a "Confissões da Bahia, (1591)". p. 123.
s IxqutstçÃo DE LNBoA, ANTT, proc. n.' 17 813.
6 Id.
1 Id. proc. n." 13 098
e Id. proc. n.' 7 950.
e Id. proc. n." 12927.
to Id.
r1 Id. proc. n." l0 874.
110 coLoNrzADoRES, coloNrzADos 8...

O sertão desorganizava as práticas religiosas. Desorgani-


zavam-nas também as distâncias: faltava a coerção do meio para uma
coerência religiosa. Somavam-se as inobservâncias aos preceitos.
O meio livre e ignorante soltava os freios: as palavras eram irreve-
rentes e blasfemas. A sensualidade supra-excitando os homens impe-
lia-os a aceitarem doutrinas que favoreciam a fornicação e a compla-
cência com a bigamia, o amancebamento, a sodomia. No entanto,
mais acurado, talvez, nestes homens dispersos por rincões de terra
mais ou menos virgens, permanecia o sentimento religioso. Todos
sentiam-se responsáveis por si, pelos seus companheiros, pelos bas-
tardos que geravam, até pelos próprios índios que escravizavam.
Não conseguiam elidir a preocupação com a salvação das almas.
E isso transparece nítido quando esses homens voltam das matas
para os centros povoados e vão correndo contar aos padres - depois
ao Visitador - os próprios deslizes e os alheios. Apresentaram-se
espontaneamente diante do Primeiro Visitador muitos confitentes.
Confessaram suas faltas, mostrando-se arrependidos, e indicaram
ao Santo Oficio os nomes dos incursos em erros semelhantes.
Arrependidos, perdoados pela lgreja e pelo Tribunal, muitas
vezes voltavam ao sertão para repetir os mesmos erros, como To-
macaúna. Insinceridade? Não. Homens possuidores de fé oscilante
apenas. Incoerentes como todos os homens, mas que conservaviÌm
sempre em seus corações a crença residual, embora sobre ela se
delineassem deformações doutrinais de que tinham culpa em maior
ou em menor grau.
A falta de concentração urbana também favorecia o afasta-
mento da vida religiosa. Favorecia, principalmente, sua burla. Mo-
rando nas vilas, mas possuindo fazendas ou granjas, deslocavam-se
para elas aqueles que queriam conservar as práticas do Judaísmo.
Ana Lopes, por exemplo contou não ousar fazer as cerimônias da
Lei Velha por temer seu marido, cristão-velho, mas quando queria
jejuar, iapara sua granja e lá ficava sem comer o dia todo. 1 Sebastião
de Peralta declarou guardar melhor as cerimônias hebraicas quando
estava em sua granja, porque lá não tinha qualquer impedimento.2
A dispersão demográfica imposta pela Colônia manteve os
A expansão geo-
homens cristãos, mas d.iferenciou-os da Metrópole.
gráfica do Catolicismo respondeu ao impulso inicial português:
1 INqursrçÃo nr Lrsror, ANTT, proc. 5 20ó. Depoimento de 5/12/1587.
2 Id. Depoimento de 911211597.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA E... 111

"vaga que alevantou e inundou as praias. Quebrando-se sobre si


mesma alastrou-se em milhões de gotículas que não tiveram força
para manter sozinhas a inundação de um local. Infiltrou-se na terra.
Umedeceu-a. Mas não produziu outro Oceano".
No Brasil o colono era um pouco missionário e o clero um
pouco colono. Misturavam-se os planos espiritual e material na
salvaguarda do patrimônio comum: a vida e a terra. Psicologica-
mente esboçava-se uma nova modalidade de exteriorização do
Cristianismo. Os grandes espaços e a dupla moradia de parte dos
colonos favoreceu a conservação do Judaísmo. Fabricava-se uma
atmosfera espiritual diferente daquela do Reino' E nela dissol-
viam-se - porque ainda tênues - miasmas da heresia. De uma
heresia vestida de novo.

*'t:*
SEGUNDAP\RTE
A Inquisicão na Colônia
A ADMTNTSTRAçÃO DO SANrO OFíCrO... lr5

A presença do Santo Oficio nas terras brasileiras prendeu-se


a uma inércia que dominou toda a colonização. Ligou-se ao trans-
plante de um complexo cultural em que a religião era um dos valores
prevalentep. Ao transplante seguiram-se as instituições coloniais,
deixando entrever na sua estrutura e na sua dinâmica a presença
da Metrópole.
Tentava-se a cópia dos modelos portugueses, a serem enqua-
drados em novas molduras. O ajuste dos modelos, i.e., a reedição
das instituições em nova realidade, deu a medida da integração do
Brasil no mundo lusitano.
O Santo Oficio - órgão dos mais representativos da mentali-
dade portuguesa do século XVI
- ter-se-ia comodamente aninhado
no mundo colonial? A análise da ação inquisitorial na Bahia e
em Pernambuco, e dos quadros humanos do Santo Oficio existentes
nesses locais, é exempliÍïcação que pode dar respostas.

A. A ADMTNTSTRAÇÃO DO SANTO OFÍCrO PORTUGUÊS,

A organicidade das estruturas administrativas do Santo Oficio


repousava sobre o princípio da hierarquia que se harmonizava
com a mentalidade portuguesa do tempo em que fora criado o
Tribunal da Fé, e com a tradição da Igreja.
A hierarquia administrativa da Inquisição portuguesa com-
portava uma cúpula diretora composta pelo Inquisidor-Geral,2 que
delegava parte de sua autoridade ao Conselho por ele criado como

I O processo do estabelecimento do Santo Oficio em Portugal, sua estrutura e pro-


ccdimento loram por nós longamente estudados em nossa tese de doutoramento
*O momento da Inquisição". Revista de
História de São Paulo.
: A Primeira Bula instituidora do Santo Oficio em Portugal, "Cura ad nihil magis"
mmeou um Inquisidor-Mor: D. Diogo da Silva, em 1536. A Bula de l54i, "Meditatio
cordis", anulou todas as disposições da anterior, e nomeou um Inquisidor-Geral,
D. Henrique. Com esse titulo - Inquisidor-Geral - foram expedidas todas as demais
bulas que investirÍrm no sêu cargo os principais dirigentes do Santo OÍicio em portugal.
11ó A ADMTNTSTRAÇÃo Do sANro oFÍcro ...

organismo assessor, e a órgãos subalternos, presos diretamente a


ele: Tribunars. Supunha uma autoridade fundamental: o papa.
Eventualmente, o Núncio, preposto seu junto ao Trono, servia de
intermediário de suas vontades. Mediava, porém, outra autori-
dade interposta entre a Santa Sé e o Tribunal: o Rei, que interfe-
ria, em nome de uma delegação do Vigário de Cristo, no território
onde exercia sua soberania. Teoricamente. Na prâtica, muitas ve-
zes, o príncipe ultrapassava o poder que lhe fora concedido. Dual
a autoridade, portanto, no cimo da hierarquia do Santo Oficio.
A subordinação do Santo Oficio ao Papa e ao Rei não sig-
nificava, e.ntretanto, uma hierarqtização de ordem judicial. Não
cabia das decisões concretas do Tribunal recurso à Cúria ou à jus-
tiça da Coroa. Regularmente, Íìndavam-se os feitos no âmbito pró-
prio da Inquisição. Para a execução das sentenças exaradas é que
se recorria, às vezes, à justiça do Rei.
A dependência que existia, em termos de delegação, menos
que de ordem funcional, era de caráter político. A Cúria ou o paço
poderiam influir nos processos, e as partes, à margem da legis-
lação ou mesmo ao arrepio dela, pleiteariam seus interesses em
Roma ou na Corte, onde se tomavam decisões de ordem geral, e atê
no plano individual, não raro contrariando-se frontalmente a opi-
nião dos Inquisidores. Não é outra a história dos perdões gerais,
da abolição dos conÍiscos e da isenção da jurisdição do Santo Oficio
de Portugal dada ao Pe. Vieira.l
Porque era um tribunal eclesiástico, e seus membros se conside-
ravam deputados do Santo Padre para a defesa da Fé,2 devia o Santo
OÍicio obediência ao PontíÍìce. Porque sua jurisdição se exercia em
território de Portugal, sujeitava-se à autoridade régia do país.
Erigia-se o Santo Oficio na confluência de duas tendências
que então coexistiam: o universalismo da lgreja Romana com a
supranacionalidade jurisdicional, e o particularismo dos estados
nacionais com a territorialidade jurisdicional sob a égide dos prín-
cipes. O objetivo que se configurava comum - a preservação da
1 "Breve de Clemente X em 1675". ln.. DeJesa pelante o Tribunal
do Santo Ofício.
Bahi4 Ed. Hernani Cidade, 1957. r. I, p. XXXVIII.
2 Lê-se no processo de Vieira: ". .. todo o Íìel cristão é obrigado
a se conformar
nas matérias duvidosas, tocantes à nossa Fé Católica com o parecer da Santa Sé
Apostólica, e admoestações e doutrinas que aceÍca disso lhe fizeram e deram as pes-
soas por ela deputadas para o mesmo ministério, quais são os Inquisidores e seus
ministros". ln: Delesa perurnte o Tríbwal do Santo Ofício. cit. II, p. 356.
A ADMTNTSTRAçÃo Do sANro orÍcro... Il7
unidade religiosa - possibilitava o condomínio. Embora rilhassem
Altar e Trono, foram em geral de harmonia as relações entre a
Inquisição e seus patronos, abstendo-se ela, comumente, de tomar
partido, uma vez que de ambos dependia.
O "intermezzo" imperial, de 1580 a 1640, não significou par-
ticular mudança na situação de bivalência do Tribunal, uma vez
que os Felipes, atenuada a concepção imperial de Carlos V, não
disputaram ao Papado, aliás enfraquecido, o exclusivo patronato
sobre a Inquisição, num mundo exasperado em matéria de crença.
Essa ambivalência de fontes do poder da Inquisição, que,
no exercício, era depois distribuído por vários órgãos e inúmeros
indivíduos, constituía marca do século. Século em que se defronta-
vam dois poderes: o do Estado e o da Igreja, e no qual um princípio
dinástico, patrimonialista, imposto à religião
- "cuius regio i[ìus
religio" - minava a autoridade suprema do papado.
O grande depositário do poder do Santo Oficio era o Inqui-
sidor-Geral, escolhido entre as Íìguras de prestígio no alto clèro
nobre, da confiança ou mesmo da intimidade do Rei. Indicado pelo
Rei, nomeado pelo Papa. Do Inquisidor-Geral dependia direta-
mente todo o quadro inquisitorial.
Eram atribuições do Inquisidor-Geral: determinar regimentos
e procedimentos do Santo Oficio; presidir o Conselho Geral; re-
gulamentar as atribuições e o funcionamento do referido Conse-
lho, dar provisões para todos os oÍìciais e membros do Tribunal;
darlhes os respectivos regimentos; superintender os Tribunais; de-
terminar as visitas às livrarias, comarcas e naus; fazer elaborar
róis de livros; conceder licenças para impressão e reimpressão de
livros; determinar data e local das reuniões do Conselho Geral;
avocar a si determinados processos dos Tribunais; receber recursos
de suspeição dos Inquisidores; receber apelações de agravos das
partes, antes de terem sido exaradas as sentenças Íinais; autori-
zar transferências de presos de um para outro distrito das Inqui-
sições; pronunciar-se nas reconciliações, quando os Tribunais não
podiam contar com o concurso de letrados; decidir, em casos de dis-
crepâncias, entre Inquisidores e letrados; autorizar entrega de réus
sob fiança; dirimir discórdias entre oficiais do Santo Oficio; re-
ceber listas dos Inquisidores, contendo nomes de todas as pessoas
que foram despachadas por eles.
O Conselho Geral teve, como a própria Inquisição, sua exis-
tência prevista pelas Bulas instituidoras do Santo Oficio. por-
ll8 A ADMTNTsTRAçÃo Do sANTo oFÍcro...

tanto, o primeiro problema que se propõe - o de sua criação - li-


ga-se às próprias oriçns do Tribunal. Do Papa veio a dèterminação
de sua existência. r Quem o efetivou foi o Inquisidor-Mor D. Dio-
go da Silva, logo após a aceitação da Bula de 1536.2 Mais tarde,
guindado ao posto de Inquisidor-Geral, o Cardeal D. Henrique,
aos 161711539, estabeleceu e ordenou o Conselho Geral.3
Basicamente, ficou o Conselho constituído por três deputa-
dos, um secretário, um solicitador, um porteiro. A necessidade se-
ria motivo de aumento desse quadro, mas seu árbitro seria o Inqui-
sidor-Geral. a Garantia-se que um de seus membros fosse inquisidor,
deputado em exercício na Corte, ali zelando exclusivamente pelos
crimes de heresia e apostasia. s

Ao Conselho Geral chegavam os oÍìciais do Santo Oficio


após ascensão paciente dos degraus hierárquicos do Tribunal. Ha-
via prudência no Conselho - explicada pelo nome de 1.', 2." ou 3."
cadeiras - ditadas unicamente pela antiguidade no serviço do Tri-
bunal. A dignidade pontiÍicia de bispos ou arcebispos que porven-
tura entrassem ao serviço do Conselho, não abria sobre os demais
primazia nem em cadeira nem em voto..

I ". . . concedemos a faculdade de constituir o Conselho Geral da mesma Inquisi-


ção pela nossa autoridade para que sejam examinados todos os casos, tendo em
conta incidências, as circunstâncias, etc. . .." Bula "Cum ad nihil magis."
2 ALMEIDA,Fortunatode.HistóriadalgrejaemPortugal. Coimbra, l9l7.t. lll,2.'
parte, p. 242-43.
Souz,c,, Antonio de. Aphorismi Inquisitorum. Lisboa, ló9. Parte introdutória; De
Orígine fibunalis S. Olicii Inqaisitiones ín regnis Lusitaníae. Lisboa, Liv. ANTT,
1899. fol. 8.
MoNrErRo, Frei Pedro (O.P.). "Notícias da Inquisição" e "Catálogo dos Deputados
do Conselho Geral da Santa Inquisição." lr.l. Documentos, Estatutos e Memórias da
Academia Real da História Portuguesa (Col.). Lisboa, 1721.
HrncuuNo, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquísição em Por-
tugal. Lisboa, s/d. 13." ed. t. II, p. 170-84.
3 BrtÃo, Antonio. Art. em Arquivo Hístórico Porwguês. t. IV, p. 390.
a Rrcturxto oo CoNsnr.xo Grn,c,r oo SeNro OrÍcro publ. por Antonio Baião no
Arquivo Historico Português. t. IV cap. 2.", p. 412-13. O Regimento de que não existe
o original mas somente cópia não muito posterior encontrada nos cartórios do Santo
Oficio contém 35 capitulos. Ignora-se quais os letrados que trabalharam na sua
composição. Conservou-se em uso durante a dinastia felipina. Prova-o a Taboada
em que se contém as principais cousas do Regimento do Conselho Geral da In4uisiSo,
especie de sumário das matérias tratadas, feito em fim do seculo XVII, diüdido
por ordem alfabética, elaborado sobre o texto de 1570. Biblioteca Nacional de Lisboa
(Reservados). (Col. Moreira). t. I, FG 867, fo1.27ç77.
s Id. cap. 3." p. 413.
A ADMTNTsTRAçÃo Do sANro orÍcto... 119

Quais, efetivamente, as atribuições do Conselho? Tribunal


de Recursos nas apelações dos Inquisidores dos distritos, interpos-
tas pelas partes ou pelo Promotor; nas apelações vindas dos Bis-
pos ; nos agÌavos dos juízes do fisco ; conhecia das suspeições, quando
interpostas aos dois Inquisidores de qualquer distrito;l conhecia
das apelações das causas dos defuntos.2 O Regimento dizia, taxa-
tivamente, que no Conselho se ordenariam os despachos fìnais
dos processos das Inquisições das comarcas, dando para elas de-
putados que despachassem com o Inquisidor e com o Ordinário.3
Só o Conselho podia autorizar se entregassem presos sob fiançaa
ou dispersar, perdoar, comutaf penas dos Inquisidores,s ou receber
apelações em feitos dos defuntos.6 Ao Conselho cabiam despachos
finais nos processos duvidosos, graves ou de pessoas que não pu-
dessem ser presas sem consulta do Inquisidor-Geral,
? como, por
exemplo, indivíduos de elevada categoria social, titulares ou pessoas
religiòsas. O Inquisidor da Índia tinha de participar anualmente
o estado da Inquisição ao Conselho.8
O Conselho conhecia em primeira instância dos processos que
o Inquisidor-Geral avocava a si, de culpas pertencentes ao Santo
Oficio que estivessem em poder dos bispos, caso estes não os tivessem
remetido, mediante cartas, ao referido órgão. e Os Inquisidores dos
diferentes Tribunais não podiam remeter presos de uma Inquisição
para outra sem mandado do Conselho e do Inquisidor-Geral' 10
Como corpo consultivo, decidia o Conselho dúvidas graves
11
entre Inquisidores e Bispos ou entre os próprios Inquisidores,
bem como dirimia dúvidas de interpretação do Regimento das
Inquisições.12
Passava ainda cartas em nome do Rei, para vice-reis, capi-
tães, duques e demais senhores e justiças seculares, ordenando-
I Quando a suspeiçâo era postâ só a um dos Inquisidores' o outro podia conhecer
dela. Cap. 13 do Regimento do Conselho. Loc. cit. p. 414.
2 Rrcur,sxro Do CoNsELHo. cit., cap. 24, p. 416.
3 Id. cap. 17, p. 415.
+ Id. cap. 22, p. 416.
5 Id. cap. 23, p. 416.
6 Id. cap. 24, p. 416.
1 Id. cap. 17, p. 415.
I Id. cap.20, p. 415.
e Id. czp.21, p. 415.
ro Id. cap. 14, p. 414.
tt Id. cap. 15, p. 414.
12 Id. c:;p. 16, p. 415.
lm A ADMTNTsTRAçÃo Do sANro orÍcto...
?
-lhes a tudo prover para o bom estado do Santo OÍicio.l Examinava
Bulas e Breves de perdão e graças concedidas aos cristãos-novos
pela chancelaria pontificia,z para ver se nada continham de pre-
judicial ao Santo Oficio, ou se traziam inserida qualquer cousa
falsa que se devesse comunicar ao Papa.
Do Conselho dependia o funcionamento dos Tribunais: expe-
dia ordens para que se realizassem as Visitações,3 determinava
as visitas às livrarias, a elaboração dos róis de obras proibidas
como atentatórias à integridade da fé e dos costumes; expedia li-
cenças de impressão de livros novos e reimpressão; a provia todos
os funcionários em seus cargos, expedindo as respectivas paten-
tes. s Cuidava em manter, educar e instruir na doutrina os Íilhos
dos relaxados.ó
Não admitia que os Inquisidores mandassem censurar pro-
posições sEm".sua prévia anuência.? O controle dos penitenciados
ficava garantido pela obrigatoriedade de os Inquisidores mandarem
relatórios, após a realizaçã"o dos autos de fé.8
Todas essas atribuições que cabiam ao Conselho Geral eram
desempenhadas com o auxílio ou a efetiva participação do In-
quisidor-Geral, Quando as desempenhava sozinho, era por delega-
ção destd. A pátba mostrou que o Conselho foi mais uma extensão
do poder pessoal Ab Inquisidor-Geral do que um organismo autô-
nomo. Mesmo :quãniÍo recebia apelações. Talvez essa dependência
em face ao Inquisidor-Geral se acentuasse por não ter o Conselho
em Portugal entendido de questões da economia da instituição, que
foram da exclusiva competência daquele. e
Certamente exerceu o Conselho uma atividade supervisora
das ações dos Inquisidores, mas essa atividade foi mais vincada
pela preocupação da intangibilidade da autoridade do Inquisidor-
I Id. cap. 25, p. 416.
2 Id. cap. 10." p.414. Exemplo: a Ata que lavrou aos 271311550 sobre o cumpri-
mento em Poíugal do Breve "Exponi vobis" que anulava o perdão do confisco
dos bens dos cristãos aovos. Arquivo Histótico Português. t. IV, p. ,104.
3 Id. cap. ll, p. 414.
a Id. cap. 9.' p. 414;32, p. 417.
3 Id. cap. 5.n, p. 413.
6 Id. cap.29, p. 416.
1 Id. cap.30, p. 416.
I Id. czp. 10.' p. '41ó.
e O cap. 27 do Regimento cit. deterÍninava que o Inquisidor proveria todos os oÍìciais
dos bens conÍìscaCós. Id. p. 416. O cap. 26 dizia: "O Inquisidor-Geral terá superin-
tendência na addriiristração e despacho dos bens confiscados". Id.'
A ADMTMSTRAçÃO DO SANTO OFÍCrO... l2l
-Geral e da hierarquia estabelecida. O Conselho foi mais um órgão
de controle do exercício de sua autoridade do que de recurso.
Órgão de administração da justiça inquisitõrial, os Tribunais
distribuíam-na de maneira contínua, na sua sede. Periodicamente,
faziam sentir sua vigilância através de inspeções aos diferentes
pontos do território sob sua jurisdição. Era a justiça itinerante
levada pelos Visitadores quando se julgava oportuno, ou quando
os fermentos da heterodoxia manifestavam anomalias na vida
religiosa das províncias.
Estabelecido o Santo OÍïcio, e mantido o direito dos bispos
procederem contra as heresias e apostasias, aproveitavam-se as
dioceses como circunscrições tradicionais para a subdivisão da
jurisdição inquisitorial. Na realidade, houve alterações: entre
1536 e 1547 os Tribunais do Santo Oficio nâo corresponderam às
demarcações dos bispados e arcebispados. Às dioceses de Braga,
Coimbra, Évora, Guarda, Lamego, Lisboa, Porto e Viseu, corres-
ponderam, conforme Herculano, os Tribunais de Lisboa,l Í)vora,2
Coimbra,3 Porto,a Lamegos e Tomar.ó
A Bula de 1547, ao restabelecer o Santo Oficio, slrprimiu os
Tribunais de Lamego, Porto e Tomar, mantendo os de Evora, Lis-
1 Estabelecido aos 18/7/1539, abrangia sob sua jurisdição a província da Estrema-
dura, parte da Beira, Brasil e todos os dominios e conquistas de Portugal até o Cabo
da Boa Esperança. HrnculeNo, A. Op.cil., t. III p. 8-9. Moxreno, Frei Pedro.
"Notícias da Sta. Inquisição". In: Memórias da Academia de História. cit. t. III,
p.474. Brúo, Antonio. "A Inquisição em Poftugal e no Brasil". In: Arquivo Iírs-
tórico Português. t. V. p. 95.
2 Estabelecido aos 13/10/1541, com jurisdição sobre parte da província do Alentejo
e o reino do Algarve, Trás-os-Montes e parte da Beira. Incluíam-se quaisquer outras
terras que peÍteDcessem ao bispado da mesma cidade. Ibid.
3 Estabelecido aos l3/l0ll54l, com jurisdição sobre a Guarda, província de Entre-
Douro e Minho, Trás-os-Montes e parte da Beira. Incluía também outras terras que
p€rtencessem ao bispado da mesma cidade. Ibid. Alr,ruoe, Fortunato de. História
da lgreja em Portugal. t. III 2.' parte p. 246. Sovzs, Antonio. Aphorìsmi Inquisitorum.
fol. 17.
a Estabelecido aos 13/10/1541, abrangendo sob sua judicatura a diocese e o arce-
bispado de Braga. Ibid.
5 A Inquisição foi instalada em Lamego em atenção ao desejo dos vereadores, juiz
e procuradores das cidades que aos 23l8ll54pdir.am ao Rei sua manutenção. Carta
da Gmara de Lamego ao Rei. Corpo Cronológico. l.' parte, rnaço 75. Publ. no ,4r-
quivo Histórico Portugaês. t. V, p. 181. Estabelecido o Tribunal aos 13/10/1545,
funcionando por alguns anos, exercendo sua judicatura sobre o bispado de Viseu.
ó Instalada a Inquisição em 1543. Vestigios do funcionamento desse tribunal fi-
carÍrm em Processos fus criitãos-novos iulgados e sentenciados no convento fu Tomar.
t. II. Códice 26 do Cartório do Convento de Cristo.
122 A ADMTNTsTRAçÃo Do sANro oFÍcro ...

boa e Coimbra. Por quê? O documento pontifïcio silencia as razões


da escolha desses três centros regionais para sede das Inquisições
portuguesas. Saraiva parece sugerir a geografia como justificação,
quando fala nos distritos do Centro, Sul e Norte do pais. r A pre-
sença da corte em Évora, o domínio lisboeta sobre o mundo atlân-
tico, o reduto cultural coimbrão parecem razões mais plausíveis
para a fixação dos grandes distritos inquisitoriais. Eram lugares
onde, obviamente, a circulação de idéias de procedência estran-
geira poderia degenerar em heterodoxia. Pontos de concentração
de cristãos-novos de maior destaque na sociedade do tempo: os
que estavam ligados à administração central, à burguesia comer-
cial e marítima de carater internacional, e aos centros de formação
profirssional. Por esta razão, mereceria o Porto receber um tribunal,
mas CoimbÍa eÍa próxima, e mais culta. E mais corte. Capital
teologica do Reino.
Aos 15 de março de 1560 foi criada a Inquisição de Goa, com
jurisdição sobre todos os domínios portugueses além do Cabo
da Boa Esperança: todas as possessões da Ásia e da costa oriental
da África.2
As dimensões da jurisdição exercida pelos tribunais prendem-se
a sua origem de órgãos criados para distribuir mais facilmente a
justiça nas comarcas e nelas zelar pelas inquietudes das consciên-
cias e oscilações das certezas em matéria doutrinal. Julgavam por
delegação do Inquisidor-Geral.
A justiça era ministrada pelos Tribunais em local determi-
nado: a respectiva Mesa, que funcionava diariamente, menos nos
domingos e dias de guarda, em período matutino e vespertino.
Basicamente, compunham a Mesa das Inquisições dois Inqui-
sidores, um Promotor, dois Notários, Meirinho e Alcaide do Cárcere,
um Solicitador. Na de Lisboa acrescia-se um Porteiro para as cou-
sas da casa e porta da Casa do Despacho.3 Em 1613, o Regimento
atribuía a cada Tribunal três Inquisidores, três Deputados, um
Promotor, três Notários, dois Procuradorcs para defesa dos presos,
dois Solicitadores, Qualificadores, Meirinhos, Alcaide dos Cárce-
res, um Porteiro da Mesa do Despacho, Dispenseiro e os guardas ne-

I S*etvr, Antonio José. I Inquisíção Portuguesa. Lisboa, 1956. p. 47.


2 MoNtnno, Frei Pedro. Op. ctt. p. 474.
3 RectMENto oo Serro Oricro or PoRTUcAT (31811552). Arquivo Histórico Por-
tuguês. 1907. t. Y, p. 272.
A ADMTNTSTRAçÃO DO SANrO OFÍCIO... 123

cessários. 1 O aumento de número de causas acaÍÍetara o aumento


de funcionários e criação de cargos especializados. Quantidade e
cornplexidade. Nesse acréscimo do quadro humano alargava-se
um pouco a autoridade dos Tribunais: nos lugares mais importantes
submetidos à jurisdição apareciam novas funções. Assim, o Tribunal
de Lisboa podia colocar nos portos de mar um Visitador das Velas
Estrangeiras, com seu escrivão, e para os pontos mais distantes
do Ultramar, como as llhas da Madeira, Terceira, S. Miguel, Cabo
Verde e S. Tomé, bem como as Capitanias do Brasil, mandar um
Comissário com seu escrivão. Para esses lugares de mais diÍïcil
controle, tinha também o poder de criar familiares: participação do
laicato e das classes mais simples na atividade do Santo Oficio e no
trabalho do Tribunal.2
Ao tempo em que se definiu institucionalmente o Santo Oficio,
quando ele funcionou com seu maior rendimento, o clima espiri-
tual que então o envolvia era de incessante procura de estabilidade
e de ordem em todos os setores da vida coletiva. Essa necessidade
de um novo equilíbrio se fazia sentir com mais veemência naquelas
áreas em que os desencontros entre a tradição e a inovação geravam
dúvidas, confusões ou conflitos. No plano das relações sociais entre
os indivíduos, em função da interdependência de suas atividades,
a forma de superação das dúvidas e desconcertos foi a repartição
da autoridade, mediante progressiva ordenação de uma hierarquia.
E da burocracia como subproduto. O que se traduzia, aliás, numa
espécie de exasperação da formalística, do cerimonial, das prer-
rogativas, a marcarem as distâncias e posições relativas, traços
característicos da época barroca. A mobilidade social acentuada,
a flutuação das idéias, as fissuras no complexo das crenças, as revi-
sões de certos critérios antigos, associavam-se, exacerbando-o ao
imperativo de nova partilha dos quinhões de autoridade entre os
indivíduos.
A Inquisição, ela própria resposta ao desafio das incertezas
suspensas na atmosfera, como via de solução da problemática das
consciências sequiosas de seguranças interiores, refletia na sua
estruturação, visivelmente complexa, em confronto com outras
instituições contemporâneas, essa atmosfera de busca de uma dis-
ciplina calmante através da hierarquização, que era uma fórmula de
I Rrcnsxro po Sexro OrÍcro os PoRïucAL (\613). Apud Aroneor p SIrve, José
Justiniano. Coleção Cronológica da l*gislação Portugtesa. 1613-1619. p. 24 e segs.
2 RrcrurNro on 1613. tit. I, cap. I a 2. Loc. cit. p. 24.
124 A ADMTNTsTRAçÃo Do sANro oFÍcro...

discriminação de atribuições e do poder a elas inerente. Votada à


manutenção de um elenco de valores, calcava suas estruturas numa
hierarquia definida, indispensável à própria sobrevivência da ins-
tituição que vinha de inserir-se num ambiente de remodelação da
velha ordem tradicional. A multiplicação das praxes, dos estilos,
a revelar na esfera da processualística um certo experimentalismo
judiciário, contrasta com a relativa rigidez das estruturas que,
defensivamente talvez, permaneceram fundamentalmente as mesmas
desde o primeiro Regimento.
Associava elementos da hierarquia eclesiástica e da hierarquia
civil, dado o duplo caráter da instituição, absorvendo Íiguras tipica-
mente eclesiásticas como os Visitadores ou Capelães, ou marcada-
mente civis, como os Promotores, Procuradores ou Meirinhos, e
até militares, como os Alcaides. A estes juntava entidades especí-
ficas, por assim dizer, originais do Santo OÍicio, como o Inquisidor,
os Familiares. Uma constelação de funcionários ligados por liames
de subordinação e de obediência.
Compreendiam os quadros da Inquisição em Portugal os
seguintes servidores; a partir da figura central e soberana do In-
quisidor-Geral: Inquisidores, Comissários, Visitadores das naus e
das livrarias, Qualificadores, Promotores, Procuradores das partes,
Notários, Meirinhos, Solicitadores, Tesoureiros, Alcaides dos Cár-
ceres, Guardas, e pessoal a serviço do Inquisidor-Geral, do Conselho
e dos Tribunais, tais como Capelão, Médico, Cirurgiões, Barbeiros,
Dispenseiros, Cozinheiros, Porteiros da Casa e Mesa do Despacho.
Finalmente, na base do ediÍïcio inquisitorial, Íìcavam os Fami-
liares.
Esses homens, para ingressarem nos quadros inquisitoriais,
eram selecionados. Comprometiam-se a servir a Deus e à Igreja
como finalidade precípua de suas vidas, prendendo-se para sempre à
engrenagem da Inquisição. Raramente o oficio podia ser temporário.
Esta vitaliciedade implicava numa opção e numa continuidade, con-
dições de segurança paÍaa instituição. Exigiam-se investigações limi-
nares sobre as famílias, suas vidas, suas posses, suas relações sociais.
Não fosse o inimigo infiltrar-se na fortaleza e atenuar-lhe a força e a
autenticidade. As ordens, as mais estritas, tinham que ser aceitas:
precisava-se cumpri-las. E os executores delás, partícipes de um
poder temível porque multipresente, destacavam-se no meio social,
diferenciando-se, numa faixa própria de privilégios e de status
social, dos demais. Em tempo de militância e de determinação de
O TRIBUNAL DE LISBOA I25

servir à causa da Igteja ameaçada pela maré montante das cisões,


no seu ativismo procuravam eles mobilizar virtudes e transfundi-las
aos outros. Sem dúvida, esperavam, coerentes que eram, somar
créditos para a própria salvação, zelando pela salvação do próximo.

B. OS ORGÃOS INSTITUCIONAIS
1. O Tribunal de Lisboa
A peça mais importante da máquina inquisitorial portuguesa
foi, certamente, o Tribunal de Lisboa. Liana de mil ramificações,
prendeu ao tronco do Santo Oficio primeiro as províncias da Extre-
madura e parte da Beira. Depois, enleou-se em todas as conquistas
até o Cabo da Boa Esperança, 1 Madeira,2 todas as outras Ilhas3
e finalmente amarrou o Brasil.a
Prolongava-se, naturalmente, sobre a espiritualidade da Colônia,
a vigilância da Metrópole. Através do controle inquisitorial também,
exercia o Rei sua autoridade sobre a Terra de Santa Cruz. Buscava
realizar um ideal missionário católico-português. Tentava afirmar
no Novo Mundo, sobre a unidade da crença, o Império Português,
nos mesmos moldes do Hispânico de Carlos I. s
O sentido do universal, que maÍcava a mentalidade ibérica,
permitia a expansão dos dois países além das fronteiras geogra-
ficas, e exigira, sob o aspecto administrativo e institucional, que o
Ultramar prolongasse o solo ibérico. A legislação da Colônia devia
ser - teoricamente - a mesma da Metrópole. Vigiar a unidade
das consciências não era um dever essencial da realeza? Não era
praticar um ato moral, na concepção vitoriana, então em voga,
de homenagem a Deus?
Além de um imperativo de consciência, vigiar os hereges do
Ultramar era uma imposição da Coroa, pois era garantir a nacio-
1MoNtrno, Frei Pedro. "Notícia Geral da Santa Inquisição deste Reino-" ln: Do-
cumentos, Estatuíos e Memórias da Atudemia Real de História Portuguesa (Col.).
Lisboa, 1723. t. III, p. 1.
2 Cotr,ttssÃo oo Clnoelt INneNrn D. Heì,lntQur on 221711550. Corpo Cronológico.
doc. n.'67. ANTT.
3 Corr.rrssÃo oo C,lnotlr D. HnNntQur on 41811551. Id., doc. n." 23.
a Corr,rrssÃo Do CARDEAL D. HElntQur on 121211579. Id., doc. n." 52.
s O Império de Carlos de Áustria arÍancara ao poeta Fernández de Oviedo os sig-
nificativos versos: "santiago con su lança/seguirá dando lugar/y la tierra con la mar/
en vuestra buena ventura:/todo 1o quêl sol mesura/Espaãa lo mandará".
126 os óRGÃos rNsrrrucroNArs

nalidade, a lealdade e a unidade da Colônia. Era, também, prover,


cautelosamente, sobre sua rentabilidade.
a. Componentes
O distrito lisboeta do Santo OÍïcio * como seus congêneres
de Évora e Coimbra - sofreu inspeção e vigilância dos Inquisi-
dores-Gerais e do Conselho Geral. Talvez tenha sido mais estreita
a ligação do Tribunal de Lisboa com os órgãos superiores do Santo
Oficio, instalado na sede da Inquisição Portuguesa no Mosteiro da
Trindade, em 1540, transladando-se com ela em l54l para o Mostei-
ro de S. Domingos, parando entre 1566-68 nos Paços da Ribeira, e,
finalmente, ancorando nos Estados até 1755. r A hierarquia - cli-
ma vital da instituição - ditou-lhe a obediêncta e fez seus res-
ponsáveis partilharem dos desígnios perseguidos e das inflexões
que lhe imprimiu o grande organisr,no.
Entre l59l e 1620, cinco homens responderam pela Fé de
Portugal, como Inquisidores-Gerais: o Cardeal Alberto, D. Antonio
Matos Noronha, D. Alexandre de Bragança, D. Pedro de Castilho
e D. Fernão Martins Mascarenhas.2
O Cardeal Alberto, Arquiduque d'Áustria, Presbítero Cardeal
da Santa Igreja Romana, foi em Portugal legado a "latere" de
Gregório XIII. Feito Inquisidor-Geral por Bula de Xisto V, de
251111586, tomou posse do lugar aos 13 de março do mesmo ano,
ocupando-o apenas até agosto de 1593, quando saiu de Lisboa para
Madri, destinado a posto de relevo na administração dos Países
Baixos. Morreu em Bruxelas, sem geração, aos l3 de julho de 1621.3
D. Antonio de Matos Noronha foi feito Inquisidor pela Bula de
Clemente VIII, aos l2 de julho de 1596. Tomou posse aos 8 de agosto,
exercendo-o até 1600. Morreu em Elvas, aos 17 de novembro de
1610.4 D. Alexandre, Inquisidor-Geral pela Bula de Clemente VIII
datada de 29 de julho de 1602, aceita a l.'de outubro do *errno ano,
serviu no cargo até 20 de abril de 1603. Morreu aos 1l dias do mês
t BltÃo, Antonio. A Inquisição ent Portugal e no Brasil. Arquivo Histórico Português.
1907. r. V p. 411.
2 Conpo DrplorrrÁrrco. t. VII, p. 326 e 388.
3 MoNtErno, Frei Pedro. História da Santa .Inquisição no ReÌno de Portugal. cil.
a Depois de D. Antonio de Matos Noronha, Felipe III da Espanha apresentou paÍa
substitui-lo, em 1600, a D. Jorge de Ataide, Bispo de Viseu, Capelão e Esmoler-mor,
membro do Conselho de Estado. Ele nâo aceitou o lugar, escusando-se disso perante o
Papa Clemente VIII. Seu nome consta, no entanto, da relação dos Inquisidores-
Gerais de Portugal na obra de Frei Pedro Monteiro.
O TRIBUNAL DE LISBOA I27

de setembro de 1608.1 D. Pedro de Castilho, Inquisidor-Geral


aos 23 de agosto de 1604, ainda por documento do pontíÍìce Cle-
mente VIII, tomou posse no ano seguinte, e exerceu o cargo até
sua morte, aos 3l de março de 1615.2 D. Fernão Martins Mas-
carenhas foi nomeado Inquisidor-Geral por decisão do Rei, que
aceitara a indicação do arcebispo de Braga. Era então Bispo do
Algarve, de virtude e letras "e muita experiência das matérias do
Santo OÍicio" e Ílo governo de sua igreja cumprira bem as obriga-
ções de seu oficio. D. Fernão Martins Mascarenhas aceitou o cargo
do Santo Oficio para o qual fora nomeado pela Bula de Paulo V,
de 4 de julho de 1616, aos 15 de dezembro do mesmo ano. Morreu
aos 28 de janeiro de ló28.3
Os homens que detiveram o poder máximo do Tribunal da
Fé nesse interregno foram tirados da primeira nobreza ou da pró-
pria família real. O Arquiduque Alberto, filho de Maximiliano Il
e da ImperatrizMaria, filha de Carlos V; D. Alexandre, 6.o Duque
de Bragança, Íïlho de D. João e da duquesa Catarina, filha do In-
fante D. Duarte (neta, portanto, de D. Manoel). D. Fernão Martins
Mascarenhas, filho de D. Vasco Mascarenhas, da primeira nobreza
do tempo. Mçmbros da casa real, ou a ela vinculados, pelos compro-
missos da honra frdalga, esposaram interesses e acataram desígnios
da realeza.
Entre 1593 e 1620, o Tribunal de Lisboa esteve sob a dire-
ção de 12 tnquisidores, que trabalharam assessorados por 27 De-
putados.
Inquisidores de Lisboa foram Manoel Alvares Tavares, li-
cenciado em Cânones, Inquisidor em 1713l15931, fora da Inquisição
de Évora e depois foi Deputado do Conselho Geral.a D. Antonio
Pereira de Menezes, feito Inquisidor de Lisboa em 2911211600, era
licenciado em Cânones e foi depois membro do Conselho de Estado
em Castela.5 Antonio Dias Cardoso, licenciado em Cânones, teve pro-

I Moxretno, Prei Pedro. História da Santa Inquisição no Reino de Portugal. ciï.


2 lbid.
t lbid.
a /d. "Noticia Geral das
Santas Inquisições deste Reino e suas conquistas. Ministros
e oÍiciais de que cada uma se cornpõe." ln.. Documentos, Estatut;s e Memórias du
Academia Portuguesa de Historia (Col.). t. lll, p. 431.
5 lbid.
l2t os óncÃos rNsrrrucroNArs

visão em 1211011602 sendo depois Deputado do Conselho Geral.r


Salvador de Mesquita, licenciado em Cânones, teve provisão para o
Tribunal lisboeta em71511608. já tendo sido Inquisidor em Évora.
Depois, foi membro do Conselho Geral.2 João Alvares Brandão,
Doutor em Cânones, teve provisão em 61511612. Fora da Inquisição
de Coimbra, e foi, depois da passagem pelo Tribunal, membro do
Conselho. Geral;3 D. Rodrigo da Cunha, Doutor em Cânones,
com provisão em91211615, foi depois bispo de Portalegre, do Porto,
Arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas e por fim Arcebispo de
Lisboa e membro do Conselho de Estado.a D. Manoel Pereira,
Doutor em Cânones, recebeu patente em 261611617, depois de ter
sido Inquisidor em Évora. s D. Francisco de Meneses, Doutor em
Cânones, foi feito inquisidor de Lisboa aos 91811617, tendo já pas-
sado por idêntico oficio na Inquisição de Coimbra. Foi depois
1 Cônego doutoral da Sé de Êvora. Nasceu em Santarém; moÍïeu em Lisboa em
261111624.Inquisidor em Coimbra em 1589. Escreveu o Regimenío do Santo Ofícío,
impresso em 1613 por ordem de D. Pedro de Castilho. cf. Enciclopédia Portuguesa-
Brasileira, t. VIII p. 9,Í4.
2 MoNtrno, Frei Pedro. Op. cít. t. cit.
3 lbid.
a MotttEno, Frei Pedro. Op. cit. t. cit. e Cf. Enciclopédia Portuguesa-Brasileira.
t. VIII, p. 269-270: nasceu em Lisboa em setembro de 1577, morreu em 31111643.
Filho de D. Pedro da Cunha, senhor de Tábua e Conselheiro de Estado. Doutor em
Cânones; Bispo do Porto, Secretário da Junta Eclesiástica nas Cortes de 14 e 18
de julho desse ano, nas quais foi jurado sucessor do trono o futuro Pelipe W. Arce-
bispo de Lisboa. Nomeado para o Conselho de Estado, como adjunto da Duquesa
de Mântua, governadora do Reino, para assistir ao despacho ordinário. Opôs-se à
redução de Portugal a simples província administrativa da Espanha. Foi um dos
que mais concorreram pàra a Restauração. Nomeado governador do Reino até a
chegada de D. João IV. Recusou o Priorado do Crato que este rei lhe ofereceu depois.
Cf. Bmsosr MAcHADo, t. III p. 641 e Stt-v,c., Inocencio da. Dicioruirio Bibliagrálico
Português. Lisboa, lE6ó. t. VII, p. ló7. Foi autor das seguintes obras: De Confessariis
solicitantíbus traeíatus. Benavente, 1611, obra que teve adições de Frei Serafim de
Preitas e edições em 1620 e 1632: Explicações'dos jubileus. Coimbra, 1620.2.^ ed.,
Porto, 1622; Católogo e História dos Bíspos do Porto. Porto, 1623; Superprimam
Partem Decreti Gratìani Commentarii. Braga, 1629. Breviarium Bracharense a D.
Rodrigo da Cunha Archipraesule et Domino Bracharae Hispaniaríwn Primate recog-
nitum: História eclesüstica de Braga com a vída dos seus arcebispos e varões santos e
eminentes do Arcebispado. Braga, 163Ç35; História eclesüstica da lgreja de Lisboa.
Vida e ações de seus prelados e varões eminentes em santidade que rcla floresceram.
1." parte Lisboa. 1642 Íìcando a2.'parte em Ms.; Crônica dos Reis D. Joào I, D.
Duaríe e D. Alonso V. Compostas por Duarte Nunes Leão. Lisboa, 1643 em que é
autor de anotações; Constüuições do Arcebispado de Lisboa,1646, resultado de sínodo
realizado. Deixou ainda outros trabalhos Ms.
5 Mor.rrrrro, Frei Pedro. Op. cït..(. cït.
O TRIBUNAL DE LISBOA I29

reformador da Universidade, bispo de Leiria e do Algarve.l Rodrigo


Fernandes de Saldanha, Licenciado em Cânones, teve provisão em
111811617. Fora da Inquisição de Coimbra.2 Pedro da Silva de Sam-
paio, Licenciado em Cânones, Deão de Lekia, recebeu provisão em
291811617.3 Sebastião de Matos Noronha tornou-se inquisidor em
Lisboa aos 41611620, depois de ter sido Inquisidor em Coimbra. Em
seguida, integrou o Conselho Geral, e foi Bispo de Elvas e Arcebispo
de Braga.a Simão Barreto de Meneses, Licenciado em Cânones, rece-
beu patente emll 11011620. Pora inquisidor em Coimbra e em Évora. s
Nos últimos anos do século XVI, e nas duas primeiras décadas
do XVII, integraram o Conselho Geral, como deputados: Marcos
Teixeira, nomeado aos 91611592,ó D. Antonio de Matos Noronha,
I lbid.
Nasceu em Santarém e era filho de Duarte de Meneses, Comendador de Sta. Maria de
Alcáçova; morreu em Faro, em março de 1634. Tomou o hábito de religioso arrábido
no convento de S. José de Ribamar, abandonando por doença o claustro. Passou a
Coimbra, onde foi colegial de S. Pedro. Chantre da Sé do Porto loi em2211111607
Deputado da Inquisição de Coimbra. Competidor do Dr. Antonio Homem numa vaga
no Cabido de Coimbra, sendo vencido. Alguns autores viram nisto a origem do pro-
cesso doDoutor Infeliz. Reformador e Reitor da Universidade em l5/ll/1618. Apre-
sentado à mitra de Leiria em 1624, ocupou-a atê 1627 quando passou à diocese do
Algarve. Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, t. XVI. p. 928.
2 lbid.
3 lbid.
Bispo da Bahia. Entrou na posse de sua diocese em 191311634. Morreu em l5l4ll&9.
Auuuoe, Fortunato de. Híst. da lgreja em Poilugal.t.III, 2." parte, p. 968. Deste Bispo
dão notícias: Accrolq Ignácio. Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia.
1919. v. lY, p. 12; Encíclopédia Portuguesa-Brasileira, t. XXVIII, p. 861; ANonro,r.
e Strv,r, J.J. Coleção Cronológica da Legislação Portuguesa. Lisboa, 1854. v.1634-40,
p. 678.
1 lbid.
Nasceu em Madrid, em 2111211586. Morreu na Torre de S. Julião da Barra, em 164l
ou ló42. Reuniu, em Elvas, sínodo diocesano em que se aprovaram as primeiras
constituições do bispado, em 1633. Em ló40, exercia as funções de Presidente do De-
sembargo do Paço. Nomeado um dos governadores do Reino, até a chegada de D. João
IV. Ern 1641, conspirou contra o novo rei, aliciando o concurso de D. Luís de Meneses,
Marquês da Vila Real, e de seu sobrinho Ruy de Matos Noronha, l.o Conde de Arma-
mar. Arrr.ruol, Fortunato de. Op. cit. t. cit. p. 528, ó80,751-53,797. Bensose Me,cur.-
oo. Op. cit. t. III p. 693 Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, t. XVIII, p. 898-99.
s Natural da Ponte da Barca. Pilho de Jerônimo Barreto de Meneses, mestre de campo,
e D. Leonor da Silva. Entrou para o Colégio de S. Patio, em3ll7 11608. Compôs vários
poemas em latim, e publicou alguns. Foi cônego doutoral da Sé de Viseu, Deputado
do Santo Oftcio. Enciclopédia Portuguesa-Brasìleira. v. IV, p. 285.
ó Doutor em Cânones, era desembargador da Casa de Suplicação e deputado da Mesa
da Consciência. MoNrEmo, Prei Pedro. "Catálogo dos Deputados do Conselho Geral
da Santa Inquisição." ln: Documentos, Estatuíos e Memórias da Academia Real da
História Portuguesa. Lisboa, 1721. t. III, p. 7.
130 os óRGÃos rNsrITUcIoNAIs

aos 23lllll592,1 Bartolomeu da Fonseca, aos 31211598,2 M.at'


tinho Afonso de Melo, aos lll2ll598,3 Rodrigo Pires da Veiga,
aos 71811598,a Manoel Alvares Tavares,s aos 141511610, Anto-
nio Dias Cardoso, aos 141511610,ó Salvador de Mesquita, aos
2514116ll,7 D. Frei Cristovão d'Afonseca, deputado aos 3ll11612,8
Frei Manoel Coelho (O.P.), deputado aos 23l9ll6l4,e João Al-
vares Brandão, aos 301811617,10 Gaspar Pereira, aos 819116171r
e D. Prancisco de Bragança, deputado aos 81911617'12
Entre 1589 e 1620 contou o distrito de Lisboa com o con-
curso de 27 deputados: João Teixeira Cabral, que recebeu provisão
em28l4ll589;13 Lopo Soares de Albergaria, em 9/ll/1589, sendo
depois inquisidor em Évora, deixando o cargo por moléstia;ra
Marcos Gonçalves Frazão, feito deputado em 25illll596;1s Diogo
Vaz Pereira, em 121311596;16 Heitor Furtado de Mendonçao depu-

1 Foi depois Bispo de Elvas. Ausentando-se do Reino o Cardeal Alberto'


Inquisidor-Geral, por comissão sua aos 71811593, ficou presidindo o Conselho Ge'
ral. Logo depois, foi Inquisidor-Geral. Ibid.
2 Doutor em Cânones. Tinha sido Inquisidor em Goa e Coimbta. Ibid'
3 Doutor em Teologia, tinha sido Inquisidor em Évora, foi depois bispo de
Lamego. Ibid.
a Bacharel em Cânones, tinha sido Inquisidor em Coimbra e em Évora. Poi
depois bispo de Elvas. Iáid.
5 Havia sido Inquisidor em Évora e Lisboa. Ibid.
6 Licenciado em Cânones. Fôra Inquisidor em Coimbra e cm Lisboa, Ibid'
? Tinha sido Inquisidor em Évora e em Lisboa. 1àü.
I Reügioso da SS. Trindade, bispo de Nicomedia, havia sido prelado de To-
mar. Ibid.
e Mestre de Teologia do número de sua provincia. Pregador do Rei, havia
sido revedor e qualificador do Santo Ofïcio. Foi o primeiro que ocupou o
lugar que a Ordem dos Pregadores tinha perprétuo no Conselho Geral, conce-
dido por Pelipe lll. Ibid.
10 Doutor em Cânones, havia sido inquisidor em Coimbra e em Ê.vota. Ibid.
1r Doutor em Cânones, deputado da Mesa da Consciàrcia, havia sido ln-
quisidor em Évora e Coimbra. Ibid.
12 Bacharel em Cânones, comissário geral da Bula da Cruzada' Tinha sido
deputado da Inquisição de Lisboa e em Castela, membro do Conselho de
Estado. Ibid.
13 MoNrrmo, Frei Pedro. Op. cit. t. cit.
t4 lbid.
t5 Ibü.
16 lbid.
O TRIBUNAL DE LISBOA 131

tado em Évora, mudado para Lisboa em ll711596;1 D. Antonio Pe-


reira de Meneses, em l2l9ll598;, D.Francisco de Bragança, em
301911599. Foi porcionista de S. Paulo, deputado da Mesa da Cons-
ciência, cônego de Évora, deputado do Conselho Geral, Comissário-
-Geral da Bula da Cruzada, membro do Conselho de Portugal em Ma-
dri. Estava nomeado presidente da Mesa da Consciência, quando mor-
reu, em Coimbra;3 Domingos Riscado, teve provisão em 41211600;a
Frei Luis de Beja, da Ordem dos Eremitas de Sto. Agostinho, em
161211604;s Pedro de Castilho, em l8/l/1605; u D.Rodrigo da Cunha,
em 16/8/1608.7 Ruy Fernandes de Saldanha recebeu provisão em
211211608;8 Francisco Brito de Meneses, em 141511610; n D. Manoel
Pereira, em 18/10/1610;10 Dr. Gaspar Pereira, em lTlllll6ll;tr
D. João da Silva, em 11711617;12 Antonio Correa, vigário-geral
de Lisboa, também em ll711617;13 Manoel de Lucena, cônego de
Lisboa, no mesmo dia;la Pedro da Silva, em l0l7ll6l7;rs Pe.
Mestre Frei Antonio de Sousa, em 71411618;1ó Pe. Mestre Frei
Antonio Freire, em 411011617; 1? fuateus Peixoto, em 221211619; t8
1 MoNrrno, Frei Pedro. Op. cit. t. cit.
2 lbid.
3 lbid.
4 lbid.
5 Nasceu em Coimbra. Foi Mestre de Teolog;a. Ibid.
6 Era deão em Leiria. Ibíd.
1 lbid.
I lbid.
e 1óü. Nasceu em Lisboa, e morreu em Coimbra, em janeiro de ló31. Doutor em
Cânones. Foi Desembargador dos Agravos, Procurador dos padroados régios,
depois deputado e Visitador da Inquisição de Coimbra. Reitor da Universidade,
tomou posse em 211011624. Provisão de 23ll11625 ordenoulhe continuar a reforma
empreendida por D. Francisco de Mcneses e concedeuJhe as honras de Reformador.
XVI, p.
Encíclopëdia Portuguesa-Brasíleira. vol. 929.
t0 MoNTEno, Frei Pedro. Op. cit. loc. cít.
tr Foi depois Inquisidor de Coimbra e Deputado da Mesa da Consciência. /áü.
r2 Doutor em Teologia. Deputado promovido para o Conselho Geral. Capelão-mor.
Nomeado bispo de Viseu, nâo aceitou. .Iórd.
t3 lbid.
t4 lbid.
15 Foi depois Inquisidor, membro do Conselho Geral. Nomeado por D. João IV
bispo de Portalegre, não aceitotJ, Ibid.
ró Dominicano. Foi depois membro do Conselho Geral, aonde ocupou o lugar
reservado a sua Ordem. Ibid.
17 Pertenceu à Ordem dos Eremitas de Sto. Agostinho. Ibid.
tt lbid.
132 os óRGÃos rNSrIrucIoNAIs

Francisco Pereira Pinto, em 191211620;r Diogo Osório de Castro,


em71511620;2 Pe. Mestre Frei João de Valadares;3 D. Diogo Lobo,
em 15/10/1620,a e D. João Pereira, em 20lllll620.s
As principais atribuições dos deputados dos Tribunais eram:
assistir aos Inquisidores com seus conhecimentos, assessorando-os
nos despachos dos processos, votando nas sentenças definitivas
e nas interlocutórias que tivessem força de decisão. Podiam pedir
aos Inquisidores que os chamassem no momento em que fizessem
audiência aos presos, para aprender como proceder. Vindo o réu
à Mesa, podiam os Deputados fazerlhe as perguntas que achassem
necessárias, para melhor instruir suas causas e nelas votar com
maior segurança. Cuidavam as leis de que várias cabeças julgassem
os réus. Iniciavam-se os deputados nas práticas do Santo Ofïcio.
Observavam eles os procedimentos comuns. Procuravam inteirar-
-se. de todos os aspectos dos casos em pauta, antes de exararem
seu parecer. Transparece disso tudo uma preocupação de acertar,
uma ausência de improvisações. ó i

O Regimento da Inquisição de 1613 determinava que em cada


Tribunal houvesse três deputados salariados, com voto decisi-
vo, e os mais sem salário em número ao arbítrio do Inquisidor-
-Geral.7
Deviam os deputados guardar as disposições hierárquicas
vigentesno Tribunal: no assento e voto tinham de observar as
precedências da cadeira que ocupavam, e só podiam assistir ao des-
pacho ordinário quando para isso fossem especificamente chamados. 8
Embora pudessem proceder na diligência fora dos Tribunais, quando

1 Governadôr da Abadia de Alcobaça. Foi membro do Conselho de Estado em Madri,


e Bispo eleito do Porto. Ibid. Agente de Portugal em Roma de 1610/1613. Deixou de
ser conhrnìado na diocese do Porto, para a qual loi indicado por Felipe IV, em 1639,
por causzt'da Restauração. Enciclopédia Portuguesa-Brasileita, v. XXI p. 808.
2 Poi Tesoureiro-mor de Lamego, e depois Deputado do Conselho Geral. MoNrEno,
Frei Pedro. Op. cit. loc. cit.
3 Pertenceu à Ordem dos Eremitas de Sto. Agostinho. Pregador do Rei em 1621, e
Bispo eleito de Miranda e Porto em 1628. Da sua nomeação para deputado da In-
quisição de Lisboa, nâo consta assento nos Livros do Tribunal, apenas nos registos
de sua Ordem. Monreno, Frei Pedro. Op. cit. loc. cit.
a Deputado da inquisição de Coimbra, mudado para a de Lisboa, onde foi depois
Inquisidor. Prior-r'or de Palmela e Bispo de Viseu. Iórd.
s lbid.
6 ANïT, códice n.o 974 dos Ms.
? RrcruErto on 1613. tit. I, cap. 2. Loc. cit. p.24.
8 Id. tit. V, cap. 24, p. 50
O TRIBUNAL DE LISBOA 133

mandados, e receber denúncias, na ausência dos Inquisidores, só


podiam exercer funções munidos de comissão expressa do Inquisidor-
-Geral.t
Porque o Tribunal de Lisboa era o distrito mais importante
do Santo Oficio português, seus membros traziam, ao ingressar
nele, as experiências das suas atuações nos outros distritos. Os
inquisidores Antônio Dias Cardoso, João Álvares Brandão, D.
Francisco de Menezes, Rodrigo Fernandes de Saldanha, Sebastião
de Matos Noronha, tinham exercido o mesmo cargo em Coimbra.
Pelo Tribunal de Évora, passaram Salvador de Mèsquita, Manoel
Pereira; Simão Barreto de Menezes passou por ambos os tribunais.
Os deputados Lopo Soares de Albergaria, Francisco Brito de Me-
nezes, Gaspar Pereira, Diogo Lobo, foram guindados do Tribunal
lisboeta ao posto de inquisidores, em Évora e Coimbra.
A passagem por Lisboa abriu para muitos o ingresso no Con-
selho Geral: foi o que sucedeu com Simão Barreto de Menezes,
Manoel Alvares Tavares, Antonio Dias Cardoso, Salvador de Mes-
quita, João Alvares Brandão e Rodrigo Fernandes de Saldanha,
entre os inquisidores, e com o deputado João da Silva.
Os cargos inquisitoriais abriram também ingresso em dio-
ceses e em altos cargos eçlesiásticos e civis. É verdade que trou-
xeram alguns o crédito de serviços prestados em posições importan-
tes do clero: Antonio Dias Cardoso fora cônego doutoral da Sé de
Évora; Simão Barreto de Meneses, da Sé deaiseu, D. Francisco
de Sampaio, cônego de Évora e Comissário Geral da Bula da Cruzada,
D. João da Silva, capelão-mor.
Depois de terem servido ao distrito do Santo Ofïcio de Lisboa,
D. Rodrigo da Cunha foi bispo de Portalegre e do Porto, arcebispo
de Braga, Primaz das Espanhas, Arcebispo de Lisboa; D. Francisco
de Menezes, bispo de Leiria e do Algarve; Pero da Silva de Sampaio,
bispo da Bahia; Sebastião de Matos Noronha, bispo de Elvas e
arcebispo de Braga; D. João da Silva foi nomeado para o bispado
de Viseu e Francisco Pereira Pinto eleito bispo do Porto.
D. Antonio Pereira de Menezes integrou o Conselho de Es-
tado em Castela. A mesma posição ocuparam também D. Rodrigo da
Cunha e Francisco Pereira Pinto. D. Francisco de Bragança, além
de membro do Conselho de Estado em Madri, foi deputado da Mesa
da Consciência. Francisco Brito de Menezes foi Desembargador
I RrcurNro os ì613. tit. I, cap. 2. Loc. cit. p.24.
134 os óncÃos rNsrrrucroNArs

dos Agravos, Procurador dos Padroados Régios, Reitor da Univer-


sidade de Coimbra e seu reformador. Diogo Osório de Castro foi
tesoureiro-mor de Lamego.
A carreira dentro da Inquisição e do alto clero e os postos
de relevo na administração, depois da passagem pelo Tribunal
de Lisboa, Íìcaram a indicar ter sido a Inquisição um meio de as-
censão e destaque social, bem como as relações harmoniosas dos
altos dignitários da Inquisição com o Trono. Lealdade ao Rei, ao
Trono português. Durante o governo espanhol, a Inquisição resis-
tiu a qualquer tentativa de absorção por Castela. E o Tribunal de
Lisboa não discrepou do todo institucional.
b. Competência
O Brasil foi incluído na vigilância do Tribunal Inquisitorial
de Lisboa.
O Tribunal metropolitano tinha sua competência estendida
sobre o Brasil ratione loci, ratione materiae e ratione personae.
Por que Lisboa? Provavelmente, simples articulação adminis-
trativa, que o uso consagrava mesmo antes da incorporação, ao
Tribunal lisboeta, dos senhorios portugueses, pelas Comissões do
Cardeal Rei.
Razões de ordem geográhca, amparando determinada .con-
juntura sócio-econômica, transformaram Lisboa num enorÍne sor-
vedouro de homens, de seus haveres e de seus interesses. Atraía-os,
necessariamente, quer proviessem do continente ou de terras
banhadas pelas águas oceânicas. Lisboa regia os destinos do
Imperio Português. Imperio também feito de crenças e de sen-
timentos.
Para melhor administrar as consciências coloniais, o Brasil
foi incluído na area jurídica da Inquisição metropolitana, como o
foram também as Ilhas e a África. Apenas Goa teve Tribunal pró-
prio. Por quê?
Muitos dos senhorios e das possessões portuguesas ofereciam
problemas idênticos para a Fé. Na ínea de colonização, o perigo
era o sincretismo religioso, fruto da convivência dos europeus
com as populações nativas. Nas próprias feitorias comerciais afri-
canas, cuja posse dependia da fixação de um certo contingente por-
tuguês, muitas deviam ser as solicitações para o afrouxamento da
ortodoxia. A distância, associada à atenuação das pressões sociais,
favorecia o desmaio das crenças e diminuía a regularidade das prá-
O TRIBUNAL DE LISBOA 135

ticas religiosas onde a assistência eclesiástica era mais precária.


Por que Tribunal apenas em Goa?
Possivelmente, porque no momento da criação dos Tribunais
apenas os dominios asiáticos ofereciam núcleo de colonização
considerável, e uma cultura nativa suficientemente definida e firmada
para constituir ameaça às idéias dos portugueses. África, Ilhas,
Brasil, abrigavam apenas um punhado de brancos que ali teimavam
em sobreviver.
No Íim do primeiro século, firmava-se a colonização. Então,
talvez, as necessidades da colônia tenham pressionado a Corte e
orientado os fatos. Diante das diÍìculdades do Reino e do abalo
à integridade do seu Império Ultramarino, a Inquisição Portuguesa
teria concordado em seguir certas diretrizes preconizadas pelo
Trono - com quem estava aliás comprometida - e defender os
interesses dos colonizadores. I Defesa por omissão: os Inquisidores
não pressionaram no sentido de instalar no Brasil o Tribunal da
Fé. Cuidaram, no entanto, para que não aumentasse na Colônia
o número de hebreus. Usaram todos os seus recursos para que não
fossem revogadas as leis que impediam a saída dos cristãos-novos
do Reino. Sobressalto das consciências religiosas dos diretores do
Santo Oficio, que ter-se-iam contentado com uma certa vigilância
sobre as crenças, deve ter ocasionado as Visitações do Brasil, son-
dagens periódicas da integridade da fé, como teria feito colocar
em pontos diversos da escala geográfica e social da Colônia agentes
inquisitoriais.
Tudo leva a crer que, em defesa principalmente da unidade
política, Pelipe IV ter-se-ia decidido, na segunda década do século
XVII, pela criação do Tribunal da Fé no Brasil. Defesa do exclusivo
sobre a Colônia.
A monarquia ecumênica se desagregaya. Temia-se pela in-
tegridade do mundo colonial, assediado pelos novos senhores do
Oceano. Os cristãos-novos eram traidores em potencial, dada a
convergência de interesses comerciais com flamengos luteranos ou
judiófilos.2
I Uma prova: a atitude do Conselho Geral com o comerciante João Nunes, con-
tratador, residente em Pemambuco. Ver a respeito, nosso trabalho .,O comerciante
João Nunes". Anais do Simpósio da APHU. Campinas, 1969. p. 231.
2 Ver a respeito da possível cumplicidade dos cristãos novos com os holandeses
na
Bahia, Pnervç1, Eduardo d'Oliveira. "Um problema: a traição dos cristãos novos
em 1624". Revísta de História. S. Paulo, 1970. v. XLI n.o 83. p.2l-72.
136 os óRGÃos rNsrlrucroNArs

O rei passou a pensar seriamente no estabelecimento de um


Tribunal no Brasil. Os viajantes que por aqui andavam eram por-
tadores de notícias alarmantes: "... mas não há aqui Inquisição, o
que é motivo de haver tão grande número de cristãos-novos que são
judeus ou raças de judeus que se faziam cristãos". 1 Já circulavam
então, por estas plagas, notícias das intenções do Rei: "Dizia-se
então que el-rei de Espanha queria estabelecer ali uma casa da In-
quisição, de que todos esses judeus estavam mui amedrontados"
testemunhava Pyrard de Laval depois de haver estado dois meses
na Bahia, em 1610. 2
Rumores sobre o mesmo assunto teriam chegado às Províncias
Espanholas. Os Inquisidores do Peru escreveram ao Conselho do
Santo Oficio na Espanha inquirindo sobre a veracidade da chegada
ao Brasil de uma Inquisição:
"Por no haber tenido aviso de Va.Sa. de la venida de esta In-
quisición al Brasil ni carta suya, ni lq de los .ínquisidores de
Portugal hemos estado con algún recelo no sea otro embuste como
el que tuvo Saavedra en la fundnción de la Inquisición en Portu-
gal".z
Felipe IV consultou o Inquisidor-Geral de Portugal sobre
a viabilidade da criação do Tribunal. De Madri, aos 22 de julho
de 1621, escrevia:
"Fez-se-me relação que por haver crescido muito a povoação
no Estado do Brasil, e por a qualídade da gente que vive naquele
Estado, imporÍaria no serviço de Deus e meu haver nele alguns
Oficiais da {nquisição residentes, e porque eu desejo muito que
em todos os meus Reinos e Senhorios se trate com o devido cuidado,
da pureza e conservação da nossa Fé Católica, como primeira
e principal obrigação minha, e de castigar prontqmente os que
coníra ela delinquiram, vos encomendo e encqrrego muito, que
íratqndo com os Deputados do Conselho Geral do Santo Ofício
se convird introduzir no Brasil ministros dele que assistam na-
quele Estado de contínuo, e quaes serão bastantes, ordeneìs que,
do que parece se faça consulta, que com o vosso mo enviareis".a

1 Viagem de Francisco Pyrad de Laval. Porto, 1944. t. II, p.228.


2 lbid.
3 Documentação Espanhola. Anais do Museu Paulista. t. II, p. 13.
4 ANo*.ron E Su-vl, I. J. Coleção Cronológica da l*gislação Portuguesa (1620-1633).
Lisboa, 1855. p. 50.
O TRIBUNAL DE LISBOA I37

Aos 4 de dezembro de 1621, o Inquisidor respondeu, mostrando


pouco entusiasmo pela sugestão. Apesar disso, aos 9 de fevereiro de
7622, o Rei ordenou o estabelecimento de um Tribunal no Brasil. r
Por sua vez, o Conselho Geral do Santo Oficio português,
aos l0 de setembro de 1622, fez ver ao Rei a dificuldade de tal esta-
belecimento. O monarca insistiu: ". . . hei por bem que a resoluçâo
tomada passe adiante por quanto se não apresenta de novo cousa
que obrigue a altera-la".2 A Inquisição vergou diante do Trono.
De 20 de outubro de 1622 é a seguinte minuta enviada pelo Rei
à Inquisição.
"Resolveu V.M. por consulía do Conselho de Portugal que no
Brasil se uiasse um Tribunal do Santo Ofício e que fôsse In-
quisidor o Bispo dalí e seus adjuntos os desembargadores da
Relação da Bahia que não tivessem impedimento e que se crìas-
sem os demaìs oficiais necessarios, deu-se conta dessa resolução
ao Inquisidor de Portugal e Conselho da ínquisição. E dizem que
tem inconveniente nomear o Bispo porque por ser aquêle Bispado
muito dilatado não poderá acudir a um e a outro qdemais porque es-
lando as duas jurisdições num, poderia prejudicar a um e a outra. Os
governadores dizem que o Bispo o fara bem se se nolmear um
deputado que assista na Bahia e que os salarios dos oficiais hão
de ser à custa de S.M. enquanto Íiver condenações do fisco. O
Conselho ë do mesmo parecer e que se ordene que em cada lugar
não haja mais de dois familiares e sôbre as isenções que êstes
hão de ter se juntem um desembargador do palacio e um depu-
tado do Sto. Ofício. E da resolução que nisto se tomar se dara
conta a V.M.".3
Os Inquisidores fizeram ressalvas à organização do Tribunal
proposta pelo soberano, uma vez que o Tribunal a ser criado en-
caixar-se-ia na mesma linha de seus congêneres metropolitanos,
onde a autoridade dos oficiais apoiava-se na dos funcionários ré-
gios. O seu recrutamento especíÍico, previsto na minuta, talvez
possa ser explicado pela carência de elementos humanos aptos a
desempenhar funções de tal responsabilidade. Os mais bem dotados
culturalmente eram, indiscutivelmente, os jesuitas, mas estes esta-
vam empenhados em outra messe, e não tinham maior interesse na
Inquisição.
I Ponrlnrns. Cenrm DEL REL ANTT Caixa n.o 12, docs. n.o 125 e 34.
2 lbid. doc. n.o 35.
3 "Consultas tocantes a Portugal." cod. 323, foL 97. Egertoniana (col.) Londres.
British Museum.
138 os óncÃos r\srlrucloNAls

Esta maior dependência do Trono talvez tivesse sido o prin-


cipal ponto dc discordância da lnquisição portuguesa que, em-
bora submissa ao Rei, esteve mais ciosa do que nunca, durante a
união peninsular, em manter e acrescentar sua autoridade. No Santo
Oficio, houve, durante os anos hlipinos, um inquisitorialismo, aliado
a um portuguesismo, que ditou resistências, quando o Rei quis
usar o Tribunal para Íins diversos, como o financeiro, no momento
em que a Corte de Madri negociara, por 170 mil cruzados do serviço
voluntário, a faculdade dos cristãos-novos saírem de Portugal, dis-
porem livremente de seus bens, e a suspensão de todos os processos
que por quaisquer motivos se houvesse intentado contra eles. Com
essas determinações, a política espanhola solapava a autoridade do
Santo Oficio, sulcando-a de brechas por onde se escoava sua força
moral e jurídica. Logo em seguida, quando os cristãos-novos ofere-
ceram ao Rei I milhão e setecentos mil cruzados, e a desistência
dos 225.000 cruzados que lhes devia o erário régio em troca de um
perdão de Roma para as culpas de heresia e apostasia, levanta-
ram-se os Inquisidores, arrastando consigo, num protesto, clero e
ordens religiosas, que dos púlpitos exacerbavam a irritação do povo.
Um dos cinco regentes de Portugal no tempo - D. Miguel de Cas-
tro, arcebispo de Lisboa, foi a Madri, acompanhado pelos arcebis-
pos de Évora e Braga, também membros do Tribunal, D. Teotonio
de Bragança e Frei Agostinho da Cruz, solicitar o indeferimento
do pedido. Seus argumentos persuasivos foram acompanhados da
oferta de 800.000 cruzados de serviço voluntário, que o Reino se
comprometia a pagar para o não atendimento das pretensões dos
I
conversos.
Por problemas de autoridade ou por outros quaisquer mo-
tivos que chocassem com seus interesses, a Inquisição portuguesa
não se interessava, no início do século XVII, em estabelecer um
Tribunal no Brasil.2 Os negócios com o rei devem ter Íìcado sus-
pensos. Aos 6 de abril de 1623, Pelipe, em Carta ao Inquisidor-
-Geral, reclama uma resposta sobre o assunto. 3 Depois, mais nada.

I O Memorial apresentado ao Rei na ocasião tem cópia na Biblioteca Geral da Uni-


versidade de Coimbra. Ms. 1485, fol. 179 a 187.
2 Ou tal atitude seria resultante da pressão dos cristâos novos do Brasil? Significa-
tivas são as palavras de Miguel Jorge: "há 90 anos o Brasil estava descoberto e nunca
nele houvera o Santo Oficio, e que bem pudera agora também escusarl' h.tqutstçÂo
or Lrssol. ANfi. proc. n.' 12 935.
3 Ponrenns. CARTAs DEL REI. Caixa n.o 13, doc. n." 37.
O TRIBUNAL DE LISBOA 139

A idéia ficou no planejamento. Talvez a presença dos flamengos na


Bahia e em Pernambuco tenha sido o grande obstáculo à concretiza-
ção do plano. Depois, passadas as intempéries, sobreveio a Restau-
ração. Reinstalada a autoridade portuguesa, solidificada a Colônia
na sua organização sócio-econômica, multiplicado por várias vezes
o número de seus habitantes, entrado já estava o século XVIII.
O Brasil teria erigido uma sociedade aberta a todas as influên-
cias - heterodoxas também - mas o clima da Metrópole modifi-
cava-se. Abrandava-se. Abrandava o rigor da ortodoxia. Não in-
teressava tanto àqueles homens, seduzidos pela tolerância difusa nas
idéias do tempo, a criação de novos centros de vigilância das cons-
ciências. Passara a oportunidade da ereção de Tribunais nas Colonias.
No Brasil ficaram tão só os agentes do Tribunal da Fé, olhos
vigilantes voltados para as heterodoxias - dependentes sempre da
sede metropolitana. Talvez pela ausência de Tribunal, a Colônia
não tenha sentido aquele clima de inseguranças e incertezas que
poderia ter impedido ou diÍìcultado a afirmação de sua individua-
lidade.
O Tribunal de Lisboa exercia sua alçada sobre os delitos da here-
sia, que podiam se apresentar sob múltiplas formas: ritos e cerimônias
luteranas, maometanas e judaicas, práticas de feitiçarias, sortilégios,
bigamia, sodomia, molície, bestialidade e solicitação. Mais: blas-
fêmias, apostasia.
Todos estavam incursos, desde que fossem cristãos, portanto
que pertencessem ao Corpo Místico. Não importava seu grau,
ordem, condição ou preeminência. Admitia-se o procedimento
contra os religiosos, comunicando o fato ao seu superior. O Tri-
bunal podia proceder contra seus próprios oficiais, se desonestos
em seus deveres. Procediam contra os inculpados de heresia, e contra
aqueles que, direta ou indiretamente, pública ou secretamente, pres-
tassem ajuda, conselho, ou favores aos hereges. No Brasil, hcavam
excluídos apenas os índios ainda não batizados.

c. Exercício dn jurisdição no Brasil


O Tribunal de Lisboa atuava diretamente sobre o Brasil, atra-
vés do Bispo e de seus assessores, bem como dos oÍìciais da Inquisi-
ção aqui sediados.l De tempos em tempcis vinham agentes itine-

t 1 Ver p. 144 "Agentes no Brasil."


lq os óRGÃos rNsTrrucroNArs

rantes - os Visitadores - para verificar o estado das consciências


coloniais. I
A Colônia estava numa dependência funcional de Lisboa.
Em Lisboa, sediava-se a administração do país. Nos arquivos
de Lisboa, fìcaram os processos dos réus2 e as habilitações3 aos
quadros do Santo OÍïcio existentes no Brasil. Nessa documenta-
ção, teriam o Rei e a Igreja, em linhas bem nítidas, o teor de vida
e a densidade religiosa da Colônia. Sobretudo teriam possibilidade
de perceber, manuseando os registros, com a isenção de ânimo
que a ausência de compromissos locais garantiria, os problemas
de periculosidade social que surgissem, e pudessem ameaçar a uni-
dade da província. O desfile do cotidiano encerrado nas peças
inquisitoriais seria sempre fiel retrato do Brasil: dos vassalos fiéis
e dos inimigos em potencial; dos homens ricos e dos que ascendiam
com inusitada rapidez. Registos de lealdades e de desserviços a
Deus e ao Monarca, que poderiam ter implicações graves.
Os Inquisidores de Lisboa responsabilizaram-se pela integri-
dade da ortodoxia das regiões de além-mar. Por isso, aos juízes
daquela cidade foram prestar contas de seus desvios elementos
que viveram no Brasil. Processos como os de Ana Rodrigues,a
João Nunes, s ou do Padre de Ouro, ó iniciaram-se cá e foram termi-
nar na Igreja de São Domingos, ou às margens da Ribeira. Muitas
vezes, indivíduos que viviam na África foram trazidos primeiro para
o Brasil, com o sumário de suas culpas, para depois serem enca-
minhados para Lisboa. Assim aconteceu com Manuel Homem de
Carvalho, por exemplo. T Os Arquivos daquele Tribunal guardam
nome e deslizes de I 157 moradores destas partes do Reino. Muitos
mais, talvez, ali se encontrassem, não fora a destruição de meado
do século XVIIL Processos, listas de autos-de-fé, repertórios gerais
de presos, livros de despesas com presos pobres e com presos ricos,
livros de entrada e saída de presos, livros de seqüestros, livros de

1 Ver adiante o capítulo "As Visitações".


2 Nos arquivos da Inquisição de Lisboa estão contidos 1.157 processos de réus mo-
radores no Brasil.
3 2.606 pessoas do Brasil habilitaram-se a cargos do Santo Oficio, conforme pro-
cessos existentes no Tribunal de Lisboa, no ANTT.
4 lNqursrçÃo or Lrsnol, ANTT. proc. n." 12242.
s Id. proc. n.' 1 491.
6 Id. proc. n.o 5 158.
1 Id. proc. n.' 3 157.
O TRIBUNAL DE LISBOA I4I
solicitantes, e do nefando, registos da correspondência com o In-
quisidor-Geral e com o Conselho, livros de juramento de familia-
res, toda essa farta documentação da vida do Tribunal de Lisboa
está pontilhada de nomes oriundos da Colônia. Em certos casos,
muitos e muitos nomes, como num dos repertórios gerais de presos,
que abrange a última década do século XVII, e as duas primeiras
do século XVIII, que contém nas suas 382 páginas 2 097 registos
de pessoas do Brasil entre as 3 585 arroladas.r
Até o século XVIII, dirigiam-se aos Inquisidores de Lisboa
oficiais do Santo Oficio sediados na Colônia. A carta do Comis-
sário Antonio Pires Gonçalves, da Bahia, encaminhando denún-
cias feitas pelo capitão Hyeronimo Monteiro da Silva 2 aos juízes
de Lisboa, reafirma a estrita ligação do Brasil com aquele Tribunal,
o mesmo que em setembro de 1645 cometera ao Pe. Prancisco
Carneiro, provincial da Companhia de Jesus em Salvador, a ins-
talação de uma diligência contra a herética pravidade a apostasia
naquela cidade.3
Essa dependência do Tribunal de Lisboa, no entanto, não
foi absoluta. Muitos agentes do Santo Oficio já chegavam à Colônia
habilitados eventualmente pelo Tribunal de Évora ou pelo de Coim-
bra. Um grupo de habitantes do Brasil, outrossim, refugia à juris-
dição do órgão lisboeta: o dos estantes. Homens que em função
de suas mercancias viviam tempos aqui, tempos na Metrópole, ou
em África ou mesmo nas Ilhas. a Se delitos cometessem nesses seus
longos trajetos - e cometiam-nos, graves, muitas vezess - iriam
responder por eles nos distritos em que eram moradores.
Sujeição administrativa é uma cousa consagrada por lei e
pelo direito. Submissão espiritual ao Tribunal de Lisboa é outra,
diferente, que se enraizava mais na própria vida, na maneira de
I ANTT, E. 144, p. 2.
2 LIvno DE CoRRESpoNIÊNcn cou os lNqurstoonss. E. 144, P.l. 12ll2ll'108.
ANTT.
3 Clonr.ro Do PRoMoroR n.'29. Inédito. ANTT.
a "Confissões da Bahia (1618)" contém uma série de exemplos, como os de Afonso
Dias Henriques, Manuel Sanches, Jeronimo Henriques, Manoel Homem. Srcuuol
VrsrreçÃo oo Slxro OrÍcro Às pÁRrES Do Bresir-. "ConÍìssões da Bahia (1618)."
Anaís do Museu Paulista. S. Paulo, 1963. t. XVII, p.509-10;507,515-517, respecti-
vamente.
s Manoel Homem de Carvalho é exemplo bem característico. V. sua Confissão.
Op. cít. loc. cit.
142 os óRGÃos rNsrrrucroNArs

senti-la e de vivêJa. Quais os liames que teriam prendido os ho-


mens radicados no Brasil ao Santo Oficio de Lisboa?
Os compromissos psicológicos que os habitantes da Colônia
mantinham em relação à Inquisição eram tanto mais acentuados
quanto mais forte o sentido da provisoriedade de sua permanência
no Brasil. Pioneiros de horizontes desconhecidos, muitas vezes ad-
versos, reservavam-se os homens, quando podiam, o direito de
retorno. Dessa idéia constante da volta queixava-se Frei Vicente,
já entrado o século XVII, referindo-se ao entrave que ela consistia
para o desenvolvimento da terra. 1 Nos primeiros tempos, falta-
vam raízes que prendessem efetivamente os portugueses à terra. O
Brasil era um mal imposto, ou mal necessário. Mas sempre um mal
transitório. As próprias povoações surgiam em sítios que favore-
cessem contactos com o Velho Mundo. E a idéia de possibilidade de
contactos com a Europa transparece nítida nos primeiros cronis-
tas. Isso devia serlhes reconfortante, psicologicamente. Voltar
significaria, eventualmente, prestar contas ao Tribunal da Fé do
que se fizera no tempo de ausência.
Como não se desprendiam do Reino, ávidos, hauriam todas
as notícias que lhes chegavam a cada nova âncora que fundeava,
a cada nova aportação humana que se derramava pela terra. Em
meio às novidades, vinham lá algumas sobre autos-de-fé realizados
pomposamente, ou o conhecimento de nomes de amigos, e mesmo
de parentes, que deles teriam participado. Assim, Domingos Afonso,
morador em Paraguaçu, contava a Fernão Ribeiro de Souza que
tinham queimado em Lisboa a um tio de Diogo Lopes Ilhoa.2 Do
mesmo modo, soube-se na Bahia ter sido queimada tia de Pero Tei-
xeira3 e que o mestre Roque, cristão-novo preso na Inquisição de
Évora, tinha se degolado com um pedaço de vidro nos cárceres daque-
la cidade. a Duarte Mendes, recebendo do Reino notícia que a Inqui-
sição tinha queimado seu pai, foi consolado por seu primo Diogo Fer-
nandes, com as palavras: "Não choreis, primo, que morreu pela hon-
ra". s Pairava ainda sobre este lado do Atlântico a sombra do
Tribunal.
I Srtveoon, Prei Vicente de. História do Brasil. S. Paulo, 1954. 4.^ ed. cap. II, p. 43.
2 Pnwrrnl VrsrrlçÃo po Sro. OrÍcro ls pARTEs Do BRÂsIL. "Denunciações da Búia
(1591)." S. Paulo, 1925. p. 281.
3 Id. p.322.
a Id. p.345.
5 Id. p. 516.
O TRIBUNAL DE LISBOA I43

Aqueles habitantes que, obrigados pelas leis civis ou inqui-


sitoriais, viviam no Brasil suas p€nas de desterro,l como os cristãos-
-novos Branca Dias e Diogo Fernandes, por exemplo,2 e.aqueles
que para aqui tinham fugido, para evitar o ajuste de contas com a
Inquisição na Metrópole, como Francisco Mendes Leão, fugido
de Beja,3 Tristão Mendes, fugido de Bragança,4 ou Henrique
Gomes e sua família, fugidos da Galiza,s não deviam estar, obvia-
mente, muito presos ao Reino. Mas, com ceÍteza, temeriam que se
estendessem até aqui os braços do Santo Oficio. O pavor que experi-
mentaram alguns à menção da chegada do Visitador ao Brasil,
desencadeou fugas para o interior ou para outras capitanias' das
quais o deslocamento de Jeronimo Monteiro, da Paraíba para Per-
nambuco,6 é apenas um exemplo. Sobre estes, a jurisdição inqui-
sitorial pesava como uma ameaça. Ameaça incômoda, que extra-
vasava-se muitas vezes em irritações contra o Tribunal, como o
do cristão-novo João Batista, que, perante o arcediago de Salva-
dor, mandou a Inquisição aos diabos, T ou em lamentos como o de
Dona Leonor Teles, ao saber da prisão de parentes: "Jesus, estáva-
mos quietos!"8
A presença da Inquisição era uma constante nas mentes. Inú-
meros os casos de advertências feitas em conversas sobre os concei-
tos emitidos serem casos do Santo Oficio, como na discussão entre
Antonio Trevisan e Mateus Pernandes sobre a fornicação' e
Fazia-se sentir, ainda nos primeiros tempos da colonização,
forte dependência cultural do Reino. Valores metropolitanos ainda
eram muito sensíveis na Colônia. Uma prova: Belchior Mendes
de Azevedo, dizendo-se Oficial da Inquisição, extorquir de Cibaldo
Lins uma caixa de açúcares, e de Tomás Lopes, sob ameaça de pri-
são, vinho e dinheiro. 10
1 No início do sec. XVII. Assento sobre os degredados que iam para África estabele-
cia que no caso de não cumprirem sua pena, poderiam ir servir no Brasil. l7lsllffil.
Lers VÁruls (Ms. da Casa de Cadaval). v. 2, cod. 3995 (K VI 5)' fl. 116v.
2 Pnncne VtsruçÃo oo SlNro Oricro Às PARTEs Do Bnesu,. "Denunciações de
Pernambuco (1593-1595)." S. Paulo, 1929. p. 44'
3 Id. p. 12.
a Id. p. 482.
5 Id. p. 405.
6 Id. p. 404.
? "Denunciações da Bahia (1591)". p.267.
I
I Id. p. 546.
e IxqursrçÃo pB Lrsno,l. ANTT. Proc. n.' 6.351.
I
ro "Denunciações de Pernambuco". p. 62 e ffi, r€spectivamente.
l4 os óRGÃos rNsrrrucroNArs

Outros tentavam resolver seus problemas com ameaças de


denúncia ao Santo Oficio, como Felipa Raposa, que ameaçava seu
marido Bento Teixeira, tentando desta forma intimidálo, e com
isso resolver seu desajuste matrimonial. 1 No entanto, pouco a pouco,
mudavam as mentalidades.
Novas gerações apareciam com o correr dos anos. Os mamelu-
cos, não obstante a ânsia de copiar modelos brancos, forjavam uma
mentalidade diversa, onde não entrava nem a nostalgia dos mazombos
nem o banzo dos pretos. Seus valores eram outros: prendiam-se
ao novo mundo, e escapavam do impacto das pressões que o am-
biente reinol fixara nos seus hlhos. As populações mestiças e as
crioulas mais aquelas que estas apresentavam menores dis-
- -
ponibilidades de defenderem-se psiquicamente do Santo OÍïcio.
Eram punhados de almas que refugiam ao domínio do Tribunal.

2. Os Agentes no Brasil
a. O Bispo e seus Assessores
A necessidade de combater a heresia e a apostasia, e de cris-
tianizar os homens, era problema da Igreja tridentina e do Trono
absoluto. Era de mister manter a Cristandade e a unidade do Im-
pério Ultramarino.
Autoridades civis e autoridades religiosas empenharam-se, nos
primeiros tempos da vida brasileira, em zelar pela ortodoxia da
crenç4.
Do problema dos hereges e apóstatas e dos cristãos que se
tornavam judeus, ocupavam-se as Ordenações Filipinas no seu
Livro V, tit. 1."; dos que arrenegassem ou blasfemassem de Deus e
dos Santos, tit. II; dos feiticeiros, tit. III; dos sodomíticos, tit. XIII;
dos bígamos, tit. XIX.2 O direito canônico ocupava-se dos mes-
mos delitos nos cânones 2356, 2323, 2314 a 2316 e 2314, respectiva-
mente.3
Das provisões dos vigários das vilas recém-criadas ou das
cidades acabadas de fundar, deviam constar instruções especí-
ficas para a manutenção da integridade da fé. Resguardava-se à au-

I lnqursrçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n.' 5 206.


2 OnoEN.lçõEs s Lrrs oo Rrno oE Porruclr REcoprLADAs poR MÀNDADo o'EI--Rrt
D. FELrpE, o I. Coimbra, 1865. 13." ed. p. 165, 166,167,180, 186, respectivamente.
3 GtceNtrs, Josê Antonio Martins: "Instüuições do Direito Canônico". Braga,
1955. 3.' ed. v. III, p. 494-95,501, 433 respectivamente.
OS AGENTES NOBRASIL I45

toridade metropolitana a obrigatoriedade de enviar ao Reino os


que chegassem a perturbar a relativa uniformidade espiritual em
que devia imergir a Colônia.
Em 1546, o Vigário de Porto Seguro, assessorado pelo Pe. Ma-
noel Colaço e pelo juiz ordinário - Pero Anes Vicente - procede-
ram, em nome de Deus, do Sto. Padre, do Rei e da Inquisição, contra
Pero de Campos Tourinho. Posteriormente, o donatário e os autos das
inquisições foram encaminhados ao Tribunal de Lisboa.l
Até l55l usaram os membros da hierarquia eclesiástica que
na Colônia viviam, certamente por delegação, o direito do Ordi-
nário em proceder contra os hereges e apóstatas,2 investidos das
funções inquisitoriais.3 Apoiavam-se no poder civil, conforme de-
terminavam as mesmas leis. a A presença do juiz Pero Anes Vicente
no processo de Tourinho é elucidativa.
A Bula "Super specula militantis Ecclesiae" s criou, aos 25 de
janeiro de 1551, o Bispado do Brasil, com sede em Salvador e jurisdi-
ção em todas as terras e partes da Colônia, separando assim o
Brasil da diocese do Funchal, a que pertencia desde 1514. ó O
I Cf. documentos publ. por C. Malheiro Dias. HCPB. Porto, 1924, l, p. 2'11-283,
citando trechos do proc. 8.821 da Inq. de Lisboa. Em1962, o referido processo não se
encontrava no ANTT sob a referida quota nem nos arquivos da Inquisição de Lisboa.
Tampouco nos do Sto. Oficio de Évora ou Coimbra. O processo citado não foi en-
contrado também entre os apartados.
2 "O conhecimento do crime de heresia pertence principalmente aos juízes eclesiás-
ticos . . ." OnonNeçõrs FELrprNAs. L. V, tit. I. parte I . Oro. MeNuu-rNAs. L. V, tit. l, $ 1.
3 Dez anos antes da Comissão de D. Henrique a D. Antonio Barreiros, o bispo D.
Pedro Leitão delegava ao Pe. Mateus Nunes, Vigário e Cura da Cidade do Rio de
Janeiro poderes inquisitoriais: ". . . para que em nosso nome possa repreender, cas-
tigar, sentenciar todos aqueles que viverem mal . . . e assim mais entenderá nos casos
da Santa Inquisição os quais sentenciará e deles apelará para nós ou nc
Geral para nisso provermos o que nos parecerjustiça e serviço de Nosso Senhor . . ."
Traslado da PnovrsÃo Do PE. VrcÁRro on Ouuoon EcrEsúsrrco omre Cplon
241211569. Registada aos 15/8/1569 no L 2." das Ordens Reais do Antigo Senado
fls. 93 v. 94. Publ. no Arquivo do Distríto Federal.1894. I, p. 99.
+ Onomlçõns MlNuelrNrs, Liv. V, tit. I,
parte 1.".
s Publ. no Conpo DrplouÁnco Ponrucús. t. VII, p. 2. Está contida no "Bullarium
patronatus" no ANTT, l, doç. l'17. Poi impressa pela primeira vez em 1806 na -rRe-
futação do dr. Miguel Leitão; reimpressa pelo bispo Azeredo Coutinho, em 1808.
Reproduzida por Candido Mendes de Almeida no Direito Civíl Eclesiástico antigo e
moderno em stkts relações com o Direito Canônico. Rio de Janeiro, 1866. I, p. 512-19;
pelo Pe. Manoel Barbosa na A lgreja no Brasil. R. de Janeiro, 1945. p. 301-3; Acctot-t,
lnácio e Alren c,L, Braz. Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia. Bahia,
1937. p.244.
ó AccroLr, I. e Alnlur, Braz. op. cit. l, p. 343.
16 os óncÃos rNsTrrucroNArs

Bispado do Brasil ficava sob a autoridade metropolítica do arce-


bispado de Lisboa.
Investiu o Papa na diocese recém-criada a D. Pedro Fernan-
des I bispo da nova cristandade e comissário geral de toda a costa,
escolhido e apresentado por D. João IIL 2 O primeiro prelado
trazia, pois, desde o momento de sua investidura, o selo do compro-
misso com o trono, com aquele mesmo trono que reafirmava seu
direito de escolher também as dignidades, os ocupantes das cone-
sias, beneficios da Igreja Catedral, bem como os das Igrejas e be-
nefïcios com ou sem cura do dito Bispado.3
A Coroa cedera aos insistentes apelos dos jesuítas para que se
enviasse à Colônia uma autoridade moderadora dos eclesiásticos que
maus exemplos davam.a
A, catolização do Brasil era de interesse do Papa. Montar uma
hierarquia na Colônia, sim, mas dependente, como a da Metrópole,
da vontade e dos interesses do Rei. A Santa Sé concordaya mais
uma vez com a preeminência administrativa do soberano sobre a
Igreja Nacional.

r Doutor em Teologia pela Universidade de Paris, Vigário Geral da India, era no


tempo de sua nomeação clérigo de Évora. Sobre esse Bispo ver principalmente:
VxcoNcu,os, Pe. Simão. Crôníca da Companhía de Jesus no Brasil. Lisboa, 187ó. I,
p. 4849, 68 e 123; Prrl, Sebastião da Rocha. História da Amërica Portuguesa.Bahia,
1950. l.n, $25eIII, $7-9;M,lcHÂDo,DiogodeBarbosa. BibliotecaLusitana,Histórica
e Crítica e Cronológica. Lisboa, 1741. III, p. 578 e segs; Cmooso,Jorge. Agiológico
lusitano dos santos e varões ilustres em virtude do Reino de Portugal e suas ConEtistas.
Lisboa, 1652. I, p. 516-21; Sousr, D. Antonio Caetano de. "Catrilogo dos Bispos e
Arcebispos da Bahia". ln: Documentos, Estatutos e Memórías da Academia Real de
História Portuguesa (col.), Lisboa, 1721. Accrort, I. e Au.m.lr,, Braz. Memórías
Históricas e Políticas da Província da Bahia. Bahia, 1937, IY, p. 17-25; Ar-wIoe,
Fortunato de. História da lgreja em Portugal. Coimbra, 1917. III, 2." parte p.965-66.
2 "O Bispo ora novamente, e os que adiante se proverem no dito Bispado sejam
providos a minha apresentação e dos ditos reis meus sucessores" . . . CR de apres€n-
tação e confirmação de D. Pedro Pernandes. 4ll2ll554 publ. Documentos Históricos.
R. de Janeiro, 1937. v. XXXV p. l3l. Poi investido no Bispado pelo Breve "Sane
Ecclesia Sancti Salvatoris" de Julio IIL Apud. BARBosA, Pe. Manoel. op. cit., p. 304.
3 O direito de escolha recaía no Grão-Mestre da Ordem de Cristo, utna e mesma
pessoa que o Soberano.
a "Dos sacerdotes ouço cousas feias. Parece-me que devia V.R. de lembrar a S.A.
um vigário geral, porque sei que mais moverá o temor dajustiça que o amor do Senhor".
Carta de Nóbrega ao Pe. Simão Rodrigues, Bahta, 101411549. Cnrrs oos hn'm.os
JnsuÍus. I, p. 14. Palavras semelhantes aparecem na Carta do mesmo padre escrita
aos l5l4ll549.Id p. ll8.
OS AGENTES NO BRASIL I4iI

Criado o Pastor, criava-se, no momento de sua sagração,


um eclesiástico revestido de poder: o da ordem e o da jurisdição.
Poder de ordem para consagtar, para comunicar às almas um ele-
mento vital, i.e., o poder de engendrar uma vida nova, a vida da
graça. Conseqüentemente, os homens a quem o Bispo abria o ingresso
na Igreja precisavam ser instruídos e governados. Dessa necessidade
emanava o segundo poder episcopal, o da jurisdição.l O Bispo,
no exercício legítimo de seus direitos, devia manter a unidade es-
piritual dos cristãos sob seu báculo, como devia arrebanhar almas
para Cristo, devia incentivar a catequese e vigiar a integridade da
crença. Devia, portanto, combater as heresias, podando as dissidên-
cias, precavendo-se contra os faltosos.
D. Pedro Fernandes, bem como seus sucessores no Bispado
do Brasil, D. Pedro Leitão,2 D. Frei Antonio Barreiros,3 D. Cons-
tantino Barradasa e D. Marcos Teixeira, s lutaram pela manutenção
da crença dentro de uma certa ortodoxia.
No exercício de seus deveres procederam os Bispos a visita-
ções de pontos diversos das Capitanias. D. Pedro Fernandes Sardi-
nha visitou pessoalmente llhéus, Pernambuco e Espírito Santo. D.
Pedro Leitão visitou ltaparica, Ilhéus e, em 1567, S. Vicente, San-
tos, Bertioga, Rio de Janeiro.6 D. Antonio Barreiros, em 1590,

I Cf. idéias de Frei Bartolomeu dos Mártires, vigentes no tempo. Ror-ro, p. Frei
Raul de Almeida (A.P.). L'êveque de la Réforme Tridentine. Lisboa, 1965, p. 15 e segs.
'z Clérigo do tlibito de S. Pedro. ConÍìrmado no Bispado da Bahia aos 2313/1558
pela Bula de Paulo IV "Gratiae divinae praemium" publ. no Conpo DprouÁrrco,
VIII, p. 49. Chegou à Bahia aos 411211559, tomando posse do bispado no dia 9. V.
sobre D. Pedro Leitão, principalmente. VAscoNcnros, Pe. Simão de (S.I). Crônica
da Companhia de fesus no Brasil. cit. p. 146; Accrolr, Ignácio, e A_rrr,m,u., Braz. op.
cit.,t.lY, p. 3; Ar-mro,l, C. Mendes. op. cit.,t.l,parte2.,,ps. 530-l; Aznvnoo, pedro
de..Os antepassados do marquês de Pombal. In: Arquivo Histórico Português. Lis-
boa, 1903. III, p. 325.
3 Prior da Ordem Militar de Avis, provido no bispado em 1575 ou 1576.
Faleceu c.
1596. Souse, Antonio Caetano. op. cit. loc. cit.; Acclrorr, Ignacio. op. cit., t. IV p. 4.
Mnxons or Aurctoe, C. op. cit. p. 531"
a Clérigo d!' hábito de S. Pedro e lente de Teologia na Universidade de Coimbra.
Confirmado bispo da Bahia aos 231911602. Morreu a l/1 l/1618. Accrolr, t. e op. cií. ;
Mnxons on Aumroe, Iôrd.
s Lente de Cânones da Univ. de Coimbra. Morreu aos 81L011624. Acctor,r, op. cit.,
loc. cit; SousA, Antonio Caetano de. op. cit. MENDES pn Ar,rmroe, C. op. cit. loc.
cit.
ó Ceu.lnco, Monsenhor Paulo Plorêncio da Silveira. História Eclesüstica do Brasil.
Petrópolis, 1955. p. 84 e segs.
148 os óncÃos INSTITUcIoNAIS

visitou Olinda; D. Constantino Barradas, em 1609, visitou Salvador,


durante a Quaresma. 1 Essas visitas buscavam manter a integrida-
de da fé onde era bastante solapada pela liberdade dos costumes,
pela ausência de controle efetivo das ações dos homens. Como pas-
tor, a obra do Bispo era, antes de tudo, velar pela catequese' Menos
impor sua autoridade administrativa, num momento em que ainda
se duvidava da própria autoridade do Papado, e da validade das
hierarquias, do que conquistar dehnitivamente as consciências para
què elas, por si só, ditassem as leis e as coerções, reconduzindo,
necessariamente, as almas ao caminho da salvação.
,O problema dos Bispos no Brasil não era só aquele dos prelados
de Trento, i.e., reconduzir os homens à disciplina e à submissão.
Era mais amplo. Os colonos deviam ter suas crenças vigiadas.
Deviam ter definida a sua religiosidade, e aceitar, voluntariamente,
essa direçâo. Só assim manteriam una e íntegra a fê abraçada. A
intransigência que seria válida na Metrópole, dentro de uma socie-
dade estruturàda e estável, não poderia dar frutos num meio pio-
neiro como o do Brasil. As tentativas de procedimentos inflexíveis
só geraram choques e dissensões, como as de Pero Sardinha com
Duarte da Costa. Manter a fé era calequizat. Compreendeu-o logo
e bem a Companhia de Jesus. A catequese dos brancos nada tinha
a ver nem em conteúdo nem em processamento com a outra, a dos
aborígines. Consistia, especificamente, no entender do clero do
tempo, na manutenção das práticas de piedade e liturgia, e no com-
bate à heresia.
No combate à heresia e apostasia os bispos agiam com sua
autoridade de prelados e depois remetiam autos e presos à Inquisi-
ção, em Lisboa. Assim, D. Pedro Leitão mandou prender, por herege,
M. de Bolés, em 1561. Interrogou testemunhas, apurou o conheci-
mento que o francês tinha da doutrina, determinou seu envio para o
Reino, para o Tribunal de Lisboa. Bolés foi processado na capital
do Reino aonde chegou pelos cuidados de Gonçalo Dias, mestre e
senhorio da nau "Barrileira". 2
I Id. p. 71.
2 0 piocesso de Bolés está publi cado nos Anais da Bíblioteca Naclonal. Rio de Janeiro,
1904. v. XXV p. 215-308. Sobre Bolés, ver: Rrlrlrz Gr-vÃo, B.F': "João de Cointha,
Senhor de Bolés". RIIIGB. Rio de Janeiro, 1884. 1." parte, t. XLVII, p. 3945; Fer-
NANDES PrNHElro, J. C. "Ensaio sobre jesuitas". RIHGB. R. de Janeiro, 1885'
2''
parte p. 128, e "A França Antártict'. Id.,l. XXII' R. de Janeiro, 1859. p' 60; "Infor-
mações sôbre o Brasil e suas Capitanias. 1584". NHGB. R. Janeiro, 1844. t. VI' p'
414; Id., t. XLII 2." parte, p. 142; Cartas Awlsas (1550-68) R. Janeiro 1931' Ed. da
OS AGENTES NO BRÀSIL I49

O Bispo ouvia denúncias e procedia contra elas. C. 1618, fez


tirar sumário de testemunhas sobre a posse de uma Torah pelo lic.
Felipe Tomaz.t
Segundo relato de Isabel de Oliveira, o bispo Pedro Leitão
teria recebido denúncia de um João Mendes, relatando atitudes
suspeitas de Branca de Leão, numa Quinta-Feira Santa.2 Conforme
testemunho de Fernão Ribeiro de Sousa, Gaspar Pacheco, senhor
de engenho em Itaparica, livrava-se no Ordinário de processo ins-
taurado contra ele por palavra herética.3
Ao Bispo eram levadas denúncias de judaísmo, como as do
Dr. Melchior de Bragança, que acusara Pascoal Bravo e mais três
cristãos-novos em 1616.4 João de Herrera Solís denunciou Mateus
Lopes, por tê-io ouvido pronunciar palavras suspeitas. s Pero Vrle-
la correu a levar aos ouvidos de D. Constantino Barradas palavras
de João da Silva negando a onipotência divina; contra o suspeito
instauraram-se autos. ó

O filho do Baldaia, solicitador em Salvador, andou com um


Crucifixo que tirara da Igreja de N. Senhora da Ajuda. Pelo caso
foi preso no aljube e dele tirou o Bispo sumário de testemunhas. ?
Por ter colocado uma coroa de cornos na cruz, aconteceu o mesmo
com o Íilho mais velho de Frari*cisco Lopes Gião, meio cristão-
-novo.8
Fizera o Prelado penitenciar em Salvador a Jeronimo Nunes,
cristão-novo, por comungar depois de ter almoçado.e
O Prelado agia. Mandava tirar sumários de testemunhas,
correr autos. Eventualmente, prendia o culpado e mandava-o para

Academia Brasileira: Carta do Pe. Leonardo do Vale, da Bahia, 261611562 para os


Padres e Irmãos da Companhia de Jesus em S. Roque, Lisboa, p. 364-5; Id., p.371,
nt. 192 de Afranio Peixoto; ALrrarro.l, Candido Mendes de. "A catástrofe de João
de Bolés foi uma realidade?" RIHGB, R. de Janeiro, 1879. t. XLII 2.'parte,p. l4l-
-212; Arnru, Capistrano de. Ensaios e estudos 3." série, João Cointa, Senhor de Bolés.
R. Janeiro, 1938, p. 11-30; 1." VrsruçÃo oo SlNro OrÍcro Às penrEs oo BusrL.
"Denunciações da Bahia (1591)." S. Paulo, 1925. p. 331.
t lwqutstçÃo or Lrsaon, proc. n.o 7467. ANTT.
2 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 242.
1 Id. p.283.
a "Denunciações da Bahia (1618)." p. 102 e l3l.
s Id. p. 156.
6 Id. p. 110-11.
1 Id. p. 195.
I Id. p. 182.
e Id. p. 186.
líf os ór.cÃos rNsrITUcIoNAIs

Lisboa. Outras vezes, sentenciava e degredava, como fez com Bal-


tazar Martins Plorença, que por bigamia foi sentenciado e degredado
do Brasil, embora tivesse tentado se acolher sob a jurisdição do
1.'Visitador do Santo Oficio.l O cristão-novo Pero Teixeira, dois
meses antes de instalar-se a Visitação de 1591, foi preso por or-
dem de D. Antonio Barreiros, pela leviandade com que comentara
a expedição de certa Bula. Pagara multa de 4 cnnados' que rever-
teram como esmola à Confraria do Santíssimo.2 Afonso Alvares
foi, em 1600, preso pelo Ordinário e remetido à Inquisição de Lisboa.3
Porque publicamente fazia juramentos pouco respeitosos a
N. Senhora, Bento Teixeira teve instaurados contra si processos da
justiça eclesiásticaa e da civil.s
A partir de 1579, o Bispo da Bahia - ao tempo D. Frei An-
tonio Barreiros, passou a atuar no Brasil como delegado do Santo
Oficio: Inquisidor Apostólico, "para conhecer das cousas que nas
ditas partei do Brasil sucederem tocantes à Santa Inquisição. " o
A delegação de poderes é procedimento comum no Santo OÍï-
cio. Delegação que recaía em oficiais ou ministros de seus qua-
dros. No caso do Brasil, no entanto, esboçava-se uma peculiaridade:
ao que consta, nem D. Frei Antonio Barreiros, nem'seu sucessor'
D. Constantino Barradas, pertenceram aos quadros inquisitoriais.
Contentou-se o Inquisidor-Geral com as qualidades de sangue,
virtude e letras essenciais à sagração episcopal' Não houve inves-
tigações suplementares "de genere et moribus". Não integraram
eÈs a hieraiquia inquisitorial, apenas exerceram as funções que lhes
foram cometidas. Quando houve necessidade de um estreitamento
no rigor com os hereges, a Mesa enviou Visitadores especiais, a
quem os Bispos juraram obediência e colaboração.
A Comissão passada a D' Antonio, por D. Henrique - Rei e
Inquisidor-Geral d1 Portugal - restringia os poderes do Bispo do

1 Id. p. 187.
2 "Confissões da Bahia (1591)" p. 27.
3 lbid.
4 Notes sonnp Auros oe FÉ, fol. 54 v. ANfi.
5 lNqumçÃo or Ltsro,t, proc. 5.206. ANTT' Denunciação que se fez diante do Bispo
deste Estado contra Bento Teixeira.
ó Auto que o juiz Gaspar Francisco mandou Íazer de Bento Teixeira a requerimento
do Lic. Tristão Barbosa de Carvalho. INQuIstçÃo oE Lnrol' proc' 5.206 cit.
ANTT.
OS AGENTES NO BRASIL 151

Brasil. Devia ele agir em relação aos índios convertidos "com pru-
dência cristã, moderação e respeito, para não se intimidarem os
outros, vendo que se usa de todo rigor do direito com os já conver-
tidos".l Inquisição para índios recém-convertidos? Índio con-
vertido não é o mesmo que muçulmano, judeu ou brâmane. O atraso
cultural dos nativos do Brasil não era desconhecido na Metrópole.2
Os jesuítas encarregavam-se de repetir insistentemente nas suas
caftas quem eram os silvícolas e a precariedade de sua conversão.3
Como pretender policiar a crença dessas pessoas, se para com-
preenderem rudimentarmente os princípios do Cristianismo era
de mister o auxílio de línguas, primeiro, depois, que os padres apren-
dessem sua fala? Policiar os índios aldeados pelos jesuítas? A
Comissão passada ao Bispo poderia ser uma forma de atenuar o
poder da Companhia no Brasil, embora no documento fossem os
jesuitas apontados como naturais assessores do Prelado.
"E quanto a mais gente assim dos cristãos velhos como os
que forem da nação dos cristãos novos se guardará o que o direito
dispõe e não terá o dito Bispo mais jurisdição que a que tem como
prelado e remeterá os casos que dele sucederem à Inquisição da
cidade de Lisboa como até agora se fez".a A Comissão dada pelo
Rei D. Henrique seria fruto de pressões exercidas sobre o Inquisidor
D. Henrique? Ao Rei interessava zelar pela unidade da fé, mas
não de forma tão obsessiva em relação ao Ultramar, que se pudesse
dali afastar os capitais judaicos que estavam sendo carreados para

1 Comissão passada ao Bispo do Salvador no Brasil para, juntamente com os jesuitas,


conhecerem dos casos pertencentes à Inquisição, remetendo depois os processos
para Lisboa. Publ. no Arquivo Histórico Português. Lisboa, 1907. t. V, p. 424. Em
1584, a "Enformação do Brazil e de suas Capitanias" registrava: "Agora tem o Bispo
D. Antonio Barreiros êste officio da Inquisição pera com os Indios somente e he
nomeado por seu Coajutor o Pe. Luis da Graa que he agora Reitor do Collegio de
Pernambuco". RIHGB. R. de Janeiro, 1844. t. VI. n," 24, p. 412.
2 Nóbrega escrevia da Bahia, aos 51711559, a Tomé de Sousa, elogiando Vasco Ro-
drigues Caldas, pois "por seu esforço tira o medo aos christãos desta terra e se crê
que os Yndios não são serpes, mas gente nua . . ." Clxus Dos PRrìGrRos JEsuíus
lII, p. 102.
3 Antonio Rodrigues, no relato quadrimestral de 155ó (aneiro-abril) mostrava as
oportunidades de "descristianizaúo" dos índios, seduzidos por seus companheiros
das aldeias próximas, aos banquetes antropofágicos, e por eles considerados deson-
rados, quando se apartavam dos costumes comuns, principalmente da bebida e da
luxúria. Cenres Dos PRrrrÁËrRos JrsuÍres, Il. p. 272.
a Comissão cilada. Loc. cít. p. 424.
152 os óncÃos INsrIrucIoNAIS

as empresas do açúcar. A política do Trono sempre obedeceu a uma


linha de contemporizações quando se tratou do comércio. Em
relação à África temos prova na CR de 7 de setembro de 1627, em que
o Rei, respondendo ao governador de Angola sobre problemas que
este experimentava com homens da nação, disse o seguinte: "' '.
quanto aos demais danaçãofaçatambém embarcar aos extravagantes,
que não forem de utilidade ao comercio, dissimulando qgora cqm os
mais."t Talvez alguns setores pressionassem o Trono no sentido de
ser exercida vigilância mais direta sobre o Brasil. Uma solução de
compromisso teria sido a Comissão de 1579. Inquisição delegava
^
poderes que não deviam ser realmente exercidos. Concedia, sem
conceder. A Coroa ganhava tempo.

A Inquisição Portuguesa recusar-se-ia a delegar maiores poderes


ao Bispo temerosa de partilhar com ele sua autoridade, ou temer seu
envolvimento com a Companhia.2 Medo de perder sua influência
no Brasil, que seria melhor preservada com a direta vigilância do
Tribunal lisboeta.
De certa maneira, o Bispo do Brasil acumulou trabalhos na
administração civil, eclesiástica e inquisitorial. Triplicidade de
funções a evidenciar a rarefação de elementos de escol para os
serviços do Ultramar, a refletir, ca e lâ, as premências locais.
Ao Rei interessava o acúmulo das funções diocesanas e inqui-
sitoriais. Em 1622, quando a Corte pensou seriamente no estabe-
lecimento de um Tribunal da Fé no Brasil, decidiu dar as funções
de Inquisidor ao Bispo, assessorado pelos desembargadores da
Relação da Bahia,3 idéia rejeitada pelo Conselho Geral da Inqui-
sição. No entanto, em 1623, o Rei insistia junto ao Inquisidor-Geral
em que se enviasse comissão ao Bispo D. Marcos Teixeira para
entender no Brasil das cousas do Santo Oficio:
r cR de 71911627. ANone.ol r srrvl, J.J.: Coleção cronológica da Legìslação Por-
tuguesa.1620-1633, p. ll3. Grifo nosso. o procedimento que a corte teve com João
Nunes corrobora essa linha de contemplação do Trono com os homens que domina-
vam o comércio. V. a respeito nosso artigo: "O comerciante João Nunes".,4nats
de V Simpósio da APUH. Campinas, 1971. p. 231.
2 Exceção do 1.o Bispo, D. Pedro Leitão, D. Frei Antônio Barreiros e D. Constan-

tino Barradas foram realmente ganhos pela Companhia. Veja-se a maneira pela qual
são tratados nas Cartas Jesuiticas.
3Cod. 323, fl. 9?. (Ms. da Col. Egertoniana)' British Museum.2011011622.
OS AGENTES NO BRASIL 153

"Hqvendo tanto tempo que se vos avisou da resolução que tomeiu


de que o Bispo do Brasil, D. Mqrcos Teixeira, tenhu ò sua conta
as materiqs da Inquisição daquele EsÍado, ..."r
E insistia na nomeação: "Porque convem ao serviço de Deus e meu
que se não dilate, me pareceu encomendar-vo-lo de novo, e dizer-vos
que fico aguardando aviso vosso de se haver cumprido".2 Naquele
momento talvez não conviesse ao serviço da Inquisição.3
A posse da dignidade inquisitorial na Metrópole parece não
significar inclusão na hierarquia dos cargos do Santo Oficio na
Colônia. Mesmo quando o Bispado do Brasil foi ocupado por mi-
nistros do Santo Oficio, continuaram os agentes do Tribunal da Fé
sediados no Brasil a dirigirem-se diretamente à Mesa, em Lisboa,a
sem passar pelo Prelado. Às vezes, mesmo a sua revelia, para acusá-
-lo de fautoria com os hereges, como o familiar Antonio Lopes
de Matos, que em 1643 escrevia a Lisboa pedindo providências
contra a "dissimulação e os erros que grassam contra a Santa Fé
neste Estado do Brasil". s Acusava o Bispo de incúria por dissimula-
ção ou omissão.6 O curioso é que o Prelado em questão - D.
Pedro da Silva e Sampaio - ocupara em Lisboa o cargo de Inqui-
sidor, antes de vir tomar posse de sua diocese em 1634.? Este exem-
plo parece vir corroborar uma situação de fato vigente na Co-
lônia: os Bispos, como em geral todos os colonos, acabavam ganhos
pelas necessidades do meio, i.e., penetrados pela tolerância. To-

1 CR'de 81611623. apud. Arouoe E Snv,r, I.J. Coleção Cronológica da Legislação


Portuguesa (1620- 1627). p. 95.
2 lbid.
3 Tal comissão, acreditamos, não foi expedida, pois é de 1627 a Provisão pela qual
Luis Pires da Veiga, Inquisidor Apostólico dos Reinos de Angola, Congo e Estado
do Brasil, criou no Rio de Janeiro o oficio de Tesoureiro do Fisco e nele proveu João
Gonçalves de Azevedo, alferes da Forlaleza de Sta. Cruz da Barra, da mesma cidade.
Cesrno E Aruuoe, E. Inventario dos Ms. VI, p. 97, n." 900. R. de Janeiro, 191811627.
Essa recusa do Sto. Oficio reforça o argumento de que o Bispo do Brasil não é o mesmo
Visitador da Inquisição que aportara no Nordeste em 1618.
4 ConnBspottoÊNcrA Dos INeuIsIDoREs on Lrsnol colrl CoutssÁrIos s Fltvru-tARgs Do
Bnmn. Ms. e inéditos no ANTT.
s Inquirições realizadas em 1645, na Bahia, por ordem do Sto. Oficio. Ms. ainda
não publicados. CeoErNo oo PRoMoroR, n." 29. ANTT. O referido Ms. foi largamente
usado por Anita Novinsky em sua tese Os cristãos novos da Bahia. S. Paulo, 1972.
6 Ibü.
1 D. Pedro da Silva e Sampaio foi deão em Leiria e Inquisidor em Lisboa. Nomeado
BispodaBahiaentrouemsuadiocese aos191311634. Morreu aos151411649. Aruru,
Fortunato de. op. cit., III, 2." parte, p. 968.
lY os óncÃos rNsrrrucroNArs

lerância que levava os Prelados a admitir padres cristãos-novos e


a beneficiá-los, contrariando a pioibição que para isso havia. Tal
proibição fora reiterada por lblipe III a D. Constantino Barradas:
"E que se advirta ao Bispo que no que se fizer os benefícios da-
quele Bispado sejam uistãos velhos e que tenha nisso muita
vigilância, porque sou informado que 6 mais das lgrejas daquele
Estado estão providns em cristãos novos do que não podem deixar
de se seguir grandes inconvenientes .. .o'.r
Realmente, grande número de cristãos-novos tinha sido or-
denado por D. Antonio Barreiros e por D. Constantino Barradas,
e tais padres chegaram a ocupar lugares nos cabidos catedralícios,
como o meio-cônego Manoel Afonso, confirmado numa das cape-
lanias da Sé do Salvador, depois capelão-mor da mesma Sé; o Pe.
Daniel do Lago, tesoureiro da Sé da Bahia, ou o Pe. Diogo do Couto,
vigário da Igreja Matriz de Olinda.2 Freqiientes também as acusa-
ções registradas na documentação inquisitorial, principalmente nas
Confissões e Denunciações da Bahia e de Pernambuco, de receberem
os Ouvidores Eclesiásticos peitas de cristãos-novos. Exemplos, as
acusações ao Pe. Corticado ou ao Pe. Diogo do Couto.3
A nomeação dos descendentes dos judeus para determinados
postos muitas vezes impedia a ação do clero na repressão da heresia.
Um exemplo: no Rio de Janeiro, um grupo de cripto-judeus con-
tinuava a judaizar e a exercer proselitismo sobre os cristãos-novos.
Bento Teixeira esteve na iminência de ser circuncidado por Fran-
cisco Lopes. Surpreendido pelo pai, este delatou o caso ao vigário
Francisco de Alvarenga, que tirou sumário de testemunhas, mas
não procedeu contra Francisco Lopes por ser ele seu Escrivão.a
Falta de quadros para a Igreja, ou serviço aos interesses da
colonização? Obviamente, nãô interessaria ao Rei desestimular os
brancos que aqui se haviam radicado, mesmo que pairassem
dúvidas sobre a pureza de sua fé. Cristãos-novos que fossem, sua
permanência era importante para a manutenção da Colônia. Tão
importante que o Rei podia pagar o preço da tolerância. Aliás,
parece que já estava a ela inclinado. A experiência do que o rigor das
idéias vinha acumulando sob a forma de desastres paÍa a monarquia

I CR de 4l2ll&3. apud. ANoneo,l n Srrve, J.J. op. cit., 1603-1619. p.,l-5.


2 Mel-ttrno Dlls, Carlos. História da Colonização Portugtesa no Brasil, ilI, p. 36,4.
3 "Denunciações de Pernambuco", p. 7 6 "Confissões da Bahia (1 59 1)". p. 64 e 91,
;
respectivamente.
a lrqursrçÃo os LrsBoe. proc. 5.20ó. ANTT.
OS AGENTES NO BRASIL 155

hispânica, impeliria a uma política de condescendência. Os Bis-


pos, nobres e eclesiásticos, portanto duplamente compromissados
com a Coroa, nada mais fariam do que esposar sua política. As
reclamações acumulavam-se: vinha um documento como a CR de
1603. Ademais, o ambiente colonial devia também envolver os
Prelados e influenciáJos. Oficiais do Santo Oficio garantiam, em
1618, que o Bispo preferia tirar dinheiro pelas crrlpas contra as quais
procedia.l Henrique Moniz Barreto tinha sobre o zelo anti-he-
rético de D. Constantino Barradas a pior das impressões. Ao Vi-
sitador Marcos Teixeira, que lhe perguntou por que nã.o fnera
denúncias ao Prelado, respondeu: ". . . porque o Bispo desta Ci-
dade, D. Constantino Barradas, livrava com facilidade os culpados
pelo Santo OÍicio". 2 Teria sido por isso que o Conselho do Santo
Oficio tanto se opôs ao desejo do Trono na instalação do Tribunal
no Brasil?
O Bispo agia junto ao Santo Oficio, não dentro do Tribu-
nal. Quando o Tribunal de Lisboa fez visitar o Brasil, o Prelado
jurou cooperação e obediência ao Visitador, embora tivesse por
ele resguardada sua posição nos despachos dos processos e na
realização dos autos-de-fé na Sé da Bahia.
Assessores do Ordinário nos seus procedimentos anti-he-
réticos foram o Vigário-Geral, o Ouvidor Eclesiástico, o clero em
geral, especialmente os jesuítas. O Vigário-Geral servia de Notario
para o Bispo nas suas diligências eclesiásticas,3 e muitas vezes ouvia
ele mesmo as denúncias, como as feitas por Belchior de Bragança
contra Domingos Alvares Serpa.a
O Pe. Manoel Nogueira, ouvindo palawas sacrílegas do cunhado
do capitão de Porto Seguro, de quem era capelão, fez tir:ar sumário
de testemunhas. s
Em nome do Bispo, rcaliztam visitações eclesiásticas o Vi-
gário-Geral na Bahia, em 1590,ó o Pe. Antonio Pires, em Pernam-
buco.
1 "Denunciações da Bahia (1618)", p. ll0.
2 Id. p. ll7.
t Id., p. 98. O escrivão da Câmara do Bispo D. Antonio Barreiros procedeu em seu
nome na apuração das culpas de Bento Teixeira. INquIstçÃo or Ltsso.{. ANÏT.
Proc. n.o 5 206.
a Id., p. ll0.
3 Id., p. 103.
ó"Confissões da Bahia (1591)". p. 110.
156 os óncÃos rNsrrrucroNAls

D. Pero Fernandes fez o deão Pedro Gomes Ribeiro visitar


várias capitanias.l Por D. Antonio Barreiros, c. 1586 visitou Porto
Seguro o ouvidor eclesiástico Pe. Gaspar Dias.2
Assessor do Bispo foi também o Administrador Espiritual
de Pernambuco, Pe. Antonio Teixeira Cabral,3 que teve aíê 1624
a jurisdição dos territórios da Paraíba,Itamaracâ e Rio Grande.a
Em 1573, as capitanias do Sul foram desmembradas do Bispado,s
ficando sob um Vigário-Geral "sujeito ao Bispo de S. Salvador
quanto à inquisição e correçãq de sua pessoa e agravos de suas
ó
sentenças".
Durante as Visitações do Santo OÍïcio ao Nordeste, muitas
vezes o Bispo fez-se representar no despacho dos processos pelo
próprio Visitador, que acabava assim por assessorá-lo. Em vá-
rios documentos da Inquisição encontramos a seguinte Comissão:
"Dom Antonio Barreiros, bispo do Brasil etc. per essa por nós
assinada e feita damos e cometemos nossas vezes ao llustre
Senhor Visitador Apostólico do Sto. Ofício Heitor Furtado de
Mendonça para que em nosso nome assistq em os despachos
finais dos processos que despachar em a Visitação que ora vai
fazer assim nas capitanias de Pernamhuco, Itamnracá e Parsiba
como nas outrqs deste nosso bispado e neles dê seu parecer e faça
tudo o mais que nós fariamos se presente estiveramos".T

b. Os oficiais do Santo Ofício


No Brasil Colônia, muitas pessoas - acurada ou frouxa-
mente - zelaram pela manutenção da unidade, ordem e equilíbrio

1 Clrrr.lnco, Monsenhor Paulo Plorencio da Silveira. História Eclesiástica do Bra-


si/. p. 71.
2 "Denunciações da Bahia (1591)", p. 21, 27,55 e 86.
3 Pela Bula "super eminenti" de l5l7 11614, Paulo V, a instâncias de Felipe III'
constituiu a Administração Espiritual de Pernambuco, desmembrando o território
de Pernambuco da Diocese da Bahia, para ser regido por um vigário de nomeação do
rei, com todos os poderes episcopais, menos os da ordem, ficando os prelados sujeitos ao
Bispo. O Alvará régio de 41311616 nomeou o prelado Pe. Antonio Teixeira Cabral.
a Bmrrr, Cônego José do Carmo. Historia Eclesfuistica de Pernatnbuco. Recife,
1922. p. 23. Em 1624, esse Breve foi revogado por outro de Urbano VIII -
Romanus
Poutifex voltando aquelas regiões à sujeição da diocese de Salvador. ArnANcrGs,
-
Joaquim dos Santos. ln: Fontes do Direito Eclesióstico Portugtês t.l' Sunw do Bulario
Português. Coimbra, 1895. p. 412.
s fuIHGB. R. de Janeiro, 1856. t. XIX, p. 584.
ó lbid.
? INqursrçÃo oE Ltssol. ANTT. Proc. n." 13 250.
OSAGENTESNOBRASIL I57

das consciências. A tolerância metropolitana era relativa. O Bispo,


na sua esfera de atuação, depois membros do Tribunal da Fé (que
para aqui vieram ou daqui se habilitaram) reprimiram a heresia
em suas múltiplas manifestações.
Condições havia para o ingresso nos quadros inquisitoriais,
variáveis em número e.especificidade, conforme os cargos e fun-
ções do Santo Oficio: Inquisidores, Deputados, Notários, Soli
citadores, Meirinhos, Promotores, Procuradores das Partes, Alcai-
de dos Cárceres, Visitadores das Naus, Qualificadores, Comissários,
Capélães, Porteiros, Visitadores e Revedores, Familiares, ou Pes-
soal menor, 1
De todos exigiam-se certos requisitos morais: bondade, fi-
dedignidade, e, sobretudo, virtude. Exteriorização de virtudes,
como o tempo reclamava. Um pouco de estoicismo visível. Para
ser válido, ou mesmo apenas valioso, devia ser reconhecido pelos
demais. Era preciso cultivar a fama, já que na vida tudo era apa-
rência. Importavam as virtudes agressivas, exibidas com ostenta-
ção, para deslumbrar a
platéia. Afirmações pessoais, decerto.
Reahrmações de grupo sobre todo o campo social, comprovando
pela ostentação de virtudes e merecimentos a legitimidade da sua
posição de mando.
Às exigências morais somavam-se a limpeza do sangue, Íï-
delidade, letras, e, em alguns casos, ordens sacras.
Primordialmente, exigia-se a limpeza do sangue, limpeza
de contaminação moura, judaica ou infiel 2 mesmo que houves-
sem ocorrido em gerações bem anteriores ou em ramos colaterais.
Fixava-se, indelevelmente, a id,êia da heresia ligada ao sangue,
como mancha comprometedora da vida e da honestidade de pro-
pósitos. Até da sinceridade das ações. A sociedade fechava-se sobre
si mesma, a preservar-se dos contactos impuros dos novos con-
vertidos que nela se aninhavam. Guardavam, ciosamente, os postos
de relevo para os elementos considerados puros. Por isso tiravam-se

1 O estudo sobre cargos e funções foi por nós longamente feito em nossa
primeira tese, O momento da Inquisíção. 2.^ parte. As Estruturas.
2 Posteriormente, quando o mundo colonial fabricou o mulato e o mameluco, o
Santo Oficio aumentou suas exigências, fechando o ingtesso de seus quadros aos
mestiços.
158 os óRGÃos rNsrIrucIoNAIS

informações "de genere, vita et moribus". I Era necessário que assim


se procedesse, em causa de tanta importância, asseverava o Cardeal
D. Henrique na Provisão de 4 de fevereiro de 1572,2 regulando
ingresso nos quadros inquisitoriais. Dessas investigações, ficavam
encarregados os Deputados do Conselho Geral "de maneira que
não possa suceder por pouca advertência serem admitidas ao tal
cargo pessoas suspeitas por qualquer via que seja, o que também
se guardará com todos os mais oficiais".3
Depois vinha o juramento de Íìdelidade aos cargos inquisi-
toriais. Fidelidade ao Santo Ofïcio era fidelidade a Deus e ao Rei.
Submissão ao Catolicismo, lealdade ao Monarca, devoção à Pátria.
Obrigação tríplice dos oficiais do Tribunal, que os fortaleceria na
luta contra o inimigo, aquele inimigo em geral descomprometido
em relação à dinastia, supranacional e criptojudaico.
Fiéis à causa da Fé deviam ser os membros da Inquisição,
causa que os mantinha permanentemente mobilizados e unidos
pelo segredo comum. Juravam respeitar esse segtedo. Jurar era a
garantia certa e insofismável, num tempo em que o conceito de
honra era preocupação obsessiva dos homens. Mormente daqueles
de qualidade. Na defesa da honorabilidade empenhavam-se vidas,
sacrificavam-se amizades, desmanchavam-se lares. Matava-se. Quan'
do a honra se aliava à religiosidade, criavam-se liames indestru-
tíveis. O juramento sobre os Evangelhos prendia de fato. A In-
quisição tinha certeza de possuir aqueles homens para sempre.
I A preocupação com a pureza de sangue foi na vida social portuguesa fator de
ilhamento dos cristãos-novos, um incitamento ao retorno ao judalsmo ancestral, e,
eventualrnente, motivo de afirmações exasperadas da ortodoúa cristã pelos neo-
conveÍsos. Na prática, os Estatutos "De Puritate sanguinis" já ügoravam muito
antes, sancionados pela Carta Régia de 1612 e pela Bula de 1612. Provam-no as de'
terminações emanadas das Chancelarias real ou papal que aÍloram numa sórie de
leis provavelmente consagratórias de uma prótica de muitos anos. Não conhecemos
estudos específicos sobre o problema da pureza de sangue em Portugal, excoção òs
poucas páginas de S,c.RÀrvÂ,, Antonio José, na sua História da Inquísição Portuguesa.
Lisboa, 1956. p. 106, e no seu ultimo trabalho Inquisição e cristãos novos. Porto' 1969.
p. 165. A abordagem do assunto em âmbito ibérico foi feita por Auloor on Los
RÍos,José. Historiasocial,políticayreligiosadelositdíosdeEspúayPortugal'Buenos
Aires, 1943. p. 383, por Lne, Henry Charles. A history of the Inquisition ol Spain'
Nova York, 1906. vol. II p. 285 e segs. Para a Espaúa, há o estudo de Stcnorr, Al-
bert A, Ì.es controverses des Statuts de Purété de Sang en Espagte fu XVI au XVIF
srCcle. Paris, 1960.
2 Documento publicado por Antonio Baiõo. In: Arquivo Históríco Português,
t. V, p. 14.
s Ibü.
OS AGENTES NO BRASIL 159

Neles teria arrimo constante enquanto vivessem. Só quebrariam a


palavra empenhada ao céu, excepcionalissimamente. Havia o pe-
cado do perjúrio: do nome de Deus tomado em vão.
Os servidores do Tribunal tinham de ser homens capazes do
segredo. O segredo, que envolvia tudo que pertencesse ao Santo
Oficio, foi um elemento de solidariedade que o erigiu em grupo
distinto, deulhe consistência. Aguçou a consciência de deveres
para com o próximo, em nome de Deus. Numa ação planejada,
orgânica e harmonicamente, para consecução de seu fim, todos
deviam administrar seus cargos com reserva e cuidado. Seu escopo
era atingir os resultados propostos, não criar animadversão em
ninguém, principalmente por parte daqueles que precisavam ser
reconquistados à Fé.
Entre os requisitos exigidos pelo Santo Oficio para ingresso
nos seus quadros alinhavam-se ainda a posse das letras, e, em certos
casos, das ordens sacras. Uma primeira divisão dos homens do
Santo Oficio: eclesiásticos e leigos. 1
Quanto ao pessoal menor, inclusive os Familiares, condicio
sine qua non eÍa o domínio fácil da escrita e da leitura. Exigência
que já os situava em melhores condições que a maioria da popula-
ção. Os mais altos integrantes do Santo Oficio, pela própria na-
tureza do trabalho, dado o seu caráter judicial a exigir conhecimentos
jurídicos, deviam ser formados pela Universidade.2
Os Familiares, colaboradores leigos por excelência do Tri-
bunal, podiam egressar de todas as ocupações existentes no Reino
e nas Colônias: homens de negócio, mercadores, militares, fun-
cionários da administração rêgia, navegantes, senhores de engenho,
lavradores, estudantes, boticários, cirurgiões, médicos, livreiros.
Depois do seculo XYIII, também artesãos.
O recrutamento humano da Inquisição consagrava, portan-
to, de per si, um desnivelamento interno, calcado na cultura e na
religião. Para uns, exigia-se o trânsito prévio pela Universidade,
para outros, bastava a alfabetização. Todos eram católicos, mas
uns deviam estar presos definitivamente à lgreja, i.e., pertencer
ao clero.
IÀ Igreja deúam pertencer, obrigatoriamente: Inquisidores, Deputados, Quali-
ficadores, Comisúrios e Notários. Eram leigos o Promotor, o Procurador das Partes,
Meirinho, Alcaide, Porteiros, Solicitadores e Pamiliares,
2 Deúam passar pela Universidade: os Inquisidores, Deputados,
Qualificadores,
Promotores e Procuradores das partes.
160 os óncÃos rNsrrrucroNAts

Pelo recrutamento do seu pessoal, o Santo Ofïcio constituía-se


numa aristocracia de sangue e de espirito. Compunha um corpo
com mentalidade própria, jurídico-religiosa. Conciliava, num tra-
balho comum, elementos eclesiásticos de escol, elementos leigos
secundários. De onde, apesar de seus compromissos com um estado
absolutista, era uma cidadela de defesa do primado eclesiástico no
controle da vida social. O clero, cada vez mais afastado dos conse-
lhos de um governo em processo de laicização, de certa forma se
indenizava, recriando um mundo de poder, no qual, protegido por
novos priülégios, e com a conivência interessada no Trono que não
podia ainda alienar de si a clerezia, retomava a tutela da úda social.
Mecanismo de compensação.
No Brasil, existiram apenas alguns cargos e funções da hierar-
quia inquisitorial: Comissários, Notários, Qualificadores e Re-
vedores, Visitadores das naus e Familiares. Alguns já vinham para
aqui habilitados, outros daqui pediram ao Tribunal ingresso nos
seus quadros, principalmente no seculo XVIII.

Comissdrios

Dos comissários eúgia-se, além das qualidades comuns a todos


os oficiais do Santo Oficio, que fossem pessoas eclesiásticas, de
prudência e virtude conhecidas. I Qualidades buscadas acurada-
mente, pois, pela própria natureza de suas funções - auxiliares
dos Tribunais nas cabeças de distritos, proúncias, arciprestados,
viüam longe das sedes da Inquisição, nos lugares mais importantes
de sua área jurisdicional mòrmente nos portos de mar, África,
Ilhas da Madeira,.Terceira, S. Miguel, Cabo Verde, S. Tomé e nas
Capitanias do Braìil.'
Ocupavam, na hierarquia inquisitorial, posição importante.
Subordinados diretamente apenas aos Inquisidores provinciais, obe-
deciam às suas ordens e os informavam sobre o grau de fervor
maior ou menor do meio em que úviam. Eram, nas regiões em que
não haüa Tribunal, a autoridade maior a quem se deviam dirigir
os outros ohciais do Santo Oficio porventura eÍstentes, e os fami-
liares.

I RscngNro Dos CorrnssÁnros po Sexro Orícro s EscnrvÃrs,r ssuCnnco. Biblioteca


Nacional de Lisboa. FG. n.o 867, t. I, p. 22-23. Reservados. (Col. Moreira\.
2 RscIìENro ue 1613, tit. l, cap. 2, p. A. O cargo de Comisúrio aparec€u na Inqui
sição Espanhola de 16O4. Acorplpl pru Coxsalo 24l3llM.
OS AGENTES NO BRASIL 161

Comunicavam-se os Comissários com os Inquisidores cons-


tantemente, avisando-os do que em suas terras acontecesse contra
a pvreza da fé ou fato da alçada inquisitorial, mandando, em caso
de urgência ou gravidade, pessoa especialmente encarregada de
transmitir os informes. Dessa obrigatoriedade de exarar suas opi-
niões pessoais, destaca-se a importância dos juízos dos Comis-
sários para a configuração das heresias e dos hereges, principalmente
dos que viviam em terras mais longinquas do Reino. Importância
que aumentava em razão direta da distância da Mesa do Tribunal.
Não agiam, no entanto, sem receber ordens: dependiam delas para
procurar, arregimentar e ouvir testemunhas, dar-lhes fé e crédito,
mandar efetuar prisões. Postos avançados da guarda da ortodo-
xia, cabia aos Comissários receber os penitentes que em suas pro-
víncias tivessem de cumprir obrigações assinadas pela Inquisição,
bem como velar pela execução delas, avisando à Mesa quando os
penitentes fossem negligentes.
Porque deviam ser homens em que o Tribunal pudesse confiar
totalmente, mais rigorosas eram as exigências com que se pro-
cedia às investigações de vida, costume e geração, necessárias à
concessão de patentes de Comissários. Dúvidas sobre a limpeza
do sangue implicavam em rejeição. Foi o que aconteceu com o
Pe. Miguel de Andrade, sacerdote e confessor, mestre em artes e
protonotário apostólico da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro,
reprovado porque sua avó materna era "da casta de indias do Bra-
sil". 1 Em nada impressionou a Mesa a necessidade de pessoa que
preenchesse o lugar, apesar do que alegava o requerente, i.e. "que
na dita cidade e seu dilatado distrito há muita gente hebrea de quem
se pratica com algum pejo nas materias da crença de nossa santa
lé católica, do que há muitos anos não se inquire nem visita sendo
muito necessário e outrossim vem ao dito porto muitas naus estran-
geiras que também se não visitam como devia, trazendo algumas
cousas que pedem revista, e aprenação do Ministro. E porque nas
ditas partes não há Comissário do Santo Oficio nem oficial algum
que deva zelar o sobredito e ele suplicante tem as partes neces-
sárias . . ." 2 A necessidade não era argumento para o Tribunal.
O Santo OÍïcio só podia ter homens insuspeitos, cuja integridade
doutrinária viesse abonada por todas as gerações precedentes. O pe.
José Barreto Franco de Almeida, morador na Bahia, tampouco
1 SrNto Onicro. maço 2, proc. n.. 36. ANTT.
2 lbid.
162 os óncÃos rNsrIrucIoNAIs

conseguiu a patente de comissário: atribuíam-lhe a paternidade


de dois filhos de uma parda.l
A suspeição apenas, mesmo que os Inquisidores não tivessem
provas concludentes, impedia fosse o habilitando aceito para tal
cargo, embora pudesse sêJo para outra função dentro do Tribunal.
Foi o caso do Pe. Mauricio Manoel de Oliveira Miranda' que,
apesar de ter sido julgado "legítimo e inteiro cristão velho assim
por parte paterna como pela materna e porquanto se mostra que
tem os mais requisitos necessários . . ." 2 foi feito Notário, mas
não Comissário, como desejava.
A conduta moral era também vigiada. O Pe' frei José de San-
tana, por exemplo, natural e morador no Recife, no convento de
Nossa Senhora do Carmo, embora tivesse assegurada sua condição
de cristão velho,3 foi reprovado nas diligências de habilitação
ao cargo de Comissário, pelo seu mau proceder. Dele falaram as
testemunhas, como o fez o Pe. Antonio Branco Rrreira,a dizendo
saber por ouvir que era menos exemplar e com nódoas na vida e
procedimento. Ou como o Capitão Manoel Lopes de Santiago
Correa, que o achava "incapaz e insuficiente de ser encarregado de
negócios de importância, como são os do Santo Ofício, por ser
orgulhoso, intencionado e odioso". s Ou, ainda, como o capitão
Antonio Batista Coelho, também Familiar, que acreditava o habili-
tando homem de mau procedimento, menos exemplar e incapaz
de negócios de segredo e importância.ó
Os Comissários recebiam Regimento que juravam obedecer. Da-
va-se-lhes cuidadosa pauta para suas ações. Reafirmava-se, insistente-
mente, a guarda do segredo, não apenas nos negócios inquisitoriais,
mas em tudo, até em cousas de somenos importância. Quando a Mesa
lhes escrevesse com reservas, deviam responder à margem da própria
carta. Quando ouvissem testemunhas, deviam acrescentar seu parecer
?
sobre os fatos ouvidos e sobre a qualidade das pessoas inquiridas
e sobre o crédito que se podia dar aos seus testemunhos. Isso tudo
deüa ser escrito por suas próprias mãos.
1 Id., maço 151, proc. n." 2932.
2 SlNto OrÍcIo. ANTT. Maço l, proc. n.o 9.
3 Seu pai, Antonio Correa Pinto, era familiar do Santo OÍicio.
a Srxto OrÍcro. ANTT. Maço 42, proc. n.o ó88.
5 lbid.
6 lbíd.
? A importância social das pessoas era posta em destaque pelo Sto. Oficio, que ze-
lava mesmo de longe pelos tratamentos a serem dispensados pelos seus membros
e a s€us membros.
OS AGENTES NO BRASIL 163

Para ajudar o Comissário no desempenho de suas funções,


havia, diretamente subordinado a ele, o Escrivão, que, se possível,
devia ser pessoa eclesiástica. Para ocupar tal cargo, devia ter as
mesmas qualidades exigidas de todos os ohciais do Tribunal,l e
escrever em letra bem legível.2
Sua obrigação era atender pronta e fielmente às ordens do
Comissário. Nas diligências, escrever bem e legivelmente tudo o
que as testemunhas respondessem, sem acrescentar ou diminuir qual-
quer cousa na substância ou nas palavras.3
Eventualrnente, faltando o Escrivão, o Comissário deüa
recorrer a um eclesiástico idôneo do lugar, ou, em último caso, a
um Familiar do Santo Oficio.a Em diligências especiais, a Mesa
podia indicar o Escrivão que ajudaria ao Comissário, que podia não
ser a pessoa que estivesse ocupando o cargo. Auxiliar direto do
Comissário, o Escrivão podia ser substituído por ordens superiores
a que ambos acatavam sem discussões.
Importante atuação teve como Comissário do Santo Oficio
c.1600 o Pe. Henrique Gomes, Proúncial da Companhia de Jesus
na Bahia. s
As habilitações ao cargo de Comissário de moradores do
Brasil aumentam sigrriÍicativamente no seculo XVII, para decrescer
nas duas primeiras decadas do XIX, no fim das quais foi extinto o
Tribunal. Ao todo, habilitavam-se 136 pessoas no Brasil nos três
séculos, e 80 na região baiano-pernambucana:

Séc. XVll
Região Séc. XVIII Séc. XIX Totais
t.^ ll2 2., tl2
Baiana 5 36 2 44

Pernambucana 2 3l 3 36

Total Geral 80
I Rlcncr+ro ooo CoussÁnros r EscnrvÃrs ,{ szu C,lnco. cit.
2 lbid.
3 Regimento cit., loc. cit.
! Ibid.
5 Nasceu em 1555 em Pinheiro de Azere (comarca de Santa Comba do Dão). Entrou
na Companhia em Évora, com ló anos, em 1571. Veio para o Brasil em 1587 com o
Provincial Marçal Beliarte que o propôs, em 1591, para Reitor em Pernambuco. Ali
fez a profissão solene a lllll593. Veio a ocupar depois os cargos de Proüncial, Visi-
tador Geral e Procurador em Roma (1617). Morreu na Bahia aos 18/8/1622. Lure,
Pe. Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. VlI, p. 268.
lg os óncÃos rNsrrrucroNArs

Notários
Tanto podem proúr dos Notários ou Tabeliães instituídos
em Portugal desde o século XIII com o direito Justinianeu, postos
pelo Rei paÍa a redação de atos públicos, quanto daqueles noüí-
rios apostólicos designados pelo Núncio, aos quais não consen-
tia D. João I, mas que acabaram por eústir com seus sucessores no
século XV. Desde o inicio do século XIV, em 1305 e depois em 1340
tiveram regimento os tabeliães do Rei.1
Por regimento, os escrivães não podiam ser clérigos, mas
tinham de ser leigos, no século XIII, em razão de proibição canô-
nica e dos priülégios da clerezia,2 disposição final esquecida.
Correspondem os notários do Santo OÍïcio ao que as Orde-
nações chamavam tabeliães do judicial3 para escreverem todos
os autos que passassem perante os juízes, e mais os que a bem da
justiça fossem necessários, escrevendo os termos dos feitos.
Ou aos escrivães dantes desembargadores e conegedores
- escrivães que deüam ser fiéis e entendidos, sabendo ler e notar
como convém a homens de bom juízo e entendimento, providos no
oficio pelo Rei. a
Deviam os notários do Santo Oficio ser clérigos, de boa cons-
ciência e costumes. s Efetivamente, ocuparam o cargo de notário
da Inquisição pessoas eclesiásticas, muitas delas ligadas à famí-
lia real, como Diogo Travassos, capelão da Rainha, investido
nesse cargo por frei Diogo da Silva, aos l0 de outubro de 1536;6
Antonio Rodrigues, capelão do Cardeal Infante, T Paulo da Costa, s
Domingos Simões,e Luís Salgado,lo Braz Afonso da Cos-
1 Gtrrr BARRos, Henrique. História da Administração Pública em Portugal dos
séculotXII a XY. Lisboa, 1949. t. VIII, caps. 2 e 3, p. 3ó1 e segs.
2 Id. p. 300
3 Onorxeçõns FrprNes. Liv. I, tit. 89.
a Id., liv. l, tit. 24.
s "No Saato OÍicio da Inquisição haverá dois notários, os quais serão clérigos de
boa consciência e costumes porque assim o requer a qualidade do oficio e dos negócios
que tratam. . ." RscrlíExro os 1552. cap. 80, p. 289. Rncnmxro on 1613. tit. YIII,
cap. I, p. 54.
ó I\,ÍoNrElRo, Frei Pedro. CerÁloco oos NorÁnros oe SrNre lrqursrçÀo. (Col.
dos Documentos, Estatutos e Memórias da Academia Real da História Portuguesa).
Lisboa. 1721. t. lll.
p. :Í66
i PnovsÀo oe NorÁnro. 261911540. Ibid.
I rbid. 301t011544.
e rbid. 4121t566.
to lbid. 4121t566
OS AGENTES NO BRASIL 165

ta,1 Pedro Alves Sotto Mayor,2 Manoel Antunes,3 Cosme An-


tonio,a João Campelo,s Antonio Pires,ó todos capelães do Cardeal
D. Henrique; João de Sande, seu esmoler? e Jorge de Penalva,s
capelão do Rei.
Os notários deviam, principalmente, ter sangue reconheci-
damente livre de máculas. Era imprescindível que fossem cristãos-
-velhos. As investigações se processavam no lugar em que nascera
e onde viüa o candidato. Processavam-se sempre, mesmo que na
família já houvesse elemento detentor de patente do Tribunal.
Um caso brasileiro: Alexandre da Costa Aguiar. Presbítero do há-
bito de S. Pedro, nascido e batizado na freguesia do Corpo Santo da
Vila do Recife de Pernambuco, filho do capitão Julião da Costa
Aguiar, familiar do Santo Oficio, teve investigada sua vida, san-
gue e condições econômicas e culturais.e As testemunhas-foram
iodas vizinhás e amigas da família,lo e atestaram unanim8mente
que o habilitando tinha sangue limpo. Atestaram ainda que üvia
de suas ordens, apesar de ter "seus bens patrimoniais com que pode
passar sem o exercício de suas ordens".rl Esta informação era
importante. Os membros do Santo Oficio deúam gozar de indepen-
dência econômica como aval de sua independência de ação. Não
fossem suas posses, o candidato aos quadros da Inquisição não
poderia sequer habilitar-se. 12
As informações das testemunhas não tinham caráter obri-
gatoriamente decisivo. A Mesa julgava-as antes de concordar com a
expedição de patentes. A habilitação do Pe. Mauricio Manoel de

I lbíd. 181911566.
, Ibid. 12111t570.
3 rbid. t913lts'il.
4 rbid, 13lt2lt57t.
s lbid. t81511575.
6 rbid. tslslts7s.
1 rbid. 19181t552.
I rbíd. zltlt570.
e Slvro OrÍoo. ANTT. Maço 9, proc. n.o 89.
10 Capitão Domingos Soares de Amorim, homem que tratou de negócios; Pe. Manoel
Pereira de Lima, da freguesia da Sé; José de Sá Rosa, homem de negocios' familiar
do Santo Oficio; cap. Henrique Martins, professo da Ordem de Cristo, familiar da
Inquisição, sargento-mor Miguel Alvares Lima, negociante no Recife. Homens de
posição, muitos de limpeza de sangue comprovada. Suas InformaÇões foram selo de
fidedignidade à pureza da crença e dos costumes do habilitando. Proc. cit.
11 Proc. cit.
12 Por exemplo, a habilitação de Alexandre Costa Aguiar hcou em 4$630.
16 os óncÃos rNsrrrucroNAls

Oliveira Miranda, 1 presbítero secular de Olinda, que ao se can-


didatar ao cargo de Comissário do Santo Ofïcio naquela cidade foi
alvejado por informações de suspeita de sangue. Suspeita dupla:
mulatice e "cristãonovice". Os Inquisidores não se louvaram nas
testemunhas: "Porquanto nenhuma das ditas testemunhas que falam
no referido, assina origem nem dá razão que mereça atenção, e so-
mente depoem de uma voz vaga sem origem, e princípio certo, a
qual não faz prova, não deve privar o habilitando da quase posse,
em que se acha, julgado cristão velho pelo Ordinário . . ." 2 Foi
expedida patente, mas de Notário da Inquisição.
Esses requisitos todos eram essenciais, porque os Notários
haviam de privar da intimidade dos Inquisidores e ser responsáveis
pelos livros - da Mesa e do Secreto.3
Deviam escrever perguntas feitas pelos Inquisidores e as res-
postas que thes eram dadas durante as audiências. Integralmente.
Por isso, assistiam às sessões com os réus e com as testemunhas,
à ratihcação das confissões, aos despachos da Mesa. Em qualquer
processo. Tomemos um, ao acaso. No processo de Antonio de Gou-
veia,a coube ao Notário da Inquisiçãõ de Lisboa, Manoel Cordei-
ro, s o registro da relação das culpas, feito a 5 de maio de 1577,
as informações das testemunhas Joana Gonçalves, dr. Leonardo
Nunes, Mateus d'Aguiar, Sebastião Luis, Francisco do Rego, Vio-
lante de Sá, Lic. Gaspar Gonçalves, Pe. Miguel de Torres, Pero
Lopes de Sousa, Simão Barbosa. ó Anotou suas ratificações, como
também as perguntas feitas a Antonio de Gouveia e suas respostas. T
O despacho final da Mesa e a sentença foram registrados por outro
notário: Antonio Rodrigues. s A presença constante do Notá-
rio fazía dele depositário de uma série de informações extrema-
mente reservadas, como, por exemplo, o nome das testemunhas que
depunham ou o que elas lá contavam, inclusive sobre suas famílias.
Manoel Cordeiro, presente ao processo do jesuíta Antonio de Gou-
veia, soube exatamente quem eram as pessoas que sobre o caso foram
I Slvro OrÍcto. ANTT. Maço l, proc. n." 9.
2 lbid.
3 RncnmNto op 1552. cap. 80, p. 289. RrcrrrmNro os 1613. tit. VIII, cap. l, p. 54.
a INqursrçÃo oE Lrssoe. ANTT. Proc. n.' 12 680 e 5 158.
s Provisão aos 201811552. MoNrrno, frei Pedro. op. cit. loc. cit.
6 Proc. 12 680. cit.
7 Proc. cit.
8 Notário desde 26/9i1540, além de capelão do Infante D. Henrique. MoNruno,
frei Pedro. op. cit., loc. cit.
OS AGENTES NO BRASIL 167

ouvidas. Pessoas de certa posição, como Pero Lopes de Sousa, Íì-


dalgo da casa del-rei e do seu Conselho. De seu testemunho eviden-
ciou-se que o rêu era pessoa que freqüentava a casa da família,
principalmente de Isabel d'Albuquerque, tia do fidalgo, onde se
entregava a adivinhações do futuro, a recomendações sobre o proce-
dimento dos membros da família, inclusive sobre casamentos. Isa-
bel d'Albuquerque fìcou marcada como pessoa que acreditava nas
artes prodigiosas do jesuíta autuado, uma vez que fizera construir
fornalhas em sua casa para que se fabricasse o ouro. Informações
perigosas que podiam manchar reputações ou provocar reações so-
ciais, caso divulgadas. Sobretudo quando os interessados eram fi-
dalgos, membros da Igreja, elementos de projeção e até de confian-
ça do Trono. Pode-se lá imaginar o impacto que teria em Portugal
o conhecimento dos maus costumes de um governador-geral da fama
de Diogo Botelho?1
Os notários tinham conhecimento quase integral da vida do
Santo Oficio. Por isso tanto se exigia de seus dotes morais. A fï-
delidade na redação dos depoimentos era algo de essencial, por-
que era sobre eles que se baseavam as sentenças, e uma distorção
poderia ser fatal à justiça dos Inquisidores.
Eram encarregados do termo de recebimento dos presos.2
Também dos inventários de seus peftences, com eles entregues
aos carcereiros.3 Depois dos autos-de-fé, também aos notários com-
petia fazer com o Alcaide o rol do que ficara dos extintos, por re-
laxamento à justiça civil, inclusive de suas roupas. a
CabiaJhes fazer treslados de autos quando pedidos, porém
só os elaboravam com autorização e visto dos Inquisidores.5
Porque tinham privilégio real, eram os únicos que podiam
escrever as causas cíveis e judiciais em que estivessem incursos
membros do Santo Oficio e nas quais fossem os Inquisidores os
juízes.6
Admitia-se que pudessem fazer algo indevido. Eram homens.
Por isso previa-se a sanção: seriam considerados perjuros, ou
I SrcuNol VtstrlçÂo oo Slltro Oricro Às Pm.rns oo Bnesu,. "Confissões da Bahia
(1618)". Ánais do Museu Paulista. S. Paulo, 1963. t. XVII p. 380-81-82.
2 Exemplo, no processo de Antonio de Gouveia, o termo de entrega do preso ao
alcaide Brício Camelo, em Lisboa. Proc. cit.
3 Rrcncvro or ló13. tit. rüII, cap. 7, p. 55.
t Id. cap.9, p. 55.
s Id. cap. I, p. 55. RscÍMENro ou 1552. cap. 80, p. 289.
ó Rscu|GNro on ló13. tit. VIII, cap. 12, p. 56.
168 os óncÃos rNsrrrucroNArs

falsários, e perpetuamente privados de seus oÍïcios, além de ou-


tras penas que, no caso, ficariam a arbítrio dos Inquisidores. l
As habilitações para Notário na Bahia e em pernambuco
acompanharam o quadro geral das habittações no Brasil: nulos no
Séc. XVII, crescem no XVII e decrescem bastante no início do
XIX. 2 No Brasil, habilitaram-se 72, sendo 60 na região baiano-
-pernambucana.

Qualificadores e Reyedares
Com o encargo especial de revisão dos livros e censura de
proposições, estavam os Qualificadores diretamente ligados à
Mesa do Tribunal ou ao Conselho Geral, conforme o determinava
o Regimento de 1613.3
A origem dos Qualificadores é o Concílio Romano celebra-
do ao tempo do Papa Gelásio I, em 494, quando um decreto decla-
rou que havia livros que seriam recebidos pela Igreja e livros que
seriam recusados.a QualificáJos passou a ser tarefa de teólogos
recrutados entre os mais sábios e esclarecidos guardiães da or-
todoxia. Para evidenciar a heresia contida nas proposições que che-
gavam à ciência do Santo Oficio, recorreu o Tribunal a homens
solidamente dotados dos princípios doutrinários, que qualificavam
pensamentos, fatos e escritos.
Condições essenciais para o desempenho de tais funções
eram, além das comumente pedidas a todos os oficiais da Inquisição,
que fossem pessoas eclesiásticas, de letras e virtudes conhecidas.
I Rscrì,GNro on 1613. tit. YIII, cap. 9, p. 55

Região Séc. XVII Séc. XVTII Séc. XIX Totais

Baiana l6 l7

Pernambucana 40 J 43

Total Geral 60

3 Tit. I cap. 2.o u... e também haverá


Qualificadores, que revejam e examinem os
livros, e c€nsurem as proposições, nas Inquisições, que ordenar o Inqúsidor-Geral".
Regimento cit., p. 24.
a Movruno, Frei Pedro. "Origens dos revedores de livros e qualificadores do
Santo
Oficio". Documentos e Memórias da Academia Real de História de Portugal. Lisboa,
1724. t. IV, p. l.
OS AGENTES NO BRASIL 169

Membros, portanto, de determinado grupo da sociedade, egressos da


Universidade, cheios de qualidades intelectuais e morais. Tudo pa-
ra abonar o segredo que deviam guardar sobre as cousas que lhes
fossem cometidas e para garantir que fariam de suas pessoas exem-
plos vivos a serem seguidos e imitados.
O primeiro a ocupar tal posto em Portugal foi o Pe. Frei Gas-
par dos Reis: frade dominicano, licenciado em Artes e Teologia,
e doutor nesta matéria pela Universidade de Paris, mestre da Pro-
víncia de sua Ordem em Portugal,l teólogo de D. João III em
Trento,2 Inquisidor em Évora, Deputado do Conselho em Lisboa;
Bispo titular de Tripoli, coadjutor sufragâneo do Cardeal D. Henri-
que.3 Paulo IV fêJo Revedor aos 17 de novembro de 1555.a
Buscavam os Qualihcadores policiar a integridade da orto-
doxia em todas as exteriorizações do pensamento na literatura
e na arte: deviam, além de censurar, qualificar as proposições, rever
livros, tratados e papéis que se houvessem de imprimir ou viessem de
fora impressos.5 Rever, outrossim, as imagens e pinturas de Cris-
to, da Virgem e dos Santos. ó Só agiam, no entanto, com ordem ex-
pressa do Conselho ou da Mesa. Seus pareceres deviam se ater ao
I examinado, sem conter opiniões pessoais sobre as obras e seus
autores.
Talvez porque as altas esferas inquisitoriais
ii
estivessem
convictas da falibilidade do julgamento humano, proibissem aos
QualiÍicadores exararem louvores nas obras que reviam e encontra-
vam de acordo com a doutrina da Igreja. Podiam, no máximo, decla-

I Souse, D. Antonio Caetano de. "Catâlogo histórico dos sumos pontifices, car-
deais, arcebispos e bispos portugueses que tiveram dioceses ou titulos de igrejas
fora de Portugal e suas Conquistas, com a noticia topográÍìca das cidades de que
foram prelados". Documentos e Memórias da Academia Real de Hístória Poiluguesa.
(Col.). Lisboa, 1725. t.y, n.'XXXIII, p. 154. fu.r,coA, Forrunato de. flistória da
Igreja em Portugal. t. III 2.' parte, p. 673.
2 Sousr, D. Antonio Caetano de. Op. cit., loc. cit. p. 54ó e segs. Cmrno, P. José de.
Poruqal no Concilio de Trento. Lisboa, 1934. vol. II p. 71,16, ll3, 137, 143, 192-93,
m2-M, 2tt, 285, 321, 326, 330-3r, 354, 378-79,38?, 391, 393, 410412, 416-18.
3 Morsr'erno, Frei Pedro. "Catálogo dos revedores de livros." Documentos, Estatutos
e Memórias fu Academia Real da Histótio Portuguesa (Col.). cit. p. 7.
4 Ibü.
5 A necegsidade da reúsão dos livros no seculo XVI tornava-se imperiosa, pois
aumentavam em múto os livros impressos, e haüa geral impossibilidade de se afe-
rirem pclos titulos as heresias neles contidas. No Côdigo do Direito Canônico, a le-
gislaçao sobre os liwos proibidos ocupava o L IIL parte IV, tit. XXn, cap. II.
ó Rsc. Dos
Qulr,mcloonrs oo Slvro OrÍclo. (Col. Moreira). Bibl. Nacional de
Lisboa. Reservados. t. I. (FG 8ó7), p. 32.
170 os óncÃos rNsrrrucroNArs

rar, findo seu exame, que nada haúa que merecesse ser anotado.
Caso contrário, as passagens menos ortodoxas eram. copiadas e cen-
suradas em papel à parte e remetidas junto com a obra ao Conselho
Geral. Exigia o Santo Oficio que os Qualificadores fossem impes-
soais, apenas inteligências objetivas e frias.
Além do crivo que eram para as proposi@es, cabia aos Qua-
lificadores visitar periodicamente as livrarias, apartando os li-
wos considerados atentatórios à fé ou aos costumes. Cabia-lhes
também a inspeção das bibliotecas dos que morriam. Não podiam, no
entanto, apossar-se de quaisquer volumes ou aceitá-los de presen-
I
te. Uma cousa era ler heresias por dever de oÍïcio, outra seria
relê-las pelo gosto das idéias. Intelectuais, poderiam ceder às
tentações. O Tribunal exercia também intramuros a eterna vigi-
lância.
rndice da fraca densidade da vida intelectual na Colônia
o eúguo número de Qualificadores e Revedores que ali apare-
ce: 33. No seculo XVII, surge o nome do Pe. Mestre Frei Roberto
de Jesus, no Recife, com patente de 30 de janeiro de 1697.2 No
seculo XVIII, a Bahia contava com 18 Qualificadores, e Pernambuco
com 9. Apenas. Os liwos que tivessem escapado à vigilância no Rei-
no, e aqui chegassem subrepticiamente misturados às mercadorias, ti-
nham ainda para apreendêJos os Visitadores das Naus. As Inquiri-
ções sobre a heresia e apostasia que se faziam fora das Visita@es
eram entregues aos jesuítas, que remetiam-nas depois à apreciação
do Tribunal de Lisboa. Não haüa, portanto, grande necessidade de
muitos qualificadores. Somem-se a isto os muitos requisitos que o
cargo exigia e compreender-se-á facilmente o pequeno número de
tais oficiais no Brasil.
Visitadores das Naus
Com o desenvolümento da navegação e do comércio exter-
no durante o seculo XVI, multiplicavam-se os contactos com outros
povos, que teriam outras crenças e que por certo poderiam contra-
bandear, através de liwos, ou gÍavuras, ou agentes, doutrinas contrá-
rias ao Catolicismo, em época de intensa fermentação religiosa. O
mal podia entrar pelos portos, trazido pelos navios que de contí-
nuo chegavam pelo Atlântico.
I RrcnrsNro oc Qulr,mceoonrs oo S^mlo @cto. (Col. Moreira). Biblioteca
Nacional de Lisboa. Reservados. t. I, FG 867, p.3|.
2 Ser.no OrÍcn. Maço 4, proc. n.' 303.
OS AGENTES NO BRASIL I7I
Fez-se necesúria, ante o problema novo, a criação de um
novo sistema de úgilância: foram os Visitadores das Naus, obvia-
mente inexistentes em legislação anterior.
O Regimento da Inquisição de 1613 r fala explicitamente no
cargo, que já fora anteriormente regulado: Regimento dos Visi-
tadores das Naus, de 27 de setembro de 1606.2
A existência desses oficiais prendeu-se, pois, à consciên-
cia do perigo que o contacto com os estrangeiros podia signiÍì-
car para a integridade da fé católica. Prevenia-se a infiltração dos -
erros.
A serviço do Visitador das Naus estava um Escrivão e um
Familiar.3
Aportados os navios, cabia ao Visitador apresentar-se ao
seu capitão, a quem solicitava a entrega dos livros considerados
defesos que porventura existissem nas embarcações, para a cen-
sura do revedor, pedindo que antes disso se cumprir, não os vendes-
se, desse ou entregasse a outrem, ou sequer os tirasse do naüo.
Advertência preliminar, acompanhada de sanções: o procedimento
rigoroso da justiça para com os culpados.
Indagava também o Visitador sobre a presença de estran-
geiros não católicos, mormente mestres e ministros, que, com "a cor
e capa de comércio" pudessem semear heterodoxias e difundir li-
vros heréticos. Indagaria também da presença de clérigos ou frades
desconhecidos que viessem residir na terra. Estes deveriam logo se
apresentar à Mesa do Santo Oficio se a cidade fosse sede do Tribu-
nal, ou do Ordinário, caso não. Do mesmo modo, informava-se das
pessoas que no Reino viessem residir, anotando seus nomes, motivos
e residências futuras. De todas essas perguntas e das respostas rece-
bidas ficava lavrado pelo Escrivão o auto, que era remetido aos
Inquisidores. Os procedimentos seguintes eram de sua alçada. a
Dessas visitas e dos perigos que podiam acarretar para in-
gleses, holandeses, alemães, huguenotes ou mercadores judeus, re-
sultava um temor, ou pelo menos uma reserva desses estrangeiros em

r "...
e nos lugares marítimos haverá um Visitador das velas estrangeiras, que
com o Escrivão de seu cargo, terá cuidado de saber se trazem livros de hereges, ou
outros defesos pelo Catálogo . . ." Rrcnr,c'vro oe 1613. tit. I, cap. 2, p. 24.
2 Axonlo.r, e Snve, I.J. Coleção Cronológica da kgislação Portuguesa (1603-14.
p. l8l-82.
3 lbid.
o
lhid.
172 os óncÃos rNsrrrucroNArs

relação aos portos portugueses. Não é improvável que esses agentes


do Santo Oficio tenham afinal contribuído para a intensificação do
comércio ilegal nas colônias e da pressão no sentido de um tráÍico
direto, eliminando-se a mediação metropolitana. São praticamente
inexistentes no Brasil, por exemplo, onde aparece apenas um Visi-
tador das Naus para o Maranhão, o Pe. Manoel de Lyma, jesuíta. I
Tolerância metropolitana, ou rivalidade com os loiolanos, que ao
exercer o apostolado nos portos úsitavam as naus assim que atra-
cavam?
Familiares
O termo Familiar aparece nas Ordenações Afonsinas para
designar antigo oficial - executor, meirinho ou alcaide. 2 Na con'
His-
tória Eclesiástica, designa comensal ern casa religiosa, donato,
frade, pessoa externa, mas ahliada aos mosteiros. 3 Nada de seme-
lhante nem no Direito ciül nem no canônico, portanto, à Íigura
do Familiar do Santo Oficio, que na Idade Média aparece integrando
o Tribunal, reunindo em si a condição de oficial e a de dependente
de um organismo eclesiástico. a Na Inquisição Moderna, os cargos
de Familiares do Santo Ofïcio eram peças essenciais ao edifício
inquisitorial. Pessoas laicas, que, sem abandonar suas próprias ocupa-
ções, auxiliavam o Tribunal, efetuando prisões, participando de
inquéritos, policiando as consciências. Em outras palavras: as-
seguravam a co-participação do laicato na disciplina da vida re-
ligiosa.
Em Portugal, como na Espanha, ligadas à Inquisição ücejaram
as Confrarias de S. Pedro Mártir, agrupando Familiares do Santo
Oficio. s Nessas Confrarias ingressavam apenas pessoas munidas
I Patente de 201911632. Slvro OrÍcro. ANTT. maço l0 proc. n.' 307.
, L. il tit. 8.
3 Vrrmro, Frei Joaquim de Santa Rosa de: Elucidário das palavras, terrmos e frases çte
em Portugaloúigamente se usaram e hoje regularmente se ignoram" . verbete "Familiar".
Lisboa, 1865. t. I, p. 304.
a CartadelnocênciolVaoslnquisidoresdeFlorençaaosXl5ll2S2fixandoparacada
jurisdição inquisitória, 2 notários, 2 carcereiros e 12 auxiliares, entre oficiais e familia-
res. Dictiowuire de TMologie Catholique. t. VII, 2.' parte, p. 2025.
5 Não foi feito ainda um estudo crítico dessas Confrarias, baseado em fontes regionais.
Autores do século XVII e XVIil remontam-nas às Confrarias de S. Domingos e identi-
ficam-nas com a Milicia de Jesus Cristo ou com a Ordem Terceira de São Domingos.
Entre esses autores está Frei Pedro Monteiro no seu trabalúro História da Inq4isição no
Reíno de Portugal. Lisboa, 1794.p.?.41,nt.1. Apoiou-se no erro cometido porTomas de
Siena, em fim do século XIV, quando escreveu sobre as origens da Ordem Terceira
de São Domingos.
OS AGENTES NO BRASIL I73

da patente de Familiar. Se perdessem a patente - o que só excep-


cionalmente ocorria - eram automaticamente excluídas daquelas
agremiações. Os funcionários titulados do Santo Oficio eram mem-
bros honorários da Confraria, gozando de todas as vantagens sem
quaisquer obrigações.
Os confrades Familiares se ocupavam da instrução dos here-
ges presos e eram seus padrinhos nos autos. As Confrarias tinham
sempre a invocação de S. Pedro Mártir, e honravam seu santo
pelos meios habituais a todas as associaçõ.es semelhantes, isto é,
com festas e procissões de grande aparato.
A expedição da carta de Familiar que permitia o exercício
dos deveres e o gozo dos direitos inerentes ao cargo, estava condi-
cionada ao preenchimento de certos requisitos, que diziam res-
peito ao caríLtet, cultura, genealogia e posses do habilitando. De-
viam ser pessoas de bom proceder, confiança, conhecida capaci-
dade de segredo, que soubessem ler e escrever, possuíssem fazenda
de que vivessem abastadamente, e não carregassem em seu sangue
manchas de ascendentes ou colaterais judeus ou mouros. Depois
do século XVII acrescentou-se o preconceito contra o sangue do
mulato. Exigia-se toíalpureza de sangue. Receava-se que indivíduos
presos por laços de parentesco aos heterodoxos acabassem tole-
rantes com eles, ou até coniventes. Por isso, seus casamentos eram
controlados pela Mesa, e não podiam se realizar sem prévia apuração
da condição de cristã-velha da noiva e de seus ascendentes. Salvo
casos especiais, como os de Leandro Gomes Rodrigues, morador
em Itaparica, que requereu ao Santo Ofício dizendo "que êle por
justos motivos que teve lhe foi preciso tomar estado com Antonia
Freire de Souza sem proceder licença". 1 Ou de Manuel Ferreira
Guimarães, que ao pedir a habilitação da mulher Ursula Tereza
das Virgens declarava que se fizera o casamento "per lhe ser pre-
ciso por outras razões de consciência que a isto o moverão..."2.
Era caprichoso o Santo Oficio na eleição de seus membros,
pois sua força, seu prestígio, sua boa fama, dependeriam do acer-
to na escolha deles. Escolha que significava ingresso em um círculo
ciumento de sua autoridade e que dispensava privilégios e ascen-
dentes sociais. Não podia o Tribunal errar no recrutamento, sob
pena de acolher inimigos dentro de suas paredes ou de descer o

1 SlNro OnÍcro. ANTT. maço 135, proc. n.' 39.


2 Id. maço 91, proc. 1709.
174 os óncÃos rNsrrrucroNArs

nível de suas decisões. Talvez por isso rejeitasse as pessoas muito


jovens, como José Gonçalves Medeiros Lisboa, morador na Pa-
raíba.r
Cercava, pois, o processo de recrutamento de sua gente, de
requintes e cautelas que assegurassem uma Íiltragem precisa. Um
processo inquisitorial, no bom estilo de seus julgamentos, marcava
a úda pregressa dos postulantes. Testemunhas e testemunhas eram
convocadas - testemunhas Íidedignas, bem escolhidas nas camadas
superiores da sociedade.'Debruçavam-se os Inquisidores sobre o
passado dos candidatos: passado, presunção para o futuro. As bio-
grafias montadas com a técnica do inquérito. Inquérito com roteiro
preestabelecido.
A admissão de um Familiar iniciava-se com pedido do habi-
litando, geralmente acompanhado de uma justificação do interessa-
do. Tendo concordado a Mesa com a criação de mais um Familiar,
iniciavam-se as investigações na terra natal do habilitando, na de
seus pais e avós e no lugar em que morava ao tempo.2 Convocavam-
-se testemunhas. Era preciso saber muito sobre ele. Desencadeava-se
então o interrogatório. Conheciam o habilitando: há quanto tempo
e por quê? Sabiam de seus pais, e desde quando? E os avós paternos
e maternos? Indagações genealógicas, inclusive de legitimidades:
pretendia-se saber se era uma linhagem de cristãos-velhos, sem
"mancha" de judeu, mouro, mulato. Era a pureza de quadros que
haüa de garantir contra infiltrações de "infectas nações". Que as
testemunhas não tivessem inimizades com a família, e dissessem o
que sabiam, inclusive "rumores" de ligações suspeitas. Algum pa-
rente penitenciado ou incurso em inÍâmia ou pena vil inutilizaria
todas as pretensões. Seleção de reputações para além dos arquivos
do próprio Tribunal.
E, afinal, conhecida a ascendência, indagava-se sobre o pró-
prio habilitando: sua vida e costumes, sua discrição e prudência
para julgar, sua capacidade de ler e escrever, a fim de que pudesse
se inteirar das ordens que se lhe dessem através de cartas, ou de,
no caso de inexistirem comissários na localidade, exercer essa fun-
ção em alguma diligência. José Tavares da Silva, natural do Recife,
morador na Paraíba, teve sua pretensão de ingressar nos quadros
inquisitoriais rejeitada pelo seu mau proceder'. O pe. Antonio
1 Serto OrÍcIo. Maço 176, proc.
n." 4 188. ANTI.
2 RBcIìÍENro on 1613, tit. I cap. 2, p. 24. O parecer do Inquisidor-Geral baseava-se
nas informações dos Inquisidores dos Tribunais provinciais.
3 Slvro OrÍcro. ANlfT. maço 178 proc. n." 4215.
US AGENTES NO BRASIL I75

Rodrigues Portela, morador na Paraíba, teve suas diligências re-


provadas pela leviandade de seu caráter: "falta de madureza e
prudência". 1 Mas também era de mister indagar-se se vivia "com
bom tratamento correspondente à sua pessoa e estado", se era ou
tinha sido casado e tinha filhos, inclusive algum ilegítimo. Aptidões
morais e intelectuais por certo. Status social também.
Tudo era de se saber, mas o que importava mais que tudo
era a fama - essa fama que, paÍa a mentalidade barroca, compondo
a aparência compunha a realidade - fama pública e notória - a
opinião coletiva. Fraquezas secretas, guardadas na intimidade, mal
sabidas, sobretudo se não envolvessem quebras de ortodoxia, ar-
ranhões de gentilidades, nem convívios com gente de nação, por certo
seriam fraquezas apenas. A notoriedade das faltas ou máculas, os
compromissos com pessoas suspeitas de infiéis - isso o Santo Oficio
não iria tolerar. Os homens podiam ser homens, mas tinham de ter
fama de prÍeza da fé. E do sangue. A suspeita podia fazer tanto dano
neste particular, quanto a realidade. Para fins sociais, os homens
eram o que se pensava que fossem. Realismo: como saber o que eram
de fato? E que importava o que fossem, se representavam com juste-
za seu papel no teatro da vida. Se representavam bem diria a pla-
téia de testemunhas. Barrocos, eram barrocos conseqüentes. O Pe.
Antonio Alves de Miranda Varejão, vigário colado da freguesia
N. Sra. do Socorro da Contiguiba, em Sergipe del-Rei, não conseguiu
a aspirada patente r seus paroquianos insurgiram-se, e as diligências
foram suspensas.2 Francisco Xavier de Moraes, da Bahia, foi ina-
bilitado por "não ser capaz de servir ao Santo Oficio em matéria
de segrêdo por ser homem que se embebeda, de maus procedimentos,
üda e costume desacreditador (sic) de casas honradas, concubinado,
introduzindo a concubina na assistência de sua mulher. Pobre sem
cabedal algum porque o que lhe deram em dote já o dissipou com
suas extravagâncias e de tal sorte vive que já lhe deram um tiro, de
que ficou ferido e de presente se retirou a mulher para casa de seus
pais". Tudo isto disseram sete testemunhas sobre o habilitando.3
Sua fama não podia ser pior. É claro que foi rejeitado.
O número de Familiares do Santo Oficio existente em ca-
da localidade era variâvel. Dependia das necessidades do Tribunal,
I /d, maço 213, proc. n." 3 164.
2Id. maço207, proc. n.' 3100. ANTT.
r Id. maço 137, proc. n." 2 058. ANTT.
176 os óRGÃos rNsrrrucroNAts

a critério do Inquisidor-Geral.l O número de pedidos de ingresso


aumentou quando, no século XVIII, o país atravessou um momento
de arrocho no zelo pela espiritualidade vigente. Manteve-se eleva-
do no século XVIII, quando muitas pessoas üam no ingresso nos
quadros inquisitoriais uma forma de forçar as barreiras sociais e de
ascender. A presença de artesãos e oficiais mecânicos munidos de
patente de familiar prova-o,2 como prova também que o Santo
Oficio cedia às pressões do dinamismo social do tempo. Ao ideal de
cruzado da Fé os candidatos a Familiares tinham a entusiasmá-los
outro bem humano, de diferenciação social, porque o Santo Oficio
distribuía privilégios.
Isenções e exceções acumularam os Familiares através dos tem-
pos. Isenções fiscais e de serviços. Direitos de foro próprio, de usar de-
terminados trajes, cavalgar o\ trazeÍ armas defensivas e ofensivas.
Aos que zelavampara evitar discrepâncias e impedir desvios da cren-
ça, eÍa legítimo se estendessem priúlégios e liberdades. Assim, D.
Sebastião, aos 1411211562, escusava os Familiares de "pagarem fintas,
talhas, pedidos, empréstimos, nem em outros alguns encarregos que
pçlos conselhos ou lugares, onde forem moradores e forem lançados
por qualquer modo ou maneira que sejam, nem sejam constrangidos a
que vão presos nem com dinheiro sejam tutores nem curadores de pes-
soa alguma salvo se as tutorias forem lídimas: nem hajam ofïcios dos
conselhos contra suas vontades, nem lhes tomem de aposentadoria
suas casas de morada, adegas, nem cavalheriças, nem quaisquer ou-
tras casas em que eles posarem postos que suas não sejam, antes lhes
deem e façamde aluguel por seu dinheiro se a eles não tiverem e hou-
verem mister, nem lhes tomem seu pão, vinho, roupas, palha, cevada,
lenha, galinha, ovos, bestas de sela nem de albarda, salvo se trouxe-
rem as ditas bestas de ganho, nem assim mesmo lhes tomem cousa
alguma do seu contra suas vontades''.3 Eram dispensados de ir ser-
úr por terra ou mar a outras partes, de ter ganchos às suas portas.a
Autorizados ao porte de armas defensivas e ofensivas. s As mu-
I Rrcrtr,mwro oe 1613.
2 Ver exemplos para o Brasil na nossa comunicação apresentada ao III Simpósio
da APUH realizado em Franca, em 1965: "Artesanato e Priülégios. Os artesãos no
Santo Oficio no Brasil do seculo XVIII". Anais do III Simpósro. São Paulo ,1967 .p.503.
3PnIvu,Éctos oos Fnrlm,lnss n Oncws o,l lrqusrçÃo. Lisboa, 1685. Biblioteca
Nacional de Lisboa (Reservados). SrNro OrÍcro Ms. t. XXVII, n." 1537, fol. 50-53 v.
4 lbid.
s "As ofensivas, espada e punhal ou adaga somente, e as defensivas todas as que
quiserem". PnrvnÉcros oos Fmrnnns. cit. loc. cit.
OS AGENTES NO BRASIL I77

lheres e filhosdos Familiares, enquanto sob seu poder, podiam ,,ttazef


em seus vestidos aquela seda que por bem de minhas ordenações po-
dem trazer as pessoas que têm cavalos, posto que os eles não te-
nham". I Outras isenções de pagamentos foram especialmente con-
signadas aos Familiares.2 Aos 20llllSS0 D. Henrique lhes deu foro
privativo, e aos 3lll2ll584 Felipe II autorizou se passassem a seu
favor Alvarás de fiança.3 O acúmulo de priülégios para essa milícia
laica demonstra claramente a intenção de distingui-los dos demais.
Dava-se aos homens o que mais buscavam: a distinção social. Ser
Familiar era exibir orgulhosamente aos olhos dos demais o atestado
da posse de um certo status social, cultural, religioso e econômico
não comum. Era ser mais zeloso que os zelosos na defesa da Fé
comum. Era também ter o direito de usar hábito, medalha e vara, e
exibi-los nas procissões solenes do Tribunal. Era servir ao ideal
religioso e cultuar a glôria e vaidade: dois fortes valores do tempo.
Era uma forma cômoda e agradável de ser barroco.
As funções dos Familiares obedeciam a uma rigorosa escalona-
çâo hierárquica. Nas inquirições ou prisões, eram meros executores
de ordens recebidas. Refletiam a persistência do clima de ordent- -
ção que os envolvia. Seu Regimento dizia taxativamente: ..irão aos
Comissários e Visitadores das náos sendo chamados por eles, e farão
o que lhes disserem. Vindo à Mesa algum familiar. . . esperará
na sala até o mandarem entrar e sem isso não entrará na saleta
Cabia-lhes a vigilância das terras em que üviam e a execução das
p€nas e penitências dos alcançados pela Inquisição. porque eram
pessoas da mais estrita conÍïança, eram considerados os Familiares
cÍìpazes de guardar fielmente os presos, se necessário, bem como
de reter os bens a eles seqüestrados, até o momento de entregá-los
ao alcaide.
Os Farniliares podem ter significado para uma certa facção da
população portuguesa
- a criptojudaica - um fator de insegu-
rança social: temia seus olhos e seus ouüdos. No entanto , o afã
com que se buscou tal cargo 5 parece-nos que ficou a indi-
: h.nn-Écro oos Fruvmr*.rs. cit. loc. cit.
: Poatila de 201311566 isentando do serviço de 100.000 cruzados. D. Henrique aos
It l'1580 isentou-os da imposição de aposentadoria posta aos povos.
! Priülégios. cit. loc. cit.
' Rrcnsrro oos F,c,uLrAREs po S,c,Nro OrÍcro. Biblioteca Nacional de Lisboa.
: I (FG 867). (Col. Moreira). p. 28-29.
' Só no Tribunal de Lisboa habilitaram-se 26.074 pessoas, cujos processos ainda
<rstem no ANTT.
178 os óRcÃos rNsrrrucroNAls

car uma integração real da população nos ideais defendidos pelo


Santo Oficio.
No Brasil-Colônia, tantas habilitações houve que no século
XVIII a Bahia tinha Companhia de Ordenança de Familiares.l
No Rio tambér aparece tal Companhia, criando problemas de dis-
ciplina ao Cel. João Arejas Aguirre.2 Algumas pessoas chegavam a
se fingir Familiares. Um exemplo: Baltazar Coelho, morador em
Lisboa, estante no Brasil em Pernambuco, prendeu algumas pessoas
e as levou para a Inquisição lisboeta sem ser familiar ou ter qualquer
direito disfo fazer. Ãcabou no auto público da fé de 16 de fevereiro
de 1614, onde foi condenado a2 anos de galés e a 50 açoites.3 Seus
presos, como João de Araujo e Nuno Fernandes foram absolvidos
na primeira instância, e soltos, por não terern culpas da alçada do
Santo OÍicio. a Quase todos os que puderam habilitaram-se, do
governador Antonio Teles da Silva 5 aos inúmeros artesãos. Deüa
ier importante a patente para a sociedade colonial também.
Nó Brasil, no início do séc. XVII, já apareciam na Bahia e em Per'
nambuco 18 Familiares, embora só a partir do Regimento de 1613 ti'
vessem sido autorizados Familiares no Ultramar, inclusive nas
Capitanias do Brasil.
na Bahia:
16l I- Antonio Coelho Pinheiro, "homem nobre" casado com Inês de
Menezes, filha de Henrique Moniz Teles, fidalgo escudeiro
da casa real, e de Leonor Antunes, morador na Bahia.6

1 "Também guarnece esta Capital (Bahia) um Agregado ou Terço da Ordenança que


consta de 23 companhias com seu capitâo mor, um Sargento mor, 2 Ajudantes do nú-
mero,2 Ajudantes supras,23 Capitães, 23 Alferes,24 Sargentos do número, 24 Sargen-
tos supras por ter a Companhia dos Estudantes que nele se incluem, 4 Sargentos, 2 de
Número, 2 Supras, 23 Tambores e 1.619 Soldados que por todo fazem o cômputo de
1.742 homens, em cujo Corpo ou Agregado se incluem as Companhias dos Estudantes,
dos ktrados, dos Moedeiros, da Justiça, dos Oficiais da Recadação da Fazenda Real e
Alfandega e Armazens desta Cidade, a dos homens de negocio, a dos Farniliares, a dos
Oficiais matriculados na Ribeira, a dos Calafates, e Vigia . . ." Mner.rs, D. José de:
"História Militar do Brasil". Anaes da hibtiotera Nacional. Rio de Janeiro, 1900.
v. XXII, p.71, parâgrafo 179.
2 "... e as compaahias dos familiares e moedeiros nem ainda querem obedecer ao
dito coronel em tempo algum . . ." Consulta do Conselho Ultramarino sobre a infor-
maçâo do Governador do Rio de Janeiro acerca da forma como estavam organizados
os terços dos Auxiliares e de Ordenanças. Lisboa. 271811725.
3 NorÍcns soBRE AUros-DE-Fh. E. 14'y',,2.' parte, fol. 79. ANfi.
4 lbid.
s SlNro OrÍcto. ANTT. maço 6 proc. n.o 275.
6 JrsoArÃo. "Catálogo Genealógico". RIHGB, t. 52, p. 157,315 e 369.
OS AGENTES NO BRASIL I79

1617 - Braz do Vale Serqueira, negociante com o Brasil, estante na


Bahia, natural e morador em ponte de Lima. 40 anos, casado
com Ana Fernandes, filha de Francisco Gonçalves e Maria
Fernandes. Ele, filho de João Francisco, sapateiro, e de Guio_
mar Rodrigues, padeira. Neto paterno de Francisco Gon-
çalves e Mariu Anes, e, mateÍno, de Fernão dos Santos,
sapateiro, e Branca Lopes. Carta de Familiar em ponte de
1
Lima.
16ll - Diogo de Verçosa, morador em Olinda, capitania de per-
nambuco. Casado com Catarina Carneira. Filho de Simão
Gonçalves e Ana Fernandes. Neto paterno de João de
' Madrid e Ana Viço'sa, e, materno, de Diogo de Verçosa e
Felipa de Abanca. Mercador.2
1616 - I'rancisco I'ernandes Lopes, homem de negócio e trato do
Brasil. Morador em Lisboa, estante em pernambuco.3
1622 - I'rancisco Homem, mestre e piloto da carreira do Brasil.
Morador em Cascaes. Casado.a
1606 - I\ancisco Sotil de Siqueira, desembargador da Relação, pro-
vedor da Alfândega. Casado com Joana Argolo. Cavãlei-
ro da Ordem de Cristo, morador na Bahia, falecido em
t6lg.5
1612 - I'rancisco de Oliveira, natural de Viana da Foz do Lima.
Morador em Recife. Casado com Suzana Dias. Filho de
Jozío Yaz de Oliveira e Gracia de Espinosa. Neto paterno
de Vasco Anes e Maria Alvares, e materno, de Belchior
Espinosa e Branca Fernandes.6
1620 - Francisco Tomé', natural de Leça, termo da cidade do porto.
Pil,oto das naus da carreira de Angola, Guiné e Brasil.
Familiar pela Inquisição de Coimbra. T
162l - I'rancisco Vieira, ourives da prata. Natural de Lisboa,
morador na Bahia. Filho de Domingos Vieira e Isabel
Mendes. Neto paterno de João Pires e Antonia Vieira, e
I Snrro Oricro. AÌ.1ït. maço l, n.o 3.
2 Id. maço l, ptx,. 47.
3 Id. maço 9, n.' 336.
a Id. maço 3, proc. 127.
s JesortÃo.
"Catiâlogo Genealógico." p. 178,274,407. ..Confissões da Búia (1591)".
p. 72.
õ SrwroOrÍcro. maço 2, n.. 53. ANTT.
1 Id. maçn 2,
n.o 96.
180 os óRcÃos rNsrrrucroNArs

materno, de João Madeira e Catarina Mendes. Casado com


Isabel Goes, fìlha de Francisco Correa e Catarina de Goes 1.
1620 - Gaspar Dias, mareante da carreira do Brasil, )A'ngola. Mo-
rador em Cezimbra. Casado. 2
1617 - Inácio Alvares, solteiro, homem de negócios, morador na
Bahia. Filho de João Alvares e Maria Fernandes. Neto
paterno de Domingos Alvares e Domingas Jorge, e, materno,
de Domingos Fernandes e Catarina Cerqueira3.
1607 - Pe. Joaquim Jose de Melo Cuvalcanti, vigârio colado na fre-
guesia de Santo Antonio de Tracunhem, bispado de Per-
nambuco e morador na mesma freguesia. Filho do capitão
José Vieira de Melo e de Maria Cavalcanti de Albuquerque.
Neto paterno do capitão Antonio Vieira de Melo e de Eu-
genia Freire da Cunha, e, materno, de Cosme Bezerra de
Melo e lsabel Coelho Cavalcanti a.
1622 - Leonardo Vaz de Figueira, mestre e piloto. Natural da vila
de Peniche, morador na Bahia, frlho de Francisco Vaz Fi-
gueira e Isabel Vaz Negroa. Neto paterno de Francisco Go-
mes e Joana Vaz Negrão, e, materno, de Simão Vaz Negrão
e Guiomar Esteves. Casado com Maria Nunes Teixeira,
filha de Braz Nunes Teixeira, meirinho do mar, e Joana
Simôa 5.

1612 - Lourenço Gomes Ferraz, morador no Recife, natural de


Viana do Minho. Viúvo, filho de Manoel Gomes Ferraz
e Maria Ferreira. Neto paterno de Pedro Yaz e Ana Gomes
Ferraz, e, materno, de João Alvares Ferreira e Isabel Rodri-
gues. Foi casado com Teresa Pacheco de Faria. ó
162l - Luiz Alves da Rocha, doutor em Cânones pela Universiclade
de Coimbra. Natural de Lisboa, morador na Bahia. Filho
de Antonio da Rocha e Margarida de Braga. Neto paterno
de Simão Fernandes da Rocha e Constança Rodrigues da
Costa, e, materno, de Pedro Luis e Felipa Anes de Bragal .
1 SNto Oplcto. ANTT maço 2 n.'48. O habilitando foi acusado por inimigos de ter
parte de XN, embora fosse primo do ourives do ouro, Gaspar Vieira, familiar do
Sto. Oficio. Sua patente só foi confirmada aos 15-2-1623.
2 Id., maço 1, n.o 30.
3 Id., maço 2, n." 25.
a Id., maço 22, n." 293.
s Id., maço 1, n.o 4.
ó Id. maço 3, n.o 51. No seu pedido justifica que "se achão muy poucos ao presente
da dita cidade e seus contornos".
1 Id. ANTT, maço 1,
n.o 24.
As vrsrrAçõEs 181

1620 - Manoel Domingues, natural da vila de Aveiro. Casado com


Maria Dias. Navega na carreira do Brasil, Angola e outras
partes.l
1617 - Manoel Fernandes, piloto da carreira do Brasil, Mina, Gui-
né. Morador em Lisboa na Alfama. Natural do terrno da
Feira. Filho de Antonio André e Maria Fernandes, neto
paterno de Bartolomeu Gomes e Isabel Dias, e, materno,
Manoel Fernandes e Brites Fernandes.2
1605 - Manoel Gonçalves de Cerqueira, casado com Isabel Caval-
canti de Albuquerque, filha de Antonio Cavalcanti de
Albuquerque e Isabel de Gois de Vasconcelos. Professo da
Ordem de Cristo-N{or em Pernambuco.3
Famíliares

Região Séc. XVII Séc. XVIII Séc. XIX Totais

Baiana 103 634 54 791

Pernambucana 45 5t4 22 581

Total Geral 1.372

C. OS PROCEDIMENTOS

l. As Visitações
a. Origem e Finalidade
Da tradição medieval, tanto no plano da jurisdição eclesiástica
dos prelados quanto no plano da jurisdição régia, provinha a pú-
tica, associada em certo momento à idéia de correição judiciária
e administrativa, de uma justiça ambulante. Se não ünham os
povos buscar seus juízes, deüam estes sair ao encontro deles, para
acudir ao bem de cada súdito. A progressiva c,entralização do poder
na cúria régia, transferindo a justiça maior para a corte dos reis,
I Id. maço 3, n.o 105.
Id. ANTT. maço I, n.o 27. No seu pedido justificava: ". . . quer ser fa-
'z
miliar por ir todos os anos às ditas partes da Guiné Cabo Verde e Brasil, donde
sc podem oferecer muitas ocasiões de diügências destâ santa caga . . ."
3 RIHGB. CXCI, 19,16, 19.
lg2 osPRocEDrMENros

em lugar das justiças senhoriais dos castelos viziúos, aumentana


a distância entre os jufues e os que precisavam deles. Comunica-
@s diÍlceis, transportes impraticáveis para os pobres se'm meios,
caminhos inseguros, pressões dos poderosos, obstavam os desloca-
mentos. Para coibir abusos, distribuindo justrça, e solvendo ques-
tões de vária ordern, viajavam os próprios reis ou delegados seus
pelo país afora, muitas vezes desafiando as jurisdições senhoriais.
Da mesma forma procediam os mais altos dignitários da lgreja,
a proteger suas ovelhas distantes, a proceder contra pastores pre-
potentes ou negligentes.
Quando, porém, a partir de Afonso III, a corte se foi seden-
tarizando, e nela os tribunais superiores, então tornou-se impe-
rativo que o Rei enviasse pelas comarcas seus juízes itinerantes,
os meirinhos-mores, e, ao depois, os corregedoÍes, para que, em
seu nome, restaurassem a disciplina judiciária e administrativa
onde porventura houvesse desüos ou dissídias das autoridades
locais. Incursões essas que, aliás, não se processavam sem conlli-
tos com os magnates, ou queixas dos povos, quando esses agpntes da
coroa, com seu sequito e com suas aposentadorias, e, não raÍo, com
suas prepotências, também aos moradores desgostavam. Assim, para-
lelamente às justiças que se imobilizavam nas Cortes e nos Conse-
lhos, desenvolveram-se e institucionalizaram-se as correi@s. De
tempos em tempos saíam em úsitação pelas terras os corregedores,
levando aos súditos a justiça do Príncipe. A instituição conseÍ\'ou
por muito tempo aquelas características com as quais se definira
no século XIV.
Também a lgreja, em razío dos mesmos imperativos, pro-
vavelmente mesmo antes dos Reis, prescrevia a s€us prelados saís-
sem em visitas pastorais, a zelarem, respondendo pela justiça ecle-
siástica, pela boa ordem do exercício sacerdotal. Eram as visita-
ções. Processavam-se conforme o direito canônico, e depois também
nos termos das determinações do Concílio Tridentino, o que, aliás,
recoúecia a própria lei do Reino.l
A prática das visitações foi, no século XVI, adotada pela Com-
panhia de Jesus, que enüava às proúncias distantes seus visita-
dores - um dos quais foi Fernão Cardim, ao Brasil, de cuja viagem
resultaram informações tão preciosas sobre os primeiros tempog
da vida colonial.
I Onowr@ Fu.enres. Livro II, tit. l, $ 13.
AS vrsrÌAçõEs 183

O Santo Oficio adotou também a prítica das Visitações. De


tempos em tempos seus oficiais visitavam cidades e lugares, tri-
bunais provinciais, naus e livrarias. O rumor ou a fama pública
apontavam em tal ou qual direção as rotas de adensamento da hete-
rodoxia. Para ali se transplantava o Santo Oficio. Configurada a
presença de heresias, iniciava meticuloso levantamento para loca-
lizaçã,o dos hereges. Para isso era preciso perscrutar as consciên-
cias, devassar as casas, as igrejas, os conventos. Não o detinham
preeminências e dignidades. Nem as fronteiras dos privilégios.
Ignorava laços de sangue. Visava demolir resistências, dobrar obs-
tinações, aniquilar maldades. Acreditavam seus agentes que estavam
cuidando, principalmente, de promover a felicidade transcendente
dos indiúduos, certos de estarem assim servindo a Deus. I
Era a Visitação uma inspeção periódica, que, por determina-
ção do Conselho Geral do Santo Ofïcio, realizava um delegado
seu para inquirir do estado das consciências em relação à pureza
da fé e dos costumes. Uma patrulha de vigilância. Oferecia miseri-
córdia aos confitentes, e, ao mesmo tempo, sob ameaça, incitava
os denunciantes. Um levantamento geral do momento dos espíritos.
Uma operação de coleta de material para alimentação da máquina
da justiça do Santo OÍïcio.
Em l59l e em 1618, 2 Visitadores do Santo OÍïcio percoÍreram
as terras da Bahia e de Pernambuco. Dois momentos da mesma con-
juntura política e espiritual da Metrópole, diferenciada apenas por
nuanças. Apenas nesses momentos o! também nesses momen-
tos? A resposta ainda não pode ser dada. Depende do esquadri-
nhamento de todo o Arquivo da Inquisição Portuguesa que pode
oferecer documentação sobre a periodicidade das inspeções do
Santo Oficio ao Brasil, ou explicar a anomalia dessas Visitas. Os
fatos conhecidos atestam a presença de Inquisidores em fim do
século XVI e início do XVII. O que teria precipitado sua ünda?
Informações dos agentes do Tribunal aqui radicados, contendo
denúncias tão graves que exigiriam investigação de autoridades
ündas especialmente para isso? Improvável. Os homens que deti-

I O Regimento inqúsitorial de 1613 fala, com efeito, no título respoctivo: "Pelo


grandc serviço de Deus que resulta de se visitarem os distritos da Inquisição e bene-
Íicios da gentc da nação. . ." Tit. il, carp. l, p. 26.
2 A documentação relativa à primeira Visitação (4 liwos de Denunciagões, 3 de con-
fissões e 2 de Ratificações, relativos à Bahia e Pernambuco) embora já localizados
no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ainda não foram integralmente publicados.
184 os PRocEDrMENros

nham o poder no mundo colonial eram bastante ciosos de suas


prerrogativas e preeminências - e, por que não dizer, de suas li-
berdades - paÍa se agradarem de ver estabelecida autoridade supe-
rior a gerir negócios de sua alçada e competência. De mais a mais,
outras vezes em que o Tribunal de Lisboa sentiu necessidade de
inquirir eSpecificamente em certos casos, ordenou a seus agentes,
ou a determinados eclesiásticos radicados no Brasil, que procedes-
sem em seu nome. A comissão passada aos padres do Colégio Je-
suíta da Bahia em l&5 ê um dos exemplos 1. De outro lado, a im-
pressão de benignidade que resulta da análise dos procedimentos
dos Visitadores afasta a suspeita da necessidade de um rigor mais
estrito.
Não apareceu ainda documento, ou documentos, contendo as
razões que teriam impulsionado os agentes do Tribunal lisboeta a
deslocarem-se para a Terra de Santa Cruz. Ficamos, por isso, no
terreno das hipóteses. Estas, apontam certamente, como metropo-
litanas, as molas catalisadoras das investigações de 1591 e de 1618.
Foram acionadas pela lgreja, pelo Trono ou pela própria Inquisição?
A Igreja tinha interesse em integrar o Brasil no mundo cristão
ocidental. Era a empresa de aquisição do Novo Mundo para o Na-
zaÍeno, parte da imensa obra de renovação que se processava. Teria
então a Igreja se servido do Tribunal? Acionava as Visitações, a
fim de testar as aptidões dos çolonizadores para modelar consciên-
cias cristãs? Era necessário que um punhado de idéias básicas es-
tivessem claramente definidas nos espíritos dos colonizadores. Só
assim poderiam eles alicerçar o novo mundo que se erigia com
Cristo, para Cristo. Os procedimentos dos Visitadores podem cor-
roborar essas idéias.
Impondo, sob sanção, o comparecimento das pessoas à Mesa,
para despojarem-se das próprias faltas, ou das alheias, o Visitador
falava, diÍ€tamente, à consciência cristã. Aqueles sobre os quais
pairavam suspeitas de infidelidade à crença tradicional eram exa-
minados na doutrina. Exigia-seJhes pouco, é verdade: saber ben-
zer-se, persignar-se, recitar o Padre Nosso, Ave-Maria, Salve-Rai-
nha, Credo, Mandamentos da Lei de Deus e da lgreja, enumera-
ção dos Sacramentos, o essencial para a conquista da vida eterna,
e a integração no, Corpo Místico. Perdoava-se a igrrorância de
pontos básicos da{ê: a Luis Mendes de Thoar, que aÍirmou perante
amigos a ordem errada das pessoas da Santíssima Trindade, o Visi
1 Ceom.No oo Pnoluoror tt." 29. ANTT.
As vrsrrAçõEs 185

tador Furtado de Mendonça isentou da pecha de herege "visto como


o Réu não é letrado, e o vulgar não é obrigado explicitamente a
saber estes pontos". 1 Note-se que o indiciado era Secretario e
Vedor da casa de D. Hieronimo de Almeida. Muitíssimo menos era
o que se podia esperar da maioria da população, semi-analf,abeta.
O próprio clero no tempo partilhava ainda a ignorância dos homens
comuns em relação à matéria dogmática. O Pe. Francisco Pinto
Doutel, ügário de S. Lourenço, em Pernambuco, escandalizou al-
guns fregueses com suas idéias sobre a salvação. Examinado em sua
ciência e em suas intenções pelo Inquisidor, foi por ele relevado:
"visto não ser ele obrigado a saber e entender estes pontos teológi-
costt. 2

Exigiu-se, não obstante, clareza de conceitos e subntissão de


vontade à autoridade do Papa e da Igreja, além de respeito aos seus
ministros. Luis Mendes não se pôde escusar, com seus verdes
23 anos, por ter dito que as Bulas só ünham para ganhar ou levar
dinheiro. Tampouco sua desculpa de pobreza impediu que as sus-
peitas que sobre ele pairaram deixassem de se agravar com a cir-
cunstância de nunca ter tomado qualquer um daqueles documentos
pontifïcios. O Visitador foi inflexível: obrigou-o à retratação pú-
blica do Auto-da-Fé, em que, descalço, em colpo, desbarretado,
com vela acesa na mão, abjurou de levi suspeita na fé. 3 Sua sen-
tença obrigou-o a tomar as Bulas e a despender 1.729 rs. com o proces-
so em que fora envolvido. a A Manoel da Costa Calheiros, não
lhe valeu a posição entre os homens de prol da sociedade, como
importante senhor de engenho de Camaçarim. Teve a leüandade
de afirmar que o estado dos casados era melhor que o dos religiosos,
o que implicava ou poderia implicar num descaso aos ministros
do Céu. Ou em algum traço de judaísmo. Foi processado, 5 repre-
endido na Mesa onde abjurou de levi suspeita na fé, e teve de cumprir
penitências espirituais. 6
E possível que a Visitação tivesse úndo investigar sobre que
estruturas calcava-se a fé dos moradores do Brasil. Aprovados
estariam os que, desnudando seus espíritos, se mostrassem mais
ou menos impermeabilizados às heterodoxias.
r IxqusrçÃo ps LrsBoA.. ANTT. Pernambuco, 1595, Proc. n.' ll0ó3.
2 Id. ANTT. Pern,mbuco, 1594. Proc. n.' l0 888.
3 .Íd. Pernambuco, 1595. maço 932, proc. n.o 11 035. ANTT.
4 lbid.
5 Id. Pernambuco, 1594. proc. n." 2 527. ANTT.
6 lbid.
186 os PRocEDrMENros

De seu lado, a Coroa precisava da Colônia integrada em seu


programa de união, ecumenismo e catolicidade, tinha informações
precisas sobre o contingente de cristãos-novos aqui radicados. Por
isso, o Santo Oficio, órgão do Trono, teria mandado agentes encar-
regados de sondar a integração no mundo filipino dos conversos
radicados no Brasil. Neocristãos, cujo número aumentava assusta-
doramente, e que talvez estivessem escondendo o criptojudaísmo.
Neste caso, as Visitas seriam pesquisas de ortodoxia, é verdade,
mas seriam também testes apuradores das relações internacionais
dos marranos, principalmente com os "luteros" do Norte e de sua
lealdade ao Rei Espanhol. Tudo, principalmente, para prevenir
conivências de ordem política e econômica com os Países Baixos
protestantes, os grandes rivais dos Felipes, que lhes disputavam as
consciências religiosas e a hegemonia econômica pelo domínio do
Atlântico. As afinidades familiares, as relações econômicas - ou
ambas - e o decorrente intercâmbio com as Provincias Unidas
insubmissas tornavam os cristãos-novos da Colônia suspeitos ao
Trono. Traçar os quadros dessas ligações poderia ser de grande
interesse pata a Coroa.
Reconhecer os criptojudeus era fácil, pois muitos indícios os
revelavam: suas preferências alimentares, seu modo de sacriÍìcar
os animais, seus jejuns, seu luto, a guarda dos sábados. Todas essas
coisas facilmente transpiravam para o conhecimento da coletivi-
dade. Mil pequenos detalhes que indicavam suspeições. A In-
quisição contava com as denúncias, rnais do que com as confissões,
para o reconhecimento daqueles que tinham o Cristianismo apenas
como o verniz epidérmico, de uso social. Presos, os réus teciam
para os Inquisidores toda uma rede em que aparecia a parentela
colocada em tais ou quais posições da sociedade, da vida econômica,
das finanças ou da administração do mundo metropolitano ou do
colonial. André Pinto, lavrador no Cabo de Santo Agostinho,
declarou ter raça de cristão-novo herdada do pai, o bracarense
Duarte Rodrigues Pinto. Em Amarante. sua terra de origem, deixara
tios, irmãos de seu pai: Alvaro Rodrigues Pinto, rendeiro das ren-
das casado com Antonia Saraiva, cristã-nova; Briolanja Rodri-
gues, casada com Antonio Ribeiro, escudeiro; Felipa Rodrigues,
casada com Antonio Saraiva, também rendeiro. I Parentes na Ho-
landa possuía, ainda em 1618, o cristão-novo ôenhor de engenho e
I IxqustçÃo DE LIsBoA. Pernambuco, 1594. maço 718, proc. n.' 8 471. ANTI.
As vrsrrAçõEs ly/
mercador Simâo Nunes de Matos. Seu irmão, Manuel Nunes, casado
com uma filha de Henrique Dias Milão, lá üvera e morrera no
judaísmo.1
Ao Visitador prodigalizavam-se informes. Nestes foi pos-
sível reconhecer uma solidariedade econômica que se delineava
entre a Bahia e os grupos luso-israelitas da Holanda, da qual eram
agentes os marranos2 a despeito das proibições de Espanha.
Desafiavam os cristãos-novos infiéis a unidade espiritual do
Catolicismo tão zelosamente preservada pelos Felipes. Constituíam
ameaça à unidade peninsular enquanto portugueses e simpati-
zantes da causa de D. Antonio - cristão-novo português. Não
escrevera o Rei a D. Luis de Sousa, em 1618, para prevenilo contra
Francisco Ribeiro, que, além de ter parentes judeus, tinha inteli-
gências com D. Manoel, o Íïlho do Prior do Crato?3
Por sua vez, a Inquisição, cônscia de sua responsabilidade
de reprimir e prevenir a difusão das heresias, podia, de per si, ter
sentido a necessidade de apurar o estado da conservação das cons-
ciências experimentadas pela adversidade do meio, tentadas ao
relaxamento pela distância da sede do Tribunal. Os Éditos da Fé,
publicamente lidos, encarreiravam todas as faltas que pertenciam
à alçada dos Inquisidores. Refrescavam-se as memórias, aclara-
vam-se os espíritos. Muitos se apresentavam aos Visitadores con-
fessando faltas que desconheciam como tais antes da publicação
do Santo Ofïcio. Manoel da Costa Calheiros afirmou em confissão
Furtado de Mendonça que, sempre para si, teve que o estado dos
casados era melhor que todas as outras ordens, porque fora o pri-
meiro criado por Deus, mas depois que nos papéis do Santo Oficio
e nos Éditos da Fé ouvira publicar eite curo, sãube e entendeu que
estava errado em sua opinião e que ela era herética.4 Um entre
vários casos semelhantes.
Os Visitadores teriam vindo tangidos pelo amor. Caridade
que exigia sacrifïcios do conforto e impusera incômodos de longas
1 ConÍissâo de Manoel Homem. SscuNpl VnnlçÃo Do Sro. Onlôro Às pARrEs
Do
Bn-rsu,. lnar do Museu Paulista. t. XVII, S. Parilo, 1963. p. 507.
2 V. FUNç,r., Eduardo d'Oliveira. "Prebença da Flandres na Bahia" Anais do Museu
Paulista. t. XVII, p. 150 e segs.
3 Carta de 241911618. Anais do Museu Paulista. S. Parilo. t. Ill, p. 77 2.^
parte.
a "ConÍìssão na Graça, aos 17 de janeiro de 1594". INeursrçÃo nr Lrsroe. proc.
2.527. ANTI.

I
188 os PRocEDrMENros

viagens moeda amealhada para os débitos eternos. Na Colônia,


-
abdicavam, por momentos, sua importância de juízes da mais elevada
das virtudes, para se transmudarem, singelamente, em pastores das
almas mergulhadas nas invencíveis trevas da ignorância. O Visitador
de Pernambuco, em 1595, ensinou, pacientemente, a Luis Mendes de
Thoar, a forma correta de benzer-se. 1 Ao Pe. Francisco Pinto Doutel,
comunicou a posição correta da Igreja sobre a doutrina da predes-
tinação.2
É possível que desejassem os responsáveis pelo Tribunal de
Lisboa efetivar de maneira formal a presença do Santo Oficio na
Colônia. As sombras da Inquisição projetavam-se Íirmemente da
Metrópole sobre o Brasil, envolvendo as mentes, coibindo de certa
forma abusos e desvios. Tanto que, para reforço de sua autoridade,
invocavam muitos a dignidade inquisitorial, como o Pe. Francisco
Pinto Doutel, que, desrespeitado por um de seus fregueses, quando
pregava, ameaçou-o com a prisão pelo Santo Oficio.3 Gaspar Fi-
gueira, ao tentar prender um mameluco que lhe fugira, abrigando-se
em casa de Belchior da Silva, nos arrabaldes e varadouro de Olinda,
ordenou que se lhe abrissem as portas em nome da Inquisição, apesar
de não pertencer a seus quadros.a O expediente usado acabou redun-
dando num processo de que teve que se livrar diante do Visitador
Furtado de Mendonça. O temor latente de acabar diante do Tribunal
da Fé a explicar coisas de sua vida ou intemperanças de sua lingua-
gem, talvez diminuísse um pouco quando consideravam os homens
a distância que os separava da Metrópole. As Visitas do Santo
Oficio despertariam os espíritos dessa letargia modorrenta para a
qual os tinha arrastado a languescedora atmosfera tropical.
Provavelmente, havia inquietado à Inquisição ou ao Trono
- ou, conjugadamente, a ambos - a grossa emigração cristã-nova
que sucedia nos anos imediatos aos perdões pontificios. As Visi-
tações de 1591 e de 1618 prender-se-iam, então, a um dinamismo
repressivo, ligado a esses anos de afrouxamento do controle da
Coroa sobre os passos dos neoconversos. Entre 1577 e 1580, s os
1 V. proc. cit.
2 lbid.
3 lbid-
a lNqusrçÃo ps LrsBoÁ,. Pernambuco, 1593. maço I 093, proc. n." 13 278. AÌ{m.
5 Lei de 2ll5ll577 permitiu
a saída dos cristãos-novos do Reino. Lei de 28/l/1580
proibiu-a, novamente. Azeveoo, J. L. História dos cristãos-novos portuguescs.
p. 498.
Á,s vrsrrAçõEs ls)
marranos puderam dispor livremente de suas vidas e de seus have-
res. Entre 1601 e 1610, também. r Para interpor entre si e o Santo
Oficio a salutar imensidão atlântica, teriam vindo em grande nú-
mero para as terras brasileiras. Hipótese de impossível compro-
vação. São inexistentes os dados demográficos que dêem preci-
sões sobre os habitantes da Colônia nessa época. Faltam também
dados que informem há quantos anos viviam no Brasil os cristãos-
-novos que puderam ser detectados na documentação inquisitorial. O
certo é que, em l59l e em 1618, pouco mais ou menos uma dezena de
anos depois, a Inquisição aqui passava sua vistoria. Coincidência?
Ou peças harmonicamente entrosadas de um bem montado dis-
positivo de segurança do Rei, da Igreja e da Inquisição?
b. Periodicidade
De tempos em tempos esquadrinhavam-se determinados lu-
O Regimento não pres-
gares para se descobrir os inimigos da fé.
crevia qualquer regularidade, deixando os ministros superiores
decidirem sobre a oportunidade das Visitações, conforme aconse-
lhassem as circunstâncias.
As visitas não se enquadravam numa rotina. Faziam-se às
vezes. Só um estudo a fazer-se dos Livros do Conselho Geral e
da Correspondência dos Inquisidores poderá aclarar os motivos das
Visitações em determinados anos.
Ao Brasil, determinou o Conselho, ao que se sabe, Visitações
em 1591, 1618,1627 ao Nordeste; em 1605 e 1627 ao Sul, em 1763
aoParâ. Outros visitadores podem ter vindo durante a época colonial.
Além disso, Comissários da Inquisição aqui residentes devem ter
sido encarregados de inquirir determinadas áreas, como o foi o
jesuíta Francisco Carneiro, Provincial da Companhia, na Bahia,
em 1645.2
Por que terá nessas ocasiões determinado o Conselho Geral
as Visitações no Brasil? Desconhecemos totalmente as razões, de
1 Aos 4 de abril de 1601 o Rei deu licença aos conversos para saírem do Reino. Aos
13 de março de 1610 cassou-a. Ibid.
2 A inquirição fora encomendada "pois nesta mesa há informação que na cidade do
Brasil há grande escândalo e presunção contra algumas pessoas na dita cidade em
razão óe matérias tocantes ao Sto. Oficio assim de cousas de judaismo, como de fei-
tiçarias e do pecado nefando e em particular há informação que um homem por
nome Francisco da Rocha dissera que os Apóstolos de Cristo Senhor Nosso e o
mesmo Cristo foram somíticos e onzeneiros". CeornNo Do PRoMoroR N." 29. fol. l.
ANTT.
190 os pRocEDrMENros

fato ou alegadas, que terá tido o Conselho ou o Governo de Lisboa


ou Madri para o envio dos Visitadores.
Certo que de tempos devia o Tribunal apurar nas áreas de sua
jurisdição o estado das consciências. I No entanto, a presença de
um Visitador do Santo Oficio era um acontecimento anômalo, sem
a regularidade com que chegavam governadores ou corregedores,
ou mesmo visitadores da Companhia de Jesus.
As ConÍissões ou Denúncias nada dizem do objetivo visado:
ausência de perguntas indiciativas, pois que eram apenas indaga-
ções regimentais. Nada evidencia propósitos de repressão deliberada.
Certamente vieram os Visitadores colher informações. De uma
ou de vária natureza. Se, em concreto, visavam intimidar os
ousados, coibir as liberalidades que aos espíritos e aos comporta-
mentos sugeria o habitat, visariam também apreender os desdobra-
mentos familiares, os contactos com os hereges luteranos ou judai-
zantes, os focos de traições políticas. No entanto, essas informa-
ções foram cuidadosamente protegidas pelo segredo inquisitorial.
Pouca cousa transparece na documentação.
Em 1626, o Inquisidor-Geral Martins Mascarenhas apontava
ao Rei os perigos que corria a Colônia pelo grande número de
judaizantes poderosos por sua riqueza e posição social, ligados
em sua maior parte à Holanda. No ano anterior, frei Diogo do
Espírito Santo, vigário da casa de Nossa Senhora do Carmo, escrevia
ao Reino, prevenindo sobre o grande número de judeus e cristãos-
-novos que viviam na Capitania do Sul, pedindo providências ao
Santo Oficio.2 Logo a seguir, foi nomeado Luis Pires da Veiga, depu-
tado do Tribunal lisboeta, para visitar Angola, Congo e Brasil.3
I "Pelo grande serviço de Deus, que resulta se visitarem os distritos da Inquisição e
beneficio da gente da nação pelos éditos da graça ordenamos que quando parecer tempo
conveniente para visitar a Comarca, e distrito de cada uma das Inquisições (o que será
conforme a ordem que der o Inquisidor Geral) um dos inquisidores qual ele escolher
vâ fazer a visitação por parte do Santo Oficio em cada um ano podendo ser correndo
as cidades, e lugares, que parecem necessários para o bem do Santo Oficio. . ." Rrcr-
MENro Do S,tNro Oricro or 1613, tit. II, cap. I, p. 3.
'z Cod. 863, fol. 79 (õol. Moreira). Biblioteca Nacional de Lisboa. Reservados. Sobre
os cristãos-novos nas capitanias do Sul ver: Slrveoon, José Gonçalves.. Cristãos
novos, jesuíías e Inquisição. São Paulo, 1969.
3 Lic. Luis Pires da Veiga, ex-tesoureiro da Inquisição da Guarda. Fez realizar procis-
são de fé em São Paulo em Luanda. Chegou ao Rio de Janeiro em setembro de 1627 e
aos 911211627 nomeou João Gonçalves de Azevedo, alferes da Fortaleza de Sta. Cruz,
Tesoureiro do Fisco. Id. fol. 79v. Nomeou também frei paulo de São Martinho, da
Ordem de Sâo Bento para secretário. Anais do Museu Paulista. l, p.245.
AS vrsrrAçõEs 191

Às vésperas da invasão holandesa em Pernambuco, o dominicano


frei Antonio Rosado inquisitoriava Pernambuco. 1
Parece também ligada ao "à vontade'o com que muitas pessoas
viviam em matéria de crença, no Rio de Janeiro, a visita de 1605 àquela
cidade, de que ficou referência no depoimento de Duarte Serrão:
". . . E disse que auerá treze onnos pouco mais ou menos Q estando
elle Confitente . . . Wando as tabolas cõ o Padre Lopo Reis de
Noronhq ... e dizendo o dito Padre nos lanços dos dados Aque
da Virgem Maria, respondera elle Confitente Mija Maria, e Q o
dito Padre escandalizara ... e disse que auia de denuncinr delle
Confitente diante do Visitador do Rio de Janeiro, mas não sabe
elle Confitente se denundiou".2
As Visitações de l59l e de 1618 podem ter sido motivadas
pelo aumento do afluxo de cristãos-novos para o Brasil, o que colo-
cava de um lado o problema da dosagem religiosa nas populações
airtda exíguas, e de outro uma ameaça à segurança da Colônia, dadas
as afinidades que tinha com as Províncias rebeladas do Norte.
Em 1618, escrevia o Rei a D. Luis de Sousa: ". . . e de todos os
cristãos.novos que há nesse Estado me enviareis mais brevemente
possível uma relação mui particular em que se contenham seus
nomes, os lugares donde vivem, que fazenda têm e quais podem ser
suspeitosos e prejudiciais para a comunicação com os estrangeiros,
para o que tomareis as informações necessárias com muito segredo
e resguardo".
Esta ordem régia encadeia-se àquela de avisos e prevenções
que os governadores-gerais vinham recebendo para se premunirem
contra possíveis ataques holandeses, subjacente à idéia de que,
infiéis, os cristãos-novos conspiravam com os rebeldes contra a
integridade do Império. Sintomática a caÍta que, em 1607, escrevera
D. Pedro de Castilho a Diogo Botelho, a avisá-lo de que os rebeldes
da Holanda se aprestavam para rtacaÍ a Bahia, a recomendar,
entre outras providências, que pusesse em recato as pessoas suspei-
tas de correspondência com eles.3 Vigilância sobretudo em volta
I Clr loo, Frei Manoel. O Valoroso Lucideno e tírmÍo da líberdade. São Paulo, 1945.
I, p. 41.
2 Confissão de Duarte Serrão. "ConÍïssões da Bahia (1618)." p. 417.
3 Cowcrusso Do MuNDo PonrucuÉs v. IX, t. I, p. 185. "Preocupava-se o Inquisi-
dor geral com as pessoas estrangeiras que entram nestes Reinos em tempos tão pe-
rigosos", o que é patente no Regimento de Visita das Naus que baixou em 1606.
Documento em R.lu, Virginia. Subsídios para o estudo do movimento dos portos de
Faro e Lisboa durante o sëculo XVIII. Lisboá, 1954. p. 207 nt.
192 os PRocEDIMENTos

dos cristãos-novos que tinham parentes ou amigos nos Países Bai-


xos. Vigilância em volta dos que fossem ameaças políticas, mais do
que ameaças no campo das crenças. Parece signiÍicativa a relação
enviada ao rei dos estrangeiros que viviam nas capitanias de Rio
Grande, Paraiba, Pernambuco, Bahia, Itamaracá "dos quaes se não
pode ter sospeita": 17 nomes apenas são arrolados, 1 quando só
a documentação inquisitorial revela a presença de 72 estrangeiros
nessa área. Depois, entre os considerados acima de suspeita, o in-
glês Tomaz Babintão era protestante, praticando sua religião;2
o alemão Cibaldo e o francês Nicolau Luis tinham já se havido com
o Inquisidor, em 1591.3
A Visitação de l618 pode situar-se na confluência dos interesses
do Santo Oficio com os da Coroa. Associa-se a uma intensificação
do afluxo de cristãos-novos para o Brasil, procedentes da Península
ou dos Países Baixos. A negócio ou fugitivos. Decisivo terá sido o
perdão geral comprado ao Papa e ao Rei por um milhão e 700
mil cruzados. Deflagrou uma pequena diáspora dos cristãos-novos:
concedida a permissão de partir, uns escapavam às ameaças do
Tribunal, e outros à enorme contribuição que se lhes impunha
indistintamente, descapitalizando-os para seus negócios.a O au-
mento do número dos neoconversos no Brasil inquietaria tanto
ao Rei quanto ao Santo OÍïcio. Ao Rei, porque se furtavam de pagar
as contribuições e invertiam capitais em engenhos novos, que eram
isentos, e por causa de suas simpatias holandesas ou compromissos
com o partido do Prior do Crato. Ao Santo Oficio, porque refugiam
à vigilância da ortodoxia, convivendo com os judeus dos Países
Baixos.
Quer nas Visitações do Brasil, quer nas inspeções realizadas
pela lnquisição a outros pontos do Reino, nota-se a ausência de
ritmos certos. Em 5l anos, ao que sabemos, foi a seguinte a fre-
qüência das deambulações do Santo Oficio: 1575, visita às Ilhas,
por D. Marcos Teixeira; 1579, à Beira, pelo mesmo prelado; 1585,
visitação ao Algarve, pelo Inquisidor Manoel Alvares Tavares;
I "Memorial de todos os estrangeiros que vivem nas Capitanias do Rio Grande,
Paraíba, Tamaracá e Pernambuco e Bahia dos quaes se não pode ter sospeita" en-
viado pelo governador D. Luis de Sousa. Lrvno 1.o oo GovnnNo po Bustr. p. 183-5.
2 V. Denúncia de Bento Teixeira, proc. 5.206.
3 "Confissões da Bahia (1591)", p. 70, e INqursrçÃo on Lrssor. proc. 13342.
ANTT.
a SoLts, Duarte Gomes : Discursos sobre los comercios de las dos Indias (1622). Lisboa,
1943. p. 12.
As vrsrrAçõEs 193

1587, visita ao priorado do Crato, pelo Inquisidor Antonio Dias


Cardoso, e a lugares da Inquisição de Lisboa; 1591, o Inquisidor
Jerônimo Teixeira Cabral andava pelas Ilhas da Madeira e Ter-
ceira; 1618, o licenciado Luis Pires da Veiga, deputado do Santo
OÍïcio ia a Angola.l Descartada fica qualquer idéia de periodici-
dade e de rotina.
c. Legislação
O Santo Ofïcio levava a justiça a domicílio. Regulando sua
aplicaçâo estavam o Regimento da lnquisiçâo, o Regimento espe-
cial dado ao Visitador e aos oficiais que o acompanhavam. Sub-
jacente, para solver pontos obscuros ou omissos na lei escrita,
Íraztam consigo os Visitadores o conhecimento dos Estilos.2 Fora
a longa prática dos trabalhos inquisitoriais que deviam servir para
resolver situações novas que se delineassem.
Ao tempo da Visitação de 1591, vigia o Regimento do Cardeal
D. Henrique, e ao tempo da segunda Visitaçâo, o de D. Pedro de
Castilho, publicado em 1613, que repete as mesmas determinações
do primeiro regimento, ampliando-o em certos pontos.
Heitor Furtado de Mendonça foi nomeado Visitador pelo
Inquisidor-Geral, cardeal arquiduque Alberto, aos 26 de março
de 1591.3 Marcos Teixeira, pelo Inquisidor-Geral Fernâo Martins
Mascarenhas.
Homens de "bôa consciência, prudentes e constantes"a elei-
tos nas altas esferas do Santo Oficio, uma combinaçâo excepcio-
nal de virtudes e dignidade. Deviam ser. O Inquisidor-Geral, ao
escolher o Visitador, entre os pares do Conselho Supremo ou na
cúpula de um dos Tribunais, implicitamente reconhecia-lhe essas
qualidades. Conferialhe patentes e credenciais. Com elas percor-
ria ele distritos e comarcas como um suserano das consciências,
recebendo tributos de obediência.
No seu título [I, cap. l, diz o Regimento de 1613: "Antes
que o Inquisidor chegue ao lugar que há de visitar, o fará saber
I Códice 1536. (Col. Moreira). Biblioteca Nacional de Lisboa. Reservados.
2 Estilos práticas consagradas pelo uso no exercício das funções inquisitoriais.
-
Estão reunidos em vários códices no ANTI.
3 A Comissâo do Arquiduque Alberto está transcrita no volume de "ConÍïssões
da Bahia (1591)", p. 1.
a Rncncuto oe 1613. Apud. ANorloe r Sn ve, José Justiniato. Coleção Cronológica
da Legislação Portuguesa (1612-19), p.26.
194 osPRocEDrMENros

às Justiças do tal lugar, para que o aposentem convenientemen-


te, e assim aos Oficiais junto com ele". I O primeiro Visitador do
Brasil, Heitor Furtado de Mendonça, chegou à Bahia aos 9 de
junho de l59l com o governador Francisco de Sousa, esperado
já pelas autoridades, conforme noticia frei Vicente.z Marcos Tei-
xeira, o segundo Visitador, chegou em setembro de 1618.3
Terminada a Inquirição na Bahia, dirigiu-se Furtado de Men-
donça a Pernambuco, na nau S. Miguel, de que era mestre Baltazat
Fernandes, morador no Porto, aonde chegou após vinte dias de mar.
Dia 2l de setembro de 1593, chegou ao Recife, e dia 24 do mesmo
mês e ano, aportou no Varadouro, desembarcando em Olinda.
Aguardavamlhe a chegada, o capitão loco-tenente governador
D. Felipe de Moura, o vigário da vara eclesiástica, Diogo do Couto,
com muitos clérigos; o Ouvidor-Geral do Brasil, Gaspar de Figuei-
redo Homem, o Ouvidor da capitania de Pernambuco, Pedro Ho-
mem de Castro, o sargento-mor do estado Pedro de Oliveira, com
as companhias e bandeiras de soldados. A Câmara estava represen-
tada por Francisco de Barros, juiz mais velho, e Antonio de Andrade,
seu parceiro; Duarte de Sá, vereador mais velho, André de Albu-
querque e Cristovão de Alpoim, vereadores; Diogo Barreiros,
procurador do Conselho e Leonardo de Barros, escrivão. Estavam
ainda: Mateus de Freitas Azevedo, alcaide-mor; Gaspar Fragoso
e Felipe de Aguiar Lobo, almotacéis; Manuel Ferreira, meirinho
do eclesiástico; Jaques Pires Landim, da correição; Gabriel Damim,
da capitania; Martim Gonçalves Teixeira, do mar; Domingos
Coelho, do campo; Lourenço Figueiredo, dos defuntos; e Fran-
cisco Gonçalves, alcaide da vila. a E ainda grande concurso de
povo.
Alugaram-se casas para a morada dos Visitadores e de seus
oficiais, pagando-se a locaçâo com o dinheiro das penitências,
segundo ordem do Conselho enviada a Furtado de Mendonça. s
Procedia-se aqui como nas Visitações do Reino. D. Marcos Teixeira

I RscIMENTo oB 1613, apud. Axouoe I Snvl, Coleção Cronológica fu l*gislação


Portuguesa (1612-19). p. 26.
2 Slr,vroon, Frei Vicente. História do Brasil. cap. 23, p. 283.
3 Códice 1536. (Col. Moreira). Biblioteca Nacional de Lisboa. Reservados.
a Grrcre, Rodolfo. Introdução às Denunciações de Pernambuco, p. X'XI.
s Blúo, Antonio: "Correspondência inedita do Inquisidor Geral e do Conselho
Geral do Santo Oficio, e o Primeiro Visitador da Inquisição no Brasil". ln: Brasilia,
Coimbra, 1942. l, p. 543.
As vrsrrAçõEs 195

esteve temporariamente alojado no Colégio da Companhia, mas no


fim de sua estadia na Bahia, já estava em casa alugada para si.l
No capítulo 2, determinava o Regimento: "Tanto que o In-
quisidor chegar à cidade ou lugar da comarca onde de novo ha de
começar a entender em o oficio da Santa Inquisição, depois de ter
apresentado seus poderes ao Prelado daquela Diocese, fará ajuntar
as Justiças Seculares, e lhes apresentarâ a Patente de Sua Mages-
tade, concedida ao Oficio da Santa Inquisição, e darlhe-á traslado
dela, se cumprir para que sejam informados do que Sua Magestade
manda e depois mandará apregoar e notificar o dia em que há de
publicar o Édito da Santa Inquisiçâo que será domingo ou dia santo
de guarda, e assim em que Igreja para que a cleresia e povo sejam
presentes em ela a qual igreja será a que parecer bem e mais con-
veniente para isso, e para ouvir o sermão da Fé. E mandará que
naquele dia não haja outra pregação no tal lugar. . ."2
Furtado de Mendonça apresentou Provisão ao Bispo D. Antonio
Barreiros aos 15 de julho de 1591, e à Câmara aos22 de mesmo mês
e ano: juraram ajudá-lo em tudo que fosse necessário. À sua auto-
ridade inconteste dobravam-se varas, báculos, joelhos: ". . man-
damos em virtude da Santa Obediência e sob pena de excomunhâo
maior ipso facto incurrenda (cuja absolvição a nós reservamos)
a todas as justiças e pessoas assi seculares como eclesiásticas a
que esta for mostrada que lhe dem todo favor e ajuda que por ele
e de sua parte lhe for pedido..."3 Aos 28 de julho, 8." domingo
depois de Pentecostes, na Sé Catedral da Bahia, no ato de publica-
ção do Santo Oficio, o Governador jurou colaboração ao Visitador.
A mesma cousa fizeram, pela Càmara, Martim Afonso Moreira,
Vicente Rangel, Garcia d'Avila, Fernão Vaz, Gaspar das Naus,
Gonçalo Veloso de Barros. Na ausência do Ouvidor-Geral pres-
tou juramento o Ouvidor da Capitania Cristovão Brandão. Juraram
ainda Meirinhos e Alcaides: Simão Borralho, Antonio Lobo,
Simão de Sequeira, Paulo Moreira, Jafos Pires Landim e Pero
Godinho, e o povo, representado por João Gonçalves de Aguiar,
André Monteiro e Jeronimo Barbosa.a
Um domingo marcava o início da ação inquisitorial. Anun-
ciava a voz do melhor orador sacro: liturgia, pompa, a presença
das pessoas mais gradas na principal igreja do lugar. Furtado de
I "Confissões da Bahia (1618)." passim.
2 Rncrlrrxro oE 1613. loc.
cit., p, 26.
3 Comissão
do Arqúduque Alberto. "Confissões da Búia (1591)." p. 2.
a Cf. juramentos
transcritos em "Confissões da Bahia (ljgl)." p. 12 e 13.
196 osPRocEDIMENros

Mendonça instalou solenemente a Inquisição em Salvador aos


28 de julho de 1591, concedendo 30 Dias de Graça ao povo da cida-
de e de uma légua ao redor. Aos I I de janeiro de 1592, concedeu 30
Dias de Graça à gente do Recôncavo; aos 24 de outubro de 1593 ins-
talou solenemente a Inquisição em Olinda, concedendo 30 Dias de
Graça às fregrresias do Salvador, S. Pedro Mártir, Corpo Santo e
Nossa Senhora daYirzea do Capibaribe. Aos 8 de janeiro de 1594,
concedeu os mesmos 30 dias aos fregueses de S. Cosme e Damião
de lgaraçu, S. Lourenço, Sto. Antonio do Cabo e S. Miguel da
Ipojucã. Aos 9 de dezembro do mesmo ano, concedeu 12 Dias de
Graça a ltamaracít e aos 24 de dezembro 15 dias à freguesia de
N. Senhora das Neves da Paraíba. 1
Os Éditos da Fé e da Graça conclamavam a confissões e denún-
cias. Brandia-se do alto dos púlpitos ou da intimidade dos confes-
sionários a sanção excomunicatória para os omissos. A afixação
do Édito à porta das igrejas e, principalmente, sua leitura semanal,
era uma opressão.2 O Édito da Fé fazia o elenco dos desvios. O da
Graça determinava um certo número de dias nos quais a espontânea
apresentação garantiria a isenção de tormentos, da morte e do
confisco dos bens. Bem entendido: se a sinceridade apusesse seu
selo às confïssões. Depois desse interregno, a Justiça pura e simples.
O momento da proclamação do Édito da Fé - na Sé do Sal-
vador e na matriz de Olinda - signihcava o primeiro contacto
efetivo da população das "capitanias do Norte" com o Visitador.
Antes, houvera apenas a presença nas ruas pata a respeitosa recep-
ção, a que deviam acorrer todos, principalmente as pessoas gradas.
O ÉOito foi lido e depois completado pelo Monitório: pri-
meira parte de um diálogo entre homens diferentes, que tentavam
harmonizar-se, para cultuar, em conjunto, o mesmo Deus.
Através de fórmulas fixas, falou o Visitador para todos: ho-
mens, muiheres, livres e escravos, cristãos-novos e velhos, pessoas
importantes na sociedade colonial e homens simples e humildes,
analfabetos e letrados. Falava para os que tinham vindo do Reino
recentemente, ou há longos anos, para os que tinham nascido aqui
I Introdução a "Denunciações de Pernambuco" p. VIII, e a "Denunciações da Ba-
hia, (ls9l)", p. 7
2 "E o édito da Fé e da Graça depois de serem lidos, serão afixados em a porta prin-
cipal da igreja onde se publicarem; e estarão assim afixados por espaço de tempo
com pena de excomunhão ipso facto incurrenda de que não possam ser tirados . . '"
Regimento cit. loc. cit., p. 27.
As vrsrrAçõEs 197

e para os que nas vésperas tinham abraçado o Cristianismo nas


aldeias dos missionários. A todos comunicava sua mensagem tra-
zida de um mi:nCo europeu, haurida nas esferas supranacionais
do Catolicismo. Ao falar da Fé, como único valor que realmente
importava, servia-se da eternidade da vida transcendente como
etiqueta justificadora de certa pauta de comportamento. Reiterava
para muitos, inculcava em outros, o maior valor da sociedade de
que provinha. Sociedade que já estava adiantada na reforma de sua
espiritualidade. Defendia a integridade da ortodoxia, acautelando
os homens contra os falsos arautos de seitas heterodoxas, contra
a maldade dos criptojudeus. Fazia presente em terras baianas ou
pernambucanas as idiossincrasias e as intolerâncias vigentes na Me-
trópole. Usava argumentos persuasórios: o amor, que tão rapida-
mente fazia vibrar as cordas líricas do coração português, mas lem-
brava, também, antagonicamente, da cólera divina que se abateria
sobre os faltosos, com toda a c,eÍteza. Afiançava-o, empenhando
sua ciência, sua virtude e,sua autoridade.
O Visitador buscava despertar as consciências que no Novo
Mundo tinham-se dilatado, talvez para se porem de acotdo com a
vastidão circundante. Aguilhoava vontades amolentadas pelos tró-
picos. Tentava revigorar valores, se não minimizados, pelo menos
diminuídos diante das imposições da sobrevivência. Por isso, diri-
mia dúvidas sobre as heresias. Ensinava, relacionando pormenori-
zadamente as armadilhas em que muitos comprometiam a integri-
dade doutrinal do credo que esposavam.
O primeiro Visitador foi mandado a inspecionar o Bispado
do Cabo Verde, o Bispado de S. Tomé e o Bispado do Brasil, "e
todas as cidades e vilas e lugares dos ditos Bispados e da adminis-
tração de S. Vicente no estado do Brasil".l Marcos Teixeira foi
encarregado da inspeção à cidade do Salvador da Bahia de Todos os
Santos, seu Recôncavo, e Angola.2 Furtado de Mendonça inquisi-
toriou a cidade do Salvador, o Recôncavo, Olinda, Igaraçu, Ita-
maracá e Paraíba. Não foi a Cabo Verde ou S. Tomé, pois carta do
Conselho Geral de ll4ll593 mandava-o regressar ao Reino logo após
o encerramento de seus trabalhos em Pernambuco: "vos mando
que vades visitar logo a Capitania de Pernambuco a qual visitareis
mais breve que for'possivel e acabada vos embarcareis para êste
I CorrnssÃo po Axeuroueur ArsERro Ao l.o VrsrÍloon. loc. cit., p. L
2 "Introdução às Denunciações da Bahia (1618)." Anais da Biblioteca Nacional.
Rio de Janeiro, 192'1. t. 49, p. 77.
198 os PRocErirMENros

Reyno sem irdes visitar S. Tomé e Cabo Verde como levastes por
instrução São Paulo esperou inutilmente sua visita desde
1593. A 3 de novembro, os oficiais da Câmara, discutindo a con-
veniência de entrada ao sertão, decidiram adiáJa por ser tempo de
águas, haver notícias de próximo ataque dos ingleses e "se esperar
o senhor inquisidor e o senhor ouvidor-geral".2 Tampouco tem-se
atê agora notícia da presença de D. Marcos Teixeira em Angola.
à razão alegada para o encurtamento da primeira visitação
foi a econômica: "porque se faz muita despesa e estão ainda por
pagar as letras que tem mandadas e vai-se impossibilitando o Santo
Oficio para as poder satisfazer porque tem pouca renda" escrevia
o Conselho a Furtado de Mendonça aos 27 de março de 1594.3
Teria sido apenas essa a razã,o? Ou teriam influído também certos
descompassos da ação do Visitador em relação àquilo que dele
esperavam as altas esleras inquisitoriais, como o deixa entrever a
correspondência trocada entre ele e o Conselho?
A jurisdição do Visitador estava determinada na sua Comis-
são: "... e lhe damos per auctoridade apostólica poder e facul-
dade pera que possa inquirir e inquira contra todas e quaisquer
pessoas assim homens como mulheres, vivos e defuntos, presentes
e ausentes, de qualquer estado e condição, prerrogativa, preemi-
nência, e dignidade que sejam, isentos e não isentos, vizinhos e
moradores, ou que per qualquer íia residirem ou estiverem nas
cidades, vilas, e lugares, culpadas, suspeitas ou infamadas no delito
e crime de heresia e apostasia ou em outro qualquer que pertença
ao Santo Oficio da Inquisição, e tomar contra elas todas e quais-
quer denunciações, informações e testemunhos e assim contra os
fautores, receptadores e defensores delas, e pera que se possa fazer
e faça contra os culpados e cada um deles processos, em forma
devida de direito sendo necessário segundo a forma da Bula da
Inquisição e Breves concedidos ao Sto. Oficio e para que possa
prender os ditos culpados e sentenciá-los em final conforme ao Re-
gimento e instrução que leva per nós assinados . . ."a
A competência do Visitador era, porém, limitada aos casos
mais simples, porque os mais graves eram reservados ao Tribunal
de Lisboa. Por uma carta do Conselho a Heitor. de Mendonça, em
I "Carta do Conselho ao Visitador". ln: Brasilia. cit., p.547.
2 Atrs or CÂlrml ol Vtra on SÃo Pluro. São Paulo. v. l, p. 472, 550.
3 lbid.
a Op. cit. p. l.
As vrsrrAçõEs lD
1592, 1 conhecemos-lhes as atribuições em concreto, glosando-se
o Regimento e as instruções que recebia o Visitador. Podia julgar
em última instância os casos de bigamia, blasfêmia e culpas meno-
res, até "a pena de abjuração de levi. Os culpados de judaísmo e
luteranismo, acompanhados de provas suficientes e testemunhos
ratificados, deviam ser remetidos presos ao Reino na primeira em-
barcação segura, para serem julgados. Expiicava-se: O Conselho
tinha confiança no Visitador - mas seus assessores eram teólogos
e não conheciam as cousas do Santo OÍïcio. Essa confiança, de
resto, não era muito grande, pois aquele Visitador se excedeu, seja
promovendo um precipitado Auto-de-Fé, seja remetendo a Lisboa
processos mal inòtruídos, de que resultou a absolvição in limine
de Salvador da Maia e Luis Alvares "por não serem as culpas bas-
tantes" e depois de julgado Gaspar Afonso Castanho, pela mesma
razão, e por serem as testemunhas ouvidas inimigas do réu.z Fur-
tado de Mendonça foi então severamente advertido.3 Em relação,
pois, aos casos mais sérios, o Visitador funcionava como um juiz
de instrução que pudesse pronunciar o indiciado e decretar sua pri-
são preventiva e expedição para o Tribunal lisboeta.
Na realidade, Furtado de Mendonça e o Conselho não pen-
savam muito harmonicamente. Além dessas visíveis discordâncias
que transparecem na correspondência entre o Visitador, o Conselho
e o Inquisidor-Geral, depois, finda a Visitação, recolhidos a Lisboa
os processos no Brasil instaurados, pronunciou-se o Conselho,
de modo diferente, na maioria deles. Encontramos observações
divergentes do procedimento de Mendonça nos processos de João
Freire: "êste delito merece pena de morteo''4 Salvador Barbosa:
"o edito da graça não ha lugar neste delito do pecado nefando
senão somente nos da fé e o direito põe pena de morte";s Antonio
Gonçalves: "este processo não parece que estava em estado de se po-

1 Beúo, Antonio: "Correspondência


inédita". ln Brasilia. I, p. 5M. "Carta do
Conselho aos l3ll 11592."
2 Loc. cit. p. 545-46 e 47.
3 "Tereis advertência que daqui por diante não façais semelhantes prisões sem ter
prova bastante para isso, pelo muito que importa não se desacreditar o procedimento
do Santo OÍïcio, além dos danos e perdas que recebem as partes em suas p€ssoas
e fazendas de que lhe socrestam". Loc. cit., p. 547.
a O Visitador prometera ao réu que se confessasse o nefando de que estava acusado
que não o mandaria a cadafalso nem lhe mandaria publicar o seu pecado. h.rqtnsrçÃo
ps LrsBoa. ANTT. proc. n.' 2.557. Pernambuco, 1595.
slrquslçÃo DE LrsBoA. ANTT. Pernambuco, 1595. Proc. n." 11 .208.
2M osPRocEDrMENros

der sentenciar porque primeiro se houvera de fazer diligência sôbre


o segundo matrimonio pois não consta dele mais que por confis-
são da parte e saber que é verdade que foi castigado por ele como
o reu diz";1 Pero Gonçalves: "não se ha de dar penitência pública
havendo abjuração de levi"; 2 Francisco Afonso Capara: "bastava
repreender o reu e não o levar ao auto";3 Afonso Luis Malveiro:
"este reu confessou no tempo da graça o principal de suas culpas
e depois confessou também o mais de que se lembrou que são cousas
mais leves e as testemunhas são mui suspeitas de inimigas ainda
que são mulher e filhas e de oficios se deverá fazer diligência sôbre
isso quando o reu o não pedira. E assim parece que foi muito rigor
condena-lo a auto publico";a Miguel Jorge: "bastava repreender
este reu sem mais pena"; s Simão Rodrigues: "não abjurando de
levi bem se pudera escusar o auto público"; ó Miguel Dias: "bas-
tava darlhe alguma penitencia espiritual sem ser pública";7 Maria
Nunes: "não toca ao Santo Oficio êste caso senão ao Ordinário";8
Pero de Carvalhais: "deve-se qualificar esta proposiçã6".0
A autonomia do Visitador não era grande, embora a distância
da sede do Tribunal pudesse sugerir isso. As restrições regimentais
eram controladas pelo Conselho e pelo Inquisidor-Geral, através
de correspondência. Perguntava-se de lá, por exemplo, pelo anda-
mento de certos casos, como o de Cabral de Ataíde. Mandava-se
que fosse suspensa ordem dada por Furtado de Mendonça, proi-
bindo ausentarem-se as pessoas da cidade enquanto durasse a Visi-
tação "por se não dar ocasião a se dizer que se encontra ajurisdição
del-Rei e se impede o comercio da terra". 10
No entanto, alguns problemas locais tiveram de ser resolvidos
pelo Visitador, que, recorrendo ao conselho de seus assessores,
estudou alguns casos que escapavam aos modelos metropolitanos,
tais como: incorrer ou não na excomunhão da Bula da Ceia os que
1 Id. proc. n.' 8.480. Pernambuco, 1594.
2 Id. proc. n." 11.112. Pernambuco, 1595.
3 Id. proc. n." 17.813. Bahia, 1592.
a Id. proc. n.' 16.895. Bahia, 1592.
s O Inquisidor fêJo comparecer ao auto com mordaça, desbarretado, com vela, para
ouvir a sentença. INqusrçÃo oe LtssoÁ.. ANTT. Bahia, 1592. Proc. n." 12.935.
ó IuqusrçÃo oE Ltssoe. ANTT. Proc. n." ll.6ó6. Bahia, 1592.
1 Id. Bahia, 1593. Proc. n.' 12.934.
8 Por ter faltado a abstinência de carne em dias defesos, foi condenada a auto público,
em corpo, com vela acesa na mão na Sé de Olinda. INQutsIçÃo os LIsBol. proc. n.o
10.750. Bahia, 1592. ANTI.
e lr.rquIsIçÃo on Ltssor. ANTT. Bahia, 1592. Proc. n.' 12.231.
10 Carta do Conselho, de 2411011592. Loc. cit., p. 546.
AS vrsrrAçõEs 201

dão armas ao gentio que tem guerra com os cristãos; se se devia


proceder como contra suspeitos na fé, contra os que se deixavam
andar excomungados mais de um ano, embora não declarados
nominalmente; se se devia manter a proibição de não ir ao sertão
aqueles que tivessem ali cometido suas culpas.l O meio impunha
certas flexibilidades. O Brasil propunha novos problemas. Embora
conservasse os metropolitanos.
1t Sob o rótulo de heresia e apostasia, cabiam muitos delitos,
$
compostos principalmente de crença ou práticas do Judaísmo,
i Maometismo, Luteranismo, bigamia, sodomia, molície e bestiali-
dade, feitiçarias, superstições, culto ao diabo, adivinhações, leitura
e posse de livros proibidos.
A prática da vigilância inquisitorial c da repressãto dos desvios
da ortodoxia reclamava, na verdade. objetivos imediatos visualizados
em dois planos que precisam ser diferencittdos para uma compreensito
real. É uma ilusão supor que os homens do Santo Oficio perseguiam
as práticas heterodoxas para baní-las da vida cotidiana e evitar com
isso contágios deleterios capazes de conrprometer a unidade religiosa
que lhes curnpria preservar. Eles penetravam tnuito mais fundo que
isso, porque o seu alvo erafir eÌs consciências nas quais, mesmo com
as confissões espontâneas ou arrancadas, bem sabiam ser impossivel
penetraÌr e recondicionar. As aparências que rebrotar-n de uma leitura
I ingênua dos processos não nos devem enganar. Nãro perseguiam os
sintomas - a guarda dos sábados, o uso de roupas lavadas e enfeites
nesse dia. as determinadas observâncias dieteticas colrlo o pescado
sen-ì escatÌÌrìs, ou a proscrição do toucinho, de certas caças como a
lebre ou o coelho. Não, neìo era uilliì perseguição simplista de usos'
costumes, liturgias recessivas nos cristãos-novos. Quando os inter-
rogatórios apuravam essas ocorrências, estavam a evidência ali-
nhando sintomas para o diagnóstico do que lhes parecia a doença
interior a ser combatida, curada ou eliminada para prevenir focos
de infecçâro dos espiritos ainda indenes.
Assirn, ao apurar os indícios - o plano irnediatamente visivel
dos processos, os visitadores não pretendiarn refrear os contágios
desses indicios que bem poderiam ser resíduos, de certa forma até
inócuos, da herança cultural dos povos a serem assimilados. Esses
indicios eram frestas para a contemplação daquilo que lhes importava
atingir nas consciencias - as crenças enraizadas. Não se tratava
de impedir que o judeu fosse culturalmente, pelos costumes ou pelas

I Determinações. Prefácio de "Confissões da Bahia (1591)", p' XXXVil-XXXVIII.


202 os pRocEDrMENTos

relações entre as famílias, judeu: o que importava erâ que a crença


não fosse judaica, que a consciência losse cristà. Acontece, poreÍì1.
que a cultura judaíca está de tal forma impregnada de sua religiosi-
dade conseqüente que quase todos os atos, mesmo os mais simples
da vida cotidiana, implicavam um comando mental de natureza
religiosa. E isso de tal forma era totalizante que os hábitos do dia-a-
-dia, os mais banais, ou a recaida em observâncias ostensivamentc
litúrgicas - jejuns, abstinências, o pão azimo, cabanas, orações
como os Salmos penitenciais, - que, sendo biblicos, adquiriam um
signifìcado neìo cristão - traiam uma opção religiosa. Dai a im-
pressão que pode nos fìcar de que a Inquisição combatia e punia
sintornas, quando, na verdade, no plano profundo, a batalha se
travava para a captura das consciências transviadas nas persistências
de natureza espiritual.
Nào se cogitava, pois, de impedir as práticas judaizantes: os
rituais da morte - derramar as águas da casa, comer, em mesa
baixa, pescados, ovos, azeitonas, ou ficar atrás das portas, vestir o
norto em panos novos, depositá-lo em terra virgem, com moeda
de aljôfar na boca, os rituais da bênçào, da circuncisão, do nomc
judeu. Tudo isso tinha que ser apurado, sim, porque tudo isso tinha
um conteúdo de compromisso religioso, e não era possível dissociar
os costumes da crença. Mas sempre era a crença discrepante que
era preciso eliminar.
Nesse sentido a repressão atingia, pelo balanço da sintoma-
tologia visível, os muçulmanos, os protestantes e os próprios cató-
licos. Desvios testemunháveis pela observação punham à mostra
para os juizes as realidades das consciências doentes. de outra forma
impenetráveis em seus arcanos, protegidos pelas paredes que sc-
param cada um dos outros.
Se o mouro jejua no Ramadam, banha o corpo ou certas partes
dc preferência, se reza descalço, se recusa iÌ crìrne de porco ou o
vinho, se repele a pintura da figura humana, esses colllportarïentos,
que não são pecados patentes, apontam o herege, o adepto de Ma-
foma a quebrar a homogeneidade da crença, a trincar a unidaclc
cristã, comprometendo a harmonia das verdades do Cristianisrno.
Sim, se o inglês. o alemão, ou alguérn que chegue do Norte da
Europa, na conversa, endossa certas ideias como a negação do ln-
ferno, a perpetuidade das sanções dos pecados, o poder pontificio
do perdão, ou se discute a transubstanciação, a missa, a divindadc
de Jesus Cristo, essas dúvidas ou opiniões põem à mostra a consciên-
cia luterana que divide e desgarra o Cristianismo europeu. Essa
t i

As vrsrrAçõEs 203

consciencia - e não diretamente essas opiniões - tem que ser


tratada para que se preserve a unidade da ortodoxia.
Nesta linha também os católicos, ostensivamente observantes
das práticas litúrgicas, traiam pendores a desvios irrernediáveis.
ì
quando cometiam certos pecados sabidos que implicavam desprezo
t â certos cânones intocáveis. A bigamia pressupunha contestação à
sacralidade do casamento; a solicitação no conlessionário implicava
denegação do sacramento da confissão; a sodomia era a entrega
da carne a deslavado paganismo. As práticas mágicas, supersti-
ciosas ainda que com as mais hutranas intenções significavam no
plano das consciências, um desafio ao misterio do sobrenatural e um
retorno ao mesmo paganismo superado pelo triunfo da catolicidade.
d. Os trabalhos
Durante as Visitações ocorriam: Confissões, Denúncias, In-
quirições, Ratificações.
Confissões
Tradução do grego, em sua concepção mais ordinária, o vo-
cábulo conÍìssão significa o reconhecimento dos erros.
Todos os Tribunais, porque administradores da justiça, exigiram
em seus ritos processuais que os réus se confessassem diante deles. 1

O assentimento da responsabilidade pelas próprias faltas


diante de Deus acompanha o homem desde que ele aceitou a divin-
dade. A fórmula "assentior contra me dictis" aflora constantemente
na literatura eclesiástica desde os mais recuados tempos, indicando
claramente que o homem aceitava diante do Céu e dos seus seme-
lhantes as implicações inerentes aos seus deslizes. A Nova Lei impôs
a Penitência ou Confissão como sacramento,2 e, aos cristãos, a
obrigação de submeter-se a este preceito. Trento, redefinindo a
ortodoxia cristã, reafirmou a conhssão sacramental como direito
divino, imprescindível à salvação.3
O Santo Oficio, tribunal que era, exigia a confissão. Zelador
da integridade das consciências, intimava a relatarem suas faltas
I Oxomtr@ns ftmrNrs dispõe sobre as Confissões no seu Liwo I tit. 24 $ 19; Livro II
tit.50, $l € tit. 53 $13 e Liwo v tir. 35 $7 e tit. 7l $5.
2 A instituiçâo divina da confissâo baseia-se nas Escrituras e na Tradição que tes-
temunham ter Cristo conferido aos Apóstolos e a seus sucessores, o poder das chaves,
estabelecendo-os juizes das consciências.
3 Canon YI cap. 5 da sessão XIV do Concilio de Trento. RIcHrno, P. Concile de
Trente. ApudHtirrrn, Charles Joseph: Histoire des Concíles. Paris, 1931. fX, 2." parte,
p. 482.
204 os PRocEDrMENros

"aos que se sentissem culpados nos ditos crimes e delitos da mal-


vada heresia".l Tinha direito de ouvir as confissões não só dos
erros como também dos pecados. Era um órgão também eclesiástico.
Seus ministros gozavam de autoridade superior à dos confessionários,
porque o foro inquisitorial diferenciava-se do sacramental. No
confessionário, contavam-se os pecados, i.e., as ofensas feitas a
Deus por um indivíduo. No Santo Oficio, contavam-se as heresias
e apostasias. As heresias, i.e., todas as doutrinas diretamente opostas
às verdades reveladas por Deus e propostas como tais pela Igreja,
manifestadas por fatos (palavras ou escritos); e as apostasias, i.e.,
renegação total da fé. Delitos. Por isso, pertenciam ao campo dos
penalistas canônicos. O julgamento dessas faltas pertencia a um
Tribunal que se preocupava com a salvação individual, sim, mas
principalmente com o bem-estar da coletividade. Isso porque, num
meio católico, as heresias e apostasias eram ameaça ao bem comum,
uma vez que ameaçavam a integridade religiosa da sociedade pelo
proselitismo dos hereges ou pelo escândalo que eles causavam.
Afetavam a comunidade.
Dado esse caráter social dos delitos, a Inquisição estava acima
do sigilo dos confessionários, fundado, ele próprio, na lei natural,
nas prescrições canônicas2 e no direito divino.3 Em casos especiais,
é verdade, o Santo OÍïcio exigia a ruptura da inviolabilidade do
segredo da confissão. Casos havia em que o pecado poderia abrigar
a heresia. O confessor se aperceberia da passagem do plano indi-
vidual para o coletivo. f) sentido social da ação justificava a ruptura
do segredo do confessionário entregue então ao semi-secreto da
Inquisição. Foi o que aconteceu a Antonia de Oliveira, convidada
a se judaizar pelo primo Alvaro Pacheco, e que relatou aos seus
confessores, os jesuítas Antonio Blasques e Pero Coelho. Estes
mandaram-na apresentar-se à Mesa Inquisitorial. a O mesmo acon-
teceu com Francisco Barbosa da Silva, que, por ter dito não ser
pecado dormir com mulheres públicas, teve sua absolvição sus-
tada pelo beneditino frei Honorio, até sua apresentação ao Visita-
1 Carta do Édito do Tempo da Graça. In: Coleção de Bulas e Breves, fol. 4 v. Esta
carta foi transcrita por Antônio Baiâo em Arquivo Histórico Português. lY,
p. 229-31.
2 "O confessor deve eütar cuidadosamente qualquer palavra, qualquer sinal, seja
qual for o motivo, que pudesse ainda que de leve comprometer o penitente". Dnsrro
CrNÕNIco. can. 889, g l
3 LocHt<rN, E. Traite du secret de la Confession.
Paris, 1708. p. 5.
a lNqursrçÃo or Lnsol. Proc. n.o 15 563. ANTT.
As vrsrrAçõEs 205

dor Furtado de Mendonça. I O Santo OÍïcio, Tribunal que era, mante-


ria o segredo sacramental até o momento em que o interesse coletivo
exigisse a publicação da pena e da culpa. A Inquisição era Tribunal
público: zelava pelo bem-estar coletivo, por isso ultrapassava o
âmbito dos interesses individuais. Seus juízes eram delegados do Sumo
Pontífice, "não tendo outrajurisdição quanto às pessoas nem quanto
aos crimes, nem quanto às causas senão aquela que o Papa lhe
confere".2 Questão de competência para penitenciar e absolver.
A confissão tornava-se imprescindível nos autos inquisitoriais,
quer para o Santo Ofício, quer para o réu, condição que era do bom
despacho do processo, que devia culminar na reintegração do cul-
pado na Igreja, do qual fora automaticamente desligado quando
se tornara herege, ou, eventualmente, culminar na sua exclusão
deÍìnitiva; deviam-se "arrancar pela raiz as árvores que contami-
nam e matam as outras suas vizinhas". A instituição üsava basica-
mente a salvação das almas, impedindo novo esfacelamento da Cris-
tandade.3 Para os confitentes, o elenco completo de suas ações
era muitas vezes meio que permitia a continuação de suas üdas in-
terrompidas pela ação'do Tribunal, na medida em que acelerava o
prosseguimento do processo. Outras vezes, modo de prevenir tal
intemrpção.
Certamente, era para o cristão o confessar-se forma de res-
tabelecer o equilíbrio espiritual rompido no momento da falta.
Terapêutica de cura das almas, porque válvula de libertação do sen-
timento de culpa. A conÍissão ao Santo Oficio deüa aliúar as almas
escrupulosas como a de Antonio Pires. Este, criticândo amigos
que voltavam da missa, dissera "que melhor fôra ir ver ao diabo
que a Deus". Arrependido, correra ao vigário de sua freguesia e se
desdissera da imprecação, tendo-lhe sido assegurado, após indagação
sua, pelo mesmo padre, não ser matéria para a Inquisição. Apesar
disso, sua insatisfação induziu-o a comparecer à Mesa para relatar
o caso, por ter ainda escrúpulos pelo acontecido conforme de-
clarou.a Era preciso livrar o espírito de preocupações opressivas
numa busca de recuperação da segurança anterior.
I "Confissões de Pernambuco". p. 55-6.
2 Enmntcn, H. e PrcN,l, F. Directorium Inquisitorwn. Roma, 1587. p.536.
3 ". . . arrebatar do precipício dos erros, atendendo constantemente à sua salvação,
àqueles para cuja admissão nos conselhos celestiais quiz o supremo autor de todas
as cousas sofrer a morte. . ." Bula "Meditatio Cordis". (Col. de Bulas e Breves).
fol. lOv.
4lr.rqursrçÃo on Lssol. ANTT. Proc. n!6367.
2U6 os PRocEDrMENros

Aconfissão aos Inquisidores era, como a sacramental, uma


submissão a Deus, no reconhecimento de sua justiça, de sua mi-
sericórdia. A heresia rompera a situação dialógica do encontro da
palawa de Deus e da resposta do homem, q.reã espiritualidade do
tempo restabelecera - o "Deus et anima" de Santo Agostinho. Peni-
tenciando-se da heresia, renunciara o homem à ambição egocêntrica
de sua auto-suficiência. O homem se submetia, pondo fim à rebelião
de orgulho em que mergulhara, rebelião que, metaÍisicamente, era,
segundo Santo Tomás, a negação do ser. I Jeronimo de Barros, ao
confessar suas cúpas, pedira ao Inquisidor perdão e remédio saudá-
vel; Jorge Martins rogava lhe fosse administrada penitência sau-
dáwel.2 Todos aspiravam à tranqüilidade das próprias oonsciências.
Além do aspecto puramente doutrinal, a confissão apresentava
outro, de âmbito puramente psicológico: uma antecipação da
psicoterapia.3 Os confitentes iam desnudar a própria vida em
troca do perdão. Diante dos Inquisidores, aboliam-se, pois, as re-
servas, atenuavam-se as @nsuras, afrouxavam-s€ os recatos. Pelo
imperativo da sinceridade jurada aos Evangelhos, não podia haver
reticências. F as tendências mais estranhas e curiosas aÍloram dos
relatos apresentados pelos confitentes. Ora são as relações minu-
ciosas das indecorosidades cometidas pelos homossexuais, como as
de Antonio Aguiar,a as de Estevâo Velho Barreto,s as de João
Freire,6 as do mulato Bento com seu senhor Pero Garcia, ? ou
as de Isabel Marques,s Felipa de Sousa,e ou de Maria Grega,
que mantinha relações sodomíticas com o marido. 10 Ou os pecados
de molície de Jorge de Sousa,ll ou os de bestialidade, de Heitor
Gonçalvesl2 e de Pero Marinho Lobera.13 Cá e lá, reponta o exi-
bicionismo, como o confessaío por Cabral de Ataide, a contar suas
I Sura Tborócrc,c,. I-II q., 84 a.2.
2 "Confissões da Bahia (1591)". p. 34 e 3l respectivamente
3 Tonrr,ú, J.B. Psicandlise ou Confissão?. Lisboa, 1967. p. 176 e segs.
4 INqursrçÃo DE LrsBo . ANTT. Proc. n.o 6358.
s Id. proc. n.' 14.326.
6 Id. proc. n.o 2.557.
7 "ConÍissões da Bahia (1618)". p. a60.
8 "Confissões da Bahia, (1591)". p. 180-81.
e Traslado da l.' sessão do seu processo, contido no de n.o 3.306 da Inquisição
de
Lisboa.
l0 "Confissões da Bahia (1591)." p. 134.
11 lNqursrçÃo pn
Lrssol. ANfi. Froc. n." 2552.
12 "Confissões da
Bahia (1591)." p. 155.
13 INqusrçÃo DE
LBBoA. ANTT. Proc. n:
12937.
AS vrsrrAçõEs 2Vl

tentativas de seduzir a comadre na capela do engenho, após a mis-


sa, r ou o de Antonia Correa, ao relatar as palawas do Pe. Antonio
Fernandes, que, no confessionário lhe dissera "que mal empregada
era ela em seu marido e que se ela fôra sua mulher dêle ügârio,
que doutra maneira com vestidos de seda a houvera de trazer e que
se ela quisesse alguma cousa lha pedisse que êle faria tudo".2 Sub-
jacente, haüa no mecanisrho da confissão um sentido catártico:
buscava-se alívio do próprio espírito, contando, com todos os deta-
lhes, os deslizes cometidos.
As Confissões eram feitas no Tempo da Graça ou fora dele.
Tempo da Graça, i.e., um determinado número de dias, nos
quais os penitentes, que, de liwe vontade, se achegassem à Mesa
Inquisitorial para se confessar, teriam a garanti-los a promessa de
especial misericórdia. Os Regimentos de 1552 e de 1613 eram explíci-
tos: "serão recebidos com muita benignidade e não haverá pena
corporal nem perderão os bens".3 Nem confisco de bens, nem tormen-
tos, nem morte, portânto. Afirmação de confiança nos crentes. Espe-
ravam-se para o futuro provas do bom emprego dessa confiança.
Misericórdia, mas com a condição de que sentissem os Inquisidores a
sinceridade por parte dos confitentes, que deúam pedir perdão e
mostrar de forma consciente o desejo de serem reconciliados. A
reincidência podia ser perigosa doravante.
O Tempo da Graça era um "intermezzo" de complacências,
a grande oportunidade a aproveitar pelos que se sentissem cul-
pados. O Santo Oficio lembrava aos homens seus deveres. Re-
preendia-os, sim, mas esperava que colaborassem. O primeiro
Visitador do Brasil ouviu, no Tempo da Graça na Bahia, ll8 con-
fitentes (num total de 121). Na segunda Visitação, dos 65 confi-
tentes, 17 declararam ter sido o Édito da Graça o motivo que os in-
duzira a descarregar suas próprias consciências.a lJsaram lingua-
gem semelhante à de Águeda Cordeira, que declarou a Maicos
Teixeira que ali estava "por lhe dizerem que neste tempo da Graça o
podia fazer sem temor de pena alguma, pois se perdoava tudo a quem
confessava bem sua culpa e tinha confessado com tôda a verdade
diante dêle senhor Inquisidor".s
1 Id., proc. n.' 17.065.
2 "Confissões da Bahia (1591)". p. 120.
3 Rrcncxro on 1552. cap.7.o. p.274; Rnoruwro os 1613. tit. II, 94. p.27.
a "Confissões da Búia (1591)" e "Confissões da Bahia (1618)".
5 "Confissões da Bahia (161E)." p. 379.
208 os PRocEDrMENros

Realmente, os Regimentos lnquisitoriais determinavam ex-


pressamente aos Inquisidores a atitude que deviam ter com os peni-
tentes apresentados nesse tempo:
"Vindo algwna pessoa no tempo da graça, com contrição e
arrependimento pedir verdadeiramente perdão de seus erros
e culpas serd recebido benignamente e examinada sua confis-
são assim acêrca de suas culpas, como se tem nelas sócios, cúm-
plices, aderentes . . ." I
Furtado de Mendonça esqueceu-se um pouco desse caminho
de benevolência traçado pelo Santo Oficio para os dias da Graça, e
sentenciou mais duramente um apresentado durante essc tempo:
Andre Fernandes Caldeira. O Conselho Geral notou-o, repreendeu
o Visitador: "Foi muito rigor o que usou com o réu e mais havendo
confessado no tempo da graça. Bastava dar-lhe uma repreensão na
N,lesa".2
Às vezes, os Inquisidores dilatavam demais a tolerância que
o Édito permitia. Foi o que aconteceu ao citado Furtado de Men-
donça, que.,acabou infringindo a processualística inquisitorial,
pois, sem mesmo perguntar às testemunhas referidas pelo réu Diogo
Dias, despachou, sentenciou seu processo, atentando ter-se o mesmo
apresentado na Graça.3
Terminado o Tempo da Graça, ouviam-se ainda Confissões.
No Brasil, durante a primeira Visitação, apresentaram-se 187 con-
frtentes: 152 na graça e 23 fora dela. Na segunda, os números foram
63e2.
Finda a calmaria da Graça, agravava-se a tensão inquisi-
torial sobre os indiciados em culpas graves, no entanto, mesmo fora
dela, os confìtentes compareceram à Mesa. No Brasil, na Bahia e
em Pernambuco, 25 pessoas contaram ao Visitador suas culpas,
depois de encerrado o tempo da misericórdia.
Confessava-se, portanto, no Tempo da Graça e fora dele.
Instaurados os processos, ao longo de seu desenrolar podia ainda
ocorrer a conhssão. Um exemplo: o de Bento Teixeira, que, depois
de preso em Lisboa, depois de já ter respondido às acusações for-
mais feitas contra ele pelo Promotor, decidiu-se a confessar.a

r RrcrueNro oE 1613. tit. II, $ 7, p. 27.


2 IxQulstçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n." 8.414. O Visitador fêlo sair no auto pú-
blico da lé, em corpo, desbarretado, descalço, com vela na mão.
3 Id., proc. n.' 6.350.
a Id., proc. n." 5.206.
As vrsrrAçõEs 2W

A época em que se apresentavam os Íiéis diante do Santo Ofi-


cio para confessar era de suma importância para a determinação
das conseqüências penais dos pecados confessados. A confissâo
inteira e bem feita podia encerrâr as relações do conhtente com
a Inquisição.
A Confissão punha Íiente a frente Inquisidor e Confitente.
O Inquisidor, como padre no confessionário, devia ser, na
hora da conÍìssão, ao mesmo tempo, pai, doutor, médico e juiz. 1

Como pai, devia tratar o culpado com bondade, caridade e paciên-


cia, não demonstrando indignaçâo ou aborrecimento. Tal como o
padre, o ministro inquisitorial devia encorajar os penitentes. A
Duarte Fernandes, por exemplo, Marcos Teixeira, ouvindo sua
confissão, dizia que "fôra bem aconselhado a apresentar-se à Mesa
e que o admoestava com muita caridade que fugisse das más con-
versações e do pecado Um entre muitos exemplos. Duvi-
darido das intenções do confitente Fernão Mendes, o mesmo [n-
quisidor "o admoestava com muita caridade que abrisse os olhos
do entendimento e se lembrasse que estava em tempo de graça e
fizesse inteira e verdadeira confissão. .".3 Para João de Araújo,
dizia "que fôra bem aconselhado em se vir acusar a êste Tribunal
assim para a salvação de sua alma como para se usar com êle de
muita misericórdia e que se encomendasse muito a Deus e lhe desse
muitas graças pela mercê que lhe fez de o tirar das trevas para a
|uz. . ."a
O Inquisidor devia receber a todos, sem diferenças marcadas
pela sua educação, instrução, riqueza, posição. Na realidade, aten-
do-se à processualística inquisitorial, Marcos Teixeira e Furtado
de Mendonça receberam, ouviram e trataram do mesmo modo ho-
mens como Joâo Nunes e Fernâo Cabral de Ataide, respectiva-
mente mercador e senhor de terras, dos mais ricos da Colônia, como
o mameluco Lâzaro dr Cunha, o mourisco Joâo Batista ou o forro
Sebastião. Não devia haver e não houve maiores distinções entre
os homens de destaque na sociedade e os pequenos: o Santo Oficio
nivelava-os. em geral.
Como doutor, o Inquisidor devia ter a competência para dis-
cernir a heresia onde quer que despontasse, sob as mais inocen-
I Exigências do Catecismo Romano para os confessores. DE poeNrrsNtric,. n.. 56.
2 "Conhssões da Bahia (1618)". p. 355.
3 1d., p. 358.
a Id., p. 435.
210 osPRocEDIMENros

tes aparências de que se pudesse revestir. A mesma frase, dita


por
diferèntes pessoas, podiaionter ou nâo a heresia' Um exemplo: a
melhor que o
afirmação à" q.," o èstado dos casados era tâo bom ou
dos reíigioso.. A ptopotição fora proibida por Trento' Podia, no
entanto, revelar up.ttàt ignorância por parte de quem a repetia,
podia ter sido frutõ de conversas inconseqüentes, mas podia também
àsconder a heresia condenada. Furtado de Mendonça, por exemplo,
acreditou que Inês de Brito, cristâ-velha d: Pernambuco, tivesse
ahrmado que a vida de casado era melhor que a dos eclesiásticos
"simplesmente, sem malicia, sem saber nem entender que eram
palavras heréticas nem que eram contra a verdade de nossa santa fé
I
è do qrr. tem a Santa Madre tgreja". Repreendeu-a, admoestou-a, e
2
mandãu-a rezar 5 Padre-Nossos e 5 Ave-Marias em penitência'
A mesma atitude tomou em relação a Gaspar Dias Matado, morador
no Recife.3 Em Braz Francisco deve ter achado grau mais sério de
heresia, pois, pelas mesmas palavras, exigiu abjuraçâo de levi sus-
peita na fé em cerimônia pública, a que o réu compareceu' em corpo,
descalço, cingido com uma corda, desbarretado, com vela acesa
na mão, além das penitências espirituais. a
Como médico das almas, devia o tnquisidor diagnosticar as
doenças espirituais, receitar remédios que as curassem e impedis-
sem recaída. Nesse sentido, por exemplo, o Visitador Furtado de
Mendonça aconselhava aos confitentes Vlanoel Branco e Tomacauna
que não mais voltassem ao sertão, onde costumavam se entregar a
cerimônias gentílicas ou a práticas religiosas sincréticas.5 Aconse-
lhava Manoel da Maia, conÍìtente de práticas do nefando, a que
fugisse do pecado e das ocasiões, e se encomendasse muito a Deus.6
Ao vigário Frutuoso Alvares, também confitente de sodomia,
aconselhava que se afastasse das pessoas com quem cometera tão
maus atos e das ocasiões de tornar a cometê-los "pois era sacerdote,
pastor de almas e tão velho
Como juiz, o Inquisidor devia inteirar-se da Verdade, julgar
e pronunciar a sentença que concederia ou negaria a absolvição, i.e.,

I INquIsrçÃo DE LIsBoA. ANfi. Proc. n.' 1332.


2 Sentença do mesmo proc.
s iNqtnsrçÃo on Lsnol. ANTI. Proc. n." 11 133.
+ Id., proc. n." 2.912.
s Id., proc. n." 11.072 e 10.776, respectivamente.
ó "Confissões da Bahia (1618)," p. 441.
7 "Confissões da Bahia (1591)." p. 22.
As vrsrrAçõEs 2ll
levar a termo o processo contra a heresia. Esse dever de apurar
a verdade era condição essencial ao Santo Oficio, que, tratando
com homens, pressupunha sempre a existência de fraquezas que po-
deriam prejudicar uma das qualidades básicas da confissão: sua
integralidade.
Do Confitente, exigia-se humildade, simplicidade e inteireza.
Humildade, porque o confitente era.um homem incurso no erro,
que precisava ser perdoado. Por isso, eram considerados pelos
juizes os indícios de arrependimento. Inferia a capacidade de exte-
riorização de sentimentos. Um pouco de teatralidade também. Lá-
grimas, adjetivação abundante, suspiros, súplicas de perdão, cons-
tituíam para os Inquisidores sintomas de humildade e arrependi-
mento. Pesavam no seu julgamento. Um exemplo: o que aconteceu
com João Rodrigues Marinho, confessando suas culpas, dando
mostras de arrependimento, chorando lágrimas, segundo registrou
o escrivão da Visitação de Pernambuco.l
Os conÍïtentes deviam confessar com simplicidade, sem dis-
farces, inteiramente. A Mesa devia sentir que nada fora subtraído,
que o confitente realmente desvendara os mais ocultos ângulos
da consciência. Conünha ter boa memória e espírito crítico para
prevenir omissões ou inverossimilhanças, como sucedeu ao cristão-
.-novo Fernão Mendes, que foi contar ao Visitador Marcos Teixeira
ter estado a ler o livro "Belial", proibido pela Inquisição. Lera só o
Intróito, como declarou, confessando logo a seguir ter gabado o
livro para dois mercadores a quem o emprestara. O Inquisidor du-
vidou da inteireza da confissão e assim admoestou-o, convidando-o
,i
à sinceridade.2 Frutuoso Antunes, também cristão-novo, foi contar
I
ao mesmo Inquisidor palavras desrespeitosas que pronunciara
sobre a Virgem e a Missa. Deve ter deixado entrever mais do que
falara, pois o juiz lhe declarou "que faltava muito para sua cón-
fissão ser boa".3 A maneira de contar havia de influir na opinião
dos Inquisidores. Hesitação, balbucios, indecisões, podiam ser
sintomas de timidez, ou de acovardamento, mas podiam também

I h.rquuçÃo pB Lrsnol. ANTT. Proc. n.. 2.560.


2 "E logo pelo dito Senhor Inquisidor lhe foi dito que
o admoestava com muita
caridade que abrisse os olhos do entendimento e se tembrasse que estava no tempo da
graça e Íìzesse inteira e verdadeira confissão porque não parecia verossimil suposto o
que tem dito e ser da nação, que não lesse mais pelo dito livro que aquilo que tem
confessado". "Confissões da Bahia (1618)." p. 35S.
3 "Confissões da Bahia (1618)." p. 361.
212 os pRocEDrMENros

sigrrilrcar quebra de sinceridade. Prova de franqueza, por sua vez, efa


a disposiçâo de indicar outros culpados no mesmo erro, principal-
mente se fossem pessoas bem chegadas ao confitente, a ele ligadas por
laços de sangue ou de particular afeição. 1 Assim, Águeda Cordeira, ao
confessar a Marcos Teixeira, ter jurado falso, denunciou como incur-
sos no mesmo crime a mãe, a jâ falecida Paula Cordeira, e suas irmãs
Ursula Pereira e Marcelina Pinheira. 2 Nicolau Faleiro de Vasconcelos
denunciou de judaísmo sua tia, dona Leonor;3 Antonio Monteiro foi
denunciado de bigamia na conhssão de Francisca Fernandes, sua
mulher. a

A coragem de envolver seres a quem se queria bem era prova con-


cludente de boa intenção. s Quanto mais escondido o erro confessado,
mais próximas haüam de ser as relações com as pessoas que o tinham
testemunhado. Estreitava-se o círculo, restringindi-se, às vezes, ao
meio familiar, ou ao próprio cônjuge. Assim, dona Margarida da
Costa, ao acusaÍ-se de aceitar as práticas sincréticas da Santidade,
denunciou também seu marido Fernão Cabral de Ataide. ó

Que pessoas compareceram diante dos Visitadores Furtado


de Ì\{endonça e Marcos Teixeira para confessar suas faltas? Quem,
em termos de grupos sociais, de procedência étnica?
As amostras que as duas Visitações oferecem são bastante
representativas. Nelas flrguram homens: 204, mas também 59 mulhe-
res fizeram-se ouvir. O Santo Oficio abalava a autoridade patriarcal,
individualizando e valorizando o depoimento feminino. A mu-
lher, sabendo disso, fazia da Inquisição, muitas vezes, uma arÍna
de defesa. É o caso, por exemplo, de Felipa Raposa, que, constrangi-
da a fazer cousas que não desejava, ameaçava o marido, Bento
Teixeira, de quem se queria livrar, que, se ele não lhe desse a separa-
ção, seria por ela denunciado ao Tribunal da Fé.7
1 RsctMENro pr 1552 cap. 10. p.275: "Ê, grande sinal do penitente fazer boa e ver-
dadeira confissão, descobrir outros culpados dos mesmos errores, especialmente sendo
pessoas chegadas e conjuntas em sangue e a que tenham particular afeição. . ." O
Regimento de 1613 repete as mesmas palavras no seu tit. III, $2, p. 28.
2 "Confissões da Bahia (1618)." p. 379.
3 "Confissões da Bahia (1591)." p. 23.
a V. Confissão de Francisca Fernandes.INeursrçÃo on Lrsro,r. Proc. n.'8.480. ANïT.
s Se no testemunho contra, o parentesco era contado a favor, no testemunho a favor
era menosprezado.
ó V. confissão de Margarida da Costa. INqusrçÃo oE Lrssoe. ANTT. Proc. n." 17.065.
? INeuÍsrçÃo DE LrsBoA. ANTï. Proc. 5.206.
As vrsrrAçõEs 213

Como confitentes, desfilaram diante da Mesa representantes


de quase todas as profissões existentes: as ligadas à terra, ao mar,
ao comércio, ao artesanato, funcionários do Rei e da Igreja, entre
outras. Apareceram também os que se declararam sem oficio. Al-
guns omitiram suas ocupações. O elenco profissional dos confitentes
é o que se segue:

Ocupações N.o de Confitetrtes

Senhor de engenho .5
Dono de Fazenda 4
Dono de Trapiche a
Caixeiro 2
Lavrador 64
Mestre de açúcâr 2
Trabalhador de enxada e foice I
Vaqueiro 3
Carreiro de bois J
Trabalhador de naüo I
Mestre de nau I
Marinheiro 4
Mercador 29
Vendeiro 2
Estalajadeiro )
Tratante 5
Adela I
Sapateiro 4
Alfaiate 9
Carpinteiro 2
Correeiro )
Oleiro I
Costureira I
Padres 6
Porteiro da Relação I
Desembargador do Cível I
Tabelião do Público Judicial I
Escrivão da Câmara do Bispo I
Escrivão da Fazenda do Rei I
Escrivão dos Defuntos e Ausentes I
Meirinho da Vila I
Vedor I
Pajem do Governador I
Capitão I
Soldado I
Criado I
Estudante 5
Bombardeiro I
Pedreiro I
Cirurgião I
Torneiro I
Sem OÍicio t
Não declarados 26

TOTAL 204
214 os PRocEDIMENToS

Do ponto de vista sócio-profissional, predominaram os con-


htentes ligados à terra e ao comércio: ocupações que abrangiam
maior número de pessoas, donde saíam as elites da terra. Homens
poderosos como Pero Garcia, senhor de quatro engenhos, r ou
Fernão Rodrigues de Sousa,2 fidalgo, senhor de ilhas, homens
responsáveis pela administração da Colônia, como o Provedor-mor
dos Defuntos e Ausentes, Dr. Ambrosio Peixoto de Carvalho,
membro do Desembargo do Rei,3 o Escrivão da Câmara do Bispo
Antonio Gomes,a ou homens simples, do povo, como o carpinteiro
Pedro Alvares,s o carreiro João Fernandes6 ou o sapateiro Fran-
cisco da Costa Solazar. ?

A presença de confitentes saídos de todos os degraus da vida


profissional, ficou a indicar a penetração do Santo OÍicio, e sua
capacidade de coagir as consciências, mesmo numa sociedade
de acampamento, precária e mal comportada, como era a da Co-
lônia nos primeiros tempos. Das pressões inquisitoriais não es-
caparam tampouco os eclesiásticos: o vigário de Matoim, Pe. Fru-
tuoso Alvares apareceu a contar suas práticas homossexuais, s
o cônego Jácome de Queiroz, seus atos sodomiticos com crian-
e
ças, o cônego Bartolomeu de Vasconcelos, a relatar ter escamo-
teado autos da justiça eclesiástica em troca de dinheiro.ro O Pe.
Jorge Bartolomeu foi ao Visitador livrar-se da excomunhão Que
lhe tinha posto o Bispo por incúria em seus deveres quaresmais,ll
O vigário Jeronimo à" L.-ot foi confessar palavras irreverentes
ditas sobre o matrimônio, r2 e o Pe. Jeronimo Pinto confessou
ser solicitante: cometera no ato da confissão sua filha espiritual
Catarina Esteves, mulher de Manoel da Fonseca, para atos im-
puros...13
I "Conhssões da Bahia (1618)." p. 392.
2 Id., p. 380.
3 "Conhssões da Bahia (1591)." p. 42.
a Id., p. 52-3.
s "Confissões de Pernambuco." p. 130.
6 Id., p. 45.
7 "Confissões da Bahia (1618)." p. 385.
I "ConfìssõesdaBahia (1591)." p. 20.
e Id., p. 46.
to Id.. p. 54.
rr "Confissões da Bahia (1618)." p. a56.
t2 Id., p. 413.
t' Id., p. 425.
As vrsrrAçõEs 215

Curiosa a presença, na primeira Visitação, do índio Fernão


Ribeiro, que se comunicou com Furtado de Mendonça através do
jesuíta Francisco de Lemos. Duvidara dq Eucaristia: nela estaria
a morte. Embora penitenciado publicamente pelo padre superior da
Aldeia de São João, onde vivia, desejava vir relatar o ocorrido. I
Teria sido o único caso de real integração na civilização branca.
Ou os jesuítas teriam impedido outras apresentações de seus tu-
telados?

O número de mamelucos confitentes é' signiÍicativo. Em Per-


nambuco, além dos filhos de Jeronimo de Albuquerque, o velho -
Pedro e Salvador - apareceram Pero Bastardo,2 natural dos
Ilhéus, Domingas Gonçalves, 3 casada com um pescador, João Fer-
nandes,a filho de mameluca e francês.
Na Bahia, o número é maior: Rodrigo Martins, Manoel
Branco, Tomaz Ferreira, Francisco Afonso Capara, Lâzaro da
Cunha, Antonio de Meira, Domingos Rebelo, Braz Dias, Maria
Grega, André Dias, Luiza Rodrigues, Isabel Marques, Paulo Adorno
e Tomacauna.s Em 1618, apenas Nicolau Mateus.ó
Confitente em Pernambuco foi o mulato Boaventura Dias,
natural de Lisboa, dono de sesmaria em Goiânia;7 em 1618, na
Bahia, os mulatos João Fernandes e José Fernandes. s
O Santo Ofïcio abria as portas da Igreja Romana também
aos estrangeiros que a ela viessem bater, prontos a confessar os
erros de suas crenças diversas, exibindo arrependimento sincero
e verdadeira convicção da excelência do Cristianismo. O trata-
mento generoso - abjuração na Mesa e isenção de confiscos - seria

I "ConÍìssões da Bahia (1591)." p. 36-37.


2 "Confissões de Pernambuco." p. 28.
3 Id., p. 31.
a Id., p. 45.
s "Confissões da Bahia (1591)." p. 93,96,97,98, 107, ll7-18, 121, 134, 146, 157,
160, 164 e 167 respectivamente.
õ "Confissões da Bahia (1618)." p. 519.
7 Em 1570, obteve sesmaria em Goiânia, onde começou a levantar um engenho
destruído pelos potiguares em 1574. Prnunl DA CosrA, F.A. Anais Pernambucanos.
Recife, 1951. I, p. 387.
8 "Confissões da Bahia (1618)." p. 392 e 459, respectivamente.

I
I
216 os PRocEDTMENToS

estímulo para novas conversões. I Tais conÍitentes eram examinados


na doutrina, ou ensinados, conforme a necessidade. Deles se fazia es-
pecial recomendação aos respectivos párocos. Foi o caso de João de
Araújo, holandês, que se apresentou ao Visitador da Bahia, Marcos
Teixeira, confessando ser "batizado conforme o uso, costume e tenção
da gente de sua terra, e ensinado e instruído desde que teve o uso da
razã,o na seita do Calvinismo por mandado e consentimento de seu pai
e mãe", pedindo que o instruíssem no Catolicismo, que desejava abra-
çar. Foi encaminhado ao padre Jeronimo Peixoto, jesuíta do Colégio
2

de Salvador, para que ele ensinasse ao confitente as cousas da fé,


proibindo o Visitador que Araújo se ausentasse da cidade.3
Confessaram-se ao Santo Oficio estrangeiros residentes no
Brasil: os franceses Simão Luis e Pero de Vila Nova, de terem pra-
ticado o luteranismo,a o castelhano João Biscainho, de palavras
blasfemas, s o grego Pero Domingos, do nefando. ó Três ciganas
aparecem ainda como confitentes: Brianda Fernandes, Apolonia
Bustamante e Violante Fernandes. As três tinham arrenegado Deus,
por motivos várìos. O motivo da ultima é pitoresco: irritou-se ela
com o Criador porque chovia muito, reclamando "que Deus mijava
sobre ela e que a queria afogar".1
Confessavam-se pessoas de todas as idades: a mais velha con-
Íìtente foi Ana Rodrigues, que compareceu diante de Furtado de
Mendonça com 80 anos.8 Muitos menores, pelas leis do tempo, tam-
bém se apresentaram, variando suas idades de 15 a 24 anos.e
1 "Vindo algum estrangeiro apÍesentar-se à Mesa do Santo Oficio pedindo perdão de
admitido à reconciliação da Igreja será examinado pelos Inquisi-
suas culpas e que seja
dores e perguntando particularmente se foi batizado e pela crença e erros que teve contra
a Fé com mais circunstâncias que o caso requerer. Confessando que se apartou da fé e
teve crença em algumas das crenças dos hereges, dando mostra de arrependimento será
admitido à reconciliação da Santa Madre e abjurará na Mesa ante os Inquisidores e
Oficiais e será absolüdo da excomunhão em que incorreu e instruido nas cousas da Fé
necessárias para a salvação de sua alma". RsctÌr4rNro or 1613. tit. III $ 12, p. 30.
2 "ConÍìssões da Bahia (1618)." p. 433-35.
3 Id., p. 435.
a "Confissões da Bahia (1591)." p. 146 e 91, respectivamente.
s Id., p. 163.
6 Id., p. 152.
' Id., p. 145, 127 e 57, respectivamente.
8 Id., p. 135.
e Confitentes da 1." Visitação na Bahia: Jeronimo de Parada, de 17 anos, Domingos
de Paiva,20 anos, João Gonçalves,22; Antonia Cordeira, l7;Maria Rangel,24;
João Gonçalves, 20; Maria Grega, 15; Isabel Antunes, 18; Baltazar Ãndrê,23;Luiza
Cabelos, 20; Antonio de Aguiar, 20; Lucas d'Escovar, 2l; Lúza Rodrigues, 21;
Antonio de Serpa, 24; Lucas Gato,23. Confissões, p. 39, 58, 104,120,124,126,134,
l4l, 142,150, 152, 156, 157, 16l e 164, respectivamente. Todos tiveram Curadores.
AS vrsrrAçõEs 217

Confitentes foram cristãos-novos ou velhos:


I
ConÍitentes das Visitações

I Crença Bahia 1591 Bahia 1618 Pernambuco 1593

XV 82 )t 42

XN 22 20 8

parte de XN 5
'7 6

Não declarados 12 5 l0

Total t2l 65 66

Na segunda Visitaçãoda Bahia, há um número considerável


de confitentes de sangue judeu. Maior que na primeira, o que pode
indicar o aumento do contingente de cristãos-novos na Colônia,
ou aumento da coerção social, o que levaria a aumento do medo
das denúncias. Isto propõe o problema do motivo que teriam tido
os confitentes para comparecer diante dos juízes da fé.
Um motivo apenas ou o entrelaçamento de várias motiva-
ções determinava a apresentação voluntária dos confitentes ao
Tribunal? A motivação é plural, não única: confessa e inconfessa.
Em prime'iro lugar, a atmosfera espiritual, que levava à idea-
lízação da vida com seus corolários de inquieta|ão e dúvida. Entre
os valores do espírito figurava a perfeição. Buscá-la, significava
enquadrar-se em estereótipos consagrados, feitos de moral e reli-
giosidade. Fórmula de escape à realidade. Evasão dos problemas
do cotidiano. O homem queria sofrer, pagat, expiar suas culpas
reais ou imaginadas, num clima em que os sofrimentos eram crédito
para a remissão dos pecados. Reação dessa atmosfera talvez a
atitude de Jorge Martins, que foi relatar à Mesa alteração insig-
nificante no modo de persignar-se que lhe haviam ensinado, ao
ensinarem-no a benzer-se. Duvidava mesmo se lhe cabia alguma
culpa no aprendizado, mas insistia em acentuar sua falta, e pedia
ao Inquisidor que lhe desse penitência.l
1 "Conhssões da Bahia (1591)." p. 30-1.
218 os pRocEDrMENros

Contraditoriamente, os homens do tempo temiam punições


na vida terrena, além de quererem garantir a salvação na outra
vida. Essa disposição de enfrentar os castigos talvez adúesse da
censura sincera e consciente de comportamentos próprios pouco dig-
nificantes. Teria sido esse o caso de Frutuoso Alvares, sodomita
incorrigível, quejá pagaÍa suas faltas com degredo para galés, de-
pois para Cabo Verde, e, enfim, para o Brasil, onde estivera suspenso
de ordens e punido com pena pecuniária. Já estava devidamente cas-
tigado, mas foi ao Santo Oficio rememorar tudo e chorar pelos atos
ofensivos que cometera contra Deus. I
Rendição a,o pÍazeÍ, à cobiça, à ganância, à traição. Depois,
talvez, dias de desespero. Noites de remorsos. Semanas de an-
gústias. Meses de dúvidas. Num crescendo iam as emoções. Aguça-
vam-se as sensibilidades. Havia mecanismos compensatórios a agir
nos subconscientes. Mecanismos que acabavam por exigir auto-
mortificações, rupturas do orgulho. Os homens desaprovavam sua
própria conduta. Por isso iam confessar, derivando sua insatisfa-
ção. O Santo Oficio, com suas exigências de delações, era uma vál-
vula de segurânça. Oportunidade para a autoflagelação, naqueles
relaios pormenorizados dos mais tristes procedimentos. Muitas vezes,
compareciam à Mesa apenas porque não gostavam de si próprios e
achavam oportunidade de aliviar esse mal-querer incômodo. A In-
quisição seria uma espécie sui-generis de,cilício, em que os instru-
mentos usados eram a auto-humilhação e o cumprimento eventual
de penas ou penitências públicas. Fama, honra, consideração, se-
riam postas em xeque, adviria o sofrimento, mas dele adviriam cré-
ditos para a eternidade.
Uma premissa era básica: a consciência de terem incorrido
em falta e a necessidade de apagarem-na. Um sentido de prati-
cidade nortearia alguns: a confissão inteira, e sinceramente feita,
poderia trazer breve reconciliação e evitar o andamento,do proces-
so. Outros apressavam-se a contar as próprias culpas, temerosos das
denúncias de testemunhas e cúmplices. Medo dos homens, ou do
Santo Oficio. '
Outros acorriam à Mesa porque se tinham deixado Íicar ex-
comungados por mais de um ano, o que equivalia dizer que só os
lnquisidores podiam restabelecêlos no grêmio da lgreja. Foi o que
se passou com Antonio Nunes, que há mais de ano e meio incorrera
I "Confissões da Bahia (1591)." p. 30-31.
As vrsrrAçõEs 219

na sanção excomunicatória do vigário de sua freguesia, a quem


nâo pagara as duas patacas que devia. I Foi também o que ocor-
reu com o Pe. Bartolomeu Jorge, que hcou mais de ano excomun-
gado pelo Bispo, por não ter confessado e comungado na Qua-
resma.2 Paulo Nunes, por desavença com Cristóvão Rebelo,
queimaraJhe a lenha. Mais: impedira dois negros seus de fazercm
a desobriga na Quaresma, motivos pelos quais andava também
excomungado, e sentiu-se na obrigação de comparecer diante da
justiça inquisitorial. 3
Havia os que abrigavam a convicção pessoal da eficácia do
Santo Oficio e de sua necessidade social. Estes, colaboravam, ar-
riscando-se, embora, a pagar um tributo em suas pessoas. Entre eles,
estariam muitos cristãos-novos, possuidores do zelo extremado dos
neófitos. Por convicção, ou para convencer. Exibição de crença
como meio de proteção. Talvez tenha sido o caso de Fernão Gomes,
cristãoaovo, que apareceu ao Inquisidor pedindo perdão de palavras
que dissera. Contou o fato -
um dia, na Igreja de Nossa Senhora da
Ajuda, onde costumava tirar esmola e administrar o serviço, e donde
estivera afastado pequeno lapso de tempo, achando que no dito
tempo de sua falta não se havia tirado a dita esmola nem se tinha
procurado tanto o serviço do altar da dita Senhora, desabafara
perante algumas pessoas: "coitado do serviço de Nossa Senhora se
eu não fosse". Arrependido, foi ao Inquisidor penitenciar-se.a Luis
Alvares, também cristão-novo, contou ao Inquisidor palavras
irreverentes que pronunciara num jantar na festa de N. Senhora
do Rosário; para o qual fora convidado, por ter ajudado na referida
festa. Pusera confeitos e pão num copo dizendo 'lbebamos por êste
calix". Depois, passada a euforia da bebida, que, declarou o con-
fitente, têJo-ia perturbado, arrependeu-se de tais palavras, e correu
a desanuviar sua consciência, relatando-as ao Santo Ofício. s Em
ambos os casos, a preocupação de seus relatores de se mostrarem
bons cristãos, devotos e praticantes. Em ambos, o minucioso cuidado
de correr à Inquisição assim que esta se instalara. Em ambos, o
mesmo protesto de submissão à decisão, que imploravam fosse
misericordiosa, do Tribunal.

I "Confissões da Bahia (1618)." p. 369.


2 Id., p. 456.
3 Id., p. 376-77.
a "Confissões da Bahia (1591)." p. 2a.
5 "Confissões da Bahia (1618)." p.352-53.
2m osPRocEDrMENTos

Inquietações de consciência ou escrúpulos eram, em geral,


os motivos que os confitentes declaravam ao Inquisidor terem
sido o móvel de sua apresentação ao Tribunal. Motivos plausíveis,
em certos casos, em que existia uma religião sedimentada por muitas
dezenas de anos, não o terreno resvaladiço de uma crença abraçada
a curto pÍazo.
Ligado ainda às práticas litúrgicas da vida cristã, estava outro
motivo, que conduzia os homens aos juízes da fe: a necessidade de
receber validamente os sacramentos da Penitência e da Eucaristia.
A ordem do confessor, que absolvia condicionalmente o penitente,
até que este fosse à presença do Santo Oficio, levou muitos à con-
fissão diante do Tribunal, como Duarte Fernandes, que foi contar
ao Visitador Marcos Teixeira os cometimentos que lhe tinham sido
feitos para realizar o nefando, embora os tivesse rechaçado.1
Muitas vezes, a conÍissão acabava por ser uma denúncia inin-
tencional, no momento em que se indicavam as cumplicidades.
Isto ocorria principalmente nos pecados de sodomia. São muitos os
processos contra os sodomíticos que assim foram montados, como o
de Salvador Romeiro, preso no cárcere da Visitação de Pernambuco,
pelo nefando e por molície, depois da confissão de Pero Marinho
Lobera,2 ou o processo de Jorge de Sousa,3 instaurado depois da
conÍissão de André de Freitas.a
A matéria essencial da confissão era, basicamente, o crime
de heresia e apostasia, quer cometido a sós, quer no meio das fa-
mílias, quer publicamente,5 ainda que em reinos estranhos: a crença
ou a prática do Judaísmo, Maometismo, Luteranismo, a bigamia,
sodomia, molície e bestialidade, as feitiçarias, superstições, culto
ao diabo, adivinhações, leitura e posse de livros proibidos pelo
Santo Ofïcio.
Ritos, preceitos ou cerimônias judaicas eram objeto de par-
ticular atenção dos monitórios inquisitoriais, que os descreviam
em cuidadosas minúcias. Pequenos atos do cotidiano poderiam servir

I Id., p. 354.
2 lNqusrçÃo or Lrssoe. ANTT. Proc. n.' 12.937.
3 Id., proc. n.o 2.552.
a Id., proc. n.' 8.473.
s A maneira com que foi cometida
a heresia classifica o herege em oculto ou público,
conforme tenha manifestado seu erro diante de muitas pessoas ou não. CHoupIN, L.,
verbete "Heresia". In: Dictíonnaire Apologetíque de la Foi Catholique. Paris, 1939.
ll, col. 442-57.
AS vrsrrAçõEs 221
i
I
I
I para indicar o judaísmo: a gaarda aos sábados, por exemplo, revela-
I va-se através do trajar roupas limpas ou enfeitarem-se as pessoas
com jóias, nesse dia, ou no preparar a casa de véspera, limpan-
do-a e cozendo os alimentos, acendendo candeeiros limpos com me-
chas novas, para que não houvesse necessidade de trabalhar na-
quele dia.
Talvez porque sabedor do interesse do Santo Oficio por pes-
soas que faziam tais cousas, tenha-se apresentado ao Inquisidor
Marcos Teixeira, Fernando da Costa Solazar, meio cristão-novo,
acusando-se de vestir algumas vezes camisa lavada aos sâbados,
embora apresentasse logo a justificação de seus atos: "por ser homem
que ganha a sua vida em tratar as galinhas e papagaios e em outras
cousas da terra e vir muito suado quando vem de fora". r
O judaísmo podia ainda transparecer através de hábitos ali-
mentares: o modo de degolar animais, atravessando-lhes a gargan-
ta, provando primeiro o cutelo na unha do dedo da mão, e cobrindo
o sangue com terra; a abstenção de certos alimentos, como o tou-
cinho, lebre, coelho, aves afogadas, enguia, polvo, congro, arraia,
pescado sem escamas. A cristã-nova dona Leonor, mulher de Hen-
rique Monis, confessou a Furtado de Mendonça, em 1591 "que
haverá dois ou três anos veio a sua casa uma lampreia que veio do
Reino, em conserva, e ela não a qttiz comer" . . . "e que haverá um
ano pouco mais ou menos que uma sua escrava degolou uma galinha
de frente de sua porta, e que ela mandou lançar em cima do sangue
que estava derramado no chão um pouco de serradura de madeira
que se havia serrado".2 Desculpava-se de ambas as ações: o peixe
não o comera porque tivera nojo pelo seu mau cheiro; o sangue fora
coberto para que um porco, que pelos arredores andava, não o
comesse e assim se interessasse depois pelos seus pintos.3
Os jejuns eram uma constante naqueles que seguiam oculta-
mente a religião de Moisés: quer o grande jejum de setembro, quer
o da Rainha Ester, quer o das segundas e quintas, todas as sema-
nas. Observavam-nos os israelitas, privando-se todo o dia de alimen-
tos, só ingerindo-os à noite (de preferência carne e tijeladas), pas-
sando tais dias descalços, pedindo perdão uns aos outros. A ce-
lebração das Páscoas também, quer fosse a do pão âzimo, dos cornos
ou das cabanas, quando se comia pão âzimo e se recitavam orações
r "Confissões da Bahia (1618)." p. 386.
2 luqusrçÃo on Lrssol. ANTT. Proc. n." l0 710.
3 lbid.
222 osPRocEDrMENros

judaicas, como os Psalmos penitenciais, sem o Gloria-Patri final,


abaixando a cabeça e levantando-a, frente à parede, tendo colocado
os teÍìlins. Antonia d'Oliveira, induzida pelo seu primo Alvaro Pa-
checo, confessou ter jejuado de segundas e quintas, sem comer,
beber, dormir ou rezar até à noite, quando saíram as estrelas, depois
ceou uma galinha bem gorda, assada" 1. Foi ignorância, descul-
pou-se.
No modo de prantear os mortos, também os hebreus discre-
pavam dos cristãos: comiam, em mesas baixas, pescados, ovos e
azeitonas, por arnargura; ficavam atrás das portas por dó. Isso
depois de haver enterrado seus defuntos envoltos em mortalha nova,
em terra ürgem e em covas muito fundas, pondoJhes na boca um
grão de aljôfar ou utna moeda de ouro ou prata, para que pagassem
a primeira pousada. Mandavam em seguida derramar fora toda
a árym dos cântaros e potes da casa. Muitos conflttentes acusaram-se
de ter praticado tais cousas. André Lopes Ulhoa, pela morte de sua
tia Branca Gomes, se entristecera muito, assim, "comera ele con-
fitente por tempo de seis meses pouco mais ou menos algumas vezes
quando não tinha hospede, assentado em uma cadeira de espaldar
sobre uma caixa da India de altura quase como uma mesa". De-
clarou mais: "que no tempo do dito nojo estivera de tras da porta" 2.
Beatt'u Antunes confessou que "quando manda amortalhar os
mortos de sua casa, os manda amortalhar em lençol inteiro sem lhe
tirar ramo nem pedaço algum por grande que o lençol seja e ata-os
amortalhados somente com ataduras mandando que os não cosam
com agulha".3 Dona Ana Alconforada confessou mandar sempre
lançar fora a água de sua casa quando lhe morria algum escravo.a
A maneira dos pais abençoarem os Íilhos tambêm era digna
de nota: pôr as mãos na cabeça e abaixáJas pelo rosto, sem fazer
o sinal da cruz, era sintoma de rito hebraico, como o eram a cir-
cuncisão dos recém-nascidos e o nome judeu que secretamente lhes
era posto. Era-o também o raspar o óleo do batismo e do crisma.
A crença no Alcorão transparecia naqueles que jejuavam o
Ramadam, não comendo o dia todo até saírem as estrelas, banhando
todo o corpo ou determinadas partes dele (rosto, ouvido, pés, mãos
e lugares vergonhosos), nos que faziam orações descalços, guardavam
as sextas-feiras (vestindo roupa limpa e enfeitando-se com jóias),
I IxeusçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. 15.563.
2 "Confissões da Bahia, (1618)". p. 399-400.
3 "ConÍìssões da Bahia, (1591)". p. 133.
4 IuquuçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. ll.618.
As vrsrrAçõEs 223

ou naqueles que se abstinham de certos alimentos, como toucinho e


vinho. Já a aceitação das idéias luteranas podia se esconder no
acatamento a certos erros ou opiniões consideradas heréticas, tais
como a negação do paraíso e do inferno, da sanção aos maus e
prêmio aos bons após a morteo da vida transcendente, do poder do
Papa e da hierarquia para perdoar e absolver; a descrença da transubs-
tanciação, nos Artigos de Fé, nos benefïcios da Missa; negação da
pureza e virgindade de Maria e da natureza divina e humana de
Cristo; crença na transmigração das almas e na salvação de judeus e
mouros dentro de suas respectivas leis. A Inquisição processou Cris-
tovão de Sá Bitencourt, que levianamente declarava em suas conver-
sas que não havia inferno 1 e processou também o Pe. Luis do Couto,
cura de ltaparica, que declarara, perante testemunhas, que Nosso
Senhor Jesus Cristo, no tempo de sua paixão, não sabia se res-
suscitaria.2 André Fernandes Caldeira custou explicar-se ao Visi-
tador Furtado de Mendonça, por ter dito que queria levar boa vida
neste mundo, pois no outro não o via ninguém.3 Antonio Dias, por
ignorância depois reconhecida pelo Santo Oficio, dissera que Deus
não perdoaria os pecados mortais, só veniais. Confessou-o à Visita-
ção de Pernambuco, e acabou processado nela.a O cristão-novo
Antonio Dias de Moraes apresentou-se diante de Marcos Teixeira a
contar que, em conversa sobre o Juízo Final, dissera que "depois de
mortos ficavamos uma pouca de carne podre do mais baixo metal
que havia e que não tinhamos J\izoo', embora protestasse acreditar
na doutrina da Igreja sobre a morte, a ressurreição e o Juízo Univer-
sal. s Já Frutuoso Antunes confessou, na mesma Visitação, ter
publicamente declarado que "a Virgem Maria Nossa Senhora não
fôra virgem antes do parto nem no parto, nem depois do parto".
Dissera-o num momento de ira, embora aceitasse o contrário. ó
Pero de Carvalhais acabou confessando ter dito que no céu
não havia frades, e sim lavradores, e que os primeiros tinham vida
de porcos, enquanto que os últimos, vidas de anjos. Foi minucio-
samente examinado pela Mesa, que buscou encontrar iro réu dúvidas
sobre o valor e a validade dos eclesiásticos.7
t lxqursrçÀo oE Lrssoe. ANfi. Proc. n." 2913.
z Id., proc. 2553.
3 /d., proc. 8 414.
a 1d, proc. 6 159.
s "Confissões da Bahia (1618)." p. ,103-04.
6 Id., p. 359.
7 lNqutstçÃo DE L6BoA. ANTT. Proc. n." 12231.
224 os PRocEDrMENros

Antonio Dias confessou ter dito que não se devia adorar a hóstia,
que era uma pouca de farinha; Cosmo Martins comungou sem guar-
dar o jejum eucarístico. Ambos foram examinados e penitenciados
pela Inquisição, embora ficasse provado que no primeiro ditara tais
palavras uma irritação momentânea,l e, no segundo, houvera es-
quecimento.2
Luis Mendes de Thoar aÍìrmara publicamente a ordem errada
das pessoas da Santíssima Trindade, o que levou o Inquisidor a du-
vidar de sua aceitação dos Mistérios da Fé.3 O Pe. Francisco Pinto
Doutel também foi objeto da atenção especial do Santo Oficio quando
confessou ter dito em sermão que oferecia-se mirra a Cristo porque
ele havia de ser mirrado e consumido na sepultura. Estaria o sacer-
dote duvidando da nafixeza divina e imortal de Jesus?a
E Pero Cárdigo, que ousara proclamar sua descrença aos santos,
não estaria também penetrado de idéias protestantes? s Mais sério pa-
recia ser o caso de Cristovão da Costa, que afirmara para alguns
amigos que a sua fé bastava para o salvar.6 Cousa idêntica fizera Ber-
nardo Ribeiro. T A heresia era mal de fácil contágio. Os confitentes
que apareceram à Mesa para contar terem estado na companhia de
luteranos ingleses ou holandeses, no mar, ou presos por eles em suas
cidades, foram pelos ministros do Santo Oficio examinados acurada-
mente, nâo fossem eles ter aderido ao protestantismo às escondidas.
Não fossem eles, por ignorância, acatat proposições condenadas.
Neste zelo inquisitorial originaram-se os processos de Baltazar André,
Antonio Maciel, Cosmo Gonçalves, Francisco Pires, Gonçalo Yaz
e João Bono, e as investigações feitas em torno da confissão de
Antonio Guedes.8
A bigamia era culpa que poderia conter concepções heréticas
sobre o sacramento do matrimônio, que punha em dúvida. Por
isso, os Inquisidores interessaram-se pelas confissões dos bígamos,
tais como Antonio Gonçalves (ou Monteiro),e Antonio do Vale,ro
1 Id., proc. n." 8.478.
2 Id., proc. n." 5.534.
3 Id., proc. n.' 11.063.
a Id., proc. n.' 10.838.
5 Id., proc. n.' 12.957.
6 Id., proc. n.' 7.951.
1 Id., proc. n.' 13.957.
8 Id, procs. r.'7.953,6.39,7.952, 17.811, 4.309, 2.558 e "Confissões da Bahia
(1591)." p. 51, respectivamente.
e Id., proc. n." 8 480.
10 Id., proc. n! 8.4'76.
AS vrsrrAçõEs 2j25

o primeiro, casado no Algarve e no Peru, e o segundo, deixando


mulher em Arraiolos, casou-se com Ilena Leitoa, filha do Capitão
de S. Vicente, Jeronimo Leitão.
Numa ânsia de desvendar mistérios ou cousas ocultas, en-
tregavam-se às vezes os homens à prática de adivinhações. E de-
pois sentiam-se constrangidos à confissão ao Santo Oficio. Foi
o que sucedeu com Antonio da Costa, que, tendo sido roubado
em dois pares de meia de seda e um corte de gibão, desejoso de
saber o nome do ladrão, recorreu a Ana Coelha, que a rogo e man-
dado dele, confitente, fizera diante dele a feitiçaria a que chamam
de As Horas de Nossa Senhora, e, abrindo-o, lhe meteu uma chave
de cadiado no meio, ficando a maior parte da chave de fora, e,
fechando as horas com as brochas, pôs um dedo na chave, e com
o dedo de um menino, seu filho, posto também na chave, de modo
que ficava o livro no ar, e, nomeando-lhe ele, conÍitente, as pessoas
em que tinha suspeita do furto que lhe frzera, dera o livro de volta
no tempo em que ele confitente nomeara um mameluco e um ne-
gro da terra. E logo a dita Ana Coelha dissera que aqueles eram
os que tinham cometido o dito furto. I
Francisco Nogueira recorreu a um negro escravo dos fran-
ciscanos para saber como acharia uma cativa que lhe fugira há três
meses, sendoJhe informado que a negra voltaria no prazo de quinze
dias, o que de fato sucedeu, relatou o confitente depois a Marcos
Teixeira.2
Naturalmente supersticiosos os homens do tempo, porque
providos de grande disponibilidade para crer, aceitavam todos
os ensinamentos que lhes fossem ministrados para suavizar dores
fisicas ou morais. Assim, João Poré Motafaux confessou ter posto
em prática uma simpatia que lhe fora ensinada para curar a dor
de dentes com que muito padecia; e que era a seguinte - "tomar
um prego novo e tocar o dente que doi com ele e escrever também
com ele na parede este nome - Machabeus - e se o dito dente
é da parte direita pregar o dito prego no primeiro A do dito nome,
e se o dito dente que doi está na parte esquerda pregáJo no úl-
timo A".3
I "Confìssões da Bahia (1618)." p. Aal.
2 Id., p. 432.
3 Id., p. 457.
226 os PRocEDrMENros

Margarida Carneira de Magalhães confessou ter repetido


no rosto do marido, para abrandá-lo, as palavras da consagração.
A mesma cousa já fizera, quando viúva, durante o tempo que manteve
relações sentimentais com Diogo Martins Cão. t Paula de Segueira
então deu ao marido, dissolvido no vinho, pó de pedra de ara, tirada
da igreja de Vila Velha, santo remédio, diziam as comadres, para o
marido se apaixonar pela respectiva esposa.2
Adivinhações, feitiçaria, superstições, não seriam tão graves
se não deixassem atrás de si a suspeição de haver pacto com o de-
mônio. Nesse sentido, o Inquisidor interrogava os conÍïtentes.
Marcos Teixeira, por exemplo, perguntou a Francisco Nogueira se
entendera que o diabo podia adivinhar cousas futuras, e que por
meio dele o negro a quem recorrera adiünhava.3 Baltazar Dias,
porque num momento de cólera chamou o demo para entregarlhe o
seu co{po, foi processado pelo Santo Oficio.a Afonso Luis Mal-
veiro foi seriamente investigado porque prometera ao demônio um
membro do seu corpo, embora não tivesse sido comprovada a exis-
tência de pacto diabólico. s
A leitura ou a posse de liwos proibidos pelo Santo Oficio
foram também, muitas vezes, objeto de confissão, como a de Maria
de Peralta, que, desejando ler certos psalmos em português, pediu
a Bento Teixeira para traduzi-los.ó Fernão Mendes conféssou
ter em seu poder, e haver lido, trechos do Belial, embora saben-
do-o livro herético;7 Domingos Gomes Pimentel também foi con-
fessar a leitura de Diana, de Jorge Montemor. s Alguns sabiam
da sanção excomunicatória que pesava sobre quem desobedecesse
às ordens da Inquisição sobre a leitura de determinadas obras con-
sideradas perniciosas porque destilavam nos espíritos fermentos he-
terodoxos. Outros ignoravam tal sanção. Mas sempre foram confes-
sar-se ao Visitador.

1 lNqursrçÃo pn Lnsol. ANTT. Proc. n.' 10.751.


2 Id., proc. n.' 2.307.
3 "Confissões da Bahia (1618)." p. a52.
4 lNqursrçÃo pr Lrssoe. ANTT. Proc. n.' 6.363.
5 Id., proc. n.' ló.895.
6 Id., proc. n.o 10.7t16.
7 "Confissões da Bahia (1618)." p. 35ó.
8 Id., p. 98-99.
As vrsrrAçõEs 227

QUADRO N." I

CLJLPAS CONFESSADAS NAS VISTTAçÕES

1591-1620

Culpas confessadas nas Visitações N." o/


/o

Judaísmo 22 7,77
Luteranismo 19. 6,71
BlasÍêmias 68 24,02
Sodomia M 15,54
Molície I 0,35
Bestialidade I 0,35
Solicitação 2 0,70
Bigamia 8 2,82
Gentilidades l6 5,65
Liwos Defesos 5 1,76
Feitiçarias 6 2,12
Superstições 4 l,4l
Adivinhações 2 0,70
Pactos com o Diabo 5 1,76
Ficar excomungado 8 2,82
Quebrar segredo do Santo Oficio 2 0,70
Impedir apresentação ao Santo Oficio I 0,35
Denunciar falsamente ao Santo Oficio 3 1,06
Palavras contra o Santo Oficio I 0,35
Jurar falso I 0,35
Distorção e omissão de práticas religiosas
e litúrgicas 26 9,18
Estado dos casados melhor que dos reli-
giosos 2t 7,42
Armas aos índios I 0,35
Impedir Ação anti-herética 2 0,70
Defender fornicação 7 2,47
Palavras contra o clero 7 2,47

TOTAL 283 100,00


228 os PRocEDIMENToS

QUADRO N," 2

CULPAS CONÍNSSADAS NA PRIMEIRA E SEGUNDA VISITAçÕES DA BAHIA

Brhir
Culpas coúessadas l.'Visitação 2.r Visitação Total /o

N.. N.o

Judaísmo l5 lt,n 3 4,22 IE 8,22

LuteÍanismo 9 6,76 I l,rm l0 4,90

Blasfêmias 29 2r,80 l1 21,94 6 22,54

Sodomia l9 14.28 l8 25,35 37 lE, l3

Bestialidadc I 0,75 0,49

Solicitação I 0,7s 1,40 2 0,98

Bigamia 3 2,25 l,tlo 4 1,96

Gentilidades l5 11,27 t5 7,35

Liwos defesos t 1,50 3 4,22 5 2,45

Feitiçarias J 2,25 3 4,22 6 2,94

Superstições I 0,75 2 2,Et 3 t,{l


t 2,8t 2 0,98
Adivinhações

Pacto com o diabo 4 3,00 4 1,9ó

Ficar excomungado 7 1,50 6 8,45 8 t,92

Quebrar segredo do Santo OÍlcio t,40 I 0,49

Impedir a apresentação ao Santo OÍlcio 1,40 t 0,49

Denunciar falsamente ao Santo Oficio 3 4,22 3 1,47

Palawas contra o Santo OÍlcio l'/to I 0,49

Palawas contra o clero 1 1,50 I l,/Í) 3 1,{l


Distorção ou onissão de púticas reli-
giosas ou litúrgicas l9 14,28 4 5,63 23 11,27

Estado dos casados melhor que o dos


religiosos 4 3,00 t 2.8t 6 294

Arma aos indios 0,75 I 049

Impedir a ação anti-her&ica a 1,50 2 0,98

Defender fornicação 0.75 I 0,49

TOTAL 133 100,00 70 100,00 203 1m,00


As vrsrrAçõEs 229

Nas Visitações do Brasil, 283 culpas foram confessadas (Qua-


dro n.o 1). A maior freqüência é das blasfêmias, pois nelas compre-
endemos todas as palavras insultuosas ou mesmo desrespeitosas
pronunciadas contra Deus, a Virgem, os Santos, os Sacramentos.
Segue-se a sodomia, praticada entre homens e mulheres, homens
entre si, mulheres entre si. Distorções ou omissões de práticas reli-
giosas ou litúrgicas, como a falta de jejum antes da recepção da
Eucaristia, a quebra da abstinência de carne nos dias proibidos
ocupa o terceiro lugar entre as discrepâncias dos comportamentos
religiosos. Só então vêm as práticas indicativas da manutenção do
Judaísmo no cotidiano: 22 confissões, seguida logo após pelas 2l
declarações de que a vida dos casados era melhor do que a dos
religiosos, proposição condenada por Trento, que poderia ter ori-
gem judaica. A prática ou a participação em orações dos protes-
tantes foi objeto de 19 confissões, principalmente de pessoas ligadas
ao comércio, que, com certa freqüência, acabavam capturadas por
naus estrangeiras. No item "gentilidades" foram incluídas as ade-
sões mais ou menos conscientes às Santidades, e o riscar-se ao modo
índio para indicar valentia.
O elenco das faltas torna óbüo a prolongação dos problemas
espirituais metropolitanos na Colônia. Arrenegar a Deus, zombar
dos santos, duvidar da ürgindade de Maria eram deslizes sobeja-
mente conhecidos pelos Inquisidores. Radicavam naquela religião
distorcida mas onipresente na vida de todos. Na necessidade pro-
funda de crer, têm origem os cultos demoníacos e o recurso às
feitiçarias, adivinhações.Numa credulidade mais ou menos ingênua,
as superstições.
Algumas prevaricações, no entanto, seriam favorecidas pelo
meio, menos ordenado e mais descontraído: deixar-se ficar ex-
comungado por mais de um ano, sabendo embora que, em tais circuns-
tâncias, só a autoridade inquisitorial poderia levantar o anátema;
defender facilmente não ser crime a fornicação com mulher sol-
teira, ou com mulher paga; ousar impedir a ação anti-herética do
Tribunal Eclesiástico, ou obstar a ação do Tribunal da Fé, não
eram certamente cousas muito comuns nõ Reino. Tampouco era
comum a quebra do segredo inquisitorial da confissão, e palavras
pouco respeitosas aos seus procedimentos. Mais: práticas gentí-
licas, ou mesmo fornecer annas aos índios, inimigos dos cristãos,
são problemas específicos das consciências coloniais.
2n osPRocEDrMENTos

A leitura ou a posse de livros proibidos pelos índices expur-


gatórios é pouco expressiva, o que ÍetÍata bem o meio inculto,
apressado demais para a üda da inteligência. Circulara por aqui
a Diana, de Jorge de Montemor, condenada por não ter seu autor
preparação doutrinária suficiente; o Belial, e uma Biblia em lin-
guagem.
O quadro n.o 2 compara as culpas confessadas na Bahia em
dois momentos: l59l e 1620. Na segunda Visitação, subiu a por-
centagem das faltas de sodomia e de blasÍêmias. Sociedade mais
liwe? Menor coerção social? Menor respeito à autoridade do clero?
Certamente um pouco de tudo. E mais: uma sociedade já mais
firme, onde o homem naturalmente sentia-se menos inseguro, por-
tanto menos dependente do auxílio extraterreno.
Decresceu o número de práticas luteranas e do judaismo.
Não parece lógico tenham diminuído os contactos comerciais,
numa época em que o açúcar se firmara no comércio europeu, e a
produção subia. Pelo mesmo motivo deve ter acrescido o número de
moradores de sangue hebraico. O menor número de confissões ficaria
a indicar menor coerção social, e, eventualmente, maior coesão
do grupo criptojudeu, que, fechado sobre si, esconderia melhor sua
dupla posição de cristãos e judeus a um só tempo.
Desapareceram outrossim as conhssões de gentilidades. O
recuo dos aborígines para o interior pode ter sido o responsável.
Nâo há também confissões de pactos demoníacos, embora
mantenham-se as feitiçarias, superstiçOes e adivinhaÇões. Por ou-
tro lado, aumenta bastante - de 1,5\ para 8,45/o - aqueles que
ficam excomungados por mais de um ano. Ou o clero estaVa recor-
rendo cada vez mais à excomunhão para resolver problemas do
cotidiano, ou realmente o seu desprestígio projetava-se desfavo-
ravelmente na vivência dos colonos.
A persistência de algumas culpas e o agravamento de outras,
que se nota da primeira paÍa a segunda Visitação, além de propoi
o problema do estado das consciências coloniais, propõe um outro:
o do grau de consciência dos confitentes. Problema do quantum de
sinceridade posto nas confìssões.
Quanto era confessado? Como era confessado?
O mecanismo da confissão era sempie o mesmo. O culpado
que se apresentava falava, contava seus erros. Feita a confissão,
era seu autor interrogado. O Inquisidor fazia-lhe perguntas para
completar sua exposiç{o ou para esclarecer-se melhor: o pro-
As vrsrrAÇõEs 231

pósito com que foram cometidas tais ou quais faltas; condições


atenuantes (integridade mental, perturbações causadas pela bebida,
implicações de temperamentos coléricos), circunstâncias que pode-
riam ter influído no comportamento (freqüência a terras de héreges
ou infiéis, ou permanência nelas), passagem anterior pela Inqui-
sição, do culpado ou de membro de sua família; motivos da conhs-
são; nome de cúmplices e testemunhas. Um'exemplo: Diogo Lopes
Franco, cristão-novo, apresentou-se ao Visitador Marcos Teixeira
para contar que, na Quaresma, quando se fizeram umas figuras dos
Apóstolos, paÍa a comemoração da Quinta-Feira Sania na Igreja de
Nossa Senhora da Ajuda, ele, conÍìtente, comparou as tais figuras
com alguns homens da terra, pelo que pedia perdão e declarava-se
muito arrependido. O Visitador perguntouJhe logo que testemu-
nhas se acharam presentes, se houvera escândalo, se alguém o lou-
vara ou repreendera. PerguntouJhe que tenção tivera no caso, e se
sentia e cria que não devia haver imagens que eram cousas profa-
nas, e por isso deviam ser escarnecidas; se sabia que a Igreja as
aprovava e mandava que se venerassem e respeitassem. Inquiriu
mais: se quando o caso aconteceu, ele, confitente, estava em seu
perfeito juízo, ou se costumava sair dele, a que horas tinha aconte-
cido, se de manhã ou à tarde. Perguntou mais o Visitador: se outras
pessoas tinham feito o mesmo ou cousa semelhante, se o Bispo era
sabedor do caso, se fora ele, confitente, já penitenciado ou reconci-
liado pelo Santo Oficio, ou alguns parentes seus o tinham sido.l
No caso de haver quem tivesse presenciado o fato relatado,
eram essas pessoas ouvidas para comprovação do fato e suas cir-
cunstâncias. Perguntava-se também sobre o tempo em que ocor-
reram os eÍTos.
Se a confissão fosse julgada boa, o passo seguinte eÍa a recon-
ciliação, que podia implicar em abjuração. Esta, quando inexis-
tiam testemunhas, era feita em carâter secreto, apenas na presença
dos componentes da Mesa, silenciados pelo juramento do segredo.
Se houvesse testemunhas, havia também mister da reconciliação
pública. Houvera escândalo, um fato de repercussão social. A
reconciliação devia ter a mesma amplitude, para ser exemplar. Sal-
vo exceções, como o caso do dr. Ambrosio Peixoto de Carvalho,
membro do Desembargo do Rei, Provedor-mor dos defuntos em
Salvador, que escandalizara amigos com palavras irreverentes que
1 "Confissões da Bahia (l6lE)." p. 390-91.
232 os'PRocEDIMENToS

pronunciara, e foi mandado, pela qualidade de sua pessoa, confes-


1
sar-se sacramentalmente e cumprir penitência espiritual secreta.
As denúncias tinham aberto campo para quaisquer individuos
solaparem a boa fama dos que ocupavam posição de destaque social.
No seu procedimento, a Inquisição atenuava esse igualitarismo, e,
se usualmente obrigava a uma retratação pública, examinava pri-
meiro os efeitos que essa retratação podia causar. Admitia a pos-
sibilidade de suprimi-la.
O modo de proceder com os que se apresentavam dependia
da vontade que estes revelassem de colaborar com a Instituição.
Eúgia-se que contassem a verdade.
A aceitação como válidas das confissões de desúos que eram
do conhecimento de terceiros dependia de sua concordância com as
denúncias porventura existentes ou recolhidas posteriormente.
Algumas discrepavam. Muitas coincidiam, principalmente aque-
las feitas nos dias da Graça. Um exemplo: Domingos Alvares Ser-
pa, tratante na Bahia, apresentou-se ao segundo Visitador para
confessar, na Graça, ter dito que São João não pecaÍa, e ter comido
carne na Quaresma, sem licença do Ordinário. As denúncias que o
mesmo Visitador recebeu sobre ele variaram: Pero Vilela, que se
declarou muito seu amigo, fez denúncia que concordava in totum
com a confissão. Já Alvaro Sanches foi contar têlo visto na Missa,
sentado, de pernas cruzadas no momento da Comunhão. Contou
também ter ouvido dizer que o indiciado pronunciara palavras de
judeu na casa do Pe. Daniel do Lago. O dr. Melchor de Bragança
compareceu à Mesa para acusá-lo de têlo incitado a }udaiz-ar.
Domingos Alvares Serpa negara ao Inquisidor ter tido algum parente
preso ou penitenciado pelo Tribunal..No entanto, os jesuítas que
ouviram a confissão declararam não ser isso verdade, o que foi
confirmado por Pero Vilela.2
Bernardo Ribeiro compareceu diante do l.o Visitador' depois
de encerrada a Graça, para dizer que "posto ser grande pecador
que tinha fé e conhança em Deus de se salvar"' Meia verdade. Os
denunciantes, Pe. João Fernandeso as testemunhas chamadas, Cle-
mencia Dória, Francisco de Abreu e Cristovão da Costa, declara-
ram que a proposição de Bernardo Ribeiro não era tão inocente,
"se êle morrera grande era a misericordia de Deus e que sua fé
I "Confissões da Bahia (1591)." p. a2.
2 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 97, 130, 109-10, 122,368-69, 123' 190-91.
AS vrsrrAçõEs 233

bastava para salvar-se". Isto redundou num processo, ao longo do


qual o réu acabou confessando a verdade, embora pedindo mise-
ricórdia à Mesa.l
Sempre havia a possibilidade de consertos préüos. Não o
ignoravam os Inquisidores. Deixarem-se enredar por semelhantes
arranjos seria admitir a evasão dos culpados, estimulando-os à
impunidade. A ocorrência dessas combinações, todavia, revela não
só a existência de uma solidariedade defensiva contra o Tribunal,
mas a persistência de uma insinceridade subjacente nos ânimos de
muitos confitentes, que eram na verdade pseudoconfitentes. Quando
o Tribunal reclamava, sob juramento, segredo, ou quando coibia
comunicações de suspeitos, por certo tinha suas razões. Não queria
ser mistiÍìcado. Sabemos o quanto lutou para manter a incomunica-
bilidade dos presos. E quantas vezes foi derrotado nisso.
Quando os apresentados não contavam a verdade integral, o
Inquisidor recomendava que não se ausentassem da cidade onde
funcionava a Mesa, a hm de serem depois chamados e instados a
confessar o que haviam omitido.2 Em alguns casos, mesmo, o
Inquisidor mandava efetuar a prisão, para que no cárcere o confi-
tente avivasse sua memória. Foi o que sucedeu a André Lopes
Ulhoa, por exemplo, que na Visitação de 1618 apresentou-se, na
Graça, a confessar ter comido em mesa baixa e permanecido atrás da
porta quando morreu sua tia, apenas porque desejava flrcar isolado das
muitas pessoas que lhe enchiam a casa.3 Um ano depois, preso
já pela Inquisição, foi chamado novamente à presença do Santo
Oficio, admoestando-o Marcos Teixeira "com muita caridade e pe-
dindolhe pelas chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo que fizesse
inteira e verdadeira confissão de suas culpas e confessasse a intenção
delas se queria usar da Misericordia da Santa Madre lgreja, porque
não. era verossímil que sendo a forma do dito nojo tão conhecida
por cerimônia e lei de Moisés, as ignorasse êle confitente, sendo
da nação hebreia, porque já devia saber que se não chegava a pren-
der pelo Santo Oficio senão com causa e prova muito bastante e
que quanto mais cedo fizesse confissão de suas culpas inteira e
verdadeiramente que tanto mais cedo e maior misericordia alcança-
ria; e que contudo êle confitente dissesse a verdade, e se não le-
I "Denunciações da Bahia (1591)". p. 239; IrqulstçÃo oE LIsnol. ANTT. Proc.
n.' 13.957.
2 RrcuurNro or 1613. tit. nI $ l0 p. 29-30.
3 "Confissões da Bahia (1618)." p. 398-400.
2Y osPRocEDrMENTos

vantasse a si nem a outrem testemunho porque o Santo Oficio não


queria senão a verdade".
Se o confitente acabasse de denunciar e pedisse perdão, o
Tribunal usaria de misericórdia.2 No entanto, eram réus suspeitos
de malícia, principalmente quando, conscientemente, escondiam
determinadas circunstâncias ou nomes de testemunhas ou cúm-
plices.3
Havia os que se apresentavam aparentemente contritos, pe-
diam perdão e eram perdoados. Depois saíam a se gabar diante
de amigos, parentes ou conhecidos, de terem confessado cousas
inexatas, ou de que não criam na gravidade dos próprios eÍros.
Estes, deviam ser autuados conforme o direito do tempo.a Os
que se atreviam a jactar-se depois de escapar das malhas inqui-
sitoriais, ou eram incrédulos, a quem não importavam as coisas
do espírito e da salvação, ou eram inconseqüentes ao desafiarem
o poder do Santo Oficio. Corajosos ou loucos?
Alguns confitentes apresentavam-se à Mesa fora do Tempo
da Graça talvez porque não pudessem esperar a chegada da Visi-
tação a seus lugares, ou porque fosse improvável que se pÍomo-
vessem Visitas a determinados rincões provinciais, ou aindâ por-
que, em certos momentos, aumentasse a coerção social, e aumen-
tasse, paralelamente, o medo das denúncias. Tais confitentes, se
estivessem arrependidos e contritos, eram recebidos, e se de suas
faltas não houvesse testemunhas, abjurariam diante do Inqui-
sidor, Notário e Assessores, sem hábito penitencial ou cárcere.
No caso de existirem testemunhas, elas seriam chamadas, a fim de
comprovar se a confissão fora bem feita e sincera. Caso afirma-
tivo, o confitente seria reconciliado, abjurando em público no lugar
que melhor parecesse aos Inquisidores, respeitando-se a quali-
dade da pessoa, sua conÍissão e culpas. s No caso da confissão
não ter sido boa e verdadeira, a pessoa fïcava retida, e era exa-
minada antes do prosseguimento do processo.ó

1 "Confissões da Bahia (1618)." p. 399-400.


2 Rscrì,lExro or 1613. tit. III g 10, p. 29-30.
3 lbid.
n Id.,
58, p. 29.
s 1d., g I, p. 28.
u Id., p. 28.
ç2,
AsvrsrrAçõEs 235

Se a confissão não fosse satisfatória, prosseguia o proces-


so, mas o réu poderia ainda falar antes de ser acusado formal-
mente. I Poderia confessar antes da acusação, antes da publicação
dos ditos das testemunhas,2 antes da resposta que seu procurador
apresentava à Mesa,3 antes de aplicação do tormento,a no tor-
mento, 5 antes da sentença definitiva,6 ou depois desta, quando
o réu sabia-se condenado à morte. ?
Além de sua relevância básica no desenvolvimento do pro-
cesso inquisitorial, a confissão era de extrema importância para
os indivíduos e para a coletividade.
Para os indivíduos, a conÍissão propiciava o equilíbrio espi-
ritual, dando estabilidade e paz às consciências daqueles homens
angustiados pela religião exacerbada de que grande parte era pos-
suidora. Mesmo que para alguns confitentes ela ajudasse apenas
a uma acomodação de aparência de fidelidade à ortodoúa, produ-
ziria a segurança necessária às suas üdas.
Para a sociedade, a confissão era caminho de reajuste das
pessoas a um meio que se esforçava por ser cristão católico. Per-
mitia uma certa recomposição da ordem social ameaçada pelos
desvios do pecado da heresia. Servia, portanto, a dois planos de
equilíbrio: o individual, com vistas à recuperação dos espíritos,
e o social, pela preservação da unidade das consciências.
Denúncias

Denunciar ao Santo Oficio o que fora presenciado, sabido


ou compartilhado, eÍa, paÍa os homens do tempo, um imperativo.
A Inquisição incitava à delação.
Durante as Visitações, em caráter temporário, os Inquisidores
punham-se à disposição dos cristãos-novos ou velhos para ouvir-
-lhes os desabafos.
No Brasil, durante as Visitações, assentou-se a Mesa no Co-
légio dos Jesuítas. Era integrada por um Inquisidor: Furtado de

I Id., tit. IV, $ 33, p. 36.

"3 Id., ç 38, p. 38.


1d., $ 39, p. 38.
o Id., ç 40, P'
'10.
5 Id.,
$49, p. 41.
ó Id, $ 55, e 62, p. 42-4, respectivamente.
1 Id.,963, p. 45.
2X os PRocEDTMENTos

Mendonça, na primeira Visitação, Marcos Teixeira, na segunda;


um Notário, Manoel Francisco, na primeira Visita, Manoel Ma-
rinho, na segunda; e por Assessores, geralmente pessoas doutas,
versadas em cânones e Teologial entre as quais podia ser desig-
nado um Curador, quando se apresentasse um menor2 diante do
'Iribunal de Fé. Os horários das audiências eram Íìxados para
dois períodos - manhã e tarde.
Os denunciantes acorriam à Mesa principalmente depois
de terem ouüdo a leitura do Monitório da Inquisição, toque de
clarim que espertava os voluntários. Assustando as consciências,
impulsionava os individuos, levando-os à presença do Tribunal.
"Mandamos uma, duas e três vêzes, a todos e quaisquer dos
sobreditos vizinhos e moradores desta cidade e que em ela e
em seus termos estão que cometeram ou perpetuaram os ditos
delitos e crimes de heresia e apostasia . . . que do dia que lhe
esía nossa carta for lida e publicada e de qualquer maneira que
a sua notíci.a vier ou dela souberem. . . apqreçam perante nós
em nossas pousadas nesta cidade . . . a confessar e declarar
todos e quaisquer erros e delitos que tenham feito e cometido
de heresia e apostasia da fé ou aconselhado, feito, obrado, con-
sentido e visto fazer e obrar a outras quaisquer pessoas . . ."3
Os cristãos eram conclamados às denúncias. Obedeciam.
Muitos apenas porque se sujeitavam, pacificamente, ao Santo
Oficio. Reconheciam sua validade. Talvez por isso o padre dom
Bento tenha ido contar ao Visitador da Bahia, Furtado de Men-
donça, que Antonio Mendes, além de não comparecer à procissão
do ato da publicação do Santo Oficio em Salvador, teria dito sobre
os ministros desse Tribunal: "estes não vinham qua a mais que
encher-se como os outros".4
Ninguóm estava isento da obrigação de denunciar, qualquer
que fosse sua idade, sexo, qualidade, confissão, posição social:
I V. Cap. "Visitador e seus Assessores".
2 "Sendo o réu menor de 25 anos, constando sua minoridade, os Inquisidores pro-
verão de Curador ad litem in forma Juris o qual Curador será pessoa que parecer
mais conveniente aos Inquisidores . . ." REcrMENro op 1613. tit. IV, $ 20, p. 49.
3 Carta Monitória de D. Diogo da Silva. (Coletório de Bulas e Breves Apostólicos,
Cartas, Alvarás e Provisões Reais que contém a instituição e o progresso do Sto.
Oficio em Portugal). Lisboa, 1634. fl. 5v. Mais ou menos teor conservam os Moni-
tores posteriores, em suas determinações. Diferiam uns dos outros apenas na inclu-
são de outros crimes contra a lé acrescentados pela legislação inquisitorial.
a INqursrçÃo or Lrssol. ANTT. Proc. n." 6.359.
AS vrsrrAçõEs 237

". . . notificamos a quaisquer pessoas homens e mulheres clé-


rigos e religiosos, isentos e não isentos de qualquer estado, con-
dição, dignidade e preeminência . . . assim pais e mães como
outros quaisquer parentes presentes ou qusenles, companheiros,
consortes, participantes ou consentidores dos ditos delitos e
erros . . .".1
Certamente porque acreditavam na necessidade da ação do
Tribunal, algumas pessoas se apresentaram para denunciar a fuga
de suspeitos que teriam se deslocado para outros rincões à notícia
da aproximação do Santo Oficio. Assim, Beaïriz Dias denunciou,
ao l.'Visitador, Alvaro Gil Freire, porque este teria dito que muito
bem tinham agido os cristãos novos que fugiram de Pernambuco
"para as Antilhas de Castela" ao saber da chegada da Visitação
de 1593.2 João Alvares Pereira denunciou, na Bahia, a Pedro Ho-
mem, estante no engenho de Tristão Ribeiro, em passé, que, se-
gundo fama pública, viera de Portugal fugido da Inquisição.3
Jorge Fernandes teria ouvido dizer na Vila da Vidigueira, no Reino,
"em fama pública geralmente a muitos assim honrados como do
povo da dita vila que Fraircisco Mendes de Leão, cristão novo,
fugira dalí por causa da Írrquisição".o
Eram também acusados aqueles que tinham favorecido a
alguns escaparem do Santo Oficio. Antonio Lobo, por exemplo,
denunçiou ao Visitador da Bahia que Antonio yaz levara, de Sal-
vador para o Rio de Janeiro, Adrião Francisco e Joana Martins,
ambos detidos na Bahia por ordem da Inquisição. s
Outros denunciavam porque queriam colaborar. Por isso se
aproximavam espontaneamente e falavam, convencidos que es-
tavam de ajudar à repressão da heresia, beneficiando a comuni-
dade. Eram indivíduos mais sensíveis ao poder da Igreja
entrosados no seu Corpo Místico, mais tementes de sua força
- melhor
como mediadora imprescindível entre o homem e a salvação. euanto
maior a religiosidade, mais acurado o zelo pelas questões a ela
pertinentes. Mais escrupulosas se mostravam então as consciên-
cias. Muitos denunciantes voltavam à Mesa para denunciar de
novo cousas que ficaram esquecidas na primeira apresentação,
I Carta do Édito do Tempo da Graça. (Coletório de Bulas e Breves). fl. 5.
2 INqursrçÃo or Lrssoe. ANTT. Proc. n.. 16.898.
3 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 256.
a "Denunciações de Pernambuco". p. 12.
s INqusrçÃo on LrssoÁ.. ANTT. Proc. n.. 6.345.
238 os PRocEDrMENros

como Gaspar Fernandes, alfaiate, cristão-velho de Matoim. I Preo-


cupação com problemas do Santo Oficio? Fatos irrelevantes, pouco
concludentes, eram denunciados. A avaliação não cabia ao delator,
e sim aos juízes da fé. Por isso, contavaú tudo o que sabiam, o
que tinham üsto, ou o que terceiros lhes haüam informado. "Se
sabem, viram ou ouüram", era a ordem do Monitório Inquisito-
rial. E os fiéis cristãos cumpriam-na. Acabavam, como João da
Rosa, denunciando cousas tais como o fato de Manoel Dias, bene-
ficiado da matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Pernambuco,
que, na mesma igreja, na hora das Vésperas, na capela de Nossa
Senhora "alevantou a perna e deu um grande traque, diante da
imagem da Virgem". Repreendido pelo denunciante e pelo padre
coadjutor, Rodrigo Soares, riu-se.2 O fato pareceu sério ao denun-
ciante, pois o acusado era cristão-novo. Pareceu grave tambem
a Gaspar Pereira de Crasto caso idêntico sucedido com um índio
que, ao ouvir o companheiro pronunciar o nome de Jesus, "dera
per baixo um tÍaque dizendo: isto com Jesus".3 João Pinto de-
nunciou Francisco Rodrigues por ter dito que S. Pedro negara a
Cristo mais de três vezes.4 Ignora-se quanto essas informações
valiosas possam ter sido relevantes paÍa a obra de aprimoramento
doutrinal que os Inquisidores vinham realizando. Ou haveria malícia
nas denunciações?
Que dizer do jesuíta Luis da Gram, relatando ao primeiro
Visitador da Bahia que, numa procissão de Endoenças, iam, um
homem na figura de Cristo, com uma cruz às costas e outros nas
figuras dos fariseus. Na mesma procissão ia Fernão Rodrigues,
com uma caixa de doces da Misericórdia, consolando os peni-
tentes. Coisa suspeita: o dito Fernão Rodrigues sempre dava con-
solação e cousas doces aos fariseus, e nada ao da figura de
Cristo! . . .s
Colaborar na repressão'da heresia era zelar pelo bem-estar
da comunidade; numa época em que vigorava a crença de que o
pecado indiüdual atrairia o castigo do céu sobre a comunidade,

I Id., proc. n.' 12.936.


2 "Denunciações de Pernambuco." p. 43.
O denunciado compareceu à Mesa, na Graça, em janeiro de 1595, para confessar que
"sem respeito ao lugar largara algumas ventosidades" pedindo perdão e miseriórdia.
3 Id, p. 198.
a Id., p. 15-16.
5 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 331.
AS vrsrrAçõEs 239

muitos teriam sido levados a indiscrições das vidas alheias. Indiscri-


ções depois relatadas na Visitação: Ana, Íìlha de Manuel Rey e Maria
Rodrigues, porque sentiu barulho na casa vizinha, foi espreitar
pelo buraco da porta, e viu Maria Rodrigues praticando o nefando
com Ana, moça parda de ll para 12 anos.l Bernardo Pimentel
denunciou mestre Afonso e sua mulher, Maria Lopes, de coisas
desrespeitosas ao Crucifixo, que lhe foram contadas por negros seus
que espiaram os denunciados.2
Os confessores colaboraram, por convicção ou necessidade,
com o Santo Ofïcio. Mandavam seus confitentes denunciar.
Homens haúa, envolüdos pelo clima de religiosidade aden-
sado do tempo, crendo na necessidade de extirpação de credos
diferentes do Católico, Eis um dos motivos pelos quais havia tanta
delação sobre as'práticas da religião de Moisés, como, por exem-
plo, Beatriz Luis, que foi delatar a Furtado de Mendonça ter Branca
Dias "uns santinhos assim como pacas, aos quaes adorava". 3
A índia Mônica denunciou Fernão Soares por possuir uma Torah. a
Nuno Alvares, rendeiro dos dízimos, morador em Camaragibe
foi acusado pelo Pe. Francisco Pinto Doutel de judaizar. s Diogo
Fernandes foi acusado de vestir roupa limpa aos sábados, e de
dar aos seus trabalhadores carne em dia defeso.6 Pero d'Aguiar
d'Altero contou que Ana Rodrigues, estando doente, tendoJhe
sido levada a imagem do Crucificado num retábulo, dissera: tirai-o
lá, tirai-o lá. ? Todos altamente preocupados com as práticas ju-
daicas. Todos certamente inoculados pelo antimarranismo que a
ação inquisitorial animava.
Estavam sempre todos prontos a registrar faltas alheias. Prin-
cipalmente se elas se referissem a práticas de outro credo. Intuíam-
-nas e corriam a denunciar.
Acondição de converso era ingrata. Excitava suspeitas per-
manentes. Induzia os zelosos a encontrar faltas onde elas não eús-
tiam, ou a exagerar meros deslizes. Alguns exemplos - Jorge Bar-

I "Denunciações de Pernambuco." p. 52-3.


2 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 489.
3 "Denunciações de Pernambuco." p. 33.
n Id., p.48. A mesma cousa foi denunciada por Maria de Hesedo. Id., p. 38.
5 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 516.
6 "Denunciações de Pernambuco." p. 50.
7 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 250.
24 osPRocEDrMENros

bosa Coutinho denunciou Henrique Mendes, mercador, que nos


oficios de domingo de Ramos "náo fazia nenhum modo dç in-
clinação de cabeça, nem de mesura, nerp de reverência alguma,
mas se deixava estar direito em pé como estava no mais tempo"
o que lhe pareceu mal, por ser o referido Henrique cristão-novo. I
A falta de comparecimento a atos litúrgicos por parte dos
conversos era motivo de alta suspeição sobre a sinceridade de sua
crença. Denúncias como as de Gaspar Nunes, que ouúu dizer que
o cristão-novo Nuno Fernandes nunca ia à missa.2 O Pe. Pedro
Cabral declarou ao Visitador que João Nunes não costumava ir
à igreja.3 Mateus de Freitas Azevedo acusou o mesmo João Nunes
de fazer suas contas e negócios nos domingos e dias santos.4
Gaspar Moreira denunciou o cristão-novo João da Paz, com
quem viajara, por ter declarado que, acabando de dizer a Ave-
-Maria, amargava-lhe a boca.s Simão Vaz, segundo o Pe. Doutel,
também judaizava, trabalhava e fazia trabalhar nos domingos
e dias santos,6
Denúnçias de pequenas cousas. Distorções que podiam re-
sultar fatais, se desencadeassem indagações ulteriores. Há sempre
um pecado oculto em cada vida.
As práticas - ou suspeitas delas - da religião de Maomé
também eram anotadas. Antonio Castanheira respondeu processo
na Bahia porque declarou imprudentemente que melhor lhe pa-
recia ser mouro do que castelhano. T
Delataïam-se, outrossim, à Inquisição, indícios de adesão
ao Protestantismo. Bernardo Ribeiro, por exemplo, foi denun-
ciado pelo Pe. João Fernandes, ügário da igreja de Nossa Senhora
do Socorro de Tasuapina, no Recôncavo da Bahia, e por Francisco
de Abreu Costa, por ter afìrmado que a fé bastava para a salvação.8
Domingas Pereira contou ao primeiro Visitador que a mameluca
Felipa Martins, tendo ouüdo seu marido Jorge Dias dizer palawas

1 "Denunciações de Pernambuco." p. 63.


2 IwqursrçÃo pB Lrssolj..ANTT. Proc. n." 12.836.
3 "Denunciações de Pernambuco." p. 34.
a Id., p. 69.
5 Id., p. 78.
6 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 516.
7 lNqursrçÃo pn Ltssol. ANTT. Proc. n.o 6.360.
I Id., prcr. n.' 13.957.
AS vrsrrAçõEs ut
injuriosas a Cristo, dissera "... eu cuidei que era casada com
homem e acho-me casada com um Lutero". I
Os denunciantes apontavam ainda à Inquisição os fautores
de hereges, convencidos que estes também podiam causar muito
mal à sociedade. Nesse sentido, foram feitas inúmeras denúncias
ao Visitador da Bahia, Furtado de Mendonça, sobre Fernão Cabral
de Ataíde, que teria recolhido e estimulado em sua fazenda as prá-
ticas religiosas sincréticas da Santidade.2
A existência da vida eterna continuava sendo problema, mesmo
na atmosfera amolentada da Colônia. Várias acusações levadas
ao primeiro Visitador provam isso: Manoel Alvares acusou dona
Beatriz de Albuquerque de ter duvidado estar São Francisco no
Paraíso.3 Mateus Pereira acusou Paulo de Abreu de ter declarado
que não haüa mundo mais que este. a Francisco Rodrigues, segundo
testemunho de Manoel de Azevedo, teria dito que não havia limbo. s
João Soares Pereira teria dito que não haúa inferno. ó Antonio de
Carvalho, deprimido pela morte do irmão, duvidava da existência de
outro mundo. T
A revolta que alguns cristãos-novos sentiam pela cristianiza-
ção forçada que lhes fora imposta aflorava em comportamentos
estranhos, como o de João Nunes, que colocara o Crucifixo no
local onde fazia "suas sujidades corporais",8 ou de Bento Teixeira,
que jurava "pelas partes vergonhosas de N. Senhora". e Ou ainda
de Pero de Cardoso, que tratava mal um Crucifixo que tinha em
casa, tendo-o posto sob um degrau da escada. 10 Simão Godinho da
Franca contou ser fama pública em Angola que Garcia Mendes de
Oliveira mandara uma negra sua à igreja comungar e levar para
casa o Santíssimo Sacramento. 11
Denunciavam-se ao Inquisidor as manifestações de solida-
riedade que entre si mantinha o grupo judaico, numa necessidade de
autopreservação, entendiam-no os hebreus. Num acinte aos cris-
tãos, entendiam-no os cristãos-velhos. Assim, a irritação acionava

I Id., proc. n.' 16.895.


2 Id., proc. n.' 17.065.
3 "Denunciações de Pernambuco." p. 74.
a Id., p. 91.
s Id., p. 93.
6 Denúncia de Luis Antunes. Id., p. 103.
? Denúncia de Diogo Fernandes. Id., p. 104.
8 IwqusrçÃo on Lrssol. ANTT. Proc. n.' 1.491.
e Id., proc. n.o 5.206.
ro "Denunciações da Bahia (1591)." p. 516.
11 "Denunciações de Pernambuco." p. 14-15.
242 os PRocEDrMENros

os denunciantes, como Simão Godinho da Franca, que transmitia


ao Visitador o ruim conceito que tinha dos cristãos-novos Garcia
Mendes e Diogo Castanho, a quem via estar em ajuntamento com
outros cristãos-novos. 1
Em muitos fatos relacionados à Mesa sobrelevava-se a preo-
cupação com a unidade das consciências. Aquela mesma unidade
ameaçada pela inassimilação voluntâria e consciente do grupo
criptojudaico, que se externava muitas vezes em protestos de cris-
tãos-novos de se manterem sempre judeus.
A consciência que tomavam os denunciantes do desejo de per-
manência na condição hebraica que alguns cristãos-novos demons-
travam, era de molde a aumentar as zonas de tensão entre conversos
e cristãos-velhos. Corriam estes a contar ao Santo Oficio fatos
como o seguinte: os cristãos-novos Diogo Fernandes, Francisco da
Costa e Pero Teixeira, depois de comer, em lugar de dar graças a
Deus diziam: "feito é isto, Deus nos ajunte a todos na força".2
Muitos denunciantes compareciam ao Tribunal para desen-
cargo da própria consciência,3 entrando às vezes em conÍlitos
íntimos com seus sentimentos. Nicolau Faleiro de Vasconcelos
denunciou D. Leonor de práticas judaicas, mas ressalvou que a
informação lhe fora dada por Baltazar Dias, homem tido por men-
tiroso e acostumado a levantar falsos testemunhos. A denunciada
eÍa, para o denunciante: "boa cristã, amiga e devota de Nosso
Senhor e de Nossa Senhora e de todos os santos, virtuosa, caridosa
e esmoler".4 Outras vezes, depois de feita a acusação, tentâvam
minoráJa, como Pero Rodrigues, que declarou ser o denunciado,
Miguel Dias, um homem simples. s
Outros iam depor pelo medo da sanção excomunicatória que
pesava, automaticamente, sobre aqueles que se calassem.6
1 Id., p. 14.
2 "Denunciações da Bahia (1591)." p.246-47.
3 Descargo de sua consciência e zelo da Santa Fé foram os motivos alegados por
Melchor de Bragança para sua declaração. "Denunciações da Bahia (1618)." p. 97.
Sua consciência devia estar muito carregada, pois compareceu à Mesa pela primeira
vez aos 111911618; pela segunda, aos 13/9/1618 e declarou ter mais que denunciar'
prometendo voltar outro dìa. Id., p. 132.
a Id., p. 244.
5 lNqrnstçÃo pr Ltsaol. ANlfT. Proc. n.' 12.934,
ó "Mandamos a vós sobreditas pessoas e a cada uma, em virtude de obediencia e
sob pena de excomunhão ..." "Carta do Édito e Tempo da Graça". (Coletório de
Bulas e Breves). fl. 6.
As vrsrrAçõEs 243

Muitos ainda talvez fossem denunciar pelo medo do que seus


semelhantes pudessem falar, uma vez que nem sempre se contro-
lavam devidamente à rua, à mesa, dentro de suas próprias casas,
ou de suas próprias alcovas. O Santo Oficio levava a uma certa
consciência de coletividade. Combatia, indiretamente, o individua-
lismo renascentista. Os homens sabiam-se integrados em grupos.
Sentiam vivamente que eram objeto de consenso geral, e que a opi-
nião que sobre eles se cristalizasse podia acabar comunicada às
autoridades da Fé. Por isso, muitas vezes, se apressavam: iam
denunciar para provar seu zelo, para prevenir futuras impressões.
Se não contassem o que sabiam, podiam acabar processados pelo
Santo Oficio, como ocorreu a Sebastião da Silva, mourisco, morador
na Bahia, que foi autuado por não ter relatado à Mesa da Visitação
as blasfêmias que ouvira pronunciar. I
Algumas pessoas terão se achegado à Mesa para denunciar
concorrentes ou desafetos. Teriam pensado em se servir do Santo
Oficio para dar vazão ao ódio que votavam a determinados in-
dividuos. Como quaisquer outros, de diferentes tempos e lugares,
apresentâram os homens da Colônia deformações de caráter. Abri-
garam maldade e perfidia no coração. Por isso é plausível que muitos
tenham enxergado no Tribunal da Fé instrumento para persegui-
ções. Tais acusadores muitas vezes apenas livravam-se de presenças
molestas. Ou tentavam vingar-se de algum ressentimento. Melchor
de Bragança, não tendo conseguido ajuda financeira dos cristãos-
-novos Diniz Bravo e Domingos Alvares Serpa, foi denunciáJos
a Marcos Teixeira.2 Aliás, o denunciante parece que provocava
seus desafetos. Foi também pedir auxílio a Gonçalo Nunes, prova-
velmente contando com a solidariedade de grupo cristão-novo.
Mas Gonçalo sabia que Melchor denunciara pai e mãe na Ber-
beria, e negou. Parece ter sido proposital o pedido feito em nome
de Cristo, Deus vivo, para ver que palavras seriam as de Gonçalo
"as quais palavras o denunciado não fez cortesia alguma" segundo
depois foi relatado a Marcos Teixeira.3
Francisco Dias Soares foi denunciar Manoel Luis, mas con-
fessou ao Visitador "que pelejou com êle de palavras descorteses,
porém êle não lhe tem ódio" ! . . , a
I lNqusrçÂo or L6soe. ANTT. Proc. n." 11.210.
2 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 97-100.
3 1d., p. 130.
a "Denunciações de Pernambuco." p. 23.
24 osPRocEDrMENTos

Moralmente, tais comportamentos revestiam-se de incredu-


lidade, indiferença, irreligião. Deviam constituir a minoria. A In-
quisição precavia-se contra tais depoimentos. Às vezes, sob al-
guns ficava registrada a palavra "suspeita", como na Visitação da
Bahia, Furtado de Mendonça apôs à denúncia de Catarina de
Almeida contra o genro, Fernão Pires, a nota "testemunha que não
é de credito", talvez porque tivesse sabido que as acusações não
eram mais do que rancores de sogra. 1

Os próprios Inquisidores aceitavam com reservas certas de-


núncias em que os acusadores se declaravam inimizados ou mal
querentes em relação ao denunciado, como a de Melchor de Bra-
gança sobre Domingos Alvares de Serpa, pois declarou "que o
denunciado o tratava mal de palavras, dizendo que por êle denun-
ciante ter dito mal dele ao Vigário Geral desta Cidade, arremetera
sôbre êle para lhe dar com um páu, dandolhe a entender que por
êle denunciante ter denunciado dele, 'como na verdade o tinha
feito diante do Bispo desta Cidade . . .t" O Pe. Doutel denunciou
o'não
o Lic. Diogo do Couto, mas declarou estar com êle corrente".3
Eventualmente, alguém acabava processado por denúncia fal-
sa, não obstante os avisos da Inquisição sobre "o grande castigo
que se há de dar às pessoas que não vierem com este zelo e se move-
rem a dizer alguma cousa falsamente contra alguma pessoa ou
pessoas ou ela outra qualquer cousa que tocar ao Santo Oficio da
Inquisição".a Não deviam faltar, câ e lâ, mentes maquiavélicas, a
arquitetar rede de intrigas e malevolências, mediante as quais lo-
grassem fazer caçar e autuar desafetos, e que se serviriam da jus-
tiça inquisitorial como deviam se servir da ciül e da eclesiástica.
Tal foi, por exemplo, o caso de Francisco Gomes, apaixonado
por uma enteada. Fugindo-lhe esta de casa para casar-se, sob a
proteção do tio - Domingos Ribeiro - obrigou sua mulher, Paula
Òordeira, e a outra enteada, Águeda Cordeira, a acusarem o dito
Domingos Ribeiro de Judaísmo, na Justiça Eclesiástica de Sal-
vador.s Foi também o que sucedeu a Cristovão Queixada, cas-
telhano, morador em sua roça em Paratibe, Pernambuco. Martim

1 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 529.


2 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 98.
3 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 516.
a Regimento de 1613, tit. II, $ 2, p. 26.
s "Conhssões da Bahia (1618)." p. 378-80. INqutstçÃo oe Lrssol. ANTT. Proc.
n.' 6.333.
AS vrsrrÀçõEs 245

Moreira, meirinho da correição da capitania de Pernambuco, e


Francisco Correa, escrivão da vara do referido meirinho, acusa-
ram-no de haver comido carne numa sexta-feira, declarando que
o que entrava pela boca não era pecado. Feito o processo, ouüdas
as testemunhas, apurou-se que os dois denunciantes tinham ódio
ao acusado, principalmente por ser ele sobrinho de Frutuoso Bar-
bosa, com quem tinham tido desavenças que estendiam a toda a
família. Apuradas as responsabilidades, Martim Moreira e Fran-
cisco Correa acabaram, eles próprios, respondendo a processo
inquisitorial.
As denúncias podiam ser feitas em qualquer época. Nas sedes
dos Tribunais, sempre, durante o ano. Elas se multiplicavaltr, po-
rém, principalmente, durante as Visitações - dos Tribunais ou
das comarcas e lugares - quando se concediam os Dias de Graça.
Era o tempo em que se avivavam as lembranças da obrigatoriedade
de colaboração com o Santo Oficio. Tempo em que os Inquisidores
estavam predispostos a benevolência maior. Por isso, durante o
Ternpo da Graça, maior quantidade de acusações vinham alinhar-se
nos arquivos. Falava-se mais. Também perdoava-se mais. Ficava
mais leve para as consciências desfazerem-se de seus segredos nesses
tempos de prometida misericórdia.
Apresentava-se o denunciante à Mesa da Inquisição, depois
de conclamado pelos Monitórios, pedia audiência, declarando ter
conhecimento de cousas da alçada do Santo Oficio. Admitido, de-
clarava nome, condição, procedência, moradia, Íìliação, profissão,
idade e estado civil. Em seguida, prestava juramento sobre os Evan-
gelhos, juramento que garantia a veracidade do que ia contar. Nar-
rava então os fatos, buscando o mais possível a precisão dos deta-
lhes: local, hora, e tempo do acontecido, testemunhas presentes,
com especificação de nomes, profissões e moradias. Um exemplo:
o depoimento prestado por Manoel Brandão contra Antonio Fer-
nandes, morador da Bahia em 1592:
"Aos 15 diss do mês de janeiro de 1592 nesta cidnde do Salvador
da Bahia de Todos os Santos nas casas de morada do Senhor
Visitador do Santo Ofício Heitor F'urtado de Mendonça, perante
êle apareceu sem ser chamado, Manuel Branüo, e, por qltÊrer
denunciar cousas tocontes ao Ssnto Ofício, recebeu jura-
mento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mõo direita
sob cargo do qual prometeu dizer em tuda verdade e disse ser
cristão velho, natural da Vila do Fayal, filho de Francisco Luis
?Ã. asPRocEDrMENTos

e de sua mulher Catarina Brandoa jd defuntos, casado com An-


tonia Vicente, cristã velha de idade de 50 anos, lavrador nn ponta
do rio de Matoim, freguesia de Paripe dêste Recôncavo, e denun-
ciando disse que haverd dez anos pouco mais ou menos, em Paripe,
em casa de Gabriel Gonçalves, mestre de moços, que então era
seu vizinho, um dia, entrando êle denunciante na dita casa, achou
o dito Gabriel Gonçalves em disputa e porfia com Antonio I'er-
nandes, sapateiro do mesmo lugar morador, sôbre se era pecado
mortal a fornicação simples e o dito Antonio Fernandes, sapa-
teiro, sustentava e tinha que não era pecado o dito Gabriel Gon-
çalves contradizialhe afírmando que sim era pecado
O denunciante passava então a ser interrogado pelo Inqui-
sidor, primeiro sobre o costume. Importava saber se o móvel da
denúncia não seria o desejo de prejudicar ao próximo. Quando o
acusador declarava sua inimizade ou o mal-querer que votava ao
denunciado, isso era o alerta para o futuro procedimento do Santo
Ofïcio. Eram casos que reclamavam muitas outras testemunhas,
para prosseguirem.
Perguntava também o Inquisidor sobre algumas circunstân-
cias que poderiam ser atenuantes, como, se o acusado costumava
tomar-se de vinho, se tinha sido a referida discussão após o jantar,
se estava em seu siso, e sobre quaisquer outros dados que pudes-
sem melhor esclarecer a Mesa. No processo citado, por exemplo,
perguntou ainda o Visitador se o denunciante sabia se Antonio
Fernandes era cristão-novo, e se o via ter exteriores de bom cristão.2
Nem sempre o Inquisidor aceitava as declarações do denunciante.
Marcos Teixeira, referindo-se às denúncias feitas por Melchor de
Bragança, que teria recebido solicitações para judaizar, declarou
que não parecia verossímil que, sendo a gente da nação tão astuta
e acautelada, e a matéria de tanta importância e perigo, se lhe ma-
nifestassem e descobrissem tanto os sobreditos denunciados, ha-
vendo entre ele, denunciante, e os denunciados, tão pouca con-
versação e amizade.3

1 lNqusrçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n." 12.527.


2 "Perguntado, disse que não sabe se o dito Antonio Femandes é crisüio novo, mas
não estava bêbado e estava em seu siso. Não é homem que costume se embebedar
porém é teimoso e de pouco saber. Ve-se fazer obras exteriores de caridade e é bom
cristiio. Do costume disse que é seu amigo. Declarou que não houve outras teste-
munhas". Testemunho de Manoel Brandão. proc. n.o 12.527, cit.
3 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 100-01.
As vrsrrAçõEs uil
A opinião que o denunciante tinha sobre o acusado podia
ser importante para ulterior julgamento. Muitos atenuavam sua
delação, ou acentuavam-na, ao expressar a conta em que o denun-
ciado era tido no consenso coletivo. Martim Moreira assim se ex-
ternou sobre Manoel Gonçalves: "mancebo que não se toma do
vinho, a quem tem por simples e sem malicia".l Já Pero Vilela
disse ser João da Silva pessoa "que não costuma tomar-se do vinho,
mas era homem terrivel e desalmado".2 Pata o mesmo denun-
ciante, Pero Vilela, Domingos Alvares Serpa era "homem sábio
e aprimorado e estava em seu perfeito juizo e não costumava a
se sair dele nem a se emborrachar" o que sabia por o ver e tratar
há muitos anos.3 Já Cristovão Martins, para Pero Lopes era "ho-
mem chocalheiro de pouco juizo".+
De outro lado, ter o acusado parente que passara pela In-
quisição, ou ele próprio ter incursionado pelo Santo Oficio, eram
circunstâncias agravantes, como o era pertencer ao grupo dos
novos conversos.
De tudo o que era declarado, o Notário lavrara termo de as-
sentamento, depois lido em voz alta e assinado pelo depoente al-
gumas vezes em cruz. Primeiro, essas assentadas constaram do
Caderno de Lembranças. Depois, foram substituídos pelos Liwos,
muitos dos quais ainda subsistem, guardando retalhos de dramas,
de intimidades, de vidas.5 Assim mesmo, na Visitação do Brasil
ainda se faziam Cadernos de Lembranças, pois Pero Marinho,
chamado a testemrmhar no processo de Diogo Martins Pessoa,
declarou ter estado na Mesa, contando cousas leves que ficaram
anotadas como lembranças.6
As denúncias não se atinham apenas aos fatos concretos sobre
os quais pairava a ceÍteza do testemunho pessoal. Contavam-se
1 "Denunciações de Pernambuco." p. 40.
2 "Denunciações da Bahia (1618)." p. ll0.
3 Id., p. 109.
a INqutstçÃo nE Lrsnoe. ANTT. Proc. n." 5.534.
s "No Secreto haverá livro em que se escrevam as denunciações que se vierem fazer
no Santo OÍïcio, com folhas assinadas uma a uma por um dos Inquisidores e nu-
meradas, tendo no fim declaração do número de folhas que também será assinada
pelos Inquisidores. Regimento de 1613, tit. I, g 8, p. 25. Os Cadernos de Lembranças
Passaram a conter denúnciás de cousas aparentemente sem importância. Nos Ar-
quivos da Torre do Tombo existem outros livros de registro de cada Inquisidor.
CeoeRNos pn Curpls ew NÃo BAsrAM.
ó IrqursrçÃo or LrssoA.. ANTI. Proc. n." 6.348.
2;8 os P\ocEDrMENros

cousas sabidas por meio de terceiros. Assim, Pero Novais acusava


a Manoel de Paredes de palavras que lhe tinham sido contadas por
seu tio Diniz Gonçalves Varam, que as soubera de André Monteiro.
1

Francisco de Abreu da Costa denunciou ao Visitador ter sabido pelo


cunhado, Cristovão da Costa, que ouvira dizer em Matoim que,
numa certa casa, moÍTera uma pessoa danaçáo, e os da casa o amor-
talharam em camisa comprida e lançaram fora a áryua da casa.2
Ilena Baldaia ouvira do cônego Gaspar da Palma que mestre Afonso,
cristão-novo defunto, tinha um Crucifixo, sobre o qual ele e os cris-
tãos-novos faziam suas necessidades corporais. Contou o caso ao
vizinho, Pe. Felipe Estácio Sintra, que levou a denúncia a Furtado
de Mendonça.3
Que era denunciado? O conhecimento que as pessoas pos-
suíam ou julgavam possuir de faltas contra o dogma, a liturgia, o
respeito e a obediência ao clero, à hierarquia, e ao Santo OÍïcio;
a crença ou a prática de atos ligados ao Luteranismo, Judaísmo,
Maometismo, bem como a suspeição disso; a posse ou a leitura
e divulgação de livros proibidos; a feitiçaria, superstições, adivinha-
ções e os bruxedos; os pactos com o diabo; a sodomia; a bigamia e
a solicitação.a
Nessas denúncias está contido todo um acervo de informa-
ções que permitem reconstituir-se o clima espiritual reinante numa
povoação, numa cidade, comarca ou província. Nesses desnuda-
mentos de intimidades, apreendia-se o estado das consciências,
definiam-se os valores individuais, de acordo ou não com os da
sociedade.
A preocupação com o controle das práticas judaicas, por
exemplo, é bem indicativa da atmosfera de antimarranismo que
reinava no tempo, mesmo no Brasil.
No conjunto, grande número de acusações desvendavam prá-
ticas do Judaísmo: reais, ou imaginadas pelos delatores. Duas cou-
sas hcavam nítidas: o conhecimento bastante generalizado dos
rituais hebraicos pela gente do povo. Conhecimento tão perfeito que
o mínimo indício era motivo para que levantasse a suspeita. Barba-
ra Castellana denunciou sua madrasta, pois esta, quando perdeu a
I "Denunciações da Bahia (1591)." p. 254.
2 Id., p. 315.
3 INqursrçÃo pr LrssoÁ.. ANTT. Proc. n.' 12.936.
a Éotro n MoNnónro Gnner-. (Col. de Bulas e Breves). ÍÌ. 4 e segs.
As vrsrrAçõEs 249

mãe, lavou-a toda, cortou-lhe as unhas dos pés e mãos, e embru-


T) lhou-a num pano novo. I Referia-se a denúncia à cerimônia de Tahara,
ou purificação, parte do ritual do luto hebraico.2
Esse domínio generalizado dos atos dos israelitas fica a com-
provar a íntima conexão dos dois grupos sociais, que üveram lado
a lado durante largos anos. De outro lado, acusava-se uma hiper-
sensibilidade para o Judaísmo. E sua presença era notada, embora
em intensidade menor que a do Reino, preferentemente a outros
deslizes da ortodoxia. Apesar das condições específicas da coloni-
zação, ainda assim as denúncias de Judaísmo alcançavam números
expressivos. Nas Denunciações da Bahia, apresentaram-se 264 de-
nunciantes, que fizeram 530 delações, 120 das quais sobre religião
e costumes dos israelitas.3
Acusavam-se os cristãos-novos de fingirem Cristianismo: cris-
tãos fingidos, dizia-se no tempo.a Criptojudeus chamou-os, ao
estudá-los, Sombart.
Atribuíam aos novos conversos ódio a Cristo, e ao Cato-
licismo. Pero de Vila Nova contou, na Bahia, ao Visitador Furtado
de Mendonça, que ele sabia <ie uma casa, na cidade do Salvador,
"onde morava um que cospia e escarrava numa imagem de Nosso
Senhor Crucificado". s De Salvador da Maia diziam na Bahia que
ìè açoitava um Crucihxo e tinha os pés num retábulo de Nossa Senhora,
quando ia ter relações com a mulher.6 A serem verdadeiros estes
fatos assim relatados, muito rancor deviam abrigar os novos cris-
tãos ao credo que os constrangiam a abraçar.
Convém notar-se que os descendentes de Moisés não tinham,
como em geral os homens da Colônia, línguas muito travadas.
Resultado: seus impropérios e obscenidades iam dar nos ouvidos dos
1 "Denunciações de Pernambuco." p. 100.
2 Morta, a pessoa era colocada sob um lençol branco, e aspergida com água quente,
e lavada inteiramente, começando pela cabeça. Depois de enxuta, deitava-se sobre
ela nove gotas de água - o que consistia no ato essencial de purificação -, pronun-
ciando-se os versículos: "Eu deitarei sobre vós a água pura e vós sereis purificados em
todas as vossas impurezas e de todas as vossas máculas. Eu vos purificarei". Es.,
XXX\4,29. GucsNHnrN,E. Le Judaisme dans lavie quotidienne. Paris, 1961. p. 198-9.
3 PnDTrIRA Vrslr.lçÃo. "Denúncias da Bahia (1591) e (1618)."
4 Tutloo EM euE sE pRovA SEREM cnrsrÃos FINcrDos os ne, NlçÃo euE vIvEM EM
Ponruclr ApoNTANDo os MALES euE FAzEM,c,os cR.rsrÃos vELHos. Cod. 1506 fol. 66
e segs. ANTT.
5 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 241.
6 IrqutstçÃo nr Ltsnoe. ANTT. Proc. n.' 2320.
zil osPRocEDrMENTos

Inquisidores, como as irreverências de João Batista, cristão-novo,


mercador na Bahia, que ao saber da chegada da Visitação exclamara
"lá vem os diabos da Inquisição", I ou como Bento Teixeira, que,
ao referir-se às relações sexuais, dizia ter entrado "o papa no sacro
colégio deixando de fora os cardeais".2 Tais cousas, saídas dos
lábios dos novos conversos, tinham um significado muito perigoso
para o conceito que se firmava da insinceridade de suas conver-
sões. Procuravam-se intenções ocultas e profundas nas cousas ditas
pelos cristãos-novos, pois deüam ser antagônicas à crença e aos
interesses da maioria. Beatriz Luis denunciou, em Pernambuco,
Diogo Fernandes, já morto, porque nos seus últimos momentos,
quando lhe punham à frente um Crucifixo e o incitavam a pronun-
ciar palavras devotas, o dito Diogo Fernandes não pronunciara o
nome de Jesus nem olhara direito pata a Cru2.3
Os cristãos-velhos controlavam os conversos no seu modo
de rezar, na sua freqüência à igreja. Nada cômoda devia ser a vida
para os novos conversos, cuja piedade era medida pelo tempo
que passavam ao confessionário e pelo movimento dos lábios den-
tro da igreja. Nas entrelinhas de declarações como essas, ficam
pairando interrogações sobre a autenticidade da vida interior des-
ses denunciantes, sobre a integração nos seus contactos espirituais
com o Criador.
. Certamente, a vontade de eliminar o grupo criptojudeu que
os cristãos-velhos traziam no espirito aÍÌora nas denúncias, atra-
vés de mil suposições e interpretações pessoais que dão aos fatos
da vida cotidiana dos conversos, e as palavras que diziam. Assim,
Belchior da Rosa denunciou João Nunes de ter dito que neste mundo
todos se vendiam, "desde o porteiro até o papa".a
Eram também denunciados à Inquisição casos que pareciam
sérios, por exemplo, a existência de sinagogas - a despeito de
toda proibição legal - como as localizadas em Pernambuco, no
lugar de Camaragibe, como contou, ao Visitador, Felipe Caval-
canti.s Na Bahia, em Peroassu, foi també'n denunciada a existência
de sinagogas.ó
I "Denunciações da Bahia (1591)." p. 267.
2 lxqursrçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n." 5.206.
3 "Denunciações de Pernambuco." p. 33.
a Id., p. 29.
3 Id., p. 75.
6 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 377.
AS vrsrrAçõEs 251

Branca Dias foi acusada, por várias pessoas, de passar a se-


mana "vestida do seu vestido de semana, mas nos sábados não
fiava, e pela manhã se vestia com camisa lavada e apertava a cabeça
com seu tocado lavado, e vestia neles o melhor vestido que tinha,
que era uma saia azul clara que ela tinha de festa, a qual não cos-
tumava vestir nos dias da semana". I
Denunciavam-se cousas que aparentavam contrariar o dog-
ma, e muitas vezes eram apenas ignorância doutrinária. Paulo de
Brito declarou que eram alimárias os que adoravam as imagens de
pau e de pedras dos santos. Acabou processado pelo Santo Oficio.2
Por ter afirmado a inexistência do inferno também respondeu a
processo Cristovão de Sá Bitencour.3
A falta de cumprimento aos preceitos litúrgicos chamava de
imediato a atenção, principalmente se essa falta fosse ausência à
missa dominical. Parece que mil olhos ügiavam as exterioriza-
ções da crença, principalmente quando se tratava de conversos.
Manoel de Faria, meio cristão-novo, estudante em Salvador, foi
acusado pelo seu colega Fernão Garcia de se recusar a fazer as
orações que os mestres mandavam.a
Comer carne em dia proibido pela Igreja podia significar a
existência de heresia. Por isso, Jeronimo de Barros foi contar ao
Visitador da Bahia "que sabia de um homem que comia carne às
4 sextas-feiras e aos úbados e que provaria ser judeu". s l-ázaro
1

Aranha e Pedro Alvares, pelo mesmo motivo, responderam a pÍo-


cesso em Salvador.6 O senhor -dé' engenho Diogo Gonçalves foi
acusado de ter dado carne em dia defeso aos trabalhadores de zua
fazpnda.l
Aos mandamentos faltavam os que cometiam a bigamia, a
fornicação ou a sodomia. O Santo Oficio importava-se com o as-
sunto, pois os pecados podiam encobrir tenção de desrespeito e
incredulidade. Por bígamos foram denunciados pedralvares, pero
Ferraz de Lacerda, Manoel de Sequeira, e foi processado Antonio
IDenúncias de Joana Fernandes. Beatriz Luis, Isabel Frasoa, Diogo Gonçalves,
Ana Luis, Felipe Cavalcanti e Barh.ra Castellana, às p. 30, 32,44, iO, 54,75 e gS
respectivamente. "Denunciações dc pernambuco."
2 IxqursrçÃo pB Lrssor. ANTT.
Proc. n." ll.ll3.
3 Id., proc. n." 2.913.
a "Denunciações da Bahia (l19l).', p.
267.
5 Id., p. 272.

t 6 lNeutsrçÃo DE LrsBoA. ANTT. proc.


t "Denunciações de Pernambuco." p.
n.'
50-1.
12.927 e 12.232 respectivamente.
252 os PRocEDrMENros

Monteiro, em Pernambuco. I Porque defendiam a idéia de que as


relações entre homem e mulher solteira deixavam de ser pecado,
também no Brasil tiveram processos, entre outros, Antonio Tre-
visan,2 Antonio Fernandes,3 e Belchior Francisco.a Pelo nefando,
as acusações feitas a Antonio de Aguiar Jorge de Souza, João Freire
e Belchior da Costa, nas Visitações da Bahia e Pernambuco) aca-
baram por originar processos. s
As palawas irreverentes e as blasfêmias pronunciadas contra
Deus e os Santos podiam significar heresias. Seus autores eram
denunciados, como o foram Alvaro Pires, por arrenegar a fê,6
Alvaro Velho Barreto, por palavras desrespeitosas sobre Deus e a
Virgem, e por ter mandado "ao diabo a lua e quem a manda" porque
não chovia,? o marinheiro Manoel Luis, por dizer que "Deus não é
Deus".8 André Fernandes respondeu por palawas heréticas pro-
nunciadas quanto ao outro mundo. e Apenas alguns exemplos de
inumeráveis denúncias.
Palawas desrespeitosas ditas contra a hierarquia, o clero
ou o Santo Ofïcio eram freqüentemente repetidas. Agostinho de
Seixas acusou Belchior Luis, que, por ele convidado a âssistir mis-
sa em Santo Amaro, teria dito que tanto cria ele nas missas do Pe.
Antonio André e do Pe. Francisco Pinto Doutel, como em um pau,
que eram ambos uns amancebados. 10 André Gavião, cansado dos
compridos sermões do jesuíta Francisco Pires, disse que se devesse
esperar tanto tempo à porta do Paraíso quanto o referido padre
estava no púlpito, a pregar, antes não queria ir ao Paraíso. 11 Maria
GonçalveS dissera que se o bispo tinha mitra, que também ela tinha
mitra, se o bispo pregava do púlpito, ela pregava da cadeira. 12
t Id., p.16, 35 è 74, respectivamente. O processo de Antonio Gonçalves tem o nú-
mero 8.480 da INqursrçÃo on Lrssoe.
2 IrqursrçÃo or Lrsnoe. ANTT. Proc. n." 6.351.
3 Id., proc. n." 12.527.
a Id., proc. n.' 7.947.
5 1d, procs. n.* 6.356, 2.552, 2.557 e 7.954, respectivamente.
6 "Denunciações de Pernambuco." p. 66.
' Id., p. 83. "Denunciações da Bahia (1591)." p. 516.
8 "Denunciações de Pernambuco." p. 22.
e Id., p. 59-60.
10 Id., p. 19.
11 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 3a8.
12 Id., p. 287.
ü
ilr As vrsrrAçõEs 253

;11
Um cristão-novo não nomeado teria exclamado: "o diabo
.i trouxe a esta teÍÍa a Inquisição". r
Se foram tais palavras pronunciadas num momento de raiva,
de provação do equilíbrio mental, apenas por leüandade, ou num
desabafo em momento de intimidade, o Santo Oficio se encaÍïega-
ria depois de esclarecer. Por zelo ou indiscrição, era tudo - ou
quase tudo - delatado à Mesa da Inquisição. Eram, inclusive, de-
vassados segredos.
O prestígio do Papado ainda não fora de todo recuperado.
As denunciações do Brasil freqüentemente mostram opiniões pouco
corretas sobre o poder do sucessor de São Pedro, como a de João
Nunes, que, segundo João Rosa, teria declarado que todos roubam,
do porteiro ao Papa.2
Denunciavam-se também as magias, ou bruxedos, e contactos
com o diabo. Indícios de persistências medievais, de um clima de re-
ligiosidade deturpada, que se agravou nos anos modernos, paralela-
mente à intensificação da vontade de crer. Isabel Antunes contou ao
Visitante de Pernambuco que, "estando ela parida de uma menina
que tinha, nascida de seis dias, e estando ela na cama e tendo na mes-
ma cama junto de si a dita criança pagã e além da dita criança, na
mesma cama uma menina escrava de três anos, entrou pela porta da
dita casa onde ela estava na dita cama, que era de sua mãe, nesta vila
na rua de São Pedro, uma mulher torta de um olho cujo nome lhe
parece ser Ana Jácome, mulher que não tem marido, com a qual ela
denunciante nunca tinha falado nem tratado e somente de vista a
conhecia e tinha ouvido dizer dela geralmente a bons e a maus que era
feiticeira. E entrando a dita Ana Jácome pela porta disse estas pa-
lavras: se quereis que não vos venham as bruxas à casa, tomai uma
mesa e ponde-a com os pés ürados para cima e uma trempe também
l
li, virada com os pés para cima, e com sua vassoura em cima de tudo,
il, detrás da porta, e desta maneira não vos virão as bruxas à casa. E di-
zendo isto se chegou à cama, pela banda donde estava a dita menina
escrava mulatinha, e disse estas palavras - vós afilhada viveste e a
minha filha morreu - e acabando estas palavras cospiu três vezes
com a boca lançando cospinho fora por cima da dita mulatinha e
por cima da cama toda, e acabando de cospir disse - ora ficai-vos -
e se saiu pela porta fora. E logo, em se ela saindo pela porta fóra,

1 Id., p. 412.
2 "Denunciações de Pernambuco." p. 41.
2Y osPRocEDrMENros

logo ela denunciante começou a ter febre e frio e o mesmo começou


também a ter febre e frio a dita mulatinha, de que depois disso
alguns dias estiveram doentes. E logo tanto que se a dita Ana Jácome
saiu pela porta fora, a dita sua criança pagã, que até então estivera
sempre sã, e lhe tomava a mama bem, começou a chorar alto, acudindo
a criança a acharam embruxada, com a boca chupada em ambos
cantos tendo em cada canto da boca uma nódoa negra com sinal de
dentadas, e assim mais nas verilhas em cada uma, outra chupadura e
nódoa negra, e nunca mais lhe tomou a mama, nem pode levar pela
boca cousa alguma, e abatizaram em casa, e chorando continuou até
que não pode mais abrir a boca e no dia seguinte morreu
Não faltavam pessoas acusadas de poderes sobrenaturais, que
confeccionavam filtros de amor. Paula de Sequeira acusou Isabel
Rodrigues de lhe ter ensinado as palavras da consagração para
amansar o marido e fazêJo querê-la mais. Deu-lhe carta que cha-
mam de tocar. EnsinouJhe conjuros que nomeavam estrelas e dia-
bos.2 Mecia Dias fizera benzer a caÍta de tocar que lhe dera Isabel
Rodrigues.3 Vendedoras de ilusões. Figuras de todos os tempos e
de todas as sociedades. A muito mal de amor deviam dar remédio.
Beatriz Sampaio afrançava que praticando os conjuros, que lhe foram
ensinados, com seus dois maridos, e ministrandoJhes certas bebe-
ragens, eles tinham chegado até a beijar-lhe os pés.a Momentos de
felicidade haviam de oferecer a bom preço, dando às criaturas a
esp€rança de poderem dominar o indomável: os sentimentos alheios.
Isso de vender o amor dos outros. Às vezes falhariam em suas pro-
messas: as decepções frutificariam em denúncias. Não teria a denun-
ciante, ela própria, cortejado esse poder, de cujo uso acusava as
outras? Estava muito bem informada: sabia que o elixir do bem que-
rer era fruto da moagem de "pedras de ara", e que a denunciada
entendia-se amistosamente com o diabo.
Outra que se entendia com o demônio: Maria Gonçalves,
que punha-se, à meia-noite, no quintal, com a cabeça ao ar, nua da
cintura para cima, e enterrava e desenterrava umas botijas, falava
e chamava os diabos. Tudo para servir às pessoas que a procuravam
encomendando alguma cousa. s

I "Denunciações de Pernambuco." p. 24-6.


2 lNqusçÃo pr LssoÁ,. ANTT. Proc. n.' 3.307.
3 lbid.
4 lbid.
s "Denunciações da Bahia (1591)." p. 288-89.
As vlsrrAçõEs 255
QUADRO N.'I
DEI\TÚNCIAS rIITAS NAS VISIIAçÕES

LrcnunctaE
Juda.lsmo 2W 2t,7ü
LutêratrfuDo n \73
Muçrrlnanismo I 0,t0
Dictorçeo ou onissõcs dc práticâs religiosas ou
litúrgicas 48 5,05

Lrqr€spcrto a un$o, vrgcl!,, üantos, sacÍamenioE t77 1E,75

Dúvides sôbrc outra vida 6 0,63

Ficar excooungado t2 t,26


Blastêmias 90 9,52

PElSYrar iÍrcvaÍc0tcs 5t ó,10

Solicitrgão 0,Io
PalavÍas cotrtta a lgrsjs c o clefo l,s9
PalavÍas contra o Santo (Ìlcio 1,26

IntÕÌfcÍiÍ na afão do Santo OÍicio 5 0,52

Iút Íferir ne ação do Bispo 0,r0


rToluçao oc r€:zar I vrrgcm ó 0,63

Rccusa de batizar e catequizar ncgros 4 0,42

Sodomia N 4,21

Biramia 17 4,95

FcitiçaÍiag 33 3,47

Adivinhações 3 0,3t

Supcntições 7 0,14

Pacto com o dnbo l) 1,59

Curandeirismo 0,10

Fornicação 3l 3,26

Grntilidade3 6 4,E4

Armas ao gcntio I 0,t0


Liwo proibido l4 1,47

EStaCO OOS CASACOS me|Àor qUC qOS retrgtogos l4 t,47


Fugas do Sto. OfIcio IE t,90
Fingir-sc oÍicial do Sto. OÍIcio 4 o,4z

Palawas sobre cristãos vclhos e novos 4 0,42

Mau tratsúcnto sos negÍos 0,21

TOTAL 950 l@,00


256 osPRocEDrMENros

Como sempre, os homens do tempo tinham fraquezas. Como


dempre, anotavam-se mais as fraquezas alheias do que as próprias.
Ou, pelo menos, devia ser mais fácil contar os deslizes alheios que os
próprios: nas Visitações do Brasil apareceram 218 conÍïtentes e
542 denunciantes; 283 confissões, 950 denúncias. Isto sem contar
as denúncias que estavam contidas em algumas confissões. O elenco
das coisas denunciadas também é bem maior, Foram acrescidos nas
denúncias: muçllmanismo, distorções ou omissões de práticas re-
ligiosas ou litúrgicas, desrespeitos à Virgem, Cristo, Santos, Sacra-
mentos, palavras irreverentes (que não chegavam a ser blasfemas),
proibição de cultuar a Virgem, curandeirismo, fugas do Santo Ofïcio,
fingir-se oficial da Inquisição, e algumas cousas de somenos, em ter-
mos de heresia, como maus tratos aos negros, palawas sobre cris-
tãos velhos e novos, recusa de batizar e catequizar negros. Também
a porcentagem da ocorrência de cada deslize é bem diferente: o Ju-
daísmo, por exemplo, que no quadro das confissões conta com7,77,
no das denúncias conta com 21,78. As blasfêmias, que no primeiro
quadro contavam com24,02,no das denúncias contam com 9,52 ape-
nas. Em relação a algumas faltas, é natural que haja uma defasagem
entre os dois quadros: são aquelas que se referem a pecados come-
tidos a dois, como a sodomia: 15,54 de confissões, 4,21 de denún-
cias. Outras, como a molície e a bestialidade, aparecem apenas nas
confissões. De outro lado, também é natural que certos deslizes,
que são mais facilmente testemunhados, tenham maior porcentagem.
É o caso de desrespeitos a Cristo, Virgem, Santos, Sacramentos e de
todo o tipo de palawas blasfemas e irreverentes que tenha
- -
sido pronunciado sobre a lgreja, o Santo Ofïcio e seus ministros.
Haúa testemunhas das fraquezas.
O indivíduo situado em degrau inferior na escala social podia
e devia acusar quem lhe tivesse superiormente colocado, se possuísse
informações desabonadoras sobre suas crenças ou seu comporta-
mento social. Monica, índia brasila de Clara Fernandes, acusou
Fernão Soares, senhor de engenhos, seu vizinho, pela posse de uma
Torah, 1 ao Visitador Furtado de Mendonça. Matias, negro Guiné,
acusou Gaspar Rodrigues de ter cometido com ele o nefando.2
Diogo Monteiro, lavrador em Itaparica, denunciou Gaspar Pa-
checo, senhor de engenho da mesma localidade, por sodomia.3
1 "Denunciações de Pernambuco." p. 46.
2 lxquIsrçÃo on Ltssoe. ANTT. Proc. n." 11.061.
3 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 238.
As vrsrrAÇõEs 257

Agostinho de Seixas, filho de carpinteiro, ele lawador de canas,


denunciou Belchior Luis, senhor de engenho de Jaboatão, por ter
pronunciado palavras heréticas, e denunciou outros senhores de
engenho, Fernão Soares e Diogo Soares, cristãos-novos, de terem
ensinado um negrinho a benzer-se de maneira herética e ofensiva. I
O Santo Oficio, para defender a fê, distribuía annas para os
elementos pior colocados na escala social atingirem os senhores.
Pelo menos conseguiam abalar a inamoúbilidade das posições mais
altas da estrutura social. Colocando a religião acima {e todos
os outros valores, a Inquisição instilava fermentos de um igua-
litarismo que depois, no decorrer dos processos, a lei permitia su-
primir ou atenuar. Mas a base niveladora pennanecia. Todos eram
susceptíveis de sepem detidos e chamados à responsabilidade de
seus atos e palavras. As acusações desconheciam as barreiras so-
ciais. O pecado igualava os homens, mesmo quando as leis de repres-
são aceitavam a hierarqaìzação no momento da justiça.
O indivíduo melhor ,situado na sociedade também acusava
quem lhe estivesse aòaixo em status. Era, portanto, obrigado a dar
importância aos outros elementos da escala social, saber-lhes os
nomes, atividades, ligações. Isso era mais fácil nos quadros colo-
niais do que no Reino, dada a existência neles de instabilidades e
dimensões mais reduzidas do grupo branco.
Os membros de uma mesma família acusavam-se entre si. Os
laços de sangue nada significavam diante das cadeias muito mais
sólidas que os atavam ao Cristianismo. A convivência do dia-a-dia
era arsenal de informações. Dificil seria manter segredos, princi-
palmente entre cônjuges. Isabel Luis Menaxe denunciou a irreligião
do marido Afonso Luis Malveiro.2 Antonio Monteiro foi denun-
ciado por Francisca Fernandes, sua mulher, e por sua cunhad4
Domingas Fernandes, de bigamia.3 Dona Leonor denunciou de ju-
daísmo o marido Henrique Moniz Teles. a Isabel de Oliveira de-
nunciou na Bahia, por judaizar, sua comadre Leonor da Rosa. s
Cosma Martins foi contar ao Visitador que seu irmão Cosmo Mar-
tins comungara depois de ter almoçado.6 Marcos Tavares denunciou

I "Denunciações de Pernambuco." p. 19-20.


2 IrqutsrçÃo or Lrssol. ANTT. Proc. n." ló,895.
3 Id., proc. n.' 8.480.
a Id., proc. n." 17 065.
s "Denunciações da Bahia (1591)." p. 2a3.
6 INqursrçÃo pr Lrssoe. ANTT. Proc. n.' 5.534.
258 os PRocEDrMENros

sua mãe, a brasila forra Irea Alvares, de participar da Santidade. 1


Inácio do Rego Cogominho denunciou sua parente Inês de Brito,
mulher de Vicente Correa.2 Isabel Beliaga acusou seu marido
Tomacauna de ter-se riscado ao modo gentílico.3
A maior parte das denúncias interconjugais teve a respon-
sabilidade das mulheres. Talvez muitas tivessem encontrado aí
uma válvula de escape para uma porção de desavenças domésticas,
num tempo em que um indiscutido patriarcalismo, se não calava,
pelo menos redtnia a murmúrio a voz feminina.
Filhos denunciavam os pais. Isabel Luis e Domingas Pereira
denunciaram o pai, Afonso Luis Malveiro.a
Pais denunciavam os filhos. Isabel Luis denunciou seu filho
Noitel Pereira e sua nora Antonia Correa. s
Esta era a regra. Havia exceções, como Cristóvão de Aguiar,
que teria declarado que se as fìlhas de Pero Nunes não fossem ca-
sadas com dois sobrinhos seus, as havia de denunciar à Inquisição,
porque faziam cousas de judias.ó
Leigos denunciavam eclesiásticos, envergassem eles sotainas ou
buréis. Pero Carneiro, ferreiro de Itaparica, denunciou o cura
Luis do Couto de ter dito que o ünho representavir o sangue de
Cristo. T
Eclesiásticos denunciavam-se entre si. O Pe. Francisco Pinto
Doutel, vigário de São Lourenço, no Camaragibe, denunciou o
lic. Diogo do Couto, vigário da vara eclesiástica, por ter dito, num
sermão, palavras irreverentes sobre Deus.8
Eclesiásticos denunciavam leigos. O mesmo Pe. Doutel levou
ao conhecimento de Furtado de Mendonça uma série enorme de
cousas ocorridas em sua freguesia de S. Lourenço, com indicação
de testemunhas e circunstâncias, embora muitos fatos tivessem
ocorrido em anos recuados. Acusou Llis do Rego, Simão Yaz,
João Nunes, Alvaro Velho, Noitel da Cruz, Nuno Alvares, Fran-
cisco de Ataide, Francisco Vaz Soares, Duarte Dias Enriques,
1 Id., proc. n." 11.080.
2 "Denunciações de Pernambuco." p. 52.
3 IuqusrçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n." 10.776.
a Id., proc. n." 16.895.
s Id., proc. supracitado.
6 Id., proc. n." 17.065.
? INqutstçÃo oe Lrssoe. ANTT. Proc. n.' 11.075.
8 Id., proc. n.' ó.553.
As vrsrrAçõEs 259

Pedro de Gallegos, Ambrósio Fernandes Brandão, Pero Cardoso,


Diogo Fernandes, Branca Dias, Duarte Mendes, Simão Franco,
Salvador Romeiro e Manoel Fernandes. 1
O lavrador Francisco Mendes da Costa denunciou seu pároco
o Pe. Doutel, porque na pregação do Evangelho dissera palawas
impróprias sobre Cristo.2
Em Pernambuco, o padre frei Honorio Cabral e Frei Damião,
ambos do mosteiro de São Bento, acusaram Bento Teixeira de
seguir a Lei Velha. Por sua vez, Bento Teixeira acusou-os de igrro-
rância e de mau comportamento. 3
Acusavam-se os companheiros. Sebastião Madeira acusou um
punhado de mamelucos como ele, que tinham participado de entra-
da ao sertão, na mesma companhia, por terem se entregue na mata a
cerimônias gentílicas.a
Acusavam-se mutuamente os amigos. Gonçalo Neto denun-
ciou Marcos Martins de arrenegar a Deus, acrescentando, no fim do
depoimento, que eram amigos. s Fernão Alvares denunciou Alberto
Rodrigues de ter pronunciado palavras desrespeitosas sobre o ba-
tismo. Denunciou também Gaspar Coelho por irreverências com a
Eucaristia, e declarou no Íim que comia e bebia com os denunciados.6
Melchior Gonçalves Barreto denunciou o amigo Duarte Rodrigues,
que o convidara. para uma consoada, e com ele andara na procissão
de Endoenças, de ter pronunciado palavras duvidosas sobre a mise-
ricórdia de Cristo. T
Denunciavam-se pessoas mortas. Tinham sido hereges. Seu
exemplo não podia perdurar imune - podia ser um incentivo. Era
perigoso que as tratassem como heróis. Por isso, moveram-se pro-
cessos aos defuntos, e incineraram-se seus ossos nos autos de fé.
O Santo Oficio visava, antes de mais nada, o desencorajamento dos
heterodoxos. Antonio Bezerra denunciou de Judaísmo Inês Fer-
nandes, morta no tempo da denúncia.8 Frutuoso de Moura delatou
Garcia Dávila e Jorge Dias, mercadores, cristãos-novos, de terem-se
1 "Denunciações da Bahia (1591)." p, 516 e segs.
2 lNqusrçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n.o 10.888.
3 Id., proc. n." 5.206.
a Id., proc. n.' 11.068.
s "Denunciações de Pernambuco." p, 79.
6 Id., p. 86-7.
? "Denunciações da Bahia (1618)." p. 105.
8 "Denunciações de Pernambuco." p, 65.

!l
I
;
zffi osPRocEDrMENros

feito enterrar junto da ermida de Nossa Senhora da Conceição, por


ser terra virgem. 1 Isabel de Oliveira denunciou a cristã-nova Branca
de Leão, por ter esta, ao tempo em que ainda vivia, zombado dos
cristãos que se disciplinavam na Quinta-Feira Santa.2 Simão Go-
dinho da Franca denunciou casos ocorridos em Angola com os
falecidos Diogo Castanho e Garcia Mendes.3
As denúncias revelavam sobretudo uma profunda insatisfa-
ção com a realidade que os homens criticavam e buscavam corrigir,
apoiando-se na autoridade do Santo Oficio.
O material recolhido nas denúncias era depois confrontado
com o das confissões. Duas denúncias bastavam para que se ini-
ciasse o processo, desde que estas fossem fidedigpap, e os fatos
delatados de gravidade. Em casos especiais, como o de sodomia,
uma denúncia era o suficiente. A averiguação da veracidade dos
testemunhos dados à Inquisição era a etapa seguinte do trabalho
da Mesa.
As exigências de integridade ortodoxa levavam à admissão de
qualquer testemunho. Fosse, embora, de indivíduos procedentes
de outras raças. Aceitavam-se declarações de mouriscos e mulatos,
de negros ou índios, cativos ou forros. Diogo Rodrigues, por exem-
plo, pardo e escravo, denunciou o mameluco João Fernandes.a
Simão, índio do gentio da Bahia, cristão há 20 anos, usou o jesuíta
Francisco de Lemos como intérprete, para acusar o índio Fernão
Ribeiro de palawas sobre a Eucaristia.s
Aceitavam-se declarações de menores e de crianças. Cristãos-
-novos denunciavam cristãos-velhos: Antonio Tomaz, meio cristão-
-novo, denunciou Braz Francisco, cristão-velho.ó Contra o cris-
tão-velho Cristóvão Martins, depôs o cristão-novo Pero Lopes,
que era parente de pessoas penitenciadas com o sambenito no ca-
dafalso de Lisboa. T
Aceitavam-se declarações de degredados, como Melchor de
Bragança, cumprindo pena no Brasil pela morte de um homem. s
1 Id., p. 54.
2 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 242.
3 Id., p. 14.
a lNqursrç{o DE LrsBoA. ANTT. Proc. n." 2.559.
s "Denunciações da Bahia (1591)." p. 306.
6 "Denunciações de Pernambuco." p. 394.
? INqumçÃo on LrssoÂ.. ANTT. Proc. n.'6.341.
8 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 97.
As vrsrrAçõEs 261

Ou como Joana Afonso, degredada, de S. Tomé para a Bahia, por


adultério.1
Denunciantes eram os moradores da terra quanto aos que ali
estavam temporariamente. Um carpinteiro estante em Salvador
-
Gaspar Fernandes - denunciou um marinheiro, Miguel Jorge, por
ter dito palawas desrespeitosas em relação à fé.2
Muitos denunciantes apenas insinuavam as acusações, como
Isabel de Oliveira, que declarou a Furtado de Mendonça que as
cristãs-novas Catarina Mendes e Maria Lopes estavam muito tristes
e medrosas, e que suas comadres de Paraguaçu diziam muitas cousas
delas. Insinuou que as denunciadas temiam o Santo Oficio: não
o disse expressamente. Tampouco declarou o nome das comadres
ou o que diziam elas.3
Cristóvão da Costa denunciou, sim, mas de modo bastante
impreciso: ouvira do Pe. João Fernandes, na pÍaça, que um cristão-
-novo falara que só Deus era inocente, e que soubera por Nicolau
Faleiro que, em certa casa, ao morrer uma pessoa, jogaram fora
a itgaa do pote.a Apenas isto.
Bernardo Pimentel, ao acusar mestre Afonso e a mulher Maria
Lopes, de desrespeitos a imagens, não soube precisar do Crucifixo
ou Menino Jesus. s
Toda denunciação feita por Ciprião Velho está revestida de
hesitações, de ressalvas. Acusa e dá atenuantes: denunciando o
concunhado Manoel de Paredes, diz ter o acusado pronunciado
palawas contra a virgindade de Nossa Senhora, e em seguida diz
ter visto Manoel de Paredes ajoelhado rezando à Virgem; ao opinar
sobre o denunciado, que era homem de algumas vezes, com compa-
nhia, de comer e beber, tomar-se do vinho, agastando-se e falando
desordenadamente, declara ao mesmo tempo que é homem de bom
entendimento, discreto e de boa prâtica. Do costume, que era cbm-
padre e amigo, com ele se comunicando e tratando, para em seguida
dizer que se tomara de escrúpulos e ruim presunção contra ele, e
se afastara de sua conversação. ó
1 "Denunciações de Pernambuco." p. 392.
2 INqutsrçÃo oe Lrsrol. ANTT. Proc. n.' 12.935.
3 "Denunciações da Bahia (1591);' p.243.
a lrqursrçÃo Dr LrssoA,. ANTT. Proc. n.' 13.957.
5 "Denunciações da Bahia (1591)." p. a89.
6 lxqursrçÃo or Lrssol. ANTT. Proc. n.' 11.071.
262 os PRocEDTMENToS

Jeronimo de Barros, cunhado do mesmo Manoel de Paredes,


acusou-o de palavras irreverentes, mas justificou-o logo: estava
tomado de cólera. 1 O poder de Manoel de Paredes devia ser muito
grande, para atemorizaÍ tanto a própria família.
Alguns denunciavam o fato, sem nomear autor, como o Pe.
João Fernandes, dizendo que havia em Tasuapina um homem que
proibia sua mulher de rezar à Virgem, com a alegação de que era
mulher colno as outras. Soubera do fato por João Serrão, que por
sua vez o soubera de Pero Novais.2
Outros tentavam iludir, contando cousas inconsistentes, como
Cristóvão da Costa, que, na Graça, esteve diante do Visitador, de-
clarando cousas que hcaram apenas no Caderno das Lembranças.
Depois teve de voltar à Mesa, chamado para explicar câsos de Ber-
nardo Ribeiro e Gaspar Rabelo, em que fora apontado como tes-
temunha. Excusou-se de ter esquecido. Esquecimento que deve
ter tido no sentimento, pois, interrogado sobre o costume, declarou
que Gaspar Rabelo era filho bastardo de um primo de Martim de
Carvalho, cunhado dele, denunciante, e é seu amigo e compadre.
Bernardo Ribeiro tinha-se criado junto com ele, declarante.3 Cousa
semelhante ocorreu com Francisco de Abreu da Costa, que calara
palavras ditas por Bernardo Ribeiro, lembrando-se delas, imediata-
mente, quando chamado à Mesa como testemunha. a
Alguns avisavam o implicado que iriam denunciar deitando
abaixo, com isto, todas as recomendações do Santo Ofïcio. Foi o
que fez Antonio Fernandes, que, em conversa com Luis Mendes,
repreendeu-o por determinadas palavras, lembrou-o de que aquilo
era caso paÍa a Inquisição, e mandou-o acusar-se, pois iria denun-
ciálo. s José de Sevalhos, antes de denunciar palawas sacrílegas
que Francisco de Oliveira teria pronunciado, consultou ao padre
Manoel Nogueira, que teria testemunhado o fato.6
De que grupos sociais saíram os denunciantes?
Dos 542 denunciantes, 123 eram mulheres, portanto, sem
profissões. Os outros 419 assim se distribuíam, do ponto de vista
sócio-profissional:

1 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 273.


2 Id., p. 240.
3 IrqusrçÃo on Lrssol. ANTT. Proc. n." 13.957.
4 lbid.
5 lxqursrçÃo os L6nor. ANTT. Proc. n." 11.035.
6 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 103.
AS VISITAçõES 263

Lawadores 80
Senhores de engenho. 15
Donos de fazenda 6
Feitores...... ll
Mestres de açúcar 3
Mestres de engenho I
Trabalhador de engenho 2
Encaixador de açúcar I
Purgador de açúcar 2
Demarcador de terras I
Carreiro 3
Vaqueiro I
Vinhateiro I
Mercador 49
Senhorio de nau....... 2
Marinheiro 3
Tratante 6
Padres .................. 37
Governança da cidade 16
Solicitador I
Juiz dos Órãos I
Meirinho da Correição Eclesiástica ............. I
Meirinho da Correição ........... I
Meirinho da Cidade I
Tabelião do Público Judicial 4
Tesoureiro de Defuntos e Ausentes I
Provedor de Defuntos e Ausentes I
Procurador do número I
Inquisidor do Eclesiástico ... I
Escrivão da Chancelaria ........... I
Juiz de ver-o-peso I
Juiz ... I
Capitão de Capitania ... ... I
Tesoureiro I
Juiz da Vila........... 1
Licenciados 6
Mestre de moços 4
Advogados 3
Cirurgião 3
Boticário 2
2g osPRocEDIMENros

Estudante r.............. n
Rendeiro I
Vive de sua fazenda 3
Soldado...... 8
Barbeiro 2
Cozinheiro I
Calafate I
Alfaiate..... 7
Torneiro I
Ferreiro...... 5
Carpinteiro 9
Sapateiro 8
Padeiro 1

Pedreiro 5
Vendeiro 2
Correeiro
Pintor e imaginário
Sirgueiro
Oleiro 2
Ourives da prata I
Pescador 7
Serve de soldada 4
Criado 4
Escravo 3
Índio......... I
Sem oÍicio 9
Não especificado ... 4
TOTAL. 419

Esta especificação rnostra como todos os indivíduos colabo-


raram com a Inquisição: desde os situados mais alto na sociedade,
senhores de engenho e mercadores, até os artesãos, os homens sem
ofïcio, os escravos. Todas as profissões. Todos os degraus da escala
social. Curiosa a presença de l0 jesuítas, principalmente recla-
mando daqueles que obstavam sua missão catequética, como consta
da denúncia do padre Marçal Beliarte contra o capitão de Porto
Seguro, Gaspar Coelho Curado. 1
Muitas vezes, nas acusações, separada a jaça, Íìcava a lim-
pidez da Fé e a obediência aos ordenarnentos da lgreja. Quantas
1 "Denunciações da Bahia (1591)." p. 371.
As vrsrrAçõEs 265

vezes, as acusações não terão sido por muitos encaradas como pro-
f' vações? Se as denúncias podem ser testemunhos da fragilidade hu-
mana, podem, de outro ângulo, e para outras pessoas, significar até
o aniquilamento da dignidade pessoal em nome de um dever maior
que o humano. Extremos de um mesmo fato, a abrigar uma larga
faixa de medianeidade integrada pelos homens comuns, que agiam,
consciente ou inconscientemente, de acordo com as solicitações
circundantes. A faixa dos homens comuns - nem dos heróis nem
dos santos, nem dos celerados ou dos ignóbeis - cujo comporta-
mento era o resultado de um feixe de motivações, que abarcava
a ordem espiritual e as solicitações mais ou menos imperiosas da
vida cotidiana.
Assistiam sempre às denúncias e às confltssões pessoas doutas
e religiosas. Delas dependia, preliminarmente, a aceitação dos
testemunhos e das auto-acusações. Saido o denunciante ou o con-
fitente, era a essas pessoas perguntado se ele merecia crédito. A
opinião emitida constava de termo que fìcava registrado logo após
as denúncias ou confissões, e era assinado pelo Inquisidor, pelo
Notário, além dos Assessores. Sugestivo o apelo que se fazia ao
elemento psicológico, quando, ido o depoente, consultavam-se aos
vogais da Mesa se lhes parecia que tinham eles falado a verdade.
Uma espécie de teste de credibilidade que o escrivão anotava'
Eventualmente, os Assessores negavam crédito a denuncian-
tes e confitentes, quando sabiam da fama da pessoa, como foi o
caso de Domingos Alvares Serpa, em que os padres presentes de-
clararam duvidar ser sua confissão boa "pela má fama que o con-
fitente tem nesta terra, e que é fama pública que lhe queimaram sua
mãe". r No caso, a opinião pública era carregada pela condição de
ser filho de herege, o que levava a Mesa a intuir a existência de uma
predisposição atíxíca para o erro.
Em alguns casos, ainda, o crédito era dado apenas a parte da
matéria relatada. Foi o que sucedeu com Cristóvão da Costa Solazar,
que foi acreditado no que confessou sobre palavras irreverentes
pronunciadas sobre a Cruz, mas desacreditado quando disse não
conhecer as testemunhas de seus ditos, nem saber se eram da na-
ção dos cristãos-novos.2 Os padres assessores parece que se dei-
xavam guiar pela razáo,ou talvez apelassem também para o conheci-

1 "Confìssões da Bahia (1618)." p. 369.


2 Id., p. 430-31.
26 ospRocEDrMENTos

mento da psicologia dos homens, adquirido e treinado nos con-


fessionários.

Ratificações
As auto-acusações, como as denúncias, reclamavam ratifica-
ções. Eram operações formais para confirmação do depoimento.
Eram os confitentes ou denunciantes chamados a repetir suas de-
clarações, com intervalo de tempo variável. Horas, dias, semanas e
até meses. A forma de ratificar era preestabelecida.l
Em muitos casos, o critério das ratificações devia ser válido
para aferição da veracidade das informações. Muitos concordavam
plenamente com as declarações anteriores. Até nos mais insignifi-
cantes detalhes coincidiam. Podia ficar, por isso mesmo, a sus-
peita de cousa muito bem arquitelada. Talvez.aí residâ-a explica-
ção da necessidade da presença de assessores da Mesa para as ra-
tificações serem consideradas válidas. Os Inquisidores repartiam as
responsabilidades.

2. Os Visitadores
Os Visitadores viajavam para cumprir suas missões. Expu-
nham-se a todos os desconfortos que os deslocamentos então acar-
retavam. Mau estado dos caminhos, onde nem sempre encontra-
vam casas religiosas para se abrigarem. Inclemências do tempo.
Inseguranças pessoais, num tempo em que a miséria e a fome fa-
ziam proliferar os delinqüentes e os salteadores, emboscando-os ao
longo das estradas. Muitas vezes atravessaram o Oceano para che-
gar às Ilhas, ao Brasil, ou às partes da África. E sofreram todos os
incômodos de tais viagens, a começar pela precariedade das embar-
cações, entregues à imensidade das águas atlânticas. Angústias ín-
timas que o medo devia gerar. Consciência da insignificância do
homem diante da grandiosidade da natureza - idéia que não
cessava no momento da aportação, antes, pelo contrário, tomava
novo incremento, ao contacto das terras ásperas da Colônia. Os
Visitadores deviam sofrer. Males fisicos, como Heitor Furtado de
Mendonça, que chegou fortemente enfermo ao Brasil, só podendo
começar sua tarefa três meses depois.2 Pressões mentais. podiam
I Como documentos, as ratificações são pouco expressivas, pois apenas repetem
qualificações já feitas, e muito raramente apresentam dados novos.
2 Frn VrcnNrn. História do Brasí\.
cap. 23, p. 283.
AS vrsrrAçõEs 267

ser tentados por instigações materiais, por interesses bem chãos.


Eram homens, altnal de contas, não santos. Mas é inegável que a
grande propulsão de sua constância era a Fé. Olhavam sempre para o
mundo transcendente, com energia e persistência.
Condições para poder desempenhar a função de Visitador
era a formação universitária, cumprida numa das três faculdades
maiores: Leis, Cânones ou Teologia. Preferentemente, Cânones.
Talvez por isso, a afirmação do Conselho Geral, de que precisava
controlar os atos do primeiro Visitador do Brasil, fosse verídica:
"porque ainda que da pessoa de V.M. se tenha conÍiança que os
poderia lá despachar como os assessores que aponta são teólo-
gos . . .".r O Visitador devia ser jurista e teólogo' Juiz e padre a
um tempo. Apto para definir heresias e qualificar proposições.
O treino universitário capacitava-o para as agilidades dia-
léticas - arÍna efrcaz para inquirir, para surpreender a verdade
no emaranhado de negativas ou de subentendidos que geralmente
se lhe ofereciam. Deüa ser bom no tratar, procurando conhecer
a nat:uteza humana, e manso no persuadir. Sua missão era mais
convencer do que punir. Em princípio, amar, não odiar. Seu dis-
cernimento devia ser claro, sua emotividade dominada. Paradoxal-
mente, prehguravam tipos racionais para agir em nome do espírito
e do sentimento.
O Visitador fazia, qtando possível, anunciar sua chegada,
a fim de encontrar à sua espera as pessoas mais gradas, civis e so-
tainas. Esperavam-se homenagens, decorrências fatais de sua dig-
nidade. No momento em que chegava, o Visitador passava a ser
a maior autoridade eclesiástica do lugar. Juravam-lhe colaboração
e obediência funcionários do rei e membros da Igreja, desde o mo-
mento em que exibisse sua dupla credencial - patente do Rei. e
delegação do Santo Oficio.2 Presença da Inquisição consagrada
pelo apoio do soberano. Instalava-se o novo poder judicante. Po-
der maior que o retido pelos confessionários que a ele se devia
subordinar, encaminhandolhe os pecadores depois de terem sido
redimidos pelo sacramento da penitência.
A simples omissão pessoal a um ato do Santo Ofïcio podia
ser mal interpretada pelo Visitador, e ocasionar atê processo. Foi
o que sucedeu a Bernardo Pimentel, vereador e membro de con-
1 BetÂo, Antonio: Correspondência inédüa do Inquisidor Geral e do Conselho Geral
do Santo. Ofício. loc. cü., "Carta do Conselho, de l3llll592." p. 544.
2 Vrsrrlçõrs. "Legislação."
268 os pRocEDrMENros

fraria em Salvador, que se recusou a parïicipar da procissão de


instalação do Santo Oficio, e teve depois de explicai-se, proces-
sualmente, diante da Mesa, presidida por Furtado de Mendonça. I
Outros momentos hav.ia em que o Visitador exibia triunfal-
mente todo seu prestígio: a instalação do Santo Oficio, quando
eram convocados autoridades, cleresia e povo, era um deles. Rarís-
simas ausências, pois raríssimos eram os que se atreüam a enfren-
tar a opinião pública. Haüa o risco de suspeição de heresia.
Na Bahia, no oitavo domingo depois de Pentecostes, Furtado
de Mendonça publicou com solenidade os Éditos da Fé e da Graça,
quando "se fez uma soleníssima procissão da igreja de Nossa Se-
nhora da Ajuda até a Sé Catedral pelo muito reverendo senhor Dom
Antonio Barreiros Bispo de todo este estado do Brasil com seu
cabido e com os da governança e da justiça e com todos os vigários,
curas e capelães e clérigos e confrarias e mais povo desta- dita ca-
pitania. Na qual solenidade levaram debaixo de um pálio de tela de
ouro ao senhor licenciado Heitor Furtado de Mendonça. . . E na dita
Sé estando o dito Visitador em uma cadeira de veludo carmesim
guarnecida de ouro debaixo de um dossel de damasco carmesim
na capela maior acima dos degraus junto do altar à parte do Evan-
gelho se disse a missa com muita solenidade a qual disse o chan-
tre com dois cônegos diácono e sub-diácono".2
Com toda a solenidade, em certo momento do oficio divino,
pregava-se o sermão da fé. Na primeira visitação, na Bahia, pre-
gou-o o Pe. Marçal Beliarte, provincial da Companhia de Jesus.
"A pregação da fé tomou o tema tu es petrus et super hanc Petram
aedificabo ecclesiam meam". Depois, subiu ao púlpito "O Arcediago
da dita Sé Baltazar Lopes com uma capa de asperges de damasco
branco e tela de ouro e com a cabeça descoberta leu e publicou
em alta e inteligível voz os dois Éditos da Fé e da Graça e o Alvará
de S.M. per que perdoa as fazendas aos que se acusarem no tempo
da graça. E depois de os ter publicado subi eu Notario ao mesmo
púlpito com um sobrepeliz e com a cabeça descoberta lí e publiquei
a constituição e motu proprio do Santo Padre Pio Quinto de boa
memória em favor da Santa Inquisição e contra os que a ofendem
e a seus ministros traduzidas de latim em linguagem português".3
1 IwqulsrçÃo or Lrssoa. ANTT. Proc. n." 6.359.
2 "Introdução às Confissões da Bahia (1591)." p. 10-ll.
3 lbid.
OS VISITADORES 269

Toda a pompa cercava a figura do Visitador quando ele, pu-


blicamente, assentava seu poder. Seu prestígio chegava ao máximo
quando recebia os juramentos das autoridades locais: "E estando
assim assentado fizeram perante ele o juramento da fé conforme o
Regimento, posto com ambos os joelhos no chão e com ambas as
mãos sobre os ditos livros missais e cruzes de prata que neles estavam
o governador geral e os juizes e vereadores e oficiais e mais pes-
soas pela ordem e modo que ao diante se segue. . .".r
Barrocamente, o Santo OÍïcio, através do Visitador, apon-
tava aos homens uma opção válida -a do arrependimento e da peni-
tência a ser orientada pela justiça e conselho do Santo Oficio. Era
um convite, uma exortação, uma mensagem de amor e de caridade,
porque, em princípio, o que buscava o Tribunal era o'dar às almas
remédio e salvação".2 Convocava-os para o perdão. Perdão a ser
alcançado ao preço da penitência.
No entanto, o Visitador era também portador da santa in-
dignação. Aos que não demonstrassem o zelo pelas cousas da Fé,
negavam-se a confessar as próprias faltas ou a testemunhar as a-
lheias, esses mereciam castigo, como incorriam em sanções aqueles
que dissessem cousas falsas. A esses o Santo Ofïcio era obrigado
a castigar com rigor.
O primeiro Visitador do Brasil foi Heitor Furtado de Men-
donça, capelão Íïdalgo del-Rei, membro do Desembargo do Paço,
deputado do Santo Ofïcio. Filho de Amador Colaço, originário de
Montemór, o Velho. Em Lisboa, casou-se com Leonarda Lampreia
de Mendonça, dos Arraes do Algarve, gente nobre, que trouxe como
dote os ofïcios de escrivão de agravos da relação, meirinho dos
degredados, solicitador de justiça. Do matrimônio, nasceu um filho
- Heitor - e uma Íìlha. Heitor tomou o sobrenome materno, e
do avô o nome de batismo. Teria nascido c. 1543. Em 1599, ainda
aparece seryindo à Inquisição de Lisboa.3
Encarregado da segunda Visitação ao Brasil, D. Marcos Tei-
xeira, cuja identiflrcação a vem desafiando os historiadores. A
1 Id., p. 10.
2 RncilrrsNro or 1613. tit. II, cap. 2, p.26.
3 "Introdução às Denunciações da Bahia (1591)." p. 5-6.
a "Introdução às Confissões da Bahia (1618)." Anais do Museu Paulista. XVIL
p. XXVI a XXXIX.
270 os PRocEDrMENros

Capistrano, lá por 1920, ele roubava o sono:l "Varnhagen con-


fundiu o inquisidor de Évora com o prelado da Bahia, dizendo
que, ao morrer, devia ter 80 anos. Frei Vicente, que o conheceu,
diz, ao contrário, que ele, ao morrer, não alcançara ainda os cin-
quenta. A identidade dos dois é portanto impossível. Será o inqui-
sidor de 1619 o prelado da guerra holandesa? Minha primeira im-
pressão foi afirmativa; mas agora hesito. Se ele tivesse vindo antes,
Frei Vicente o teria dito incidentemente. Verdade é que nesse tempo
não estava no Brasil, e faltam os capítulos relativos ao período".2
Mais tarde porém definia-se: "O visitador pode ter sido o futuro
bispo da Bahia, não pode mesmo deixar de ser. Assim, não era
marinheiro de primeira viagem quando entrou em conflito com
Diogo de Mendonça, governador".3
Problema de identidade. Seriam a mesma pessoa, o mesmo
D. Marcos Teixeira: o Inquisidor de Évora, em 1578, o Visitador
de 1618, o bispo do Brasil em 1619, chegado em1622, herói da opo-
sição ao invasor, em 1624? D. Marcos Teixeira de Mendonça, re-
ferido por Barbosa Machado, e D. Marcos Teixeira, o quinto bispo
do Brasil?
O ponto de partida é Varnhagen. Fundando-se, talvez, no fato
de já haver sido Inquisidor em Évora, em 1578, ao referir-se à morte
do bispo guerrilheiro, em 1624, afirma ter ele falecido já bastante
velho, octogenário.a Frei Vicente, porém, contemporâneo do Bispo,
prisioneiro dos holandeses na Bahia quando o prelado comandava
a resistência, ao relatar a sua morte observd que "o levou Deus
dêste mundo em tão pouca idade que ainda não chegara aos 50
anos".s Se assim foi, em 1578, com menos de 4 anos, não poderia
ser Inquisidor. Igualmente contemporâneo, escreüa em 1625 o Pe.
Bartolomeu Guerreiro, jesuíta, ". . . dai a poucos dias lhe parou

I "...Marcos Teixeira que me tira o sono." "Carta a J. Lucio de Azevedo." In:


Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro. Ed. J. Honório Rodrigues,
1954. II. p. 159.
2 Id., íbid. p. 156.
3 Id., ll. p. 162.
a VrnNsrcEN. História Geral. ll, p. 192,229, e História ilas lutas com os holandeses
no Brasil. p. 11. Av,mel, Braz e Accrolr. Memórías históricas. II, p. 41. PINno,
Wanderley D. Marcos Teixeira, Quinto Bispo do Brasil. Lisboa, 19,10, p. 13.
s Serveoog Frei Vicente. História do Brasil.(.Ed. 1954. cap.30, p.4ll.
OS VISITADORES 27I

a vida digna de mais largos anos em que pude a lograr as mercês


que Sua Magestade merecia por seus leais serviços". I Não se reclama
"largos anos" a mais para um octogenário.
A discrepância entre os historiadores e o cronista provocou
a análise da cronologia da biografia conhecida. Capistrano, cre-
mos, parece ter sido o primeiro a suspeitar da existência, na mesma
época, com o mesmo nome, de duas pessoas distintas ambos inquisi-
dores, quando escreveu "Varnhagen identificou o bispo do Brasil
como um inquisidor homônimo, que devia orçar por 80 anos, pois
fora nomeado no século anterior".2
João Lúcio de Azevedo, corrigindo opinião que identificava
o bispo com o Inquisidor que, em 1592, entrava para o Conselho
Geral, e em 1618 visitava o Brasil, afirmava não ser o Bispo o arce-
diago da Sé de Évora, membro do Conselho, mas outro cônego
de Évora e inquisidor que em 1618 realizou a Visitação.3
Escrevendo depois, em 1936, Rodolfo Garcia, ao reunir os
elementos sobre Marcos Teixeira, ainda pensava tratar-se de uma
só pessoa o Inquisidor que viera em 1618 e q-ue, retornando a
Portugal, talvez pelo bom desempenho da comissão, fora nomeado
sucessor de D. Constantino Barradas, assumindo o bispado em
1622.4
Todavia, Wanderley Pinho retoma a dúvida e pergunta: "será
que àquele tempo existiam em Portugal mais de um Marcos Tei-
xeira?"s E a seguir mostra as incongruências cronológicas que
evidenciam a ocorrência de duas pessoas distintas. Não é verossí-
mil que, sendo Inquisidor em 1578, só em 1604 fosse estudar em
Coimbra: que em 1578 fosse criado Inquisidor em Évora, e, depois,
em 1617, de novo nomeado para o mesmo posto, como indica
Barbosa Machado, nem que nenhum dos cronistas do tempo da
invasão holandesa, como Guerreiro, Manoel de Menezes, Brito
Freire, Tamaio de Vargas, se referisse a essa idade provecta que
teria o Bispo mais de 40 anos depois de ter sido criado Inquisidor;
nem que em 1624 se destituísse do comando da resistência a Antão
r JonNlol DE VAssAros o.l Conol on Ponrucer. Lisboa, 1625. cap. 23, in fine.
2 Prefácio à Pnur,nne VrsrmçÃo oo SeNro OnÍcro es pARrEs Do Bnesrr,, 1922. p. 9.
3 Cerres oo Pr. ANroNro VrrtRl. Coimbra, 1925. l, p. 13, nota e apêndice p. 593.
a "Denunciações da Bahia (1618)." Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro,
1936. n.'49, p. 95. Cf. Flrul, Severim de. História portuguêsa e de outras províncias do
Ocidente, desde o ano de 1610 até o de 1640. Foftaleza, 1903. p. 23.
5 Mercos Trucrxr.. Lisboa, 1940. p. 15.
272 os PRocEDrMENros

de Mesquita por velho, para dáJo ao prelado ainda mais velho;


e se admitimos, com Frei Vicente, que não tinha 50 anos quando
morreu em 1624, teria demasiado pouca idade para, como membro
da Mesa da Consciência, censurar livros desde 1594, e ser desde
1578 Inquisidor. l
Antonio Baião, baseado no Livro de Posses da Inquisição de
Évora atê 1612, ahnal demonstrou, com documentos, que houve,
efetivamente, dois Inquisidores, contemporâneos, sob o mesmo no-
me: um começou como deputado da Inquisição de Évora, em 1572,
ascendendo a Inquisidor em 1578, tendo sido deputado em Lisboa
em 1574,2 alcançando o Conselho Geral em 1592. Outro Marcos
Teixeira era feito deputado do Santo Oficio, em Évora, em 1612.
Este foi doutor em Cânones, desembargador, membro da Mesa da
Consciência, cônego em Évora em 1617. Apóia-se em Frei Pedro
Monteiro, que no Catálogo dos Deputados de Évora registra ambos:
um, sob o n.o 6, com posse em 1572, e outro, sob o n.o 27, com posse
em 1612. Este foi lente de Cânones em Coimbra, onde entrou em
conflito com o cristão-novo Francisco Yaz de Gouvêa, e, segundo
Baião, foi o encarregado da Visitação do Brasil.
For certo, houve dois Inquisidores chamados Marcos Tei-
xeira: um foi em 1572 deputado do Santo Oficio em Évora, e em
1574 em Lisboa, entrando em 1592 para o Conselho Geral, e o outro
foi deputado em Évora em 1612, cônego em 1617, e, por volta desta
data, lnquisidor, e, depois, Bispo do Brasil.
Qual dos dois terá sido o Visitador da Bahia em 1618? A opi-
nião unânime dos historiadores que trataram do problema, é que
o Visitador é o segundo, que foi Bispo do Brasil.3 A biograÍia do
Visitador seria, portanto, a biografia do quinto bispo do Brasil.
Eis, porém, que o Visitador de 1618 não é o Bispo que apor-
tou à Bahia pouco antes do Natal de 1622. O Visitador é o mais
velho dos dois, membro do Conselho Geral desde 1592; o Bispo é o
segundo, lnquisidor de 1617.

1 Mercos Tnxrne. Lisboa, 1940. p. l2-7


z "O Bispo D. Marcos Teixeira": Congresso do Mundo Poríuguês. Lisboa, 1640.
vol. IX, t. l. p. 251 e segs.
3 Arnru, Capistrano de. Prefácio cit. p. 9; Aznwoo, João Lúcio de. História dos
Cristãos Novos portugueses,p.223; Gncn, Rodolfo. Cartas do Pe. Aníonio Víeira.l,
p. 503, nota; Ptxno, Wanderley. D. Marcos Teixeira, p. 17. BeÉo, Antonio. Con-
gresso da Mundo. Portuguás. t. IX, t. I, p. 258.
OS VISITADORES 273

Duas palavras apenas dizem isto. As palavras licenciado e


doutor. Apenas licenciado era o primeiro, Doutor o segundo. O
Visitador era licenciado. Doutor era o Bispo.
Em 1572, prestava juramento em Évora, como deputado, o
licenciado Marcos Teixeira, o que, aliás, também vem expresso na
Provisão do Cardeal lnfante: "... confiando nós das letras do
Licenciado Marcos Teixeira, do nosso Desembargo O Livro
da Visitação da Bahia traz por título: "Livro das confissões e recon-
ciliações que se ftzeram na Visitação do Santo Ofício do Salvador
da Bahia de Todos os Santos do Estado do Brasil que fez o muito
ilustríssimo senhor Licenciado Marcos Teixeira..." 2 O título rea-
parece, ainda, na Provisão do Ordenado, e no segundo juramento
de investidura. 3
O segundo Marcos Teixeira erâ doutor. Em 1610, com outros,
indicava-o o reitor de Coimbra, D. Francisco de Castro, para o
posto no Santo Oficio ". . . o outro é o doutor Marcos Teixeira,
colegial de S. Paulo e lente de Clementinas. . ." Em 1612, por pro-
visão de D. Pedro de Castilho, Inquisidor-Geral, era ordenado
deputado da Inquisição de Évora.
Naqueles tempos, a sensibilidade barroca aos títulos e trata-
mentos tornava, sobretudo em atos públicos, impossível a atri-
buição aos indivíduos de condição que não fosse autenticamente
sua. a Pragmáticas, caprichosas e inflexíveis. O tratamento defi-
nia socialmente, em correspondência com os títulos. Atribuir-se a
alguém situação na escala social, inferior à que realmente lhe com-
petia, constituía uma ofensa. s A sociedade em fermentação bur-
guesa, com a.acentuação da mobilidade social induzia a uma rigidez

I Documenros em BeÉo, Antonio. loc. cit., p. 251.


2 Anais do Museu Paulista. XVII. 1963, p. 351.
3 BrÃo, Antonio. op. cit. loc. cit.
a Ver exemplo, as várias Leis sobre o uso de Dom, como a de 3lllll6ll que repete
as determinações das Ordenações no seu Livro V, tit. 92, $ 7.'. ANDRADE r Snvl,
J.J. Coleção Cronológica da Legislação Portuguesa 1603-1612. p. 298.
s Mandado do Conde de Faro pedir ao duque de Bragança que desse ao duque de
Uzeda, válido do Rei, o tratamento de "Excelência" respondeu o português: "... se
euchamar o duque de Uzeda por Excelências ter-me-ão por múto soberbo, e dirão que
me faço Rei, dando excelências a quem não as tem, e se eu for tão néscio que as dê, terá
muita razão de se queixar de mim, e mostrar-se-á agravada a pessoa a quem as der, e
dirá que faço escarnio e zombaria, dando-lhe o grau que não lhe cabe; e outrossim,
se lhe chamar por mercê e não por senhoria, que é o que lhe convém de juro, serei
julgado por temerário, tirano e roubando a cada um o que, é sÇu, e negandoJhe o que é
devido-..." Cer,,tDo, Frei M. do. O Valeroso Lucideno.Il. cap. III, p. 124 (ed. 1648).
274 os PRocEDTMENToS

defensiva por parte dos elementos tradicionais ameaçados. A Uni-


versidade e a hierarquia eclesiástica por ,certo participavam desse
comportamento Íormalista. As hierarquias consagradas preserva-
vam-se contra as invasões ou usurpações mais freqüentes na vida
cotidiana, inclusive, para valorizarem as promoções na escala so-
cial que tendiam a multiplicar-se. Sintomas dessas disposições fo-
ram os freqüentes conflitos de precedência oü de jurisdição, espe-
cialmente na Colônia, onde o relaxamento das hierarquias era natu-
ralmente mais fácil. O dissídio do próprio Marcos Teixeira, bis-
po, com o governador Mendonça Furtado, teve origem em questão
de precedência resolvida em favor do prelado. l
Não havia, pois, nos atos de designaçãq para investiduras
eclesiásticas, de confundir-se um licenciado e um doutor. Nem o
licenciado ousaria chamar-se doutor, nem o doutor seria despojado
de seu título superior, com o designativo de licenciado. Nesse clima,
era o Visitador indicado como licenciado, e o Bispo como doutor.
Na redação da primeira denunciação aparece: ". . . estando aí
o Senhor Inquisidor e Visitador o Licenciado Marcos Teixeira,
perante ele apareceu . . .".2 Ousaria o escrivão Manoel Marinho
chamar licenciado a quem fosse doutor, sobretudo em se tratando
do p<xleroso Inquisidor, a quem estava subordinado?
Eis por que o Visitador era o licenciado Marcos Teixeira, o
primeiro do nome.
De que o Bispo fosse doutor há também eüdências' Está ex-
presso em Tamaio Vargas, que foi seu contemporâneo: "O bispo
D. Marcos Teixeira, varão douto e religioso de que havia dado
bastantes provas na Universidade de Coimbra, Igreja de Évora e
Inquisição de Lisboa..."3 Positiva a indicação de que o profeòsor
de Coimbra, o doutor, era o Bispo. Num documento do Arquivo
Ultramarino está expresso. Em 1612, numa consulta sobre "Marcos
Teixeira bispo eleito do Brasil", discute-se uma "petição do Doutor
Marcos Teixeira em que diz que tem oferecido suas provanças e mais
diligências necessárias para se expedirem em Roma as Bulas da
Igreja do Brasil para que V.M. foi servida de o nomeaÍ . . .".4

I Alronroa r Snvl, I. J. Coleção Cronológica da Legislação Portuguesa 1620'27.


p.123.
2 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 47.
3 Vmcrs, Tamaio de. Restauración de la Ciudad del Salvador. Madrid' 1628' p.32.
a Documentos do Arquivo Ultramarino. Códice n.o 32, fol. 48, reproduzido por
Wanderley Pinho, op. cit., 20-21.
OS VISITADORES 275

Bispo e Visitador foram pessoas diferentes. Contempaâneos


do Bispo não mencionam ter sido Visitador antes, como Frei Vi-
cente, Severim de Faria, Brito Freire ou Tamaio de Vargas.Tam-
pouco o fazem autores do século XVIII; Rocha pita, ou Vilhena.
Também as assinaturas ajudam a identificação. Baião apre-
senta em fac-simile duas assinaturas de Marcos Teixeira: uma,
a do oficial do Santo Oficio, outra, a do prelado da Bahia. Assina-
turas diferentes. 1 A primeira coincide com a do Visitador, o mais
velho dos dois.
Há ainda a questão das datas. Uma Carta Régia diz que D.
Marcos Teixeira já estava eleito Bispo do Brasil aos 2l de dezem-
bro de 1619, quando ainda o Visitador estava na Colônia.2 Não é
provável que, eleito Bispo, voltasse ao Reino, para depois novamente
vir ao Brasil, em 1622, sendo de idade avançada.
Aos l0 de abril de 1620, o Bispo pedia ao Conselho Ultra-
marino isenção de pagamento das Bulas. Como poderia requerer em
Lisboa isenções e antecipações de pagamento, em abril de 1620,
se em maio deste mesmo ano ainda ouvia confissões na Bahia?3
D. Marcos Teixeira, o Visitador de 1618, era, antes de 1572,
desembargador. Nessa data foi criado deputado do Santo Oficio de
Evora pelo Cardeal Infante. a Posteriormente, em 15i4, foi deputado
em Lisboa, onde já era promotor. Foi ainda do Desembargo del-Rei
e da Casa da Suplicação. Em 1578, foi feito Inquisidor do Tribunal
de Evora, pelo Cardeal D. He_nrique. Em dezembro desse mesmo ano,
foi feito arcediago da Sé de Évora. Em 1579, foi Visitador da Beira,
percorrendo as cidades de Montalvão, Idanha-a-Nova, penamacor,
S. Vicente da Beira e Fundão. s
Aos 9 de junho de 1592, ascendeu ao Conselho Geral do Santo
Oficio, onde permaneceu até 1609. Foi chamado para a Mesa da
Consciência e Ordens,ó onde qualificou liwos, de 1594 atê 16ll.1

1 Brúo, Antonio. op. cit. In: Congresso do Mundo


Português. (1940). IX, p. 259.
2 FoNsEcl, Lliza da. "Indice abreviado
dos documentos do seculo XVII". Alwis do
I congresso de História da Bahia.ll,p.25. A última confissão é de 30 de maio de 1620.
Confissões da Bahia, 1618. p. 525-26.
3 ForsEc.l, L. da. op. cit., loc. cit. p. 26.
a V. documentos em BuÃo, Antonio. "O bispo D. Marcos
Teixeira." Congresso do
Mndo Português. t. cit., p. 258.
s Id., p. 256.
6 MoxrrIno, Frei Pedro. "Catálogo dos Deputados
da Inquisição de Lisboa." cit.,
p. 398.
? Gmcn, Rodolfo. "Introdução às Denunciações da Bahia (1618)." p. 95-6.
276 os PRocEDIMENTos

Designado Visitador do Brasil, iniciou as audiências aos 1l


de setembro de 1618; a 30 de maio de 1620 ainda ouvia confitentes,
e, a 25 de outubro já se encontrava em Lisboa, como se vê no termo
Íìnal das confissões.1
Configura o Visitador Marcos Teixeira o tipo do jurista li-
gado à Igreja daqueles tempos de vitalidade do Direito Canônico,
muito presente nas relações cotidianas entre os indivíduos. Era
o canonista egresso de Coimbra, presente nos tribunais civis e ecle-
siásticos, no cabido das catedrais, convocado para a vigilância da
Fé. Homem de saber jurídico, conhecedor dos procedimentos do
Santo Oficio.
. presença no Brasil de Visitador de tão alto relevo nos qua-
A
dros inquisitoriais sugere que a essa missão atribuía-se grande impor-
tância.

3. Os Processos Ordinários
O Tribunal Inquisitorial de Lisboa processava os moradores
do Brasil que fugissem clamorosamente aos procedimentos dese-
jáveis em bons cristãos. Atuação lenta e dificultosa essa do Santo
Oficio lisboeta, desatada só quando ao Reino chegavam informações
sobre comportamentos pouco ortodoxos dos colonos, pois os ofi-
ciais do Tribunal da Fé aqui residentes não podiam iniciar por
determinação própria sequer a averiguação do que a fama tornava
público. O rumor ditava informações para o Reino. De lá ünha a
ordem paÍa a perquirição.
O processo instaurado na Colônia tem um sentido de estra-
têgia: a unidade religiosa era a base de ligação da Colônia com a
Metrópole. No entanto, a luta aqui contra a heterodoxia não era e
não podia ser mui acirrada, dado o desmesuramento geográfico' os
problemas e perigos comuns e a menor pressão social.
Realizadas as investigações, o resultado era enviado a Lisboa'
Qualihcada a matéria, podia vir a ordem de prisão e remessa do
culpado para os cárceres do Reino. Lá então o processo tinha seu
curso normal.
Podia ocorrer fosse alguém vítima de informações detur-
padas, e chegasse a Portugal Para ser processado alguém injusta-

I "Confissões da Bahia (1618)." p. 52ó.


OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 277

mente preso. Foi o que aconteceu a Maria Barbosa, que foi solta
e remetida de novo ao Brasil.
Relativamente, poucas foram as pessoas processadas no Brasil
entre l59l e 1620, fora das Visitações feitas pelo Tribunal. Na
Colônia, a unidade religiosa tinha sua importância, sim, cimento
que era a uni-la ao Reino. Mas a tolerância havia se imposto como
condição de sua própria existência. No interregno entre as Visita-
ções de 1591 e 1618 foram enviados à Metrópole para serem pro-
cessados.
Dificil era manter no Brasil um certo tipo de coerção psicoló-
gica. O medo ao processo inquisitorial era menor, na medida em
que a própria Inquisição não merecia muito respeito; a julgar as
palavras de Anchieta:
"Outro irmão do mesmo mqmeluco advertindo-se que se tivesse
cuidado com q Santa Inquisição por seguir alguns costumes
gentílicos, respondeu que vararia com flechas duas inquisições.
E são cristãos, nascidos de pai cristão, que sendo espinho não
pode produzir Lnas".1
Prisão e envio paÍa a Metrópole eram cousas mais ou menos
longínquas que podiam ser anuladas pela fuga para outra proún-
cia da Colônia. O segredo das informações trocadas sobre os pre-
tensos réus era de extrema facilidade de ruptura, numa terra onde
se liam desembaraçadamente cartas alheias. Era muita a distância a
vencer, e mui dilatado o tempo entre as primeiras informações e a
prisão do culpado, para que este pudesse ser colhido de surpresa
com a sua detenção. De outro lado, espaço havia de sobra para
refúgio, neste país de cenários desmesurados e parcamente habitado'
A instabilidade da vida do branco num habitat eivado de pro-
blemas e perigos, assolado por mil dificuldades, diminuía a im-
portância de certos valores sociais. A infâmia, por exemplo, que
marcava aos autuados pelo Santo OÍïcio, não adquiria dimensões
tão catastróficas na vida social da província quanto teria em Por-
tugal. A marginalização que poderia acarretar aqui era susceptível
de ser rompida, ou mesmo esquecida, diante de um dos inúmeros
problemas coletivos, como uma algara índia ou a ancoragem de
velas inimigas. Nesses momentos, todos os braços válidos eram
indispensáveis. Passado o perigo, muito provavelmente algum ato
1 Carta do Irmão José de Anchieta ao Pe. Inácio de Loyola. Piratininga, ll9ll554.
Cmus pos PnruBrnos Jnsurus. II, p. ll5.
278 os pRocEDrMENros

destemido teria apagado a lembrança pejorativa das incursões in-


quisitoriais. Fatos acidentais ou contingenciais cortavam a açáo
do Santo Oficio.
Impossível, na Colônia, viver-se sem determinada porção de
senso prático, desligado da realidade circunvizinha. Era ainda
tempo de construir a civilização. Por isso mesmo, qualquer influ-
ência subconsciente que o rito processual pudesse ter quedava
anulada em sue gênese.
Sequer nos processos realizados nas Visitações pode-se reedi-
tar o clima de teatralidade comum à Metrópole. Qualquer apaÍa-
tosidade Íìcava minimizad,a no primitivismo dos burgos coloniais.
Parecia neles postiça.
Em dois momentos a Inquisição instaurou processos no Brasil:
durante as Visitações que apuraram em determinadas circuns-
tâncias coloniais e fora delas.
O Santo Oficio ditava penas para os heterodoxos que haüam
infringido as norÍnas da religião cristã. Suas decisões eram com-
plementadas pela justiça civil quando condenava o herege, que
era também o rebelde contra o Rei e contra a Lei do País. Lei que
a todos obrigava à fidelidade ao Cristianismo católico-romano.
A Inquisição, tribunal de justiça laico-eclesiástica, ao julgar
observava um processo em quase tudo idêntico ao das demais ins-
tituições judiciárias do tempo. Diferia em que, além das penas que
puniam os crimes, como prescreveria qualquer tribunal, ordenava
penitência plra a redenção dos pecados implícitos na figura do
crime. Havia uma disposição de compreensão sacerdotal em re-
lação aos pecados e uma intenção de recuperação das consciências
transviadas, embora a intolerância dos tempos de tensões religio-
sas, por vezes, interferisse naquelas disposições, aliás recomenda-
das pela legislação e pela jurisprudência. Havia prevenções tam-
bêm: a parcialidade que aos Inquisidores, como aos homens do
tempo, advinha do temor da heresia, porque ofensa a Deus - en-
tendia-se, era uma fonte de males coletivos que tinha de ser estan-
cada - para o bem de todos. Outros motivos podiam eventualmente
contagiar o juízo dos magistrados. Nenhum tribunal da História esú
imune às fraquezas dos homens. As minuciosas determinações
processuais visavam justamente neutralizar os danos que pudes-
sem resultar dessas fraquezas, ainda que os preceitos, por sua vez,
aparecessem limitados pelas concepções jurídicas do tempo e pelos
compromissos mentais das opções filosófico-religiosas vigentes.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 279

Para compreender-se melhor a mentalidade jurídica domi-


nante, e situar-se validamente a processualística dos tribunais do
Santo Oficio, dever-se-ia, pata comparação, estudar-se a üda coti-
diana dos tribunais criminais daqueies tempos, seus juízes, seus
procedimentos, suas sentenças. t
O processo do Santo Oficio era estipulado em lei, temperada
pelas praxes e pela jurisprudência, como acontecia com os demais
tribunais do Reino. Os juízes não podiam exceder-se, presos como
estavam às doutrinas de jurisconsultos, teólogos e canonistas cé-
lebres. Simples indícios de faltas não podiam servir de base para
autuações. Eram necessários sinais graves de culpabilidade para
iniciar-se qualquer processo. Imprescindível houvesse fama pú-
blica; só se efetuavam devassas na hipótese de suspeita de crime
contra a fé, a respeito dos quais houvesse rumores verossímeis. As ave-
riguações liminares não seriam consideradas, se contivessem de-
feitos de forma: a investigação devia ser certa, clara e específica.
Caso contrário, seria nula de direito, insuficiente para a abertura
de processo judiciário. Primeiro, ünha a idéia dos juízes sobre a
possibilidade da ocorrência do delito e da autoria. Só depois de-
sencadeava-se o processo. Seus trâmites deviam levar ao aclara-
mento da falta indigitada. Não podia haver, portanto, condena-
ções por suspeitas.
Os processos apresentavam etapas. Umas necessárias, ou-
tras eventuais, na dependência da gravidade da culpa e de maior
ou menor cooperação do implicado.
Podiam ter começo com a confissão feita na Graça ou não.
Confissão incompleta ou insatisfatória. Confissão que não concor-
dasse com denúncias feitas à Mesa. Ou podiam começar apenas
com as Denúncias: 2pelo menos, corroboradaspelo depoimento de
testemunhas pelo Inquisidor chamadas.
Nas Denúncias e Conhssões sempre aparecia um certo nú-
mero de nomes invocados como testemunhas. Ou, muitas vezes,
nas denúncias, casos eram levados aos Inquisidores, provindos de

I Lembramos apenas o crime de lesa-majestade comparado à lepra pelo qual o réu


era "condenado que morra pela morte riatural cruelmmte com automática perda de
bens, transitando a culpa na descendência". Ordenações Filipinas, LV tit. VI, 9 e 10.
Cruelmente dizia a lei, e cumpria-se. Exemplos do tempo: os processos de partidários do
Prior do Crato. Os dos conspiradores de ló41. Ou o processo dos Távorasjá no ilus-
trado seculo XYIII. Ou, no Brasil, o processo da Inconfidência Mineira.
2ffi osPRocEDrMENTos

informações de terceiros. 1 Segundo o Regimento, as testemunhas


- de vista ou de ouüda - deviam ser registradas para averigua-
ção posterior das culpas contidas nos depoimentos.2
No chamar as testemunhas, agia o Tribunal em busca da Ver-
dade. Não se limitava em anotar passivamente o que lhe fosse con-
hado. Inquisitoriava, procurando as testemunhas dos fatos a ele
relatados, e ouvindo-as.
Chamavam-se as testemunhas quando haúa casos sérios a
serem esclarecidos, ou quando se fazia mister apurarem-se as cum-
plicidades.
Qualquer pessoa - independendo de sua posição social, sexo,
idade ou profissão - podia ser chamada para depor no Santo
Oficio, desde que seu nome tivesse sido incluído nos registros inqui-
sitoriais. Mas o valor de seu testemunho dependia, isto sim, de
sua qualidade e do crédito que pudesse merecer.3
O recrutamento das testemunhas de um conlttente ou denun-
ciante ficou a revelar aspectos de sua úda cotidiana, pois caíam
sempre eles em seu círculo de relações. Luis Mendes de Thoar,
por exemplo, secretário e vedor da casa de D. Jeronimo de Almeida,
teve como testemunhas no seu processo por erro de doutrina, Gaspar
Rodrigues Tojo, criado do mesmo D. Jeronimo, e Rodrigo de Deus,
camareiro do mesmo senhor.4 Francisco Pires, lavrador em Ser-
gipe do Conde, teve como testemunhas de suas práticas sincréticas
Gonçalo Alvarez, como ele mameluco e lavrador, Simão Rodrigues,
e Francisco Pires, também trabalhadores da terra do Sergipe do
Conde.5
Essas, testemunhas eram convocadas pelo Santo Ofïcio me-
diante intimação. Compareciam. Juravam sua isenção e sinceridade

1 Catarina Nunes, por exemplo, foi contar ao Visitador da Bahia que um seu üzinho,
Pero de Vila Nova, dissera que conhecia um cristão-novo que cuspia e escarrava na
imagem do Crucificado. "Denunciações da Bahia (L591)." p. 241.
2 "Os Inquisidores receberão as denunciâções e testemunhas de ouvida e escreverão
no Livro das Denúncias para averiguar a verdade acerca das culpas que tocam os seus
referimentos. Depois se perguntarão os referidos. Quando necessário, confrontar as
testemunhas de rosto a rosto..." RpctrrtrNro oE 1613. tit. IV, $6, p. 31.
3 Id., tit. W, $ 5, p. 31.
4 lNqusrçÃo pn Lrsrol. ANTT. Proc. n." 11063.
s Id., proc. n." 17 809.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 28I

de propósitos sobre os Evangelhos. I Primeiro, indagava-se da tes-


temunha se sabia por que tinha sido chamada. Depois, se sabia de al-
guma coisa do interesse ou alçada do Santo Oficio. Se a testemunha
ainda não tivesse falado, o Inquisidor iniciava um processo de avi-
vamento de sua memória, lembrandolhe o conhecimento de certa
pessoa, local onde teria com ela convivido, circunstâncias em que
se dera o fato de interesse para a Inquisição. Em último caso é
que inquiria diretamente sobre o que desejava apurar. Um exemplo:
Belchior Pires Brandão, morador na fazenda do Sergipe do
Conde, foi chamado à Mesa como testemunha, apontada por An-
tonio Pires Brandão, de suas palavras sobre o estado dos casados
e dos religiosos. Perguntado se sabia por que estava ali, respondeu
negativamente. À pergunta se se recordava de ter ouvido alguma
vez alguém conversar sobre o estado dos religiosos e dos bons ca-
sacios, respondeu negativamente. O Inquisidor mudou a pergunta,
inquirindo-o se lembrava de ter ouvido algo sobre a comparação
entre os dois estados de vida. Nunca tal ouvira, foi a resposta.
O Visitador deve ter-se enchido cle suspeitas, pois perguntou à
testemunha sobre o parentesco ou estreita amizade que o uniria
ao denunciado. Belchior Brandão respondeu que não ira parente,
e só o havia conhecido, há um ano atrás, falando-lhe como a um
vizinho qualquer, não lhe tendo grande amizade. perguntado Íì-
nalmente sobre o caso específico, respondeu que algumas vezes
costumava Íìcar no alpendre da lgreja do Sergipe
Pires contara ter-se dado a conversa
- onde Antonio
- a palestrar, e, algumas vezes,
ainda quando lá se encontrava, aparecia o denunciado. No entanto,
sobre o assunto, de nada se lembrava.2
Pero de Freitas, também chamado à Mesa sobre o mesmo
caso, declarou que ouvira, no alpendre da referida Igreja do Ser_
gipe, estando uns homens em perfia, um deles dizer- qúe era tão
bom o estado de casado quanto o de religioso, mas não se lembrava
quais eram os ditos homens, pois só ouvira quando passava pelo
alpendre.3
I Afórmuladedepoimentousadapelalnquisiçãoeraaseguinte:.,Aos...de. ..de...
em Lisboa perante . . . Inquisidor por ele foram perguntadas as testemunhas
seguin-
tes: F... . . testemunha perguntada por o juramento ãos Evangerhos que rhe
foi ãado
se sabia alguma pessoa ou pessoâs que dissessem ou Íìzessem arguma
cousa contra
a nossa santa Fé disse que não sabia outra coisa, somente etc . . . Arquivo
Histórico
Português. t. VI, p. 8l-2.
2 lNqursrçÃo or Lrsnol. ANTT. proc. n." 6.361.
3 lbid.
282 os PRocEDrMENros

Francisco Ribeiro, por sua vez, também chamado, repetiu


as declarações do réu, declarando ser amigo do denunciado. I
A ausência de concordância das testemunhas impediu a con-
figuração perfeita da falta. A sentença declarou que o Santo Oficio
ficava, em relação ao réu, apenas com a presunção de leve suspeita
na fê.2
Outros casos havia em que o indiciado confessava parte de
seus deslizes. Apontando testemunhas, estas agravavam a referida
culpa. Foi o caso de André Fernandes Caldeira, que confessou ter
dito "leve eu boa vida neste mundo, no outro que me levem todos os
diabos". Chamadas as testemunhas, Francisca Rodrigues e Maria
Mateus, elas confirmaram as referidas palavras, acrescentando
outras que o réu teria também pronunciado: "que lâ não me vê
ninguém". Tais depojmentos complicaram a situação do réu, e
tornaram mais severd-a sentença.3
Finalmente os Inquisidores perguntavam às testemunhas cha-
madas por que não se haviam elas apresentado espontaneamente
para contar os fatos de que tinham conhecimento. A falta de apre-
sentação voluntária devia ser suprida com uma clara disposição de
cooperação. Só assim podiam ficar diluídas as suspeitas de fautoria
com os hereges, e levantada a excomunhão, que, automaticamente,
pesava sobre aqueles que escondessem provas do Santo Oficio.
As testemunhas chamadas também podiam ficar em posição
delicada, como foi a de Cristóvão da Costa diante do Visitador da
Bahia. Chamado à Mesa para depor sobre três casos diferentes, tes-
temunhou sobre um e escondeu informações sobre os outros, de
seus amigos. Admoestado de que, por isso, estava excomungado,
e que só o Visitador podia reintegráJo na Igreja, contou toda a
verdade, mas foi punido depois do término do processo por esse
motivo instaurado.a
Anotadas as culpas apontadas em confissões ou em denún-
cias, deviam os Inquisidores pronunciar-se sobre elas, a fim de
expedirem mandado de prisão. Era a Qualificação. Isto requeria
minucioso exame da matéria, e sua especificação.
O direito de qualificar as doutrinas, o Santo Oficio herdou-o
da Igreja, que detém esse poder, e delegou-o à Inquisição, que
I lbid.
2 lbid.
3 .Id., proc. n." 8.414.
a Id., proc. n.' 7.951.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 283

podia agir nos casos da dogmática cristã, de sua moral e disciplina. 1

O principal era configurar-se o delito, principalmente a heresia,


estivesse ela dissimulada ou patente no que fora contado à Mesa.
Os tnquisidores usavam listas que tinham feito elaborar no fim
do século XVI, contendo 7l delitos, onde se podiam enquadrar
200 qualidades de réus.
Configurada a heresia, era necessário determinar-se qual o
grau, sua profundidade. Havia casos de suspeição e outros de here-
sia formal. Conforme o caso, podia ser decretada prisão para o
desencadeamento do processo penal, ou apenas detenção para in-
terrogatórios mais acurados.
Quando as informações colhidas pelo Santo Oficio se refe-
rissem a matéria de fé - conforme parecer e qualihcação dos teó-
logos ou canonistas - ou no caso de versarem sobre cerimônias
judaicas ou muçulmanas conhecidas, ou ainda quando se tratava
de casos de fautoria, o Promotor pedia a prisão das pessoas indi-
gitadas,2 em requerimento aos Inquisidores, instruído com provas.3
Os componentes da Mesa votavam sobre a prisão. Quando
o caso era duüdoso ou grave, deviam ser consultados alguns depu-
tados,a e devia constar com a aprovação do Conselho Geral.s
Uma série de cuidados precedia à expedição dessa ordem.
Durante as Visitações, Furtado de Mendonça e Marcos Teixeira
foram bastantes para ordenar a prisão se houvesse a possibilidade
do réu evadir-se. Assim procedeu o primeiro Visitador na Bahia,
em 1593, mandando prender Belchior Francisco, que andava di-
fundindo proposições errôneas sobre a união carnal de pessoas
solteiras, e que podia conter desvio da doutrina da lgreja sobre o
sacramento do matrimônio. ó
O mesmo Visitador mandou encarcerar Antonio Dias, mu-
lato forro, da Paraíba, que propagava não se dever adorar a hóstia
por ser feita de farinha. T
Ponderavam-se muito os testemunhos antes de se determinar
a detenção de alguém. Um só testemunho era insuficiente quando
I RpcncNro or 1613. tit. IV, 98, p. 31.
2 lbid.
3 lbíd.
4 lbid.
s Id,99, p.31.
õ luqursrçÃo DE LrsBoÀ. ANTT. Proc. n.' 7.947.
1 Id., proc. n.' 8.478.
2U osPRocEDrMENTos

se tratava de pessoa de posição social de destaque. 1 Não fosse


a inveja arÍnar cilada aos desafetos. O Santo Oficio esforçava-se
para apurar a realidade,
Havia, no entanto, casos excepcionais, em que, pela natu-
reza da falta, a Inquisição teria de contar com um testemunho ape-
nas. Eram, em geral, os casos de homossexualismo, como o de João
Freire, em que o Promotor exarou este parecer:
"Poucqs razões ha mister para mostrar que deve ser preso êste
João Freire, reu pela culpa de sodomia, que contra êle resulta dn
confissão que fez André de I'reitas, cumplice, porque demais
de ser êste caso dificil para ser provado, o afastamento deste
caso é de primeira necessidade numa republica cristf'.2
Revestiam-se as prisões de cautelas jurídicas, excluindo-se
o arbítrio dos Inquisidores. A formação da culpa precedia às pri-
sões, que só se processavam mediante ordem judicial. Em princi
pio, ninguém podia prender ninguém, sem presunção de culpa
aferida por juiz.3
Embora pudessem ser usados outros oficiais, usualmente o
Meirinho era o encarregado das prisões. Na Colônia, fora das Vi-
sitações, os mandados eram enviados aos Comissários, ou, na falta
destes, à pessoa mais grada da hierarquia inquisitorial existente
no lugar.
Ao Meirinho Francisco de Gouvea foi entregue, da parte do
Visitador, um expresso mandado de prisão dos réus Antonio Dias,
Baltazar Dias, Luis Mendes, Jorge de Souza, por exemplo.a Contra
ordens expressas do Tribunal, muitas vezes o Meirinho tratava o
preso com familiaridade. Bento Teixeira denunciou tais ocorrên-
cias ao Santo Oficio: que os. encarregados de sua prisão - Matias
e Geraldo da Costa - tinham-se posto a comer e a beber com ele. s
Executavam-se as prisões com a ajuda dos Familiares do Santo
Oficio. O réu era entregue à custódia do primeiro navio que zar-
passe para o Reino. Este se comprometia a leválo às portas do
Tribunal assim que ancorasse. Levava, efetivamente, mas muitas
vezes vendiam-se aos presos, combinando deixáJos às soltas em
Lisboa por alguns dias, e só depois fazendo sua entrega nos cárceres

I RncrttrlNro 1613. tit. IV, $9, p. 31.


2 IuqursrçÃo or Lrsgor,. proc. n.o 2.557.
3 OnonNrçõns Fnpwrs. liv. V, tit. ll9.
4 lNqursrçÃo oE Lrsroe. ANTT. Procs. n.o" 6.159, 6.363, 11.035 e 2.552.
s Id. Proc. n." 5.206.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 285

inquisitoriais. Assim sucedeu, por exemplo, com João Nunes, cristão-


-novo de Pernambuco, que foi preso para o Tribunal lisboeta, e,
segundo denúncia de Bento Teixeira, peitou com 300 cruzados o
mestre do navio que o conduziu, pata que este o deixasse andar por
três ou quatro dias por Lisboa, negociando seus papéis e pondo
suas cousas em ordem. O referido mestre - contou ainda Bento
Teixeira - temendo que o preso lhe escapasse, andou com ele
todos os dias em que João Nunes punha em ordem seus negócios.1
Parece que o caso de João Nunes não foi exceção. Os coman-
dantes dos navios, principalmente das urcas flamengas, que faziam
o transporte dos réus do Brasil para Lisboa, estavam acostumados
a ser subornados pelos presos. Muitas vezes, ajudavam-nos a fugir.
Bento Teixeira contou ao Santo Ofïcio que dois marinheiros da urca
fÌamenga que o levara preso à Metrópole tinhamlhe proposto levá-
lo à noite à nau levantisca que estava de partida para a ltália, em
troca de 50 patacas ou de um escrito para parentes seus, moradores
em Lisboa.2
O preso era entregue ao Alcaide do Cárcere, juntamente com
o respectivo mandado. Do ato de entrega lavrava-se termo. O
réu era preso em local destinado pelos Inquisidores.3 A seguir,
deúa comparecer diante dele para declarar sua fazenda - de raiz
e móvel, suas dívidas e seus devedores - quando a prisão fora
decretada com seqüestro de bens. a Desse rol encaminhava-se cópia
ao Juiz do Fisco.s
Os relatórios dos bens confiscados pelo Santo Ofïcio a seus
presos Íicaram como testemunho da condição social dos réus da
Inquisição. Servem de amostragem de usos e costumes: condições de
habitação, móveis usados, roupas e tecidos do tempo. Indicam as
relações sociais e proltssionais de preso, nos elencos de devedores
e credores. Dão informações sobre passatempos e distrações pre-
feridas.

1 lbid.
2 lbid.
3 RÊcruENro oe 1613. tit. IV, $ 10, p. 31.
a A prisão era acompanhada de seq.iiestro dos bens, quando seu motivo houvesse
sido a heresia, mas só a condenação implicava em conÍìsco dcfinitivo. Essa era a lei,
pelo menos.
5 RBcnmNro ors Cornsclçõns (1620) no seu cap. 16 ordenava a remessa do rol
das dividas ao Juiz do Fisco. ANoneol n Su,ve, J. J. Coleção uonológica da legislaçíio
portuguêsa (1620-1627). p. 17.
zffi ospRocEDrMnNros

Nos casos de prisão sem seqüestro, os presos deviam levar


até 20$000 para seu sustento, se fossem pessoas de posses. Não
o sendo, levariam o que pudessem, ou até nada, sendo sustentados
integralmente pelos cofres da Inquisição. 1 E houve muitos presos
nessas condições, como Brasia Pinta, cuja ordem de prisão deter-
minava que levasse para Lisboa 100 cruzados em letras para seu
sustento, além de cama e roupas.2
Prisões do Santo Oficio na Bahia e em Pernambuco foram
as prisões comuns, de janelas paÍa a rua, de onde os presos tiravam
esmolas quando havia procissões, como aconteceu na procissão de
Endoenças.3 Comunicavam-se também entre si, combinando os
depoimentos. Nada tinham, portanto, dos ambientes lúgubres que
foram descritos para os cárceres inquisitoriais. Alcaide do cárcere
na Visitação de 1591, na Bahia, foi Alvaro de Vilas Boas; em Per-
nambuco, Francisco Gouveia.
O Santo Oficio admitia fianças, embora entregasse seus pre-
sos apenas em casos especiais, depois de ouvido o Inquisidor Ge-
ral, ou, em sua falta, o Conselho Geral. Comumente, eta a ocorrên-
cia de doença grave, que não poderia ser curada no cárcere, o motivo
do recebimento da ftança,a cujo dinheiro era usado nas despesas
da Inquisição. Pero de Carvalhais, em meio ao processo que lhe
movia a lnquisição na Bahia, foi solto sob a fiança de 300 cruzados,
porque estava doente e não podia permanecer preso. s
Algumas vezes, depois de sentenciado o degredo, o réu era
entregue sob hança para ser encaminhado ao cumprimento de sua
pena. Foi o que ocorreu com João Fernandes, processado em Per-
nambuco, que, por estar atacado de boubas, foi entregue ao cunhado,
Baltazar Alvares, que foi aceito como fiel depositário do preso para o
entregar ao governador e justiça da capitania de Paraíba. ó Fernão
Cabral de Ataíde, sentenciado a degredo, foi entregue sob fiança
a Pedro Besato, pelo prazo de 6 meses. Além da frança, exigiu-se,
neste caso, um fiel carcereiro - Gaspar de Castro - que se obri-
gou a levar o réu à presença do Visitador Furtado de Mendonça,
toda a vez que este assim o desejasse. ?
1 REcnrnxro nr 1613. tit. IV,
99, p. 31.
2 lNqursrçÃo op Lrssol. ANTT. Proc. n.. 9430.
3 "Denunciações da Bahia (1618)." p. 105.
a RncurNro on 1613. tit. IV, 58, p. 43.
$
5 IrqunrçÃo os LrssoÁ.. ANTT. Proc. n." 12.231.
6 Id., proc. n.' 2.559.
1 Id. Proc. n.' 17.0ó5.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 297

A prisão significava segurança para o desenrolar do processo


inquisitorial, sempre demorado. SigniÍicava, principalmente, uma
preservação da sociedade do contagio com elementos portadores de
heterodoxias, nocivas, portanto, a sua integridade.
Visando apurar a verdade, os Inquisidores chamavam à Mesa
os réus para os interrogatórios. Durante esses interrogatórios, ou
o preso era convencido a confessar, ou definia-se renitente em suas
negativas. Tinha três oportunidades para falar. Os Regimentos
inquisitoriais prescreviam três tipos de sessões: a primeira, De
genealogia, a segunda, De genere, e a terceira, De specie.
As três sessões tinham alguma cousa em comum: palavras
de consolo e admoestações eram dirigidas ao preso pelos Inquisido-
res. Iniciavam-se os interrogatórios com palavras de consolação e
pedido de perdão. Tribunal singular: os juízes, antes de proceder
contra os culpados, deviam tratá-los com amenidade, procurando
meios de perdoar. I Até que ponto os presos assustados sentiam
autenticidade naquelas expressões dos Inquisidores não se pode
saber. Como impossível é saber-se até que ponto correspondiam
elas a uma intenção benévola dos juízes, ou eram frias e puramente
formais, destituídas de verdadeiro calor humano. OS acenos amis-
tosos de clemência podiam parecer armadilhas para apanhar os
incautos e confiantes. Um Inquisidor não era igual a um confessor,
quando julgar em verdade não era sinônimo de perdoar. Nem
conhssão significava necessariamente remissão de culpas.
Admoestações eram feitas em nome de Cristo. Por seu amor,
pediam os Inquisidores ao preso para pensar, relembrar, e falar.
Apelavam os ministros do Santo Oficio para o mais puro do sen-
timento religioso - o amor a Deus. Invocavam, desde logo, algo
muito significativo para a emotividade dos homens do tempo.
Procuravam enfraquecer os mecanismos defensivos com a evocação
do Salvador. Pediam ao depoente que se acusasse do que havia
feito ou dito contra a Fé, revelasse a intenção que o animara, os
cúmplices que tivera nos delitos, e as pessoas de quem soubesse
fatos que maculassem a pvreza da ortodoxia. Reavivavam nele a
consciência de pertencer à Igreja militante, e sua obrigação de zelar

I Embora existam levantamentos do número de condenados ano após ano, ainda


não se intentou inventariar o número de confitentes e denunciados, nem mesmo
entre eles o número dos processados, para calcular-se a porcentagem das condena-
ções e absolvições, para avaliação objetiva do rigor dos julgamentos.
288 os pRocEDrMENros

pela integridade do Cristianismo. Nessas condições, esperavam que


falasse longa e sinceramente.
O prazo para o início dos interrogatórios era de quinze dias,
a menos que os Inquisidores achassem conveniente dilatálo. I A
conveniência era, naturalmente, ditada pelo interesse do Tribunal:
ou pela prioridade de outros assuntos, ou porque se esperava o
resultado de diligências mandadas proceder, ou, ainda, porque se
esperava reunir maior quantidade de provas.
Na primeira sessão, era o réu perguntado por sua genealogia.
Devia declarar como se chamava, donde era natural, idade e ofïcio
que tinha, quantas vezes fora casado, nome e idade da mulher e
dos Íìlhos, nome de pais e avós paternos e maternos - vivos ou
defuntos - e dos colaterais de que se lembrasse, sua profissão,
naturalidade e moradia.2 Mais: devia o preso declarar a que na-
ção pertencia, se ele ou seus parentes tinham alguma raça de judeu
ou mouro, aonde se havia criado, com que pessoas convivera, quais
as viagens que fizera. Devia declarar se sabia ler e escrever e se
aprendera alguma ciência.3 Interessava aos Inquisidores a proce-
dência social dos interrogados; interessavalhes a procedência fa-
miliar. Frações do sangue "impuro" podiam indicar contágios de
família, "heranças" inconscientes de heterodoxias. Convivências
perigosas dentro ou fora do Reino, com elementos de crença dife-
rente, podiam ajudar a configurar a culpa ou a atenuáJa. Sempre
a busca de inÍluências do meio e do contágio de idéias heréticas.
O contacto com pessoas de diferente religião podia adulterar as
convicções. Tanto mais sério quanto mais demorado tivesse sido.
A clientela era principalmente de mercadores. Havia interesse
no balanço das üagens realizadas e das permanências no exterior,
em países extrapeninsulares. As travessias oceânicas favoreciam
convivências daninhas. Pelo trato, pelos azares da pirataria e pelo
desvio ou aprisionamento de navios e tripulações. Foi o caso de
Baltazar André, que, em üagem do Brasil para o Porto, foi apri-
sionado pelos ingleses luteranos na paragem das ilhas, e levado
à cidade de Southhampton. Esses ingleses retiveram-no em sua
companhia uns dois meses e meio, no mar e em terra. No mar, obriga-
vam-no a assistir às suas orações, sentado e desbarretado. Em terra,
obrigavam-no a ir seis ou sete vezes às mesquitas (sic) e igrejas dos
r RrcruEnro oe 1613. tit. Iv, g 17, p.33.
2 Id., g 12, p. 32.
s lbid.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 2g
luteranos, onde se punha de joelhos e se desbarretava como os
ingleses. l
O conhecimento de orações exigido era bem sumário. Res-
uingia-se à recitação, no máximo, do Padre-nosso, Ave-Maria,
Salve-Rainha, mandamentos e sacramentos. Belchior Francisco,
por exemplo, preso pelo Visitador da Bahia, Furtado de Mendonça,
perguntado pela doutrina, "benzeu-se e persignou-se e disse as
orações e não soube os pecados mortais". 2 Pelo menos teoricamente.
O Inquisidor apreendia a biografia do interrogado. Na bio-
grafra, a diagnose.
Segunda sessão: dias ou semanas após a primeira. O preso
era perguntado, in genere, por suas culpas. No caso de estar in-
curso em culpas da crença ou prâtica da religião ou seita proscrita,
era o réu perguntado por todos os aspectos do culto da referida
confissão. Ou por aqueles aspectos que a Mesa julgasse mais sig-
nificativos. Um exemplo: o interrogatório feito pelo Visitador Fur-
tado de Mendonça a Afonso Luis Malveiro: perguntado há quanto
tempo disse que mais eram seus pecados que amisericórdia de Dew (as-
serção não confessada), respondeu que dissera que tantos ercun. . . na
ano de 1580 morando em Salvador à rua do Bispo. P., quantas
vezes disse que havia de raspar o óleo e fazer-se luterano (não fora
confessado) R., que não lembra, mas que, irritado com a família,
dissera que arrenegaria a fé para desonrálos e raparia o óleo para
s€ tornar herege. P. se tem pacto com demônio para lhe dar um
olho e uma perna (cf. denúncia da filha): não, mas faria para poder
matar mulher e Íìlhos e comerlhes os bofes. P. se dizia as heresias
com o coração? Não, nem com o coração nem com a vontade, mas
com cólera, paixão e agastamento, cego o entendimento. Esqueceu
de contar tudo isso na Graça porque tem perdido muito a memória.3
O juiz insistia nas perguntas. Visava esclarecer pontos obs-
curos ou omissos das conÍissões, ou apurar as denúncias. Muitas
vezes teve êxito. Em outras terá falhado.
Os interrogatórios eram de importância vital para o segui-
mento do processo inquisitorial. Das respostas mais ou menos
sinceras às perguntas formuladas dependia o encerramento do
processo. As respostas qualiÍïcavam, ademais, o réu, quando defï-
I INqutsrçÃo os Lrssol. ANTT. Proc. n} 7.947.
2 Id., proc. n." 7.947.
3 Id. Proc. n.' 16.89Í
2m oSPRocEDIMENToS

niam o grau de colaboração que ele apresentava à Mesa. Ou a sua


pertinácia em negar.
Permaneceu o réu negativo após as perguntas e conselhos e
ameaças, o Promotor vinha com a acusação que requeria fosse
recebida contra ele. Os Inquisidores admoestavam novamente o
réu a que confessasse a verdade, lembrandolhe que seria mais pro-
veitoso falar antes, que depois de acusado. Diante de sua persisten-
te negação, aceitavam o requerimento do Promotor. Faziam o
Notário ler a acusação para o réu, que a ouvia de pé. Seguia-se a
intimação. O réu devia responder a cada artigo isoladamente.
Permanecendo em sua negativa, recebia traslado da acusação,
sendo homem, porque, se fosse mulher, "lhe seria lido por algumas
vezes para lhe poder ficar na memória". I
Lido o libelo, cabia ao réu tomar advogado que o defendesse.
A Inquisição oferecia um de seus Procuradores. Aceita a causa,
prestava o Procurador juramento e passava a exortar o réu a confes-
sar a verdade.2 Se ele acedia, era enviado aos Inquisidores sem
que o Procurador se inteirasse do que ia confessar. Caso contrário,
o Procurador se encarregaria de sua defesa e nomearia as testemu-
nhas para prova dela aos Inquisidores. Receberia translado do
libelo, e redigiria a defesa, que seria, posteriormente, entregrie à
Mesa.
Depois da contradição dos artigos do libelo, ouvir-se-iam as
testemunhas apontadas pelo indiciado, preüamente aceitas pelos
Inquisidores.
As testemunhas que se apresentavam à Mesa deviam declarar
idade, estado ciüI, oÍïcio, onde úviam e de onde eram naturais,
se eram criados de alguém, se possuíam raça de judeu ou mouro,
se já haviam sido reconciliados ou penitenciados pela Inquisição,
se eram filhos ou netos de condenados por heresia. Naturalmente
que o fato de não ter sangue limpo, ou já ter sido marcado pela
passagem no Tribunal, devia revestir suas declarações de uma
certa suspeição.
Os Inquisidores faziam vir as testemunhas diante de si; nunca
iam a su'as casas. No caso de se tratar de pessoas de muita quali-
1 RncrtimNro or 1613. tit. IV, $ 15, p. 33.
2 Procurador dos réus na 1.'Visitação foi o Lic. Jorge Barbosa Coutinho. INQUISI-
çÃo on Lnno,r. ANTT. Proc. n.' ó.333.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 29I
dade, eram perguntadas numa igreja ou mosteiro. Se estivessem
enfermas ou legitimamente impedidas, proveriam os juízes con-
forme o caso. I
Cabia ao Inquisidor vigiar, para eütar que as partes indicas-
sem testemunhas ausentes, principalmente nas Ilhas ou no Reino.
Precaução útil para que não se alongassem os feitos, impedindo-se
com isso o curso da justiça. Casos especialíssimos faziam com que
um deputado se deslocasse a ouvir testemunhas fora do distrito
inquisitorial. Aceitavam-se também papéis ou róis de testemunhas
eventualmente trazidas, por pessoas de fora, à Inquisição. Neste
caso, procedia-se a diligências ex-officio, para verificar-se o crédito
de tais informações e prevenirem-se os casos de suborno.2
Interrogadas as testemunhas sobre todos os artigos apresen-
tados pela defesa, umas podiam confirmar as declarações do pro-
curador, outras declarariam nada saber.
O Promotor, por sua vez, podia convocar novas testemunhas,
além daquelas que haviam denunciado na parte inicial do pro-
cesso.3 Todos os tipos de depoentes eram recebidos como testemu-
nhas da acusação, naturalmente com as reservas ditadas pelo di-
reito e pela prudência: excomungados, embora mortos civilmente,
e inábeis nos tribunais civis, para vender, testar, herdar ou testemu-
nhar em jtizo;a os cúmplices do acusado, os infames e criminosos,
quaisquer fossem seus crimes; ou hereges; os maometanos, judeus e
inÍiéis; os perjuros na causa, i.e., testemunhas que se retratavam,
e depois, por inimizade ao réu ou corrupção, depunham de novo;
mulher, filhos, parentes e criados do réu. s
Testemunhas da defesa e da acusação deviam ratificar seus
depoimentos. A ratificação era feita diante de duas pessoas ho-
nestas e discretas. Bastava que fossem sacerdotes, dos quais hou-
vesse certa informação sobre sua geração, limpeza de sangue e
costumes. ó

1 RrcrupNro op 1613. tit. IV, cap. 35, p.


36.
2 Id., cap. 4l e 44, respectivamente às p. 39 e 40.
3 Promotor na Visitação do Brasil foi o Lic. Diogo. na Bahia, em pernambuco
foi
Diogo de Paiva, sacerdote de missa.
a OnoENeçõrs Fupmls. l. V, tit. 1."
s o depoimento dos filhos contra os pais era justificado para
as mentalidades do
tempo pelo argumento de ser preciso obedecer a Deus antes que aos pais. Se qual-
quer pessoa podia matar o pai, se ele fosse inimigo da pátria, podia também denun-
ciáJo, se culpado de heresia.
ó REcu,rnNro on 1613. tit. IV, g 36, p.
37.
292 os PRocEDTMENToS

O Promotor podia assistir ao juramento de suas testemunhas,


nunca porém às ratificações, porque era parte interessada. O
I
mesmo acontecia com o Procurador.
Do ato, o Notário lavrava termo, que era assinado pelas tes'
temunhas, pelas pessoas que o presenciavam e pelos Inquisido-
res. Constaria do registro a variação das declarações' o titubeio
das testemunhas, ou outras quaisquer circunstâncias que a Mesa
julgasse importante para atestar a veracidade das declarações feitas
pelos depoentes. Isso seria muito importante para o crédito que se
lhes daria posteriormente.2
Neste passo do processo, em casos muito graves, e se o juiz achar
contra o réu "tanta prova que o mova acrer que elefez o delito de
que é acusado, manda-lo-á meter a tormento, e de outra maneira
não". Disposição absurda: a busca de uma prova - a conÍis-
são - para uma certeza que já teria o julgador. E desnecessária,
porque nesses termos o réu já estaria pré'julgado quando levado a
tormento, o que seria apenas um conforto paÍa a consciência do
juiz, que, tendo formado sua convicção, apenas reclamava, quase
ociosamente, uma desnecessária conÍirmação. Não se tratava de
superar uma dúvida, mas de confirmar uma crença'
Se o acusado no tormento negasse a culpa, poder-se-ia repetir
o tormento. A confissão feita no tormento devia ser ratificada
alguns dias depois, sem as dores e o temor do sofrimento fïsico'
O tormento visava a. descoberta da verdade.
A mesma lei que isentava de tormentos, fidalgos, cavaleiros,
doutores, juízes, vereadores, excluía da isenção certos crimes como
lesa-majestade, moeda falsa, feitiçaria, sodomia, alcovitaria, furto'
A heresia era lesa-majestade divina: ninguém [rcava a salvo do
tormento da Inquisição.3
A Inquisição procedia a uma série de preparativos pata a
ministração da tortura, o que signifìcava urna coerção psicológica
que levava algumas vezes à conÍìssão. Assistiam à aplicação do
tormento o Inquisidor, o Notário e o Ordinário, se este assim o
desejasse.a Registrava-se tudo: admoestações, cominações' nega-
ções, tudo o que o preso dissesse e fizesse, inclusive suas impreca-
ções e suspiros, para que depois a Mesa pudesse julgar'
I lbid.
2 lbid.
3 OnorNeçõrs Fu-rprNls. l. v, tit. 133, $2.
4 RecrusNro ps 1613. tit. IV, cap. 47, p. 40.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 293

A tortura empregada em todos os tribunais da Europa, se se


compara, foi usada pelo Santo Oficio com parcimônia e temperan-
ça.t A Inquisição nunca torturou até à morte. Tampouco mutilou
seus presos.
Etapa eventual do processo do Santo Oficio, a tortura não
era aplicada como penalidade, e sim como meio de obtenção da
prova.
Acabada a prova das partes, o Promotor requeria aos In-
quisidores que fizessem a publicação dos ditos das testemunhas e
provas dadas contra o réu, dandolhe cópia, mas omitindoJhe os
nomes das testemunhas e todas as circunstâncias pelas quais pudesse
o preso hcar conhecendo suas identidades.2
Chamado o réu, era ele advertido outra vez, e convidado a
confessar, antes que lhe publicassem os ditos das testemunhas da
justiça. Era o Promotor quem lhe requeria, com muita instância, que
o Íïzesse. Os Inquisidores pediam ao réu, em nome de Cristo, que
não levantasse falsos testemunhos "porque no Santo Oficio somente
s€ quer saber a verdade".3
Caso o réu não confessasse, eramlhe lidos os ditos das tes-
temunhas da justiça. Terminada a leitura, era o réu perguntado
pela veracidade dos testemunhos, e sobre sua vontade em contra-
dizêJos. Pedindo o preso as contraditas, era-lhe fornecido um re-
zumo dos ditos das testemunhas, e chamado seu Procurador,a que
com ele elaborava as contraditas. Nestas, indicava nominalmente
as pessoas que poderiam tê-lo acusado, referindo-se especifica-
mente às suas inimizades. Referiam-se testemunhas que não podiam
ter contacto com o réu.
Se nesta prova o réu acertava com as testemunhas que o cul-
pavÉÌm, pedia ele que examinassem os Inquisidores suas testemunhas,.
contra as do Promotor. Os Inquisidores deviam prover tal pedido,
mesmo que as testemunhas se encontrassem fora do Reino, proce-
dendo, então, através de cartas precatórias dirigidas às autoridades
do Santo OÍïcio existentes nos locais onde estivessem as pessoas
em apreço. No caso de',inexistir na região ohciais da Inquisição'
tais cartas seriam dirigidas ao Bispo. Tais diligências eram feitas
I Jurco, Alfonso. Inquisición sobre la Inquisición. Mexico, 1933' p. 20.
2 Recü\GÌ.rro os 1613. tit. IV, $ 38, p. 38.
3 lbid.
n 1d., $ 39, p. 38.
294 osPRocEDrMENTos

a expensas do Santo Oficio, que descontaria os gastos, posterior-


mente, da fazenda do réu, ou arcaria com eles, se não possuísse
bens o prisioneiro. 1
Reunidas todas as provas, e a confissão inteira ou parcial
feita pelo réu, a Mesa Inquisitorial examinava esses elementos para
pronunciar-se. Era o despacho, que continha a opinião do Santo
Oficio sobre o réu.
Para o despacho, requeriam-se pelo menos cinco membros.
Entre eles devia haver letrado de boa consciência, mais o Bispo ou
delegado dele. Era intenção do Conselho Geral que houvesse sempre
presente um canonista, motivo pelo qual não concordava com muitas
decisões do Visitador Furtado de Mendonça, a quem lembrava que
não tratasse de casos de mais gravidade, pois não tinha a assessorá-lo
nenhum canonista, apenas teólogos.
O Bispo muitas vezes delegava sua autoridade na figura do
Visitador, como aconteceu em muitos processos do Brasil. Porque
assim o entendia ou porque tinha-se malquisto com o Visitador, não
se sabe. Apenas fica a suspeita, mercê de palavras que Bento Teixeira
escreveu à Mesa de Lisboa, onde, censurando um dos assessores
do Santo Oficio em Pernambuco, dizia "e vejam Vs.Ms. que acólito
este para votar na Mesa do Santo Oficio em Pernambuco, sendo
por amor dêle repudiado o Bispo e frei Belchior, pessoas de tanta
virtude, autoridade e letras. Isto passa na realeza da verdade sem
discrepar nec ad dextram nec ad sinistram. Como homem pouco
temente a Deus dizia publicamente que o Visitador lhe queria bem
por dois respeitos: o primeiro porque quando notava nunca dis-
crepava da sua opinião, e o segundo porque naturalmente queria
mal à nação cristã nova como ê1e".2
Os despachos continham, substancialmente, o que seria d.çpois
exarado nas sentenças que vinham após, como se pode ver do'con-
tido no processo de Belchior Francisco, preso durante a Visitação
da Bahia, em 1593:
"E visto foram êstes autos em Mesa e psreceu a todos os votos
que vindo como o reu Belchior I'rancisco disse, aporfiou e afirmou
que dormir carnalmente com solteira não era pecado. E vistas
as mais circunstâncias do caso, ya ao Auto Público da Sé, onde
estará de pé, descalço, em corpo, com uma vels acesa nq mão e
1 Id., 42, p. 39-40.
ç
2 lNqurslçÂo nn Lrsaoe. ANTT. Proc. n.. 5.206
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 295

desbarretado. E fard abjuração de levi e que se lhe imponham


penitencias espirituais. Na Bahia, 2l de julho de 1593".r
Assinavam, o Visitador do Brasil, Lic. Heitor Furtado de Mendonça,
o Bispo, os assessores Fernão Cardim, Leonardo Arminio, jesuítas
e frei Damião Cordeiro.
Toda a Mesa trabalhava junto para o Despacho. Voltava a
rever o sumário do processo, as respostas do réu aos capítulos da
acusação, para avaliar se tais respostas satisfaziam ou deixavam res-
saltar mais relevantemente o erro. Esta nova qualificação era indis-
pensável paÍa a sentença definitiva. Era concluída após controvér-
sias e longas conferências dos oficiais do Santo Oficio. Lavrava-se
a sentença definitiva.
As sentenças classificavam os réus conforme suas atitudes
durante os processos. Assim havia as sentenças dos diminuto,s, i.e.,
os que faziam conÍïssão insuficiente e incompleta. Diüdiam-se
eles em três classes: a) os que confessavam antes de condenados;
b) os que esperavam para confessar depois de exarada a sentença;
c) os que só confessavam depois que se lhes atavam as mãos e eram
entregues aos confessores .que os acompanhariam ao suplício.
Haúa os diminutos reyogantes, i.e., aqueles que confessavam e de-
pois se desdiziam, e os diminutos entregues, i.e., os que se entre-
gavam mas não confessavam a verdade toda.
Havia os classificados como contumazes. Eram os ausentes,
que haviam fugido da justiça inquisitorial, e os desobedientes, i.e.,
os que tendo incorrido em qualquer censura da lgreja ou da In-
quisição, não tinham-se importado, e nem se apressado à reconcilia-
ção. Havia os fictos: aqueles que fingiam arrependimento; os con-
uicÍos, teimosos em permanecer em seus enos; falsos, os que tendo
pedido para serem reconciliados, têm sobre si a suspeição dos In-
quisidores de não estarem sinceramente arrependidos, e de.terem
confessado apenas para evitar a pena capital; os revogantes, qre,
tendo confessado, depois se desdiziam
Aqueles que, já tendo sido absolvidos ou reconciliados na
Inquisição, voltavam a ser presos, eram taxados de reincidentes
ou relapsos.
Fixavarn também as sentenças o grau da culpabilidade dos
incursos nos deslizes da heresia. Havia os levemente suspeitos, i.e.,
os processados por causa de alguma suspeita natural de heresia ine-

I Id., proc. n." 7.94'1.


296 ospRocgDrMnNros

rente a certa classe de delitos como aos de bigamia. Os vehemente


suspeitos e os vehementissimamente suspeitos diferenciavam-se ape-
nas por grau maior de suspeita. Enquadravam-se nestes casos aque-
les cujas faltas eram consideradas tão graves que, apesar de as
negarem e elas não ficarem provadas, deixavam sempre dúüdas
sobre a integridade de suas crenças. A presunção de vehemente le-
vava a suspeita da descrença em alguns pontos da dogmática,
da moral ou da disciplina, como os que, tendo merecido a pena de
excomunhão, zombavam dela, ou os que davam mostras de tibieza
na fé e desprezo pelo poder espiritual. A presunção de vehementís-
simo nascia de palavras e obras que o réu dissesse ou cometesse, e que
levassem a inferir que não deüa ser cristão quem cometia ações
próprias de hereges. Era o caso, por exemplo, dos que passavam
muitos anos sem ouür missa, nem cumprir o preceito pascal, ou
que impediam seus subordinados de cumprir tais deveres; os que
se fingiam sacerdotes e celebravam missas, ou, que sendo eclesiás-
ticos, se casavam. A qualificaçio de formal heresia era aquela des-
tinada às pessoas declaradas heréticas, mas que confessavam porque
tal confissão era necesúria ao indulto.
As pessoas ausentes tinham seus processos concluídos e erìam
seÍltenciadas contumazes. Suas sentenças eram lidas e elas eram
penitenciadas simbolicamente através de estátua com seus nomes.
Os que morriam antes da conclusão dos processos tinham
sentença de defunto no cárcere recebida, i.e., reconciliados mesmo
depois de mortos.
A sentença determinava a reconciliação do réu, sua recupera-
ção para a Igreja e para a sociedade. Determinava também o preço
dessa reconciliação: satisfação púbüca pelos erros cometidoi, pe-
nitências e penas. Outras vezes demonstrava a importância da
Inquisição diante da teimosia ou da hostilidade do réu, e
acabavam declarando "que não podendo o Santo Ofïcio perdoar
por causa da reincidência ou da impenitência do réu, e achando-se
indispensàvehnente obrigado a puní-lo segundo o rigor da lei,
entregava-o para ser queimado". Falhara a Inquisição em sua pri-
mordial intenção de reconciliar, não matar. Foram vezes poucas:
as listas de autos-de-fe ficaram como testemunhas disso.
A le.itura da sentença era feita na Mesa, em particular, ou
em público, nos Autos-de-Fé, com ou sem solenidade.
Os autos eram cerimônias durante as quais liam-se as sentenças,
procediam-se às reconciliações, decretavam-se as punições.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 297

Aos autos públicos assistiam, além dos oficiais da Inquisi-


ção, um certo número de pessoas e de clérigos. Eram, ordinaria-
mente, realizados na capela do Santo Oficio, ou em determinada
Igreja. Muitas vezes tornavam-se cerimônias realizadas em praça
pública, com o concurso de toda a povoação.
A Inquisição de Lisboa, entre 1540 e 1625, reconciliou 2.009 pes-
soas, relaxou 139 em carne e 45 estátuas. A de Évora,3.028 recon-
ciliados, para 238 relaxações em carne e 49 estátuas. A de Coimbra,
3.081 reconciliações, 134 relaxações e 100 estátuas. A porcentagem
diminuta de mortos, em relação ao número de reconciliados, rea-
firma as boas intenções do Santo Oficio de purificar realmente a
fé, reavendo os crentes que dela se afastavam.
O Santo Ofïcio aplicava aos seus réus castigos morais, corpo-
rais e espirituais. Isolados ou combinados. A expiação da culpa
implicava em castigo. Sua aceitação, um consentimento público
do réu, que úria provar seu espírito de humildade e suas boas in-
tenções futuras.
A escala penal oscilava entre as simples penitências espirituais
e a morte pelo braço secular. A fixação da pena dependia da matéria
e principalmente da atitude do réu. A matéria era sempre a heresia.
Apenas esboçada, ou perfeitamente configurada.
As penas determinadas pelas sentenças eram aplicadas nos
dias subseqüentes aos autos-de-fé. Variavam: penas fisicas: açoites,
degredo, galés, cárcere e relaxação ao braço secular; e penas pecuniá-
rias: contribuições para o Santo Oficio e confisco dos bens.
Penitências espirituais constavam sempre das sentenças. Em
geral, ficavam ao arbítrio dos juízes, que atentavam, ao fixáJas,
à qualidade das culpas. Geralmente os penitentes eram mandados
a confessar nas quatro festas litúrgicas: Natal, Páscoa, Espírito
Santo e Nossa Senhora de Agosto, comungando a conselho do
confessor, e Íe?aÍ c€rtâs orações, como os salmos penitenciais e o
rosário. A Inquisição impunha as preces. Ordenava a seus peni-
tenciados o que rezar. Obrigava-os à freqüência aos sacramentos,
esperando com isso fortalecerlhes as crenças.
A inclusão, em algumas das sentenças dos reconciliados, da
obrigatoriedade de serem instruídos nas cousas da fé, traduzia a
preocupação do Santo Oficio com a üda religiosa dos homens.
Define seu lugar no quadro institucional da Reforma Católica. E
afirma sua finalidade espiritual.
29E osPRocEDrMENros

Uma das determinações das sentenças é que fossem pagas


pelos réus as custas do processo. O preço dos processos variava
conforme o número das testemunhas ouvidas e a extensão maior
dos documentos nele incluídos, uma vez que deviam ser pagas as
investigações que tivessem sido de mister se processar, o número
de linhas escritas pelo notário em cada página, pagas conforme
o costume do lugar. Incluíam-se ainda nas custas a contribuição
ao secreto, as notificações, a conclusão, a sentença, sua publicação,
a contagem das folhas e das linhas, e, eventualmente, o dinheiro
gasto com roupas e velas usadas no auto-de-fé.
Cumpridas as penitências, os dias ou meses que os réus deves-
sem ainda permanecer sob a custódia direta do Santo Oficio nos
cárceres da penitência, preenchidas as demais formalidades, como o
ajuste das contas, a última exigência que lhe era pedida era a assina-
tura num termo que o punha em liberdade: termo de soltura e se-
gredo.
O segredo foi sempre o nervo vital da Inquisição. Era escrupu-
losamente guardado por seus responsáveis, e duramente castigados
aqueles que o quebravam. O homem que emergia dos recessos dos
edificios inquisitoriais fora testemunha, via de regra, de muitos
dos procedimentos do Tribunal , vira a muitos, ouvira ou soubera
de muita coisa. Estava pois obrigado, como os oficiais do Santo
Oficio, a manter o segredo. Para reforçar sua vontade, ameaça-
vam-no de ser chamado à responsabilidade, em caso de perjúrio.
Dada a limitação de poderes dos Visitadores, que só podiam
despachar os bígamos, blasfemos e outros de culpas menores, que,
"conforme a qualidade deles não cheguem a mais que a fazerem os
culpados abjuração de leve",l os processos no Brasil não apre-
sentam todas as etapas previstas pelo Regimento. De maneira
geral, contêm confissão, denúncias, ratificações, depoimento de
testemunhas, interrogatório dos réus. Alguns contêm o libelo do I

Promotor e as contraditas. Depois disso, o despacho e a sentença.


A leitura da sentença foi feita de maneira simples, na Mesa da In-
quisição, diante do Visitador e dos padres assessores, como foi feita
de maneira pública e solene nos autos-de-fé realizados na Sé da
Bahia, diante do Governador, do povo, do Visitador, assessores,
muitos religiosos, cabido, aos26 de janeiro de 1592, aos 23 de agosto

t "Carta do Conselho Geral a Heitor Furtado de Mendonça. l3llll592." Bnesme.


I, p. 543.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 299

de 1592,24 de janeiro de 1593, 15 de agosto de 1593. Em Olinda,


realizaram-se autos-de-fé solenes na Matriz da Vila, aos 9 de outubro
de 1594, 17 de setembro de 1595, l0 de setembro de 1595. Impos-
sível a realização dos grandes autos em praças públicas, como os
realizados na Metrópole. Inexistiam grandes cidades, e, portanto,
falta de concentração demográfica, dado o povoamento disperso.
Além do mais, a instabilidade causada pelos ataques dos índios e dos
corsários impedia tais realizações. Contentou-se o Visitador com as
cerimônias realizadas dentro das igrejas principais, que, parece,
se revestiram de pompa, segundo as referências feitas pelo Conselho
o'recebemos
Geral a Furtado de Mendonça: carta de V.M. com a
Relação do Auto da fé que se fez nessa cidade do Salvador e levamos
muito contentamento de chegar a salvamento a essa terra e de se
Íazer o auto com tanta solenidade". l
Nos processos despachados aqui inexistiram as torturas. Os
réus de culpas mais graves, judaísmo, luteranismo, foram reme-
tidos com as provas para o Tribunal lisboeta, como sucedeu com
Andreza Lopes, Bento Teixeira, Brásia Pinta, João Nunes.
Na Bahia, o primeiro Visitador instaurou ll7 processos; 90
em Pernambuco. Marcos Teixeira instaurou 9 e remeteu autos e
indiciados para Lisboa.2
Fora das. Visitações, os Bispos ou os Comissários do Santo
Oficio, cumprindo ordens, mandavam para o Reino o resultado
das investigações que faziam e os que nelas se mostravam seriamente
comprometidos. Foram assim enviados aos juízes lisboetas Alberto
Jacobo, holandês de alcunha, preso pelo Provisor-Geral por lute-
ranismo. Em Lisboa, sofreu a tortura da polé, mas não forneceu
maiores provas de sua heterodoxia, pelo que foi apenas mandado
ao autode-fé em corpo, com vela acesa na mão, da forma costumada.
Abjurou de levi suspeito na fé.3
Maria Barbosa, mulher parda, moradora na Bahia. foi tam-
bém mandada pelo Juízo Eclesiástico ao Tribunal de Lisboa por
adultério, alcovitice e juramentos blasfemos, sendo de lá devolvida
ao Brasil por não terem os juizes da fé encontrado cousa tocante
ao Santo Oficio.a
I "Carta do Conselho Geral a Heitor Furtado de Mendonça. l3llll592" BRASILIA.
I, p. 543.
2 Ver a relação dos processos da Bahia e Pernambuco nos Anexos.
3 Saiu no Auto-de-Fé celebrado na Igreja do Hospital de Todos os Santos aos
1911111606. IrqursrçÃo ot Lrssor. ANTT. Proc. n.' 3.618.
4 INeuIsIçÃo DE LIsBoÀ. ANTT. Proc. n." 3.382.
300 os PRocEDTMENToS

Nas Visitações de 1591 e 1618, enïre 179 processos analisados,


159 foram de homens e 20 de mulheres; 128 de cristãos-velhos e
39 de cristãos-novos, 11 de mestiços (que não declararam a con-
dição de sua crença) e 1 de mourisco. Curioso o número de cris-
tãos-velhos ser muito superior ao dos cristãos-novos. Curioso tam-
bém que apenas 17 processos tenham-se instaurado por Judaísmo.
Isto vem ajudar a desfazer um dos muitos lugares-comuns que
vigem sobre a Inquisição: ter sido ela um Tribunal montado para
perseguir os descendentes dos judeus.
As culpas pelas quais foram instaurados os processos são as
mais variadas. passando por todo o elenco das faltas alinhadas
pelo Monitório, combinando algumas delas, e incluindo motivos
curiosos, como o estar a serviço do Prior do Crato, ou ter declarado
que a alma do gentio morria com o corpo. 1 Preocupações com a
lealdade ao Rei espanhol e submissão às definições do Papado.
A preservação do prestígio do clero está implícita na repressão
à idéia tão em voga de que o estado dos casados era tão bom ou
melhor que o dos religiosos. Tem o mesmo sentido de preservação
da autoridade da lgreja o processo feito a Simão Falcão, cristão-
-velho, que reclamara contra os dias de guarda dados pelo Bispo.2
Duvidar que importassem para a salvação a aquisição de Bulas e
ÍezaÍ pot contas bentas valeram a Simão Pires Tavares, cristão
-velho, uma incursão pelo Santo Ofício.3
O motivo principal dos processos das Visitações foram as
blasÍêmias e as irreverências (palavras e atos) cometidas contra
Cristo, a Virgem, os Santos, e o Clero.
Desobedecer às ordens do Santo Oficio, ajudar fugitivos dele,
como o fizeram Pero Fernandes Delgado e Cristovão Fernandes,a
deixar de denunciar cousas da alçada da Inquisição, ou fazer-se
passar por seu oficial, também deu causa a processos. Comentá-
rios pejorativos sobre o Santo Oficio fez com que Furtado de Men-
donça processasse Antonio Mendes, pf,' ter dito que a Inquisição
vinha à Colônia "encher-se como os outros, dando a entender que o
dinheiro das condenações se convertia em próprio uso dos oÍìciais".
O réu só não foi açoitado e degredado para as galés, como o direito
o exigia, por ser menor. s
I Id., proc. n." 8.479 (Amaro da Cruz, XV).
2 Id., proc. n.' 11.634.
3 Id., proc. n." 11.636.
a /d, Procs. n.'" '1.949 e 13.092.
s Id., proc. n.' 6.359.
os PRocESsos ononÁnros 301

A análise dos 179 processos mostra o motivo de sua ins-


talação:

Blasfêmias 31
Irreverências (atos e palavras) t9
Melhor o estado dos casados que dos religiosos 18
Judaísmo t7
Sodomia l6
Fornicação não ser pecado t4
Gentilidades t2
Luteranismo (crença e práticas) t2
Comer carne em dias defesos 9
Erros sobre dogmas 5
Bigamia 5
Deixar de denunciar ao Sto. Ofïcio 5
Manter-se excomungado.............. J
Ajudar fugitivos da Inquisição . . ......... 2
Invocar o diabo 2
Estar a serviço do Prior do Crato I
Aceitar peita de cristão-novo I
Fingir-se oficial da Inquisição ..................... I
Aprovar fuga à Inquisição I
Jurar falso I
Falar mal da Inquisição 1

Desobedecer ao Santo Oficio I


Ter Bíblia em linguagem I
Alma do gentio morrer com o 1

otal ...

15 processos de Judaísmo, por conterem heresia configurada


ou forte presunção dela, foram enviados com seus autores ao Tri-
bunal de Lisboa: foram os de Ana Costa, Andreza Lopes, Bento
Teixeira, João Nunes, Ana Alconforada, Ana Rodrigues, dona
Leonor, Luis Alvares, André Lopes Ulhoa, Beatriz Antunes, Diogo
Pires Diamante, Felipe Tomaz, Manoel Homem de Carvalho,
Duarte Alvares Ribeiro e Mateus Lopes Franco.
Confisco de bens sofreram Felipe Tomaz,Mateus Lopes Franco,
Diogo Pires Diamante, Ana Alconforada.
302 os PRocEDrMENros

O relatório do seqüestro feito no momento da prisão é extre-


mamente elucidativo quanto às posses do autuado, quanto ao modo
de üda de um homem abastado na sociedade colonial, pois revela,
além das ligações puramente profissionais, dos capitais empenhados,
a relação dos móveis, roupas, tecidos, utensílios, encontrados no
Brasil no fim de seu primeiro seculo de colonização.
Um exemplo: o inventiírio dos bens de Diogo Pires Diamante,
cristão-novo, feitor do engenho de Simão de Leão, também cristão-
-novo da Bahia:
"l catre de jacarandá
I caixa da Índia e dentro dela um vestido, calções e roupeta
de chamalote roxo
1 espada e adaga nova com seus cintos
18 côvados de chamalote enfardados
umas cortinas de tapçaria
espingarda
montante
arcabuz
I bufete novo com 4 gayetas
I mesa de vinhático com molduras de jacarandá
I bacia de arame
I escrava de nome Marquesa, de 17 anos
3 colheres de prata
umas patacas, não sabe quantas, dentro do bufete
I gaveta de jacarandá com uns tinteiros de marÍim dentro
I cama de vento e a roupa de linho e cama que usava
2 créditos de Antonio Dairo, morador no Rio da Cachoeira
(l de ll5$000 ourro de 44$000)
3 créditos de 4$000 como constará de seu liwo
I crédito de Francisco Pascoal, calafate, morador em Para-
guassú (120$000)
Icrédito de Domingos Antunes, de 38$000 ou 39$000
I crédito de Duarte
Pires de Sousa, oficial de açucar, de 8$000.
Devem a ele declarante: Vasco Brito Freire, provedor da Bahia
pelo resto de umas contas que deu do tempo que lhe feitoriou seus
engenhos e fazendas de que ele tem papel.
As mais díüdas estão anotadas no seu Liwo, juntamente com
as que tem Simão de Leão e as que tocam ao particular de seu enge-
nho. Todas as pessoas a que aqui faz menção são mercadores na
Bahia e em seus limites.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 303

Em Pernambuco tem uma ação posta contra Diogo Manuel


Nunes sobre um escrito de 600$000 que lhe deve a ele declarante
que está em poder do escrivão Francisco do Amaral mercador na
mesma Vila e também está na Bahia na mão do Escrivão dos Agravos
Cristovão Vieira.
2 letras de cambio que lhe passou D. Catarina de Albuquerque
de 200$000 cada uma apagaÍ nesta cidade (Lisboa) a Antonio Nunes
Veiga, mercador que veio do Brasil e estava consertado para casar
com uma irmã dele declarante. Por não terem pago o Tesoureiro
dos Ausentes levantou protesto.
Outra letra de 200$000 veio pagar nesta cidade (Lisboa) Alvaro
Garcia sobrinho da mulher dele declarante.
Em Pernambuco lhe deve Salvador de Albuquerque casado com
D. Maria de Albuquerque 30$000 por um escrito seu que lhe passou
por uma espada dourada que lhe vendeu e que antes da prisão dele
declarante haüa mandado escrito a Pernambuco a Felipe Dias
Vale alí morador para cobrar.
Ele declarante deve:
35$000 a Mateus Lopes Franco que veio preso com ele. Consta
essa díüda de um escrito que lhe passou.
a Antonio Rodrigues Chaves, mercador na Bahia uns 20$000
que constam de uns papeis feitos a 6 meses.
I letra a Antonio Nunes Veira em Lisboa, de 138$000 de resto
de contas quq entre eles havia a qual lhe havia de pagar Nicolau
da Maia Franco, mercador em Lisboa.l
Já o advogado Felipe Tomás que enriquecera ao casar-se com
viuva abonada, declarava ao oficial do Fisco o seguinte: 2 moradas
da casa na dita cidade da Bahia, I em que vivia quando foi preso
na rua de Pedro Aires e outras que na mesma rua ía fazendo e 2
lógeas na mesma rua alugadas por 32 ou 33 mil reis. Estas lógeas
eram foreiras e o são à Misericordia em 20 e tantos mil reis e as
ditas casas à Mesa Pontificial do Brasil em 3 cruzados. E uns chãos
junto às ditas casas 600 braças de terra que terão 22 tarefas de
-
cana de açucar mais ou menos que estão junto à dita herdade na
Ilha de Maré da qual terra e canaüal ê a ll2 de seus enteados, 30
negros e negras mais ou menos que tinha na dita fazenda e em sua
casa entre os quais havia 3 mulatas e I mulato, Francisco, que
andava fugindo. A 1/2 dos ditos escravos é de seus enteados, tirando

I INqursrçÃo DE LrsBoA. ANTT. Proc. n.. 9.457.


304 os PRocEDTMENTos

5 deles a saber, Ventura, moleque, Felipe capitão, Maria Angela,


o Torto pé de pilão e Luzia mulata em que os enteados não têm
parte. Quando o prenderam tinha na bolsa 10 moedas de 500 rs e
4 patacas e 12 vintens e em casa l0 ou 12$000 que seriam postos em
inventário e o que levava lhe foi achado quando o prenderam e
quando entregou a chave de seus escritórios e gavetas ao secretário
e meirinho da Visitação. I prato e 1 jarro de prata que não sabe
se eram seus se dos orÍãos. 7 pratos de prata ordinários de 5 mil
e tantos grs. cada I de peso. 5 garfos. I salva e I castiçal que estavam
em poder de Alvaro Sanghes. 2 tigelinhas de prata de sangrar. I
cadeia de ouro que teria 500 cruzados de peso que ele empenhou
a um João Correa por uma cópia de patacas que lhe não lembra
quantos, o qual Correa a passou a um Domingos Alvares de Serpa
por outra tanta que the ganhou ao rogo o qual tinha dado a ele
declarante por pagamento de certo dinheiro que lhe pagava Nicolau
da Maia por uma sentença e por um escrito. I volta de cadea que
terá 25$000 que estava pendurada em 1 prego na casa. Dos seus
enteados havia em casa 5 colheres de prata, I fruteira de prata
que não sabe se é seu se dos seus enteados. 2 ou 3 aneis que sua
mulher trazia, I gargantilha de ouro que lhe pareceu que era de sua
enteada. 4 almofadas de veludo vermelho do estrado de sua mulher
e veludo para 2 mais. I alcatifa de bufete com cadilhos de seda.
I parvilham amarelo de casa pintada da Índia. 3 catres de jacarandá
e I leito do mesmo. 4 bofetes, três de jacaranda, um deles com ga-
vetas e cantos de prata, 2 escritórios de jacarandá e um com
armarios e outro mais pequeno. 4 paineis grandes do divino a oleo
e molduras douradas e outro mais pequeno também a oleo. I ca-
deiras de jacarundâ.7 ou 8 laminas ao divino. 155 corpos de livros
onde entravam os de direito a Bártolo e os outros eram modernos.
Mais móveis de casa de seu uso, nenhum de preço. Mais de 50.000
cruzados de dividas que lhe devem diversas pessoas moradoras
em Pernambuco, na Bahia e no Rio de Janeiro e no Espírito Santo,
pertencentes a metade a seus enteados cujos papeis e conhecimentos
tinha nas gavetas de seus escritórios e bofetes que se levaram para
a casa de Afonso Tinoco desembargador e juiz do fisco. E além
da ll2 que lhe pertence e à sua mulher algumas das ditas dívidas
pertenciam também a ambos por ele entrar com elas quando casou
que poderão montar 5.000 ou 6.000 cruzados. Estavam os papeis
dessas suas dívidas em Pernambuco em poder de Felipe Dias Vale
cristão novo alí morador para lhes cobrar e tem cobrado quanti-
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 305

dade que constaria de suas cartas que ele declarante tinha enviado
por Antonio Rodrigues seu criado a Pernambuco. O mesmo Felipe
Dias lhe devia de empréstimo 600.000 reis pouco mais ou menos
que sendo ele declarante solteiro lhe emprestou e devem constar
das ditas cartas. 2 mercadores que lhe parece que são naturais de
Lisboa e um se chama João Fernandes Anio e o outro João Fer-
nandes Cartagena moradores que foram em Pernambuco e ora es-
tantes segundo lhe parece nesta cidade deviam à sua mulher Maria
Cardosa e a seu marido que foi Pero Dias Sanches cousa de 3 mil
cruzados, um 500$000 e outro 700$000 e estava ora condenados
e tirados dois mandados de solvendo que ele declarante entregou
ao dito seu criado para que se os achasse em Pernambuco para
cobrar deles porque lhe pertence a ele declarante e a sua mulher a
metade" Disse que não se lembrava em particular dos devedores
todos e da conta que cada um devia que se lhe desse uma folha de
papel e que declararia o que lhe lembrasse. O senhor Inquisidor
mandou que assim o fizesse e declarou mais que tinha em casa um
gato de algaloa muito com o melhor que haúa naquela cidade e
que em Angola custou 24$000. Tinha mais umas 30 pipas de algabia
que valerão a 2 cruzados e são quase de um dedo polegar de marfim
e todas estavam cheias".1
CONCLUSÕES

O transplante do Santo Oficio para o Brasil prende-se a uma


inércia que dominou toda a colonização: a incorporação da Co-
lônia ao Império dos Aüs, através do estabelecimento nela de uma
cultura portuguesa.
Crenças e conhecimentos foram pelos colonos trazidos do seu
mundo, em gradações variadas, conforme a sua origem social, e
as limitações biológicas de sexo, idade e etnia. Nessa transposição
da cultura, um elemento avulta: o religioso, que foi também trans-
portado, embora com nuanças, pois na maneira de crer e de exte-
iorizar a crença afloravam ainda as inquietações anteriores às
definições tridentinas.
Ao erigir um mundo português, o branco que aqui se radicou
tentou institucionalizar as estruturas metropolitanas. E, na Metró-
pole, o Santo OÍïcio existia, desempenhando função social de relevo.
Instalado numa conjuntura de crise de consciências alarmadas
pela instilação das dúvidas geradas pela critica renascentista, si-
tuara-se a Inquisição nos flancos do Estado e da própria Igreja.
Nascera da necessidade de reformas, reformas necessárias à rea-
firmação da Certeza: resposta aos desahos dos novos tempos. Cor-
respondia a um anseio de pacificação interior, uma descarga das
pressões em torno da problemática da salvação coletiva, que parecia
ameaçada. Urgia acalmar a inquietação que sentiam os homens pela
presença dos cristãos-novos, inimigos em potencial pelo seu supra-
nacionalismo. O combate às minorias dissidentes era um programa
inadiável. O Santo Oficio era resposta à necessidade de purificação
do Catolicismo, uma garantia de união da Cristandade, uma res-
tauração integral da fidelidade a Deus, o que aqueles homens acre-
ditavam ser condição essencialíssima à salvação futura. No seu desen-
volvimento, o Santo Oficio mergulhou na torrente de tensão espiri-
tual e da militância católica, que se seguiu à renovação tridentina,
e dela hauriu forças para perdurar.
Os colonos que se fixaram no Brasil trouxeram, nas suas crenças
e nas Suas idéias, a animadversão que mantinham no Reino em
relação aos descendentes dos judeus, como trouxeram também a
CONCLUSõES 3W

consciência religiosa aguçada. Lógico teria sido que quisessem aqui


instituir o Tribunal da Fé.
Na medida em que a Inquisição era instituição para-estatal,
e zelava com o Trono pela unidade política que se fundava na ho-
mogeneidade das consciências, seria natural que houvesse também
uma preocupação do Rei em instalar no Brasil o Santo Oficio.
No entanto, os homens que aqui vieram üver defrontaram-se,
desde os primeiros tempos, com inúmeras diÍiculdades: o meio
geográfico, a necessidade da luta pela sobrevivência, o contacto
com novas etnias. O Brasil oferecia outros cenários, homens dife-
rentes.
Padrões de cultura inteiramente diversos separavam os brancos
das populações a eles submissas: índios e negros, a quem as neces-
sidades econômicas do aproveitamento da terra e a ânsia de incre-
mentar sua rentabilidade frzeram introduzir.
O Brasil nasceu cristão. Derramaram-se, primeiro, a esmo,
pelas suas costas, as sementes da religião do Nazareno, contidas em
cada português que ali desembarcava. Da Metrópole, viera para o
Brasil parte da bagagem cultural barroca contida no inconsciente
dos colonos. Nela, um traço importante era o religioso.
Os colonos, não obstante as adaptações a que foram obri-
gados pelo meio, permaneceram cristãos. Provam-no seus compor-
tamentos sociais, como a intervigilância estabelecida, o controle das
atitudes alheias nos oÍïcios divinos, as repreensões mútuas motiva-
das por qualquer irreverência que visasse a Igreja ou a doutrina.
Ou que as pessoas julgassem irreverências.
"A terra é boa: plantando nela tudo dá". No século XVI, nela
estavam os colonos cujas crenças eram sementes de Cristianismo
que se lançavam ao novo solo. Nas descendências continuariam
corpos de homens brancos - ou mestiços - mas também espíritos
de homens cristãos ou de fé sincrética. A continuidade não foi
apenas biológica, mas também espiritual.
Pelo missionarismo, iniciou a lgreja de Trento a incorporação
da Colônia à Igreja Militante. A história missionária não pode
ser dissociada daquela da Reforma Católica, de que foi a consa-
gração. Para o apostolado, preparava a Igreja Restaurada enviados
especiais, que deviam levar, preferentemente, aos novos rincões, a
mensagem da salvação. "Plantare Ecclesiam".
Entre as Ordens Religiosas que se uniram aos desígnios do
Papado nas lides pela Restauração da lgreja e aÍìrmação do Cato-
308 os PRocEDrÀ/ÍENTos
licismo, destacou-se a Companhia de Jesus. E à Companhia foi
entregue o Brasil, em 1549. Começava ohcialmente a história re-
ligiosa do Brasil.
"Esta terra é nossa empresa" aïrrmava Nóbrega. Poucos anos
após sua ação efetiva no Brasil, estavam atingidos os objetivos
dos jesuítas: tinham feito da Provincia, terra da Companhia. Ins-
talaram na Colônia, nessa mesma Colônia de onde se sentiam parte,
com que se tinham identificado, porque eram também elaboradores
do temporal, além de artífices do espiritual, uma versão específica
da ortodoxia tridentina. Versão que só os inacianos podiam sus-
tentar nesse mundo de tintas neojudaicas, de tolerâncias e mesti-
çagem.
O espírito da Companhia de Jesus, a plasticidade, a sua adap-
tabilidade ao meio acabaram por abrandar a rigtrdez do conceito
de heresia. Os jesuítas contactaram com os cristãos-novos, alicia-
ram-nos para suas Íìleiras.
No seu missionarismo, os inacianos voltaram-se também para
os pretos. Batizaram-nos. Mas índios e pretos converteram-se ape-
nas epidermicamente. Defrontaram-se então o conglomerado feti-
chista negro-africano e o catolicismo luso-brasileiro. Índios e negros
estavam em contacto com os brancos. Brancos que tinham sua aten-
ção voltada para os problemas da subsistência e do lucro, para os
quais canalizavam o melhor de sua disponibilidade para a luta.
O hibridismo das crenças era tão faâl quanto o das raças.
A mestiçagem era a resposta ao grande desafio que as terras bra-
sileiras lançaram ao branco. Era a sua grande possibilidade de
vida. E ele - o branco - tinha decidido subsistir.
O paganismo rondava o Cristianismo na Colônia. Mansa-
mente. Sub-repticiamente. E o que era pior, desapercebidamente para
aqueles soldados militantes da lgreja da Reforma Católica. Não o
combatiam: não sentiram o desafio. Aceitavam o sincretismo, cons-
ciente ou inconscientemente, voluntária ou involuntariamente. Pre-
dispunham-se os espíritos para a tolerância. Os brancos tinham-se
adaptado às novas necessidades. No mundo brasileiro, a Inquisi-
ção estava desarmada. Pior ainda: foi incapaz de obturar as frin-
chas que as manifestações sincréticas escavavam no ediÍïcio da or-
todoxia.
No fim do seu primeiro século de vida, o Brasil era cristão,
mas de um Cristianismo abrandado, adaptado às condições locais
da mestiçagem, da dispersão dos núcleos de povoamento, da exis-
CONCLUSõES 3(D

tência de poucos pastores qualificados, a zelar pela integridade das


crenças. Nesse Cristianismo imperante,. não havia lugar para um
Tribunal que zelasse pela estrita ortodoxia tridentina. Como não
havia necessidade psicológica dos colonos em possuírem tal Tribunal.
Não obstante a impregnação religiosa da sociedade colonial,
esta, pelos componentes de sua população, pelas estruturas que
erigiu, assentes na economia, acabou desaÍiando a religião orto-
doxa idealizada por Trento.
O processo da colonização do Brasil - fenômeno burguês -
foi resposta ao desafio que as terras descobertas apresentavam ao
homem europeu, que buscava uma superação da economia, até
então essencialmente mercantil e predatória, da burguesia atlântica.
Implicava a colonização na repartição de terras e homens; e
os engenhos e fazendas se instituíam com essa base, constituindo
pontos de nucleamento dos colonizadores.
A burguesia foi no Brasil a elite dos primeiros tempos. Abas-
teceu numericamente as funções de direção espiritual e temporal.
A fidalguia metropolitana, esvaziada desde Alcácer, não imigrava.
Psicologicamente desanimada, não era ativa, portanto não estava
disponível para a aventura do Ultramar. Preferia convergir para
as Cortes: a espanhola ou as de províncias, e não distanciar-se
delas.
Agências por excelência da colonização foram os engenhos,
que permitiram a organização da produção com escassez de braços
pela adoção da escravidão. Foram, por isso, mais importantes que
as vilas, soluções de menor significado na dinâmica da civilização.
Dado o seu caráter empresarial, são amostras do caráter burguês da
colonização., que fïguram um capitalismo a-típico, devido à hibri-
dação de caracteres, por exemplo a associação entre o trabalho as-
salariado e o escravo, a fusão na mesma unidade de atividades agrá-
rias industriais e mercantis.
Interligada aos engenhos, com sua responsabilidade também
no processo da colonização, estava a burguesia comerciante, que
provia os engenhos de mão-de-obra e procedia ao escoamento de
sua produção. Mecanismo e conexões montavam os mercadores em
torno do tráfìco do açúcar e da üda econômica da Colônia. As
constelações familiares em torno de casas metropolitanas assegura-
vam as ligações. Feitores e comissários agenciavam os negócios, e
outros, na Africa, asseguravam o tráÍïco negreiro. Outros agentes
respondiam pela execução de contratos, como os dos dízimos.
3f0 os PRocEDrMENros

Mercadores afluíam, uns espontaneamente, outros a serviço,


outros fugitivos da Inquisição ou degredados pela justiça. Mer-
cadores itinerantes ou mercadores de sobrado, e os de vara-e-cô-
vado, que em Salvador e em Olinda mantinham suas lógeas. Dada
a base familiar desse comércio, muitos desses agentes eram parentes
dos interessados, irmãos ou sobrinhos. Os que já estavam esta-
belecidos atraiam parentes jovens.
Esses mercadores eram geralmente cristãos-novos, que afluíam
o que permite falar num crisotropismo. Che-
às áreas do açúcar,
gados à Colônia, tinhamali essencial importância nos mecanismos
econômicos da colonização, nos negócios do açúcar, no equipa-
mento dos engenhos, na concessão de créditos para as safras. Ricos
ao chegar, ou enriquecidos, não ficavam apenas na mercancia, mas
fundavam engenhos ou adquiriam-nos pela compra, ou em paga-
mento de dívidas, ou ainda pelo casamento com filhas de senhorios
de engenho. Alguns se faziam primeiro lavradores grandes e depois
obtinham seu engenho. Às vezes, mais de um. No entanto, não
abandonavam a mercancia, permanecendo bivalentes, o que lhes
dava maior mobilidade econômica, e independência nos negócios,
além de maiores margens de ganho.
Entre os mercadores e senhorios de engenho cristãos-novos,
grande número era de criptojudeus. Proporcionalmente muitos.
No entanto, como a vida na Colônia era diferente da metropolitana,
na medida em que diferiam o meio fisico, étnico, econômico, político,
social e urbano, foi possível nela a integração do grupo hebraico.
Se o preconceito acompanhava a üda dos cristãos+rovos na Colônia,
tal preconceito não tinha vigor para impedir sua integração social,
uma vez que eram eles os grandes artíhces desse mundo.
A posse do engenho associada à riqueza propiciava aos neo-
conversos ascensão social- pelo casamento, pelo acesso aos cargos
municipais, aos quadros das misericórdias, aos afidalgamentos. A
descendência podia desvincular-se da mercancia, desvinculando-se
da atuação no Atlântico.
A presença dos cristãos-novos no mundo colonial era aceita
simplesmente. A sociedade em formação acostumara-se a contar
com eles. O conúvio com os hebreus, a sua aceitação como inte-
grantes das elites econômicas e administrativas, foram fatores que
levaram a uma plasticidade social, que instalaram uma relativa
tolerância. Especificidade da Colônia.
coNcLUsõEs 311

A nova sociedade constituída, burguesa, escravagista, multi-


-racial, era impermeável às exigências de uma rigorosa ortodoxia
cristã, pela natuteza dos membros que a compunham, pelas contin-
gências da úda que levavam, pelos objetivos que perseguiam.
Ademais, inexistiram homens aptos para lutar pelos rigores
da ortodoxia. O clero partilhava das dificuldades da vida. O mis-
sionarismo se instalara precipuamente com os jesuítas, e estes eram
avessos ao Santo Oficio - não à finalidade, mas aos meios de atin-
gir essa finalidade. O clero que emigrava não estava adestrado ao
exercício das funções inquisitoriais.
Do longo estudo feito à procura do significado histórico da
presença do Santo Oficio no Brasil, e da sociedade que na Bahia
e em Pernambuco abrigou a Inquisição, resultaram traços caracte-
rísticos da vida Colonial.
A colonização implicou numa valorízação das novas áreas,
no estabelecimento de uma economia com base na empresa, mas
implicou também na cristianização das novas terras que se incorpo-
raram ao Império Português. A propagação da fé era imperativo de
consciência. Havia uma vital necessidade de afirmação do Catoli-
cismo. Colonização implicou num transplante cultural: num trans-
plante religioso também. Apenas a construção da unidade religiosa
do Brasil prescindiu do transplante do Santo Ofïcio. Deu-se em
moldes sincréticos.
Os homens do Brasil colonial também eram barrocos, mas
barrocos a seu modo: seu ativismo voltava-se para a. riqueza que
desejavam, daí seu utilitarismo e a mobilidade de sua sociedade. Sua
ânsia de busca canalizava-se paÍa a superação das dificuldades do
meio Íïsico e humano. Sua ânsia de ordem verteu-se na instituciona-
lização da sociedade que levantou, e no acatamento à autoridade
reinol (temporal e espiritual) e na montagem de novas hierarquias
calcadas no dinheiro. Continuavam a ser cristãos e católicos, mas
abriam-se à tolerância. Os traços do barroquismo sobreviveram, mas
atenuados, modificados, mais ou menos sensivelmente. No seu jeito
de ser barroca uma das originalidades da Colônia.
Fracassou a transmigração do Santo OÍïcio para o Brasil
porque a Colônia, no século XVI e início do XVII, apresentava,
em relação à Metrópole, outras condições espirituais, outras condi-
ções econômico-sociais. Outras condições espirituais: o afrouxa-
mento da "pressão ideológica" impunha-se a um país novo; o anal-
fabetismo levava à impermeabilidade em relação às doutrinas he-
312 os pRocEDrMENros
réticas;o sincretismo religioso era generalizado e incoercível; o
missionarismo impunha um clima de tolerância. Ademais, a Com-
panhia de Jesus, que respondia pela religiosidade do Brasil, era
versão bem diferente da ortodoxia mantida pela Inquisição.
Outras condições econômico-sociais: a sociedade escrava-
gista destacava-se pela docilidade religiosa dos dominados, o que
não pedia militâncias. A burguesia rural e marítima que dominava
a sociedade abria-se aos estrangeiros, e era em grande parte inte-
grada pelos cristãos-novos, presentes no tráfico, nos engenhos, nas
fazendas, detentores de capitais e de ligações internacionais. A
mestiçagem tornava impossível a manutenção da limpeza do sangue.
A necessidade dos escravos, dado o carâÍer empresarial da coloni-
zação, impedia a coação, em profundidade, de suas consciências.
Nesse mundo voltado à consecução do lucro, eram de grande rele-
vância as preocupações de ordem econômico-burguesa.
A adaptação da instituição em moldes metropolitanos foi im-
possível, pois não correspondia às necessidades reais da sociedade.
A ação do Santo Oficio no Brasil foi postiça enquanto poderia ser
descapitalizante, e o Brasil montava o capitalismo; mantinha a
ordem tradicional dos grupos, e o Brasil erigia nova sociedade, reno-
vando os componentes dos estratos que erigia.
No entanto, o homem colonial continuou aberto às influên-
cias metropolitanas. Os próprios colonos, se, por sua especificidade,
toleravam os cristãos-novos, não estavam dispostos a tolerar o cripto-
judaísmo, com suas subjacentes implicações de rupturas com a
religião e com a Metrópole, e de distanciamento da sociedade.
Para as mentalidades do tempo - mesmo as amolentadas pelos
trópicos - o Judaísmo ostensivo era uma afronta. Por isso, a
Colônia aceitou a presença das Visitações inquisitoriais e o esta-
belecimento nela dos agentes do Santo Oficio. .
A Instituição não se pôde transplantar porque não encontrou
receptividade na nova mentalidade que se elaborava no Brasil.
O Santo Oficio, onde e quando atuou na Colônia, ajustou-se à nova
realidade, exercendo então nesse tempo a vigilância que o ambiente
permitiu.
Não se reeditaram simplesmente na Colônia as instituições
metropolitanas. O meio diferia, diferiam as concepções de mundo
e as formas de vida. Embora portuguesa, a Colônia foi, desde seu
início, original.
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Livraria - cod. 974


Livro dc conesponüncia com os Inquisidores - E 144, p. I
Papéis dos Jesuítas - cod. 1506 fol. 66

Processos da Inquisição de Lisboa:


885, 1010, 1309, 1332, l4gl, 1709, 2059, 2320, 2526, 2527, 2529, 2551,
2552, 2553, 2555, 2556, 2557, 2559, 2559, 2560, 2562, 2912, 2913, 2932,
2936, 3lm, 3157, 3l&, 3306, 3307, 3382, 3619, 35M, 4304, 4307, 4309,
4309, 4767,5168, 5206, 539t, 5534, 6t59, 6206, 63t8, 632t, 6333, 6341,
6342, 6343,6345, 6346, 6347, 6350,6351, 6353, 6354, 6356,6358, 6359,
63ffi, 636L, 6362, 6363, 636/', 6365, 6367,7297,747,7935,7946,7947,
7948, 7949, 7950, 7951, 7952, 7953, 7954, 7955, gl5g, 9414, 9471, 9472,
8473, 8475, 8476, 8477, 8479, 9479, 9480, 8582, 9676, 8991, 9430, 9457,
10710, 10713, 10714, 10715, 10716, 10745, 10746, 10747, 10749, 10750,
1075t, t0776,10838, 10872, 10874, 10875, 10876, 10888, 11032, 11034,
314 FoNTEs E BrBLrocRAFrA

11035, 11036, ll05l, 11061, 1062, 11063, 1068, 11069, 11070, ll07l,
n072, 11073, 11075, 11030, 1103,lllll, ll12, lll16, 11206, 11208,
1t209, tt2t0, ttzlt, n2t2, 1628, 11633, 1634, 11636, tr666, r2t42,
12222, 12228, 12229, 12230, 12231, 12232, 12527, 127 54, 12927, 12934,
12935, 12936, t2937, t2957, 12967, t3085, 13090, 13091, 13092, 13098,
13157, 13167, t3196, 13250, 13278, 13342, 13957, 14326, 15563, 16797,
16894, 16895, 16897, 16898, 17037,17065, 17762, t7807, 17809, 17810,
l78tt, 17812, 17813.

Processos de Habilitação: Santo Ofício

maço l, n.o 9; maço 2, n.' 36; maço 4, n." 303; maço 6, n.o 275; maço 9,
n.o 89; maço 10, n." 307; maço 31, n.o l;
maço 135, n.o 39; maço 42, n.o
68; maço 176, n." 88 e 4l; maço 178, n." 4215.

o Biblioteca Nacional de Lisboa (Reservados)


Coleção Moreira - t. I a XYII, contendo documentação sôbre instalação,
estruturas e funcionamento da Inquisição em Portugal e no Ultramar
- História dos principais atos e procedimentos da Inquisição em PoÍtu-
gal por Antonio Joaquim Moreira - FG 863
- Regimento dos Familiares do Santo Oficio - FG 867
- Regimento dos Qualificadores do Santo OÍicio - FG 867
- Regimento dos Comissários do Santo Ofïcio e dos Escrivães a seu
cargo - FG 867
- Regimento do Médico, Cirurgião e Barbeiro do Santo Oficio - FG
867

a Casa de Cadaval

Leis várias. Vol. 2 cod. 3995 CK VI.

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AÌ.lE)OS
ÁPÊNDICE 1

Homens ligados ao maÍ, pÍesentes em Pernambuco, entre 1591 e 16?I.


.Antonio Carneiro - morador no Porto, dono de uma nau que navegava do
Porto para Salvador. Casado e morador no Porto. ("Confissões da
Bahia (1591)" p.142).
.Antonio Fernandes - marinheiro da nau São Bento, que veio de Viana para
o Recife. ("Denunciações de Pernambuco," p. 15)
.Antonio I'reitas Portales morador no Porto, dono de uma nau que nave-
-
gava do Porto para Salvador, Casado e morador no Porto. "Conhssões
da Bahia (1591)" p. 160).
Antonio Maciel - XV, natural de Viana, filho de Afonso Colaço, homem
do mar, e sua mulher, Maria Maciel. Casado com Isabel Casada, XV,
piloto da nau São Pedro, que viajava da Bahia para Viana. Morador
em Viana da foz do Lima. (INqutstçÃo on LrssoA,, proc. n.o 6.364 ANTI).
Antonio Yaz - mestre de navio de Francisco de Araújo. (1d., proc. 6.345).
Belchbr Pires - XN, marinheiro, natural de Viana, lá casado e morador.
("Denunciações da Bahia (1591)" p. 403, 510).
Cristovão Gonçalves - XV, marinheiro de nau Portaleza, casado e morador
no Porto. (IuqursrçÃo DE LISBoA, proc. n.o 7.953 ANT[).
Cristovão Pires - XV, casado e morador no Potto (Ibid.).
Diogo Dias - XV, natural do termo do Porto, filho de Diogo Francisco e
de sua mulher, Dionísia Femandes, lavradores. Marinheiro morador
em Ferreira, estante em Olinda. (INqtnsIçÃo DE LIsBoA, proc. 6.350
ANrD.
Diogo Gonçalves - XN, piloto da nau de Antonio de Freitas, que navegava
entre Porto e Salvador. Morador em São João do Porto, e lá casado.
("Confissões da Bahia (1591)'1 p. 166).
Domingos - grumete, natural e morador em Santa Marta de Viana ("De-
nunciações da Bahia (1591)" p. 526).
Francisco de Araújo dono de navio, morador em Salvador, casado com Dona
-
Mecia. (INqusrçÃo or Lsnor. proc. 6.345 ANTT).
Francisco Fernandes XN, solteiro, morador em Viana. Marinheiro de nau
-
que liga Viana a Pernambuco. (INqursçÃo oE LISBoA. proc. 7.953 ANTI).
Francisco Ferraz -
XV, marinheiro ("Denunciações de Pernambuco," p. 355).
3Ï) ANEXos

Francisco Gomes - senhorio de nau que fazia Bahia-Porto. ("Confissões da


Bahia (1591)" p.141).
Francisco Gonçalves - XV, grumete da nau de que é mestre Manoel Fernan-
des, vizinho de l"eça, natural de Arrifana de Sousa, filho de Francisco
Pires e de sua mulher Catarina Gonçalves, defuntos. Solteiro. ("I)e-
nunciações de Pernambuco." p. 89).
tr'rancisco Leitão- mestre de navio que liga Bahia ao Prata. ("Confissões
da Bahia (1618)" p. 35a).
Francisco Pires - XV, natural da cidade do Porto de Miragaia, filho de
Domingos Pires, pescador, e de sua mulher, Violante Gonçalves, de-
funtos, casado com Felipa Gonçalves, XV. Contra-mestre de urna nau
que veio do Porto por Nome Nossa Senhora do Castelo ("Confissões
da Bahia (1591)" p. 160).
Francisco da Rocha - dono de nau. ("Denunciações de Pernambuco." p.223).
Gaspar Barbosa - morador em Viana, marinheiro da nau São Pedro, que
ligava Viana a Salvador. (INquntção DE LISBoA, proc. 6.3& ANTI.).
Gaspar Gonçalves - mestre de nau que ligava Porto Seguro a Angola ("De-
nunciações da Bahia (1591)" p. 526).
Gaspar Gonçalves - contra-mestre do galeão Nossa Senhora da Ajuda, ca-
sado e morador no Porto ("Confissões da Bahia (1591)" p.162).
Gaspar Gonçalves - XV, natural de Viana da foz do Lima, hlho de João
Gonçalves Vasalo, mareante, e de sua mulher Joana Pires, defuntos.
Casado com Ana Alvares. Mareante e senhorio da nau chamada Nossa
Senhora da Esperança, estante em Pernambuco, fazendo-se prestes a ir
para Viana. ("Denunciações de Pernambuco," p. 349).
Gaspar Maciel - XV, natural de Viana, mestre de um navio e mercador em
Olinda. ("Denunciações de Pernambuco," p. 273).
Gonçalo .Anes - mestre do naüo N. Senhora do Burgo, natural e morador
em Viana. (Rat. das "Confissões da Bahia (1591)" p. 7).
Gregorio Filgueira - marinheiro, casado e morador em Viana, estante em
Salvador. (INqusrção DE LrsBoA, proc. 7.953 ANTT).
Iruicio de Carvalho - piloto da nau de Francisco Gomes, natural e morador
no Porto, estante na Bahia. ("Confissões da Bahia (1591)" p.147).
João Afonso - mareante. XV, natural de Esposende, do Arcebispado de
Braga, filho de Antonio Afonso homem do mar, defunto, e de sua mu-
lher, Luzia Gonçalves, moradora em Leça. Casado com Inácia Ribeira,
XV, morador em Esposende ("ConÍìssões de Pernambuco." p. 63).
foão Martins - mestre de navio que úaja Lisboa-Bahia ("Denunciações da
Bahia (1591)" p. 316).
loão Pires - XV, grumete do mar, natural da Vila do Conde, filho de Fran-
cisco Pires, canastreiro, e de sua mulher Antonia Francisca, defunta.
Solteiro, pagem e grumete do mar, no navio de Manuel Antonio. ("Con-
fissões de Pernambuco"' p. 88).
APÊNDrcE I 331

Jorge Gonçalves - morador e casado em Aveiro. Piloto do naüo Santo An-


tonio. ("Denunciações da Bahia (1591)." p.344).
Jurdão -.mercador e marinheiro da nau Nossa Senhora da Piedade. ("No-
tícias sobre Autos de Fé." Cod. fol. 54 v. ANTI).
Manoel - moço solteiro, marinheiro, morador em Viana, estante em Sal-
vador. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 569).
Manoel Antonio - mestre e piloto de navio. ("ConÍìssões de Pernambuco."
p. 88).
Manoel I'ernandes - XV, casado com Margarida Quaresma, morador em
Salvador, piloto-mor. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 297 ,239, 562).
Manoel Fernandes -
vizinho de Leça, mestre de nau. XN, irmão de Henrique
e Francisco Mendes moradores em Pernambuco. ("Denunciações de Per-
nambuco," p. 313).
Marcos - cunhado de Francisco Pires. Natural e morador no Porto. Es-
tante.em Salvador. Marinheiro da nau Porlaleza. Casado. (tNqusrçÃo
on Lrsnoa. proc. 7.953. ANTI).
Mateus Ribeiro - XN, natural da Vila de Esposende, entre Douro-e-Minho,
filho de Simão Ribeiro, homem do mar, e de sua mulher, Gracia Gon-
çalves, defuntos. Casado com Madanela Dias, XV. Homem do mar,
morador em Esposende, estante em Olinda. ("Conhssões de Pernam-
buco." p. 8ó).
Miguel lilis -
dono de nau que liga Bahia-Lisboa. ("Confissões da Bahia
(1618)." p.362).
Nwo da Silva - piloto de nau, morador no Porto, estante na Bahia. ("Denun-
ciações da Bahia (1591)" p. 436).
Pantalião Afonso - üzinho de Leça de Matosinhos. Mestre de naüos, dono
de caravela. ("Denunciações de Pernambuco," p. 72).
Pedro - solteiro, marinheiro, morador em Viana, estante em Salvador. ("De-
nunciações da Bahia (1591)" p. 508).
Pedro Monteiro - XV, marinheiro, filho de Jorge Pires e Maria Anes, de-
funtos. Natural de Lagos (IrqursrçÃo on Lrsnoe, proc. 17.037. ANTI).
Pedro Rocha - dono de naúo que navega entre Viana e Bahia. ("Denuncia-
ções da Bahia (1591)" p. 403).
Pedro Velho -
mestre da nau Portaleza. Natural e morador no Porto, casado,
estante em Salvador. (INqusrçÃo DE LrsBoA, proc.7.953. ANTI).
Sebastião Dias XV, natural da cidade de Lisboa, filho de João Dias, pi-
-
loto, e de sua mulher Maria Fernandes, lá moradores na Boa Vista.
Solteiro. Marinheiro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 354).
Simão da Fonseca - capitão de uma urca estante em Salvador para ir para
Angola. (INqursrçÂo DE LrsBoA. proc. 8.479. ANTT).
Tomé Dias -
mestre do navio Acenção, que liga Bahia-Viana. Natural e mo-
rador de Viana, hlho de Pantalião Dias, homem do mar, e de sua mulher,
Catarina Gonçalves, defuntos. Solteiro. Estante em Salvador. ("Denun-
ciações da Bahia (1591)." p. 510).
332 ANEXos

Tomë Pires - XV, natural da Vila do Aveiro. Filho de Tomé pires, mari-
úeiro, e de sua mulher, Maria Antonia. Solteiro, estante em Salvador
para ir para Angola. (Id. p. 569).
APÊNDICE 2

Senhores de engenho da Bahia e de Pernambuco entÍe 1579 e 1620


referidos na documentação inquisitoúal.

Agostinho Caldeira Pimentel - XV, senhor de engenho na freguesia de Ma-


toim. ("Confissões da Bahia (1618)." p. 413).
Agostinho de Olanda - XV, meio alemão. Natural de Olinda, hlho de Arnal
de Olanda, alemão de nação, defunto, e de sua mulher, Beatilz Mendes,
gente da governanda da terra. 38 anos. Casado com Maria de Paiva,
meia XN. Alcaide-mór da Vila de lgarassu. Engenho de Santo Agosti-
nho na freguesia de Sto. Amaro. ("Denunciações de Pernambuco," p. 254).
Alvaro Velho - XV. Engenho na Várzea do Capibaribe. ("Denunciações de
Pernambuco." p. 519, 286).
Ándrë Fenwndes Margalho - XV. Mestiço. Natural de Elvas, casado com
Maria de Aguiar, filha de Aluisio Lucas e Leonor de Aguiar, parentes
dos Aguiar Daltero. Cidadão dos da governança. Engenho do Margalho,
herdado do pai em Tasuapina. Teve tambóm curral em Jaraguá. Mer-
cador em 1612, teve contrato de açúcar e mais cousas das capitanias do
Norte. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 501, 439, 461.).
Antonio Cavalcanti - XV. Engenho de Araribi. ("Denunciações de Pernam-
buco." p. 361).
Antonio da Costa - XV. Cidadão vereador em 1580 junto com Gabriel Soa-
res. Casado com Maria Pereira. Senhor de engenho de Caipe, em Pa-
ramirim. Senhor também de duas ilhetas, data de terra em Salvador
em 1574, na rua de Antonio de Almeida. ("Confissões da Bahia (1591)."
p. 65).
Antonio Francisco do Porto - ("Confissões da Bahia (1591)." p. 124).
Antonio Lopes Ulhoa - XN, natural de Montemoro-Novo. Mercador irmão
de outro mercador Diogo Lopes Ulhoa. Parente dos Solis em Lisboa.
Casado com Branca de Leão, filha de Maria Lopes, e mestre Afonso
Mendes, fisico de Mem de Sá, com quem veio ao Brasil. Engenho do
Ulhoa, no Paraguaçu, rio Ibirapitanga. ("Denunciações da Bahia (1591)."
p. 415, 266,378 e 488).
334 ANExos

Antonio Nunes Reimão XN. 44 anos, natural de Elvas. Mercador de açú-


-
cares com casas do Terreiro de Jesus. Casado com Cristina pinheira,
XV, genro de Fernão Cabral. Filho de Reimão Nunes e Inês pires. En-
genho em Pirajá. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 383, 501 e 317).
Antonio Penda XN. Cidadão. Foi antes mestre de açícar, c. 1586 foi juiz
-
ordinário. Dono de engenho e casa de meles em Iguaperaçú, defronte
da Ilha dos Franceses. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 310).
Antonio Vaz XY. Senhor de engenho em Matoim. Engenho de Sta. Cruz
-
de Torres que fora de Baltazar Pereira comprado por 32.000 cruzados.
("Denunciações da Bahia (1591)." p. 5a8).
Baltazar Guedes - Engenho em Peroassú. (INqursrção DE LrsBoA. proc.
2.913. ANI-D.
Bahazar Pereira - XN, natural de Ponte de Lima. Filho do fidalgo Antonio
de Oliveira Carvalhal e Francisca Branca. Mercador. Engenho de Sta.
Cruz de Torres no limite de Paripe. ("Denunciações da Bahia (1591)."
p. 54249).
Baltazar Ribeiro - XN. Natural de Palmela. Senhor de Engenho em Matoim.
("Denunciações da Bahia (1618)." p. l1ó).
Bartolomeu Pires - XV, natural da Bahia ou das Terceiras. Mestre de capela
da Sé. Procurador do Conselho. Casado com Isabel Serrão, XV. Filho
de Francisco Medeiros e Paula Serrão. Engenho de bois na Ilha de Maré.
("Denunciações da Bahia (1618)." p. 105 e zt0l).
Belchior Dias Porcalho - XV, casado com Luiza Barbosa, XV. Engenho de
bois do Porcalho no esteiro de Paramirim. Curral de gado no Jaguaripe.
("Confissões da Bahia (1591)." p. 64).
Belchior l;uis - XN. Senhor do engenho do Jaboatão, na freguesia de Sto.
Amaro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 18, 19,20 e 2l).
Bento de Águiar - Senhor de engenho na Ilha de Itamaracrí. XV. QNqusr-
çÃo nn L$nol, proc. 17.812 ANTT.; "Denunciações de Pernambuco."
p. 308 e 378).
Bento Dins de Santiago - XN. Mercador, senhor de engenho em Camara-
gibe, freguesia de S. Lourenço. ("Denunciações de Pernambuco." p. 251).
Bernardo Gil - XY. Senhor de meio enganho no termo de Igarassu. ("De-
nunciações de Pernambuco," p. 195).
Bernardo Velho - XV, senhor de engenho naYárza do Capibaribe. ("De-
nunciações da Bahia (1591)." p. 524,568 e 581).
Bernardo Pimmtel - XV, senhor de angenho em Matoim. ("Denuncia@es
da Bahia (1591)." p. 487).
Braz Ribeiro - XV, engenho em Matoim. ("Denunciações da Bahia (1618)."
p. ll7).
Catarina Rodrigues - dona de engenho de Camaçarim, na freguesia de Sto.
Amaro. (INqustçÃo DE LrsBoA. proc. n.o 2.527 ANTI).
Catarina Rojas -
dona de engenho de Tinharé. QNqusrçÃo DE LrsBoA. proc.
16.897 ANTD.
APÊNDIOE 2 335

Conde de Linhares @. Fernando de Noronha) XV, 3.' conde, titular da


-
nobreza. Casado com Felipa, filha de Mem de Sá. Não veio ao Brasil.
Engenho do Conde, herdado pela mulher. Passou aos jesuítas em 1618
("Denunciações da Bahia (1618)." p. 127).
Cosme Rodrigues - XN, Senhor do Engenho de N. Sra. da Guia, em Ja-
boatão, freguesia de Sto. Amaro. ("Danunciações da Bahia (1591)."
p. s3s).
Cristóvão de Barros (Cardoso) XV, mestiço, natural da Bahia, hlho natural
-
de Antonio Cardoso de Barros. Fidalgo da Casa Real. Senhor de engenho
em Jacareacanga e Carnabuçtt. (Anais da Biblioteca Naciorwl. n." 27,
p. 164 e 206).
Cristóvão Lins - XV, alemão, casado com Adriana de Olanda. Senhor de
engenho no Cabo de Sto. Agostinho. ("Denunciações de Pernambuco."
p. 422).
Cristóvõo Pais tAltero - XV, senhor de angenho em Capibaribe, freguesia
de Sto. Amaro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 353).
Diniz Bravo - XN, casado, senhor de engenho. ("Conhssões da Bahia (1618)."
p. 371-2).
Diniz Gonçalves Vareião- XV. Casado com Maria Faria, viúva de João
Gonçalves S. Tomé. Senhor de engenho de bois em Passé. (JmolrÃo'
"Catálogo Genealógico." p. 478).
Diogo Conea de Sande - XV, natural de Portugal, da família dos Correa
de Sá. Casado com Joana Barbosa, neta de Rodrigues Argolo. Senhor
de engenho em Caipe e de outro em Irajuri' (JmomÃo. "Catálogo Ge-
nealógico," p. l8l).
Diogo Gonçalves - XN. Senhor de engenho em Beberibe freguesia da Ma-
triz de Olinda. ("Denunciações de Pernambuco." p. 352).
Diogo Lopes (llhoa - XN, natural de Montemor-o-Novo. Irmão de Antonio
Lopes Ulhoa, tio de André Lopes Ulhoa. Fora mercador na cidade.
Engenho do Ulhoa (o segundo nome) no Paraguaçú. ("Denunciações
da Bahia (1591)." p. 420,444,502).
Diogo Monis Teles - XN. Senhor de engenho em Pirajá, ("Confissões da
Bahia (1618)." p. a53).
Diogo Nunes - XN, senhor de engenho naYârze,a do Capibaribe, freguesia
de N. Sra. do Rosário. ("Denunciações de Pernambwo." p. 237).
Diogo da Rocha de Síi - XV, natural de Viana do Lima ou Caminha, sobri-
nho de Mem de Sá, irmão de Estácio, filho de Leonardo de Sá Souto
Maior, pessoa nobre, engenho de Sesmaria, que fora de Estacio em Pi-
rajá. (Jmo,lrÃo. "Catiílogo Genealógico," p. 384).
Domingos dAfonseca Saraiva - XV, natural de Lamego ou Trancoso, /È
dalgo, neto do sr. Trancoso, filho de Diogo Afonso da Veiga, casado
com Antonia de Padua ou Gois. Foi povoador do Cairu, depois abando-
nou engenho d'Agua em Ilheus, montado com o dote do casal. Senhor
da Ilha de Tinharé e fazendas de criações (JmoerÃo' "Novo Orbe.").
336 ANExos

Domingos Barbosa - Sr. de engenho em Matoim - que foi de Baltazar


Ribeiro - ("Denunciações da Bahia (1618)." p. 116).
Domingos de Crasto - Senhor de urgenho em Jaboatão, freguesia de Sto.
Amaro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 80. e 153).
Duartes Dios Enri4ues - XN, senhor de engenho e fazendas em Jaboatão,
freguesia de Sto. Amaro. Mercador. ("Denunciações da Búia (1591)."
p. 519-33. "Denunciações de Pernambuco," p. 314).
Fernão Martiw - Senhor de fazenda e engenho em Capibaribe, freguesia da
matriz de Vila de Olinda. XV, ("Denunciações de Pernambuco." p.299).
Fernão Ribeiro de Souza - XN, natural de Lisboa, Íìlho de Antonio Luis de
Castelo Branco e Isabel Ribeira, casado com Catarina de Rojas ou Ma-
ria Zorilha. Engenho de Tinharé. ("Denunciações da Bahia (1591)."
p. 280,282).
Francisco da Rocha Faria - XV, senhor de engenho na freguesia de Sto.
Amaro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 229, 274).
Francisco da Roclw Paris - XV, senhor de angenho na freguesia de Sto.
Amaro, casÍÌdo com Maria Fernandes Peixoto, tio de João Antonio Paris.
("Denunciações de Pernambuco." p. 274 e "Dentnciações da Bahia
(159!)." p. 528).
Francisco de Barros - Dono de fazenda e engenho em Moribara, freguesia
de S. Lourenço. ("Confissões de Pernambuco." p. 30 e "Denunciações
de Pernambuco." p. 306).
Francisco de Souto - Senhor de engurho no termo de lgarassu. ("Denuncia-
ções de Pernambuco." p. l7l).
Francisco Ferrandes do Porto - XN, senhor de engenho e fazendâ no Cabo
de Sto. Agostinho, freguesia de Sto. Antonio, morador na rua de João
Eanes, sogro de Antonio Batalha. ("Confissões de Pernambuco." p. 3l).
Francisco Nwps - XV, senhor de engenho em llhéus, casado, irmão de Gas-
par Fernandes capelão da Sé. flNqusçÃo or Lnuor,. proc. I 1.075. ANTI).
Francisco Sotil - ("Confissões da Bahia (1618)." p. aB).
Gabriel Soares de Sousa - XV, natural de Lisboa ou Ribatejo, fidalgo, ve-
reador 1580, cidadão corregedor 1582, cavalheiro fidalgo da Casa Real.
Engenho do Jaguaripe. (Ref. Liwo Velho do Tombo do Mosteiro de
S. Bento, Bahia. "Denunciações da Bahia (1591)." p. 307).
Gaspar Dias Barbosa - XV, natural de Viana do Lima, casado com Francisca
Pinheira, cidadão em 1580. Engenho de bois em Matoim Sesmaria.
(Ref. Liwo Velho do Tombo do Most. de S. Bento, Bahia, ,10-45. Doc.
Históricos, 26, p. 442 e 12, p. 340).
Gaspar Pacheco - XN, natural de Lisboa, vindo de S. Tomé, c. 1575, foi
mercador na cidade e passou para ltaparica. Filho de Gomes Pacheco,
tesoureiro da alfiindega de Lisboa e de Joana Rodrigues. Engenho de
bois em ltaparica. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 32l. "ConÍìs-
sões da Bahia (1591)." p. 85).
APÊNDrcE 2 337

Heitor Antunes XN, mercador e senhor de engenho em Matoim. ("Denun-


-
ciações da Bahia (1591)." p. 475-78,378,549,401 e 537).
Hewiqrc Ntmes Barreto XV, 45 anos, lidalgo da casa de S. M. natural de
-
Ilha da Madeira, senhor de engenho em Cotegipe. ("Denunciações da
Bahia (1618)." p. l16).
-
Isabel Pereira Filha de João Bezerras e de sua mulher, Seúorinha Gomes,
XV, senhora de engenho na Yarze,a. (IlqumçÃo DB LIIBoA. proc. 1332
ANTT).
Joõo Nunes - XN, mercador, senhor de 2 engenhos na Paraiba, natural de
Castro d'Airo, bispado de Lamego, filho de Manoel Nunes mercador
e lawador e Lucrecia Rodrigues, XN, solteiro. QNquuçÃo DE LIsBoA.
proc€ssos 1.491 e 885. ANTD.
João Pais - Dono de curral e do engenho velho da Conceição no Cabo
de Sto. Agostinho, freguesia de Sto. Antonio. ("Confissões de Pernam-
buco." 36. "Denunciações de Pernambuco." 263),
João da Rocha Paris - XV, natural de Viana da Foz do Lima, Íilho de Gas-
par da Rocha Paria e Maria de Mendonça. Senhor de engenho na fre-
guesia do Jaboatão. ("Denunciações de Pernambuco," p. 274 e 343).
João Remirão - XV, natural de Crasto Verde no Campo de Ourique, filho
de Alvaro Martins, lavrador e cirurgião, defuntos, e de sua mulher Ca-
tarina Gonçalves; casado com Esperança Batista. Enganho na freguesia
de Iapasse. ("Confissões da Bahia (1591)." p. lM."Denunciações da
Bahia (1591)." p. 369).
Jorge Antunes - XN, natural de Portugal, filho de Heitor Antunes e Ana
Rodrigues, cunhado de Sebastião de Faria e Henrique de Moniz Teles,
casado com Joana de Sá Bittencourt, engenho de Matoim, herdado do
pai, e depois foi para o segundo marido de Joana de Sií, Sebastião Ca-
valo de Carvalho. ("ConÍìssões da Bahia (1591)." p. 135 e 132).
Luis do Rego - XV, senhor do engenho de Massiape. ("Denunciações da
Bahia (1591)." p. 518 e 525).
Manoel da Costa Calheiros - XV, natural da Ponte da Barca, arcebispado
de Braga, Íilho de Antonio Eanes, tabelião do público judicial da Vila
dos Arcos de Valdeves, defunto, e sua mulher, Grimaneza Fernandes
da Costa, casado com Catarina Rodrigues, XV. Engenho de Cama-
çarim, freguesia de Sto. Amaro. Senhor de meio engenho. (INquuçÃo
DE LrsBoA. proc. 2.527. ANTT).
Manoel Femandes Barros - Senhor de engenho em Iapasse, casado. ("Con-
fissões da Bahia (1618)." p. 353).
Manoel Ferreira - XV, natural do bispado de Coimbra, cidadão dos da go-
vernança Salvador, filho de Miguel Pires, lavrador, casado com Maria
Fea, senhor de engenho da Petinga, freguesia de Pasú. ("Denuncia-
ções da Bahia (1591)." p. 268,,181 e 386).
Manoel Rodrigues Sanches - XN, natural de Portalegre, dono de barco e
338 ANExos

senhor de engenho. Casado, mercador no Reino. ("ConÍissões da Bahia


(1618)." p.5ll e "Denunciações da Bahia (1618)." p. 128 e 352).
María l-opes - XV, oatural da üla de Olinda, filha de Domingos Lopes,
dos da governança da terra e de sua mulher Beatriz Lopes, defunta,
viúva de Francisco do Amaral dos da governança da terra. Engerlho de
S. Bartolomeu em Jaboatão, freguesia de Sto. Amaro. ("Denunciações
de Pernambuco," p. 149 e 256).
Martim Carvalho - XV, natural da Madeira, casado com Luiza Doria,
pessoa nobre. Engenho do Carvalho de bois, no esteiro do Caipe, Ta-
suapina. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 253 e 417).
Miguel Ferrwndes de Tavora XV, senhor de engenho da Pojuca. ("De-
-
nunciações de Pernambuco." p. 339).
Nuno Alvares - XV, natural de Estremós, arcebispado de Évora, filho de
Gaspar Lopes, alfaiate e de sua mulher, Isabel Alvares, defuntos, ündo
de S. Tomé. Engenho de S. Braz, na freguesia daYarzs. ("Denunciações
de Pernambuco." p. ,169).
Paulo Bezerra - XV, natural de Vila de Viana da Foz do Lima, filho de Luiz
Braz e de sua mulher, Mecia Gonçalves Bezerra, casado com Joana Ca-
bral, XV dos da governança da terra. Engenho emCapibaribe, freguesia
de N. S. do Rosário. ("Denunciações de Pernambuco." p. 273).
Paulo Mesquita - XY, dono de engenho da freguesia de Passe. ("Conhssões
da Bahia (1618)." p. 418).
Pero Cardigo - XV, natural de Sardoal, bispado da Guarda, filho de Fernão
Garcia e de sua mulher Felipa Cardiga, defuntos, que üviam de sua
fazenda. Dono de 3 engenhos e fazenda, casado com Isabel Mendes XN.
("Denunciações da Bahia (1591)." p. 514 e 560).
Pero da Cunlw - XN, dono de engenho da freguesia da Yârzea. ("Denun-
ciações de Pernambuco." p. 343).
Pero Novais - XV, natural da Vila de Guimarães, filho de Antonio Novais
e sua mulher Isabel Fernandes Sodré, Casado com Agueda de Serrão,
sobrinho de Diniz Gonçalvez Varjão, casado com Maria de Faria. Dono
de Engenho em Maré. ("Denunciações da Bahia (1591)." p.253 e 321).
Rodrigo Martins - XV, mameluco, natural da Bahia, filho de Afonso Rodri-
gues e Madalena Alves, neto do Caramuru, feito com o irmão Alvaro
Rodrigues cavaleiro fídalgo com brazão de armas e fuibito de Avis, meeiro
do engenho do Conde. Engenho de água do Paraguassú antes da cachoeira.
(JmonrÃo. "Catálogo Genealógico," lzl0). ("DocumNro Do açúcm
3." p. 56. "Denunciações da Bahia (1591)." p. 28j, 3S9, 390. "Confissões
da Bahia (1591)." p. 134).
Sebastião Cavalo - XN,
casado com Joana de Sá, senhorio de-engenho de
Mataripe, em Matoim. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 248,405 e 480).
Sebastião de Faria -
XV, natural de Portugal, de onde veio com 6 anos, em
1556, filho de Sebastião Alvares e Ines Alvares de Faria, cavaleiro da
casa dEl Rei, cidadão dos da govemança da terra. Engenho de bois em
ApÊNDrcE 2 339

Matoim. Engenho de água em Aratu-utum. ("Denunciações da Bahia


(1591)." p. 325. "Confissões da Bahia (1591)." p. 59).
Sinão Falcão - XV, natural do Espirito Santo. Filho de Gil Falcão e de
sua múher, Bra;tnz Eanes Caldeira, engenho na freguesia de Sto. Amaro,
casado com Catarina Pais. flNqunçÃo oe Lsnol proc. 11.634. ANTD.
Sittrão fu Fonseca - XN, casado com Maria Varela, XV. Engenho em Pernão
Mirim. (IxquuçÃo DE LrsBoA, proc. 12.229. AN[D.
Sitnão lapes - Xl{, senhor do engenho de Sto. Amaro. ("Denunciações
de Pernambuco." p. 138).
Sintão Nmes de Matos - )O{, senhor de engenho e fazenda no Rio de Ja-
curuna, casado. ("Denuncia@s da Búia (1618)." p. l4l, l0l).
Sitttão Soeiro- XN, çasado com Maria Alvares, parte de XN. Engenho em
Guiana, capitania de ltamaracá. ("Conhssões de Pernambuco," p. 106.
"Denunciações de Pernambuco," p. 372-373, ?Á e 362).
Tristfu Ribeiro - XN, mercador, dono de fazrnda em Passé, natural do
Porto. Eng€nho de bois frente ao Ilheu de Passe. ("Denunciações da
Búia (1591)." p.256, 387, 416, 467, 5W e 378).
APÊNDICE 3

Mercedas presentc na Bahia e em Pernembuco enfre 1590 e l6íN,


referldc nr docmenta$o inquitútüial
Afonso Cantnlw - mercador, estante em Viana. ("Denunciações de Pernam-
buco." p. 317).
Antonio Ferrundes Múttoa - XN, mercador, casado com Maria Fernandes.
("Deirunciações de Pernambuco." p. 345).
Alonso Martins Aguas Mortas - XN, mercador de lógea em Oünda. Irmão
de Jeronimo Martins, mercador, XN, indo para Lisboa. Filho de Manoel
Lo1rs, mercador defunto, e sua mulher, Isabel Lopes. ("Denunciações
de Pernambuço )'
p. 212).
Alonso Neto -XV, estante na Bahia, mercador em Angola. ("Denunciações
da Bahia (1591)." p.526).
Alberto Carlos - Ingles, casado, mercador estante em Olinda em casa de
João da Rocha. ("Denunciações de Pernambuco." p. 255,275,377 a78).
Alberto Flamengo - tratante. XV, @enunciações da Búia - l59l - p. 356).
Aherto Rodrigues - XV. flamengo, criado de André Pedro, mercador, mo-
rador ern Olinda. ("Denunciações de Pernambuco." p. 8G4.
Alonso Caldeirão -XN, peruleiro. ("Denuncia@es da Bahia (1591)." p. a$).
Alvaro Gonçalves do Carvallwl tratante para Canária (vai e vem de Gui-
-
marães), natural de Guimarães e estante em Salvador. ("Confissões da
Bahia (1592)." p. 147).
Alvaro Sorches - XN, natural de Olivença, filho de Bento Henrique, mer-
cador sem lógea, tratante, e de sua mulher Leonor Sanches, XN, de-
funtos. 40 anos mercador de lógea, morador em Salvador, casado com
Maria da Costa, XV, mameluca. ("Confissões da Bahia (1591)." p. a).
Ambrosio Femmdcs Brandiio - XN, mercador em S. Bento - dono da fa-
zqda de S. Lourenço. ("Denunciações de Pernambuco." p. ?-60).
Arràé do Couto - XV, mercador, em Olinda. ("Deirunciações de Pernam-
buco." p. ll5).
André Femoúes - XN, tratante, casado com Isabel Antunes. ("Denuncia-
ções de Pernambuco." p.U).
Atdré Fenmdes - XÌ{, criado do Carlagena, mancebo sern barba, solteiro.
("Denunciações de Pernambuco l' p. A\
ApÉNDrcE 3 yl
Anhé Fernmdes Caldeira -
XV, natural da Ilha terceira, filho de AndÉ Fer-
nandes Caldeira, guarda da Alfandega de Angra e zua mulher Francisca
Martins. Criado do mercador Manoel Rodrigres Cartagena, 22 anos,
solteiro. (INqursçÂo DE LrsBoA. proc. 8.414. ANTI).
Anhé Lopes de Carvalho XN, natural de Aleniejo, mercador, üúvo mo.
-
rador em Salvador. ("Confissões da Búia (1618)." p. 362).
André Lopes de Carvalho - XN, natural de Évora, mer€ador, morador.na
Bahia ("Confissões da Búia (1618)." p. 453).
André Pe&o - Ílamengo de nação, natural de Aces Arraia entre Flandres
e Alemanha, correspondente a mercadores da Alemanha també,m ca-
tólicos. 3l anos, filho de Pedro Búr tratante de cerveja e de sua mulher.
Maria Lopes, defuntos. Solteiro ("Denuncia@ de Pernambuco." p. 258).
Ándré Rodrigues - )KV,47 anos filho de Amaro Gonçalves e de zua mulher
Francisca de Ponte, lavradores, defuntos, casado com Catarina Alves,
natural da ilha de São Miguel, feitor de Pero Coelho de Sousa de zua
fazenda da Paraiba, e mercador estant€ em Olinda. ("Denunciações de
Pernambuco." p, 26),
Anttio Martins - XV, 25 anos, natural de Lisboa, estante em Olinda. Filho
de Gonglo Peres Martinez e de sua mulher Clara Rodrigues Martinez.
Solteiro. ("De,lrunciações de Pernambuco." p. 32q.
Antonio - sobrinho e criado de um mercador da Búia. 17 anos. ("Confis-
sões da Búia (1591)." p. 20).
Antonio de Aguiar -)O.I, natural do Porto. 16 anos. SolGiro, morador na
Yârza em casa do tio Jorge Tomiis, o grande e de sua mulher Antonia
de Aguiar, morador no Porto. ("Deirunciações de Pernambuco." p.
333-2e\.
Antonio tAragão - XV, natural da Madeira, assistente em Salvador. ("De-
nunciações da Bahia (1618)." p. 107).
Antonio Alvares - natural de Ponte de Lima, solteiro, criado de Manoel
Lopes Homem, mercador em Olinda. ("Denunciações de Pernambuco."
p. ll5).
Antonio Alvares Portilho - morador em Salvador. ("Denunciações da Bahia
(1591)." p. 39e).
Antonio Fernodes Pessoa - viúvo, cunhado de Diogo Rodrigues. ('Con-
fissões da Bahia (1618)." p. 35t.
Antonio lapes de Oliveira - XN, filho de Be,nto Heirrique, tratante, e de sua
mulher, Leonor Sanches, XN, defuntos, meÍcador de lógea, Canara-
gibe, frcguesia de S. Lourenço. ("Denunciações de Pemambuco." p. 318).
Antonio Lopes Ulhoa XÌ{, mercador e senhor de engenho em Peroasstt"
-
irmão de Diogo Lopes Ulhoa, ("Denuncia@ da Búia (1591)." p.
378,4f,8, y-7).
Antonio Mendes - XV, 34 anos, dono de lógea, casado, filho de Antonio
Mendes Beiju. ("Confissões da Búia (1618)." p.362).
342 ANExos

Antonio Nwps - XV, natural de Lisboa, fúo de Antonio Fernandes, mari-


nheiro, e zua múher Ana Nunes, 30 anos; casado com Ana Rosa XV,
vendeiro na rua Direita. ("Confissões da Búia (1618)," p. 369).
Antonio Nwes Reimõo - XN, natural de Elvas, filho de Reimão Nunes, e
sua mulher Inês Pires, 44 anos, viúvo de Cristina Vieira, mercador e
lavrador. ("Deirunciações da Bahia (1591)." p. 383).
Antonio Ozores Pereira - natural de MonSo, arcebispado de Braga, XV,
filho de Garcia Vaz d'Abreu, gente da governança da terra, 25 anos,
solteiro, mercador que veio de Angola com peças de Leonardo Froeg
mercador de Lisboa de quem é feitor. ("Denunciações de Pernambuco."
p.42q.
Antonio Poderoso - meio XN, filho de Jeronimo Poderoso e de sua mulher
Joana Yaz de Barros, XN, solteiro, 22 anos, estante em Salvador, tra-
tante para o Peú. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 419).
Ántonio Raposo - XV, estante em Olinda, casado com Domingas Fernandes.
("Denuncia@es de Pernambuco." p. 3ó6).
Antonio Ribeiro - XN, natural da vila de Palmela, solteiro, mercador em
Angola. ("Denuncia@es da Bahia, (1618)." p. 116).
Baltazar André - XV, natural do Porto, filho de Cristovão Fernandes, pes-
cador e lavrador, e de sua mulher Maria Dandé, 23 anos, casado com
Maria dos Reis, XV, morador no Porto, mercador estante em Salvador.
("Confissões da Búia (1591)." p. 142).
fultazu Dias - XV, natural e morador no Porto, estante em Pernambuco.
Filho de Cristóvão Dias, lavrador, defunto, e de zua mulher Isabel Annes,
lá moradora, 30 anos, casado com Maria André XV, no Porto. Cuteleiro
e mercador. (INqunçÃo DB Lr$oA. proc. 7.953. ANTI).
hltazar Fernodes - XV, nafural da cidade de Angra, criado de Garcia
dâvila. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 355).
Baltazar Ferreira - XY,40 anos, solteiro, natural de Arrifana de Souza, hlho
de Manoel Fernandes, sapateiro, defunto, e de zua mulher Ana Feman-
des, XV, morador na nra do Colégio. ("Confissões da Bahia (1618)."
p. alO).
Baltazar Pires - XV, morador na rua Direita. Solteiro. ("Denunciações da
Búia (1591)." p.245).
fultazar Rohigues - criado de Manoel Pires, mercador em Olinda. ("De-
nunciações de Pernambuco." p. 79).
Bartolorneu Rodrigues meio XN, morador na Vila da Conceição em lta-
-
maracá, casado com Maria da Fonseca. ("De,nunciações de Pernam-
buco." p. 381).
Belchior Coelho - marchante. ("Denunciações de Pemambuco j' p. 87).
Belchior Fenmdes de Bastos - natural do Conselho de Gouvea junto à Ama-
rante. XV, 34 anos, solteiro, filho de Belchior Fernandes, defunto e sua
mulher Catarina de Basto, morador em Salvador. ("Denunciagões da
Bahia (1618)." p. 149).
APÊNDICE 3 Y3
Belchior Garcia - Casado com Amadora Luis, angolista. ("Dcnuociações dc
Pernambuco." p. l3l).
Belchior Soares - mercador, üúvo, morador em Lisboa. ("Denunciações da
Búia (1591).' p.294).
Bento Rocha - mercador de lógea. ("Denunciações da Bahia (1591)." p.527).
Bento Rodrigues XN, feitor de um mercador de Portugl. ("Denunciações
-
da Bahia (1591)." p. 310).
Bernardo Fernandes - )(V, natural da çidade do Porto, filho de Alvaro Fer-
nandes, sombreiro, e sua mulher Catarina Gonçalves, morador no Porto.
19 anos, solteiro, estante em Olinda em casa de Manoel d'Oliveira. ("De-
nunciações de Pernambuco." p. 265).
Braz Correa Dantes Y{, natural de Ponte de Lima, filho de Fernão Dantes,
-
e de sua mulher Briolanja Correa de Vasconcelos, defunta, 35 anos, ca-
sado com Maria Lopes, XV, morador na vila de lgarassu, lavrador e
tratante. ("Denunciações de Pernambuco." p. l7l).
Braz Sarmento - XV, solteiro, criado de Manoel Ferreira. ("Confissões da
Bahia (1618)." p.446).
Cristovão Luis - XV, dono de engenho e mercador. (IrqunçÃo on LtsoL.
proc. 6.159. ANTD.
Cristovão htis - XV, natural de Lisboa, hlho de Luis Alvares Portilho,
mercador, e de sua mulher Leonor Fernandes, morador em Lisboa,
25 anos, mercador da Búia, estante ern Pernambuco. ("Dorunciações
de Pernambuco." p. 69).
Daniel Mendes - XN. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 509).
Diniz Bravo - XN, mercador, natural do Porto, hlho de Hercules Bravo do
Porto 1618 é senhor de engenho na Búia. ("Confissões da Búia (1591)."
p.371 e 463).
Diogo Ferrundes - XN, viúvo, morador em Lisboa, estante em Salvador.
("Denunciações da Bahia (1591)." p. 2$-7$.
Diogo Lopes Franco - XN, natural de Montemor-o-Novo, 26 anos, filho de
Luis Dias, mercador, e Diana Lopes XN, defuntos, casado, mercador
morador em Matoim. ("Denuncia@es da Búia (1618)." p. 101. "Con-
hssões da Bahia (1618)." p. 390).
Diogo Inpes de Lisboa - XN. ("Denunciações da Bahia (1618)." p- 374)'
Diogo Lopes Ulhoa - XN, senhor de engeúo no limite do Peroassu, mer-
cador no Salvador. ("Denunciações da Bahia (1591)." p.320,414,420,
488, 502 e 544).
Diogo l-ourenço - XN, 30 anos, hlho de Jetonimo Rodrigues, mercador e
Joana Enriques, zua mulher, solteiro, uatural do Porto, morador em
I Olinda na Ladeira da Misericordia. (INquuçÃo DE LIsBoA. prx,.6.347.
Jl

ANT[).
! Díogo Martins Seixas - XV, natural de Viana, filho de Francisco Alvares
Seixas, defunto, tratante no tnar, e sua mulher Janewa Martins. Casado
I
u
W ANExos

com Joana de Abreu em Viana. 49 anos, tratante. ("Denunciações da


Búia (1591)." p. 464).
Diogo Pemas - ("Denunciações de Pernambuco." p. 350).
Diogo de Pina - mercador, morador no Porto, estante ern Salvador. ("Con-
fissões da Búia (1591)." p. 162).
Diogo Ro&igues - meio XN, filho de Fernão Rodrigues, XV, confeiteiro
em Lisboa, 33 anos, mercador. ("Denunciações da Búia (1591)." p.
337 e 435).
Diogo Rodrigues - Solteiro, mercador, cunhado de Antonio Fernandes Pes-
soa, mercador morador em Pernambuco. ("Conhssões da Búia (1618)."
p. 388).
Diogo Sorhes -
cigano castelhano, mercador de lógea de mercearia. ("De-
nunciações de Pernambuco)' p. 265).
Diogo Soares XN, solteiro, morador em Olioda, irmão de Fernão Soares.
-
('Denunciações de Pernambuco." p. 329-34, 257-58).
-
Diogo Yaz )C{, pescador, morador no Rio Tapado, termo da üla de Olin-
da. ("Denuncia@es da Bahia (1591)." p. 451).
Domhgas Fernoúes - Casada com Gonçalo Alves Jiga, vendedeira em Sal-
vador. ("Denunciações da Bahia (1591)." p.nT.
Domingos Alvares de Serpa - XN, 36 anos, natural de vila de Serpa, filho
deLús Alvares, XN, e sua mulher Bertolesa de Leão, natural e morador
em Serpa, mercador, vive de zuas mercadorias e contratos em Salva.dor.
("Confissões da Bahia (1618)." p. 366).
Domingos Cosme - casado, mercador em Angola. ("Denunciações da Búia
(1618)." p. ll0).
Domingos Dias - casado ern Meião Frio, aonde mora, natural da vila de
Viana, estante em Salvador. (INqusrçÃo ps Lrsaor. proc. 7.953. ANID.
Domingos Frutco - XV, 36 anos, natural de Trocifal, casado, mercador em
Salvador. ("Denunciações da Bahia 0618)." p. 189).
Domingos Pires - XV, solteiro, natural de Viana, estant€ em Olinda em
casa de Simão Vaz. ("Ratificação das Confissões de Pernambuco,"
fol. 320).
Duarte Alvares- XN, natural da üla de Setubal, 25 anos, casado morador
na rua Direita. ("Confissões da Bahia (1618)." p. 388).
Duarte Dias - XN, dono de fazenda e mercador, morador na úla de Olin-
da. ("Denunciações da Bahia. (1591)." p. a5l).
Duarte Dias Enri4ues - XN, senhor de engenho em Jaboatâo, freguesia de
Sto. Amaro, e mercador. ("Denuncia@s de Pernambuço." p. 210 e 205).
Dtmrte Fernodes - XN, natural do Porto, 25 anos, solteiro, filho de Luis
Garcr;2, XN, mercador, defunto e de Diana Perçira XN, moradora no
Porto. ("Confissões da Búia (1618)." p. 431).
Duarte Fernntdes - meio XN, solteiro, serve a Francisco Leitão, mestre de
APÊNDrcE 3 345

navio, filho bastardo de Jeronimo Luis da Fonseca, )O.{, guarda do con-


sulado morador em Lisboa, e Catarina Martins, defunta. ("Confissões
da Bahia (1618)." p. 354).
Duarte Mendes mercador e lawador naYârz,a, parente de Antonio Tomas
-
e irmão de Francisco Mendes e de Diogo Gonçalves, dono de fazenda
em Camaragibe. (INqusrção DE LIsBoA. proc. 2.552 e 2.527. ANI-D.
Dtmrte Oscre mercador estante ern Salvador. ("Denunciações da Búia
-
(1591)." p.2%\.
Estevão Ribeiro - XN, lawador mercador, morador em Olinda, casado com
Beatriz Soares. ("Denunciações de Pernambuco." p. 381).
Feruõo Pires - XN, morador em llheus, tendeiro. ("Denuncia@es da Búia
(1591)." p. 3,18-67).
Fernão Mendes - XN, 28 anos solteiro, natural do Porto, morador em Sal-
vador na Rua do Colégio, filho de Jorge Dias, mercador, defunto, e de
konor Mendes, sua mulher, morador no PoÍo. ("Conhssões da Búia
(1618)." p. 3s6).
Fernão Ro&igaes de Elvas - morador em Lisboa, estante em Olinda, casado
com Inês Lopes. ("Denunciações de Pernambuco." p. 387).
Frorcisco - criado de Pero de Moura. ("ConÍissões da Bahia (1618)." p. a53).
Francisco Ataide - morador em Olinda. ("Denunciações da Bahia (1591)."
p. 519).
Frorisco Alvares do Canto - mercador estante em Salvador. ("Denuncia-
sões da Bahia (1591)." p.263).
Frorcisco Alvares XV, mancebo, solteiro, morador na rua Direita. QNqut-
-
sçÃo or Lsrol. proc. 8.472).
Frorcisco Barbosa - XV, natural da ilha de S. Miguel, hlho de Hercules
Barbosa e de sua mulher Isabel Fernandes, moradores na mesma ilha,
solteiro, estante em Olinda em casÍì de seu parente, Lic. Jorge Barbosa.
("Confïssões de Pernambuco." p. 55).
Francisco Caninlw - XV, mercador, estante ern Salvador. ("Denunciações
da Bahia (1591)." p.263).
Francisco da Costa - XN, mercador, morador em Lisboa, estante em Sal-
vador, solteiro. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 245)'
Francisco Dias Soares - XN, natural de Campo maior, hlho de Pero Dias
e Francisca Soares, 34 anos, estante em Olinda, morador na rua do Ro-
cha. ("Denunciações de Pernambuco." p. 22).
Frorcisco Descallante - XV, natural de Seülha, solteiro, veio de Loanda e
vai para o Peru. (INquIsrçÃo DE LISBoA. proc. 8.476. ANTT).
Frutcisco Ferraz - XV, natural da freguesia de Santiago, termo da Vila
de Baltazer, bispado do Porto, hlho de Domingos Ferraz' tabelião na
dita vila e sua mulher Leonor Rabelo, solteiro, 29 anos, residente em
Igarassú cobrador dos dizimos do Rei, como feitor que é de Cristovão
Pais Daltero, rendeiro dele. ("Danunciações de Pernambuco." p. 214).
Frorcisco Gonçalves - XV, natural da Ilha da Madeira, hlho de Antonio
% ANExos

Gonçalves, lawador, e de sua mulher Isabel Gonçalves, massadeira, mo-


rador na cidade de Funchal. 25 anos, feitor de João Braz Ramalho, na
freguesia de Sto. Antonio ("Denuncia@es de Pernambuco." p. 4ó3).
Francisco Lopes Homem - XN, mercador, morador em Olinda estante em
Lisboa. Tio de Manoel Lopes Homem. ("Denunciações de Pernambu-
co." p: 113).
Francisco Mendes - XN, natural do Porto, filho de Henrique Mendes, mer-
cador, defunto, e de sua mulher Gracia Mendes, 35 anos, solteiro, la-
vrador e mercador, (rendeiro dos dízimos das mandiocas e de unças),
morador na freguesia de São Lourenço, em Camaragibe, irmão de Duar-
te Mendes, mercador estante em Olinda. ("Denunciações de Pernam-
buco." p. 172).
Francisco Mendes do Porto - XV, morador no Porto, estante em Pernambuco.
("Denunciações de Pernambuco." p. 37).
Francisco Pires - XV, criado de Duarte Gois Mendonça, morador em Sal-
vador. ("Confìssões da Bahia (1591)." p. 16l).
Francisco Rodrigues Castilho - XV, natural do Algarve, filho de Pero Ro-
drigues de Castilho e de sua mulher Beatriz Rodrigues, 32 anos, solteiro
estante em Salvador. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 293).
Francisco de Sampaio Aranha - XV, 35 anos, natural dos Arcos de Valdeves,
arcebispado de Braga, casado, morador em Salvador e também do pri-
meiro peso do pau-brasil. ("Confissões da Bahia (1618)." p. a58).
Francisco Tomaz - XN, natural do Meião Frio, mercador do Meião Frio
que está em Pernambuco, pai de Antonio Tomaz. (INqurrçÃo pn Lrs-
boa. proc. 2.912. ANI-D.
Francisco Vaz Soares - mercador, morador em Peratibique. (INquuçÃo oe
Lrsnor,. proc. 2.552. ANTT).
Gaspar de Banos - XN, morador em Passé, mercador de lógea, morador
em Salvador, casado com Catarina Loba. ("Denunciações da Bahia
(1591)." p. 414,483, 370).
Gaspar Coelln XN, criado de Jorge Tomaz o pequeno, mercador na vila
-
de Olinda, tendeiro na rua do Ponto. ("Denunciações de pemambuco."
p. 79).
Gaspar da Costa XV, solteiro, natural do Reino, trata em mandar fazer
-
lenhas. ("Denunciações da Bahia (1618)." p. ll5).
Gaspar Dias -
XV, morador em Guimarães, estênte em Salvador. ("Confis-
sões da Bahia (1591)." p. 147).
Gaspar Dias Figueiroa - XV, morador em Salvador, mercador de lógea,
natural da cidade do Porto, filho de Sebastião Afonso, piloto da car-
reira do Brasil, e de sua mulher Beatriz Afonso, defunta, solteiro. ("De-
nunciações da Bahia (1591)." p.246).
Gaspar de Lima - XV, morador em Salvador. ("Denunciações da Bahia
(1591)." p.293).
APÉNDrcE 3 Yil
GasparMaciel - XV, natural de Viaria, mestre de um navio 30 anos, merca-
dor em Olinda. ("Denunciações de Pernambuco." p. 273).
Gaspar da Marb XN, criado de Domingos Alvares Serpa, 23 anos. ("Denun-
-
ciações da Bahia (1618)." p. 98 e 109).
Gaspar Pacheco XN, mercÍLdor em ltaparica. ("Denunciações da Bahia
-
(1591)." p. 321).
Gaspar Rodrigues Tojo -meio XN, natural de Lisboa, filho de Manoel Ro-
drigues, alfaiate, defunto e sua mulher Constancia Correia XN, morador
em Setubal, 24 anos solteiro, boticário e criado de Dom Jeronimo de
Almeida, com quem veio de Angola. (INqursçÃo DE LIsBoA. proc. 11.063.
ANT[).
Gaspar Sequeira - XV, natural de Viana, criado do mercador Simão Nunes
de Matos. ("Confissões da Bahia (1618)." p. 362).
Gemmes Inpes do Porto - XN, mercador e rendeiro dos dízimos de açúcar,
estante no Porto. ("Denunciações de Pernambuco." p. 317).
Godoi - castelhano, mercador no rio da Prata. ("Denunciações da Búia
(1591)." p.42q.
Gomes de Abreu Soares - XV, natural de Viana da Foz de Lima, Íilho de João
Abreu Soares da governança de lá, defunto, e de sua mulher Ana Lopes,
lá moradora. Casado com Ines Serra, XV. Morador em Lisboa,4l anos,
estante em Olinda. ("Conflrssões de Pernambuco." p. 73 a 74).
Gomes Rodrigues Milão - XN, natural de Lisboa, filho de Henrique Dias
Milão, mercador, e sua mulher Guiomar Gomes, moradores em Lis-
boa, solteiro, 20 anos, estante em Olinda, na casa do irmão, Manoel
Cardoso Milão, mercador na rua da Serralheira. ("Denunciações de
Pernambuco." p. 116).
Gonçalo Dias - criado de Fernão Soares, morador em Olinda, na rua do
Rocha, casado com Maria Gonçalves, mameluca. ("Denunciações de
Pernambuco." p. 38a).
Gonçalo Mendes Pinto - XN, casado, morador no Porto, natural de Gui-
marães. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 435, 509).
Gonçalo Nunes - XN, natural de Lisboa, morador em Salvador, em casÍr
de seu genro, Simão Fragoso, casado, contratador e mercador. ("De-
nunciações da Bahia (1618)." p. l0l-29-31).
Gonçalo Peres Martins - casado com Clara Rodrigues Martinez, tratante.
("Denunciações de Pernambuco." p. 321-26).
Gonçtrlo Rodrigues - natural de Vila Real, casado, morador na Bahia na rua
Dircita. ("Denunciações da Bahia (1618)." p. 132).
Gregorio Nunes - flamengo, filho de XN, morador e casado em Lisboa.
("Denunciações da Bahia (1591)." p. 316).
Hmriques - XN, mercador, morador na úla de Olinda. ("Denunciações da
Bahia (1591)." p. 451).
Henrique Fernandes - ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 508 a 509)'
348 ANExos

Henrique Mendes - 30 anos, dono de fazenda da freguesia de Sto. Amaro,


e mercador. ("Denunciações de Pernambuco." p. 80).
Henrique Moniz Teles - XV, natural da Madeira, cidadão do Salvador, ca-
sado com d. Leonor. ("Denunciações da Bahia (3591)." p. 107).
Heitor Mendes - XV, natural de Boizela, Íìlho de Heitor Afonso Mendes
e de sua mulher Francisca Tavares Pereira, defuntos, 50 anos. Tratante
que tem lógea no Rio de Janeiro, ora estante em Salvador. ("Denun-
ciações da Bahia (1591)." p. 309).
Jeronimo de Araujo - XV, morador em Olinda, 40 anos. (IxquuçÃo or
LIssoA.. proc. 6.333. ANTI).
Jeronimo Rodrigues - XN, foi mercador e ora está empobrecido, morador
na Vila de ltamaracá. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 557)."
João - criado de Manoel Lopes Homem, mercador em Olinda, que para
ele viaja para Olinda. ("Denunciações de Pernambuco." p. 115).
João dAraujo - XN, natural de Laiden na Holanda, solteiro, 26 anos, Íìlho
de Francisco Cabalhão, mercador, defunto, e de sua mulher Margarida
Mayer, morador em Londres, mora em Salvador na casa de Diogo Lo-
pes Franco, XN, mercador. (Na Holanda chamava-se Abrahão Caba-
lhão). ("Confissões da Bahia (ló18)." p.433).
João Batista - XN, natural de Lisboa, solteiro 25 anos, filho de Francisco
Rodrigues de Montemor e sua mulher Felipa Cabros, XN, judeus da
judiaria de Salonica, donde ele fugiu para Portugal, e foi penitenciado
pela Inquisição de Lisboa, é criado de André Fernandes Mengalo. ("De-
nunciações da Bahia (1591)." p. 316).
João Batista Soares - Mercador em Olinda. (INqursrçÃo DE LrsBoA. proc.
6.363. AN"r-D.
João Borges XV, filho de Gaspar Dias, l8 anos, morador em Guimarães,
-
estante em Salvador. ("Confissões da Bahia (1591)." p. 147).
João Fernandes -
XN, casado com Lucia Borges, vendeiro em Olinda. ("De-
nunciações de Pemambuco." p. 86).
João Mendes -
XN, morador em Olinda. ("Denunciações de Pernambuco."
p. ll3).
João Nunes - XN, mercador, senhor de 2 engenhos na Paraiba, contratador
do pau. (INqursrçÃo DE LrsBoA. procs. 885 e 1.491. ANTI).
João da Paz - XN, solteiro, mercador em Oiinda num negocio de mercancia
de seu pai, na cidade do Porto, 22 anos. (INqursrçÃo oE Lrsnol. proc.
11.206. ANTD.
João Pinto - XV, natural do Couto da Corelhã, da jurisdição de Barcelos,
filho de Tomé Lourenço e Catarina Pita, que viveu por sua fazenda,
40 anos, casado com Maria Lopes, morador no dito Couto, estante na
vila de Olinda, na rua da Serralheria. ("Denunciações de pernambuco."
p. l5).
João Rocha Vicente - XV, casado com Messia Barbosa, filho de João da
Rocha Barros e Maria Vicente sua mulher, 48 anos, rendeiro do enge-
APËNDICE 3 Y9
nho d'El Rei. ("Denunciações da Bahia (1591)." p.327, 4246-69).
i
João de Sequeira- morador em lpitanga onde tem curral. ("Confissões da
Bahia (1591)." p. 163).
João de Souza - XN. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 324, 527).
João de Uzeda - parte de XN, natural de Lisboa, hlho de Francisco de Uzeda,
regedor da cidade de Cordoba, e de sua mulher Constancia Rodrigues,
defuntos, solteiro, morador em llhéus, 35 anos, merçador. ("Denuncia-
ções da Búia (1591)." p. 438).
João Vaz Serrão - XN, casado com Leonor da Rosa, XN, morador ern Pe-
roassú, cirurgião e peruleiro. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 358,
4lGl7 e í3).
Jorge Dias da Paz - XN, filho de Diogo Fernandes e Branca Dias, morador
na Paraíba. ("Denunciações de Pernambuco." p. 558).
Jorge Esteves - mercador em Olinda, na rua da Serralheira. ("Denunciações
de Pernambuco." p. 86).
Jorge Fernandes da Pederneira - XN, em Olinda, morador em Lisboa, mer-
çador de trigo. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 522).
Jorge Totnas Pinto (Jorye Tomas o grande) - XN, natural do Porto, filho
de Antonio Tomaz, mercador, defunto, e de sua mulher Branca Henrique,
morador no Porto, 32 anos, solteiro, mercador e lavrador na Yénzq,
do Capibaribe. ("Denunciações de Pernambuco." p. 287).
Jorge Tomas (o pequeno) - XN, natural do Porto, filho de Antonio Tomas,
mercador, defunto, e sua mulher Branca Henrique, morador do Porto,
solteiro, 32 anos. Mercador de lógea na Bahia e lawador na Várzea do
Capibaribe em Olinda. (INqursrçÀo on Ltsrol, proc. 5.206. ANTf).
Jurdão - natural de Guimarães, criado de uma viúva merçadora da Ma-
deira. (Notícias sobre Autos de Fé." fol. í v. ANIT).
Iapo do Bqco - mercador. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 521).
Lopo Martins - XV" natural de Vila de Viana da Foz de Lima, filho de João
Martins e de sua.,.mulher Isabel Rodrigues, lavrador, defunto, 50 anos,
casado com Isabel Gomes, morador em Viana estante em Olinda. Foi
sapateiro e é mçrcador. ("Denunciações de Pernambuco." p. 475).
Iopo Ro&igues Martiwz - XV, natural de Lisboa, fúo de Gonçalo Peres
Martinez e de sua-mdler Clara Rodrigues Martines, tratantes, solteiro,
27 anos, tÍatante cstante em Olinda, irmão de Antão Martines. ("De-
nunciações de Pernaübuco." p. 331).
Luis Dios - XN, solteiro estante em Olinda. ("Denunciações de Pernam-
bu@." p. llQ.
Ittis Gomes - XV, natural de Tomar, filho de Gomes e Anes, lawador e sua
mulher Guiomar Gonçalves, defuntos, 60 anos, solteiro, vaqueiro de um
curral de Margarida Alvares em Una freguesia de S. Miguel e tendeiro.
("De,nunciações de Pernambuco." p. 263).
Itris lopes - natural de Lisboa, solteiro, mercador na rua Direita. ("Denun-
cia@s da Búia (1618)." p. 134).
350 ANExos

Mopel ÌAcla - )O{, ourives e mercador, casado estante em Pernambuco,


morador em Pornrgal. ("ConÍissões da Búia (1618)." p. 355).
Muoel de Azevedo - meio XN, natural do Porto, filho de Manoel Tomaz,
mercador XN, e Catarina de Azevedo, XV, que não era sua mulher.
19 anos, negociante da faz,ada de seu pa.i, estant€ na vila dç Olinda
ern casa de Jorge Esteves, na rua das Serralheiras. ("Denunciações de
Pcrnambuco." p. 292).
Motoel funoso - XV, natural da Vila de Serpa, arcebispado de Évora,
filho de Pedro Dias Barroso e sua mulher Ana Gomes Raposa, lá mo.
radorrs, 3l anos, casado com Isabel MaÍins, XV, mercador e morador
na cidade de Filipea na Paraiba. (*Confissões de Pernambuco." p. 129).
Muoel Cudoso de Lbu - XN, 34 anos, natural de Ponte de Lima, filho de
Lús Henriques e Isabel Rodrigues, defuntos, casado em Lisboa, por
pÍocuração com Isabel Cardosa Coronel, mercador em Salvador. (*Con-
Íissõ€s da Búia (1618)." p. 396).
Motoel Cqdoso Milão - XN, hlho de Henrique Dias Milão, e sua mulher
Gúomar Gomes em Olinda na rua da Serralheira, irmão de Gomes Ro-
drigues Milão. ("Denunciações de Pernambuco." p. 329,-3L51).
Motoel Fenwtdes Cutageru - (IxquuçÃo DE LMA, proc. E.414. ANTT).
Mopel Fenwtdes Grouda - XV, natural de Elvas, fúo de Alvaro Fer-
nandcs, mercador, e sua mulher B€atÍiz Fernandes, defirntos. Vi{no, 40
anos, negociante de mercadorias para fora. Casado com Francisca Mar-
tins, XV, morador em Salvador. ("Denunciações da Búia (1591)."
p. 508).
- XV, natural de Viana, solteiro, morador €,
Moroel Figueiras Yaladares
Salvador. (*ConÍissões da Búia (1618)." p. 353).
Mmoel de Freitas - XV, natural de Guimarãc, filho de Françisco de Frei-
tas e sua mulher Maria Braz, defuntos. Casado cdm Vitoria de Barros
XV. 4l anos, mercador e morador em Salvador. Lavrador, sunhado de
Manocl Ferreira, senhor de Engeúo. ("Denunciações da Búia (1591).*
p.26-70, 437).
Motoel de heüas - XV, mercador, morador em Sahàdor. ("Deirunciaçõcs
da Bahia (1591)." p.262).
Monel Galegos - XV, natural do reino, moradói em Lisboa, soltciro, so-
brinho e cunhado de Simão Nunes de Matos; assistente em Salnador,
onde mora em casa de seu cunhado Simão Nimes de Matos. ("f,teirun-
ciagões da Búia (1618)." p. ll4).
Motoel Gonçalves funos - XV, natural da Madeira, solteiro, morador em
Salvador. ('Confissões da Búia (1618)." p. 353).
Manoel Hornem dc Carvalho - parte de XN, natural de Ponte Dclgada, ds
Ilha de S. Miguel, 40 anos, morador em Salvador, tratante com Angola.
("Confissões da Bahia (1618)." p. 507).
Motoel Labeira - XV, casado, morador em Pernambuco, tratante em Sal-
APÊNDrcE 3 351

vador. ("Denunciaões da Bahia (1618)." p. 107. "Denuncia@s de Per-


nambuco." p. l2S).
Mopel Lopes - XN, mercador, natural de Lisboa, Íilho de Salvador Vaz,
mercador, e de zua mulher Guiomar Manoel, solteiro, 19 anos, estante
em Olinda em casa de scu tio Afonso Martins Aguas Mortas. flxqu-
sçÃo on L$no4 proc. 6.341. ANïI).
Mopel Lopes Hornem - XN, morador em Olinda, sobrinho dç Francisco
Lopes Homem. ("Denunciações de Pernambuco." p. 86).
Mopel de Meb - XV, filho de Antonio Oliveira do Carvalhal e d. Luzia
de Melo. Casado com d. Francisca. Dono de faz,enda no Jaguaripe e
comerciante com o Peru. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 380).
Motoel Nwps - XN, mercador e moiador em Olinda. Merçador de partida
para o Prata, Ílamengo. ("Denrraciações de Pernambuco." p. 332).
Mmoel de Paredes - XN, natural de Lisboa, filho de Agostiúo de Paredes,
alfaiate que já não usava o ofïcio, defunto, e sull mulher Violante da
Costa. Casado com Paula de Barros, 35 anos, dono de fazffida e'm Passé
e mercador. QNqunrçÃo nn Ltsol. proc. 11.071. ANTD.
Mopel Rodrigues - XN, solteiro, estante em Oünda. f'Denunciações de
Pernambuco." p. 116).
Muwel Ro&igues Ribeiro - XV, natural de Pombeiro, Íilho de Duarte Gon-
çalves e sua mulher Catarina Rodrigues, moradores em Pombeiro, entre
Amarante e Braga. Solteiro, mercador de lógea, 35 anos. ("Denuncia-
ções da Búia (1591)." p. 4(D).
Manuel Nunes - XN, natural de Idanhas, solteiro, morador em Salvador.
Mercador e lavrador. ("Denunciações da Bahia (1618)." p. 105).
Manuel Pires - ("Denunciações de Pernambuco." p. 86).
Mateus Iopes Franco - XN, 27 anos solteiro, natural de Lisboa, filho de
Francisco Lopes Branco, mercadoÍ, defunto, e sua múher Guiomar
da Maia, morador em Lisboa. ("Confissões da Bahia (1618)." p. 5m).
Matew Mendes Roxo - XV, solteiro, 28 anos, natural de Guinarães, filho
de Gaspar Mendes, metrador, defunto, mercador em Salvrdor na Rua
do Colégio. ('Denunciações da Búia (1618)." p. ll9).
Matew Mendes Roxo - XV, natural de Guimarães, solteiro, morador em Sal-
vador rua dos Estudos. ("Confissões da Búia (1618)." p. 356).
Misuel de Abreu XV,40 anos, natural de Guimarães e lá casado, morador
-
estante em Salvador, na rua do Bispo. ("Denunciações da Bahia (1618)."
p. l2s).
Migel tAfonseca - XN, solteiro, mercador, morador na nra dos 4 cantos,
primo irmão de Duarte Fernandes. ("Confissões da Búia (l6lE)." p. 3Í).
i Miguel Dias de Paz - XN, natural da cidade do Porto, filho de Duarte Dias,
I mer@dor, e de sua mulher Florença Dias, lá moradores. 2l anos, sol-
teiro, mercador estante ern Olinda. ('ConÍissões de Pernamhrco." p. 5l)..
352 ANExos

Migael Gomes Bravo - morador no Porto, estante em Salvador. (*Confissões


da Búia (1618)." p. 162).
Miguel Gonçalves - XV, natural do Porto, filho de Miguel Gonçalves e sua
mulher Imbel Pires, lavrador e defuntos, 45 anos, casado çom Grima-
neza Tavares, XV, vendeiro que dá de comer em Salvador. ("Denunciações
da Búia (1591)." p. 4n).
Ntttro Alvares - XN, rendeiro dos dízimos, morador em Camaragibe. ("De-
nunciações da Bahia (1591)." p. 520).
Pantaleão Vaz - XT{, morador na Vila de Olinda. ("Duruncia@s de Per-
nambuco." p.252).
Pascoal Bravo - XN, natural do Porto, casado, morador junto à Ermida
de N. S. Ajuda, irmão de Diniz Bravo. ("Denunciações da Bahia (1618)."
p. l0l-31).
Pascoal de Sousa - XN, solteiro, natural e morador em Viana, sobrinho dç
Sirnão de Sousa. ("Denunciações de Pernambuco." p. 327-31-33).
Paulo Rodrigues - tratante. ("Denunciações de Pernambuco." p. 327).
Pedro Hotnem - )C{, solteiro, morador em Salvador. ("Confissões da Bahia
(1618)." p. 3s6).
Pero Bravo - XV, natural de Viana, solteiro, estante em Olinda. ("Bat. das
Denunciações de Pernambuco." p. 214).
Pero Cardoso - XN, casado com Catarina da Costa, mercador e sirgueiro,
morador na üla de Oünda. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 330,
453, 516).
Pero Dias - XV, natural da cidade do Porto, flrlho de Gonçalo Alvares,
homem do mar, de sua múher, Barbara Dias de Figueiroa, defuntos,
50 anos, casado com Felicia Loba. Lawador, rico feitor de seu cunhado
Jeronimo de Barros, na freguesia de Tasuapina, cunhado de Manoel
Ferreira, mercador e lavrador em Salvador. ("De,nunciações da Bahia
(1591)." p. 386, 483,418, 261).
Pero Ferreira - XV, natural da Vila de Golegan, solteiro, 29 anog morador
em Salvador, filho de Henrique Ferreira, XV, que vive de sua lavoura,
e de sua mulher Domingas Fernandes, defunta. Trata para Angola e
outras partes. ('Confrssões da Búia (1618)." p. 405).
Pero Galegos - XN, solteiro. ("Denuncia@es de Pernambuco." p. ?.6?.43).
Pero Inpes - XN, natural de Lisboa, filho de Manoel Lo1rs, mercador, de-
funto, e de sua mulher Isabel Lopes, 48 anos, casado com Maria Ma-
noel, XN, moradores em Lisboa, estante em Olinda, na cÍrsa de seu irmão
Afonso Martins de Aguas Mortas. ("Denunciações de Pernambuço."
p. 460).
Pero Mendes - XN, 25 anos, solteiro, natural de Lisboa, filho de Manoel
Antunes, XN, defunto e Maria Mendes, XN, defunta, Serve a Simão
Fragoso, mercador XN, e corre com a renda de imposição desta cidade.
("Confissões da Bahia (1618)." p. al\.
APÊNDrcE 3 353

Pero Ntmes- XN, rendeiro do engeirho do rei, morador em Olinda. (..De-


nuncia@ da Búia (1591)." p. 279, n2, 547,384).
Pero Teixeira - XN, fúo de Jorge Rodrigues Navarro e Catarina, a Ra^na,
mor, sm Azinhagua. Solteiro, 18 anos, mercador e lavrador, natural de
Autouguia, morador em Salvador em Toque-Toque, sobrinho de Ruy
Teixeira. ("Denunciações da Búia (1591)." p. 430. ..ConÍissão da Bahia
(1591)." p. ll8).
Rodrigo tAvila - XN, natural de Lisboa, mercador com prata, estante em
Pernambuco, em casa de Manoel Nunes. ("Denunciagões de pernam-
buco." p. 326,331).
il.ti Lapes - XN, mercador-mor em Olinda. ("Denunciações de pernam-
buco." p. ll5).
iuti Teixeira - XN, morador em Lisboa, mercador fsitor de Bento Dias de
Santiago na Búia. ("Deirunciações da Bahia (1591)." p.D\4n,
y2).
Sebastião de Faria -
XV, mercador, casado com Beatriz Antunes, morador
em seu engenho em Matoim, filho de Sebastião Alves e Ines de Faria.
Tio de Antonio de Aguiar. ("Confissões da Bahia (1591)." p. 132. ..De-
nunciações da Búia (1591)." p.393,479,4f1,27S, KS, 492, SO7).
Sebasttïn Pereira XV, Íilho de Pedreanes C-amazal e sua mulher Maria
-
Fernandes, lavrador, natural de Besteiros, bispado de Viseu. 25 anos,
solteiro. Mercador que veio de Angola çom p@s de Leonardo Fois,
de Lisboa. Morador em Olinda. ("Denunciações de pernambuco.,'p. 420).
Sinão Dias - XV, mercador, morador em Salvador. l..Denunciações da
Búia (1591)." p. 319).
Sitnfu Fernodes - XN, natural da cidade do porto, filho de Migucl Fer-
Íìandes mercador e rendeiro de rendas, e de sua mulher Feüpa Mendes.
)O(NN, defuntos. 40 anos, lawador, casado çom Isabel Ferreira que
t€Ím raça de XN, morador na Moribara, freguesia de S. Lourenço. (*De-
nunciações de Pernambuco." p. 157).
Sintão Ro&igues -
mercador, mestre de açtrar. Casado com Victoria Jorge,
pai de Andressa Rodrigues. ("Confissões da Búia (1591)." p. lst.
Sitttão Vaz - XÌ{, mercador morador em Camaragibe. (..Denuncia@ de
Pernambuco." p. 451, 519 e 252),
Tottus Babintão - XN, inglês, casado com Maria de peralta, mercador de
lógea na Vila de Olinda. ("Confissões de Pernambuco," p.47. Ref. De-
nuncia de Bento Teixeira em INeunrçÃo DB LrsBoA, proc. 5.206. ANfD.
Tomaz Nwes XN, mercador que foi da Capitania de pernambuco para
-
o Reino. f'Denunciações de Pernambuco." p. 353).
Yasco Pbez - mercador. ("Denuncia@s da Búia (l59l)." p. 521).
APÊNDICE 4

Dm de fazeuilas presentes nr Brhia e em Pemrmboo eote


1590 e1620, referidos na docunerúaçlo iqridtorhl.
Adão Cardoso - dono de fazenda, casado com Isabel Sequeira. ("Denuncia-
@s de Pernambuco." p.34\
Afonso Neto - dono de faznnda. QNqusçÃo DB LMoA. prx,.2.912. ANTD.
Agostinho de Olütdo - XV, meio alemão, casado com Maria de Paiva, meia
XN, natural da vila de Olinda, morador no seu engeoho da invocação
de Sto. Agostiúo, na freguesia de Santo Amaro. Alcaide-mor da vila
de lgarassu. Filho de Arnaldo de Olanda, alemão de nação, defunto,
e de zua mulher Bea;trlz Mendes, gente dos da governança da terra. 38
anos. Alcaide-mor de Vila de lgarassú. ("Denunciações de Pernambu-
co." p. 239-53).
Ambrosio Fernandes Brandão - XN, dono de terras, fazendas, na freguesia
de S. Lourenço, mercador em S. Bento, morador em Moribara. (INquI-
sçÃo on L$soA. proc. 10.888. ANTT. "Denunciações da Búia (1591)."
p. 519 e 260).
Ana Lins - XV, filha de Rodrigo Lins, alemão, e de Felipa Rodrigues, sua
escrava, brasila, defuntos. 38 anos, casada com Bartolomeu I-edo. Fa-
zendeira no arrabalde desta vila, e natural de Olinda, moradora na sua
fazenda. ("Denunciações de Pernambuco." p. Í).
André de Brito - dono de fazenda em Tinharé. ("Denunciações da Búia
(1591)." p. ?49-72'5.
André Rodrigues - dono de fazenda em Jaboatâio, freguesia de Sto. Amaro.
("Denunciações de Pernambuco." p. 226).
Antonio de Andrade Caminha - XV, natural do conselho do Bem viver do
'bispado do Porto. Filho de Gaspar de Andrade e de sua mulher Mar-
garida Soares, dos da governança das terras e nela moradores. 33 anos,
casado com Ana d'Abreu XV, morador na sua fazenda na freguesia de
Sto. Amaro, dos da governança da vila de Olinda. Dono de engenho na
freguesia de Sto. Amaro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 56, 3/,0.4.2).
Antonio Bezerra - XV, juiz na üla de Olinda, filho de João Bezerra c de
sua mulher Senhorinha Gomes, que viüam de sua faznnda, defuntos.
Dono de fazenda naYârzea. ("Denunciações de Pernambuco." p. 343.
INeusrçÃo DE LIsBoA, proc. 1.332. ANTI).
APÊNDICE4 355

Antonio Cardoso de Barros - XV, dono de fazenda. (..Denuncia@es da Búia


(1618)". p. 107).
Antonio Cavalcoti - XV, dono de fazenda em ltamâracá (Raribi) e engenho
em Araribi. ("Denunciações de Pernambu@." p. 361-68, 98).
Antonio Fernandes Barros - dono de fazenü na freguesia de S. Lourenço.
("Denunciações de Pernambuco" p. 180).
Antonia Fogaça - XV, natural da Bahia, fitha de Diogo Jorilha, defunto,
e de sua mulher, que foi de Antonio Dias Adorno, defunto. 28 anos,
moradora em sua fazenda de Peroassú. ("Denunciações da Búia (1591),,
p. 389. INqumçÃo DB LnBoA. proc. 16.897. ANTD.
Antonio de Miranda - XV, casado, morador na freguesia da Igreja de pirajá,
dono de terras. ("ConÍïsões da Búia (1618)" p. 4lt.
Antonio Pires - XN, dono de fazenda na Pitanga. INqursçÃo DE LrsBoA.
proc. 11.070. ANID.
Bartolomeu Ledo - XN, casado com Ana Lins, morador na sua fazenda no
arrabalde da Vila de Olinda, tem forno de tijolo. ("Denunciações de
Pernambuco." p, 452).
Bernardo Pirnentel - XN, natural de Lisboa, hlho de Agostinho Caldeira,
vedor de D. Antônio Prior do Grato, e sua mulher, d. Beatú Botelha,
defuntos, 40 anos, casado com d. Custodia de Faria, meio XV, dono
de fazenda, morador em Matoim. ("Denuncia@r Éa Bahia (1591)"
p. 487).
Dbgo Conea - dono de fazeirda. INqusçÃo on Lnnor.. proc. 10.576. ANTD.
Diogo Correa de Sanchez - dono de fazenda e'm Caipe. INquuçÃo or LnsoA,.
proc. 7.950. ANTD.
Diogo Moniz hnuo - citado no proçesso de Alvaro Rodrigues, casado
com d. Maria de Reboredo, dono de fazenda em Peroaszu, onde mora.
("Denunciações da Búia (1591)" p. ?32. "Confrssões da Búia, (1591)".
p. 154).
Domingos Bezena - XV, natural de Viana da foz de Lima, Íilho de Antonio
Martins da Boda, e de sua mulher Maria Martins B€zerrd, gente nobre,
defuntos, 68 anos, casado com Brazia Monteiro dos da governançB nesta
terra, e que disse ser fidalgo de geração. Morador em sua fazenda da
Yârza,, freguesia de N. Senhora do Roúrio. ("Denunciações de per-
nambuco". p.nD,
Domingos Gomes Pimentel
-XI{, natural da Bahia, hlho de Simão Gomes
Varela, lawador, defunto e de sua mulher Madalena pimentel, solteiro
Z anos. Morador em Passé com sua mãe. Dono de fazenda. (..Confis-
sões da Búia (1591)". p. 98).
hurte Dias - )C{, dono de faznnda e mercador, morador na Vila de Olinda.
("Deirunciações de Pernambuco." p. 205-10. "Deirunciações da Bahia
(1591)". p. 4sl).
35ó ANExos

Dwrte Dias Ewiqucs - XN, senhor de engeúo e de fazendz em Jaboatão'


na freguesia de Sto. Amaro, merçador ('Denuncia@ de Pernambu-
co." p. 314. "Denunciações da Búia." p. 519-33).
Dturte de Gois de Mendonça casado com Francisca de Carr'"altio, pai de
-
Antonio de Serpa, moradores em Tapuam, frcguesia da Praia' dono de
fazenda. ("Conhssões da Bahia (1591)." p. 16l).
Duarte Gomes - dono de fazenda na Paraíba. C'Deirunciações de Pernan-
buco." proc. 2.912).
Duarte Henriqzes XN, dono de faze,nda na fregresia de Sto. Amaro. (*Con-
-
fissões de Pernambuco." p. 3t.
Duarte Mendes XN, merçador e lavrador navâtzâ, casado com Maria de
-
Sousa, XV, parente de Antonio Tomas, saiu no auto de fé que se fez
em Olinda. Dono de faz,enda em Camaragibe. ("Denunciações de Per-
nambuco." p. 256).
Duarte de Sá - meio XN, natural de Barcelos, arcebispado de Braga, lúo
de Antonio Múia, XV, tabeüão do público judicial da dita vih dc Bar-
celos e de sua mulher Isabel Dias de Sá, que dizem ser de nação de )OC{N,
não sabe se toda ou sm parte, dduntos, 38 anos, casado com Joana Ta-
vares, XV, dos da governança da vila de Olinda, morador em sua fazenda
na freguesia de Sto. Amaro. ("Denunciações de Pernambruco." p. ?Jlll.
"Denunciações da Búia (1591)" p. 568).
Femão Cabral de Anide - XV, natural da cidade de Silves, no reino do Al-
garve, filho de Diogo FernandesCabral
e de suamulhet, d. Anad'Almada,
defuntos, casado com d. Margarida da Costa. 50 anos, morador na $u
fazenda e engenho no Jaguaripe. Referido na confissão de sua mulh€r.
("Denuncia@es da Búia (1591)" W. n5,353, 3(8, 3El, 291, Wï).
Femão Martins - dono de fazenda e engenho cm Capibaribe, frçguesia da
mat(u da Vila de Olinda. ("Denunciações de pernambuco.,, p. D9).
Fernão Soares - XV, dono de fazenda em Sto. Amaro. Juiz dos órfiios de
Vila Olinda. ("Denuncia@s de pernambuco.', p. 4j).
Francisco Femandes do Porto
-
xN, dono de fazenda no cabo de sto. Agosti-
nho, freguesia de Sto. Antonio. Sr. de engenho, morador na rua de João
Eanes, sogro de Antonio Batalha. (..Denunciações de pernambuco." p. 3l).
Francisco de Banos
-
morador na sua fazenda na Moribara, freguesia de s.
Lourenço. Ssnhor de engenho. (..Denunçiações de pernambuco." p. 30).
Francisco de Meira
-
casado com llena de Meira, negra brasila. pais de Anto-
nio de Meira, mameluco, lawador com faze6da nó Rio de Joanc, freguesia
de Paripe. ("Conhssões da Búia (1591)" p. ll7).
Francisco Rodrigues Pinheiro dono de fazenda em penrão Mirim. (..Denun-
-
ciações da Bahia (1591)." p. 37q.
Gabriel soares- XV, dono de fazenda em Jaguaripe. ("Denunciações da
Bahia (1591)." p. 307,514, 503, 551).
APENDICE 4 357

Gaspu do Crnha - morador em Salvador, dos da governança., casado, dono


de fazenda em Sergipe do Conde. (..Denunciações da Bahia (1591)."
p. 34, 45-69).
Hnri4ue Mendes -
XN, dono de fazenda em Capibaribe, freguesia da Vár-
zea. ("Denunciações de Pernambuco.', proc. 5.206).
Henrique Mendes -
XN, mercador mancebo, que parece não ter mais que 30
anos, estante em Oünda, homem barbi preto, baixo de corpo, cicioso
de língua, dono de fazenda em Carnirijo, freguesia de Sto. Amaro. (..De-
nuncia@s de Pernambuco." p. 80).
Inácia de Barcelos -
XV, natural da Ilha 3.., casado com d. Joana, XV, filho
de Afonso de Barcelos Machado, lawador de sua fazenda, e sua mulher
Ana Cabaça, defuntos, 50 anos, morador em llheus, lawador de sua fa-
zenda, estante em Salvador. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 363).
João Pires - XV, casado com Felipa Tavares, parte de XN, da governança
da terra, pais de Simão Pires. Tavares, morador na sua fazenda dos Gua-
rarapes, freguesia de Sto. Amaro. ("Denunciações de pernambuco." p. 23).
Jorge Leitão -XV, natural da capitania de pernambuco, filho de Gonçalo
Mendes Leitão e sua mulher, d. Antonia d'Albuquerque, 26 anos, solteiro,
morador em Perativi, freguesia da matnz de Olinda, dono de fazenda.
("Denunciações de Pernambuco." p. 94).
Jorge Magalhães - XV, natural de Meião Frio, filho de Diogo de Magalhães
d'Azevedo e de sua múher Mécia Nunes de Meirelles, já defuntos. 46
anos, cÍrsado com Beatriz de Sampaio. Cidadão dos da govemança da
cidade do Salvador. Morador em sua Faznnda, no rio de Matoim. (..De-
nuncia@es da Bahia (1591)." p. 791, 539-73).
Lourenço de Souza - XV, viúvo de d. Beatriz XN, dono de fazenda navârzea
do Capibaribe. ("Denunciações de Pernambuco." proc. l7.Bl2).
Madaleru Pimentel - dona de fazenda na freguesia de passe, üúva de Simão
Gomes Varela, XV, natural de Pernambuco, filha de pero pais e de Bea-
triz da Silva, 46 anos, mãe de Domingos Gomes Pimentel. ("Confissões
da Bahia (1591)." p. 158, 540).
fuIanuel de Leão - XV, natural de Alcacer do Sal, arcebispado de Évora,
hlho de Francisco Gil, homem branco que vivia por srn fazenda, e sua
mulher Isabel Leça, mulher parda, esteireiro que não usa o oficio, 49
anos, casado com Güomar Carvalho, XV do dito Alcacer do Sal, va-
queiro de Francisco de Barros e morador em sua fazenda na Moribara,
freguesia de S. Lourenço. ("Confissões de Pernambuco." p. 30).
Manoel de Leüão - dono de fazenda em Jaboatão. ("Denunciações de per-
nambuco." p. 206).
Manoel Marques -
XV, natural da vila de Estremoz, filho de Afonso Rodri-
gues e de sua múher Luiza Fernandes, lavradores nos cantos mor junto
da mesma vila, 30 anos mais ou menos, solteiro. Feitor de André Rodri-
. .gü€s, morador na sua fazenda em Jaboatão, freguesia de Sto. Amaro.
. ("Denunciações de Pernambuco." p. 226).
358 ANEXoS
)

Manoel de Melo - irmão do Cônego Bartolomeu de Vasconcelos, XV, hlho


de Antonio d'Oliveira de Carvalhal e de d. Luzia de Melo, casado com
d. Francisca, e dono de fazenda no Jaguaripe. No tempo da üsitação,
estava nas Índias de Castela (Cuzco no Peru). ("Denunciações da Bahia
(1591)." p. 380).
Manoel Mmdes - XN, dono de fazenda em Sergipe do Conde. ("Denuncia-
ções da Bahia (1591)". p.241).
Manoel de Paredes - XN, natural de Lisboa, filho de Agostinho de Paredes,
alfaiate que já não usava do oficio, defunto, e de sua mulher Violante da
Costa; mercador que ao tempo èra lavrador em Passé, freguesia de Ta-
suapina, casado com Paula de Barros, sobrinho de Branca da Costa,
irmã de sua mãe, casada com Pero Cortez, mercador de Lisboa (presa na
Inquisição de Lisboa), 35 anos, dono de fazenda em Passé, morador em
Salvador. INqusrçÃo on Lrsnor.. procs. ll.07l e 13.957. ANTI).
Monel Yaz Guantes - XV, natural da cidade de Braga, filho de Alvaro Luü,
que não tinha oficio, e üúa por sua fazenda, e de sua mulher Isabel Vaz,
defuntos; 43 anos, casado com Margarida Apariça, lawador de suas roças
e terras, morador na freguesia de Sto. Amaro. Dono de fazenda. ("De-
nunciações de Pernambuco." p. 229).
Maria de Azevedo - mameluca, meia XN, com raça de XN, por parte de sua
mãe (hlha de XN e XV) natural da capitania de Pernambuco, hlha de
João Queixada, XV, mameluco e de Lianor Reinoa, meia XN, defuntos.
2l anos, casada com Mateus Freitas de Azevedo, alcaide-mór da Capi-
tania de Pernambuco, morador em Olinda, freguesia da Matriz, dona de
fazmda em Água de Lupe. ("Denuncia@es de Pernambuco." p. 36).
Maria Inpes - XN, dona de fazenda na Moribeca, cunhada de Gaspar Ro-
drigues. ("Denunciações de Pernambuco." proc. 17.037).
Miguel Álvares - XN, genro de Isabel Vaz e de Manoel Rodrigues, casado
com Beatriz Mendes, dono de fazenda na Pojuca. ("Denunciações de
Pernambuco." p. 363).
Miguel Pires Landim - natural da capitania de Pernambuco, filho de Alvaro
Pires de Alegrete, XV, homem branco, e de uma escrava chamada Bea-
triz, defuntos;43 anos, casado com Beatú de Lucena, mestre de engenho
e morador em sua fazenda em Jaguaripe, freguesia da matriz da vila de
Olinda. ("Denunciações de Pernambuco." p. 244).
Nicolan Faleiros de Vasconcelos - XV, de todas as partes, natural da capita-
nia de Ilheus neste Brasil, 37 anos, morador em Matoim, casado com
Ana Alconforado, morador em srra fazenda em Matoim. ("Confissões
da Bahia (1591)." p,243).
Nwo Pereira do Carvalhal - XN, morador em Salvador, dono de fazenda
em Tasuapina. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. 479).
Palos Gonçalves - morador na freguesia de S. Lourenço, dono de fazenda.
("Denunciações de Pernambuco." p. 216).
APÊNDICE 4 359

Pero tAguiar Daltero XV, casado com Custodia de Faria, XV. Pais de
-
SÉbastião d'Aguiar, Antonio d'Aguiar e Cristoval d'Aguiar, moradores
em Matoim, na sua fazeÍlda, 48 anos. ("Denunciações da Bahia (1591)."
p. 340, 411,248).
Pero dAlbuqtetque - XV, natural da cidade do Porto, filho de Pero Lopes
d'Albuquerque, dos nobres e da governança da dita cidade, e de sua
mulher, Maria Antonia dâlmeida,48 anos, casado com Catarina d'Arau-
jo Pacheco, XV, morador na sua fazenda de Igarassu. ("Denunciações
de Pernambuco." p. 168).
Pero Bastardos - natural de Ilhéus, estante na capitania de Pernambuco, dono
de fazenda mameluco, solteiro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 135).
Pero Cárdigo - XV, natural de Sardoal, bispado da Guarda, filho de Fernão
Garcia e sua mulher Felipa Cardigan, defuntos, que üúam de sua fa-
zenda. Teve duas Íìlhas, uma casada com Frutuoso Barbosa, e outra com
Pero Coelho de Sousa, morador em suÍr fazenda e engenho de Capiba-
ribe, freguesia daYârzea. Possui mais 2 engenhos,60 anos, casado com
Isabel Mendes, XN. ("Denuncia@es da Bahia (1591)." p. 514-ó0. IN-
qumçÃo DE LrsBoA, proc. 12.967. ANTI).
Pero Coelho dc Souza - XV, dono de fazenda na Paraíba, casado com d.
Tomasia, filha de Pero Cárdigo, natural da Ilha de S. Miguel. ("Denun-
ciações de Pernambuco." p. 26).
Pero Dias da Fonseca - XV, natural da Vila de Azurar, bispado do Porto;
dono de faznnda na freguesia de Pojuca, 60 anos, casado com D. Maria
Pereira. ("Denunciações de Pernambuco." p. 256,239, 450. "Confis-
sões de Pernambuco." p. 50 e l,16).
Pero Lopes Carnelo - XN, lawador mór na üla de Olinda, dono de fazenda
na Barreta, dono de engenho no Cabo. INeusçÃo DË LIsBoA, proc.
6.3ó3. ANTT.
Sebastíão Coelho (alcunha o Boas Noites) - dono de fazenda em Pernam-
buco, morador em termo da cidade do Porto, viúvo de Isabel Fernandes,
dono de trapiche e fazenda em Pojuca, freguesia de S. Miguel. ("De-
nunciações de Pernambuco." p. 294 e 523).
Sintão Mtnes de Matos - XN, natural de Lisboa, Senhor de engeúo de açú-
car em Salvador (Mag, e de fazenda de lenbas no rio de Jacuruna, ca-
sado e morador no enganho. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. l0l-14).
Sintão Pires Tavares- XV, com alguma raça de XN, natural desta capitania,
filho de João Pires, XV, dos da governança da tera e de sua mulher
Felipa Tavares, a qual, pela parte de sua mãe é XN, 27 anos, solteiro,
morador na casa de seus pais na fazenda dos Guararapes, freguesia..de
Sto. Amaro. ("Confissões de Pernambuco." p. 27).
Tristõo Ribeiro - XN, segundo dizern, dono da fazenda em Passé, senhor
de um engenho de bois, natural do Porto. ("Denunciagões da Búia
(1591)." p. 256).
3ó0 ANExos

Vicente Correa - XV, seúor de fazenda na freguesia da Yârza do Capi-


baribe, freguesia de N. Sra. do Roúrio. Casado com Inês de Brito XV.
INqusçÃo DE LIsBoA. proc. 13.250. ANTT.
F

APÊNDICE 5

Processoo do Brasil
Yisitação de Penrambuco

Alvaro Velho Barreto - XV, natural de Vila Viana de Foz de Lima, Arcebis:
pado de Braga. Filho de Tristão Velho e de sua mulher Isabel Pais, de-
funtos. 47 anos. Casado com Lúsa Nunes. Dos da goveÍnança da terra,
morador na Yârzea do Capibaribe. Senhor de faee,nda.
Culpa - BlasÍêmias.
Sentmça - Visto qualidade do réu e sua abonação, ewumdo de peni-
tência pública. Abjuração de leü na Mesa. Confesse-se de confissão geral
e dçois no prazo de I ano, todo o mês, comungando a conselho de seu
confessor. Em cada mês, reza urna vez os saknos penitenciais. Pague
10 çruzados para despesas do Santo Oflcio e as custas: 4$105. INqu-
uçÃo on Lsnol proc. 8.475. ANTT.
Ana da Costa de Atuda - meia XN, Íilha de Pero da Costa, XV, lawador
e dono de engenho e de Felipa daPaz, XN, natural e moradora na vila de
Olinda. Solteira.
Culpa - Judaísmo.
Sentença - Prova da justiça não é bastante para condenação. Vá ao
auto público da fé com vela acesa na mão e abjure de levi suspeita na fé.
Pague as custas: 2$317.
André Fenwtdes Caldeira - XV, natural da Ilha Terceira, filho de André
Fernandes Caldeira, guarda da AlÍÌindega de Angra, e de zua mulher
Francisca Martins, lá moradora. 22 anos. Solteiro.
Culpa - Palawas heréticas sobre a üda transcendente.
Sentença - Ir ao auto de fé com vela acesa na mão, descalço, desbar-
retado, em corpo. No ano seguinte, confessar nas quatro festas e comun-
gar a conselho do confessor. Custas: 3M34. INqusçÃo DB LIsBoA. proc.
8.414.ANTr.
Ánhé Pinto - )O{, natural de S. Gonçalo de Amarante, do Arcebispado
de Braga. Filho de Duarte Rodrigues Pinto, XN, não sabe s€ todo ou
€m paÍte, e sua amiga., cujo nome não sabe, defunta. 32 anos. Casado
com Maria Quaresma, XV. Lavrador, morador nafaz,eÃda de Francisco
Fernandes Porto, no cabo de Sto. Agostinho.
362 ANEXoS

Culpa - Melhor o estado dos casados que o dos religiosos.


Sentença - repreendido na Mesa. Abjuração de leü suspeito na fé. pa-
gar as custas. Confessar nas 4 festas, comunga.r a conselho do confessor,
rczãr e jejuar algumas orações e jejuns. INqusrçÃo on Lrsrol. pnoc.
8.471. ANTI.
Antonb Dios - XV, carpinteiro, morador junto à igreja de Sta. Luzia. Na-
tural da freguesia de Santiago de Encoirados, entre Braga e Barçelos
em Vilar de Frades. Filho de Domingos Fernandes, carpinteiro, e de
sua mulher Catarina Dias, 35 anos. Casado com Gracia Rodrigues, XV.
Culpa - Proposição errônea sobre misericórdia de Deus.
Smtença - repreensão na Mesa. Confessar-se de conÍïssão geral de toda
a vida. Num ano, confessar-se nas 4 festas principais, comungando a
conselho do confessor. Seja mandado instruir por um reügioso por 20 dias.
INqusrçÃo DE LrsBoA. proc. 6.159. ANTT.
Antonio Dias - forro. Natural de Pernambuco, 24 ov 25 anos. Mestiço.
Filho de Luis Dias, mulato, carpinteiro, e sua mulher Beatriz, gentia
que depois se fez crist€i. Defuntos.
Culpa - Não adorar a hóstia que é feita de farinha. Preso.
Sentença - ir ao auto de fé em corpo, desbarretado, descalço, com vela
acesa na mão. Confessar nas 4 festas e comungar a conselho do confessor,
rezando entilo um roúrio de N. Senhora. Custas l$573.
IxquuçÃo DB LrsBoA. proc. 8.478. ANTI.
Antonio Gonçalves (ou Monteiro) XV, natural de Vila Nova do Alg;arve.
-
Filho de Nuno Gonçalves e de sua mulher Grinanesa Marinha, defuntos.
4ó anos. Casado com Francisca Fernandes, XV, e no Peú. com Mar-
garida de Andrade. Homem do mar, morador eru Olinda.
Culpa - Bigamia.
Sentença ir ao auto púbüco descalço, em colpo, desbarretado; com
-
vela acesa na mão, e nele abjurar de leü suspeita na fé. Açoitado publi-
camente na vila de Olinda. Fazer vida com sua mulher (a primeira) e
nunca mais entre onde estiver a segunda nem com ela se entenda por
obras e palawas. Confessar-se no ano seguinte às festas do Natal, Pás-
coa, Espírito Santo e N. Senhora, nelas comungando a conselho do con-
fessor. Custas: 2$095. :.
IxquuçÃo oe Lsno,c,.'prir. t.4aO. AÌ.fm.
Antonio Lopes Olivettça - ÏV, natural de Olivença. Casado com Isabel
Mendes; XÌ; morador em Olinda. Estar a serviço do prior do Crato.
Repreendiáo.
IxqumçÃo DE LrsBoA. proc. 8.477. ANTT.
Antonio Rebelo - XV. Apresentado na Graça. Natural do termo de Gui-
marães, conselho de Filgueiras, arcebispado de Braga, filho de João
Rebelo e de sua mulher Isabel Mendes de Vasconcelos. 22 anos. Sol-
teiro. Feitor de Fernão Mendes do Porto de sua fazenda oa VâÍze,
na freguesia de N. S. do Roúrio. Menor.
APÊNDIcE 5 363

Culpa - Ter dito que o estado dos casados era melhor que o dos re-
ligiosos.
Smtença - abjuração de leü na mesa. ConÍissão geral de toda sua
vida. Confessar-s€ nas quatro festas, comungando a conselho do confes-
sor. Rezar os salmos penitenciais de David de joelhos, freqii,urtar missa
e pregações. Custas: 2V4 rs.
IuqumçÃo on Lnnol. proc. 6.354. ANTT.
Antonio Trevisan - grego de nação. Natural de Candeaque, ilha sujeita ao
senhorio de Yeneza. Filho de Jorge Trevisan, boticário, defunto, e de
zua mulher Lambri Fimena, viúva na dita Candia. 23 anos. Solteiro.
Católico.
Culpa - Ter declarado, e crer, que a fornicação com mulher negra e
solteira não era pecado.
Sentença - um domingo ou dia santo na igreja, enquanto se celebarar
o oflcio divino, esteja em pé, descalço, desbarretado, em co{po, cingido
com urna corda, com uma vela ac€sa na mão, e faça abjuração de leü
suspeita na fe. ConfessaÍ-se nas quatro festas, comungando a conselho
do confessor. Jejum duas quartas-feiras. Pagar as custas. Usaram mise-
riórdia por ser pobre e estrangeiro, relevando a pena que por direito
merecia.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 6.351. ANïT.
Baltazar André - XV, natural do Porto, filho de Cristovão Fernandes, pes-
cador e lavrador, e de sua mulher Maria André. Morador ora na barra
do Jaguaripe. 23 anos. Casado com Maria dos Reis, XV. Mercador.
Culpas - preso por luteranos, fez com eles orações, embora no íntimo
não tivesse aderido à seitâ.
Seníença - escusado da penitência pública. Repreendido na Mesa e
admoestado. Confessar nas quatro festas do ano, comungando a con-
selho do confessor. Jejuar três sextas-feiras, ern cada uma rezando o
roúrio de N. Senhora. Mandado freqiientar conltssões e oÍÍcios divinos
e pregações. Por ser pobre, relevada a p€Íla pecuniária. Pagas as custas
de l$137.
INqusrçÃo DE LIsBoA. proc. 7.953. ANTT.
hltazar Dias XV, 30 anos. Cuteleiro. Natural e morador do Porto, estan-
-
te em Pernambuco. Filho de Cristovão Dias, lawador, defunto, e de sua
múher Isabel Anes, lá moradora. Casado com Maria André, XV, no
Porto.
Culpas - invocar os diabos e arreÍlegar os óleos.
Sentença - ir
descalço, em corpo, com a cabeça desbarretada, vela
ÍÌcesa na mão e vara atravessada na boca, ao auto público da fé, e nele
fazer abjuração de levi suspeita na fé. Degredado por um ano pa.ra Angola.
No dito ano se confesse e comungue a conselho do confessor, cinco vezes
3@ ANExos

fora da obrigção da quaresma, e cumpra as penitências que lhe derem


szus confessores.
IxquuçÃo ns proc. 6.363. ANTT.
LrsBoA,.
fuhazar da Foweca - XV, pedreiro, morador na Capitania de ltamaracá,
natural de Coimbra, hlho de Gaspar da Fonseca pedrciro, mestre de
obras e de sua mulher Francisca, defunta. 35 anos. Casado com Isabel
Nogueira XV.
Culpas - declarou publicamente não crer nem adorar Nossa Senhora
nem em S. Pedro, nem em S. Paulo, nem santo algum, nern na cruz;
ú adorava e cria num Deus todo-poderoso.
Sentmça - Abjurar de levi zuspeita na fé, na Mesa: Grandissimamente
repreendido. Pagar l0 cruzados para as despesas do Santo CIIcio. Pa-
gar as custas: 894 rs. Não se intrometer mais em questões e proposi-
gões, porque não é letrado nem as entende. Confessar-se num ano nag
quatro festas e comungar a conselho do confessor.
INquuçÃo oB Lsnor. proc. ó.365. ANTT.
knto Cabral - XV, filho de Afonso Rodrigues Bacelar e de sua mulher
Maria Cabral, defuntos, dos da governança da terra. 27 anos. Casado
com Catarina Siqueira, XV. Morador na freguesia de Sto. Antonio.
Culpa - ter dito publicamente que a fomicação simples era p€cado ve-
nial. Sinplesmente, s€rn pertinácia ou malicia. Não M denúncias.
Smtença - Repreendido na Mesa, e pagar 5 cruzados paÍa as despesas
do Santo Oficio, alérn das custas. Num ano, confessar-s€ e comungar
a çonselho do confessor nas quatro festas principais. Quando @mnngaÍ,
rezar urna vez os salmos pe'nitenciais de David. Freqiieirtar oÍIcios di-
vinos, pregações.
IxquuçÃo DE LrsEoA. proc. 7.955. ANTT.
Bento Teixeira - XN, viúvo, filho de Manoel Alvares, lavrador, e Leonor
Rodrigues, defuntos. Natural da cidade do Porto, morador em per-
nambuco.
Culpas judaizar.
-
Sentença -
abjwação de vehemente no auto público de fé, com cálc€re
e Mbito perÉtuo. Instruir-se na doutrina cristã.
hquntçÃo oe Lrsaoe. proc. 5.206. ANTT.
Braz Fernandes- XV, natural da Vila Guimarães, arcebispado de Braga, hlho
de Antonio Vaz, tratante, e de sua mulher Isabel Fernandes, sarda,
moradores na mesrna Vila, defuntos. 7l anos, casado com Violante
Fernandes XV. Meirinho da Vila Igarassu.
Culpas -
palavras irrevercntes sobre Bula.
Sentança - Co'nfessar aa gnça. Testemunhos não zuficicntes. Escusado
de penitência pública. Na mesa, grandissimamente admoestado e re-
preendido. 5 cruzados para as despesas do Santo OÍtcio.
IuegsrçÃo on Lrsor. prx,.6.362. ANTT.
ApÊNDrcE 5 365

Braz Frorisco - XV, nafural da freguesia de Oliveira, termo da cidade do


Porto. Filho de Francisco Eanes e de sua mulher Inês Eanes, lavradores,
defuntos. Casado com Margarida Falcira, XV.
Culpas * ter declarado publicamente que o estado dos casados era me-
lhor que o dos religiosos.
Sentença - ir ao auto da fé púbüco em corpo, descalço, cingido com
uma corda, desbarretado, com uma vela acesa na mão. Abjurar de levi.
Pagar as custas. Confessar e cgmungar a conselho do confessor nas
quatro festas principais, e rsrar nelas um roúrio de N. Seirhora.
IuqursrçÃo on Lrsnoe. proc. 2.912. ANTT.
Brásia Pinta - XV, casada com Leonardo Perein. Moradora em seu €n-
genho de Apipucos.
Culpa - judaizar segundo asusações de zua tia Beatriz Fernandes.
Sentença - julgada inocente, mandada voltar em pz. Pagar as custas
l$456.
IxqumçÃo os Lrsnor. proc. 9.430. AN'lï.
Cosmo Martins - mamelu@, filho de Antonio Eanes, lavrador, homem bran-
ço e Catarina Martins, mameluca, sua mulheÍ, defunta. Z anos. Sol-
teiro, pescador e trabalhador. Morador em Jaguaribe.
Culpa - comungado de,pois de almoçar.
Sentorya - Confessar fora da Quaresma três vezes nas fcstas princi-
pais e nelas comungue a conselho do confessor. Jejuar duas sextas-feiras,
c em cada trma delas reziar urna vez o roúrio de N. Senhora.
INquuçÃo pr Lmol proc. 5.534. ANTT.
Cristovão Queixada - XV, natural da cidade de Guete, reino de Castela.
Filho de Evangelista Manoel Luna, que foi mordomo do conde de Mon-
terey, e foi também aduaneiro muitos anos em Cializa, e de sua mu-
lher Luisa de Herede. 32 anos. Não oÍicio. Vive de sua roça. Casado
com Catarina Rodrigues, portuguesa, filha de branco e mameluca Xìy'.
Culpa - Comer cÍrrne em dia defeso. Foi denunciado falsamente.
Smtença - no ano próximo confessar e comungar a conselho do con-
fessor nas quatro festas principais, e em cada uma rezar três vezes os
salnos peoitenciais de Daüd. Pagar as custas: 2$653.
IwqusçÃo ns Lxsnor. proc. 6.333. ANïT.
Cristovão Martins, o fueta de alcrottu - XV, natural de Lisboa, morador
em Olinda. Filho de João Martins, alfaiate, e de sua mulher Ana Fer-
nandes, lá moradores. 30 anos. Casado çom Antonia de Freitas que
não sabe se é XN. Alfaiate.
Culpa - ter declarado publicamente que o amancebamento não era
crime, por ser serviço de Dzus.
Smtença - Ir ao auto público da fé em corpo, descalço desbarretado,
com vela acesa na mão. Abjurar de levi suspeita na fé. Pagar as custas
36 ANEXos

l$343. No ano seguinte, confessar e comungar a conselho do confessor


cada mês urna vez. Freqüentar missas e pregpções e oÍIcios divinos.
INqrsçÀo pB Lrssol. proc. 6.341. AN"IT.
Cristovão ltriz - XV, natural de Lisboa, Filho de Luis Alvares Portilho,
mercador, e de sua mulher konor Femandes, moradora em Lisboa.
25 anos. Solteiro, mercador. Morador na Búia, estante em Pernambu-
co (Olinda).
Culpa - t€r feito çerimônias e rezaÃo com luteranos, no [lar.
Sentença - escusado de penitências públicas. Repreendido e advertido
na Mesa. Freqüentar a conhssão e oficios divinos e pregações. Confes-
saÍ nas quatro festas principais, comungando a conselho do confessor.
Pagar as custas de 987 rs.
INquuçÂo pE Lssoa. proc. 6.342. ANTI.
Lic. Diogo fu Couto - vigário da vara em Pernambuco. Natural da cidade
da Bahia, filho natural de Antonio Femandes, solteiro, defunto e Ana
Dias, solteira defunta tida por XV. 36 anos.
Culpas - ter aceito peita de XN para não mandá-lo de volta ao Reino
onde tinha mulher. Palavras irreverentes na pregação.
Sentença - Repreendido na Mesa.
INqusçÃo os LrsBoA. proc. 6.353. ANTT.
Diogo Dias - XV, natural de Ferreira, tcrmo da cidade do Porto. Filho de
Diogo Francisco e de sua mulher Dionisia Fernandes, lanradores. 23
anos, solteiro, marinheiro, estante em Pernambuco.
Culpas - ter declarado publicamente que o estado dos casados era me-
lhor que o dos religiosos.
Smtença - Reprecndido na Mesa. Fez boa çonfissão na Graça. Custas
536 rs. Jejuar uma sexta-feira à hora da paixão de Cristo. Confessar-se
nas quatro festas principais, comungando a conselho do confessor. Des-
dizer-se diante das p€ssoas a quem falou tais palawas com algum arra-
zoado propósito.
INquuçÃo on Lnnol proc. 6.350. ANTI.
Diogo Lourenco - XN, natural do Porto, filho de Jeronimo Rodrigues, mer-
cador, e Joana Henriques, sua mulher, XN. 30 anos, solteiro, mercador.
Morador em Olinda na ladeira da Misericórdia.
Culpas - dizer publicamente que o estado dos casados era melhor que
o dos religiosos.
Smtmça - não havendo denúncia, apenas sua conÍissão, abjurar de
levi na Mesa, paga.r as custas. Repreendido e admoestado. Desdizer-se.
Confessar e comunga.r a conselho do confessor nas quatro festas prin-
cipais.
INquruçÃo DE LrsBoA. proc. 6.347. ANTT.
Diogo Martins Pessoa - XV, natural de Olinda, filho de Fernão Martins
dos da governança da terra, e de sua mulher Maria Gonçalves. 23 anos.
Sblteirci, morador na casa de seu pa.i, engeirho em Capibaribe.
APÊNDICE 5 %7

Culpa - dizer que não era pecado mortal a fornicação simples.


Sentmça - por ter confessado na Graça, e concordar seu depoimento
com os ditos das testemunhas; só pagar as custas. Jejuar três sextas-feiras,
e em cada uma delas rezat 15 Padre-Nossos em honra da paixão de Cristo.
Um jejum seja de pão e água. Confessar três sextas-feiras num ano e
nela comungue a conselho de seu confessor. Repreendido.
INqustçÃo DE LrsBoA. proc. 6.348. ANTI.
Domingos Pires XV, solteiro, natural de Yiana da Foz de Lima, filho de
-
João Pires, homem do mar e de sua mulher Maria Eanes. 24 anos. Cria-
do de soldada de Simão Vaz, mercador, morador em Camaragibe.
Culpas -
sodomia.
-
Smtmça Repreendido na Mesa. Permanecer um mês num mosteiro
para ser doutrinado. Num ano se confesse 7 vezes, alérn da obrigação
da Quaresma, sendo a primeira confissão geral. Jejue 7 vezes em sexta-
feira. Comungue a conselho de seu confessor. Pagar as custas: 3$417.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 7.948. ANTI.
Estevão Velho Barreto- XV, natural de Pernambuco, filho de Alvaro Velho
Barreto e de sua mulher Luísa Nunes que tinha raça de XN. Casado
com Beatriz de Brito que tem raça de XN, 2l anos mais ou menos.
Culpas - nefando.
Sentença não haver mais culpas que as confessadas pelo réu. Repre-
-
endido e admoestado. Por um ano se confesse cada mês e comungue de
conselho de seu confessor. Cada mês, jejuns dois dias, e em cada um
deles reze I vez os salmos penitenciais e o rosário de Nossa Senhora,
de joelhos. No dito ano traga em 5 sextas-feiras um cilício.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 14.326. ANTT.
Pe. Francisco Pinto Doutel - XV, natural de Bragança, hlho de Antonio
Pinto abade, meio cônego da Sé de Évora, que o teve em Inês Pires, de-
funtos. 56 anos. Clérigo de missa e ügário de S. Lourenço.
Culpas - erros de doutrina e palavras sobre a ressurreição de Cristo.
Sentença - Não houve, por não ser obrigado a entender de pontos teoló-
gicos. Asperamente repreendido na Mesa e admoestado, e se lhe imponha
silêncio e não entre mais nesta matéria. Deve ser instruído por letrado
religioso. Confissões, jejuns e orações. l0 cruzados para a despesas do
Sto. Oficio. Custas.
IrqusrçÃo DE LnBoÂ. proc. 10.888. ANTT.
Gaspar Alonso - XV, natural do Conselho de Barroso, arcebispado de Bra-
ga. Filho de Afonso Martins e de sua mulher Catarina Gonçalves, la-
vradores, defuntos. Viúvo de Felipa Gonçalves, mais de 80 anos.
Culpos -
blasfemou, arrenegando os santos.
Sentença - A blasÍêmia não é herética, portanto não se procedeu contra
o réu. Repreendido na Mesa.
IueulstçÃo oE Lsaol, proc. 12.749. ANT:|.
3ó8 ANExos

Gaspar Coelho - XV, natural de Vila de Frades, Arcebispado de Braga,


filho de Baltazar Pires, pedreiro, e de sua mulher Apolonia Coelha,
defunta, 23 anos.
Culpas - Palawas sobre Eucaristia.
Sentença - Negativo, rnas como é menor, e para exemplo, vá ao auto
público, descalço, em colpo, com vela ac€sa na mão, desbarretado. Rezar
em jejuns. Pague Custas: 3$515.
IxqumçÃo on Lrsnol. proc. 11.069. ANTT.
Gaspar Dias Matado - XN, natural de Alfena, termo da cidade do Porto.
Filho de Manoel Dias, XN, carniceiro, e de sua mulher lsabel Afonso,
que não sabe se é XV ou XN. Defuntos. 4O anos. Casado com Beatris
Luís que não sabe se é XN. Barqueiro, morador no Recife.
Culpas - declarou publicamente que o estado dos casados é melhor
que o dos religiosos. Disse acidentalmente, e compreendeu que lzera
mal. Não penitenciado publicamente, mas repreendido na Mesa. Cus-
tas: 578 rs.
Sentmça - confessar oas quatro festas e comungar a conselho do con-
fessor, fora da obrigação da Quaresma no ano seguinte.
INeusrçÃo nn L$no.c. proc. ll.l33. ANTI.
GasW Figueira - XV, natural da llha de São Miguel, filho de Miguel Gil
e de sua mulher Catarina Simões, lawadores. Casado com Maria Pin-
ta, XV.
Culpas -fez passar por oficial do Santo Oficio.
Sentença Repreendido na Mesa, pagar 20 cruzados paÍa a despesa
-
do Santo OÍïcio. Neste ano, até o Natal, confessar três vezes e comungaÍ
a conselho do confessor. Cada dia que comungaÍ, Íezar os salnos pe-
nitenciais de Davi.
IxqusrçÃo pr Lsno,l proc. 13.278. ANTT.
Inês de Brito XV, natural de Vila de Viana, foz do Lima. 40 anos filha
-
de João Bezema e de sua mulher Senhorinha Gomes, que üviam de
sua fazenda, defuntos. Casada com Viçente Correa, XV.
Culpas - dizer publicamente que o estado dos casados era melhor que
o dos religiosos.
Sentmça - Repreendida e admoestada na Mesa. Não deve ter penitên-
cia pública por ser mulher em foro de nobre. Imposta a obrigação de se
desdizer. Confessar nas quatro festas do ano e comungar a conselho
do confessor. Jejuar numa quarta-feira, e nela rezar 5 vezes o Padre-
Nosso e a Ave-Maria em honra da paixão de Cristo. Pagar 10$000 para
as despesas do Santo Oficio e as custas.
INquuçÃo oe LrssoÁ,. proc. 1.332. ANTI.
- não se sabe se é XV, ou XN. Natural de Setubal, Íìlho
João Freire de Dio-
go Ferreira, tesoureiro da Casa dos Cinco da AlÍândega de Lisboa, que
o houve, sendo solteiro, em Margarida Fernandes, mulher parda. Sol-
teiro. 18 anos. Soldado.
APÊNDICE 5 369

Culpas -
nefando e molície.
Sentença - respeitando ser menor, confessar e não estar convicto, de-
gredado para gales do Reino para nelas rernar sem soldo. Custas l$4ó0.
Em dois anos confessar-se quatro vezes fora da obrigação da Quares-
ma. Afastar-se da conversação danosa para sua ahna.
IxqursrçÀo DE LrsBoA. proc. 2.557. ANTT.
João Nwes - XN, mercador em Pernambuco. Natural de Castro Dairo, bis-
pado de Lamego, Íïlho de Manoel Nunes, mercador e lawador e de Lu-
crecia Rodrigues, XN. Solteiro, 45 anos.
Culpas -
desrespeito ao Crucihxo, viver amancebado.
Sentmça -
Absolüdo por falta de prova suhciente, e que fosse em paz.
INqusçÃo DE LrsBoÀ. proc. l49l e 885. ANTT.
João Rodrigues Marinho -
XV, natural da Ilha da Madeira, hlho de Fernão
Alvares, clérigo, e Leonor Mendes, defuntos. 48 anos. Casado com
Francisca de Brito, em Lisboa. Solicitador da vila de Olinda.
Culpas -dizer que o estado dos casados era melhor que o dos religiosos.
Sentmça Repreendido na Mesa, por não constar nela mais do que
-
sua conÍìssão feita na Graça. Abjuração de levi suspeita na fé. Confes-
sar-se de confissão geral de toda sua vida. Confessar-se nas quatro festas
e comungar a conselho do confessor. Quando comunga.r, rezar os sal-
mos penitenciais três vezes, com suas litanias e pr@es.
IxqunçÃo DE LtriBoA. proc. n.o 2.560. ANTI.
Jorge de Sowa XN, natural de Olinda. 17 anos, solteiro, filho de Fernão
-
de Sousa e de sua mulher Andreza Jorge, XN.
Culpas -nefando.
-
Sentmça respeitando-se réu ser menor de fraca compleição e de pou-
cas cames, e não servir para galés, tome disciplinas secretas com o psalmo
"Miserere mei Deus" no cárcere. Degredado 5 anos para Angola. Grs-
tas l$391. Confessar-se de confissão geral de toda sua üda. Num ano,
confesse nas quatro festas principais e comungue a conselho de seu con-
fessor. Em cada dia que confessar, rezar os salmos penitenciais de Davi.
No tempo do degredo seja doutrinado pelos jesuítas que lhe serão no-
meados.
INquuçÃo DE LrsBoÂ. proc. 2.552. ANTT.
José, mulato esuavo Natural de Beja. 30 anos, hlho de Garcia de San-
-
tilhano, alcaide da dita cidade, que o houve numa negra chamada Ca-
tarina, escrava de Alvaro Fernandes, da dita cidade, defunta.
Culpas -aÍrenegar a Deus duas vezes, depois de ter sido penitenciado
pelo Santo Ofïcio.
Sentmça - Considerando não ter tenção contra fé, e ser escravo esteja
o réu na Igreja enquanto se disser missa, com uma vela acesa na mão,
descalço, despido da cinta para cima, com braço ao pescoço, vara atra-
vessada na boca, carocha de infame na cabeça. Açoitado pelas ruas de
Olinda. Abjuração de leü suspeita na fé. Degredado por 4 anos para
370 ANEXos

galés do Reino. Custas. Confessar quatro vezes ao ano fora da obri-


gação da Quaresma, cumprindo as penitências de seus confessores,
INqusrçÃo on LrssoA.. proc. 2.556. ANTL
Inis Mendes XV, natural de Vila Povoa perto de Lisboa. Filho de Do-
-
mingos Fernandes, flescador, e de sua mulher Maria do Monte, lá mo-
radores. Solteiro, 23 anos. Banqueiro de assentar formas de açúcar, e
aprende para mestre de açúcares.
Culpas - palawas desrespeitosas contra as Bulas.
Sentença - Descalço, em colpo, com a cabeça desoberta, com uma vela
acesa na mão, no auto público da fé, e nele fazer abjuração de leü sus-
peita na fé. Custas l$729. Confessar e comungar a conselho do confes-
sor quatro vezes no ano seguinte, fora da obrigação da Quaresma. Tomar
as bulas.
INqustçÃo DE LrsBoA. proc. 11.035. ANTT.
Luis Mendes de Thoar - XV, natural da cidade de Ceuta, África, filho de
Gabriel Dias de Thoar, escrivão da Camara da dita cidade e de sua mu-
lher Margarida Brava de Mendonça, defuntos. Solteiro 30 anos. Secre-
tário e vedor da casa de D. Jeronimo de Almeida, com o qual veio de
Angola.
Culpas - palavras heréticas sôbre a SS. Trindade.
Sentença - por não ser letrado, e portanto não obrigado a saber expli-
citamente estes pontos, não teve penitência pública. Repreendido na
Mesa, mandado instruir nas cousas da fé. Desdizer-se. Confessar-se de
confissão geral de toda sua vida. Custas. Num ano, nas quatro festas
principais, confessar-se, comungando a conselho de seu confessor. Jejuar
três sextas-feiras, e rezar cinco vezes os salmos penitenciais de Daüd,
INqusrçÃo on Lrsnoa. proc. 11.063. ANTT.
Ittis do Rego Barros - XV, natural de Viana, filho de Afonso de Barros
Rego e sua mulher Maria Nunes Barreta. 4l anos, casado com Inês
de Gois de Vasconcelos. Senhor de enganho em Maciapé.
Culpas - manteve-se excomungado.
Sentença - admoestado na Mesa da obrigação que tem de comungar
na freguesia a que pertence nas Quaresmas. Pagar as custas. Rezar 5
vezes os salmos penitenciais.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 12.754. ANTT.
Mateus - homem pardo, XV, 22 anos. Natural de Pernambuco, onde seu
pai é morador e rendeiro das meunças na vila dos Cosmos.
Culpas - deixou de denunciar, no tempo do Monitório geral, o que sa-
bia de João Nunes.
Sentença - Estar em pé num domingo, à missa, com a cabeça desco-
berta, em corpo, descalço, com vela acesa na mão, e ouça a sentença
na Sé. Fazer na Mesa abjuração de levi suspeita na fé. Absoluto da ex-
comunhão. Pagar custas:439 rs. Confessar 3 vezes no ano até a festa
do Natal, comungar a conselho do confessor, jejuar um dia a pão e água,
APÊNDrcE 5 371

rezar 3 vezes o roúrio de Nossa Senhora. A mesa considerou ter dado


mostras de arrependimento, por isso não o condena a mais graves penas.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 4.303. ANTI.
Matias Dias - XV, carreiro, morador em Olinda, natural de Lagos, Íilho
de konardo Martins marchante e de sua mulher Catarina Martins,
defunta. 30 anos.
-
Culpa bigamia.
Sentença Ir ao auto da fé descalço, em corpo, desbarretado, com
-
vela acesa na mão. Pagar as custas 3$038. Confessar e comungar de con-
selho do confessor quatro vezes ao ano, fora das obrigações da Qua-
resma. Cada dia em que @mungar, ÍezaÍ o rosário de Nossa Senhora.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 17.037. ANTT.
Manoel da Costa Calheiros XV, natural da Ponte de Barca, arcebispado
-
de Braga. Filho de Antonio Eanes da Prova, tabelião do público judicial
da vila dos Arcos de Valdeves, defunto, e de sua mulher Grimanesa
Fernandçs da Costa. 34 anos, casado com Catarina Rodrigues, XV.
Morador no seu engenho de Camaçarim, freguesia de Santo Amaro.
Culpa - ter dito publicamente que o estado dos casados era melhor que
o dos religiosos.
Sentença - Respeitando-se o réu vir na Graça, e afinnar não saber o
conteúdo herético da proposição, só sabendo depois de publicado o
Santo Oficio, abjuração de levi suspeita na fé, diante da Mesa. Repre-
endido. Pagar as custas. Confessar-se de confissão geral e por espaço
de um ano confessar nas quatro festas principais, comungando a conselho
do confessor. Cada dia que comungat, Íezar os salmos penitenciais de
joelhos. Freqüentar os oficios divinos e prega@es.
INqusrçÃo oe LrsBoA,. proc. 2.527. ANTT.
Marta Fenwndes - mulata XV, natural da Ilha de S. Miguel, filha de Fran-
cisco Eanes, lavrador, homem branco, e de sua escrava angola Isabel,
defunta. 36 anos, alfaiate, moradora em Olinda, freguesia de S. pedro.
Culpa - bigamia.
Sentença - Em corpo, com vela acesa na mão, ao Auto Público, e faça
abjuração de levi. Publicamente açoitada, e vá degredada 4 anos para
o Reino de Angola. Confesse de confissão geral. Nunca mais volte a
esta capitania ou lugar onde estiver seu segundo marido. pague as cus-
tas 2$660.
INqunçÃo DE LrsBoA. proc. 10.745. ANTI.
Pero tAlbuquerque - XV. mameluco, natural da capitania de pernambuco,
filho de Jeronimo de Albuquerque, que o houve sendo solteiro, numa
negra do gentio, Luizia ou Mecia, defuntos. 26 anos, casado com dona
Catarina, XV. Lavrador de sua roça na freguesia de S. Miguel da pojuca.
Culpa - dizer publicamente que o estado dos casados era melhor que
o dos religiosos.
372 ANExos

Sentença - Respeitando vir confessar o réu sua culpa antes de ser de-
nunciado, ao auto público da fé em corpo, desbarretado, com vela
ac€sa na mão. Abjuração de levi suspeita na fé. Pague as custas. Con-
fesse de confïssão geral de toda sua üda. Num ano confesse nas quatro
festas principais, comungando a conselho do confessor. Relevam-no das
mais penas do direito, usando com ele de misericordia.
INqunçÃo DE LIsBoA. proc. 12.222. ANïT.
- XV, natural de Sardoal, bispado da Guarda. Filho de Fer'
Pero Cárdigo
não Garcia e de sua mulher Felipa Cárdiga, defuntos, que üüam de
sua fazenda. 60 anos, casado com Isabel Mendes, XN.
Culpa -blasÍêmias.
Sentença por estar em foro nobre e ser capitão dos da ordenança da
-
vila de Olinda, não vai a público. Repreendido na Mesa. Por espaço de
15 dias, ir ao mosteiro para ser doutrinado. Pagar 100 cruzados para
as despesas do Santo Oficio. Num ano, confessar-se nas quatro festas,
e comungar a conselho de seu confessor. Rezar uma vez os salmos pe-
nitenciais de Daú. Pagar as custas.
INqunrçÃo DE LrsBoA. proc. 12.967. ANTI.
Paulo de Brito - mourisco natural de Argel, hlho de turco e de moura. 40
anos, cristão desde os 20. Casado com uma índia brasila, Vitoria, es-
crava de Antonio Fernandes de Barros, morador na freguesia de S. Lou-
renço.
Culpas -palawas blasfemas contra santos,
Sentença presunção má por ser mourisco, respeitando-se porém que
-
disse as palawas com agastamento, e ter-se vindo de Argel por sua von-
tade fazer-se cristão, vá descalço, em corpo, desbarretado cingido com
uma corda, com uma vara atravessada na boca, e vela acesa na mão,
ao auto público da fé. Abjure de leü e se lhe imponham penitências es-
pirituais. Instruído por um religioso letrado. Pague as custas l$6ó3.
No ano seguinte confessar-se cada mês ecomungar a conselho doconfessor.
INeusrçÃo DE LISBoA. proc. ll.ll3. ANTI.
Pero Dias da Fonseca.- XV, natural de Azurar, bispado do Porto. Filho
de Gonçalo Martins caixeiro e de sua mulher Catarina Gonçalves, de-
funtos.
Culpa - deixando-se ficar excomungado.
Sentmça - Bispo e assessores consideram-no virtuoso, e têm dele boa
presunção. Escusado de penitência pública e de fazer abjuração. Re-
preendido na Mesa e admoestado. Mandado trazer certidão do Ordi-
nário de estar absolvido da excomunhão. Pagar l0 cruzados para as
despesas do Santo Oficio, e as custas. Em um ano confessar nas quatro
festas principais, comungando a conselho do confessor'
Ir.rqustçÃo DE LIsBoA. proc. 13.085. ANTT.
Pero Gonçalves - XV, oatural de junto de Arrifana de Sousa, termo da ci-
dade do Porto, filho de Pero Dias, lawador, defunto, e de sua mulher
ÀPÊNDICE 5 373

Madalena Luis, 1á moradores, 35 anos. Casado na dita terra com Vio-


lante Manoel, XV, Carpinteiro. Residente naYârzea em casa de Antonio
Bezena.
Culpa - Fornicação não era pecado.
Sentença - Descalço, em çolpo, desbarretado, com uma vela açesa na
mão, ao auto público da fé, e nele se publique sua sentença. No ano
seguinte se confesse e comungue a conselho de seu confessor nas quatro
festas principais do ano, e em cada uma delas reze uma vez o rosário
de Nossa Senhora. Pague as custas.
INquuçÃo nn L$no,c,. proc. ll.ll2. ANTI.
Pero Lopes - XV, natural da Vila de Caminha, arcebispado de Braga, fìlho
de Diolo Lopes, dos da governança de terra, defunto, e de zua mulher
Catarina Filgueira, lá moradora. 37 anos. Casado com Catarina Freis.
Culpas - dizer publicamente que o estado dos casados era melhor que
o dos religiosos. Blasfemou
Sentença - Vá ao auto público da fé em corpo, com a cabeça descoberta,
com vela acesa na mão. Abjure de levi. 30 cruzados para as despesas
do Santo OÍicio. Confessar nas quatro festas principais, comungando a con-
selho do confessor, rezando no dia em que comungar urna vez os salmos
penitenciais. Pague as custas 3$443.
IlqusrçÃo DE LrsBoA. proc. ll.1ll. ANTI.
Pero Marinho Lobera - XV, natural do Reino de Galizz, da Redondela.
Filho de Luis de Lobera, homem nobre e de sua mulher Maria Alonso.
18 anos mais ou menos. Solteiro.
Culpa - sodomia, brutalidade.
Sentmça - Como fez boa conhssão, e nada mais resulta contra ele,
seja-lhe concedida a Graça. Admoestado e repreendido na Mesa. Num
ano se confesse ao menos urna vez por mês, e receba a comunhão a con-
selho de seu confessor. Cada mês jejue dois dias; cada semana reze 4
vezes o roúrio de Nossa Senhora. Pague as custas. Se recair "será cas-
tigado com a severidade e rigor do direito e lhe mandam que se afaste
de conversações perigosas".
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 12.937. ANTI.
RodriCo FifulCo: XN, solteiro. Natural da cidade do Funchal Ilha da
Madeira, 2l anos filho de Antonio Mendes Fidalgo, mercador, defunto
e sua mulher Justa Pereira, mercador.
Culpas - nefando, não denunciar o que sabia.
Sentença - considerando-se ser menor, vá ao auto com vela acesa na
mão, descalço, em corpo, desbarretado, e nele faça abjuração de leü
suspeita. Pague 30 cruzados para despesas do Santo OÍlcio. E pague
as custas: 2$577. Todos os meses do ano confesse, comungando a con-
selho do.confessor.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 12.223. ANTT.
374 ANExos

Salvador dAlbuquerque - mameluco, natural de Olinda, filho de Jeronimo


de Albuquerque XV e Maria, brasila forra, defuntos. 30 anos. Solteiro,
morador em Olinda.
Culpas - Fornicação não era pecado. Descrer em Deus.
Smtmça - Respeitando não haver contra ele mais informações que sua
confissão, seja na Mesa repreendido e admoestado, e nela abjure de levi
suspeita na fé. Mandado desdizer-se às duas negras. Pagar l0 cruzados
ap Santo Oficio para suas despesas e as custas. l$014.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 11.206. ANTI.
Salvador Barbosa -
XV, natural de Viana daFoz de Lima, Filho de Pedro
Barbosa, defunto, que sando solteiro o teve em Justa Gonçalves solteira,
lá moradora.
Culpas - nefando.
Sentença -Por ser menor, e devido sua compleição fraca, não servir
para galés, vá degredado para Angola, por 3 anos, nos quais em cada
um deles se confesse e comungue a conselho de seu confessor quatro
vezes fora da obrigação da quaresma. Pague as custas. l$362. Afaste-se
das conversações que possam danar sua alma.
INqunçÃo DE LrsBoA. proc. 11.208. ANTï.
Sebastião Pereira - ){V, 25 anos, solteiro. Natural de Besteros, bispado de
Viseu, filho de Pedreanes Camazal e sua mulher Maria Fernandes, la-
vradores. Mercador que veio de Angola com peças. Morador em Olinda.
Culpas - palawas blasfemas sobre a luxúria e a vida eterna.
Sentença -Vá ao auto público da fe descalço, em corpo, desbarretado,
com vela acesa na mão, e em público faça abjuração de levi suspeita
na fé. Cumpra as penitências espirituais: confessar-se de confissão geral,
e num ano confessar-se uma vez cada mês, jejuar duas vezes em cada
mês. Quando se confessar, comungar a conselho de seu confessor. Pagar
5$000 para as despesas do Santo OÍïcio. Pagar as custas l$799.
INquuçÃo pn Lrsnoa. proc. 11.209. ANTT.
Sebastião Pires Abrisgueira - XY, natural de Fontão, termo de Ponte de
Lima, üúvo, carreiro. Residente na freguesia de Santo Amaro.
Culpas - ter dito publicamente que a ordem dos casados era melhor
que a dos religiosos.
Sentença -Repreendido, disse que p@ara, deu mostras de arrependi-
dimento. Apresentou-se à Inquisição por ordem do confessor. Repre-
endido e admoestado na Mesa. Abjuração de levi suspeita na fé. Con-
fessar-se de confissão geral de toda sua vida, e num ano confessar-se
nas quatro festas principais, comungando a conselho de seu confessor.
No dia em que comungar, rezar dois roúrios a Nossa Senhora. Dar
6$ü)0 para o Santo Oficio.
InqunrçÃo on Llssoe. proc. 11.633. ANTI.
APÊNDICE 5 375

Simão Falcão * XV, natural da capitania do Espirito Santo. Filho de Gil


Falcão e de sua mulher Beatriz Eanes Cordeira. Casado com Catarina
Pais. Senhor de engenho na freguesia de Sto. Amaro.
Culpas - ter dito que o Bispo não podia dar tantos dias de guarda.
Sentença - não ficou provado que tais palavras tivessem sentido here-
tical. Mandado ter dali em diante em muita conta palavras que sejam
católicas, e nelas e nas obras use como bom cristão. Confessar-se pelo
espaço de um ano nas quatro festas principais, comungando a conselho
do confessor. Nos dias em que comungar, reze os salmos penitenciais
de Davi. Repreendido. Pague as custas.
INquntçÃo pn Ltssol. proc. 11.634. ANTI.
Simão Pires Tavares - XV que tem raça de XN. Natural da Capitania de
Pernambuco, filho de João Pais, o camboeiro, XV dos da governança da
terra e de sua mulher Felipa Tavares, XN, pela parte de sua mãe. 27
anos. Solteiro, morador em casa de seus pais na fazenda de Guararapes,
íreguesia de Sto. Amaro.
Culpas - duvidara da salvação obtida através de bulas e das indulgên-
cias das contas bentas.
Sentença - Por ser muito moço, entende-se que não teve pertinácia na
dúúda sôbre o valor das contas. Repreendido na Mesa gravissimamente.
Abjuração de levi suspeita na fé. No ano seguinte, confessar-se todos
os meses e comungar a conselho do confessor. Cada dia que comungar,
rezar os salmos penitenciais e jejuar uma quarta-feira.
ItqusIçÃo pn Llsno,l. proc. i1.636. ANTT.
Yicente Pires - XV, solteiro. 28 anos, filho de Jorge Pires e Maria Anes,
defuntos. Estante no engenho dos Albuquerques junto à vila de Olinda
com o feitor dele Francisco Rodrigues.
Culpas - jurar falso no juízo eclesiástico sobre casamento de Matias Dias.
Sentença - Vá ao auto público da fé em corpo, descalço, desbarretado,
com uma vela na mão, respeitando-se que o réu sendo chamado a juizo
confessou sua culpa, pediu misericórdia. Pague as custas l$078.
INqusrçÃo DE LrsBoA. proc. 17.037 (apenso). ANTI.
lrÊrvorcr o

hocessos da Bahia

Afonso Luis Malveiro - XV, natural da Vila de Alvito. Filho de Manoel


Luis e Inês Rodrigues. Casado com Isabel Luis Menaxe. Morador na
Ilha dos Frades, freguesia de Tamararia. Fora carreiro e ao tempo era
pobre, cego, aleijado e pedia esmolas.
Culpa - BlasÍêmias. Invocar o diabo.
Sentença - Confessou na Graça, mas não inteiramente. Ir ao auto pú-
blico da fé em corpo, desbarretado, descalço, cingido com uma corda,
com urna verga de pau na boca e uma vela na mão, acesa, fazer abju-
ração de leú suspeita na fé. Das mais penas de açoites e galés que me-
recia o relevam por ser velho, cego e tnanco. Mandado deixar o cos-
tume que tem, de que é tão useiro e vezeiro, de arrenegar e blasfemar
de Deus e dos Santos, e üver como bom cristão, dando mostras disso
. em todas suas palawas e obras. Confessar-se num ano nas quatro festas
principais: Natal, Páscoa, Espírito Santo e Nossa Senhora de Agosto,
recebendo a comunhão a conselho do confessor. Rezar em três sextas-
feiras, três vezes o padre-nosso, e ave-maria e credo. Pagas as custas.
INqusçÃo DE LIsBoA. proc. 16.895. ANTT.
Alvaro Gil Freire - XV, natural de Abrantes, 37 anos hlho de Afonso Fer-
reira, juiz dos órÍãos, e de sua mulher Ana Freire, cumpre degredo por
morte, Casado.
Culpa - ter dito, a propósito da fuga de cristãos novos paia os domí-
nios de Castela, que fizeram bem em fugir.
Sentença - vistas as qualidades do réu, e a presunção que disse tais
palavras sem ânimo de aprovar a fuga à Inquisição, repreendido na Mesa,
pagar 5 cruzados paÍa a despesa do Santo Ofïcio. Confessar-se e co-
mungar a conselho do confessor nas duas festas de Todos os Santos e
Natal e em cada uma delas rezar uma vez os salmos penitenciais de Davi,
com suas ladainhas e preces, de joelhos, dentro de uma igreja. Cumprir
as penitências que lhe deram seus confessores. Pagas as custas 476 rs.
IxqusrçÃo pn LrssoÁ. proc. 16.898. ANT[.
Alvaro Lopes - XN, hlho de Ana Rodrigues e de Heitor Antunes, casado
com Isabel Ribeira XV, morador em Matoim.
APÊNDICE 6 377

Culpa - desrespeito ao Crucihxo.


Sentença Repreendido, admoestado. Abjuração de leü no auto da fé
-
em que compar@eu desbarretado, descalço, em colpo. Açoite. Pagar l0
cruzados para as despesas do Santo Oficio. Confessar-se nas quatro festas
principais do ano, comungando a conselho do confessor. Pagar as custas.
INqustçÃo pn Lrsno,c. proc. 16.894. ANTT.
Alvaro Rodrigues -
Mameluco.
Culpa manter-se excomungado por ter roubado escravos índios.
-
Seníença -Repreendido e Admoestado na Mesa. Abjuração de leü na
Mesa. 20 cruzados para despesas do Santo OÍìcio. Confessar-se nas três
festas, comungando a conselho do confessor.
INquuçÃo DB LrsBoA. proc. 16.897. ANTI.
Amaro da Cruz XV, natural de Évora, filho de João Dias, galego de al-
-
cunha, homem que üüa por sua fazenda e fora cavaleiro. Morador na
Bahia.
-
Culpa ter declarado que cria no que creu Moises, e que a alma dos
gentios morria com eles.
Smtença - Visto ser XV, sem raça de judeu ou mouro, e ser tido por
homem doudarrão, parece que sem malícia formal disse tais palavras.
Vá ao auto público de fé na Sé, descalço, desbarretado, em corpo, com
uma vela acesa na mão, e faça abjuração de leü. Pague as custas 2$453.
Jejuar cinco sextas-feiras, e em cada uma delas rezar os salmos peniten-
ciais com suas ladainhas e preces. Confessar-se muitas vezes no ano,
comungando a conselho do confessor.
INqustçÃo DE LrsBoA. proc. 8.479. ANTT.
Ana Alconforada - meia XV, natural de Matoim, filha de Antonio Alcon-
forado XV, lawador de açúcar, e de sua mulher Isabel Antunes XN,
defuntos. 27 anos. Casada com Nicolau Faleiro de Vasconcelos, lavra-
dor. Morador em sua fazenda em Matoim.
Culpa - prática de costumes e rituais judaicos. Prisão, com conlìsco e
' remessa à Lisboa.
Sentmça - Não houve, por ter ocorrido um perdão geral. A ré foi per-
guntada se queria gozar do dito perdão, respondido afirmativamente,
fez abjuração de levi e foi-lhe dito que, se voltasse a cair nos mesmos
erros ou em outros contra fé, que o dito perdão não lhe valeria nada,
e seria considerada relapsa e relaxada ao braço secular. Pagou as custas,
291 rs e foi solta.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 11.618. ANTI.
Ana Rodrigues - XN, viúva de Heitor Antunes, morador em Matoim.
Culpa - judaísmo.
Sentmça - relaxada ao braço secular.
André Lopes Ulhoa - XN, natural da cidade de Lisboa, morador em Para-
guassú, no recôncavo.
Culpa - judaísmo.
378 ANEXos

Smtença -
6.' abjuração em forma por Judaísmo, no auto da Ribeira,
31811ffi3. Cárccre perpétuo sem remissão.
INquuçÃo ne LrssoÁ,. proc. 5.391. ANTT.
André Sodré -XV, natural de Vila de Guimarães, filho de Domingos Mar-
tins Fernandes, carpinteiro e de sua mulher Isabel Pires. 39 anos. Ca-
sado com Agueda da Costa XV, vive de tresladas e escrever papéis.
-
Culpa dúvidas sobre ünda do AntiCristo. Sodomia
Smtença Considerando ter o réu enfermidade em s€u miolo, e de-
-
pois de sua prisão estar como alienado, sendo penitenciado em público
poderá cair em doidice prefeita, condenado a ïaznr abjuração de levi
suspeita na fé, pagar 20 cruzados para as despesas do Santo Oficio e
cumprir as penitências espirituais de jejuar 4 quartas-feiras que não
sejam de jejum, e nelas rezar os salmos penitenciais com suas preces e
ladainhas, de joelhos. No ano seguinte, confessar-se nas quatro festas
principais, comungando a conselho do confessor. Pagas as custas l$311.
IrqusçÃo on L$soA,. proc. 8.472. ANTI.
Antonia de Oliveira - XN, mulher de Pedro Fernandes XN, filha de Gaspar
da Vidigueira e de sua mulher Ana Rodrigues. 30 anos, morador em Por-
to Seguro.
Culpa - atos de Judaísmo.
Sentença - üsto os atol de judaísmo confessados contenham má ten-
ção, como a ré confessou-se espontaneamente, antes da Graça, e não
haver outra denúncia contra ela; visto ter apenas 16 anos, e a terra em
que úve "é pequena e sem policia" não teria entendido o que seu primo
a fez fazer. Portanto, foiJhe permitida gozar a graçr. Abjuração de leü
na Mesa. Admoestada. Confessar-se nas quatro festas principais, comun-
gando a conselho do confessor. Rezar 15 vezes o Credo. Pagar as custas,
725 rs.
INquuçÃo DE LrsBoA, procs. 15.563 e 14.627. ANTL
Antonio de Aguiar - XV, natural da Bahia, filho de Pedro de Aguiar d'Altero
e de sua mulher Custodia de Faria. Morador com os pais ern Matoim.
20 anos, solteiro.
Culpa - nefando.
Sentença - Repreendido, admoestado na Mesa, mandando não mais
reincidir no tal pecado sob pena de ser grandissimamente castigado. Num
ano se confesse cinco vezes, jejue, tome disciplina secreta, reze os salmos
penitenciais. Pague as custas.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 6.358. ANTI.
Antonio Castanheira - XV, natural de Esparis, termo de Coia, bispado de
Coimbra. Filho de Braz Castanheira, inquiridos, contador e distribuidor
das ülas de Sinde, Taboa, Cáceres, e de llena Miguel, já defuntos. 29
anos. Solteiro, lawador e morador em Passe.
Culpa - palawas irreverentes.
APÊNDrcE 6 319

Sentença - Repreendido na Mesa e mandado não mais usar de tais zom-


barias sob pena de ser gravemente castigado. Confessar antes da Qua-
resrna urna vez, recebendo a comunhão a conselho do confessor. No
dia em que comungat Íeza;t uma vez os salmos penitenciais de David.
Pagar as custas, 600 rs.
InqumçÃo Dn LrsBo.l, proc. 6.360. ANTI.
Antonio Ferrundes - XV, natural de Enxarada do Bispo tsrmo de Torr€s
Vedras. Filho de Fernão Gonçalves, trabalbador e de sua mulher Mar-
garida Pires, defuntos. Viúvo de Catarina Carrasca.
Culpa * sustentou publicamente que a fornicação simples não era pe-
cado mortal.
Sentença - respeitando sua simplicidade e abonação, ú à Sé num do-
mingo, ao auto público da fé, com uma vela acesa na mão, em corpo,
desbarretado. Abjure de leü na Mesa. Confessar-se de confissão geral
a um confessor letrado, num ano confessar-se nas três festas principais,
Natal, Páscoa e Espírito Santo. Reze l0 vezes a Ave-Maria, Padre-Nos-
so. Pague as custas, 710 rs.
INquuçÃo DE Lr$oA. proc,. 12.527. ANTI.
Antonio Maciel - XV, natural de Viana, filho de Fernão Afonso Colaço,
homem do mar e de sua mulher Maria Maciel. Casado com Isabel Ca-
sada, XV. Piloto da nau S. Pedro, 38 anos, morador em Viana da foz
do Lima.
Culpa - tendo sido preso pelos luteranos, rezara com eles.
Smtença - Visto ter feito confissão voluntária, e não haver deirúncias
contra, seja repreendido e admoestado na Mesa. Reze 5 vEzes o roúrio
de Nossa Sçnhora e 5 padre-nossos. Confesse-se e traga escrito de con-
fissão à Mesa. Pague as custas, 256 rs.
INqunçÃo DB LrsBoA. ptoc. 6.364. ANTT.
Antonio Mendes - o Braguilha de alanlw - XV, natural do Porto. Filho
de Gonçalo Mendes e de sua mulher Inês Fernandes, defunta. Criado de
Bernardo Piúentel, morador em Salvador. Solteiro.
Culpa - falando-se de condenação de szu amo, que não comparecera
à instalação do Santo Oficio, dissera que a Inquisição vinha apenas
"encher-s€ como os outros dando a ent€nder que o dinheiro das con-
denagões se convertia em próprio uso dos oficiais da Santa Inquisição,
o que é falso".
Sentença - deüa ser açoitado e degradado para galés, porém, respei-
tando ser mancebo menor de 25 anos, e dizer as tais palanras inconsi-
deradamente, pague l0 cruzados para as despesas do Santo O{lcio. Pa-
gue as custas, 472 rs.
IxqunçÃo oB Lrsno.l. proc. 6.359. ANTT.
Antonio Pires - XV, natural de Vilar Seco, termo de Bragança. Filho de
3E0 ANEXos

Pero Pires e de sua mulher Francisca Rodrigues, lawadores, defuntos.


Solteiro, 60 anos. Lavrador.
Culpa - BlasÍêmia.
Sentença - Visto zua condição rustica, repreendido na Mesa. Pague 5
çruzados píra as despesas do Santo Oficio. Desdizer-se perante o vi-
gário de Matoim. Confessar-se urna vez antes da Quaresma e comungar
a conselho do confessor. No dia em que comungar, r€zaÍ um roúrio
de Nossa Senhora. Pagar as custas, 698 rs.
IxqusçÃo oe LrsEoA,. proc. 6.367. ANïT.
Antonio Pires Brandiio - XV, natural de Vila Pouca, arcebispado de Braga,
filho de Jeronimo Pires e de zua mulher Marta Pires, lavradores, de-
funtos. 45 anos, solteiro, lavrador em Sergipe do Conde.
Culpa - dizer pubücamente que o estado dos casados era melhor que
o dos religiosos.
Sentmça - não há prova perfeita contra o réu, mas rezulta grande pr+
sunção pelos ditos das testemunhas. Abjuração de levi na Mesa. Pagar
5 cruzados pÍua as despesas do Santo OÍIcio. ConfessaÍ-se num ano nas
três festas principais, Natal, Páscoa e Espírito Santo, comungando nelas
a conselho do confessor. Rezar l0 vezes o Padre-nosso, o Credo. Pagar
as custas, 766 rs.
INqumçÃo on Lrsno.r. proc. 6.361. ANTI.
Antonio do Vale - XV, natural de Arraiolos, 25 anos. Morador em Salva-
' dor, ao tempo da Visitação no Congo. Casado em S. Vicente com llena
Iritoa.
Culpa - bigamia.
Sentença - interrompido pela ausência do Éu.
INqunçÃo ps LrsBoÁ,. proc. 8.676. ANTI.

Beatriz Anttmes - XN, natural de Lisboa, moradora em Salvador.


Culpa - Judaísmo.
Sentença - 6.' abjuração em forma no auto de fé celebrada em Lisboa
aos 3i8/1603. Cárcere e hábito perpétuo com fogos sem remissão.
IrquuçÃo on Lnno,e' proc. 8.991. ANTT.
Bernardo Ribeiro - XV, natural da Búia, fúo de Antonio Ribeiro, que
foi provedor da alfiindeg da cidade do Salvador, e de zua mulher Maria
Argoulo. Solteiro. 30 anos.
Culpa - ter dito publicamente que a fé sem obras bastava para salvação.
Sentença - considerando ser o réu XV, não haver contra ele ruim zus-
peita, abjure de levi na Mesa, seja repreendido, no ano, jejue três sextas-
feiras, reze 3 vezes os salnos penitenciais, confesse-se três vezes, comun-
gando a conselho do confessor. Pague as custas l$163.
INquuçÃo pe LrsnoÁ,. proc. 13.957. ANTT.
Belchior da Costa XV, natural da Vila de Guimarães, flrlho de Jorge Gon-
-
çalves, tecelão de toalhas, e de sua mulher Senhorinha da Costa, defun-
APÊNDIcE 6 . 381

tos. 35 anos, morador em Sergipe do Conde. Casado com Beatriz Pis-


çaria.
Culpa - nefando.
Sentença - confissão na graça, üsto não haver mais denúncias, repre-
endido na Mesa, num ano confesse l2vezns, comungando a conselho do
confessor, jejue 24 dias. Pàlue as custas.
INqustçÃo DE LrsBoA. proc. 7,954. 4Nff.
Belchior lilis - meio XV, sapateiro, moradór em Salvador. Natural de tesa
de Matosinho, termo da cidade do Porto, filho de Luis Ferreira, defunto,
XV, sapateiro e rendeiro das rendas da igreja e de zua mulher Beatriz
Luis, defunta a qual tem por XB. Solteiro, 77 anos, sapateiro, morador
em Salvador na nut do Colegio.
Culpa - Dúvidas sobre adoração ao Santíssimo e ao Crucifixo.
Sentença - Considerando ter dito tais palavras por ignorfuicia, poÍ seÍ
)O.I é suspeito. Portanto, vá ao auto público da fé na Sé, descalço, com
vela na mão, em corpo, desbarretado, cingido por una corda. Abjuração
de leü. Num ano, confesse nas quatro f€stas pÍincipais Natal, Páscoa,
Espírito Santo e Nossa Senhora de Agosto, nelas comungando a con-
selho do confessor. Rezar cinco vezes os saümos penitenciais com suas
ladainhas e preces e Padre-nosso, Ave-Maria, Credo em honra das cinco
chagas de Cristo. Pague as custas, l$230.
INqusçÃo DE LIsEoA. proc. 7.946. ANTI.
Belchiar Francísco - XV, natural da llha da Madeira, filho de Francisco
Rodrigues, sapateiro, e de sua mulher Ana Pires, defuntos. Viúvo, casado
que foi com Angela Antunes XV, Sapateiro de obra miúda. 'E anos
mais ou menos.
Culpa dizer publicamente que a fornicação simples não era pecado
-
mortal.
Sentmça - ir ao auto público da fé desbairetado, ern corpo, descalço,
com vela acesÍr na mão, abjure de leü, num ano se confesse nas quatro
festas principais, comungando a conselho do confessor. Reze cinco
vezes o Padre-nosso, Ave-maria, Credo em honra da paixão de Cristo.
Pague as custas.
INqrnsçÃo DE LÍiBoA. Woc 7.947. ANTI.
Cosmo Gonçalves - XV, natural do Porto, filho de Gonçalo Martins, homem
do mar, e de sua mulher Cecilia Gonçalves, já defuntos. Marinheiro,
calafate na nau Concepção de que é mestre e senhorio Pero Duarte.
35 anos. Casado com Joana Rodrigues XV.
Culpa - heso pelos luteranos, freqüentou zuas igrejas em Antona.
Sentença - Repreendido na Mesa. Mandado jejuar duas sextas-feiras
que não sejam de jejum, rezando em cada uma 5 vezes o roúrio de N.
Senhora. Confesse-se, levando escrito à Mesa. Pagre as custas: 260 rs.
INqusrçÃo pn Lsno,c,. proc. 7.952. ANTT.
382 ANEXos

Cristovam de Bulltões XV, mameluco, hlho de Afonso Dias, homun bran-


-
co e de sua mulher Isabel Dias, brasila, natural do termo desta cidade,
casado com Antonia Luis, mameluca, lavrador, 50 anos, morador na
freguesia de Jaguaripe.
Culpas - No sertão praticou ritos e cerimônias geotílicas.
Sentença - Repreendido, e que nunca mais em toda sua vida torne ao
sertão. Abjurou. Mandado confessar-se às 4 festas principais, Nat4l,
Páscoa, Espírito Santo e Nossa Senhora de Agosto, e jejuar as 5 sextas-
feiras. Nas festas sobre ditas receber o SS. de conselho de seu confessor,
e, no dia que comungar, rezar um roúrio de N. Ssrìhora. Pagar as custas:
860 rs.
IuquuçÃo or L$no.c. proc. 7.950. ANTT.
Cristovão da Costa - XV, filho de Fernão Yaz da Costa e sua mulher Cle-
mençia Doria, genovesa.
Culpa - deixar de denunciar matéria do Santo Oficio de que tinha co-
nhecimento.
Sentença - Não havendo provas, foi mandado embonì. pagou as custas
de 314 rs.
INquuçÃo DB LrsBoA. proc. 7.951. ANïT.
Cristovão Fernstdes -
XV, hlho de Gaspar Fernandes, lawador, e Andressa
Fernandes, sua mulher. Natural do Porto, pescador. Casado com Maria
André, morador na freguesia do Jaguaripe.
Culpa - ajudar fugitivo da Inquisição.
Sentença - por não ter vindo à Mesa denunciar o fugitivo, deverá estar
na missa, em É, com vela acesa na mão, aguardar a senteuça na Sé.
Pagar l0 cruzados para as despesas do Santo Oficio. Pagar as custas.
Aprender a benzer-se e a persignar-se, e aprender a doutrina cristã.
INqusrçÃo DE LrsBoA. proc. 7.949. ANTI.
Cristovão de Só Bitencour -XY, natural de Lisboa, filho de Francisco Al-
vares Betancor e de sua mulher Isabel Correa de Almeida. Casado com
Francisca Barbosa, XV, lawador, 30 anos.
Culpa - Descrença da existência do inferno.
Sentença - Repreendido na Mesa, e nela fazer abjura$o de levi sus-
peita de fé. Confessar nas 4 festas principais do ano, Natal, Páscoa, Es-
pírito Santo e N. Sra. de Agosto. Comungar a conselho de seu confessor
jejuar 5 sextas-feiras em hõnra das 5 chãgas de Cristo, e Íe?aÍ f ne"ei
os salmos penitenciais de Davi, de joelhos, diante de um crucifixo de
alguma Igreja. Pagar l0 cruzados para as despesas do Santo OÍicio. Pa-
gar as custas.
INqusrçÃo DE LrsBoA. proc. 2.913. ANTI.
Diogo Dias - XV, 23 anos. Solteiro, filho de João Coelho, trabalhador, e
de sua mulher Lianor Dias, moradores em Torres Novas, de onde é
natural.
APÊNDrcE 6 383

Culpa -fornicação simples não é pecado mortal.


Sentença - durante um ano se confesse nas 3 festas principais, Natal,
Páscoa e Espírito Santo, e comungue a conselho de seu confessor. Jejue
uma quarta-feira e reze 5 credos ern honra da paixão de Cristo. Pague
as custas de 510 rs.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 10.876. ANTT.
Diogo Monteiro - XV, natural do Porto, filho de Pero Dias, marchante e
cortador de carne, e de sua mulher Antonia Monteira, defuntos.
Culpa - comer carne em dia defeso.
Sentença - Repreendido na Mesa, e uma vez antes da quaresma neste
ano receba a comunhão de conselho de seu confessor, e jejue três quar-
tas-feiras, e em cada uma delas reze um rosário de N. Sra. Pague l0 cru-
zados para as despesas do Santo Oficio, e as custas de 555 rs.
IrqusrçÃo DE LtriBoA. proc. 6.343. ANTI.
Diogo de Mozim Soqres - XV, 50 anos, natural de Ponte de Lima, frlho de
Francisco Soares e de sua mulher Margarida de Mozim, defuntos. Ca-
sado çom Andressa Dias, mameluca, XV,
Culpa - Não cumprir decisõcs do Santo Oflcio.
Senlmça - estar na Sé, em colpo, e em pé, com uma vela acesa, quando
celebrado o oflcio divino. Abjuração de leü na fé, em público, e scrá
absolvido da excomunhão. Usando de misericórdia, o escusam da con-
Íiscação de seus bens e demais penas. Pague 500 cruzados para as despe-
sas do Santo Oficio. Custas l$016.
INqusrçÃo on Lrsnol. proc. 6.345. ANTI.
Diogo Pires Dionlante - XN, natural de Sousel. Filho de Meno Lopes e Bran-
ca Pires, XN, defuntos. Casado com Maria Gonçalves XN, residente
no Brasil, feitor do engenho de Simão de Leão XN, na Búia.
Culpa - dizer e repetir publicamente palawões pÍua a Hóstia.
Preso com seqiiestro.
Processo incompleto: termina no fim do 3.'interrogatório.
IxeustçÃo pn Lsno^r,. proc. 9.457. ANTT.
Domingos de Coimbra - XV, mameluco natural da Bahia, 24 anos, filho de
Antonio Coimbra, homem branco já defunto, e sua múher Janewa Pires,
negra brasila do gentio deste Brasil. Solteiro. morador em Tasuapina.
Culpa - comer carne em dias proibidos.
Sentença - Vá à Sé no Lo ato de Penitenciado público, em corpo, com
uma vela na mão, jejue 5 quartas-feiras, e se confesse uma vez antes
da quaresma e çomungue de conselho de seu confessor, e que nuncÍt
mais ern toda sua vida torne ao sertão, e pague as cu$tas de 617 rs.
INquuçÃo on Lsno,c.. proc. 10.874. ANTT.
Domingos Fernandes Noáre (fomacauna) - XV, natural de Pernambuco, ma-
meluco, filho de Miguel Fernandes, homem branco, pedreiro, e Joana,
3E4 ANEXoS

negra do gentio, defuntos. 4ó anos. Casado com Isabel Beliaga, mulher


branca. XV. Morador em Salvador, não tem oficio.
Culpa - ter praticado ritos e cerimônias gentílicas ca.da vez que ia ao .

sertão.
Smtença - por ter ündo à Mesa confessar suas culpas na Graça, e ter
feito larga e boa confissão, grandemente repreendido. Abjure de levi,
e na Quaresma confesse ao padre que lhe for nomeado de confissão
geral. Nos seis próximos meses, confesse-se ao padre que lhe for no-
meado uma vez por mês, comungando a conselho do confessor, cum-
prindo as penitências que o confessor lhe der. Seja doutrinado runa vez
por sernana. Jejue cinco quartas-feiras depois da Páscoa. Nunca mais
em toda zua vida torne ao sertão. Pague 5$000 para as despesas do Santo
Oficio e as custas 3$418.
IrquuçÃo on Lrsnol. proc. 10.776. ANTI.
Dtnrte Alvares Ribeiro - XN, natural de Setúbal. Casado, morador na
Búia.
Culpa - zombar hguras de Cristo e dos Apóstolos. Juramentos torpes.
Sentmça - auto público da fé, abjurando de levi. kve vela aoesa na
mão. Resguarde-se em suas palawas. Instruído na fé. Pague as custas
3$21 l.
INquuçÃo DB LtrtsoA. proc. 1.010. ANTT.
Duarte Nunes Nogueira - meio XN, Íilho de Ambrosio Nunes XV, segundo
lhe parece, e de sua mulher Ilena Dias XN, 50 anos. Natural de Bra-
gança. Solteiro.
Culpa - desrespeito à Cruz.
Sentença -
respeitando suas desculpas e as testemunhas serern suas ini-
migas, repreendido na Mesa, confessar-se cinco vezes em um ano, r@e-
bendo a comunhão a çonselho do confessor, rezar cinco vezes os salmos
penitenciais, pagar seis mil réis para as despesas do Santo Oficio, e as
custas 742 rs.
INqunrçÃo nn Lrssol. proc. 10.875. ANTT.
Felipe Tomaz - XN, advogado natural de Lisboa, morador no Brasil. Ca-
sado com Maria Cardosa.
Culpa - judaísmo.
Sentença - abjuração de leü no auto da sala do Santo OÍIcio por judaís-
mo, aos 17 1121162l. Pagou lü)$0ü)para o Santo OÍício. Confisco de bens.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc.7.467. ANTT.
Fernão Cabral de Ataide -XV, natural da cidade de Silves, no Algarve, fi-
lho de Diogo Fernandes Cabral e de sua mulher dona Ana d'Almada
defuntos. Casado com dona Margarida da Costa. 50 anos. Morador na
sua fazenda de Jaguaripe, na Capitania da Bahia.
Culpa ter acolhido os indios da santidade, e ter dela participado dando
-
grande escândalo público. Perjúrios.
APÊNDICE 6 385

Sentença -culpas no exterior parecem gpússimas, e o escândálo que


deu üsta a qualidade da pessoa do réu, faça na Mesa abjuração de levi
suspeita na fe, pague 1.0ü) cruzados para as despesas do Santo OÍicio,
vá degradado 2 anos para fora de toda a costa do Brasil. Na Missa, em
público, junto do cruzeiro da Sé, esteja em t' ouvindo sua sentença.
Confesse-se num ano nas quatro festas principais comungando a con-
selho do confessor. Jejue no dito ano 5 sextas-feiras que não sejam de
jejum da lgreja, em honra das cinco chagas de Cristo, e em cada sexta-
feira reze urna vez os salmos penitenciais de Davi com ladaiúas e preces.
Pague as çustas: 105742.
INqunçÃo DE LrsBoA. proc. 17.0ó5. ANTT.
Francisco Alonso Capara - XV, natural de Pernambuco, filho de Diogo Cor-
redeira, homem branco, e sua escrava Felipa, brasila, defunta. Casado
com Maria Pires, mameluca. Lavrador, 40 anos, morador em Itaparica.
-
Culpa mandar-se riscar no sertão ao modo gentilico. Comer carne em
dias defesos.
Sentença - como não confessou na Graça, a infração da carne nos dias
proibidos, sem licença ou necessidade, e ele é mameluco, vá à Sé, ao
auto público, de vela acesa na mão, desbarretado, em corpo. Pague dez
cruzados para as despesas do Santo Oficio e as custas: l$048. Aprenda
a doutrina.
INeustçÃo DE LrsBoA. proc. 17.813. ANTT.
Franciscolttis - XV, natural de Lisboa, Íìlho de Antonio Luis, sirgueiro,
e de sua mulher Margarida Alvares. 40 anos. Sirgueiro.
Culpas - ter teimado publicamente que a fornicâção simples não era pe-
cado mortal.
Sentença - respeitando o réu ter dito tais palawas simplesmente, e ter-se
desdito quando lhe ahrmaram que eram heréticas, vá ao auto público
da fé na Sé, em corpo, desbarretado, com uma vela acesa na mão. Abjure
de levi suspeita na fé. Pague l0 cruzados para as despesas do Santo Ofi-
cio, no tempo de um ano, confesse-se às três festas principais, recebendo
nelas a comunhão a conselho do seu confessor. Reze cinco vezes os
salmos penitenciais. Pague as custas 799 rs.
IuquruçÃo pn Lrsnol. proc. 17.807. ANTT.
Francisco Ntnes- XV, natural dos llhéus, fiÌho de Diogo Alvares, ferreiro,
defunto e de zua mulher Isabel Nunes. Solteiro. 22 anos.
Culpa - ter dito que fornicação simples não era pecado.
Sentença - visto o defeito da prova, e o réu negar ter dito tal proposição,
escusado do libelo. Repreendido na Mesa. Mandado confessar-se nas
quatro festas principais, comungando a conselho do confessor. Pague as
custas.
INquuçÃo DB LrriBoA. proc. 7.297. ANTI.
Frotcisco Pires - XV, natural da Vila do Conde. Filho de João Pires, car-
pinteiro, de sua mulher Felipa Dias, defunta. 34 anos. Carpinteiro da Ri-

ld
386 ANExos

beira. Viúvo, morador em Sergipe do Conde.


Culpa - sustentou publicamente que o estado dos casados era melhor
que o dos reügosos.
Sentença - Visto não haver denúncias contra o réu, e ele se confessou
no tempo da Graça, faça abjuração de leü na Mesa, sendo nela repreen-
dido. Desdiga-se publicamente. Jejue três sextas-feiras. Confesse-se no
próximo Natal ou logo depois da sentença lhe ser publicada, comungando
a conselho de seu confessor. Pague as custas 430 rs.
lxqusrçÃo DE LrsBoA. proc. 17.810. ANTI.
Francisco Pires - XV, natural de Porto Seguro, filho de Antonio Eanes,
homem branco, lawador, e de Catarina sua escrava brasila, defuntos.
30 anos, mameluço. Solteiro, lawador, morador em Sergipe nas terras
do Conde de Linhares.
Culpa - no sertão praticou cerimônias gentílicas e teve usos gentílicos,
inclusive comer carne em dias proibidos e dar armas aos índios.
Sentença - üsto que só exista uma testemunha, ter comido carne em
dia proibido, por ter pregado aos índios que não üessem com os padres
que os haviam debatizar, e impedir que vivessem em sua gentilidade, vá
ao auto público da Sé em corpo, desbarretado, com uma corda cingida,
vela acesa na mão, abjure de leü. Pague 30 cruzados para as despesas
do Santo Oficio, seja publicamente açoitado, nunca mais vá ao sertão.
Confesse-se nas quatro festas principais comungando a conselho do con-
fessor. Pague as custas.
INeustçÃo DE LrsBoA. proc. 17.809. ANTI.
Francisco Pires XV, natural da cidade do Porto, frlho de Domingos Pires,
-
pescador, e de sua mulher Violante Gonçalves, defuntos. 30 anos, ca-
sado com Felipa Gonçalves XV. Contra-mestre de uma nau que veio
do Porto: N. Senhora do Castelo.
Culpa -tendo sido preso de luteranos, rezou com eles.
Sentença - tendo o réu confessado na Graça, seja admoestado na Mesa
e repreendido. Num mês se confesse quatro vezes ao confessor que lhe
seú determinado, que o instruirá. Jejue dois dias que sejam de preceito
.da lgreja. Pague as custas. 293 rs.
INeursrçÃo DE LrsBoA. proc. l7.8ll. ANTI.
Gaspar da Costa - XV, natural de Pedrogão Grande, do bispado de Coim-
bra. Casado com Guiomar Rodrigues, estante em Lisboa.
Culpas - fornicação simples não é pecado, pois era bom para curar $uN
doenças.
Sentença -
respeitando a simplicidade do réu, vá ao auto público da
Sé, descalço, despido da cintura para cima, com urna vela acesa na mão,
faça abjuração de leü, cingido com urna corda. Vá na primeira embar-
cação para onde esta sua mulher, fazer vida com ela. Confesse-se nas
quatro festas principais, comunga.ndo a conselho de seu confessor. Pague
as custas.
APÊNDICE6 387

INqtnsçÃo pn Lrssol. proc. 13.167. ANT[.


Gaspar do Ctoúto XV, natural de Tomar. Filho de Bartolomeu Dias e de
-
sua mulher Isabel Pires, lavradores. Alfaiate. Casado com Luisa Fernan-
des, em Tomar.
Culpa - ter afirmado publicamente que a fornicação simples não era
pecado.
Sentença - respeitando o réu ter-se confessado, mostrar sinais de ar-
rependimento, pedir misericórdia, vá um domingo à Sé, onde esteja em
pe, descalço, em corpo, desbarretado, cingido com uma corda, com uma
vela acesa na mão, enquanto se celebrar a missa' Abjure de leü na mesa.
Confesse-se num ano nas quatro festas principais, comungando a conselho
do confessor. Reze 5 vezes o roúrio de Nossa Senhora.
INeusrçÃo nn Ltsnol. proc. 11.074. ANTT.

Gaspar Nunes Barreto - Natural da Bahia, filho de Francisco Nunes, que


foi ferreiro, e depois largou o oficio e foi senhor de engenho, e de sua
mulher Joana Barreta, a quem não sabe se foi XN ou XV, defuntos.
Lawador que tem casa de meles. Morador na freguesia de Itaparica na
terra firme de Paraguassú. 40 anos, casaCo com Ana Alveloa.
Culpa - ter-se mandado riscar ao modo gentílico. Perjúrio'
Sentmça - tendo-se acusado na Graça, seja repreurdido na Mesa'
Quanto ao perjúrio, visto o réu, depois de ter jurado na Mesa, falou com
companheiro, vá ao auto da Sé em corpo, com cabeça descoberta, vela
acesÍÌ na mão, ouvir a leitura de sua sentença. Pague 50 cruzados para
as despesas do Santo Oficio, e as custas. Absoluto da excomunhão ern
que incorreu conforme o monitorio geral.
INeutstçÃo DE LIsBoA. proc. 11.075. ANTI.
Gaspar Rodrigues XV, natural de Torres Novas, filho de Pero Vaz, e de
-
sua mulher Margarida Rodrigues. Feitor da fazerÂa de Manoel de Melo.
Culpa - nefando.
Sentmça -Não ficam provadas as acusa@es feitas contra o réu. Visto
ele ter-se apresentado à Mesa, quando soube que o iriam prender, visto
sua boa vida e bons costumes, seja absoluto e não se lhe ponha pena
nenhuma. Confesse-se de confissão geral de toda a vida. Pague as custas:
2$348.
IxquuçÃo nn Lsgor.. proc. 11.061. AN'llT.
Gonçalo Fernandes -"-"i.r.o. XV, natural da capitania da Bahia, hlho
-
de Fernão Gonçalves, homem branco, lawador, morador em Paripe, e
de sua escrava brasila Antonia, casado com Incença Nunes XN, ma-
meluca. 25 anos, lawador, morador em Paripe.
Culpa - participação na santidade do Jaguaripe. Brutalidade.
Sentença - tendo-se confessado na Graça, e não tendo sido delatado,
que abjure de levi na Mesa, sendo repreendido, e nunca mais vá ao sertão'
388 ANEXos

Pelo pecado de brutalidade, seja rqrreendido. Pague 5 cruzados para


as despesas do Santo Oficio. Confesse-se no ano seis vezes, comungando
a conselho do Confessor. Em cada dia que comungar reze I rosário
inteiro a Nossa Senhora, jejue nove sextas-feiras. Pague as custas 879 rs.
INqunçÃo or Lrsno,l. proc. 17.762. ANTI.
Gonçalo Pires - XV, natural de Ponte de Lima, filho de Afonso Pires fer-
rador e de sua mulher Isabel Gonçalves. Solteiro. Não tem oficio,24 anos,
Culpa - nefando.
Sentença - Visto o réu ser menor, e ter sido solicitado pelo cúmplice,
e ter sido só um ato, degredado por 6 meses para fora d4 cidade, e 4 lé-
guas ao redor dela. Pague 10$000 para as despesas do Santo Oficio.
Jejuns e disciplinas.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 4.307. ANTï.
Gonçalo Vaz - natural de Ponte de Lima. XV, mestre de navio Sto. Antonio.
Culpa - tendo sido preso dos luteranos, rezara com eles.
Sentmça - repreendido e admoestado na Mesa. Confessar-se quatro
vezes nas festâs principais, comunga.ndo a conselho do confessor. Pagar
5 cruzados para as despesas do Santo Oficio e as custas.
INqusrçÃo pn LrssoA. proc. 4.308. AN:|I.
Iruicio de Barcelos - XV, natural da Ilha Terceira, hlho de Afonso de Bar-
celos Machado, filho de Pero de Barcelos e de Isabel Gonçalves, sua
mulher, gente dos da governança da terra. Casado com d. Joana, XV,
natural da capitania dos Ilhéus.
Culpa - disse publicamente que preferia que seus negros fossem gentios
e não cristãos.
Sentença - üsta a qualidade do réu, seja repreendido na Mesa. pague
5 cruzados para as despesas do Santo OÍicio e as custas.
INqunçÃo DE LrsBoA. proc. 13.196. ANTI.
'Jacome Fernandes
- XV, natural do termo de Ponte de Lima, Íilho de Gon-
çalo Eanes e de sua mulher Maria Martins, lavradores, defuntos. 60 anos,
lavrador, üúvo, morador na freguesia de Tasuapina.
-
Culpa ter blasfemado publiczrmente.
-
Sentmça vista a qualidade de XV do réu, embora haja presunção de
perjuro, vá ao auto público dos penitenciados à Sé, em colpo, com vela
acesa na mão, em É, com a cabeça descoberta. Abjure de levi em pú-
blico na Sé. Pague as custas l$394. Confesse-se nas quatro festas princi-
pais, comungando a conselho do confessor, no dia em que comungar,
reze o roúrio de Nossa Senhora.
InqumçÃo DB LrsBoA. proc. 4.3(X. ANTT.
Joane Ans -flamengo. Filho de Alberto, lawador, e de sua mulher Ana,
solteiro, 26 anos. Católico. Natural de Grião. Mestre carpinteiro cala-
fate da urca Abraham.
Culpa - ter reclamado dos dias santos.
Sentença - não havendo presunção nem suspeita contra o réu, pois é
APÉNDrcE 6 389

de terra onde não hií luteranos. Repreendido na Mesa, e admoestado e


nunca mais diga as palawas que disse. Pague as custas 286 rs.
INquuçÃo DE LtriBoA. proc. 8.582. ANTI.
Joatn Bono - flamengo. Filho de Joam Bono, alfaiate, e de sua mulher Tomna,
flamengos, defuntos. 20 anos, criado de Nicolau Mendes della Penha.
Culpa - cativo dos luteranos ao tempo da guerra da Flandres, andou
entre eles, freqüentando suas igrejas, com eles rezando.
Sentmça - respeitando ser o réu menor, flamengo, vá à Sé, num do-
mingo quando se çelebrar o oficio diüno, e nela esteja em pé, descalço,
desbarretado, em colpo, com a cabeça descoberta e vela acesa nas mãos
levantadas. Faça abjuração de leü em público. Sirva por 2 meses num
mosteiro de reügiosos que lhe for determinado para tambérn ser instruido
na fé e doutrina cristã. Pague as custas.
INqusrçÃo DE LIsBoA. proc. 2.558. ANTT.
João Dias - XV, natural da Ilha Terceira, Íilho de Pero Bras, lawador, e de
sua mulher Isabel Lopes, defuntos. Casado com Antonia Dias, negra
brasila. Lawador, morador em Jacuipe, junto da fazetda de Garcia
Dávila.
Culpa - ter-se deixado ficar excomungado.
Smtença - üsto a rudeza e pouco saber do réu, seja repreendido na
Mesa. Pague l0 cruzados para as despesas do Sto. Oficio' Mandado se
absolver e satisfazer no juízo eclesiástico onde foi excomungado' Pague
as custas 427 rs.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 2.562. ANTT.
Joõo Ferrundes - mameluco, natural da Búia de Todos os Santos, hlho
de João Bento, francês de nação, defunto, e de sua mulher Catarina
Fernandes, mameluca, moradora em casa de seu genro Baltazat Alvares.
Lawador, morador na fazenda de Fernão Soares, freguesia de Santo
Amaro, estante em Salvador.
Culpa - nefando.
Smtença - respeitando-se o réu, antes de ser preso, mesmo depois de
delatado, ter úndo apresentar-se à Mesa, e ser menor, vá degradado
por 2 anos para as galés do Reino, onde renarâ sern soldo. Depois co-
mutada a pena por doença do réu para 5 anos de degredo para a Pa-
raíba, onde trabalhe em obras do Rei. Nos ditos 5 anos, confesse cada
ano 6 vezes fora da obrigação da Quaresma. Pague as custas, l$@8.
IrqusrçÃo DE LIsBoA. proc. 2.559. ANTI.
João Gonçalves - natural da Ilha da Madeira, casado, mestre de engenho
de Fernão Cabral de Ataide. Casado na Bahia com Inês Fernandes.
Culpa - Bigamia.
Processo interrompido pela ausência do réu.
IrqusrçÃo oe Lsnol. proc. 2.555. ANTT.
João Gonçalves - XV, natural da Capitania dos llhéus, filho de Tomé Fer-
390 ANExos

nandes e de sua mulher Isabel Gonçalves, trabalhadores, solteiro,20 anos.


Alfaiate, morador em Sergipe do Conde.
- Culpa - ter comido carne em dia defeso quando foi à guerra do Sergipe,
e riscou-se ao modo gentílico.
Sentença -
repreendido. Nurica mais vá ao sertão. Jejue 5 quartas-feiras,
uma delas reze o rosário de N. Senhora e se confesse no Natal,
e em cada
comungando a conselho do confessor. Pague as custas - 292 rs.
INquruçÃo DE LrsBoA. proc. 13.098. ANTI.
Jorge Martins - XV, natural e morador dos Ilheus. Lawador que foi almo-
xarife, 75 anos, casado com Catarina Faia.
Culpa - não benzer-se ou persigrar-se certo. Arrenegar a Deus.
Sentmça - repreendido e admoestado. Mandado confessar-se de con-
fissão geral com confessor que lhe for determinado. Rezar um roúrio
de N. Senhora. Pagar as custas.
INquruçÃo DE LrsBoA. proc. 2.551. ANTT.
I-azaro Aranha - Mameluco, natural de Porto Seguro, filho de Manoel Ro-
drigues Magalhães, XV, homem branco natural de ponte de Lima, e
de Maria, brasila do gurtio sua seryente, forra, defuntos. 43 anos, casado
com Luzia Correa, mameluca. Morador na freguesia de paraguassu.
Culpa - chamou os diabos para ajudarem-no a vencer no jogo. Comeu
carne em dias defesos.
Sentença -
provas não plenas. Repreendido na Mesa, admoestado, man-
dado não mais usar de semelhantes gaças. pagar 6$000 para as despesas
do Santo Oficio. Jejue duas quartas-feiras e conf,esse-se na festa do Es-
pírito Santo, comungando a conselho do confessor. pague as custas.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 12.927. ANTT.
Lazaro da Cunha -
mameluco, natural da capitania do Espírito Santo, filho
de Tristão da Cunha, defunto, homem branco, e de sua mulher Isabel
Pires, mameluca. Solteiro, 30 anos. Não tem lugar certo de moradia.
Culpa - púticas gentílicas no sertão.
Sentença - repreendido e admoestado. Mandado nuncÍr rnais voltar ao
sertão. Confessar-se de confissão geral e receber doutrina de padre que
lhe seria indicado. Jejuar três quartas-feiras que não sejam dé preceito.
Pagar as custas.
INquuçÃo pn Lsnorc,. proc. 11.068. ANTT.
Iaonardo - XV, natural da cidade de Lisboa, hlho de Gaspar Rodrigues,
marinheiro, e de sua mulher Branca Leonarda, defunta. Morador na casa
de Belchior da Costa, freguesia de Sergipe, 23 anos. Afeminado e sem
nenhuma mostra de barba. Solteiro.
Culpa - blasÍêmia (arrenegar Deus).
Sentença - visto ser menor de 25 anos, o modo como o caso Írconte-
ceu, sua simplicidade, vá ao auto público que se fizer na Sé onde esteja
em pe, descalço, desbarretado, em corpo, cingido com urna corda, um
pau na boca, uma vela na mão, para ouür sua sentença. Relevado da
ApÉNDrcE 6 391

pena de açoites e degredo para galés. Pague as custas. 491 rs. No ano
confessar-se nas quatro festas principais, comungando a conselho do con-
fessor. Aprenda a doutrina.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 11.070. ANTT.
Ieonor Velha - XV, natural da Ilha de Sta. Maria, fìlha de Lopo Fernan-
des, lawador e de sua mulher Catarina Gonçalves, defuntos. 42 anos.
Casado com Antonio de Miranda, carpinteiro.
Culpa - ter dito que mais podia o diabo que Deus.
Sentença - considerando o modo por que disse tais palavras, ser XV,
mulher de boa üda e logo ter-se arrependido, repreendida na Mesa, e
que num ano confesse cada mês, e tome a comunhão a conselho do con-
fessor. Pague as custas, 712 rs,
INqumçÃo DE LrsBoA. proc. 10.715. ANTT.
Doru l*onor - XV, mulher de Henrique Monis Teles, moradora em Ma-
toim. Filha de Ana Rodrigues e Heitor Antunes.
Culpa - Judaísmo.
Sentmça - 6." abjuração em forma no auto de 3/3/1603 em Lisboa. Crír-
cere e hábito perpétuos com fogos, sem remissão.
INqumçÃo DE LrsBoA. proc. 10.716. ANTI.
Ittis Alvares - XN, natural de Fronteira, coÍnarca da cidade de Évora, hlho
de Manoel Gonçalves e de sua mulher Beatiz Alvares, XN, ora mora-
dores em Benavente, 5l anos, solteiro.
Culpa - judaísmo.
Sentença - Remetido a Lisboa em setembro de 1591. pagar as custas
de l$971.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 11.073. ANTI.
Ittis Fernandes - XN, natural de Bom Barsal, termo de óbidos. Filho de
Alvaro Fernandes e de Madalena Luis, lawadores. Casado com Suzana
da Fonsea XV, 25 anos. Sapateiro.
Culpa - ter dito publicamente que não podia adorar o Cruxifixo.
Smtença - por ter dito tais palawas por ódio de Belchior Lús, e não
ter sido contumaz, vá a Sé, ao auto, onde estará em S em corpo, desbar-
retado, com vela acesa na mão. Num ano, confesse nas 4 festas, comun-
gando a conselho do confessor. Reze 5 vezes o padre Nosso e o Credo
em honra das chagas de Cristo. Pague as custas, 744 rs.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 11.032. ANT[.
bisa de Melo - XV, natural da Ilha da Madeira, filha de Troylos de Vas-
concelos e de sua mulher dona lria de Melo, já defuntos. Viúva de Anto-
nio de Oliveira do Carvalhal, XV, 65 anos.
Culpa - palawas blasfemas.
Smtença - ústo zua idade e qualidade, e muito agastamento, seja re-
preendida na Mesa, e nela lhe seja lida sua sentença. Três dias vá visitar
392 ANExos

o Hospital dos Pobres enfermos de Salvador, consolando-os. Reze 5 vezes


o Roúrio de Nossa Senhora e 5 a Coroa de Cristo em honra da paixão.
Confesse-se, levando escrito à Mesa. Pague as custas, l$,498.
INqusrçÃo oB Lnno,t. proc. 10.713. ANTT.
Ittis Gonçalves XV, natural da Ilha de Patna, Íilho de Francisco Gongl-
-
ves, luveiro, e de sua mulher Joana Bernal. 28 anos, solteiro, homem par-
do. Morador em Pernambuco, na Barreta freguesia do Corpo Santo do
Recife.
-
Culpa Cisse publicamente que melhor era o estado dos casados que
o dos religiosos.
Sentença - visto como teve por muito teÍnpo tal opinião, e ú entendeu
ser errada no auto da fé, visto ter-se apresentado na Graça, e não haver
dela@s, e afirmar que não teve tenção contra a Igreja, nern malícia,
faça na Mesa abjuração de levi, confesse-se de confissão geral de zua
vida. Por um ano, confesse-se nas quatro festas e comungue a çonselho
do confessor. Seja assíduo nas pregações e oficios divinos. Pague as custas.
INquução or Lssoa. proc. 11.062. ANTT.
Manoel Brmco - XV, natural da Bahia, hlho de Estevão Branco,
homem
franoês de nação, e de sua mulher Barbara Branca, negra brasila, de-
funtos. Solteiro, 24 anos, morador em Pirajá, termo de Salvador. Não
tem oficio, vive por zua industria. Mestiço.
Culpa no sertão comeu carne nos dias defesos, riscou-se, deu uma
-
espada aos gentios.
Sentença -
por ter-se apresentado na Graça, e não haver mais delações
do que aquilo que confessou, repreendido na Mesa. Confesse-se uma
vez antes da Quaresma recebendo a comuúão a conselho do confessor.
Jejue uma quarta-feira e nela reze o roúrio de N. Senhora. Nunca mais
vá ao sertão. Pague as custas. 924 rs,
INquuçÃo DB LrsBoA. proc. 11.072. ANTT.
Manoel Homem de Carvalho XN, natural da cidade de Ponte Delgada na
-
Ilha de S. Miguel, casado, rnorador que foi em Salvador, residente em
Angola.
Culpa - judaísmo.
Sentença - abjuração de vehemente em Lisboa. Pagou 100$ü)0 para o
Santo Oficio.
IrqunçÃo os LrsBoÁ,. proc.3.l57. ANTT.
Mopel dc Paredes - XV, natural de Lisboa, filho de Agostinho de Paredes,
alfaiate e de sua mulher Violante da Costa. 35 anos, casado com Paula
.,de Barros. Dono de fazenda em Passe, morador em Salvador.
Culpa - ter duüdado da ürgindade de Nossa Senhora.
Sentença visto a falta de prova e a existência de inimigos entre as
-
testemunhas, e não haver cousa bastante para condenação, seja rçreen-
dido e admoestado na Mesa. Confess€-se em cada aoo 5 vezes fora da
obrigação da Quaresma, comungando a conselho do confessor. Reze 5
APÊNDrcE 6 393

vezes os satnos penitenciais com as ladainhas, e 5 vezes o roúrio de N.


Senhora. Pague as custas: l$838.
INquuçÃo pn Lsnoa. proc. ll.07l. ANTT.
Marcos Tavares - mameluco, não sabe se é XV ou XN. Filho de Francisco
Fernandes, branco feitor de Sebastião de Faria, e Iria Alvares, brasila
forra. Solteiro, 22 anos.
Culpa - nefando.
Sentença - Respeitando s€r menor no tempo em que delinqiiiu, vá ao
auto público da Se, descalço, em corpo, cingido com urna corda, des-
barretado, com vela acesa na mão. Açoitado pubücamente. Degredado
por l0 anos para Sergipe de S. Cristóvão. Relevado das mais penas qu€
merecia e por ser mameluco, Pague as cuscas - 738 rs.
INqumçÃo DE LIsoÀ. proc. 11.080. AìTT.
Mugmida Carneira de Magalhães - XV, í anos. Natural do Catio de Guiné,
filha de Simão Carneiro e de sua mulher Catarina Magalhães, defuntos.
Casado com Manoel Fernandes Leitão, alfaiate.
Culpa - ter dito as palawas da consagração no rosto do marido para
abrandá-lo. Fizera o mesmo quando viúva, com Diogo Martins Cão,
paÍa que fizesse bem. Pediu misericórdia.
Sentença - Tratada com misericórdia uma vez "que são culpas graús-
simas que merecern graússimos castigos". Vá, descalça, em corpo, sem
saia, cingida por urna corda, num domingo, à Sé, enquanto se celebrar
a missa, e com vela Írcesa na mão ouça a s€nt€,nça. Aprenda os manda-
mentos de Deus, da Igreja, os pecados mortais. Confesse-se no espaço
de um ano nas três festas principais, comungando a conselho do con-
fessor, rezando então 33 vezes o Padre-Nosso em honra de Cristo. Pague
as custas: 947 rs.
INquuçÃo DB LÍBoA. proc. 10.751. ANTT.
Maria furbosa - mulher parda. Casada com João da Cnu, ourives. Natu-
ral da cidade de Évora" morador na Búia.
Culpa - juramentos blasfemos, falta aos oflcios divinos. Adulterio. Al-
covitice.
Sentença - Mandada de volta ao Brasil pois zuas culpas pertencem ao
foro eclesiástico.
IwqunçÃo or Lrsno.l. proc. 3.382. ANTT.
Maria Fernmdes - (ou ViolantQ - cigana. Natural de S. Felices dos Galhe-
gos. Filho de Francisco escudeiro porh4uês XV, e de zua mulher Maria
Violante, cigana. 40 anos. Viúva de Francisco Fernandes, ferreiro, ci-
gano. Moradora em Salvador. Veio degredada do Reino por furto de
burros.
Culpa - arïenegar a Deus e dizer palavras irreverentes. Admoestada, em-
barcada a cumprir seu degredo, voltou à cidade.
Sentença - visto ter-se mostrado muito desobediente e impenitente, para
exemplo seja açoitada publicamente pela cidade, e embarcada pra cum-
394 ANExos

prirseu degredo. E, se voltar, seja castigada com muito rigor. pague


as custas, 230 rs.
IxqumçÃo DE LrsEoA. ptoc. 10.747. ANT[.
Maria de Peralta meia XN, natural da Búia, filha de Gaspax de Vila
-
Corte de Peralta, XV, biscainho, e de zua mulher Ana de Oliveira XN.
26 anos, casada com Tomas Bibenüio, inglês, úèrcador de loja, mora-
dores na üla de Olinda, freguesia da Matriz.
Culpa ter a Bíblia em linguagem, e esbofetear imagem.
-
Sentença -
não resultou normalmente culpa de desprezo, e sim de le-
úandade. Não justifica culpa de Judaísmo tão formal que baste para
prisão. Solta até se acrescerem mais culpas contra ela.
InqusçÃo ps LrsBoA,. proc. 10.746. ANTT.
Maria Pinheira - natural de Lisboa, filha de Diogo Fernandes Pinhsiro e
de Inês Fernandes, mourisca de nação. 40 anos, casada com Simão Nunes.
Moradora em Salvador.
Culpa - não ter denunciado matéria do Santo Oficio. Excomungada.
Presa pelo Santo Oficio por ter jurado falso quando chamada.
-
Sentmça um domingo, enquanto se celebrar a missa, esteja na Se sem
malxto, com vela acesa na mão, em pé, e abjure de levi, e seja absoluta
da excomunhão. Respeitando ter-se apresentado à Mesa antes de ser
presa, relevada das mais penas públicas. Aprenderá a doutrina cristã, je-
juaú três sextas-feiras que não sejam de obrigação e em cada urna rÈ
zarâ w ros:írio de N. Senhora. Confessar-se:á nas festas do Espírito
Santo e do Natal, comungando a conselho do confessor. Pague as custas:
894 rs..
IxqunçÃo DE LrsBoA. proc. 10.749. ANTI.
Mateus Lopes Franco - XN, solteiro. Filho de Francisco Lopes Franco, na-
tural da cidade de Lisbòa, morador na Bahia.
Culpa - judaísmo.
Processo ilegível.
INquuçÃo DE Lr$oA. proc. 3.5O4. ANTT.
Paula de Sequeira -
filha de Manoel Pires, ourives da prata, meio Ílanengo,
c de sua mulher Mecia Rodrigues, defuntos. XV, natural da cidade de
Lisboa. Casada com Antonio de Faria, contador da fazenda del-Rei em
Salvador. 40 anos. Moradora em Salvador, na rua de S. Francisco.
-
Culpa sodomia. Possuir e ler liwos defesos (Diana).
Sentença -por ter lido e teimado em ler Diana, mostrou-se desobediente
aos preceitos apoòtólicos do Santo Oficio, esquecida da obrigação do bom
cristão tem de temer a excomunhão, vá num domingo durante a missa
à Sé, em pé, com vela acesa na mão, ler livros espirituais de doutrina
católica e vidas dos santos e santas, jejuar três sextas-feiras, rezar os
salmos penitenciais de Daú, seja absoluta da excomunhão. Pague as custas.
IxqusçÃo DB LrriBoA. proc. 3.307. ANTI.
APÉNDICE 6 395

Pedralvares, o Malhada, de alctmha XV, natural de Basto, arcebispado


-
de Braga, filho de Sebastião Gonçalves, lawador e Maria Leite sua man-
ceba. Caririnteiro e talhador de carne em Salvador. Solteiro, 43 anos.
Culpa - não ter denunciado as heresias da mulher.
-
Sentmça vá, em corpo, estar de pe, descoberto e descalço, com urna
corda cingida, num domingo à missa na Sé, com vela acesa na mão e
faça abjuração de vehemente suspeita na fé, em público, onde será absol-
vido da excomunhão, em forma ecclesiae. Açoitado publicamente na ci-
dade. Pague as custas: 815 rs.
InqusçÃo DE LrsBoA. proc. 12.232. ANïT.
Pero de Carvallwis - natural de Salvador, filho de pero de Carvalhais, XV,
e de sua mulher Leonor Darevalos, defuntos. Casado com Isabel Nunes,
XV, lavrador, 34 anos.
Culpa - ter dito que ao céu não irão frades e clérigos, e sim lavradores,
pois estes tinham üda de anjos, e os outros de porcos. Dava espingarda
aos índios.
Sentença - palawas heréticas e escandalosas, por isso vá o réu, no pri-
meiro auto de fé de penitenciados públicos que se fuer, com vela acesa
na mão, em corpo, desbarretado. Faça na Mesa abjuração de leü. Não
mais vá ao sertão. Jejue três sextas-feiras, e em cada uma delas reze I
vez os salmos penitenciais. No ano, confesse-se três vezes e comungue
a conselho do confessor. Pague as custas: l$457.
INquuçÃo DE LrsBoA. prx,. 12.231. ANTI.
Pero Dias - XV, natural do Pereira, termo de Alanquer. Filho de Amador
Gonçalves, lawador, e de sua mulher Margarida, defunta. Casado com
Maria Esteves, moradora em Lisboa, XV, sapateiro, estante em Salvador.
Culpa - ter dito publicamente que não se devia adorar o Crucifixo
ajoelhando e batendo no peito.
SenÍença - ir ao auto em pé, desbarretado, em corpo, com vela acesa
na mão. Abjure de leü. Num ano, confesse às quatro festas principais,
comungando a conselho do confessor. Reze 5 vezes o padre-nosso, Ave-
Maria, Credo em honra das cinco chagas de Cristo. pague as custas: 714 rs.
INquuçÃo on Lsnoe. proc. 13.091. ANTT.
Pero Femandes Delgado - o Maraxo de alcunha - XV, natural do porto.
Filho de Pedreaves de Bertigoga, alcunhado o piloto, e sua mulher Bea-
tris Delgada, defuntos. cordoeiro. Piloto na costa do Brasil dos naüos
del Rei. 43 anos, Solteiro. Morador em Salvador.
Culpa - deu fuga a Diogo Gonçalves tanoeiro, temeroso da Inquisição
por ser bígamo.
Sentença - vá em colpo, com uma vela êcesa na mão, em pé, à Sé, num
domingo enquanto se celebrar a missa. Pague 15 cruzados para as despe-
sas do Santo Oficio. Usando de muita misericórdia relevam de açoites
396 ANEXos

e de outras penas públicas que de rigor merecia. Respeitando-se ser doen-


te de cólica, e ter outras enfermidades, confesse-se no ano nas quatro
festas principais, comunga.ndo a conselho do confessor. Jejue 5 sextas-
feiras que não sejam de jejum em honra das chagas de Cristo. Pague as
custas: l$057.
IxquuçÃo ps LrsBoA,. proc. 13.092. ANTI.
Pero de Vila Nova - francês de nação. Natural da cidade de Proüns, frlho
de Nicolau Colheni, cavaleiro, e de sua mulher Nicola Sionheta, fran-
ceses católicos. 55. anos. casado com Leonor Marques de Mendonça,
XV, morador em Sergipe do Conde, onde é lawador.
Culpa - ter freqüantado escolas luteranas quando jovem. Ter comido
carne em dias defesos, por ignorância. Deixou o luteranismo ao conüver
com católicos em S. Vicente.
Smtença - por ter vindo na Graça, e nada mais constar sobre ele que
sua confissão, abjure de levi na Mesa, sendo repreendido e adnroestado.
Mandado não contar mais costumes e eÍros luteranos a ninguém. Pague
as custas.
IrqusçÃo DB LIsBoA. proc. 2.526. ANTI.
Roberto Arrundel - inglês, natural de Cornval, terra de seu pai, Roberto
Arrundel. Filho de Isabel Amrndel, fidalgos. Solteiro. 26 anos. Presos
no Espírito Santo.
Culpo - luteranismo.
Processo interrompido por ter o Governador-Geral mandado o réu em-
barcar para o Reino a mandado do Rei.
INqusrçÃo DE LrsBoA. proc. 12.208. ANTT.
Rodtigo de Alrteida - mameluco. Natural de Salvador. Filho de Antonio
Gonçalves, branco, e Isabel, brasila forra, 35 anos, solteiro. Lavrador.
Culpa no sertão, ritos gentílicos.
-
-
Smtmça não mais voltar ao sertão. Admoestado e repreendido. Con-
fessar-se de confissão geral de toda a vida a padre que lhe seú designado,
e que dwení instnrí-lo. Jejuar 5 quaÍtas-feiras que não sejam de jcjum"
Pagar as custas.
IxoursrçÃo DB LrsEoA. proc. 12.?.fi. ANTT.
Rúigo Marths - memeluco, XV, natural da capitania de Porto S€guro.
Filho de Francisco Martins, home,m bran@, e de sua etlcrava brasila
Isabel, defuntos, 38 anos. Casado com Isabel Rodrigues, mameluca. La-
vrador. Morador na freguesia de Tamararia em Pernão MiÍim.
Culpa - t€r comido canre por l0 meses que esteve no sertiio do Ninho
"da GaÍça.
Sentença - por teÍ-se apreseirtado na Graça, repreendido e admoestado,
por t€r sido denunçiado de riscar-se ao modo genúlico, e não te'lrdo con'
fessado isto na Graça, pague 5 cruzados para as despesas do Santo OÍIcio.
Nunca mais volte ao sertão. Pague as custas: 524 rs. No ano jejue 5 quar-
ApÊNDrcE 6 397

tas-feiras, confesse-se nas quatro festas principais, comungando a con-


selho do confessor, rezando no dia um roúrio de Nossa Senhora.
INqumçÃo pr Lrso.c. prx,. 12.229. ANT[.
Salvador da Maia - XN.
Culpa - tinha crucifixo aos pés da cama e cuspia nele.
Autuado pelo juizo Eclesiástico. Enviado com culpas a Lisboa.
INqunrçÃo DE LrsBoA. proc. 2.320. ANTT.
Sebastião Madeira - XV, natural da Capitania de Pernambuco, filho de Braz
Madeira, homem branco, lawador, e d€ sua mulher Isabel Fernandes,
mameluca. Solteiro, 27 anos. Morador em Tasuapina.
Culpa - no sèrtão, tingiu-se como os indios, riscou-se. Não freqüentou
os sacramentos. Comeu carne em dias defesos sem precisar.
Sentença - Vá em público, à Sé, em dia de missa, domingo ou dia santo
- ou em auto de fé, descalço, em corpo, desbarretado, com vela acesa
na mão. Nunca mais vá ao sertão. Pague as custas: l$139. Jejue 3 quar-
tas-feiras e confesse 5 vezes no ano, comungando a conselho do confessor.
INqusrçÃo DE LrsBoA. proc. ll.2l2. ANTI.
Sebastião da Silva - cigano XV, natural da Ilha do Faial, filho de Amador
da Silva, ferreiro de fazr.r verrurnas, e de sua mulher Maria Fernandes,
ciganos. Morador em Salvador. Alfaiate, Z anos.
Culpa - não ter denunciado Leonardo no tempo do monitório geral.
Sentença - repreendido, admoestado. Vá num domingo à Sé durante a
missa, com vela acesa, cingido de corda, quando será absolüdo da exco-
munhão em que incorreu. Pague as custas.
IuqusçÃo DE LrsBoA. proc. ll.2l0. ANT[.
Sitnão Rodrigues - mameluco. XV, natural da capitania dos llhéus. Filho
de Simão Rodrigues, mameluco, viúvo, e da brasila Gracia Fernandes,
sua mulher, 20 anos. solteiro.
Culpa - No sertão, ter comido qìrne em dias defesos.
Smtmça - Ao auto público dos penitenciados em colpo, desbarretado,
com vela acesa na mão, admoestado e repreendido na Mesa. Confessar-se
uma vez nas festas principais, comungando a conselho do confessor.
Jejuar três quartas-feiras que não sejam de jejum. Nunca mais voltar ao
sertão. Pagar as custas: 969 rs.
INqusrçÃo pe LrsBoA,. proc. 11.666. ANTI.

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