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A linguagem é uma cadeia de sons articulados, mas também uma rede de marcas escritas, ou um
jogo de gestos (uma gestualidade); é simultaneamente o único modo de ser do pensamento, a sua
1
“A linguagem nos foi dada para habilitar-nos a ocultar nossos pensamentos. É interessante que a linguagem possa
enunciar factos; e é também interessante que possa enunciar falsidades. Quando enuncia uma dessas coisas, o faz
com a intenção de causar alguma acção” (RUSSELL, 1978:29). “A linguagem é essencialmente algo de que
dispomos e que, apesar de tudo, noutro sentido, dispõe de nós enquanto, com as suas estruturas, delimita desde o
início o campo da nossa possível experiência do mundo. Só na linguagem as coisas nos podem aparecer: todo o falar
concreto pressupõe que a linguagem já tenha aberto o mundo e que também a nós nos tenha colocado nele... A
linguagem é, sobretudo, um dirigir-se a nós, sem o qual não podemos falar. Ela é anúncio, apelo, mensagem, e usa o
homem como mensageiro” (Cfr. VATTIMO, 1996:132). “A posse da linguagem pelo homem marca-se pelo facto,
em primeiro lugar, de se dirigir aos semelhantes, em cujo meio vive, e de também poder ver o seu comportamento
modificado pelas palavras deles. Falar é falar-a (um outro que não seja eu). Ter linguagem também é poder ser
afectado pela palavra do outro” (AA.VV., 2003:555).
realidade e a sua realização; é um processo de comunicação de uma mensagem entre dois sujeitos
falantes pelo menos, sendo um o emissor, e o outro, o receptor (Cfr. KRISTEVA, 1969: 16-17).
A linguagem é um fenómeno social, que tem por função fundamental permitir a comunicação e
não apenas representar o pensamento; “(...) ela é o meio em que se realiza o acordo dos
interlocutores e o entendimento sobre a coisa” (GADAMER, 1999:559-560).
● Quanto mais um fenómeno humano é difundido e importante, tanto mais ele é problemático. É
necessário reconhecer na Filosofia da Linguagem uma interrogação sobre o sentido. Katz
entende filosofia da linguagem, a disciplina que se preocupa com análise dos conceitos e do
método da linguística. Esta definição da Filosofia da Linguagem como teoria da linguística é
rejeitada. Por sua vez, Fodor sustenta que esta disciplina socorre-se da linguística para resolver
os problemas filosóficos.
Segundo Aristóteles, o ser humano é um animal racional, ou seja, um ser capaz de raciocínio.
Raciocinar significa dar razões, isto é, justificações coerentes e dotadas de sentido, numa palavra,
argumentar. A capacidade de raciocinar deve ser exercitada e treinada. Em todas as épocas da
história, o sono da razão tem gerado monstros. Cabe à filosofia a tarefa de manter viva a luz da
razão contra os enganos que procedem da aceitação ingénua e acrítica de qualquer discurso. Nos
seus apontamentos que remontam à década de 1930, eis o que escrevia Wittgenstein: “filosofar
é descartar argumentações erradas”. Ademais, o filósofo austríaco gritava em Cambridge: não
se preocupem com a significação, mas com o uso (Don‟t ask for the meaning, ask for the use).
Hume não se perguntava o que era a causa, mas em que condições ocorria o facto de se utilizar a
relação de causa a efeito. Há aí toda uma crítica do meaning (significado).
É necessário ter um olho treinado e um estudo atento para reconhecer os discursos que não têm
solidez e que talvez depois de um certo tempo desmoronem miseravelmente como um prédio mal
construído. O filósofo tenta encontrar caminhos para se orientar no mundo dos conceitos, no
intuito de esclarecer as relações entre conceitos. O filósofo da linguagem se defronta com a tarefa
de analisar conceitos.
A filosofia da linguagem situa-se na zona limítrofe entre a lógica e a linguística, e busca acima de
tudo analisar as argumentações a favor e contra as diversas visões do sentido que são a cada
momento propostas. Seu paradigma é o esclarecimento coerente dos pensamentos; é a
desambiguização dos enunciados ambíguos.
Por que de forma muito aguçada pode-se considerar Filosofia da Linguagem como sendo
“Filosofia Primeira”?
● Pode-se considerar Filosofia da Linguagem como sendo “filosofia primeira”, no sentido em
que questões metafísicas, epistemológicas ou da filosofia da mente deveriam ser reformuladas
nos termos da Filosofia da Linguagem. Ademais, em várias disciplinas científicas o estudo sobre
a linguagem é levado a cabo. A “filosofia primeira” não é mais a investigação da natureza ou da
essência das coisas, ou dos entes (ontologia), nem tampouco a reflexão sobre as noções ou
conceitos da consciência ou da razão (epistemologia), mas sim a reflexão sobre o significado ou o
sentido de manifestações linguísticas (análise da linguagem).
Sofistas: a verdade universal não existe, simplesmente está sujeita à mudança constante, o
mesmo que a linguagem. Górgias – não existe o ser, mesmo que se existisse, não poderia ser
conhecido; se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado. Assim sendo, a linguagem não
passa de um jogo ou de um exercício, criado e estimulado pelos mais poderosos.
O nosso ser está escondido e só se revela a partir da linguagem. O ser só é possível (cognoscível)
a partir da linguagem. Quando falamos transmitimos o nosso eu aos outros. O ser se manifesta
sempre até quando não queremos nos manifestar.
Não obstante a Filosofia da Linguagem como ciência advier entre séculos XIX e XX, na época
antiga, ainda que de forma implícita já se faziam reflexões filosóficas sobre a linguagem.
- Apresente um breve panorama histórico da Filosofia da Linguagem na antiguidade.
Essas três correntes ou tradições se separaram, mas tendem a unir-se e iluminar-se mutuamente,
pois o mesmo carácter multidisciplinar das ciências leva a uma complexidade em cada âmbito
que começa a deixar de fora os outros. Hoje se compreende o valor da interdisciplinaridade e o
valor de verdade de cada âmbito.
A Filosofia da Linguagem se relaciona de modo especial com a Epistemologia ou Teoria do
Conhecimento, pois tantos enunciados linguísticos que devem ter um sentido na Epistemologia
dependem da Linguagem, como também os processos cognoscitivos que são objectos da
Epistemologia são sob outro aspecto objectos da Filosofia da Linguagem, vemos o exemplo claro
do conceito.
A Lógica, pelas mesmas razões da Epistemologia, tem uma grande conaturalidade com a
Filosofia da Linguagem. Em alguns estudos as duas vêm juntas. O critério de verdade lógica e
verdade significativa que são próprios da Lógica estão muito presente na Linguagem.
Sendo a Filosofia da Linguagem um campo de meditação tão abrangente, ela tem uma forte
afinidade com muitas ciências, aliás vários são os saberes que reivindicam a linguagem como seu
objecto de estudo.
- Explique o valor interdisciplinar existente entre Filosofia da Linguagem, Linguística, Filologia,
Neurofisiologia, Psicologia, História, Geografia, Retórica e Hermenêutica Filosófica.
4. Origem da linguagem
A linguagem é natural aos homens ou é uma convenção social? Se a linguagem for natural, as
palavras possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional, são decisões consensuais
da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias.
Esta discussão levou, séculos mais tarde a seguinte conclusão: a linguagem como capacidade de
expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física,
anatómica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra; mas as línguas são
convencionais, isto é, surgem das condições históricas, geográficas, económicas e políticas
determinadas.
● Essas teorias não são excludentes. É muito possível que a linguagem tenha nascido de todas
essas fontes ou modos de expressão.
● Não há linguagem se não há alguém que fala. Mas, ele não fala se não tem nada para dizer e
não há alguém para quem dizê-lo.
4.2. Importância da linguagem na óptica de alguns autores
a) Para o psicólogo Alexis Leontico a linguagem é elemento concreto que permite ao homem ter
consciência das coisas.
b) Segundo Herculano Carvalho, a primeira importância da linguagem ao homem é possibilitar-
lhe o exercício da faculdade de pensar. Todos os símbolos, são uma forma de linguagem, sejam
eles fonéticos, visuais ou tácteis.
c) Para Jakobson, o pensamento humano é possível graças a linguagem.
d) Para Fromkin e Rodman, a posse da linguagem, mais do que qualquer outro atributo
distingue os seres humanos dos outros animais; para compreendermos a nossa humanidade
teremos que compreender a linguagem que nos torna humanos. A criança se transforma em
“pessoa” ou ser humano apreendendo a linguagem.
Toda pessoa, toda vida intelectual e social se estancam e ficam num estado embrionário quando a
linguagem está ausente. A linguagem aparece ao final como: instrumento de interacção, de
constituição da identidade, de representação dos papéis, de negociação dos sentidos: com o uso
da linguagem o homem doa de sentido a realidade e também dota de um sentido particular o
mundo, faz dele um mundo para si.
A língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é
necessária para que a língua se estabeleça. Há interdependência da língua e da fala; esta é à vez
instrumento e produto daquelas. Mas nada disto as impede de serem duas coisas absolutamente
distintas.
A palavra2 distingue os homens dos animais (estes possuem voz e não palavra); a linguagem
distingue as nações entre si. A linguagem é assim, a forma propriamente humana de
comunicação, da relação consigo mesmo e com os outros, da vida social e política, do
pensamento e das artes. A linguagem é um fenómeno cultural; é condição da cultura e contribui a
criá-la. A cultura é condição da linguagem, mas a linguagem também o é em relação à cultura.
Enquanto é um saber transmissível, a linguagem é um facto cultural. Dizia Hannah Arendt que “a
linguagem é o que faz do homem um animal político”.
Pode-se até ensinar um animal a acender a luz num compartimento escuro, mas se esse animal
soubesse abster-se de tal gesto, porque dorme uma pessoa no compartimento, ele deixaria de ser
um animal – pensaria. Um comportamento deste género está necessariamente ligado ao
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Processo concreto de comunicação inter-subjectiva com a ajuda de sinais sonoros; actualização da linguagem;
qualquer segmento de uma oração limitado por pontos sucessivos em que é possível fazer pausas.
pensamento linguístico. Sem a linguagem, o homem perde a atitude categorial e, assim, a
faculdade de pensar.
A linguagem é tão velha como a consciência; é a consciência prática, que existe também para
outros homens, que portanto existe e é real igualmente para mim, e a linguagem tal como a
consciência, não nasce senão da carência, da necessidade do comércio com outros homens.
Não é possível o pensamento sem a linguagem; mas isto não significa que só se produzam
operações verbais nos processos de pensamento. É nas palavras que pensamos. Querer pensar
sem as palavras é uma tentativa insensata. A palavra dá ao pensamento a existência mais elevada
e mais verdadeira.
A faculdade de pensar, e de pensar sem palavras, não foi dada aos homens senão graças à
palavra. A função cognitiva do pensamento não se realiza sem a linguagem e, por outro lado,
a função comunicativa da linguagem não se realiza sem o pensamento. É certo que o
pensamento é sempre um acto individual levado a efeito por um indivíduo definido, mas é
também um fenómeno social: 1) é socialmente condicionado e impossível, sem a participação do
sujeito a pensar na comunidade humana; 2) o pensamento, por exemplo, científico ou político de
um indivíduo exerce influência na sociedade. O mesmo se passa com a linguagem: não só assume
uma função social enquanto instrumento de comunicação
Bibliografia
PENCO, Carlos. Introdução à Filosofia da Linguagem. Rio de Janeiro, Vozes, 2006.
CAPÍTULO II
ESTRUTURALISMO
O Curso de Linguística Geral dado por Ferdinand de Saussure na Universidade de Genebra, entre
os anos de 1906 e 1911 teve em particular o mérito de definir pela primeira vez, e de maneira
magistral, um certo número de conceitos-chave: a distinção entre língua e fala, a noção de língua
como sistema, etc. Vários sectores das ciências humanas, inclusive a Filosofia da Linguagem
foram influenciados pelas pesquisas de Saussure que permitiram o prodigioso desenvolvimento
ao longo do século XX.
2.1. A Semiologia
Semiologia – é a ciência que estuda a vida dos sinais no quadro da vida social pode ser parte da
psicologia social e, consequentemente, da psicologia geral. O seu objectivo está em nos dizer em
que consiste os sinais, que leis os regulam. Isso quer dizer que os sinais não são apenas os
linguísticos, mas diz respeito a outros sistemas de sinais como os ritos simbólicos, o alfabeto dos
surdos-mudos, as formas de cortesia, os sinais militares, a própria moda, os sinais visuais,
marítimos, etc.
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Refere-se ao estudo da língua vista como sistema, não considerando as mudanças ocorridas no tempo. É por assim
dizer, linguística estática.
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Estuda as relações que ligam termos sucessivos, não percebidos pela consciência colectiva e que se substituem uns
aos outros sem formar sistemas entre si. É, por assim dizer, linguística evolutiva.
CAPÍTULO III
DIMENSÃO ÉTICA DO DISCURSO EM KARL-OTTO APEL E JÜRGEN HABERMAS
As duas posições são, para Apel, contrárias à experiencia, na qual a dimensão hermenêutico-
pragmática da linguagem é tão importante quanto a lógico-semântica. Por outro lado, a
abordagem analítica, ainda que reconhecendo a importância da linguagem para o conhecimento,
focaliza a linguagem como um objecto, sem conseguir perceber que ela é também, e
fundamentalmente, condição de possibilidade de nosso conhecimento de objectos.
A valorização do uso comum da linguagem mostrou que a sintaxe depende da semântica, a qual
supõe, por sua vez, a pragmática. Este enfoque exige não perder de vista o carácter
intersubjectivo da linguagem, que nunca se reduz à relação de um sujeito com os objectos
mediante sinais, senão que consiste sempre num mútuo entendimento de diversos sujeitos a
propósito dos objectos.
É necessário respeitar a posição de Habermas em pretender criar uma linguagem universal, pois
suprimir os desacordos entre os homens significaria extirpar da existência humana uma das suas
dimensões constitutivas, que é a conflitualidade: actividade quimérica, evidentemente, mas resta
saber de Habermas o que é linguagem universal? Será que referia-se a língua comum à
humanidade ou língua perfeita capaz de tudo dizer sem qualquer ambiguidade? Será que existe o
verdadeiro universalismo linguístico ou é utopia habermasiana? Não será um projecto longínquo
e irrealizável?
“Habermas defende ferozmente a ideia segundo a qual, existem regras comuns a todos os que
querem comunicar. Ele não se contenta em deixar as narrativas que mantêm a nossa cultura
unida fazerem o seu serviço. Está a coçar onde não faz comichão” (RORTY, 1991:261). Não
poderemos obter a metanarrativa. Pensando assim, Habermas enveredou pelo caminho errado.
Na sua obra Teoria do Agir Comunicativo elabora uma teoria pragmática universal da linguagem
e o sujeito que a usa, procurando as condições universais necessárias duma possível comunicação
linguística que permite a produção de discursos possíveis, partilhados por todos. As regras
comuns a todos os que querem comunicar são quatro: compreensibilidade, verdade, veracidade
e pretensão de justeza. Se faltar uma destas quatro regras, não é possível nenhuma comunicação
entre os interlocutores – isso pressupõe três condições para que haja um agir comunicativo:
seres iguais, livres e capazes de raciocinar.
Bibliografia
CARVALHO, Maria Cecília M. de. A Filosofia Analítica do Brasil. São Paulo, Papirus, 1995.
CAPÍTULO IV
ANÁLISE FENOMENOLÓGICA EM HUSSERL E EXISTENCIAL DA LINGUAGEM
EM HEIDEGGER
Um enunciado pode ser proferido e entendido, mesmo se o objecto (referente) não esteja
disponível ao falante e ao ouvinte. Por exemplo, o enunciado “o céu é azul” é inteligível e
comunicável mesmo se o interlocutor não vê o céu, mesmo se o autor da frase não o vê e mesmo
se está chovendo no momento da comunicação. Assim, pertence à estrutura do enunciado poder
funcionar separado de seu referente.
Um diálogo interior é algo puramente imaginário e não constitui uma comunicação genuína e
efectiva, visto que a característica inicial da linguagem resta sem utilidade. Senão vejamos o que
escreve o próprio Husserl: nas Meditações cartesianas, mais especificamente na quinta
meditação, Husserl fala sobre a não presença do outro, que nunca estaria presente, a quem o “eu”
nunca terá acesso senão por analogia. Quando eu escuto o outro, o seu vivido não está presente
para mim, originariamente, em pessoa. Para Husserl, é possível ter uma intuição originária ou
uma percepção imediata do seu corpo, gestos e fala, isto é, daquilo que ele expõe ao mundo. Mas
a sua consciência, os actos pelos quais o outro dá sentido aos seus signos, não me estão imediata
e originariamente presentes. O vivido do outro apenas se manifesta para mim através da
mediação simbólica, isto é, através de signos que comportam uma face física e não através de
nossa intuição originária e imediata.
2. Análise existencial da linguagem em Martin Heidegger
2.1. O caminho para a linguagem
O caminho para a linguagem - isto soa como se a linguagem estivesse bem longe de nós,
em alguma parte, de modo que para lá chegar ainda teríamos que nos pôr a caminho. Será
mesmo necessário um caminho para a linguagem? Segundo uma antiga tradição, nós
somos aqueles seres capazes de falar e, assim, aqueles que já possuem a linguagem. A
capacidade de falar, ademais, não é apenas uma faculdade humana, dentre muitas outras.
A capacidade de falar distingue e marca o homem como homem. Essa insígnia contém o
desígnio de sua essência. O ser humano não seria humano se lhe fosse recusado falar
incessantemente e por toda parte, variadamente e a cada vez, no modo de um "isso é", na
maior parte das vezes, impronunciado. À medida que a linguagem concede esse sustento,
a essência do homem repousa na linguagem. Somos, antes de tudo, na linguagem e pela
linguagem. Pretende-se trazer a linguagem como linguagem para a linguagem (Cfr.:
HEIDEGGER; 2003: 191).
É a partir da fala da linguagem que Heidegger pretende acessar a linguagem por ela mesma. O
pronunciamento do discurso é o meio pelo qual expressamos a fala. O escutar é linguagem
porque o discurso fala em nós. Para escutar é preciso silenciar-se. A linguagem fala como ressoar
do silêncio, que por sua vez, carrega em si o mundo. Ao fazer um estudo sobre a linguagem,
Heidegger busca a morada para a essência do homem.
A linguagem pertence, em todo caso, à vizinhança mais próxima do humano. A linguagem
encontra-se por toda parte. Não é, portanto, de admirar que, tão logo o homem faça uma ideia do
que se acha ao seu redor. O pensamento busca elaborar uma representação universal da
linguagem. Heidegger pretende pensar a linguagem ela mesma e somente desde a linguagem. A
linguagem ela mesma: a linguagem e nada além dela. A linguagem ela mesma é linguagem. A
linguagem fala. Deve-se levar a sério uma resposta assim? Talvez, isto é, se ficar claro o que
significa falar5.
De acordo com as palavras que abrem o prólogo do Evangelho de São João, no princípio era a
palavra e a Palavra estava em Deus. Essa posição procurou não apenas libertar a questão da
origem das cadeias de uma explicação lógico-racional como também recusar os limites impostos
por uma descrição puramente lógica da linguagem. Opondo-se à determinação do significado das
palavras exclusivamente como conceitos, essa posição coloca em primeiro plano o carácter
figurativo e simbólico da linguagem. Desse modo, a biologia, a antropologia filosófica, a
sociologia, a psicopatologia, a teologia e a poética buscaram descrever e esclarecer de maneira
mais abrangente os fenómenos da linguagem.
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A fala é uma actividade dos órgãos que servem para a emissão de sons e para a escuta; é expressão e comunicação
sonora de movimentos da alma humana. Esses movimentos são acompanhados por pensamentos.
Falamos igualmente quando não ouvimos e não lemos e, ao invés, realizamos um trabalho ou
ficamos à toa. Falamos sempre de um jeito ou de outro.
Tal citação ajuda-nos a ter uma compreensão mais totalizante acerca da linguagem humana e
entendermos o quanto o ser humano é próximo da linguagem. A linguagem é algo muito próximo
do ser humano, algo que o encanta e que o faz participante do mundo. É na linguagem que
Heidegger vai encontrar a forma de interpretar o homem enquanto partícipe deste mundo.
“A linguagem é a casa do ser. É nessa morada que habita o homem”.
Pela humanidade do homem é que ele se comunica, possui uma linguagem, o que o distancia dos
demais seres presentes na natureza. “Heidegger afirma que falamos porque somos homens e, por
conseguinte, falamos quando estamos acordados ou em sonhos, falamos quando não deixamos
soar nenhuma palavra” (ASSIS JÚNIOR; 2004: 388). Heidegger nos propõe que conheçamos a
linguagem por ela mesma, nada mais além da linguagem. A linguagem fala, a fala é o que vigora
a linguagem enquanto linguagem. É preciso explorar a fala para podermos morar na
linguagem. O falar do homem não é apenas uma de suas inúmeras capacidades, mas é algo que
marca o ser humano de forma profunda, a capacidade do falar nos distingue dos demais seres da
natureza e nos faz sermos verdadeiramente homens. “O ser humano não seria homem se lhe
fosse recusado falar necessariamente” (HEIDEGGER; op. cit., p. 191).
A linguagem possui uma autonomia em relação ao homem, não é o homem que produz a
linguagem, ela não é obra humana, é totalmente autónoma. Heidegger considera a linguagem
como sendo um elemento muito característico da nossa humanidade, a partir dela é que se
desvela a verdade do ser. A linguagem é a base da nossa realidade, pois clarifica os fenómenos e
é lugar privilegiado para respondermos como ser-aí (Dasein), enquanto seres no mundo.
“Quando o homem fala… ele fala após ter consentido em ouvir a língua. Mesmo não saber
entender a língua é uma forma de escuta. O homem fala a partir da língua [...] Na verdade, é a
língua que fala e não o homem. O homem fala na medida em que corresponde à língua”
(BEAINI; 1986: 92). É, portanto, na linguagem que se desvela quem verdadeiramente somos, as
potencialidades que temos, a manifestação autêntica do ser.
A poesia de um poema está sempre impronunciada. Nenhum poema isolado e nem mesmo o
conjunto de seus poemas diz tudo. Cada poema fala, no entanto, a partir da totalidade dessa única
poesia, dizendo-a sempre a cada vez. Cada poema necessita assim de um esclarecimento. O
esclarecimento deixa brilhar como numa primeira vez o clarim da claridade que transluz no que
se diz poeticamente.
A conversa do pensamento com a poesia busca evocar a essência da linguagem para que os
mortais aprendam novamente a morar na linguagem. O diálogo do pensamento com a poesia é
demorado. Trata-se de um diálogo que mal acabou de começar.
A linguagem é de modo essencial fala. A fala da linguagem se dá também por meio da poesia,
que é a forma mais autêntica de manifestação da linguagem, segundo Heidegger. Não é o homem
que fala, mas a linguagem. Portanto, a linguagem não é algo que o homem expressa, pois ele está
nela e é falado na linguagem. A linguagem, nesse caso, guarda uma relação de anterioridade
ao falante. É devido ao fato de que a linguagem fala que o homem é capaz de falar. O poeta
possui uma sensibilidade aberta para o mundo tocá-lo, ele deixa as coisas serem elas mesmas
quando emite sua fala. Na poesia o ser não se define, ele se mostra. Muitas vezes não há
explicação clara na poesia justamente porque ela as mostra, nesse mostrar das coisas também é
exibida a obscuridade própria delas.
Bibliografia
HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. São Paulo, Vozes, 2003.
______. Ser e Tempo. 14. ed., Rio de Janeiro, Vozes, 2005, pp. 218-226.
CAPÍTULO V
HERMENÊUTICA COMO INTERPRETAÇAO DA LINGUAGEM
O hermeneuta carrega seu próprio horizonte histórico, a que Gadamer nomeou de fusão de
horizontes. Os “prés” são a possibilidade que o sujeito tem para poder iniciar qualquer processo
compreensivo.
Compreender um texto não é reconstruir uma vida passada, mas significa participação actual no
que se diz. A fixação do texto por escrito permite que o leitor compreensivo possa erigir-se em
advogado da sua pretensão de verdade. Aquilo que ele compreendeu será sempre mais que uma
opinião. Pessoas pouco aproximadas à leitura não suspeitam que algo escrito possa ser falso. Para
este tipo de pessoas, todo escrito é documento que se avaliza (legitima) a si mesmo.
O intérprete não enfrenta o texto como tábua rasa, mas sim tábua plena. Ele se aproxima do texto
com a sua pré-compreensão, cheio de pré-juízos ou ideais, com base na sua memória cultural
(linguagem, teorias, mitos, lendas, etc.) que vão chocar quando o intérprete esboçar uma primeira
interpretação do texto que pode ser adequada, justa ou errada em relação ao texto original.
Cada interpretação se efectua à luz do que se sabe e o que se sabe muda no decurso da história
humana: mudam as perspectivas (conjecturas ou pré-juízos) com que se olha um texto, cresce o
saber sobre o contexto e aumenta o conhecimento sobre o homem, a natureza e a linguagem,
criando novas hipóteses interpretativas a submeter à prova.
Para Francis Bacon, a compreensão só é possível libertando-se dos ídolos porque estes, no seu
entender, enjaulam a nossa mente, razão pela qual, urge a necessidade de expurgar a mente dos
ídolos que na perspectiva gadameriana podem ser entendidos como preconceitos ou pré-juízos,
ou ainda, tradição. Contrariamente a Bacon, para Gadamer os pré-juízos não têm um significado
depreciativo - são conjectura ou pré-suposição. Os juízos de hoje serão pré-juízos de amanhã e os
pré-juízos de ontem e de hoje serão os juízos de amanhã. Quem quiser compreender um texto
deve estar pronto a deixar que o texto lhe diga alguma coisa.
2. Contributo de Paul Ricoeur: relação entre fala e escrita
Heidegger põe em movimento uma nova revolução copernicana na hermenêutica. Para ele, o
primado da compreensão não pode ser apenas gnoseológico, mas, antes de tudo, ontológico. É o
ser que deve ser interpretado.
Para Ricoeur, o discurso é sempre discurso a respeito de algo” refere-se a um mundo que
pretende descrever, exprimir ou representar. Mas o discurso também é interpessoal, ele se dirige a
um outro que pode ouvi-lo, prolongá-lo ou mesmo interrompê-lo. Com Ricoeur, a compreensão
não elimina a explicação e nem vice-versa, antes pelo contrário, para o filósofo, a explicação é o
caminho obrigatório da compreensão.
Antes da escrita, a função de fixar a fala é dada pela Memória (deusa, Musa dos poetas). Se para
os gregos antigos, a passagem da fala à escrita vai propiciar uma autonomia dos homens em
relação aos deuses, para Ricoeur, tal movimento, representará a possibilidade da autonomia do
texto em relação ao seu autor. Graças à escrita, o “mundo” do texto pode explodir o mundo do
autor. O falar e o ouvir é substituído pelo par escrever e ler. O texto é o lugar privilegiado da
significação e esta é sempre algo a ser produzido. O solo próprio da hermenêutica é a linguagem
escrita.
Bibliografia
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. 3. ed., Brasil, Vozes, 2009.
O Tratado Lógico-Filosófico corrobora a tese de que a linguagem tem uma estrutura lógica, cuja
elucidação poderia ser possível. Por conseguinte, a elucidação desses problemas de ordem lógica
clarificaria a natureza da linguagem e, consequentemente, erradicaria de nossas mentes os
problemas filosóficos tradicionais. Sob a perspectiva do Tratado Lógico-Filosófico, “a proposição é
uma imagem da realidade (…); ela mostra o seu sentido; mostra como as coisas se passam se é
verdadeira… A realidade tem que ser fixada pela proposição, pois a proposição é a descrição de um
estado de coisas” (WITTGENSTEIN, 1995:55-56).
“As minhas proposições são esclarecimentos, na medida em que aquele que me compreende as
reconhece no final como sendo desprovidas de sentido, quando foi através delas – passando sobre
elas – que ele as ultrapassou. (Ele deve, por assim dizer, derrubar a escada depois de ter subido
por ela)” (WITTGENSTEIN, apud., HOTTOIS, 2002:313).
No Tratado, (...) caso as nossas palavras sejam utilizadas como, por exemplo, na ciência, elas
representam recipientes que nada mais podem conter do que uma interpretação natural e um
sentido natural. No entanto, as nossas palavras só expressam factos. Como uma chávena de chá,
onde somente cabe uma chávena cheia de água, ainda que despeje litros sobre ela (HABERMAS,
2001:81).
Nas Investigações Filosóficas, sua obra madura de reflexão sobre a linguagem, ele propõe a
substituição da pergunta pelo significado pela pergunta sobre o uso, pois se há inúmeras maneiras
pelas quais “usamos” a linguagem, deve haver, portanto, vários “jogos de linguagem”, vários
usos, cada qual com sua regra específica, irredutíveis entre si. A linguagem, portanto, não é
regida unicamente pela ordem lógica, mas pela social, sobretudo.
Ademais, Wittgenstein define “jogos de linguagem” como uma combinação de palavras, de actos,
de atitudes ou de formas de comportamento que possibilita a compreensão do processo de “uso”
da linguagem em sua totalidade. Nesta ordem de ideias, é por meio de “jogos de linguagem” que
os indivíduos aprendem, na infância, a usar certas palavras ou expressões e, também, aprendem
como usar determinada palavra ou expressão linguística, num contexto determinado, visando
obter fins.
Existe uma multiplicidade de jogos de linguagem, tais como: dar ordens e agir de acordo com
elas; descrever um objecto a partir do seu aspecto ou das suas medidas; construir um objecto a
partir de uma descrição (desenho); relatar um acontecimento; fazer conjectura sobre o
acontecimento; formar e examinar uma hipótese; representar os resultados de uma experiência
através de tabelas e diagramas; inventar uma história; lê-la; representar um teatro; cantar numa
roda; resolver adivinhas; fazer uma piada; contá-la; resolver um problema de aritmética aplicada;
traduzir de uma língua para outra; pedir, mentir, agradecer, praguejar, isto é, amaldiçoar ou
maldizer, cumprimentar, rezar... (WITTGENSTEIN, op. cit.: 190).
Dar ordens, fazer perguntas, narrar, conversar, pertencem tanto à nossa história natural como
andar, comer, beber, brincar. Aprender uma linguagem consiste em nomear os objectos, como
seres humanos, formas, cores, dores, estado de espírito, números… dar um nome é algo de
semelhante a pregar uma etiqueta numa coisa. Só dando nomes às coisas é que podemos falar
acerca delas, referirmo-nos verbalmente a “elas”.
Também faz parte do jogo de linguagem a invenção de um nome para uma coisa. Dizer: “isto
chama-se…” e aplicar o nome novo. Isto acontece nas crianças quando dão nomes às suas
bonecas e depois falam delas e para elas. Pode-se dizer: “só pergunta pelo nome de uma coisa
quem já sabe o que vai fazer com ela. Pode acontecer também que a pessoa a quem se faz a
pergunta responda: „Põe-lhe tu próprio o nome‟. Sendo assim, aquele que fez a pergunta tem de
resolver tudo sozinho” (Ibid., p. 197). Dar um nome é um acto notável da alma, quase um
baptismo de um objecto. A palavra só adquire sentido quando é usada na linguagem. As palavras
são etiquetas das coisas. “Tudo o que existe em e por si só pode ser designado com nomes; uma
outra determinação não é possível, nem a de que é nem a de que não é” (Ibid., p. 208).
“A linguagem é um jogo; „um jogo é jogado‟ de acordo com uma regra determinada. A regra
pode ajudar a ensinar o jogo. É transmitida à pessoa que aprende e que se exercita na sua
aplicação. Aprende-se o jogo vendo como é que os outros o jogam” (Cfr. Ibid., p. 218).
Quem pretende jogar deve conhecer as regras. De tal maneira que o jogador de xadrez deve
conhecer as regras deste jogo, de forma a poder deslocar convenientemente as peças, o mesmo
acontece com o uso da linguagem. É necessário referir que nos jogos de linguagem as suas regras
têm a sua legitimação em si mesmas, mas que elas constituem objecto de um contrato explícito ou
não entre os jogadores; a falta de regras cria a modificação do jogo, mesmo a modificação mínima
de uma regra modifica a natureza do jogo e que um “lance” ou um enunciado que não satisfaça as
regras não pertence ao jogo definido por estas; qualquer enunciado deve ser considerado como um
“lance” feito num jogo (Cfr. LYOTARD, s/ano:25-26).
Os “jogos de linguagem”, isto é, as maneiras como utilizamos realmente a linguagem, estão
indissoluvelmente associados a actividades práticas e executadas num contexto, num ambiente
natural, técnico e cultural, e histórico também. Todo o jogo de linguagem, toda a linguagem é
solidária de uma forma de vida. A linguagem não é, assim, qualquer coisa de único e de sublime,
como uma dádiva dos deuses ou como uma faculdade transcendente que faria o homem participar
num mundo imaterial e imutável (espiritual, ideal): a linguagem é empírica, complexa e
evolutiva, faz parte da história natural e cultural dos humanos.
Por vezes, o sentido de uma proposição fica oculto, escondido, necessitando de um esforço
mental para pô-lo à tona. Por exemplo, alguém que diz: “A minha vassoura está ali no canto”,
concretamente quer dizer; o cabo está no canto e a escova também, e o cabo está pregado à
escova. O que acontece é que a pessoa não tinha especialmente pensado no cabo ou
especialmente pensado na escova. Ao invés de dizer: “Traz-me o cabo e a escova que lhe está
pregada”, dizemos muitas vezes: “Traz-me a vassoura”. O uso nunca é único: uma palavra
remete para uma família de usos, cuja coerência é analógica, exactamente como os membros de
uma família se assemelham de diversas maneiras, sem terem necessariamente um único traço
comum.
A Filosofia constitui uma actividade terapêutica cujo objectivo é a luta contra o dogmatismo na
procura duma vida melhor e cujo desenvolvimento exige uma espécie de conversão, não teórica,
mas de atitude, na qual as personagens submetidas a terapia devem estar dispostas a uma
mudança significativa na maneira como enfrentam as contradições envolvidas no seu pensamento
e, ainda, na sua forma de vida.
Aquilo que sabemos se ninguém nos perguntar, e que já não sabemos se tivermos que explicá-lo,
é algo que temos que trazer à consciência. (E obviamente é algo que, por um motivo qualquer,
dificilmente trazemos à consciência). Esta investigação ilumina o nosso problema por afastar uma
possível má-compreensão que diz respeito ao uso das palavras, por certas analogias entre formas
de expressão em domínios diferentes da nossa linguagem.
O pensamento, a linguagem, aparece-nos como sendo um correlato único, uma imagem do
mundo. Os conceitos proposição, linguagem, pensamento, mundo, etc., seguem-se uns aos outros,
sendo cada um equivalente ao outro. Na “atmosfera” do acto de compreensão, as regras claras e
rigorosas da estrutura lógica da proposição surgem-nos como ocultas no plano de fundo.
Wittgenstein encara a Filosofia como sendo o combate contra o embruxamento, isto é,
enfeitiçamento da mente humana pelos meios da nossa linguagem. Os problemas da má
compreensão das nossas formas linguísticas tendem a ganhar uma profundidade, a multiplicarem-
se; constituem perturbações profundas.
Quando os filósofos usam uma palavra – „saber‟, „ser‟, „objecto‟, „eu‟, „proposição‟, „nome‟ – e
procuram captar a essência da coisa, devemo-nos sempre perguntar: na linguagem onde vive, esta
palavra é de facto sempre assim usada? Nos reconduzimos as palavras do seu emprego metafísico
ao seu emprego quotidiano (Ibid., p. 259).
O sentido de uma expressão não é unívoco, usando palavras do Wittgenstein, o sentido não é um
anel de vapor que acompanha a palavra, e que é transposto para cada uma das suas aplicações.
Com isso pretende-se dizer que, da maneira que compreendo uma expressão, não é
necessariamente da mesma que o outro compreenda-a. Existem inúmeros escrúpulos que
resultam da má compreensão.
Os resultados da Filosofia são a descoberta da simples falta de sentido e das bolhas feitas pelo
intelecto ao chocar com as fronteiras da linguagem (…) Quando eu falo acerca da linguagem (da
palavra, da proposição, etc.) tenho de falar da linguagem de todos os dias. O objecto da Filosofia é
a clarificação lógica dos pensamentos; ela não é uma doutrina, mas uma actividade que consiste
fundamentalmente em elucidações. O seu resultado não são proposições filosóficas, mas o
esclarecer das proposições. A Filosofia deve tornar claros e delimitar rigorosamente os
pensamentos, que doutro modo estão opacos e nebulosos (Cfr. WITTGENSTEIN, op. cit.,
passim).
Ademais, a Filosofia deve demarcar o que é pensável, e assim o impensável; deve igualmente
demarcar o impensável, do interior, através do pensável, mostrando o indizível, ao representar
claramente o que é dizível.
É necessário termos uma visão panorâmica do uso das nossas palavras, pois isso facilita a
compreensão. A Filosofia tem a função de descrever, e de modo nenhum deve a Filosofia tocar
no uso real da linguagem. Da mesma maneira não pode fundamentar a linguagem, devendo
deixar tudo como é. Frequentemente contradizemo-nos e dizemos: “Não foi isso que eu quis
dizer”. Nem sempre as coisas passam ou acontecem como supomos. O estatuto civil da
contradição; o seu estatuto na sociedade civil – este é o problema filosófico.
A linguagem, os diferentes jogos linguísticos, estão bem como estão e funcionam bem como
funcionam. A preocupação não é com a procura de um ideal linguístico, pois é claro que onde há
sentido deve estar tudo em regra, inclusive a frase mais vaga deve estar perfeitamente em regra.
Não se trata, pois, de corrigir as frases, mas de as compreender simplesmente, pois por mais que
estejam em regra (e não deixa de ser surpreendente), as expressões linguísticas podem ser mal
interpretadas. A Filosofia está essencialmente ligada a tais mal-entendidos (de certos usos
linguísticos). Como uma mosca metida numa garrafa, aos problemas filosóficos convidam-se a
sair, mostrando-se-lhes a abertura por onde passaram: o mal entendimento e a conclusão dos usos
linguísticos (CORDON & MARTINEZ, 1983:179).
Os jogos de linguagem são muito mais objectos de comparação, quer por semelhança e
dissemelhança irão esclarecer os factos da nossa linguagem. É urgente estabelecer uma ordem no
nosso saber acerca do uso da linguagem; é igualmente urgente e necessária a reforma da
linguagem para fins práticos determinados – isso passa entre outros aspectos pelo melhoramento
da nossa terminologia para evitar no nosso quotidiano equívocos. É necessário tirar a linguagem
do “ponto morto” em que se encontra, de forma a ressuscitá-la, a reduzir as confusões, mas deve-
se ter em conta que “ (...) não há um método mas há na Filosofia de facto, métodos, tal como há
diversas terapias” (Ibid., p. 265).
5. Escola de Oxford
5.1. Gilbert Ryle
Para Ryle, o filósofo deve incidir sobre a linguagem para descobrir, corrigir e prevenir os erros
lógicos, que consistem em atribuir um conceito a uma categoria à qual ele efectivamente não
pertence, mas que apresenta com ela unicamente afinidades gramaticais.
A preocupação de Ryle é reencontrar o uso linguístico dos termos e contribuir para a elucidação
dos falsos problemas. “A análise é a só e única tarefa da Filosofia e deve detectar na linguagem
corrente, como nas maneiras de falar dos filósofos, a soma dos erros e das suas dificuldades”
(JACOB, 1984:226). Ele mostrou como a má aplicação de um termo comum pode resultar num
erro categórico pelo qual filósofos podem ser seriamente enganados.
A terapia filosófica não é tanto uma questão de detectar o “disparate”, de detectar “violações da
linguagem”. É antes uma questão de detectar comportamento filosófico improdutivo e
autodestruído – o tipo de comportamento que nos conduz vezes sem conta aos mesmos becos sem
saída... (RORTY, 1991: 102).
A linguagem ordinária, com vocabulário e com uma sintaxe não lógica, é imperfeita, com as suas
ambiguidades, a sua polissemia, vantajosa para a prática da comunicação mais inadequada à
lógica. Para Russell, “o significado consiste fundamentalmente na referência”.
6
Filósofo britânico, nascido em Londres aos 04 de Novembro de 1873 e veio a falecer aos 24 de Outubro de 1958.
Dedicou ao latim e ao grego a maior parte de seus estudos secundários. Foi como estudante de letras clássicas que
entrou, em 1892, no Trinity College, na Universidade de Cambridge. A amizade com Bertrand Russell conseguiu
convencê-lo a voltar-se para a Filosofia. Foi um crítico sempre vigilante; é também, por certo, um filósofo para os
filósofos.
A Filosofia analítica está preocupada com a relação entre as palavras e as coisas, ou melhor, entre
as palavras e a vida. Numa introdução escrita para a obra de Gellner, Russell considera a filosofia
do segundo Wittgenstein como uma espécie de exortação patética à preguiça intelectual. Ele
ataca ferozmente o “segundo” Wittgenstein dizendo que o “primeiro” Wittgenstein, o qual
admirava era homem empenhado intensa e apaixonadamente ao pensamento filosófico,
consciente dos inquietantes problemas filosóficos, um autêntico génio filosófico, mas o novo
Wittgenstein, ao contrário, apresenta doutrina melancólica; parece ter cansado de pensar
seriamente, e parece ter inventado uma doutrina capaz de tornar essa actividade desnecessária.
Russell não consegue aceitar de Wittgenstein e de todo o movimento analítico em seu conjunto de
que a linguagem da vida quotidiana, com as palavras usadas em seu significado comum, basta
para a Filosofia, pois esta não teria necessidade de termos técnicos ou de mudanças de significado
nos termos comuns. Ele é contrário a essa posição por várias razões, entre elas: a) porque é
insincera; b) porque é apresentada por alguns com o tom de cerimoniosa rectidão, como se a
oposição a ela fosse pecado contra a democracia; c) porque torna esmiuçada e superficial a
Filosofia; d) porque torna quase inevitável a perpetuação entre os filósofos daquela atitude
confusa que eles retomaram do senso comum (Cfr. REALE & ANTISERI, 1991:649-650).
Russell chama a essa posição como a prática da mística do uso comum. Esta análise filosófica na
sua visão exclui a linguagem técnica. Aos oxfordianos, Russell ataca dizendo que a Filosofia que
nela se faz parece uma disciplina desprovida de relevância e de interesse. Vai mais longe ao
dizer: “ (...) discutir ao infinito o que os tolos entendem quando dizem tolices pode ser divertido,
mas é muito difícil que seja importante” (Ibid., p. 650). Para ele, a Filosofia analítica interessa-se
tanto pelo sentido dos discursos do que por sua veracidade.
Em suma, “as acusações russellianas contra a Filosofia analítica são duas: por um lado, ela
praticaria o culto ao uso comum da linguagem, a despeito de toda linguagem técnica; por outro
lado, ao invés de buscar o sentido das coisas e da realidade, ela se ocuparia de modo estéril com
o sentido das palavras” (Ibid., p. 651).
Bibliografia