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Pai
Madrasta
João
Maria
CENA UM
MADRASTA (Entrando com uma panela de sopa) – Vamos
jantar. (Serve a sopa.).
MARIA – Eu também.
PAI – Filhos: vão dormir! Amanhã será outro dia e Deus há de ser
generoso (as crianças se retiram, porém permanecem a um
canto, escondidos, ouvindo o diálogo entre o pai e a
madrasta.).
PAI – Mulher, o que é que você está dizendo? Eles são meus filhos
e quando casei com você, após a morte da mãe deles, você
prometeu que me ajudaria a criá-los e amá-los, como se fossem
seus filhos verdadeiros.
CENA DOIS
João e Maria saem do esconderijo, apavorados.
MARIA (Chorando baixinho) – João, eu estou com medo, eles vão
nos abandonar.
CENA QUATRO
Saem. A Madrasta à frente, com a água, seguida pelo
Pai e as crianças, mais atrás. João caminha
vagarosamente, e, de tempo em tempo, pára e olha
para trás.
PAI – Vamos, João. Por que você olha tanto para trás?
CENA CINCO
As crianças ficam sozinhas. Sentam ao chão e comem
os pedaços de pão que haviam trazido. Aos poucos
vão sendo vencidos pelo cansaço e acabam dormindo,
profundamente. Cai a noite. Quando as crianças,
finalmente acordam, já é noite cerrada.
MARIA – João: está tão escuro! Não conseguiremos achar o
caminho de volta para casa.
MARIA (Após uma longa pausa) – João, você acha que o Papai
não nos ama?
CENA SEIS
MADRASTA (Surpresa, fingindo alegria) – Pensei que não
fossem mais voltar para casa. Onde vocês andaram todo este
tempo?
PAI – Não! Desta vez eu não vou permitir! Vou dar um jeito. Que
tipo de pai sou eu, se não consigo nem cuidar e alimentar a minha
família?
MADRASTA – Ora, vamos entrar, e amanhã discutiremos este
assunto e resolveremos isto de uma vez por todas. (Saem.
Tempo.).
CENA SETE
Idem à cena três
MADRASTA – Crianças! Crianças acordem, vamos! (João e Maria
entram meio sonolentos, sem entender o que está
acontecendo.) Venham comigo: seu pai está doente e precisamos
buscar algumas ervas, lá no meio da floresta, para fazer um chá.
(Novamente dá um pedaço de pão para cada um. As crianças
olham-se, desconfiadas. Colocam o pão nos bolsos, e saem
com a Madrasta à frente, pelo caminho da floresta.).
CENA OITO
João e Maria seguem atrás da Madrasta. João faz um
sinal para Maria, e os dois vão, de quando em quando,
espalhando migalhas do pão pelo caminho, tal e qual o
haviam feito com os gravetos.
MADRASTA – Com os diabos! O que é que vocês olham tanto para
trás? Estão com medo de fantasmas?
CENA NOVE
João e Maria retornam. Maria, chorosa, agarrada ao
braço de João.
JOÃO – Calma Maria! Não se deixe abater pela maldade desta
mulher. Você sabe muito bem que nós marcamos o caminho com
as migalhas do pão. Agora é só esperarmos, como da outra vez, a
lua nascer e voltarmos. (Adormecem. Escurece. A lua nasce.
Acordam.) Vamos Maria: está na hora. (Levantam-se, e começam
a procurar pelas migalhas. Aos poucos vão ficando
desnorteados, como baratas, cada um para um lado, sem saber
o que fazer.) Essa não, Maria! Os pássaros devem ter comido as
migalhas. Estamos perdidos! (Procuram mais alguns instantes e
desistem vencidos pelo cansaço e pelo medo. Abraçam-se e
choram.).
CENA DEZ
De repente, ouvem, misteriosamente, uma voz suave,
que parece vir de dentro da floresta.
VELHA (Fora) – Crianças, crianças... Venham aqui comigo. Sigam
a minha voz... Venham... (A misteriosa voz age como um
hipnotizador sobre as crianças, que, sob o seu efeito, dirigem-
se, automaticamente, em sua direção, sendo por ela guiados.)
Venham, meus queridos, eu sei que vocês estão famintos e
cansados... Venham... Sigam minha voz... Eu os aguardo... (Após
uma breve caminhada, chegam a uma clareira, de onde
enxergam, vinda da coxia, uma luz brilhante e colorida, que os
envolve magicamente.).
MARIA – Não sei, não. Não consigo entender como viemos parar
aqui, neste lugar tão longe de tudo.
JOÃO – Fique aqui, por alguns instantes, que eu vou até lá ver se
tem alguém que nos ajude a voltar para nossa casa.
JOÃO (De fora) - Maria, esta casinha foi feita para comer!
CENA DOZE
MARIA – Vamos embora, João. Eu não estou gostando nada desta
vovozinha perdida no meio da floresta. Tem alguma coisa errada
nesta história.
CENA TREZE
VELHA – E então, meus queridos, cansaram de esperar? (Ela
entra empurrando um carrinho de bufê, cheio de tortas,
pastéis, sanduíches, sucos, frutas, balas, chocolates, etc., e
dois sacos de dormir. Todos comem e conversam,
animadamente. Tempo.) Bom, meninos: agora estamos todos
cansados e temos de dormir para amanhã enfrentarmos um longo
dia. (Vai desenrolando os sacos de dormir.) Vou arrumar essas
caminhas aqui fora, para vocês, porque lá dentro, a minha casinha
é muito pequena e quente, por causa do forno que está sempre
aceso, assando minhas delícias. Assim, vocês ficam aqui, que é
mais fresquinho, e montam guarda para mim, que passo, quase que
a noite toda espantando os animais da floresta que aqui vêm
beliscar minhas guloseimas.
MARIA – Mas...
MARIA (Apavorada) – Está bem, senhora, mas não nos faça mal...
Por favor... (João chora dentro da gaiola. Maria obedece à Velha
e sai. Volta, trazendo as guloseimas.).
CENA QUINZE
VELHA (Para João) – Ô peste: mostra o teu dedo. Quero ver se
você já engordou! (João coloca o graveto que Maria tinha lhe
trazido para fora da gaiola. A Velha apalpa-o e sacode a
cabeça, inconformada e aborrecida. Neste momento, repetem-
se várias vezes, as mesmas ações, com música ao fundo. A
Velha sai. Maria entra e traz comida, João come, a Velha entra e
examina seu dedo, retorna. Vem Maria de novo, e assim,
sucessivamente, por, pelo menos umas três vezes, para marcar
a passagem do tempo. Velha examinando o dedo de João, e
Maria entra com guloseimas. A Velha está visivelmente irritada
e impaciente.) Droga! Já estamos nesta lengalenga há quatro
semanas e nada desta praga engordar. Já estou cheia! (Para
Maria.) Ponha lenha no fogão até a boca, e ponha um caldeirão
com água para esquentar. Quero que fique tudo bem quente. Estou
cansada de esperar. E agora, gordo ou magro, vou devorar o seu
irmão hoje. Vamos lá para dentro, que enquanto a água aquece, eu
vou fazer um pão novinho, para comer com o tutano e sua carne
tenrinha.
PAI – Meu Deus do céu, como você é má. Não sei onde estava com
a minha cabeça que não tinha percebido isto antes. Hoje eu vou,
nem que morra enfeitiçado no meio do caminho, mas pelo menos
morrerei tranqüilo, sabendo que tentei salvá-los.
PAI – Pois então, pode arrumar suas trouxas. Não vou mais me
sujeitar a viver com a culpa de ter abandonado meus filhos, por sua
causa. Fui fraco e covarde, só agora percebo. Mas, aconteça o que
acontecer com eles, eu não quero vê-la nunca mais. (Apaga-se a
luz e eles saem de cena. Novamente os pássaros cantam
ensurdecedoramente. Ouve-se uma forte explosão e gritos da
Velha e de Maria, que entra correndo.)
CENA DEZESSETE
MARIA (Gritando, com um molho de chaves nas mãos) – João,
João... Estamos salvos! Consegui! Consegui livrar-me dela! (Abre a
gaiola e liberta João.).
JOÃO – Mas o que foi que aconteceu, como é que você conseguiu?
PAI – Não se preocupem com isso, meus filhos. Ela foi embora.
Certamente não foi feita para viver com gente pobre como nós.
FIM