Você está na página 1de 224

j o ã o h e n r i q u e a r e i a s

2ª edição

2 0 0 9
Copyright 2009 by João Henrique Areias

Capa e projeto gráfico: Pedro Costa


Diagramação desta edição: Walter Motta

Revisão: Lucia Maria Mac Dowell Soares e Rodrigo Calvoso

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

A724b
2.ed.

Areias, João Henrique, 1954-


Uma bela jogada : 20 anos de marketing esportivo / João Henrique
Areias. - 2.ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro : Outras Letras, 2009.
208p.

ISBN 978-85-88642-12-6
1. Marketing esportivo - Brasil - História. 2. Futebol - Aspectos
econômicos - Brasil. 3. Esportes - Aspectos econômicos - Brasil. 4. Esportes -
Administração. I. Título. II. Título: Vinte anos de marketing esportivo.
09-5400. CDD: 796.0698
CDU: 796.062

14.10.09 21.10.09 015790

Todos os direitos desta edição reservados à


Outras Letras Editora e Sportlink Marketing Esportivo
Rio de Janeiro, RJ
Tel/Fax: (21) 2267.6627
outrasletras@outrasletras.com.br
www.outrasletras.com.br
Aos meus pais, Armando e Lola.

Aos meus filhos, Gustavo e Paula.

Às minhas fontes de inspiração (in memoriam)


Rogério Steinberg e Bruno da Silveira

“As grandes proezas dos homens sugiram


daquilo que parecia ser impossível”
Charles Chaplin
Depoimentos a respeito da primeira edição

O João Henrique Areias é uma das grandes feras que conheço no


marketing esportivo. Não poderia ser outro a tentar desvendar e resumir esta

atividade no Brasil. Sua experiência de 20 anos, com histórias saborosas e

casos vividos, vale a pena.

Fiz uma pequena colaboração no livro com alguns comentários sobre a

importância da gestão profissional no futebol. Há uma necessidade do Brasil

migrar para este modelo. Mas não é só por isso, é claro, que eu recomendo e

coloco o livro de Areias em minha biblioteca. Trata-se de uma bela aprendi-

zagem para torcedores... e dirigentes.

Zico

No Brasil, notabilizamo-nos pela dificuldade em preservar a memória na-

cional e normalmente demoramos a perceber como determinadas iniciativas

são capazes de criar profundas mudanças nos diversos setores da sociedade.

Pensei nisso ao ler o livro Uma bela jogada – 20 anos de marketing

esportivo, do nosso prezado conselheiro João Henrique Areias.

A inovação e a criatividade estão presentes em cada uma das páginas e,

principalmente, nos casos narrados...

...Por esta razão, o Clube de Regatas do Flamengo homenageia e publica-

mente reconhece o papel fundamental e o marco estabelecido por Areias para

o marketing esportivo nacional.

Parabéns, João, pelo feito marcante. Parabéns, João, pelo livro.

Márcio Braga
Presidente do C.R. do Flamengo, em 17 de dezembro de 2007
Agradecimentos

O meu agradecimento especial vai para o Clube de Regatas do Fla-


mengo sobre o qual até o tricolor Nelson Rodrigues dizia: “O rubro-negro,

por onde vai, arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o seu nome

gravado no coração à ponta de canivete. Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi

Flamengo por um instante, por um dia”.

Além de torcedor, fui aluno dessa escola que forma jogadores, técni-

cos, preparadores físicos, médicos e outros profissionais do esporte. A atual

seleção brasileira já conta há algum tempo com o Dr. Runco (ortopedista),

com o Dr. Serafim (cardiologista), com o Rodrigo Paiva (assessor de im-

prensa), com o nosso caro massagista Demi que vieram do Flamengo e hoje

servem, também, à CBF. Nas minhas três primeiras passagens pelo clube,

colecionamos faixas – Campeão Brasileiro, em 1987 e 1992, e Campeão

Carioca de 2004, no Fla-Futebol – todas elas nas gestões do presidente Már-

cio Braga, que sempre confiou no meu trabalho. Nesta última experiência

o resultado não foi diferente, só que desta vez o título foi de bi-campeão

brasileiro de basquete.

Também quero agradecer ao Rogério Steinberg que, mesmo sem me co-

nhecer, me inspirou. Ao Bruno da Silveira, que me abriu as portas do Flamen-

go. Também não posso me esquecer de citar o Rodrigo Araújo, do SporTV,

que foi o primeiro a sugerir que eu escrevesse este livro. Ao Alvaro Esteves,

que me encaminhou para o marketing e para a comunicação empresarial,

transmitindo-me os seus conhecimentos milenares; à Sonia, mãe dos meus

filhos, que embarcou comigo nos primeiros projetos; aos meus filhos Gustavo

e Paula que palpitaram e acompanharam cada etapa deste livro. Ao jornalista

Felippe Awi, que me ajudou com muita competência a formatar este livro; à

Lucia Koury, minha editora, por sua santa paciência; ao Bruno Gonçalves que,
em seu primeiro estágio, encarou a tarefa de organizar o mailing e o hotsite

do livro. Muito obrigado ao José Maria Sobrinho, pelas dicas; ao Fred e ao

Alvaro, meus amigos internautas que cuidam dos nossos sites; aos profissio-

nais que trabalharam comigo na Sportlink (Flavio Pinto, Luiz Leo, Andrea

Vidal, George Milek, Eliane Chalfun, Claudio Fontenelle, Bernardo Fonseca,

João Vitor, Marquinhos Leal, Edu Mora, Julio Avellar, Bruno Campos, Gabriel

e Roberta Lopes); a toda equipe do Fla-Olímpico, que foi fundamental para

levar nosso projeto adiante, em especial aos funcionários Vitorino Silva, Ser-

gio Silva, Dário e Alessandra, além dos ex-alunos do meu curso de marketing

esportivo (www.marketingesportivo.org) que se dedicaram ao extremo como

voluntários. Ao Rodrigo Calvoso, que participou da revisão desta edição. Ao

meu cliente, amigo e compadre Savio, sua mulher Suzana e aos três magní-

ficos Breno, Hugo e Lucas; ao João Felipe Valiante, amigo e conselheiro de

todas as horas e a muitos outros que não caberiam nesta página, mas que

estão no meu coração...

João Henrique Areias

PS: Esta edição foi revisada e ampliada com o capítulo sobre a experiência
no Fla-Olímpico, onde exerci o cargo de vice-presidente, de fevereiro a julho
de 2009.

Faça parte da nossa comunidade www.marketingesportivo.org.

Você poderá interagir com outros membros, participar de discussões, criar

grupos de interesse nas áreas de gestão e marketing esportivo e ter informa-

ções sobre nossos cursos.

Conheça também nosso site pessoal: www.jhareias.com

Para palestras e seminários, envie um email para: jha@jhareias.com


Prefácio

O esporte brasileiro, infelizmente, é um desses fenômenos que reve-


lam uma das nossas faces menos virtuosas. Não nas quadras e nos grama-

dos, onde, com alguma frequência, nos deleitamos com as vitórias do nosso

talento. Basta uma sumária reflexão para você se questionar e, quem sabe,

concluir, como eu, que existe um enorme abismo entre o que é e o que poderia

ser o esporte por estas bandas.

O Brasil é um país de clima favorável à prática esportiva, com pirâmide

demográfica jovem, que tem o chamado “bolo” publicitário elevado e com

paixão inata pelas competições, capaz de produzir surtos de popularidade

e celebridades num grau como talvez só seja observado nos EUA. Contudo,

esta indústria corresponde a menos de 2% do PIB. Enquanto em alguns pa-

íses chega a 5%, não empregamos mais do que uma fração do potencial de

trabalhadores e o nível de investimento é baixo e insuficiente para a atração

de marcas e de consumidores. Como se não bastasse, nossos atletas de ponta,

com nível de competitividade mundial, na sua grande maioria exibem, no

cotidiano, seu talento no exterior e só se apresentam em solo pátrio quando

selecionados para representar o país.

Então, estamos condenados à mediocridade, salvos apenas pelo excep-

cional, como o projeto do vôlei, ou um Guga, uma Daiane, Joaquim Cruz,

Giba, Maurício, Oscar e Hortência, só para citar alguns dos poucos a quem

eu tive o privilégio de assistir. Ou será que haveria um modelo aplicável por

aqui, ainda que não garantisse êxitos de formas constante e horizontal em

relação às diversas modalidades, mas que viesse a nos retirar do terceiro pe-

lotão das nações em matéria esportiva? Esta é uma indagação fundamental

que divide os envolvidos com o esporte em dois blocos de distintas crenças.


Pois bem, são poucos os que não titubeiam, que não recorrem a descul-

pas esfarrapadas quando confrontados com a questão acima. E João Henrique

Areias é um desses. Sua história mostra que ele não tem dúvida alguma de que,

submetidos aos modelos corretos e temperados com gestão profissional e ínte-

gra, seria só uma questão de tempo passarmos para o lado dos que produzem

os melhores espetáculos esportivos e, por meio deles, gerarmos desenvolvi-

mentos social e econômico aliados a ganhos de auto-estima extraordinários.

Já conhecia o trabalho do João quando o procurei para desenvolvermos

um projeto cujo conceito básico era o de usar o incentivo econômico para in-

duzir melhores práticas no futebol, criando ganhos para os torcedores, clubes

e para os investidores. Seriam garantidos a cada clube da Primeira Divisão

do Brasileirão a receita relativa a um volume de ingressos e prêmios por

colocação, desde que jogasse um campeonato de pontos corridos. O risco do

negócio e o financiamento seriam do grupo GP (dono do que veio a ser a Am-

bev, das Lojas Americanas, entre outros investimentos) que, como eu, tinha

confiança num consistente crescimento das receitas de estádios como resul-

tado de um trabalho profissional. A proposta cobriria cinco anos e, à medida

que as médias de público superassem o garantido aos clubes, que começava

em quase 100% maior que as médias da época, estes seriam sócios dos lucros.

Este projeto, levado pelo João ao Clube dos 13 e apresentado à sua diretoria,

presidida pelo sr. Fábio Koff, nem sequer teve resposta formal.

Mas o João tem o defeito de ser um crédulo. Os amigos, ou os mui ami-

gos, sabem da sua tenacidade quando se encanta por suas próprias soluções,

em geral ousadas para o nosso ambiente. Então, não é difícil entender como

é que, mesmo conhecendo as figuras que mandam no esporte, acaba conven-

cido a entrar em alguma nova loucura. Digo isto antecipando sua própria con-

clusão, depois de ler este livro. Desde a viabilização da Copa União (capítulo

dois) até a “criação” da Arena Petrobras (capítulo sete), projetos concretiza-

dos em prazos que deveriam e foram adjetivados como loucura. E foi assim,
na crise, consequência comum da falta de planejamento e do amadorismo,

que surgiram várias das experiências descritas.

Neste livro você não lerá somente histórias de sucesso. Felizmente há

os educativos relatos de alguns fracassos também, como foram a empreitada

malsucedida do Fla-Futebol e a da natimorta Liga de Futebol do Rio. Os pro-

jetos que não resultaram no êxito esperado revelaram o caráter amadorístico

na gestão das entidades esportivas. Não no sentido de gerenciar com amor,

como foi o caso, no passado, do esporte no Brasil e em outros países, mas

no pior sentido: o da incompetência tentando se manter no poder a qualquer

custo num mundo cada vez mais profissional.

Não se apressem em concluir que defendo o profissionalismo como único antí-

doto para todos os males; seria desprezar o ocorrido quando dos investimentos es-

trangeiros, também desejados, que aportaram em clubes na última década, como foi

o caso da ISL no Fla e no Grêmio, o do Nations Bank no Vasco da Gama, do HMTF

no Corinthians e no Cruzeiro e, mais recentemente, o repeteco no Corinthians, desta

feita com o MSI. Foram todos feitos por profissionais, mas em ambientes amadores,

sem transparência e com interesses escusos como pano de fundo.

É preciso mais do que profissionalizar, faz-se necessária uma radical mu-

dança na governança das entidades esportivas, que hoje atendem mais aos in-

teresses dos poucos que as comandam e delas usufruem do que os do público,

dos atletas ou, mesmo, os da sociedade como um todo. Neste sentido, é inte-

ressante a visão proposta na página 177 para um novo modelo de gestão.

Àqueles que já militam ou aspiram a seguir carreira no marketing espor-

tivo, no futebol ou fora dele, recomendo, na leitura deste livro, atentar para

a visão sistêmica do futebol e na lógica detalhada para a necessidade de um

estádio para uma entidade poder executar ao menos um mínimo do bê-a-bá

de atração de fidelização de clientes, no caso, os torcedores.


Não pensem neste livro somente para profissionais. É para os apaixona-

dos por esporte que custam a entender o porquê de tanto atraso em seguir

o mais óbvio, mas também para ficar claro o potencial de proporções de um

Maracanã que tem o esporte neste nosso Brasil. Pois foi neste país que se

construíram as histórias contadas aqui pelo Areias, acompanhadas de depoi-

mentos de alguns dos que com ele as vivenciaram.

Estou certo de que a maior recompensa para o autor será inspirar outros

jovens (como era ele, em 1987, imaginando fórmulas para a Copa União) a

se posicionarem junto aos que acreditam que podemos e iremos construir no

esporte do país uma estrutura e uma prática à altura do talento dos nossos

melhores esportistas.

Walter Mattos Junior


diretor-presidente do Grupo Lance!
Índice

15. Introducao
Depoimento: Zico

29. Copa Uniao


Pela primeira vez, o futebol brasileiro na vanguarda
Depoimentos: Juca Kfouri e Celso Grellet

59. Na selecao do tetra


Craques também da propaganda
Depoimento: Gilmar Rinaldi

85. A TRAJEToRIA DE SaVIO


Como planejar a carreira de um jogador
Depoimento: Sávio

101. De olhos abertos para o Oriente


O Fluminense e a Hyundai
Depoimento: Paulo César Andrade

115. Na tabelinha com Pele


Um gol para Flamengo e Santos
Depoimento: Pelé

129. Arena Petrobras


Uma nova casa para Flamengo e Botafogo
Depoimento: Carlos Augusto Montenegro

145. No basquete
Virando o jogo
Depoimento: Ary Vidal e Renato Brito Cunha

165. Entendendo o cliente


A tática da vitória
Depoimento: Márcio Braga

177. Um novo modelo de gestao


Profissionalizar para não morrer
Depoimento: Junior

201. Fla-Olimpico
A história do Fla-Basquete, bi-campeão brasileiro
Depoimentos: Paulo César Pereira Filho, Alexandre
Franklin, Jefferson, Pedro Paulo Drumond, Paulo Chupeta,
Arthur Repsold, Carlo Mossi e Sergio Ricardo de Almeida
Introducao
com depoimento do Zico
O estrangeirismo marketing ainda não havia desembarcado nos trópi-
cos nem o Brasil era o país do futebol quando uma coisa e outra se juntaram

pela primeira vez por aqui. Foi simples assim: no início dos anos 30, uma

empresa de chocolate aproveitou o apelido de um ídolo popular para dar

nome ao seu novo lançamento. A empresa era a Lacta, o ídolo era Leônidas

da Silva e o dono da ideia era uma das cabeças mais revolucionárias do início

do século passado no Brasil – o jornalista e empresário Assis Chateaubriand.

Só podemos dizer que foi simples assim porque somos cidadãos/consumi-

dores da virada do século XX. Naquela época, era mais uma aposta visionária

daquele que seria o primeiro magnata das comunicações no Brasil. Leônidas da

Silva era o maior ícone de um esporte que dava os seus primeiros passos – largos,

é verdade – pelas principais cidades brasileiras. Ele fez o único gol do Brasil na

Copa de 1934 e voltou como artilheiro do Mundial da França quatro anos depois,

na primeira vez em que a seleção brasileira não passou vergonha neste torneio.

Chateaubriand, dono da Lacta, queria relançar uma barra de chocolate

e usou o codinome dado ao jogador por um maravilhado jornalista francês:

Diamante Negro. Leônidas foi o garoto-propaganda em peças de jornais e

revistas. Pelo trabalho, consta que recebeu a quantia de dois contos de réis.

O sucesso da fusão ídolo do esporte/produto ajudou a transformar a Lacta

numa gigante da indústria alimentícia no Brasil, onde o Diamante Negro, em

pleno século XXI, ainda é uma das marcas mais consumidas.

Quase 70 anos depois, está claro que Chateaubriand e o seu Diamante

Negro estavam levando algo novo para o conjunto de estratégias cujo obje-

tivo é o de vender um produto – uma definição simplista, porém verdadeira,

17
do que chamamos de marketing. Tanto estavam na vanguarda que, embora

Leônidas tenha lançado ainda outros produtos, como cigarros e relógios, este

ramo do marketing ainda demoraria muito a se consolidar. Ficou limitado a

casos esporádicos ao longo das décadas, como por exemplo o de Gérson, o

Canhotinha de Ouro, e a sua mal interpretada lei de levar vantagem em tudo

na campanha dos cigarros Vila Rica.

Eu já conhecia a história do Diamante Negro quando entrei, de cabeça,

no mundo do marketing esportivo, em 1987. Nesse ano fui chamado a assu-

mir a vice-presidência de marketing do clube mais popular do Brasil, o Fla-

mengo. Foi um convite que me pegou de surpresa. Até então, eu era apenas

um apaixonado torcedor rubro-negro como tantos milhões espalhados pelo

Brasil. Formado em Ciências Contábeis, eu trabalhava na época na gerência

de Eventos e Promoções da IBM, a maior fabricante de computadores do mun-

do, já havia 12 anos.

Acostumado aos formalismos do mundo das grandes corporações, cheguei

na sala do presidente recém-eleito Márcio Braga esperando, pelo menos, uma

entrevista, ou algo do gênero. Conversamos um pouco sobre o clube, suas

ideias de marketing, ainda embrionárias, e ele não demorou muito para de-

cretar: “Está empossado”. Não estava muito interessado em saber de quanto

tempo eu disporia para dedicar ao Flamengo. Depois eu veria que se trata de

um procedimento comum em clubes cujos dirigentes ainda são voluntários.

Márcio chegou ao meu nome depois que participei de uma cerimônia de

premiação de atletas patrocinada pela IBM, em Brasília. Meus diretores tinham

outros compromissos e me pediram para eu, como gerente de promoções e

eventos, representar a empresa lá. Até poderia também ter delegado a missão

para outro, mas decidi aceitar o pedido. Na época, eu me lembrei de um curso

da IBM de que participei, em 1983, em Nova York, em que um dos palestrantes

dissera que o entretenimento seria a principal indústria da virada do século XX

18
e que os negócios envolvendo o esporte seriam uma área de grande potencial

de crescimento. Aquela profecia tinha ficado na minha cabeça, talvez como

uma semente para uma possível carreira solo nessa área.

Em Brasília, encontrei o Bruno da Silveira, um rubro-negro queridíssimo,

muito amigo do Márcio Braga. Ele me disse que o novo presidente do Flamen-

go estava pensando em atrair empresas para ajudar a levantar o Flamengo e

que eu poderia ser um bom nome por minha experiência com comunicação

e marketing. De fato, naquela época, eu era responsável pela gerência que

avaliava as possibilidades de a IBM patrocinar artistas ou eventos. Depois de

passar pela área comercial da empresa, fui aos poucos me direcionando para

o marketing e para todas as suas ferramentas de sustentação comercial. Co-

mecei a me familiarizar com telemarketing, mala direta e outras técnicas que,

no início dos anos 80, não eram tão óbvias como são hoje. Ali, patrocinando

eventos culturais e esportivos, comecei a ver mais claramente a necessidade

que uma empresa tem de se comunicar desse jeito com seu público-alvo.

Mesmo assim, minha primeira reação ao convite do Silveira foi típica de

um funcionário acostumado aos rigores de uma grande empresa: disse que

não tinha tempo de me dedicar ao clube, que trabalhava todo dia até pelo me-

nos às cinco horas da tarde e apresentei outras justificativas coerentes num

mercado profissional. Mas o Silveira me surpreendeu com a sua insistência,

derrubando um a um os meus empecilhos: “Não tem problema, é um cargo

amador e você mesmo pode fazer o seu horário”. Faltaram-me argumentos

para recusar. E, afinal de contas, era um desafio tentador.

Nos meus primeiros dias de trabalho na Gávea, em janeiro de 1987, fui

levado para uma salinha completamente abandonada que também abrigava

os departamentos financeiro e jurídico. Durante a arrumação, bisbilhotando

um arquivo que também parecia esquecido pelos funcionários, eu me deparei

com um calhamaço de papéis que logo me chamaram a atenção. Jazia ali uma

19
coletânea dos projetos de marketing desenvolvidos no Flamengo pelo publici-

tário Rogério Steinberg, um rubro-negro histórico que morrera tragicamente

alguns meses antes, num acidente de carro, voltando de um festival de pu-

blicidade em Búzios. Por uma feliz coincidência, sem eu ao menos conhecê-

lo pessoalmente, Rogério tornou-se dali em diante um exemplo para mim e

seu trabalho reunido naquele calhamaço serviu-me de fonte de inspiração no

novo desafio profissional que se abria.

Entre outras iniciativas brilhantes, Steinberg entrou para a galeria de

heróis do Flamengo ao elaborar um plano de marketing que repatriou o maior

ídolo da história do clube. Em 1985, Zico já completava sua segunda tempo-

rada na Udinese, da Itália, período no qual o rubro-negro interrompeu uma

sequência de títulos ainda inigualável. A ideia de reavê-lo parecia um sonho,

pois competir com o Eldorado europeu já era tarefa inglória, mas Steinberg

teve a sacada de convencer empresas como a Coca-Cola e a Mesbla a ajudar

financeiramente na empreitada. Em troca, teriam como garoto-propaganda

nada menos que o maior craque do Brasil na época. Tão simples que, hoje, pa-

rece até absurdo que ninguém tivesse pensado nessa ideia antes. De quebra,

usando a mesma estratégia, o publicitário ainda trouxe o Sócrates de volta

da Itália, um ano depois.

Até hoje me parece difícil de compreender como um material tão valioso

como aquele estava perdido num arquivo abandonado numa sala igualmente

abandonada da Gávea. Talvez seja mais um sinal da falta de compromisso das

diretorias amadoras dos clubes, que não costumam ter a menor vontade de

dar continuidade aos bons trabalhos desenvolvidos por seus antecessores.

Também tinha muito viva na minha memória a história da viabilização

das Olimpíadas de Los Angeles, em 1984. Esta edição dos Jogos tornou-se um

marco na história do marketing esportivo mundial porque, ao contrário das

outras, foi financiada basicamente pela iniciativa privada. Até então, apesar

20
da sua grandeza, as Olimpíadas eram eventos deficitários para as cidades que

as sediavam, pois o dinheiro vinha basicamente do poder público. Tanto que,

alguns anos antes dos Jogos de 1984, a população de Los Angeles se declarou

contrária a receber os maiores atletas do mundo, assustada com a informação

de que a cidade de Montreal, sede da edição de 1976, só terminaria de pagar

as suas despesas com o evento no longínquo ano de 2002.

Foi neste cenário que surgiu a figura de Peter Ueberroth, um ex-advoga-

do que convenceu o prefeito de Los Angeles a dividir com a iniciativa privada

os custos e, é claro, os dividendos, da competição. Ele trouxe a Fuji Film e a

Coca-Cola, entre outras empresas, e ajudou a fazer daqueles Jogos o primeiro

a dar lucro (algo em torno de US$ 250 milhões) desde o seu nascimento, na

Grécia Antiga. Ainda em 1984, Ueberroth ganhou o título de Homem do Ano

da prestigiosa revista Time e se consolidou como um dos maiores nomes do

marketing esportivo mundial.

A experiência da IBM também me ajudou a estabelecer um guia de ação

em que eu identificava os campos a serem explorados pelo Flamengo, ou

seja, os elementos de que eu disporia para negociar com os patrocinadores:

uniforme, placas estáticas nos estádios, licenciamento da marca, outdoors,

permutas e outros espaços que hoje se tornaram banais na captação de verbas

de publicidade.

Se comparado aos seus coirmãos do futebol brasileiro, o Flamengo já era

um clube evoluído na área de marketing quando eu cheguei lá com todas essas

ideias. Não só pelas iniciativas de Steinberg, que falava até em direito de ima-

gem dos atletas, mas também por outras ações isoladas. Em 1984, na gestão de

George Helal, o time profissional passou a estampar na sua camisa o logotipo

da Lubrax, que mantém até hoje, num dos raríssimos casos de fidelidade de pa-

trocínio no futebol mundial. Nessa época, o designer Hans Donner redesenhou

uma marca estilizada do Flamengo e o americano Giora Breil, também um pre-

21
cursor do marketing esportivo no Brasil, começou a desenvolver campanhas de

licenciamento que, lamentavelmente, não progrediram muito.

Naquele início, meu primeiro projeto que deu o que falar foi o de incre-

mentar o Baile do Vermelho e Preto, que já dava sinais de decadência. Com

o diretor social Haroldo Couto, negociamos com a casa de espetáculos Scala,

no Leblon, e, em seguida, tive a ideia de usar a imagem do atacante Renato

Gaúcho, que acabara de ser contratado pelo clube. Além de bem-sucedido no

Grêmio, clube de onde veio, Renato era um exemplo de jogador que gostava

de frequentar bons lugares e que vivia cercado de mulheres bonitas, as duas

ideias básicas de um baile de carnaval. Durante o feriado, o time profissional

do Flamengo faria uma excursão pelo Nordeste e eu consegui convencer o de-

partamento de futebol a deixar o Renato no Rio, promovendo o baile em peças

publicitárias e no próprio dia do evento. Foi um sucesso.

Alguns meses depois, conseguimos estender o contrato com a Petrobras,

que já vigorava no futebol, para a equipe de vôlei profissional rubro-negra,

num sinal de que as grandes empresas também já estavam atentas ao mercado

dos chamados esportes amadores, como já haviam demonstrado com o patrocí-

nio da Bradesco Atlântica e da Pirelli no vôlei, no início dos anos 80.

Logo eu me depararia com o meu primeiro grande desafio no futebol

rubro-negro: a renovação de contrato de Zico. Como ele havia se machucado

seriamente dois anos antes e, desde então, passara a frequentar assiduamente

o departamento médico, parte da diretoria do Flamengo era contrária à sua

permanência na Gávea, ainda mais com o seu alto salário. Numa reunião,

os diretores e vice-presidentes foram consultados um a um sobre o assunto,

até que chegou a minha vez. Eu disse que ficar com o Zico era um risco cal-

culado, ele teria 50% de chances de voltar a ser o Zico que todos amavam

e 50% de chances de nunca mais jogar bola na vida. Por isso, se a segunda

hipótese prevalecesse, deveríamos incluir no seu contrato uma cláusula que

22
o colocasse numa função fora do campo, uma espécie de relações públicas

ou embaixador rubro-negro no mercado publicitário. Teríamos à disposição a

figura que melhor representa o Flamengo, sua paixão e potencialidades. Eu

não tinha dúvidas de que, carregando o Zico ao meu lado, minhas chances de

vender qualquer projeto do clube saltariam de 10% para 90%, ainda mais se

o negociador do outro lado da mesa fosse torcedor do Flamengo.

Não era uma decisão fácil, porque o salário era alto para os padrões da

época, mas que hoje não paga um volante razoável no Flamengo. Mesmo as-

sim, o Márcio Braga comprou a minha ideia, não sem antes colocá-la à prova:

“Então trate de arrumar logo esse patrocinador que vai pagar o Zico, porque

nós não temos dinheiro”.

Zico (então Secretário Nacional de Esportes), Areias e Márcio Braga (Presidente do


Flamengo) antes do jogo do Flamengo pela Supercopa 91, em Brasília.

Como dirigente amador, eu tinha um problema básico: falta de tempo. A

IBM consumia quase todo o meu dia e, por isso mesmo, decidi começar a busca

23
lá dentro mesmo. Com um sistema de mensagens interno, um precursor do e-

mail, pedi uma ajuda ao diretor de marketing da IBM, o Márcio Kaiser, que eu

sabia ser rubro-negro doente. Dizia que o Flamengo estava procurando um pa-

trocinador para manter o Zico na Gávea e perguntei se ele me sugeriria alguma

empresa onde eu começaria a busca. De imediato, ele encaminhou a mensagem

para o departamento de vendas da IBM e, com a autoridade de um diretor de

marketing, pediu que eles fizessem sondagens informais com os clientes da

empresa. Não demorou muito tempo para um vendedor da IBM chamado José

Mário Pereira de Almeida encontrar um patrocinador. Era a Blue Cross, uma

empresa de assistência médica. O Zico tornou-se garoto-propaganda deles e lhes

garantiu um retorno três vezes maior que o investimento.

Esse trabalho com o Zico foi apenas um dos 17 que o departamento de mar-

keting do Flamengo desenvolveu, em 1987, atingindo uma receita anual de US$

850 mil. No ano anterior, a receita tinha sido de US$ 400 mil, advinda de contra-

tos com oito empresas. Em 1988, meu último ano à frente da vice-presidência, tra-

balhamos com 21 empresas (Lubrax, Adidas, Mesbla, Kibon, Nestlé, entre outras)

e o clube obteve uma receita publicitária de aproximadamente US$ 1 milhão.

Nenhum desses contratos, porém, teve a importância para a torcida ru-

bro-negra que, no final das contas, era o nosso público-alvo, como o que pos-

sibilitou a permanência do Zico no Flamengo. Curioso que foi um trabalho de

equipe claramente movido pela paixão por um clube e por um ídolo. O Márcio

Kaiser e o José Mário Pereira de Almeida fizeram isso pelo Flamengo e pelo

Zico e jamais cobraram um tostão pelo negócio. O marketing esportivo tem

dessas peculiaridades, como eu constataria dali em diante nos diversos proje-

tos que desenvolvi nos últimos 20 anos, quase sempre envolvendo alguns dos

principais dirigentes e atletas do nosso esporte.

Neste livro, procuro mostrar que esses cases, além de renderem his-

tórias saborosíssimas dos bastidores do nosso esporte, têm um importante

24
valor didático. Ficarei feliz se ajudarem, por exemplo, um estudante de

marketing a compreender melhor o estimulante mercado publicitário que

cerca o esporte nos dias de hoje. Ele não se arrependerá se investir tempo

e dinheiro nessa área.

O esporte, que desde os seus primórdios desenvolveu-se como uma ati-

vidade social, educativa e de entretenimento, desfruta agora de uma evolu-

ção inexorável na área econômica. No Brasil, já representa de 1% a 1,6% do

Produto Interno Bruto, segundo informações do Atlas do Esporte no Brasil,

lançado em 2004. Isso representa algo entre R$ 13 bilhões e R$ 20 bilhões

por ano (dados de 2002). No mundo, estima-se que atividades esportivas

movimentem anualmente US$ 54 bilhões em vendas diretas e US$ 370 bi-

lhões em vendas indiretas. A paixão que o esporte desperta remonta aos seus

primórdios, mas agora ela vem acompanhada de ações de marketing cada vez

mais sofisticadas. Daí a explicação para cifras tão impressionantes.

Começaremos a partir da Copa União, não só por uma questão crono-

lógica, mas porque ela representou uma verdadeira revolução no principal

campeonato esportivo do Brasil. Talvez seja um caso único na História em

que o marketing salvou um torneio de futebol que se apresentava inviável.

Cinco empresas líderes em seus segmentos bancaram a Copa União e ainda

proporcionaram uma boa margem de lucro aos seus participantes. Seu legado

subsiste até hoje, principalmente no que se refere à diversificação de receitas

para os clubes de futebol, que não vivem mais sem o dinheiro pago pela te-

levisão, uma conquista consolidada naquele tempo. Pena que o amadorismo

que ainda impera entre os nossos dirigentes tem impedido avanços maiores.

Poderíamos estar, por exemplo, num estágio mais evoluído que o do milioná-

rio futebol espanhol, que hoje não pára de importar os nossos craques.

Em 1994, o marketing esportivo teve, ao seu modo, uma importante par-

ticipação na conquista do tetracampeonato mundial da seleção brasileira, de-

25
pois de um jejum de 24 anos. Não, contratos publicitários não entram em cam-

po nem marcam gols, mas eles podem ajudar a dividir ou a unir um grupo. Em

1990, na Copa da Itália, ele dividiu: insatisfeitos com os termos do patrocínio

da Pepsi, os atletas e a Confederação Brasileira de Futebol se desentenderam e

colaboraram para o clima péssimo que envolveu a delegação durante o torneio

em que a seleção brasileira foi eliminada nas oitavas de final. Quatro anos de-

pois, representei o técnico Carlos Alberto Parreira e todos os atletas, entre eles

Romário, em diversos contratos de publicidade, incluindo o da Brahma, até

hoje conhecida como a cerveja número um. Fizemos vários contratos coletivos

que corroboraram o espírito de união daquele grupo vencedor.

Em toda a minha vida neste mercado, só me predispus a trabalhar como

representante de um atleta: Sávio Bortolini, um dos jogadores brasileiros

mais vitoriosos dos últimos anos, com títulos por Flamengo, Real Madrid e

Zaragoza. Foi uma opção porque, com ele, poderia ir além de um trabalho de

mero empresário, que se limita a negociar contratos e salários com os clubes.

Juntos, desenvolvemos um trabalho de imagem e capacitação profissional

que fez de Sávio um jogador bem sucedido dentro e fora de campo. Foi meu

primeiro cliente na Sportlink. Já fazemos uma parceria desde 1994, que será

explicada em detalhes num dos capítulos.

Dentro de um dos maiores rivais do clube que estará sempre ligado à

minha vida, tive a oportunidade de desenvolver uma excelente e vitoriosa

parceria com a Hyundai, a gigante coreana do mercado automobilístico. O

Fluminense vivia uma época de vacas magras, sem conquistar um título havia

uma década, quando a Sportlink foi contratada para um projeto de marketing

de longo prazo. Já com a Hyundai estampada na camisa tricolor, o clube foi

campeão carioca de 1995, mas, infelizmente, perdeu a chance de consolidar

sua recuperação por conta do amadorismo da diretoria seguinte, que provo-

cou o rompimento do contrato com os coreanos e, por consequência, com a

Sportlink. São coisas do nosso futebol, como ficará claro ao longo do livro.

26
Arthur Antunes Coimbra
técnico de futebol

O futebol brasileiro precisa de uma gestão profissional,


com diretores remunerados, comprometidos com resultados e que respondam
por seus atos. Este é um aspecto fundamental para que o futebol possa se de-
senvolver, não só nos clubes mas também nas federações e confederações.

Hoje, os clubes brasileiros são instituições imunes a tudo e adminis-


tradas por pessoas que têm pouco compromisso com o patrimônio e com a
história da entidade que dirigem. Nem discuto a qualificação dessas pes-
soas, porque acredito que muitas delas sejam profissionalmente capazes,
mas certamente elas não gerenciam suas empresas com o mesmo raciocínio
com que comandam os clubes. Elas sabem que não vão permanecer por
ali e, caso o prejuízo aumente alguns milhões, será um problema de quem
chega. Então, a gestão muitas vezes fica sem planejamento a longo prazo,
as contratações e os projetos são feitos sem o devido critério e o resultado é
o que podemos constatar. A maioria dos clubes tem problemas financeiros
graves que são o resultado de anos e anos de má administração. Se fossem
empresas, já teriam falido.

O amadorismo atrapalha muito. Posso falar sobre isso à vontade por-


que o CFZ do Rio Sociedade Esportiva é uma empresa e tem que lidar com
clubes e com federações de formato amador. A diferença é gritante e a legis-
lação acaba beneficiando quem age de modo amador. Levamos muita des-
vantagem em função dessa falta de compromisso. Alguns clubes desrespei-
tam as leis, não cumprem as regras, abandonando competições no meio, e
fica por isso mesmo.Como empresa, não podemos deslizar. Temos que pagar
impostos como qualquer instituição privada, fazer contratos formais com os
jogadores, enfim, seguir as regras. São dois mundos que convivem.

Nas minhas passagens profissionais por Itália e Japão, sempre prestei


muita atenção na forma como os clubes lidavam com o universo do futebol.
Isso vale desde o Flamengo, que tinha dirigentes amadores que, em alguns
momentos, tiveram atitudes de vanguarda. No Japão, por exemplo, quando
se criou a J-League (Liga Japonesa), eu estava lá em Kashima e nós perce-
bemos que era fundamental aproximar os jogadores das pessoas, de modo a
criar uma torcida. E essa torcida forma ídolos, compra produtos. Ou seja, é
toda uma cadeia de ações ao redor do futebol que se baseou numa atitude
nova: fazer com que os atletas andassem entre as pessoas depois do treino.

27
Claro que os resultados são fundamentais para isso dar certo, mas
tive a oportunidade de ver esse ciclo se formar no Japão. O que vem junto
é a incorporação de profissionais mais específicos nos clubes, como fisiote-
rapeutas e até preparadores de goleiros, profissional que os japoneses não
tinham, entre outras coisas. Já na Itália, tínhamos, na década de 80, um
futebol muito profissional nos bastidores, ainda que o Udinese fosse apenas
um clube médio. Porém a estrutura era bem enxugada e tratava apenas de
futebol. Foi o meu primeiro contato com uma liga realmente organizada.To-
das as possibilidades disponíveis em ações de marketing são importantes.

Mas num país onde há tanta bagunça no futebol é difícil falar des-
sas divisões claramente, como marketing e até planejamento. É complicado
achar um parceiro que queira apoiar sem ter certeza de que o campeonato
vai acabar, sabendo que você compete em desigualdade de condições e que
há influência política muito intensa que, às vezes, atrapalha o esporte.

Antes de falar em ações de marketing, parece fundamental resgatar a cre-


dibilidade. Tendo isso, todas as armas para benefício do esporte são válidas.

N.A. - Pedi para o Zico dar seu depoimento sobre nossas experiências conjuntas e
recebi dele um belo relato sobre administração esportiva que, pode não parecer, é
exatamente o que este livro mostra: a importância do profissionalismo no esporte.

28
Copa Uniao
Pela primeira vez, o futebol brasileiro na vanguarda
com depoimentos de Juca Kfouri e Celso Grellet
E m 1º de maio de 1969, no primeiro Dia dos Trabalhadores depois da
publicação do AI-5, o governo militar mandou os principais estados do país

organizarem jogos de futebol, de graça, entre duas equipes populares de suas

cidades. No Rio, por exemplo, houve um Fla-Flu, enquanto em São Paulo foi

marcado um Corinthians x Palmeiras. O objetivo desses “amistosos biônicos”

era o de atrair o povo para a sua grande paixão, o futebol, e ajudar a des-

mobilizar qualquer movimento popular de protesto contra o ato institucional

mais cruel e repressor da história da ditadura brasileira, promulgado em

dezembro do ano anterior.

Foi um dos primeiros – e, certamente, não o único – plano de uso

político do futebol por parte do regime de exceção que se instaurou no Bra-

sil, entre 1964 e 1985. A estratégia se intensificou claramente depois que a

seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial, em 1970. A euforia

dos brasileiros com o escrete canarinho teria de ser canalizada para que fosse

revertida a favor do país, mais especificamente a favor do governo do país.

Assim como o petróleo, o esporte, e suas conquistas, eram coisas nossas,

um patrimônio que enchia a pátria de orgulho e nos faziam, de certa forma,

conviver melhor com as nossas fragilidades. Esse conceito era a base de uma

enorme campanha institucional lançada pelos militares, na mesma linha ufa-

nista já usada em outras frentes.

A Arena, partido de sustentação do governo militar, foi aconselhada a usar

o futebol como tema de suas campanhas. Em todo o país, os governos estaduais

eram estimulados a construir estádios para mais de 60 mil pessoas que, mais

tarde, principalmente no Norte e no Nordeste, se transformariam em elefantes

brancos, graças à ociosidade e ao anacronismo de suas instalações. Mas, acima

31
de tudo, era necessário criar um campeonato de abrangência efetivamente na-

cional, ou seja, que representasse todos os estados da União.

Em substituição à “elitista” Taça de Prata, o Campeonato Brasileiro foi

lançado com pompas, em 1971, ainda com um número aceitável de partici-

pantes. Eram 20, mas já incluía mais clubes do Nordeste, do Sul e de Minas

Gerais. Aos poucos, a competição foi inchando, até chegar ao absurdo de 96

times na edição de 1979. “Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional”,

dizia um adágio popular da época que resumia bem a intenção do governo de

incluir equipes modestas para agradar ao povo.

Neste cenário, o Campeonato Brasileiro foi se tornando altamente defici-

tário para a CBF, que tinha de arcar com os custos das viagens e hospedagem

dos times, e para os clubes, que só conseguiam encher os estádios em partidas

decisivas ou em clássicos contra rivais de tradição. É interessante ressaltar

que isto acontecia numa época em que nossos craques estavam, em sua maio-

ria, jogando no Brasil.

Os novos ventos trazidos pela redemocratização no país começaram a ser

sentidos no futebol no primeiro semestre de 1987. Era um momento político im-

portante no país, discutia-se a nova Constituição, que seria promulgada no ano

seguinte, e a excessiva participação do estado em diversos setores da sociedade.

Neste período, o então presidente da CBF, Otávio Pinto Guimarães, reconheceu

publicamente a impossibilidade financeira de arcar com mais um campeonato. O

dinheiro da Loteria Esportiva, que bancava boa parte desses gastos, era cada vez

menor depois que estouraram escândalos de fraudes e armação de resultados.

Já insatisfeitos com os prejuízos acumulados durante anos e com o que

classificavam de “falta de representatividade” na decisão dos rumos do fute-

bol brasileiro, os principais clubes do país aproveitaram o momento favorável

para levar adiante o antigo sonho de fundar uma liga independente da CBF.

32
Anteriormente, o ex-presidente do Fluminense Francisco Horta já havia ten-

tando criar uma associação de 26 clubes, mas a iniciativa esbarrou na falta

de união dos clubes. Nessa nova tentativa, o objetivo dos dirigentes era o

de aumentar o poder de negociação dos clubes com a CBF, tratar o futebol

como uma atividade econômica que precisava ser lucrativa para sobreviver

e resgatar a credibilidade dos dirigentes, altamente desgastada por casos de

corrupção e de incompetência administrativa.

Depois de longas negociações, em que foram superadas divergências e

rivalidades, assinaram, em 11 de julho de 1987, a ata de fundação desta liga

quatro clubes de São Paulo (Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos),

quatro do Rio de Janeiro (Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo), dois do

Rio Grande do Sul (Grêmio e Internacional), dois de Minas Gerais (Cruzeiro

e Atlético) e um da Bahia (Bahia). O número de participantes deu ao grupo

o nome de Clube dos 13, mantido até mesmo quando foram admitidos mais

sete membros, já nos anos 90 (Sport Recife, Portuguesa-SP, Coritiba, Goiás,

Atlético-PR, Guarani-SP e Vitória-BA).

A iniciativa foi muito bem recebida pela grande imprensa, que em sua

maioria criticava o inchaço do campeonato e o modelo de administração ul-

trapassado de Otávio e de seu vice-presidente, Nabi Abi Chedid. O Jornal do

Brasil chegou a fazer uma matéria lembrando que os 13 clubes representavam

95% dos torcedores brasileiros e, por isso, tinham força, sim, para superar os

obstáculos que apareceriam pela frente, entre eles uma suposta ilegalidade

da iniciativa, uma vez que a legislação não permitia a criação de ligas inde-

pendentes da CBF. Esta era uma das alegações para que a entidade, mesmo

reconhecendo sua incapacidade de financiar e organizar o campeonato nos

moldes antigos, tivesse relutado até o fim contra a ideia de um campeonato

nacional fora de seu controle. A CBF ainda não entendia que, antes de ser um

movimento de rebeldia, o Clube dos 13 era um movimento de sobrevivência

das principais agremiações esportivas do país.

33
O Clube dos 13 representava uma ideia, ao mesmo tempo tão radical e

sensata, que deu crias: no ano seguinte, ajudei a montar o Clube dos Seis,

que reunia os principais times paranaenses daquela época (Coritiba, Atlético,

Colorado, Grêmio Maringá, Londrina e Cascavel). Os clubes começavam a

acreditar que poderiam dar o seu grito de liberdade.

Apesar da disposição de se libertar da CBF, os clubes perceberam que,

da teoria para a prática, um outro obstáculo tão grande quanto a sua “ile-

galidade” teria de ser superado: a falta de dinheiro. Sucessivas reuniões da

associação foram incapazes de descobrir um meio de levantar algo em torno

de US$ 1 milhão, quantia de que eles precisavam para fazer o papel financei-

ro da CBF, ou seja, pagar as despesas do campeonato. Quase todos os clubes

estavam quebrados, bem como a credibilidade dos seus dirigentes. O proble-

ma era tão grave que alguns membros do Clube dos 13 já admitiam ceder à

CBF, que a esta altura levantava a possibilidade de organizar um outro tipo

de competição. Foi o caso de Fluminense, Botafogo e Internacional. Seria um

racha fatal para o recém-nascido movimento.

Uma reunião marcada para segunda-feira, dia 24 de agosto, na sede do

Flamengo, tornou-se crucial para o futuro do Clube dos 13. Seus membros

colocariam todas as cartas na mesa e teriam de decidir se, de fato, seguiriam

desafiando a CBF. Lembro que, na sexta-feira anterior, eu estava conversando

com o Márcio Braga, na sala dele, e perguntei informalmente sobre o assunto.

O Márcio me revelou toda a sua preocupação. Despretensiosamente, eu disse

a ele que não entendia como uma entidade que reunia os maiores clubes do

país fosse incapaz de encontrar uma agência de publicidade para vender um

projeto de marketing, assim como tínhamos feito com o Zico e a Blue Cross

alguns meses antes. Naquele mesmo ano, uma reportagem da revista Business

Week, com a chamada de capa: “Nada vende mais do que o esporte”, mostra-

va que 3.400 empresas americanas estavam investindo US$ 1,35 bilhão em

atividades e/ou entidades esportivas. O momento era propício para grandes

34
investimentos na área. Então, o presidente do Flamengo virou-se de repente

para mim e me lançou o desafio: “Ah, é fácil? Pois então você tem até segun-

da-feira para elaborar um projeto e apresentar aos clubes na reunião.”

Flavio Rodrigues/Editora Abril

Reunião do Clube dos 13, em 1987, com a presença dos dirigentes do Flamengo, Flumi-
nense, Botafogo, Vasco, São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Atlético,
Internacional, Grêmio e Bahia.

Confesso que me deu um frio na barriga. Eu tinha apenas um fim de se-

mana pela frente para dar uma solução para o Campeonato Brasileiro. Lem-

bro que passei na IBM e peguei um projeto nosso de comunicação e imagem.

Depois fui para casa, sentei em frente ao meu computador e passei a adaptar

o projeto à realidade do nosso futebol. Havia uma similaridade importante:

assim como a IBM era líder no mercado de informática, o Clube dos 13 era lí-

der no mercado do futebol brasileiro, afinal eram os maiores clubes reunidos

ali. Ao mesmo tempo, martelava na minha cabeça a figura da apresentadora

Xuxa, uma ex-modelo gaúcha sem qualquer apelo popular que, em poucos

anos, havia se tornado uma febre nacional. Graças a quê? A uma caixa retan-

gular chamada televisão.

35
Naquela época, a televisão ainda era um tabu para os clubes de futebol.

Na cabeça dos dirigentes, uma transmissão ao vivo afugentaria ainda mais os

torcedores do estádio, o que diminuiria consequentemente a já insuficiente

arrecadação de bilheteria. Até então, poucos jogos eram transmitidos ao vivo,

em geral apenas decisões de campeonatos em que o estádio estaria lotado. As

emissoras não anunciavam a transmissão. De repente, poucos minutos antes

do apito inicial, a partida era inserida na programação. As câmeras eram da

TV Educativa, do Governo Federal, que não pagava direitos de transmissão e

retransmitia o sinal para canais privados. De tempos em tempos, havia rebeli-

ões isoladas de dirigentes contra essa prática. A primeira de que tenho notícia

aconteceu num Fla-Flu do Campeonato Brasileiro de 1977. Em seu primeiro

mandato, Márcio Braga conseguiu na Justiça que as câmeras da TV Globo

fossem impedidas de entrar no Maracanã para filmar o jogo. Se quisessem, os

clubes, isto é, os responsáveis pelo espetáculo, teriam que ser pagos por isso.

Como não houve acordo, não há imagens registradas deste clássico. Por esta

história, dá para ter uma noção do tamanho do meu desafio na tal reunião de

segunda-feira: eu teria de convencer 13 dirigentes a permitir a transmissão

dos jogos de seus clubes desde a primeira rodada.

Quando entrei na sala, percebi um clima tenso no ar. O Clube dos 13

estava mesmo a ponto de rachar. Do lado de fora, a imprensa toda estava à

espera de uma solução que salvasse o futebol brasileiro da falência mas, até

então, só levaria para as suas redações notícias ainda mais preocupantes. De

início, já dei a diretriz do meu projeto: “Se vocês precisam mesmo de US$ 1

milhão, é bom entenderem que só com a televisão isso será possível”.

Foi bom até a luz estar apagada, para a exibição das transparências na

parede, porque eu poderia ter me desestimulado com a expressão descrente

de alguns dirigentes. “Vocês precisam da televisão porque os seus clubes,

em vez de aparecerem para 100 mil pessoas no estádio, vão aparecer para

30, 40 milhões. E as empresas patrocinadoras vão pegar carona nessa ex-

36
posição toda. É uma questão de amplificação da mensagem”. Então usei o

exemplo da Xuxa, que não saía da minha cabeça. Uma moça que de repente

virou Rainha dos Baixinhos, cujo toque transforma qualquer produto em

ouro. Naquela época, ela venderia gelo para esquimó. A massificação pela

televisão, portanto, era um fenômeno inexorável, não podíamos lutar contra

ela. Cabia a nós explorar o seu potencial da melhor maneira possível. Assim,

a TV não tiraria público do estádio, mas ajudaria a consolidar ainda mais

a paixão do torcedor pelo seu time. Já acontecia isso com outros esportes,

como o boxe, o futebol americano e o beisebol, no Estados Unidos, e com

o próprio futebol na Europa. No ano anterior, a Copa do México havia sido

acompanhada por 12 bilhões de espectadores graças à TV. A Fifa e as confe-

derações nacionais lucraram bastante com toda essa exposição. A televisão,

enfim, não era um mal em si.

Ali mesmo, eu também expliquei aos dirigentes a necessidade de organi-

zar um campeonato em que todos soubessem, de antemão, quando e contra

quem os times jogariam até o fim do ano. Para vender um produto, o com-

prador tem que saber exatamente o seu conteúdo e, até então, calendário era

uma palavra pouco importante para dirigentes de futebol.

Quando terminei a apresentação, senti reações positivas e negativas que

mostravam bem a divisão interna que existia naquela sala. O então vice-pre-

sidente de futebol do Vasco, Eurico Miranda, foi um dos que me apoiaram.

Mas lembro que o presidente do Internacional, Gilberto Medeiros, usou uma

expressão bem gaúcha para mostrar o seu descontentamento com a entrada

da televisão no futebol: “Eu quebro, mas não envergo”.

Hoje, anos depois, entendi sua reação: eu estava propondo, simplesmente,

que a televisão deixasse de ser a inimiga número um para se tornar a maior

aliada dos clubes de futebol. Era uma mudança e tanto. Pelo menos eu tinha

argumentos convincentes buscados do outro lado do Atlântico. Naquele ano,

37
a bilheteria era apenas a sétima principal fonte de renda dos clubes italianos,

cujos jogos eram transmitidos ao vivo no Brasil pela TV Bandeirantes. Havia um

cálculo de que, para se manterem com aquele modelo de arrecadação baseado na

venda de ingressos, os maiores clubes brasileiros precisariam de uma média de

35 mil torcedores por jogo. Desde o início do Campeonato Brasileiro, em 1971,

a maior média de público havia sido de 22 mil pagantes por partida, em 1983.

Deixei a sala de reunião sem saber da decisão final dos dirigentes. Pas-

sei incógnito pelos repórteres que aguardavam uma notícia do lado de fora.

Só os jornalistas que cobriam o Flamengo poderiam me conhecer. No dia

seguinte, eu teria uma feira da IBM em São Paulo. Quando cheguei lá, um

amigo me procurou e perguntou: “Você viu os jornais de hoje?”. Então ele

me mostrou as manchetes, que seguiam todas a mesma linha: “Clube dos 13

anuncia plano de salvação do futebol brasileiro”. E vinha o meu projeto ali,

explicado nos mínimos detalhes. Eu gelei na hora: “Vou ser demitido da IBM”.

Liguei imediatamente para o Márcio Braga para saber o porquê de toda essa

exposição e ele me acalmou. Disse que decidiu usar o projeto para pressionar

os dirigentes que pensavam em abandonar o Clube dos 13. Agora, havia um

plano de salvação, encampado pela imprensa, e seria mais difícil um clube

roer a corda. Mas cabia a mim fazer desse projeto uma realidade.

No mesmo dia, eu liguei para o Celso Grellet, diretor de marketing do São

Paulo, com quem me encontrei no dia seguinte. No primeiro semestre, ele ha-

via negociado com a TV Globo a transmissão da final do Campeonato Paulista

de 1987, entre São Paulo e Corinthians. Os clubes cobraram US$ 70 mil. Pode-

ria ser um parâmetro para a negociação com a emissora. Pensamos também já

num calendário de transmissões, com jogos só no fim de semana. Nos Estados

Unidos, havia o Monday Nigth Game, um jogo de futebol americano transmi-

tido para todo país na segunda-feira à noite, inclusive para a cidade onde ele

seria realizado. Nós poderíamos adaptá-lo para o Brasil. Aqui, o campeonato

de futebol poderia ter jogos apenas na sexta-feira, sábado e domingo.

38
Já estava decidido que o campeonato não teria 13, mas 16 clubes. Era um

número que permitia uma tabela mais racional, com número par, e dava uma

abrangência geográfica mais representativa do país. Foram convidados Goi-

ás, Coritiba e Santa Cruz. Assim, calculei que seria possível vender 42 jogos

para a TV Globo, ao preço de US$ 70 mil cada um. Daria um total de US$ 3,4

milhões, ou seja, US$ 2,4 milhões a mais do que o Clube dos 13 necessitava

para organizar o campeonato.

A primeira reação do Celso foi altamente compreensível: “Mas, João,

você vai querer vender todos os jogos pelo preço de uma final de Campeonato

Paulista?”. Aí eu dei a ele o argumento que usaria em todas as negociações

dali para frente, fossem com emissora de TV ou com anunciantes: “Celso,

nós não estamos vendendo um jogo de futebol, pura e simplesmente, mas um

conceito. Estamos oferecendo a salvação do futebol brasileiro”. Não tínhamos

nada a perder.

Três dias depois da reunião no Clube dos 13, estávamos sentados numa

sala eu, o Celso e um diretor da TV Globo, o Ivan Borges. Ele parecia não

acreditar no que estávamos lhe propondo: “João, US$ 3,4 milhões é mais do

que pagamos para transmitir a Copa do Mundo de 1986”. Argumentou ainda

que pagaram US$ 70 mil porque a final do Campeonato Paulista era um jogo

único que despertava interesse no Brasil inteiro. Então eu disse a ele que, de

fato, o futebol brasileiro, naquele momento, não valia nem um dólar mas era

outra coisa que estava em jogo ali: “Queremos recuperar um bem do povo

brasileiro, a sua maior paixão, e fazer parte disso não tem preço”.

Naquela época, início da redemocratização do país, a TV Globo tinha

uma imagem que, de certa forma, me remetia à IBM. Ambas eram líder de

mercado e, por isso, despertavam uma certa antipatia de parcela da popula-

ção. Os brasileiros, como a maioria dos latinos, tendem a simpatizar com o

mais fraco e repugnar o líder. Por isso, se a emissora se engajasse no resgate

39
de uma paixão popular, poderia melhorar muito a sua imagem. Este era um

valor intangível e o único preço que eu tinha ali como referência para nego-

ciar eram os US$ 70 mil da final do Campeonato Paulista.

Já tínhamos mais de duas horas de conversa com o Ivan. Entre nós, o

Celso ponderava se não era o momento de recuarmos, mas eu insisti. Talvez

tenha sido favorecido pela técnica comum dos japoneses que sentam à mesa

para negociar. Eles o fazem até que o outro lado fique cansado, uma estraté-

gia também comum no judô, por exemplo. Acredito nisso porque, de repente,

o Ivan abriu a guarda com uma frase: “João, eu não posso falar para as pesso-

as que estão me esperando que vocês estão pedindo tudo isso.”

Pois então havia gente graúda esperando o fim dessa negociação, era um

negócio que despertara mesmo o interesse da alta cúpula da TV Globo. O Ivan

se referia ao Boni, todo-poderoso da emissora, ao Armando Nogueira, diretor

de jornalismo, ao Roberto Buzzoni, diretor de programação, e ao Ricardo Sca-

lamandré, diretor comercial. Então eu apostei minhas fichas numa provocação:

“Ivan, se eu estivesse no seu lugar, eu ligaria agora para essas pessoas e diria

que um maluco está propondo um valor insano pela compra do Campeonato

Brasileiro. Mas ele quer ter a chance de convencê-los pessoalmente disso”.

No dia seguinte, de volta ao Rio, eu e o Celso nos sentamos com o Ar-

mando, o Buzzoni e o Scalamandré que, depois de muita negociação, aceita-

ram pagar os US$ 3,4 milhões, num contrato de cinco anos. Deram US$ 2,1

milhões em dinheiro, o dobro do que necessitavam os clubes, e US$ 1,3 mi-

lhão em espaços comerciais institucionais de 15 segundos. Em contrapartida,

a Globo participaria do planejamento do calendário, seguindo obviamente

critérios que lhe facilitassem a venda das suas cotas de publicidade.

Dali mesmo eu liguei para o Márcio e pedi que ele avisasse aos clubes

que o campeonato estava garantido. Na reunião seguinte do Clube dos 13, eu

40
e o Celso explicamos exatamente os termos do contrato e, apesar de uma ou

outra resistência, todos assinaram.

Nossa ideia era sair dali e voltar às nossas vidas de profissionais em

nossos empregos e de dirigentes amadores de clube. Mas, então, fomos con-

vidados a sair da sala e, quando voltamos, eles nos chamaram para ser dire-

tores profissionais de marketing do Clube dos 13. A partir de então, todos os

contratos de publicidade que arrumássemos seria dividido em 17 cotas, 16

para os clubes e uma para mim e o Celso. O contrato com a TV Globo não

estava incluído. Desta maneira, nós nos tornávamos os primeiros dirigentes

remunerados do futebol brasileiro.

Então eu me licenciei do Flamengo e, algum tempo depois, também me

licenciaria da IBM. Precisávamos concentrar as nossas forças na busca de

patrocinadores para o campeonato e, assim, poderíamos provar que o fute-

bol era capaz de sobreviver sem o paternalismo governamental ou da CBF.

Tínhamos um mês para completar a missão porque a Copa União tinha início

previsto para 6 de setembro e fim em 13 de dezembro, às 17h. Mudar o calen-

dário, como tinha se tornado hábito até então, causaria um desgaste e tanto

para todos nós, uma vez que já seria uma contradição à nova mentalidade que

tentávamos implantar naquele momento.

Nossa primeira ideia foi procurar o Açúcar União, para aproveitar o

nome do torneio, que deixaria de ser Campeonato Brasileiro para ser tornar

Copa União, uma alusão ao entendimento, até então inédito, de todos os par-

ticipantes. Mas a empresa estava ainda traumatizada com o esporte por causa

do fracasso e dos prejuízos da Copersucar, até hoje a única equipe brasileira

da história da Fórmula-1.

Num fim de semana, uma reportagem da Veja me chamou a atenção. Ela

dizia que a Pepsi estava preparando uma agressiva campanha publicitária

41
no Brasil em que usaria como garoto-propaganda dois astros da música pop

internacional: Rod Stewart e Tina Turner. Ou seja, num país xenófobo como o

Brasil dos anos 80, eles estavam importando cultura para vender refrigeran-

te. Liguei para o Celso e ele havia tido a mesma ideia: precisávamos procurar

a Coca-Cola urgentemente.

O alto escalão da Coca-Cola nos recebeu no Rio. O que nós tínhamos a ofe-

recer? O uniforme, placas nos estádios, os anúncios institucionais oferecidos

pela TV Globo e até o espaço do círculo do meio-campo, como o Celso já havia

visto no Campeonato Mexicano. E, é claro, estávamos oferecendo também o

nosso conceito. Enquanto a sua maior concorrente recorre a ídolos estrangeiros

para tentar crescer no mercado brasileiro, a Coca-Cola investiria num produto

tipicamente nacional, o futebol. Era a hora de uma multinacional mostrar mais

carinho pelo Brasil para vencer todas as resistências que existiam contra mar-

cas internacionais. A IBM já tinha passado por isso no início dos anos 80, quan-

do sofreu com a Lei da Informática criada pelo governo militar, que proibia

a produção de computadores por empresas estrangeiras. Foi quando decidiu

mudar seu nome aqui de IBM “do” Brasil para IBM Brasil. Era como se dissesse

aos seus clientes que era estrangeira, sim, mas vivia aqui como um cidadão

naturalizado que também trabalha para o desenvolvimento do país.

A Coca-Cola comprou a ideia, embora tenha sido necessário superar al-

guns obstáculos. A TV Globo não queria aceitar a forma como a empresa de

refrigerantes usaria os anúncios institucionais. Eram mensagens neutras, de

apoio ao futebol e de serviço ao torcedor, mas sempre aparecia uma chapinha

do refrigerante, o que foi considerado comercial. Porém a emissora acabou

cedendo, embora no ano seguinte tenha pago aos clubes US$ 1,3 milhão

em dinheiro e negociado diretamente com a Coca-Cola os anúncios, sob o

argumento, correto, de que a empresa já era sua cliente comercial. Ou seja,

os clubes estavam pegando uma verba que já seria da TV Globo, só que sob

outras circunstâncias.

42
De qualquer forma, somados os contratos da TV Globo e da Coca-Cola,

tínhamos levantado US$ 6 milhões em apenas um mês. Os clubes nunca ha-

viam visto tanto dinheiro assim, de uma hora para outra. Pela primeira vez

desde a criação do Campeonato Brasileiro, em 1971, eles entrariam numa

competição sabendo que ela seria superavitária. E isso independentemente

da classificação final da equipe.

No contrato da Coca-Cola, houve ainda uma barreira que se tornou um

case mundial de marketing dentro do próprio case da Copa União. Aconteceu

no Mofarrej Sheraton, em São Paulo, onde combinamos assinar os contratos

da TV Globo e da Coca-Cola. Havia, ainda, algumas arestas a serem aparadas.

MacCann Erikson

Anúncio da Coca-Cola: ao contrário da concorrente,


a empresa investiu em um produto tipicamente nacional

43
O Vasco, por exemplo, reivindicava que os clubes de maior torcida tivessem

participação maior na fatia do bolo, até com certa razão. Enquanto se dis-

cutia isso, o presidente do Corinthians pediu a palavra e todos nós levamos

um susto. Vicente Matheus, um dos dirigentes mais folclóricos e queridos da

história do futebol brasileiro, disse que não assinaria o contrato porque se

sentiu maltratado no Morumbi na tal decisão de US$ 70 mil do Campeonato

Paulista. O presidente do São Paulo era o mesmo do Clube dos 13, o Carlos

Miguel Aidar, que também havia passado à frente do Corinthians numa ne-

gociação com um jogador chamado Renatinho. E ainda soltou uma frase que

seria divertida se não fosse trágica naquela ocasião: “O que é bom para o São

Paulo não pode ser bom para o Corinthians”. Ou seja, por rivalidade clubista,

ele ameaçava melar todo o negócio.

Nesse momento, até o Eurico Miranda, que estava questionando a divisão

de cotas, esqueceu isso e entrou no grupo dos que tentavam convencer Matheus

a assinar o contrato. De outra forma, todo mundo continuaria quebrado.

Vicente Matheus, enfim, cedeu, mas o nosso maior desafio naquela tarde

ainda estava por vir. Estávamos já chegando ao acordo final quando o presiden-

te do Grêmio, o Paulo Odone, me chamou reservadamente num canto e me dis-

se que estava com um problema grave. Os conselheiros do seu clube acabavam

de decidir que não aceitariam pôr o logotipo da Coca-Cola na camisa da equipe

pelo simples fato de que era vermelho, a cor do arqui-inimigo Internacional. Eu

não acreditava no que estava ouvindo. A Coca-Cola já tinha mais de cem anos

de existência e sempre exibiu aquela logomarca, qualquer criança sabe que ela

é vermelha. O Odone, um homem corretíssimo, disse que me entendia, mas não

podia resolver nada sem a aprovação do seu conselho.

Então, nós fomos na sala ali ao lado conversar com o Jorge Gigante, o

presidente da Coca-Cola que participava da reunião. O Odone começou a

explicar as origens da rivalidade entre Grêmio e Internacional, que a torci-

44
da gremista jamais entenderia qualquer traço vermelho na camisa do clube.

Por sorte, o Gigante era argentino e entendia muito bem até onde chegavam

rivalidades como a que existe entre Boca Juniors e River Plate. Se fosse um

executivo americano ali, o contrato iria por água abaixo, porque lá essas pai-

xões não se sobrepõem aos interesses comerciais.

E, então, a Coca-Cola aceitou mudar a cor de seu logotipo na camisa do

Grêmio. Seria preto e branco. Depois, outros clubes reivindicaram o mesmo

direito, como o Coritiba, o Santos e o Botafogo. Tudo em nome do futebol

brasileiro. O Mc Donald’s já teve de tomar uma decisão parecida na Turquia.

No bairro onde se situa o time de futebol Fernerbahce, a cadeia de fast food

tem a sua única loja preta e branca no mundo porque amarelo e vermelho

são as cores do maior rival do clube, o Galatasaray.

O que não teve solução foi a nossa tentativa de vender o espaço do meio-

campo para a Coca-Cola. A Fifa proibiu oficialmente de se expor publicidade

dentro do campo. Para manter o contrato nos mesmos valores, nós então

cedemos o espaço na camisa dos times para o ano todo, e não apenas entre

setembro e dezembro, tempo de duração do campeonato.

A ideia de vender o meio-campo, aliás, levantou uma polêmica tão gran-

de que serve para mostrar o quanto havia de inovador em toda aquela his-

tória da Copa União. Lembro que o João Saldanha, um de nossos ícones do

jornalismo esportivo, gostava de criticar a “onda mercantilista” que estava

invadindo o futebol. Dizia, com o seu sarcasmo genial, que esses “rapazes do

marketing”, depois de tentar vender o meio-campo para a Coca-Cola, pode-

riam agora botar um sutiã gigantesco da DeMillus na meia-lua da grande área

e cobrir as bandeirinhas de corner com preservativos Jontex.

Na primeira semana de Copa União, fui convidado a participar de uma

mesa-redonda com ele na TV Manchete, onde trabalhava como comentarista.

45
Eu expliquei ao João os nossos propósitos, que o marketing era só um meio

de capitalizar os clubes sem nenhuma intenção de interferir no que acontece

dentro das quatro linhas. Acho que, no final, ele acabou entendendo, pois

não soltou mais nenhuma piada nem sugeriu que cobríssemos a rede da trave

com lençóis Santista.

Com a Coca-Cola e a TV Globo na retaguarda, tínhamos mais força para ir

atrás de outras empresas que nos ajudaram a viabilizar a Copa União. A Varig

nos deu desconto de 50% em todas as passagens que foram usadas nas viagens

das equipes. A Editora Abril lançou o álbum de figurinhas do campeonato, que

virou uma febre da garotada. Vendeu 180 mil exemplares em apenas uma se-

mana e, ao fim do ano, a venda total foi de 480 mil unidades e 20 milhões de

pacotinhos de figurinhas. Superou tanto a expectativa da empresa que não raro

faltaram figurinhas em vários estados brasileiros. Além disso, o álbum da Abril

foi pioneiro ao pagar pela primeira vez direitos de imagem a atletas brasileiros.

Para fortalecer a marca dos clubes, fomos atrás de uma empresa que fa-

bricava plásticos e adesivos, a Dover, e aí temos mais um exemplo de como os

clubes estavam atrasados em termos de marketing. O presidente da Dover, Dov

Kamenetz, estava interessado em lançar produtos com símbolos dos 16 times

da Copa União. Na época, o licenciamento das marcas era um negócio pouquís-

simo explorado pelos dirigentes brasileiros. Nos Estados Unidos, esse mercado

era dos mais promissores: havia crescido mais de mil por cento entre 1977 e

1986, chegando a cifras superiores a US$ 60 bilhões anuais. Aqui, pedimos 6%

de royalties sobre a venda dos produtos e um adiantamento de US$ 85 mil,

sendo que US$ 5 mil seriam para mim e para o Celso, os intermediários. Foi o

primeiro contrato de licenciamento coletivo da história do futebol brasileiro.

No meio do negócio, descobrimos que a maioria dos clubes não tinha

registrado suas marcas e símbolos, como os mascotes, no Instituto Nacional

de Propriedade Industrial (INPI). Ou seja, descobrimos, de repente, que ha-

46
víamos vendido a Dover um produto que não nos pertencia. Para não melar o

negócio, fomos tentar a regularização no INPI, que tem 41 classes de produtos.

Os clubes, em geral, estavam registrados apenas na classe 41, que tratava de

agremiações recreativas, mas precisavam ter registro em outras, como a de

vestuário, relógios, adesivos etc. As grandes empresas se registram em todas

as classes e depois pedem marca notória, o que impede que alguém use o seu

nome em qualquer outro produto. Os clubes precisavam fazer a mesma coisa.

Naquela época, os dirigentes pareciam ignorar que a marca era o que

eles tinham de mais valioso, o que chamamos de valor intangível. Era como a

Coca-Cola: a sua marca vale mais que todos os seus bens tangíveis somados,

incluindo todo o seu patrimônio. Pior: alguns usavam como mascotes símbo-

los que não lhes pertenciam. O Botafogo, por exemplo, tinha adotado o Pato

Donald, o Bahia usava o Super-Homem e o Palmeiras gostava do Zé Carioca.

Foram vendidos 480 mil exemplares e 20 milhões de pa-


cotinhos de figurinhas do álbum da Copa União 87, lan-
çado pela Editora Abril.
47
Elegantemente, o Dov entendeu o amadorismo dos clubes e renegociou o

contrato, aceitando pagar os novos registros no INPI. Contratamos um profis-

sional especialista na área de licenciamento, Dr. Pedro Bhering, e um artista

excepcional, o Ziraldo, que redesenhou os mascotes dos 16 clubes. O Botafo-

go usou a estátua do Manequinho, que fica em frente à sede do clube. O Bahia

ganhou um super-herói estilizado e o Palmeiras, um outro periquito.

Tão importante quanto o trabalho de Bhering junto ao INPI foi a briga que

seu escritório de advocacia, o Pestalozzi e Bhering, ganhou naquele ano contra

a indústria de calçados Fighter, que tentou registrar os escudos dos clubes para

usá-los em seus produtos. A vitória na Justiça criou jurisprudência na questão

e é um marco até hoje na luta contra a pirataria das marcas esportivas.

Foi uma grande sacada do Dov e do Clube dos 13 e, de certa forma, um

pontapé inicial na exploração de produtos licenciados, um dos mercados de

maior potencial de crescimento no esporte. Em 1988, já houve um salto no

faturamento com licenciamento no Brasil, que atingiu a marca de US$ 190

milhões. Hoje, o Flamengo, por exemplo, arrecada R$ 1 milhão com royalties

por ano e poderia arrecadar muito mais. Vinte anos depois, os clubes ainda

não aproveitam bem a sua popularidade para vender produtos e ainda não

dispõem de meios eficientes para combater a pirataria.

Note-se que as negociações com todos os parceiros e patrocinadores não

duraram mais que duas semanas. Não foi, porém, uma questão simplesmente

de mérito dos negociadores, mas havia claramente uma demanda reprimida

por um produto altamente vendável, como o futebol brasileiro.

Com tudo pronto, agora tínhamos que confirmar que o nosso produto

era mesmo bom, ou seja, a Copa União precisava ser um sucesso também den-

tro de campo. E foi. No menor campeonato nacional da história, com apenas

126 jogos, conseguimos extrair o sumo do futebol brasileiro, com confron-

tos quase sempre atrativos. A tabela, elaborada pelo matemático Oswald de


48
Souza, apresentava uma característica muito interessante: todas as rodadas

tinham dois jogos no Rio, dois em São Paulo, um em Porto Alegre e um Belo

Horizonte. Isso fez com que os torcedores dessas cidades voltassem a ganhar

o hábito do futebol, ou seja, já soubessem de antemão que tal dia haveria um

jogo ou dois jogos num estádio perto da sua casa.

O modelo de disputa previa uma semifinal em jogos de ida e volta e

a grande decisão no mesmo sistema. Mesmo com TV, a média de público

(20.887 pagantes) só foi menor que a do Brasileiro de 1983 (22.953 pagan-

tes). Em ambos, o Flamengo foi o campeão, o que certamente puxou essa mé-

dia para cima, mas, em 1987, o Corinthians, segundo clube mais popular do

país, teve campanha decepcionante e uma média de “apenas” 16 mil torcedo-

res. Somados os ganhos dos clubes com os contratos de marketing, teríamos

o equivalente a uma média de 41 mil torcedores por jogo, seis mil a mais que

o Campeonato Italiano daquele mesmo ano.

Elaboramos com a TV Globo um inteligente sistema de transmissão dos

jogos. Eram três por semana. O primeiro, toda sexta-feira, às 21h30, num

horário que ficou conhecida como Sexta-Super. No sábado, transmitia-se

uma partida às 16 horas, nunca para a praça onde ele estava acontecendo.

E, no domingo, também às 16 horas. Para que os outros jogos do dia não

sofressem concorrência, foi criado um sorteio ao vivo, 15 minutos antes

do apito final, para que ninguém soubesse previamente que partida seria

transmitida. Havia poucos jogos no meio de semana, o que permitia que os

jogadores se preparassem melhor fisicamente e houvesse mais tempo para a

recuperação de lesões.

Uma pesquisa do Ibope com 2.300 pessoas mostrou que 72% dos homens

acompanharam a Copa União, seja diretamente no estádio ou pela televisão.

Considerando as mulheres, este número caía para 52%, mas ainda era muito

significativo. Bem mais surpreendente – pelo menos para os presidentes de

49
clubes – foi que apenas 7% dos entrevistados afirmaram que a transmissão

dos jogos pela TV mudara o hábito delas de ir ao estádio. Esse número era um

golpe na crença de que a televisão afastava os torcedores. Em contrapartida,

60% dos entrevistados afirmaram que não tinham o hábito de ir aos estádios,

o que significativa um enorme potencial de crescimento de público pagante,

algo que poderia ser fomentado justamente pela TV. Dos entrevistados ho-

mens, 85% disseram que viram os jogos pela televisão. Cruzando com outros

dados, chegamos à conclusão de que 43 milhões de telespectadores brasilei-

ros acompanharam a recém-criada Copa União pela TV Globo.

O futebol da Copa União conseguiu a façanha de manter as médias de

audiência da TV Globo quando exibido em horário nobre. Em São Paulo, os

jogos tiveram 31% de audiência contra 29% dos programas que iam ao ar no

mesmo horário. No Rio, esta mesma relação foi de 35% contra 36%. O primei-

ro jogo da decisão, entre Flamengo e Internacional, deu 63% de audiência no

Rio e 43% em São Paulo, uma praça sem ligação com os dois finalistas. Estes

números eram a prova de que as partidas eram uma alternativa altamente

viável e lucrativa para as emissoras de TV.

Outro dado importante foi tirado do segundo jogo da decisão, em 13 de

dezembro, no Maracanã. Todo mundo sabia que haveria transmissão do jogo

ao vivo, direto para o Rio, mas mesmo assim 90 mil pessoas foram ao estádio.

Ficou claro que, se o espetáculo for bom e tiver atrativos, existe público para

ir ao estádio e para ficar sentado numa poltrona assistindo ao jogo.

O temor inicial dos dirigentes, que acreditavam piamente que a televisão

afastaria ainda mais o público dos estádios, estava devidamente afastado.

Pesquisas feitas depois do torneio mostraram que uma população jovem e

feminina passou a se interessar mais pelo futebol por causa da transmissão

dos jogos e até se animou mais a ir aos estádios. Nada mais era do que o

aparecimento de um novo público e o crescimento do mercado consumidor

50
da bola. Hoje não se imagina um grande campeonato sem a presença de uma

grande emissora. É como se ele não acontecesse de fato. A Copa União, pois,

estava legitimada como o novo Campeonato Brasileiro pela aceitação ampla e

irrestrita do público, estivesse ele nos estádios ou em frente à TV.

Como um dos objetivos da Copa União era o de atrair de novo o público

para os estádios, o preço dos ingressos foi o mesmo cobrado nos campeonatos

estaduais, que tinham no máximo quatro clubes de qualidade. Mesmo com a

inflação galopante da época, conseguimos manter congelado o valor do in-

gresso durante toda a fase classificatória. Houve reajuste de 100% apenas nas

semifinais e finais. Hoje, dobrar o preço do bilhete soa absurdo, mas devemos

lembrar que, naquela época, o índice de inflação girava em torno de 240%.

A Copa União praticamente baniu um mal que parecia crônico no fu-

tebol brasileiro: o atraso dos jogos. Com a entrada da TV, eles se tornaram

passíveis de pagamento de multas pelos atrasos, porque havia uma grade

de programação a ser cumprida. As boas condições de jogo provocaram uma

onda de fair play no Módulo Verde. Em todo o campeonato, houve apenas 12

processos disciplinares para serem julgados, contra 89 do Módulo Amarelo,

que teve o mesmo número de clubes e de jogos. De imediato, imaginamos que

o impacto da transmissão ao vivo pela TV tenha feito os jogadores pensarem

duas vezes antes de cometer uma indisciplina, uma vez que agora sua imagem

estava sendo vista por todo o Brasil. É uma hipótese.

A CBF atrapalhou um pouco o sucesso do campeonato. Primeiro, ame-

açou não ceder os árbitros, tanto que, na primeira rodada, ainda pairava a

dúvida sobre se os jogos realmente aconteceriam. Finalmente vencida na que-

da de braço com os clubes – e percebendo que a Copa União foi aceita pelo

público e pela mídia – , a entidade aceitou negociar. Foi feita uma composição

para oficializar o campeonato, que recebeu a alcunha de Módulo Verde do

Brasileiro. No meio do torneio, a CBF quis empurrar um cruzamento contra o

51
campeão e o vice da Segunda Divisão (Sport-PE e Guarani), chamada de Mó-

dulo Amarelo. Os 16 clubes não aceitaram isso, porque não estava no regula-

mento inicial e até hoje se discute quem, de fato, é o campeão brasileiro de

1987. A CBF insiste que é o Sport, uma vez que os times do Módulo Verde se

recusaram a fazer o cruzamento, mas o Flamengo ganhou o reconhecimento

dos torcedores e da imprensa.

Os contratos todos tinham duração de cinco anos, mas o nome de Copa

União só sobreviveu até o ano seguinte. Infelizmente, as mudanças foram

mais profundas que apenas a substituição de nome. Em 1988, com o apoio

da CBF começaram a pressionar os clubes para que ampliassem o número de

participantes do Campeonato Brasileiro. O Clube dos 13, de início, resistiu,

com um argumento totalmente racional: havia contratos em vigor cujos valo-

res não seriam aumentados caso a competição fosse inchada, mesmo porque a

tendência era cair a qualidade do espetáculo. Em outras palavras, o bolo seria

o mesmo para ser dividido em mais fatias.

O ideal teria sido organizar uma Segunda Divisão também com 16 clu-

bes, para que houvesse rebaixamento e ascensão entre as divisões. No fim,

o Clube dos 13 cedeu e o campeonato de 1988 teve 24 equipes. A média de

público pagante caiu quase pela metade (13.811), sem contar a queda na

qualidade dos jogos. Além da inclusão de equipes menos fortes, voltaram com

força os jogos no meio de semana, que sacrificavam os jogadores. Mesmo as-

sim, o calendário voltou a ser desrespeitado, a ponto de a decisão entre Bahia

e Internacional ter sido disputada apenas em janeiro de 1989.

Em 1988, também houve um problema de desrespeito ao contrato com

a Coca-Cola: Flamengo, Corinthians e Internacional, que já tinham patroci-

nadores de camisa antes da primeira Copa União, haviam se comprometido a

adotar a Coca-Cola na edição seguinte. Só o clube gaúcho, que usava a marca

Aplub, cumpriu. A diretoria do Flamengo achou que a Lubrax já fazia parte

52
do uniforme rubro-negro e o Corinthians manteve o logotipo da rede de pa-

pelaria Kalunga, mesmo depois de a revista Placar mostrar que o nome signi-

ficava “cemitério” no linguajar da umbanda. Curiosamente, o clube paulista

se enterrou na Copa União de 1987. Ficou em último lugar.

Para nós que participamos de todo o processo de elaboração da Copa

União, ficou um enorme sentimento de frustração porque a ideia foi perden-

do, aos poucos, o seu conceito original. Foram retirados do torneio os atribu-

tos que levavam mais gente ao estádio, o que, no fim das contas, é o objetivo

principal do marketing esportivo. São mais pessoas consumindo o seu produ-

to. É claro que o dinheiro é bom e é importante, mas ele acaba traduzindo,

na verdade, que o seu produto é bom. Eu sempre dizia que a gente estava

vendendo um calendário com produtos de altíssimo nível, que eram os 16

maiores clubes do Brasil. Quando entram outros de qualidade bem inferior,

todo o conjunto se desvaloriza.

Sempre defendi também um sistema de disputa simples, que todo torce-

dor entendesse, com turno e returno. Em 1987, os 16 clubes foram divididos

em dois grupos, que disputavam dois turnos. Os vencedores de cada turno,

em cada grupo, faziam uma semifinal e, em seguida, a final. A Copa União

de 1988 mexeu no regulamento e chegou a criar um sistema de desempate

esdrúxulo em que todas as partidas que terminassem empatadas teriam de ser

decididas nos pênaltis.

Mas, hoje em dia, eu compreendo melhor o que ocorreu naquele perí-

odo. Na verdade, a Copa União era uma passo grande demais na estrutura

amadora que imperava no futebol daquela época – e ainda impera, em menor

proporção, nos dias de hoje. Talvez estivéssemos à frente do nosso tempo,

como estavam o Chateaubriand e o seu Diamante Negro lá nos anos 30. Na

Espanha, por exemplo, só foi criada uma liga profissional nestes moldes em

1993, quando a Real Federação Espanhola passou a cuidar somente da sele-

53
ção nacional, deixando o campeonato para os clubes. Foi uma pena porque

hoje poderíamos ter um nível de receita semelhante a de países europeus. É

verdade que a renda das pessoas é maior no Velho Continente, mas o nosso

mercado publicitário é do mesmo tamanho, potencializado com uma televisão

fortíssima. Em 1987, os clubes só eram completamente profissionais dentro

das quatro linhas.

Ironicamente, de lá para cá, foi a CBF quem mais deu passos no ca-

minho da profissionalização. Seus dirigentes são remunerados e a entidade

deixou de ser deficitária. Pelo contrário, é riquíssima, principalmente porque

aprendeu a vender o seu melhor produto, a seleção brasileira. Mas a Copa

União deixou o seu legado. Apesar das crises e desentendimentos, o Clube

dos 13 representa até hoje o interesse dos principais times do país graças à

Coca-Cola e à TV Globo, que nunca mais deixou de transmitir o Campeonato

Brasileiro.

Mais importante que tudo isso foi que a Copa União fez os clubes enten-

derem que era fundamental buscar novos tipos de receita para sobreviver. Do

ponto de vista institucional, ela foi uma mensagem clara da importância da

iniciativa privada no crescimento do futebol. Até os anos 70, só se sentavam

à mesa dos clubes para negociar duas figuras: o diretor social, para tratar

da arrecadação com as mensalidades dos sócios, e o diretor de futebol, que

contabilizava a receita com a bilheteria dos jogos. Até a venda de jogadores

não era tão frequente quanto hoje. Ainda era possível decorar os times, que

se mantinham praticamente inalterados por anos.

Era um modelo de gestão extremamente simples e pouco flexível. A par-

tir de meados dos anos 80, começaram a se sentar nessa mesa profissionais de

maior conhecimento comercial, incluindo representantes de TVs e de anun-

ciantes. A Copa União reforçou bastante a necessidade de se ter esses profis-

sionais trabalhando junto com os clubes.

54
Evidentemente, nem todos os clubes aproveitaram da mesma forma o

legado da Copa União. Houve alguns como São Paulo, Flamengo, Grêmio e In-

ternacional, que incorporaram melhor e mais rapidamente as ações de marke-

ting no seu dia-a-dia. Ainda assim, todos têm muito a melhorar. E há outros

que continuam emperrados num modelo de gestão completamente amador.

Nos anos 90, surgiu uma outra figura para compor essa mesma mesa: o

investidor. Foi o caso da Parmalat, da ISL (uma agência de marketing esporti-

vo suíça), do Nations Bank, da Octagon, entre outros, que injetaram recursos

no futebol de grandes clubes, à espera de retorno financeiro de marketing e

na venda de novos talentos para o exterior. Mas eles entregaram o dinheiro

na mão de amadores e o fracasso foi completo. Não é uma questão necessaria-

mente de desonestidade ou incompetência, mas este investidor foi vítima de

um modelo antiquado de gerência esportiva, que não permite ao dirigente se

dedicar integralmente ao futebol e não lhe imputa responsabilidades civis ou

jurídicas sobre os negócios dos clubes. Ao mesmo tempo em que um dirigente

amador não será recompensado caso exerça uma administração brilhante,

propiciando títulos e ganhos financeiros ao seu clube, ele também não será

punido caso o leve à bancarrota.

O futebol brasileiro ainda espera um movimento que vá além do ventos

de progresso levados pela Copa União de 1987. Precisa urgentemente de um

modelo profissional de gestão que ponha mais gente capacitada e compro-

metida com o sucesso dos clubes dentro e fora das quatro linhas. Sobre este

novo modelo, trataremos com mais profundidade em um capítulo específico

sobre o assunto neste livro.

55
Juca Kfouri
jornalista esportivo, ex-diretor de redação
da revista Placar

Depois de todo este tempo, a Copa União mere-


ce algumas reflexões. Em primeiro lugar, consigo diagnosticar dois pecados
grandes: a inexistência de um sistema de acesso e descenso e a ausência de
Guarani e América, respectivamente segundo e terceiro colocados no Cam-
peonato Brasileiro de 1986. Mas tenho certeza de que os avanços que o
torneio trouxe são mais importantes que suas falhas.

Não consigo me lembrar de nenhum jogo adiado na Copa União.


Havia por trás uma obrigação dos clubes com a TV Globo que não permitia
mudanças repentinas tão comuns até então. A emissora fazia sorteios ao
vivo minutos antes do início da rodada para decidir que jogo transmitiria e,
por isso, não admitia ser surpreendida. Até o horário das partidas passou a
ser respeitado.

Em relação ao regulamento e ao horário, portanto, a Copa União


já cumpria o Estatuto do Torcedor 16 anos antes de sua promulgação. Nós,
da revista Placar, compramos a ideia da Copa União desde o início. A Edi-
tora Abril lançou o álbum de figurinhas oficial do campeonato, que foi um
sucesso. Como a CBF estava de fora, a Placar também decidiu entregar a
taça ao campeão.

Criado pelo artista plástico Carlos Fajardo, o troféu, desenhado


com quatro colunas gregas, era belíssimo. A posse da taça era transitória,
como na Copa do Mundo, e o Flamengo a devolveu para que fosse colocada
em disputa no ano seguinte. Mas como, em 1988, a Copa União já havia
perdido muito de sua ideia original, o troféu ficou na Placar. E, para que
continuasse em boas mãos, eu decidi entregá-lo ao Zico na sua festa de des-
pedida do futebol.

Até hoje me espanto ao lembrar como os dirigentes cederam à pressão


da CBF e permitiram que o Brasileiro voltasse aos absurdos de antigamente.
Lembro que a TV Globo estava disposta a brigar ao lado dos clubes para que
a Copa União fosse mantida em suas propostas originais. Mas os cartolas
preferiram dar adeus a um campeonato que, em seu primeiro ano, atraiu
mais de 20 mil torcedores por partida. Coisas do nosso futebol.

56
Celso Grellet
diretor da Prime Licensing, que representa a marca Pelé,
e ex-diretor de Marketing do Clube dos 13

A Copa União foi um movimento pioneiro e revolucio-


nário. Anos antes de os clubes europeus se organizarem em torno do G-14,
os brasileiros tomaram a decisão de se emancipar da CBF e das federações
regionais para organizarem, eles mesmos, o Campeonato Brasileiro. Além
disso, também ficaria a cargo deles a negociação dos contratos publicitários
que viabilizariam a competição.

Naquela época, a maioria dos dirigentes ainda não enxergava o


poder que os clubes têm quando estão unidos. Por isso, ficaram maravi-
lhados quando fechamos contratos de valores astronômicos com grandes
empresas, como a Coca-Cola, TV Globo e a Varig. Obtivemos também um
grande resultado técnico, capaz de atrair a maior média de público da his-
tória do Campeonato Brasileiro.

Até hoje tenho na boca o gosto amargo da frustração porque a


Copa União não resistiu às pressões políticas do futebol brasileiro. Foi uma
conquista que durou pouco tempo. Mesmo assim, acredito que o torneio
tenha deixado um legado muito positivo: a certeza de que, unidos, os clubes
podem ser muito poderosos. Ainda mais quando decidem fazer uma admi-
nistração voltada para o marketing.

57
Na selecao do
tetra
Na seleção do tetra, craques também da propaganda
com depoimento de Gilmar Rinaldi
B rown, blonde, black, tall, short, strong, handsome, graceful, famous,
athletic, sensual, confident, versatile, agile, creative, healthy, dynamic,

intelligent, young, sucessful, charming, cheerful, well-groomed, sensational.

And ready to advertise your products 1

Assim, com 24 adjetivos e uma frase direta estampados num folheto ver-

de, azul e amarelo, a imagem dos jogadores tetracampeões do mundo foi

oferecida a agências de publicidade do Brasil e dos Estados Unidos. Eram

craques do futebol mundial como Romário, Bebeto, Raí, Aldair e Taffarel que

se abriam à possibilidade de associar suas imagens a uma empresa ou produto

às vésperas da Copa do Mundo de 1994. A oferta fazia parte de um dos mais

completos planos de marketing envolvendo a seleção brasileira, algo que ia

desde a distribuição deste simples folheto até ações de ambush marketing,

ou “marketing de emboscada”. Foram fechados dez contratos publicitários,

entre individuais e coletivos, colaborando para o forte espírito de união que

dominava aquele grupo vitorioso.

Eu ainda não tinha a dimensão do tamanho e da repercussão do projeto

em que iria me envolver quando vislumbrei a primeira chance de trabalhar

com a Copa de 94, nos Estados Unidos. Aconteceu no início dos anos 90,

quando eu me juntei ao Pelé na fundação da Pelé Sports & Marketing, uma

empresa de negócios na área esportiva que pretendia aproveitar melhor a

marca do maior jogador de todos os tempos.

1
- Morenos, louros, negros, altos, baixos, fortes, bonitos, jeitosos, famosos, atléticos, sensuais,
seguros, versáteis, ágeis, criativos, saudáveis, dinâmicos, inteligentes, jovens, bem-sucedidos,
simpáticos, alegres, vaidosos, sensacionais. E prontos para anunciar o seu produto

61
Graças, principalmente, ao prestígio do Pelé, nós conseguimos com o

Comitê Organizador da Copa a representação para a venda de ingressos no

Brasil para os jogos do Mundial. Foi a última vez em que uma empresa de

marketing recebeu essa tarefa porque depois a CBF passou a ceder os direitos

de comercialização de pacotes a agências de turismo.

Nessa época, nós tínhamos de viajar muito para Nova York, onde o Pelé

tinha um escritório no prédio da toda poderosa Warner Brothers. Desde os

tempos em que jogou no Cosmos, no fim de sua carreira, ele cultivou ami-

zade com o dono da WB, o Steve Ross, que foi quem, nos anos 70, bancou

o projeto de incrementar o soccer nos Estados Unidos. Fiquei tão encantado

com aquela cidade cosmopolita que, um ano e meio depois, quando vendi

minha parte na empresa para o Pelé por motivos pessoais, decidi me mudar

de vez para lá.

Em Nova York, meus principais objetivos eram o de estar mais próximo

dos negócios da Copa de 94 e o de fazer cursos de marketing esportivo na

New York University, uma referência mundial nesse mercado. Acabei incenti-

vando muitos jovens brasileiros a fazer o mesmo, pois, realmente, o curso era

excelente. Como ainda trabalhava como diretor de marketing do Clube dos

13, eventualmente eu passava uns dias no Brasil, geralmente para cuidar da

renovação de contratos dos clubes com TVs ou patrocinadores.

Minha vida parecia estar se consolidando nos Estados Unidos quando,

em 1993, a Editora Abril me convidou para ir ao Brasil preparar o álbum de

figurinhas da Copa do Mundo de 94. Eles já me conheciam da Copa de União

de 1987, que foi o primeiro de vários álbuns em que trabalhamos juntos.

Como confiava no meu know-how na área, a Abril me daria a missão de nego-

ciar com os jogadores da seleção a cessão das suas imagens para estampá-las

em milhares de figurinhas.

62
Lembro que eu cheguei bem cedo ao Hotel Intercontinental, em São Con-

rado. A seleção estava concentrada ali para um jogo das eliminatórias da

Copa. Ou seja, o Brasil ainda nem estava classificado de fato para o Mundial,

mas já tínhamos que negociar quanto valia a imagem de cada jogador com

potencial de estar na convocação final do técnico Carlos Alberto Parreira. Já

havia explicado à comissão técnica da CBF o propósito da minha visita e fui

muito bem recebido. Reunimos os jogadores numa sala e não houve muitas

dificuldades para fechar o negócio. Expliquei a eles que o valor a ser pago

pela Editora Abril seria o mesmo para todos os jogadores. Já naquela época

não havia mais o conceito de figurinha carimbada, isto é, aquela que é mais

difícil de ser encontrada no envelope. Por lei, as editoras eram obrigadas a

produzir a mesma quantidade de figurinhas de cada posição no álbum, o que

Sportlink

A imagem dos tetracampeões foi oferecida às agências de publicidade num folheto verde e
amarelo com 24 adjetivos e uma frase direta.

63
possibilitava que um jogador menos conhecido, como o Paulo Sérgio, pudesse

provocar a mesma procura que o Bebeto, por exemplo. Portanto, o valor da

imagem de todos seria o mesmo.

Os jogadores da seleção receberam, cada um, US$ 40 mil pela assinatura

de quatro contratos. Além da Editora Abril, nós negociamos a imagem deles

com outras três empresas de figurinhas ou cards (espécie de figurinhas de pa-

pelão muito comum nos Estados Unidos): a americana Upper Deck, a brasileira

Multi Editora e a italiana Panini. A Abril comercializaria o álbum no Brasil, a

Upper Deck teria o direito de fazer o mesmo nos Estados Unidos, a Multi Edito-

ria imprimiria cards no Brasil e a Panini publicaria as figurinhas na Europa.

Para negociar um contrato de licenciamento de imagem nesses termos é

necessário estabelecer alguns critérios com a editora. Além de determinar os

limites geográficos do direito de publicação, deve-se determinar o percentual

de participação sobre as vendas, que varia de 4% a 12%. Para estimar a pre-

visão de vendas, a empresa precisa dizer que tipo de campanha publicitária

vai lançar, se vai usar TV, rádio ou jornal. O jogador pode pedir também um

adiantamento baseado numa garantia mínima de vendas.

Bem, todos os jogadores estavam de acordo, menos um. Depois da apresen-

tação, o Romário, com aquele seu jeito particular que ainda era desconhecido

para mim, me chamou num canto e disse: “Aí, amigo, se eu não aceitar eu vou

prejudicar alguém?”. Respondi a ele a verdade: é até certo ponto comum que

algum jogador não aceite os termos do contrato e, nem por isso, ele deixa de

ser assinado. Ou seja, a Editora Abril faria o álbum com ou sem o Romário e os

outros jogadores receberiam o mesmo valor que eu havia proposto. “Então não

vou assinar não”, completou rapidamente o Baixinho, que parecia aliviado.

Eu é que não estava muito aliviado. O Romário tinha todo o direito de

achar que sua imagem valia mais do que o valor que a Abril estava oferecen-

64
do – ou, por que não, valia mais que a dos outros jogadores. Depois de uma

ausência longa, o atacante estava voltando à seleção brasileira com a res-

ponsabilidade de desempenhar o papel de salvador da pátria, título que ele

assumiu com toda a sua personalidade e o confirmou alguns dias depois ao

fazer os dois gols que classificariam o Brasil para a Copa, diante do Uruguai,

no Maracanã. Mesmo sem saber que tudo isso aconteceria, eu não poderia

deixar de lamentar a ausência de um craque do quilate do Romário no álbum

de figurinhas da Copa do Mundo. Era uma perda e tanto.

Ainda no Intercontinental, alguns jogadores me procuraram para ajudá-

los a resolver um abacaxi internacional. Um ano antes, eles haviam jogado

um amistoso pela seleção em Los Angeles, onde foram procurados por uma

empresa chamada Upper Deck, especializada em cards de beisebol, basquete

e futebol americano. Esses atletas, entre eles o Bebeto e o Leonardo, aceita-

ram ceder suas imagens para figurinhas em nível mundial por apenas US$ 6

mil e queriam saber a minha opinião sobre os termos do contrato. Eu olhei o

documento e disse, bem-humorado: “Bem, o contrato está correto, a Upper

Deck é uma empresa séria mas, realmente, vocês poderiam ter pedido mais.

Vocês venderam suas imagens até a quinta geração de seus descendentes”.

Então eles me pediram para tentar negociar de novo com os americanos.

Foi o que eu fiz. Por sorte, a Upper Deck estava interessada em incluir mais

jogadores da seleção no contrato, por ocasião da aproximação do Mundial na

terra deles, e eu pude reajustar o contrato de todo mundo para valores mais

justos. Os jogadores ficaram tão felizes que me chamaram, a partir daí, para

representá-los em outros contratos publicitários que começavam a aparecer

cada vez com mais frequência.

Olhando para trás, eu ainda me surpreendo com aquele episódio, ocor-

rido há menos de 15 anos. Como alguns dos principais jogadores do futebol

mundial, às vésperas de uma Copa do Mundo, simplesmente não dispunham

65
de nenhum profissional de marketing para assessorá-los em contratos de pu-

blicidade? No mundo de atletas-celebridades que ganham mais anunciando

produtos do que pelo que fazem com a bola, essa situação hoje parece com-

pletamente irreal. Nos Estados Unidos, onde eu morava, já era absolutamen-

te inconcebível que um esportista de alto nível não tivesse um agente para

representá-lo comercialmente.

Eu estava ali sendo não só chamado para representar os jogadores da sele-

ção brasileira, como também o técnico Carlos Alberto Parreira e o coordenador

Mário Jorge Lobo Zagallo. Os dois perceberam que eu surgia como um útil

anteparo para os seus jogadores, que não precisariam negociar diretamente

com as empresas nem encher o saguão dos hotéis com representantes, gerando

críticas da imprensa e tumultuando o ambiente. Estaria tudo centralizado em

mim. Talvez por isso nosso trabalho tenha recebido ampla aceitação – e colabo-

ração – da comissão técnica. Isso tudo pode tê-los animado também a me dar

autorização para negociar suas imagens com eventuais interessados.

Desde o início, eu avisei aos jogadores que, sempre que possível, eu

tentaria fechar contratos coletivos de publicidade. Isso significava que, se

uma empresa me procurasse interessada em ter um ou dois atletas como ga-

roto-propaganda, eu ofereceria os outros também, por um outro valor, para

que todos saíssem ganhando. A estratégia funcionou na prática já no primei-

ro contrato, o dos álbuns de figurinhas. As empresas estavam interessadas

em comprar a imagem de, no máximo, 17 atletas, que é geralmente o que

cabe em duas páginas deste tipo de publicação. Mas eu insisti para que eles

fechassem com os 22 que faziam parte do grupo naquele momento, o que

acabou acontecendo. Dessa forma, a seleção brasileira foi, disparada, a que

mais faturou com álbum de figurinhas na Copa de 94: US$ 880 mil (US$ 40

mil vezes 22 atletas), seguida da Alemanha (US$ 250 mil) e dos anfitriões

americanos (US$ 200 mil).

66
Mais do que uma simples imposição comercial, a opção por contratos

coletivos se enquadrava no espírito de grupo daquela seleção a partir do jogo

contra a Bolívia, em agosto de 1993, no Estádio do Arruda, em Recife, pelas

eliminatórias da Copa de 94. Naquela partida, os jogadores entraram em

campo pela primeira vez de mãos dadas, como uma corrente, e golearam os

bolivianos por 6 a 0, no início da arrancada rumo à classificação para o Mun-

dial. O gesto seria repetido até a final da Copa, dia 17 de julho de 1994, con-

tra a Itália, em Los Angeles. Era uma reação ao início preocupante do Brasil

nas eliminatórias, que incluiu a primeira derrota da seleção verde-e-amarela

na história da competição, um 2 a 0 para a mesma Bolívia, na altitude de La

Paz. Os maus resultados e a consequente pressão da imprensa e da torcida

quase levaram o técnico Carlos Alberto Parreira a pedir demissão.

Arquivo pessoal

Raí, Areias e Mauro Silva: o espírito de grupo da seleção de 94 começou


nas eliminatórias com a Bolívia.

Pois, então, havia se tornado uma necessidade pensar numa estratégia de

marketing que seguisse essa mesma linha. O conceito dos contratos coletivos,

uma inovação para o esporte naquela época, seria o mesmo da seleção: união

e sacrifício pelo companheiro. Ou todos assinam ou ninguém assina, porque o

67
pacto de cooperação firmado por aquele grupo também deveria ser espelhado nos

contratos publicitários. Os valores, é claro, seriam os mesmos para todo mundo.

Talvez a coisa mais prazerosa desse trabalho foi ter percebido que os joga-

dores compraram a ideia dos contratos coletivos. Eles confiaram que eu estava

representando o grupo homogeneamente, não havia predileção por ninguém. E

quando você conquista a confiança dos jogadores, eles te ajudam com a mesma

disposição que mostram em campo. Todos eles, inclusive... Romário.

Sim, o álbum da Copa de 94 teve a figurinha de Romário. E a imagem

daquele que seria o maior jogador daquele Mundial também estaria associada

a várias outras empresas. Romário, por fim, cedeu e se juntou aos seus com-

panheiros, no mesmo espírito de união.

Aconteceu de maneira curiosa, bem ao estilo do Baixinho. Uma semana

depois de ter fechado o contrato do álbum de figurinhas, eu voltei para Nova

York, onde tinha uma série de compromissos. Estava em casa quando tocou o

telefone: “Areias, aqui é o Romário”.

É claro que, de início, eu não acreditei. Só poderia ser alguém brincan-

do, talvez um amigo que soubesse da negativa de Romário e que estivesse

querendo me provocar. Pensei no Luiz Augusto Veloso, então presidente do

Flamengo: “Que Romário, o quê, pára com isso”, respondi.

Mas aquela língua presa continuou a falar, como se estivesse já habitua-

da a que duvidassem dela. E, no fim das contas, ela era verdadeiramente de

Romário, que ligou para me contar que havia praticamente acertado um con-

trato com a Brahma por telefone, que já havia combinado valores mas estava

receoso de fechar tudo sozinho. Pedia, então, a minha colaboração. Minha

reação foi compreensível: “Mas, Romário, por que eu? Até semana passada

você não quis nem assinar o contrato do álbum de figurinhas!”

68
O craque, como sempre, não perdeu o rebolado e respondeu de primeira:

“Mas eu andei me informando por aí e queria a sua assessoria. Quanto você

cobra?” Disse a ele que cobraria 10% do valor do contrato, mesma porcenta-

gem que eu estava cobrando de todos os outros jogadores. Para ele não seria

diferente, à exceção de um detalhe: teria de pagar também as despesas da

minha viagem ao Brasil: “Então está fechado”, ele respondeu, antes de me dar

o prazo. “O problema é que o encontro com o pessoal da Brahma é amanhã.

Eu estou saindo hoje de Barcelona. Consegui uma liberação porque ganhei

uma aposta do Cruyff (técnico do Barcelona). Ele me disse que só me libera-

ria para passar dois dias no Rio se eu marcasse dois gols no último jogo. E eu

marquei”, contou ele, antes de soltar aquela sua conhecida gargalhada.

Era a primeira demonstração que eu tinha do peculiar modo de raciocínio

de Romário. Dali até a final da Copa teria muitas outras. Num dia, ele não quer

saber de papo, parece convicto de que não vai negociar. Depois ele se informa

com os outros jogadores, confirma a seriedade e transparência das minhas

negociações e, então, muda de opinião. Para isso, aposta gols com o seu treina-

dor, em mais uma prova de que é movido a desafios. Assim funciona a cabeça

de um dos jogadores mais inteligentes e espirituosos que eu já conheci.

Cabia a mim, então, pegar um vôo no mesmo dia de Nova York para o

Rio. No dia seguinte, teríamos um encontro na churrascaria Porcão, da Barra

da Tijuca, com o publicitário Eduardo Fischer, cuja agência tinha a conta da

Brahma. Antes de ele chegar, repassei com o Romário o que ele queria do

contrato. O Fischer já me conhecia e, quando chegou, perguntou ao Romário:

“Ué, o que o Areias está fazendo aqui? Ele vai conversar com a gente?”. E o

Baixinho respondeu mais uma vez de bate-pronto: “Não, ele vai conversar

com você, porque eu vou ali jantar com uns amigos”.

E assim ficamos, eu e o Fischer, na mesa. Quando vi o contrato, percebi

que, mesmo sem ter estudado muitos anos, Romário é um sujeito muito pre-

69
parado, pois já havia pedido para incluir alguns itens que lhe favoreciam.

É como se fosse guiado por seu instinto, a exemplo do que acontece dentro

de campo. Tive que acertar apenas alguns detalhes com o Fischer. Fiz toda

a negociação sem assinar um contrato de representação com o Romário, que

me pagou tudo corretamente. Depois disso, ele quis que eu continuasse tra-

balhando para ele, assim como já fazia com os outros jogadores da seleção,

mas aí eu pedi um contrato. Não era por desconfiança, é claro, mas as pessoas

poderiam achar que eu estava blefando se chegasse para negociar em nome

do melhor jogador do mundo sem apresentar nenhum documento.

Apesar do acerto com o Fischer, aquele contrato com a Brahma não estava

me agradando por completo. Além do Romário, a cervejaria estava interessada

apenas nos outros jogadores de frente da seleção que, provavelmente, seriam

os titulares na Copa: Bebeto, Raí e Zinho. Não estava exatamente de acordo

com o conceito implantado no contrato com a Editora Abril. Se possível, todos

os jogadores deveriam participar, a fim de reforçar o espírito de união daque-

le grupo. Foi o que eu disse ao Fischer mais tarde. E ele comprou a ideia. A

campanha da Brahma para a Copa ficou centrada em Romário, Bebeto, Zinho e

Raí, que tinham uma cota maior, mas os outros jogadores também receberam,

embora muitos sequer tenham participado de qualquer anúncio.

Só dois jogadores se recusaram a entrar no contrato com a Brahma, por

motivos diferentes. O Leonardo não concordara com os valores e, educada-

mente, pediu para não entrar. E o outro lateral, o Jorginho, não quis porque

já tinha enfrentado problemas com bebida alcoólica na família.

Nessa negociação, acabei intervindo em outra questão importante. O Fis-

cher tinha pensado em incluir no contrato um item que orientava os jogadores

a comemorar o gol com o dedo indicador levantado. Era o símbolo da cerveja

“número um”, mote da campanha da Brahma. Precavido por já estar trabalhando

com futebol há anos, alertei a ele que, se o contrato vazasse, essa exigência seria

70
um prato cheio para a imprensa. Mas eu me comprometia a pedir aos atletas

que, caso se lembrassem, que comemorassem o gol dessa forma. Alguns fizeram,

outros não, mas tudo ficou muito mais natural do que se estipulado num docu-

mento. Por coincidência ou não, o jogador mais jovem daquele grupo, o Ronaldo,

costuma comemorar até hoje os seus gols com o número um da cerveja.

O contrato coletivo com a Brahma representava, acima de tudo, um

contragolpe certeiro na Coca-Cola, que tinha comprado da CBF o direito de

imagem da seleção brasileira na Copa de 94. Ou seja, a empresa de refrige-

rantes poderia usar a equipe como um todo, numa imagem de um jogo, por

exemplo, mas só a cervejaria poderia usar os jogadores individualmente em

Gilmar e Dunga, na volta olímpica, fazendo com a mão o


número um, marca da patrocinadora Brahma.

71
suas campanhas publicitárias. Foi uma bela saída da Brahma, que não havia

conseguido comprar uma cota de publicidade das duas TVs brasileiras que

transmitiriam a Copa de 94, a Globo e a Bandeirantes. Ficaria totalmente fora

da festa. Para participar de alguma coisa, a empresa patrocinou o programa

do Jô Soares no SBT nos Estados Unidos durante a competição. Com o direito

adquirido sobre a imagem individual dos jogadores, deu a volta por cima

sobre a Coca-Cola. Dez anos depois, nas Olimpíadas de Atenas, a Coca-Cola

passaria por um problema idêntico. Ela tinha o direito de imagem da seleção

brasileira de ginástica olímpica, adquirido junto à confederação deste espor-

te, mas a Brasil Telecom comprou o direito de imagem da principal atleta da

equipe, a gaúcha Daiane dos Santos. A briga foi parar na Justiça.

Em 1994, no entanto, o estrago na Coca-Cola foi muito maior. Afinal,

com toda a badalação em torno de Romário, Bebeto e companhia na campa-

nha da cerveja número um, ficou a impressão de que era a Brahma, e não a

Coca-Cola, a patrocinadora oficial da seleção brasileira e, consequentemente,

do tetracampeonato mundial. Para entender como isso aconteceu, é preciso

regredir um pouco no tempo.

Desde muito antes dos preparativos finais para a Copa dos Estados Uni-

dos, a cervejaria já procurava, inteligentemente, aproveitar os buracos deixa-

dos pela concorrência. Um ano antes, num amistoso da seleção disputado na

Europa, por exemplo, a Brahma tinha contratado uma torcida uniformizada

(a chamada “Torcida Número Um”) e, junto com os promotores do jogo, con-

seguiu um bom número de ingressos numa posição privilegiada pelas câmeras

de TV locais, responsáveis pela transmissão. Ao mesmo tempo, a cervejaria

comprou o direito de botar uma pessoa ao lado do diretor de imagem, que

ficava num caminhão do lado de fora do estádio. Dessa forma, havia a possi-

bilidade de direcionar as câmeras para a Torcida Número Um quando a bola

estivesse parada. Não satisfeita, a Brahma ainda conseguiu credenciais de

amplo acesso ao estádio para os músicos da sua banda. Eles foram orientados

72
a ficar perto da tribuna de imprensa, onde o Galvão Bueno narrava a partida

ao vivo para o Brasil. O som da bandinha vazava frequentemente para o áudio

da TV Globo. A trilha sonora, é claro, era a música da cerveja número um. Eu

soube depois que houve diretor da emissora brasileira ligando para a cabine

do Galvão para tentar conter o vazamento, mas nada pôde ser feito. Já nos

Estados Unidos, outra tacada de mestre: a Brahma comprou as placas está-

ticas de todos os estádios onde a seleção faria amistosos antes do Mundial.

Quase todas essas ações de marketing só foram possíveis porque o mando

de campo pertencia aos adversários, e não à CBF, e os direitos de transmissão

eram de emissoras estrangeiras, e não da TV Globo. Eu lembro que, certa

vez, a Globo tentou um enquadramento que cortava as placas publicitárias na

transmissão do jogo mas acabou cortando junto a perna dos jogadores, o que

causou uma chiadeira danada dos telespectadores. Atualmente, as emissoras

usam cláusulas nos contratos que impedem esse tipo de incompatibilidade

entre o anunciante da TV e o do estádio.

Uma das situações mais tensas dessa disputa velada entre Brahma e Coca-

Cola envolveu os uniformes vestidos pelos jogadores nas campanhas da cerveja-

ria. A empresa de refrigerantes foi à Justiça alegando que as camisas eram muito

parecidas com as da seleção brasileira, que só poderiam ser usadas por ela, de

acordo com o contrato firmado com a CBF. Então, pensamos num modelo verde-

e-amarelo com duas faixas verticais largas. Estampada na frente da camisa havia

uma mão com o dedo indicador levantado, ou seja, o número um. Com os jogado-

res como modelo, foi o suficiente para fazer a associação entre a Brahma e a sele-

ção brasileira sem usar as marcas da CBF, que de fato pertenciam à Coca-Cola.

Em todo caso, a estratégia da Brahma antes e durante a Copa de 94 foi

tão eficiente que foi classificada entre os quatro maiores casos de ambush

marketing (“marketing de emboscada”) do século passado, segundo a revista

americana Time. Vale a pena relatar os outros, especialmente para os estu-

73
dantes de marketing entenderem até onde vão os limites da criatividade de

um profissional dessa área em situações adversas. Basta o concorrente deixar

buracos no “guarda-chuva” da sua exposição para a mídia.

Um dos casos estava acontecendo concomitantemente à disputa entre

Brahma e Coca-Cola na Copa de 94. Como patrocinador oficial da Fifa, a Mas-

tercard detinha o monopólio dos cartões de crédito no torneio. Mas a gigante

das comunicações Sprint comprou uma cota do Mundial para divulgar o seu

novo cartão telefônico, que também tinha função de crédito. A briga conti-

nuou muito depois do fim da Copa nos tribunais americanos.

Apenas dois anos antes, talvez tenha ocorrido o caso mais famoso de am-

bush marketing. A Olimpíada de 1992, em Barcelona, foi a primeira disputada

por jogadores de basquete profissionais dos Estados Unidos, país que até en-

táo só mandava equipes universitárias. Era o chamado Dream Team, formado,

entre outros, por Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird e outras feras da

NBA, a liga profissional de basquete americano. Acontece que a convocação

para os Jogos Olímpicos é feita pela federação americana de basquete, isto é,

nada tem a ver com a NBA.

Isso significava que, enquanto todos os principais jogadores da NBA

eram patrocinados pela Nike, a seleção usava material da Reebok. Nos Esta-

dos Unidos, isso é muito mais sério do que aqui e a polêmica se instalou até

o jogo final, vencido, como era de se esperar, pelos inventores do esporte

da bola laranja. Campeões olímpicos, os jogadores se recusaram a subir no

pódio vestindo o agasalho da Reebok. Essa era a imagem que iria para o

mundo inteiro e seria perpetuada como a consagração do melhor time de

basquete de todos os tempos. O impasse estava criado enquanto o mundo

esperava, no ginásio ou pela TV, a entrada da equipe campeã na quadra. As

diretorias das duas empresas tiveram que chegar a um acordo e, em nome

da pátria, o Dream Team recebeu a medalha de ouro enrolada numa ban-

74
deira dos Estados Unidos. Foi o típico caso de ambush marketing em que a

Nike, se não conseguiu expor a sua marca para o mundo inteiro, pelo menos

evitou que a concorrente fizesse o mesmo.

Nas Olimpíadas seguintes, em Atlanta, as bandeiras Visa e American Ex-

press, num caso parecido com o da Mastercard e Sprint, também foram parar

na Corte de Justiça americana por causa de uma situação de ambush marke-

ting. A Visa era a patrocinadora oficial dos Jogos mas a American Express

fez um contrato com a prefeitura de Atlanta em que ganhou o direito de se

anunciar ao público como o “cartão de Atlanta” durante a competição.

Houve ainda um caso famoso de ambush marketing que, se não entrou na

lista da revista Time, ao menos causou muita polêmica no Brasil. Aconteceu

na transmissão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, nos anos

90. A empresa de cosméticos Nívea conseguiu aparecer quase tanto quanto

os donos de cotas de publicidade da Liga das Escolas de Samba, a Liesa, e da

TV Globo, por ter distribuído umas ventarolas na entrada do Sambódromo.

Fez muito calor nesse carnaval e, toda vez que a câmera de TV mostrava o

público, lá estava a ventarola da Nívea em destaque.

Não chega a ser considerado ambush marketing, mas até há uns dez anos

as emissoras de TV brasileiras davam brechas para que outras empresas dis-

putassem espaço com seus anunciantes oficiais. Elas não se preocupavam

em adquirir os direitos sobre as placas estáticas do campo de jogo. Dessa

maneira, uma empresa qualquer que comprasse as placas exibia a sua marca

durante a transmissão do jogo com quase a mesma frequência que o anun-

ciante da TV. E fazia isso por uma mixaria, se comparado com os milhões

cobrados pelas emissoras por uma cota publicitária de um evento esportivo.

Os anunciantes oficiais aparecem basicamente na hora do intervalo, quando

o telespectador muitas vezes troca de canal ou vai ao banheiro, enquanto o

outro poderia aparecer em vários momentos durante o jogo. Em 1987, quan-

75
do vendemos a Copa União, eu já falava desse perigo para a TV Globo. Em

grandes eventos, não se pode deixar aberturas.

Com os contratos da Brahma e da Editora Abril, preparei o tal folheto

de venda da imagem dos jogadores, em inglês e em português, como relato

no primeiro parágrafo deste capítulo. Enviei-os a agências de publicidade

daqui e dos Estados Unidos. Ainda morava em Nova York e tinha em mãos

jogadores de enorme potencial, com características diferentes que permi-

tiam vender suas imagens para os mais variados produtos ou para participar

de ações institucionais.

O Bebeto, por exemplo, poderia vender produtos que tivessem como ca-

racterística a agilidade, a rapidez. Com seu jeito simpático, era adorado tam-

bém pelas crianças. O Taffarel, por ser goleiro, transmitia um ideia de segu-

rança, ideal para um banco, por exemplo. Já o Raí era, notoriamente, o galã

da seleção brasileira e venderia bem roupas ou artigos de estética.

Algumas dessa ideias prévias vingaram na prática, outras não. Convém

lembrar que aquela seleção, antes do Mundial, nunca gozou de prestígio ab-

soluto do torcedor/consumidor brasileiro. Além do péssimo início nas elimi-

natórias, a equipe ainda carregava a pecha de fazer parte da Era Dunga, como

ficou conhecida pejorativamente a equipe treinada por Sebastião Lazaroni na

malfadada Copa de 90, na Itália. Só depois do tetra, Dunga virou um modelo

positivo de raça, liderança e determinação.

Independentemente dessa certa resistência em relação aos jogadores,

a ideia simples do panfleto atingiu diretamente os meus objetivos. Para fa-

cilitar as negociações, eu encartei uma tabela com a base de preços, a qual

reproduzo na página seguinte.

76
SELEÇÃO BRASILEIRA
Tabela Indicativa de Preços de Publicidade

PUBLICIDADE
TV ................................................................. US$ 50.000,00
Revista ........................................................... US$ 30.000,00
Jornal ............................................................ US$ 20.000,00
Rádio, outdoor .............................................. US$ 15.000,00

EVENTOS & PROMOÇÕES


Sessão de autógrafos ...................................... US$ 5.000,00
Palestras ........................................................ US$ 5.000,00

LICENCIAMENTO
Imagem, nome, apelido ................................... US$ 5.000,00
(mínimo garantido)

MATERIAL ESPORTIVO
Utilização de artigos do cliente ........................ US$ 5.000,00
(média mensal)

Evidentemente, era uma base para começar a negociação, sem contar os

impostos (de 10,62%) e a comissão do agente. Assim, fechamos mais cinco

contratos individuais antes de o Mundial começar. Com o Romário, acertamos

com a Phillips e com a Grendene, que estava promovendo o chinelo Rider.

O Bebeto virou garoto-propaganda da Alpargatas, num comercial engraça-

díssimo com o ator Luís Fernando Guimarães. O Parreira vendeu televisões

Mitsubishi em comerciais impressos e de TV. E os zagueiros Ricardo Rocha e

Antônio Carlos acertaram com a Gillette. Este último acabou ficando fora da

lista final de convocados para a Copa, mas pelo menos faturou. Ele se juntou

a Edmundo e Palhinha, que também receberam sua parte pelo álbum de figu-

rinhas de um Mundial do qual não participaram.

Resumindo, foram, no total, dez empresas que se associaram à imagem

dos tetracampeões mundiais: Editora Abril, Upper Deck, Multi Editora, Panini,

77
Brahma, Phillips, Grendene, Alpargatas, Mitsubishi e Gillete. Mais uma vez,

os contratos com o Romário merecem comentários à parte. Com a Phillips, foi

mais fácil, uma vez que o Baixinho já tinha sido garoto-propaganda deles no

tempo em que jogou no PSV Eidhoven, da Holanda. Já o contrato com a Gren-

dene foi um pouco mais difícil, nós não estávamos conseguindo chegar a um

acordo com a W/Brasil, a agência de publicidade da empresa aqui no Brasil.

Para ter o craque como estrela do comercial do chinelo Rider, o presidente da

Grendene, Pedro Grendene, foi pessoalmente a Los Angeles, pouco antes da

Copa começar, para acertar o contrato comigo e com o Romário.

O mais interessante é que o Baixinho sempre nos ajudou muito a fechar os

contratos. Se na hora de acertar os último detalhes ele deixava comigo, como fez

com a Brahma, antes disso ele participava com sugestões inteligentes. Lembro

que, quando foi assinar um contrato de renovação com a Nike, ele me pediu

para dar uma consultoria, extra-oficialmente. O documento tinha 20 páginas

em inglês. Eu li, fiz algumas anotações e entreguei a ele de volta. Não dei muita

importância porque eu sabia que o Romário não falava inglês, mas esqueci que

tinha um holandês fluente, devido ao tempo em que morou lá. Então o craque,

numa rápida olhada, descobriu que havia um item incluindo sandálias no rol de

produtos da Nike que poderia ser divulgado por ele. “Que sandália, João! O meu

negócio com eles é só tênis e chuteira. Vamos tirar isso”. E tiramos. Se não o

fizéssemos, o Romário não poderia ter assinado o contrato com a Grendene, pois

haveria compromisso de exclusividade com a Nike também com sandálias.

É lógico que todos esses contratos, individuais ou coletivos, só valeriam se

o Brasil se classificasse para a Copa. Então dá para imaginar o meu estado de

nervos naquela partida contra o Uruguai, no Maracanã, a última das elimina-

tórias sul-americanas. Além do nervosismo natural por ser um dos milhões de

torcedores brasileiros, também estavam em jogo os contratos com a Brahma e

com a Abril. Mas o Romário estava lá em campo, inspiradíssimo, e todo mundo

deixou o estádio satisfeito: os jogadores, os torcedores e os patrocinadores.

78
Durante a Copa, os jogadores da seleção brasileira colheram os benefí-

cios de contratos de publicidade bem conduzidos por eles e pelas empresas. A

Brahma, por exemplo, lançou um projeto de marketing super bem-sucedido nos

Estados Unidos. Construída na cidade de Los Gatos, perto da concentração da

seleção brasileira, a Casa da Brahma era o lugar onde os jogadores se reuniam

com seus familiares nos dias de folga. Atraía a imprensa brasileira e estrangei-

ra, torcedores e, é claro, levava o nome da cerveja para o mundo todo. Era um

ambiente familiar e alegre em que todos se confraternizavam, sem extrapolar

para o clima de oba-oba. A empresa levou o Dartangnan e o Bola Sete, dois

torcedores famosos da seleção, para animar a festa. Foi ali a comemoração dos

jogadores pela conquista do tetracampeonato. A festa oficial da CBF, promovi-

da pela Coca-Cola, contou basicamente com a presença de dirigentes.

A cervejaria deu ainda um celular para mim e outro para o Gilmar

Rinaldi, o terceiro goleiro da seleção brasileira, num tempo em que os apa-

Arquivo pessoal

Areias e Romário, em Barcelona

79
relhos não eram tão comuns, mesmo nos Estados Unidos. Aquele era nosso

meio de comunicação com os jogadores, que ficavam a maior parte do tempo

isolados na concentração da CBF, em Los Gatos. Assim, a gente podia com-

binar de pegá-los de carro nos dias de folga para dar um passeio na Casa da

Brahma ou em outro lugar.

Cabe aqui uma referência à coragem e à imensa colaboração do Eduardo

Fischer e da Brahma no dia-a-dia dos jogadores, durante a Copa de 94. Se a

seleção brasileira perdesse, a cerveja poderia passar pela mesma experiência

do Pacheco. No Mundial de 1982, na Espanha, a Gillette criou o personagem

para ser o torcedor símbolo da seleção brasileira e, graças à dolorida elimina-

ção da maravilhosa equipe de Telê Santana pela Itália, o Pacheco virou uma

figura pejorativa. A Brahma teve uma postura sempre positiva com os jogado-

res, ajudando-os, inclusive, com benefícios que não estavam em contrato. No

fim, foi recompensada com os dividendos financeiros e de imagem trazidos

pelo tetracampeonato mundial.

Da minha parte, além da satisfação natural por negociar contratos bem-su-

cedidos, vivi uma alegria especial pelo reconhecimento dos jogadores ao longo

da Copa. A maior prova disso foi que, pouco antes do torneio, fui nomeado por

eles diretor de marketing do grupo. Os autores da “nomeação” eram os chama-

dos “dinos”, como que eles se referiam ao grupo formado por Romário, Branco,

Ricardo Rocha, Dunga e outros “dinossauros” que fizeram parte da seleção

brasileira na Copa anterior, em 1990, na Itália. Eles eram, verdadeiramente, os

líderes daquele grupo, os responsáveis para que não fossem repetidos os erros

de quatro anos antes. O único “dino” que não esteve no Mundial de 90 foi o

Gilmar Rinaldi, incluído no grupo por seu equilíbrio e inteligência.

De vez em quando, os “dinos” procuravam seu diretor de marketing

para dar uma opinião, em geral, sobre assuntos extra-campo. Lembro, por

exemplo, que eles me ligaram para saber o que eu achava da homenagem

80
que fariam ao piloto Ayrton Senna, morto tragicamente naquele ano, caso

conquistassem o tetracampeonato. Eles entrariam com uma faixa no campo

em que estaria escrito: “Senna... Aceleramos juntos. O tetra é nosso!”. A fra-

se estava perfeita, não tinha o que tirar nem pôr. E a bonita homenagem foi

feita, no meio do campo do Coliseu de Los Angeles, em meio ao êxtase pela

conquista do quarto título mundial do Brasil.

Antes disso, depois do empate do Brasil com a Suécia (1 a 1), ainda

na primeira fase, foi o Romário quem me deu uma, até certo ponto inesperada,

prova de confiança. A gente estava se falando por telefone quando, antes de des-

ligar, ele fez um desabafo sobre os problemas que via no time. Aquela, de fato,

viria a ser a pior atuação da seleção em toda a campanha do tetra. “Pô, Areias,

assim não vai dar”. O Romário não se conformava com aquele empate, embora

tivesse sido um dos poucos a se salvar na equipe, marcando até um belo gol de

bico, bem ao seu estilo. O Baixinho me apontou alguns problemas de posicio-

namento dos jogadores, muitas deles pertinentes. Então eu perguntei se ele já

tinha conversado essas coisas com o Parreira: “Eu não, não posso fazer isso”.

Acredito que, na sua cabeça, ainda estavam vivos os problemas de

relacionamento que teve com a comissão técnica um ano antes do Mundial.

Num amistoso em Porto Alegre, contra a Alemanha, Romário reclamou publi-

camente por ter começado o jogo no banco de reservas e, a partir daí, deixou

de ser convocado. Só voltou, como se sabe, no último jogo das eliminatórias,

contra o Uruguai, no Maracanã, mas o susto de quase ter ficado fora da Copa

ainda o perturbava. Romário não queria falar nada com o Parreira porque

poderia dar a impressão de que estava criticando o esquema do técnico ou, o

que é pior, os seus companheiros.

“Que isso, Romário, você não está falando mal de ninguém. Está

apenas fazendo algumas observações. Quer que eu dê um toque no Parrei-

ra?”, perguntei. O Baixinho não se opôs. Quando tive uma oportunidade, de-

81
pois de um treino, chamei o treinador da seleção num canto e disse a ele que

o Romário tinha algumas observações interessantes a fazer sobre o posiciona-

mento da equipe. Na hora, o Parreira não me respondeu nada, mas soube que

depois ele foi procurar o Romário para conversar. Era o procedimento que eu

esperava de um técnico que, como ele, cultiva a conversa com os jogadores.

Certa vez, tive o privilégio de participar de uma confraternização

interna dos jogadores, comissão técnica e suas famílias, dentro da concentra-

ção. Era um churrasquinho com pagode. Fui com os meus dois filhos, Paula

e Gustavo, então com nove e dez anos, e, como nunca, pude constatar que

havia uma química positiva movendo aquele grupo.

O momento mais emocionante que eu vivi com os jogadores naquela

Copa aconteceu antes do jogo de estreia da seleção brasileira, contra a Rús-

sia. Eu estava indo para o estádio de carro, com a minha família e Rosana,

mulher do Gilmar Rinaldi, nossa amiga. Então liguei para ele, a fim de dese-

jar boa sorte, e peguei o grupo já no meio de uma grande batucada dentro do

ônibus. Para me ouvir, o goleiro pediu aos jogadores que dessem um tempo no

pandeiro e no tamborim. Quando eles souberam quem estava do outro lado

da linha, o samba recomeçou com um coro: “Aí, João, uh tererê, uh tererê!”.

Depois eu soube que a cena está gravada no vídeo que o Gilmar fez dos bas-

tidores da seleção do tetracampeonato.

Diante desses reconhecimentos, eu me lembrei do que havia comen-

tado com o Eduardo Fischer ainda naquela primeira conversa no Porcão, an-

tes de fechar o contrato do Romário. Disse a ele que, pela minha experiência

no futebol, eu já tinha percebido que o jogador de futebol sabe quando o

dirigente ou o patrocinador o trata de forma honesta, transparente. E retribui

com a mesma honestidade e transparência. É óbvio que, em todas as ativi-

dades, existem as exceções, mas aquele grupo de 94 estava comprometido a

trabalhar positivamente. Não existe uma maneira melhor de perder o coman-

82
do de um time de futebol do que prometer a ele algo que não pode cumprir.

Ali, naquele momento, o Fischer entendeu e a Brahma foi mais do que uma

patrocinadora, foi uma parceira dos atletas. E eles perceberam isso.

Na Copa de 1998, pelo que fiquei sabendo, não havia esse mesmo

compromisso de sacrifício entre os jogadores. Chegaram muitos atletas que

não viveram aquela experiência bem-sucedida de quatro anos antes. Perma-

neceu até um grupo de 1994, que chegou a me pedir para reeditar o modelo

de trabalho, mas o momento era outro. A esta altura, muitos deles já conta-

vam com empresários que cuidavam também da sua imagem.

Nunca mais foram feitos tantos contratos publicitários, ainda mais coleti-

vos, quanto no Mundial dos Estados Unidos. Assim como num time de futebol,

no marketing esportivo as jogadas só dão certo quando existe entrosamento.

Apesar de divergências pontuais, todo mundo tem que se mover para o mesmo

lugar, guiado pelo mesmo conceito.

83
Gilmar Rinaldi
goleiro da Seleção Brasileira tetracampeã mundial em 1994.
Atualmente, é agente de jogadores.

Eu fui um dos primeiros jogadores da seleção bra-


sileira de 1994 que ouviu falar do projeto de marketing do João Henrique.
Por incrível que pareça, muitos ali nunca tinham feito contratos para ceder
sua imagens e então, naturalmente, surgiram algumas dúvidas. Mas eu
confiava muito no João e ajudei a convencer os outros atletas de que seria
um ótimo negócio para o grupo e para cada um individualmente. O argu-
mento mais forte talvez tenha sido a ideia dele de fazer contratos coletivos,
ou seja, tentar estender para todo o grupo um contrato de patrocínio que
fosse oferecido a dois ou três jogadores, inclusive no badalado patrocínio da
Brahma. Isso reforçava o espírito de união que existia naquela seleção. O
mais legal foi que o pessoal entendeu o espírito da coisa.

Usamos desse mesmo raciocínio sugerido pelo João para negociar a pre-
miação por fase na Copa do Mundo. Quando o presidente da CBF, Ricardo
Teixeira, nos perguntou se tínhamos alguma dúvida sobre o que foi oferecido,
dissemos que o bicho deveria ser dividido também com a comissão técnica,
do treinador ao roupeiro. O Ricardo ficou de pensar, mas argumentamos
que, se não fosse possível, preferíamos diminuir nosso prêmio para que todos
ganhassem igual. Então, ele cedeu. Durante a Copa, ouvimos algumas pes-
soas dizerem que os contratos de publicidade atrapalhariam o grupo, pois
tirariam o nosso foco da competição. Mas aconteceu o contrário. Foi mais
um fator de integração da Seleção. Quando cheguei a Los Gatos, onde ficava
a concentração da CBF nos Estados Unidos, ganhei um celular da Brahma.
Era um artigo raro na época e serviu para que tivéssemos, com antecedência,
notícias do Brasil, e nos preparássemos para elas. Esses encontros sempre
foram muito familiares, era o nosso lugar preferido para relaxar nos dias de
folga e recarregar as baterias em busca do tetracampeonato.

84
A trajetor i a
de Sa VI O
Como planejar a carreira de um jogador
com depoimento de Sávio
E mpresário, procurador, agente, representante... São diversas as de-
nominações para o profissional responsável por cuidar dos contratos de um

atleta. Foi se tornando figura obrigatória à medida que se intensificava o

troca-troca de jogadores de futebol entre os clubes, principalmente para o

mercado internacional. Ao negociar contratos muitas vezes milionários, com

ganhos também consideráveis, ele se valorizou mas, ao mesmo tempo, passou

a ser visto com desconfiança pela mídia e pelos torcedores. Afinal, o agente

é, em tese, um dos maiores interessados na transferência dos jogadores, pois

recebe uma comissão pelo negócio e, frequentemente, é acusado de manter

relações pouco transparentes com dirigentes de futebol.

Como já está claro até agora no livro, minha área de atuação no esporte

sempre se concentrou em ações de marketing esportivo voltadas para clubes

ou competições. Representar atletas nunca foi o meu foco. Mesmo na Copa de

94, minha formação profissional me levou a priorizar contratos coletivos, isto

é, trabalhar mais com a seleção brasileira como um todo do que com um joga-

dor isoladamente. Mas às vezes as situações da vida nos levam por caminhos

não planejados que, nem por isso, deixam de ser gratificantes.

Durante todos esses anos de trabalho no futebol, o capixaba Sávio Borto-

lini Pimentel é o único jogador que decidi representar. Jamais me arrependi,

muito pelo contrário. Esse meio-atacante me deu diversas demonstrações de

caráter e de profissionalismo numa parceria que já dura muitos anos. Não

precisei de muito tempo para perceber que Sávio logo deixaria de ser um

cliente para virar um amigo e parceiro.

87
Foi uma oportunidade de trabalho que, literalmente, bateu à minha por-

ta, em 1994. Eu tinha acabado de chegar da temporada de estudo e trabalho

nos Estados Unidos e decidi abrir no Rio a Sportlink Marketing Esportivo.

Com 20 anos, o Sávio estava despontando como uma promessa de craque no

Flamengo e sofria um assédio absurdo de empresários, uma situação típica de

jogador de futebol em início de carreira. Até então, era o seu pai, Seu Mazi-

nho, quem cuidava dos interesses do filho, que anos antes havia se mudado

de Vila Velha, no Espírito Santo, para tentar a vida num grande clube carioca.

Os contratos, porém, logo começariam a ficar mais complexos e os dois con-

cordaram que seria necessário alguém com mais experiência na área. Depois

de fazerem consultas na Gávea e com jogadores da seleção brasileira da Copa

de 94, o meu nome foi sugerido.

Lembro como se fosse hoje o dia em que Sávio entrou na minha sala.

Era um menino tímido, como é até hoje, mas já se revelava inteligente e bem

intencionado. Ele me explicou sua necessidade de ter alguém representando

seus interesses no contrato profissional que, em breve, assinaria com o Fla-

mengo. De início, eu fiquei um pouco reticente e dei a ele os meus motivos

para isso: “Olha, Sávio, eu não sou empresário de jogador. Trabalho com

marketing esportivo. Eu discordo da postura da maioria dos empresários, que

trabalham para que o seu atleta mude de time constantemente. Não é uma

questão de romantismo. Mas isso não permite que se crie uma identidade com

o clube. A imagem do jogador nunca se firma e, assim, eu não posso fazer o

marketing dele, que é o foco do meu negócio”.

Sávio não desistiu e foi enfático em sua resposta: “Pois é exatamente

assim que eu penso. Quero continuar no Flamengo o máximo de tempo possí-

vel”. Mais tarde, eu constataria que essa convergência de mentalidades e de

interesses não era um rompante do jovem atleta ou apenas um artifício para

que fechássemos o contrato logo. Realmente, Sávio sempre se preocupou em

trabalhar sua imagem, não objetivando apenas contratos de publicidade, mas

88
por ser natural de sua personalidade. Ali, na minha sala da Sportlink, eu ain-

da não tinha certeza disso, mas apostei que poderíamos dar certo.

Naquele mesmo dia, eu disse ao Sávio que deveríamos fazer um plane-

jamento de dez anos na sua carreira. Perguntei a ele quais eram seus planos

pessoais e profissionais, concordamos que ele só sairia do Flamengo se todas

as tentativas de fazer o contrário fossem esgotadas e falamos até de seleção

brasileira. Aquilo tudo também era uma novidade para mim, mas fui guiado

pelo meu instinto e pela experiência adquirida em outros trabalhos. Entre

muitas dúvidas, eu tinha uma certeza: o Sávio seria um atleta de contratos

longos, fossem eles com clubes ou com patrocinadores, o que significava ca-

minhar na contramão da tendência de mercado. Dessa forma, sua família

teria a estabilidade necessária para que ele pudesse desenvolver tranquila-

mente suas atividades profissionais.

Minha primeira prova de fogo com o Sávio foi negociar seu futuro no

Flamengo. Eu propus ao então presidente do clube, Luiz Augusto Veloso, um

contrato de cinco anos, duração raríssima na época. O salário era bastante

razoável para a então grande promessa da Gávea. Não entrava naquela onda

inflacionária do mercado pós Copa do Mundo de 1994. Mas o Sávio ganharia

a cada ano uma parcela do valor do seu passe, ou seja, seria uma aposta no

seu próprio desempenho dentro de campo. Se ele tivesse boas atuações, seria

vantajoso para ele. Se decepcionasse, a desvalorização pesaria no seu bolso

também. Todo jogador já tinha, por lei, direito a 15% do passe em caso de

transferência para outro clube e, no caso dele, essa participação cresceria ano

a ano. Era um risco que eu e o Sávio topamos propor ao Flamengo. A dire-

toria, porém, achou que era novidade demais e descartou a ideia. Acabamos

fechando um contrato convencional.

Desde o início, nós também começamos a trabalhar a imagem do Sávio.

Diferentemente do que aconteceu na Copa de 94, quando tive de represen-

89
tar atletas formados e consagrados, eu recebia agora um jogador “cru”, sem

identidade formada junto à opinião pública. O primeiro passo para formá-la,

até pela sua empatia com crianças, foi indicá-lo como embaixador do Brasil

da S.O.S. Aldeias Infantis, uma organização não-governamental internacional

voltada para meninos e meninas em situações de risco ou de abandono. Sávio

exerceu a função durante todo o período em que esteve nos profissionais do

Flamengo, de 1994 a 1997.

Isso coincidiu mais ou menos com um convite que o Sávio recebeu da

Secretaria de Educação do Estado do Rio para estrelar um gibi que ajudaria

na divulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não foi uma escolha

à revelia. Foram as crianças da rede de ensino estadual que votaram nele,

numa eleição que incluía o Romário, outro ídolo rubro-negro na ocasião, e o

Renato Gaúcho, que brilhava no Fluminense. Estava, então, criado o Savinho,

um personagem de histórias em quadrinho que fez sucesso na época com a

criançada de escolas públicas do Rio. Foi o juiz da infância Siro Darlan quem

lançou a revistinha, numa cerimônia emocionante.

Logo os contratos remunerados começaram a aparecer. O Sávio foi garo-

to-propaganda da Coca-Cola, da Unimed de Vitória (ES), do jornal A Crítica,

o mais importante de Manaus, e cedeu seu direito de imagem para figurinhas

e postais da empresa Topps do Brasil. Merece um comentário à parte seu

contrato com a inglesa Umbro, que já era a fornecedora de material esportivo

do Flamengo. Assim como ocorreu com o clube, sempre preferimos que ele

se mantivesse fiel a Umbro, com o mesmo objetivo de criar uma identidade.

A convicção continuou valendo quando ele se transferiu para o Real Madrid,

que veste Adidas, e quando a Reebok lhe fez uma proposta tentadora: US$

500 mil por dois anos e meio de contrato.

Em seu período no time profissional do Flamengo, entre 1995 e 1997, o

Sávio jogou tão bem que rivalizava com o Romário no posto de ídolo maior

90
dos rubro-negros. Em 1995, houve o baque pela derrota na final do Campeo-

nato Estadual para o Fluminense, com um gol de barriga do Renato Gaúcho.

No Brasileiro, formou com Romário e Edmundo o chamado melhor ataque do

mundo, que, infelizmente, não deu certo. Mas, no Estadual do ano seguinte,

o Flamengo fez uma campanha invicta e conquistou o título, com importante

participação de Sávio, eleito o melhor jogador do Rio de Janeiro em 1996.

Eram comuns as comparações com Zico, algo que sempre rejeitou: “O Zico é

único”, dizia, com o respeito de quem se refere a um ídolo de infância.

Arquivo pessoal

Sávio disputando um Fla-Flu debaixo de chuva

91
Em 1997, o Sávio não tinha a menor intenção de deixar o Flamengo mas,

certo dia, o então presidente Kleber Leite nos chamou para uma reunião no Ho-

tel Copacabana Palace. Estava lá o presidente do Real Madrid, Lorenzo Sanz,

que queria levar o jogador de qualquer jeito. O Flamengo já tinha aceitado

a proposta e estávamos lá apenas para discutir o salário, nem tivemos muita

liberdade para dizer sim ou não. De fato, era uma oferta incrível, tanto que

nunca foi superada na história do clube rubro-negro: US$ 20 milhões. Metade

era em dinheiro e metade com o passe de três jogadores: Palhinha, Rodrigo Fa-

bri e Zé Roberto, este mesmo que jogou as Copas de 1998 e 2006. Pelo menos

nós pudemos negociar a duração do contrato. Não abríamos mão de que fosse

longo, como nos propusemos desde o início, mas dessa vez foi mais fácil. Ao

contrário dos brasileiros, os clubes europeus já tinham essa cultura.

O Sávio ainda era novo, tinha 23 anos. Deixava dez anos de história no

Flamengo, entre times amador e profissional para encarar um enorme desafio

naquele que foi considerado pela Fifa o clube do século XX. Pelos valores e

pela admiração do presidente do Real, chegava com status de ídolo e, como

tal, seria cobrado mais que os outros. E ídolo ele foi nos quatro anos e meio

em que vestiu a camisa merengue. No primeiro ano, dividiu com o espanhol

Raul o posto de estrela maior da equipe. Vi diversas vezes torcedores no Es-

tádio Santiago Bernabeu flexionarem o corpo em reverência quando Sávio se

aproximava deles. Sua identificação com o Real Madrid não se deu apenas

pelas suas atuações em campo, mas também por sua postura de respeito às

tradições do clube.

Sávio é, até hoje, um dos jogadores mais vitoriosos da história do Real

Madrid, rivalizando com Raul e Roberto Carlos. Dos nove títulos do clube na

Liga dos Campeões da Europa, o mais valorizado do continente, o atacante

participou de três (1997-1998, 1999-2000 e 2001-2002). Foi campeão mundial

interclubes no Japão em 1998, numa vitória de 2 a 1 sobre o Vasco, arqui-rival

do seu clube de coração. No Brasil, torcedores rubro-negros criaram a Fla-Ma-

92
drid, cuja camisa tinha o nome e o número de Sávio (11). Além disso, venceu

um Campeonato Espanhol (2000-2001) e uma Supercopa (2001-2002).

No último ano de contrato com o Real, quando se alternava entre o time

titular e o banco de reservas, o Sávio recebeu uma ótima proposta do Chel-

sea, da Inglaterra. Receberia o dobro do salário que lhe pagavam na Espanha

mas o diretor de futebol, o argentino Jorge Valdano, não o deixou sair. Mais

tarde, como o Sávio foi ficando mais jogos na reserva, convencemos o Real

a cedê-lo por empréstimo ao Bordeaux, da França. O clube espanhol conti-

nuaria pagando metade do seu salário. Com a substituição de Lorenzo Sanz

por Florentino Perez na presidência, o clube merengue estava iniciando um

projeto de reformulação do elenco em que a prioridade era contratar jogado-

res de renome internacional. Chegava a Era dos galácticos. O craque francês

Zinedine Zidane foi o escolhido para o lugar de Sávio.

A partir daí, ficou mais difícil manter a nossa opção por contratos longos.

O Sávio já estava chegando aos 30 anos e outros fatores começaram a influen-

ciar a duração do acerto. De Bordeaux, onde recebeu a cidadania francesa,

ele foi jogar de novo na Espanha, dessa vez no Real Zaragoza. Ali, levantou o

único troféu que lhe faltou no Real Madrid, a Copa do Rei (2003/2004), jus-

tamente numa decisão contra seu ex-clube. Conquistou também a Supercopa

da Espanha (2004/2005), contra o Valência. Nas duas finais, ele foi eleito o

melhor jogador em campo.

Em Zaragoza, Sávio recebeu, provavelmente, a pior notícia de sua vida.

Seu Mazinho, o pai e grande incentivador de sua carreira, havia falecido no

Brasil. A tristeza fez com que crescesse a vontade de voltar a viver mais per-

to de sua família, sua mãe e irmãos. Essa passou a ser uma prioridade na sua

vida. Coincidia com um desejo antigo de encerrar a carreira no Flamengo,

a sua casa. Conversamos com a diretoria do Zaragoza e, a pedido nosso, ela

o liberou sem qualquer custo para os rubro-negros, no meio do Campeonato

93
Brasileiro de 2006. Se fosse para qualquer outro clube, a multa seria de seis

milhões de euros.

Desde o início, o Sávio sofreu certa resistência em seu retorno ao Fla-

mengo. Pessoas da diretoria e da comissão técnica acreditavam que ele já

não tinha condições físicas para aguentar o estafante calendário brasileiro,

mas o presidente Márcio Braga assumiu a sua contratação. Infelizmente, ele

teve um problema no púbis que não permitiu, de fato, que tivesse uma boa

sequência de jogos. Fui com ele a 12 sessões de radioterapia no Hospital da

Beneficência Portuguesa, no Largo do Machado. Mesmo assim, fizemos um

levantamento interessante: Sávio jogou dez dos 20 jogos que restavam para

a equipe no Brasileiro. Neles, o Flamengo teve o seu melhor aproveitamento,

60% dos pontos, o que impediu que o clube, mais uma vez, passasse a compe-

tição lutando contra o rebaixamento para a Segunda Divisão.

Os torcedores e parte da diretoria não sabiam ou não levaram nada disso

em consideração. O vice-presidente de futebol, Kleber Leite, sempre viu no

Sávio um investimento alto demais, mesmo depois que nós propusemos um

contrato sob o conceito de salário variável. Ele voltou ao Flamengo ganhan-

do R$ 90 mil fixos, mais ou menos o que ganhava o Obina. O Luizão recebia

mais. Outros R$ 60 mil seriam pagos proporcionalmente ao número de parti-

das que disputasse na temporada. Era uma boa e justa ideia. Mas a lesão no

púbis fez com que os dirigentes e a comissão técnica desistissem. O técnico

Ney Franco deixou claro, várias vezes, que não contava muito com o Sávio.

Quando o time do Flamengo se reuniu para a pré-temporada, no início

de 2007, já havia a decisão da diretoria de rescindir o contrato do Sávio. Ele,

então, encerrava sua extensa carreira com a camisa rubro-negra, que vestiu

258 vezes e com a qual marcou 95 gols. Felizmente surgiu uma boa proposta

do Real Sociedad. A equipe estava em último lugar no Campeonato Espanhol

e queria se reforçar para fugir do rebaixamento. O Sávio ainda tem muito

94
prestígio naquele país e foi um dos nomes lembrados. Tornou-se, então, um

dos principais jogadores do clube basco.

Além de sua carreira nos clubes, Sávio tem muito orgulho de sua vida na

seleção brasileira. Era um sonho como o de tantos garotos que ele conseguiu tor-

nar realidade. Entre 1993 e 2000, disputou 44 jogos com a camisa amarelinha

(equipes principal e amadoras) e marcou 25 gols. Na seleção principal foram 22

jogos e quatro gols. Foi campeão do Torneio Pré-Olímpico em 1996, na Argenti-

na, e no mesmo ano medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Xodó do

técnico Zagallo, chegou a deixar Ronaldo Fenômeno no banco de reservas.

Fiz esse pequeno histórico da carreira do Sávio para mostrar que o suces-

so de um jogador de futebol pode, sim, ser planejado, dentro e fora de campo.

Nós começamos a planejá-la no primeiro dia, na minha sala na Sportlink. Cla-

ro que é essencial o talento do atleta: não se constrói uma carreira bem-suce-

dida com um perna-de-pau. Mas já aconteceram muitos casos de craques que

se perderam pelo caminho porque não tiveram sua vida pessoal e profissional

bem administradas. Cada leitor terá em mente um exemplo para dar.

Graças ao seu talento e inteligência, e com uma assessoria fora de campo, o

Sávio pôde pautar a sua carreira pelo conceito que combinamos desde o início:

estabilidade. A começar pelo nosso contrato de representação, provavelmente o

mais longo do futebol brasileiro: 13 anos até agora. Nesse período, sempre tive

a preocupação de cuidar de todos os aspectos da carreira dele. Esse é o ponto

mais importante que deve ser entendido por alguém que se dispõe a cuidar da

vida profissional de um atleta de ponta. O leque de atuação vai desde a parte

burocrática, que inclui a familiaridade com contratos e regulamentos da Fifa, até

os menores cuidados com a sua imagem, alguns que até parecem supérfluos.

Como exemplo deste ponto, cito o trabalho que fizemos logo no início de

sua carreira, no Flamengo. Quase todos os jogadores de time grande recebem

95
um bom número de cartas de fãs que, geralmente, ficam abandonadas no de-

partamento de futebol. Ninguém lhes dá a devida atenção, nem o clube nem

os atletas. Nós montamos um esquema para responder às milhares de cartas

que o Sávio recebia na Gávea. Fizemos uma carta-resposta padrão, com foto e

assinatura dele, que era enviada aos torcedores, pedindo que eles entrassem

num cadastro de fã-clube que chegou a quatro mil associados. Assim, a rela-

ção entre admirador e ídolo estaria mantida.

Mais do que um sinal de gratidão, o cadastro servia para formar uma

base de dados que nos permitia entender quem era o consumidor/público

alvo do Sávio. Quantos anos tinha, qual o sexo, onde morava, o que gostava

de fazer... Ficamos impressionados com a quantidade de admiradores de fora

do Rio. Graças a isso, conseguimos o patrocínio da Unimed do Espírito Santo

e do jornal A Crítica, de Manaus. Além disso, era a prova de que o Sávio fi-

gurava como um ídolo nacional, o que lhe ajudou também em contratos com

multinacionais como a Coca-Cola. Em 1997, chegamos a lançar uma linha de

material esportivo com o seu nome, que não chegou a ser comercializada em

lojas porque logo depois ele se transferiu para o Real Madrid.

Sávio e eu decidimos impor certos limites nesses contratos de publicidade.

Eles deveriam se restringir a dois ou três ao mesmo tempo, no máximo. Em

primeiro lugar para não desgastar sua imagem e, consequentemente, desvalo-

rizá-la. Depois, e mais importante, para não interferir no seu dia-a-dia como

jogador de futebol. Isso é fatal para um atleta de ponta que precisa manter uma

rotina entre treinos e concentração, sem contar, é claro, com o tempo dedicado

à família. Sessões de fotos e de filmagens e compromissos com patrocinadores

são desgastantes. O leitor também deve ter na cabeça exemplos de esportistas

que se atrapalharam porque não souberam conciliar a vida profissional e a de

garoto-propaganda. As prioridades são a família e o futebol, sempre.

Outra preocupação minha era com a parte contábil e fiscal do Sávio,

96
ainda mais depois que ele foi jogar na Espanha. São relativamente comuns

as histórias de jogadores brasileiros que tiveram problemas com o fisco em

países europeus. A legislação é outra, é necessário entender como se manda

dinheiro para o Brasil etc. Faço questão de contratar os melhores assessores

fiscais para o Sávio. No Brasil, quem faz o seu Imposto de Renda é a La Ro-

cque, empresa conhecidíssima no mercado. Quando chegamos a Madri, em

1997, abrimos uma conta no Banco do Brasil e ali procuramos o responsável

pela assessoria fiscal do banco. Era o Enrique Abella, um senhor profissional

com livros publicados na área. Até hoje é ele quem cuida do Imposto de Ren-

da do Sávio na Europa. Um problema nessa área é capaz de desconcentrar

qualquer jogador, podem acreditar.

O mesmo princípio vale para a parte jurídica. Sempre falei que advogado

bom normalmente é caro. Não serve o amigo da vizinha, o que faz um precinho

Arquivo pessoal

Areias, Breno e Sávio, na casa do jogador, em Madri

97
camarada. O profissional precisa ter história, experiência. Um jogador de futebol

famoso é uma figura muito visada, tem que estar resguardado juridicamente.

Sempre tivemos também um cuidado especial com o crescimento do pa-

trimônio e a política de investimentos do Sávio. Hoje ele é um jogador infor-

mado sobre tudo o que existe no mercado financeiro, fundos de longo prazo,

renda fixa, Bolsa de Valores, mercado imobiliário etc. Eu o estimulava a se

informar sobre isso e ele, felizmente, se interessou pelo assunto. Ao longo

dos seus anos de carreira, o Sávio construiu um patrimônio sólido, com in-

vestimentos diversificados, o que dará tranquilidade para ele e sua família

depois que encerrar a carreira.

Este, aliás, é um assunto sobre o qual um bom agente deve pensar desde

o início: o que seu jogador vai fazer depois que pendurar as chuteiras? É

uma das perguntas que mais atormentam um atleta profissional, cuja carreira

termina antes dos 40 anos. Creio que o Sávio não terá grandes dilemas quan-

to a isso. Ainda no Real Madrid, ele se interessou em participar do primeiro

curso de gestão esportiva da Espanha, na Universidade Francisco de Vitória,

em Madri, promovido pela Fundação Real Madrid. Na época, eu estava pas-

sando um tempo lá para dar uma assistência maior a ele e também decidi

me inscrever no curso. O goleiro Casillas, que ainda joga no Real, foi nosso

companheiro de turma.

Foram quatro meses de aula e, no fim, a tese final do Sávio foi sobre o

Vila Velha F.C., um clube-empresa que pretende criar na sua cidade-natal. A

agremiação terá uma forte preocupação social, com um trabalho envolvendo as

crianças carentes do município capixaba. Até hoje o projeto está emperrado em

entraves burocráticos, a prefeitura ainda não liberou o terreno, enfim, esses

problemas típicos do Brasil. Quando sair, será mais um dos vários trabalhos

sociais em que o Sávio se envolve, quase sempre sem fazer muito alarde.

98
É fácil perceber que o Sávio, além de todo o talento em campo, é um

jogador acima da média em suas atividades fora das quatro linhas. Quem o

conhece de perto sabe que ele é também um chefe de família muito dedicado.

Tem três filhos com a Suzana: o Breno, o Hugo e o Lucas. Como já disse, sou

padrinho do Breno e o meu filho, Gustavo, é padrinho do Lucas. Como se vê,

a relação de trabalho se transformou numa grande amizade, mas com um

detalhe importante: sem perder o profissionalismo.

Olhando para trás, percebo que só consegui me tornar um empresário

de jogador porque esse jogador estava afinado com os meus conceitos de

trabalho. Não me vejo lidando com um atleta de horizontes curtos e neces-

sidades imediatas. Essas características, definitivamente, são incompatíveis

tanto com o marketing esportivo quanto com a boa gestão da carreira de um

atleta de ponta.

Arquivo pessoal

Primeira turma do Curso de Gestão Esportiva realizado pela Fundação Real Madrid em con-
junto com a Universidade Francisco de Vitória. Na foto, à esquerda de Areias (na última fila),
estão o Casillas (atual goleiro e ídolo do Real Madrid e da Seleção Espanhola) e o Sávio.

99
Sávio Bortolini
ex-jogador do Flamengo, da Seleção Brasileira, do
Real Madrid e atual jogador do Levante de Valência, na Espanha.

Conheci o João Henrique quando ainda estava


no time de juniores do Flamengo, com toda aquela ansiedade de início de
carreira. Lembro o dia em que cheguei na sala dele, no Leblon. Gostei da
conversa desde o início. Ali eu já senti a seriedade, a confiança, o profis-
sionalismo e a amizade que pautaram esses nossos 13 anos de convivência.

Já naquela época, o João me falava da importância de fincar raízes nos clu-


bes, não se tornar um daqueles andarilhos do futebol. Era, mais ou menos, o meu
pensamento desde que comecei no futebol, o que mostrava que o nosso entrosa-
mento seria muito bom. Já tinha também a preocupação com a minha imagem
como ídolo e, juntos, participamos de várias ações de marketing e publicidade,
sem nunca atrapalhar os meus compromissos como atleta profissional. O João
também sempre fez questão de me preparar para os desafios da vida além das
quatro linhas. Na Espanha, participamos juntos de um curso de gestão esportiva
ministrado pelo ex-jogador Manolo Sanchez e, sempre que possível, conversamos
sobre isso. Cada vez fica mais claro que, depois que eu terminar minha carreira
de jogador, vamos trabalhar juntos nessa área de gestão empresarial, esportiva e
de marketing, um terreno que ele domina como poucos.

Por tudo isso, em pouco tempo, o João se tornou, além de meu primeiro
e único procurador, um amigo e, muitas vezes, um pai. Foi muito importan-
te o apoio dele em momentos mais difíceis, como quando o meu verdadeiro
pai ficou doente. O João ia comigo ao hospital e conversava com o meu pai,
que também era muito amigo dele. Até hoje, gosto de me aconselhar com
o João, que também me pede opinião sobre determinados assuntos de vez
em quando, numa troca bastante rica. Não foi à toa que o chamei para ser
o padrinho do meu primeiro filho, o Breno. Nunca vou esquecer o dia em
que chegamos a Madri pela primeira vez, depois de minha transferência do
Flamengo para o Real. Minha mulher, a Suzana, havia ficado no Rio porque
o Breno tinha apenas três meses. Havia toda aquela expectativa por um
novo mundo que se abria e eu pude contar com o apoio do João em todos
os momentos. No primeiro dia, procuramos um restaurante brasileiro no
centro de Madri, que prometia uma feijoada completa. Nunca comi uma
feijoada tão aguada, não havia um pedaço de carne. Mas rimos muito com
aquilo tudo e até hoje me lembro dessa história como o início de uma nova
fase da minha vida.

100
De olhos a be r tos
para o or ie nte
O Fluminense e a Hyundai
com depoimento do jornalista Paulo César Andrade
M aracanã, dia 25 de junho de 1995. Do lado direito das cabines de rá-
dio, aquela camisa rubro-negra que, segundo Nélson Rodrigues, é uma basti-

lha inexpugnável. Com o número dez nas costas, o mesmo eternizado por Zico,

Sávio, meu amigo e cliente, se aquecia para a grande decisão do Campeonato

Carioca. Do lado esquerdo, estava o Fluminense. O estádio lotado aguardava

ansiosamente o início do Fla-Flu, o clássico que começou 40 minutos antes

do nada, para citar de novo o genial jornalista e dramaturgo. E, diante desse

cenário, como estava o meu coração? Inacreditavelmente dividido.

Eu estava dividido naquele momento como nunca imaginei que ficaria

um rubro-negro convicto. Pela primeira vez, e talvez única na minha vida,

eu sentia aquilo que jogadores que enfrentam seu clube de coração tentam

explicar aos repórteres, normalmente usando um clichê que não deixa de ser

verdadeiro: profissionalismo acima das paixões. Diferentemente dos atletas,

no entanto, eu poderia tentar tranquilizar a minha consciência com um argu-

mento irrefutável: seja qual for o resultado, tenho motivos para comemorar.

E para lamentar também, é verdade.

O meu dilema tinha origem num telefonema do então presidente do Flu-

minense, Arnaldo Santiago, poucos meses antes. Muito objetivo, ele convi-

dada a minha empresa para ser a agência de marketing do clube. A Sportlink

estava num momento de expansão, o trabalho com o Sávio prosperava e tra-

balhar com um clube com a visibilidade do Fluminense seria ótimo em todos

os sentidos. Minha vida pessoal e profissional sempre estarão ligadas ao Fla-

mengo, mas o jogador de futebol tem razão: somos todos profissionais.

103
Desde o início eu já sabia que o desafio era enorme. Tinha conhecimento

da situação financeira do Fluminense, que era muito ruim. O clube estava

completando dez anos sem conquistar nenhum título, o que é muito para uma

equipe de tanta tradição. O pior é que não se via muita perspectiva para tirar

o pé da lama. O time que estava sendo formado era fraco e os salários viviam

atrasados, o que quase sempre é fatal para quem quer ser vitorioso.

Foi um começo de trabalho arrastado, com muitas portas fechadas. A expo-

sição da mídia estava toda voltada para o Flamengo, que montava uma equipe

promissora. Num dos negócios mais ousados do futebol brasileiro, o presiden-

te Kleber Leite havia tirado do Barcelona simplesmente o melhor jogador do

mundo na época, Romário, que vivia o seu auge. Contratara também o lateral

esquerdo Branco, outro tetracampeão mundial no ano anterior. E ainda tinha o

Sávio, que surgia como a maior revelação da Gávea dos últimos anos. Com esse

cenário, sobrava pouco espaço para os outros clubes, inclusive o Fluminense.

Certo dia, eu peguei o jornal pela manhã e me surpreendi com uma no-

tícia que me saltou aos olhos: o Fluminense estava interessado em contratar

o Renato Gaúcho, que jogava no Atlético-MG. Logo me veio à cabeça aquela

história do Baile do Vermelho e Preto, em que eu usei o Renato como garo-

to-propaganda e foi o maior sucesso. Liguei na mesma hora para o Arnaldo:

“Presidente, que história é essa de Renato?”. Sim, era verdade, o jogador

havia sido oferecido ao clube, mas o próprio Arnaldo não parecia muito em-

polgado. Na verdade, ele me explicou que a diretoria tricolor estava dividida,

uma parte queria o jogador e a outra considerava o investimento muito arris-

cado: “Presidente, só dá Flamengo na imprensa. Precisamos dar uma sacudi-

da no Fluminense. Fecha esse negócio agora. O regime não é presidencialista?

Pois, então, assume isso aí”.

Dias depois, a contratação foi fechada. Como incentivador dela, cabia a

mim, naquele momento, me oferecer para ter uma conversa com o Renato. Eu

104
já o conhecia do Flamengo e também tinha estado com ele na sua apresen-

tação ao Atlético-MG, pois sou amigo do então presidente do clube, Afonso

Paulino. Botei as cartas na mesa: “Renato, a situação aqui é difícil. Eu estou

tentando cuidar das coisas do lado de fora, trazer dinheiro para o clube, mas

preciso que você assuma a liderança do grupo. Tem que segurar as pontas en-

quanto os problemas não forem resolvidos. Você não estava no grupo na Copa

de 94, mas sabe como era o espírito lá dentro. E sabe bem também como era

na Copa de 90. Tem que ser o inverso”.

O Renato se colocou à disposição e não me decepcionou. Ele fez um tra-

balho de união fantástico, além até do que eu poderia imaginar. Quando os

salários atrasavam, ele botava dinheiro do próprio bolso. Pagava até o sujeito

que cuidava do gramado das Laranjeiras. Comprou a ideia de que, apesar

dos problemas, o Fluminense poderia surpreender. Foi um líder em todas as

acepções da palavra, não deixou a equipe esmorecer um só momento. Diria

até que, por tudo isso, merecia até uma estátua nas Laranjeiras.

Mesmo assim, continuava difícil vender o Fluminense. Até o patrocínio

de camisa parecia sem solução. Houve um momento em que tivemos que botar

uma faixa branca na parte frontal do uniforme e aí começaram as gozações

dos rivais e da imprensa, diziam que o tricolor estava usando esparadrapo.

Então eu pensei em recorrer ao poder público. Sugeri ao Arnaldo que, se ele

botasse uma inscrição em homenagem à nossa cidade, poderia atrair a aten-

ção da prefeitura. E foi criado o slogan “Ame o Rio”, que ficou estampado na

camisa tricolor durante a maior parte do Campeonato Carioca daquele ano.

E não é que a homenagem ao Rio surtiu efeito? Nas nossas andanças em

busca de patrocínio, eu bati na porta da Petróleos Ipiranga. Na nossa proposta,

de R$ 2,4 milhões por um ano de exposição da marca na camisa, nós lembra-

mos a eles que um clube de futebol é um excelente canal de relações públicas

porque tem acesso a autoridades do governo. Afinal, ele representa a cidade,

105
é naturalmente um garoto-propaganda. Mas a diretoria da Ipiranga nos infor-

mou que não tinha interesse em patrocinar times de futebol, pois provocaria

muita confusão, os principais acionistas torcem para equipes diferentes etc.

Parecia mais uma resposta negativa mas eles deixaram uma abertura. A

Ipiranga era proprietária de uma ilha na Baía de Guanabara e queria saber se

a prefeitura tinha interesse nela. Em troca, cederia à empresa dez terrenos

na cidade para a construção de postos de gasolina. Poderia ser em áreas do

subúrbio. O importante era aumentar o número de postos no Rio. Levei a in-

formação para Arnaldo que conversou com o então presidente da Fifa, João

Havelange, que tem ótimas relações com o Fluminense e com o prefeito Cesar

Maia. O Havelange foi, então, à prefeitura e recebeu uma avaliação positiva

de Cesar. Ele não estava interessado na tal ilha, mas queria como contraparti-

da que a Ipiranga se comprometesse a recuperar a área no entorno do terreno

que seria cedido. A empresa deveria construir uma creche e fazer obras de

reurbanização. Na mesma hora, o prefeito chamou o seu então secretário de

obras, Luiz Paulo Conde. “Conde, veja se há terrenos disponíveis”.

O acordo com o Fluminense dizia que, para cada terreno que a prefeitura

cedesse, o clube receberia US$ 200 mil. Era, na verdade, uma comissão pelo

trabalho de intermediário. O Conde disponibilizou quatro terrenos para a

Ipiranga, que pagou, então, US$ 800 mil ao tricolor. Foi um dinheiro muito

bem-vindo para pagar salários atrasados dos jogadores.

O mais importante é que, além de ter sido criativa, a solução foi benéfica

não só para o Fluminense, mas para todas as partes envolvidas. Nesse caso,

o Cesar Maia mostrou muita inteligência. Ele não só conseguiu reurbanizar

áreas carentes cedendo terrenos ociosos como ajudou um clube da cidade a

se reerguer. O prefeito entendeu que os times de futebol vendem uma imagem

positiva da cidade para fora, não vendem violência. Além disso, fazem um

trabalho social importante de formação de atletas. Na Europa, é comum uma

106
cidade ajudar o clube local. Cesar Maia já havia ajudado o Flamengo, o Vasco

e o Botafogo. Chegava a vez do Fluminense.

Ainda assim, o problema do patrocínio da camisa persistia. Nós conti-

nuávamos prospectando e nada. Até que um dia apareceu na minha sala um

grande amigo, o Paulo César Andrade, repórter esportivo do TV Manchete.

Ele foi para lá apenas para bater papo e, no meio da conversa, perguntou

como estava o trabalho com o Fluminense. Eu disse a ele que estava difícil,

mas o próximo passo seria procurar a agência de publicidade da Hyundai, a

fabricante sul-coreana de automóveis. Então ele me disse, com a maior natu-

ralidade, que conhecia o presidente da Hyundai. “Da Hyundai do Brasil?”, eu

quis saber, já animado. “Não, da Hyundai mundial.” Na hora eu achei que ele

estivesse brincando comigo.

Não estava. O PC Andrade realmente conhecia o Mr. Jo Moo John, pre-

sidente da Hyundai mundial e, naquela época, também presidente do comitê

organizador da Copa do Mundo de 2002, que seria disputada sete anos de-

pois na Coréia do Sul e no Japão. O encontro se deu alguns meses antes, no

Estádio de Caio Martins, em Niterói. O time de futebol da Hyundai estava no

Brasil fazendo alguns amistosos e, naquele dia, enfrentaria o Botafogo. O PC

foi designado para cobrir o jogo, que não atraiu o interesse de muita gente.

Lá em cima, sentado anonimamente na arquibancada, estava o todo-poderoso

presidente da Hyundai. Depois do jogo, ele queria conversar com dirigentes

alvinegros e não havia nenhum intérprete. Dono de um inglês fluente, o Paulo

César foi chamado para ajudar na conversa. E saiu de lá com um cartão do Mr.

Chong e do Mr. Hürr, presidente da Hyundai do Brasil.

Aqui no Brasil pouca gente sabe que a Hyundai não é apenas fabricante

de automóveis. É, na verdade, um conglomerado de empresas que fabricam

de navios a aparelhos eletrodomésticos. Seria um parceiro e tanto para o

Fluminense. Na mesma hora, eu pedi ao PC para marcar uma reunião com o

107
Mr. Hürr, que ficava baseado em São Paulo. Fomos para lá poucos dias de-

pois mas o acerto demorou mais dois meses para sair. Os orientais são muito

cuidadosos e criteriosos quando tratam de negócios, eles queriam tudo bem

explicado. Conversávamos, às vezes, de madrugada porque o fuso da Coréia é

de 12 horas de diferença. Levamos ainda os coreanos para conhecer o centro

de treinamentos do Fluminense, em Xerém, e mostramos a eles como seria

importante investir também na formação de novos jogadores. No fim, todo o

esforço valeu a pena.

O contrato, na verdade, só seria sacramentado do outro lado do mundo.

Viajamos para a Coréia para conversar diretamente com o Mr.Chong. Lem-

bro que fomos recebidos na sede da Hyundai com uma faixa de boas-vindas,

em português, para o Fluminense e para a Sportlink. Foi mais uma prova de

respeito dos coreanos não só pelo parceiro mas também pelo intermediário

que possibilitava o negócio. Fechamos um contrato de três anos nos moldes

do firmando entre Flamengo e Petrobras, que era o maior do Brasil. O Flu-

minense receberia cerca de US$ 2 milhões por ano. Era uma senhora ajuda

para o clube se reerguer.

Quis o destino que o Fluminense estreasse o uniforme com o logotipo da

Hyundai logo naquela decisão com o Flamengo, o que só servia para me dei-

xar ainda mais dividido. Minha pessoa física era rubro-negra, mas minha pes-

soa jurídica, completamente tricolor. E o patrocínio deu sorte. Com a barriga,

exatamente em cima do nome da empresa coreana, Renato Gaúcho empurrou

a bola para dentro do gol a quatro minutos do fim da partida: 3 a 2 para o

Fluminense. O jejum de dez anos sem títulos chegava ao fim. Com dinheiro

começando a entrar em caixa, havia todos os motivos para uma perspectiva

otimista dali para frente.

A campanha no Campeonato Brasileiro daquele ano só serviu para injetar

mais ânimo na torcida. Depois de anos de performances vergonhosas, o Flumi-

108
nense brigou até o fim pelo seu segundo título brasileiro. Chegou às semifinais,

o que não ocorria desde 1988), mas foi derrotado pelo Santos numa partida

que até hoje os tricolores não esquecem. Apesar da frustração, parecia claro

que o clube das Laranjeiras estava reencontrando o seu caminho vitorioso.

Pena que, em se tratando de dirigentes voluntários, nunca é possível

garantir que as coisas sairão como planejado. No fim de 1995, o Fluminense

entrou em processo eleitoral. Venceu a chapa liderada por Gil Carneiro de

Mendonça. Pedro Arantes, diretor de basquete na gestão de Arnaldo San-

tiago, foi escolhido para ser o novo vice-presidente de futebol a partir de

janeiro de 1996.

Conheci o Pedro Arantes quando ele ainda dirigia o basquete tricolor. Ele

me procurou para que eu arrumasse um patrocínio para a equipe nos moldes

do que acabara de fechar com a Hyundai para o time de futebol. Expliquei

a ele que eram duas realidades diferentes. Já tinha sido difícil conseguir o

Fernando Maia / Agência O Globo

Com a barriga, exatamente em cima do nome Hyundai, Renato Gaúcho fez o histórico
gol da vitória, dando ao Fluminense o campeonato carioca, após um jejum de dez anos.

109
contrato para o futebol e seria ainda muito pior para os chamados esportes

olímpicos. A visibilidade era menor, não havia nenhuma grande competição

à vista. Sugeri que ele entrasse num acordo com o departamento de futebol

para que recebesse ao menos uma fatia do valor da empresa coreana para

levantar o basquete. Acho que ele não gostou muito, deve ter pensado que

eu dei pouca importância ao caso, porque meses depois, já na nova função,

ele me ligou dizendo que precisava ter uma reunião comigo. O assunto: o

contrato com a Hyundai.

O contrato com a Hyundai tinha duração de três anos, renovável ano a

ano com reajuste de valores. Só a partir do terceiro ano seria possível uma

nova negociação mas, ao fim desse prazo, ele já seria maior que o do Flamen-

go com a Petrobras. Estava muito bem pago. Mas Pedro achava que o Flumi-

nense tinha de rever o contrato: “Como rever, Pedro? Demoramos dois meses

e meio para fechar o negócio e você quer mudar agora, com menos de um ano

de contrato?”, eu perguntei. Pelo seu raciocínio, o clube estava mais valoriza-

do depois da conquista do Estadual de 1995 e da boa campanha no Brasileiro.

Não conseguia entender que os coreanos estavam investindo exatamente para

isso, para que o Fluminense fosse campeão, mas não fazia o menor sentido

rever valores por causa da primeira conquista: “Ou você esqueceu que até o

ano passado o Fluminense estava num jejum de dez anos sem ganhar nada?

Os coreanos apostaram na gente”, argumentei, por fim. Não houve jeito de

convencê-lo. Como ele tinha recebido carta branca da presidência, fui obriga-

do a marcar uma reunião com o Mr. Hürr.

Foi a primeira e talvez única vez em que vi um oriental se revoltar. Como

o Pedro Arantes não falava inglês, tive de traduzir toda a negociação. Só me

lembrava da magnífica recepção que tivemos em Seul, toda a consideração

que merecemos dos coreanos no período de negociação. Mas fui em frente,

como era minha obrigação na condição de representante de marketing do Flu-

minense: “Olha, Mr. Hürr, entrou um grupo novo na diretoria do Fluminense.

110
Eles têm novos projetos, acreditam que o clube se valorizou ano passado, e

gostariam de aumentar o valor do contrato”.

A princípio, o coreano pareceu não entender o que eu disse: “Como mu-

dar? Não estava tudo certo, não estamos cumprindo o combinado?”, ele per-

guntou. Lá fui eu explicar tudo de novo, mais devagar, enquanto a expressão

de Mr. Hürr mudava. Ao fim da reunião, ele estava visivelmente contrariado:

“Em uma semana nós vamos dar uma resposta”, decretou ele.

Apesar da irritação do coreano, o Pedro Arantes deixou a sala de reu-

nião tão tranquilo que eu imaginei que o Fluminense tivesse uma carta na

manga. O João Havelange, o mesmo que nos ajudou na questão da prefei-

tura e da Ipiranga, havia apoiado o Gil Carneiro nas eleições e poderia ter

conseguido alguma abertura com uma empresa japonesa, uma vez que es-

tavam a pleno vapor as negociações da Fifa para viabilizar a Copa do Mun-

do de 2002, dividida entre Coréia e Japão. O Fluminense só poderia estar

forçando a barra com a Hyundai para que esta desistisse e abrisse caminho

para um contrato mais vantajoso com a Sony, Toshiba ou uma megaempresa

do gênero. Só isso explicaria a confiança do Pedro Arantes ao fim do cons-

trangedor encontro com o Mr. Hürr.

E foi exatamente o que aconteceu uma semana depois. Recebi no escritó-

rio uma carta do Mr. Hürr em que ele dizia que a Hyundai não renovaria com

o Fluminense a partir de junho. Em fevereiro mesmo eles depositariam o que

restava do contrato e encerraria qualquer vínculo com o clube: “Esse outro

grupo que assumiu o Fluminense não nos interessa mais como parceiro”, es-

creveu o executivo coreano.

Eu estava enganado. Não havia nenhuma carta na manga do Fluminense.

O clube perdeu o patrocínio, o dinheiro e, neste mesmo ano, caiu para a Segun-

da Divisão pela primeira vez, o que motivou a maior crise da história das La-

111
ranjeiras. Sem suportar a pressão, o Gil Carneiro renunciou e o Pedro Arantes

saiu junto. Era só o início do calvário tricolor, que seria reconduzido à Primeira

Divisão numa legítima virada de mesa mas que, em seguida, seria rebaixado de

novo. Como se não fosse o suficiente, caiu em 1998 para a Terceira Divisão.

O episódio todo não é apenas uma crônica da decadência tricolor nos

anos 90. É, principalmente, um dos exemplos mais evidentes de como uma

administração amadora pode levar um clube de futebol ao fundo do poço.

Sem o menor compromisso com metas, a nova diretoria se viu no direito de

rever um contrato firmado pela administração anterior. Como ocorre com

frequência na administração pública, um trabalho custoso e inteligente é in-

terrompido depois de quatro anos porque tem a marca da gestão anterior.

Fosse o Fluminense um clube profissional, a nova diretoria, no máximo,

pediria uma consultoria externa para avaliar a qualidade do patrocínio fir-

mado por seus antecessores. Se houvesse alguma irregularidade ou um item

absurdo, aí sim poderia tomar providências. Caso contrário, manteriam o

contrato até o fim e negociariam uma mudança depois. Na situação específica

da Hyundai, certamente chegariam à conclusão de que era altamente vanta-

joso para o clube. A Hyundai, por sua vez, não desistiu do futebol, apesar da

decepção com o Fluminense. Por trás do amadorismo dos dirigentes, os core-

anos enxergaram o enorme potencial dos clubes de futebol brasileiros para

alavancar suas marcas, exatamente como nós tínhamos prometido durante os

dois meses e meio de negociação. O investimento era relativamente pequeno

se comparado com o retorno de mídia. Meses depois, eles fecharam contratos

com Botafogo e Bahia.

Muito tempo depois, obviamente com outra diretoria, ainda intermediei

dois negócios com o Fluminense. O primeiro foi com a Reebok, que forneceu

o material esportivo do time de futebol. Mais tarde, ajudamos no primeiro

contrato com a Unimed, que até hoje é patrocinadora do clube.

112
Paulo Cesar Andrade
jornalista esportivo

Era um dia tranquilo na TV Manchete. Eu fui cobrir um


simples jogo-treino do Botafogo no Estádio de Caio Martins, em Niterói. O adver-
sário era uma desconhecida equipe coreana que, no entanto, tinha um padrinho
poderoso. Anônimo na arquibancada, o presidente mundial da Hyundai Motors,
Mr. Jo Moo John, assistia à partida com todo o interesse. Era ele quem bancava
aquele time.

Depois do jogo, os coreanos precisaram de ajuda para conversar, em inglês,


com o pessoal do Botafogo e fui chamado para ajudar na tradução. Jamais imagi-
nei que aquele encontro fortuito seria muito útil para o Fluminense.

Em 1995, eu já estava com vontade de sair da TV Manchete. Fui conversar


com o João Henrique lá no escritório dele, no Leblon. O papo estava descontraído
quando ele começou a me falar das dificuldades que estava encontrando para ar-
rumar um patrocínio para o Fluminense. De repente, me deu um estalo: o Mr. Jo
Moo John. Chegamos a ele através do presidente da Hyundai Brasil, Mr. Hurr, que
vivia em São Paulo.

Primeiro fomos para São Paulo e, em poucos dias, estávamos viajando para
a Coréia do Sul, que vivia a febre do futebol por causa da sua escolha para sede da
Copa do Mundo de 2002, junto com o Japão. O João Henrique, com toda a sua
experiência, costurou bem o acordo, que foi bom para os dois lados. O Fluminense
jamais imaginava que ganharia tanto dinheiro em tão pouco tempo. E tudo por
causa de um simples jogo-treino de um clube rival.

113
Na tabelinha
com Pele
Um gol para Flamengo e Santos
com depoimento de Pelé
A inda nos anos 50, no início de sua carreira como jogador, Pelé re-
cebeu uma proposta surpreendente de um amigo de seu pai, o ex-jogador

Dondinho. O sujeito era diretor de uma usina de cana e, animado com o

sucesso precoce daquele menino no time do Santos, teve a ideia de lançar a

Caninha Pelé. O rótulo chegou a ser impresso, mas as garrafas nunca foram

ao mercado. Na última hora, o menino virou-se para o pai e teve um lampejo

de lucidez: “Propaganda de pinga não pega bem, né?”.

A história, lembrada pelo próprio Pelé numa entrevista à revista Isto É

Dinheiro, em 2002, retrata bem duas coisas. Em primeiro lugar, o instinto

do garoto, um atleta em início de carreira, para preservar a sua imagem. Em

segundo lugar, a atração que o maior jogador de todos os tempos sempre

exerceu sobre empresários dispostos a buscar um garoto-propaganda para

anunciar o seu produto. Daquele dia para cá, o rosto de Pelé “pegou bem” em

diversas campanhas publicitárias. Em outras, nem tanto.

Mesmo quem não gosta de futebol ou de esportes em geral tem, ao me-

nos, uma ideia do que esse cidadão chamado Édson Arantes do Nascimento,

o Pelé, representa para o Brasil, aqui mesmo e, principalmente, no exterior.

Quem gosta de futebol, então, tem a nítida noção do poder que possui esse

apelido recebido despretensiosamente na infância e que se tornou uma das

marcas mais fortes do mundo. Pelé é Pelé, dispensa demais explicações.

Essa é uma das razões pela qual Pelé sempre foi um caso à parte no mun-

do do marketing esportivo. Mesmo em épocas em que o esporte era pouco

usado para vender, o rei do futebol já era identificado como uma figura alta-

117
mente vendável e, por consequência, seria vendável também tudo o que ele

anunciasse. No início do século XXI, Pelé já faturava mais de US$ 15 milhões

anuais com publicidade graças ao seu rosto conhecido e ao físico invejável

mesmo depois dos 60 anos.

É tarefa relativamente fácil lembrar, de cabeça, várias marcas que já

estiveram associadas à imagem de Pelé: Time Warner, Viagra, Bombril, Vita-

say, Petrobras, Nokia, Probel, Golden Cross, Mastercard... Não chegou a ser

surpresa, portanto, sua escolha como o garoto-propaganda do Século XX pela

International Advertising Association. Mais um prêmio para aquele que já ha-

via sido eleito o Atleta do Século XX, vinte anos antes de o século terminar.

Por si só, Pelé já é um dos maiores cases do marketing esportivo mundial

mas, nessa área, tive a honra de participar diretamente de alguns desdobra-

mentos da vida profissional de um ídolo meu e de todos brasileiros. Fui um

de seus primeiros sócios na Pelé Sports & Marketing, no início dos anos 90,

quando o ex-jogador iniciou um projeto que tinha por objetivo explorar a sua

marca de uma forma mais planejada.

A ideia nasceu pouco depois de Pelé disputar um amistoso da seleção

brasileira em Milão, na Itália, em comemoração ao seu 50 o aniversário, em


23 de outubro de 1990. Fomos apresentados em seu retorno ao Brasil por

um amigo comum, o Aloysio Santos, ex-diretor de futebol do Flamengo e do

Corinthians. Apesar do poder de seu nome, o Rei do Futebol tinha obtido in-

sucessos em alguns empreendimentos no mercado esportivo. Além do mais,

seu enorme sucesso como garoto-propaganda não foi suficiente para conso-
lidar seu apelido na área de licenciamentos. É sabido que até hoje ele não

conseguiu lançar uma grife de material esportivo, um plano antigo. A única

exceção de que se tem notícia é o Café Pelé, lançado nos anos 70 pela Com-

panhia Cacique de Café Solúvel.

118
Àquela altura, eu já tinha firmado o meu nome no mercado de marketing

esportivo. Por causa do trabalho no Flamengo e no Clube dos 13, tinha bom

trânsito com dirigentes dos principais clubes do país, além de conhecer bem

diretores de televisão e de agências de publicidade. Já havia aberto a minha

própria empresa, a Areias Sports & Marketing, que alcançava sucesso em seus

negócios. Pelé estava em busca de know-how na área e, nisso, eu poderia

atendê-lo. Ao meu lado, estaria também Celso Grellet, o amigo e competente

companheiro de trabalho desde os tempos da Copa União. Também nos asso-

ciamos ao empresário Hélio Viana, que já trabalhava com Pelé e que havia me

procurado anos antes, no Flamengo, para montar um negócio deste tipo. Mas,

na época, eu era ainda funcionário da IBM e, por isso, recusei o convite.

A primeira reunião de trabalho da equipe fundadora da Pelé Sports &

Marketing aconteceu na casa de praia do Pelé, em Ubatuba (SP). Participaram

também dois consultores da IBM, onde eu ainda mantinha bons contatos. Ali,

elaboramos o planejamento estratégico da nova empresa, ou um plano de ne-

gócios, no qual estabelecíamos sua missão, seus objetivos e sua estratégia.

Mais do que tratar de negócios, aquela reunião serviu para eu começar a

conhecer melhor o homem por trás do mito, seu modo de raciocínio, sua pers-

picácia que já tinha sido provada no episódio da Caninha Pelé, quando ainda

era um garoto. Percebi que a imagem de Pelé só não é melhor entre os brasi-

leiros porque sempre esperamos dele a mesma genialidade que demonstrou

em 20 anos de carreira dentro dos gramados. Queremos que o Rei do Futebol

seja gênio nos negócios, gênio na vida familiar, gênio nos comentários sobre

futebol etc. Mas a verdade é que, nessas áreas, ele comete erros e acertos

como qualquer um. Pelé só era perfeito com a bola nos pés. Mesmo assim,

apesar de suas limitações naturais em outras áreas, entendi que ele pode até

se enrolar no meio de um negócio mas, no fim, costuma dar a tacada certa.

Como se diz no futebol, trata-se de um bom finalizador.

119
O melhor de tudo é que Pelé tem noção de seus limites no mundo empre-

sarial, procura ajuda, ouve conselhos e sabe admitir seus equívocos. Tive logo

uma prova disso nessa reunião em Ubatuba. Antes de começá-la, para des-

contrair, ele nos mostrou uma série de cartões de visita de empresas em que

seu nome aparecia como presidente de honra, na verdade homenagens que

executivos amigos lhe fizeram. Eram cartões chamativos, alguns em formato

de bola, em cores berrantes. Ele estava nos mostrando os cartões para dizer

que faria agora um cartão em que, de fato, seria o presidente da empresa, a

Pelé Sports & Marketing.

Aproveitei a deixa para expor um pensamento que eu já carregava co-

migo muito antes de sonhar em conhecer pessoalmente o Pelé, quanto mais

começar a trabalhar com ele. Reconheço que fui um pouco ousado para quem

não tinha muita intimidade com o novo sócio: “Pelé, então eu vou pedir tam-

bém para fazer um cartão com o seu nome como presidente da Areias Sports

& Marketing, a minha empresa”, eu disse. Ele não entendeu muito bem, mas

eu continuei: “Ué, dessa forma você vai me abrir portas em qualquer lugar”.

Ironicamente, eu estava dizendo a ele que não me parecia legal ficar

emprestando o seu nome indiscriminadamente às pessoas, como se fosse brin-

cadeira. Um cartão de visitas é a sua identidade corporativa, é a sua apresen-

tação a pessoas com quem você pretende estabelecer negócios e a porta de

entrada de sua empresa. Ele vai circular entre pessoas que não te conhecem.

Por isso, esse hábito de rabiscá-lo antes de dá-lo a alguém: é uma forma de

tornar mais pessoal um instrumento de trabalho tão importante. Diante de

um japonês, você deve até se inclinar quando lhe entrega um cartão.

Aproveitei o embalo e fiz um comentário ainda mais “atrevido” para o

meu ídolo que, a esta altura, eu já chamava de Édson: “Eu sei que é a nossa

primeira reunião, talvez você não vá gostar do eu vou dizer, mas é mais ou

menos o que acontece com alguns dos produtos que você anuncia. O Pelé

120
é um líder na sua área de atuação. Em tese, nenhum outro atleta tem uma

imagem tão poderosa quanto a sua. Então você só deve associar essa imagem

a empresas líderes na sua área de atuação ou, no mínimo, algo perto disso.

Existem algumas empresas de que você é garoto-propaganda que não estão à

sua altura. Podem estar à altura do Édson, mas do Pelé, não”. Eu disse aquilo

e esperei a reação dele. Achei que viesse um corte, mas ele concordou. Mais

tarde, já com a Pelé Sports & Marketing na ativa, ele parou de fazer contratos

com empresas de qualidade duvidosa e virou o foco apenas para empresas

líderes em seus segmentos, como a Mastercard e a Umbro.

Arquivo pessoal

Mesa redonda na TV Manchete, em 1991, com Armando Marques, Pelé, Alberto Léo,
Marcio Guedes e Areias.

Nessa reunião, lembro que o Pelé ficou encantado com a diversidade

de pessoas presentes para dar opiniões sobre como deveria se posicionar a

empresa de marketing esportivo do maior jogador da História. Além dos dois

consultores da IBM, convidamos profissionais de televisão, de marketing, de

121
esporte e de publicidade. Veio até gente da Argentina. Éramos umas 12 pes-

soas. Ficamos ali quase umas oito horas conversando, trocando ideias.

Durante todo o tempo, o Pelé se portou com a maior correção, sem o me-

nor estrelismo. Em primeiro lugar, como um bom anfitrião, preparou ele mesmo

um peixe delicioso e nos serviu com toda elegância. Depois fez a brincadeira:

“Para vocês verem, o rei servindo os seus súditos”. Durante a exaustiva reunião,

ele ouviu tudo, não reclamou de nada e apresentou o seu ponto de vista com

simplicidade. No fim, deu uma declaração que eu achei fantástica: “Se eu tives-

se feito uma reunião dessa há 30 anos, não teria cometido tantos erros”.

Era isso: o Pelé queria montar sua empresa de marketing para planejar

melhor a sua vida como empresário e, assim, evitar outros equívocos. Nada

além disso. Era a nossa missão ajudá-lo nessa empreitada. Precisávamos, logo

de início, de um projeto de vulto para marcar a entrada da Pelé Sports no

mercado e mostrar o conceito sob o qual a nova empresa trabalharia. Deveria

ser um empreendimento ousado, de preferência num torneio disputado por

importantes clubes brasileiros e estrangeiros.

A Supercopa dos Campeões da Libertadores era um torneio criado havia

pouco tempo. Reunia todos os campeões da história da principal competição

de clubes sul-americanos, a Copa Libertadores da América. Do Brasil, partici-

pavam Santos (campeão em 1962 e 1963), Cruzeiro (campeão em 1976), Fla-

mengo (campeão em 1981) e Grêmio (campeão em 1983). Contava também

com as principais forças do futebol do continente, como Boca Juniors, River

Plate, Nacional de Montevidéu e Peñarol.

O torneio possuía, portanto, bons ingredientes para motivar os clubes e

os torcedores. Mas não era o que acontecia e, basicamente, por um motivo.

A Supercopa era deficitária. As cotas de TV eram pouco atraentes e as des-

pesas, muito altas. Diante disso, os clubes passaram a disputar a competição

122
com um time misto, o que só servia para torná-la ainda menos interessante,

como num círculo vicioso. O público que comparecia aos estádios era bastan-

te reduzido. Os times quase jogavam para sair logo. Entre os brasileiros, só

o Grêmio mostrava um interesse maior no torneio, pela tradição gaúcha de

disputar competições sul-americanas.

Não deixava de ser um bom desafio para que a Pelé Sports & Marketing

entrasse com força no mercado, mesmo porque serviria para dar visibilidade

ao nosso conceito de trabalho. Por motivos óbvios, Flamengo e Santos foram

os primeiros clubes a abrir as portas para nós. Eu tinha ótima entrada no clu-

be rubro-negro, que voltara a ser administrado pelo Márcio Braga, e o Pelé...

bem, o Pelé, como todo mundo sabe, é um semideus na Vila Belmiro.

Então propusemos o seguinte negócio aos nossos clubes de coração: ofe-

recemos US$ 600 mil para o Flamengo e US$ 400 mil para o Santos pelos

quatro jogos que eles fariam em casa se fossem até a final da Supercopa. A

diferença, é claro, era explicada pela previsão de retorno financeiro maior do

time carioca, que possui mais torcedores/consumidores.

Para o Flamengo, era uma média de US$ 150 mil por jogo e para o San-

tos, US$ 100 mil, valores muito acima da média que recebiam por amistosos

ou competições oficiais. Na primeira fase, a cota era de US$ 70 mil, valor que

aumentava à medida que as equipes fossem passando de fase. Além disso, a

Pelé Sports & Marketing arcaria com todas as despesas de viagens e estadias

de rubro-negros e santistas nos jogos no exterior. Ou seja, ambos já entrariam

na competição sabendo que ela seria lucrativa.

De repente, a Supercopa, que era o patinho feio dos campeonatos, tor-

nou-se a menina dos olhos dos dois clubes. Era interessante se manter na

competição não só para ganhar o título, mas para continuar faturando as co-

tas pagas pela Pelé Sports & Marketing. A diretoria do Flamengo ainda tomou

123
uma decisão inteligente: pegou metade da cota e deu aos jogadores. Sempre

acreditei que, quando o atleta se torna um parceiro, as coisas costumam an-

dar melhor para as equipes. Foi o princípio que eu usaria três anos depois, na

Copa do Mundo de 1994.

Em contrapartida pelo nosso investimento, nós receberíamos do Flamengo

e do Santos o direito sobre todas as receitas de estádio, como bilheterias e pla-

cas publicitárias, e poderíamos negociar a transmissão das partidas com uma

emissora. Por isso, só era possível negociar os jogos cujo mando de campo fosse

dos brasileiros. Estávamos, na verdade, fazendo uma aposta. Era uma aposta

alta para uma competição que não havia ainda vingado: US$ 1 milhão, fora as

despesas com passagens e estadias. Mas acreditávamos que, com um bom pro-

jeto de marketing, poderíamos ter retorno publicitário e de público.

Nossa primeira providência foi tirar os jogos do Rio e de Santos e levá-

los para o Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Primeiro porque as placas es-

táticas do Maracanã já tinham dono, ou seja, nós não poderíamos explorá-las.

Além disso, os dois clubes têm torcedores na capital do Brasil, especialmente

o Flamengo, e acreditávamos que estes teriam mais boa vontade com a Su-

percopa, uma vez que eles não têm muita oportunidade de assistir às partidas

de seus times do coração.

Em seguida, partimos para a segunda etapa do nosso trabalho. Batemos

na porta da TV Globo, que não se interessou. Também recebemos uma res-

posta negativa da TV Bandeirantes. E aí fomos na TV Manchete, que também

não quis pagar pelos direitos de transmissão da Supercopa, mas aceitou fazer

uma negociação diferente conosco, uma espécie de comercialização integra-

da. Ofereceríamos cinco cotas de publicidade e uma delas seria apenas para

pagar os custos de produção do jogo. As outras quatro seriam divididas entre

a Pelé Sports & Marketing e a TV Manchete.

124
Nós, então, fomos atrás das empresas e conseguimos fechar quatro cotas:

Brahma, Golden Cross, Correios e Vasp. A essas empresas, nós vendemos,

além dos anúncios na televisão, as placas estáticas do Estádio Mané Garrin-

cha. Isso evitaria o problema que comentamos no capítulo anterior, ou seja,

que anunciantes que pagavam menos para ter suas marcas nos estádios esti-

vessem mais expostos que os que compravam a cota de TV, bem mais caras.

Era uma estratégia nova na época, de integração entre a publicidade de TV e

a de estádio. Atualmente, as emissoras já tomam esse cuidado.

Para atrair mais público, vendemos ingressos que valiam para os dois

primeiros jogos de Santos e Flamengo, que já estavam garantidos, indepen-

dentemente dos resultados. Assim, conseguimos levar mais de 30 mil pessoas

na partida entre Flamengo e Estudiantes de la Plata no Mané Garrincha. O

time brasileiro venceu por 2 a 0 e, como tinha empatado em 1 a 1 no jogo de

ida, na Argentina, passou para as quartas de final.

Já convencido de que a Supercopa salvaria o seu ano, o Flamengo aca-

bou dando um passo maior que as pernas. Nas quartas de final, a diretoria

rubro-negra, empolgada com os resultados dentro e fora de campo, procurou

a Pelé Sports para solicitar uma mudança de planos. Dessa vez, eles queriam

jogar no Maracanã, pois acreditavam na força da sua torcida num jogo difí-

cil contra o River Plate. Na partida de ida, em Buenos Aires, os argentinos

venceram por 1 a 0 e os brasileiros precisavam vencer de qualquer jeito no

Rio. Segundo o raciocínio dos dirigentes (legítimo, diga-se de passagem), os

rubro-negros lotariam o estádio, empurrariam os jogadores e proporciona-

riam uma renda maior do que a nossa cota.

A rigor, o mando de campo era nosso, da Pelé Sports, uma vez que paga-

mos ao Flamengo por isso. Para nós, seria mais interessante financeiramente

manter o jogo no Mané Garrincha, mas acabamos aceitando o pedido dos

dirigentes rubro-negros. Nós não pagaríamos a cota, que a esta altura já

125
passaria dos US$ 100 mil, e a renda seria dividida meio a meio entre o clube

e a empresa. O Flamengo controlaria a bilheteria, que também teria a nossa

supervisão, e arcaria com as despesas da partida. No fim das contas, o públi-

co foi aquém do esperado pelos rubro-negros e sobraram apenas US$ 60 mil

de lucro, US$ 30 mil para o clube e US$ 30 mil para nós. Ou seja, um valor

pelo menos três vezes menor do que pagaríamos se o jogo fosse disputado em

Brasília. E o pior: a equipe carioca venceu por 2 a 1 nos 90 minutos, mas foi

eliminada na disputa de pênaltis pelo River Plate.

O resultado da competição, no entanto, continuou sendo superavitário

para o Flamengo e para nós, que tivemos um lucro de cerca de US$ 100

mil. Mais importante do que o dinheiro foi a consolidação da Pelé Sports

& Marketing, então uma empresa recém-nascida no mercado do futebol.

Demos uma prova de que era possível obter retorno com uma competição

pouco popular. Para isso, é necessário que ela seja planejada racionalmente

e comercializada com criatividade.

Outra inovação da Pelé Sports foi trazer para o Brasil o sistema Adtime,

que havia surgido pouco tempo antes na Espanha e revolucionado a publici-

dade estática no campo. Na verdade, ela já não era tão estática assim. Graças

a um sistema eletroeletrônico, a mesma placa anuncia de dois a 12 patrocina-

dores, pois ela é feita de palhetas giratórias que formam imagens diferentes.

Em 1992, nós fomos procurados por um inglês chamado Chris Jones,

cuja empresa detinha os direitos de publicidade estática do Estádio de Wem-

bley, em Londres. Eu havia conhecido o Chris alguns anos antes, quando fui

a Londres com o Márcio Braga visitar a fábrica da Umbro, então fornecedora

dos uniformes do Flamengo. Ele queria nos oferecer esse sistema Adtime para

um amistoso entre Brasil e Inglaterra, que seria disputado naquele ano no

lendário estádio londrino. Em seguida, poderíamos levar a novidade para o

mercado brasileiro.

126
De início, não achei que a ideia fosse vingar no Brasil. Aqui uma

placa publicitária custava algo em torno de US$ 1 mil. Pelo Adtime, o valor

pulava para aproximadamente US$ 40 mil. Não tínhamos mercado para isso.

Foi o que eu disse para o Chris, mas ele insistiu: “João, vê o preço que você

consegue.” E, por US$ 20 mil, nós conseguimos negociar o sistema para qua-

tro clientes: Brahma, Sadia, Itaú e Mastercard.

O Adtime garante a exposição dos 12 patrocinadores na mesma pla-

ca, mas o mais interessante é que ele é, na sua essência, um tipo de ambush

marketing. A explicação é simples: a empresa pode ser dona do estádio, da pla-

ca, mas não é da emissora. Mesmo assim, ela vende aquilo que não tem, que é

tempo de TV. O patrocinador compra, por exemplo, a exposição da sua marca

durante dois minutos no primeiro tempo e dois minutos no segundo. Com essa

informação, o controlador do Adtime, munido de um monitor, pode controlar a

placa de modo que a câmera de TV a exponha por um tempo determinado.

Infelizmente, com o passar do tempo, minha profecia acabou se con-

firmando. De fato, o Adtime não tinha mercado por aqui para se firmar como

uma alternativa de publicidade de campo. Apesar das suas vantagens, era

realmente muito mais caro que as placas tradicionais, o que o tornou inviá-

vel. Não era o caso da Pelé Sports & Marketing, que continuou caminhando

com as próprias pernas por longos anos. E, se não foram pernas tão eficientes

quanto as do próprio Pelé, ao menos colaboraram significativamente para o

progresso do marketing esportivo no Brasil

127
Edson Arantes do Nascimento
rei do futebol

Tudo que ganhei na vida, como fazendo viagens pelo


mundo inteiro, conhecendo culturas diferentes, me tornando conhecido, sendo res-
peitado em toda parte do mundo e, por fim, ganhando meu sustento e da família,
obtive através do futebol, com a graça de Deus.

Quando eu fui convidado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso para ser
Ministro do Esporte, aceitei porque tinha o desejo de devolver ao futebol e ao povo
brasileiro tudo que havia recebido. Eu queria profissionalizar e moralizar a admi-
nistração do futebol brasileiro. Como é do conhecimento de todos, nos anos 70, esti-
ve no Cosmos de New York. Ali pude perceber a importância do marketing esportivo
que veio a se consolidar nos anos 80, com as Olimpíadas de Los Angeles.

Eu acreditava que esta era a solução para o nosso esporte, isso me fascinava
e, por isso, nos anos 90, convidei João Henrique para trabalhar comigo e ser meu
sócio na Pelé Sports e Marketing, no Rio de Janeiro. Na sua breve passagem (dois
anos depois, João foi morar nos Estados Unidos), reformulamos a estratégia de
exploração da imagem do Pelé (O João se dirigia a mim como Edson e dizia que
Pelé era uma das marcas mais fortes no nosso segmento de atuação – o esporte
– e que por isso só deveria se ligar a marcas líderes em seus segmentos), e fizemos
um belo projeto de administração dos jogos do Santos e Flamengo na Supercopa,
entre outros projetos. Mesmo assim, ainda falta muito e, por isso, concordo com o
João quando diz em seu livro que, para o futebol e o esporte em geral avançar no
Brasil, é necessário buscar um novo modelo de gestão baseado no profissionalismo
e honestidade.

128
Arena Petrobras
Uma nova casa para Flamengo e Botafogo
com depoimento de Carlos Augusto Montenegro
Q uantas vezes a gente já ouviu a seguinte pergunta: como pode um
clube como o Flamengo não ter um estádio próprio? O espanto vale para

Corinthians, Fluminense, Botafogo, Cruzeiro, Atlético-MG e outros grandes

clubes brasileiros. Eu me refiro, é claro, a um estádio com capacidade e estru-

tura para receber jogos importantes, e não apenas para treinar. Mal compa-

rando, são forças do futebol que não têm casa própria, vivem de aluguel. Vá

contar isso para um italiano, espanhol ou um inglês que o espanto será ainda

maior. Uma equipe capaz de reunir 100 mil pessoas em volta de um campo de

futebol não tem uma arena particular.

No Brasil, os grandes clubes sem estádio são completamente dependen-

tes do poder público para mandar seus jogos. O Maracanã tornou-se o palco

de Flamengo, Fluminense e Botafogo. Cruzeiro e Atlético-MG usam o Minei-

rão e o Corinthians se reveza entre o Pacaembu e o Morumbi, que pertence ao

arqui-rival São Paulo. Embora lendários, esses estádios acabam fazendo com

os que os dirigentes se acomodem, como se não precisassem se preocupar em

construir sua própria casa. Muitos ainda não entendem que ter um estádio

próprio não é importante apenas do ponto de vista técnico ou de patrimônio,

mas é também uma questão de sobrevivência. As rendas proporcionadas por

um jogo na sua casa são cada vez mais importantes para o equilíbrio financei-

ro de um clube de futebol. Na Europa, são parte fundamental da receita.

Existem problemas mais imediatos para o fato de não se ter um estádio

próprio. E quando, por exemplo, o seu senhorio pede o imóvel? Pois é, tam-

bém acontece isso com os clubes que vivem de aluguel. Uma dessas situações

me proporcionou um dos maiores desafios profissionais da minha carreira:

131
tocar o projeto de um novo estádio em apenas nove semanas. Estávamos em

2005 e o governo do Estado do Rio decidiu fechar o Maracanã para começar

obras, já com vistas aos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007. O estádio fi-

caria interditado durante todo o Campeonato Brasileiro daquele ano. O Vasco,

como sempre, não estava nem um pouco preocupado. Graças ao esforço e a

paixão de seus torcedores, no fim dos anos 20, o clube ganhou São Januário,

o maior estádio do Rio até a construção do Maracanã. O Fluminense foi rápi-

do e fez um acordo com a prefeitura de Volta Redonda para usar o Estádio da

Cidadania. A estratégia era idêntica à que tínhamos adotado com o Flamengo

um ano antes, quando eu integrava a diretoria de futebol rubro-negra.

Mas e Flamengo e Botafogo? Eram legítimos sem-teto. Pensavam seria-

mente em fazer um bye-bye Brasil, ou seja, mandar seus jogos em outras

cidades, especialmente no Nordeste, onde há bastante torcedores de equipes

cariocas. Não era a solução ideal, é sempre muito impopular com a sua tor-

cida local. Até que, no fim de fevereiro, o presidente do Botafogo, Bebeto de

Freitas, me procurou com uma proposta ousada. Era tão ousada que, a prin-

cípio, eu a rejeitei: “João, eu tenho uma ideia para o Flamengo e para o Bota-

fogo, mas você é a pessoa que tem que tocar o projeto. Vamos alugar o campo

da Portuguesa da Ilha do Governador”, ele disse. Achei tão surpreendente

que só me ocorreu responder com duas perguntas: “O campo da Portuguesa?

Mas por que eu?”. O Bebeto não perdeu o entusiasmo. “A Portuguesa tem uma

área boa para fazer as adaptações de que precisamos e você é a pessoa certa

porque tem um bom trânsito nos clubes e vai saber equilibrar as emoções de

uma parceria entre dois times rivais”, explicou.

O Bebeto já tinha passado por uma experiência parecida quando reformou

o Estádio de Caio Martins, em Niterói, que pertence ao governo do estado.

Toda a campanha de retorno do Botafogo à elite do futebol brasileiro aconte-

ceu ali. Mas, com a Portuguesa, seria algo mais complexo. Embora simpático, o

Estádio Luso-Brasileiro era acanhado demais, comportava não mais que cinco

132
mil pessoas numa arquibancada de cimento. Não recebia jogos de Primeira Di-

visão havia muitos anos. Estávamos há nove semanas do início do Campeonato

Brasileiro. Seria praticamente impossível deixar tudo pronto a tempo.

Para não dar uma resposta negativa logo de cara, eu quis saber mais dos

planos do Bebeto. “Mas o que temos que fazer lá?”, perguntei. E o presidente

alvinegro foi me listando as obras necessárias com a maior naturalidade: ins-

talação de uma arquibancada tubular para 25 mil pessoas, reforma de vesti-

ários, construção de cabines e sala de imprensa, troca de assentos velhos por

cinco mil cadeiras novas, reforma do gramado, construção de novas entradas

para os torcedores e abertura de lojas de venda de alimentos e produtos li-

cenciados das duas equipes. Simples assim. Depois da lista, eu dei a resposta

negativa que estava segurando na garganta: “Bebeto, só temos nove semanas

para tudo isso. Você pode ser louco, mas eu não sou.”

Marcelo Carnaval

O estádio da Portuguesa, depois da reforma patrocinada pela Telemar e pela Petrobras,


prontinho para o Flamengo e para o Botafogo.

133
Mas o presidente do Botafogo tem a virtude da persistência. Com o apoio

do Márcio Braga, ele me chamou para um almoço. Estavam acompanhados

também do Paulo Odone, presidente do Grêmio e meu amigo. Os dois dirigen-

tes cariocas praticamente me colocaram contra a parede. Começaram brincan-

do comigo: “O João é um mal agradecido, não quer mais nos ajudar”. Aí eu fiz

uma perguntinha provocadora. “Então está bom. Eu ajudo. Mas e o dinheiro?”.

Então eles disseram que era só eu planejar a estratégia de marketing que eles

corriam atrás dos recursos. E continuaram a pressão até que me arrancaram um

“sim”. “Eu ainda acho maluquice, mas vamos tentar”, eu disse, por fim.

Naquele almoço, eu já tinha uma ideia por onde começar – era uma ques-

tão de lógica: numa visão mais imediatista, quem era o responsável pelo pro-

blema de Flamengo e Botafogo? O governo do Estado, que foi quem fechou o

Maracanã para fazer as obras. Então ele teria que nos ajudar. Fomos até a então

governadora Rosinha Garotinho, que entendeu nossos argumentos e viabilizou

recursos através da lei de incentivo do ICMS para a cultura e o esporte. Ela nos

explicou que teríamos um certificado para oferecer às empresas, que descon-

tariam do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços o investimento

que fariam no estado. Mas, fomos além: “Governadora, nós não temos tempo

para correr atrás dessas empresas. Veja, por favor, com o seu secretariado uma

grande empresa que recolha muito ICMS. Entenda, isso é uma questão de Esta-

do, são dois dos maiores clubes do Rio que estão sem-teto.”

O apelo funcionou. Foi-nos indicado a Telemar, que aceitou ajudar os

dois clubes. Dela recebemos R$ 2,4 milhões, que administramos na reforma

do estádio da Portuguesa. Só ficou de fora a arquibancada tubular para 25 mil

pessoas, que viabilizamos graças a um patrocínio da Petrobras. Nesse acerto

com a estatal do petróleo, fomos beneficiados por algumas particularidades.

Em primeiro lugar, eu sabia que a empresa se interessa em apoiar iniciativas

do Estado do Rio, porque é aqui que ela extrai a maior parte de seu petróleo.

Na ocasião, seu presidente era José Eduardo Dutra, botafoguense doente,

134
e o presidente da BR Distribuidora era Rodolfo Landim, que não perde um

jogo do Flamengo. A estatal gastaria, no total, R$ 3 milhões na montagem da

arquibancada que seria feita diretamente por ela. Esse dinheiro não passou

pela mão dos clubes, que durante todo o tempo de uso do estádio só tiveram

de fazer um aporte de R$ 50 mil cada para o início das obras.

Em troca, nós daríamos à Petrobras algo extremamente valioso: o nome

do estádio. O novo campo da Portuguesa seria chamado, naquele Campeonato

Brasileiro, de Arena Petrobras. Era um conceito de marketing – e ainda é –

muito pouco explorado no Brasil: o naming rights. Anteriormente, a única

iniciativa de vulto nesse sentido tinha sido o Kyocera Arena, o belo estádio

do Atlético-PR, em Curitiba. Mas por que não Arena Telemar? Porque demos

à empresa de telecomunicações mais visibilidade na publicidade estática do

estádio, enquanto a Petrobras, que gastou mais, ficou com o nome. Foi uma

simples negociação comercial.

Marcelo Carnaval

Antonio Augusto, presidente da Portuguesa, Areias, José Carlos Salim, diretor do Portu-
guesa, e Raimundo Nonato, coordenador do estádio Arena Petrobras

135
O naming rigths é algo absolutamente banal na Europa e, principalmen-

te, nos Estados Unidos. Em geral, pega-se um estádio que já existe e vende-se

o seu nome para uma grande empresa num contrato longo, de pelo menos

dez anos, para que os torcedores se acostumem a ele. Podemos lembrar de vá-

rios exemplos fáceis: Allianz Arena (Bayern de Munique), Delta Center (Utah

Jazz), Phillips Stadion (PSV Eidhoven), Emirates Stadium (Arsenal), entre

outros. O primeiro caso de naming rights que se tem notícia é de 1953, quan-

do a cervejaria Anheuser-Busch deu o nome de Budweiser Stadium à arena

do time de beisebol americano St. Louis Cardinal. Bem mais recentemente, o

ator e governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, bancou um estádio

com o seu nome em Viena, capital da seu país-natal, a Áustria. Numa situação

semelhante, o estádio Palestra Itália, do Palmeiras, recebeu o nome de Parque

Antarctica, quando a cervejaria ajudou na construção do estádio.

No Brasil, o naming rights é mais comum em casas de espetáculo como o

Credicard Hall, Chevrolet Hall, Teatro Abril e Citibank Hall, que já foi Claro

Hall e ATL Hall. No futebol, existe ainda um preconceito contra esse tipo

de marketing. Basta ver que pouca gente chama o estádio do Atlético-PR de

Kyocera Arena, enquanto a atual Arena da Baixada estava sob contrato. O

mesmo aconteceu com a nossa Arena Petrobras, que foi chamada por muita

gente de Arena da Ilha. Nesse ponto, a responsabilidade principal foi da

mídia, que faz regulamente reportagens sobre a falta de patrocínio ao es-

porte e, quando ele acontece, argumenta que não pode fazer propaganda

de graça. Como eu disse, é puro preconceito que, com o tempo, vai cair.

Basta dizer que, há 20 anos, alguns jornais botavam uma tarja preta sobre

o logotipo da Coca-Cola estampado na camisa dos clubes que disputaram a

Copa União. Alguém imagina isso hoje? Mas persiste ainda uma visão com-

pletamente míope de editores e do departamento comercial dos veículos de

comunicação. Eles não entendem que, com os patrocinadores, o espetáculo

pode ter mais qualidade, o que vai se reverter em mais gente interessada em

ler sobre o evento e, consequentemente, em mais anunciantes. É um círculo

136
Marcelo Carnaval

O Botafogo levou para o Arena Petrobrás quase 260 mil torcedores.

Marcelo Carnaval

Com uma taxa de ocupação de 52%, os jogos do Flamengo tiveram uma renda bruta de
quase R$ 2, 5 milhões.

137
virtuoso. Se todos tivessem chamado o campo da Portuguesa de Arena Pe-

trobras é possível que a empresa estivesse lá até hoje. Seria quase obrigada

a fazê-lo. Então esses R$ 5,4 milhões gastos com a preparação do estádio

poderiam ir diretamente para os cofres dos clubes. No acordo de naming ri-

ghts com a Petrobras, fizemos um contrato curto porque o Maracanã ficaria

pronto no fim do Campeonato Brasileiro. Flamengo e Botafogo disputaram

na Ilha do Governador um total de 36 jogos, 16 dos rubro-negros e 20 dos

alvinegros. Foi o segundo estádio a receber mais público na competição

(491.632 pagantes), atrás apenas do Mineirão (733.808). No número de

jogos, também só ficou atrás do estádio de Belo Horizonte, que recebeu 39.

O Botafogo teve quase R$ 1,5 milhão de receita líquida e o Flamengo, mais

de R$ 1 milhão.

Apesar de algumas previsões pessimistas da imprensa, as pessoas gos-

tavam de assistir às partidas na Arena Petrobras, não tinham problema de

estacionamento, tinham opções de alimentação e ainda compravam produtos

licenciados do seu clube. Fazíamos o planejamento sistemático das partidas,

cumprindo à risca o Estatuto do Torcedor. Tínhamos reuniões semanais com

a Polícia Militar, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, CET-Rio, subprefeitura da

Ilha etc. Envolvemos também a comunidade local, contando com a ajuda do

pessoal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Fundão. Mostramos

ao moradores da Ilha do Governador que levar os jogos para lá seria interes-

sante, mudaria um pouco a imagem do bairro, que tem sofrido muito com a

violência. No mínimo, movimentaria o comércio da região.

Para a Portuguesa, a Arena Petrobras também foi um negócio e tanto. As

arquibancadas tubulares saíram, mas ficou a de cimento totalmente reformada,

além de vestiários e cabine de imprensa. Junto com as melhorias em seu estádio,

a Portuguesa recebeu um aluguel de R$ 12 mil por partida. O valor era pago pelo

Flamengo e pelo Botafogo, que gastariam bem mais se realizassem seus jogos no

Maracanã. No estádio do governo, a despesa chegava a R$ 60 mil.

138
A parceria entre Flamengo e Botafogo gerou até receitas pouco comuns no

futebol. Em outubro, alugamos o estádio para filmagens de duas produtoras, a

Zohar Cinema e a Tatu Filmes, ao custo de R$ 5 mil por dia de gravação.

É importante ressaltar que um empreendimento como este requer uma

equipe de planejamento e execução que, no caso específico, precisou ser ain-

da mais eficiente por causa da falta de tempo para executá-lo. Flamengo e

Botafogo não tinham dinheiro para contratar profissionais. Da minha parte,

eu dispensei qualquer comissão sobre os contratos e recebi apenas um salário

até dezembro pela coordenação do projeto. Para formar uma equipe, pedi ao

Márcio e ao Bebeto funcionários dos clubes, seis de cada um. Não serviam

dirigentes amadores, mas contratados que pudessem dedicar 100% do tempo

à Arena Petrobras. Peguei profissionais de engenharia, segurança, departa-

mento jurídico, finanças, marketing e operação de estádios. Tudo funcionou

muito bem graças ao entrosamento e competência dessa equipe.

Entre todas esses profissionais, a quem sou muito grato, gostaria de des-

Montagem sobre fotos de Marcelo Carnaval

Dirigentes e profissionais que fizeram a Arena Petrobras acontecer

139
tacar a figura do Raimundo Nonato, um homem ligado ao esporte que foi

superintendente da Confederação Brasileira de Basquete. Ele foi a pessoa de

confiança que eu chamei para ser o executivo da Arena Petrobras. Foi o tempo

todo um profissional correto, inteligentíssimo e com uma firmeza capaz de

barrar o Márcio Braga e o Bebeto de Freitas se essas fossem as instruções.

Era uma espécie de capitão da equipe de profissionais dos dois clubes. Foi ele

quem negociou com os fornecedores do estádio e conseguiu viabilizar duas

mil vagas para carros com os comerciantes locais.

Toda essa negociação com a Petrobras e a Telemar contou com um jogo de

bastidores interessantíssimo. Como se sabe, Flamengo e Botafogo sofrem até

hoje por causa de suas dívidas milionárias com o Governo federal. Nenhum de-

les pode obter certidão negativa de débito, o que os impede de receber recur-

sos públicos. Pois então como foram beneficiados com verba da maior estatal

brasileira e pela isenção de impostos estaduais que seriam pagos pela Telemar?

Bem simples: o contrato não foi feito diretamente com eles, mas com a Liga

Carioca de Futebol, uma entidade jurídica que tinha sede mas estava inativa

havia anos. Era formada por Flamengo, Botafogo, Fluminense, América e São

Cristóvão, quando houve a ideia de fazer um campeonato à parte do da Fede-

ração de Futebol do Rio. Mas a iniciativa nunca saiu do papel e a liga perdeu a

sua função. A Timemania, nova loteria que será administrada pela Caixa Eco-

nômica Federal, resolverá o problema dos clubes. Eles receberão a Certidão

Negativa de Débitos em troca do uso de seus escudos na Timemania. A maior

parte reverterá para os cofres públicos, para quitação das dívidas fiscais.

Decidimos, então, ressuscitar a liga para ajudar os clubes. Primeiro

fomos aos outros integrantes, que aceitaram se licenciar da associação. Fi-

caram apenas Flamengo e Botafogo. Graças a um belo trabalho do advogado

Vantuil Gonçalves, que refez a ata, regularizou as taxas e ativou-a novamen-

te, em pouco tempo a liga estava de novo em atividade. E com essa nova

entidade assinamos contrato com a Petrobras e com a Telemar, dentro da

mais absoluta legalidade.


140
Além de muito gratificante, o projeto da Arena Petrobras foi importante

porque reforçou no futebol brasileiro a necessidade de explorar melhor as recei-

tas de estádio. Poucos clubes aqui fazem isso direito, talvez apenas São Paulo,

Atlético-PR, Internacional e Grêmio. Naquele ano, Flamengo e Botafogo se jun-

taram a esse grupo. Mas, um ano antes, o Flamengo também já tinha dado um

passo à frente nesse sentido quando realizou os seus jogos no Brasileiro no então

recém-inaugurado Estádio da Cidadania, em Volta Redonda, no Sul fluminense.

Em 2004, eu fazia parte da diretoria do Fla-Futebol, como chamamos o

embrião de um departamento de futebol profissional, até certo ponto inde-

pendente da presidência do clube. Trabalharam ao meu lado meus amigos

José Maria Sobrinho e Leovegildo Lins Gama Junior, o Junior. Quando come-

çamos a planejar a participação do Flamengo no Brasileiro daquele ano, nos

deparamos com um estudo assustador sobre as receitas do clube no Brasileiro

de 2003. A equipe tinha jogado 23 partidas no Maracanã e faturado R$ 2,2

milhões brutos. Mas só levou para casa R$ 200 mil, menos de 10%. Em va-

lores aproximados, a CBF e a Federação do Rio ficaram com R$ 500 mil, a

Suderj ficou com R$ 500 mil e R$ 1 milhão foram gastos com impostos, com

a organização do jogo em si e com despesas diversas. Em outras palavras: o

Flamengo, dono do espetáculo, foi o sócio minoritário nesse negócio.

O Estádio da Cidadania foi criado com a fama, justíssima, de ser um

dos melhores do Brasil. Eu sabia que a Prefeitura de Volta Redonda estava

interessada em promover eventos lá, até para justificar o investimento. E

eles sabiam que os jogos do Flamengo no Maracanã eram deficitários. Para

resolver o problema dos dois lados, decidimos nos unir. Acertamos que todas

as receitas de estádio (ingressos, bares, restaurante, publicidade) seriam di-

vididas meio a meio entre a cidade e o clube. Mas, se o faturamento do jogo

ficasse abaixo do esperado, nós receberíamos da prefeitura uma cota mínima

de R$ 100 mil líquidos. O Maracanã não proporciona essa receita de estádio,

que fica basicamente com a Suderj.


141
Eu disse que a prefeitura de Volta Redonda sabia que o Flamengo tinha

recebido algo em torno de R$ 10 mil por jogo no campeonato passado. Por

que, então, aceitou pagar R$ 100 mil? Porque entendeu a importância de

ter na sua cidade o clube mais popular do Brasil. Neste ponto, faço minha

deferência ao então prefeito Antonio Francisco Neto, que conosco sempre se

mostrou um político inteligentíssimo. O Flamengo faria parte do conceito de

estádio público que ele queria implantar na cidade. O Estádio da Cidadania

funciona sete dias na semana. Tem universidade, atendimento à terceira

idade, clínica de fisioterapia, atividades com crianças, enfim, ele serve à

população. E o clube rubro-negro levaria entretenimento a ela, seria o re-

cheio do bolo. Sem contar que Volta Redonda passaria a ser falada no Brasil

inteiro. Sempre que se referissem ao jogo do Flamengo, os jornais, rádios e

TVs do norte a sul do país teriam que citar o nome da cidade. Isso não tem

preço. Na verdade, a cota de R$ 100 mil passou a ser barata. A cidade es-

panhola de La Coruña, por exemplo, só ficou conhecida internacionalmente

por causa do maravilhoso time capitaneado por Bebeto nos anos 90. Até

então, era apenas a vizinha sem graça de Santiago de Compostela. Até o

turismo lá ganhou fôlego.

Como era interessante e lucrativo para ambos, o clube e a prefeitura

coordenaram diversas ações para promover os jogos no Estádio da Cidadania

Quem recebia os torcedores eram crianças, idosos e deficientes físicos. Fi-

zemos promoções de tudo quanto foi tipo para atrair a torcida. Não tivemos

problemas de violência, havia sempre um clima familiar nas partidas. Naque-

le ano, o Flamengo jogou 16 vezes em Volta Redonda porque a diretoria fez

questão de manter os clássicos com Vasco, Fluminense e Botafogo no Mara-

canã. Pelo acordo, o rubro-negro já garantia R$ 1,6 milhão mas, graças à boa

bilheteria, o valor quase dobrou. O Flamengo bateu o recorde brasileiro de

venda de carnês, superando o São Paulo e o Atlético Paranaense, com cerca

de 3 mil carnês vendidos.

142
A Arena Petrobras e o Estádio da Cidadania foram, portanto, duas so-

luções altamente proveitosas e lucrativas para Flamengo e Botafogo. Mas

insisto que, numa gestão profissional, esse tipo de problema não deveria nem

existir. Um estádio próprio é requisito básico para um clube que pretende ser

superavitário. Quem não entende isso, fica cada vez mais para trás.

Este relatório, com os resultados esportivos, técnicos e econômicos do projeto,


encontra-se no site http://www.arenapetrobras.com

143
Carlos Augusto Montenegro
vice-presidente do Botafogo e presidente do Ibope.

Quem ainda duvida da necessidade de um clube grande


possuir estádio próprio deve olhar para a Europa. Lá, muitas vezes, a equipe ar-
recada mais com as receitas de estádio do que de TV – algo ainda inconcebível no
Brasil. É possível lucrar com naming rights, placas publicitárias, venda de artigos
esportivos, lanchonetes, entre outros. Sem contar com a possibilidade de arrendar
o estádio para outros fins. É claro que uma empresa disposta a investir no futebol
vai olhar com bons olhos para um clube assim.

No Botafogo, passamos por experiências importantes até chegarmos à admi-


nistração do Engenhão, o estádio mais moderno do Brasil. Na disputa da Segunda
Divisão, um momento difícil para os alvinegros, a diretoria reformou o Caio Mar-
tins, em Niterói, e o colocou em condições de atender às exigências do Estatuto do
Torcedor. A medida foi muito importante para o retorno do clube à elite do futebol
brasileiro, de onde nunca deveria ter saído.

Em 2005, o Botafogo apostou numa parceria com o Flamengo para a remo-


delação do Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador. O tempo mostrou que
foi outra decisão acertada, sob todos os pontos de vista. A torcida compareceu, o
time venceu a maioria dos jogos lá e o clube arrecadou mais por isso. Foi também
uma prova de que os times cariocas só precisam ser rivais dentro de campo. Fora
dele, Flamengo e Botafogo se uniram e mostraram sua força.

Este ano, demos um passo ainda mais importante neste sentido. Com o En-
genhão, arrendado junto à Prefeitura, o Botafogo mostra, de uma vez por todas,
que não abre mais mão das receitas obtidas apenas pelos clubes que contam com
estádio próprio.

144
No basquete
Virando o jogo
com depoimentos de Ary Vidal e Renato Brito Cunha
Q ual o esporte mais popular do Brasil? Ninguém tem dúvidas de que
é o futebol. E qual o segundo lugar? Bem, eu diria que também é o futebol,

seguido, naturalmente, do futebol. A discussão começa com o quarto lugar,

que sempre foi disputado pelo vôlei e pelo basquete. Pelo menos de um 30

anos para cá, o vôlei tem se sobressaído até com certa folga, seja no aspec-

to técnico, administrativo, financeiro e no que mais for possível comparar.

Esta é a realidade brasileira. Agora eu conto uma história que nos ajudará a

compreender a potencialidade do nosso basquete e também uma das razões

para a sua decadência.

A época de ouro do basquete brasileiro masculino aconteceu entre os

anos 50 e 60, quando a seleção sagrou-se bicampeã mundial (1959 e 1963)

e foi duas vezes medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos (1960 e 1964).

A equipe tinha jogadores inesquecíveis como Amaury, Rosa Branca, Algodão,

Wlamir Marques, entre outros. De lá para cá, vivemos ainda bons momentos

com a geração de Oscar, responsável pelo feito histórico da medalha de ouro

no Pan-Americano de Indianápolis, em 1987, numa vitória épica sobre os

americanos. No comando desta equipe, estava Ary Vidal.

No basquete feminino, o melhor momento aconteceu a reboque do nas-

cimento de uma geração de ouro capitaneada por Paula e Hortência, em es-

pecial nos anos 90. Com elas, o Brasil foi campeão mundial em 1994, na

Austrália, e vice-campeão olímpico em 1996, em Atlanta. Mesmo nessa época,

porém, o Campeonato Nacional Feminino se limitava a poucas equipes do

interior de São Paulo, com investimentos limitados.

147
Mas, a despeito dos grandes jogadores que formamos, os resultados da

seleção brasileira, em geral, não são bons há bastante tempo. Os campeo-

natos nacionais também vivem numa montanha-russa, cheios de altos e bai-

xos. Estávamos num período de baixos quando, em 1995, o presidente da

Confederação Brasileira de Basquete (CBB), Renato Brito Cunha, convidou a

Sportlink para ser a agência de marketing esportivo da entidade. O objetivo

principal era revitalizar o Campeonato Nacional e buscar investimentos para

a seleção brasileira em todas as suas categorias, do infantil até o adulto, tan-

to no masculino e quanto no feminino.

A CBB estava numa situação financeira delicada. A confederação aca-

bara de perder o patrocínio do Banco do Brasil para o vôlei, um esporte

que já dava muito mais alegrias para o torcedor e retorno financeiro para

o investidor. A Converse, responsável pelo material esportivo da seleção,

também tinha pedido para sair e a Penalty, insatisfeita com a pouca visi-

bilidade, havia reduzido o número de bolas. Só restava a Caixa Econômica

Federal, que pagava na época US$ 600 mil por ano, mas queria diminuir o

valor para US$ 300 mil. Era toda a receita que o dirigente dispunha para

gerir o basquete brasileiro.

A evasão de patrocinadores se deu, notadamente, pela insatisfação sobre

a forma como o basquete brasileiro estava sendo gerido. Não havia sequer um

acompanhamento constante do retorno de imagem que o esporte estava lhes

dando. Não foram feitas pesquisas antes e durante a vigência do patrocínio

para saber se a marca estava sendo mais lembrada pelos consumidores nem

tampouco se estava medindo a mídia espontânea nos veículos de comunica-

ção. Empresas especializadas nesse tipo de medição calculam quanto seria

gasto em verba de publicidade para se obter uma exposição desse tamanho.

Se o marketing for bem feito, o esporte costuma dar um retorno até dez vezes

maior que o valor investido.

148
O Campeonato Nacional Masculino de 1995 havia sido altamente defici-

tário. Contava com 21 equipes, muitas delas de baixa qualidade técnica. As

viagens eram feitas de ônibus porque não havia dinheiro para passagens de

avião. A decisão foi transmitida apenas em videotape por uma TV fechada,

tamanho o desinteresse que a competição provocava. Não havia mais que 700

pessoas no ginásio no dia da final.

Eu estava bem mais acostumado a trabalhar com futebol, mas aceitei o

desafio. Afinal, o basquete era apenas um outro produto esportivo. Tínhamos

de desenvolvê-lo para vendê-lo. Antes de mais nada, precisávamos criar uma

cultura comercial, de marketing e de comunicação na CBB. Para isso, era fun-

damental que eu fizesse uma imersão neste esporte, conhecesse as virtudes,

os problemas, os sistemas de disputas etc. Isso me permitiria pensar num

novo formato para o calendário dos clubes e da seleção brasileira, de modo

que este fosse atrativo técnica e comercialmente. A grosso modo, eu tinha que

pensar numa nova Copa União, ou seja, um torneio atraente e vendável, só

que agora para o basquete.

Por uma feliz coincidência, a seleção brasileira começaria, naquela épo-

ca, uma série de amistosos pelo país com vistas ao Pré-Olímpico que seria

disputado na Argentina. O vencedor se classificaria para os Jogos de Atlanta.

Eu me juntei à delegação numa viagem de duas semanas e, assim, pude ter

contato com os mais variados profissionais que vivem em torno do basque-

te: dirigentes, técnicos, jogadores, comissão técnica, jornalistas, torcedores

etc. Conversando com essas pessoas, como num brain storm, surgiram várias

ideias. Às vezes, a solução não vem do dirigente, mas de um simples bate-


papo com o roupeiro ou um torcedor.

Voltei da excursão com uma pesquisa informal sobre o basquete bra-

sileiro. A CBB, é claro, não tinha recursos para encomendar pesquisas de

marketing, quantitativas ou qualitativas, com o consumidor/torcedor. Uma

149
deficiência que ficou clara na conversa com os jornalistas, por exemplo, era a

ausência de um sistema de estatísticas. Simplesmente não havia informações

detalhadas dos jogos de clubes e da seleção, o que impedia uma análise mais

profunda da partida, como acontece na NBA, a liga de basquete profissional

americana. Era um produto caro, nem o vôlei tinha um serviço de estatística

profissional. Mas eu me convenci de que era preciso buscar um patrocinador

para viabilizar essa facilidade.

Minha primeira ideia foi recorrer à IBM, onde eu havia trabalhado. Mas

seria muito caro para a realidade da CBB. Então consegui um acordo com

uma de suas rivais, a Unisys. A empresa topou fornecer os computadores e a

equipe de estatísticas em troca de espaço publicitário em todos os eventos da

confederação. Não havia dinheiro envolvido, apenas troca de serviços. Tanto

que a minha comissão foram dois computadores. Tempos depois, consegui-

mos um contrato com a Molten, que fornece as bolas do Mundial de basque-

te. Eles nos deram duas mil unidades em troca de uma placa de publicidade

estática nos ginásios e do próprio merchandising da bola.

Obviamente que isso era ainda muito pouco. Na verdade, precisávamos

criar uma revolução no basquete, uma reviravolta no modo como ele vinha

sendo conduzido. Daí surgiu o nome do projeto e do conceito de marketing,

a Volta Olímpica do Basquete. Era uma referência ao tipo de comemoração

depois de um título. O nosso título seria a recuperação do basquete. Para

isso, precisávamos do Oscar, que estava jogando na Europa. Precisávamos

também da Paula e da Hortência. Maiores ídolos deste esporte no Brasil, os

três abraçaram o projeto. São os ídolos que levam o torcedor ao ginásio. Na

apresentação do projeto às empresas, eu já tinha botado logo a imagem da

Hortência e do Oscar na capa. Era um senhor cartão de visitas.

Nesse projeto, o ano do basquete brasileiro já aparecia dividido em três.

No primeiro quadrimestre seria disputado o Campeonato Nacional. O segundo

150
seria reservado às atividades da seleção brasileira e o terceiro, às copas regio-

nais. Era fundamental um calendário organizado com antecipação. Esse seria o

produto que levaríamos aos eventuais patrocinadores e às emissoras de TV.

Desde o início, eu deixei claro ao Renato Brito Cunha que não havia mais

possibilidades de se organizar um campeonato com 21 clubes. Como acontecia

com o Campeonato Brasileiro de futebol antes da Copa União, eles não reuniam

qualidade suficiente para atrair o público e a TV. O corte no número de partici-

pantes seria uma decisão politicamente desgastante para a CBB, mas era impres-

cindível para garantir a qualidade técnica e comercial dos jogos. Expliquei a ele

que o novo foco da confederação seria o torcedor. Ele é o consumidor do basque-

te. Era uma mudança cultural e tanto no basquete, mas o Renato entendeu.

Arquivo pessoal

Oscar e Areias com seus filhos, Gustavo e Paula.

O calendário deveria ser rigorosamente respeitado. Não havia mais espa-

ços para mudanças de datas, W.O.s, viradas de mesa. Para atender à televisão

você tem que garantir credibilidade. E a televisão é quem amplificaria o nos-

151
so público. Quando eu comecei a visitar as emissoras, percebi que o basquete

sofria com um descrédito na sua capacidade de organização. Foi esse o argu-

mento da TV Bandeirantes para dizer não ao nosso projeto, por exemplo.

Por sorte, aquele era um momento de consolidação das TVs por assina-

tura no Brasil. Entre as esportivas, aumentava a concorrência entre a ESPN

Brasil, do grupo TVA, e o SporTV, da Globosat. Sabíamos que as duas emis-

soras precisavam de bons produtos. Certo dia, saiu publicado num jornal

que a ESPN Brasil tinha interesse em comprar o Nacional de basquete, com

transmissão dos playoffs inclusive para a ESPN Internacional. Era um salto e

tanto. No ano anterior, a final foi transmitida em videotape. Agora, chegaria

até outros países. A Globosat, então, viu que poderia perder um mercado de

muito potencial e entrou firme na briga.

Nossa proposta tinha dois diferenciais importantes. Em primeiro lugar,

oferecíamos um calendário definido, uma grade de programação do primeiro

ao último jogo, algo até então inédito no basquete. Depois, apresentamos

também um projeto de mídia integrada, aquele sistema de marketing que une

a publicidade de vídeo e de arena, como expliquei anteriormente. Ou seja,

a emissora poderia dizer aos seus anunciantes que eles também teriam suas

marcas expostas nas placas de publicidade estáticas do ginásio. Não havia

mais espaço para ambush marketing, o marketing de emboscada.

Por tudo disso, vendemos para a Globosat as transmissões do Campeona-

to Nacional por US$ 2 milhões anuais, em quatro anos de contrato. Era um

valor compatível com as negociações do futebol e bem acima do que era pago

ao vôlei na época, algo em torno de US$ 300 mil. Era algo fantástico para o

primeiro contrato. Naquele momento, lembrei uma frase ótima do Ary Vidal

que, de certa forma, estava sendo contrariada: “Fazer marketing com vôlei é

fácil, Bernard, Montanaro, Renan. Só nome bonito, com caras de dois metros

de altura bem distribuídos. Agora vai fazer com Pai Nego, Pipoca, cada nome

152
pior que o outro no basquete. E tudo mal distribuído”. Pois a Globosat vendeu

três boas cotas de publicidade: Unisys, Reebok e Molten.

Em 1996, o basquete foi o segundo esporte de maior audiência do Spor-

TV, ultrapassando o vôlei. A média de torcedores nos 172 jogos do campe-

onato foi de cerca de duas mil pessoas. Todos os times eram estimulados a

fazer promoções para encher seus ginásios. Lembro que os mais criativos

foram o Franca e o Joinville. A Panini, velha conhecida da Copa União e da

Copa de 1994, também se interessou em fazer o álbum de figurinhas do cam-

peonato, que foi bem sucedido. No fim do campeonato, a Sportlink organizou

o primeiro All Star Game, uma versão brasileira para o jogo de estrelas da

NBA. Até a TV Globo transmitiu essa partida.

Todo esse incremento no basquete nacional, no entanto, não serviria de

muita coisa se o Brasil ficasse fora das Olimpíadas de Atlanta. Só assim a

chamada Volta Olímpica poderia ser completada. O início do Pré-Olímpico

foi preocupante para a seleção brasileira, que chegou a ficar muito perto

da eliminação. Preocupado, chamei o Renato num canto e perguntei a ele

quanto ele pretendia pagar de prêmio pela classificação para as Olimpíadas:

“A princípio, mil dólares para cada jogador”, ele me disse. Então eu respondi

na hora: “Renato, você vai pagar dez mil dólares para cada um. É hora de

arriscar porque se o Brasil não for para a Olimpíada todo o nosso projeto de

salvar o basquete brasileiro vai sofrer um golpe muito duro”.

O doping financeiro não é uma prática nova no esporte, mas ainda hoje

é visto com preconceito, como se fosse coisa de mercenário. Não é isso. Nin-

guém decide jogar menos porque recebe menos, mas no fundo é uma moti-

vação a mais. Quase sempre ajuda. O presidente hesitou um pouco, mas eu

insisti: “Renato, vamos encarar isso de forma profissional. Não é mais esporte

amador”. No fim, ele aceitou.

153
Mas antes de anunciar a premiação, nós conversamos com o Ary Vidal e

com o Oscar, o líder do grupo. Ambos disseram que estavam ali pela camisa

do Brasil e não pelo dinheiro. Foi difícil convencê-los da importância da mo-

tivação extra, especialmente o Oscar: “Pode ser que para um não seja impor-

tante, mas para outro pode ser. Nós, profissionais, queremos reconhecimento

e o dinheiro é uma forma de expressar isso”, eu ponderei. O Oscar disse,

então, que chamaria o grupo para se juntar a nós. Lembro que quando o Re-

nato disse que pagaria US$ 10 mil pela vaga nos Jogos de Atlanta, o Amaury

falou: “Tudo bem, presidente, vai dar uns US$ 500 para cada um, acho que é

justo.” Quando eles ficaram sabendo que era US$ 10 mil para cada um, quase

tiveram um infarto. O basquete nunca tinha trabalhado com esses valores mas

agora, graças aos novos patrocinadores, o dinheiro começava a aparecer. E o

Brasil se classificou para as Olimpíadas.

A vaga nos Jogos também era fundamental para a definição do novo

fornecedor de material esportivo da seleção. A equipe já estava vestindo uni-

formes da Reebok num acordo provisório fechado com a empresa americana,

que eu já conhecia bem desde a negociação com o Fluminense. Se o Brasil se

classificasse, a Reebok teria prioridade na renovação por mais quatro anos.

E assim foi feito, por US$ 1 milhão. Da mesma forma, trabalhamos na reno-

vação de contrato com a Caixa Econômica Federal. Seria o nosso principal

patrocinador. Quando começamos a negociar, eles entenderam que era impor-

tante concentrar investimentos num esporte só, como o Banco do Brasil fazia

com o vôlei. Até então, a Caixa diversificava muito a verba e não encontrava

seu foco. Nós, então, renovamos com a estatal por US$ 3 milhões.

Em resumo, nós pegamos a CBB com um faturamento de US$ 600 mil,

que era a verba da Caixa Econômica Federal. Em menos de nove meses, con-

seguimos mais cinco contratos (Unisys, Molten, Reebok, Panini e Globosat).

A receita pulou para US$ 6 milhões.

154
Era um trabalho valiosíssimo não só nosso, mas também da CBB, que

esteve aberta às mudanças e se empenhou em, de fato, recuperar o basquete.

Só que em 1997 havia eleições marcadas para eleger o novo presidente da

entidade. O Renato se candidatou à reeleição contra o Gerasime Bozikis, co-

nhecido como Grego, então presidente da Federação Carioca de Basquete. Os

dois não se davam bem e foi uma disputa acirradíssima. Tanto que foi parar

na Justiça, depois que o Renato perdeu por apenas um voto de diferença.

Segundo Renato, o voto não era válido porque a federação não estava em dia

com suas obrigações com a CBB e não podia votar. No empate, ele assumiria

por ser o mais velho. A redução do número de vagas no Nacional, em favor

do aumento da qualidade, teve, sem dúvida, um peso político contra ele. E o

Grego acabou assumindo.

Começou, então, um processo bem similar ao que ocorrera um ano antes

no episódio entre o Fluminense e a Hyundai, novamente fomentado pelo mo-

delo amador de gestão do nosso esporte. A nova diretoria decidiu fazer uma

reformulação em praticamente todos os departamentos, inclusive nos que esta-

vam funcionando bem, como o marketing. Grego queria rever todos os contra-

tos de patrocínio. O primeiro a ser rompido foi com a Reebok, que ainda tinha

mais três anos pela frente. Outra medida foi demitir o técnico Ary Vidal.

Com a Sportlink não seria possível uma mudança tão rápida. Tínhamos

à frente o Mundial Feminino Juvenil, que seria disputado em Natal, no Rio

Grande do Norte. Aquela tinha sido uma das conquistas da gestão do Rena-

to. Nossa empresa esteve sempre à frente da organização, cumprimos todo

o caderno de encargos para sediar o torneio e não dava para abrir mão do

nosso know-how. Pelo menos não naquela hora. Depois do campeonato, nós

já sabíamos que haveria uma reunião definitiva com o Grego.

Quando começou o Mundial, a CBB já tinha suspendido o pagamento

da Sportlink. Mesmo assim, trabalhamos normalmente. E como trabalha-

155
mos. Com a ajuda da Caixa, levamos os folclóricos Dartagnan e Bola Sete,

que sabem animar uma torcida como poucos. Além disso, tivemos a ideia

de convidar as escolas públicas de Natal para levar seus alunos aos jogos.

A combinação transformou os jogos do Mundial numa festa, mesmo quando

a seleção brasileira não estava em quadra. Conseguimos a maior média de

público de todos os tempos na categoria. Foi um sucesso tão grande que o

presidente da Federação Internacional de Basquete na época, o americano

George Killian, afirmou no dia da final que nunca tinha visto um público

tão alegre e participativo num campeonato de basquete, nem no Mundial

masculino adulto. E, por causa disso, fez uma homenagem especial ao Dar-

tagnan e o Bola Sete. Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro e

o Brasil terminou na quarta colocação.

Depois do Mundial, até o Grego reconheceu o nosso trabalho. E disse que,

por isso, manteria a Sportlink, mas sob a condição de reduzirmos a nossa comis-

são de 20% para 10% sobre os contratos. Além disso, não teríamos mais exclusi-

vidade com a CBB, ou seja, ela poderia contratar outras agências de marketing:

“Mas fique tranquilo, vocês não vão perder nada. Sou um homem de marketing,

conseguiremos novos contratos”, ele disse. O Grego era dono de uma empresa de

prestação de serviços de ar condicionado.

“Então, como homem de marketing, você deve saber que é fundamental ter

uma só agência. Como é que eu e outra empresa vamos à Coca-Cola, por exem-

plo, pedir a mesma coisa? Como você vai separar isso?”. Não obtive resposta. Eu

tinha montado uma equipe exclusiva para a CBB, profissionais especializados no

mercado de basquete. Grego estava abrindo mão dessa experiência.

Não me restou outra coisa a fazer senão ir à Justiça. Rompemos o con-

trato unilateralmente. A decepção foi enorme porque já estávamos obtendo

retorno do técnico e financeiro. Tive de despedir funcionários e ainda sofri

um AVC. Decidi até passar um tempo na Espanha, acompanhando de perto

156
o Sávio no Real Madrid. Foi uma fase muito difícil. Todo um planejamento

sério foi desmanchado por um dirigente voluntário sem qualquer compro-

misso com resultados.

Nos tribunais, pelo menos, fez-se justiça. Foram quase 30 processos, en-

volvendo desde falta de pagamento até quebra de contrato com patrocinado-

res. Eles contrataram o escritório dos Zveiter, um dos mais conhecidos do Rio

de Janeiro, e nós contamos com a competência do doutor José Geraldo Costa.

E ganhamos todas as ações, em todas as instâncias.

Aos poucos, a entidade foi acumulando outras derrotas, a começar pelos

patrocínios. Depois de romper com a Reebok, voltou para Penalty. Perdeu a

Caixa Econômica, que hoje investe pesadíssimo no atletismo. Perdeu a Panini,

que parou de produzir os álbuns. O contrato com o SporTV foi renovado, mas

em bases bem inferiores a que obtivemos. Também houve reflexo nas qua-

Ari Gomes

A presença dos alunos das escolas públicas de Natal e de tipos folclóricos como Dartagnan
e Bola Sete, transformaram os jogos do Campeonato de Basquete Mundial Juvenil Femini-
no, em julho de 1997, numa festa.

157
dras. Desde então, por exemplo, a seleção brasileira masculina de basquete

não conseguiu mais se classificar para as Olimpíadas. Em resumo, o amado-

rismo do esporte brasileiro falou mais alto outra vez. A frustração com a CBB

não impediu que a Sportlink mergulhasse de cabeça novamente no mundo do

basquete. Apesar de tudo, eu percebera o potencial desse esporte fantástico

que, quando bem planejado, dá retorno técnico, financeiro e de público. Por

isso, não hesitei em aceitar o convite de trabalhar com a Universidade Salgado

de Oliveira, a Universo, dois anos depois.

O empresário Wellington Salgado de Oliveira, pró-reitor da Universo,

sempre foi apaixonado pelo basquete. Foi jogador quando jovem e, à frente

de uma das universidades mais bem sucedidas do país, decidiu investir no

esporte. Formou o primeiro time profissional para disputar o Campeonato

Nacional na Unit, uma faculdade que comprou em Uberlândia, no Triângu-

lo Mineiro. Mais tarde montaria outras equipes em cidades como Campos,

Goiânia, Brasília e Recife. Apesar do entusiasmo, Wellington estava ar-

cando sozinho com o todo o investimento. Além disso, estava encontrando

resistências na prefeitura de Uberlândia e dentro da própria universidade.

Os estudantes acreditavam que o dinheiro gasto com o basquete poderia

ser investido na faculdade. Não entendiam o poder do esporte como uma

ferramenta de marketing capaz de trazer benefícios inclusive para eles

mesmos. Nos Estados Unidos, é assim, mas o Brasil não tem essa cultura.

Em Uberlândia, passou a ter.

Fizemos um contrato de consultoria de um mês com a Unit. Fui para

Uberlândia com o objetivo de, assim como fiz com a seleção brasileira,

imergir nessa nova realidade. Precisava aprender como funcionava a ca-

beça de todos os personagens daquela história. Passei três dias em entre-

vistas com funcionários da prefeitura, diretores da universidade, alunos

e patrocinadores em potencial. Havia um claro problema de desunião, es-

tava todo mundo com uma visão muito limitada aos seus interesses. Com

158
o problema identificado, desenvolvemos o conceito “Unidos pelo basquete

de Uberlândia”. O slogan estava presente em todo o material que distribu-

ímos, inclusive em outdoors.

Desde o início, tive a preocupação de não cometer o mesmo erro de outras

equipes de basquete que mudavam de nome praticamente todo ano. Elas ficavam

à mercê do patrocinador da vez. Essa deficiência permitiu situações esdrúxulas

como a do Rio Claro (SP), por exemplo. Nos anos 90, foi bicampeão brasileiro,

bicampeão sul-americano e chegou a derrotar o Real Madrid, campeão europeu,

num torneio em Paris. Em suma, era uma máquina de jogar basquete, inferior ape-

nas aos times da NBA. Mas pouca gente hoje se lembra disso porque em um ano

ele se chamava Polt Vaporeto, no outro Blue Life e assim por diante. A equipe de

Uberlândia teria, portanto, uma identidade definida. Seria o Unit Uberlândia.

Os estudantes de comunicação da Universidade de


Uberlândia fizeram o álbum de figurinhas,
que foi um sucesso.

159
Na universidade, tivemos que fazer uma reunião com alunos, funcioná-

rios e professores para mostrar a eles que o time de basquete seria um par-

ceiro. Poderia ser usado como laboratório para vários cursos. A turma de pu-

blicidade, por exemplo, nos ajudou a desenvolver a campanha que promovia

o esporte na cidade. Os estudantes de design fizeram o álbum de figurinhas,

que foi um sucesso. Os futuros fisioterapeutas aprenderam com os profis-

sionais da equipe, os alunos de jornalismo produziram reportagens e assim

sucessivamente. Incluídos no projeto, eles não só começaram a pagar para

assistir aos jogos do time, como também ajudaram a criar uniformes, fizeram

torcidas organizadas etc. Por fim, durante o mês em que estive lá, ajudamos a

formar uma profissional, a Maria das Graças, que, mais tarde, assumiu o meu

lugar na coordenação do projeto. Foi uma formação tão bem sucedida que,

anos depois, ela foi trabalhar no Minas Tênis Clube.

Por outro lado, vencemos a resistência da prefeitura ao provar como é

importante ter uma equipe esportiva associada ao nome da cidade. Foi como

fizemos, anos mais tarde, com Volta Redonda na negociação de cessão do

Estádio da Cidadania para o Flamengo. Uberlândia seria lembrada nacional-

mente sempre que uma emissora de TV falasse do Campeonato Nacional de

Basquete. Lembramos ainda que o time poderia atuar em ações sociais da

prefeitura, fazer palestras, clínicas etc. O esporte, como todo mundo sabe,

tira crianças da rua, afasta jovens das drogas, em resumo, é um poderoso

instrumento de inclusão social. O basquete estaria a serviço da cidade, e não

para sugar seus recursos. Era uma questão de mudança de ângulo. A prefei-

tura teria apenas que ajudar na reforma do ginásio.

Ao mesmo tempo, empresas interessadas em patrocinar o Unit Uberlân-

dia comprariam uma cota e fariam parte do Clube dos 30, uma referência ao

número de cotas disponíveis, divididas em séries ouro (R$ 5 mil mensais),

prata (R$ 3 mil) e bronze (R$ 1 mil). Tivemos 24 cotistas, desde grandes

empresas, como a Coca-Cola e a Souza Cruz, até comerciantes locais. Lembro

160
que um dia bateu na porta do meu escritório, lá na universidade, um senhor

que era motorista de táxi. Era da Cooperativa 1010. Além de colaborar com

o time, ele fazia questão de distribuir adesivos do Clube dos 30 entre todos

os motoristas cooperativados. Era um sujeito simples que entendeu perfeita-

mente o conceito do nosso projeto. Era como se pensasse: “...os meus passa-

geiros saberão que estamos integrados na mesma comunidade e nós, taxistas,

sabemos como é importante a promoção do nome de Uberlândia”. Foi uma

excelente ideia dele. Cada motorista não pagou mais de R$ 30 por mês. Se

todo esse trabalho não resultasse também numa evolução técnica da equipe

de basquete tudo teria sido inútil. Mas o Unit Uberlândia, que ficara em nono

lugar no Nacional de 1999, pulou para a terceira posição no ano seguinte.

Dali em diante, até 2005, nunca mais deixou de figurar entre os cinco melho-

res times do país. Seu ápice aconteceu em 2004, quando conquistou o título

mais importante do país numa decisão contra o Flamengo.

Por ter sido um desenvolvimento de marketing regional, embora com

repercussão nacional, o Unit Uberlândia tem um lugar especial na minha

vida profissional. Foi responsável por tantas alegrias quanto o trabalho com

a CBB e, de quebra, não me decepcionou no fim. Acima de tudo, no entanto,

as duas experiências me provaram de que a Sportlink seria capaz de ven-

der qualquer esporte – e não apenas o nosso carro-chefe, o futebol. Era só

manter a criatividade e o profissionalismo que a vocação brasileira para o

esporte se encarregaria do resto.

161
Ary Vidal
ex-técnico da Seleção Brasileira Masculina de Basquete

Em 1995, nosso foco, à frente da Seleção Brasileira de


Basquete, eram os Jogos Olímpicos do ano seguinte, em Atlanta (EUA). Além de
minha natural preocupação com o trabalho junto aos jogadores em quadra, alertei
ao presidente da CBB, Renato Brito Cunha, que a entidade precisava de um homem
de marketing a fim de levantar recursos para os Jogos. O primeiro nome que me
veio à mente foi o de João Henrique Areias, a quem eu já conhecia pela competên-
cia e profissionalismo. O trabalho que ele desenvolveu, então, na CBB, inclusive
no relacionamento com os jogadores foi um grande sucesso. Graças às boas ideias
que compartilhamos, dentro e fora de quadra, conseguimos a tão sonhada vaga
nos Jogos Olímpicos. Tempos depois, também sugeri o nome de João Henrique
quando fui contratado, como técnico, pela Unit Uberlândia. Foi novamente uma
boa sugestão e outro enorme sucesso. O João inventou mil promoções esportivas
e a cidade mineira literalmente “comprou” o basquete como esporte predileto. Os
jogos lotavam as arquibancadas e, muitas vezes, ficava gente do lado de fora do gi-
násio. Hoje, em Uberlândia, o basquete já não atrai tantos torcedores como antes
mas, em comparação com outras cidades, o público ainda é considerável.

162
Renato Brito Cunha
ex-presidente da Confederação Brasileira de Basquete

Quando assumi a CBB, em 1989, a entidade sequer


tinha um departamento de marketing. Eu era obrigado a buscar patrocinadores
para bancar os campeonatos dos clubes e das seleções, atividade que não está
prevista nas atribuições da presidência. Nesse período, chegamos a fechar con-
tratos com o Banco do Brasil, Topper e Telebras, que garantiram a participação
brasileira em torneios mundiais.

Em meu segundo mandato, percebi a necessidade de contratar profissionais


de marketing. Chamei João Henrique e, durante uma ano, ele praticamente fez
um estágio na confederação, desenvolvendo um trabalho profissional e eficiente.
Em função de seu desempenho, fechamos com a Sportlink um contrato de quatro
anos, durante os quais João conseguiu patrocinadores excelentes como a Glo-
bosat e a Reebok, entre outros. Em pouco tempo, a CBB estava na vanguarda do
marketing esportivo brasileiro, atrás apenas da CBF.

Depois que saí da presidência, temi pelo futuro da CBB. Minha única espe-
rança era que a presença da Sportlink e dos patrocinadores fosse capaz de manter
o ritmo de crescimento do basquete brasileiro. Mas, infelizmente, não foi isso que
aconteceu. O contrato com a Sportlink foi rompido, em seguida a CBB perdeu
o apoio da Reebok e, no ano seguinte, a Caixa Econômica Federal desistiu de
patrocinar o basquete. Como se não bastasse, a confederação também perdeu o
contrato com a Molten, que fornecia duas mil bolas de basquete por ano.

A quebra do contrato com a Sportlink trouxe sérios prejuízos à CBB e ao


basquete brasileiro.

163
Entendendo
o cliente
A tática da vitória
com depoimento de Márcio Braga
N a transição do regime militar para o democrático, em meados dos anos
80, empresas multinacionais sofriam muita resistência em áreas de influência

da esquerda, como intelectuais e universitários. Nesse período, a IBM preci-

sava tornar-se mais simpática aos olhos dos brasileiros e, para isso, tinha de

conquistar os formadores de opinião. Ela não conseguiria isso fazendo comu-

nicação de produto, ou seja, publicando anúncios de computadores. A IBM

necessitava vender antes de tudo um novo conceito, reconstruir a sua imagem

perante o público, mostrar a ele que, antes de incentivar os consumidores a

comprarem computadores, ela os incentivava a serem cidadãos melhores.

À frente da gerência de Eventos e Promoções da IBM, eu e minha equipe

chegamos à conclusão de que só conseguiríamos isso investindo em cultura.

Foi mais ou menos na mesma época em que mudamos o nome da empresa de

“IBM do Brasil” para “IBM Brasil”, acreditando que a ausência da preposição

ajudaria a deixá-la mais brasileira. Num curto prazo, nós não venderíamos

mais computadores por causa disso mas, aos poucos, com a consolidação

desses conceitos, seríamos identificados como uma multinacional brasileira

que apóia a cultura nacional.

A IBM entrou no mercado cultural do país ao promover um programa

chamado Encontro Marcado. O nome já era uma referência literária brasi-

leira, pois trata-se do título do famoso romance de Fernando Sabino. Con-

duzido pelo produtor Araken Távora, o projeto consistia basicamente em

levar importantes autores brasileiros para dialogar com professores e uni-

versitários. Não seria uma palestra, ou um monólogo, mas um bate-papo,

uma troca de experiências, um modelo de comunicação que esteve pratica-

167
mente ausente durante os anos de chumbo da ditadura. Convidamos o Luís

Fernando Veríssimo, o Afonso Romano de Sant’Anna, Jorge Amado, Ferreira

Gullar, entre outros expoentes da literatura brasileira. Eles falavam de seu

processo de criação, suas inspirações, suas obras e se estendiam até sobre a

realidade social e política do país, num debate riquíssimo com professores

e estudantes. Antes de cada encontro era exibido um vídeo de dez minu-

tos, sobre o escritor em seu habitat, contando sobre sua experiência, seu

processo de criação etc. Quando ele entrava no palco, o público já havia se

familiarizado com o autor e sua obra. Esses vídeos se transformaram num

patrimônio cultural valiosíssimo. Tudo isso organizado e bancado por uma

multinacional que vende computadores.

Relato essa experiência bem-sucedida como um exemplo típico de uma co-

municação institucional bem desenvolvida. A ela se contrapõe a comunicação

de produtos, muito mais comum e que em geral objetiva resultados de venda a

curto prazo. Citei o caso de uma empresa em que trabalhei, que fez marketing

cultural, mas clubes e entidades esportivas dispõem dos mesmos mecanismos

para atingir seus objetivos, sejam eles de curto, médio e longo prazos. Para o

estudante ou o profissional que deseja se debruçar sobre o marketing esportivo,

vale a mesma lição: assim como um treinador deve conhecer bem sua equipe

e o adversário, estudá-los, compreender o campeonato que estão disputando,

é preciso que o profissional de marketing entenda o cliente em seu contexto,

nunca isoladamente, pois só assim ele poderá atendê-lo bem.

Conhecer o cliente é primordial para que um profissional esteja apto a

negociar com grandes empresas, que são geralmente as que se dispõem a in-

vestir em esporte. Primeiro deve-se entender que elas são pessoas jurídicas

que, como as pessoas físicas, têm anseios, traumas, dificuldades de relacio-

namento, potencialidades, enfim, pontos fortes e pontos fracos. Em outras

palavras, parodiando o filósofo espanhol Ortega y Gasset, uma empresa é

ela e as suas circunstâncias. Quais são essas circunstâncias e por que elas

168
se originaram é algo que o profissional deve ter na cabeça antes de visitar a

empresa e propor um projeto de marketing ou de patrocínio.

Como se faz isso? Superficialmente, você pode observar os anúncios

que essa empresa veicula, o tipo de mensagem que ela quer passar, que pú-

blico tenta atingir, as informações por trás de um simples slogan. Em geral,

não é difícil perceber quando ela está se promovendo institucionalmente, ou

seja, vendendo a sua imagem como empresa, e quando está promovendo um

produto específico. Também vale a pena ler os cadernos de economia dos

jornais periódicos e, principalmente, publicações direcionadas ao mercado,

como o jornal Meio e Mensagem. Ali a gente encontra uma relação dos maio-

res anunciantes, quanto eles têm para investir em propaganda, qual é sua

agência de publicidade, o que eles querem vender etc. Não adianta chegar

com o melhor produto de marketing do mundo se ele estiver fora do foco do

cliente. Se me oferecerem um automóvel, por exemplo, por melhor e mais

barato que ele seja, eu vou recusar, porque, por uma questão de qualidade

de vida, tomei a decisão de andar apenas de táxi ou a pé.

MARKETING ESPORTIVO
Agentes

fornecedores mercado

Entidades de Canais Torcedor, Sócio


Administração (Fifa, (consumidor)
CBF, COB, Federações).
Anunciante
Clubes Comunicação (agências de
(direitos de (mídia, imprensa) publicidade)
TV, espaços
publicitários) Distribuição
(TV, rádio, internet,
Atletas estádio)
(direito
de imagem) Comercialização
(agências de
marketing esportivo,
Estádios/arenas entidades esportivas)
(espaços publicitários,
camarotes etc)

169
Apenas essa observação crítica e atenta das mídias é suficiente para

perceber que, como aconteceu com a IBM nos anos 80, hoje em dia cresce

a necessidade de as companhias associarem suas marcas a algo positivo, de

mostrarem sua responsabilidade social com a comunidade que está à sua

volta. É nesse sentido que o esporte tem se tornado um parceiro precioso

dos empresários. Já está mais do que provado que associar-se a atletas,

clubes e eventos esportivos, que é o nosso foco nesse livro, é altamente be-

néfico para uma empresa.

Um grande banco pode não se interessar, por exemplo, em patrocinar o

Flamengo, por achar que sua marca na camisa rubro-negra não fará com que

receba mais correntistas e investidores. Mas os bancos, em geral, têm uma ima-

gem negativa junto à população, pois vivem de juros altos, cobram taxas para

tudo e têm obtido recordes seguidos de lucros. Por isso, eles podem querer pa-

trocinar o centro de treinamento do Flamengo, pois ali o clube estará formando

atletas e cidadãos. Isso certamente ajudará a “limpar” a sua marca.

Deve-se se estar atento também a empresas que ainda não descobriram

seu poder de marketing. Elas têm tudo para se vender bem, mas, por não

desenvolverem uma boa comunicação com o público, sofrem com a falta

de visibilidade. Dou o exemplo da Companhia do Caminho Aéreo do Pão

de Açúcar, a CCAPA. É uma empresa que existe há 95 anos, trabalha com o

símbolo da beleza do Rio e já transportou 40 milhões de passageiros sem

registrar sequer um acidente. Enfim, é eficiente e tem uma boa imagem,

mas pouca gente ouviu falar dela. Ela está precisando de um consultor que

conheça a sua história e lhe apresente um projeto de marketing.

Com um projeto na cabeça e o cliente certo na mira, o profissional de mar-

keting precisa, então, decidir outra questão: ele deve se dirigir diretamente à

empresa ou à agência de publicidade que a representa? Cada caso é um caso, ló-

gico, mas é necessário ter em mente como funcionam as agências. Normalmente,

170
elas exercem muita influência sobre o cliente, com quem trabalham algumas ve-

zes há 10, 20 anos. Quando recebem a verba de publicidade, elas fazem o plane-

jamento de comunicação, indicando como a empresa deve aplicá-la. Em geral, as

agências concentram os investimentos em mídia direta, ou seja, jornal, TV, rádio,

pois estes são meios mais conservadores. É possível planejá-los e veiculá-los com

total controle sobre o processo. É um procedimento altamente compreensível,

eu faria o mesmo. Mas deve-se estar ciente de que é um tipo de comunicação

mais fria, unilateral. Você manda a mensagem e tem mais dificuldades de ouvir

o retorno do consumidor. É claro que existem pesquisas que tentam detectar se o

produto atingiu o público-alvo, mas é sempre uma resposta um pouco vaga.

Por outro lado, a agência pode apostar num investimento em marke-

ting, direcionando o seu cliente para o patrocínio ou o apoio de alguma

entidade e/ou evento. Com isso, os publicitários buscam colar a imagem da

empresa a algum atleta, a alguma atitude ou simplesmente a um modo de

vida. É óbvio que esse investimento tem um grau de risco maior. Imaginem

se a empresa resolve apoiar um show de música e chove torrencialmente no

dia marcado. Esperava-se 80 mil pessoas e, no fim, só aparecem 20 mil. Isso,

logicamente, é péssimo para os seus objetivos. Ou imaginem que a decisão é

patrocinar um clube de futebol e, no ano seguinte, é eleito outro presidente

que decide mudar toda a estratégia de marketing e rompe unilateralmen-

te o contrato. Aconteceu comigo, como já relatei anteriormente, sobre o

Fluminense e o Hyundai. É mais prejuízo para o patrocinador. Só que se a

ação de marketing der certo, o resultado é muito mais significativo que a

publicidade pura e simples. É mais eficiente até para mensurar o retorno do

investimento. É só uma questão de risco.

Para que esse risco seja menor, convém tornar a ação de marketing a

mais diversificada possível, ou seja, aumentar o seu leque de ação. A expres-

são que se usa hoje para isso é “ativação de patrocínio”, ou seja, potencializá-

lo para que aquela marca exposta não atinja apenas o público visualmente.

171
No caso do show de música, por exemplo, uma medida obrigatória para ativar

o patrocínio é dar exclusividade de venda aos patrocinadores. Se a Brahma

bancou o evento, nada mais natural do que só se vender cerveja Brahma.

No esporte, isso também se aplica. Vou usar um exemplo real. Em

2004, a Texaco manifestou interesse em substituir a Petrobras na camisa do

Flamengo. Uma ação civil pública do Ministério Público estava impedindo

a estatal de repassar recursos para um clube que devia milhões de reais em

impostos ao governo federal. Por isso, a diretoria rubro-negra estava dispos-

ta a mudar de patrocinador.

Logo de cara, a Texaco tinha uma vantagem em relação à Petrobras: era

vermelha e preta, como o Flamengo. Mas ela não estava satisfeita em apenas

expor a sua marca na camisa do clube. Para vender mais óleo e gasolina,

sabia que precisava promover atividades associadas ao clube, ou seja, ati-

var o patrocínio. Por exemplo: se fosse jogar fora do Rio, o Flamengo teria

que reservar uma quantidade de ingressos para clientes diretos da Texaco,

como donos de postos de gasolina. A empresa também teria direito a fazer

promoções com a marca do clube nos postos com a sua bandeira, organizar

sorteios de ingressos e camisas oficiais, marcar encontros com ídolos do

time etc. Tudo isso garantido em contrato. O Flamengo poderia estar mal no

campeonato e a promoção não vingar, mas é um risco que vale a pena.

Em várias situações, considerei mais interessante procurar diretamente

as agências de propaganda para que elas fizessem publicidade direta com os

meus clientes. Foi o que aconteceu quando comecei a representar a seleção

da Copa 1994, como contei no capítulo dois. A equipe vivia um momento de

imagem desgastada. A classificação para o Mundial havia sido apertada, fala-

va-se muito na Era Dunga, um apelido pejorativo para designar um time mais

tático e menos técnico, do jeito que o brasileiro não gosta. Imprensa e tor-

cedores, em geral, duvidavam que aqueles jogadores pudessem quebrar um

172
jejum de 24 anos sem títulos mundiais. Eu precisava, então, trabalhar com o

que os jogadores representavam como garotos-propaganda. E cada um deles

encontrou o seu nicho de atuação, de acordo com as suas características. No

fim, fechamos dez contratos, entre coletivos e individuais.

Em outras situações, como no case do Fluminense/Hyundai, procurei

a agência, no caso a W/Brasil, e a empresa. Por quê? Porque desconfiava

que, nesse caso, a agência não seria minha aliada. Se eu procurasse somente

a agência, ela vetaria a ideia de patrocinar um clube de futebol, antes de

mais nada porque os US$ 2 milhões que eu propunha para o projeto sairiam

diretamente da verba que os coreanos destinaram para a publicidade. Então

se a verba da Hyundai para a W/Brasil fosse de US$ 5 milhões, só sobrariam

INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO E MARKETING

PATROCINADORES PRODUTOS
OFICIAIS OFICIAIS

DIREITOS /RETORNO:
TV - direitos de transmissão
nacional e internacional
Espaços publicitários -
Inserção de vídeo, uniformes, placas,
FORNECEDOR publicações, material impresso (ingres- APOIO
OFICIAL so, folhetos etc.) OFICIAL
Licensing, franchising
Produtos com marca e símbolos
dos clubes
Concessões e permutas -
Restaurante, estacionamento
Eventos e promoções -
Intervalos dos jogos
Imagem dos atletas e equipes
Ingressos /Convites
Títulos e expressões
Produto oficial / fornecedor oficial
patrocinador oficial

TV(S) TORCEDORES
OFICIAL(IS)

173
US$ 3 milhões para a publicidade direta. Mas a questão não é só financeira.

Existe também uma preocupação compreensível de investir em clubes de

futebol administrados de forma amadora, que sempre estão sujeitos a escân-

dalos, derrotas, corrupção, brigas, enfim, desgaste de imagem. Agências de

propaganda têm horror a isso.

Para não passar por cima de ninguém, eu fui até a W/Brasil e expliquei

que estava negociando com o Mr. Hurr, o representante da Hyundai no Bra-

sil, o patrocínio do Fluminense. Expliquei toda a estratégia de marketing

e pedi a eles que não dessem um parecer negativo para os coreanos. E o

que aconteceu? Como esperava, eles deram um parecer negativo. Como eu

disse, não foi maldade da agência, eles apenas estavam pensando no seu fa-

turamento e no risco de se associar a um clube de futebol. Mas cabia a mim

conseguir o patrocínio assim mesmo.

Na Hyundai, eu mostrei, com números, que ter a marca da empresa na

camisa do Fluminense equivalia a comprar uma cota de futebol da TV Globo,

no valor de US$ 20 milhões, dez vezes mais que o contrato de patrocínio

com o clube tricolor. Para isso precisava de US$ 2 milhões da sua cota de

US$ 5 milhões. Com os outros US$ 3 milhões a empresa coreana ativaria a

marca com publicidade direta, via W/Brasil. Dentro de um ano, eu apostava

que a Hyundai seria conhecida pelo público brasileiro, que era o seu grande

objetivo. Pois em um ano eles saíram do traço na pesquisa do Top of mind,

que mede as marcas mais lembradas pelo consumidor, para o quarto lugar

entre montadoras de automóveis importados. Perdia só para Toyota, Merce-

des-Benz e BMW. Só saíram do Fluminense por causa do show de amadoris-

mo dos dirigentes tricolores, como já contei, o que só serviu para justificar

a preocupação da W/Brasil. Mas os coreanos ficaram no futebol e, depois,

patrocinaram Botafogo e Bahia.

174
Para tomar todas essas decisões, é claro que eu estudei a fundo os pro-

pósitos da Hyundai no Brasil. Só faltou aprender coreano. O conhecimento

é sempre a melhor arma de um profissional de marketing que deseja apre-

sentar um projeto a uma grande empresa. Em geral, o empresário espera

uma proposta padronizada e terá uma agradável surpresa quando chegar às

suas mãos uma ação de marketing personalizada, desenvolvida por alguém

que estudou a fundo o seu negócio. Daí para frente, com uma competência

e profissionalismo, tudo ficará mais fácil.

175
Márcio Braga
presidente do Flamengo

Até hoje existe gente que não vê com bons olhos a entra-
da de empresas privadas no futebol. Dizem que é uma forma de mercantilizar
o futebol. Para mim, isso um grande equívoco, um pensamento conservador e
reacionário. Sempre acreditei na profissionalização do futebol, talvez por isso
tenha me dado tão bem com o João Henrique Areias.

Em pelo menos três momentos, botamos em prática juntos essas nossas


ideias, felizmente todas bem sucedidas. A primeira delas foi na Copa União, em
1987. Cuidei da parte política, convencendo os clubes de que nós todos preci-
sávamos nos libertar da CBF e criar o nosso próprio campeonato. O João, por
sua vez, foi atrás dos patrocinadores, aqueles que poderiam financiar o nosso
sonho. Tudo correu maravilhosamente bem até a CBF voltar a se intrometer no
campeonato. Em primeiro lugar, publicou um novo regulamento já com a Copa
União em andamento, tentando obrigar o campeão e o vice a enfrentar os dois
primeiros colocados do Módulo Amarelo, com times da Segunda Divisão. Nós
nos recusamos a fazê-lo. No ano seguinte, a entidade voltou a inchar o campe-
onato. Infelizmente, os clubes cederam.

Em 1991, o João Henrique nos propôs uma ótima alternativa de receita.


Ele já trabalhava com o Pelé na Pelé Sports & Marketing e queria comprar os
direitos de transmissão dos jogos do Flamengo na Supercopa dos Campeões da
Libertadores. Era um torneio pouco atraente, do ponto de vista de financeiro,
mas acabou sendo o mais lucrativo para o clube naquele ano. Por fim, mais
recentemente, o João nos ajudou no projeto da Arena Petrobras, na Ilha do
Governador. Foi a salvação do Flamengo e do Botafogo num Campeonato Bra-
sileiro em que não tínhamos campo para jogar.

176
Um Novo Mo de l o
de gestao
Profissionalizar para não morrer
com depoimento do Junior
I magine o leitor uma empresa centenária, com centenas de funcioná-
rios e milhões de consumidores, quase tantos quanto a população da Ar-

gentina. Apesar de sua tradição e do enorme potencial, nos últimos 30 anos

suas finanças tomaram uma curva descendente que parece interminável. As

dívidas hoje somam mais de R$ 200 milhões. A maioria de seus executivos,

no entanto, chega para trabalhar no início da noite e volta para suas casas

antes das 21 horas. Eles não possuem muita responsabilidade com o negó-

cio, uma vez que estão ali de passagem.

Na verdade, são voluntários não remunerados. Logo serão substituídos

por outros e não responderão pelos erros que tiverem cometido em sua ad-

ministração. Pois essa empresa existe: chama-se Clube de Regatas Flamen-

go. Modificando-se apenas as cifras, pode ser comparada a quase todos os

grandes clubes brasileiros.

O exemplo resume bem o modelo de gestão do esporte nacional, que vai

na contramão do mundo. É ele o maior inimigo do desenvolvimento dos nos-

sos esportistas. O leitor deve ter reparado que, algumas ações de marketing

expostas nos capítulos anteriores esbarraram num conceito de administração

das entidades para as quais foram criadas. Esse conceito está atrelado a um

amadorismo muitas vezes fatal para o seu crescimento.

Ficarei feliz se conseguir mostrar que, na grande maioria dos casos, a

responsabilidade pela penúria do futebol brasileiro não está em nomes, isto

é, na incapacidade ou desonestidade dos dirigentes, embora eles também

tenham a sua parcela de culpa. O maior problema está no modelo de gestão

não-profissional. Podemos convidar o Prêmio Nobel de Economia que ele não

179
dará jeito nas finanças do Flamengo ou de qualquer clube brasileiro afundado

em dívidas com o governo, com seus fornecedores e seus funcionários.

Até os anos 70 e parte dos anos 80, esse modelo era suficiente para movi-

mentar os clubes. Na mesa de negociações, havia de um lado, representando

o clube, os dirigentes voluntários e, de outro, o mercado, representado por

associados do clube e por torcedores. Não se exigiam grandes conhecimentos

do dirigente voluntário. Mas, como dissemos anteriormente, esta mesa foi

ganhando novos personagens.

Aos poucos, a partir do fim dos anos 80, apareceram os patrocinado-

res, a televisão, os homens de marketing, os investidores etc. Todos esses

profissionais – eu friso o termo “profissionais” – vieram com conhecimentos

técnicos e chegaram para dialogar com dirigentes-médicos, dirigentes-ad-

vogados, dirigentes-jornalistas, enfim, dirigentes voluntários. Estes não de-

tinham qualquer experiência nessas questões técnicas e não tinham a quem

recorrer. Junto a eles, também só havia amadores que dedicavam parte de

seu tempo livre para o clube.

Neste sentido, a história dos investidores que desembarcaram no Brasil

no fim dos anos 90 é emblemática. Gigantes como Nations Bank, ISL, Octa-

gon, Hics&Muse, entre outras, chegaram com centenas de milhões de dólares

para injetar em clubes amadores que careciam de qualquer capacitação para

saber o que fazer com tanto dinheiro.

Mal comparando, é como você chegar com todos os tipos de inovações

tecnológicas de plantio e entregá-las a um agricultor que usou a vida toda

pá e enxada. Ele não saberá o que fazer com tantos recursos. Até hoje eu me

pergunto onde esses executivos estrangeiros estavam com a cabeça? Perce-

beram a potencialidade do futebol brasileiro mas ignoraram o amadorismo

de seus dirigentes.

180
Lembro que, na época desse boom de investidores, fui convidado pelo

grupo GP Investimentos, que também estava interessado numa parceria deste

tipo, a fazer uma radiografia do futebol brasileiro. Deixei claro no estudo que

o futebol é um ótimo investimento, mas desde que bem administrado.

Também no mesmo período, dei uma entrevista para o diário Lance! pre-

vendo o fracasso das parcerias, sob os mesmos argumentos. Eu dizia que as

empresas deveriam exigir a mudança no modelo de gestão dos clubes ou, en-

tão, quebrariam a cara. No dia seguinte, fui bombardeado por todos os lados.

Alguns anos depois, ficou constatado que nenhuma, absolutamente nenhuma

parceria desse tipo, deu o resultado esperado. Acredito que, para que esse

investidor volte a se interessar pelo nosso futebol, ele tenha que encontrar do

lado de cá da mesa profissionais como ele, tão comprometidos com o sucesso

quanto sua empresa. Não é o que acontece ainda hoje, em pleno século XXI.

Sobre a foto da equipe Fla-Futebol, Campeã Carioca de 2005, de Ari Kaye, uma arte feita
com os gigantes da equipe da Sportlink: Joana, Bernardo, George, Flávio e Nadia

181
Atualmente, nenhum grande clube brasileiro funciona com uma estru-

tura profissional. O São Paulo, sempre citado como exemplo de administra-

ção, ainda é gerido por dirigentes voluntários, embora com uma “cultura

empresarial”. Em geral, são grandes empresários que procuram se cercar de

profissionais de primeiro nível para tocar o clube, sem se deixar influenciar

pelas politicagens que, em geral, atrapalham o andamento dos negócios. É

um pequeno grupo fechado, que vem se revezando no poder há anos. Mas,

ainda assim, trata-se de um modelo frágil, sujeito a chuvas e tempestades,

porque o poder maior ainda é amador.

O Flamengo e o Botafogo propuseram recentemente um modelo bem in-

tencionado mas que esbarra em empecilhos legais. É a criação de empresas

de futebol que seriam independentes do clube: o Fla-Futebol e a Companhia

Botafogo. Elas nasceriam sem as dívidas que emperram a administração dos

clubes, herdariam apenas suas receitas, mas até hoje a ideia não saiu do pa-

pel por ser inviável legalmente e por ser considerada uma ameaça de calote

pelos credores. Além do mais, pecam porque ficam no meio do caminho, ou

seja, possuem departamentos profissionais que continuam visceralmente su-

bordinados aos amadores.

Minha experiência no Fla-Futebol é um bom exemplo de como esse hibri-

dismo entre profissional e amador pode ser perigoso. Em 2004, o presidente

Márcio Braga sabia que algo precisava mudar na gestão do futebol, mas, no ín-

timo não confiava na profissionalização integral do departamento. Ele decidiu

compor o Fla-Futebol com três profissionais. Eu seria o diretor de comunicação

e marketing, o ex-jogador e ídolo Junior seria o diretor-técnico e o José Maria

Sobrinho, o diretor administrativo e financeiro. Ao mesmo tempo, no entan-

to, colocou o Paulo Dantas como vice-presidente de futebol, estatutariamente

N.A. A maioria dos clubes tem eleição a cada três anos para eleger o presidente e o vice-presi-
dente geral responsáveis por gerir o clube no dia-a-dia. O presidente eleito convida amigos e
correligionários políticos para assumirem as outras vice-presidências (futebol, esportes olímpi-
cos, social, administração, marketing, finanças etc.). São todos dirigentes voluntários.

182
acima do Fla-Futebol. Além do mais, o vice-presidente geral, Artur Rocha, era

contra o modelo profissional e, internamente, deixou isso claro desde o início

e, imediatamente, começou a torpedear o modelo.

Quando o Márcio me convidou para o cargo, eu percebi que haveria uma

convivência entre dois modelos opostos de administração, o que seria eviden-

temente um problema. Mas o presidente me disse que, em três meses, a es-

trutura estaria formalizada, garantindo a independência do Fla-Futebol. Pas-

saram-se os três meses, nada aconteceu e eu anunciei minha saída: “Márcio,

esse não é o modelo que vai ao encontro do que eu penso. Não vou ficar aqui

no clube ganhando um bom salário por amizade a você porque, graças a Deus,

não preciso disso”, afirmei. Mas ele me pediu para ficar até o fim de junho,

que tudo seria resolvido. Nada aconteceu novamente e eu pedi o meu boné.

É óbvio que essa reestruturação profissional dos clubes passa por vários

aspectos, desde os jurídicos até os culturais. Mas eu desenvolvi um modelo

que, por questões óbvias, foram pensadas com relação ao Flamengo, mas po-

dem ser aplicadas a qualquer clube brasileiro, de acordo com a realidade do

país e a da própria agremiação. Penso que é possível uma revolução silenciosa

no clube mais popular do Brasil se, na época da eleição, for montado um gru-

po de oito, nove rubro-negros reconhecidos e ilibados. Esse grupo escolheria

um entre eles para ser lançado candidato à presidência.

Só que desde o início da campanha, ficará claro para o sócio que ele não

estará votando num candidato, mas numa mudança de modelo. O escolhido

será o último presidente eleito da história do Flamengo porque, no dia seguinte

ao pleito, com a aprovação do Conselho Deliberativo, ele vai mudar o estatu-

to. Passará a ser o presidente de um conselho de Administração, que terá seu

número de representantes reduzido de cerca de cem para nove. Esse conselho

representará todas as áreas de interesse do clube, futebol, esporte amador, re-

cursos humanos, departamento social, marketing, comunicação etc

183
NOVO MODELO ORGANIZACIONAL

Assembleia Geral

Conselho
CONSELHO
Deliberativo
ADMINISTRAÇÃO
(Até nove membros)
Conselho
Consultivo

Conselho
Fiscal
DIRIGENTES
VOLUNTÁRIOS

ESTRUTURA
PROFISSIONAL
CEO
Presidente
profissional

Diretor Social Diretor Futebol Diretor Esportes Olímpicos

Quando assumir suas funções, esse conselho vai recrutar no mercado um

profissional que será o diretor-executivo do Flamengo, não necessariamente

alguém ligado a esporte. Pode ser, por exemplo, um executivo da área de

entretenimento que entenderá o clube como um negócio de entretenimento,

que tem estrelas (jogadores) e produtos (sua marca e os jogos). Caberá a ele

comercializá-los de forma que essas estrelas sejam as melhores disponíveis

e os produtos os mais rentáveis possíveis. Esse diretor buscará no mercado

outros três profissionais com experiências em gestão, todos remunerados,

destinados às atividades fins, ou seja, àquelas que geram receitas: futebol,

esporte olímpico e departamento social. Abaixo deles estariam gerentes, co-

ordenadores e administradores. Dentro dessa estrutura, queria frisar a neces-

184
sidade de um departamento recursos humanos, inexplicavelmente ausente na

maioria dos clubes. A filosofia de Recursos Humanos existente nas empresas é

tão importante que vale até para a implantação de um centro de treinamento,

de franquias de escolinhas, de núcleo de esportes. Tem que existir um profis-

sional de recrutamento que, subordinado ao diretor do departamento, pode

ajudar a definir prioridades na contratação de atletas, comissão técnica etc.

Desta forma, o voluntariado do clube ficará restrito ao Conselho de Ad-

ministração, como é comum em grandes empresas. Esse grupo se reúne pe-

riodicamente para cobrar resultados e sugerir diretrizes para os executivos.

Reunidos, conselho e diretores remunerados estabelecerão objetivos de curto,

médio e longo prazos, tanto esportivos quanto financeiros. Muitas vezes, um

clube prioriza temporariamente determinado objetivo em detrimento de ou-

tro. O São Paulo, por exemplo, deixou um pouco de lado a questão técnica

quando se concentrou na construção do Morumbi. Isso faz parte, toda em-

presa passa por situações semelhantes. Se as metas determinadas não forem

cumpridas, o conselho tem o direito e o dever de trocar o executivo.

DIRIGENTE X MERCADO
Evolução da relação
Até os Anos 80 Anos 90 1a década
anos 70 século XXI
Dirigente Dirigente Dirigente Dirigente
Voluntário Voluntário Voluntário Profissional

Torcedor Torcedor Torcedor Torcedor


Sócio Sócio Sócio Sócio
TV TV TV
Anunciante Anunciante Anunciante
(patrocinador)
Agente do Agente do
jogador jogador
Investidor Investidor
(foi embora) (retornará com
o novo modelo)

185
É claro que outros conselhos, como o Fiscal, continuarão existindo, mas

eles devem ficar livres da politicagem que costuma imperar nos clubes bra-

sileiros. Para isso, podem ser contratados, por exemplo, auditores profissio-

nais, comprometidos exclusivamente com o rigor das finanças e dos balanços

e não com o jogo de poder interno da agremiação. Todas essas mudanças já

serão de conhecimento dos eleitores durante a campanha. Eles sabem que, se

votarem nesse candidato, estarão votando por essas mudanças.

Costumo conversar muito sobre tudo isso com três ex-jogadores rubro-

negros, todos meus ídolos além de amigos pessoais: Zico, Junior e Leonar-

do. Não é conversa jogada fora, porque os vejo inseridos neste modelo. Às

vezes lembro a eles a responsabilidade que têm com o Flamengo. Os três

retribuíram muito dentro de campo o que o clube lhes proporcionou, mas

acho que falta alguma coisa fora de campo. Sempre digo a eles: ajudem

o Flamengo ajudando a mudar o seu modelo de gestão. Não existem per-

sonagens melhores que ídolos para que, associados a outros profissionais

competentes, se consiga dar uma guinada de 180 graus num gigante de 35

milhões de consumidores.

Os três são capazes de trabalhar como diretores profissionais do clube e,

desde o início, deixar claro que, se determinado grupo ganhar a eleição, ele

pode assumir um cargo de gestão no futebol. Não precisa ser necessariamente

algum deles, mas alguém que, como os três, já tenha exercido alguma fun-

ção executiva no futebol. O Zico fez isso no Japão, o Leonardo, na Itália e o

Junior, no próprio Flamengo. Com os esportes olímpicos, que também podem

gerar receita com patrocinadores e escolinhas, vale a mesma coisa. Tenho

em mente nomes como o Radamés Lattari e a Patrícia Amorim que, além de

conhecerem de esporte, têm experiência administrativa. A terceira atividade

do clube que também merece um executivo é o departamento social. Neste

caso, eu contrataria o diretor social de um desses clubes badalados da Zona

Sul do Rio, como o Piraquê ou o Caiçaras, por exemplo. Os três setores se

186
reportariam diretamente ao diretor-executivo. Seriam remunerados e, como

os outros, receberiam um bônus por atingirem suas metas.

Essa estrutura evitaria o conflito de modelos que enfrentamos no Fla-Fute-

bol. Bastaria que o executivo profissional tivesse, de fato, autonomia. O Paulo

Dantas, por quem tenho o maior apreço, deveria fazer parte do tal Conselho de

Administração e não ser um diretor voluntário. Isso resolveria o paradoxo que

se formou no clube: o Márcio queria blindar o futebol mas não lhe deu auto-

nomia suficiente para isso. Não conseguimos sequer abrir uma conta bancária

exclusiva para o Fla-Futebol. Todo o dinheiro que entrava para o futebol, caía

no saco sem fundo que é a conta de um clube deficitário.

Foram várias as consequências desse conflito. Logo no início do ano, o

Paulo queria contratar o atacante argentino Cristian Castillo. Ele jamais ha-

via visto o sujeito jogar, mas tinha recebido um DVD com os seus melhores

momentos. Anunciou a contratação sem sequer nos consultar. Então o Ju-

nior se revoltou e disse que o argentino não viria. Foi um mal-estar danado.

Meses depois, o Artur Rocha fez o mesmo, só que com o atacante Dimba.

Contratou-o, por 30 meses, dando-lhe um adiantamento salarial de R$ 1,5

milhão. Foi um absurdo não só porque estava além das condições financeiras

do Flamengo (o Sobrinho tinha encerrado as negociações com R$ 200 mil de

adiantamento), como porque os outros jogadores estavam há três meses com

os salários atrasados. Eles se sentiram desrespeitados, com razão, e o Fla-

Futebol teve muitas dificuldades para contornar a crise. O dirigente amador

que faz isso ou está agindo no desespero, com o coração do torcedor, ou tem

intenções duvidosas. Ambas as situações são reprováveis.

Por não ter sido firme na mudança para o sistema profissional, a dire-

toria do Flamengo deixou ainda que se perdessem ideias como a da venda

antecipada de carnês. Em 2003, no primeiro ano em que o Campeonato Brasi-

leiro foi disputado em pontos corridos, o clube vendeu apenas 70 carnês com

187
ingressos para todos os jogos. No ano seguinte, o Fla-Futebol fez uma bela

campanha publicitária. Chamamos o Ziraldo, que desenhou o logo “Eu amo

o Flamengo”. Artistas como Sandra de Sá e João Bosco também convidaram

os torcedores a acompanhar os jogos do time. Vendemos três mil carnês, um

recorde nacional. Em 2005, embora o presidente fosse o mesmo, tudo se

perdeu. Novamente, a politicagem amadora mudou as diretrizes de trabalho

como se muda de roupa, não deu continuidade a um projeto bem sucedido

por pura vaidade, enfim, não teve nenhum compromisso com a eficiência.

Com a gestão profissional que eu proponho, a política ficará limitada ao

Conselho de Administração, que não participa do dia-a-dia do clube. A parte

executiva e operacional estará blindada.

Outro flagelo do futebol também será frontalmente atingida pelo modelo

profissional de gestão: a corrupção. Naquela mesa de negociação que eu já ci-

tei, os dirigentes voluntários são os únicos que negociam contratos milionários

sem ganhar um centavo. O empresário, por exemplo, vai levar 10% do negó-

cio, o jogador pode ficar milionário. Mas o dirigente voluntário que, depois

de trabalhar o dia inteiro em sua empresa, passa a noite acordado decidindo

a venda de um craque, faz isso de graça. É, sem dúvida, um campo fértil para

corrupção, para aceitar investimentos duvidosos. Se esse dirigente ganhasse,

digamos, R$ 20 mil por mês, mais uma premiação baseada em metas, ele seria

muito menos tentado a aceitar um valor por fora, como ocorre hoje em dia.

Essas mudanças não significam que o clube estará se transformando em

empresa. Ao contrário de muitos profissionais de marketing, sou contra o cha-

mado clube-empresa, pelo menos num curto ou médio prazo. Não pelo conceito

em si, mas porque se a mudança for feita de um dia para o outro, na canetada,

o clube vai à falência no dia seguinte. Ele não tem uma cultura empresarial,

está atolado em dívidas até o pescoço. Sou a favor da transformação gradual e

cultural até que um dia a empresa possa se tornar uma realidade.

188
Desde a Lei Zico, passando pela Lei Pelé, existe um equívoco sobre a tal

obrigatoriedade de se transformar o clube em empresa. Não pode ser uma

coisa assim, impositiva, da noite para o dia. Como você vai criar responsa-

bilidades jurídicas para um dirigente voluntário? O mesmo ocorreu quando

se começou a falar de Timemania, que também previa a obrigatoriedade da

mudança como prerrogativa de participação na loteria. Em todas essas leis,

o ideal é que fossem criadas condições para uma mudança gradual que ob-

jetivasse a profissionalização dos clubes. Nada mais do que isso, pelo menos

nesse momento. Seria algo nos moldes da CBF, que tem dirigentes profissio-

nais e remunerados sem que, para isso, tivesse que virar uma empresa. Hoje,

a mesma entidade que há mais de 20 anos se declarou incapaz de organizar a

principal competição do país tornou-se um oásis de riqueza no futebol brasi-

leiro. Ela entendeu o que o Clube dos 13 fez naquela época e adotou o modelo

para si, enquanto os próprios clubes andaram para trás em diversos aspectos.

Muitas vezes a defesa do clube-empresa é ancorada no exemplo dos gran-

des clubes europeus, a grande maioria funcionando sob esse modelo. Mas é

uma realidade bem diferente da brasileira, como em quase todos os setores

da economia. Conheço bem o mercado espanhol. Lá, por exemplo, apenas

quatro clubes da Primeira Divisão não viraram empresas: Barcelona, Real

Madrid, Athletic Bilbao e Osasuna. Os dois primeiros simplesmente porque

não precisam, uma vez que têm suas dívidas controladas e geram os mais

variados tipos de receitas no mundo inteiro. Os dois últimos por uma questão

nacionalista: ambos pertencem ao País Basco e estão subordinados a uma

legislação fiscal independente do resto do país. De qualquer forma, todos

eles são geridos num modelo profissional, com executivos remunerados e

condicionados a metas.

Curiosamente, o todo-poderoso Real Madrid, considerado o clube do sé-

culo XX pela Fifa, não era um primor de organização quando o Sávio foi para

lá, em 1997. Era meio parecido com o Flamengo, com politicagem para todos

189
os lados. Mas já era um clube rico, é claro. O dinheiro entrava como que

por osmose. Quem fez a grande revolução administrativa lá foi o Florentino

Perez, que assumiu o clube em 2000 e montou a famosa equipe de galácti-

cos. Esportivamente, os resultados foram até aquém do esperado, mas ele

implantou uma gestão altamente profissional, valorizou as ações de marke-

ting e criou um Conselho Gestor, formado por ele e mais quatro pessoas de

confiança. Como diretor remunerado de futebol, contratou o Jorge Valdano,

um ex-jogador argentino que foi ídolo com a camisa merengue. Hoje, o Real

Madrid transforma em ouro tudo o que toca.

Agora vamos falar da reestruturação do futebol brasileiro de um ponto de

vista mais amplo. Porque adianta pouco fazer uma reformulação estrutural num

clube se todos os outros à sua volta continuam submetidos a um modelo amador

de administração. Embora ele tenha ganhos técnicos e financeiros, vai carecer de

uma estrutura global condizente para que seu crescimento seja contínuo.

Para gerir um clube, é necessário que se tenha em mente uma pergunta

que, por ser óbvia, parece ter uma resposta simples: qual o negócio do futebol?

Para respondê-la, é inevitável a comparação com uma empresa. O que uma

empresa busca? Aumentar o seu mercado. E qual o mercado do futebol? O tor-

cedor. Então o torcedor é a razão de ser do clube, é a foto dele que deve estar

à frente da mesa do presidente para que ele jamais se esqueça disso. Sem o

torcedor, não há clube. E como fazer para aumentar esse mercado? A resposta

é ídolos e títulos. Às vezes você atinge o objetivo com um ou com outro, mas o

ideal é que se tenha os dois, até porque uma coisa está ligada a outra.

Vamos pegar novamente o exemplo do São Paulo, cuja torcida tem cres-

cido a olhos vistos nos últimos anos. Ela está crescendo porque o São Paulo

faz um bom marketing? Não, porque o marketing é só um meio. O fim é o

futebol. Existem hoje mais torcedores do São Paulo porque, dos anos 90 para

cá, este foi o clube brasileiro que mais conquistou títulos importantes (três

190
Mundiais Interclubes, três Copas Libertadores, dois Brasileiros) e mais criou

uma galeria de ídolos (Raí, Leonardo, Kaká, Rogério Ceni, entre outros). O

São Paulo, como todo clube bem-sucedido, está ancorado num tripé funda-

mental para que esse mercado crescente de consumidores não seja sazonal,

mas se realimente continuamente: time, estádio e centro de treinamento. Eu

chamo esse tripé, ou triângulo, de Visão Sistêmica do Futebol.

VISÃO SISTÊMICA
Core Business

TORCIDA

TIME

TÍTULOS ÍDOLOS

ESTÁDIO

CT - Centro de treinamento

Volto à minha experiência no Fla-Futebol. Desde o início, eu insisti

muito na necessidade de se concluírem as obras do centro de treinamento

191
de Vargem Grande, um projeto que existe há mais de 20 anos na Gávea.

Quando conversava com o Junior e com Sobrinho sobre contratações, eu

sempre fazia a brincadeira: “Nós temos que contratar um centroavante cha-

mado CT (Centro de Treinamento)”. Fomos firmes nisso e, no dia 15 de

novembro de 2004, o Flamengo inaugurou dois campos do Ninho do Urubu,

como foi apelidado o centro. Lembro que, na época, o Kleber Leite chegou

a dar uma entrevista em que dizia que não havia necessidade de CT porque

o Botafogo havia sido campeão brasileiro anos antes sem CT e sem estádio.

Hoje ele já pensa diferente.

Um CT bem administrado forma jogadores, gera renda e prepara melhor

os seus atletas. Até empresários, técnicos e clubes pequenos já criaram o seu.

O Paulo César Carpegiani tem um no Sul, o Oscar tem um em São Paulo, o

Zico fundou o CFZ... Eles alugam o espaço para clubes, formam atletas e são

bem remunerados por isso. O Nova Iguaçu, por sua vez, também tornou-se

um pólo exportador de talentos porque conseguiu fazer um centro de trei-

namento na Baixada Fluminense. Os times mais bem-sucedidos do Brasil nos

últimos anos têm CT próprio, podem reparar.

Já escrevi em outros capítulos sobre a importância de se ter um estádio

próprio. É outra enorme fonte de receitas, sem contar com a parte técnica. É

o seu time que conhece bem aquilo ali e a torcida adversária só terá direito a

10% das arquibancadas. Todo o G-14, o grupo dos 14 maiores clubes da Euro-

pa, administra um estádio, mesmo que não seja seu. O San Siro é cedido pela

prefeitura de Milão ao Milan e ao Internazionale, que o administram como se

fosse deles. No jogo do Milan estão lá os patrocinadores do Milan, o mesmo

acontece no jogo do Inter. Em cada clube, existe um comitê de gestão que

“passa a chave” de um para outro. Flamengo e Botafogo seguiram, a grosso

modo, o mesmo conceito na Arena Petrobras, como já contei anteriormente.

De volta ao Maracanã, eles ficaram de novo à mercê da Suderj.

192
Flavio Espindola

Em 2004, Areias recebe um certificado do Márcio Braga, por seu inestimável trabalho de
conscientização sobre a importância do Centro de Treinamento.

É bom lembrar que o Flamengo agora quer construir na Gávea um estádio

próprio para 30 mil pessoas. Considero o projeto um equívoco. O clube tem

torcida para levantar um estádio para 80, 100 mil pessoas, como têm o Real

Madrid e o Barcelona. São 35 milhões de torcedores divididos igualmente

pelas quatro classes sociais. Como será nos clássicos com Vasco, Fluminense

ou Botafogo ou decisões de campeonato? A diretoria diz que estes jogos serão

disputados no Maracanã. Mas como você vai explicar para o seu investidor

que ele vai ajudar a construir um estádio que só vai receber partidas contra

clubes pequenos ou de outros estados? Ou seja, os melhores shows não serão

realizados lá. As contas desse novo estádio não vão fechar.

E a última parte da Visão Sistêmica do Futebol, o time? Bem, esse é o

componente mais óbvio, todo clube precisa ter um bom time, mas às vezes os

dirigentes não entendem isso muito bem. Dois clubes tradicionais do Brasil,

por exemplo, apostaram num modelo de parceria que peca justamente nesse

193
lado do triângulo. No início dos anos 90, antes do boom dos investidores es-

trangeiros, o Palmeiras se associou à Parmalat, que começava a investir alto

no Brasil. Já nos anos 2000, o Fluminense fez um contrato com a Unimed. Os

dois casos apresentam vantagens e desvantagens semelhantes. O Palmeiras/

Parmalat montou um belo time de futebol, que conquistou dois títulos brasi-

leiros. O Fluminense/Unimed também trouxe dinheiro e bons jogadores para

o clube mas, por essas questões inexplicáveis do futebol, os resultados não

são tão expressivos até agora.

A meu ver, no entanto, esse tipo de parceria erra gravemente porque

cede a terceiros a atividade-chave do clube. Fluminense e Palmeiras nada

mais fizeram que terceirizar seu time de futebol. Foi a Parmalat quem contra-

tou craques como Rivaldo, Edmundo e Edílson. Tanto que, quando ela deixou

o clube, já satisfeita com a entrada de sua marca no mercado brasileiro, o

Palmeiras se desestruturou completamente. A Unimed faz a mesma coisa.

Os principais reforços do Fluminense nos últimos anos (Romário, Edmundo,

Roger, Carlos Alberto etc) foram levados pela empresa. Quando a parceria

acabar, o que restará para o clube? Considero a Unimed um grande parceiro,

mas o negócio dela é medicina e não futebol. Seu objetivo é divulgar a marca,

passar uma imagem positiva e não ficar à mercê de resultado no campo, como

os clubes. Não é por acaso que, quando o tricolor está em má fase dentro de

campo, ouve-se coro contra a Unimed das arquibancadas.

O mesmo vale para centro de treinamento e estádio. O CT é a fábrica

do clube, de lá saem seus talentos que, mais tarde, vão virar dividendos.

O estádio significa venda de carnês, de lugares e da publicidade estática.

Não vale a pena deixar que um terceiro o administre. Terceirização, como

ensina qualquer livro de negócios, é para uma atividade acessória, não para

a principal. O sucesso da Visão Sistêmica do Futebol passa também pela

adoção de um modelo de campeonato que atenda às necessidades de todos

os clubes e não apenas de alguns. Eu me refiro à miopia com que, durante

194
muitos anos, os dirigentes voluntários enxergaram o Campeonato Brasilei-

ro. O temor de implantar a competição em pontos corridos, com turno e

returno, fez com que grandes clubes se afundassem ainda mais em dívidas

e numa crise técnica que parecia sem fim. Eles acreditavam – e até hoje al-

guns acreditam – que só o mata-mata é capaz de levar emoção ao torcedor

até o fim, pois os times podem aspirar por mais tempo à possibilidade do

título. Aparentemente, o turno e returno é menos atraente porque não tem

decisão. Apenas aparentemente.

Desde que eu “vendi” aos clubes o conceito da Copa União, há 20 anos,

expliquei a eles a necessidade de se oferecer um produto fechado, com todo

o calendário previamente divulgado. Além de facilitar a venda para os pa-

trocinadores, permite ao dirigente o planejamento de sua receita. Com os

pontos corridos, ele pode vender carnês com todos os jogos da equipe até o

fim do ano. Chova ou faça sol, o torcedor sabe que seu time vai jogar no dia

tal, às tantas horas, em tal lugar. É uma receita garantida que lhe permite se

reforçar antes de o campeonato começar. Já está mais do que evidente que

o sistema eliminatório é apropriado para competições curtas, com uma sede

fixa, como a Copa do Mundo. Um campeonato grande como o Brasileiro ne-

cessita de turno e returno.

No tal estudo que eu fiz, em 1998, a pedido do grupo GP Investimentos,

estudei longamente os dois sistemas. Peguei como referência o Campeonato

Brasileiro, que tinha um modelo misto: a primeira fase era disputada em

pontos corridos por todos os clubes e, na fase final, para as oito equipes

classificadas era utilizado o sistema de eliminação simples (mata-mata).

Percebi que o clube que era eliminado na primeira fase ficava até seis sema-

nas sem jogar. Contando com um mês de férias e as duas semanas de pré-

temporada, são três meses de um ócio fatal para as suas finanças. É óbvio:

o clube é como uma empresa que, durante o ano, pára de faturar por três

meses. As despesas, no entanto, existem durante os 12 meses. Os patrocina-

195
dores até continuam pagando mas, como sabem que sua marca deixará de

ser exposta esse tempo todo, já negocia previamente para diminuir o valor

total do contrato.

Em 2001, voltei a me lembrar do meu estudo quando a CBF lançou, com

pompas e circunstâncias, um tal calendário quadrienal. Foi considerado uma

revolução no futebol brasileiro, que ao fim de cada ano vivia entre duas per-

guntas: quando serão os campeonatos e qual será o regulamento do ano se-

guinte? Certo dia, encontrei o supervisor Paulo Angione e ele me chamou para

assistir à apresentação do calendário naquela tarde mesmo, no Hotel Caesar

Park, em Ipanema. Seria um evento badaladíssimo, com a presença do João

Havelange, do Pelé, entre outros. Cheguei lá mais tarde, sentei nas cadeiras

atrás, anonimamente, até que encontrei o Fábio Koff, presidente do Clube dos

13: “Agora ninguém mais pode dizer que somos desorganizados, João. Nem a

Europa divulga um calendário com tanto tempo de antecedência”, ele me disse.

Não perdi a piada: “Na Europa não precisa nem lançar calendário, né, Fábio?

Há cem anos que todo mundo sabe o que vai acontecer...”

Pouco depois, encontrei o presidente do Vitória, Paulo Carneiro. Ele me

conseguiu uma cópia do calendário, enquanto o modelo ainda era apresentado

para o público, e logo quis saber a minha opinião: “É pior do que o que tinha

antes”, eu disse, secamente. Ele se espantou porque havia um consenso, mesmo

na imprensa, de que a ideia era um avanço. Mas o calendário, apesar de ter

a virtude do planejamento, continuava prevendo campeonatos em mata-mata.

Havia clubes que poderiam ficar 18 semanas sem jogar. Se fosse na NBA, onde

mesmo os clubes eliminados antes dos playoffs continuam recebendo os direitos

de transmissão, tudo bem. Mas não seria assim aqui: perdeu, fica à míngua.

O temor dos dirigentes quanto à queda drástica do número de torcedores

nos estádios com o sistema de turno e returno não se confirmou. Em 2002, últi-

mo campeonato com mata-mata, a média foi de 12.886 de pagantes. À exceção

196
de 2004, quando o público médio ficou em 7.556 pessoas, os outros anos varia-

ram pouco, para mais ou para menos: 10.468 (2003), 13.630 (2005) e 12.300

(2006). E acho que, cada vez mais, esse número vai aumentar porque o torcedor

vai entendendo que, no sistema de pontos corridos, cada jogo é uma decisão.

Em 2002, fui chamado pelo então secretário-executivo do Ministério do

Esporte, José Luiz Portella, para defender o regulamento em pontos corridos

durante a elaboração do Estatuto do Torcedor. Na reunião, estavam presentes o

Marcelo Campos Pinto (TV Globo), o Fábio Koff (Clube dos 13), o Nabi Abi Che-

did (CBF), o Walter Mattos Jr. Jornal (Lance!), o Raí (representante dos jogado-

res), entre outros. Expliquei a eles que o campeonato de pontos corridos deveria

estar dentro do conceito de modernização trazido pelo estatuto, que nada mais é

do que a legitimação do torcedor como consumidor, com todos os direitos a que

a ele são garantidos por lei. O torcedor tem direito de, entre outras coisas, saber

com antecedência quando seu time vai jogar, quando acabará o campeonato etc.

Com esses argumentos, eu procurei mostrar que o Brasileiro poderia se estender

por mais tempo e o Estadual deveria ter a sua duração reduzida.

O argumento mais convincente que eu levei para a reunião tinha a ver com

a relação entre os clubes que menos tinham participado da fase final dos cam-

peonatos e o destino deles num curto/médio prazo. O Bahia era o clube que

menos tinha chegado à fase mata-mata na história do Campeonato Brasileiro.

Portanto, era o clube que mais tinha ficado inativo nesse tempo todo. Na épo-

ca da reunião, ele já estava na Segunda Divisão e, tempos depois, cairia para

a Terceira. Depois do Bahia, vinha o Fluminense, que também viveu história

parecida. Era um efeito bola de neve: o time está ruim, não se classifica, fica
CALENDÁRIO IDEAL

Sistema Período Receita Eventos

pontos corridos fim de semana ordinária Campeonato Brasileiro

eliminatório meio de semana extraordinária Copa do Brasil,


Libertadores etc.

197
sem jogar, não fatura, não tem como se reforçar, se enfraquece ainda mais e é

rebaixado. Lembro que, durante a apresentação, citei o caso do Botafogo, que

também tinha ficado fora de várias fases finais: “Não me surpreende se o Bota-

fogo for rebaixado em breve”, eu disse. Pois, naquele mesmo ano, o Botafogo

caiu para a Segunda Divisão. Não era adivinhação, era análise.

A CBF, pelo menos, entendeu o meu recado. A partir de 2003, a entidade

jogou fora o tal calendário quadrienal e adotou o modelo de pontos corridos,

como se faz há décadas nos campeonatos nacionais da Europa. De início,

os clubes olharam com a mesma desconfiança que demonstraram em 1987,

mas aos poucos muitos foram entendendo que só com esse regulamento eles

podem se planejar. Ninguém mais vai ficar inativo durante dois, três meses.

Além do mais, a emoção está garantida porque, até o fim, existem clubes

brigando por uma vaga na Copa Libertadores, na Copa Sul-Americana e, na

parte de baixo da tabela, lutando para continuar na Primeira Divisão no ano

seguinte. No meio de semana, Copa do Brasil e Libertadores podem gerar re-

ceitas extraordinárias. As ordinárias, as que vão fechar as contas do mês, já

estão garantidas no turno e returno.

Nesse novo cenário proposto, o papel desempenhado pela CBF também

merece reflexões. Em quase todos os lugares do mundo, a federação nacional se

ocupa basicamente da sua seleção. Os campeonatos são promovidos e adminis-

trados por uma liga de clubes independente. São eles que vão elaborar as tabe-

las, definir o regulamento, arrumar patrocínios e, é claro, dividir as despesas e

as receitas. No Brasil, no entanto, a CBF atua como uma senhora paternalista

que arca com as despesas e, por isso, se sente no direito de interferir na vontade

dos clubes, os verdadeiros “donos do espetáculo”. Estes, por sua vez, acusam a

CBF de levar seus jogadores para a seleção brasileira sem indenizá-los por os

terem formado e por continuarem pagando seus salários. Não acredito que a

confederação seja culpada disso, mas vejo outros caminhos para ela.

198
No meu entender, a solução mais viável para as duas partes passa por

uma redefinição do papel da CBF no futebol brasileiro. A seleção brasileira

é o seu maior produto, foi ela quem a transformou na entidade milionária

que é hoje, a despeito da situação tantas vezes calamitosa dos clubes. Pois,

então, a CBF deveria se dedicar quase que exclusivamente a ela. No máximo,

a confederação poderia promover a Copa do Brasil, que tem como particula-

ridade a abrangência nacional, uma vez em que há representantes de todos os

estados. O Campeonato Brasileiro deveria “pertencer” aos clubes. Por outro

lado, como receptora de atletas dos times, a CBF poderia usar o seu prestígio

para gerar receitas para os clubes. Se a seleção brasileira for convidada para

disputar um amistoso na Ásia, por exemplo, algo cada vez mais comum, a en-

tidade deveria condicionar sua presença ao convite de uma ou duas equipes

brasileiras para também disputarem partidas neste país. Além da visibilidade

internacional, o time ganharia uma participação na cota. Duvido que as fede-

rações estrangeiras não aceitassem.

Acredito que a CBF esteja disposta a abrir mão do Brasileiro se lhe for

apresentada uma proposta séria. Digo isso porque, em 2004, quando eu com-

punha a diretoria do Fla-Futebol, fui até o presidente Ricardo Teixeira e mos-

trei a ele que, no ano anterior, o clube só havia ficado com R$ 200 mil dos R$

2,2 milhões de receita gerada nos jogos. A maior fatia foi dividida entre CBF,

impostos, Suderj, federação etc. Na mesma hora, o Ricardo Teixeira dispen-

sou a parte da entidade não só para o rubro-negro mas para todos os clubes.

Temo apenas que os dirigentes não tenham ainda a capacidade de organizar

sozinhos um campeonato, como fizemos na Copa União, em 1987. Eles podem

sofrer no início, mas a responsabilidade lhes fará bem. Volto a repetir, no en-

tanto, que o rumo definitivo do futebol brasileiro só será tomado quando ele

deixar de ser administrado por voluntários e chegar às mãos de profissionais

capacitados. Deixemos a paixão apenas para os torcedores.

199
Leovegildo Gama Junior
ex-jogador (Flamengo, Seleção Brasileira, Torino, Pescara),
técnico, dirigente e comentarista.

Quando joguei na Itália, aprendi a ver o futebol de


outra forma. Não só o Torino e o Pescara, como todos os outros, são administra-
dos num modelo profissional. Todos eles possuem um diretor esportivo que faz o
intercâmbio entre a diretoria e os jogadores. Alguém responsável pelo planeja-
mento técnico da equipe. Quando encerrei a minha carreira, decidi que esse era
um caminho que eu poderia seguir. E foi pensando assim que aceitei o convite do
Márcio Braga para integrar a diretoria do Fla-Futebol. Fiquei animado quando
vi que tinha ao meu lado o João Henrique Areias. Eu e ele temos o pensamento
bem afinado em relação à necessidade de os clubes serem administrados profis-
sionalmente. Até hoje nos reunimos pelo menos uma vez por mês para conversar
sobre o futuro do futebol. Somos convictos de que, se continuarem no amadoris-
mo, os clubes brasileiros vão se afundar cada vez mais.

A relação com o João Henrique e com nosso outro companheiro do Fla-Fu-


tebol, o José Maria Sobrinho, foi muito boa, mas encontramos várias resistências
internas. Havia um vice-presidente, o Artur Rocha, que jogava contra o projeto de
profissionalismo por puro medo de perder poder. Foi um sujeito que caiu de para-
quedas no futebol e ajudou a minar o projeto de profissionalismo do Flamengo.

No Fla-Futebol, era o João, por exemplo, quem tinha que negociar os con-
tratos com a Nike e a Petrobras, mas a banda amadora do clube não deixava.
No futebol, eles também se metiam em tudo,comprometendo a independência do
Fla-Futebol. Perdemos uma grande oportunidade de profissionalizar o Flamengo.
Tenho certeza de que o clube hoje seria outro se o Fla-Futebol estivesse ainda na
ativa, não necessariamente pelas nossas qualidades pessoais, mas pelo modelo
profissional de gestão que ele representava.

200
Fla-Olimpico
A história do Fla-Basquete, bi-campeão brasileiro
com depoimentos de Paulo César Pereira Filho, Alexandre
Franklin, Pedro Paulo Drumond, Jefferson, Paulo Chupeta,
Arthur Repsold, Carlo Mossi e Sergio Ricardo de Almeida

201
202
Como já ficou claro em outros capítulos deste livro, são nos momentos de
crise que surgem as melhores oportunidades de se lançar uma semente de transfor-

mação. Foi o que passou pela minha cabeça quando vi estampada em todos os jornais

uma entrevista bombástica do presidente do Flamengo, Márcio Braga. Naquela semana

de janeiro de 2009, ele havia convocado a imprensa para dar uma notícia tão lamen-

tável quanto previsível. Sem meias palavras, Márcio informou que o Flamengo estava

abrindo mão de seus atletas de ginástica olímpica porque não tinha mais condição de

pagá-los. Estrelas da modalidade como Diego Hypólito, Danielle Hypólito e Jade Bar-

bosa estavam liberados para procurar outro clube para treinar. Ou então voltariam aos

tempos de atletas amadores, sem receber salários. O cofre do departamento de esportes

olímpicos estava vazio.

A situação da ginástica olímpica era apenas a ponta visível de um iceberg

que estava afundando. Todo o departamento de esportes olímpicos rubro-negro já ti-

nha deixado de ser autossustentável havia muitos anos. A equipe de basquete campeã

brasileira, dona dos melhores jogadores do país, estava com quatro meses de salários

atrasados. Nas outras modalidades, até a irrisória ajuda de custo dada aos atletas, entre

R$ 400 e R$ 600, não estava sendo paga desde julho de 2008. Era uma situação com-

pletamente caótica para um clube que se acostumou a ser base de equipes olímpicas e

pan-americanas do Brasil. Nos Jogos de Barcelona, em 1992, por exemplo, o Flamengo

possuía a maior quantidade de atletas na delegação.

Foi naquela mesma semana de janeiro que recebi um telefonema de Márcio

Braga. Ele queria que eu assumisse o departamento de esportes olímpicos no lugar da

ex-nadadora Patrícia Amorim. Márcio confiava na minha capacidade de garimpar patro-

cínios, única possibilidade de sair do buraco.

203
A princípio, parecia um convite ao inferno. Não se desenhava à minha frente

um horizonte propício para recuperar um departamento falido. Ao contrário do futebol,

os esportes olímpicos têm poucas perspectivas de arrecadar recursos com patrocínio.

Algumas coisas, no entanto, me fizeram pensar além dos obstáculos que apa-

reciam na minha frente. Primeiro, é claro, minha estreita relação com o Flamengo,

clube que abriu as portas para o meu trabalho como profissional de marketing. Depois,

eu vi surgir uma oportunidade de ouro de desenvolver o modelo de gestão profissional

que exponho neste livro e nos meus cursos de marketing esportivo. É claro que me lem-

brei da minha experiência no Fla-Futebol em 2004, quando o modelo de gestão ama-

dor impediu que implementássemos uma administração profissional no departamento.

Mas acreditei que, sem a paixão do futebol envolvida, eu encontraria mais autonomia

para trabalhar. O Flamengo já abrigou 17 modalidades olímpicas de alto nível e agora

só restavam sete (remo, futsal, basquete, vôlei, judô, ginástica artística, natação, pólo

aquático e nado sincronizado). Não poderíamos deixá-las morrer também.

Por tudo isso, apesar do espanto de amigos próximos, disse sim ao convite de

Márcio Braga. Eu abriria mão provisoriamente de minha convicção no trabalho profis-

sional para assumir um cargo de vice-presidente voluntário. Ali, eu imaginava, poderia

plantar a semente do profissionalismo nos esportes olímpicos do Flamengo. Minha

única condição era ganhar autonomia total para implantar meu modelo de gestão.

Nosso primeiro passo foi dimensionar o tamanho do buraco dos esportes olím-

picos do Flamengo. Posso afirmar que era bem grande. As sete modalidades custavam

anualmente cerca de R$ 7 milhões aos cofres do clube. Como nenhuma tinha patrocí-

nio próprio, a única receita fixa vinha das escolinhas, que faturaram R$ 1,2 milhão e

gastaram R$ 700 mil no ano anterior. Com o lucro de R$ 500 mil, o rombo era de mais

ou menos R$ 6,4 milhões. Quem pagava essa conta? O clube precisava se submeter a

costuras políticas para que o departamento social e, principalmente, o futebol arcassem

com o prejuízo dos chamados esportes amadores. A diretoria chegou a destinar 10%

do valor de contrato com a Petrobras para essas modalidades, mas houve um momento

204
em que o dinheiro parou de entrar. E era aí que eu entrava na história. Minha principal

missão era criar receitas para as modalidades, num primeiro momento prioritariamente

para a ginástica e para o basquete.

Devo confessar que o primeiro obstáculo superado nada teve a ver com concei-

tos de marketing esportivo. A solução apareceu graças a uma paixão nacional chamada

Flamengo. Poucos dias depois que o presidente Márcio Braga expôs publicamente a

falência dos esportes olímpicos do Flamengo, recebemos um telefonema salvador da

prefeitura de Niterói. Sensibilizado com o drama do clube e dos atletas, o prefeito Jorge

Roberto Silveira ofereceu o patrocínio do município para que Jade Barbosa e os irmãos

Hypólito continuassem competindo com a camisa rubro-negra.

Seria a solução mais rápida para mais uma modalidade esportiva do clube que

sofria com o que eu chamo de custo-Flamengo. Os três ginastas rubro-negros têm salá-

rios bem acima da média brasileira. A gaúcha Daiane dos Santos, por exemplo, ganha

metade do que um deles recebia. Isso não significa que os atletas são mercenários ou

que a diretoria anterior não teve cuidado com o dinheiro do clube na hora de nego-

ciar os contratos. A responsabilidade é da estrutura ultrapassada dos clubes brasileiros.

Assim como acontece com outros esportes, incluindo o futebol, os atletas que assinam

contratos com o Flamengo pedem mais porque sabem que não vão receber em dia. É

uma forma de se proteger do calote. Por isso, o custo total da ginástica rubro-negra

chegava a R$ 80 mil mensais.

A prefeitura de Niterói manteria todo o departamento de ginástica, mas não

seria um patrocínio direto para o clube. O dinheiro seria repassado para um instituto

que deveria ser criado pelos ginastas, assim como o município já fazia com o velejador

Torben Grael, a triatleta Fernanda Keller, entre outros atletas de alto nível. Seria parte

de um projeto de iniciação esportiva de Niterói chamado “Nomes”. O convênio seria

assinado entre o instituto e a prefeitura. O Flamengo só entraria para ceder oficialmente

a marca, as instalações esportivas e o vínculo com a federação de ginástica. Além disso,

o clube se comprometeria a continuar cedendo para o departamento dois apartamentos

no bairro do Flamengo, um para a família Hypólito e outro para um treinador.


205
Os ginastas poderiam criar um instituto próprio para cada um ou, então, se

unir para montar uma estrutura comum. A segunda opção seria a mais barata para eles,

por unificar as despesas. Mas foi aí que começaram os problemas. O pai de Jade, Cesar,

e a mãe dos irmãos Hypólito, Geni, não conseguiam se entender de jeito nenhum. E

mesmo a possibilidade de abrirem institutos independentes não foi adiante. O Flamen-

go deu toda a assessoria jurídica para que eles fizessem o convênio com a prefeitura de

Niterói, mas, até agora, nada saiu do papel. Juntos, os ginastas estavam deixando de

faturar R$ 80 mil todo mês por não terem conseguido se entender entre eles.

Por um lado, eu entendi a dificuldade dos três atletas. Eles estavam se sentindo

como me senti no dia em que deixei a IBM para tentar meu primeiro voo solo como consul-

tor esportivo. Eu estava abrindo mão da proteção que um empregador normalmente dá

ao funcionário. Agora eles teriam de ir à luta por contra própria. Mesmo não pagando em

dia, o Flamengo era o empregador deles. De qualquer forma, foi a única solução encon-

trada para que dessem continuidade à brilhante carreira de cada um. Só dependia deles.

A ginástica olímpica do Flamengo ainda vivia uma situação que eu resistia a

aceitar. Os atletas não recebiam um centavo sequer da Confederação Brasileira de Gi-

nástica, que tem um contrato com a Caixa Econômica Federal. Ora, quando a Daniele, o

Diego e a Jade dão retorno ao patrocinador? Quando estão nos Mundiais e nas Olimpí-

adas, representando a seleção brasileira. Só que, nessas ocasiões, eles não podem usar

o uniforme com os patrocinadores que o Flamengo, porventura, venha conseguir. Os

clubes formam o atleta, dão moradia, instalações esportivas e não podem exibir seus

patrocinadores nas melhores ocasiões. Parece óbvio, então, que a confederação pelo

menos contribua com o salário do atleta. Só não é óbvio neste modelo de gestão ama-

dor em que vivemos. Cheguei a pedir à presidente da Federação de Ginástica do Rio,

Andréa João, para marcar uma reunião na confederação para encontrar um caminho

alternativo. Não deu tempo de chegar lá.

Felizmente, deu tempo para resolver outras questões até mais complicadas

que a da ginástica. Não existia um desafio maior no departamento de esportes olímpi-

206
cos do Flamengo que o basquete. Não só pela gravidade da crise financeira que a equipe

passava, mas pela repercussão gigantesca dos problemas. Quando eu assumi o cargo de

vice-presidente, o salário dos jogadores estava atrasado havia quatro meses. O time, o

melhor do Brasil, estava ameaçando se desfazer e abandonar duas competições impor-

tantes: o Sul-Americano e o Campeonato do Novo Basquete Brasil. Não havia patrocínio

e a receita com bilheterias era quase nula. Pouco antes, no período de transição entre

a gestão da Patrícia Amorim e a minha, participei de uma reunião tensa. Na frente dos

jogadores, ela responsabilizou as vice-presidências de finanças e de marketing pela falta

de patrocinadores e, consequentemente, de dinheiro.

Não disse nada naquela ocasião porque não tinha assumido a função oficial-

mente, mas no meu primeiro encontro com os jogadores deixei logo claro a minha

posição. Eu seria o responsável por arrumar os patrocinadores. Todos poderiam cobrar

de mim. Mas precisava contar com a ajuda deles nos campeonatos. Na hora, me veio a

lembrança do pacto que firmei em 1995. Eles tratariam de se doar ao máximo dentro

de quadra que eu cuidaria de tudo fora dela. Como naquela vez, recebi uma resposta

positiva dos jogadores.

Pouco depois desse encontro, os jogadores do Flamengo tiveram uma grande

ideia para chamar atenção da mídia sobre os problemas dos salários atrasados. Em dois

jogos disputados no Espírito Santo, eles entraram em quadra com uma camisa onde se lia:

RESPEITO. A atitude provocou grande repercussão. Felizmente, não fui pego de surpre-

sa. Numa atitude honesta dos jogadores, o ala-armador Marcelinho Machado, capitão e

estrela do time, me ligou avisando da decisão deles e perguntando a minha opinião. Eu

disse que era um protesto pacífico e justo, já que realmente a diretoria do Flamengo não

estava sendo respeitosa com eles. Os atletas estavam fazendo a parte deles e nós, não.

Tanto isso era verdade que, no final daquele mesmo mês, eles se sagrariam campeões

sul-americanos sobre o Quimsa, da Argentina, jogando com os salários ainda atrasados.

A esta altura, eu já trabalhava para reestruturar o departamento de esportes

olímpicos. Tentei fazer uma transição suave. Mas a Patrícia estava chateada porque o

207
Márcio Braga tirou o cargo dela e não quis ficar. Convidamos ainda para nossa equipe

dois assessores próximos dela, um supervisor de escolinhas e outro de esportes olímpi-

cos, mas eles também recusaram.

Fui, então, atrás de pessoas qualificadas para montar de novo o departamen-

to. Para a coordenação esportiva, chamei o Hélio Barbosa, um executivo aposentado

da Eletrobrás e ex-presidente do Grajaú Country Clube. Ele tinha as experiências de

administração privada e esportiva. Da mesma forma que eu, o Hélio topou doar ao Fla-

mengo 90 dias de seu trabalho. Convidei também dois jovens ex-alunos do meu curso

para as coordenações de marketing e tecnologia, respectivamente o Paulo César Pereira

e o Alexandre Franklin. Para comunicação, veio o George Milek. Outros ex-alunos meus

também foram importantes como voluntários, como a Alia Maas, Rômulo Macedo, João

Pedro Habib, Fernando Paz, Tatiana Azevedo, Rodrigo Calvoso, Mauricio Pelegrinetti,

Fernanda Belém, a equipe liderada pelo Ronaldo Bouças, os diretores do voleibol, mais

a Bárbara Moura. E, na parte financeira, aproveitei o Vitorino Silva, que já era funcioná-

rio do clube, além do Sérgio Silva e do Dário. Eu seria o diretor executivo e, como todo

mundo da equipe, não seria remunerado.

Ao mesmo tempo, guardei um espaço para uma pessoa muito especial não

só para o Flamengo como também para o basquete brasileiro. Eu enxerguei naquele

momento uma oportunidade de resgatar o Ary Vidal, ex-técnico do clube e da seleção

brasileira, para o ambiente que ele mais gosta: uma quadra de basquete. Alguns anos

antes, ele havia sofrido um AVC que o manteve entre hospital e casa. Achava que seria

um justo reconhecimento chamá-lo para o cargo de diretor de basquete rubro-negro.

Sabia que ele teria uma aceitação enorme de jogadores e comissão técnica. O mais

difícil foi convencer sua esposa, a minha amiga Heloísa, de que voltar ao esporte seria

importante até para a saúde dele. E foi o que aconteceu. Os cinco meses em que passou

lá representaram um sopro de vida para o Ary.

Mas como funcionaria, na prática, essa divisão de tarefas no novo departa-

mento de esportes olímpicos do Flamengo? O coordenador esportivo teria de montar

208
um time para produzir ídolos e conquistar títulos. Se dependesse só dele, ele contrataria

um dream team. Só que ele tem que se sentar antes com o coordenador financeiro, que

vai dizer quanto existe em caixa para pagar os jogadores e a comissão técnica. Nor-

malmente, haverá menos dinheiro do que o necessário para montar o time mas, nesta

mesma mesa, estará também o coordenador de marketing. É dele o papel de criar novas

fontes de receita para atender ao coordenador esportivo sem quebrar o coordenador

financeiro. A Patrícia Amorim, por exemplo, foi uma ótima coordenadora esportiva.

Montou o melhor time de basquete da América do Sul, mas faltaram as outras duas

pontas para poder pagá-lo. Era essa nossa grande missão.

Para começarmos o trabalho de captação de recursos, precisávamos de uma fer-

ramenta de comunicação que nos possibilitasse conhecer melhor os nossos torcedores-

consumidores de basquete. Optamos, então, por um modelo que conheci num curso de

marketing digital. Chama-se plataforma Ning, que consistia numa rede social de intera-

tividade na internet. Com o endereço www.flabasquete.com, o canal de marketing tinha

o objetivo de aproximar o basquete do Flamengo, incluindo aí os jogadores, de seu públi-

co. Em cinco meses, cadastramos mais de oito mil rubro-negros que gostam de basquete.

Através do site, eles conversaram com os atletas, com a comissão técnica, trocaram infor-

mações, fotos e opiniões sobre os jogos e compraram produtos licenciados do clube. Tudo

isso com um custo praticamente zero para o Flamengo, que finalmente entrava na Era 2.0.

Graças ao Flabasquete.com, podíamos consultar os torcedores sobre algumas

decisões que precisávamos tomar. Em certo momento do campeonato, por exemplo, eu

tive a ideia de levar os jogos do Flamengo para Macaé, onde certamente a gente teria

mais público. Os membros da rede se mostraram contrários à mudança, mas então a

gente passou a cobrar mais compromisso deles com a frequência nas partidas. Era, en-

fim, um espaço aberto, um fórum de discussões entre os fãs do basquete rubro-negro.

Eu fiz questão de criar no site uma seção de prestação de contas. Qualquer

pessoa poderia acompanhar todas as receitas e despesas do basquete do Flamengo.

Sempre considerei a transparência um componente essencial para o sucesso de um

novo modelo de gestão.


209
A nossa rede social na internet foi fundamental para que pudéssemos lançar

nosso primeiro grande projeto de arrecadação de recursos do basquete rubro-negro.

Colocamos à venda cinco camisetas temáticas do Fla-Basquete, que eram usadas pelos

jogadores e pela comissão técnica toda vez que entravam em quadra. A maioria das

vendas era feita através de um link no site. No período em que estive lá, arrecadamos

quase R$ 400 mil em venda das camisetas. Só nos dois primeiros jogos da final do NBB,

a Fla Boutique vendeu R$ 20 mil em camisetas.

Precisávamos também, é claro, de um patrocínio na camisa da equipe, que

estava vazia desde a saída da Petrobras. Acertamos, então, um contrato com a Cia. do

Terno, uma das maiores redes de roupas sociais do Brasil. O valor do contrato aumen-

tava à medida que o Flamengo passava de fase no Campeonato do NBB. Arrecadamos

um total de R$ 450 mil em dois meses, sendo que só o jogo final injetou R$ 42 mil nos

cofres do clube.

Organização do Fla-Basquete

*5832'(
3/$1(-$0(172
(675$7e*,&2 $U\9LGDO
 *3( 0DULDQD%URFKDGR
-+$UHLDV
0DUFRV%UD]
',5,*(17(6
5RQDOGR%RXoDV 92/817È5,26

',5,*(17(6
352),66,21$,6
&225'(1$d­2 (
$66,67(17( (;(&87,9$
 %DUEDUD )81&,21È5,26
 -+$UHLDV

)XQFLRQiULRV GR &OXEH 
'LULJHQWHV 9ROXQWiULRV 
&225'(1$d­2 &225'(1$d­2 &225'(1$d­2
(63257,9$ 1(*Ï&,26 (&21Ð0,&$ 727$/ 
 +pOLR%DUERVD  3DXOR3HUHLUD  9LWRU6LOYD 

683(59,625 &225'0.7 $66,67(17(


(63257(6  )HUQDQGR3D]
2/Ë03,&26  -3+DELE  $OHVVDQGUD 

$66,67(17( &225' ,1)5$(6758785$


&2081,&$d­2
 6LOYD 
 )%HOpP
 $OLD 
 )HOLSH*RPHV

683(59,625 $8;$'0
&225'
(6&2/,1+$6 7(&12/2*,$  'DULR 
 $OH[DQGUH)
 50DFHGR

210
Nesta negociação, vivemos uma situação semelhante àquela vivida na Copa

União entre Coca-Cola e Grêmio, que não queria usar a cor vermelha da empresa de

bebidas. A cor predominante do logotipo da Cia. do Terno é amarela e muita gente

reclamou que a camisa do Flamengo tinha ficado parecida com a do Sport Recife.

Tivemos que explicar a alguns conselheiros que o clube não poderia se dar ao luxo de

ficar escolhendo cor de patrocinador. A um deles, cheguei a propor uma troca, é claro

que ironicamente. Ele nos daria R$ 400 mil e eu estamparia o nome dele no uniforme.

O contrato com a Cia. do Terno foi excelente, mas ainda precisávamos de mais. Decidi,

então, recorrer ao governador do Rio, o vascaíno Sérgio Cabral. Afinal, o Flamengo

era o único representante do estado no campeonato do NBB. Como não poderíamos

receber dinheiro de empresas estatais, decidi ir atrás das concessionárias de serviços

que já foram empresas públicas. Depois de algumas reuniões, conseguimos o apoio

da Loterj, presidida pelo Sérgio Ricardo. Foram R$ 80 mil em troca de promoções e

espaços publicitários.

Graças a esses recursos, somados à bilheteria dos jogos, conseguimos o que pa-

recia impossível. Em quatro meses, pagamos oito meses da folha salarial, que girava em

torno de R$ 215 mil. Faltou apenas quitar alguns prêmios por títulos de anos anteriores,

mas tudo seria resolvido, no máximo, até julho. Enquanto trabalhávamos fora da qua-

dra, lá dentro o time continuava fazendo a sua parte no NBB. O sucesso esportivo e os

desafios da gestão me obrigaram a ficar mais dois meses além do prazo de 90 dias que

eu dei ao presidente Márcio Braga para me dedicar ao clube. Aproveitei o tempo para

desenhar um projeto que desse a sonhada autossustentabilidade para o esporte olímpi-

co do Flamengo. Seria o Instituto Fla-Olímpico. Ele seria formado por um conselho com

ex-atletas de credibilidade e sem ligações com a política no clube, de preferência até um

não-associado. Este instituto faria um convênio com o Flamengo, que autorizaria o uso

de sua marca, direitos federativos e instalações esportivas, num modelo semelhante ao

que foi oferecido aos ginastas rubro-negros. Entreguei o projeto ao Márcio Braga, que

ficou de analisá-lo.

211
Com a parte financeira bem encaminhada e o planejamento para o futuro

estabelecido, nossas atenções se voltaram para a parte esportiva, que é igualmente

importante. Embora nossos objetivos fossem bem diferentes, havia uma prazerosa sin-

tonia entre a equipe que trabalhava nos bastidores e a que entrava em quadra. Como

o Flamengo não oferecia uma sala de ginástica ideal, conseguimos uma parceria com a

Academia Body Tech, uma das melhores do Rio, para os atletas treinarem. Eles sentiam

que estávamos comprometidos com eles. Vitória após vitória, chegamos aos playoffs

finais do NBB contra nosso grande rival, o Brasília. Um ano antes, o Flamengo já havia

derrotado a equipe do Distrito Federal na decisão do Nacional. Eles queriam a vingança;

nós queríamos o bicampeonato brasileiro.

Antes de mais nada, precisávamos resolver uma questão logística. O Flamengo

não tinha uma quadra de alto nível para mandar seus jogos decisivos contra o Brasília.

Tínhamos feito um contato com a HSBC Arena, na Barra da Tijuca, mas o valor cobrado

pelo aluguel era inviável para a realidade do clube: R$ 75 mil por jogo, fora as despesas.

O diretor de esportes da TV Globo, Luiz Fernando Lima, ligou para mim preocupado.

Com ele, voltamos ao presidente da HSBC Arena, Artur Repsold, com outra proposta. O

ginásio seria cedido de graça, mas o Flamengo dividiria os lucros da bilheteria meio a

meio. Se desse prejuízo, ele seria arcado pelo HSBC.

Parecia uma proposta desvantajosa para eles, mas aí eu apareci com um argu-

mento que sensibilizou o Artur. A arena foi construída com o dinheiro dos nossos impos-

tos para se transformar num legado esportivo para a cidade. Como o esporte olímpico

dificilmente dá retorno financeiro, o lugar estava se transformando apenas numa casa

de espetáculos. Lembrei a ele que o Flamengo seria a única instituição esportiva do Rio

capaz de tornar o ginásio rentável. Eram argumentos fortes, mas que precisavam ser

confirmados na prática.

Depois do acordo com a HSBC Arena, começamos uma campanha forte para

chamar o público rubro-negro ao jogo, com faixas, outdoors e inserções publicitárias

na TV Globo. Nesta parte, tivemos a ajuda da Squadro Comunicação e da Fla Filmes.

212
Graças a este esforço -- e evidentemente ao talento dos nossos atletas em quadra --, a

estratégia deu certo. Os três jogos da decisão renderam cerca de R$ 180 mil de lucro. A

média de público foi de 12 mil pessoas. No terceiro e último jogo chegamos a 15 mil ru-

bro-negros, mesmo com transmissão ao vivo da TV Globo e do SporTV. Foi o recorde da

HSBC Arena, ultrapassando até os jogos do Pan-Americano de 2007 e dos espetáculos

de música. Isso porque chegamos a colocar ingressos num setor VIP no valor de R$ 200.

Algumas pessoas foram contra, mas eu confiei numa tese que carrego desde os tempos

de Copa União: se o espetáculo é bom, o público aparece. Ainda mais num dos bairros

mais ricos da cidade, a Barra da Tijuca. Tudo deu tão certo que a HSBC Arena decidiu

receber o Flamengo como o time da casa nos próximos campeonatos de basquete.

Nos dois primeiros jogos na arena, cometemos alguns erros de organização.

Por falta de experiência nossa, deixamos torcedores invadirem outros setores mais ca-

ros e não havia um local bem definido para a imprensa. No terceiro jogo, no entanto,

corrigimos a grande maioria dos problemas. Foi neste último jogo que eu viveria a

maior alegria destes meses de trabalho e também uma das maiores decepções da minha

vida no esporte. Ginásio lotado, imensa maioria rubro-negra, o cenário estava perfeito

para um dia apenas de festa. Dentro de quadra, confiávamos na capacidade dos nossos

atletas, mesmo diante de uma equipe forte como o Brasília. Na véspera da decisão, eu

tinha vivido uma experiência emocionante que me deu ainda mais fé na conquista do

bicampeonato. O André Guimarães, que tinha assumido a coordenação esportiva no

lugar do Hélio, me pediu para conversar com os atletas. A princípio, não gostei da ideia.

Sempre achei que jogador não tem paciência para conversa de dirigente. Na decisão do

Sul-Americano, não permiti que nenhum cartola acompanhasse os jogadores nas via-

gens à Argentina e fomos campeões. Fala você, eu disse ao André. Mas ele insistiu tanto

que me convenceu.

Procurei ser o mais breve possível. Agradeci a eles todos os momentos que

tivemos e, principalmente, o empenho que eles prometeram — e cumpriram — na-

quela nossa primeira reunião. Graças a eles, pudemos fazer um trabalho correto do

lado de fora da quadra. Quando terminei, recebi um pedido emocionado do técnico

213
Paulo Chupeta e de seu assistente, João Batista. Em nome do grupo, eles pediram

que o Ary Vidal estivesse na quadra, ao lado deles, no jogo decisivo. Foi uma ideia

sensacional que, graças à compreensão do delegado da partida, Vander Lobosco Nu-

nes, tornou-se possível. Ele entendeu que aquilo seria uma bela homenagem a um

dos maiores nomes do basquete brasileiro. No dia da final, depois de ver o Ary bem

acomodado ao lado da quadra, subi animado para os camarotes. Queria conversar

com alguns patrocinadores, ver se tudo estava dentro do planejado. Passei, então, no

camarote do Flamengo e me encontrei com o Márcio Braga. Ele estava ansioso para

me contar uma novidade. Já sabia a quem convidar para presidente do Instituto Fla-

Olímpico, o projeto que apresentei a ele dias antes: Patrícia Amorim. “Márcio, não

estou entendendo”, eu disse. “A Patrícia é candidata de oposição declarada contra o

seu candidato nas próximas eleições, o Delair Dumbrosck”. A resposta dele resume

bem como funciona um modelo de gestão amador. “João, eu estou fazendo política”.

Eu realmente não deveria ter me surpreendido. Antes de descer para ver o

jogo, eu ainda o alertei: “Então convida a Patrícia, Márcio. Mas acho que ela não vai

aceitar. A Patrícia quer ser presidente do Flamengo e não do instituto”. A incrível ex-

periência que vivi durante a partida foi capaz de me fazer esquecer por alguns minutos

a estratégia política do presidente do Flamengo. Costumo dizer que basquete é um

esporte que faz mal à saúde tantas são as emoções que ele desperta. Graças a Deus e ao

trabalho de todos, deu tudo certo. Com uma vitória de 76 a 68 sobre o Brasília, o Fla-

mengo era o primeiro campeão do Novo Basquete Brasil. Como sempre acreditei que

os atletas são os verdadeiros campeões, procurei me manter longe da quadra na hora da

premiação. Só me aproximei uma vez para acompanhar a emocionante entrega das me-

dalhas. Ary Vidal foi o escolhido para colocá-las no pescoço dos jogadores. Logo depois,

chegou a taça. O Márcio, então, olha para mim, mas vai em direção à Patrícia Amorim

e juntos pegam o troféu. É ela quem entrega a taça ao nosso capitão, Marcelinho Ma-

chado. Eu achei estranha a atitude do Márcio e logo me veio à cabeça a conversa que

tivemos antes do jogo, no camarote. A Patrícia seria convidada para presidir o Instituto

Fla-Olímpico. Fazia parte da estratégia dele. Mas ainda não tinha me tocado do cons-

214
trangimento que aquela cena representava. Cheguei mesmo a dar uma entrevista para a

Rádio Tupi lembrando mais uma vez que foi a Patrícia quem montou aquela bela equipe

e que nosso trabalho tinha sido o de pagá-la. Até que alguns membros da minha equipe

vieram reclamar comigo, dizendo que o Márcio deveria ter me convidado também para

entregar a taça. Ao mesmo tempo, comecei a receber ligações de jornalistas querendo

saber o que tinha acontecido, se a Patrícia havia retomado o cargo. Isso porque o locutor

do SporTV Roby Porto tinha anunciado ao vivo, para todo o Brasil, que o troféu tinha

sido entregue pelo presidente Márcio Braga e pela diretora geral de esportes olímpicos

do Flamengo, Patrícia Amorim.

Só então a ficha caiu e comecei a entender a revolta de todos da minha equi-

pe. Nós trabalhamos de graça durante cinco meses e o presidente do clube nos ignorou

completamente na hora da premiação. As ligações de jornalistas não paravam. Por isso,

decidi não ir com o grupo para o jantar de premiação. O assunto seria a crise causada

pela atitude do Márcio e eu não queria estragar a festa do bicampeonato.

Só no dia seguinte, procurado ainda pela imprensa, eu decidi soltar o verbo.

Disse que o gesto do presidente do Flamengo tinha sido um desrespeito não só comigo

mas com toda uma equipe de profissionais que trabalhou cinco meses de graça para o

clube. Tudo isso por causa de seu interesse político nas eleições gerais do clube que se

realizariam naquele ano. Não fazia questão de que ele me chamasse para entregar a

taça, mas alguém do departamento tinha de estar lá. O Márcio Braga respondeu dizen-

do que eu estava com ciúmes da Patrícia e que iria resolver o problema porque me con-

trataria como profissional do instituto que eu mesmo projetei. Aí é que eu fiquei ainda

mais irritado. O presidente do Flamengo achava que calaria a minha boca com um car-

go. Naquele momento, eu sentia que uma relação profissional e de amizade de 22 anos

tinha ficado balançada. Prometi a mim mesmo nunca mais trabalhar com Márcio Braga,

o dirigente que me introduziu no mundo do marketing esportivo. Eu aceitei coman-

dar o departamento de esportes olímpicos do Flamengo para mostrar que era possível

conduzi-lo baseado em princípios profissionais, mas o presidente deixou claro que o seu

215
lado político falava mais alto. O Márcio Braga que já foi um grande estadista à frente

do clube tinha decidido fazer uma política menor. Pelo acordo, eu deixaria o cargo ofi-

cialmente dia 30 de junho, mas pedi demissão dois dias antes, até para marcar posição.

Alguns dias depois, o Márcio emitiu uma nota oficial elogiando o trabalho

do nosso departamento e o meu projeto do Instituto Fla-Olímpico. Mas preferiu dizer

que houve uma falha protocolar na entrega da taça e que, por isso, ninguém da minha

equipe tinha sido chamado. Ou seja, continuou sem reconhecer o seu erro. Tudo isso

reforçou as minhas convicções de que é essencial separar o lado político do lado profis-

sional de uma agremiação esportiva. Fazer política é necessário, mas ela jamais pode in-

terferir no trabalho administrativo. Só num modelo profissional os clubes conseguirão

caminhar para frente, a despeito do amadorismo e da politicagem reinantes no esporte

brasileiro. Por mais que os dirigentes se esforcem em dar exemplos contrários, continuo

acreditando que este dia chegará.

Finalmente não posso deixar de registrar o apoio do presidente em exercício,

Delair Dumbrosck, e do diretor que convoquei para me ajudar, o Marcos Braz. O Delair,

que substituiu o Márcio Braga, licenciado por problemas de saúde, em todo o período

que estive à frente dos esportes olímpicos do Flamengo, apoiou todas as nossas ações,

inclusive levar as finais para a HSBC Arena. O Marcos Braz, que depois viria a assumir

a vice presidência de futebol do Flamengo, de forma competente, foi outro apoio impor-

tante, tendo participação decisiva na solução dos salários atrasados

216
Paulo César Pereira Filho
coordenador de marketing do departamento de esportes olímpicos

Quando conheci o João , já estava formado há mais


de dez anos em Direito. Depois que fiz o curso dele, resolvi mergulhar de ca-

beça no marketing esportivo. O trabalho no basquete do Flamengo foi uma

grande experiência. Não tinha ideia de que como a administração do clube era

bagunçada. Tivemos que reestruturar o departamento de esportes olímpicos,

às vezes pegando no pesado mesmo e usando nossos próprios equipamentos.

Alexandre Franklin
coordenador de tecnologia do departamento de esportes olímpicos

O site flabasquete.com foi um dos pontos altos do


nosso trabalho no Flamengo. Tínhamos uma comunicação direta com torcedores

e clientes. O mais gratificante foi acompanhar a formação de uma comunidade do

basquete rubro-negro, no Brasil e no exterior. Essas pessoas não se contentaram

apenas com a interação virtual. Muitos se encontravam nos ginásios e, no fim,

formaram uma torcida organizada nas arquibancadas chamada flabasquete.com.


Jefferson
ala do Flamengo
Além da nossa capacidade dentro da quadra, o ponto forte
do basquete do Flamengo foi a união entre jogadores, comissão técnica e diretoria. Passa-

mos muitas dificuldades, quatro meses de salários atrasados, mas todos estavam compro-

metidos com o clube. Aos poucos, a organização fora da quadra foi melhorando, ganhamos

mais estrutura para trabalhar, os patrocinadores foram chegando e, é claro, os salários

atrasados foram sendo quitados. Enfim, nós, jogadores, percebíamos que o basquete rubro-

negro estava ganhando uma cara mais profissional. Para completar, tivemos aquela festa

maravilhosa nos três jogos finais na Arena HSBC, com cerca de 15 mil pessoas na partida

decisiva. O Fla-Basquete está de parabéns.

217
Pedro Paulo Drumond
presidente da Cia. do Terno

Colocar a marca da nossa empresa na camisa


do time de basquete do Flamengo foi uma grande oportunidade de marketing. Estávamos

associando o nome da empresa à maior marca esportiva do país. Apesar do histórico de de-

sorganização administrativa do clube, pudemos admirar o profissionalismo dos jogadores

e a empolgação da diretoria. Só poderia resultar num título inesquecível dentro de quadra.

Financeiramente, também foi altamente positivo. Só com as 13 transmissões ao vivo e 17

reprises do SporTV tivemos um retorno de marca pelo menos cinco vezes maior que o nosso

investimento. Sem contar os 25 minutos finais da decisão na TV Globo e o espaço obtido em

jornais e internet. Foi, portanto, uma parceria “ganha/ganha” que gerou benefícios para

o Flamengo e para nossa empresa e que, dentro da sua proposta inicial de curto prazo,

cumpriu o seu objetivo.

Paulo Chupeta
técnico do Flamengo, bicampeão brasileiro de basquete

Assim que assumiu os esportes olímpicos do Flamengo, o João

Henrique Areias veio falar com a comissão técnica e com os atletas. Explicou as dificulda-

des da diretoria, mas prometeu trabalhar muito para conseguir botar os salários em dia.

E ele honrou todos os compromissos que assumiu, mesmo com os problemas que o time

tinha com o patrocinador, no caso a Petrobras. Como acreditamos de cara na proposta

dele, pudemos nos concentrar exclusivamente na competição. Sabíamos que tinha alguém

do lado de fora pensando nos outros problemas. E o resultado, todo mundo já sabe. Fomos

bicampeões brasileiros com uma festa jamais vista nos jogos decisivos na Arena HSBC. Todo

aquele trabalho dentro de quadra, somado aos esforços da diretoria para quitar os salários

e nos dar condições de trabalho, não poderia resultar em outra coisa. No fim de tudo, além

de admirá-lo profissionalmente, o João se tornou um grande amigo.

218
Arthur Repsold
presidente da GL Events Brasil

Desde o início, as nossas conversas com o Fla-Basquete deram certo


porque concordávamos num ponto fundamental: era preciso valorizar o espetáculo. O jogo

de basquete seria a atração principal de uma série de eventos que atraíssem não só o torce-

dor comum, mas as famílias. Por isso, os três jogos das finais foram, além de um belíssimo

evento esportivo, um show de entretenimento para crianças e adultos, com música, boa

comida e diversão. Ao contrário do que muita gente pensa, baixar o preço do ingresso não

é a melhor saída para atrair o público. Se as pessoas não apareceram é porque não fomos

capazes de organizar um bom espetáculo. E as finais do NBB foram um excelente espetácu-

lo, com rendas e público maiores a cada jogo. Na última partida, os ingressos se esgotaram

com 48 horas de antecedência, inclusive os mais caros, de R$ 200. Por tudo isso, estamos

acertando com o Flamengo para que a Arena HSBC seja a casa do time de basquete rubro-

negro também em outras competições, daqui para frente.

Carlo Mossi
presidente da Braziline

O projeto Fla-Basquete foi bem sucedido por vários motivos:


desde a transparência com que se realizou até a grande preocupação em satisfazer o torce-

dor (cliente). Tudo isso, é claro, reforçado pela ótima performance da equipe naquele pe-

ríodo. Especificamente em relação às camisas, o negócio deu certo em função da seriedade

com que foi conduzido. Foram vendidas cerca de 28.000 camisas do Fla-Basquete. Acredito

que, no futuro, possamos atingir resultados bem superiores se o planejamento das ações for

feito com mais antecedência.

Para a Braziline, a experiência de trabalhar com o João foi valiosa, pois confir-

mamos que quando há vontade, talento e foco nos objetivos sempre conseguimos encontrar

caminhos e alternativas para alcançá-los.

219
Sérgio Ricardo de Almeida
presidente da Loterj

Desde o primeiro contato que tivemos com o pessoal do


Fla-Basquete eu percebi que existia ali uma proposta séria de patrocínio. Quando ouvi o

João Henrique Areias explicar o projeto, ficaram claros o profissionalismo e a credibilidade

de todos. Até então, nunca tínhamos pensado em patrocinar equipes esportivas porque

poderia causar algum tipo de rejeição nos torcedores de clubes rivais. Mas o João apareceu

com um argumento irrefutável: o Flamengo representava o Rio de Janeiro no Novo Bas-

quete Brasil. E, de fato, a aceitação foi completa e o nosso retorno de mídia, muito bom.

Foi o próprio João quem teve a ideia de expor a marca da Loterj no ferro que sustenta a

tabela. As fotografias publicadas nos jornais quase sempre mostravam o nosso logotipo. A

mesma coisa aconteceu com o prisma de publicidade que ficava ao lado da quadra. Essa

experiência com o Fla-Basquete foi tão bem sucedida que decidimos colocar o esporte de vez

na nossa pauta de patrocínio. Acabamos patrocinando o futebol do Vasco com a exposição

da nossa marca em alguns jogos da Série B do Campeonato Brasileiro. Como me ensinou o

João, o Vasco está ali representando o Rio nessa retorno à elite do futebol brasileiro.

220
Sites interessantes sobre Esporte e Marketing

Entidades Governamentais

Ministério do Esporte
Ministério do Esporte - http://portal.esporte.gov.br/
Estatuto do Torcedor - http://www.esporte.gov.br/arquivos/noticias/plc1-l.pdf/

Secretaria de Estado de Esporte


RJ - http://www.governo.rj.gov.br/
SP - http://www.sejel.sp.gov.br/

Secretaria Municipal de Esporte


RJ - http://www.rio.rj.gov.br/smel/
SP - http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/esportes/

Entidades de Administração do Esporte

Federação Internacional de Futebol – Fifa - http://www.fifa.com/

Confederação Sul Americana de Futebol - http://www.conmebol.com/

Confederação Brasileira de Futebol – CBF - http://cbfnews.uol.com.br/

Clube dos 13 - http://clubedostreze.globo.com/

Comitê Olímpico Internacional – COI - http://www.olympic.org/

Comitê Olímpico Brasileiro – COB - http://www.cob.org.br/

Confederação Brasileira de Desportos Universitários - http:// www.cbdu.com.br

Estádios

Estádio da Cidadania, em Volta Redonda - www.portalvr.com/estadio

Arena Petrobrás - http://www.arenapetrobras.com

Arena da Baixada - http://www.atleticoparanaense.com/arena/index.php

Atletas

Gilmar - http://www.gilmarsports.com.br/

Junior - http://www.sitedojunior.com.br/

Pelé - http://www.pele.com.br/

Sávio - http://www.saviobortolini.com

Zico - http://www.ziconarede.com.br/

221
Veículos de comunicação

Diário Lance! - http://www.lancenet.com.br

Jornal dos Sports - http://jsports.com.br

Gazeta Esportiva - http://www.gazetaesportiva.net

SporTV - http://sportv.globo.com

ESPN - http://espnbrasil.uol.com.br

Placar - http://www.placar.com.br

Website Cidade do Futebol - http://cidadedofutebol.uol.com.br

Agências de Marketing Esportivo

Sportlink Marketing Esportivo - http://www.jhareias.com

Golden Goal - http://www.goldengoal.com.br/br/index.htm

Top Sports - http://www.esporteinterativo.com.br/topsports

Sport Plus - http://www.sportplus.com.br

Traffic - http://www.traffic.com.br

Tática Sports - http://www.taticasports.com

Institutos de Ensino Superior – Esporte e Marketing

Administração Esportiva - FGV São Paulo - http://www.eaesp.fgvsp.br

Universidade Gama Filho - Gestão e Marketing Esportivo - www.ugf.br/

Universidade São Marcos, São Paulo - http://www.smarcos.br/

Universidade de Caxias do Sul - MBA em Gestão Esportiva -


http://www.universia.com.br/

Trevisan Escola de Negócios – Gestão Esportiva - http://www.faculdadetrevisan.com.br/

Centro Universitário Adventista de São Paulo - http://www.unasp.br/

Centro Universitário Assunção – São Paulo - http://www.unifai.edu.br/

Centro Universitário Augusto Motta, Rio de Janeiro - http://www.unisuam.edu.br/

Centro Universitário Capital – Unicapital, São Paulo - http://www.capital.br/

Centro Universitário Carioca – Unicarioca - www.carioca.br/

Centro Universitário de Volta Redonda – UniFOA - http://www.foa.org.br/

Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM - http://www.espm.br/

Faculdade CCAA, Rio de Janeiro - http://www.faculdadeccaa.edu.br/

222
Faculdade da Serra Gaúcha – www.fsg.br, Caxias do Sul - http://www.fsg.br/

Faculdade Gama e Souza, Rio de Janeiro - http://www.gamaesouza.edu.br/

Faculdades Integradas Anglo-Americano, Rio de Janeiro -


http://www.angloamericano.edu.br/

Instituto Belo Horizonte de Ensino Superior - http://www.jbhes.edu.br/

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - http://www.puc-rio.br/

Senac Rio - http://www.rj.senac.br/

Universidade Bandeirante de São Paulo - http://www.uniban.br/

Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro - http://www.ucam.edu.br/

Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro - http://www.castelobranco.br/

Universidade de São Paulo - http://www.usp.br/

Universidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy -


http://www.unigraniro.br/

Universidade Estácio de Sá - http://www.estacio.br/

Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro - http://www.estacio.br/

Universidade Federal de São Paulo - http://www.unifesp.br/

Universidade Federal do Rio de Janeiro - http://www.ufrj.br/

Universidade Fumec, Belo Horizonte, Nova Lima -


http://www.fumec.br/

Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro - http://www.ugf.br/

Universidade Paulista - http://www.unip.br/

Universidade Presbiteriana Mackenzie, Sâo Paulo -


http://www.mackenzie.br/

Universidade Salgado de Oliveira, Universo, Rio de Janeiro -


http://www.universo.edu.br/

Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro - http://www.uva.br/

223
Faça parte da nossa comunidade www.marketingesportivo.org.

Você poderá interagir com outros membros, participar de discussões, criar

grupos de interesse nas áreas de gestão e marketing esportivo e ter informa-

ções sobre nossos cursos.

Conheça também nosso site pessoal: www.jhareias.com

Para palestras e seminários, envie email para: jha@jhareias.com

Você também pode gostar