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Ambientes Digitais
Acir Mário Karwoski *
Julio Cesar Oliveira Bernardo**

BRAGA, Denise Bértoli. Ambientes digitais: reflexões teóricas e práticas. São Paulo: Cortez, 2013.

O livro de Denise Bértoli Braga, professora organizar essa resenha visando à troca de
titular do Departamento de Linguística Aplicada da experiências teóricas e práticas no contexto atual
Unicamp, intitulado “Ambientes digitais: reflexões dos estudos e pesquisas acerca dos
teóricas e práticas” é o sexto volume da Coleção multiletramentos, especificamente sobre os
“Trabalhando com... na escola”, publicado pela ambientes digitais.
Editora Cortez em 2013. O livro contém 148 Logo em suas primeiras páginas, o livro é
páginas e divide-se em duas partes: a primeira apresentado de maneira instigante pela professora
voltada para a contextualização histórica e Anna Christina Bentes (Coordenadora da Coleção).
comportamental diante das Tecnologias de Instigante porque, segundo Bentes, “a obra encanta
Informação e Comunicação – (TICs); e a segunda o leitor à primeira vista não só porque trata de um
voltada para recursos e exemplos de aplicabilidade dos mais importantes temas para o contexto de
no ensino, especialmente o ensino de línguas. ensino e aprendizagem no século XXI, mas,
Quanto à autora da obra, Denise Bértoli principalmente, porque discorre sobre esse tema
Braga é mestre em lingüística pela Unicamp e colocando-o no centro do interesse do professor das
doutora em educação pela Universidade de Londres. mais diversas áreas.” (p. 7). E, ainda, segundo
Possui pós-doutorado pela Universidade de Monash, Bentes, “esta obra nos ajuda a melhor compreender
da Austrália. Conhecida no ambiente universitário e como esse “maravilhoso mundo novo”, organizado
educacional, desde a década de 1990 a autora dedica por meio de tecnologias que mudaram e
seus estudos sobre as tecnologias digitais e seus continuarão mudando a vida em sociedade, já vem
impactos na linguagem e no ensino, especialmente contribuindo de forma definitiva para o
no ensino de línguas estrangeiras. Atualmente, desenvolvimento de formas conjuntas de fazer
partindo da declaração de que “navegar é preciso”, a conhecer, principal tarefa da escola e de todos os
autora tem se dedicado aos estudos acerca do professores.” (p. 12)
potencial da tecnologia digital para a ampliação da Posteriormente, na introdução, a autora do
participação social. Sem dúvida, a obra “Ambientes livro se propõe a refletir sobre as TICs e sua
digitais: reflexões teóricas e práticas” traz inúmeras utilização, sobretudo em atividades voltadas para o
contribuições para as reflexões acerca do uso de Ensino Médio, destacando que, apesar desses
tecnologias digitais não apenas na escola mas, recursos de aprendizagem estarem disponíveis na
também, na sociedade. internet, são “sistematicamente ignorados” em
A autora, em nossa opinião e segundo propostas de livros didáticos (p.13). Sobre gêneros
declaração enviada voluntariamente por email aos e discurso, a autora apresenta reflexões pertinentes
autores da resenha pela professora Vera Menezes, no contexto de letramento, afirmando que “ensinar
da Faculdade de Letras da Universidade Federal de a ler e escrever é um trabalho conjunto, favorecido,
Minas Gerais (UFMG), “é uma das pioneiras em mas não determinado, pelas práticas didáticas nas
pesquisa sobre linguagem digital e aprendizagem aulas de língua.” (p.15). A autora mostra como
mediada por computador. Adotei o livro mais flexível e adequado o conceito de
“Ambientes Digitais” em minha última disciplina e “participação social” em oposição à “inclusão
ele proporcionou boas reflexões e discussões entre social”, visto que pressupõe o respeito às
meus alunos. Escrito em linguagem adequada ao especificidades culturais e, nesse ínterim, aponta a
público jovem, este último trabalho de Denise Braga internet como caminho para ampliação dessa
oferece aos seus leitores temas obrigatórios para participação social. Alerta, no entanto, quanto à
quem acredita que "navegar é preciso". imprescindibilidade de sua utilização coerente que,
Assim, conhecendo a autora e o que outros segundo ela, permitirá a professores do Ensino
pesquisadores da área de lingüística aplicada Médio “em serviço ou em formação” estabelecer o
pensam a respeito dela e de sua obra, decidimos desenvolvimento de competências na prática
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pedagógica. alento: tecnologia a serviço dos professores” é


No primeiro capítulo “Uma breve reflexão subdividido e direcionado a professores das
sobre a história da escrita” da Parte Um “O diferentes áreas e a professores de línguas. Aos
professor frente aos novos recursos de ensino”, a primeiros, a autora levanta uma série de
autora retoma Vygotsky quanto ao conceito de possibilidades de suporte didático por meio da
linguagem como ferramenta cognitiva que permite a internet e afirma que de fato todos os docentes são
construção da cultura e molda a mente humana instrumentos fundamentais na ampliação do
segundo os parâmetros da inserção social repertório de letramento de seus alunos; e que o
vivenciada. A autora traça a história dos registros professor de línguas pode se tornar um aliado
dos signos, perpassando pela evolução desde os promissor num contexto construtivo de
tempos das cavernas e registros em placas de pedra interdisciplinaridade. Aos professores de línguas, a
ou argila. A autora contextualiza as diferentes autora menciona pertinentes benefícios para a
formas de representações visuais à capacidade de aprendizagem. No caso de uma língua estrangeira, a
suporte textual, bem exemplificando a partir do internet possibilita o acesso a textos das mais
emprego de pergaminhos e papiros, chegando variadas naturezas e assuntos, num processo
posteriormente ao formato do livro em papel, interativo ilimitado e em um letramento recorrente e
inovação que facilitou o registro e o acesso atual à eficaz. Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, a
informação. A autora detalha com eficácia autora aponta a diversidade de gêneros nos
processos do desenvolvimento evolutivo da escrita ambientes virtuais e a interatividade global do aluno
desde práticas medievais à efervescência da leitura diante deles, atribuindo ao professor função de
em si, possibilitada e dinamizada a partir da mediar, construir “pontes no nível linguístico e
separação visual das unidades lexicais. No universo cultural de forma a aproximar e facilitar a
entre a mesclagem da oralidade com a escrita com aquisição de gêneros e discursos escolares”(p. 53).
respectiva “hibridização” (p. 37), a autora ratifica No quarto capítulo “Um alerta: navegar é
que a análise do processo histórico gerador das preciso” a autora evidencia a potencialidade da
práticas de letramento tradicionais ajuda a decifrar internet enquanto espaço virtual de pesquisa, de
problemas recorrentes no cotidiano do ensino. aprendizagem e de interatividade social. Salienta
Enfatiza, também, que profissionais tradicionalistas que cabe aos educadores "delinear caminhos que
devem, por questão de sobrevivência, ceder lugar à permitam a formação de indivíduos menos ingênuos
viabilização de “novas práticas de leitura e e mais éticos” (p.57), deixando explícita a
produção textual e passar a explorar novos modos necessidade de adequação dos agentes envolvidos a
de construção do conhecimento” (p. 38), um novo contexto social e tecnológico.
comportamento que deve ser contínuo, sobretudo No quinto capítulo “Tecnologia e mudanças
em cenários de letramentos digitais. nos modos de ensinar e aprender”, a obra traz
No segundo capítulo “Tecnologia da reflexões interessantes da autora sobre o uso efetivo
informação e comunicação e novos letramentos”, a e não fictício de recursos digitais. A autora alerta
autora destaca a evolução pós-industrial e o para o fato de que “ser digital” não é garantia de
surgimento da sociedade da informação, que “inovação”, sendo preciso para tal a efetividade da
permitiu a integração de linguagens diversas que transformação pedagógica. A autora subdivide este
culminaram em novos tipos de gêneros, capítulo em três subcapítulos. Em “Da escola para
composições textuais e práticas comunicativas: os vida real ou vice-versa” afirma que a realidade
novos letramentos (p. 39) da era digital. A autora social dos alunos deve ser considerada na
destaca a criação de redes sem fio (wireless) que construção do itinerário pedagógico e formativo
dinamizaram o processo comunicativo, agora sem numa realidade em que o mais relevante é a gestão
limites de tempo e espaço, em ambiente de leitura do conhecimento no que tange à formação de
inovador, marcado pela multimodalidade e competências para posicionamentos críticos,
hipertextualidade. A autora evidencia a construção reflexiva de habilidades e estratégias de
possibilidade de o professor, diante da imensidão de autoformação levando o aluno a “aprender a
recursos da internet, complementar livros didáticos aprender” efetivamente. No subcapítulo seguinte
ou até mesmo substituí-los em um novo contexto “Aprendizagem baseada em casos e aprendizagem
em que o aluno torna-se sujeito ativo de sua baseada em problemas”, a autora ratifica a
aprendizagem. relevância da construção da aprendizagem a partir
O terceiro capítulo “Alguns motivos para de situações da vida real, demandando que o aluno
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se torne o maior interessado e responsável por seu adequada. A autora afirma que é possível aprender
aprendizado. A autora ilustra essas situações de exatamente sobre os pontos de falha ou inexatidão
aprendizagem com complexos e fecundos exemplos, dos próprios processos tradutórios, salientando que
enfatizando a trans e a interdisciplinaridade. Este com a mediação precisa, de fato, são ferramentas
capítulo é concluído com um breve subcapítulo viáveis ao ensino de língua estrangeira. A autora
“Práticas de estudo independente”, ocasião em que apresenta exemplo de aplicação a partir de uma
a autora apresenta a viabilidade de o professor pesquisa de mestrado, além de outros exemplos de
selecionar endereços (sites) e estimular seus alunos aplicações possíveis, aliando o uso de vídeos em
a interagirem produtivamente com eles. sala de aula ao trabalho com tradutores. Quanto ao
A Parte Dois “Muita coisa mudou... ou Twitter, a autora aponta seus recursos e ilustra uma
deveria...” tem como primeiro capítulo “Recursos aplicação prática. Considera-o na prática de
oferecidos pelas ferramentas e ambientes digitais”, letramento digital, sobretudo pelo poder de
quando a autora se propõe a discorrer sobre recursos acessibilidade e agilidade da informação, com a
possíveis para as práticas pedagógicas em rede. A possibilidade hipertextual de indicação de links.
autora demonstra o tom revolucionário da ascensão Quanto ao Google.docs, a autora ressalta a
das TICs e da Web 2.0 para efetivação das capacidade de arquivamento de textos e a criação de
iniciativas de ensino a distância. A autora reconhece documentos de forma colaborativa, forma “eficiente
o diferencial da portabilidade desses recursos, de construção de conhecimento no contexto on-line”
considerados por ela desenvolvimentos tecnológicos (p. 116), também exemplificado com a Wikipédia.
que possibilitam o surgimento do Ambiente Virtual Nesse contexto, a autora traz um exemplo pertinente
de Aprendizagem (AVA), que veio incrementar o envolvendo a reconstrução de textos, o que também
ensino além-muros, turbinando práticas possibilita aos alunos a interação com gêneros
educacionais a distância e ou complementando textuais diferenciados daqueles do cotidiano escolar.
cursos presenciais. A autora descreve – e o faz com Quanto às redes sociais, a autora reconhece a
propriedade – dois AVAs de acesso livre na facilidade de, por meio delas, o professor poder
internet: O TelEduc e o Moodle, ilustrando com fazer diagnósticos a partir do perfil dos seus alunos
exemplos práticos de aplicabilidade e bem como possibilidade de formação de grupos
funcionalidade. Apresenta os AVAs como meios sociais. A autora alerta, entretanto, para a facilidade
viáveis para construção colaborativa e coletiva do da perda de foco, o que, segundo a autora, deve
conhecimento enquanto ambientes que deixar o professor atento na mediação pedagógica.
explicitamente evoluem os meios tradicionais de Como exemplo, apresenta-se o Facebook, sobre o
ensino. Deixa claro, no entanto, a necessidade de qual a autora traz detalhes superficiais.
contínua mediação e intervenção do professor no A autora encerra a Parte Dois com o
processo de ensino e aprendizagem. capítulo “Finalizando”, quando chama a atenção
Nos cinco subcapítulos do capítulo seguinte para o fato de que “a escolha de um determinado
“Ambientes e ferramentas da internet incorporados ambiente ou recurso digital deve ser avaliada em
às práticas de ensino”, a autora traz uma seleção de termos dos objetivos pedagógicos propostos...”(p.
ferramentas oferecidas na rede compatíveis com 125). A autora ainda enfatiza que a mediação digital
processos interativos de aprendizagem. Sobre o “nas atividades de ensino e aprendizagem será
“blog” a autora demonstra sua viabilidade na produtiva se o professor levar em consideração” (p.
hospedagem de gêneros discursivos privilegiados 129) o objetivo, a ferramenta escolhida e o tipo de
com a tonalidade informacional e comunicacional mediação, atentando-se para os critérios de
aliada à utilização pedagógica, situação também avaliação.
demonstrada por meio de exemplos com projetos Em suas “Considerações finais”, a autora se
interdisciplinares. Ao dicionário on-line a autora justifica por ter optado a apresentar em seu livro um
atribui maior agilidade e precisão na utilização, com roteiro geral de embasamento para aplicações
possibilidades de ampliação da consulta/pesquisa práticas ou estudos mais aprofundados, devidamente
por meio de links e sublinks a partir de verbetes e contextualizados com as TICs em um processo de
respectivas definições, apresentando exemplos de sociedade em rede, cada vez mais globalizado.
aplicações práticas. Sobre tradutores automáticos no Instiga-se o professor à mudança, a sair de sua
ensino de língua estrangeira, a autora faz ressalvas situação de conforto, a práticas de ensino
quanto a suas limitações técnicas, fazendo, no construtivas e renovadoras, ainda mais quando em
entanto, considerações sobre sua utilização causa coletiva. A autora conclama, enfim, que
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“navegar é preciso”, sobretudo no desbravamento brilho temático e sua solidez de abordagem. Trata-
da informação rumo ao êxito do processo de ensino se de minúcia a ser naturalmente sanada em uma
e aprendizagem. A autora traz, ao término, um próxima e merecedora edição. “Ambientes digitais:
glossário considerável e aponta atuais e válidas reflexões teóricas e práticas” é um manual
referências. prodigioso para professores desse nível de ensino;
Após a leitura atenta do livro de Denise obra promotora de um novo pensar acerca dos
Bértoli Braga, fica a impressão de que a obra ambientes digitais na escola e na sociedade. A
alcança plenamente seu objetivo: instigar linguagem descolada e descontraída da autora
pesquisadores e docentes do Ensino Médio, traduz-se na eficácia e assertividade de seu discurso.
sobretudo professores de línguas, a reflexões, Em tempos de uma sociedade em rede, globalizada
levando-os, enfim, a admitirem o potencial e e tecnológica, o legado da autora é realmente um
utilizarem as TICs e seus ambientes digitais na passo inicial muito bem dado para a transformação
atuação profissional. O livro apresenta alguns da concepção pedagógica quanto aos insofismáveis
detalhes de revisão, que nem de longe ofuscam seu letramentos digitais. Realmente, navegar é preciso!

Sobre os autores:

Acir Mário Karwoski: Doutor em Letras (Estudos Linguísticos) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR);
Professor adjunto no curso de Letras e no programa de pós-graduação Mestrado em educação da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Uberaba - MG. E-mail: acirmario@letras.uftm.edu.br .

Julio Cesar Oliveira Bernardo: Licenciado em Letras. Professor da Educação Básica. Especialista em
Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa. Técnico em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM) - Uberaba - MG. E-mail: juliobernar78@hotmail.com.

Resenha recebida em novembro de 2013


Resenha aprovada em dezembro de 2013

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