Você está na página 1de 4

19/08/2020 Quais as conexões do rap com a literatura e a poesia | Nexo Jornal

EXPRESSO (/EXPRESSO/)

Quais as conexões do rap com a literatura e a


poesia
Camilo Rocha 24 de mai de 2018 (atualizado 28/05/2018 às 15h20)

Unicamp incluiu ‘Sobrevivendo no Inferno’ dos Racionais MCs em lista de leitura para
vestibular, na categoria ‘Poesia’

FOTO: DIVULGAÇÃO
NEXOEDU (/EDU)

TEMAS

CULTURA
(/TEMA/CULTURA)

 DISCO 'SOBREVIVENDO NO INFERNO', DOS RACIONAIS MCS, TRAZ


'OLHAR ÁCIDO E CRÍTICO' PARA COORDENADOR DA UNICAMP

Os Racionais MCs entraram para a academia. Pelo menos na Unicamp


(Universidade Estadual de Campinas), candidatos a uma vaga na instituição
em 2020 terão de estar familiarizados com as letras do álbum “Sobrevivendo
no inferno”, de 1997.

A universidade colocou o álbum do grupo na lista de leituras obrigatórias


para seu vestibular. O disco, que contém músicas como “Diário de um
detento” e “Jorge da Capadócia”, está na categoria “Poesia”, junto com "A
teus pés", da escritora Ana Cristina Cesar, e de sonetos de Luís de Camões.

“Nos chamou a atenção a questão da valorização da cultura da periferia


proposta pelo disco”, declarou o professor José Alves de Freitas Neto,
coordenador executivo do Vestibular Unicamp, ao jornal O Globo
(https://oglobo.globo.com/cultura/musica/disco-dos-racionais-mcs-entra-
na-lista-do-vestibular-da-unicamp-22709241) . “É uma obra que traz o olhar
ácido e crítico dos Racionais e continua relevante. E ela mescla várias
referências, o que é uma característica da literatura, trazer referências de
outros discursos.”

É a primeira vez que uma obra de música é recomendada para o exame. De


acordo com a universidade, os trabalhos escolhidos para a lista de leituras
obrigatórias devem expressar “diferentes gêneros e extensões, de autores das
literaturas brasileira e portuguesa” e possuir “relevância estética, cultural e
pedagógica para a formação dos estudantes do ensino médio”.

O Nobel de Bob Dylan

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/24/Quais-as-conexões-do-rap-com-a-literatura-e-a-poesia 1/4
19/08/2020 Quais as conexões do rap com a literatura e a poesia | Nexo Jornal
A discussão sobre a validade de letras de música como literatura não é nova.
A causa a favor desse reconhecimento ganhou legitimidade quando o cantor
americano Bob Dylan foi premiado com um Nobel de Literatura, em 2016.

“Se você olhar para milhares de anos atrás, descobrirá Homero e Safo. Eles
escreveram textos poéticos para serem escutados e interpretados, muitas
vezes com instrumentos. Acontece o mesmo com Bob Dylan. Nós ainda
lemos Homero e Safo e gostamos. A mesma coisa [ocorre] com Dylan”,
afirmou Sara Danius, secretária-permanente da Academia Sueca, no anúncio
do prêmio.
FOTO: DIVULGAÇÃO

 JAY-Z FOI CHAMADO DE 'GRANDE POETA' QUANDO LANÇOU SEU LIVRO


'DECODED', EM 2010

O próprio Dylan não estava tão convencido. “Fiquei me perguntando como


minhas músicas se relacionavam com a literatura exatamente”, escreveu em
um comunicado
(https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/2016/dylan-
lecture.html) . "Nossas músicas estão vivas na terra dos vivos. Mas músicas
são diferentes da literatura. Elas são para ser cantadas, não lidas. As palavras
das peças de Shakespeare eram para ser apresentadas no palco. Assim como
as letras em canções são feitas para serem cantadas, e não lidas no palco.”

Rappers e poetas
“Toda canção de rap é um poema esperando para ser apresentado”,
argumenta o americano Adam Bradley, crítico literário e doutor em língua
inglesa pela universidade de Harvard, no livro “Book of Rhymes: The Poetics
of Hip Hop”, lançado em 2009. Para ele, numa era em que a poesia se tornou
uma expressão de nicho, “os rappers são talvez nossos maiores poetas
públicos, estendendo uma tradição lírica que abrange continentes e existe há
milhares de anos”. Em 2010, Bradley co-editou uma antologia de rap pela
editora da universidade de Yale (https://genius.com/posts/84-Rap-genius-
interview-adam-bradley-editor-of-the-yale-anthology-of-rap) .

Outros acadêmicos de língua inglesa traçaram conexões entre a literatura e o


rap. Para John Sutherland, professor emérito de literatura inglesa moderna
na University College, em Londres, o modo como Tupac Shakur rima
“espontaneamente” em “Hit Em Up” é comparável ao “verso livre” do poeta
americano Walt Whitman. “O rap é muito centrado na palavra, sua essência
é a rima”, afirmou em um vídeo no YouTube
(https://www.youtube.com/watch?v=Vs3n1ujkflc) .

Em 2010, quando o rapper Jay-Z lançou seu livro “Decoded”, que contém
transcrições e comentários sobre 36 de suas letras, houve quem o elogiasse
de modo entusiasmado. “É o trabalho de um grande – importante – poeta”,
disse no evento de lançamento o curador e diretor da Biblioteca Pública de
Nova York, Paul Holdengräber.
FOTO: AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAS FAVELAS

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/24/Quais-as-conexões-do-rap-com-a-literatura-e-a-poesia 2/4
19/08/2020 Quais as conexões do rap com a literatura e a poesia | Nexo Jornal

 SARAU DO BINHO FOI FUNDADO EM 2004 NO CAMPO LIMPO, EM SÃO


PAULO

Na revista literária americana The Millions


(https://themillions.com/2010/11/things-done-changed-hip-hop-and-
literature.html) , o crítico Ben Hamilton escreveu um artigo em que pede
cuidado com a “canonização de letras de rap”. Um dos motivos é que “letras
de rap não funcionam na página. Se encontro um verso que ressoa no papel é
geralmente porque estou lembrando da intensidade da apresentação do
rapper e não porque o verso tem qualquer peso poético inerente”. Hamilton
observa ainda que o hip hop não precisa desse tipo de legitimação, pois “tem
suas próprias regras” e “não deve satisfações a ninguém”.

A poesia nos saraus da periferia


Nos saraus literários da periferia de São Paulo, um debate como esse é
irrelevante. Hip hop e poesia compartilham do mesmo ambiente desde
sempre.

Os eventos são realizados em bares de bairros como Brasilândia, Capão


Redondo e Grajaú. Participantes podem declamar seus próprios trabalhos ou
de outros. “Não tem espaços culturais na periferia, não tem nada. Mas em
todas as periferias sempre tem um bar e a gente ocupou esse espaço e o
transformou em nosso espaço, onde ouvimos nossa voz”, disse o poeta Sérgio
Vaz em entrevista à Istoé, em 2017 (https://istoe.com.br/saraus-de-poesia-
encantam-a-periferia-de-sao-paulo/) . Ao lado de Marco Pezão, criou o
Sarau Cooperifa em 2001

Nos saraus, “é comum… escutar a declamação de textos construídos em


sintonia com as letras de rap (e até declamados com as rimas e os gestos
corporais dos manos e minas)”, descreveu Lucia Tennina, doutora em
Literatura pela Universidade de Buenos Aires, em seu artigo “Saraus das
periferias de São Paulo: poesia entre tragos, silêncios e aplausos”
(http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2316-
40182013000200001&script=sci_abstract&tlng=pt) .

“A atitude subversiva-poética é o fio condutor da literatura na periferia”,


explicou Suzi Soares em entrevista ao El País em 2014. Ao lado do marido
Binho, Soares é responsável pelo Sarau do Binho, fundado em 2004 no
Campo Limpo. “É um movimento importante para valorizar as pessoas. Não
soluciona, mas transforma muitas coisas.”

VEJA TAMBÉM
EXPRESSO (/EXPRESSO/) O que há no clipe de ‘This
Is America’, do músico Donald Glover
(/expresso/2018/05/07/O-que-há-no-clipe-de-‘This-Is-
America’-do-músico-Donald-Glover)

(https://thetrustproject.org/) SAIBA MAIS

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/24/Quais-as-conexões-do-rap-com-a-literatura-e-a-poesia 3/4
19/08/2020 Quais as conexões do rap com a literatura e a poesia | Nexo Jornal

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/24/Quais-as-conexões-do-rap-com-a-literatura-e-a-poesia 4/4

Você também pode gostar