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Funções complexas
2.1. Introdução
Neste capítulo consideram-se vários exemplos de funções complexas e ilustram-se
formas de representação geométrica destas funções que contribuem para a apreensão
geométrica dos seus efeitos e para a compreensão de como podem estender funções reais.
O exemplo mais importante considerado nesta secção é a exponencial complexa, em
associação natural com funções logaritmo que são inversas da exponencial em conjuntos
onde esta é uma função injectiva.
Consideram-se também outras funções complexas definidas a partir da
exponencial, como é o caso de funções trigonométricas, hiperbólicas, potências e
exponenciais de base e expoente complexos.
Para o leitor que lidou com estas funções exclusivamente no âmbito dos números
reais pode parecer surpreendente que as funções trigonométricas possam ser obtidas das
funções exponenciais, dado o comportamento muito diferente destas funções no caso real
e o facto de terem originado em contextos claramente distintos. L. Euler foi o primeiro a
referir a relação entre funções trigonométricas e a função exponencial, numa carta a
Johann Bernoulli 1 em 1740 em que escreveu a fórmula 2 cos θ = e iθ + e − iθ . Na verdade,
a exponencial complexa, além do caracter de crescimento geométrico da exponencial
real, contém o comportamento oscilatório exibido pelas funções trigonométricas reais
seno e coseno. É mais um exemplo do poder unificador e simplificador da análise
complexa que encontraremos em muitas outras situações.
O capítulo termina com as noções de limite e continuidade de funções complexas.
9
10 Funções complexas
Cada semirecta do semiplano superior complexo com origem no ponto zero e consistindo
nos pontos de argumento θ 0 transforma-se na semirecta com origem no ponto zero e com
argumento ϕ = 2θ 0 (Figura 2.1). Assim, o semiplano superior complexo transforma-se
no plano complexo menos o semieixo real positivo.
A função pode ser representada em coordenadas cartesianas, com z = ( x, y ) e
w = f ( z ) = (u ( x, y ), v( x, y )) . Obtém-se
u ( x, y ) + i v( x, y ) = ( x + i y ) 2 = ( x 2 − y 2 ) + i 2 xy .
Cada recta horizontal do semiplano superior complexo, y = y 0 , é transformada na curva
de equações paramétricas u = x 2 − ( y 0 ) 2 , v = 2 xy0 . Eliminando o parâmetro x , obtém-se
a equação da parábola u = v 2 /( 2 y 0 ) 2 − ( y 0 ) 2 (Figura 2.2). Cada semirecta vertical do
semiplano superior complexo com origem no eixo real , x = x0 , y > 0 , é transformada no
arco de parábola de equações paramétricas u = (x0 ) 2 − y 2 , v = 2 x0 y , y > 0 . Eliminando
o parâmetro y , obtém-se a equação da parábola u = (x0 ) 2 − v 2 /( 2x0 ) 2 , a qual é simétrica
da parábola anteriormente obtida com y 0 = x0 (Figura 2.2).
|f| arg f
pode ser obtido notando que Arg f ( x + i y ) = Arg 1 /(( x − 1) + iy ) = − Arg ( x − 1, y ) , (ver
Figura 2.7).
Arg f
|f|
u(z) v(z)
Arg(e z)
|ez |
Arg(cos z)
|cos z|
u(z) v(z)
/ /
Arg(tan z)
|tan z|
É claro que cosh z = cos iz , sinh z = −i sin iz e tanh z = −i tan iz . Portanto, as funções
complexas coseno hiperbólico e seno hiperbólico são periódicas de período i 2π , a
tangente hiperbólica é periódica de período i π e estes são os seus únicos períodos
mínimos. Além disso, o coseno hiperbólico pode ser obtido por uma rotação de π / 2 em
torno da origem seguida da aplicação do coseno trigonométrico; o seno e a tangente
hiperbólicos podem ser obtidos por uma rotação de π / 2 em torno da origem seguida da
aplicação da correspondente função trigonométrica e, depois, uma rotação de − π / 2 em
torno da origem, sendo esta última equivalente a trocar a parte real com a imaginária e,
no final, mudar o sinal da parte imaginária. Estas observações são facilmente
identificadas nos gráficos dados nas figuras para as funções envolvidas.
/ /
/ /
|cosh z| Arg(cosh z)
u(z) v(z)
Figura 2.14: Gráficos das partes real e imaginária do seno hiperbólico complexo
|tanh z| Arg(tanh z)
/ /
/ /
Figura 2.15: Relevo e argumento da tangente hiperbólica complexa
18 Funções complexas
ln z = ln r + i θ ,
onde ln r designa o logaritmo real de r > 0 (Figuras 2.16 e 2.17). Em particular, os
números reais negativos têm logaritmos complexos, apesar de não terem logaritmos reais.
Como o argumento θ de cada z ≠ 0 pode ser escolhido num conjunto infinito de
valores que diferem de múltiplos inteiros de 2π , conclui-se que o logaritmo complexo
pode ser escolhido entre infinitos valores que diferem de múltiplos inteiros de i 2π . Para
assegurar a unicidade de valor e a continuidade de ln z , pode-se restringir θ a um
intervalo semiaberto I ⊂ ℝ de largura 2π (corresponde a separar diferentes “ramos” do
logaritmo com “cortes” ao longo de uma semirecta com origem no ponto zero). Cada
uma destas escolhas conduz a um ramo contínuo do logaritmo2, ln z = ln r + iθ , com
θ ∈ I . Chama-se valor principal do logaritmo de z a ln z = ln r + i θ 0 , onde
θ 0 ∈ ]− π , π ] designa o argumento principal de z . Os logaritmos complexos assim
definidos são extensões do logaritmo real e têm propriedades básicas semelhantes, como
ln( zw) = ln z + ln w , ln( z / w) = ln z − ln w , ln z n = n ln z (a menos de i 2kπ , com
k ∈ ℤ)3. Por convenção, o logaritmo de um número real positivo é sempre considerado
como o seu logaritmo real e, portanto, é definido univocamente, a menos que se diga o
contrário.
|ln z| Arg(ln z)
2 É ainda possível obter outros ramos, por exemplo considerando “cortes” ao longo de linhas curvas
ilimitadas com origem no ponto zero e sem auto-intersecções.
3 Pode haver situações em que haja números da forma ln z + ln w que não sejam da forma ln(zw) , embora
deles difiram de um múltiplo inteiro de i 2π . Porém, o contrário não pode acontecer. Aplicam-se
observações análogas às outras fórmulas dadas.
2.6. Logaritmos complexos 19
|ln z| Arg(ln z)
|f| Arg(f)
|f| Arg(f)
arccos z = ± i ln z + z 2 − 1 .( )
Dado que o logaritmo de um número complexo diferente de zero pode ser definido
através de uma escolha num número infinito de valores que diferem de múltiplos inteiros
de i 2π , também arccos z pode ser definido através de uma escolha em infinitos valores
que diferem de múltiplos inteiros de 2π . Os valores possíveis de arccos z também
incluem os simétricos dos valores do logaritmo considerado (devido ao coseno ser uma
função par, isto é, cos(− z ) = cos( z ) ) que, em geral, formam um conjunto diferente de
pontos que diferem entre si de múltiplos inteiros de i 2π (os dois conjuntos coincidem se
e só se z + z 2 − 1 é um número real positivo).
5 iw = ew lni = ewiπ /2 , pelo que | i w|2 = ew iπ / 2e−w iπ / 2 = eiπ (w−w)/ 2 , | i w|= ei (π / 2)Im w e Arg iw = Arg(iw/ | iw|) = Arg ei(π / 2)(w−(w−w)/ 2)
i (π / 2 ) ( w − ( w − w ) / 2 ) i (π / 2 ) ( w + w ) / 2
= Arg e = Arg e = (π / 2)Re w .
2.8. Funções trigonométricas inversas 21
|arccos z| Arg(arccos z)
/ /
/ /
Figura 2.20: Relevo e argumento de um ramo do arccos z complexo
A inversão da função complexa seno pode-se obter facilmente observando que
sin w = cos(π / 2 − w) , pelo que arcsin z = w = π / 2 − arccos z e
2
arcsin z =
π
(
µ i ln z + z 2 − 1 , )
que também pode ser definido através de uma escolha em infinitos valores que diferem
de múltiplos inteiros de 2π .
Exercícios
2.1. Determine os valores de 2 i i i , (−1) 2 i na forma a + i b , com a, b ∈ ℝ.
2.2. Determine os valores de sin i, cos i, tan(1 + i ) .
2.3. Determine todos os valores de z ∈ ℂ para os quais e z é igual a 2, − 1, i, − i / 2, − 1 − i, 1 + 2 i .
2.4. Obtenha expressões para arctan w em termos de logaritmos.
2.5. Prove que | z i |< eπ , para todo z ∈ ℂ \{0} .
2.6. Prove que | cos z | é ilimitada.
2.7. Prove que para a ∈ ℝ e −π < θ ≤ π se verifica (cos θ + i sin θ ) a = cos aθ + i sin aθ e mostre que a
restrição aos valores de θ é necessária. Mostre que se a ∈ ℤ a fórmula verifica-se para todo θ ∈ ℝ.
Neste caso é conhecida por fórmula de De Moivre6.
2.8. Determine equações cartesianas para os conjuntos do plano complexo que são transformados em
rectas paralelas aos eixos coordenados pela função complexa definida por z + e z e represente-os
graficamente.
2.9. Mostre que lim n→∞ (1 + z / n) n existe para todo z ∈ ℂ e é igual a e z .
2.10. Determine o contradomínio da restrição de tan z à faixa vertical do plano complexo | Re z |≤ π / 4 e
indique as imagens das rectas verticais e dos segmentos de rectas horizontais desta faixa.
6 Abraham De Moivre (1667-1754). A fórmula de De Moivre apareceu publicada pela primeira vez em 1748 no livro
de L. Euler Introductio.