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FACULDADE DE SÃO VICENTE

LETRAS

DÉBORA MIRIÃ MENEZES


ELYDA FIGUEIRA DIAS
JANAINA MANCUSO REIS

O INTERTEXTO ENTRE AS CRÔNICAS DE NÁRNIA E A NARRATIVA BÍBLICA,


SOB A PERSPECTIVA DAS FIGURAS DE INTERTEXTUALIDADE.

SÃO VICENTE – 2021


FACULDADE DE SÃO

VICENTE LETRAS

DÉBORA MIRIÃ MENEZES


ELYDA FIGUEIRA DIAS
JANAINA MANCUSO REIS

O INTERTEXTO ENTRE AS CRÔNICAS DE NÁRNIA E A


NARRATIVA BÍBLICA, SOB A PERSPECTIVA DAS FIGURAS DE
INTERTEXTUALIDADE.

Monografia, trabalho de conclusão de curso, critério para a obtenção


de graduação em Letras Português/Inglês, da UNIBR, Faculdade de
São Vicente.
Orientadora: Profª. Drª. Maria de Lourdes Gaspar Tavares

SÃO VICENTE – 2021


Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP);
Biblioteca UNIBR.
Faculdade de São Vicente – UNIBR
O mal será bem quando Aslam
chegar. Ao seu rugido, a dor fugirá.
Nos seus dentes, o inverno morrerá.
Na sua juba a flor há de voltar.

(C.S.Lewis)
DEDICATÓRIA

2 Coríntios 10:5. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta


contra o conhecimento de Deus e levamos cativo todo pensamento, para
torná-lo obediente a Cristo (BÍBLIA, 2017, p. 883).

Dedicamos o presente trabalho ao nosso Deus, que entendemos ser o Único Deus vivo
e atuante no Universo desde a eternidade. Bendizemos ao Deus das nossas vidas, que escolheu
intencionalmente e soberanamente o uso de palavras e confeccionou – por meio do Seu Santo
Espírito – o livro Sagrado para comunicar-se conosco, demonstrando-nos a importância e
relevância das palavras. Compreendemos que sem Ele, não seríamos capazes de escrever o
que aqui está posto, tampouco seria possível que tivéssemos chegado até aqui, e por “aqui”
leia- se: nessa etapa cronológica da vida e ao fim deste ciclo acadêmico. Glorificamos ao
nosso ABBA, pois tudo que fazemos, fazemos para a Sua Honra e Glória. Agradecemos ao
Verbo que se fez carne e habitou entre nós, pela clareza que nos foi concedida.
Agradecemos ao Espírito da Verdade por ser nosso mais nobre professor. Ao Deus trino, que
nos destinou para esse tempo, Àquele que não erra, Àquele a quem amamos acima de todas as
coisas, Àquele que tem nos sustentado com sua Graça infinita, A Ele, dedicamos não
somente esse trabalho acadêmico, mas todas as nossas vidas.

Romanos 11:33-36 Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do


conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis
os seus caminhos! “Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu
conselheiro?” “Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense?” Pois
dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre!
Amém.(BíBLIA, 2017, p. 864)
AGRADECIMENTOS

Ao nosso Deus por plantar em nós sonhos que jamais floresceriam sem que Ele mesmo
regasse e fizesse crescer.

Aos nossos respectivos maridos que nos suportaram em amor e paciência. Homens presentes,
dispostos a se sacrificarem por nós e prontos a nos ajudarem nas mais diversas circunstâncias.
Companheiros que nos serviram café e almoço enquanto estudávamos incansavelmente e que
enxugaram as nossas lágrimas quando tudo parecia ruir. De igual modo, agradecemos aos
nossos respectivos filhos pela paciência que precisaram ter enquanto pedíamos apenas mais
um tempo para realizarmos mais um trabalho em vez de estarmos com eles e que tiveram que
lidar com mães cansadas por muitas vezes.

Aos nossos respectivos pais, especialmente as nossas mães, que nos trouxeram com muita luta
até aqui. Mães que nos amamentaram quando bebês e que nos ofereceram alimento sólido
quando adultas, provando discernir os tempos e demonstrando acreditar que seríamos capazes
de alcançarmos grandes coisas.

A nossa orientadora, Prof. Dra. Maria de Lourdes Gaspar, por nos conduzir e confiar a nós
uma teoria que a própria já defendeu brilhantemente. Sentimos profunda gratidão, pois ela
sempre teve certeza que faríamos um bom trabalho, mesmo quando nós não acreditávamos.

A todos professores que fizeram parte desta caminhada, ajudando-nos a constituir


conhecimento, testando nossos limites e provando que somos capazes de ir além.

Aos nossos colegas de turma que foram mais do que alunos da mesma sala, tornando-se
companheiros em uma árdua jornada que teve muitos momentos desafiadores, mas também
muitos momentos memoráveis. A cada um deles, nosso muito obrigada.
RESUMO
Este trabalho está situado na área de Letras. Tem por tema O intertexto entre as Crônicas
de Nárnia e a narrativa bíblica, sob a perspectiva das figuras de Intertextualidade.
Tem-se por pressupostos teóricos Kristeva (1974) e Kock (1984, 1991), o apoio metodológico
acerca das figuras da Intertextualidade de Laurent Jenny (1979), bem como as reflexões de
Tavares (1999) sobre o diálogo intertextual; por critério, o ponto de vista das alunas-
pesquisadoras. A amostra analisada é composta de três das sete obras de uma série intitulada
As Crônicas de Nárnia, de autoria de C.S.Lewis, sendo elas: O Sobrinho Do Mago, O
Leão, A Feiticeira E O Guarda-roupa e A Última Batalha, bem como de trechos da
Bíblia. Os resultados obtidos indicam o diálogo intertextual entre os textos base e o arquitexto
e as figuras de intertextualidade auxiliam na comprovação e no reconhecimento desse diálogo.
Como perspectivas, propõem-se a necessidade de evidenciar cada vez mais a teoria de
Laurent Jenny, de maneira que se torne o suporte para o estudo de tantos outros
intertextos.
Palavras-chave: 1 – Intertextualidade. 2 – As Crônicas de Nárnia, 3 – Figuras de
Intertextualidade.
ABSTRACT
This work is located in the area of Letters. Its theme is The intertext between the
Chronicles of Narnia and the biblical narrative from the perspective of the figures of
Intertextuality. The theoretical presuppositions are the perspectives of Kristeva (1974) and
Kock (1984, 1991), the methodological support on the figures of Intertextuality by Laurent
Jenny (1979), as well as the reflections of Tavares (1999) on intertextual dialogue; by
criterion, the point of view of the student-researchers. The analyzed sample is composed of
three of the seven works of a series entitled The Chronicles of Narnia, authored by C.S.
Lewis, namely: The Magician's Nephew,The Lion, the Witch and the Wardrobe and The Last
Battle, as well as of excerpts from the Bible. The results obtained indicate that the intertextual
dialogue between the base texts and the architext exists and that the intertextuality figures
help to confirm and recognize this dialogue. As perspectives, we propose the need to
increasingly highlight Laurent Jenny’s theory, so that it becomes a support for the study of
many other intertexts.

Keywords: Intertextuality, The Chronicles of Narnia, Intertextuality Figures.


LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – AMPLIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE............................................39

QUADRO 2 – HIPÉRBOLE NA INTERTEXTUALIDADE.....................................................44

QUADRO 3 – ELIPSE NA INTERTEXTUALIDADE..............................................................44

QUADRO 4 – MUDANÇA DE NÍVEL DE SENTIDO NA INTERTEXTUALIDADE...........49

QUADRO 5 – INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO ENUNCIATIVA NA


INTERTEXTUALIDADE.................................................................................51

QUADRO 6 – INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO DRAMÁTICA NA


INTERTEXTUALIDADE.................................................................................53

QUADRO 7 – INTERVERSÃO DA QUALIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE..........54


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................12

1 CONTEXTUALIZAÇÃO, APRECIAÇÃO E ESTADO DA ARTE.......................17

1.1 C.S.LEWIS: BIOGRAFIA DO AUTOR..........................................................................17

1.2 AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: RESUMO DAS OBRAS ANALISADAS....................20

1.2.1 O Sobrinho do Mago........................................................................................................21

1.2.2 O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa............................................................................22

1.2.3 A última Batalha..............................................................................................................23

1.3 FORTUNA CRÍTICA......................................................................................................23

1.4 ESTADO DA ARTE........................................................................................................26

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA – MOSAICO TEXTUAL...................................28

2.1 INTERTEXTUALIDADE: OS FIOS DIALÓGICOS.....................................................28

2.2 A PALAVRA INTERTEXTUAL....................................................................................29

2.3 AS FIGURAS DA INTERTEXTUALIDADE: A PALAVRA E O ESTILO DO AUTOR


..........................................................................................................................................31

2.4 AS INTERTEXTUALIDADES E AS FIGURAS INTERTEXTUAIS NO TEXTO


LITERÁRIO....................................................................................................................32
2.5 AS FIGURAS DE INTERTEXTUALIDADE, SEGUNDO LAURENT JENNY...........34

3 METODOLOGIA E ANÁLISES............................................................................37

3.1 METODOLOGIA............................................................................................................37

3.2 INTELIGIBILIDADE INTERTEXTUAL.......................................................................39

4 DISCUSSÃO.........................................................................................................56

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................65

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................69
12

INTRODUÇÃO

Este trabalho está situado na área de Letras; tem como tema O intertexto entre as
Crônicas de Nárnia e a narrativa bíblica sob a perspectiva das figuras de
Intertextualidade. Foram analisadas três das sete Crônicas da série de Clives Staples Lewis
(1898-1963): O sobrinho do mago, O leão, a feiticeira e o guarda- roupa e A última
batalha; bem como alguns textos bíblicos com ênfase na análise dos paralelos cristãos,
existentes nas obras. Identificou-se o diálogo implícito entre tais textos, por meio das figuras
de intertextualidade.

Assim sendo, elaborou-se a pergunta problematizadora, condutora desta pesquisa:


quais são as figuras de intertextualidade presentes em As Crônicas de Nárnia e qual a
importância delas para o reconhecimento do intertexto entre As Crônicas e a Bíblia? Tem-se
por hipótese que as figuras da intertextualidade auxiliam no reconhecimento dos fragmentos
bíblicos presentes nas crônicas analisadas.

O embasamento teórico deste estudo tem como aporte Kristeva (1974) e Kock (1984,
1991) acerca da Intertextualidade, o apoio metodológico de Laurent Jenny (1979) sobre as
figuras da intertextualidade, bem como as reflexões de Tavares (1999), a respeito do diálogo
intertextual e, por critério, o ponto de vista das alunas- pesquisadoras.

Neste sentido, a relevância deste trabalho consiste em contribuir para os estudos acerca
da Intertextualidade, especialmente das figuras de Intertextualidade, na tentativa de minimizar
os problemas relacionados à interpretação e apreensão dos gêneros registrados.

Júlia Kristeva (1974), na década de 1960, expande os estudos de Bakhtin e designa o


termo Intertextualidade ao dialogismo intertextual; assim sendo, para a linguista, a
intertextualidade. representa um fenômeno de semiose cultural, atuante tanto nos elementos
pragmáticos, semânticos e sintáticos, como na história e no confronto das forças ideológicas e
sociais.

A intertextualidade pode ocorrer com qualquer tipo de texto. Mas, para Kristeva, fora
da intertextualidade, a obra literária seria incompreensível.

Semelhantemente, os esutdos de Ingedore G. Villaça Koch (1986) abarcam o conceito


de polifonia. Para a teórica, à medida que a alteridade está encenada,
incorporam-se ao texto vozes de autores reais ou virtuais, as quais representam perspectivas e
pontos de vista diversos ou tópicos diferentesdaqueles em quem se apoia o locutor; nesse
caso, afirma que o conceito de polifonia recobre o de intertextualidade, no sentido estrito, pois
todo caso de intertextualidade é caso de polifonia, embora o inverso não seja verdadeiro.

Primordialmente, para o aprofundamento desta pesquisa, emprega-se a teoria de


Laurent Jenny (1979), acerca das figuras de Intertextualidade. Jenny (1979) propõe um novo
nível de tratamento para as figuras de linguagem, no texto literário, situando-as na
intertextualidade. Para tal teórico, a legibilidade literária tem por condição reconhecer, no
texto lido, o efeito eco do seu intertexto, pois fora da intertextualidade a obra literária seria
incompreensível. Nesse sentido, só se representa, processando informações, o que o texto
literário traz representado em língua se o relacionarmos com seus arquétipos – por sua vez
abstraídos de longas séries de textos.

Nas figuras da intertextualidade, Laurent Jenny (1979), diferentemente das


transformações citadas anteriormente, não trata apenas do condicionamento textual, mas
elenca, a partir da retórica, algumas alterações sofridas pelo intertexto: paronomásia, elipse,
amplificação, hipérbole, interversão da situação dramática, interversão dos valores simbólicos,
interversão da situação enunciativa, interversão de qualificação e mudança de nível de sentido.
Assim, para Jenny (1979), não há texto original, pois há um diálogo intertextual entre todo
texto.

Analogamente, buscaram-se estudos que trouxessem relevância para esta monografia.


Por conformidade às teorias apresentadas, fez-se uso do arcabouço teórico da professora
doutora Maria de Lourdes Gaspar Tavares (1999), segundo a qual, um texto é sempre um
intercâmbio discursivo, uma tessitura polifônica.
Para Tavares (1999), o vocabulário utilizado pela intertextualidade é a soma dos textos
existentes.

Ao se buscar trabalhos acadêmicos mais recentes, os quais conversassem com o tema


desta monografia, fez-se necessária uma pesquisa para constituição do estado da arte. Depois
da triagem necessária para a determinação dos trabalhos a serem considerados e inseridos,
foram encontrados relevantes estudos sobre temas semelhantes. Neles verificaram-se análises
das referências bíblicas na obra de C.S Lewis, a partir dos estudos da literatura comparada;
análises intertextuais de três das sete Crônicas, relacionando-as também com os textos
bíblicos, porém, focalizando em arquétipos, entre outros. Assim sendo, constatou-se que a
intertextualidade é um tema b a s t a n t e relacionado às obras; todavia não encontraram-se
investigações acadêmicas sobre as figuras de intertextualidade; o que torna relevante esta
pesquisa para o ensinoaprendizagem de leitura, especificamente, do gênero conto.

Por conseguinte, como se disse, para a amostra analisada, optou-se por demonstrar a
intertextualidade entre as obras que norteiam este trabalho e a narrativa bíblica visando,
principalmente, as análises dos textos, por meio das figuras de intertextualidade, segundo
Laurent Jenny. Tendo em vista a visualização, as análises foram organizadas em quadros
comparativos e paralelos, destacando- se, assim, as figuras encontradas nos fragmentos
extraídos dos três livros estudados e supramencionados.

Como se disse, a amostra analisada para este trabalho é composta por resultados
verificados pelas alunas-pesquisadoras por meio de análises que consideram os fundamentos
teóricos e o tema proposto.

Este trabalho segue os seguintes procedimentos metodológicos:

1. Teórico/analítico: baseado na síntese dos principais conceitos que fundamentam essa


pesquisa, tais como: a intertextualidade e as figuras de intertextualidade, apoiando-se
em teóricos e estudiosos das áreas citadas.

2. Metodologia: por meio de pesquisas bibliográficas, de modo a realizar um estudo de


abordagem qualitativa, de natureza básica, com objetivo exploratório e constituído por
meio de uma análise comparativa de amostras.
3. Análises: a partir da comparação analítica entre As Crônicas de Nárnia e a Bíblia –
com o auxílio visual de quadros elaborados pelas alunas- pesquisadoras – constatar e e
comprovar o intertexto presente nos textos- base.

4. Discussão: realizando-se uma junção entre as partes teórico/analítica, considerando os


procedimentos metodológicos adotados; discutindo os resultados obtidos e
apresentando argumentos com base nas teorias estudadas.

5. Considerações finais: discorrendo sintéticamente sobre os principais pontos deste


trabalho.

Logo, o objetivo geral do presente estudo é identificar as figuras de intertextualidade


nas Crônicas de Nárnia.

Os objetivos específicos são:

(i) Contextualizar as obras estudadas;

(ii) Explicitar os principais conceitos de Intertextualidade;

(iii) Demonstrar os paralelos cristãos presentes nas obras que norteiam esse
trabalho;
(iv) Investigar as figuras de intertextualidade presentes nas obras analisadas.

A presente pesquisa justifica-se por, apesar de haver estudos sobre o intertexto bíblico
presente nas obras supramencionadas, não terem sido encontrados quaisquer trabalhos que
efetuem essa comparação por meio das figuras de Intertextualidade. Promovendo assim, um
aprofundamento do tema proposto, no âmbito acadêmico.

Deste modo, a importância do tema para o ensinoaprendizagem se dá pelo fato do


intertexto cooperar para a construção do sentido deum texto, assim como, as figuras de
intertextualidade auxiliam na interpretação textual.

Os resultados obtidos da pesquisa realizada estão configurados em partes, a


saber:

Parte I – Contextualização, apreciação e estado da arte.

Esta parte traz uma contextualização por meio da biografia do autor das
Crônicas de Nárnia, C.S.Lewis, por ser pertinente para o tema que norteia este trabalho,
especialmente pelo fato da vida do autor subsidiar parte do contexto

intertextual contido nas obras estudadas. De igual modo, esta parte apresenta os resumosdas três
crônicas estudadas e o estado da arte.

Parte II – Fundamentação Teórica – Mosaico Textual

Nesta parte conjugam-se os fundamentos norteadores deste estudo, com o objetivo de


apresentar os principais conceitos de Intertextualidade e de figuras de Intertextualidade,
apoiando-se, sobretudo, em Kristeva (1974), e Jenny (1979).

Parte III - Metodologia e análises

Esta parte perfaz o caminho metodológico com vistas a responder à pregunta


norteadora e alcançar os objetivos determinados para esse trabalho bem como o processo de
elaboração do instrumento de pesquisa e os procedimentos adotados para a coleta e análise de
dados. Além disso, contém as análises comparativas dos fragmentos textuais das crônicas já
mencionas e da Bíblia.

Parte IV – Discussão

Esta apresenta a discussão com base nos tópicos anteriores, relacionando as


informações obtidas por meio das análises às teorias embasadoras desta investigação;
promovendo, dessa forma, o diálogo entre a bibliografia estudada e a amostra.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO, APRECIAÇÃO E ESTADO DA ARTE

Esta parte apresenta a contextualização, por meio da breve exposição da biografia de


C.S.Lewis - autor das Crônicas de Nárnia – e dos resumos dos livros analisados, bem como
a apreciação com o aporte da fortuna crítica das obras supracitadas, trazendo, por fim, o
estado da arte.

1.1 C.S.LEWIS: BIOGRAFIA DO AUTOR

Clive Staples Lewis – C.S Lewis – nasceu na Irlanda, em 29 de novembro de 1898;


embora muitas pessoas – erroneamente – referem-se a este como um escritor inglês. Lewis
era o filho mais novo de Albert James Lewis (1863 – 1929), advogado, e Florença Augusta
Lewis, “Flora” (1862 – 1908).

Seu avô materno, Thomas Hamilton (1826- 1905), um clérigo da igreja da Irlanda,
igreja oficial do protestantismo em todo o país, apesar de seus fiéis serem a minoria; Thomas
se tornou um representante clássico da aristocracia protestante – afetada pelo fortalecimento
do nacionalismo Irlandês no século 20 –, no ano de 1879, tornou-se o clérigo da paróquia de
São Marcos, em Dundela, local onde, mais tarde, os pais de C.S Lewis se encontraram,
casando-se em 1894, no dia 29 de agosto, depois de um longo namoro.

A biografia A vida de C.S Lewis: Do ateísmo às terras de Nárnia, publicada por


Alister McGrath em 2019, relata que o autor das Crônicas de Nárnia nasceu no centro do
domínio protestante, consequência da colonização realizada por escoceses e ingleses entre os
séculos 16 e 17; ou seja, Lewis nasceu em uma época que sua terra natal, o lugar em que, ao
final da década de 1950, chamaria carinhosamente de “meu país”, estava ameaçado política,
social e culturalmente, pois os colonizadores protestantes eram diferentes dos irlandeses
católicos, não apenas na religião, mas também na língua.

Para Lewis, a Irlanda era fonte de inspiração literária; inspiração atribuída a sua
beleza, motivando-o a descrever características de seu país nos cenários de seus livros,
inclusive nas terras de Nárnia “Sob certos aspectos, Nárnia pode ser vista como um Ulster
utópico e idealizado, povoado por criaturas imaginadas por
Lewis, em vez de Ulsterianos.” (MCGRATH, 2019, p. 28); entretanto, na época de seu
nascimento, os protestantes estavam implantando uma nova cultura e visão política, além de
dominarem a economia da Irlanda; todavia, em 1880, houve uma mudança, por meio da
intervenção de Charles Steward e outros.

Em 1890, o nacionalismo Irlandês avançou, e gerou um sentimento de identidade


irlandesa; isso fez com que os irlandeses considerassem a língua inglesa parte de uma
opressão cultural. Na década de 1900, reforçando o sentimento de opressão, os protestantes
evitavam relações sociais com seus vizinhos católicos.

De acordo com dados biográficos, o irmão mais velho do autor, Warren Hamilton
Lewis, de quem Lewis foi muito próximo, não se recorda de ter conversado com um católico
do seu ciclo social até ingressar no Royal Military College, em 1914. Apesar do nacionalismo
irlandês ter ganhado força no século 20, em busca de um governo autônomo, a cidade natal de
Lewis havia se tornado o núcleo da oposição, reunindo um grande número de protestantes;
mediante a isso, o autor foi influenciado por aqueles que representavam a opressão, sendo
esquecido pelos irlandeses, pois era visto como alguém do lado errado.

Flora, sua mãe, adoeceu e faleceu no início de 1908, especificamente em 23 de agosto


— no aniversário de 45 anos de seu marido —. Em sua biografia, há menção sobre a
semelhança de tal fato com o personagem Digory, do livro O Sobrinho do Mago, publicado
em 1955, que, em busca de algo para curar sua mãe de uma doença não nomeada, acaba por
entrar no mundo de Nárnia, porém diferente do autor das Crônicas, Digory, com a ajuda de
Aslam, consegue a cura.

Antes de criar as terras de Nárnia e ser impactado pelo cristianismo, ao ponto de


relacionar as 7 crônicas com a Bíblia e se posicionar como defensor da fé cristã em outras
obras (como em Cristianismo Puro E Simples), C.S Lewis se declarou ateu e teve esse
posicionamento reforçado por seu tutor (em 1914) — Kirkpatrick — que, segundo McGrath,
foi uma grande influência para a formação do pensamento crítico de Lewis.

“Kirkpatrick foi um homem extraordinário e merece o crédito da evolução intelectual


de Lewis, particularmente do fomento de uma abordagem altamente crítica de ideias e
fontes.” (MCGRATH, 2019, p. 60). Dois anos mais tarde (1916),
Lewis escreveu uma carta a um amigo (Greeves) e nela havia uma declaração explícita da sua
falta de fé:

Eu não acredito em nenhuma religião. Todas as religiões, escreveu ele, são


simplesmente mitologias inventadas por seres humanos, geralmente em
resposta a acontecimentos naturais ou carências emocionais. Esta, declarou
Lewis, “é reconhecidamente a explicação científica do crescimento das
religiões”. A religião era irrelevante para questões de moralidade
(MCGRATH, 2019, p. 61).

Tal carta gerou uma discussão entre os dois, pois Greeves era um cristão dedicado;
entretanto logo perceberam que tinham pensamentos muito diferentes e desistiram do assunto.
Na citação a seguir, retirada da autobiografia de Lewis – denominada Surpreendido pela
Alegria –, o escritor relata parte de seu pensamento acerca da religião cristã antes de deixar de
ser ateu:

Ninguém jamais tentou mostrar em que sentido o cristianismo cumpriu o


paganismo, ou como o paganismo prefigurou o cristianismo. A posição
aceita parecia ser a de que as religiões eram normalmente uma mera
miscelânea de absurdos, embora a nossa – feliz exceção – fosse perfeitamente
verdadeira. As outras religiões não eram sequer explicadas, segundo o
primitivo modo cristão, como obra de demônios. Nisso, possivelmente, eu
podia ser levado a crer. Mas a impressão que tive foi de que a religião, em
geral, embora totalmente falsa, era um desenvolvimento natural, uma espécie
de absurdo endêmico no qual a humanidade tendia a tropeçar. Em meio a
um milhar dessas religiões, lá estava a nossa, a milésima primeira, rotulada
Verdadeira. Mas com base em que eu poderia crer nessa exceção? Ela
obviamente era, num sentido mais geral, o mesmo que todas as outras. Por
que então era tratada de modo tão diferente? (LEWIS, 2015, p. 62).

Anos depois, todavia, Lewis se tornaria um grande defensor da fé cristã, vista por ele
como racional. Nas primeiras páginas de sua biografia, o cristianismo, ao qual Lewis se
dedicou apenas a partir da sua vida adulta, foi mencionado como parte de uma de suas
personas, e não era a parte mais conhecida do apologista cristão. Mesmo assim, C.S Lewis
causa um grande impacto no cristianismo, por meio de suas obras nos dias atuais; hoje é
conhecido como um autor cristão, e trabalhos como “A intertextualidade entre a Bíblia e As
Crônicas De Nárnia” são apenas um reflexo do quanto o criador de Nárnia teve a vida
envolvida por sua fé, apesar de, no início da década de 1920, a sua escrita expressar muitas
críticas à religião.

Em 1926, C.S Lewis, ainda ateu, conheceu J.R.R Tolkien (1892-1973), escritor da
obra O Senhor dos anéis. Eles se tornaram amigos e passaram a influenciar um ao outro,
tanto na vida pessoal quanto na vida profissional
Tolkien, um homem, cuja fé em Deus, fundamentada por meio do catolicismo, foi
quem incentivou C.S Lewis a assumir a fé cristã. Assim, a amizade entre os dois escritores
tornou-se, além de importante para a conversão de Lewis, essencial para outras áreas do
conhecimento, como constata a professora doutora Greggersen, tradutora de mais de sete
livros de C.S.Lewis no Brasil:

Embora houvesse atritos e ruídos na comunicação entre Lewis e Tolkien, o


relacionamento deles contribuiu muito para lançar pontes entre os campos da
linguística e da literatura. E não somente estas, mas também entre as ciências
humanas em geral: filosofia, história, educação e a mãe de todas as ciências, a
teologia. (GREGGERSEN, 2003, p. 59)

Em 1931, Clive Staples Lewis se converteu ao cristianismo, orientando-se por meio


dos ensinos da igreja Anglicana, e constatou que:

A Teologia cristã pode acomodar a ciência, a arte, a moralidade, e as religiões


não-cristãs. A perspectiva da ciência não é capaz de acomodar nenhuma
dessas coisas, nem mesmo a própria ciência. Creio no cristianismo assim
como creio que o Sol nasceu, não apenas porque o vejo, mas porque por meio
dele eu vejo tudo mais. (LEWIS, 2017, p. 138).

Nessa época, o escritor ainda não era tão famoso para que essa mudança repercutisse,
entretanto, tal transformação rendeu-lhe reconhecimento, a partir de 1940, ao publicar o
livro O Problema Do Sofrimento e, posteriormente, obras que são aclamadas ainda hoje,
e que, claramente, foram afetadas por sua fé, como as sete crônicas das terras de Nárnia.

O homem imaginativo em mim é mais velho, mais continuamente operativo,


e nesse sentido, é mais fundamental do que o escritor religioso ou o crítico.
Foi ele quem, primeiramente, me fez tentar (com pouco sucesso) ser poeta.
‘Foi ele quem, em resposta à poesia dos outros, me fez um crítico e, em
defesa dessa resposta, às vezes um crítico controverso. Foi ele quem, depois
da minha conversão, levou- me a dar corpo à minha crença religiosa em
formas simbólicas ou mitopoéticas, que vão de Cartas de um Diabo90 a uma
espécie de ficção científica teologizada. E foi claro que ele me trouxe, nos
últimos anos, para escrever a série de histórias narnianas para crianças [...].
(LEWIS, 2017, p. 568).

1.2 AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: RESUMO DAS OBRAS ANALISADAS

Esta parte traz os resumos das obras de C.S Lewis que foram analisadas em comparação
com a Bíblia, sendo elas: O Sobrinho do Mago; O leão, a feiticeira e o guarda-roupa e
A Última Batalha, respectivamente.
1.2.1 O Sobrinho do Mago

O Sobrinho do Mago narra a criação do mundo de Nárnia; assim sendo,


cronologicamente, é o primeiro livro das sete crônicas. Esta obra esclarece como o professor
Digory Kirke, o dono da casa que contém o guarda-roupa, entrou na narrativa. Nela também
se conhece o caráter multiverso de Nárnia com o Bosque entre Mundos, o qual possibilita o
acesso a diferentes mundos através de lagos, com o uso de dois anéis mágicos.

As personagens Polly e Digory entram em uma casa vizinha e encontram uma


passagem para uma sala secreta da casa do próprio Digory, onde seu tio fazia experiências
com anéis, os quais os transportaram para outros mundos.

Polly e Digory tornam-se cobaias do tio e são enviados para o Bosque entre Mundos.
Lá, encontram um lago com passagem para Charn; nesse mundo, Digory encontra uma placa
que o aconselha a bater o sino com um martelo; sendo assim, ele liberta a Feiticeira Branca, a
qual, logo depois, é transportada para o mundo das personagens.

Depois de muitas aventuras, Polly e Digory enviam o tio, a Feiticeira e um cocheiro


(juntamente com o seu cavalo) de volta ao Bosque entre Mundos, e, em seguida, para um
mundo vazio, onde Aslam inicia a criação do mundo da Nárnia com seus animais falantes e
não-falantes.

Antes de sair da Terra, a feiticeira – com a sua incrível força – extraiu um poste da
cidade de Londres com o intuito de amedrontar os outros. Assim, ao chegar à Nárnia, o poste
transforma-se no lampião do Ermo do Lampião. Aslam coroou o cocheiro Franco como o
primeiro rei de Nárnia e sua mulher, Helena, como a primeira rainha de Nárnia.

Digory traz para seu mundo real uma maçã mágica e prateada (de uma árvore, cuja
função era proteger Nárnia); com ela, Digory pretendia curar a mãe doente. Depois do
restabelecimento materno, o menino plantou sementes da fruta no quintal; uma grande
macieira nasceu, a qual, tempos depois, forneceu a madeira para o guarda-roupa, da próxima
história: O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa.
1.2.2 O Leão, A Feiticeira E O Guarda-roupa

De acordo com a cronologia dos livros, essa é a segunda obra. Nela são narradas as
aventuras dos quatro irmãos Pevensie: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia. Essas personagens
fogem dos bombardeios a Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, e vão para a
casa de um professor, no campo. Lá, d e s c o b r e m , dentro de um guarda-roupa,
(cuja origem é revelada em O Sobrinho do Mago), uma passagem que liga o mundo das
personagens ao mundo de Nárnia.

Encontram aquele mundo castigado por um inverno rigoroso, decretado pela Feiticeira
Branca, filha de Lilith, nomeada Jadis. Conhecem a profecia narniana, segundo esta, quando
dois filhos de Adão e duas filhas de Eva adentrassem ao mundo de Nárnia e se tornarem reis
de Nárnia em Cair Paravel (com a ajuda do leão Aslam), o governo da Feiticeira teria fim.

Infelizmente Edmundo, manipulado pela Feiticeira Branca, trai os próprios irmãos,


avisando-a de que seus irmãos estão em Nárnia, procurando Aslam. Depois de encontrarem
Aslam, os três irmãos, com a ajuda daquele, salvam Edmundo da Feiticeira. Aslam,
demonstrando o seu amor, oferece a sua vida em troca de Edmundo, sacrificando-se na Mesa
de Pedra, local onde os traidores são entregues à Feiticeira para sacrifício.

A morte, entretanto, não foi capaz de vencer Aslam, o qual revive por ser inocente,
conforme ordena a Magia Profunda de Antes da Aurora do Tempo. A Feiticeira agrupa seus
súditos para atacar o exército de Aslam, liderado agora por Pedro. Aslam, primeiramente,
libertar os narnianos, que foram transformados em estátuas de pedra pela Feiticeira, e depois
auxilia Pedro na batalha, derrotando definitivamente a Feiticeira e seu exército.

Com a vitória, os quatro irmãos são coroados reis e rainhas de Nárnia em Cair
Paravel. Eles governam por muitos anos, e iniciam a Época de Ouro. Recebem os títulos de:
Grande Rei Pedro, o Magnífico; Rei Edmundo, O Justo; Rainha Lucia, A Destemida; Rainha
Suzana, A Gentil. Contemplam Nárnia com um período de paz e prosperidade nunca antes
vivido por aquela terra mágica; porém retornam ao Guarda-roupa, acesso ao mundo de
Nárnia, e, com isso, retornam à infância; de volta, reencontram o professor, para quem contam
suas aventuras nas terras de Nárnia.
1.2.3 A Última Batalha

Aslam há muitos anos não aparecia em Nárnia. À luz de uma enorme fogueira
crepitante, a última batalha de Nárnia está prestes a acontecer. O rei Tirian, ajudado
corajosamente por Jill e Eustáquio, enfrenta os cruéis calormanos, em um combate que
decidirá, finalmente, a luta entre as forças do bem e do mal; no entanto, a narração da última
obra se inicia com um macaco, Manhoso, e um jumento, Confuso; seus nomes representam
também suas personalidades.
Em uma cachoeira, Manhoso e Confuso encontram a pele de um leão, recentemente
abatido por um caçador. Manhoso decide vestir Confuso com a pele e apresentá-lo como
Aslam. Surpreendentemente, esse plano funciona. Manhoso se mostra ambicioso, fazendo uso
da fé e medo de todos que criam em Aslam para saciar seus desejos egoístas. Confuso, por sua
vez, demonstra inocência, sendo manipulado para executar tarefas; qualquer discussão era
encerrada com a justificativa de que opobre jumento não possuía capacidade para pensar.

A notícia do retorno de Aslam logo se espalhou...

Tiriam – o último rei de Nárnia – desconfiado de toda comoção dos narnianos,


consegue poucos aliados para provar que aquele Aslam, idolatrado por todos, não é
overdadeiro; assim, intercedeu para que as crianças de Além Mundo, deste mundo, que um dia
foram para Nárnia, retornassem para ajudar. Dessa forma, se inicia a última batalha, com
extrema nostalgia, pois muitos dos personagens reaparecem ou são mencionados no decorrer
da obra.

1.3 FORTUNA CRÍTICA

Clive Staples Lewis, escritor, professor universitário, poeta, romancista, crítico


literário, ensaísta e teólogo, autor da obra Best-seller Cristianismo Puro e Simples (1952),
Cartas de um Diabo a seu aprendiz (1942), entre outras; tornou-se conhecido por
Católicos Romanos, Ortodoxos, Presbiterianos, Anglicanos, Luteranos, Metodistas, etc.
Lewis foi um influenciador de diversos grandes autores da atualidade, como Tim Keller —
pastor da Igreja Presbiteriana — e Peter Kreeft — Filósofo Católico Romano —, mas antes
foi um incentivador direto de seu amigo,
J.R.R Talkien, para que este publicasse livros como O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
C.S Lewis foi autor de conteúdos diversificados, desde crítica literária, filosofia medieval,
teologia à política; entretanto, a obra com mais destaque,

Consideradas um clássico da literatura, foram vendidas mais de 120 milhões de cópias


de As Crônicas de Nárnia; mundialmente traduzidas em 41 idiomas; sua obra O Leão a
Feiticeira e o Guarda-Roupa foi adaptada para a TV, pela primeira vez em 1967 com
episódios de trinta minutos; posteriormente, no ano de 1979, esse mesmo livro foi adaptado
para desenho animado, tornando-se a primeira obra produzida em animação na televisão.

No final dos anos de 1980, a BBC produziu os quatro primeiros livros para uma série
de TV, além da adaptação para peças radiofônicas e apresentações teatrais. Em 2005,
iniciaram-se as produções cinematográficas de três dos sete livros – As Crônicas de Nárnia:
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa (2005); As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian
(2008); As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (2010) –, responsáveis
pela crescente fama das obras na atualidade.

As Crônicas tornaram-se alvo de diferentes opiniões ao longo dos anos; alguns


autores apontaram sexismo na maneira como Lewis tratou a personagem Susana Pevensie no
romance A Última Batalha, onde descreve que ela havia se esquecido de Nárnia por causa de
'batons, náilons e convites'. A autora JK Rowling, responsável pela série Harry Potter, disse o
seguinte:

Chega um ponto em que Susana, que era a garota mais velha, se afasta de
Nárnia porque fica interessada em batom. Ela tornou-se irreligiosa
basicamente porque encontrou sua sexualidade. Tenho um grande problema
com esta questão de Susana. (MUNDO NÁRNIA, 2013)

Philip Pullman, autor da série literária His Dark Materials, fez muitas críticas aos
livros de Lewis até ser apelidado de "Anti-Lewis". Tal autor também tem uma opinião
negativa sobre a maneira como Susana é retratada nas Crônicas e expressou-a da seguinte
forma:

Susana, assim como uma "Cinderela", está prestes a sofrer uma mudança de
fase de sua vida para outra. Não aprovo isso de Lewis. Ele não gostava de
mulheres ou sexualidade em geral, pelo menos enquanto escrevia os livros.
Lewis estava assustado e horrorizado com a ideia do crescimento. (MUNDO
NÁRNIA, 2013)
Muito além da construção dos personagens e suas ações, J. R. R. Tolkien, autor de O
Hobbit e O Senhor dos Anéis, em uma de suas cartas para o amigo, afirma que não gostou
do mundo de Nárnia por meio das seguintes palavras:

(...) Estou feliz que você tenha descoberto Nárnia, mas já que você perguntou
se eu gostei receio que a resposta é Não. Eu não gosto de “alegoria”, e muito
menos alegoria religiosa desse tipo. Mas essa é uma diferença de gosto que
ambos reconhecemos e não interferiu em nossa amizade.(Carta 265)”
(TOLKIEN, 2010, p.585)

As opiniões que se sobressaem na atualidade, porém, são as que formam o eco dos
admiradores de todas as versões dessas obras, como por exemplo, a professora Christin
Ditchfield, autora do livro Descubra Nárnia: verdades em As crônicas de Nárnia, além
de mais de 25 livros infantis; Christin relata no prefácio desse livro o impacto das Crônicas
sobre sua vida desde a infância:

Eu tinha sete anos de idade, quando pela primeira vez, recebi uma cópia de O
Leão a Feiticeira e o Guarda-roupa. Desconhecia o impacto profundo e
duradouro que teria em minha vida. Devorei rapidamente a coleção inteira de
Nárnia. Nos anos seguintes eu li cada um dos livros mais de uma dúzia de
vezes, até que, literalmente, eles se desfizeram. Cada vez que os leio, mais os
aprecio; e, como milhares de outras pessoas, descobri que há muito mais em
As Crônicas de Nárnia do que os olhos podem ver. (DITCHFIELD, 2010,
p.08)

Nota-se a mesma influência sobre a Professora Doutora Gabriele Greggersen,


graduada em pedagogia e com pós-doutorado na área de história das mentalidades, que
publicou uma série de artigos sobre C. S Lewis e suas obras. Questionada em uma entrevista
se As Crônicas são uma alegoria, Greggersen respondeu:

Tudo vai depender do que se entende por alegoria. Se entendemos alegoria


como um gênero em que o uso de metáforas ou figuras de linguagem em
geral, simbologias e imagens é predominante, permitindo traçar paralelos
com a realidade e outras obras, certamente As Crônicas de Nárnia são
alegóricas. Mas Lewis tinha uma compreensão mais profunda que diz
respeito à moral da história. Enquanto um conto de fadas, por exemplo, tem
um final aberto e uma infinidade de “lições” que se possa extrair, a fábula,
por exemplo, tem uma moral embutida, que normalmente vem ao final da
história. Assim, As Crônicas de Nárnia se aproximam mais dos contos de
fada e menos das fábulas, que são claramente alegóricas, e não se limitam
ao uso de animais personificados, por serem extremamente democráticas em
sua moral. É possível ler os livros e ver os filmes sem estabelecer qualquer
relação com o cristianismo, por exemplo, extraindo suas lições
universalizáveis para qualquer tipo de pessoa e crença. Então, não se pode
dizer que Edmundo é Adão, ou que Aslam é Cristo, de forma categórica. O
que acontece, antes de um procedimento alegórico, é um processo de
suposição, como Lewis
mesmo explicava que as Crônicas deveriam ser entendidas. Suponha que
existam universos paralelos e um deles seja como Nárnia. Como se daria a
história de encarnação e da paixão nesse mundo? Foi essa a pergunta que
Lewis se fez ao escrever as histórias e, não, como impor uma visão de mundo
cristã a uma história aparentemente inofensiva? (GREGGERSEN, 2019)

O pesquisador, teólogo cristão, apologista e professor de Teologia, Religião e Cultura,


Alister McGrath, publicou uma biografia sobre Lewis e suas obras no ano de 2013, intitulada:
A vida de C. S. Lewis: Do ateísmo às terras de Nárnia, onde ele descreve os livros sobre
Nárnia da seguinte forma:

As crônicas de Nárnia esclarecem como os seres humanos se veem a si


mesmos, como enfrentam suas fraquezas e como tentam se tornar as pessoas
que devem ser. Elas tratam da busca de significado e da virtude, não apenas
da busca de explicação e do entendimento. Esse talvez seja o fator que
explica seu forte apelo: as crônicas de Nárnia falam de escolhas a fazer, de
certo e errado, e de desafios a enfrentar. Todavia, essa visão de benignidade e
grandeza não é exposta como uma argumentação lógica ou raciocinada; é,
antes, afirmada e explorada por meio da narrativa de uma história — uma
história que prende a imaginação. (MCGRATH, 2019, p.283)

Claramente, Clive Staples Lewis inspirou professores, escritores e pesquisadores por


meio de suas obras, e sua influência se estende para os dias atuais, como denotam os trabalhos
acadêmicos relacionados aos seus livros.

1.4 ESTADO DA ARTE

Com intuito de identificar os trabalhos acadêmicos mais recentes, semelhantes ao


tema desta monografia, fez-se necessária uma pesquisa para constituição do estado da arte.
Assim sendo, o levantamento focalizou-se, inicialmente, em sites, repositórios e acervos
digitais renomados, tais como: SciELO, USP, Mackenzie, CAPES, entre outros. Em um
segundo momento, utilizaram-se palavras-chave para a seleção de trabalhos pertinentes:
Intertextualidade, Crônicas de Nárnia, Intertexto bíblico, Bíblia etc. Posteriormente, realizou-
se um afunilamento por datas, buscando-se estudos de até cinco. Assim, foi possível encontrar
– apesar de poucos – os trabalhos mencionados a seguir.
No artigo A intertextualidade em as Crônicas de Nárnia — O Sobrinho do
Mago, publicado em 2016, a autora Thayane Souza da Silva, analisou as referências bíblicas
na obra de C.S Lewis, a partir dos estudos da literatura comparada.

A citação da Profª. Drª. Gabriele Greggersen, referenciada apenas com o sobrenome da autora e o ano de publicação
(GREGGERSEN, 2019) foi retirada de um site, logo, não há número de página. O site está registrado nas referências
eletrónicas da presente monografia, de acordo com as normas ABNT.
No Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Arquétipo em As Crônicas de

Nárnia: Aslam e sua relação com o universo cristão, publicado em 2018, a autora
Jessica de Oliveira faz uma análise intertextual de três das sete Crônicas, relacionando-as
também com os textos bíblicos, porém, focalizando as influências soridas pelo autor para a
construção das obras, fazendo-se necessária a análise dos arquétipos.

A intertextualidade é um tema muito relacionado às obras, mas há trabalhos que


expõem o universo de Nárnia, valorizando, assim, a obra por ela mesma, como demonstra a
dissertação a seguir: Da Calormânia para Nárnia: A construção do personagem em o
cavalo e seu menino, de autoria de Audrey Carine Cerqueira Santos do Nascimento. Ano de
publicação: 2020.

Assim sendo, tendo sido feita uma breve contextualização dos materiais que compõem
este trabalho de conclusão de curso, a próxima parte apresenta um mosaico teórico desta
pesquisa.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: MOSAICO TEXTUAL

Esta parte traz o arcabouço teórico, sustentácu-lo desta monografia, a qual trata do papel
das figuras da intertextualidade no diálogo das Crônicas de Nárnia, de Clives Staples Lewis, a
saber: O sobrinho do Mago; O Leão a Feiticeira e o Guarda- roupa e A última batalha
com o texto bíblico.

Assim sendo, apresenta-se o aporte sobre a Intertextualidade de Kristeva (1974) e


Kock (1984, 1991), o apoio metodológico acerca das Figuras da intertextualidade de Laurent
Jenny (1979), bem como as reflexões de Tavares (1999) sobre o diálogo intertextual.

2.1 A INTERTEXTUALIDADE: OS FIOS DIALÓGICOS

Segundo Tavares (1999), um texto é sempre um intercâmbio discursivo, uma tessitura


polifônica; neste sentido, fundamentando-se nos estudos de Bakhtin, quase desconhecidos
no ocidente até o final da década de 1960, Kristeva designou o fenômeno do dialogismo
intertextual como intertextualidade. Esta é vista como a interação semiótica de um texto com
outro(s) texto(s). Kristeva (1974) define o intertexto com o texto ou o corpus de textos com
os quais um determinado texto mantém aquele tipo de interação.

Para Kristeva (1974), a intertextualidade representa um fenômeno de semiose cultural,


atuante tanto nos elementos pragmáticos, semânticos e sintáticos, como nos referimos no
início, quanto na história e no confronto das forças ideológicas e sociais. A intertextualidade
pode ocorrer com qualquer tipo de texto; entretanto, segundo Kristeva, fora da
intertextualidade, a obra literária seria incompreensível. De fato, apreende-se o sentido e a
estrutura de uma obra literária se esta for relacionada com os seus arquétipos. Tais
arquétipos, provenientes de outros tantos textos, transformam-se em literatura; no entanto, se
qualquer texto se remete implicitamente a outros textos, diz Jenny (1979), é em primeiro
lugar do ponto de vista genriatico que a obra literária é cúmplice da intertextualidade.

De acordo com Tavares (1999), não se trata, todavia, apenas de se ler no texto mais
recente a projeção intertextual do texto que o antecede, pois, provavelmente, esse texto
mais antigo seria, de certa forma, reconstituído por
meio da memória intertextual que sobre ele age retroativamente, a partir de, e em função do
texto mais recente, em que ele ecoa.

Logo, os sentidos construídos para o texto poético decorrem de conexões entre as suas
partes, construídas por figuras poéticas de linguagem para a reconstrução do todo do poema,
do romance e, neste trabalho, das crônicas líricas, de forma a resolver a agramaticalidade em
uma gramaticalidade própria do texto poético. Nesse processo, os intertextos preenchem as
aberturas de significância deixadas pela linguagem poética, permitindo que se construam
diferentes possibilidades de sentidos.

2.2 A PALAVRA INTERTEXTUAL

Segundo Kristeva (1974), o que caracteriza a intertextualidade é introduzir um novo


modo de leitura, a qual faz estalar a linearidade do texto. Cada referência intertextual é o lugar
de uma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como
qualquer outro, que faz parte integrante da sintagmática do texto – ou voltar ao texto-origem,
precedendo a uma espécie de anamnese intelectual em que a referência intertextual aparece
como elemento paradigmático, deslocado e originário de uma sintagmática esquecida. Na
realidade, a alternativa apenas se apresenta aos olhos do analista. Estes dois processos
operam na leitura
– e na palavra – intertextual, semeando o texto de bifurcações que lhe abrem, aos poucos, o
espaço semântico.

Sejam quais forem os textos assimilados, o estatuto do discurso intertextual é assim


comparável ao de uma superpalavra, na medida em que os constituintes deste discurso já não
são palavras, e, sim, coisas já ditas, já organizadas, fragmentos textuais.

Para Tavares (1999), o vocabulário utilizado pela intertextualidade é a soma dos textos
existentes. Opera- se, portanto, uma espécie de separação no nível da palavra, uma promoção
a discurso com um poder infinitamente superior ao do discurso monológico corrente. Basta
uma alusão para introduzir no texto centralizador um sentido, uma representação, uma
história ou um conjunto ideológico.
O texto de origem lá está virtualmente presente, portador de todo o seu sentido, sem que
seja necessário enunciá-lo. Isso confere à intertextualidade uma riqueza, uma densidade
excepcional; em contrapartida, é preciso que o texto citado admita a renúncia à sua
transitividade: ele já não fala, é falado. Deixar de denotar, para conotar. Já não significa por
conta própria, passa ao estatuto de material, como reconstrução mítica, em que colecionam
mensagens pré-transmitidas. Reagrupá-las em novos conjuntos, numa incessante reconstrução
a partir dos mesmos materiais; são sempre os mesmos fins chamados a desempenhar o papel
de meios: os significados transformam-se em significantes e vice-versa. Toda palavra e toda
leitura intertextual cabem neste movimento.

Koch (1991) revê a relação entre intertextualidade e polifonia, refletindo sobre estesdois
conceitos, a fim de concluir se são um só e mesmo fenômeno ou se são distintos. Retoma
Barthes (1974):

O texto redistribui a língua e uma das vias dessa reconstrução é a de permutar textos,
fragmentos de textos que existiram ou existem ao redor do texto considerado, e, por
fim, dentro dele mesmo. Todo texto é um intertexto, outros textos estão dentro
deles em níveis variáveis sob formas mais ou menos reconhecíveis.(p.529)

Koch retoma também seus estudos de 1986 sobre a distinção entre intertextualidade em
sentido amplo e sentido estrito e relaciona com a noção de polifonia, revendo Bakhtin (1981,
1992) para o qual, o dialogismo é constitutivo da linguagem, na medida em que o autor dá
forma verbal ao dito, a partir do ponto de vista da comunidade a que pertence: o eu se
constrói, constituindo o eu do outro e por ele é constituído.

Em seguida, retoma Ducrot (1984) que considera dois tipos de polifonia:

Quando e m um mesmo enunciado se tem mais do que um locutor, como no caso do


discurso relatado, citações, referências;
Quando em um mesmo enunciado há mais do que um enunciador.

É por isso, que Ducrot, segundo Koch, se refere à enunciação teatral de enunciadores,
sejam eles reais ou virtuais. Em suas reflexões de 1986, Koch concluiu que entre as noções de
intertextualidade e polifonia, quando tomadas em sentido estrito, não há coincidência total
entre elas. Para ela, na intertextualidade, a
alteridade é necessariamente atestada pela presença de um intertexto, cuja fonte é
explicitamente mencionada no texto que o incorpora ou cujo produtor está presente em
situações de comunicação oral.

Ao tratar da polifonia, segundo Kock (1986), à medida que a alteridade está encenada,
incorporam-se ao texto vozes de autores reais ou virtuais que representam perspectivas e
pontos de vista diversos ou tópicos diferentes daqueles em quem se apoia o locutor; neste caso
afirma que o conceito de polifonia recobre o de intertextualidade, no sentido estrito, pois
todo caso de intertextualidade é caso de polifonia, embora o inverso não seja verdadeiro.

A intertextualidade, em sentido amplo, pode ser equiparada ao que Maingueneau


(1996) denomina de interdiscursividade, ou seja, o intertexto é um componente decisivo das
condições de produção discursiva. Neste trabalho, no entanto, a delimitação teórica, como se
disse, encontra-se na intertextualidade e nas figuras da intertextualidade.

2.3 AS FIGURAS DA INTERTEXTUALIDADE: A PALAVRA E O ESTILO DO AUTOR

Segundo Jenny (1979), o autor deixa, por meio do estilo, sua marca. A maneira de
exprimir seus pensamentos, a forma de expressar-se correta e elegantemente contribuem,
também, para caracterizá-lo.

Levando-se em conta o tratamento dispensado à língua como meio de expressão, o


aspecto formal de sua obra dependerá do emprego adequado e sem afetação, do conjunto de
elementos e expressões capazes de imprimir às citações, padrões estéticos e características
determinadas pelo grupo ou pela época que o distinguirão no tempo e no espaço.

As palavras desempenham os mais diferentes papéis em todos os níveis do discurso, de


forma a se tornar umas mais importantes do que outras. É evidente que isso dependerá,
também, do leitor e das condições de produção discursiva; entretanto, as palavras se
encontram subordinadas a uma escala de valores expressivos. Há palavras-lexemas que têm
por função designar referentes do mundo e há palavras-gramaticais que têm por função
estabelecer relações entre as ideias expressas por palavras. As palavras do texto suscitam, nos
leitores, as imagens dos estados de coisas a que se referem; no entanto, estes estados podem
se revestir de
vários aspectos, dependendo da focalização dada e cada leitor apreende na palavra o seu
aspecto pessoal, apenas o que particularmente lhe interessa.

O valor da palavra para o autor é interindividual. Tudo o que é dito, expresso, situa-se
para fora da alma do locutor, logo não lhe pertence com exclusividade. Assim sendo, não se
pode deixar a palavra apenas para o locutor. O autor tem seus direitos imprescritíveis sobre a
palavra, no entanto, o ouvinte ou o leitor, também, tem seus direitos, pois não existe palavra
que não seja para alguém. Logo, o pensamentopode ser representado, linguisticamente por
meio da palavra, tanto para o outro como para si mesmo.

Assim, entorno de certas palavras, estabelece-se uma atmosfera fantasiosa e


sentimental que constitui o seu valor expressivo. Há, evidentemente, palavras mais evocadoras
do que outras; o bom escritor saberá aproveitá-las, para suscitar as mais vivas e variadas
imagens. Nesse sentido, é necessário, principalmente, para a linguagem poética, pensar e
sentir as palavras, como elas fossem criadas de novo, de forma a evocar o objeto a que se
referem com mais beleza e vivacidade que se pode desejar.

2.4 AS INTERTEXTUALIDADES E AS FIGURAS INTERTEXTUAIS NO TEXTO


LITERÁRIO
Jenny (1979) propõe um novo nível de tratamento para as figuras de linguagem, no
texto literário, situando-as na intertextualidade. Para tal teórico, a legibilidade literária tem por
condição reconhecer, no texto lido, o efeito eco do seu intertexto, pois fora da
intertextualidade a obra literária seria incompreensível. Nesse sentido, só se representa,
processando informações, o que o texto literário traz representado em língua se o
relacionarmos com seus arquétipos – por sua vez abstraídos de longas séries de textos.

Por essa razão, o sistema da língua não possibilita, por si só, a legibilidade literária;
esta é produzida quando o leitor descobre em qual sistema de arquétipos ela se situa,
intertextualizando-se com os seus intertextos. Esse conceito de legibilidade literária é
apresentado em relação à competência literária do leitor que o possibilita atingir o estágio da
leitura literária.
Claro está que qualquer texto se remete a seu(s) intertexto(s); todavia, o literário
diferencia-se dos demais por ser essa remissão a sua própria gênese. Assim, por exemplo,
qualquer texto pode se apresentar como uma paródia de outro texto, todavia o literário, além
de se apresentar como paródia de outro texto, intertextualiza-se com todas as obras literárias
parodísticas, constitutivas de seu próprio gênero.

Segundo Jenny (1979), o que é problemático, para a determinação intertextual do


texto literário, é o grau de explicitação da intertextualidade, por parte do escritor. É, com
efeito, bastante raro, um texto literário ser recuperado e citado tal e qual foi escrito. O novo
texto procura, em geral, uma apropriação triunfante do texto pressuposto, de forma a
esconder a intertextualização realizada ou a revelar aspectos de sua forma e/ou de seu
conteúdo. Ao não se revelar o intertexto, essa finalidade da apropriação permanece escondida
e o trabalho intertextual equivale a uma maquilagem tanto mais eficaz quanto o texto
aproveitado tiver sido mais sabiamente transformado. Ao revelar, o intertexto confessa-se
operar uma reescrita crítica; ocorre, assim, o refazer de um texto. Em ambos os casos, a
deformação explica-se pela preocupação de escapar a um procedimento puramente
tautológico, durante o qual, ainda por cima, o texto pressuposto ameaçaria ganhar corpo,
fechar- se e suplantar, pela sua presença, o próprio novo-texto, tornando-se cópia. Nesse
sentido, varia, também, muito a sensibilidade dos leitores para poderem evocar os intertextos,
dependendo dos conhecimentos armazenados em suas memórias, da cultura, da época e do
lugar.

Assim, Jenny (1979) caracteriza a própria essência da intertextualidade para o


escritor, pelo trabalho de assimilação e de transformação que o define como um sujeito
criador. O que caracteriza a intertextualidade, segundo Jenny, é introduzir um novo modo de
leitura que faz estalar a linearidade do texto, pois cada referência intertextual é o lugar de uma
alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como qualquer outro
que faz parte integrante da sintagmática do texto; ou, voltar ao texto-origem, procedendo a
uma espécie de anamnese intelectual em que a referência intertextual aparece como um
elemento paradigmático “deslocado” e originário de uma sintagmática esquecida.

Essas alternativas são simultâneas, no operar da leitura do texto literário,


propiciando que o texto apresente bifurcações que, progressivamente, abrem novos espaços
semânticos de significância. Por essa razão, a intertextualidade fala uma língua, cujo
vocabulário é a soma dos textos existentes: o texto de origem lá está, virtualmente presente,
portador de todo o seu sentido, sem que seja necessário enunciá-lo. Nesse sentido, o texto de
origem já não fala, é falado.

O problema da intertextualidade é fazer caber vários textos em um só, sem que eles se
destruam mutuamente e sem que o novo texto perca a sua unidade de sentido. Assim sendo, a
pluritopia própria do uso maciço de intertextualidades, no texto literário, precisa de resolução
por uma isotopia na interação escritor-leitor.

Tendo por pressuposto que a intertextualidade exige determinações isotópicas, Jenny


(1979) apresenta essa montagem intertextual em três tipos de relações semânticas, a saber:

- Isotopia Metonímica: um fragmento textual é utilizado ou chamado porque permite


prosseguir o fio condutor da progressão semântica do texto;

- Isotopia Metafórica: um fragmento textual é convocado por analogia semântica com o


novo texto, de forma a esclarecer seu sentido; e

- Montagem não isotópica: um fragmento está inserido no novo texto, de forma a


instaurar uma significação selvagem, na medida em que não é um jogo de lexemas, mas de
semas, que se engendram ao novo texto compondo-o em uma multiplicação enorme para o
jogo de sentidos, apesar da sua isotopia.

2.5 AS FIGURAS DE INTERTEXTUALIDADE, SEGUNDO LAURENT JENNY

Nas figuras da intertextualidade, Laurent Jenny (1979), diferentemente das


transformações citadas anteriormente, não trata apenas do condicionamento do texto, mas
passa a elencar, a partir da retórica, algumas alterações sofridas pelo intertexto:

 Paronomásia
Modificação do sentido do texto original por meio da alteração da grafia, conservando as
sonoridades preexistentes.
 Elipse
Repetição retirada de um texto ou de um arquitexto. Pode se dar também por meio da omissão
de um tema, provocando impaciência no leitor.

 Amplificação
Transformação de um texto original por meio da potencialidade do seu significado. Não se
trata de um fragmento de um texto em outro texto, mas de uma relação intertextual entre
ambos.

 Hipérbole
Alteração de um texto por meio da exaltação da sua qualificação.

 Interversões
Considerando que está é uma figura que influencia vários componentes textuais, precisa,
segundo Jenny, ser analisada em detalhes:

 Interversão da situação enunciativa

Sendo estável o teor do discurso, muda-se o alocutário ou até mesmo o sujeito.

 Interversão de qualificação
Tanto os elementos participantes do ato da comunicação, quanto as circunstâncias originais de
uma narrativa são aproveitados, porém são qualificados contrariamente.

 Interversão da situação dramática


Por meio da transformação negativa ou passiva, o esquema das ações do texto reestabelecido
é alterado.

 Interversão dos valores simbólicos


Os símbolos têm seus sentidos modificados por meio de significados opostos no novo
contexto.

 Mudança de nível de sentido


Aproveita-se uma estrutura semântica preexistente, retomando-a em um contexto que possui
um novo nível de sentido. Usando assim apenas o veículo, desconsiderando os conceitos do
texto original.

Em síntese, embora o texto poético tenha sido tratado, durante muito tempo, sob o
ponto de vista estético, de forma a priorizar o como se diz pelo aspecto formal e artístico,
têm-se, hoje, com Jenny, outra perspectiva: o da legibilidade do texto
poético, neste caso, a crônica, pelo prisma intertextual. Esta monografia procura demonstrar o
papel das figuras da intertextualidade para uma leitura reconstrutiva, como forma possível de
produzir sentidos.

Assim sendo, a próxima parte apresenta a metodologia utilizada para a construção das
análises e o levantamento das figuras intertextuais no diálogo das Crônicas de Nárnia, de
Clives Staples Lewis, a saber O sobrinho do Mago; O Leão a Feiticeira e o Guarda-
roupa e A última batalha com o texto bíblico.
3 METODOLOGIA E AMOSTRA ANALISADA

Esta parte apresenta a metodologia empregada para a confecção das análises e o


levantamento das figuras intertextuais no diálogo das Crônicas de Nárnia, de Clives Staples
Lewis, sendo elas: O sobrinho do Mago; O Leão a Feiticeira e o Guarda-roupa e A última
batalha com o texto bíblico.

3.1 METODOLOGIA

O presente trabalho delimitou-se a uma pesquisa de natureza básica, a partir de uma


abordagem qualitativa de caráter exploratório, pois “pode-se dizer que estas pesquisas têm
como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições” (GIL,
2002, p.41). Na maior parte dos casos, segundo GIL (2002), este tipo de pesquisa contém
levantamento bibliográfico e análise de exemplos que "estimulem a compreensão". Sendo
assim, "boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas
bibliográficas.”(GIL, 2002, p. 44)

Deste modo, concentrando-se no estudo da intertextualidade, focalizou-se,


especificamente, as figuras de intertextualidade, segundo Laurent Jenny (1979), com o
objetivo de fornecer uma resposta para a seguinte problematização: Quaissão as figuras de
intertextualidade presentes em As Crônicas de Nárnia e qual a importância delas para o
reconhecimento do intertexto entre As Crônicas e a Bíblia?

A partir de um levantamento bibliográfico foi possível compreender o Intertexto


entre as Crônicas de Nárnia, especificamente: O sobrinho do Mago; O Leão, a Feiticeira e
o guarda-roupa e A última batalha; e a Bíblia, sob a perspectiva dos estudos nos quais se
destacam Kristeva (1974) e Kock (1984, 1991), com seus postulados acerca da
Intertextualidade, Laurent Jenny (1979), responsável pela melhor compreensão das figuras de
Intertextualidade, e Tavares (1999) da qual foi aproveitada parte de suas pesquisas a respeito
do diálogo intertextual.

Pressupondo-se que, "rigorosamente, todo procedimento de coleta de dados depende


da formulação prévia de uma hipótese" (Gil, 2002, p. 38), e com uma compreensão mais
madura das variáveis envolvidas neste estudo, oriunda das contribuições dos teóricos
supracitados, a s p e s q u i s a d o r a s decidiram investigar se as figuras de intertextualidade
auxiliam no reconhecimento dos
fragmentos bíblicos presentes nas obras analisadas.

Considerando-se que “embora o planejamento da pesquisa exploratória seja bastante


flexível, na maioria dos casos assume a forma de pesquisa bibliográfica ou de estudo de
caso”(GIL, 2002, p.41), adotou- se como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica, ou
seja, aquela que “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos.”(GIL, 2002, p.44), também fez-se necessária
pesquisa em materiais como teses e dissertações, levando-se em conta o que preconiza GIL
(2002):

Fontes desta natureza podem ser muito importantes para a pesquisa, pois
muitas delas são constituídas por relatórios de investigações científicas
originais ou acuradas revisões bibliográficas. Seu valor depende, no entanto,
da qualidade dos cursos das instituições onde são produzidas e da
competência do orientador requer-se, portanto, muito cuidado na seleção
dessas fontes.(p.66)

Desta forma, ainda sobre o procedimento técnico adotado, usou-se a análise de


conteúdo, pois possibilita a investigação por meio de fontes pertinentes à pesquisa
bibliográfica.

O processo de elaboração do instrumento de pesquisa dividiu-se nas seguintes etapas:

Confecção da matriz da pesquisa, contendo:

 Escolha e afunilamento do tema;


 Formulação do problema;
 Elaboração da hipótese;
 Determinação prévia de método de pesquisa.
Em seguida, estabeleceu-se a continuidade do procedimento metodológico da seguinte
forma:

 Levantamento bibliográfico;
 Seleção das fontes de pesquisa que mais agregassem ao tema proposto;
 Leitura do material escolhido com intuito de encontrar o que fosse mais
adequado para responder à pergunta norteadora delimitada;
 Organização da sequência lógica do assunto com vistas à clareza do
desenvolvimento teórico necessário.
Por conseguinte; depois das fases de leitura exploratória, leitura seletiva e leitura
analítica; pôde-se analisar, interpretar e comparar os dados bibliográficos coletados.

Durante a fase de coleta, almejou-se reunir dados que demonstrassem o diálogo


intertextual entre os três livros selecionados e a Bíblia, visando explorar e entender essa
relação entre os textos, conforme as figuras de Intertextualidade. A partir da observação dos
dados obtidos, buscou-se o apontamento das figuras de Intertextualidade, de forma a
corroborar com o tema desta monografia.

3.2 INTELIGIBILIDADE INTERTEXTUAL

Esta parte visa analisar o diálogo intertextual das Crônicas de Nárnia com o texto
bíblico, bem como levantar as figuras de intertextualidade, segundo Laurent Jenny (1979).

Para demonstrar a intertextualidade entre as obras que norteiam este trabalho e a


narrativa bíblica visando, principalmente, às análises dos textos, por meio das figuras de
intertextualidade, segundo Laurent Jenny (1979), optou-se por organizar as análises,
conforme as figuras encontradas nos fragmentos extraídos dos três livros estudados, a saber:
O sobrinho do mago; O Leão, a feiticeira e o guarda- roupa; A última batalha.

QUADRO 1 – AMPLIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE (continua)

Amplificação

Texto-base Intertexto

O Sobrinho do Mago Bíblia

O Leão andava de um lado para o outro na terra nua, Gênesis 1.11-12- Então disse Deus: “Cubra-se a terra
cantando a nova canção. Era mais suave e ritmada do de vegetação: plantas que deem sementes e árvores
que a canção com a qual convocara as estrelas e o sol; cujos frutos produzam sementes de acordo com as
uma canção doce, sussurrante. À medida que suas espécies”. E assim foi. A terra fez brotar a
caminhava, o vale ia ficando verde de capim. O capim vegetação: plantas que dão sementes de acordo com
se espalhava desde onde estava o Leão, como uma as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem
força, e subia pelas encostas dos pequenos montes sementes de acordo com as suas espécies. E Deus viu
como uma onda. (LEWIS, 2014, p. 04) que ficou bom. (BíBLIA, 2017, p.01)
QUADRO 1 – AMPLIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE (continuação)

Amplificação

Texto-base Intertexto

O Sobrinho do Mago Bíblia


– Meu filho – disse Aslam para o cocheiro. – Há
muito tempo que o conheço.
– Você me conhece?
Jeremias 1:4 -5- Antes que te formasse no ventre te
– Bem, senhor, não respondeu o cocheiro. – Pelo
conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às
menos, não no sentido comum. No entanto, se me
nações te dei por profeta. Então disse eu: Ah, Senhor
permite dizer, sinto que o conheço de algum lugar.
DEUS! Eis que não sei falar; porque ainda sou um
– Está certo. Conhece mais do que pensa, e viverá
menino. (BíBLIA, 2017, p.569)
para conhecer ainda melhor. (LEWIS, 2014, p.
138)

– Meus filhos- disse Aslam – fixando os olhos no Gênesis 2.19-20- Havendo, pois, o Senhor Deus formado
casal – vocês serão os primeiros reis e rainhas de da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os
Nárnia. O cocheiro abriu a boca, aparvalhado, a trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o
mulher ficou muito vermelha. que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu
– Reinarão sobre essas criaturas e a elas darão nome. E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos
nomes, e farão justiça, e as protegerão dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não
inimigos quando os inimigos vierem. (LEWIS, se achava adjutora. (BíBLIA, 2017, p.02)
2014, p. 140)

O cocheiro engoliu em seco duas ou três vezes e


limpou a garganta: - Com seu perdão Senhor,
muito obrigado, muito obrigado em meu nome e Jeremias 1.5 Então disse eu: Ah, Senhor DEUS! Eis que
em nome da minha esposa, mas não sou sujeito não sei falar; porque ainda sou um menino. (BíBLIA,
para essa posição. Infelizmente, não tive ensino 2017,p. 569)
para isso. (LEWIS, 2014, p. 140)

Texto-base Intertexto

O Leão, a Feiticeira e o guarda- Bíblia


roupa
Salmos 119:105: A tua palavra é lâmpada que ilumina os
meus passos e luz que clareia o meu caminho. (BíBLIA,
E ela começou a avançar devagar sobre a neve, na 2017, p. 459)
direção da luz distante.
Dez minutos depois, chegou lá e viu que se tratava João 8:12: Falando novamente ao povo, Jesus disse: “Eu
de um lampião. (LEWIS, 2014, p.15- 16) sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em
trevas, mas terá a luz da vida. (BíBLIA, 2017, p. 815)

– E ele é um homem? — perguntou Lúcia.


– Aslam, um homem! — Disse o Sr. Castor,
Apocalipse 5:5, um ancião refere-se a Cristo como o Leão
muito sério. — Não, não. Não lhes disse que ele é
da tribo de Judá, aquele que venceu. (BíBLIA, 2017, p.
rei dos bosques, filho do grande Imperador de
935)
Além-Mar? Aslam é um leão... O Leão, o grande
Leão! (LEWIS, 2014, p. 81)
QUADRO 1 – AMPLIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE (continuação)

Amplificação
Texto-base Intertexto

O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa Bíblia


Nessa noite, a tristeza de Aslam projetou-se em Lucas 22:14-19 E, chegada a hora, pôs-se à
todos os outros. Pedro não se sentia bem ao mesa, e com ele os doze apóstolos.
lembrar que ia assumir sozinho a E disse-lhes: Desejei muito comer convosco
responsabilidade da batalha. Fora um grande esta páscoa, antes que padeça;
choque o fato de Aslam não prometer estar Porque vos digo que não a comerei mais até
presente. A ceia foi silenciosa, muito diferente da que ela se cumpra no reino de Deus.
refeição da noite passada ou daquela mesma E, tomando o cálice, e havendo dado graças,
manhã. Era como se os dias felizes, que mal disse: Tomai-o, e reparti-o entre vós;
tinham começado, já chegassem ao fim. (LEWIS, Porque vos digo que já não beberei do fruto da
2014, p.142) vide, até que venha o reino de Deus.
E, tomando o pão, e havendo dado graças,
partiu-o, e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo,
que por vós é dado; fazei isto em memória de
mim. (BíBLIA, 2017, p. 803)
A marcha prosseguiu: o Leão entre as duas meninas.
Como andava devagar! A grande cabeça real ia tão
baixa que o nariz quase roçava a relva. A certa altura
tropeçou e deixou escapar um gemido.

– Aslam! Aslam querido! – disse Lúcia. – O que há? Matheus 26:37-38 Levando consigo Pedro e os dois
Por que não nos diz o que tem? filhos de Zebedeu, começou a entristecer- se e a
angustiar-se. Disse-lhes então: “A minha alma está
– Está doente, Aslam querido? – perguntou Susana. profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem
aqui e vigiem comigo”. (BíBLIA, 2017, p. 756)
– Não. Estou triste. Estou só. Ponham as mãos na
minha juba, para que eu sinta que vocês estão aqui, e
caminhemos assim.

Foi assim que as meninas fizeram o que, sem licença


dele, jamais teriam tido a coragem de fazer... (LEWIS,
2014, p.144)

– Alto! – disse a feiticeira. – Primeiro, cortem-lhe a Mateus 27: 27-31 Assim, os soldados de Pilatos
juba! Uma gargalhada mesquinha ressoou quando um levaram Jesus para o palácio do governador e
ogre, de tesoura na mão, avançou e se pôs de cócoras reuniram toda a guarnição em redor dele.
junto da cabeça do leão. Zip, zip, zip – a tesoura rangia, Tirando-lhe a roupa, vestiram-lhe um manto
e montes de caracóis dourados tombavam ao chão. O vermelho escuro, fizeram uma coroa de
ogre afastou-se, e, do esconderijo, as meninas puderam espinhos e puseram-lha na cabeça, meteram-lhe uma
ver o rosto de Aslam, pequenino e tão diferente sem a vara na mão direita como se fosse o bastão de um rei
juba! Os inimigos também notaram isso: e, ajoelhando-se diante dele, faziam troça,
gritando: “Viva, ó rei dos judeus!” Cuspiam-lhe
– Vejam: não passa de um gatão! – E é disso que a e, tirando-lhe a vara da mão, batiam-lhe com
gente tinha medo? Rodearam Aslam, zombando dele a ela na cabeça. Quando
valer: – Miau! Miau! Coitadinho do bichano! Quantos acabaram toda aquela troça, tiraram-lhe o manto,
camundongos você papou hoje? Quer um pires de leite, vestiram-no novamente com as suas roupas e
bichinho? (LEWIS, 2014, p.147- 148) levaram-no para ser crucificado. (BíBLIA, 2017,
p.758)
QUADRO 1 – AMPLIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE (conclusão)

Amplificação

Texto-base Intertexto

O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa Bíblia

O sol dera a tudo uma aparência tão diferente, alterando Mateus 27: 50-51 Depois de ter bradado novamente
de tal maneira as cores e as sombras, que por um
em alta voz, Jesus entregou o espírito. Naquele
momento não repararam na coisa de fato importante. Até momento, o véu do santuário rasgou-se em duas
que viram. A Mesa de Pedra estava partida em duas por
partes, de alto a baixo. A terra tremeu, e as rochas se
uma grande fenda, que ia de lado a lado. (LEWIS, 2014, partiram. (BíBLIA, 2017, p. 758)
p.155)

...Aslam coroou-os com toda a cerimônia. E eles


sentaram-se nos tronos, entre aclamações ensurdecedoras 2 Timóteo 4:8 Desde agora, a coroa da justiça me
de “Viva o rei Pedro! Viva a rainha Susana! Viva o rei está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará
Edmundo! Viva a rainha Lúcia!” naquele dia; e não somente a mim, mas também a
– Quem é coroado rei ou rainha em Nárnia será para todos os que amarem a sua vinda. (BíBLIA, 2017, p.
sempre rei ou rainha. (LEWIS, 2014, p.174) 907)

Pedro ficou um homem alto e parrudo: foi chamado


Pedro, o Magnífico. Susana virou uma mulher alta e
esbelta, de cabelos negros que chegavam quase aos pés.
Foi chamada Susana, A Gentil. Edmundo era mais grave Apocalipse 2:17 Quem tem ouvidos, ouça o que o
e calado do que Pedro, muito sábio nos conselhos de Espírito diz às igrejas: Ao que vencer darei eu a
Estado. E foi chamado de Edmundo, o Justo. Lúcia, comer do maná escondido, e dar- lhe-ei uma pedra
continuou sempre com os mesmos cabelos dourados e a branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual
mesma alegria, e todos os príncipes desejavam que ela ninguém conhece senão aquele que o recebe.
fosse sua rainha. E foi chamada de Lúcia, a Destemida. (BíBLIA, 2017, p. 933)
(LEWIS, 2014, p.175-176)

- Não precisam ter medo - disse o Leão. - Vocês ainda


não perceberam?

Sentiram o coração pulsar forte e uma leve esperança foi


crescendo dentro deles. João 11:11-14 Assim falou; e depois disse- lhes:
Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo
- Aconteceu mesmo um acidente com o trem - explicou
do sono. Disseram, pois, os seus discípulos: Senhor,
Aslan. - Seu pai, sua mãe e todos vocês estão mortos,
se dorme, estará salvo. Mas Jesus dizia isto da sua
como se costuma fizer nas Terras Sombrias.
morte; eles, porém, cuidavam que falava do
Acabaram-se as aulas: chegaram as férias! Acabou- se o repouso do sono. Então Jesus disse-lhes claramente:
sonho: rompeu a manhã ! Lázaro está morto; (BÍBLIA, 2017, p. 818)

E, à medida que Ele falava, já não lhes parecia mais


um leão. (LEWIS, 2014, p.175)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Nos fragmentos acima, constatou-se o uso do recurso da figura de intertextualidade


denominada como amplificação e definida por Jenny (1979) como a transformação de um
texto original por meio da potencialidade do seu significado,
não se tratando de um fragmento de um texto em outro texto, mas de uma relação intertextual
entre ambos.

No primeiro fragmento indicado no quadro, retirado do livro O sobrinho do Mago, a


semelhança com seu arquitexto constata-se pela criação do mundo: Em as Crônicas de Nárnia
o Leão cria as terras que nomeiam as obras por meio de uma canção, enquanto em Gênesis
1:11-12, Deus cria o mundo por meio de suas palavras. A transformação do texto ocorre, não
apenas por meio da mudança de personagem – Aslam e Deus –, mas também por meio da
maneira como o mundo foi criado por ambos, e como isto aconteceu; portanto, o texto amplia
o seu arquitexto, quando o Leão ordena a criação de Nárnia por meio de uma canção,
potencializando, dessa forma, o significado do uso das palavras de Deus para a criação do
mundo.

Nos fragmentos seguintes, entretanto, a amplificação ocorre por meio da construção de


diálogos que retomam afirmações dos seus arquitextos, e estes são potencializados por meio
do contexto que o texto-base traz. Considerando-se que As Crônicas são obras direcionadas ao
publico infanto-juvenil, o uso da amplificação para retomar textos bíblicos – de modo que
esclareça os seus significados – torna- se, mais do que apropriado, necessário.

Ainda assim, em um dos trechos expostos no quadro, retirado do livro O Leão, a


Feiticeira e o Guarda-roupa, o significado dos arquitextos não foram potencializados por meio
de diálogos, mas pela função de um objeto: A lâmpada/lampião. Lúcia, a irmã mais nova
dentre quatro irmãos, adentra às terras de Nárnia pela primeira vez porque um lampião, ao
longe, lhe chamou a atenção; a afirmação do primeiro arquitexto (Salmo 119:105) traz a
interpretação de que a Bíblia é uma lâmpada, a qual ilumina o caminho do ser humano até
Deus e tudo o que vem Dele; no entanto, no segundo arquétipo, o próprio Jesus afirma ser a
luz do mundo. O texto-base faz uso do lampião como um objeto de condução dos humanos
em direção à entrada – ou saída – do mundo de Nárnia. Assim sendo, um ponto de partida
para que ninguém fique perdido, e encontre o caminho de volta.
QUADRO 2 – HIPÉRBOLE NA INTERTEXTUALIDADE

Hipérbole
Texto-base Intertexto
O Sobrinho do Mago Bíblia

Digory apeou do cavalo e achou-se face a face com


Aslam, que era maior, mais belo, mais reluzente Êxodo 33.20- Não me poderás ver a face,
dourado e ainda mais terrível do que pensara. Não ouso porquanto homem nenhum verá a minha face e
fitá-lo nos olhos. (LEWIS, 2014, p.136) viverá. (BíBLIA, 2017, p. 65)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Com os fragmentos acima, averiguou-se o emprego da figura de intertextualidade


denominada hipérbole, indicada por Jenny (1979) como a alteração de um texto através da
exaltação de sua qualificação. Assim, em um dos fragmentos do texto, nota-se o acréscimo de
adjetivos a Aslam, enfatizando o poder do leão: “...Aslam, que era maior, mais belo, mais
reluzente dourado e ainda mais terrível do que pensara”(p.136). Em seu arquitexto, porém, o
poder é demonstrado de forma objetiva: “... porquanto homem nenhum verá a minha face e
viverá”(p.65).

QUADRO 3 – ELIPSE NA INTERTEXTUALIDADE (continua)

Elipse
Texto-base Intertexto
O Sobrinho do Mago Bíblia

– Filho de Adão – falou Aslam –, há uma feiticeira na


Gênesis 3:20 Adão deu à sua mulher o nome de Eva,
minha nova terra de Nárnia. Diga a estes bichos
pois ela seria mãe de toda a humanidade. (BíBLIA,
como ela chegou aqui. (LEWIS, 2014, p.136)
2017, p. 03)
Romanos 5.12-13- Portanto, da mesma forma como o
pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado
_ Vejam só companheiros: antes que o mundo limpo
a morte, assim também a morte veio a todos os
e novo que lhes dei tivesse sete horas de vida, a força
homens, porque todos pecaram; Pois antes de ser dada
do Mal já o invadiu; despertada e trazida até aqui por
a lei, o pecado já estava no mundo. Mas o pecado não é
este Filho de Adão. (LEWIS, 2014, p.137)
levado em conta quando não existe lei. (BíBLIA, 2017,
858)
QUADRO 3 – ELIPSE NA INTERTEXTUALIDADE (continuação)

Elipse

Texto-base Intertexto

O Sobrinho do Mago Bíblia


Aslan continuou a falar para os animais: Isaias 53.4-5- Verdadeiramente, ele tomou sobre si as
– Mas não deixem se bater. O mal virá desse mal, nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e
mas temos ainda uma longa jornada, e cuidarei nós o reputamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
para que o pior recaia sobre mim. (LEWIS, 2014, Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído
p.138) pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz
estava sobre ele, e, pelas suas pisaduras, fomos sarados.
(BíBLIA, 2017, p. 557)

O Leão, a Feiticeira e o Guarda- Bíblia


roupa

Pedro recebe o escudo - Elipse. Efésios 6:13-18 Portanto, tomai toda a armadura de Deus,
– Pedro, Filho de Adão – continuou Papai Noel. para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo,
– Presente! – disse Pedro. ficar firmes.
– Presentes para você. São ferramentas, e não Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a
brinquedos. Talvez não esteja longe o dia em que verdade, e vestida a couraça da justiça;
precisará usá-las. Com honra! E calçados os pés na preparação do evangelho da paz;
E entregou a Pedro um escudo e uma espada. O Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis
escudo era cor de prata, com um leão rubro no apagar todos os dardos inflamados do maligno.
centro, lustroso como um morango pronto para ser Tomai também o capacete da salvação, e a espada do
colhido. A espada tinha punho de ouro, bainha, Espírito, que é a palavra de Deus;
cinto, tudo, e parecia feita sob medida. Pedro Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no
recebeu os presentes em grave silêncio, sentindo Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e
que se tratava de uma coisa muito séria. súplica por todos os santos. (BíBLIA, 2017, p. 892)
(LEWIS, 2014, p.107-108)

Mateus 28:5 – 6 Mas o anjo, respondendo, disse às


– Isso é demais! Podiam ao menos ter deixado o mulheres: Não tenhais medo; pois eu sei que buscais a
corpo em paz. (LEWIS, 2014, p.155) Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, porque já
ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar onde o
Senhor jazia. (BíBLIA, 2017, 759)
QUADRO 3 – ELIPSE NA INTERTEXTUALIDADE (conclusão)

Elipse
Texto-base Intertexto

A última batalha Bíblia Sagrada


...Houve um pavoroso estrondo e alguma coisa me Apocalipse 21:4 E Deus limpará de seus olhos toda a
atingiu violentamente; mas não doeu. Acho que, mais lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem
do que assustado, eu fiquei... bem, fiquei excitado. E clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são
então aconteceu uma coisa fantástica. Eu estava com passadas.
um joelho machucado, por causa de uma partida de (BíBLIA, 2017, p. 944)
futebol. De repente
notei que a ferida tinha sumido. E daí eu me senti 1 Coríntios 15:42 ao 44 42 Da mesma forma, os nossos
muito leve. E depois... Bem, aqui estamos nós. corpos humanos, que hão de morrer e desaparecer, são
diferentes dos corpos que teremos quando
– Foi exatamente isso o que aconteceu com a gente ressuscitarmos, pois estes não morrerão. 43 Os corpos
dentro do trem ñ disse Lorde Digory, limpando os que agora temos acabam na corrupção da morte; mas
últimos resíduos de fruta da sua barba dourada.– Só quando ressuscitarmos serão corpos gloriosos. É
que eu acho que você e eu, Polly, sentimos verdade, sim, que agora são corpos mortais, mas
principalmente que o nosso corpo foi rejuvenescido. quando voltarmos à vida serão corpos cheios de
Vocês, jovens, não compreendem isso. Mas energia. 44 Ao morrerem não passam de meros corpos
deixamos de nos sentir velhos. (LEWIS, 2014, p.163) humanos, mas na ressurreição serão corpos espirituais.
Porque assim como há corpos
de natureza humana, também há corpos
espirituais. (BíBLIA, 2017, p. 877)

– Isso mesmo – disse a rainha Lúcia. – No nosso Lucas 2:7 e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-
mundo também já aconteceu uma vez que, dentro de o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não
um certo estábulo, havia uma coisa que era muito havia lugar para eles na hospedaria. (BíBLIA, 2017, p.
maior que o nosso mundo inteiro. (LEWIS, 2014, 779)
p.166)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Nos trechos textuais acima, verificou-se a aplicação da figura de intertextualidade


elipse, definida por Jenny (1979) como a repetição retirada de um texto ou de um arquitexto.
Pode ocorrer também por meio da omissão de um tema, provocando impaciência no leitor.

Em O Sobrinho do Mago, quando Aslam se refere a Digory, o primeiro menino a


entrar nas terras de Nárnia, chamando-o de filho de Adão, cria-se o intertexto com a Bíblia,
pois os textos bíblicos afirmam que Adão foi o primeiro homem, logo, todos os outros homens
são sua descendência, e nisto forma-se a elipse; afinal, apesar do leão chamar o menino de
filho de Adão, omite o porquê o faz, sendo necessário o conhecimento do arquitexto (Bíblia
Sagrada) para a plena compreensão da referência; tal referência traz também uma analogia do
pecado original, quando Adão e Eva comeram o fruto da árvore da vida (Gênesis 3:5-20),
transgredindo os mandamentos de Deus. A Bíblia demonstra que, por causa de Adão e
Eva; os
humanos são tentados a cederem aos desejos de seus corações, desejos esses que contrariam o
que Deus planejou para a humanidade, desde que passaram a conhecer o mal por meio da
desobediência dos primeiros humanos (Romanos 5:12- 14). Portanto, sempre que um menino
adentra Nárnia é chamado de filho de Adão, referenciando também o mal que veio por meio
do primeiro homem e da primeira mulher, como indica os dois primeiros trechos do livro
expostos no quadro acima.

Mais a diante, na página 138 do mesmo livro, Aslam diz que cuidará para que o pior
recaia sobre ele, omitindo o que estaria por vir no segundo livro, de acordo com a ordem
cronológica das obras: a morte de Aslam para salvar a vida de um filho de Adão; o arquétipo
deste texto (Isaías 53.4-5) traz o que Aslam omite em sua frase: o resultado da morte de
Cristo, a quem Aslam representa nas terras de Nárnia
– “... o castigo que nos traz a paz estava sobre ele” (p.557).

Em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, a elipse ocorre com os presentes do Papai


Noel para Pedro, ou seja, uma espada e um escudo, truncando o que o seu arquétipo (Efésios
6:13-18) traz: a espada representa a Palavra de Deus e o escudo representa a fé; a
intertextualidade se torna ainda mais evidente diante da afirmação de Pedro sobre a seriedade
dos presentes.

Depois da morte de Aslam, acontecimento truncado nas narrações do primeiro livro,


Lucia demonstra indignação ao retornar para o local onde Aslam fora morto e não encontra o
corpo do amigo. O intertexto é explícito para o leitor conhecedor dos escritos bíblicos. O
arquétipo narra a visita de duas mulheres ao túmulo de Jesus depois de sua morte, mas estas
não o encontram, ao invés disso se deparam com um anjo que diz “... Ele não está aqui,
porque já ressuscitou, como havia dito” (p. 759). Esta é a omissão do arquitexto no texto,
referenciando o diálogo do anjo com as duas mulheres antes da aparição de Jesus, depois de
sua ressurreição; diálogo que reafirma as palavras de Jesus dizia aos seus seguidores. A parte
seguinte do texto-base confirma esta intertextualidade, com o reaparecimento de Aslam,
comprovando, assim, as palavras do no arquitexto sobre Cristo.

Nos fragmentos retirados do livro A Última Batalha, o diálogo entre os personagens


refere-se à promessa da vida eterna na companhia do Pai, Filho e Espírito; uma morada onde
não haverá mais dor, choro, morte ou cansaço. O texto-
base relata o acidente dos quatro irmãos, que resultou no retorno deles a Nárnia. O diálogo
retirado do texto-base intertextualiza com narrações bíblicas, as quais descrevem o que
acontecerá àqueles que permanecerem fiéis a Deus até o fim de suas vidas terrenas; essas
promessas são omitidas nas Crônicas, mas o fim da vida de Lúcia, Edmundo, Pedro, Digory e
Polly traz o diálogo com os textos bíblicos por meio das afirmações feitas pelos próprios
personagens “... Eu estava com um joelho machucado, por causa de uma partida de futebol.
De repente notei que a ferida tinha sumido. E daí eu me senti muito leve.”; “... Só que eu acho
que você e eu, Polly, sentimos principalmente que o nosso corpo foi rejuvenescido” (p.163).
Portanto, neste caso, a intertextualidade encontra-se nas semelhanças da vida depois da morte:
o texto-base carrega para a sua realidade as promessas de uma vida eterna, retiradas do seu
arquétipo, e isto foi construído por meio da elipse, pois há no texto de referência a omissão do
que fora explicitado no arquitexto, apesar de serem notórias as semelhanças. Essa omissão
também ocorre no último fragmento presente no quadro: Segundo Lúcia, no mundo deles
aconteceu, em um estábulo, algo muito maior que o mundo inteiro, omitindo que
acontecimento seria este (o nascimento de Jesus), mas tal ocorrido é indicado no arquitexto
(Lucas 2:7). Veja, o arquétipo evidencia o que o texto base omite, alternando uma informação
de modo que esta deixe de ser implícita.

QUADRO 4 – MUDANÇA DE NÍVEL DE SENTIDO NA INTERTEXTUALIDADE (continua)

MUDANÇA DE NÍVEL DE SENTIDO

Texto-base Intertexto

O Sobrinho do Mago Bíblia

– Bem- disse Aslam –, sabe usar uma pá e uma enxada Provérbios 22.6- Educa a criança no caminho em
e arrancar alimento do fundo da terra? que deve andar; e até quando envelhecer não se
– Isso eu sei, Senhor; nasci fazendo isso. desviará dele. (BíBLIA, 2017, p. 488)
– Pode governar estas criaturas com espírito de
bondade e justiça, lembrando-se de que não são
escravas como os bichos mudos do mundo em que
nasceram, mas animais falantes e súditos livres?
– Acho que sim- respondeu o cocheiro. -Posso tentar.
– E ensinará a seus filhos e netos a procederem desse
mesmo modo? (LEWIS, 2014, p.140-141)

A Última Batalha Bíblia


QUADRO 4 – MUDANÇA DE NÍVEL DE SENTIDO NA INTERTEXTUALIDADE (conclusão)

MUDANÇA DE NÍVEL DE SENTIDO

Texto-base Intertexto

A Última batalha Bíblia


– Então, está combinado – disse o macaco. – Você vai Mateus 24:23,24 Então, se alguém vos disser: Eis
fazer de conta que é Aslam, e eu lhe Digo o que dizer. que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito;
- É ele — respondeu Jill. – Mas vamos Embora antes Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e
que alguém desperte. – E ouviram- se novamente farão tão grandes sinais e prodígios que, se
pequenas explosões de riso. possível fora, enganariam até os escolhidos.
Os outros obedeceram imediatamente, pois Já haviam (BíBLIA, 2017, p. 753)
demorado demais naquele lugar perigoso, e os
tambores dos anões pareciam estar cada vez mais
perto. Só depois de andarem um Bom tempo rumo ao
Sul é que Eustáquio falou:
– Você trouxe ele ? Que história é essa?
– O falso Aslam – disse Jill.
(LEWIS, 2014, p.20 e 78-79)

...Entre as felizes criaturas que agora se reuniram ao João 11:24-26 Disse-lhe Marta: Eu sei que há de
redor de Tirian e de seus amigos, encontravam-se ressuscitar na ressurreição do último dia. Disse-lhe
todos aqueles que ele julgará estar mortos. Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em
(LEWIS, 2014, p.181) mim, ainda que esteja morto, viverá;
E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca
morrerá. Crês tu isto? (BíBLIA, 2017, p.818)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Nos excertos expostos no quadro suprarreferido, apurou-se o uso do recurso da figura


de intertextualidade denominada como mudança de nível de sentido e definida por Jenny
(1979) como o aproveitamento de uma estrutura semântica preexistente, retomando-a em um
contexto que possui um novo nível de sentido. Usando assim, apenas o veículo,
desconsiderando os conceitos do texto original.

O primeiro fragmento exposto no quadro acima, retirado de O Sobrinho do Mago,


quando Aslam questiona o primeiro rei de Nárnia “... E ensinará a seus filhos e netos a
procederem desse mesmo modo?”(p.141), o Leão não está considerando a construção do
sentido da palavra ensino presente em seu arquétipo, ou seja, em Provérbios 22.6, o qual
aconselha que as crianças sejam educadas no caminho que se deve andar, alertando de forma
implícita: Ensine às crianças os princípios cristãos; entretanto, nesta primeira crônica
supracitada, o texto que possui uma relação intertextual com este arquitexto altera o
significado desta educação de modo a desconsiderar o sentido espiritual da palavra
ensina/educa, conduzindo o texto ao sentido literal por meio do contexto da obra. Essa
estrutura permanece nos
fragmentos da Última Batalha, também expostos na tabela: O falso Aslam, que, na verdade, é
um cavalo, cujo nome é Confuso, vestindo uma carcaça de leão, por influência de um macaco
com más intenções, chamado Manhoso, demonstra intertextualidade com a Bíblia, expondo
em seu espaço e tempo o que o alerta: falsos profetas e falsos cristos, como relata o arquétipo
(Mateus 24:23-24). Ou seja, o texto base claramente carrega a influência do arquitexto,
porém, faz uso apenas do veículo – falso Cristo / falso Aslam-, sem considerar os conceitos
do texto original: sempre carregado de significados espirituais.

No último trecho apresentado no quadro: “... todos aqueles que ele julgara estar
mortos.”; o arquétipo resgata a história de Lázaro, amigo de Jesus, que já havia morrido,
deixando suas irmãs desoladas. Quando Jesus chega ao túmulo, completava-se quatro dias que
Lázaro estava morto e uma de suas irmãs diz saber que ele ressuscitaria na ressurreição do
último dia (nota-se sempre cenas carregadas de significados espirituais); Jesus afirma que
todo aquele que crer nele, ainda que esteja morto, viverá (João 11:24-26). Portanto, o texto
base faz referência á ressurreição em Cristo, todavia muda o sentido por meio do contexto.

QUADRO 5 – INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO ENUNCIATIVA NA INTERTEXTUALIDADE (continua)

INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO ENUNCIATIVA

Texto-base Intertexto

O Leão, a Feiticeira e o Guarda- Bíblia


roupa

– Mas ele é tão perigoso assim? – perguntou Lúcia. Salmos 100:5 Porque o Senhor é bom, e eterna a
– Perigoso? – disse o Sr. Castor. – Então não ouviu o sua misericórdia; e a sua verdade dura de geração
que a Sra. Castor acabou de dizer? Quem foi que disse em geração. (BÍBLIA, 2017, p. 445)
que ele não era perigoso? Claro que é, perigosíssimo.
Mas acontece que é bom. Ele é REI, disse e repito. Salmos 7:11 Deus é um juiz justo, um Deus que
(LEWIS, 2014, p.81-82) manifesta cada dia o seu furor. (BíBLIA, 2017, p.
397)

– Não vale a pena procurá-lo, pois eu sei perfeitamente Mateus 26:19-21 E comendo com eles, disse: Em
para onde ele foi! – Todos arregalaram os olhos, verdade vos digo que um de vós me há de trair.
espantados. – Não estão entendendo? Foi encontrar-se (BÍBLIA, 2017, p. 755)
com ela, a Feiticeira Branca. Traiu-nos a todos.
(LEWIS, 2014, p. 86)
QUADRO 5 – INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO ENUNCIATIVA NA INTERTEXTUALIDADE
(conclusão)

Interversão da situação enunciativa

Intertexto
Texto-base
Bíblia
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa
– Mas que coisa é essa? Ainda será magia? Lucas 24:36-40 Enquanto falavam sobre isso, o
– Magia, sim! – disse uma voz forte, pertinho delas. – próprio Jesus apresentou-se entre eles e lhes disse:
Ainda é magia. "Paz seja com vocês!
Olharam. Iluminado pelo sol nascente, maior do que
antes, Aslam sacudia a juba (pelo visto, tinha voltado a Eles ficaram assustados e com medo, pensando que
crescer). estavam vendo um espírito.
– Aslam! Aslam! – exclamaram as meninas,
espantadas, olhando para ele, ao mesmo tempo as Ele lhes disse: "Por que vocês estão perturbados e
sustadas e felizes. por que se levantam dúvidas em seus corações?
– Você não está morto?
– Agora, não. Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu
– Mas você não é... um... um...? – Susana, trêmula, mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito não tem
não teve a coragem de usar a palavra “fantasma”. carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu
Aslam abaixou a cabeça dourada e lambeu-lhe a testa. tenho". Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e os
O calor de seu bafo era de criatura viva. pés. (BíBLIA, 2017, p. 806)
– Pareço um fantasma?
– Não! Você está vivo! Oh, Aslam! – gritou Lúcia, e
as duas meninas atiraram-se sobre ele com mil beijos.
(LEWIS, 2014, p.155-156)

Bíblia
A Última Batalha
...Mas então ela esqueceu de tudo o mais, pois Aslam Cânticos 2:8 Escutem! É o meu amado! Vejam! Aí
estava chegando, descendo, saltando de um rochedo vem ele, saltando pelos montes, pulando sobre as
para outro como uma cascata viva de beleza e poder. colinas. (BÍBLIA, 2017, p. 506)
(LEWIS, 2014, p.212)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Noss textos destacados no quadro acima, observou-se o uso do recurso da figura de


intertextualidade denominada como interversão da situação enunciativa e precisada por Jenny
(1979) como tendo a característica de manter estável o teor do discurso, mudando o alocutário
ou até mesmo o sujeito.

Já fora mencionado que Aslam, rei das terras de Nárnia, filho do Imperador de Além-
mar, representa Jesus Cristo, do mundo dos homens, filho primogênito de Deus e o próprio
Deus. Portanto, há fragmentos das Crônicas em que C.S. Lewis não se preocupou em ocultar
a sua fonte de inspiração, mudando apenas o sujeito
— e às vezes o alocutário —, mantendo o padrão do discurso original, retirado do arquétipo.
Os acontecimentos são extremamente semelhantes, apesar da mudança de cenário e escolha de
personagens para vivenciar tais acontecimentos nos livros. É possível notar esta figura
intertextual nos fragmentos abaixo:
No primeiro quadro, Lúcia pergunta se Aslam é muito perigoso, o Castor reafirma,
mas logo tranquiliza a menina dizendo que apesar de Aslam ser perigoso, é bom. Os
arquitextos (Salmos 100:5 e Salmos 7:11) apontam as mesmas características em Deus: "...
Porque o Senhor é bom, e eterna a sua misericórdia..."; "... um Deus que manifesta cada dia o
seu furor”. Portanto a intertextualidade encontra-se nos atributos, a despeito de mudar o
personagem a quem estão se referindo.

Posteriormente, Edmundo trai a todos quando se retira da casa dos castores para contar
à Feiticeira Branca onde estão os seus irmãos, formando intertextualidade com a Bíblia, que
expõe a história de Judas, o traidor de Jesus, logo, a figura de intertextualidade é evidente: O
texto-base traz Edmundo, o arquitexto traz Judas; no texto quem alerta a todos é o Castor; no
arquitexto é o próprio Jesus quem avisa sobre a traição de um dos discípulos (Mateus 26:19-
21); neste caso há mudança de sujeito e alocutário.

Nos demais fragmentos, o intertexto com a Bíblia ocorre novamente por meio da
substituição de Jesus por Aslam. Quanto ao fragmento que remonta o reaparecimento de
Cristo depois da ressureição há, além da mudança de sujeito, a mudança do alocutário, pois
em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, Aslam aparece para Lúcia e Susana, enquanto
Cristo apareceu para dois homens, entretanto, em ambos os cenários os personagens
acreditaram que o ressuscitado era um fantasma/espírito.

Por fim, nos trechos acima, mantém-se o teor do discurso, não obstante a mudança dos
personagens, construindo intertextualidade por meio da Interversão da situação enunciativa.

QUADRO 6 – INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO DRAMÁTICA NA INTERTEXTUALIDADE

INTERVERSÃO DA SITUAÇÃO DRAMÁTICA

Texto-base Intertexto

O Leão, a Feiticeira e o Guarda- Bíblia


roupa
- Quem venceu, afinal? Louco! Pensava com isso João 3:16-18 Porque Deus amou o mundo de tal
poder redimir a traição da criatura humana?! Vou maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
matá-lo, no lugar do humano, como combinamos, aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
para sossegar a Magia eterna.
Profunda. Mas, quando estiver morto, poderei matá-lo
também. Quem me impedirá? Quem Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não
poderá arrancá-lo de minhas mãos? Compreenda que para que condenasse o mundo, mas para que o mundo
você me entregou Nárnia para sempre, que perdeu a fosse salvo por ele.
própria vida sem ter salvo a vida da criatura humana.
Consciente disso, desespere e morra. (LEWIS, 2014, Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já
p.150) está condenado, porquanto não crê no nome do
unigênito Filho de Deus. (BÍBLIA, 2017, p. 809)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Nas partes apresentadas paralelamente acima, apurou-se o uso da figura de


intertextualidade denominada como interversão da situação dramática, figura descrita por
Jenny (1979) como quando por meio da transformação negativa ou passiva, o esquema das
ações do texto reestabelecido é alterado.

Nota-se que a parte do livro O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa exposta na tabela,


indica o uso deste recurso por meio de negação, pois o texto contraria as afirmações do seu
arquitexto por meio do diálogo da Feiticeira com Aslam. Esse trecho poderia ser inserido
erroneamente na tabela da interversão da situação enunciativa, uma vez que há troca de
personagens, todavia, a relação intertextual de ambos os fragmentos (As Crônicas e a Bíblia) é
de contrariedade: O texto nega o arquitexto, e este é o ponto de partida da análise.

QUADRO 7 – INTERVERSÃO DA QUALIFICAÇÃO NA INTERTEXTUALIDADE

INTERVERSÃO DE QUALIFICAÇÃO

Texto-base Intertexto

O leão, a feiticeira e o guarda- Bíblia


roupa
Ambas se ajoelharam na relva molhada, beijaram o João 19:38-42 Depois disto, José de Arimatéia (o que
rosto frio de Aslam, acariciaram seu bonito pêlo – o era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos
que ainda restava dele – e choraram amargamente, até judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo
que não puderam mais. Olhando uma para a outra, de Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então foi e tirou o
deram-se as mãos, porque se sentiam sós, e choraram corpo de Jesus.
de novo. Depois voltaram a calar-se. Lúcia disse, por
fim: – Não suporto vê-lo com esta horrível mordaça. E foi também Nicodemos (aquele que anteriormente
Conseguiremos arrancá-la? Tentaram. Depois de se dirigira de noite a Jesus), levando quase cem
muito esforço (tinham os dedos gelados e estava muito arráteis de um composto de mirra e aloés.
escuro) conseguiram. E ao verem o rosto de Aslam
sem a focinheira, desandaram a chorar outra vez. E Tomaram, pois, o corpo de Jesus e o envolveram em
beijos. E carícias. Limparam-lhe o melhor que lençóis com as especiarias, como os judeus costumam
puderam o sangue e a espuma. (LEWIS, 2014, p. 151- fazer, na preparação para o sepulcro. (BÍBLIA, 2017,
152) 826)

Fonte: Elaborado pelas autoras.


Nos componentes textuais apresentados acima, constatou-se o uso do recurso da

figura de intertextualidade nominada como interversão de qualificação e


determinada por Jenny (1979) tanto como os elementos participantes do ato da comunicação,
quanto às circunstâncias originais de uma narrativa são aproveitados, porém são qualificados
contrariamente.

Desta forma, o componente extraído do texto-base aproveita as circunstâncias do seu


intertexto, pois enquanto o texto bíblico destacado narra um momento depois da morte de
Cristo, o texto de Lewis retrata o contexto seguinte à morte de Aslam. De igual modo, os
elementos que compõem o ato da comunicação estão presentes, contudo, são classificados
contrariamente, pois o arquitexto descreve que dois homens (José de Arimatéia e Nicodemos)
são os que tomam o corpo de Cristo para limpá-lo antes do sepultamento – como era
costumeiro para o povo judeu –, o texto base retoma essa circunstância, mas com duas
meninas (Lúcia e Suzana) que, ao se depararem com o corpo morto e o rosto frio de Aslam,
tomam- no e limpam-no o melhor que podem, sem saber que ele haveria de ressuscitar,
semelhantemente ao seu precursor bíblico.

Assim sendo, depois da exposição das análises comparativas dos trechos dos livros
examinados e dos textos bíblicos investigados, a próxima parte traz a discussão minuciosa
acerca dos dados coletados e interpretados, bem como a relação teórica analítica, promovida
pelas alunas-pesquisadoras.

Normalmente, para localizar um texto bíblico, diferente dos livros comuns, utiliza-se tão somente o nome do livro
em questão, o capítulo e o versículo, por exemplo: Lucas 12:10. No entanto, para fins académicos, optou-se pela
indicação dos números das páginas neste trabalho. Assim, faz-se necessário entender que os números de páginas aqui
referenciados servem apenas para a Bíblia da editora e do ano descritos nas referências bibliográficas situadas ao final
desta monografia, não porque os textos mudam de teor, mas porque há fatores, como os tamanhos das folhas e
quantidade de notas de rodapé em cada Bíblia, que modificam a localização deles.
4 DISCUSSÃO

O problema desta monografia instaurou-se por meio da percepção das pesquisadoras


acerca da intertextualidade e a relevância desta para a compreensão completa das obras
analisadas. Ao notarem que há uma considerável quantidade de leitores das obras As Crônicas
de Nárnia que negam o diálogo entre os livros e os escritos bíblicos, fez-se pesquisas e
análises por meio das figuras de intertextualidade para apontar e afirmar a existência de
fragmentos bíblicos do início ao fim das histórias, com propósito de enfraquecer a asserção,
segundo a qual, a percepção do intertexto está embasada apenas na interpretação do leitor,
mas ancoradas na teoria das figuras de intertextualidade de Laurent Jenny (1979).

Portanto, os objetivos — geral e específicos — buscam esclarecer, fundamentar e


solucionar o problema supracitado, por meio do reconhecimento da intertextualidade; para
isso se faz necessário retomar a teoria de Kristeva (1974), responsável por definir o intertexto
com o texto ou o corpus de textos com os quais um determinado texto mantém aquele tipo de
interação; é com base nesta teoria que Jenny nomeia os fenômenos que criam o diálogo entre
os textos, afinal, Laurent Jenny eleva o nível das figuras de linguagem, associando-as à
intertextualidade, ou seja, o teórico reconhece a intertextualidade, faz uso dos conceitos que
norteiam esta teoria – evidenciada por Júlia Kristeva – e estabelece relação com as figuras de
linguagem, definindo, assim, as Figuras da Intertextualidade, norteadoras deste trabalho.

Depois da exposição do diálogo entre os textos analisados, identificaram-se quais


foram as figuras utilizadas para que o texto-base (As Crônicas de Nárnia) retomasse o
arquétipo (Bíblia Sagrada).

A hipótese sugere que a teoria de Jenny respalda a afirmação de que As Crônicas de


Nárnia fazem intertextualidade com a Bíblia, pois com o auxílio das figuras, a leitura do texto
base não se limita apenas à interpretação do leitor, mas ultrapassa, tornando-se uma análise
por meio da perspectiva da teoria de Laurent Jenny, demonstrando, mais do que a
intertextualidade, os recursos utilizados para a construção da relação entre os fragmentos
estudados.

Até o presente momento os objetivos foram alcançados e por meio deles se mantém a
hipótese, pois as análises dos trechos retirados do texto e arquitexto
evidenciaram a intertextualidade em fragmentos, cujos diálogos entre textos não são claros;
essa afirmação é possível por meio da figura intitulada elipse, como demonstra os trechos a
seguir, retirados do quadro de análises:

– Isso mesmo – disse a rainha Lúcia. – No nosso mundo também já aconteceu


uma vez que, dentro de um certo estábulo, havia uma coisa que era muito
maior que o nosso mundo inteiro. (LEWIS, 2014, p.166)
Lucas 2:7 e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e
o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
(BíBLIA, 2017, p. 779).

Como fora analisado, o texto faz referência ao seu arquitexto por meio da omissão da
confirmação emitida pela personagem. Esse fragmento foi escolhido para exemplificação
porque demonstra a importância do reconhecimento intertextual, visto que sem a leitura do
arquétipo — a Bíblia — não seria possível notar a profundidade do texto- base e, além disso,
sem o suporte das figuras de intertextualidade não seria possível identificar o intertexto, uma
vez que este foi truncado do trecho estudado, por esta razão a hipótese se confirma: As figuras
de intertextualidade auxiliam no reconhecimento dos fragmentos bíblicos presentes nas obras
analisadas.

Considerando-se que As Crônicas de Nárnia são um conjunto de sete obras, fez-se


necessário a delimitação, evitando-se assim, avolumar sobremaneira esta monografia. Deste
modo, as obras escolhidas foram três, a saber: O sobrinho do Mago; O leão, a feiticeira e o
guarda-roupa e A última batalha, não apenas para estreitamento da pesquisa, como também
com vistas a demonstrar — por meio desta delimitação — as obras que, na percepção das
pesquisadoras, refletem a intertextualidade com a Bíblia, inclusive mantendo o fio narrativo
bíblico por meio da cronologia, representando respectivamente; Gênesis, a primeira vinda de
Cristo – sua morte e ressurreição – e o Apocalipse.

A metodologia desta monografia é de abordagem qualitativa, uma vez que teve


seu início a partir da inquietação das pesquisadoras quanto à oscilação da perspectiva dos
leitores a respeito dos trechos das obras que dialogam com os escritos bíblicos; mantendo-se o
propósito de defender o ponto de vista das participantes por meio das teorias escolhidas. O
método é de natureza básica, pois tem como objetivo ocasionar e motivar a busca por novos
conhecimentos sobre o objeto de estudo, mas não há a intenção de aplicação prática,
mantendo-se no
âmbito teórico. A pesquisa é exploratória, logo, busca criar e confirmar hipóteses com
finalidade de compelir a compreensão dos livros analisados.

Assim, com o intuito de evidenciar a intertextualidade, em primeiro lugar, optou-se por


uma análise comparativa entre fragmentos dos livros selecionados e da Bíblia. Depois do
apontamento da intertextualidade, as análises basearam-se no levantamento e diagnóstico das
figuras de intertextualidade encontradas nos fragmentos destacados, para tal utilizou-se
quadros com duas lacunas contendo o texto- base e o arquitexto lado a lado e suas devidas
classificações.

Por meio da pesquisa que fora feita para a constituição do estado da arte, de modo a
agregar informações e descobrir um caminho viável para a confecção desta monografia,
encontraram-se – apesar de poucos – alguns trabalhos que dialogam com o presente estudo.
Assim, por meio de palavras-chave e considerando a relevância e o quão recentes os trabalhos
são, chegou-se à seleção de três estudos acadêmicos pertinentes.

Afirma-se que não há intenção de fazer qualquer juízo de valor quanto às pesquisas
citadas, bem como não há a possibilidade de demonstrar todos os dados coletados e
minuciosamente trabalhados pelas colegas pesquisadoras, visto que esta parte tornar-se-ia
demasiada.

Isto posto, observou-se a pesquisa cujo título é A intertextualidade em as Crônicas de


Nárnia — O Sobrinho do Mago, publicado em 2016, pela autora Thayane Souza da Silva,
que possui semelhança com o presente trabalho no âmbito do estudo da intertextualidade com
o uso das obras As Crônicas de Nárnia citando, inclusive, dois dos teóricos mais utilizados na
fundamentação teórica do presente estudo, Júlia Kristeva e Laurent Jenny, para embasar –
resumidamente – a primeira parte da pesquisa, denominada “A Intertextualidade”. A pesquisa
supracitada também se assemelha a esta por utilizar método de comparação na investigação da
intertextualidade ocorrida entre O Sobrinho Do Mago e o texto bíblico e por fazer uma
análise comparativa de corpus, como consta na parte 2 do trabalho, intitulada “O Sobrinho do
mago e a Bíblia”.

Importante salientar que a investigação da colega pesquisadora também faz uso de


figuras para analisar a obra por ela selecionada, mas a figura eleita é a figura
de linguagem nominada paródia, explorada e descrita na parte “3. A paródia e a estilização” .

Em contrapartida, a pesquisa apresenta objetivos diferentes dos desta monografia,


tendo ênfase nos estudos de literatura comparada de Tânia Franco Carvalhal, bem como
objetivou-se identificar se a Bíblia teve o texto subvertido ou parafraseado por C.S.Lewis, por
meio dos estudos sobre paródia e paráfrase de Affonso Romano Santa’nna. Trazendo assim,
resultados que, apesar de diferentes dos buscados no presente trabalho de conclusão de curso,
conversam – de certa forma – com o que aqui se investiga e que estão situados na parte 4,
denominada “A Intertextualidade em Nárnia”, ao concluir que a obra O Sobrinho do Mago
parodiou o texto bíblico ao relacionar o tema do divino, e que também alterou o sentido
orientacional da narrativa bíblica, produzindo uma intencionalidade distinta.

Ainda relatando os trabalhos que possuem algum nível de relação com a presente
monografia, encontrou-se o trabalho de conclusão de curso intitulado Arquétipo em As
Crônicas de Nárnia: Aslam e sua relação com o universo cristão, publicado em 2018, tendo
como autora Jessica de Oliveira. Este trabalho, em especial, apresenta muitos elementos que
dialogam com a presente pesquisa, sendo eles: a escolha dos três livros para realizar a
arguição proposta - O sobrinho do mago; o Leão, a feiticeira e o guarda-roupa; A última
batalha -, a análise das obras apontando para o Intertexto com a Bíblia, o uso da teoria de
Júlia Kristeva para explicar a Intertextualidade e a análise comparativa para demonstrar os
paralelos cristãos existentes nos livros.

A pesquisa realizada, diferentemente do presente trabalho, tem o foco em arquétipos


religiosos que constam na obra, destacando o personagem Aslam e o arquétipo de Cristo. Por
isso, a pesquisadora utiliza autores como Carl Gustav Jung e Josh Campbell para
fundamentá-la.

Desta maneira, buscando a relevância dos arquétipos, um dos resultados, alcançados


pela autora, afirma que há texto bíblico nas obras de maneira sutil e que, por meio da fantasia,
C.S. Lewis busca causar reflexão e evangelizar o leitor dos livros, assemelhando-se ao
resultado da primeira pesquisa selecionada para essa parte e corroborando com parte do que a
presente monografia apresenta.
Diferentemente dos dois trabalhos citados neste trecho da discussão, Da Calormânia
para Nárnia: A construção do personagem em o cavalo e seu menino, de autoria de Audrey
Carine Cerqueira Santos do Nascimento, não possui muitos elementos comparativos a este
presente estudo, a não ser o uso das Crônicas de Nárnia para efetuação da pesquisa. Ainda
assim, o livro escolhido pela autora – O cavalo e seu menino – não é uma obra que constituiu
a presente monografia. No entanto, decidiu-se por selecionar esta dissertação devido a sua
relevância, considerando-se o ano de sua publicação (2020) e a minuciosa pesquisa realizada.

Assim sendo, a dissertação supracitada trata da investigação e estudo do texto


mencionado, busca compreender a importância da literatura fantástica, problematiza a
compreensão do conto na contemporaneidade, explora a construção dos personagens e o
enredo narrativo, trata dos ensinamentos significativos que a obra traz para a vida real, entre
outros. Por fim, o trabalho descrito busca base na teoria da literatura e não faz uso da
intertextualidade ou das figuras de intertextualidade, não possuindo fatores suficientes para
que haja uma comparação de resultados com a monografia contida aqui.

Por conseguinte, os trabalhos supramencionados possuem ao menos um aspecto de


comparação com a presente pesquisa: valeram-se de algum ou de alguns dos sete livros que
compõem As crônicas de Nárnia, tornando-se úteis em algum nível para esta discussão.
Possuindo cada um o seu aspecto distinto entre eles mesmos e entre eles e este trabalho de
conclusão de curso, o ponto em que os resultados concordam com esta monografia e que pode
ser explicitado com clareza, é o que diz respeito à intertextualidade bíblica presente nas obras
citadas, escritas pelo autor irlandês C.S.Lewis.

Jenny (1979) afirma que o autor deixa, por meio do estilo, sua marca. A maneira de
exprimir seus pensamentos, a forma de expressar-se correta e elegantemente contribuem,
também, para caracterizá-lo. O teórico ainda acrescenta que as palavras desempenham os mais
diferentes papéis em todos os níveis do discurso, de forma a se tornar umas mais importantes
do que outras. Todas essas afirmações agregaram uma nova perspectiva nas analises das
obras, pois foi possível notar uma repetição na maneira como C.S Lewis construiu, por meio
da sua escrita, a relação intertextual, como também foi possível identificar a sua intenção ao
destacar determinados acontecimentos nas obras, alterando o arquitexto de modo que uma
parte esteja em destaque. Um exemplo que demonstre tal analise é este:

O Leão andava de um lado para o outro na terra nua, cantando a nova


canção. Era mais suave e ritmada do que a canção com a qual convocara as
estrelas e o sol; uma canção doce, sussurrante. À medida que caminhava, o
vale ia ficando verde de capim. O capim se espalhava desde onde estava o
Leão, como uma força, e subia pelas encostas dos pequenos montes como
uma onda. (LEWIS, 2014, p. 04)
Gênesis 1.11-12- Então disse Deus: “Cubra-se a terra de vegetação: plantas
que deem sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com
as suas espécies”. E assim foi. A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão
sementes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem
sementes de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom.
(BíBLIA, 2017, p. 01).

Como apontado no exemplo acima – retirado do quadro –, a intertextualidade ocorre


por meio da figura intitulada amplificação, portanto, houve uma potencialização por meio da
transformação do arquitexto, pois no texto o Leão cria o mundo através de uma canção,
enquanto em seu arquétipo, Deus o faz por meio de ordens. Assim sendo, é possível inferir
acerca da intencionalidade de C.S Lewis, ou seja, demonstrar o poder da Palavra de Deus e,
consequentemente, de Sua voz.

Tal identificação intertextual só ocorreu porque Jenny não apenas reconhece o


fenômeno do intertexto, como considera as diferentes maneiras de fazer uso das palavras para
expressar-se e/ou estabelecer uma comunicação por meio de fragmentos de textos já
existentes, ainda que implicitamente.

O uso da amplificação para a construção da relação intertextual se faz presente muitas


outras vezes nas obras, tornando-se parte da marca do autor e expondo com clareza a sua
intenção: potencializar acontecimentos e diálogos bíblicos. Acredita-se que isso se faz
necessário, afinal é um livro — considerado pela sociedade — infanto-juvenil, embora o seu
maior público seja aquele que descobre A história dentro das histórias de Clive.

Faz-se necessário retomar a afirmação de que as figuras de intertextualidade


ultrapassam a função de ser a ponte entre textos, carregando em suas definições um
propósito que imprime uma explicação para estarem presentes em fragmentos específicos dos
textos, sempre indicando a intenção do autor para aqueles que as identificam.
Pode-se, então, questionar como seria possível as Figuras demonstrarem a intenção de
Lewis ao escrever as Crônicas de Nárnia – do gênero conto —, uma vez que as obras
antecedem a teoria?

O fenômeno sempre esteve presente no intertexto, portanto, ao estabelecer relação


entre suas obras e os escritos bíblicos, Lewis, consciente do poder das palavras, escolheu a
maneira como contaria a história do arquitexto em seus textos; o que Laurent Jenny fez foi
apenas reconhecer e nomear um fenômeno que sempre aconteceu — especialmente na
literatura —, proporcionando a possibilidade de estudiosos, como as pesquisadoras desta
monografia, o identificarem com tal clareza.

Vale salientar que, ao pesquisar sobre a vida de Clive Staples Lewis, foram
encontrados indícios perusasivos de que o autor — apesar de não ter a intenção de convencer
crianças sobre a veracidade de suas convicções religiosas — não conseguiu separar suas
experiências de suas obras, assim, identificou no gênero conto uma possibilidade de trabalhar
atributos como: bondade, fidelidade, confiança, perdão, amizade, irmandade, esperança etc.,
sem as diretrizes de sua religião, o que — talvez — tornaria todas essas virtudes ilegíveis para
os mais novos; possivelmente, a intenção de Lewis é justamente o contrário: evidenciar tais
atributos, participantes dos princípios cristãos, porém, não apenas limitados a eles. Ao
escrever contos, o autor pôde demonstrar os atributos de Deus sem limitar a leitura ao público
cristão, pois o fez de forma implícita na maior parte dos textos, mas, apesar da implicitude,
não se pode dizer que a relação das obras com a Bíblia inexiste.

Christian Ditchfield, autor do livro Descubra NÁRNIA — Verdades em: As


Crônicas de Nárnia de C.S LEWIS (2010, p.53), expõe nesta obra, uma carta de Lewis,
afirmando que Aslam é a representação de Cristo em outro mundo, como demonstra um
fragmento a seguir, retirado dessa carta endereçada ao seu amigo, J.R.R.Talkien:

Na realidade, entretanto, ele [Aslam] é uma invenção na tentativa de


responder à pergunta imaginária “Como Cristo seria se realmente houvesse
um mundo como Nárnia e Ele escolhesse encarnar, morrer e ressuscitar,
como já o fez em nosso mundo”? (DITCHFIELD, 2010, p. 53)

Em um livro denominado Sobre histórias – uma coleção de ensaios de C.S.


Lewis, traduzida por Francisco Nunes – Lewis escreve sobre o seu processo de

escrita e diz haver nele o que ele chama de razão do autor e razão do homem, descrevendo a
primeira como sendo o impulso para que ele começasse a escrever uma determinada história,
sendo caracterizada pela paixão à forma em si, sem compromisso com uma mensagem a ser
repassada para os leitores; sobre o a razão do homem, o próprio Lewis afirma que:

Então, claro, chegou a vez do Homem em mim. Penso que vejo como
histórias desse tipo poderiam derrubar sorrateiramente determinada inibição
que paralisara grande parte de minha própria religião na infância. Por que
as pessoas consideram tão difícil sentir o que lhes é dito que deviam sentir
sobre Deus ou sobre os sofrimentos de Cristo? Concluí que o principal
motivo era que lhes tinha sido dito o que deveriam fazer. A obrigação
de sentir pode congelar sentimentos. E a própria reverência prejudicava. O
assunto todo estava associado a vozes sussurradas, quase como se fosse
algo medicinal. Mas, supondo que, ao lançar todas essas coisas em um
mundo imaginário, poderia tirá-las de sua associação a vitrais e a
escolas dominicais, seria possível fazê-las, pela primeira vez, aparecer
em sua potência real? Será que não conseguiríamos, então, passar
sorrateiramente por esses dragões atentos? Eu penso que sim. (LEWIS,
2018)

Logo, C.S Lewis nunca omitiu o intertexto entre suas obras e a Bíblia, apenas negou
— com veemência — que tenha escrito as Crônicas com propósito de convencer as crianças
das verdades de sua crença. Portanto, a importância dos resultados encontrados nesse trabalho
não se dá pela confirmação da intertextualidade — pois esta já foi atestada pelo próprio Lewis
—, mas se dá pelo fato de que o leitor, por meio da compreensão e profundidade da conexão
das obras com a Bíblia, constata que os livros não são meros contos para crianças e jovens,
sendo capazes de entender totalmente — ou quase — as ocorrências que podem ser
consideradas irrelevantes devido à falta do reconhecimento do arquétipo. O mérito dos
resultados também se constitui, por meio dos estudos realizados sobre as figurasda
intertextualidade que fundamentam os fragmentos encontrados, tornando- os suscetíveis ao
âmbito teórico, elevando o diálogo intertextual.

Assim sendo, não mais se limita as afirmações acerca do intertexto à compreensão da


leitura, embora, a compreensão do leitor sobre a leitura mantém-se valiosa, mas tal
perspectiva não mais detém o poder de negar o impacto do arquitexto sobre o texto — mesmo
que o ignore — logo, confirma-se novamente a hipótese inicial, tornando-se possível até
mesmo ampliá-la:
As figuras de intertextualidade auxiliam no reconhecimento dos fragmentos bíblicos
presentes nas obras e expõe a intencionalidade do autor, indicando a profundidade dos textos
analisados.

Ao concluir as discussões com a reafirmação da hipótese, acrescenta-se que o


problema foi devidamente discutido e esclarecido por meio das afirmações dos teóricos que
fundamentam este trabalho, a saber: Júlia Kristeva(1974) e Laurent Jenny (1979).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já fora explicitado, esta monografia está situada na área de Letras, e tem como
tema O intertexto entre as Crônicas de Nárnia e a narrativa bíblica sob a perspectiva
das figuras de Intertextualidade. Analisaram-se três das sete Crônicas da série de Clives
Staples Lewis, sendo elas: O sobrinho do mago, O leão, a feiticeira e o Guarda-Roupa
e A última batalha; assim como alguns textos bíblicos com ênfase na análise dos paralelos
cristãos existentes nas obras, com vistas á implicação desses paralelos para que a sapiência
amplie a perspectiva dos leitores das obras demodo que eles identifiquem o implícito,
potencializando a compreensão da leitura.

Portanto — apesar de haver outros trabalhos que apontam a intertextualidade entre As


Crônicas e a Bíblia —, a presente monografia propôs uma investigação de tal fenômeno por
meio das figuras de intertextualidade de Laurent Jenny. Considerando-se que não há quaisquer
trabalhos que efetuem essa comparação por meio da teoria de Jenny, esta proposta agrega um
aprofundamento do tema — intertextualidade — ao âmbito acadêmico.

Assim sendo, a importância do assunto abordado neste estudo para o ensino-


aprendizagem se dá pelo fato do intertexto auxiliar a construção do sentido de um texto, como
também, juntamente com as figuras de intertextualidade, ampara na interpretação textual,
sendo possível evidenciar o que está implícito no texto.

Faz-se necessário – antes de destacar os principais resultados obtidos —, retomar o


problema que institui as pesquisas: Quais são as figuras de intertextualidade presentes em As
Crônicas de Nárnia e qual a importância delas para o reconhecimento do intertexto entre As
Crônicas e a Bíblia.

O problema supracitado é norteador da intenção das pesquisadoras quanto a


enfraquecer a asserção de que a percepção do intertexto está embasada apenas na
interpretação de cada leitor sobre as obras, por conseguinte, a hipótese inicial é: As figuras de
intertextualidade auxiliam no reconhecimento dos fragmentos bíblicos presentes nas obras
analisadas. Tal hipótese foi elaborada com vistas a fundamentar teoricamente o asserto sobre
o intertexto já identificado.

Visando-se soluções e a concretização do objetivo geral, sendo este: identificar as


figuras de intertextualidade nas Crônicas de Nárnia para auxiliar o leitor
a reconhecer as intenções do autor ao fazer uso deste recurso em suas obras, estabeleceu-se os
seguintes objetivos específicos: (i)Contextualizar as obras estudadas; (ii)Explicitar os
principais conceitos de Intertextualidade; (iii)Demonstrar os paralelos cristãos presentes nas
obras que norteiam esse trabalho; (iiii)Investigar quais são as figuras de intertextualidade
presentes nas obras analisadas. Estes foram gradativamente alcançados, portanto
auxiliaram nos resultados.

Depois da exposição das relações intertextuais entre os textos e arquitextos, parte do


problema foi respondido, indicando, assim, quais figuras de intertextualidade estão presentes
em As Crônicas de Nárnia.

Vale salientar que nem todas as figuras foram encontradas; entretanto, dentre as
identificadas nas obras, constatou-se a repetição, logo, isto expõe dois pontos:

1. A marca do autor;

2. A intenção do autor por meio do uso de cada figura.

A importância destas evidências está na validação da teoria de Jenny, segundo o qual é


possível identificar a marca e a intencionalidade do escritor das obras Tal observação agregou
profundidade à leitura. Isto posto, inicia-se à resposta final para o problema da pesquisa: A
importância das figuras de intertextualidade.

Ao prosseguir com as análises dos textos, sob a perspectiva das figuras, confirmou-se
que a cada intertexto, submetido à teoria de Jenny, ocorre uma mudança na visão do leitor; há
partes em que as obras de Lewis fazem apenas menção aos textos bíblicos, omitindo as
palavras que explicitam o intertexto; esse fenômeno é identificado e nomeado por Jenny como
elipse. Considerou-se importante retomar este ponto, porque a sapiência da existência desta
figura — apenas ela— amplia o entendimento acerca da leitura. Ao truncar uma informação,
ao omitir um acontecimento, a compreensão do arquitexto se torna necessária para produzir o
aprofundamento antes mencionado; ou seja, mais do que atestar o intertexto, os estudos de
Laurent Jenny revelam os recursos utilizados para estabelecer relação entre os textos.

Visto que por meio das Figuras de Intertextualidade de Laurent Jenny encontram-se
conexões postas nos livros analisados, contudo, reconhecidas com maior clareza depois da
submissão dos textos à principal teoria que fundamenta
esta pesquisa, a hipótese inicial é comprovada e — para além disso — ampliada, resultando na
resposta final do problema: As figuras de intertextualidade auxiliam no reconhecimento dos
fragmentos bíblicos presentes nas obras e possibilita a intencionalidade do autor, indicando a
profundidade dos textos analisados.

Para a maioria das pessoas, para um intertexto ser identificado, o arquétipo precisa ser
reconhecido — a ciência do leitor tem conexão direta com tal compreensão ou a falta dela —
e mediante a esta lógica não seria necessário mais um trabalho sobre a intertextualidade entre
as Crônicas de Nárnia e a Bíblia; porém, a inquietude que deu início a estes estudos
instaurou-se na negação constante de leitores das obras quanto ao intertexto — tão explícito
que, em determinados trechos, as histórias remontam A história. A rejeição dos leitores das
Crônicas às conexões entre elas e os escritos bíblicos prejudicam o entendimento completo
das obras, não apenas das três que foram explicitadas durante as pesquisas, mas de todas as
sete obras; este foi um dos pontos que a teoria de Jenny suportou, pois há uma profundidade
nos diálogos e acontecimentos que só pode ser atingida por aqueles que admitem e buscam
por aquilo que não foi escrito; além do mais, a rejeição ao arquétipo é irracional quando se
conhece a história da vida do próprio
C.S. Lewis, pois o contexto do autor influenciou o seus textos, logo, influencia na plena
compreensão deles.

Por fim, as pesquisas realizadas nesta monografia trazem consigo uma teoria pouco
trabalhada no Brasil, apesar de importante e enriquecedora. A ideia de unir as figuras de
intertextualidade proporcionou o suporte teórico de todo o presente trabalho.

Visando isto, é possível dar continuidade às análises das obras, sob a perspectiva das
figuras de intertextualidade, afinal, somente alguns fragmentos foram exibidos nos quadros,
ainda há muitos outros trechos das obras trabalhadas pelas pesquisadoras desta monografia a
serem discutidos, assim como há mais quatro livros para uma futura investigação. Espera-se
que outros estudantes inquietos continuem buscando por maior compreensão de suas leituras,
possibilitando evidenciar cada vez mais a teoria de Laurent Jenny, de maneira que se torne o
suporte de muitos outros intertextos.
Por fim, ressalta-se que, tanto sobre a inteligibilidade intertextual como a afirmação
sobre a intencionalidade do autor, trata-se de uma leitura possível das pesquisadoras.
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