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Campesinato Negro No Pós Abolição
Campesinato Negro No Pós Abolição
Rio de Janeiro
2008
ii
Rio de Janeiro
Abril/2008
iii
Aprovada por:
Suplentes
Abril/2008
v
AGRADECIMENTOS
minha pesquisa.
À FAPERJ, que sem seu incentivo financeiro, através da Bolsa FAPERJ nota 10, esta
À Ana Rios, que durante esses dois anos de curso fez muito mais do que a sua
obrigação de orientadora. Ela soube me acalmar nas horas mais tensas e soube me pressionar,
Florentino e Mônica Grin que ao longo desses dois anos, a partir de seus exemplos de vida,
as aulas. Muito do que aqui foi escrito deve-se aos cursos ministrados por Manolo Florentino,
Maria Paula Araújo, Samantha VizQuadrat, Antonio Carlos Jucá, Ana Rios e Mônica Grin.
As professoras Hebe Mattos e Martha Abreu que fizeram parte da minha formação na
Agradeço a todos os amigos que fiz no Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais
da 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu, em especial a Dona Dylza, pois sem a boa vontade e o
Aos meus pais, José Hamilton e Maria Lúcia que me apoiaram e, em boa parte do
tempo, financiaram-me para que pudesse realizar o desejo de fazer o que mais gosto: estudar.
vi
À minha irmã Wiviane, que nos momentos mais difíceis e desanimadores deu-me
À minha namorada Cristiane Britto, que, durante todos esses anos juntos, soube
principalmente, pela ajuda na leitura dos primeiros textos e na correção destes. Hoje sei que
Thomaz, Igor dos Reis e Tatiane Bracho, pois muito do meu caráter e da minha dedicação aos
Agradeço, por fim, a todos os amigos que fiz na UFRJ, funcionários, alunos, colegas, e
professores.
Cada uma dessas pessoas contribuiu de forma decisiva na minha formação acadêmica
RESUMO
foram utilizadas entrevistas produzidas por Ana Rios, Hebe Mattos, Robson Martins e Carlos
Eduardo Costa no Vale do Paraíba e na Baixada. Somado a isto, coletou-se os registros civis
como o gado e o eucalipto, houve um processo de saída dos libertos e de seus descendentes
dessas antigas áreas. Esse foi o mesmo momento no qual a Baixada ganhava destaque
dissertação, percebeu-se que muitos dos trabalhadores no Município de Nova Iguaçu eram de
foram somente os integrantes de famílias nucleares que buscaram legitimar seus familiares, no
pós-abolição. Com as leis incentivadoras para o registro civil tardio, durante o Governo
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.3 – Total de crianças registradas em ano de seu nascimento por cor e ano.
Município de Nova Iguaçu. ........................................................................................................................98
Figura 3.1 – Ano dos nascimentos por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e
adultos declarados por outrem em 1939. Município de Nova Iguaçu. ....................................................144
Figura 3.2 – Faixa etária por sexo nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem declarados como pretos e pardos por outrem em 1939.
Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................145
Figura 3.3 – Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens
e adultos declarados como pretos e pardos por outrem em 1939.
Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................147
Figura 3.4 – Faixa etária por localização das pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de
nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, em 1939.
Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................148
Figura 3.5 – Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano 1934.
Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................156
Figura 3.6 - Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano 1939.
Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................157
Figura 3.7 – Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-
declarantes, 1934. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................158
Figura 3.8 - Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-
declarantes, 1939. Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................158
xi
Figura 3.9 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes
pretos e pardos, em 1934. Município de Nova Iguaçu. ..........................................................................160
Figura 3.10 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes
pretos e pardos, em 1939. Município de Nova Iguaçu. ............................................................................161
Figura 3.11 – Registros realizados no ano de nascimento da criança por cor e ano.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................169
Figura 3.12 – Registros tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. .............................................170
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.2 – Porcentagem da população classificada como preta e parda nos censos.
Paraíba do Sul, Valença e Baixada. ............................................................................................................42
Tabela 2.2 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1940.
Município de Iguassú. .................................................................................................................................81
Tabela 2.6 – Total e Porcentagem dos registros civis de nascimentos em 1889 por cor.
Município de Nova Iguaçu..........................................................................................................................99
Tabela 2.7 - Situação conjugal dos pais nos registros civis de nascimentos.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................100
Tabela 2.8 – Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor.
Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................102
Tabela 2.9 – Total de registros civis de nascimentos por região de nascimento e cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................103
Tabela 2.10 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu...............................................................................................................................................104
Tabela 2.12 – Presença de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................108
Tabela 2.13 – Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................109
Tabela 2.14 – Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................109
Tabela 2.15 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu...............................................................................................................................................110
xiii
Tabela 2.17 – Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................112
Tabela 2.18 – Região de origem do pai por ano de pessoas declaradas como pardas e pretas.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................113
Tabela 2.19 - Situação conjugal dos pais por cor de crianças registradas.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................115
Tabela 2.20 – Total e porcentagem da legitimidade de pessoas registradas como pretas e pardas.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................115
Tabela 2.21 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas.
Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................116
Tabela 2.22 - Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................117
Tabela 2.23 – Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................120
Tabela 3.1 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos.
Município Nova Iguaçu.............................................................................................................................124
Tabela 3.2 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................124
Tabela 3.4 – Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos, 1939.
Município de Nova Iguaçu............................................................................................................188 Anexo
Tabela 3.5 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos por
situação conjugal. Município de Nova Iguaçu..........................................................................................127
Tabela 3.6 - Profissão da mãe nos registros civis de nascimentos por cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................127
Tabela 3.7 – Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................128
Tabela 3.8 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu...............................................................................................................................................129
Tabela 3.9 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos onde as
pessoas foram registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu. ........................................129
Tabela 3.10 - Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................130
Tabela 3.11 – Localização populacional por Distrito de acordo com o censo de 1940.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................131
xiv
Tabela 3.12 – Porcentagem e Total de registros civis de nascimentos tardios por ano.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................133
Tabela 3.13 - Total de registros civis de nascimentos tardios por cor e ano.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................136
Tabela 3.14 - Total de registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem
por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.................................................................................................137
Tabela 3.15 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de crianças,
jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. ......................................................137
Tabela 3.16 - Declarantes nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por
outrem por cor. Município de Nova Iguaçu................................................................................................138
Tabela 3.17 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados
por outrem por cor. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................139
Tabela 3.18 – Profissão do Pai por cor nos registros civis de nascimento tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu......................................................................... 190 anexo
Tabela 3.19 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos
tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. ......................140
Tabela 3.20 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu..................................................................................141
Tabela 3.21 - Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal nos registros
civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova
Iguaçu.........................................................................................................................................................141
Tabela 3.22 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros
civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova
Iguaçu........................................................................................................................................................142
Tabela 3.23 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos tardios
de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, nos quais as pessoas foram registradas como pretas e
pardas. Município de Nova Iguaçu............................................................................................................143
Tabela 3.24 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e
adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu......................................................................146
Tabela 3.25 – Região da residência por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e
adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu......................................................................150
Tabela 3.26 – Região do nascimento por ano das pessoas declaradas como pretas e pardas nos registros civis de
nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................151
Tabela 3.27 - Total de registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes por cor e ano.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................152
Tabela 3.28 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de auto-
declarantes. Município de Nova Iguaçu....................................................................................................153
Tabela 3.29 - Legitimidade por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................153
xv
Tabela 3.30 - Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes.
Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................154
Tabela 3.31 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes.
Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................154
Tabela 3.32 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros
civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. .......................................155
Tabela 3.33 – Profissão por sexo de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos
tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu...........................................................................159
Tabela 3.34 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município
de Nova Iguaçu.........................................................................................................................................162
Tabela 3.35 – Locais de Nascimento no Vale do Paraíba nos registros civis de nascimentos dos auto-
declarantes.Município de Nova Iguaçu......................................................................................... 191 anexo
Tabela 3.37 - Região de nascimento das crianças registradas no ano de seu nascimento por cor. Município de
Nova Iguaçu..............................................................................................................................................171
Tabela 3.38 - Região de nascimento por cor das pessoas registradas fora do ano de seu nascimento (tardios).
Município de Nova Iguaçu.......................................................................................................................172
Tabela A.1 – Propriedades por distrito, 1927. Município de Nova Iguaçu. ...........................................186
Tabela A.2 – Profissão do pai de crianças registradas tardiamente como pretas e pardas.
Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................187
xvi
SIGLAS
RCPNNI – Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu
AP – Arquivo Pessoal
SUMÁRIO
Introdução
Tema .................................................................................................................................19
Campesinato......................................................................................................................20
Campesinato Negro no Período do Pós-Abolição.............................................................23
A pesquisa, metodologia e fontes.......................................................................................28
Conclusão ........................................................................................................................175
Bibliografia.......................................................................................................................180
Anexos...............................................................................................................................185
I – Tabelas..........................................................................................................................186
II – O reencontro de Izaquiel ............................................................................................193
III – Registro Base.............................................................................................................197
IV – Lista dos Entrevistados..............................................................................................198
xix
Introdução
Tema
Fluminense, entre os anos de 1888 a 1940. Seu objetivo é mostrar que, a estratégia de migrar
Paraíba, não estavam isolados no campo. Tinham conhecimento das economias crescentes e
dificultou, para muitos, o acesso ao trabalho e a terra. Diante deste quadro, a família ex-
escrava não conseguiu reproduzir o seu modo de vida, uma vez que, a pequena roça e o
emprego tornaram-se insuficientes para manter esse grupo estável. Dito isto, os filhos da
primeira geração de libertos, nascidos posteriormente à abolição, adotaram como uma das
Fluminense.
xx
4 – Após a década de 1930, durante o Governo Vargas, foram promulgadas leis que
permitiram a população de pretos e pardos ter maior acesso ao registro civil de nascimentos,
na Baixada Fluminense. Neste sentido, as leis e decretos sobre o registro civil tardio, entre as
relações familiares.
Campesinato
existência de uma lógica e de um modo de produção interno que não o capitalista. Nesse
capitalista, e o ponto de partida deveria ser a análise do cálculo das unidades produtivas. Isto
analisando as categorias que lhe são próprias e tentar apreender através destas, suas leis
1
GODELIER, M. Rationalité et Irrationalité em Economie. Paris: François Maspero, 1968 e BETTELHEIM,
C. Calcul Économique et Formes de Proprieté. Paris: François Maspero, 1970 apud GARCIA JR., Afrânio
Raul. Terra de Trabalho: Trabalho Familiar de Pequenos Produtores. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
xxi
ampliação das relações de mercado. Para Aleksandr Chaianov, o campesinato “não visava o
lucro sobre o capital investido, mas a procura de um equilíbrio ótimo entre exigências de
2
consumo da família e força de trabalho disponível”. De acordo com seu argumento, o
trabalho familiar era o ponto central na economia camponesa, uma vez que, dela dependiam
Preocupação, semelhante, foi a de Afrânio Garcia, ao informar que esta oposição sempre
afirmava que só haveria leis econômicas havendo mercado. De acordo com o autor, o
mercado tornou-se uma categoria com conteúdo dado e que podia definir qualquer sistema
econômico. Desse modo, as críticas a este “etnocentrismo teórico” podem ser encontradas nas
análises de Polanyi. Toma-se, aqui, por agricultura de subsistência, tudo aquilo que é
3
“socialmente necessário para a reprodução física e social do trabalhador e sua família.”
Evidentemente, esta suposição não invalida a existência de uma circulação mercantil nas
lavouras de subsistência, uma vez que, este campesinato familiar comercializava os produtos
nesse tipo de produção. De acordo com Witold Kula, devido ao fato de a unidade da produção
e a do consumo ser regido por regras familiares, a divisão do trabalho, internamente, era uma
pelo equilíbrio entre consumidores e produtores, que por vezes, encontra-se arriscado de se
2
ESPADA, H. L. A Micro-História Italiana: escalas, indícios e singularidades. Ed. Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, 2006. p. 239.
3
GARCIA, A. op. cit., p. 15-16.
xxii
Esse modelo é baseado na hipótese de uma família conjugal que, segundo o tempo
transcorrido desde o matrimonio, deve primeiro manter os filhos que nascem, em média a cada três
anos, como exclusivamente consumidores, até a partir desta data, progressivamente a relação
consumidores/produtores melhora até chegar a quando, sendo a mãe mais fecunda, todos os filhos
são ao mesmo tempo consumidores e trabalhadores.
Essa relação consumidores/trabalhadores é de fato a regra fundamental que nos permite
avaliar as escolhas de cada família: escolhas de agregação e desagregação, de contratação de
servos ou de agregação de parentes, de expulsão, temporária ou definitiva, de membros. E podemos
alargá-la para além do esquema da família conjugal para fazer dela uma lei explicativa geral: a
família em cada uma de suas fases corre o risco de sobrecarga de consumidores e pode escolher uma
política corretiva; e isso se verifica, em condições normais, particularmente depois de 12-14 anos de
matrimonio de cada família conjugal que a compõe. 4
Nesse horizonte, Levi constrói a análise sobre a mobilidade populacional, em sociedades pré-
industriais. Para ele, a migração sazonal é uma das estratégias familiares utilizadas para
definitiva. Ainda de acordo com este autor, a migração poderia ser pensada de duas formas: a
migração “normal”, feita por rapazes na fase adolescente para adulta; e aquela praticada, pelos
embargo, nessa dissertação, pensa-se a migração do “ponto de vista da origem, não como uma
conservação”. 5
As formas de lidar com a crise dependiam, em grande parte, das características das
famílias. De acordo com Levi, ao analisar os grupos domésticos, por meio de suas estratégias
compostas por mais de um núcleo familiar – eram “o modo de organização que melhor
4
ESPADA, H. L. op. cit., p. 242.
5
Idem.
6
Ibidem.
xxiii
Quando se coloca a família no centro dos estudos, é preciso perceber que, não é a
relação de parentesco que é importante, mas sim o seu significado social. De sociedade para
outra este significado muda. Dito isso, é através de seu estudo que se torna possível
compreender: como a família se reproduz, o que a afeta e porque se modifica.7 Parte-se aqui
do mesmo princípio de Ana Rios, na qual a família é um grupo social ativo, capaz de interferir
socialmente. 8
Nesse trabalho, optou-se por utilizar as mesmas três nomenclaturas de Rios para
pela relação mãe e/ou pai e filhos solteiros ou sem família formada. Na segunda categoria,
encontra-se a família ampliada, que agrega os filhos com famílias próprias e outros parentes
de mesmo sangue; como os avós, tios, primos, entre outros. Por último, está a família
estendida, que no grupo familiar considerado, inclui pessoas que não possuem vínculo
consangüíneo. 9
Nesta parte, serão levantadas questões relevantes, de trabalhos acadêmicos, que tratam
sobre o campesinato negro no período do pós-abolição. Os estudos mais recentes têm nas
Américas, o foco central. Nesse sentido, Rebecca Scott, Thomas Holt e Eric Foner vêm
discutindo essa questão, utilizando como base de pesquisa Cuba, Jamaica e Sul dos Estados
Unidos, respectivamente.
7
RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado
em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990. p. 7.
8
Idem.
9
JOHNSON, Ann Hagerman. The impact of market agriculture on family and household structure in
nineteenth century Chili. Hispanic American Historical Review 58 (4): 625-48. 1978 e KUZNESOF, Elizabeth.
Household Economy and Urban Development, São Paulo, 1765 to 1836. Boulder, Colo., Westview Pres,
1986 apud RIOS, A. op. cit., p. 7.
xxiv
Esse período, ainda hoje, é muito caracterizado como o momento da “transição” da mão-de-
obra escrava para a “livre” assalariada. Não obstante, esse termo está ligado a uma posição
evolucionista, uma vez que afirma haver uma substituição automática de um sistema por
trabalhadores assalariados. Ao focalizar apenas neste termo, perde-se na análise toda uma
em muitos locais, agiram de forma a tentar mudar a sociedade em que viviam. Esse parece ter
terras que eles achavam ter direito. Diante destes acontecimentos, pode-se exemplificar, as
medidas tomadas pelo Colonial Office, como a implantação de reformas e a abolição gradual.
10
vida política de seu país. Com o fim da escravidão, após a Guerra Civil americana, Foner
aponta que os libertos buscaram reconstruir igrejas, construíram escolas para negros e
participaram das eleições como votantes. Assim como em 1887, no período da Reconstrução,
quando este grupo realizou uma grande greve que mobilizou milhares de cortadores de cana
11
da Lousiania, desafiando os grandes proprietários. De forma semelhante, os cubanos de
10
HOLT, Thomas. The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938
Baltimore and London: Johns Hopkins University Press, 1992.
11
FONER, Eric. A Short History of Reconstruction, 1863-1877. New York: Harper & Row, 1990.
xxv
terra. Na Jamaica, eles juntaram dinheiro, durante anos, para poder comprar o seu pequeno
pedaço de roça. Acreditava-se, que esses tenderiam a comprar terras mais baratas,
improdutivas, para subsistência e mais distantes das grandes propriedades que tinham sua
produção direcionada para o mercado externo. Contudo, o que se pôde perceber, na Jamaica,
foi um movimento quase que contrário. De acordo com Holt, os libertos e seus descendentes
próximo as paróquias, nos centros urbanos e principalmente perto das plantations. Em suas
roças tentavam aliar uma produção de subsistência com produtos para a venda em mercados
locais. 13
dois fatores: terra e trabalho. Ao comprar a pequena propriedade, em boa parte, as mulheres
saíram do eito das grandes lavouras e, aparentemente, viraram-se tanto para dentro de casa
quanto no trabalho familiar da roça. Na Jamaica, em virtude das terras compradas estarem
localizadas próximas aos grandes exportadores, pode ter permitido, aos ex-escravos, misturar
14
trabalho assalariado com produção familiar independente. A diversificação das formas de
trabalho e de renda pode ter possibilitado, aos libertos, uma maior independência em relação
12
SCOTT, R.J. Além da Escravidão: Investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-
emancipação. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 2005.
13
HOLT, T. op. cit., principalmente capítulo 5.
14
Idem.
xxvi
política, sendo votantes ou mesmo rebeldes. Procuraram obter a pequena propriedade, para
dela retirar seu sustento e renda. Assim, como a mulher e as crianças deixaram o trabalho
coletivo, optando por cuidar do lar e, consequentemente, o trabalho familiar na roça. Todavia,
aparentemente, ao não conseguir obter os seus desejos, uma das estratégias adotadas pelos
liberdade. De acordo com Foner, com a emancipação após a Guerra Civil americana, parecia
que metade da população do sul havia saído pelas estradas. Para este autor, uma das maiores
fontes de orgulho da população negra, nos Estados Unidos, seria a de usufruir o direito de ir e
vir. 15
pareceu aos brancos como uma migração sem destino. Para eles, isso era uma prova de que os
“vagabundagem”. Este autor aponta que, a maior parte dos libertos, não saiu das suas
estratégicos, onde acreditavam conseguir “mais liberdade”. Foner explica que, as cidades e os
municípios sulistas incharam após a Guerra Civil americana, visto que nesses locais era
possível encontrar instituições sociais negras, como escolas, igrejas, sociedades de ajuda
mútua, o exército (formado por soldados negros) e a agência dos libertos. Esses ofereciam
proteção contra a violência, que se tornou tão comum, no Sul dos Estados Unidos. 17
15
FONER, Eric O Significado da Liberdade. Revista Brasileira de História, 8, 1988. p. 14-17.
16
FONER, E. op. cit., p. 14.
17
FONER, E. op. cit., p. 15.
xxvii
visavam encontrar uma alternativa econômica ao trabalho coletivo e rural. Dessa forma, foi
onde podiam diversificar as fontes de renda, com trabalho familiar e assalariado nas
18
plantations. De forma um pouco semelhante, no Sul dos Estados Unidos, muitos libertos
migraram para a cidade em busca de melhores condições de trabalho. Para Foner, esse fluxo
aos empregos menos valorizados. As conseqüências desse processo foram intensas para boa
parte da população de negros, que tiveram de viver em condições indignas nas favelas
A busca pelos parentes motivou boa parte dos migrados nos Estados Unidos. Nada
parece ter motivado mais a imigração no Sul do que o empenho em reunir as famílias,
incompleta, para os libertos, até a reunião dos familiares vendidos como cativos. Em parte dos
casos, as buscas eram fracassadas, pois muitas vezes ao se reencontrar parceiros antigos, esses
Não obstante, a abolição permitiu a boa parte dos migrados reunir novamente seus
familiares, assim como, reafirmar e solidificar os seus laços. Foner apontou que, no período
do pós-abolição, foram muitos os libertos que procuraram legalizar e legitimar suas relações e
o registro e a celebração da união dos escravos, houve uma busca intensa, pelos libertos, para
18
HOLT, T. op. cit.
19
FONER, E. op. cit., p.15-16.
20
FONER, E. op. cit., p. 16.
xxviii
como pessoas que agem e tentam mudar a sua situação, no período do pós-abolição. Dentre
estudada e a que mais apresenta conclusões precipitadas. Aqui, procurar-se atingir uma
experiência única de migração, de uma região que concentrou uma grande população de
escravos após 1850, O vale do Paraíba, para uma região até então no início do século XX
2004 e 2006, sob orientação da Professora Hebe Mattos. Nesse período, durante o contato
com as entrevistas depositadas no Acervo “Memórias do Cativeiro” - feitas por Ana Rios,
Robson Martins e Hebe Mattos - foi possível constatar a existência de muitos relatos sobre a
migração de parentes dos entrevistados. O que mais surpreendeu foram os depoimentos, que
em sua maioria, mencionavam a região da Baixada Fluminense como destino final dos
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da Professora Ana Rios, tentou-se cruzar as
demográficos, de 1872, 1890, 1920 e 1940. Apesar, da presente pesquisa, começar a tratar dos
anos posteriores a 1888, a análise do censo de 1872 torna-se importante, visto que permite
chegar à população de pretos e pardos antes da abolição. Esse foi o último censo, antes do fim
censo posterior só seria realizado trinta anos depois, e esse não informava a cor dos
consenso de que esses apresentam problemas. No entanto, essas são uma das poucas fontes
existentes, para o período; apesar disto, nelas é possível encontrar tendências importantes para
após 50 anos sem qualquer menção a ela. Desse modo, na presente dissertação, selecionou-se
o ano de 1940 como o limite de nossa pesquisa, pois através dos dados, obtidos de outras
Através das fontes orais, procurou-se construir chaves temáticas de forma a obter
21
coincidências narrativas e atingir o processo da migração. Nessa dissertação serão
21
Há toda uma bibliografia sobre a problemática do uso das fontes orais e de como elas podem ajudar na
obtenção de dados sobre experiências e trajetórias pessoais que não foram documentadas por escrito. Neste
sentido ver as principais referências: FERREIRA, M. e AMADO, J. Usos e Abusos da História Oral. Rio de
Janeiro: FGV, 1996; HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. SP: Vértice, 1990; POLLACK, Michael.
Memória e Identidade Social. in: Estudos Históricos. RJ, vol. 5, nº.10, 1992; PRINS, Gwyn História Oral in:
BURKE, P. (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. SP: UNESP, 1992.
22
As entrevistas do projeto Memórias do Cativeiro e as do Projeto Petrobrás Cultural podem ser lidas na íntegra
nos seguintes sítios www.historia.uff.br/labhoi e www.historia.uff.br/jongos/acervo .
xxx
Para o período do pós-abolição, são poucas as fontes que mencionam a trajetória dos
paroquiais de batismo, tanto no Vale do Paraíba como na Baixada. Infelizmente, nos anos
posteriores a abolição, esses assentos se tornaram muito pobres de informações, assim como
não mencionam a cor. A falta desta categoria foi percebida também em outras fontes de
pesquisas. Hebe Mattos, ao trabalhar com uma documentação judiciária, percebeu que, em
boa parte dos casos, a cor só era mencionada nos documentos quando havia necessidade de
qualificar a testemunha. De acordo com a autora, o termo “preto” ou “negro”, em sua grande
maioria, era usado para fazer referência a condição de ex-escravo da pessoa citada na
documentação. 23
O registro civil começou a existir em um ano crucial para o nosso objeto de pesquisa:
em janeiro de 1889. Pode-se apontar como um dos primeiros estudos o de Ana Rios, que
seus dados, a quantidade de registros de casamentos de pessoas negras, ao longo dos anos,
quase inexistiram, dessa forma, ela buscou utilizar como fonte os nascimentos e os óbitos.
Nesses, a categoria cor aparece frequentemente, porém, com o passar dos anos, a sua menção
diminui consideravelmente.
apresentam a categoria cor. Em virtude da análise do objeto de estudo, desta dissertação, estar
de óbitos de cinco em cinco anos. Sendo assim, foram selecionados os anos de 1889, 1894,
1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939; que resultou em um total de quase
23
MATTOS, H. Das Cores do Silêncio: Significados da liberdade no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1995/ Nova Fronteira, 1997. p. 104.
xxxi
12 mil fotos. No entanto, por causa do curto tempo de duração do Mestrado, optou-se por
dado no Access. Nesse banco há 6774 registros de nascimentos de crianças, jovens e adultos,
representatividade delas em relação à realidade. Assim como os censos, os registros civis não
podem ser considerados extremamente confiáveis, como será visto no capítulo 1. Ao analisar
alta de subregistro. Ana Rios fez este cálculo para Paraíba do Sul e encontrou, entre a
população de pretos e pardos, um subregistro ainda maior em relação aos censos. Apesar de
toda a problemática inerente a utilização destas fontes, elas podem demonstrar tendências
primeira parte, desse capítulo, será feita uma análise bibliográfica do tema, enfatizando as
Iguaçu, de modo a comparar com os registros encontrados por Ana Rios, em Paraíba do Sul.
quadro econômico e político, de forma a tentar levantar o que pôde ter atraído à população de
pretos e pardos, para essa região. Na segunda parte deste capítulo, serão analisadas as
experiências e trajetórias pessoais dos filhos e netos de libertos, que migraram do Vale do
xxxii
Paraíba, e se instalaram, mesmo que de forma precária, na Baixada Fluminense, entre os anos
30 e 40. Por último, será construído um panorama dos primeiros anos do pós-abolição no
Município de Nova Iguaçu; para tanto, serão utilizados os registros civis de nascimentos de
arranjos familiares e/ou na busca de identidade civil para si e para seus filhos. Na primeira
parte do texto será feito um panorama da presença de pretos e pardos, em 1939, último ano de
coleta dos registros civis. Em seguida, serão analisados todos os registros tardios. Esses se
dividem em dois: os registros de crianças, jovens e adultos que foram registrados por outrem;
Através desses registros, serão construídas tipologias dos grupos que buscaram legitimar a sua
entre 1930 e 1940, durante o Governo de Vargas, que, aparentemente, permitiram a um grupo
anos de 1872 e 1930. Para tanto, o mesmo será dividido em três partes:
Na primeira parte do texto, será feita uma discussão da bibliografia sobre a passagem
para a liberdade no Vale do Paraíba, utilizando os trabalhos de Stanley Stein, Warren Dean,
Hebe Mattos, João Luis Fragoso e de Ana Rios. Na segunda parte, o texto tratará sobre os
seguindo as trajetórias pessoais dos avós dos entrevistados que tiveram na família as
atingir esse objetivo, serão usados dois tipos de fontes: os censos de 1890, 1920 e 1940 – com
fonte de pesquisa neste trabalho. O objetivo será o de comparar os dados gerais obtidos por
Ana Rios, em sua dissertação sobre Paraíba do Sul, com os dados coletados no Registro Civil
24
Os dois acervos podem ser consultados no seguinte sítio: www.historia.uff.br/labhoi .
25
RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado
em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.
xxxiv
O café
da região. Na segunda metade do século XIX embora a economia cafeeira estivesse no auge,
Para além das pragas que assolaram as fazendas de café no final do século XIX, a
diminuição da oferta de mão-de-obra contribuiu para o início da crise. Com o fim do tráfico
intercontinental de escravos, houve um aumento nos gastos dentro das fazendas, uma vez que
podiam ser amortizados. A compra de maquinarias, para tentar substituir essa mão-de-obra
deficitária, ampliou ainda mais as dívidas adquiridas, pois se mostraram muito mais onerosas
do que era previsto. Para Stein, esses eventos contribuíram para que, na década de 1870, com
causas que levaram ao fim a época áurea da economia cafeeira no Vale do Paraíba.
***
26
STEIN, S. J. Vassouras: Um município brasileiro do café, 1850-1900. RJ, Ed: Nova Fronteira, 1990. p. 253.
xxxv
divisa estadual entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa região é caracterizada pela presença
virtude do clima ameno e da presença de um solo fértil, utilizou-se essas pequenas encostas
encontradas na própria estrutura de montagem das fazendas de café. A repetição das técnicas
ervas daninhas, ferrugem e gafanhotos passaram a ser mais facilmente encontradas em áreas
devastadas. A tentativa de eliminá-las quase sempre era inútil, por conta de inseticidas, na
mesmas encostas, as quais ajudaram no início da plantação do café, foram as piores inimigas
desse tipo de plantação. O sistema empregado pelos fazendeiros previa a derrubada de matas
promovidos pela falta de cuidado, fizeram com que houvesse mudanças climáticas
riqueza mineral e o húmus do solo das encostas para os rios da região. Portanto, as
da região. 28
27
FRAGOSO, J. L. Sistemas Agrários em Paraíba do Sul (1850-1920) – Um estudo de relações não-
capitalistas de produção. Dissertação. (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983. p. 113 e STEIN, S. op. cit., p. 257.
28
FRAGOSO, J. op. cit., p. 113 & STEIN, S. op. cit., p. 257.
xxxvi
longevidade do café, pouco se fez para cuidar da terra. De acordo com Fragoso, “a baixa
quantidade de mata virgem que ainda existia na região, os proprietários não empregaram mão-
de-obra suficiente para sua recuperação. Em vista disso, o dinheiro porventura a ser gasto com
Entre as décadas de 1870 e 1880, o pé de café, até os seus 15, 20 anos, era
aproveitado. 30 No entanto, ao passar dos anos e com a falta de mata virgem, pôde-se notar no
Vale do Paraíba, a presença de fazendas com cafezais de mais de 20 anos. Com o aumento
prejudicados foram os pequenos proprietários, uma vez que os custos exigidos para se manter
a produção tinham aumentado. Desse modo, na tal região, houve uma crescente concentração
No sistema agrário em questão nada foi mais marcante do que a diminuição da oferta
de trabalho. Desde 1850, com a proibição do tráfico interprovincial, a mão-de-obra cativa teve
29
FRAGOSO, J. op. cit., p. 8.
30
STEIN, S. op. cit., p. 260.
31
Ibid., p. 263.
xxxvii
manter suas propriedades. De acordo com Stanley Stein, nesse período, eram poucos os que
ainda acreditavam que o pagamento em salário à força de trabalho livre manteria os lucros. 32
Pôde-se perceber nas fazendas de café, após a década de 1870, o aumento gradativo
das dívidas e a diminuição dos empréstimos. Enquanto os valores dos bens da fazenda, da
uma rápida desvalorização do preço dos cativos. De certa maneira, lograr novos empréstimos
tornou-se difícil para os fazendeiros, visto que sua concessão dependia, em primeiro lugar, da
Entrementes, tais empréstimos não eram acessíveis a todos, visto que para obter essa
maiores dificuldades dos proprietários nos últimos anos da escravidão. A maquinaria tornou-
se dispendiosa, uma vez que os operadores eram escravos despreparados e o sistema agrário
exigia muitos braços, senão todos, para ampliar a plantação e para colher a enorme quantidade
de café. O resultado de todo esse fenômeno foi a inutilização das máquinas graças às dívidas
A crise do café, no final do século XIX, não impôs mudanças significativas ao sistema
agrário de produção. O fim da escravidão não foi o estopim da crise, embora colaborasse no
século XX, o gado passou a ganhar cada vez mais espaço e os pastos tomaram conta dos
32
Ibid., p. 324.
33
STEIN, S. op. cit., p. 276.
xxxviii
fazendeiros.
Do café ao pasto
Entre os anos de 1920 e 1930, a crise do café, a qual se alongara desde a segunda
metade do século XIX, chegou ao auge. Enquanto a região do Oeste Paulista vivenciava o
pela pior crise já enfrentada. Os grandes cafezais, agora desgastados e velhos, já não
produziam o suficiente para manter o lucro, as terras virgens foram praticamente devastadas e
a quantidade de mão-de-obra se mostrava cada vez mais insuficiente para suprir as fazendas.
a renovação das antigas. Apesar das dificuldades acima citadas, houve tentativas de introduzir
novas práticas econômicas na região. No final do século XIX, foram várias as experiências
aponta Stein: incentivadas pela paralisação da produção na região do sul dos Estados Unidos,
por causa do fim da Guerra de Secessão, o governo provincial distribuiu sementes de algodão
açúcar. Não obstante, mesmo com a produção em larga-escala do café, algumas fazendas
34
FRAGOSO, J. L. op. cit., p. 109.
35
STEIN, S. op. cit. p. 274.
xxxix
Mesmo procurando ampliar a produção para comercialização no mercado local, pouco foi
espaço ao longo do século XX. Com a dificuldade de reter a mão-de-obra, nas fazendas, e de
atrair novos trabalhadores, culturas que necessitavam cada vez menos de trabalhadores foram
ganhando espaço. Nesse prisma, pôde-se apontar a plantação de eucalipto e a criação de gado
No final do século XIX e início do XX, a criação de gado despontou como nova
prática econômica na região do Vale do Paraíba. Com a diminuição do cafezal nas fazendas, a
terra a ser valorizada, ou seja, os pastos passaram a ter uma participação maior na valorização
Ora, o processo pelo qual o café era feito, foi devastador no que tange ao solo.
Portanto, o que provavelmente restaria a fazer era criar gado. De acordo com Fragoso, como
na região”. 38 Dessa forma, o gado se desenvolveu sobre o que “sobrou” do sistema agrário de
exportação. 39
Algumas dúvidas ainda não foram esclarecidas sobre esse período. Seria o pasto
realmente a única alternativa para aqueles fazendeiros? Sendo o gado uma criação de forma
36
Ibid., p. 275.
37
FRAGOSO, J. op. cit., p. 147.
38
Ibid., p. 152.
39
STEIN, S. op. cit. p. 333.
xl
estrangeira; então, por que pouco contingente foi direcionado para a região do Vale do
Paraíba? Os trabalhadores não conseguiram se fixar na região por falta de trabalho e/ou por
Questionamentos à parte, entre os anos de 1920 e 1940, diante desse processo de crise
Janeiro. No período pós-abolição, quando o sistema econômico do café ainda tentava ser
ordenado, muitos libertos se deslocaram tanto para São Paulo quanto para o leste do Rio de
Janeiro. Nesses locais, de acordo com Stein, parte dos fazendeiros conseguiu arcar com altos
Ao olhar tais áreas, durante as primeiras décadas do século XX, pouco se atentou para
o que efetivamente aconteceu com os libertos e seus descendentes saídos do Vale do Paraíba.
A maior parte dos estudos, já datados, privilegiou a pesquisa sobre a importância da mão-de-
trabalhos mais atuais tendem a focar o período que vai somente até a década de 20, buscando
do gado na região do Vale do Paraíba e seu desenvolvimento, mas também sobre as outras
40
STEIN, S. op. cit. p. 304.
41
Um dos estudos mais significativos, neste sentido, foi: COSTA, Emília Viotti Da Monarquia à Republica:
Momentos decisivos. São Paulo: Livraria e Editora Ciências Humanas, 1979.
42
As seguintes produções tratam especificamente deste tema: RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias
negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990; RIOS, A. My Mother Was a Slave, But Not Me:
Black Peasantry and Local Politics in Southeast Brazil, c. 1870-c. 1940. Doutorado. (Doutorado em História da
América) University of Minnesota, 2001; MATTOS, H. Marcas da escravidão: Biografia, Racialização e
Memória do Cativeiro na Historia do Brasil. Tese para professor Titular no Departamento de Historia da UFF.
Niterói, 2004 e RIOS, A. & MATTOS, H. Memórias do Cativeiro: Família, Trabalho e Cidadania no Pós-
Abolição. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 2005;
xli
força de trabalho dos libertos e de seus descendentes nas economias prósperas no Estado do
Rio de Janeiro.
1.1.2 População
Censos
ao início do século XX, esteve intimamente ligada ao período da escravidão, à crise do café e
Janeiro, serão utilizadas três regiões de importância econômica do Vale do Paraíba como
Tabela 1.1 – População total recenseada. Paraíba do Sul, Entre Rios, Valença, Vassouras, Iguassú e Estrella.
43
Em 1940 foi somado o Município de Entre Rios.
44
Em 1872 foi somado o Município de Estrella com o de Iguassú.
xlii
Nos últimos anos de escravidão no Brasil, a presença de pretos e pardos era muito
censo contabilizou a existência de 47.131 pessoas das quais 60% eram escravos. Somando
escravos e população livre de pretos e pardos, chega-se ao total de 35.898 pessoas, ou seja,
composta por pretos e mestiços, essa região contabilizou 22.898 pessoas, ou seja, 68,1% da
população. Desse modo, a partir de tais dados, pode-se retirar duas conclusões sobre a
Tabela 1.2 – Porcentagem da população classificada como preta e parda nos censos. Paraíba do Sul, Valença e
Baixada.
1872 e de 1890 aparentemente diminui, indicando que, além da presença contundente de uma
conturbados. Esse fato pode ser observado a partir do “Quadro demonstrativo da população
presença maciça de fazendeiros do Vale do Café utilizando escravos até os últimos dias. 46
45
Na presente dissertação optou-se por utilizar a terminologia de época existente nos registros e nos censos.
Grosso modo serão utilizados para essa população: pretos e pardos.
46
RIOS, A. op. cit., 1990, p. 22.
xliii
censo de 1872 em Paraíba do Sul, o equilíbrio entre os sexos pôde ser encontrado nas faixas
A esse fato, é mister salientar que, a partir de 1871, não nasceriam mais cativos; dessa
forma, o último escravo nascido antes da lei teria 17 anos em 1888. De acordo com Rios, seria
município de Paraíba do Sul possuía entre 17 e 46 anos, uma vez que, em 1872, na faixa etária
entre 1 e 30 anos está compreendido 62,9% dos escravos. 48 Isso significa que, uma vez livre,
que a população negra, ao longo dos anos, deixou de ser maioria. Se, em 1872, os pretos e
pardos representavam 76,1% da população, em 1940, este número reduziu para 48%. Deveras,
Os censos posteriores, de 1900 e de 1920, não traziam informações sobre a cor dos
1940. Entre as discussões atuais, muito se critica sobre o emprego dos recenseamentos de
1890 e de 1920 nas pesquisas demográficas. O primeiro sofreu grandes problemas em sua
execução, pois a recém instalada República ainda não havia organizado os trâmites
47
Ibid, p. 21.
48
Idem.
49
RIOS, A. op. cit., 1990, p. 23.
xliv
50
necessários para a realização do censo. Em razão da falta do retorno de informações das
1890, os estudiosos tomam os seus dados como subestimados. Entretanto, no que concerne
aos dados do recenseamento de 1920, estes parecem estar superestimados em relação àqueles.
Desse modo, torna-se difícil utilizar tais dados, como indicativos de uma movimentação
populacional, em virtude das grandes disparidades. Todavia, nesses censos, grosso modo, é
possível encontrar algumas tendências, que são reveladoras de aspectos muito interessantes
Fluminense.
1890 e 1920 (figura 1.1), esse período caracterizou-se pela introdução do gado na região.
Praticado em moldes extensivos, necessitando cada vez mais de pastos e sem cuidados
de-obra. Aliada à crise da cafeicultura e às novas formas de produção, entre 1920 e 1940,
Figura 1.1 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença e Vassouras.
50
SENRA, Nelson de Castro História das Estatísticas Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, Centro de
Documentação e Disseminação de Informações, 2006.
51
No censo de 1940, Entre Rios aparece como um Município autônomo de Paraíba do Sul. Aqui, optou-se por
somar a população dos dois municípios.
xlv
160000
140000
120000
100000
Paraíba do Sul
80000 Valença
Vassouras
60000
40000
20000
0
1872 1890 1920 1940
1940 (figura 1.2). Entre esses dois anos, a população saltou de 33.396 pessoas para 140.606 -
Figura 1.2 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença, Vassouras e Iguassú.
52
Os aspectos econômicos e sociais da Baixada Fluminense, nessas décadas, que podem ter atraído a população,
serão discutidas amplamente no capítulo 2.
xlvi
160000
140000
120000
100000
Iguassú
Paraíba do Sul
80000
Valença
Vassouras
60000
40000
20000
0
1872 1890 1920 1940
ao longo do tempo, o mesmo não pôde ser dito em relação à Baixada Fluminense. De acordo
com os censos, em 1872, no Município de Iguassú e Estrella, os pretos e pardos eram 8.285
pessoas, ou seja, 26,1% da população (tabela 1.2). Todavia, em 1890, a presença da população
de pretos e mestiços passou a corresponder 65,3% da população. 53 Enfim, para 1940, o censo
informava que dentre as 140.606 pessoas recenseadas, 68.482 (48,7%) são pretos e pardos.
Ao exame desses censos, é lícito supor alguns dados gerais sobre a região do Vale do
abolição, na região do Vale do Paraíba. Da mesma forma, a partir da década de 20, percebe-se
53
Apesar deste salto, deve-se relembrar o problema levantado anteriormente do censo de 1890.
xlvii
Através dos dados do Município de Iguassú e Estrella, não parece acertado construir
população para a mesma. Todavia, ao longo desta dissertação, pretende-se demonstrar que tal
Paraíba e as primeiras décadas do século XX, respaldado nas trajetórias de vida de ex-
famílias que tiveram, pelo menos, uma migração em seu meio. Para alcançar tal objetivo,
Fluminense.
e/ou pais que passaram pela experiência do cativeiro. Os entrevistados tiveram algum contato,
mesmo que na infância, com os ex-escravos e/ou familiares, que possuíam memória sobre o
tempo do cativeiro. 55
54
Aqui, deseja-se diferenciar os termos “estabelecimento” de “estabilização” que serão empregados durante a
dissertação. O termo estabelecimento, aqui, possuiu a característica de representar as famílias que
permaneceram, mesmo que precariamente, em seus locais de origem durante curto espaço ou longo espaço de
tempo, antes de migrarem. Para estabilização, considera-se as famílias que, após um período conturbado de
mudanças constantes, conquistaram a estabilidade definitiva em uma região diferente da de origem.
55
Recentemente, Ana Rios procurou demonstrar como foi possível, na década de 1990, colher depoimentos de
netos e filhos de ex-escravos, os quais possuíam uma memória familiar sobre seus ascendentes africanos: RIOS,
A. Não se esquece um elefante: nota sobre os últimos africanos e a memória d’África no Vale do Paraíba. In:
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; JUCÁ, Antônio Carlos; CAMPOS, Adriana. Nas Rotas do
Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006.
xlviii
Posteriormente, esse processo será reconstruído até a década de 30, com a finalidade de
Os últimos anos
do senhor. E isso foi sentido, em parte, pelos fazendeiros que buscavam de alguma forma,
manter os escravos em suas propriedades, visto que as fugas em massa se tornaram uma
constante.
Entrando nos últimos anos da escravidão no Vale do Paraíba, pode-se perceber como
familiares. Em 1869, foi aprovada a Lei que garantia aos escravos a permanência das relações
entre casais, e consequentemente, proibia a separação dos filhos até completarem os 12 anos.
Efetivamente, nenhuma lei fortaleceu tanto a comunidade escrava como a Lei do “Ventre-
56
Livre”; ora, pela primeira vez havia um sinal claro para os cativos de que a escravidão
Com a intromissão, cada vez maior do Estado, na relação senhor - escravo e com a
criação de Leis que impediam um controle maior da escravaria, a vida dos fazendeiros ficou
mais difícil. Para os escravos, os direitos, considerados costumeiros, passaram a ser positivo.
Tais leis abalaram o poder moral dos escravistas, no Vale do Paraíba, consideravelmente nos
56
Para uma discussão ampliada sobre o impacto da Lei Rio Branco, ver: RIOS, A. & MATTOS, H. Op. Cit. p.
89 e CHALHOUB, S. Visões de liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
xlix
anos anteriores à abolição, e pôde-se constatar diversos conflitos que acabavam em revoltas e
fazendeiros, de que a escravidão estava prestes a findar, não foi possível conter os diversos
procuraram controlar os trabalhadores “livres” através de laços de gratidão, aliando uma idéia
corriqueiras em algumas regiões. Entre 1885 e 1887, Dean calculou que, aproximadamente,
10% da população cativa se deslocou do Município de Rio Claro em direção aos centros
generalizada. Pela primeira vez, os escravos conduziam armas de fogo e, ao invés de fugir à
No caso de São Paulo, o “grande medo” tomou a região do Vale do Paraíba. A força
policial foi acionada durante tal período para amenizar os ânimos e manter tranqüilos os
província que designasse uma guarnição militar permanente no Município, com a finalidade
57
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os movimentos sociais na década da abolição. Rio de
Janeiro: EDUFRJ, 1994.
58
MATTOS, H. Das Cores do Silêncio. Significados da liberdade no Brasil escravista. Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, 1995/ Nova Fronteira, 1997. p. 268.
59
Idem, principalmente capítulo IV.
60
DEAN, W. Rio Claro: Um Sistema Brasileiro de Grande Lavoura (1820-1920). Rio de Janeiro, Ed.: Paz e
Terra, 1977. cap.: 4 e 5.
l
escravidão foi compartilhada entre escravos e senhores. Com o fim do tráfico atlântico e com
escrava dentro dos grandes plantéis, além da construção de uma determinada visão de
liberdade. 63
permaneceu na mesma fazenda até o período posterior a abolição. Vô Dionísio nasceu no dia
Cresceu junto a seus pais na fazenda São José, mesmo local onde nasceram seus filhos e netos
(figura 1.3). Eles tiveram, nessa fazenda, mais cinco filhos. Ainda no período da escravidão,
nasceu o primeiro irmão de Dionísio, Geraldo Preto, registrado na Igreja de Santa Isabel do
65
Rio Preto no dia 3 de abril de 1870. Os outros cinco irmãos nasceram após a Lei do
sobre as suas vidas, foi retirada dos depoimentos coletados na Fazenda São José. A família de
mesma fazenda.
61
Idem, p. 125.
62
MACHADO, Maria Helena op. cit.
63
Para uma discussão melhor sobre as Visões de Liberdade, ver a introdução desta dissertação.
64
Livro II de Batismo, fl. 13, termo 29 – 20/05/1866, AESIRP.
65
Livro II de Batismo, fl. 41, termo 40 – 03/04/1870, AESIRP.
66
Livro III de Batismo, fl. 98v., termo 27 – 17/04/1881 e Livro III , fl. 145, termo 7 – 10/01/1886, AESIRP.
li
Figura 1.3 – Genealogia da Família de Dionísio Antonio Fernandes - Santa Isabel do Rio Preto, Valença, RJ.
Fonte: Arquivo Eclesiástico da Igreja de Santa Isabel do Rio Preto, RJ. Parcialmente publicada em MATTOS,
H. op. cit. 2004.
escravidão e como elas foram construídas. A finalidade dessas pesquisas era a de perceber
quais eram os benefícios que uma comunidade ampla nas senzalas trazia para senhores e
67
escravos. Dentre os diversos temas de família escrava, optou-se, aqui, por discutir a
relação dentro das fazendas entre as nações africanas era de extrema instabilidade. Parte disso
feminino. Essa tensão permanente fez com que os africanos e escravos percebessem a
senzalas.
67
Para uma melhor e extensa discussão sobre as relações parentais e não-parentais nas propriedades escravistas
ver: FLORENTINO, M. e GÓES, J. R. A paz nas senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro,
c. 1790 - c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1997 e SLENES, Robert. Na Senzala Uma Flor:
Esperanças e recordações na Formação da Família Escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
lii
de 1835, era escrava do Senhor Antenor Souza Vieira, proprietário da Fazenda Carioca em
Vassouras no Vale do Paraíba. No cativeiro, casou-se, pela primeira vez, com o também
escravo Sebastião, que lhe deu seis filhos: Maria, Pedro, Horácio, Celina, Marcelino e Joana.
Aparentemente, o relacionamento desses durou pouco tempo, tanto que, na memória familiar,
pouco se fala sobre o avô Sebastião, apenas lembrado pela sua cor e condição de escravo. 68
Ainda durante o período da escravidão, Dona Umbelina casou-se, pela segunda vez,
agora com o “sinhozinho”, proprietário da Fazenda Carioca. Antenor era filho de franceses,
proprietários de fazendas de café em Vassouras. Nesse casamento, Dona Umbelina teve mais
Para além dos laços parentais, uma outra forma de constituir redes de sociabilidade foi
aumentar as redes sociais, muitos escravos escolhiam, para padrinhos de seus filhos,
companheiros mais velhos que possuíam maior influência nas senzalas e/ou livres e libertos.69
população de pretos e pardos no Vale do Paraíba. Nessa região houve pouca imigração
estrangeira, e a falta de mão-de-obra já era sentida desde a época na escravidão. Para manter
em suas propriedades essa mão-de-obra nacional, na qual boa parte era provinda da
escravidão, uma das estratégias adotadas, nesse período, pelos proprietários foi a doação de
68
Poucos familiares sabiam do nome do primeiro avô. Após entrevistas com outros familiares de Dona Yvone,
chegamos ao seu nome: Sebastião.
69
Para uma melhor discussão sobre compadrio ver: RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em
Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.
liii
70
terras. Antenor, esposo de Dona Umbelina, diante da crise do café e da economia no Vale
do Paraíba, doou boa parte de suas terras para seus escravos. Em menos de cinco anos após a
abolição, ele faleceu e as suas terras foram divididas entre os filhos do primeiro e do segundo
casamento de Dona Umbelina. Até os dias de hoje parte da família ainda vive nas terras em
Vassouras.
acesso à terra própria. Na maior parte dos casos, este grupo não procurou possuir pequenas
roças para apenas viver da subsistência. De acordo com Rebecca Scott, os ex-escravos e seus
descendentes buscaram maximizar os seus ganhos a partir da propriedade e/ou posse da terra,
71
porém de uma forma bem diferente da teoria do liberalismo. No caso da Jamaica, os
libertos trabalharam durante anos para comprar pequenos pedaços de terra, buscando, assim,
adquirir terras mais baratas, produtivas e perto dos grandes centros exportadores. 72
Decerto, comprar e/ou adquirir o pequeno pedaço de terra não invalidava a busca pelo
roça, para subsistência e para venda nos mercados locais, com o emprego público e/ou nas
73
grandes propriedades exportadoras. Ora, os ex-escravos e seus descendentes optaram,
uma dentre as várias estratégias para tentar diminuir as incertezas diante do novo contexto de
pós-abolição.
70
Sobre estratégias senhorias para estabilizar a mão-de-obra na passagem da escravidão para a abolição ver:
MACHADO, Maria Helena op. cit. e SLENES, Robert; FRY, Peter e VOGT, Carlos. Cafundó: A África no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
71
SCOTT, Rebecca. Emancipação Escrava em Cuba: a Transição para o Trabalho Livre, 1860-1899. Rio de
Janeiro/Campinas: Paz e Terra/Ed. da Unicamp, 1991.
72
HOLT, Thomas. The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938
Baltimore and London: Johns Hopkins University Press, 1992. p. 160.
73
SCOTT, R. op. cit., 1991, p. 34.
liv
Pondo em questão o caso brasileiro, a necessidade de colher o café, em 1888, fez com
74
que diversos fazendeiros improvisassem turmas de trabalho. Conforme Stein, nesse ano
seria feita uma das maiores colheitas já vistas no Vale do Paraíba; 75 para isso, os fazendeiros
empregariam vários meios, inclusive judiciais, para manter a mão-de-obra dentro das
propriedades. Muitos ex-cativos foram presos por vadiagem, outros disputados entre
76
proprietários. Contudo, ao passar dos anos, parece acertado que a maior parte dos libertos
processo de transição para o trabalho “livre”. É lícito supor que a maior parte dos
trabalhadores no Vale do Paraíba, após 1888, era composta por ex-escravos e seus
descendentes. Em muitos casos, esse grupo buscou, através de negociação com o patrão, aliar
subsistência e para venda em mercados locais. Esse foi o caso dos filhos de Umbelina e de
Antenor que durante as primeiras décadas do século XX, usufruíram das terras doadas,
Ao longo dos anos, diante da crise do café, ao que tudo indica, não foi possível mais
obter trabalho nas propriedades próximas aos locais de moradia. Diante das dificuldades,
Dona Amélia, filha de Umbelina, deu sua terra a uma pessoa que também pudesse tomar
conta dos seus filhos, para que ela pudesse procurar emprego nas cidades próximas. O mesmo
aconteceu com seu outro filho, que trocou seu lote por uma criação de porco de seu vizinho. 78
74
Neste sentido falam: MATTOS, H. op. cit., 1997; DEAN, W. op. cit. e STEIN, S. op. cit.
75
STEIN, S. op. cit., p. 303.
76
MATTOS, H, op. cit., 1997.
77
No capítulo 3 de seu Livro, Ana Rios discute a lógica dos contratos entre proprietários e trabalhadores Rurais.
Ela levantou as diversas formas de trabalho empregados no início do século, como o trabalho de turma, a
empreitada, parceria, arrendamento, entre outras. Eram em sua maioria contratos verbais que os tornavam por
vezes muito instáveis. RIOS, A. e MATTOS, H. op. cit., capítulo 3.
78
Entrevista concedida por Dona Yvone Reis em Mesquita, 2006.
lv
obter pastos, ganhou mais força. Diante da extrema pobreza, a primeira geração de filhos
nascidos no pós-abolição não encontrou as mesmas oportunidades que seus pais, isso pode ter
Para o período do pós-abolição, Rios deparou-se com três tipos de trajetórias nos
depoimentos por ela coletados. No primeiro, ela encontrou, na região do Vale do Paraíba,
comunidades negras que, de alguma forma, conseguiram se manter nas mesmas fazendas
onde seus pais e avós foram colonos e, em alguns casos, até mesmo escravos. No segundo, ela
estabilizar. Já no terceiro, nas entrevistas coletadas, ela encontrou famílias que foram privadas
do o direito de trabalhar e de ter a própria roça. Nesse último caso, há relatos de duas formas
relatadas possuíram motivações e naturezas múltiplas; pode-se afirmar, inicialmente, que elas
foram geradas, desde a abolição, pelo desmantelamento das fazendas de café, com a entrada
79
Para uma melhor exploração sobre essas categorias ver: RIOS, A. & MATTOS, H. op. cit., 2005. p. 215-222.
80
Ibid, capítulo II.
lvi
Manoel relembra muito bem a época em que os moradores antigos da Comunidade São José
da Serra foram transferidos pelo fazendeiro para as outras terras em São Paulo e para o
entorno da São José. Nessa ocasião, Vô Dionísio passou a trabalhar na Fazenda Empreitada e
Rios explorou as motivações que podem ter levado a essa movimentação constante de
tal grupo. Em um primeiro momento, ela citou que essas mudanças ocorriam desde a época da
colônia e possuíam diversas motivações. 81 Por causa da natureza do tipo de trabalho, em sua
maioria de parceria e empreitada, e da forma da plantação das mudas de café, que utilizava a
queimada como forma de preparar a terra, esses trabalhadores tendiam a mudar quase sempre
de trabalho e de moradia. 82
As novas produções, que entravam no lugar dos cafezais, podem ter motivado a saída
antes dominada por cafezais envelhecidos no Vale do Paraíba, e os arranjos de trabalhos, pois
tal tipo de plantação necessitava de muito menos braços do que a plantação de café. Pode-se
usar como exemplo o caso da família de Dona Sebastiana, moradora de Paraíba do Sul, que se
mudou da fazenda onde, residia graças à expansão da plantação de eucalipto sobre suas roças.
83
Para além do eucalipto, nada transformou mais vida do campesinato negro do que a
criação de gado. No caso de Dona Umbelina, boa parte dos seus 12 filhos não conseguiu se
terras, para aumentar a área de pasto de suas propriedades, e avançaram sobre os pequenos
lotes. Mesmo proibidos pela escritura de vender, muitos dos filhos de Dona Umbelina
81
Ibid, p. 227, ver, principalmente, nota 30.
82
Ibid, p. 228.
83
Entrevista: Dona Sebastiana, 1995, MC.
lvii
abdicaram de suas terras em prol de uma pequena quantia de dinheiro; por exemplo, o caso da
Tia Adélia que vendeu seu último lote para comprar um pequeno terreno em Anchieta, na
Iguassú. 84
Porém, a maior parte dos relatos sobre a saída do campo versa sobre a violência. Esse
foi o caso do pai de Cornélio Cansino que, por ter deixado de trabalhar um dia na turma da
fazenda, o proprietário mandou derrubar as cercas da roça e lançou o gado para acabar com a
pequena lavoura. História muito semelhante aconteceu com os pais de Manoel Seabra que
eram constantemente ameaçados de terem suas casas queimadas, pelos patrões, se não
Através das entrevistas, é possível perceber que uma das maiores motivações para a
migração foi a privação do acesso à roça própria. Uma das entrevistas mais sintomáticas nesse
sentido foi a realizada com Dona Leontina e concedida a Ana Rios, em Cachoeiras de
Porque os fazendeiros parou de dar terra. Só que nessas terrinhas agora trabalha com boi,
né? Trabalhar com os colonos, com os empregados, não. Pra trabalhar com boi, pra plantar
capim, então não dá mais. Agente vai fazer o que? Na roça ganhar um salário lá né, pra
plantar capim, sem direito a plantar uma comida, sem direito a plantar nada. [grifo meu]
Então, acharam... Meu pai né... As mulheres trabalharam como empregada e meu pai,
chegaram pra rua também. Daí comprou esse terreninho aqui e fez um barraquinho pra
gente. Nós estamos trabalhando de empregada de família. E meu pai foi trabalhar de
86
padeiro.
é a de que apenas o trabalho não era suficiente para sobreviver na região. Além de possuírem
uma roça de subsistência, aparentemente, era necessário complementar a renda com a venda
84
Entrevista: D. Yvone, 2006, AP.
85
Para uma melhor compreensão sobre a relação patrão-empregado no pós-abolição ver: capítulo 3 de RIOS,
Ana e MATTOS, H. op. cit.
86
Entrevista: Dona Leontina, sem data, MC.
lviii
de seus excedentes. Em segundo lugar, é lícito supor que um dos precursores para o êxodo no
Vale do Paraíba pode ter sido a extinção e/ou proibição da roça própria.
Sem embargo, esse tipo de hipótese ainda precisa de muito mais estudos concernentes
Muito se discutiu sobre a necessidade de pouca mão-de-obra nesse tipo de cultivo, mas pouco
sobre a existência e a importância da mão-de-obra nacional nessa região. Ainda hoje faltam
trabalhos sobre a relação entre o pasto e a mão-de-obra, em como ela realmente interferiu na
relação fazendeiro-trabalhador livre e se realmente foi a responsável pela expulsão de tal mão-
de-obra.
Migrar
Nesta última parte, serão acompanhadas as trajetórias pessoais dos libertos e de seus
pretende-se construir um perfil das famílias e dos migrados, evidenciando suas experiências e
trajetórias.
Um dos principais marcos nas entrevistas são as divisões familiares. Se, no exato pós-
abolição foi possível construir relações familiares nucleares e estendidas, nos anos posteriores
Vô Dionísio saiu da Comunidade e fez uma “rocinha” na Fazenda da Empreitada, onde criou e
casou boa parte dos seus filhos. Entretanto, ao longo dos anos 1920, viu seus filhos homens,
87
Manoel: Livro IV, fl. 181, termo 8 – novembro de 1898, AESIRP; José: Livro V, fl. 37, termo 4 – 23 de
setembro de 1903, AESIRP e Joaquim: Livro V, fl. 89, termo 73 - 3 de março de 1908, AESIRP.
lix
Com a diminuição dos empregos na lavoura, houve uma busca por novos arranjos de
emprego na empresa de energia elétrica do Rio de Janeiro, a Light. Com os dois trabalhos,
teve a primeira oportunidade de sair do Vale do Paraíba, morando uma parte da vida no
Fluminense. 88
Os novos arranjos de trabalho, que surgiam com o avanço urbano no Vale do Paraíba e
no Rio de Janeiro, podem ter ajudado a transferir boa parte dos libertos e de seus descendentes
para outras áreas do Estado. Esse foi o caso de Antonio Silva, filho de Dona Umbelina,
nascido em 1912: trabalhou alguns anos na Estrada de Ferro Central do Brasil até que, em
1936, foi transferido para Morro Agudo, no Município de Iguassú. Nesse local, conheceu sua
esposa e ganhou do emprego uma pequena casa junto ao local de trabalho, na linha férrea.
arquivadas, no Acervo “Memórias do Cativeiro”, Rios percebeu que a maior parte dos
membros da família que não permaneceram na mesma região onde seus pais cresceram, são
89
os filhos da primeira geração de libertos, nascidos no pós-abolição. De certo, entre as
famílias entrevistadas foram poucos os filhos da primeira geração que trabalharam na roça no
Vale do Paraíba. O primeiro argumento seria, como já fora mencionado neste capítulo, a falta
na roça.
88
Entrevista: Cornélio Cansino, 1995, MC.
89
RIOS, A. História Oral e Migração – um debate metodológico. (mímeo)
lx
nasceram entre os anos de 1890 e 1920. Esses ao chegarem à fase do trabalho, ou seja, entre
14 e 20 anos, possivelmente não encontraram a mesma situação que seus pais vivenciaram no
fim da escravidão. Isso significa que, para eles houve certo impedimento ao acesso à roça
pode ter avançado sobre as terras livres e a pequena roça, sobrevivente de seus pais, não era
suficiente para suprir todos os familiares. Uma das soluções encontradas por esse grupo pode
ter sido a migração para outras áreas, em busca de novos arranjos de trabalho.
Nas entrevistas coletadas, é possível perceber que, nas primeiras décadas do século
XX, ocorreram às primeiras migrações, na maior parte com destinos incertos. O pai de Dona
Esperança, Seu Simão, ao ser proibido pelo proprietário da fazenda de construir sua casa na
Barra do Piraí. Não conseguindo estabilidade no estabilidade no local, visto que muitos
proprietários ainda estavam mandando seu empregados embora, deixou a cidade e foi para
Santa Cruz onde, pela primeira vez, comprou uma casa. Veio a falecer em São Gonçalo, na
Entre os anos de 1910 e 1930, a partir das entrevistas coletadas, identifica-se uma
migração ainda não definitiva. Apesar da possível negação do trabalho na roça e a busca por
novos arranjos de trabalho, nesse período a migração foi caracterizada pelo trabalho sazonal
em outras regiões fora do Vale do Paraíba, contando sempre com o retorno para a casa dos
pais ou da comunidade de origem. 91 Nas primeiras décadas do século XX, o primeiro filho de
90
Entrevista: Dona esperança, 1993, MC.
91
ESPADA, H. L. A Micro-História Italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Ed. Civilização
Brasileira, 2006. p. 242.
lxi
laranja. Aos poucos ele levou os outros irmãos para ajudar no novo trabalho; porém, todos
Neste ponto, é importante salientar a figura da primeira pessoa que se estabiliza fora
do Vale do Paraíba. Ao longo dos anos, principalmente entre os anos 30 e 40, essa migração
arrecadado nos novos arranjos de trabalho, das novas oportunidades de emprego e com o
estabilizar definitivamente em diversas regiões. Na década de 30, Seu Ormindo comprou uma
casa em Belford Roxo e para lá levou seus irmãos e seu pai. A sua casa se tornou um ponto
central, onde os parentes que desejavam sair do Vale procuravam em primeiro lugar.
se estabilizar na Baixada Fluminense, suas casas se tornaram ponto de encontro dos familiares
que buscavam alternativas de sobrevivência. Até os dias de hoje, praticamente uma rua inteira
de forma contundente, as memórias familiares. Para os que ficavam, quase sempre avós ou
pais que não conseguiram ou não quiseram sair da lavoura, o medo do sumiço dos familiares
permanecia latente em suas memórias. Quase sempre os familiares são lembrados da seguinte
forma: “Não sei se é morto ou se é vivo”. Uma história bem emocionante aconteceu com
Izaquiel Inácio, que havia perdido contato com uma irmã ainda muito jovem. Sua irmã foi
para o Rio de Janeiro buscar trabalho em casa de família e nunca mais deu notícia sobre seu
paradeiro. Seus pais, preocupados, escreveram cartas para ela, colocaram anúncios no jornal,
tudo em vão. Todos os dias, sua mãe chorava sentindo falta da filha e, infelizmente, os dois
92
Entrevista: Izaquiel Inácio, 1994, MC.
93
Entrevista: Florentina Seabra do Nascimento, 2006, AP.
lxii
morreram sem saber notícias dela. Em um dia, o filho dessa irmã foi até Paraíba do Sul tirar
um documento que ela precisava e, chegando ao cartório, a escrivã, que era muito amiga de
seu Izaquiel, disse ao rapaz que ele tinha parentes ali na região e perguntou se ele os conhecia.
Obtendo uma resposta negativa, ela indicou o local onde ele morava. Chegando à residência
de Izaquiel e conversando sobre a irmã, ele se emocionou muito ao relembrar todos os dias
nos quais a mãe chorava por falta da filha. A partir desse dia, eles voltaram a se comunicar e a
referência a parentes próximos e distantes que saíram do Vale do Paraíba e tiveram como
encontrar essa estabilização, começando na década de 20 e finalizando nos anos 40. Dessa
94
Vide esta passagem na íntegra em anexo.
lxiii
Nesta última parte, será discutida a pertinência das fontes de registro civil de
nascimento para o estudo das famílias de ex-escravos e de seus descendentes. Aqui, optou-se
por dividir o texto em três partes. Na primeira parte, serão apontados os desejos e o meio
pelos quais essa população buscou legitimar suas relações familiares, no período do pós-
abolição. No arquivo eclesiástico, quase sempre utilizado para realizar essa legitimação, os
registros não apresentam a categoria “cor” após 1888. Efetivamente, uns dos poucos registros,
relevância para o estudo das famílias de ex-escravos e libertos. Na terceira parte, serão feitas
de Nova Iguaçu com os obtidos por Ana Rios, em Paraíba do Sul. Trata-se de levantar as
libertos na dissertação.
***
Preto, que em 1889, já com o nome de Geraldo Fernandes, casou-se com Apolinária da
95
Zeferina nasceu no dia 15 de outubro de 1870, filha natural de Paulina, escrava de Francisco Antonio Martins.
Livro II de Batismo fl.35. termo 66, AESIRP.
96
Livro II de Matrimônio fl. 31, termo 59 – 25 de Maio de 1889, AESIRP.
97
Livro II de Matrimônio fl. 34, termo 100 – 28 de setembro de 1889, AESIRP.
lxiv
periódicos após 1888. Através do Diário de Minas, de 25 de setembro, pôde-se perceber tais
números:
Desde 19 de maio a 17 do corrente, quatro mezes mais ou menos, casaramse em São João
Nepomuceno 250 libertos. Em Santa Bárbara, termo da mesma cidade, dizem que o número de
casamentos de libertos subio a 300. 98
registrar toda a sua família. No ano de 1893 Vô Dionísio e Dona Zeferina batizaram sua
100
segunda filha, no Distrito de Santa Isabel, Sebastiana. Seus filhos nasceram após a
abolição, e são: Manoel, José e Joaquim. 101 Brandina Maria, sua primeira filha, como nasceu
no Distrito de Ipiabas, o único registro que menciona o seu parentesco com Dionísio foi o de
seu matrimonio. Nesse assento é possível ver que ela casou aos 14 anos, em 1903, com o
grande amigo de seu pai, Manoel Pereira do Nascimento, ex-morador da Fazenda São José. 102
Nas informações coletadas no Arquivo Eclesiástico de Santa Isabel do Rio Preto, foi
98
SOUZA, Sônia Maria de. Terra, família, solidariedade: Estratégias de sobrevivência camponesa no período
de transição – Juiz de Fora (1870-1920). Doutorado. (Doutorado em História) Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. Apud RIOS, A. & MATTOS, H. O pós-abolição
como problema histórico: balanços e perspectivas. In: Topoi, v. 5, nº. 8, 2004. p. 186.
99
Idem.
100
Livro IV de Batismo, fl. 93, termo 75 – 20 de janeiro de 1893, AESIRP.
101
Manoel: Livro IV, fl. 181, termo 8 – novembro de 1898, AESIRP; José: Livro V, fl. 37, termo 4 – 23 de
setembro de 1903, AESIRP e Joaquim: Livro V, fl. 89, termo 73 - 3 de março de 1908, AESIRP.
102
Livro II de Matrimônio, fl. 81, termo 6 – 23 de Maio de 1903, AESIRP.
103
De acordo com Walter Fraga “os nomes como evidências históricas reveladoras das experiências pessoais,
acontecimentos importantes, visões de mundo, idéias e valores culturais, são destacados por vários autores”.
FRAGA, Walter Filho, Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910),
lxv
104
descrito como inocente e escravo de José Gonçalves Roxo, no entanto, pela primeira vez,
no assento de seu casamento em 1889, aparecia o sobrenome “crioulo” para ele e sua esposa
1899, ambos batizaram seu segundo filho Manoel na Igreja, adotando os seguintes nomes:
105
Dionísio Antonio Fernandes e Zeferina Maria Antonia. Em 1903, no casamento de seu
grande amigo Manoel com sua filha Brandina, Dionísio manteve o nome, porém Zeferina
mudou mais uma vez o seu sobrenome chamando-se Zeferina Maria da Conceição. 106
as suas relações familiares. Após 1888, com a abolição da escravidão, tornou-se difícil
eclesiástica, mais usada para o século XIX, não possuía mais a categoria “cor”. Por outro lado,
Neste sentido, de acordo com Rios, “libertos buscaram [também] regularizar suas vidas
Sendo assim, optou-se, aqui, por utilizar os registros civis de nascimento para
Campinas, Editora da UNICAMP, 2006. p. 295. Na nota 12 este autor aponta toda uma bibliografia sobre a
discussão das escolhas dos nomes pela população ex-escravos.
104
Livro II de Batismo, fl. 13, termo 29 – 20 de maio de 1886, AESIRP.
105
Livro IV de Batismo, fl.181, assento 8 – 20 de janeiro de 1899, AESIRP.
106
Livro II de Matrimônio, fl.81, termo 6 – 23 de maio de 1903, AESIRP.
107
RIOS, A. RIOS, A. Não se esquece um elefante: notas sobre os últimos africanos e a memória d’África no
Vale do Paraíba. In: FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; JUCÁ, Antônio Carlos; CAMPOS, Adriana.
Nas Rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa:
IICT, 2006. p. 668.
lxvi
serão analisadas, no texto a seguir, sua estrutura de funcionamento, as leis que o regiram, e as
Legislação
estatísticas oficias sobre a quantidade de imigrantes aportados e da população do país por ano.
O registro civil seria uma forma de substituir os censos, uma vez que os mesmos eram
posteriormente, mais dois decretos foram feitos para tentar, de todas as formas, regulamentar
os registros de nascimento, casamento e óbito. 109 O último seguiu para a Assembléia Geral, e
por lá ficou por muito tempo até ser aprovado. Contudo, o decreto que colocou em prática o
impôs regras para o registro. De acordo com o Art. 6, os empregados do registro civil não
deveriam inserir, nos assentos, senão aquilo que os interessados declarassem. As partes
108
Decreto n.º 798 de 18 de junho de 1851. SENRA, N. C. História das Estatísticas Brasileiras. Rio de
Janeiro: IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2006. p. 88.
109
São eles: o decreto n.º 907 de 29 de janeiro de 1852 e o decreto nº. 5.604 de 25 de abril de 1874.
110
Todos os decretos e leis mencionados na presente dissertação foram consultados em SENRA, N. C. op. cit.
lxvii
residência fosse longe do local de registro, esse prazo poderia ser estendido para até 60 dias
(Art. 53). O declarante deveria ser, em primeiro lugar, o pai da criança, se esse estivesse
impossibilitado, era dever da mãe fazer o registro; se ambos não pudessem declarar, algum
parente próximo deveria se apresentar ao cartório (Art. 57). Somando a essas condições, os
livros deveriam ter, no máximo, 200 folhas e deveriam ser fornecidos pelos poderes estaduais.
no decreto. De acordo com o Art. 58, os registros de nascimento deveriam conter os seguintes
elementos: 1º) O dia, o mês, ano e lugar do nascimento, e a hora certa ou aproximada; 2º) O
sexo do recém-nascido; 3º) O fato de ser gêmeo; 4º) A declaração de ser legítimo, ilegítimo
ou exposto; 5º)O nome e sobrenomes que forem ou houverem de ser postos na criança; 6º) A
declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto; 7º) A ordem de
filiação de outros irmãos do mesmo nome, que existam ou tenham existido; 8º) Os nomes,
lugar onde casaram e o domicílio ou residência atual; 9º) Os nomes, sobrenomes e apelidos de
seus avós paternos e maternos; 10º) Os nomes sobrenomes, apelidos, domicílio ou residência
atual do padrinho, da madrinha e de duas testemunhas, pelo menos, assim como a profissão
Mesmo as diretrizes sendo bem específicas, a maior parte dos escrivões interpretou a
lei como lhes aprouvessem. Diante das dificuldades encontradas pelo DGE – Diretório Geral
o qual visava reformular alguns pontos objetivos do registro civil. Porém, uma vez colocado
aos cartórios pela demora do envio do resumo anual do registro. Todavia, pela primeira vez,
houve menção à inclusão da categoria “cor” nos registros. Mesmo sendo uma novidade, em
questão de decreto, esta prática já vinha sendo realizada por diversos cartórios. Concluí-se daí
que o governo federal parecia muito mais preocupado em receber as estatísticas e os valores
Deveras, não é possível calcular a quantidade de subregistro dessa época, visto que
não eram todas as pessoas que procuravam o registro. Apesar do baixo custo do registros,
entre 5$000 a 20$000, em um país, que, no início do século XX ainda era tipicamente rural,
Sendo assim, mesmo com todos os problemas inerentes ao estudo do registro civil,
esse pode ajudar a chegar às famílias de ex-escravos e de seus descendentes. Apesar de toda a
problemática sobre a construção temporal da categoria “cor” nos registros, ela permite, de
certa forma, atingir, através das crianças pretas e pardas, essa parte da população no Estado do
Rio de Janeiro.
Para o estudo do pós-abolição, Ana Rios lançou mão em sua dissertação, dos registros
pretos e pardos no Vale do Paraíba. Da mesma forma, pretende-se nessa última parte,
111
SENRA, N. C. p. 371.
112
O decreto n.º 18.542 de 24 de dezembro de 1928.
lxix
comparar os dados gerais, obtidos no Registro Civil de Nascimento de Nova Iguaçu, com os
esperar que os dados assentados fossem mudando de cartório para cartório. Rios encontrou
dificuldades no trabalho com os registros de casamento, uma vez que a maior parte não
apresentava a categoria “cor”. Eliminada a possibilidade de usar tais registros, concentrou sua
1889, a população recorreu de forma contundente aos registros, porém, desse ano em diante,
subregistro, Rios descartou qualquer tentativa de estudo demográfico com base no registro
civil. 115
em Paraíba do Sul. Mesmo com os problemas inerentes à natureza dos registros civis, estes
de Janeiro.
Janeiro, entre os anos de 1888 e 1940. Com o propósito de obter um resultado estatístico
113
RIOS, A. op. cit., 1990, p. 15-16.
114
Ibid., p. 16.
115
Idem.
lxx
civis de nascimentos encontrados no arquivo do Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais
da 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu, de cinco em cinco anos. Dessa forma, os anos escolhidos
foram: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939. Ao total, foram
Rios encontrou para Paraíba do Sul, a quantidade de registros por ano no município de
Iguassú cresceu ao longo dos anos. Como se pode ver na figura 1.4, na comparação com os
mais ainda intrigante foi o aumento vertiginoso da busca pelo registro civil após a década de
30, período do Governo Vargas. Não tão surpreendentes foram os últimos anos dos registros
que, graças às leis incentivadoras, as quais coibiam as multas por atraso no registro, houve a
todos os nossos registros. No primeiro ano do registro, durante os primeiros nove meses, tal
categoria não é informada. Apesar disso, ela está presente em 38% dos registros. Todavia,
essa característica muda drasticamente ao longo dos anos. Em 1919, por exemplo, ano em que
116
Em anexo há um assento transcrito que serviu de base para a construção do banco de dados.
117
Sobre a importância do registro civil no governo Vargas, ver capítulo 3 da presente dissertação.
lxxi
o censo foi realizado para ser publicado em 1920, somente 1,47% dos registros não possuem a
cor informada.
Figura 1.4 – Total de registros civis de nascimentos por ano. Município de Nova Iguaçu, RJ.
2500
2000
1500
1000
500
0
1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu.
Livros número 1, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 12, 14, 15, 19, 24, 25, 34, 35, 36, 47, 48, 39, 50, 58, 59, 60 e 61. Nos
seguintes anos: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.
Ao olhar atentamente para figura 1.5, percebe-se uma presença significativa do grupo
de pretos e pardos nos censos, principalmente após 1914. Se no Vale do Paraíba, essa
população decresceu entre os censos de 1890 e 1940, na Baixada, a sua presença cresceu
cor dos recenseados, já que, após 1890, somente no censo de 1940 tal categoria retornou.
lxxii
Figura 1.5 – Total da população recenseada como pretos e pardos. Paraíba do Sul, Valença e Iguassú.
80000
70000
60000
50000
Paraíba do Sul
40000 Valença
Iguassú
30000
20000
10000
0
1872 1890 1940
acompanhado pelo aumento da procura dos registros no Município de Iguassú (figura 1.6). Na
região da atual Baixada Fluminense quando, se soma todos os registros, ao longo dos anos
selecionados, pode-se concluir que: em primeiro lugar, em 1894, logo após a presença da cor
pardas era maioria; em segundo lugar, a partir da década de 20, pode-se perceber o
crescimento dos registros de crianças pretas e pardas. Logo, nada foi mais surpreendente do
que a grande presença dos pais registrando os filhos pardos e negros e de pessoas se
dissertação. Aqui, basta perceber que, mesmo diante das dificuldades apresentadas pelas
fontes, consegue-se chegar a algumas tendências: primeiro, o Vale do Paraíba, nos censos e
no registro civil de Paraíba Sul, aparentemente perdeu população de pretos e pardos, ao longo
lxxiii
Figura 1.6 – Total dos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
1200
1000
800
Branca
Outras Cores
600
Não Informada
Pretos e Pardos
400
200
0
1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939
filhos na Baixada Fluminense é licito supor que essa população procurou se incluir
socialmente. Portanto, nessa região é possível encontrar uma população de pretos e pardos
Fluminense.
políticas, econômicas e sociais da região até os anos 40; na segunda parte, baseado nas
região; na terceira parte, serão analisados os registros civis coletados no Oficio de Registro
Fluminense. Optou-se por dividir o texto em dois subitens. No primeiro, será apresentado o
essas regiões eram compostas pelas freguesias de Nossa Senhora da Piedade do Inhomirim,
São João Batista do Meriti, Santo Antônio da Jacutinga, Nossa Senhora da Conceição de
Marapicú, Nossa Senhora do Pilar, Nossa Senhora da Piedade do Iguassú e Nossa Senhora da
municípios de: Nova Iguaçu, Queimados, Japeri, Nilópolis, Mesquita, São João de Meriti,
município de Iguassú tornou-se um dos mais importantes entrepostos comerciais entre o Vale
do Paraíba e o porto do Rio de Janeiro. Era uma região rica em quantidade de rios navegáveis
e, ao longo dos principais rios, como Inhomirim e Estrela, havia portos por onde a produção
do café era levada em pequenos barcos até a Baía de Guanabara, para ser exportada.
pequeno, com apenas 14,5 Km. Contudo, a grande mudança econômica na região viria em
1858, quando a Estrada de Ferro Central do Brasil passou a cortar a região de Iguassú,
Mendes, da Sacra Família e de Piraí. Em 1865, o trem havia chegado a Barra do Piraí,
Ipiranga, Vassouras, Desengano, Concórdia, Paraíba do Sul e Entre Rios. Naquela época, o
118
PEREIRA, Waldick. Cana, Café e Laranja: História econômica de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro:
FGV/SEEC, 1977. p. 53.
lxxvi
então separada politicamente de Iguassú, perdeu importância na região. Nesse ínterim, o rio
Inhomirim era o responsável pelo transporte de passageiros e de café nessa região; porém com
Janeiro. De acordo com Pereira, o fim econômico da região veio quando a linha férrea Grão-
Pará chegou a Petrópolis e se estendeu até Areal. Em 1896, a freguesia de Estrella foi extinta
Paralelamente à construção das estradas de ferro por toda a Baixada, dois outros
problemas contribuíram para crise econômica do final do século XIX. Aquela era uma região
proliferação rápida de doenças, o que foi o caso da antiga sede de Iguassú, Vila de Cava. Na
virada do século, essa região sofreu um surto de cólera-morbus e de malária, que impediu,
Maxambomba.
por causa da linha férrea que cortava o distrito e, segundo, pela produção de laranjas. Em
virtude desses fatos, de acordo com o decreto n.º 1.331 de 9 novembro de 1916,
119
PEREIRA, W. op. cit., p. 53.
120
No período estudado, entre 1888 a 1940, o nome do Município muda pelo menos três vezes. Para impedir
futuras confusões entre termos, optou-se por utilizar, durante esta dissertação, apenas o nome atual, Município de
Nova Iguaçu, para simbolizar a região da Baixada Fluminense, antes da divisão em pequenos municípios,
ocorrido após a década de 50.
lxxvii
A crise do café
do café. Ao mesmo tempo em que o café ganhava importância econômica no Vale do Paraíba
na década de 1870, alguns fazendeiros davam início a essa plantação na Baixada Fluminense.
De acordo com Pereira, a produção de café não seguiu os moldes das áreas economicamente
Iguaçu desde o século XVIII. Aliada a outros fatores como as doenças, a plantação de cana-
de-açúcar dessa região nunca ganhou grande destaque no Estado do Rio de Janeiro. Afinal, a
de ser um entreposto comercial, além da venda de café, os escravos também eram levados,
por esses caminhos, até as principais regiões de produção cafeeira do Vale do Paraíba. Não há
estatísticas que contabilizem ou que façam projeções sobre a quantidade de escravos que
ficaram na região. De fato, após a cessão do tráfico em 1850, tanto o Vale como a Baixada
Até hoje não há estudos sistemáticos sobre os últimos anos de escravidão na Baixada
em geral. No Município de Valença, o número de escravos era de 28.496, ou seja, 60,4% das
escravos em comparação a Valença, ainda assim a sua presença é bem expressiva nessa
região.
no Rio de Janeiro”, em 1873, apenas 6.964 escravos foram arrolados, ou seja, um decréscimo
121
de 30% na população cativa. Já a região de Valença teve sua quantidade de escravos
diminuída em apenas 5%. Essa diferença aumenta drasticamente, em 1883, tanto para a
Baixada quanto para Valença; nesta foram contabilizados 5.296 cativos, enquanto naquela
foram 24.811. Ora, em relação ao censo de 1872, a população escrava decaiu 48,4% e 13%
respectivamente nestas duas regiões. A partir desses dados, ao contrário das regiões
imobiliário de pequenas propriedades nunca antes visto. De acordo com Jorge Luís Rocha, no
período entre 1875 a 1899, a maior parte das transações de terras correspondia a propriedades
de até 150 hectares, ou seja, para a região de Nova Iguaçu, eram imóveis considerados
121
PEREIRA, W. op. cit., p. 104.
122
ROCHA, Jorge Luís De quando dar os Anéis – A estrutura fundiária da Baixada Fluminense e suas
transformações. Hidra de Igoassú, nº3, Abril/Maio/Junho de 2000. p. 30.
lxxix
Nova Iguaçu, nos primeiro anos do século XX, impulsionou investimentos de novas
produções em pequena escala. Neste ínterim crescia como nova oportunidade econômica na
A laranja
De acordo com Pereira, a laranja era uma fruta plantada há muito tempo, no Rio de
XIX, era vendida apenas para o mercado interno. Nesse período, São Gonçalo, ainda unido ao
mercados vizinhos ao município. Já no final do século, Tal produção ganhou força e teve a
sua primeira exportação, em 1886, chegando, primeiramente, aos mercados argentinos e, dois
fazendas que haviam entrado em crise econômica, por causa das produções em larga escala do
café e da cana-de-açúcar, estavam abandonadas e/ou foram loteadas. Esse era um cenário
típico para o tipo de produção que a laranja exigia, ou seja, a de pequenas propriedades. As
foram: São Gonçalo, Campo Grande, Bangu, Santa Cruz e Nova Iguaçu. Para além do Rio de
Janeiro, São Paulo também investiu na produção, obtendo uma maior produtividade por pé de
Estado do Rio de Janeiro e, especificamente, em Nova Iguaçu ganhou mais força com entrada
123
PEREIRA, W. op. cit., p. 114.
lxxx
Entrementes, conforme Marieta Ferreira, ele deixou de ser uma liderança representativa
política de setores advindos de outras regiões, principalmente das áreas cafeeiras do Vale do
agricultura como a principal saída para a crise pela qual passava o Estado. 124
aduaneiros sobre as frutas comercializadas entre Brasil e Argentina. Dessa forma, ampliava o
Baixada Fluminense.
na região metropolitana do Rio de Janeiro. Embora da busca por soluções para tal questão ter
começado em 1894, o governo de Peçanha foi o que mais colaborou para o desenvolvimento
125
da região. Seus esforços se concentraram nos locais tipicamente pantanosos da Baixada,
126
principalmente à beira dos rios Iguassú, Sarapuí, Inhomirim e Pilar. Ainda que tivesse
governado o país por apenas um ano e meio, incentivou, de forma contundente, o crescimento
econômico dessa região. O dessecamento dessas áreas e o fim de várias doenças provenientes
124
FERREIRA, M. Em busca da Idade do Ouro: as elites fluminense na Primeira República (1889-1930). Rio
de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. p. 21 e 22.
125
O decreto n.º 128 de 10 de outubro de 1894 previa estudos para resolver o problema do saneamento.
126
VIANA, M. T. Nova Iguaçu: absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Nova Iguaçu,
IBGE, 1962, p. 205, Apud PEREIRA, W. op. cit. p. 115.
lxxxi
pequenos sítios. Desse modo, em 1920 a laranja começou a ser produzida em larga escala em
De acordo com o censo de 1920, Nova Iguaçu possuía uma extensão de terra
equivalente a 144.700 hectares dos quais 117.937 eram em estabelecimentos rurais, ou seja,
81,5% da extensão de terra estavam localizadas no meio rural. Eram, ao total, 280
propriedades, das quais 161 estavam sob controle dos proprietários, 18 em mãos de
hectares somavam 213, porém a maior parte das terras ainda estava sob controle de uma
pequena parcela de proprietários (tabela 2.1). Ao analisar o tamanho das propriedades nota-se
que, nesse período, a expansão da pequena propriedade ajudou no impulso inicial da produção
de laranja. Proprietários antigos e novos investiram ou arrendaram suas terras para a produção
de laranja.
Tabela 2.1 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1920. Município de Nova Iguaçu.
propriedades rurais que, dentre elas, 704 estavam sob controle dos proprietários, 302 sob os
lxxxii
administradores e 523 sob arrendatários (Tabela 2.2). Nesse período, as propriedades com
Tabela 2.2 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1940. Município de Nova Iguaçu.
de Nova Iguaçu. Na tabela A.1 (anexo), é possível acompanhar a divisão territorial das
propriedades por distritos. Em 1932, a sede da região reuniu 83% dos laranjais. De acordo
com a Diretoria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, de 1927, eram, ao total, 104
9.753.300$000. 127
propriedades na região. Deveras, pouco se sabe sobre o mercado imobiliário, o valor das
propriedades e qual o perfil dos proprietários. Pode-se supor apenas que, com o crescimento
acessível a todos, uma vez que somente pessoas que possuíam dinheiro suficiente poderiam
128
investir. Dessa forma, possivelmente, ao longo desses anos, os fazendeiros mais ricos e
127
Diretoria de agricultura do Estado do Rio de Janeiro, 1927, apud PEREIRA, W. op. cit., p. 125.
128
PEREIRA, W. op. cit., p. 125.
lxxxiii
de 20 e 40, atingir números expressivos na exportação. De acordo com a tabela 2.4, pelo porto
do Rio de Janeiro, no período de 27 a 34, foram exportadas 10.674.135 caixas de laranjas que
129
somavam um valor no total de 218.590.586$800. Em 1928, o Estado de São Paulo
Brasil como um todo exportou 2.631.827 caixas e dois anos mais tarde chegou ao número de
5.487.043. 130
a década 30, ganhou mais destaque em relação a outras regiões. Em 1931, a exportação pelo
porto do Rio de Janeiro chegou a um total de 1.236.453 caixas de laranjas, das quais Nova
Iguaçu colaborou com 687.900.131 Em 1938, somente este município exportou 2.111.618
Em 1940, a produção havia chegado ao seu auge. De acordo com o censo do mesmo
de 1.398, em um total de 1529 propriedades. Iso significa dizer que 92% das propriedades
houve uma necessidade cada vez maior de mão-de-obra. Os trabalhadores eram empregados
129
PEREIRA, W. op. cit., p. 123.
130
Ibid., p. 123.
131
Idem.
132
SOUZA, Sonali Maria Da Laranja Ao Lote: Transformações sociais em Nova Iguaçu. Dissertação.
(Mestrado em Antropologia Social) Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1992. p. 58-59.
lxxxiv
produção de laranjas não estava acessível a todos. O plantio era feito em pequenas e médias
propriedades, chamadas chácaras, e, na maior parte dos casos, o acesso a elas se dava pelo
arrendamento. Esse foi o momento em que a figura do “Chacreiro” surgiu; na maior parte,
esta era formada por imigrantes europeus, com destaque para os portugueses. Há que se
diferenciar dois tipos de “chacreiros”: o primeiro, era de grande porte, ou seja, controlava uma
havia os pequenos “chacreiros” que contavam apenas com o trabalho doméstico para
produzir. 133
trabalhos assalariados, temporários e permanentes. De acordo com Sonali Maria Souza, entre
fluminenses. Contudo, essa não era a forma de trabalho mais largamente utilizada. Parece
de casas e/ou pequenas plantações na propriedade. Eram convocados duas vezes por ano, para
133
SOUZA, S. op. cit., p. 61.
134
Idem.
135
Ibid., p. 66.
lxxxv
Porém, com o passar dos anos, o beneficiamento da laranja trouxe uma diversificação
dos arranjos de trabalho, ampliando sua oferta. Sob o controle do presidente da República,
houses, divididas em: cinco na sede, cinco em Morro Agudo, três em Austin e Cabuçú. 136
para serem comercializados. Durante esse processo, era feita a “lavagem, brunimento,
137
embrulho em papel de seda e encaixotamento”. Nessas caixas, podia-se alocar até 250
De 1931 a 1935, o número de packing houses em Nova Iguaçu passou de 13 para 24.
138
Nesses barracões empregavam-se cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres. Para
trabalhadores. Como exemplo de locais onde havia uma diversificação de arranjos de trabalho
O objetivo desta parte será o de traçar as experiências de migração que tiveram por
136
PEREIRA, W. op. cit., p. 140.
137
SOUZA, S. op. cit., p. 58.
138
PEREIRA, W. op. cit., p. 141.
lxxxvi
recenseamentos do IBGE de 1920 e 1940, como fontes de pesquisa. Esta parte está divida nos
***
foi possível perceber menções a passagens de familiares pela Baixada Fluminense. Para
com seus netos: Manoel Seabra, Zeferina do Nascimento e Florentina Seabra. A partir delas,
pode-se construir uma trajetória vista pelos parentes que não migraram.
A quebra da unidade familiar, durante esse período, foi presente na memória de quem
fica. Nos depoimentos dos netos de Vô Dionísio, moradores da Fazenda São José da Serra em
Valença, ficou marcada a saída dos tios e do avô ainda quando os entrevistados eram muito
jovens, com cerca de dez a doze anos. De acordo com uma primeira análise dessas entrevistas
é lícito supor que, na década de 1920, foram em direção à região da Baixada Fluminense
buscar trabalho, visto que, no Vale do Paraíba a entrada do gado e de outras produções, que
exigiam uma menor quantidade de trabalhadores, havia ganhado espaço. Nos primeiros anos,
os filhos migrados de Vô Dionísio retornavam à casa dos pais. Passavam distantes, por um
período, mas posteriormente, voltavam com dinheiro para continuar ajudando na economia
Apesar das idas e vindas, possivelmente essas famílias mantiveram contatos com seus
familiares, porém, com a estabilização ao longo dos anos, houve uma quebra familiar
lxxxvii
definitiva. Zeferina conta que o Tio Manoel, filho mais velho de Vô Dionísio, aos poucos
levou seus irmãos mais velhos, Joventino, Sebastião e Hermenegildo para Nova Iguaçu.
Manoel havia comprado um terreno grande em Cabuçú, onde conseguiu alocar todos os
familiares que decidiram sair da Fazenda São José da Serra. Os irmãos homens e mais velhos
começaram a deixar o Vale para morar com os tios na Baixada e ali trabalhar.
Paraíba do Sul, entrevistado por Ana Rios. Seu irmão, Ormindo, filho de ex-escravo, entre as
139
décadas de 20 e 30, conseguiu um trabalho na empresa de energia elétrica, a Light. De
acordo com a entrevista, Ormindo foi transferido por volta de 1935 para Queimados, onde
trabalhou até se aposentar. Nesse local, comprou um terreno e construiu uma casa de bom
tamanho. Ali passou a receber os parentes que também desejavam sair do Vale do Paraíba,
tanto que, em 1938, Seu Izaquiel morou com o irmão nessa casa, porém desistiu e voltou para
o Vale.
Nas entrevistas, notou-se que essa migração iniciou-se ainda nas primeiras décadas do
século XX e, através dos censos, é possível supor a existência desse movimento. Apesar dos
problemas inerentes aos censos, citados no capítulo anterior, grosso modo, entre os censos de
140
1872 e de 1920 a população da Baixada Fluminense variou muito pouco. No primeiro
recenseamento, a população chegou ao total de 31.251, o que não mudou drasticamente para o
segundo, que já contabilizava 33.396 pessoas (tabela 1.1). Esse foi o período caracterizado
pela crise econômica da região promovida pelo colapso da produção de café e da cana-de-
139
Entrevista: Izaquiel Inácio, 1994, MC.
140
Em 1872 optou-se por somar o município de Estrela com o Município de Iguassú, que anos mais tarde, ao
juntar-se, se tornariam o município de Nova Iguaçu.
lxxxviii
pessoas recenseadas, em 1920, esse número salta para 140.606 no censo de 1940, ou seja, um
Figura 2.1 – Crescimento populacional da Baixada Fluminense de acordo com os censos. Município de Nova
Iguaçu.
160000
140000
120000
100000
80000
60000
40000
20000
0
1872 1890 1920 1940
censos demonstram tendências que serão utilizadas na argumentação. No que concerne à faixa
etária da população, nas décadas de 20 e de 40, os números são muito próximos. No primeiro
censo, ao fazer cálculos para chegar à população jovem, que estava na idade próxima a do
trabalho, chega-se aos seguintes números: entre 10 e 29 anos, há 13.099 pessoas do total de
33.396, ou seja, 38% da população; já no censo de 1940, essa faixa etária da população
141
Para o município de Nova Iguaçu não há, nesse período, qualquer estatística referente à taxa de natalidade, de
mortalidade e de crescimento vegetativo.
lxxxix
Tabela 2.3 - Faixa etária da população recenseada residente na Baixada. Município de Iguassú e de Estrella.
2.4). Dentre as 33.396 pessoas neste censo, 17.707 são homens, ou seja, 53% da população.
Por outro lado, em 1940, essa diferença aparenta estar mais equilibrada, constando quase 50%
de cada lado. Analisando a faixa etária por sexo, chega-se a outros números. Em 1920, os
homens entre 10 e 29 anos são 6.809; logo, 38% da população masculina de Nova Iguaçu está
nesta faixa etária. Número semelhante encontra-se em 1940, visto que entre as 53.513 pessoas
1920 1940
Porcentagem Total Porcentagem Total
Homens 53% 17707 51% 71855
Mulheres 47% 15689 49% 68751
Total 33396 140606
XX, essa região começou a concentrar uma população que, provavelmente, estava em busca
xc
anos, pode demonstrar a presença de trabalhadores nesta região. Por ser um período de
obra. Ora, por conta dos problemas inerentes aos censos demográficos, não se sabe onde os
longo dos anos. Na década de 40, aparentemente, houve um maior equilíbrio entre os sexos. A
partir disso, pode-se supor que essa mão-de-obra migrada, entre os anos de 1920 e 1930,
secundários ligados a ela, o que conseqüentemente elevou ainda mais o seu crescimento,
Fluminense. Esse foi o caso dos filhos de Vô Dionísio. Dona Zeferina conta que seus tios
saíram da fazenda Empreitada, quando ela ainda era criança, e foram em direção às plantações
de laranja em Nova Iguaçu. Após alguns anos de idas e vindas, os tios de Zeferina buscaram
todos os sobrinhos para trabalhar na Baixada. Em sua entrevista, conta que todos trabalharam
A primeira hipótese deste projeto de pesquisa versava sobre a atração que a produção
nesse mesmo período, o Vale do Paraíba intensificou a produção de gado e de outros produtos
que dispensavam trabalhadores. Durante a pesquisa partiu-se da premissa de que uma boa
migração para o município de Nova Iguaçu, que não citavam a laranja como atrativo. Como já
mencionado no capítulo anterior, Seu Ormindo, irmão de Izaquiel Inácio e morador de Paraíba
moradora de Mesquita - ele foi empregado da Estrada de Ferro Central do Brasil em Valença
e também foi transferido para o Município de Nova Iguaçu, mais precisamente para o distrito
Essas duas histórias possuem uma relação muito próxima, visto que a criação de
população mais pobre nessa região. Para se ter um parâmetro, nos distritos mais distantes
como São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias não houve essa valorização. Essas
regiões apresentaram um loteamento precoce, já que suas terras não valorizaram com as áreas
de laranjais. Com propriedades mais baratas, supostamente, uma parte da população pôde se
proporções significativas.
142
Entrevista: Izaquiel Inácio, 1994, MC.
143
Entrevista: Dona Nilza, 2008, AP.
xcii
acelerou, até então, não desmembrado em vários municípios. Para ele, isso foi impulsionado
pelos seguintes fatos: construção de 14 novas estradas, ligando as áreas produtoras de laranja
Hospital; instalação dos primeiros bancos; e instalação das primeiras indústrias, ao total de 19
em 1930.
regiões onde a terra era mais barata, ou seja, nos distritos ao derredor de onde era produzida a
saneamento básico, na década de 30, as quais extinguiram boa parte dos brejos,
144
transformando-os em propriedades. Da mesma forma, a população começou a se
145
concentrar perto das estações de trem que, a partir de 1935, foram eletrificadas. No trecho
da entrevista abaixo, é possível perceber que os irmãos de Senhor Cornélio Cansino, nascidos
Ah, todos eles casaram, aquele negócio muito sacrifício, depois que eles foram para o Rio é que
melhorou. Ó, eu tenho um irmão que mora lá em Nova Iguaçu. Dois, tem a Teteca, Teteca lá em São
José, mas a filha dele mora lá no Rio de Janeiro, na casa dela, em Nova Iguaçu, num lugar
chamado K-11. O Tininho também. O Antônio mora lá numa casa própria no Rio, em Nova Iguaçu.
Esse Ângelo que morreu tem uma casa lá também, lá em Engenheiro Pedreira, onde aconteceu esse
desastre poucos dias aí, né. Tinha uma casa muito boa. Ele trabalhava de pedreiro. E o Sebastião,
esse morava em Nova Iguaçu também, pegado ao meu irmão mesmo. Esse Sebastião que morreu. E
a Alice, a Nice trovoada era filha da falecida tia Eulália, essa que também morou pegada ao meu
irmão, casou em São José e depois foi embora. Depois que acabou as fazendas, depois de 1900 e
146
poucos pra cá, as fazendas acabou, veio todo mundo embora.
Assim como os irmãos de Seu Cornélio, o cunhado de Dona Júlia, moradora de Paraíba do
Sul, comprou um pequeno terreno em Japeri e para lá levou sua irmã e seus sobrinhos. Nessa
144
SOUZA, S. op. cit., p. 67.
145
ABREU, Maurício O espaço em Movimento: do urbano ao metropolitano. In: Evolução Urbana do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN/Jorge Zahar, 1987, p. 107 apud SOUZA, S. op. cit., p. 67.
146
Entrevista: Cornélio Cansino, 1995, MC
xciii
propriedade, ele plantava e vendia os produtos nas feiras próximas. 147 Caso semelhante foi o
do tio de Dona Yvone, moradora de Mesquita. Seu Horácio vendeu seu lote em Vassouras
que a crise da laranja. Pereira apontou que o declínio da produção, no Município de Nova
Iguaçu iniciou-se por volta de 1926. Assinalou a praga da “mosca do mediterrâneo” como
uma das causas da extinção da lavoura. Uma vez que as tentativas para eliminá-la foram em
vão, esta persistiu até os últimos dias da produção de cítricos. Para além das pragas, o início
paralisação das navegações de comércio, em 1939, as laranjas ficaram estocadas nos portos
loteamento das terras. De acordo com Pereira, entre 1926 e 1945, foi registrado um total de 21
A partir dos dados apresentados, é possível supor que, na década 1920, foram poucas
sazonal, ou seja, os trabalhadores retornavam aos seus locais de origem. Isso significa que, à
priori, a saída dos filhos do Vale do Paraíba, nas primeiras décadas do século XX, em busca
de trabalho, pode ter reforçado e/ou mantido, mesmo que precariamente, a comunidade de
origem.
147
Entrevista: Dona Julia, 1994, MC.
148
Entrevista: Dona Yvone, 2006, AP.
149
PEREIRA, W. op. cit., p. 144.
150
Ibid., p. 146.
xciv
Na década de 30, a partir dos relatos, parece acertado que esse foi o momento de início
por Thomas Holt para a Jamaica, no qual os libertos e seus descendentes buscaram comprar
propriedades produtivas que pudessem aliar roça de subsistência com venda de produtos nos
mercados locais, e trabalho assalariado nas grandes fazendas. 151 Essas pequenas propriedades
Ora, em nenhuma das entrevistas pesquisadas houve menções sobre a compra ou posse
de propriedades, por parte dos descendentes de libertos, onde existia plantação de laranja.
Pelo contrário, quando nos depoimentos, aqui citados, há alusões sobre a compra e/ou posse
Queimados, Belford Roxo, Engenheiro Pedreira, entre outros. Até os dias de hoje, são
Deveras, somente nos casos dos netos de Vô Dionísio há menção da migração por
causa da laranja. Nas outras entrevistas, como no caso de Seu Cornélio e de Dona Nilza, seus
expansão urbana, por exemplo, a Empresa de energia elétrica e a Estrada de Ferro Central do
Brasil.
Sendo assim, é lícito supor que, através das entrevistas e dos censos, é possível
ao que parece, finalizando a migração, na década de 40. Ainda assim, poucas questões foram
Fluminense. Para tanto, buscou-se utilizar os registros civis de nascimentos de Nova Iguaçu,
151
Uma melhor discussão sobre a estabilização será feita, a partir dos registros civis, na parte 3 deste capítulo.
xcv
libertos.
escravos e de seus descendentes no Município de Nova Iguaçu. Para tanto, serão utilizados os
município.
Circunscrição de Nova Iguaçu, 1889, mais dois cartórios de registro civil passaram a
funcionar neste município, nos distritos de São João de Meriti e de Vila de Cava. Aqui, optou-
se por focalizar o cartório de Nova Iguaçu, pois, como visto na segunda parte deste capítulo,
essa região concentrou a maior parte da população, entre os anos de 1920 e 1940, e se tornou
um importante centro econômico no Estado. Além disso, tal cartório abrangia os distritos que
hoje são os municípios desmembrados de Nova Iguaçu como: Queimados, Belford Roxo,
Buscou-se analisar o período que vai de 1888 a 1940, ou seja, os anos que vão da
anos de cinco de cinco, são eles: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934
152
e 1939. Esses registros pouco mudaram, ao longo do tempo, o que possibilitou o uso de
usados somente os assentos de crianças nascidas no ano de seu registro. Isso porque, nos
152
Como já explicado no capítulo anterior, os registros efetivamente só passaram a ser feitos a partir de 1889.
xcvi
anos que vão de 1889 a 1919; e, neste período, serão encontradas basicamente as famílias de
ex-escravos das antigas fazendas do Município de Nova Iguaçu. Apesar de não ser o tema
famílias para poder comparar e diferenciar das que migraram após 1920. Além disso, esta
parte poderá trazer subsídios para pesquisas posteriores sobre as famílias de ex-escravos das
No segundo corte, serão analisados os anos entre 1924 e 1939. Tal período é de suma
importância para a pesquisa, visto que, como já estudado na parte 1 deste capítulo, entre esses
sistemática para a região. Portanto, busca-se mostrar de que forma foi constituída a
estabilização das crianças registradas como pretas e pardas, nascidas fora da Baixada, em
todo o período pesquisado surpreende. Nos anos selecionados, entre 1889 e 1939, no registro
civil de Nova Iguaçu, contabiliza-se um total de 5.897 nascimentos de crianças (tabela 2.5).
Dentre estes registros, 2.908 (49%) são de crianças brancas, 2.631 (45%) de pretas e pardas e
153
Os registros tardios será o tema de nosso capítulo 3.
xcvii
142 (2%) de crianças de outras cores. 154 Dentre todos esses anos, a cor não foi informada em
Tabela 2.5 - Total de registros civis de nascimentos por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. Livros
número 1, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 12, 14, 15, 19, 24, 25, 34, 35, 36, 47, 48, 39, 50, 58, 59, 60 e 61. Anos: 1889, 1894,
1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.
cartório. Nos anos de 1889 e de 1894, aparentemente, houve um crescimento pela busca do
registro de nascimento, em Nova Iguaçu, no total de 560 registros. Isso evidencia que as
155
famílias procuraram legitimar sua situação logo após a abolição. Deveras, entre as
crianças, nesses dois anos 251 (45%), foram registradas como pardas e pretas, diferentemente
Entre 1889 e 1914, a média de registros por ano manteve-se praticamente a mesma.
Tal número só seria superado após o 1914. A partir do mencionado ano, a quantidade de
154
Nesta categoria, encontram-se as seguintes cores: morena, fula e clara. Em virtude da pequena quantidade de
registros por ano com essas cores, optou-se por agregá-las em apenas uma categoria: outras cores.
155
Este argumento será mais bem discutido no decorrer do texto.
156
Para uma maior apreensão desta discussão, ver capítulo 1 da presente dissertação.
xcviii
Figura 2.2 – Total de crianças registradas no ano de seu nascimento. Município de Nova Iguaçu.
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939
Dividindo esses registros na categoria “cor”, vê-se uma grande presença dos pardos e
pretos no registro civil (figura 2.3). Nos três primeiros anos selecionados, eles representam a
maioria dos registros; já no ano de 1914, a quantidade de registros de crianças pretas e pardas
1939, a totalizar 50,5% dos registros. Baseado nesse dado, é válida a hipótese de que pode ter
aumentado a quantidade de pretos e pardos, na população em geral, ou esse grupo passou a ter
sua pesquisa, que abarcou os anos de 1889 a 1920, apenas no primeiro ano do registro civil de
Inconfidência, em Paraíba do Sul, havia informações completas. Dessa forma, ela restringiu
157
RIOS, A. op. cit., 1990.
xcix
traçar uma comparação entre os registros civis de nascimento de Paraíba do Sul e de Nova
Figura 2.3 – Total de crianças registradas em ano de seu nascimento por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
900
800
700
600
500 Branca
Outras Cores
Não Informada
400 Pretos e Pardos
300
200
100
0
1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939
Nova Iguaçu, foram registradas 237 crianças. Desse total, foram encontrados 171 registros
sem menção a cor. Diferentemente dos registros dos anos posteriores, no mencionado ano, a
158
categoria “cor” só passou a ser registrada do dia 18 de setembro em diante. Assim foi
158
Em virtude da autorização para digitalização do arquivo, o Desembargador Dr. Murilo exigiu que não fossem
publicados os nomes e sobrenomes dos registros. Aqui irar-se identificar pelas iniciais.
c
[...] compareceu neste cartório J.L.G. na presença das testemunhas abaixo nomeadas e
assinadas e declarou que ontem na Rua de Madureira, nesta Freguesia nasceu uma
criança do sexo masculino de cor preta filho legítimo dele declarante e de sua mulher
M.C.O. naturais desta Paróquia e de moradia nesta freguesia [...]. 159
Logo, após a inscrição da categoria “cor”, as crianças pretas e pardas puderam ser
apenas 19 (8%) (tabela 2.6). Apesar das crianças pretas e pardas estarem em um número
significativo, no primeiro ano do registro, ainda sim era um número muito pequeno em
relação ao total de nascimentos do ano de 1889. Apesar dos poucos registros que indicavam
cor, tentar-se-á, a partir deles, demonstrar algumas características, do mencionado grupo, logo
após a abolição.
Tabela 2.6 – Total e Porcentagem dos registros civis de nascimentos em 1889 por cor. Município de Nova
Iguaçu.
Porcentagem Total
Branca 8% 19
Não Informada 72% 171
Pardos e Pretos 19% 47
Total geral 237
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1889.
interessante é apresentado. Das 47 crianças registradas, 34 (72%) são filhas de mães solteiras.
159
Livro 1, registro 159, 1889. Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu.
160
Optou-se por utilizar as seguintes terminologias para o estudo das famílias: Família nuclear, extensa e
ampliada. Por família nuclear, entende-se toda aquela formada somente por pai, mãe e filhos. A família extensa é
composta por familiares fora do núcleo, como avós, tios, primos, entre outros. Família ampliada é toda aquela
que está circunscrita em uma comunidade que agrega pessoas do convívio social, sem qualquer relação parental.
ci
Tabela 2.7 - Situação conjugal dos pais nos registros civis de nascimentos. Município de Nova Iguaçu.
Ao contrário dos dados obtidos na presente pesquisa, Rios encontrou, para o Vale do
pardas. Dentre as 230 crianças registradas nessa cor, 41% eram filhas de pais casados, 29%
161
tinham a intenção de casar e somente em 21% o pai esteve ausente. Deveras, a partir dos
dados obtidos em Nova Iguaçu em 1889, deve-se repensar sobre a existência de outras
Baixada.
números tendem a continuar a afastar-se dos de Ana Rios. Para o ano de 1889, no registro
civil de Paraíba do Sul, não há uma grande diversificação nas categorias de trabalho,
diante da ausência paterna nas unidades familiares, pode-se concluir que os mesmos
161
RIOS, A. op. cit., p. 82.
162
Idem.
cii
Com a falta da figura do pai nos registros, chamou atenção a profissão das mães
casadas e quantidade de mães solteiras, ambas na lavoura. Dentre os onze casamentos, nos
quais o registro do pai estava completo, em 10, há informações sobre as mães. Cruzando tais
presentes no meio doméstico são ínfimos. Entre as casadas, não existe qualquer menção a
profissão doméstica, e entre as solteiras sete classificaram-se como tal. Efetivamente, entre as
são de mães solteiras de crianças pretas e pardas que foram registradas como atuando nessa
Aos catorze dias do mês de dezembro do ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
oitocentos e oitenta e nove, neste Distrito de Paz, Paróquia de Santo Antonio da Jacutinga,
Município de Iguassú, Estado do Rio de Janeiro, comparecer neste cartório, J. N. em presença das
testemunhas abaixo denominadas e assinaladas, declarou que ontem pelas nove horas da manhã no
lugar Riachão, nasceu uma criança do sexo feminino, de cor parda, filha natural de L.N. natural e
residente nesta freguesia, profissão lavoura, a criança neta materna de E. N a qual será chamada de
163
L. M. S. [...].
No que concerne à legitimidade da criança, parece acertado que, entre as famílias sem
pai, as crianças pretas e pardas fazem parte da maioria (tabela 2.8). No ano de 1889, ocorreu
categoria só vai aparecer nos anos de 1919 e 1924, e todos os casos são de crianças pretas e
registros de pais e mães casados. Somente em 11 casos, a criança foi declarada como legítima.
No entanto, a ausência do pai foi notada, mais uma vez nos registros civis, visto que, em 36
163
Livro 1, registro 226, 1889, RCPNNI.
ciii
Tabela 2.8 – Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor. Município de Nova Iguaçu.
Em 1889, a figura que se tornou mais importante, aparentemente, foi a dos parentes
próximos e/ou amigos da família da mãe. Dentre os 36 casos de crianças registradas como
“naturais”, nenhum deles a mãe foi a declarante. Nos registros, não foi possível perceber a
eram pessoas próximas como irmãos, vizinhos ou padrinhos da criança. No entanto, embora
no primeiro ano de registro tenha existido a categoria “padrinhos”, após o início da inscrição
No que tange à região de nascimento das crianças, nota-se que, em 1889, as crianças
pretas e pardas eram de origem da própria Baixada. Ao total, os registros estavam bem
caso, a criança nasceu fora do Município, para ser mais preciso, em Minas Gerais.
registro pode mostrar uma presença significativa deste grupo na região. No final do século
XIX, a Fazenda Cachoeira fazia parte do distrito de Mesquita e era de propriedade do Barão
seu inventário foi aberto em 1878, e ele veio a falecer, em 1888; logo, sua propriedade passou
164
para seu filho, Jerônimo Roberto Mesquita. Efetivamente não é possível afirmar, todavia
um forte indício mostra que os filhos dos escravos do Barão de Mesquita podem ter sido
164
Inventário de Barão de Mesquita, 1866 e de Jerônimo Jose de Mesquita, 1878. Museu da Justiça do Estado do
Rio De Janeiro.
civ
registrados nos anos posteriores à abolição. Somente no ano de 1889, foram registradas 5
Tabela 2.9 – Total de registros civis de nascimentos por região de nascimento e cor. Município de Nova Iguaçu.
Apesar da maior parte das crianças pretas e pardas terem nascido na Baixada, o que
civil de Paraíba do Sul, aparentemente, foram poucas as crianças que tiveram contato com os
avós. De forma dessemelhante aos dados obtidos por Ana Rios, onde, em 15% dos casos, as
crianças tiveram a oportunidade de conhecer todos os seus avós, mesmo que apenas
nominalmente, em Nova Iguaçu, essa porcentagem caiu para 12%. Contudo, tais números
tornam-se ainda mais díspares, no que tange à presença dos avós: para Paraíba do Sul, Rios
mostrou que 83% das crianças conviveram com pelo menos um avô, enquanto na Baixada
esse número caiu para 43%. Em Paraíba do Sul, em apenas 8% dos registros as crianças pretas
e pardas não poderiam sequer saber o nome dos seus avós, no município de Nova Iguaçu, em
165
RIOS, A. op. cit., p. 86.
cv
Comparando os valores da presença dos avós, ainda assim é possível perceber que, na
Baixada, houve menos contato com os avós. Se os avôs paternos e maternos, em Paraíba do
Baixada, que totaliza 12% e 38% (tabela 2.10). Porém, a presença da avó materna é bem
significativa nos dois registros. Em Paraíba do Sul, as avós maternas somavam 87%, número
Tabela 2.10 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 12% 6
Avó Paterna 17% 8
Avô Materno 38% 18
Avó Materna 82% 39
Todos os avós 12% 6
Nenhum dos avós 15% 7
Pelo menos um avô 43% 20
Total de registros 47
comunitários nos registros de crianças pretas e pardas em Nova Iguaçu. Isso porque o maior
indício, que esses dados fornecem, é exatamente a inexistência de tais laços. Não há qualquer
indicação de relação dos padrinhos e dos declarantes, nos registros, com as mães.
pesquisa. Analisando apenas no ano de 1889, é lícito supor que os registros indicam que os
completas – com pai, mãe e filhos. No entanto, a presença significativa de mães solteiras, que
cvi
tem seus filhos registrados, aparentemente, demonstra que a busca pelo registro não era
exclusivo de famílias nucleares completas. Deveras, esse ano pode ter sido de extrema
confusão; todavia, para chegar a melhores conclusões, deve-se atentar para os anos
posteriores à abolição.
O ano de 1889 mostrou um quadro não muito otimista no que tange à construção de
incompletas, tendo a mãe solteira e os avós maternos como eixo principal. Este fato pode estar
com o Município de Nova Iguaçu, de acordo com Rios, no primeiro caso, uma parte dos
passaram a ser loteadas. Todavia, ainda não há estudos sobre o valor e o tamanho desses
Deveras, outros elementos, para além do acesso à terra, podem ter contribuído para a
formação das famílias, ao longo das primeiras décadas do século XX na Baixada Fluminense.
A busca pela estabilidade, pela autonomia e pela possibilidade de ampliação familiar estava
166
RIOS, A e MATTOS, H. op. cit., 2005, principalmente no capítulo 3.
cvii
ligada às condições de trabalho e à forma como a terra era utilizada. No que se refere aos anos
posteriores à abolição, de 1888 a 1920, no Município de Nova Iguaçu, pouco se sabe sobre as
Aqui, nesta parte, será possível aprofundar a investigação sobre a formação dessas
famílias. Após o ano de 1889, ao contrário dos registros encontrados por Rios, em Paraíba do
Sul, no cartório de Nova Iguaçu os registros tornam-se mais completos. Decerto, algumas
categorias alusivas aos registros paroquiais de batismo deixam de ser declaradas, por
Com o passar dos anos, a presença de registros de crianças pretas e pardas cresceu.
Nesta parte, acompanhar-se-á, até 1919, a construção das famílias de ex-escravos e de seus
Nova Iguaçu.
1889 a 1919
concernentes ao acesso à pequena roça. Os indícios apenas mostram que tal período foi
fazendas começaram a ser desmembradas lotes, dos quais nada se sabe sobre o valor das
vendas e a sua quantidade. Portanto, não se pode afirmar se os libertos e os seus descendentes
colhidos no Município de Nova Iguaçu, de cinco em cinco anos a partir de 1889 até 1919.
Dentre os anos selecionados, apenas no primeiro, a taxa de cor “não informada” é alta. Se em
1889 a participação de pretos e pardos é baixa (19%), nos anos seguintes a quantidade de
sempre ficava acima dos 38%. Em 1894, surpreendentemente 63% dos registros foram de
cviii
crianças pardas e pretas, porém o número caiu para 48% em 1899. Nos três anos seguintes,
ficou entorno dos 39%, para, em 1919, voltar a crescer, chegando a 46%.
Tabela 2.11 – Total de registros civis de nascimentos por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. Anos
1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914 e 1919.
pardas, os anos em que esse número caiu, merecem alguns comentários. No censo de 1890,
esse grupo correspondia a 63% da população dos Municípios de Estrella e de Iguassú. Mesmo
diante dos problemas inerentes aos censos, era de se esperar que, em 1894, a presença de
pretos e pardos fosse expressiva nos registros civis. Apesar da quantidade significativa de
subregistro, nos dois primeiros anos selecionados, pode-se perceber que essa parte da
do registro civil, por Rios, em Paraíba do Sul, aqui se supõe que tal interesse em tornar
regular a “situação das crianças (...) reflete uma vontade de integração e não de exclusão.
Pode ter sido um sinal de que as famílias tinham, ou esperavam ter, alguma estabilidade nas
entretanto, não permite concluir que houve uma diminuição de nascimentos (figura 2.3). Em
1894, foram, ao total, 204 registros de crianças pretas e pardas, enquanto, em 1904, exatos dez
anos após, esse número caiu para 48. De uma forma um tanto quanto interessante, os registros
167
RIOS, A. op. cit., 1990, p. 107.
cix
desse grupo decaíram de forma significativa, todavia, nos anos posteriores a 1899, tenderam a
se equilibrar com a quantidade de brancos. Se, no ano de 1899, eram 48% de crianças pretas e
pardas e 37% de registros de crianças brancas, em 1914, esse número praticamente se igualou,
Tabela 2.12 – Presença de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos.
Município de Nova Iguaçu.
Baseado na quantidade de subregistro é lícito supor que, o ato de registrar não era
acessível ou não era uma prática generalizada, no período. Nos anos de 1889 e 1894, em sua
maioria, o pai de crianças pretas e pardas estava concentrado no trabalho com a lavoura.
Efetivamente, a redução de registros pode estar ligada a mudanças nesse grupo que recorria
aos cartórios. Para Rios, em Paraíba do Sul, o número de crianças pretas e pardas também
diminuiu nesse período. Para ela isso pode estar ligado não só ao decréscimo de nascimento
No Município de Nova Iguaçu, não é possível afirmar que, a diminuição dos registros
está atrelada à falta de famílias nucleares completas. No que tange à situação conjugal dos
pais, de crianças registradas como pretas e pardas, a maior parte dos registros são de mães
solteiras totalizando, 58,5% (tabela 2.13). Entre os casados, os pais são nomeados em 39%
dos registros. Dos 296 casos de pais casados, em 141 (48%) não há qualquer informação
sobre eles. Apesar disso, dentre os registros que apresentam a profissão dos pais casados de
168
RIOS, A. op. cit., 1990, p. 88.
cx
crianças pretas e pardas, 64% estavam ligados à lavoura; o restante deles estava espalhado em
Tabela 2.13 – Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos. Nova Iguaçu.
Tabela 2.14 – Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos.
Município de Nova Iguaçu.
Total
Artista 4
Cozinheiro 1
Empregado 1
Empregado ou funcionário público 18
Estrada de ferro Rio do Ouro 1
Guarda Armazém Estrada de Ferro 2
Jornaleiro 7
Lavrador 99
Militar 2
Não declarada 141
Negociante 1
Operário 14
Padeiro 1
Pedreiro 2
Sapateiro 1
Trabalhador 1
Total geral 296
legítimas, a figura dos avós paternos e maternos está bem abaixo dos encontrados em Paraíba
do Sul. Aqui, optou-se por colocar todos os avós nomeados, uma vez que as referências sobre
a condição de vivo ou falecido ficam raras nos registros. Após 1889, Rios apontou que a
figura do avó materna tende a ser nomeada de forma mais intensa em Paraíba do Sul. Em seus
cxi
dados eram, no total, 66% avôs paternos, 80% de avós paternas, 65% de avôs maternos e 96%
169
das avós maternas, nos quais 48% das crianças tiveram todos os seus avós nomeados. De
forma bem diferente, no Município de Nova Iguaçu, até o ano de 1919, foram nomeados 43%
dos avôs paternos, 50,5% de avós paternas, 55% de avôs maternos e 89% de avós Maternas
(tabela 2.15). Desse total, 34% das crianças conheceram ou, pelo menos, ouviram falar de
todos os seus avós, no entanto, 38% apenas um avô. Deveras, nos dois casos, Paraíba do Sul e
de Nova Iguaçu, a figura das avós eram bem presentes nas famílias de pretos e pardos,
Tabela 2.15 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 43% 328
Avó Paterna 50,5% 386
Avô Materno 55% 418
Avó Materna 89% 682
Todos os avós 34% 256
Nenhum avô 7% 56
Pelo menos um avô 38% 293
Total de Registros 764
incentivado uma procura maior pelo registro civil. Dentre as 764 crianças pretas e pardas
nascidas entre 1889 e 1919, apenas 166 (21%) foram registradas pelos pais (tabela 2.16).
Além dos avós, que registraram 3 crianças, 595 tiveram como declarantes “outras pessoas”.
Provavelmente, nesse grupo estavam incluídos: os irmãos, tios, despachantes e outras pessoas
ligadas à família da mãe por relações não-parentais. Ao total, são 442 crianças declaradas
como “naturais”, nas quais somente os nomes da mãe e dos avós maternos aparecem. Essas
169
RIOS, A. op. cit., p. 109.
cxii
pai, mãe e filhos – aparentemente, as mães solteiras buscaram legitimar as suas proles.
Tabela 2.16 – Declarantes nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
registradas como pretas e pardas. Ao estudar a situação das famílias negras, Raymond Smith,
de semelhante modo, detectou uma ausência de homens no Caribe. Para ele, tal fato derivava
dos valores das comunidades negras com relação aos papéis assumidos por mulheres e
estrutura raça/classe, os homens negros não encontraram a situação que desejavam no . Dessa
forma, Rios apontou em sua dissertação que “a família nuclear incompleta, entre os negros
Paraíba do Sul, a família nuclear completa e extensa existiu entre pretos e pardos. Se no Vale
170
SMITH, Raymond T. The Family and the Modern World System: Some Observation From The Caribbean.
In: Journal of Family History, 3: 4, 1978 apud RIOS, A. op. cit., 1990, p. 112 – 113.
cxiii
171
XIX, o mesmo não pôde ser dito sobre a Baixada. Indubitavelmente, o caso do Vale do
Paraíba é único no país. Ainda não houve pesquisas sobre as características da escravidão, no
final do século XIX, na Baixada, que discutam: as quantidades de cativos por propriedade, a
outras. No entanto, é lícito supor que a falta de uma comunidade estável nos últimos anos da
escravidão, pode demonstrar a existência de poucos cativos e pretos livres homens, o que,
Os dados apontam que a maior parte dos homens que registraram seus filhos, entre os
anos de 1894 e 1919, era de fora da Baixada. Dentre os 275 registros, que mostram a
naturalidade do pai, somente 51 casos (18%) são do Município de Nova Iguaçu (tabela 2.17).
Dessa forma, 184 (66%) dos pais vieram de fora do Município, destes, 159 (57%) de dentro
do Estado do Rio de Janeiro, 18 (7%) de outros estados do Brasil e 2 (1%) de outros países.
Tabela 2.17 – Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
171
Os números encontram-se no capítulo 1 da presente dissertação.
cxiv
mão-de-obra. Desse modo, no ano de 1919, dentre os 366 registros onde o pai foi nomeado,
321 (87%) eram de fora do Município de Nova Iguaçu (tabela 2.18). Inseridos neste número,
o pai de crianças pretas e pardas, estava presente em 156 registros, dos quais 141 (90%) eram
de fora da Baixada.
Tabela 2.18 – Região de origem do pai por ano de pessoas declaradas como pardas e pretas. Município de Nova
Iguaçu.
Como já visto, na parte 2 deste capítulo, este é o período da migração para a Baixada
maior parte, para o Município de Nova Iguaçu, visto que no recenseamento havia 17.707
(53%) homens e 15.689 (47%) mulheres (tabela 2.4). Sem embargo, provavelmente, nessa
década houve início a grande migração. Através dos registros civis de nascimentos, entre os
1920-1940
Entre os anos de 1920 e 1940, através dos censos, aparentemente, foi possível
Nova Iguaçu. Através dos dados obtidos, no registro civil de nascimento dessa região, nesta
parte busca-se apresentar as características da população que migrou, nesse período. Trata-se
de tentar identificar qual o perfil das famílias, os locais de origem e quais foram os tipos de
trabalho que essa população encontrou após 1920. Em um segundo momento, será analisado
esperar que a procura pelos registros civis seja, de forma semelhante, alta (gráfico 2.2).
Colhendo os dados em Nova Iguaçu, nos anos de 1924, 1929, 1934 e 1939, soma-se um total
Apesar de haver uma boa quantidade de crianças brancas nesses quatro anos, o que
mais surpreendeu foi o crescimento dos registros de crianças pardas e pretas, ao longo dos
anos selecionados (tabela 2.5). No total dos registros, tais crianças eram 1.867 (45%). Ao
separar por ano, vê-se que, em 1924, elas somavam 274 (43%); na mesma proporção, em
1929, foram 342 (42%) registros; em 1934, tal número passou para 435 (40%), para, em 1939,
No que tange à situação conjugal dos pais, percebe-se que, no período de 1924 a 1929,
há uma presença maior dos casados (tabela 2.19). Dentre os 1.867 registros de crianças pretas
e pardas, há 1.107 (59%) pais que declararam serem casados, e as crianças de pais solteiros
Tabela 2.19 - Situação conjugal dos pais por cor de crianças registradas. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1924,
1929, 1934 e 1939.
da legitimidade das crianças também fosse procurado por essa população. Em comparação aos
primeiros anos do registro civil, nos quais havia mais registros de crianças “naturais”, nos
anos aqui analisados o número de crianças legitimadas é muito maior. Entre as crianças pretas
e pardas, nesse período, foram encontrados 1.172 (63%) registros de crianças legítimas (tabela
2.20).
Tabela 2.20 – Total e porcentagem da legitimidade de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Ilegítimo 0,70% 13
Legítimo 63% 1172
Não informado 1% 35
Natural 35% 647
Total geral 1867
que foram nomeados nos registros, visto que não é possível detalhar, devido à escassez de
informações, por exemplo, se eram vivos ou não no dia do registro, entre outras (tabela 2.21).
Ao longo dos quatros anos, selecionados para a pesquisa, foram nomeados 79,5% dos avôs
paternos, 81% das avós paternas, 89% dos avôs maternos e 95% das avós maternas. Apesar da
figura da avó materna ainda ser a mais popular, é possível perceber que a maioria das crianças
cxvii
pretas e pardas também conheceu seus avós paternos. Ao contrário do corte anterior, de 1889
a 1919, nos sete anos selecionados, nessa parte, 79,5% todos os avós foram denominados e
Tabela 2.21 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 79,5 % 1484
Avó Paterna 81 % 1509
Avô Materno 89 % 1669
Avó Materna 95 % 1772
Todos os avós 79,5 % 1484
Nenhum dos avós 5% 95
Apenas um avó 5,5 % 103
Total 1867
No Município de Nova Iguaçu, entre os anos de 1920 e 1940, o número de casados é maior do
significativamente. Se, no período entre 1889 e 1920, Rios encontrou famílias nucleares
completas e extensas, possivelmente estáveis, entre as crianças pretas e pardas, os dados desta
dissertação sugerem que somente no período após 1920, no Município de Nova Iguaçu, foi
Conforme o que fora mencionado, foi possível identificar muito mais informações
sobre o pai que registrou seus filhos como pretos e pardos. Nos 1.867 registros deste grupo de
crescimento da sua participação ao longo dos anos. Em 1924, 151 crianças tiveram o pai
como declarante; em 1929, aumentou para 215; em 1934, chegou a 300, e, em 1939,
172
RIOS, A. op. cit. capítulo 4.
cxviii
percebe-se que, a maior parte veio de fora da Baixada (tabela 2.22). Em 1924, dos 274
registros, em 190 (70%) o pai não é natural da Baixada Fluminense. Desse, 53% veio de
dentro do Estado do Rio de Janeiro. Já em 1929, 200 são de fora e não há nenhum registro de
pai sendo natural do Município de Nova Iguaçu. Infelizmente, ao contrário dos anos
anteriores, nos registros civis de 1934 e 1939, a categoria “naturalidade” do pai e da mãe
tornou-se “viciada”. A partir de 1934, a maior parte dos registros só apontam se os pais são
“brasileiros” ou não. Entretanto, nos registros realizados na fase adulta, onde há auto-
Tabela 2.22 - Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
Entre os pais que migraram para o Município de Nova Iguaçu, nesse período, muitos
já vieram casados. Este foi o caso de S. S. R., lavrador que, no dia 13 de abril de 1939,
173
Estes registros são tema do capítulo 3.
cxix
[...] residente em Tinguá, neste, distrito declarou que [...] em casa de sua moradia nasceu uma
criança do sexo masculino, cor parda, que terá o nome de E. S. R. filho legitimo dele declarante e de
sua mulher M. F. S., brasileira, doméstica, casados em Vassouras [grifo meu].” 174
Assim como este, outros declarantes já haviam procurado legitimar nos cartórios sua família
“J. M. natural deste Estado, casado civilmente no Distrito de Mendes [grifo meu], neste Estado,
militar, residente em Mesquita, neste distrito e declarou que [...] em casa de sua moradia nasceu uma
175
criança do sexo masculino de cor parda que terá o nome de M. M. [...].
Se já migraram casados, seus filhos também poderiam ter nascido ainda fora da
“T. S., brasileiro, operário, residente em Mesquita, nos termos do Decreto Federal numero 19.710
de 18 de fevereiro de 1931 declarou que [...] em Piraí, neste Estado, nasceu uma criança do sexo
176
masculina de cor parda [...]”.
Nos registros civis, entre os anos de 1924 e 1939, foram, ao total, registradas 176 crianças
nascidas fora do município. Desse total, 106 nasceram no Vale do Paraíba, ou seja, 60% das
Como fora dito na parte 2 deste capítulo, entre 1920 e 1940, houve crescimento
maior diversificação dos tipos de trabalho, o que permitiu ao pai migrado, das crianças pretas
e pardas, se estabilizarem na região. Deveras, ele estava no trabalho com lavoura, uma vez
que dos 1.206 registros que aparecem a profissão do pai, 498 (41%) são de lavradores (tabela
A.2 - anexo).
174
Livro 59, registro 14140, de 1939, RCPNNI.
175
Livro 35, registro 242, de 1929, RCPNNI.
176
Livro 58, registro 14039, de 1939, RCPNNI.
cxx
formas de trabalho. Apesar do período, entre 1920 e 1940, ser considerado o de maior
onde aparece a profissão do pai de crianças pretas e pardas, 58% não trabalhava na lavoura ou
em qualquer profissão ligada à agricultura. Se, entre 1889 e 1919, nos registros civis, os pais
estavam divididos em apenas 21 categorias, no período seguinte pula, para 53, mostrando uma
grande diversificação nos arranjos de trabalho nessa região. Deste modo, o pai de crianças
pretas e pardas estava presente nos seguintes ofícios: operários 245 (20%), empregados
percebe-se que a concentração dessas famílias se deu ao redor dos grandes centros produtores
de laranja. Das 1.867 crianças pretas e pardas registradas no cartório de Nova Iguaçu, apenas
522 (28%) nasceram na sede do município, enquanto 1.132 (61%) foram registrados como
para diversas áreas da colônia. Para este autor, essa migração teve uma característica bem
específica. A procura por terra foi um dos significados de liberdade empreendidos por essa
população, após o fim da escravidão. Era de se esperar que buscassem qualquer propriedade
para dela retirar a sua subsistência. Todavia, na Jamaica, os libertos e seus descendentes
optavam por comprar terras próximas aos grandes centros produtores de açúcar e não
cxxi
propriedades distantes e improdutivas. Sendo assim, almejaram locais onde podiam aliar a
pequena produção direcionada para os pequenos locais e para a subsistência, com trabalho
Tabela 2.23 – Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
Retornando ao caso da Baixada, nessa última parte do capítulo, pôde-se perceber que o
pai de crianças pretas e pardas conseguiu, de alguma maneira, estabilidade. Deveras, ainda há
necessidade de estudos sobre a forma de acesso a essas propriedades. No entanto, através dos
dados obtidos nos registros civis de nascimentos, parece acertado que este se estabilizou ao
migrados pretos e pardos buscaram legitimar suas famílias e regularizar sua situação. Desse
modo, nos anos selecionados, de 1934 e 1939, foi surpreendente ver a quantidade de pessoas
se auto-declarando, seguidos pelos registros de nascimentos dos filhos. Tanto que, na soma de
o de brancos. Para entender, um pouco melhor, quem eram os migrados e o que permitiu seu
maior acesso ao registro civil de nascimento deve-se analisar, qualitativamente, tais registros
Município de Nova Iguaçu, entre os anos de 1920 e 1940. Trata-se de identificar, através
dessas fontes, quais as características dos grupos que buscaram o registro civil, nesse período.
Ao longo dos anos, as leis que versavam sobre o registro civil foram se modificando.
Possivelmente, a intenção do governo era a de popularizar a busca pelo registro civil, visto
que produzir estatísticas, a partir dos dados obtidos nos cartórios, era muito mais barato do
que promover novos censos. Dessa forma, nenhum outro período, aparentemente, ampliou
Nova Iguaçu, entre 1920 e 1940. Pode-se identificar o primeiro tipo como o das crianças
registradas no ano de seu nascimento, no tempo correto da Lei. Estes assentos foram
feitos tardiamente, ou seja, em outro ano que não o do nascimento da criança. Nestes podem
177
ser encontrados o bebês com um dia de vida, crianças, jovens e adultos que foram
registradas por alguma pessoa – pai, mãe, avós ou outra pessoa. No terceiro tipo de registro,
estão todos aqueles que recorreram ao cartório para registrar o seu nascimento. Neste caso,
último ano de registros coletado, comparando-o com o censo de 1940. Nesta primeira parte,
os três tipos de registros não serão divididos para a análise. Na segunda parte serão analisados
todos os registros tardios. Para uma melhor compreensão optou-se por subdividir esta segunda
177
Optou-se por colocar, nessa categoria, todos os registros onde são mencionados as Leis e os Decretos que
permitiram a população registrarem, após o ano de nascimento de seus filhos, sem ônus monetário. Dessa forma,
uma criança nascida no dia 31 de dezembro, provavelmente, se fosse registrada no dia 2 de janeiro poderia
utilizar essas Leis e Decretos.
cxxiv
parte em dois subitens: no primeiro, serão discutidos os registros feitos posteriores ao ano de
nascimento, declarados por uma outra pessoa que não o registrado. Trata-se de destacar, entre
os registrados como pretos e pardos, o perfil das famílias, quais foram as regiões de
grupo: se possuem família, onde nasceram, qual o tipo de trabalho que exercem, qual o local
Na terceira e última parte, a partir de uma discussão bibliográfica e dos registros civis
novas leis e decretos para o aumento da busca pelo registro civil de nascimentos, entre os
1930 e 1939.
adultos que foram declarados ou se declararam pretos e pardos no ano de 1939. Trata-se, na
de Nova Iguaçu. Através desses dados, pretende-se apresentar os traços que permitem
Nesse último ano coletado foram registrados 2.100 nascimentos. Destes, 1.130 (54%)
foram de crianças, jovens e adultos registrados como pretos e pardos. No mencionado ano, as
informações são muito mais completas do que nos anos anteriores; e, com isso, é possível
cxxv
obter resultados mais significativos no que tange à população de pretos e pardos no Município
de Nova Iguaçu.
conjugal dos pais, que registraram seus filhos, com os pais dos auto-declarantes, têm-se um
quadro interessante (tabela 3.1). Em 454 (40%) dos registros de pardos e pretos, o pai aparece
como casado, em 275 (24%) os pais são solteiros e, em 359 (32%), não há qualquer
informação sobre o relacionamento conjugal. Não obstante, ao ver a legitimidade das crianças
na tabela 3.2, o quadro torna-se diferenciado. Em 728 (64%) casos, os registrados foram
declarados como “legítimos”, 361 (32%) eram “naturais” e, em apenas 27 (2%), não há
Tabela 3.1 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos. Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1939.
Tabela 3.2 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor. Município de Nova Iguaçu.
interessante sobre tais registros, no ano de 1939. Em primeiro lugar, dentre os 2.100 registros
desse ano, 492 (23%) são de auto-declarantes. Ao analisar a cor, percebe-se que, entre o
cxxvi
número total de pessoas deste tipo de registro, os que se declararam pretos e pardos somam
Ao tomar os outros registros, nota-se que o pai registrou uma boa parcela das crianças,
dos jovens e dos adultos pretos e pardos, ou seja, ele foi o declarante em 540 (48%) registros
(tabela 3.3). Apesar de o número ser relativamente pequeno, é mister salientar a presença das
mães como declarantes em 198 (17,5%). Dentre os 1.130 registros, em apenas 77 (7%), outra
pessoa, que não do núcleo familiar, a saber, pai, mãe e avós, fez a declaração do registro. Em
1939, houve uma busca intensa, por essa parcela da população, em legitimar a si e a seus
familiares. 178
Tabela 3.3 - Declarantes nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
Para entender um pouco melhor o papel do pai nomeado nos registros, deve-se
trabalho existentes em 1939. Na tabela 3.4 (em anexo), ao analisar a profissão por cor, é
possível perceber que, para o pai de pessoas registradas como brancas houve uma maior
dentre as 63 categorias de trabalhos encontradas nos registros, o pai dos declarados, nos
registros, como pretos e pardos está empregado em 26. Em tais registros, boa parte está
178
Os auto-declarantes serão analisados na segunda parte deste capítulo.
cxxvii
público.
como pardas e pretas, um quadro interessante é apresentado (tabela 3.5). Dentre os 454
registros de pai casado, 124 (27%) eram de lavradores, 88 (19%) eram de operários e, no
que, aparentemente, não eram tão instáveis pode demonstrar a existência de famílias nucleares
estáveis no Município de Nova Iguaçu, em 1939. Todavia, em 96 casos o pai foi nomeado e
declarado solteiro o que provavelmente demonstra que a busca pelo registro não foi apenas de
Iguaçu. Ao olhar para a localização profissional das mães, de pessoas registradas como pretas
e pardas, vê-se que 672 (59%) foram declaradas como tendo profissão “doméstica”. (tabela
3.6). Cruzando a situação conjugal com a profissão, nota-se que, entre casadas e solteiras,
quase todas as mães registradas estão localizadas nos afazeres domésticos (tabela 3.7).
Enquanto as casadas, no trabalho doméstico, são 387 (58%), as solteiras são 233 (35%). A
quantidade de mães solteiras, nomeadas nos registros, pode evidenciar que a busca pelo
registro civil não se restringiu apenas a famílias nucleares completas. De certa maneira, o ato
declarantes e solteiras, os avôs maternos aparentam ser o eixo central desse tipo de família.
cxxviii
Tabela 3.5 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos por
situação conjugal. Município de Nova Iguaçu.
Tabela 3.6 - Profissão da mãe nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
Tabela 3.7 – Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal. Município de
Nova Iguaçu.
Entre os registros de pardos e pretos no ano de 1939, a presença dos avós foi
significativa. Isso é possível perceber na tabela 3.8. Em 73% dos casos as pessoas registradas
conheceram, ou pelo menos ouviram falar, todos os seus avós e apenas 13% não sabiam
sequer citá-los. O avô paterno está presente em 73% dos registros, assim como a avó paterna,
a qual também está em 73%. Efetivamente, mesmo o número sendo igual, não é correto
afirmar que, em todos os 73% dos registros, os avós paternos estão presentes, ou seja, podem
existir registros nos quais aparece a avó e não o avô ou vice-versa. A figura mais sistemática
nos registros foi a dos avós maternos, uma vez que, foram nomeados 82% dos avôs, enquanto
na formação de famílias que não são nucleares (tabela 3.9). Dentre os 275 registros, onde
aparecem às mães solteiras, 52% das pessoas registradas conheceram todos os seus avós e
apenas 3% não saberiam sequer nomear nem um. O avô paterno foi citado em 52% registros,
assim como a avó paterna que está presente também em 52%. A figura dos avós maternos é
muito significativa entre as mães solteiras, visto que o avô materno foi nomeado em 90,5% e
a avó materna em 96% dos registros. Efetivamente, é difícil supor se as pessoas registradas
tiveram contato ou não com seus avós, uma vez que boa parte desta população migrou para a
Baixada entre as décadas de 1920 e 1930. Entretanto, a partir dos presentes dados, se o ato de
registrar requer uma estabilidade, mesmo que precária, na região, é válido supor que os pais
cxxx
mesmo no núcleo mãe/avó materna/avô materno – e, desse modo, buscaram o registro civil de
nascimentos.
Tabela 3.8 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de
Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 73% 822
Avó Paterna 73% 824
Avô Materno 82% 929
Avó Materna 87% 984
Todos os avós 73% 822
Nenhum dos avós 13% 145
Apenas um avó 5% 54
Total de registros 1130
Tabela 3.9 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos onde as
pessoas foram registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 52% 143
Avó Paterna 52% 143
Avô Materno 90,5% 249
Avó Materna 96% 265
Todos os avós 52% 143
Nenhum dos Avós 3% 9
Pelo menos um avó 5% 15
Total 275
3.10). Nesses, a categoria da naturalidade dos pais aparece em quase todos os registros, porém
e infelizmente, no ano de 1939, tal categoria apenas aponta se os pais são “brasileiros” ou não.
Decerto, ao atentar para os locais de nascimento das pessoas registradas, é possível se ter uma
registros onde o nascimento ocorreu fora da Baixada, 500 (44%). Desse total, 220 registros
Tabela 3.10 - Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.
significativo. De acordo com tal censo, havia, no município todo, 140.606 pessoas; destas,
8.962 (6%) estavam ligadas a atividades de agricultura, enquanto 11.928 (8%) trabalhavam
agricultura deixou de ser a atividade principal. Isso pode ser visto no município como um
179
Deveras, somente ao dividir os três registros – os registros de crianças nascidas e registradas no ano de 1939,
os registrados posteriores ao ano de nascimento e os auto-declarantes - é que se poderá construir a trajetória de
cada grupo no ano de 1939. Isto será feito de forma mais elaborada no seguir do texto. Entretanto, a preocupação
nesta parte é de demonstrar a estabilização dos libertos e de seus descendentes através dos registros civis no ano
de 1939.
cxxxii
todo, uma vez que 39% das pessoas recenseadas se concentravam no quadro urbano, outros
Tabela 3.11 – Localização populacional por Distrito de acordo com o censo de 1940. Município de Nova
Iguaçu.
Nova Iguaçu 140606 100% 55186 39% 55493 39% 29927 21%
Ao dividir tais proporções nos distritos do município, é possível perceber a forma, pela
qual a população estava distribuída pelo Município. Se as pessoas estavam, em sua totalidade,
na área urbana, ao olhar para cada distrito, separadamente, pode-se perceber que esse
processo de urbanização foi muito mais presente em alguns bairros. Na área correspondente
ao distrito sede de Nova Iguaçu estava 25% da população total do município. Destes, 41%
entre a estabilização de pessoas no centro urbano e na área rural do distrito. Contudo, nos
total do município; destes, 25% e 72% estavam concentrados nos quadros urbanos e
180
Deve-se, aqui, fazer uma ressalva quanto às categorias utilizadas nestes dois parágrafos. No censo de 1940,
aparecem apenas estas categorias: quadro urbano, quadro suburbano e rural. As categorias urbano e suburbano
foram utilizados, nesse censo, para a “população aglomerada em centros dotados de um mínimo de serviços
coletivos, cujos habitantes se dediquem, em maioria, a atividades alheias à vida rural”. p. xiv, IBGE, censo
demográfico de 1940.
cxxxiii
concentrava 16% da população e desse total, 66% estava no quadro urbano, no entanto, não
No que tange às regiões do nascimento das crianças pretas e pardas, era de se esperar
que tal população se concentrasse nas áreas urbanas. Na tabela 3.10, dentre os 726 registros
de crianças pretas e pardas, somente 249 (34%) foram declarados como nascidas no distrito
sede de Nova Iguaçu. Houve uma presença marcante desse grupo nos distritos ao redor da
registrou-se 138. Somando estes números aos dos registros de crianças nascidas fora do centro
de Nova Iguaçu, chega-se ao total de 66%. Seria lícito dizer que, dentre os registros coletados,
em 1939, os pretos e pardos estão estabilizados nos arredores do distrito sede, locais, estes,
Aparentemente, esse ano foi estratégico, no que concerne às definições dos libertos e
de seus descendentes, que migraram para essa região. Se, nos anos anteriores, a migração foi
parte integrante das experiências de pós-abolição, no ano de 1939, a estabilização das famílias
como: o avanço urbano, o acesso à terra, graças aos loteamentos, e os novos arranjos de
trabalho.
mesmo que tardiamente (tabela 3.12). Dentre os 2.100 registros, no ano de 1939, 1.205 (57%)
são registros tardios, ou seja, feitos posteriormente ao ano de nascimento. Estes, diferenciam-
se, em dois tipos, os registros tardios de crianças, jovens e adultos, que foram declarados por
alguma pessoa e os auto-declarantes. Para se ter uma maior amplitude do que significou os
últimos anos do registro civil de nascimento, para essa população de pretos e pardos que teve
cxxxiv
cuidadosamente.
Tabela 3.12 – Porcentagem e Total de registros civis de nascimentos tardios por ano. Município de Nova
Iguaçu.
Porcentagem Total
1919 0,20% 4
1924 0,80% 15
1929 3,40% 63
1934 30% 545
1939 66% 1205
Total geral 1832
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1919,
1924, 1929, 1934, 1939.
Nova Iguaçu, os quais não foram feitos no ano de nascimento do registrado. Este registro
tardio pode ser dividido em duas categorias: na primeira, estão bebês de um dia de vida,
crianças, jovens e adultos que foram registrados por alguém, na maioria das vezes, pais e
mães. Em contrapartida, há a ocorrência de registros, nos quais são os próprios que auto-
declaram seu nascimento, no cartório. Sendo assim, a análise será dividida em três momentos.
registros tardios de crianças, jovens e adultos registrados pelos pais, mães, entre outros. Por
***
cxxxv
Ao longo dos anos, principalmente entre as décadas de 1930 e 1940, houve uma
presença sistemática dos registros tardios no 1º Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais
do Município de Nova Iguaçu (tabela 3.12). Ao total, foram 1.832 registros declarados nesta
Este número também surpreende ao ser dividido pelos anos. De todos os anos
coletados, somente após 1919 os registros tardios começaram a aparecer. Na tabela 3.12, já
registros; em 1924, esse número aumenta para 15 (0,80%); em 1929, sobe para 63 (3,4%), e,
em 1934, chega a 545 (30%) registros. No ano de 1939, estavam concentrados em 1.205
provavelmente, permitiam a uma parcela da população acesso a eles, anos após o nascimento
de seus filhos. Durante os primeiros anos de exercício do Registro Civil, no Brasil, qualquer
registro de nascimento de crianças, após o período dado por Lei, seria cobrado uma multa de
10 mil réis. Efetivamente, mesmo não sendo um valor alto, para a época, não era qualquer
pessoa que desembolsaria esse valor para registrar seu filho. Entre os dados coletados, em
apenas 15 casos houve registros mediante pagamento de multa. Somado a este fato,
fazer campanhas para divulgar a sua importância. Em virtude desses fatos, parece acertado
afirmar que o subregistro foi altíssimo nos mencionados primeiros anos de registros tardios.
de leis que, à priori, incentivaram sua prática. As primeiras leis, neste sentido, foram as Leis
sua efetivação. A segunda, apenas prorrogou o prazo para o registro sem multa. Na realidade,
cxxxvi
mesmo após esses primeiros incentivos, nos registros coletados, em Nova Iguaçu, não há
qualquer registro tardio, no ano de 1914 e 1919, que mencione tais leis.
Todavia, somente após 1919 foi que as leis, provavelmente, tomaram força e/ou
incentivaram as pessoas a registrar seus familiares. Nos presentes dados, dentre os 4 registros
tardios desse ano, em 3 há pagamento de multa e, apenas em um, é mencionada a Lei 3.764 de
despachos do juiz togado e duas testemunhas, as quais deveriam assinar o requerimento. Era
de se esperar que, nos anos seguintes, fosse possível ver essa lei novamente sendo utilizada
pelas pessoas que requeriam o registro. Não obstante, nos anos de 1924 e 1929, só há menção
Efetivamente, essas primeiras leis de incentivo aos registros parecem não ter atingido
Iguaçu. Porém, a partir de 1931, as leis e os decretos seguintes levaram aos registros civis um
de qualquer justificativa para o registro tardio. Nos anos de 1934 e 1939, foram coletados 540
registros que mencionavam esse decreto. No entanto, nada parece ter incentivado mais a
procura pelo registro civil do que o Decreto 1.116 de 24 de fevereiro de 1939. Somente no
ano do funcionamento dessa lei foram feitos 1.187 registros tardios. 181
que, entre os grupos existentes no Município de Nova Iguaçu, todos buscariam o registro
tardio de nascimento (tabela 3.13). Dentre os 1.832 registros tardios, as pessoas registradas
como pretas e pardas estão presentes em 1.001 (55%) registros. À princípio, tais leis parecem
ter incentivado um grupo específico na busca pela legitimação própria e de seus familiares.
181
A análise da importância, destes decretos e leis, para aumentar a acessibilidade da população, no registro civil
de nascimento, está na terceira parte deste capítulo.
cxxxvii
Tabela 3.13 - Total de registros civis de nascimentos tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1919,
1924, 1929, 1934, 1939.
Para se ter uma melhor visualização das características entre os registros de pretos e
adultos que foram registrados por pais, mães, avós ou “outras pessoas” nos anos posteriores
ao seu nascimento. Trata-se de analisar as famílias de pretos e pardos que buscaram o registro
civil, utilizando as leis e os decretos de incentivo, nos últimos anos coletados de 1934 e 1939,
parte 1.3. Em virtude disso, foi produzido um novo banco de dados, o qual incorporou as
seguintes categorias: a idade que a pessoa foi registrada, o local de residência, a região da
residência do registrado, o ano de nascimento, e o tipo de registro - se foi por multa, decreto,
por outrem e dos auto-declarantes, chega-se a uma conclusão interessante: os dois tipos de
registros somados chegam a 1.832, dentre os quais 965 (53%) são de crianças, jovens e
adultos registrados por outrem. O acesso ao registro, entre os anos de 1919 a 1939,
cxxxviii
aparentemente, foi de igual proporção para ambas as parcelas da população. Na tabela 3.14,
vê-se que a quantidade de registros por cor é de quase 50% (488) para pretos e pardos e 50%
(474) para brancos. Todavia, ainda assim, é possível constatar a grande presença de pessoas
Tabela 3.14 - Total de registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem
por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
Entre os anos de 1919 e 1939, como se pôde observar, a população de pretos e pardos
buscou ainda mais o registro civil. Ao analisar essa parcela da população, percebe-se que boa
parte dela, que buscou legitimar seus filhos, eram em sua maioria de casados. Na tabela 3.15,
os casados somam-se 252 (53%) e os solteiros são 183 (37,5%). Efetivamente, a presença de
pai e mãe casados é superior, porém, a quantidade de solteiros chama a atenção. A partir desse
detalhe, é lícito supor que as famílias, que buscaram os registros tardios, não eram somente
Tabela 3.15 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de crianças,
jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
à situação conjugal se apresenta. Na tabela 3.16, no que concerne à presença do pai, sendo
nomeado e declarante, ele está em 284 (58%) dos registros. No entanto, entre as crianças
declaradas como provindas de uma relação legítima somam-se 295 (60%), dos registros
(tabela 3.17). A quantidade de registros, nos quais o pai é nomeado e o número de relações
legítimas declaradas pode indicar que a maior parte das pessoas, que procuraram tardiamente
Iguaçu.
Porém, assim como o pai, a mãe solteira possuiu uma importância concomitante no
que tange a busca pelos registros civis de nascimentos. Em 165 (33%) registros tardios de
pessoas pretas e pardas, a mãe procurou registrar sua prole. Ao atentar para a quantidade de
pessoas registradas como sendo filhos de pai e mãe solteiros, tal número cresceu para 188
(38,5%). Embora seja, um número menor em relação ao pai como declarante, nos registros
Tabela 3.16 - Declarantes nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por
outrem por cor. Município de Nova Iguaçu.
Tabela 3.17 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados
por outrem por cor. Município de Nova Iguaçu.
registrou seus filhos tardiamente percebe-se a diversificação dos arranjos de trabalho (tabela
3.18 - anexo). Dentre os 488 registros, os quais são de pai das pessoas registradas como pretos
e pardos, a profissão só aparece em apenas 217 registros. Destes, a maior parcela, 86 (40%)
está ligada ao trabalho com lavoura. Para além deste tipo de trabalho, o pai de tais pessoas
estava alocado em outras profissões ligadas ao avanço urbano, 59 (27%) eram operários,
próprio.
pardas, com as profissões, percebe-se que os casados estão presentes em 76% dessas
categorias (tabela 3.19). Apesar da maior quantidade dos solteiros não informarem sua
profissão, nos que são mencionados uma característica interessante é apresentada. Dentre os
não é possível afirmar se todas estas categorias profissionais são estáveis ou não. Contudo, a
concentração nestas três categorias pode informar a existência de famílias que são ou
pretendiam ser estáveis, visto que a busca pelo registro pressupõe a existência de certa
Tabela 3.19 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos
tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
famílias. A quantidade de registros nos quais não é declarada a profissão da mãe é um tanto
quanto alta, são 109 (22%); ora, isso faz com que restem apenas 379 para serem analisados
(tabela 3.21). Dentre os 379 casos de pessoas registradas como pretas e pardas as mães são
apontadas, em 377 (99%), como ligadas ao trabalho doméstico (tabela 3.20). Ao examinar a
situação conjugal das mães, as quais exercem a profissão “doméstica”, as casadas são 198
(52%) enquanto as solteiras somam 149 (39%). A presença marcante de mães neste tipo de
trabalho sendo casadas ou não, pode informar a existência de famílias que não são apenas
nucleares.
As mães solteiras estão presentes em boa parte da documentação. Dentre os 488 casos
de pessoas registradas como pretas e pardas, as mães solteiras estão em 183 (37,5%). Destes,
em 101 registros elas foram as declarantes. Aparentemente, por enquanto, é lícito supor que as
cxlii
mães solteiras podem ter morado sozinhas, ou com seus pais, e provavelmente, participaram
Tabela 3.20 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
Tabela 3.21 - Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal nos registros
civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
Nos registros tardios de pretos e pardos, a presença dos avós também é expressiva.
Não é possível afirmar se os registrados tiveram ou não contato com seus avós, no entanto,
sua nomeação é muito significativa. Dentre os 488 registros selecionados em 359 (74%),
todos os avós estavam presentes (tabela 3.22). Em contrapartida, 26 (5%) dos registros são de
pessoas que só tiveram contato com apenas um avô. E, somente em apenas 14 (3%) casos, não
poderia sequer nomear um deles. Ao dividir entre avós paternos e maternos, percebe-se que os
maternos continuam em alta. O avô paterno aparece em 359 (74%) registros, enquanto a avó
paterna em 365(75%). Deveras, a paternidade da mãe continua seguindo como a mais forte
nos registros. O avô materno está presente 446 (91%) dos registros, enquanto a avó materna,
cxliii
surpreendentemente, foi nomeada em 473(97%). Mais uma vez a família da mãe aparece
como figura central na formação das famílias negras no Município de Nova Iguaçu.
figura central das pessoas registradas como pretas e pardas (tabela 3.23). Dentre os 183
registros de mãe solteira, o avô paterno está em 39%, enquanto a avó paterna em 41,5%. A
presença dos avós maternos é bem forte nos registros de mães solteiras. O avô materno foi
nomeado em 92%, enquanto a avó materna estava em 99% dos registros. Aparentemente, os
avós maternos das pessoas registradas já eram estáveis na região. Portanto, provavelmente,
famílias que eram e/ou se pretendiam estáveis, independente de sua tipologia, buscaram muito
Tabela 3.22 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros
civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 74% 359
Avó Paterna 75% 365
Avô Materno 91% 446
Avó Materna 97% 473
Todos os avós 74% 359
Nenhum dos avós 3% 14
Apenas um avó 5% 26
Total de registros 488
Tabela 3.23 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos tardios
de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, nos quais as pessoas foram registradas como pretas e
pardas. Município de Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 39% 72
Avó Paterna 41,5% 76
Avô Materno 92% 169
Avó Materna 99% 181
Todos os avós 39% 72
Nenhum dos avós 1% 2
Apenas um avó 6% 11
Total de registros 183
Até o presente momento, os dados obtidos, das famílias de pessoas registradas como
pretas e pardas, assemelham-se em boa parte ao do capítulo 2. Isso significa dizer que no ato
Iguaçu. Desse modo, a análise que segue evidencia características específicas dos grupos que
no que tange à migração e a estabilização das pessoas registradas como pretas e pardas. Em
tais registros encontram-se categorias muito interessantes que colaboram para a análise dos
Nova Iguaçu, entre a década de 20 e 30, do século XX. Essas categorias são: ano de
registro civil tardiamente, aparentemente, está ligada à idade do registrado. Na figura 3.1,
foram colocados os 718 registros tardios, por ano de nascimento da pessoa, encontrados no
ano de 1939. Tal ano foi escolhido por ter concentrado a maior parte de registro de crianças,
cxlv
processos muito interessantes. Dentre as pessoas nascidas, entre 1917 e 1922, e registradas no
número menor, a presença de pessoas pretas e pardas é significativa. O interessante foi notar
que a quantidade de pessoas registradas como pretas e pardas, nascidas após 1924, foi acima
dos brancos até 1938. Portanto, a maior parte das pessoas registradas, no ano de 1939, era de
Figura 3.1 – Ano dos nascimentos por nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem declarados em 1939. Município de Nova Iguaçu.
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1911 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1939.
pardos na Baixada que foram registrados tardiamente. Como já visto na tabela 3.14, a maior
parte de todos os registros foram feitos no ano de 1939. Ao analisar a faixa etária por sexo,
182
Nos registros tardios declarados por outrem, no caso limite, trabalha-se com bebês que possivelmente podem
ter nascido no dia 31 de Dezembro e sido registrado no dia 2 de Janeiro. Logo, usa-se o ano zero para simbolizar
esses casos limites.
cxlvi
das pessoas registradas como pretas e pardas, um quadro interessante é apresentado (figura
3.2). Em 1939, a maior parte dos registros foi de crianças entre 0 e 5 anos e, aparentemente,
houve um equilíbrio dos sexos nesses registros. No entanto, ao se olhar a faixa etária entre os
16 e 20 anos, nota-se uma maior presença de homens, neste grupo, em relação às duas faixas
Figura 3.2 – Faixa etária por sexo nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem declarados como pretos e pardos em 1939. Município de Nova Iguaçu.
26 - 30
21 - 25
16 - 20
Masculino
Feminino
11 - 15
6 - 10
0-5
Um exemplo bem claro, deste tipo de registro de nascimento, foi o de um rapaz de 16 anos,
Aos vinte e sete dias do mês de novembro de mil novecentos e trinta e nove, nesta cidade, em
cartório compareceu J. P. V., brasileiro, operário, residente em Mesquita, neste distrito,
declarou que as cinco horas do dia 5 de agosto de mil novecentos e vinte e três, em Município
de Vassouras, neste Estado, nasceu uma criança do sexo masculino, de cor parda que tomou
183
o nome de S.P. filho legítimo dele declarante e de sua mulher A. P. P. , falecida.
183
Livro 61, registro 15454, de 1939, RCPNNI.
cxlvii
jovens e adultos. Na tabela 3.24, dentre os 488 registros, 173 (25%) indicam, como locais de
nascimento, regiões fora da Baixada Fluminense. Apesar de ser um número baixo, em relação
registrados como nascidos fora do Município de Nova Iguaçu, 97 (56%) foram somente da
Tabela 3.24 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e
adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
Nova Iguaçu. Na figura 3.3, colocou-se os locais de origem por faixa etária, e ao examinar
Figura 3.3 – Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens
e adultos declarados como pretos e pardos por outrem em 1939. Município de Nova Iguaçu.
50
45
40
35
30
25
20
15
10
0
iro
e)
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iti
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C
ão
o
Es
a
ad
S
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ov
st
N
E
0-5 6 - 10 11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30
Na figura 3.4, foram colocados todos os registros de 1939, conforme a faixa etária e a
figura mencionada, percebe-se que a maior parte dos registrados são crianças, entre 0 e 5
anos, que nasceram na Baixada Fluminense. No entanto, ao examinar a faixa etária entre 11 e
Figura 3.4 – Faixa etária por localização das pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de
nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, em 1939. Município de Nova Iguaçu.
140
120
100
80
Dentro Baixada
Fora Baixada
60
40
20
0
0-5 6 - 10 11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30
1930, as crianças, jovens e adultos registrados, possivelmente, nasceram nos locais de origem
dos pais, os quais migraram no mesmo período. Esse foi o caso de S.P. acima mencionado:
nascido em 1923, deduz-se que, seu pai fez parte da primeira geração de filhos nascidos após
a abolição; migrou poucos anos após o nascimento do seu filho, próximo a década de 30;
pode ter migrado sem a família, arranjado emprego como operário e se estabilizado em
Mesquita; e, por fim, uma vez ali instalado, provavelmente, legitimou sua relação conjugal e,
fora da Baixada. Provavelmente, a migração, com família formada, foi muito mais uma
No que tange à faixa etária das pessoas, registradas por região de origem, é possível
diferença entre homens e mulheres é praticamente ínfima, ou seja, havia um equilíbrio entre
os sexos nos registros tardios. De certa forma, os pais e mães buscaram legitimar ambos os
filhos. Em segundo lugar, na faixa etária entre 0 e 5 anos a quantidade de registros realmente
registradas tardiamente podem indicar uma estabilização dessa população de pretos e pardos,
A busca pelo registro e pela legitimação de todos os seus familiares foi muito
filhos de pretos e pardos sendo registrados todos no mesmo dia. Esse foi o caso de J.G.D. que
registrou cinco filhos no mesmo dia sendo “brasileiro, residente neste distrito”. No primeiro
No dia 4 de agosto de mil novecentos e trinta e quatro em Paraíba do Sul, neste Estado, nasceu uma
criança do sexo masculino, de cor parda que tomou o nome de J.D. filho natural dele declarante e de
184
sua mulher Dona I.C.S. brasileira e doméstica.
O seu segundo filho nasceu no ano de 1930, o terceiro em 1931, o quarto em 1934 e o quinto
em 1935, todos nascidos no Município de Paraíba do Sul. Caso semelhante aconteceu com
L.M.C, em 1939 registrou 3 filhos no mesmo dia. No primeiro filho, o assento mostrou que:
Aos trinta dias do mês de dezembro de mil novecentos e trinta e nove, compareceu L.M.C., brasileiro,
lavrador, residente neste distrito, declarou que as quatorze horas do dia oito de fevereiro de mil
novecentos e vinte nove, em Queimados, neste Município, nasceu uma criança do sexo feminino de
184
Livro 61, registro 15759, de 1939, RCPNNI.
cli
cor parda, que tomou o nome de T.J.M filha legitima dele declarante e de sua mulher L.A.M.
185
falecida.
Esta dissertação não enfoca o acesso à terra por pretos e pardos na Baixada
pessoas, serão usadas duas tabelas, as quais cruzam a categoria cor com os locais de
residência dos registrados. Dentre os 488 registros, somente em 90 há menção clara sobre o
local de residência (tabela 3.25). Nestes, em 75 (83%) casos, tal população está basicamente
3.26. Em 1939, dentre os 245 registros de crianças nascidas, dentro do Município de Nova
Iguaçu, em 165 (67%), essa população está fora da sede. Eles estão presentes nos distritos
Mesquita.
Tabela 3.25 – Região da residência por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e
adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
185
Livro 61, registro 15741, de 1939, RCPNNI.
clii
Tabela 3.26 – Região do nascimento por ano das pessoas declaradas como pretas e pardas nos registros civis de
nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
nascimentos, aparentemente, a parcela da população que mais buscou legitimar seus filhos
foram os pais de pessoas registradas como pretas e pardas, sendo estes casados ou não.
Deveras, a partir dessas leis e decretos, foi possível perceber a formação de famílias de pretos
186
HOLT, Thomas. The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938
Baltimore and London: Johns Hopkins University Press, 1992, capítulo 5.
cliii
Os auto-declarantes
Nova Iguaçu. Estes registros possuem uma especificidade significativa em relação aos outros.
Se nos registros anteriores foram os pais ou as mães que declaravam o que desejavam, nesse
momento eram as próprias pessoas que selecionavam o que ser assentado. Para além desse
fator, estes registros são muito mais ricos de informações, uma vez que há menções sobre o
crianças, jovens e adultos registrados por outrem, o primeiro está em menor número. Dentre
os 1.832 registros tardios, 867 (47%) são de auto-declarantes (tabela 3.27). Dentre esse total,
os que se declararam pretos e pardos estão presentes em 513 (59%) registros. Isso demonstra
que tal grupo buscou, de forma contundente, o registro civil de nascimento. Ao separar a
quantidade de registros por cor e por ano, percebe-se um crescimento significativo entre os
anos de 1934 e 1939. Se no primeiro, apenas 201 (23%) pretos e pardos procuraram o registro
civil, no segundo ano, em questão, esse número subiu para 309 (35%).
Tabela 3.27 - Total de registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes por cor e ano. Município de
Nova Iguaçu.
boa parcela teve família constituída (tabela 3.28). Dentre os 513 registros de pretos e pardos,
infelizmente, em 307 (60%) não há qualquer informação sobre a situação conjugal dos pais.
cliv
Nos 206 registros restantes, a quantidade de pai e mãe casados são, ao todo, 159 (77%).
Declararam também haver, entre o pai e a mãe solteiros somados, 41 (19%) registros. Não
declarantes. De acordo com a tabela 3.29, nos 513 registros, em 399 (78%), eles se
declararam como filhos “legítimos”, enquanto, em 109 (21%), disseram ser filhos “naturais”.
Por um lado, pode-se presumir que a maior parte dos auto-declarantes possuíam famílias
estáveis e nucleares. Por outro, é preciso relembrar que, o empregado do cartório é obrigado a
registrar tudo aquilo que o declarante fala. Dessa forma, é possível notar que eram poucas as
Tabela 3.28 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de auto-
declarantes. Município de Nova Iguaçu.
Tabela 3.29 - Legitimidade por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de
Nova Iguaçu.
Dentre os 513 registros, em 504 (98%), não é informada a profissão do pai e, portanto, o tipo
de trabalho do pai aparece somente em 11 (2%) assentos (tabela 3.30). Deste total, 6 estavam
(tabela 3.31), pois somente em 28 (5%) registros são declarados as profissões destas, sendo 23
domésticas e 5 lavradoras.
Tabela 3.30 - Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município
de Nova Iguaçu.
Tabela 3.31 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes. Município de
Nova Iguaçu.
Aparentemente, essa parcela da população conheceu muito pouco dos seus avós. A
quantidade de pessoas, que não conheceram e nem souberam nomear todos os seus avós,
chegou ao número de 236 (46%) dos registros (tabela 3.32). Desse total de 513 registros, 22
(4%) conheceu apenas um avô. Os que nomearam o avô paterno foram 231 (45%) e a avó
paterna 225 (44%). Nestes registros, os avós maternos foram menos citados do que nos
registros anteriores, ficando o avô materno com 253 (49%) e a avó materna com 277 (54%)
registros.
clvi
Tabela 3.32 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros
civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.
Porcentagem Total
Avô Paterno 45% 231
Avó Paterna 44% 225
Avô Materno 49% 253
Avó Materna 54% 277
Todos os avós 44% 225
Nenhum dos avós 46% 236
Pelo menos um avô 4% 22
Total de registros 513
de detalhamento da situação conjugal dos pais, das profissões dos pais e dos nomes avós, à
priori, indica que estes tiveram uma ruptura precoce com a comunidade de origem. Mesmo
diante de tal quadro, é preciso salientar os indícios de que estes provieram de comunidade
e/ou famílias estáveis. Preliminarmente, é lícito supor que são pessoas que, aparentemente,
deixaram seus pais e avós quando eram relativamente jovens. Para entender um pouco mais
registrar sem a presença dos pais. Ao analisar o ano do nascimento dos auto-declarantes em
relação ao ano de seu registro, percebe-se que estes eram, em boa parte, jovens e adultos.
Conforme fora analisado neste capítulo, na tabela 3.27, quase todos os registros são feitos nos
anos de 1934 e 1939. Na figura 3.5, tomou-se, por base, o ano de 1934. Através da linha, é
nascidas após a década de 1900. O pico foi no ano de 1913 e, daí em diante, apenas diminui,
chegando o último registro, no ano de 1920. A figura 3.6 foi construída a partir dos registros
clvii
recorreram ao cartório, tendo as nascidas, entre 1917 e 1918, as que mais procuraram se
registrar.
Figura 3.5 – Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano de 1934.
Município de Nova Iguaçu.
35
30
25
20
15
10
0
89
90
91
92
94
95
96
97
98
99
00
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
18
20
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
Dentro Baixada Fora Baixada Total geral
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1934.
clviii
Figura 3.6 - Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano 1939.
Município de Nova Iguaçu.
40
35
30
25
20
15
10
0
81
82
83
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
00
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
28
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
Dentro Baixada Fora Baixada Total geral
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1939.
por sexo, é possível perceber as características específicas dessa população de pretos e pardos.
A figura 3.7 foi construída com todos os registros, de 1934, de pessoas que se declararam
pretas e pardas no cartório de Nova Iguaçu. Nela, é possível observar que a maior parcela, que
buscou se registrar, era de homens entre 21 e 30 anos. A quantidade de mulheres, que se auto-
declararam, foi muito menor em relação a dos homens, no ano de 1934. Ao se examinar mais
detalhadamente o ano de 1939, chega-se a conclusão de, que além dos jovens e adultos, uma
outra parcela da população de pretos e pardos buscou o registro. Na figura 3.8 a maior parte
dos que procuraram os registros civis de nascimento continuam sendo homens e adultos entre
Figura 3.7 – Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-
declarantes, 1934. Município de Nova Iguaçu.
61 - +
56 - 60
51 - 55
46 - 50
41 - 45
36 - 40
31 - 35
26 - 30
21 - 25
16 - 20
11 - 15
6 - 10
0-5
Feminino Masculino
Figura 3.8 - Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-
declarantes, 1939. Município de Nova Iguaçu.
61 - +
56 - 60
51 - 55
46 - 50
41 - 45
36 - 40
31 - 35
26 - 30
21 - 25
16 - 20
11 - 15
6 - 10
0-5
Feminino Masculino
A aparente maior quantidade de homens, nos registros civis, não significa que estes
eram a maioria entre a população do Município de Nova Iguaçu. Tanto que, de acordo com o
censo de 1940, a diferença entre homens e mulheres nesse município, dentre as 140.606
O notável número de homens, presentes nos registros, provavelmente, indica que essas
pessoas buscaram o registro para terem acesso ao trabalho, visto que os novos arranjos de
poucos se dedicaram à agricultura. Na tabela 3.33, foi separada por sexo as profissões dos que
se declararam pretos e pardos. Dentre os 165 registros, nos quais são informadas as profissões
dos homens, 110 (67%) estão ligados a trabalhos de operário, enquanto 15 (9%) são
comerciantes. O impressionante foi perceber que apenas 22 (13%) homens estavam ligados a
trabalhos de cultivo.
Tabela 3.33 – Profissão por sexo de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos
tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.
e pardos, e eram compostos em sua maior parte por homens em idade adulta, é possível
perceber a sua especificidade. Nas figuras 3.5 e 3.6 é possível observar que a maior parte dos
figura 3.9, buscou-se dividir a população auto-declarante, em 1934, entre nascidos “fora” e
“dentro” da Baixada por faixa etária. Neste ano, praticamente, quase toda a população de
Iguaçu. De uma forma semelhante, mas tendo suas singularidades, esse número de 1934 se
manteve nos registros de 1939 (figura 3.10). Ou seja, a maior parcela dos que procuraram se
perceber que, nesse último ano coletado, houve uma busca mais intensa pelo registro civil de
nascimento por uma parcela da população proveniente de fora da Baixada que possuía entre
40 e 60 anos.
Figura 3.9 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes
pretos e pardos, em 1934. Município de Nova Iguaçu.
160
140
120
100
Dentro da Baixada
80
Fora da Baixada
60
40
20
0
11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 41 - 45
Figura 3.10 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes
pretos e pardos, em 1939. Município de Nova Iguaçu.
120
100
80
Dentro Baixada
60
Fora Baixada
40
20
0
11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 41 - 45 46 - 50 51 - 55 56 - 60
Detalhando os locais de origem, percebe-se que uma boa parcela dos migrados veio
de uma região específica do Estado do Rio de Janeiro. Na tabela 3.34, dentre os 513 registros
de pretos e pardos, um total de 186 (36%) registros declararam o Vale do Paraíba como o
registros. Na tabela 3.35 (anexo), optou-se por colocar todos os locais de onde os auto-
e Juiz de Fora como os que mais “expulsaram” população, ao analisar os registros de 1934 e
1939. Dessa forma, a partir da tabela de locais de origem pode-se construir um mapa que
Tabela 3.34 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município
de Nova Iguaçu.
Paraíba, nota-se uma grande presença de homens na faixa etária própria para o trabalho, entre
operário e trabalhador; são 43 (26%) registros. Nas outras profissões, a presença de tal grupo
pardas, percebe-se a sua distribuição na Baixada Fluminense. Conforme a tabela 3.36, essa
Nova Iguaçu. Em Belford Roxo, havia 24 pessoas, enquanto em Mesquita, 126 e, no interior
do município, 168.
clxiv
maior parte seguiu o ritmo da população de pretos e pardos. Dentre os 186 registros, 120
(65%) residiram fora da sede do Município de Nova Iguaçu, enquanto uma pequena parcela,
entender um pouco mais lógica de migração para esse distrito, seria necessário estudos
acesso à terra.
Tabela 3.36 - Região da residência nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município de Nova
Iguaçu.
pode-se chegar a suposições interessantes. Nesta parte, parece acertado afirmar que o perfil
das pessoas que buscaram se registrar, era de homens, jovens e adultos, entre 20 e 30 anos,
nasceram entre os anos de 1900 e 1920. De forma semelhante, Ana Rios através da análise de
duas famílias, percebeu que a maior parte dos descendentes de ex-escravos que migraram do
clxv
Vale do Paraíba, eram maioria homens e nasceram entre esses mesmos anos de 1900 e 1920.
187
Na realidade, tanto nas entrevistas quanto nos registros, aparentemente, esta população
evitou, de alguma forma, o trabalho com a lavoura. É possível que, o crescimento urbano com
3.3 A busca pelo registro civil da população de pretos e pardos na Era Vargas
Nesta última parte, será analisada a importância do Governo de Getúlio Vargas para a
população de pretos e pardos, na Baixada Fluminense. Para alcançar este objetivo, o presente
texto será dividido em duas partes. Na primeira, será feita uma discussão bibliográfica sobre
esse tema, utilizando, principalmente, os textos de Ana Rios e de Hebe Mattos. Na segunda
parte, será analisado o registro civil de nascimento do município de Nova Iguaçu. Trata-se,
aqui, de levantar questões sobre o aumento da busca ao registro civil, após a entrada de
Vargas no governo.
***
187
RIOS, A. História Oral e Migração – um debate metodológico. (mímeo)
clxvi
188
e não respeitavam a legislação existente. Assim como o contrato era rapidamente
por essa autora, houve casos em que os patrões tentaram: restringir a movimentação dos
sentiam prejudicados, por vezes, estes colocavam fogo na casa daqueles. Uma das soluções
sendo, possivelmente, as conseqüências desses atos, as mais terríveis. Com tal estratégia, os
entanto, a intervenção do poder público federal não seria vista com bons olhos, uma vez que
contratos de ‘boca’ e pelos inúmeros aspectos relativos à parte não monetária dos mesmos”.
190
Qualquer tentativa de afirmar a legislação, ou de construir uma nova, aparentemente,
prejudicaria os proprietários.
188
RIOS, A. & MATTOS, H. Memórias do Cativeiro: Família, Trabalho e Cidadania no Pós-Abolição. RJ: Ed.
Civilização Brasileira, 2005. p. 247.
189
Ibid., p. 249.
190
RIOS, A e MATTOS, H op. cit., p. 148.
clxvii
Vargas assumiu o poder. Nas análises de Ana Rio de Hebe Mattos, elas demonstraram que nas
do cativeiro e o tempo da liberdade. Para estes dois, nascidos da primeira geração após a
191
abolição, o marco de ruptura, com a escravidão, foi o Governo Vargas. Em suas
Deveras, Vargas pode não ter conseguido manter uma situação estável no campo,
porém, a presença do Estado passou a ser mais sentida entre proprietários e trabalhadores.
Por mais que as ações de Vargas não estivessem direcionadas para o campo, o mundo
agrário foi modificado durante seu Governo. É certo que as leis trabalhistas de 1934 não
chegaram aos trabalhadores rurais; todavia, a emergência de novos agentes de Estado fez com
representando, em alguns aspectos, a quebra da relação hierárquica presente. Desse modo, foi
possível notar uma relativa independência dos tribunais, em relação aos fazendeiros, assim
191
Ibid., p. 248 e MATTOS, H. Marcas da escravidão: Biografia, Racialização e Memória do Cativeiro na
Historia do Brasil. Tese para professor Titular no Departamento de Historia da UFF. Niterói, 2004. p. 64. Para
uma leitura dos trechos importantes destas entrevistas ver o capítulo “Diálogo dos tempos”, de RIOS, A. e
MATTOS, H op. cit., p. 127-129.
192
RIOS, A. e MATTOS, H. op. cit., p. 249.
193
MATTOS, H. op. cit., 2004, p. 62.
clxviii
como tornou mais acessível a busca pelos serviços públicos, por exemplo, Hospitais, escolas,
Para além da maior presença do Estado, outros elementos devem ser citados, no que
concerne à modificação do mundo rural. O crescimento urbano, nas áreas próximas ao Vale
apenas as trocas entre mundo rural e urbano colaboraram neste sentido; ora, a ampliação dos
garantiram os direitos dos trabalhadores. É lícito supor que tais elementos aumentaram,
40.
mecanismos legais. Nesse sentido, em Nova Iguaçu, durante o seu governo, foi possível
perceber a procura intensa pelos registros tardios de nascimentos. Entre essas pessoas
estavam, em boa parte, pretos e pardos, migrados de outras regiões do Rio de Janeiro, em
destaque do Vale do Paraíba. Para entender, um pouco melhor, de que forma esse governo
contribuiu para incentivar a busca pelo registro civil, dessa parcela da população que
de Nova Iguaçu.
194
Ibid., p. 66.
195
Ibid., p. 67.
196
Idem.
clxix
sua efetivação, percebe-se que, entre 1930 e 1939, eles possuem uma característica bem
específica. Após a lei de 2.887, de 25 de janeiro de 1914, citada na primeira parte deste
capítulo, apenas 16 anos mais tarde novas leis, incentivadoras do registro civil de
cinco anos, as primeiras investidas do governo, em 1914 e 1919, nesse sentido, não aparecem
na mostra analisada.
Ao entrar na década de 30, este quadro muda radicalmente. Em tal década o Decreto
19.425 ampliou, para quatro meses, o prazo dos registros de nascimentos ocorridos a mais de
registro de nascimento, sem que fosse necessário o pagamento de multas e a justificativa para
198
o registro tardio. No dia 24 de fevereiro de 1939, o decreto 1.116 parece ter acertado, no
que tange à iniciativa ampliar o acesso da população, ao registro civil. Nesse decreto, todos
que desejavam fazer o registro tardio foram anistiados da multa. O mesmo foi reforçado, no
dia 29 de dezembro do referido ano, prorrogando o prazo para que, aqueles que não tivessem
Ao total, nesse período, foram promulgados 4 decretos e uma Lei em relação registro
civil, sendo a maior parte deles, como visto acima, direcionados à regulamentação do registro
tardio. A investida do Governo Vargas, nessa população que não havia recorrido ao registro
no tempo correto por lei, aparentemente, pôde ser vista nos registros civis de nascimentos do
Município de Nova Iguaçu. Na tabela 3.13, apresentada na parte 3.2 deste capítulo, dentre os
1.832 registros tardios, 1.750 (96%) foram realizados entre os anos de 1934 e 1939.
197
Decreto 19425 de 24/11/1930.
198
Decreto 19710 de 18/02/1931.
199
Decreto 1116 de 24/02/1939 e Lei 1929 de 29/12/1939.
clxx
3.11, colocou-se todos os registros de crianças registradas de acordo com a lei, ou seja,
registradas no ano do nascimento, feitos de 1889 a 1939. Como é possível observar, entre os
anos de 1919 a 1939, no que tange às crianças brancas, os pais das pretas e pardas recorreram,
Figura 3.11 – Registros realizados no ano de nascimento da criança por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
600
500
400
Branca
Outras cores
300
Não Informada
Pardas e pretas
200
100
0
1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1889,
1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.
Não obstante, ao olhar a figura 3.12, comparando os mesmo anos, verifica-se que,
após 1934, entre as pessoas, as quais buscaram registrar seus filhos e se registrar tardiamente,
utilizando-se das leis e decretos promulgados, a maioria era composta por pretos e pardos.
clxxi
Figura 3.12 – Registros tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.
800
700
600
500
Branca
Outras cores
400
Não Informada
Pardas e Pretas
300
200
100
0
1919 1924 1929 1934 1939
no Município de Nova Iguaçu percebe-se uma grande diferença entre os registros feitos no
crianças nascidas dentro da Baixada Fluminense entre 1919 e 1939, têm-se 1.524 (97%) dos
1.569 registros, sobrando 20 (1%) para as nascidas fora do Município de Nova Iguaçu.
1.001 registros, os de pessoas nascidas, no Município de Nova Iguaçu, são 425 (42%), ao
mesmo tempo em que os nascidos fora contabilizam 554 (55%) (tabela 3.38).
decretos promulgados, após 1930, aparentemente, levaram, ao registro civil, uma maior
quantidade de pretos e pardos, os quais legitimaram suas relações e sua prole, mesmo que
tardiamente. Dentre estes, a maior parte era provinda de outras regiões, que não o Município
clxxii
de Nova Iguaçu; destaca-se, para isso o Vale do Paraíba que, dentre os 1.001 registros, 283
(28%) eram dessa região e a Capital Federal que tinha 74 (7%) pessoas.
Tabela 3.37 - Região de nascimento das crianças registradas no ano de seu nascimento por cor. Município de
Nova Iguaçu.
Por causa da natureza dos registros, torna-se difícil alcançar também maiores
conclusões, sobre a formação familiar em cada tipo de registro. O problema principal está no
registro tardio, o qual se divide entre os de crianças, jovens e adultos registrados por outrem e
registro civil, pela população de pretos e pardos, quando se separa estes registros um
panorama muito interessante surge. Dos 1.832 registros tardios, 965 (53%) são de pessoas
os dados presentes, em cada um destes registros, diferem de forma peculiar (tabelas 3.19 e
3.31). No primeiro, a quantidade de registros, onde o pai é referido, é expressiva, uma vez
que, dentre os 488 registros de crianças pretas e pardas, ele está presente em 217 (44%); e, na
clxxiii
referência ao pai aparece somente em 9 (2%) dos 513 registros. Destes, 6 trabalham
especificamente na lavoura.
Tabela 3.38 - Região de nascimento por cor das pessoas registradas fora do ano de seu nascimento (tardios).
Município de Nova Iguaçu.
registros, em apenas 165 (42%), mostram as profissões dos auto-declarantes. Estes 22 (13%)
são lavradores, enquanto um número surpreendente de 110 (64%) pessoas são de operários e
ano, na tabela 3.39, percebe-se que, em 1934, a categoria “operário” aparece de forma
contundente.
clxxiv
Tabela 3.39 - Profissão das pessoas que se auto-declararam por ano. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1924,
1929, 1934 e 1939.
registro civil de nascimento. Embora em 1939 tivesse mais auto-registros do que em 1934, os
registros deste ano eram muito mais completos do que nos outros anos. Coincidência ou não,
no mesmo ano de 1934, quando foi promulgada a nova constituição de Vargas e as Leis
declarantes, é alta.
De certo modo, essas leis e decretos, na década de 1930, permitiram a essa parcela da
população, formada em sua maioria de pretos e pardos, que estava em busca de trabalho ter
maior acesso ao registro civil de nascimento. Nesta década, ao examinar com atenção, tanto o
Vale do Paraíba quanto a Capital Federal, percebe-se que, nesses lugares o momento, é muito
desmandos senhoriais podem ter “expulsado” essa mão-de-obra para fora da região. Já na
Capital Federal, de acordo com Fisher, a população de pretos e pardos, que era moradora de
áreas mais pobres do centro do Rio de Janeiro, teve de abandonar suas casas. Para esse autor,
clxxv
isso ocorreu devido ao crescimento urbano e ao aumento dos conflitos com os políticos, que
almejavam, a todo custo, o êxodo moradores pobres das favelas. De acordo com este autor “o
citado período, os conflitos entre políticos e/ou proprietários e trabalhadores não foram
percebidos. Neste sentido, o Município de Nova Iguaçu pode ter funcionado como “válvula de
escape” destas duas regiões, uma vez que a quantidade de registros de pessoas pretas e pardas
sistemáticos sobre a ação do governo de Vargas na Baixada; todavia, pode-se presumir que a
aparente falta de políticas públicas direcionadas para essa região, contraditoriamente, tenha
colaborado para a estabilização de pretos e pardos, oriundo de outras regiões em crise, entre
1920 e 1940.
200
FISHER, Brodwyn Partindo a cidade maravilhosa. In: GOMES, Flávio Santos (ORGS.) e CUNHA, Olívia M.
G. Quase-Cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007. p. 447.
clxxvi
Conclusão
provavelmente, deve ser uma das mais difíceis da vida de uma pessoas. Não deve ser fácil
optar ir para um lugar onde não há qualquer relação social construída, onde não é mais filho,
neto e afilhado de alguém conhecido na região, onde não é reconhecido por ser um bom
trabalhador e principalmente onde não há qualquer pessoa que o ajude em uma situação de
crise. Enfim, migrar, aparentemente, é uma situação limite que visa ajudar a família de origem
não é tomada a esmo. Não se migra sem ter a certeza de que é possível, no lugar escolhido,
estabilização dos descendentes de libertos, ao longo do século XX. Apesar dos últimos anos
alguma forma, mesmo que instável, permanecer no campo nos primeiros anos do período do
pós-abolição. Com a pequena roça, seja doada por patrões, ou concedidos por proprietários
Esses novos tipos de produção exigiam menos trabalho coletivo e mais terra. A
diminuição de oferta da pequena roça e a falta de emprego nas grandes propriedades não
empreendidos por ex-escravos e seus descendentes: aliar o trabalho assalariado nas grandes
mercados locais. Consequentemente, uma das estratégias, encontradas por essa parcela da
população, foi a migração para diversos lugares dentro do Vale do Paraíba e para outras
para o Município de Nova Iguaçu. Essa escolha foi embasada pelas entrevistas do acervo
suas relações familiares e sociais. Tanto no Vale do Paraíba como no Município de Nova
Iguaçu, pretos e pardos estavam presentes nos registros civis. O ato de registrar os filhos e a
si, pressupõe que esses estivessem estabilizados na região. Estabilizado não significa dizer,
automaticamente, que possuíam família nuclear formada, pois entre os registros civis
encontrados, uma parte significativa das crianças, registradas como pretas e pardas, eram
filhos de mães solteiras. Dessa forma, com a presença da categoria “cor”, em quase todos os
registros, foi possível perceber a formação familiar de pretos e pardos, no município de Nova
chegou ao seu auge. Desde 1896, quando da primeira exportação de laranjas para os países do
sul da América, esse tipo de produção ganhou destaque no Estado do Rio de Janeiro. Na
chácara era o terreno ideal para a plantação de laranjas. Apesar de necessitar de uma área
pequena para a sua produção, não se sabe ao certo o valor para se iniciar, no entanto, é
possível afirmar que não estava acessível a todos. Tanto que, as maiores empresas nesse ramo,
espanhóis.
para a região, como o crescimento urbano e a diversificação dos arranjos de trabalho. Nos
nas primeiras décadas do século XX. De 33.396 pessoas recenseadas em 1920, esse número
obra nas chácaras de laranja e nos setores ligados a ela, aliada ao crescimento urbano, com
propriedades baratas, ao entorno das regiões produtores, levaram à Baixada Fluminense uma
aumento pela procura do registro civil, após esses anos, demonstra que nesse momento as
completas procuraram legitimar seus filhos, as incompletas, com mães solteiras, participaram
ativamente na busca pelo registro civil. Da mesma forma, os números encontrados após 1930,
no Município de Nova Iguaçu, assemelhavam-se aos de Ana Rios para Paraíba do Sul para o
período imediato do pós-abolição. O pai estava mais presente nos registros, assim como
dos registros consistia na existência de uma quantidade considerável de pais, registrando seus
promulgou Leis e Decretos, que incentivavam a busca pelo registro civil de nascimento tardio.
Sem o dever de pagar multa pelo atraso do registro, em Nova Iguaçu, um grupo específico
buscou o registro civil, nesse período. Na coleta de dados no cartório dessa região, foi
possível encontrar dois tipos de registros tardios: o registro tardio de crianças, jovens e
adultos declarados por outrem e os registros nos quais as pessoas auto-declaravam seu
nascimento. Nos dois casos foi impressionante ver a quantidade de pretos e pardos que
outrem, os pais não mediram esforços para registrar os seus filhos. A maior parte dos registros
eram de crianças entre 0 e 5 anos, registradas como pretas e pardas e nascidas no próprio
anos, percebe-se que a maioria nasceu em regiões fora da Baixada Fluminense. Destaca-se,
nesse caso, as pessoas nascidas na região do Vale do Paraíba e que foram registradas,
ser, em sua maioria, pretos e pardos. De acordo com o ano de seu nascimento estavam entre
como operários e trabalhadores. Esse grupo específico, de pessoas que buscou se registrarem
no cartório, era de fora da Baixada Fluminense, e, uma parte significativa, veio do Vale do
ao entorno da sede de Nova Iguaçu, onde, provavelmente, as propriedades eram mais baratas
e permitia aliar plantação de subsistência e venda de excedentes nos mercados locais com
trabalho assalariado.
clxxx
A busca pelo registro civil, na idade adulta, pode estar ligada ao período Varguista.
Após 1934 foi intensa a quantidade de pessoas se registrando como operários e trabalhadores,
no cartório de Nova Iguaçu. Os diversos empregos, abertos na Baixada, podem ter exigido a
carteira de trabalho e com ela a identidade civil, através da certidão de nascimento. Desse
modo, as leis trabalhistas e a criação da carteira de trabalho podem ter incentivado esse grupo,
de trabalho. Aparentemente, essa região serviu como “válvula de escape” tanto do Vale do
Paraíba, que estava expulsando pessoas, como do centro do Rio de Janeiro que passava por
um período de reformas, e estava retirando a população pobre, das favelas e dos cortiços.
loteamentos de terra, provavelmente, foi assentada nas regiões ao entorno da sede essa
Migrar para muitas famílias, como as encontradas durante a pesquisa, significou uma
mudança radical de vida. Efetivamente, a maior parte das histórias, mencionadas nesta
negativo, uma vez que, muitas famílias entrevistadas não sabem, até os dias de hoje, o
paradeiro dos seus parentes migrados. A margem de erro dessa população era muito pequena,
BIBLIOGRAFIA
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RIOS, A. Não se esquece um elefante: notas sobre os últimos africanos e a memória d’África
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CAMPOS, Adriana. Nas Rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no
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ROCHA, Jorge Luís De quando dar os Anéis – A estrutura fundiária da Baixada Fluminense e
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SCOTT, Rebecca. Degrees of Freedom: Louisiana and Cuba After Slavery. Belknap Press,
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VIANA, M. T. Nova Iguaçu: absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro.
Nova Iguaçu, IBGE, 1962.
clxxxvi
ANEXOS
clxxxvii
Anexo - I
Capítulo 1
Tabelas
Tabela 1.3 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença, Vassouras, Iguassú e Estrella.
Nova Iguaçu 35
Sarapuí 3
Rocha Sorinho 2
Sede 16
Morro Agudo 3
Belford Roxo 7
Mesquita 3
Austin 1
Queimados 7
Queimados (centro) 6
São Pedro 1
Cava 8
Tinguá 3
Retiro 4
São Bernardino 1
Meriti 21
Meriti (centro) 18
São Matheus 3
Estrella 22
Estrella (centro) 18
Xerém 4
Nilópolis 6
Bonfim 5
201
Em 1940 foi somado o Município de Entre Rios
202
Em 1872 foi somada o Município de Estrella com o Município de Iguassú que atualmente configuram a
Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
clxxxviii
Tabela A.2 – Profissão do pai de crianças registradas tardiamente como pretas e pardas. Município de Nova
Iguaçu.
Total
Açougueiro 2
Administrador 1
Agricultor 3
Ajudante 2
Alfaiate 2
Armador 1
Artista 8
Bombeiro Hidraulico 1
Carpinteiro 11
Carvoeiro 2
Chauffeur 10
Comerciante 44
Eletricista 5
Empregado 1
Empregado da Estrada de Ferro Rio D`ouro 3
Empregado do comércio 1
Empregado do Departamendo Nacional de Saúde Públic 5
Empregado municipal 7
Empregado ou funcionário publico 205
Estrada de Ferro Central do Brasil 2
Farmacêutico 1
Ferreiro 3
Ferroviário 1
Florista 1
Foguista 1
Funcionário da Justiça 1
Gráfico 1
Industrial 1
Jardineiro 1
Jornaleiro 28
Jurista 1
Lavrador 498
Light 4
Lustrador 1
maquinista 1
Marceneiro 3
Marinheiro Nacional 4
Maritimo 1
Mecânico 5
Militar 16
Mortorneiro 1
Motorista 3
Negociante 9
Operário 245
Padeiro 2
Pedreiro 36
Pintor 6
Pirotécnico 2
Protético Dentário 1
Sapateiro 2
Trabalhador 9
clxxxix
Trabalhador da Prefeitura do DF 1
Total geral 1206
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1924,
1929, 1934 e 1939.
Tabela 3.4 – Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos, 1939. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1939.
cxci
Tabela 3.18 – Profissão do Pai por cor nos registros civis de nascimento tardios de crianças, jovens e adultos
declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1919,
1924, 1929, 1934 e 1939.
cxcii
Tabela 3.35 – Locais de Nascimento no Vale do Paraíba nos registros civis de nascimentos dos auto-declarantes.
Total
Além Paraíba 3
Amparo 1
Aparecida do Norte 1
Bananal 1
Barbacena 3
Barra do Piraí 8
Barra Mansa 5
Belmiro Braga 1
Bicas 1
Bom Jardim 1
Cambuci 2
Cantagalo 6
Carmo 2
Conservatória 3
Cordeiro 1
Fazenda Boa Vista 1
Fazenda de Santa Cecília 1
Fazenda de Santa Clara 1
Friburgo 1
Ipiabas 3
Itabopoana 1
Itaocara 2
Itaperuna 4
Itatiaia 1
Jacareí 1
Juiz de Fora 12
Juparauá 2
Juparauã 1
Leopoldina 2
Lima Duarte 8
Mar de Espanha 3
Maripá 1
Mendes 2
Miguel Pereira 1
Miracema 2
Monte Verde 1
Muriaé 1
Paraíba do Sul 16
Paty de Alferes 6
Petrópolis 3
Piraí 3
Porto das Flores 3
Porto Novo do Cunha 3
Quatis 2
Resende 1
Rio Claro 2
Rio Novo 1
Rio Preto 3
Sant´Anna de Palmeiras 1
Santa Isabel do Rio Preto 3
Santa Rita de Jacutinga 4
São Francisco de Paula 1
cxciii
Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1919,
1924, 1929, 1934 e 1939.
cxciv
ANEXOS II
Passagem da entrevista no qual Izaquiel conta sobre o momento que reencontrou seu
sobrinho.
- E a Melinda?
- Melinda foi pro Rio, ficou lá no Rio, deixou a menina, a menina morreu.
- Não sei a idade que ela tinha não, eu era pequeno, era garoto.
- Foram as duas?
- As duas foram pro Rio, foi uma pessoa daqui, foi por intermédio de uma pessoa que ela foi
se empregar, foi empregar em um lugar, que não sei onde, o nome é Laranjeira, e aí por lá,
minha irmã veio e ela não veio, diz que não queria vir aqui mais não, para roça, ficou por lá.
Minha irmã veio e ela não veio. Depois então não escreveu mais, papai procurava, mandou
colocar no jornal, que ela sumiu e ela não aparecia de jeito nenhum, depois então minha mãe
morreu, chorava sempre por causa dela, meu pai também morreu, sem saber. Depois um dia
ela precisou lá de documento, documento no Rio, pra tirar documento pra ela, aí falou com
filho dela, aí ela já tinha filho no Rio, já era casada e tinha filho, filho de um português no Rio
e falou com ele que viesse aqui em Paraíba do Sul, para ir no cartório, para tirar o documento
de idade aqui no cartório, que era para ela poder tirar lá o documento no Rio. Depois ele
estação, aí ele chegando aqui, quando ele falou o meu nome lá com a escrivona, ela me
conhece muito, me conhecia, ela já morreu a escrivona, morreu em Niterói, ela falou assim:
“essa pessoa que essa pessoa que você está procurando por aqui, tem parente aqui, você tem
parente por aqui, por esse sobrenome que você me deu”. Aí a escrivona falou para ele assim:
“Escuta, você não tem parente aqui em Paraíba?” “Não sei, eu nunca vim aqui, vim aqui pela
primeira vez”. Ela falou assim: “olha, você tem parente aqui em Paraíba, porque tem um
rapaz que trabalha na estação aqui em Paraíba, que deve ser parente da sua mãe, mas você
pergunta lá estação, quem sabe, mas antes...agora eu posso abrir o cartório que é muito cedo,
mas depois eu posso ir lá abrir o cartório, quando foi um meio-dia, você vem, mas agora não
posso abrir o cartório”. Porque ensinaram para ele onde era a casa dela, aí ele foi na casa dela
e falou com ela, aqui em Paraíba. Aí ele falou: “depois eu posso ir lá tirar”, chamava Íris
Aí ele foi veio na estação e perguntou se não tinha essa pessoa por aqui. Essa pessoa chama,
já fiz dois casamentos dele aqui, chama Izaquiel, Izaquiel o nome dele, você procura lá na
estação, ele é guarda na estação, você procura ele que é capaz dele estar lá estação, se não
tiver eles sabem onde mora. Aí ele veio na estação e perguntou, mas eu tinha saído naquela
hora do pernoite da estação, chegando lá o agente falou com ele: “trabalha sim, ele chama
Izaquiel”. “Pois é, eu queria saber onde é que ele mora”. “Ah, ele mora aqui pra baixo, você
desce aqui pra baixo pelo lado da Cerâmica D’Angelo, é praquele lado, você pergunta por ali,
que você vai na casa dele”. Aí ele veio, ele veio direitinho, chegando na Cerâmica ele
perguntou, aí informaram onde eu morava, mas eu já tinha vindo em casa e voltei para
Paraíba outra vez, eu estava de bicicleta, naquele tempo eu gostava de andar com um chapéu
preto, da fita branca, boiadeiro, então ele encontrou comigo, bem, veio em casa, na minha
casa, chegou na minha casa minha filha atendeu e ele falou assim: “aqui mora um tal de
Izaquiel?” Ela falou assim: “Mora sim, o senhor deve ter encontrado com ele por aí, não
cxcvi
encontrou não?” Ele falou assim: “Porque?” “Senhor não encontrou com um homem por aí de
bicicleta, com chapéu preto, com a fita branca?” “Encontrei sim, de bicicleta, um homem
nessas condições.” “Aquele que é meu pai, ele foi lá fora em Paraíba.” “Mas será que eu
voltando encontro ele lá?” “Voltando encontra, porque ele deve estar numa loja”. Porque eu
fui numa loja, a menina sabia. “Ele está numa loja ali na chegada, pra cá da estação, ele está
naquela loja, foi ele e mamãe”. Aí ele foi, quando ele chegou lá, ele olhou e falou assim para
o sogro dele: “aquele ali é que nós encontremos, será que é ele?” Ele falou assim: “esse
mesmo que nós encontremos.” Aí ele ficou em pé na porta, mas eu tava ainda caçoando com a
dona da loja, ela brincava muito comigo, e minha esposa mandando ela cortar o pano ali, ela
escolhendo o pano, a fazenda, ela escolhendo ali, ela cortando. Eles em pé na porta. Aí ele
falou assim: “escuta, esse homem que está aí, chama Sr. Izaquiel?” Ela falou assim: “chama,
ele é dono desses de trens todos que estão aí”, brincando com ele, “esses trens todos que estão
aí”. “Eu queria falar com ele”. Aí ela falou assim: “esse rapaz ali quer falar com você”. Aí eu
falei: “o que que você quer?”. Ele falou assim: “O senhor tem algum parente no Rio?” Eu
falei: “tenho bastante parente no Rio, tenho irmão.” Ele falou assim: “irmã você não tem
nenhuma no Rio?” Falei: “ó, não sei se tenho, porque tem uma irmã que se perdeu lá embaixo
no Rio, sumiu lá embaixo no Rio, não sei se ela é viva ou morta.” Aí ele, moreno baixinho,
bigodinho pretinho, era filho de português, então ele falou assim: “escuta, mas o senhor é
irmão dela, então a bença, meu tio.” Aí eu falei: “mas porque que você está me tomando a
bença e me chamando de tio?” “Porque ela é minha mãe, estou vendo que o senhor parece um
pouquinho com ela”. Aí ele me abraçou, coisa... Aí eu falei: “como é que é?” Fiquei todo
emocionado com aquilo, alembrei de minha mãe, que minha mãe sempre chorava, não era
filha dela mas ela gostava, ela criou, era enteada, ela chorava, falava que o Rio de Janeiro
sumiu com a filha, coisa e tal, ela chamava ela de filha. Lembrei da minha mãe que morreu,
ela já era morta e ela apareceu. Falei, “mas existe minha irmã?” Ele falou assim: “ela está no
cxcvii
Rio, é minha mãe, ainda tem outra irmã minha, nós somos dois, um casal”. Aí eu falei: “ela
está no Rio, está viva?” Ele falou: “minha mãe está viva, vim aqui apanhar um documento
aqui, certidão dela, para tirar documento pra ela”. Aí eu falei: “vamos lá pra casa”. Trouxe
eu telefonei para o meu irmão no Rio, esse irmão meu que está no Rio, falei para ele que ele
estava lá no Rio e não tinha achado minha irmã, ainda não viu minha irmã, mas eu aqui na
roça já tinha encontrado ela, já tinha encontrado minha irmã. Foi uma alegria danada, escrevi
pra ela, ele falou: “você me mata aqui no telefone”. Trabalhava lá em Engenho de Dentro, ele
era feitor da Light, aí ele falou assim: “você mata assim, Izaquiel, me falando uma coisa
dessa”. Aí peguei os detalhes todos com o rapaz, onde que ela morava, morava no Rio, perto
do Túnel velho, sobe uma escadaria, aí sobe, dando pelo telefone tudo, dando os detalhes,
falei para ele “dá para você ir aí?” E ele foi certinho na casa dela, na casa da minha irmã, ele
falou assim: “vou lá hoje na casa dela”. Aí eu falei, “vai, que é assim, assim, assim”. Dei os
detalhes e ele foi direitinho na casa da minha irmã no Rio, ela tava no Rio. Depois então nós
- Não sei porque ela fez aquilo, ela falou pra mim depois que ela não veio aqui, falei assim
“porque que você não veio, menina, porque que você não escreveu?” Ela falou que não, por
causa daquilo que tinha passado com certeza, aí ela ficou com vergonha, não queria encontrar
com essa pessoa mais, com esse marido dela mais. Por causa daquilo que ele fez, coisa e tal,
ela guardou aquilo e não quis encontrar com ele mais. Então ela falava que não era para falar
ANEXOS III
Registro Base
Número vinte nove. Aos desoito dias do mês de janeiro de mil novecentos e vinte e nove,
nesta cidade de Nova Iguassú, Distrito do Município de Iguassú, Estado do Rio de Janeiro, em
n´esta cidade, hoje, as dez horas da manhã, nasceu uma criança de cor branca, do sexo
feminino, filha natural d´elle declarante e de Dona S. S., Elle negociante, ela de serviço
doméstico, ambos naturais do Estado do Rio de Janeiro e residentes n´este districto. Avós
que faço este termo que assigna que assina comigo o declarante e as testemunhas A. J. S. e J.
ANEXOS IV
Entrevistados
Izaquiel Inácio
Data: 19 de setembro de 1994 e 21 de outubro de 1994
Local: Paraíba do Sul, RJ.
Entrevistador: Ana Maria Lugão
Cornélio Cansino
Entrevista feita em 19 de maio de 1995
Juiz De Fora – Minas Gerais
Manoel Seabra
Local:São José Da Serra Data:10/12/98
Entrevistadora: Hebe Castro e Lídia Celestino Meireles
Transcrição: Karina Cunha Baptista
Dona Júlia
Data: 12 de novembro de 1994
Local: Paraíba do Sul, RJ.
Entrevistadora: Ana Maria
Dona Bernarda
Data: 16 de janeiro de 1995
Local: Paraíba do Sul, RJ
Entrevistador: Ana Maria
Dona Zeferina
Paraíba Do Sul – Estado Do Rio De Janeiro
Entrevista Feita Em 15 De Maio De 1995.
Dona Florentina
Data da entrevista: 13/12/2003
Entrevistadores: Carlos Eduardo C. da Costa, Marina Marina Luz Gama e Raquel Fernandes
Pires
Local da entrevista: Comunidade da Fazenda de São José da Serra - Valença - Rio de Janeiro
cc
Dona Nilza
Nome: Nilza Conceição da Silva
Data de Nascimento: 30/09/1936
Entrevista: 25/11/2007
Idade: 71 anos
cci