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Disciplina: Governança Responsável da Terra e seus Instrumentos Jurídicos:

Cadastros, Registro de Imóveis e as Categorias Fundiárias para a Resolução de


Conflitos

Objetivo Compreender a utilização e influência da ocupação regular e


irregular dos espaços territoriais na Amazônia
Metodologia Conteúdo será apresentado por meio de aula expositiva em
seminário online da referida disciplina do curso de Mestrado em
Direito e Desenvolvimento na Amazônia, a partir da análise
bibliográfica e resumo do tema, estimulando a discussão entre
docentes e discentes.
Referência TRECCANI, Girolamo Domenico. Dos cadastros ao cadastro único
multifinalitário: o longo caminho a ser trilhado. In: BENATTI, José
Heder (Org.). Cadastro territorial no Brasil: perspectivas e o seu
futuro. Belém: UFPA, 2018. Disponível em:
http://www.cidh.ufpa.br/index.php?option
=com_content&view=article&id=814&Itemid=121. Acesso em 30
set. 2021. pp. 59-89.

DOS CADASTROS AO CADASTRO ÚNICO MULTIFINALITÁRIO: O LONGO


CAMINHO A SER TRILHADO.

A pesquisa do professor procura demonstrar como a criação de um cadastro de


terras confiável, integralmente georreferenciado e certificado, criará condições para o
ordenamento fundiário nacional munindo o poder público e a sociedade de um
instrumento fundamental para conhecer a realidade agrária dos diferentes estados. E foi
elaborada a partir dos dados cadastrais disponíveis dos:
1. Registros imobiliários bloqueados pelo Provimento CJCI/TJ-PA no 13/2006
2. Registros Cancelados (Decisão do Ministro Gilson Dipp de 16/08/ 2010) e
3. E requalificados (Decisão da Ministra Eliana Calmon de 22/09/ 2010)
No Brasil essa falta de organização traz uma triste constatação, a falta de
controle e fiscalização das terras. O que abre possibilidade para a grilagem e todo tipo
de conflito envolvendo disputa de terras.
O estudo vai apontar a criação de vários cadastros de imóveis rurais, feitos com
base em simples declarações dos próprios ocupantes até a criação de um cadastro único,
o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – SINTER.

I. ORIGEM DO CADASTRO
No Brasil, a Lei de Terras (Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850) determinou a
criação do primeiro cadastro de imóveis brasileiro: o registro do vigário. Este cadastro
não poderia ser utilizado como prova de domínio pois se tratava de mera declaração que
os vigários precisavam registrar, inclusive se contivesse erros.
Mas só a partir do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, 30/11/64) que nasceu o
Cadastro de Imóveis Rurais na sua acepção moderna, que previa um conjunto de
informações do imóvel, como sua situação dominial; localização geográfica; área
ocupada e nome dos confinantes; valor da terra; tipo de exploração; vias de acesso e
distância da cidade.
O Estatuto também se preocupou em dar duas novas preocupações ao imóvel,
uma social e outra ambiental.
O Decreto nº 55.891, de 31/03/65 estabeleceu como finalidades para o cadastro:
I – levantar critérios de lançamento fiscais; II – conhecer a estrutura fundiária
vigente do país para subsidiar a Política Agrícola; III - obter dados que orientem os
órgãos de assistência técnica e creditícia em relação aos lavradores e pecuaristas; IV –
conhecer a disponibilidade de terras públicas para fins de colonização e para
regularização da situação dos posseiros.
Observar, aqui, que o cadastro vai muito além de um mero instrumento de
natureza fiscal, mas também um instrumento capaz de fornecer informações da
realidade agrária e de dar suporte ao planejamento da política agrícola e de
regularização fundiária.
Também houve uma preocupação com a concentração de terras, já que o §3º do
art 46 previu a necessidade de agrupar os vários imóveis rurais que pertençam a um
único proprietário, ainda que situados em municípios distintos. Apesar disso, o
resultado do Censo de 2006 mostra uma concentração enorme de propriedades, onde os
grandes estabelecimentos que somam apenas 0,91% do total de estabelecimentos rurais
concentram 45% de toda a área rural do país. Além disso, em 2003, 51,6% das
propriedades eram acima de mil hectares, em 2010 essa porcentagem cresceu para
56,1%.
A importância do cadastro como instrumento de controle da situação fundiária
fez com que esta declaração passasse a ser obrigatória em todos os casos de
transferência dos imóveis (inter vivos ou causa mortis). Bem como a necessidade de
atualização constante do cadastro, incluindo “novas propriedades” na medida em que
forem sendo incorporadas e a realização de revisões gerais quinquenais do cadastro.
Esses desmembramentos e transmissões teriam um prazo de 60 dias para serem
comunicados aos órgãos competentes para fins fiscais.
O Decreto nº 55.891 (31/03/65), criou as Unidades Municipais de
Cadastramento para massificar esses registros e auxiliar o INCRA na coleta de
informações. A ideia era cadastrar não apenas imóveis particulares, mas terras públicas,
de posseiros, as terras devolutas identificadas e até as terras indígenas e Unidades de
Conservação.
Já a Lei nº 10.267 (28/08/01) trouxe a criação de um Cadastro Unificado e a
necessidade de apresentar, em prazos estabelecidos, a identificação dos imóveis rurais,
nos casos de seu desmembramento, parcelamento ou remembramento, bem como um
memorial descritivo: “contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos
imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, exceto os imóveis
com até 100 ha”.
Foi criado o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR pelo Art. 2º da Lei nº
10.267/2001 que alterou o Art. 1º da Lei nº 5.868 /1972, com isso, surgiu a
possibilidade de se conhecer não só “quem tem direito” à terra, isto é, quem declara
possuir aquele imóvel, mas onde aquele bem se localiza exatamente na superfície
terrestre.
Também foi criada a exigência de comunicação mensal cartorária ao INCRA
informando qualquer modificação envolvendo imóveis rurais, inclusive os destacados
do patrimônio público. O professor coloca em xeque essa medida, pois afirma que as
informações não estão acessíveis.
O TCU, no Acórdão 1942 (05/08/2015) (p. 19) afirma que as informações
cadastrais permanecem precárias pois a indisponibilidade de dados suficientes,
confiáveis e relevantes sobre a destinação e a ocupação de terras públicas e privadas
dificulta o planejamento das políticas públicas e a participação dos demais atores
interessados na temática de território, solo e água, além de também dificultar a medição
de progresso e de conquistas das políticas públicas.
A disponibilidade de informações confiáveis e atualizadas permitiria planejar de
maneira mais apropriada estas políticas. Atualmente a atualização é realizada
anualmente ou a qualquer tempo por meio da Declaração para Cadastro Rural – DCR
eletrônica que permite ao próprio titular de imóvel, ou seu representante legal, realizar
as atualizações cadastrais referentes ao imóvel rural e emitir on line o Cadastro de
Imóveis Rurais - CCIR, bem como acompanhar o andamento de declarações de cadastro
transmitidas.
O professor também cita o problema de uma base de dados cartográfica
deficiente, desatualizada e que precisa de investimento maciço, pois não ajuda a avançar
no conhecimento do cenário real fundiário do país.

II. CADASTROS EXISTENTES


A Lei n° 5.868, de 12/12/72 que instituiu o Sistema Nacional de Cadastro Rural,
estabeleceu quatro cadastros existentes:
I - Cadastro de Imóveis Rurais;
II - Cadastro de Proprietários e Detentores de Imóveis Rurais;
III - Cadastro de Arrendatários e Parceiros Rurais;
IV - Cadastro de Terras Públicas.
Eles deveriam servir de base para a elaboração e programação da Política
Agrícola; da formulação e execução dos Planos Nacional e Regionais de Reforma
Agrária e de Colonização e da aplicação dos critérios de lançamentos fiscais pela
Receita Federal.
Porém, decorridos mais de 45 anos constata-se que pouco se avançou nesse
controle e a ocupação irregular, a grilagem e a apropriação indevida do patrimônio
fundiário nacional parecem ser predominantes no cenário nacional.
Além dos cadastros criados pelo Estatuto da Terra outros foram criados, com
viés inicial de aumentar o controle, mas que acabam pecando pelo excesso de
formalismo e até contradições entre diferentes órgãos, senão vejamos:
1. Do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:
a. Certificado de Cadastro de Imóveis Rurais (CCIR – INCRA), baseado nos
dados declarados ao INCRA pelos proprietários ou possuidores (posseiro) de
imóveis rurais.
b. Sistema de Gestão Fundiária: (permite a certificação de dados referentes aos
limites de imóveis rurais)
c. Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA – INCRA):
Cadastro dos Beneficiários do Programa Nacional da Reforma Agrária.
d. Cadastro Nacional da Agricultura Familiar – CAF: cadastro da Unidade
Familiar de Produção Agrária – UFPA, isto é, conjunto de indivíduos da
mesma família que explore área para subsistência e que resida no local ou
próximo a ele.
2. Do Ministério do Meio Ambiente:
a. Cadastro Ambiental Rural (CAR): com a finalidade de integrar as
informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de
dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e
combate ao desmatamento.
b. Cadastro Nacional de Florestas Públicas
c. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação CNUC x CNUC ICMBio
d. Cadastro de usuários de recursos hídricos
e. Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e/ou
Utilizadoras de Recursos Ambientais

3. Do Ministério da Fazenda
a. Sistema de Cadastro Fiscal de Imóveis Rurais - cobrança do Imposto
Territorial Rural (ITR) e gestão patrimonial.
b. Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI)

4. Do Ministério da Justiça: Banco de Terras dos Povos Indígenas


5. Ministério da Cultura: Certificado das Comunidades Remanescentes de Quilombo:
“Terras de Preto”, “Comunidades Negras” e “Mocambos”.
6. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão: Sistema de Gerenciamento
dos Imóveis de uso especial (SPIUNET)
7. Ministério das Cidades: Cadastro Territorial Multifinalitário.

Outros complicadores:
1. Exigências temporais de implementação não cumpridas (CAR 2013 e 2019).
2. Base de dados integrada (Apenas INCRA e Receita começaram)
3. Transparência e o Programa Bem Mais Simples Brasil.

A UFPA também lança um projeto chamado IntegraData Amazônia, um SIG


Fundiário, que permite digitalizar, espacializar e inserir num único sistema todas as
informações documentais e espaciais vindas dos processos do ITERPA e INCRA, dos
títulos emitidos por estes órgãos e das matrículas de Registros de Imóveis com o intuito
de disponibilizar informações documentais e geoespaciais sobre a realidade fundiária
paraense. Este sistema, desenvolvido em software livre, conforme as necessidades, pode
dialogar com o CAR, o SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária) e o SREI (Sistema de
Registro Eletrônico de Imóveis).

III. ANÁLISE DOS DADOS


A maioria dos Cadastros são declaratórios, o que acaba comprometendo o grau
de confiabilidade da informação, gerando “ruído” na informação ou informações até
contraditórias.
O TCU comprovou, por meio de análise de vários sistemas, a existência de
inúmeras sobreposições de terras, elaborando até um mapa para visualizar esses dados.
Chegando à conclusão de que o somatório de dados oficiais de áreas públicas e privadas
supera o total das áreas daqueles estados amazônicos.
Corrobora-se essa tese ao analisar várias informações relativas ao CAR, cadastro
do INCRA e Registros Imobiliários bloqueados que apontam os municípios de Nova
Ipixuna, São Domingos do Capim, Moju, Tucumã, Eldorado dos Carajás, Cachoeira do
Piriá e Vitória do Xingu como os principais exemplos dessa situação.
Das poucas conclusões acertadas sobre esses dados é possível confirmar uma
grave concentração das terras nas mãos de poucos: enquanto os 447 imóveis com área
superior a 10.000,00 ha representam 0,28% do total dos cadastros, ocupam 45,92% das
terras, os 117.079 imóveis com área abaixo de 100 ha, que representam 72,95% do total,
ocupam 7,02% da área.
Além disso, apesar da finalidade distinta de cada sistema (INCRA, CAR e
matrículas bloqueadas), eles se baseiam no tamanho e na localização das terras, que
infelizmente, divergem entre si.
Pelos dados apresentados, foi determinado que há 1.126 Terras Públicas
Federais cadastradas, com uma área de quase 43 milhões de ha, porém os pesquisadores,
analisando outras fontes (Diário Oficial, sites do MMA, ICMBio, FUNAI e outros)
chegaram a uma área de pouco mais de 87 milhões de ha. O que evidencia a
necessidade de um esforço hercúleo no âmbito federal para se unificar esses cadastros.
Num cenário mais desolador, as Terras Públicas Estaduais cadastradas
correspondem a uma área de 10,5 milhões de ha, mas os pesquisadores detectaram que o
Estado possui 22,4 milhões de ha de imóveis e mais 36,7 milhões de ha de UCs a serem
cadastrados, o que mostra o longo e desafiador caminho pela frente.
IV. FINALIZANDO
O grande problema é a falta de engajamento entre as políticas adotadas pelos
diferentes órgãos que detém sistemas de gerenciamento e controle das informações
relativas aos imóveis rurais e isso representa um gargalo para se alcançar o ordenamento
territorial.
A adoção de um Cadastro Técnico Multifinalitário que permita um
conhecimento mais preciso do meio rural, é o meio pelo qual serão fornecidas ao Poder
Público e à Sociedade informações mais confiáveis.
Segundo a Diretriz Nacional do CTM, proposto pelo Ministério das Cidades em
2009 “O Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) é o inventário territorial oficial e
sistemático de um Município e baseia-se no levantamento dos limites de cada parcela,
que recebe uma identificação numérica inequívoca”. Em outras palavras, refere-se às
múltiplas aplicações do cadastro, principalmente ao planejamento urbano e regional.
Serve de base à tomada de decisões e é chamado também de Sistema de Informação
Territorial.
Um importante passo nesse sentido foi dado quando a Receita passou a usar o
Identificador cadastral de imóvel rural (NIRF) que mais tarde foi alterado para CIB
(Cadastro Imobiliário Brasileiro), integrando o Sistema Nacional de Cadastro Rural
(SNCR) e o Cadastro de Imóveis Rurais (CAFIR) e desenvolver o Sistema Nacional de
Gestão de Informações Territoriais (SINTER) com a adoção de um Código Imobiliário
Nacional que ainda carece de acesso pela sociedade, mas que já buscam um viés de
transparência para auxiliar nas decisões corretas sobre a destinação das terras públicas
federais e estaduais ainda integrantes ao patrimônio público.
Em síntese, as fontes de dados disponíveis ainda necessitam de melhoria no grau
de confiabilidade, segurança e transparência. Apesar de todas as dificuldades, existem
avanços, como a criação de um cadastro único e a implementação de um sistema
integrado (SINTER). Além disso, o CNJ pode fomentar a política de fiscalização e
regularização das situações por meio de segurança jurídica, publicidade e eficácia dos
atos jurídicos. Informações básicas como: nome do proprietário e do imóvel, tamanho e
localização, devem ser de acesso público.
Para isso, é necessário haver uma interconexão entre cadastro de imóveis rurais e
registros imobiliários e que esse modelo inclusive já existe, tal qual o aplicado nas
Regiões Trentino-Alto Adige e Friuli, na Itália.

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