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ÉTICA E ADMINISTRAÇÃO:

CONTEXTUALIZANDO A DISCUSSÃO
SOBRE OS DESAFIOS DA ÉTICA NO
MUNDO DOS NEGÓCIOS
Amadeu de Farias Cavalcante Júnior*

RESUMO: A ética tem se colocado como um eixo fundamental para que o homem
possa conviver bem em sociedade, dentro de parâmetros voltados para o dever de
agir de acordo com o bem comum entre os homens, e em concordância com os
valores morais que prezam pela ação virtuosa preocupada com o bem entre os dife-
rentes. Mesmo sabendo que a reflexão ética se apropria dos valores morais considera-
dos bons, no sentido de uma ciência do comportamento moral do homem em socieda-
de, admitimos que a dificuldade de se pensar a ética no mundo dos negócios está no
fato de que o mundo da administração em organizações econômicas e complexas,
muitas vezes exige posturas do administrador que possam dar conta de enfrentar os
desafios colocados por uma ação pautada na “ética convencional”, e de uma ação
pautada nas exigências do mundo dos negócios, ou uma “ética dos negócios”.

PALAVRAS-CHAVE: Ética profissional, ética nos negócios, ética da responsabilidade, ad-


ministração.

* Formado em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, com Especialização em Educação pelo Centro de Educação na
UFPa e Mestre em Sociologia pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPa. Atualmente é docente da Disciplina
Ética Profissional para o Curso de Administração/ESMAC.

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INTRODUÇÃO mundo, pois, como vem demonstrando os estudi-
osos do assunto (MOREIRA, 2002; NASH, 1993;
SROUR, 2000; SINGER, 1998; SÁNCHES,
O senso comum propaga que nos dias em 1998), as práticas empresariais passaram a ser
que vivemos não existem mais tantas pessoas cré- vistas de forma mais questionável, bem como as
dulas pelos princípios ético-morais, pelas circuns- práticas e decisões de administradores que se es-
tâncias que levam os homens nas condições da condem por trás das empresas. Tais práticas po-
sociedade contemporânea. A generalização, po- dem ser assim enumeradas, para título de
rém, parece absurda. Por quê? Porque faz da exemplificação: subornos para dirigir licitações
venalidade uma linha congênita dos homens. A públicas; desvios de somas altas do erário públi-
razão disso, entre outras, se deve a fatores que co; sonegação fiscal; espionagem industrial e
demonstram o quanto os agentes sociais ficam econômica; falsificação de medicamentos, de
expostos a ações sem idoneidade, ou de suspeição, alimentos, roupas; “doações” para financiar cam-
ou mesmo de mecanismos sociais e econômicos panhas políticas a candidatos que ofereçam algu-
que seduzem à corrupção. Isto vem demonstran- ma contrapartida a empresários; exploração do
do o quanto nossas instituições públicas e priva- trabalho infantil ou assalariado; falta de incorpo-
das, bem como empresas de variadas espécies, ração da qualidade real nos produtos apresenta-
são colocadas diante do crivo da avaliação por dos à população; não apresentar ou ocultar infor-
membros externos e internos, no que remete à mações que dizem respeito à saúde pública da
aceitação ou aos desvios das normas considera- sociedade e danos ambientais causados, segundo
das como padrões sociais de condutas morais e diz Srour (2000, p.24), apontam apenas para um
éticas. De fato, em contextos de competições dos problemas comuns da administração empre-
aguçados pela falta de empregos, pela ganância sarial, ao qual tem sido vista pelas lentes da soci-
do lucro imediato, pela questão do poder econô- edade de forma mais moralista, levando inclusi-
mico, e pelas condições “sufocantes” da econo- ve empresas a fecharem suas portas por causa
mia e da necessidade de negociar com agentes de danos surtidos no âmbito da opinião pública.
que nem sempre se pautam pelas exigências éti-
cas, enfim, podemos dizer que em várias situa-
ções a consciência dos administradores pode ser POR QUE A EXIGÊNCIA DA ÉTICA
sempre colocada à prova. NOS NEGÓCIOS ATUALMENTE?
A discussão que se tem propalado nos
meios acadêmicos e na literatura recente sobre
o assunto não tem deixado de fora o problema da Como podem ser compreendidas de for-
ética e suas exigências pela boa conduta, e nem a ma crítica estas questões que dizem respeito ao
difícil reconciliação destas exigências no mundo surgimento da discussão sobre a ética, ou da éti-
do mercado. Os conflitos se dão quando os admi- ca empresarial? Tais problemas podem ser vis-
nistradores se vêem encurralados pelas necessi- tos como partes de exigências que se tem feito
dades do mercado e as conseqüências que certas por agências de controles sociais, tais como a
decisões podem causar na vida de quem partici- mídia, e pela necessidade de que os negócios fei-
pa da organização empresarial, sejam por meio tos pelas iniciativas de administradores visam uma
dos seus membros diretos como empregados, for- postura ética mais exigente em função da neces-
necedores, outras empresas que mantêm rela- sidade de transparência na tomada de decisões,
ções comerciais, empresários; ou indiretos, tais e da qualidade dos produtos, dentro do contexto
como clientes, e a sociedade beneficiada por de- de um mercado mais exigente. Mas não é só isto,
terminado produto. é preciso entender o “jogo do poder” e das rela-
ções morais que se ocultam, muitas vezes, para
O cerne da discussão ética empresarial que se possa dar margens a mecanismos funcio-
tem tomado ênfase e se espalhado nos currículos nais que mantenham as empresas sobrevivendo
das faculdades de administração no Brasil e no num mundo competitivo. É como se propalasse

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uma lei do mais forte num mundo dos negócios moralidade, a ética e os negócios, têm tomado o
em que, para não cairmos na tentação de sermos aspecto de contradição e de distâncias em rela-
ingênuos, as condutas morais por si só não bas- ção aos problemas éticos. No mundo dos negóci-
tam para justificar a complexidade da competi- os, o administrador se vê pressionado pela ne-
ção no mercado. Para aqueles administradores cessidade de negociar, juntamente com as exi-
que ainda se pautam por ações idôneas, os dis- gências econômicas da empresa e da sociedade.
cursos dirigidos podem se pautar na ética, mas Muitos podem estar convencidos de que devem
as práticas mostram que guiar-se por altos padrões éticos, mesmo saben-
[...] os praticantes de algumas dessas
do que outros não estão interessados em concili-
ações sentem-se justificados pela ar ética e necessidades econômicas. Há admi-
moral do oportunismo, de caráter ego- nistradores que julgam que a conduta moralmen-
ísta e parasitário, que vige de manei- te correta se restringe a um plano de ação mera-
ra oficiosa [...]. Mas, é indispensável mente pessoal, enquanto outros acreditam na
ressaltá-lo, tais agentes não assumem irreconciliação, uma vez que defendem que é
publicamente os atos que praticam moralmente aceitável mentir nos negócios justi-
nem se vangloriam deles. O que isso ficando a sobrevivência econômica.
sugere? Que eles têm consciência da
natureza clandestina do que fazem, Os desafios do mercado atual, as falhas
apesar de dispor de um arsenal de ra- éticas, os desvios de condutas nas empresas, co-
cionalizações para persistir em sua locam dilemas éticos que exigem uma mudança
conduta. Vale dizer, as morais são for- de postura de acordo com certa noção de “inte-
mas de legitimar decisões e ações, gridade”, em concomitância com uma “ética dos
porque operam como discursos de jus- negócios”, pressionados por mudanças no mun-
tificação. (SROUR, 2000, p.25). do do mercado e exigências ocorridas na socie-
Desse modo, segundo o autor, pagar a dade civil organizada. Como diz Nash (1993, p.5),
conta ao médico sem “recibo” para sonegar im- o administrador moderno, junto com a empresa
posto, ou como no caso do administrador que gesta moderna, devem cultivar valores mais “altruís-
seu negócio sem o uso de notas fiscais para esca- tas” no sentido de atualizar valores que preser-
par do fisco; ou o suborno de um guarda; ou como vem o “bem comum” nas suas decisões: “A in-
no comércio do mercado paralelo do dólar que, tegridade nos negócios hoje exige capacidades
apesar de ser considerado imoral (segundo a incrivelmente integrativas; o poder de manter
moral da integridade), é vista como legítima pela junta uma infinidade de valores importantes e
moral oficiosa do oportunismo. Administrar em- quase sempre conflitantes; e exige o poder de
presas exige estar atento aos problemas gerados colocar na mesma dimensão a moralidade pes-
pelas exigências de condutas morais na socieda- soal e as preocupações gerenciais. Nenhum ad-
de. É por isto que nem tudo pode ser tão transpa- ministrador pode se dar ao luxo, do ponto de vis-
rente, no sentido de que o público possa fazer ta econômico ou moral, de manter suas noções
uma avaliação moralista e injusta, e nem tanto morais em compartimento fechado...”
oculta, a ponto de não esclarecer sobre os pro- Todo administrador enfrenta o desafio de
blemas relativos aos produtos vendidos à socie- ter que tomar decisões que muitas vezes esca-
dade. A ética dos negócios se situa dentro de exi- pam ao seu controle total, mas que não deixam
gências demarcadas pela opinião moral social e de ser problemáticas. Por isso, suas escolhas
pela compressão da competitividade. podem afetar direta ou indiretamente membros
Por diversas razões, que vão desde o pro- internos, ou a sociedade. Suas decisões devem
blema que envolve a eterna sede pela busca do estar alinhadas a mudanças e exigências ocorri-
lucro e a ganância, até os códigos corporativos das na sociedade, sintonizadas com uma série de
de empresas que só sustentam suas próprias ne- rigores legislativos que tendem a punir empresas
cessidades de se manter no mercado a qualquer que tomam decisões danosas. Neste aspecto, a
custo, pensamos que a administração e a “ética nos negócios” aparece dentro de um con-

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texto demarcado no capitalismo atual nas últimas morais e éticas, e passaram a assumir as exi-
décadas, e não porque houve uma necessidade gências por transparências nas negociações de-
de cada administrador agir de acordo com o vido ao crescente movimento de consumidores
“bom mocismo”. O que é a ética nos negócios? exigentes de uma nova conduta de empresas que
Segundo Nash (1993, p.6): “Ética nos negócios é agiam de forma ilícita, enganando ou causando
o estudo da forma pelo qual normas morais pes- danos sociais ao desenvolvimento, ou agindo de
soais se aplicam às atividades e aos objetivos da forma ideológica por meio de propagandas, de
empresa comercial. Não se trata de um padrão embalagens, de rótulos, visando ludibriar o pú-
moral separado, mas do estudo de como o con- blico.
texto dos negócios cria problemas próprios e ex- Os temas relativos à defesa do consumi-
clusivos à pessoa moral que atua como um ge-
dor e as diferenças culturais no exterior continu-
rente desse sistema”. aram a dominar a ética nos negócios na primeira
A mudança de preocupações na ética nos metade da década de 80. Isto exigiu mudanças na
negócios atesta a mudança ocorrida nas formas mentalidade das empresas, o que deu outro per-
macro sociais do capitalismo recente. Segundo fil ao capitalismo em expansão. Segundo Nash
Nash (1993, p.7-22), os contextos das décadas de (1993, p.8), a preocupação central da moral co-
60 a 90 são marcantes para a mudança de per- letiva centraliza seu foco de atenção em torno da
cepção das empresas e das relações comerciais “capacidade moral do indivíduos”. Os conflitos
sobre a questão da ética nas relações comerci- de interesses, o comportamento ganancioso e in-
ais. No período que abarca a década de 60, mar- dividualista de administradores que lesavam in-
cado pela guerra do Vietnã, levantaram indigna- teresses públicos, aquisições ilegais de bens jun-
ção da opinião pública o desperdício com a in- to com a mentira, vieram à tona e romperam o
dústria bélica e seu crescente poder de destrui- véu ou o mito da administração e do administra-
ção de massa e o potencial de destrutividade das dor como portadores de caráter de impessoalidade
multinacionais no exterior. Fruto da uniformiza- que cercava as discussões da ética nos negócios.
ção cultural advinda dessas relações, fizeram A questão da ética nos anos 90 foi uma
com que os administradores enfrentassem pro-
busca por um conjunto de premissas gerenciais
blemas no sentido de que não só as relações eco- que pudessem estimular o administrador a uma
nômicas estavam se expandindo para exploração busca e valorização pela integridade pessoal, uma
de mercados com mão-de-obra mais barata,
vez que a empresa pode ser censurada por isso,
como enfrentaram questões relativas aos danos e dando uma resposta aos outros de acordo com
ambientais e ao controle da poluição ambiental,
o contexto de competitividade empresarial. Nes-
e suas respectivas exigências legislativas ocasio- te contexto, surge a discussão em torno de uma
nadas pela necessidade de reformas da consci- ética que possa enfrentar as convulsões da eco-
ência social.
nomia, onde o administrador possa enfrentar os
Nos anos 70, continua a autora, o dilemas da ética e da economia e reconciliar com
corporativismo de grandes e médias empresas questões sociais.
passou a ser vigiado em função de uma consciên-
A “ética convencionada”, como respos-
cia cada vez mais acentuada por causa de escân-
ta a todos os problemas empresariais, fornece
dalos públicos e subornos de toda ordem. Os pro- uma combinação entre a motivação do lucro e o
blemas internos de uma empresa capitalista, junto
espírito altruísta embebido pela necessidade de
com suas contradições, antes eram vistos apenas cooperação e confiança, e possui dois aspectos
pelos empregados ou por analistas sindicalizados.
fundamentais: primeiro, não percebe o lucro e
O escândalo de casos como o Watergate, nos
outros retornos sociais como objetivos absolutos
EUA, expondo a corrupção do aparelho público, pelo administrador; segundo, aborda as relações
fraturaram a confiança nas administrações de
empresariais como questão de relacionamento
negócios. Os administradores se vêem pressio- com o público, priorizando um visão humanista.
nados a rever seus códigos internos de condutas

4 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


A ética nos negócios ganha mais credibilidade mento foram acusados, de maneira infundada,
quando se projeta sua “imagem” de acordo com de estarem envolvidos em práticas de abuso se-
as exigências sociais do que com a natureza do xual de crianças (...). Mesmo sem provas con-
capitalismo (NASH, 1993, p.19). cretas, o delegado e duas mães de aluno passa-
Como resume Nash (1993), o impacto ram informações à mídia que a divulgou sem pré-
via apuração da veracidade dos fatos. Em razão
dessas mudanças não é apenas econômico. Elas
significam perigo para a capacidade moral das da exploração sensacionalista das denúncias, a
repercussão foi devastadora. Os acusados che-
empresas e dos que nelas participam. Não aten-
garam a temer linchamento, apesar de se decla-
der certas exigências se torna danoso para a ima-
gem social das empresas. A tecnologia e a com- rarem inocentes (...). Três meses depois, as no-
vas investigações provaram que tudo não passou
plexidade financeira, as fraudes recorrentes, as
novas preocupações ambientais e legislações mais de uma série de erros das mães, do delegado e
da imprensa, que noticiou a versão que lhe foi
rígidas, a educação de consumidores esclareci-
passada sem questioná-la, chegando até a incen-
dos pela qualidade dos produtos, o turbilhão das
economias e a competitividade que chega a fe- tivar a violência física contra os acusados. A casa
em que funcionava a escola foi depredada na épo-
char empresas e corporações, e a desmoralizar
administradores, enfim, sobretudo o fator de con- ca das denúncias; os indiciados perderam seu ne-
gócio e tiveram de reformar o imóvel que era
fiança ao qual os consumidores chegam a depo-
alugado, tomando dinheiro emprestado. Por fim,
sitar nas empresas avaliando suas funções do ponto
de vista moral, tudo isto somado a outras ques- com as reputações destroçadas, não conseguiram
reconstruir suas vidas cinco anos depois do epi-
tões dão origem a uma necessidade de discussão
e de efetivação da “ética nos negócios” sobre o sódio, apesar do fato de, em dezembro de 1999,
o Tribunal de Justiça de São Paulo ter fixado uma
risco de serem penalizados por desvios cometi-
indenização de cem mil reais por dano moral para
dos. A ética nos negócios é tão fundamental para
a sobrevivência de empresas pela simples neces- cada uma das vítimas (a serem acrescidos de ju-
ros e correção monetária). O Tribunal também
sidade de se autopreservarem no mundo das tran-
sações comerciais. decidiu que os danos materiais seriam ressarci-
dos. (in SROUR, 2000, p.23).
A ética nos negócios empresariais não
A SEDE PELA ÉTICA é imune, pois carrega um peso muito vasto no
poder que certas decisões têm der causar impac-
tos que irradiam seus efeitos à distância. Daí a
A sede pela ética se justifica para os preocupação das empresas pela formação ética
administradores devido aos enfrentamentos com- de seus funcionários. Em termos práticos, afe-
plexos que suas escolhas e decisões podem cau- tam o que se chama de stakeholders (SROUR,
sar. O trabalho do administrador está sujeito, sem 2000, p.41), ou seja, os agentes direta e indireta-
dúvida, a avaliações que tendem a julgá-lo mo- mente ligados às decisões organizacionais ou de
ralmente. Se sua postura moral não estiver de gestores administrativos. São eles, na linha in-
acordo com o que a opinião pública considera terna: trabalhadores, gestores, proprietários; e
como padrão de conduta moral legítima, então a na externa: clientes, fornecedores, prestadores
vida de seu empreendimento estará comprome- de serviço, autoridades governamentais, entida-
tida, mesmo que isto se faça por meio de uma des da sociedade civil, tais como movimentos
mídia que denuncia sem fundamentos e injusta- sociais de defesa dos direitos dos consumidores,
mente uma causa, como foi o caso que ocorreu sindicatos, meios de comunicação, entre outros.
com os administradores de uma escola. Vejamos: Quando falamos em contextos sociais de riscos
Basta citar o famoso caso da Escola para as empresas e para a tomada de decisões
Base, no Bairro da Aclimação em São Paulo, em pelos administradores estamos nos referindo aos
março de 1994, quando os donos do estabeleci- encargos e ônus da culpa que precisam assumir

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por algo visto como antiético. Isto representa voltar para uma nova perspectiva social, que criou
uma forma de mostrar que a empresa tem leal- a mentalidade da “responsabilidade social”, a
dade com os clientes, e um nítido espaço para a busca pela formação de padrões de condutas éti-
“ética nos negócios se justificarem”. cas de seus funcionários (mesmo que seja ape-
No caso de uma administradora de re- nas como discurso) e a introdução de mecanis-
mos que prezam pela valorização da opinião pú-
cursos de terceiros, como uma corretora ou ban-
co, como administrar os conflitos financeiros entre blica sobre os produtos da empresa.
esta e os clientes? É claro que em função de inte- A bem da verdade, em ambientes com-
resses particulares as informações sigilosas dos petitivos, as empresas têm uma imagem a res-
clientes podem terminar nas mãos de adminis- guardar, uma reputação e uma marca. A ampli-
tradores em proveito próprio. O sigilo se estabe- ação dos direitos deu condições para que a socie-
lece pela “Muralha da China” que, segundo Srour dade reunisse elementos para se mobilizar e re-
(2000, p.37), evita a invasão nas informações do taliar empresas socialmente vistas como irres-
cliente, isolam informações públicas das priva- ponsáveis e inidôneas. A cidadania organizada e
das, estabelecem barreiras tecnológicas e físi- educada, associando a isso o crescente custo da
cas, dividindo departamentos e proibindo aces- vida social, exige uma postura dos dirigentes e
sos, criando dispositivos de vigilância dos pró- administradores para agirem de forma mais res-
prios funcionários, criando departamentos de fis- ponsável. Neste aspecto, enveredamos nesta dis-
calização com autonomia para controlar saltos cussão a fim de mostrar como se situa a mudan-
sobre a “muralha”. A lealdade é devida aos cli- ça de mentalidade de uma ética empresarial
entes e investidores, mostrando que a ética nos meramente preocupada com os interesses pró-
negócios tem também a nítida cautela pela pre- prios pelo lucro e a eficiência, e passamos a en-
servação de sua permanência num mundo exi- tender que as mudanças ocorridas nas esferas
gente de segurança e onde o “poder do merca- sociais mais amplas exigiram uma transforma-
do” pode detonar resultados negativos do ponto ção da postura em torno da ética empresarial.
de vista econômico e moral. Como diz o estudo da professora de ad-
A ética empresarial, como toda moral, ministração Laura Nash (1993), podemos perce-
é historicamente compreendida de acordo com ber uma reflexão nesse campo, que tem discuti-
sua função no mundo, pressionada por outros va- do que os objetivos das empresas devem mudar
lores regidos pelo mercado. Neste aspecto, quan- suas condutas para uma ética mais responsável
do uma administração assume uma postura de com o social, definindo objetivos que possam
vigilância interna de seus funcionários, em fun- transcender a mera funcionalidade dos negócios.
ção da ética nos negócios, é difícil imaginar que Segundo diz Nash (1993, p.24-25), “as declara-
ela tome partido do “bom-mocismo”, pois como ções de objetivos empresarias é, em sua nature-
se colocam em termos políticos e sociológicos, za, funcional e mais do que ética”, ou que as
“é mais crível aceitar que ela tenha conjugado empresas buscam nos seus negócios apenas a
seu credo organizacional — que considera a em- “excelência, sem nunca definir o objetivo geral
presa responsável pelos clientes, empregados, que se visa com tais atividades”, pois é preciso
comunidade e acionistas — com uma análise es- entender a atividade da administração e da em-
tratégica da relação de forças no mercado” presa como “uma entidade social... uma organi-
(SROUR, 2000, p.42). Fica mais fácil imaginar zação de pessoas onde as ações de uns têm efeito
que a “ética nos negócios”, pressionada pelo sobre o bem-estar e os direitos dos outros”. Em
mercado e por transformações ocorridas no seio outros termos, estas exigências têm refletido
social, tem sido fruto de um contexto histórico mudanças exigidas pela sociedade civil como
bem demarcado e de uma dinâmica social preci- possibilidade de fazer “política pela ética” e
sa, conforme dissemos até aqui. Neste sentido, o viabilizar aos empresários posturas éticas nos
credo organizacional de administradores e de seus negócios, bem como posturas morais das
empresas se viu tomado pela necessidade de se empresas por meio de intervenção social (NASH,

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2000, p.43). Vamos simplificar a questão mos- das com as exigências do mundo da ética nos ne-
trando no fluxograma abaixo, em que as agênci- gócios, desejando que funcionários e clientes pos-
as de controle (Procon, organizações sociais, tri- sam estar em concordância com valores defen-
bunais de justiça, leis ambientais, centros de vi- didos, como a probidade, a honra, o compromis-
gilâncias sanitárias, Ong’s, mídia, entre outros) so, a decência, a retidão, a licitude, o respeito e
efetuam um trabalho de pressão política por uma a verdade. Isso tem soado como expressão da
ética nos negócios: ética empresarial sintonizada com os costumes e
a moral vigente, tal como exigida historicamente
pelas agências de
controles sociais.
Pressão Política pela Ética nos Nas transações
Negócios que seguem im-
portâncias econô-
micas, é natural
que os interesses
egoístas possam
Sociedade Poder de prevalecer como
civil Exigência
desvio de conduta,
organizada
mas que passam a
Percepção das serem moralmen-
estratégias dessa lógica. te reprováveis
Aderem ao quando se tornam
Mídia, Tribunais, comportamento social
Legislação, públicas.
responsável: a Ética nos
Movimentos Negócios converte-se em Neste senti-
Sociais, Ag. De estratégia empresarial e
Defesa do, o que estuda a
profissional . ética, e sobretudo,
a ética empresari-
al? A ética tem
servido como
uma ciência práti-
ca, segundo a de-
A NECESSIDADE DA ÉTICA: O finição do filósofo Aristóteles, que foi formulada
MUNDO NÃO GIRA SOMENTE EM como reflexão sobre o comportamento virtuoso
TORNO DE NÓS ou não, ético ou não, dos agentes sociais que ado-
tam padrões de condutas morais segundo normas
sociais convencionadas como boas ou más. Ela
Como vivemos em permanente contato serve também para estudar as normas morais his-
com as pessoas, envolvidos por costumes e tra- tóricas. E o que são as normas morais que pau-
dições culturais e morais quase sempre presen- tam comportamentos dos indivíduos? São códi-
tes em nossas convicções, e pontos de vista bas- gos formalizados, expressam valores; o conjun-
tante variados, as questões morais escondem-se to de normas e regras destinadas a regular as
em muitas decisões e ações do cotidiano empre- relações dos indivíduos numa comunidade social
sarial. Como em qualquer outro meio, no mundo dada; ou os discursos que são internamente coe-
das negociações e do trabalho, envolvendo rela- rentes com os princípios e propósitos os quais
ções que exigem um cumprimento razoável de visam se tornar socialmente validados, e ao mes-
valores éticos e morais, não é sem fundamento mo tempo, como aqueles meios que propiciam
que os discursos de muitas iniciativas empresa- aos indivíduos se comportarem e se conduzirem
riais têm evocado a imagem das empresas afina- a partir de determinadas formas diante de outros

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e mediante uma rede de relações sociais universal (SÁNCHES, 1993, p.8).
(SÁNCHES, 1993, p.24). Podemos então mostrar que o contexto da
Por isso, a ética visa também fundamen- “ética dos negócios” segue os mesmos pressu-
tar ou justificar certa forma de comportamento postos da questão teórica da ética como coloca-
moral; com que propósito? Reprovando aqueles mos acima: o objeto da ética empresarial visa
comportamentos morais que não tomam o parti- estudar, a partir de contextos sociais bem demar-
do de justiça e do que é socialmente bom para o cados e distintos, aquelas formas de comporta-
homem; ou refletindo sobre as amarras que fa- mentos morais que pautam as morais empresa-
zem os agentes sociais ficarem presos ao egoís- riais. A importância dessa preocupação, que tem
mo ou àquilo que faz com que o indivíduo não se aparecido nos últimos anos sobre a necessidade
importe com os outros. Cabe-nos estabelecer uma da ética dentro do mundo empresarial, seja na
distinção entre o que é da competência da ética e forma de formação de funcionários ou na forma
o que é da competência da moral. Como diz presencial de palestras e de reprovações a atitu-
Sánches (1993, p.7) “à respeito da diferença dos des inconcebíveis e danosas, reporta à questão já
problemas prático-morais, os éticos são carac- apontada aqui antes: a preocupação com a reper-
terizados pela sua generalidade”, ou seja, se na cussão social e moral que certos problemas de
vida real o indivíduo se depara com desafios e decisões acarretam na administração de bens e
obstáculos, que são práticos, então deverá resol- negócios. A reflexão ética coloca questões pro-
ver por si mesmo, pela via moral, como diz fundas e de caráter humanista que visam estabe-
Sánches, e com a ajuda das normas sociais. Já o lecer o consenso de que cada indivíduo define para
problema sobre como agir diante de determina- si o que é o bem, fundado no pressuposto de que o
da situação em que lhe exigem que faça uma boa respeito ao outro e a não violabilidade de seus
ação, isto diz respeito a uma questão moralmen- direitos é uma regra universal do humanismo éti-
te valiosa do ponto de vista dos valores éticos co, ao qual deve se sobressair sobre os meros
convencionalmente aceitos pela sociedade, pois interesses privados dos que acham que o mundo
a ética fundamenta o que é bom. gira em torno de si e de seus próprios interesses.
É claro que cair na teoria do relativismo No centro de muitas discussões sobre a
ético é perigoso, no sentido de admitir que deve- problemática relativa a dilemas éticos e morais,
mos aceitar que cada grupo social tem suas pró- em que as decisões de alguns podem surtir efei-
prias normas; ou no sentido de que a sociedade tos conseqüentes sobre o todo, podemos encon-
deve aceitar determinadas formas de comporta- trar hoje em discussão no plano acadêmico da
mentos sociais como éticos e como valores uni- administração a pauta da reflexão ética preocu-
versais. O exemplo disso é o caso do grupo dos pada com os efeitos práticos das decisões, vincu-
criminosos. Estes possuem suas próprias normas ladas a questionamentos sobre o que fazer e como
sociais, e suas próprias regras que regem o com- proceder em situações adversas, ou como se com-
portamento moral de quem envereda nos cami- portar diante de incongruências dos negócios.
nhos do crime. Portanto, para esse tipo de com- Estas preocupações se resumem a uma perspec-
portamento moral, a ética estabelece formas de tiva do utilitarismo, o qual determina que as de-
compreender o que é permitido ou proibido e ain- cisões devem conduzir a provocar o máximo de
da nos ajuda a compreender que nem todas as bem aos envolvidos, sobrepondo o bem a tudo,
formas de obediência às normas sociais são fun- principalmente em relação a alguns indivíduos
damentadas do ponto de vista ético. Os nazistas (critério da eficácia); e o da finalidade, que de-
eram obedientes demais ao Estado Nazista ale- termina que a bondade dos fins justifica o uso dos
mão, e no entanto, suas atitudes “justificadas”, meios, mesmo que em certas circunstâncias se
foram consideradas um crime. A ética busca use a mentira (em sua máxima, em que coloca
mostrar qual é a verdadeira finalidade (“boa” ou “que se alcance os objetivos, custe o que cus-
“má”), enquanto possui o caráter de pensar o tar”). No cerne destas duas correntes éticas,
comportamento moral no plano teórico-ético, ou empreendidas nas relações da ética nos negóci-

8 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


os, encontramos a separação que o sociólogo ale- nos remete a algo comum nas relações sociais e
mão Max Weber encontrou para explicar o fenô- econômicas e ao qual conduz a conflitos de or-
meno do dualismo ético no plano do mundo das dem ética e moral. Se mentir é um mal para as
instituições e das relações impessoais modernas relações sociais humanas em geral, cabe dizer
racionalizadas e administradas: de um lado, uma que nem toda mentira é perniciosa, como foi fei-
ética da convicção; e por outro, uma ética da res- ta muitas vezes em que as famílias contrárias ao
ponsabilidade. Para compreendermos esta ques- anti-semitismo nazista escondiam os judeus nos
tão, comecemos por um exemplo: um adminis- porões de suas casas, mentindo para os soldados
trador enfrenta continuamente conflitos internos da SS sobre o paradeiro de judeus em suas casas.
entre aquilo que deveria fazer enquanto repre- Eles estavam claramente contrariando os nazis-
sentante leal da empresa e aquilo que um indiví- tas em dizer a “verdade”. Mas, como diz o filó-
duo, amigo, consumidor ou cidadão pensaria ser sofo alemão Immanuel Kant, mentir não é o
certo. Parafraseando a conhecida piada do em- melhor meio para se chegar a um fim ético, ou
baixador (que mente no exterior pelo seu país), como diz o ditado popular que “uma mentira dita
um executivo é aquele que mente no exterior pela muitas vezes pode se tornar uma verdade”.
sua empresa. Uma das responsabilidades mais
Para Kant, se para cada vez que passar-
difíceis do executivo ético é manter em equilí- mos por necessidades de curto prazo tivermos
brio, ou mesmo integradas, entre as perspecti-
que mentir, então o risco para a os homens, de
vas não empresariais e as obrigações gerenciais.
forma geral, estaria em que a “mentira” pode-
Uma amiga e subordinada procurou-o para pe- ria ser utilizada como o recurso justificado para
dir, confidencialmente, um conselho. Ela acabou
tirar os homens do sufoco ou do apuro em que se
de receber uma oferta de emprego de outra em- encontram conforme as circunstâncias, podendo
presa e quer saber o que ele acha que ela deve
inclusive ser perigosamente transformado como
fazer, sabendo que sua empresa recebeu um avi-
lei geral e universalmente aceito. As conseqüên-
so de que só tem três meses de vida: ou melhora cias, segundo Kant, também estariam ligadas ao
o desempenho ou vai ser extinta. A colaboração
fato de que as ações e os comportamentos mo-
da amiga nesse projeto é crucial, dada sua com- rais daqueles que mentem correriam o risco de
petência. Mas, se explicar os fatos, ou seja, que
serem sempre desacreditados no futuro, pois sem-
há grandes chances de a empresa fechar e não
pre poderiam ver o indivíduo como potencialmente
pagar os empregados, provavelmente vai perdê- mentiroso, ou as pessoas poderiam retribuir ao
la. Mesmo que ela fique, a informação pode va-
indivíduo mentiroso com a mesma moeda da
zar e desmoralizar o restante da equipe. Ele deve mentira, como forma de pagar as injustiças co-
contar à sua amiga os fatos, sabendo que isto diz
metidas. Segundo Kant, a vontade do homem ao
respeito ao dilema que ela enfrentará em fazer o
agir moralmente em sociedade deve buscar ser
bem a si ou para a empresa? (NASH, 1993, sempre boa, não apenas para si, mas para os
p.192).
outros de forma universal. Vejamos o que diz
O dilema colocado pela autora demonstra Kant em sua Fundamentação da Metafísica dos
um entre outros desafios apresentados de forma Costumes:
prática pelas necessidades do mundo dos negóci- Entretanto, para resolver de ma-
os, principalmente quando apontam para a sobre- neira mais curta e mais segura o
vivência da empresa. Percebemos que entre ter problema de saber se uma promes-
que visar o bem da pessoa que competentemente sa mentirosa é conforme ao dever
produziu bons resultados na empresa e ter que [de agir em função do bem, cita-
“mentir” para que a funcionária não saiba o que ção nossa], preciso só perguntar a
está ocorrendo, e para ter a esperança de salvar mim mesmo: Ficaria eu satisfei-
os negócios, o administrador se vê forçado pelas to de ver minha máxima (de me
circunstâncias, tendo que tomar a difícil decisão. tirar de apuros por meio de uma
promessa não verdadeira) tomar
Sua opção pelo uso circunstancial da “mentira”
o valor de lei universal (tanto para

Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 9


mim como para os outros)? E po- comumente é pensado de forma bipolar median-
deria eu dizer a mim mesmo: — te duas éticas que se confrontam no cotidiano para
Toda a gente pode fazer uma pro- resolver emergências econômicas. Uma é a éti-
messa mentirosa quando se acha ca da convicção, ao qual presume
numa dificuldade de que não pode
simplificadamente a máxima que diz: “cumpra
sair de outra maneira? Em breve
reconheço que posso em verdade
suas obrigações custe o que custar”, e que pres-
querer a mentira, mas que não supõe como princípio o respeito ao dever ou “res-
posso querer uma lei universal de peite as regras haja o que houver”. Talvez pos-
mentir; pois, segundo uma tal lei, samos discordar aqui da visão colocada por mui-
não poderia propriamente haver já tos autores sobre esta ética, pois acreditamos que
promessa alguma, porque seria é dogmático o exercício da obediência a regras,
inútil afirmar a minha vontade uma vez que a ética e o sujeito ético precisam
relativamente às minhas futuras agir e tomar decisões que são flexíveis e incons-
ações a pessoas que não acredita- tantes. Para a ética da responsabilidade, o que
riam na minha afirmação, ou, se
importa é que os agentes possam avaliar os efei-
precipitadamente o fizessem, me
pagariam na mesma moeda. Por
tos e as conseqüências previsíveis de suas ações,
conseguinte, a minha máxima, buscando conciliar os objetivos da empresa para
uma vez arvorada em lei univer- fins que sejam vistos como bons. A finalidade de
sal, destruir-se-ia a si mesma, agir em função do que é visto como “bom” pode
necessariamente. (KANT, 1975, justificar que se tome partido de ações e recur-
p.116). sos que não são sempre éticos. Esta ética da res-
Os dispositivos que compõem os códigos ponsabilidade não converte princípios ou ideais
morais traduzem valores, principalmente normas em práticas do cotidiano, como faz a outra, nem
e ideais, princípios e regras que vão sendo apli- aplica normas ou crenças sobre virtudes filosófi-
cados pelos agentes em situações concretas. Mas, cas, religiosas, ou máximas aplicando-as nos ter-
acreditamos que nem sempre é possível seguir o mos da ética dos negócios. Os valores do mundo
que ditam regras, pois as decisões mais impor- econômico só podem ser compreendidos como
tantes, seja de um administrador, seja de um pro- instrumentais e de acordo com as práticas em-
fissional de outra natureza, não encontram suas presariais em jogo.
respostas prontas em receituários, fórmulas, De forma geral, a ética dos negócios res-
prescrições que dizem o que deve ou não ser fei- ponde de forma instrumental às necessidades
to. Cabe à capacidade humana e aos estratage- empresariais, valendo o esforço de conciliar con-
mas da inteligência e dos valores éticos possí- flitos trabalhistas, relacionamento com clientes,
veis, o poder de agir de acordo com as decisões conquistar novos consumidores potenciais que
a tomar. O problema humano ético é o da esco- simpatizam com determinada atividade comer-
lha, muitas vezes entre agir para atingir o bem cial, produzir no imaginário social a idéia de que
comum, ou de agir às escusas para garantir uma se preservam os valores morais internamente e
boa resolução para conflitos no mundo dos negó- externamente, e sobretudo, a necessidade de se
cios humanos. A economia coloca o administra- alcançar os objetivos intentados pela empresa pela
dor muitas vezes diante do dilema de ter que to- tomada “racional” de decisões que exigem gran-
mar uma decisão ética, guiando seu comporta- de poder de deliberação em função da análise das
mento moral e de seus funcionários dessa for- circunstâncias e de suas complexidades.
ma, ou agindo às ocultas ou parcialmente para
Limito-me a Srour (2000, p. 63) para ten-
alcançar os fins do lucro.
tar resumir que, devido às fortes necessidades
O dilema colocado acima sobre a rela- de tomadas de decisões por administradores de
ção da decisão do administrador com sua amiga negócios no mundo competitivo em que nos en-
funcionária e as necessidades da empresa, se- contramos, é interessante analisar o porquê se
gundo o contexto da ética empresarial, toma partido de uma ética em detrimento de ou-

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tra doutrina, pois “(...) ao adotar-se a ética da das finalidades a alcançar e das conseqüências
responsabilidade, realizam-se análises de risco, das ações a tomar, do que conduzir à crença em
mapeiam-se as circunstâncias, sopesam-se as virtudes morais fundadas em doutrinas que pre-
forças em jogo, perseguem-se objetivos e me- servam o homem dos efeitos instrumentais das
dem-se as conseqüências das decisões que serão relações do capitalismo moderno. Weber deixa
tomadas”. O pensador alemão Max Weber cap- bem claro o sentido de uma ética da convicção
tou essencialmente a disputa dessas éticas e sua para nossa atualidade, ao qual, de modo geral,
importância para o mundo moderno em que o não se ajusta bem às necessidades dos empreen-
Estado e as instituições do capitalismo recente dedores empresariais, pois preferem deixar aos
exigem esforços que vão tomando conta e absor- professores, filósofos, sociólogos e pensadores,
vendo o mundo da vida, pela administração raci- o ônus de ter que pensar as virtudes morais, uma
onalizada e racionalizadora do homem e de suas vez que não são eles que terão que arcar com o
tomadas de decisões por valores mais instrumen- ônus de uma decisão ou de um empreendimento
tais. A lógica dessas éticas, particularmente a fracassado. Como diz Weber (in SROUR, 2000,
da “responsabilidade”, é própria do capitalismo p. 65):
atual em suas fases de complexidades, como diz O partidário da ética da convic-
Weber (in SROUR, 2000, p.50): ção não se sentirá “responsável”
(...) toda atividade orientada pela senão pela necessidade de velar
ética pode subordinar-se a duas sobre a chama da pura doutrina a
máximas totalmente diferentes e fim de que ela não se extinga; ve-
irredutivelmente opostas. Ela pode lar, por exemplo, sobre a chama
orientar-se pela ética da respon- que anima o protesto contra a in-
sabilidade (verantwortungethisch) justiça social. Seus atos só podem
ou pela ética da convicção e devem ter um valor exemplar,
(gesinnsungethisch). Isso não quer mas que, considerados do ponto de
dizer que a ética da convicção seja vista do objetivo eventual, são to-
idêntica à ausência de responsa- talmente irracionais, só podem ter
bilidade e a ética da responsabili- um único fim: reanimar perpetua-
dade à ausência de convicção. Não mente a chama de sua convicção.
se trata evidentemente disso. To-
Por outro lado, quando o administrador
davia, há uma oposição abissal
deixa de tomar as medidas que podem ser consi-
entre a atitude de quem age se-
gundo as máximas da ética da con- deradas socialmente mais benéficas, ou seja, que
vicção — em linguagem religio- buscariam conciliar os interesses e as finalida-
sa, diremos: ‘O cristão faz seu des da empresa com os da sociedade, equilibran-
dever, e no que diz respeito ao do conflitos, sua escolha pode surtir efeitos para-
resultado da ação remete-se a doxais na tomada de decisões: ou o bem comum,
Deus’ — e a atitude de quem age ou terá que suportar o peso de decisões que oca-
segundo a ética da responsabili- sionam efeitos maléficos, como o daquelas ativi-
dade que diz: ‘Devemos respon- dades industriais que passam por cima de todo
der pelas conseqüências previsí-
protocolo convencionado das leis ambientais, vi-
veis de nossos atos’.
olentando a ecologia em nome do lucro, e então
Ainda segundo Max Weber, a tomada de poderão arcar com o malogro e a inépcia de suas
decisões no mundo racionalmente administrado ações. Como escreve Renato Janine Ribeiro em
da sociedade industrial como a nossa, se projeta seu artigo intitulado “O governo e a ética da res-
como potencialmente importante uma vez que a ponsabilidade” (FOLHA DE SÃO PAULO, 13/
modernidade incorporada por meio das relações 12/98):
sociais em todos os âmbitos da vida exige que as Aos olhos de muitos, a ética da
ações estejam muito mais voltadas para a assunção responsabilidade aparece como
uma indecência, o que ela não é,

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e não como é: uma ética menos administradores para a solução e o equilíbrio das
ciosa de princípios, mas que nem necessidades da empresa e da sociedade, não
por isso leve de portar, porque é estão desvinculadas de mudanças e exigências
implacável com quem não conse- ocorridas nas três últimas décadas do século XX,
gue gerar os efeitos prometidos.
pois estão contextualizadas com transformações
(...) a responsabilidade impõe a
obrigação do sucesso. Não há per-
exigidas pelas agências de controles sociais, pe-
dão para o fracasso. (...) um polí- las sanções públicas, pelas penalidades por da-
tico tem de estar preparado para nos sociais e morais, e pelo risco de ocorrerem
a derrota e para o vazio que a éti- falências, levando as empresas a adotarem os
ca da responsabilidade produz à pressupostos da “éticas dos negócios” como meio
sua volta. de se preservarem da imagem de “irresponsá-
veis” sociais, ou de insensíveis aos códigos mo-
rais da sociedade e, sobretudo, dos riscos de não
CONSIDERAÇÕES FINAIS assumirem essa postura pela ética empresarial
“responsável”.

As relações empresarias se solidificam no


sentido de propagar uma ética no mundo dos ne- REFERÊNCIAS
gócios, sintonizadas com as mudanças ocorridas
de acordo com as exigências da competição no
capitalismo atual, que embala a discussão pela KANT, Immanuel. Fundamentação da
assunção de novos padrões comportamentais para metafísica dos costumes. São Paulo: Abril,
as empresas e seus administradores. Não se pode 1975. (Coleção Os Pensadores).
descartar que os desvios de condutas que levam MOREIRA, Joaquim Manhães. A Ética empre-
a tomadas de posições que não se adequam à éti- sarial no Brasil. São Paulo: Pioneira Thomson
ca convencionada estão de acordo com aquelas
Learning, 2002.
análises sociológicas que apontam as divergênci-
as de valores e a cultivação de padrões de condu- NASH, Laura L. Ética nas empresas: boas in-
tas morais dentro das corporações, ou seja: se o tenções à parte. São Paulo: Makron Books, 1993.
capitalismo globalizado estende exigências de RIBEIRO, Renato Janine. O Governo e a ética
relações cada vez mais impessoais nas empre- da responsabilidade. Folha de São Paulo, São
sas, e ao mesmo tempo encontra relações de Paulo, 13 dez. 1998.
corporativismo, voltadas para interesses mera-
mente econômicos, relações paternalistas, rela- SÁNCHES, Vásquez Adolfo. Ética. 18. ed. Rio
ções de condutas pessoais se preponderando so- de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
bre interesses maiores, então se colocam como SINGER, Peter. Ética prática. 2. ed. São Pau-
o outro lado do desafio ético para as instituições lo: Martins Fontes, 1998.
e para o inconstante anseio de se implantar a éti-
SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio
ca nos negócios.
de Janeiro: Campus, 2000.
No entanto, essa postura de uma ética vol-
tada para os negócios, visando dar subsídios aos

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