Você está na página 1de 13

A dinâmica das crises financeiras

Será examinado, nesse artigo, como surgem, desenrolam, transmitem-se por contágio
para países e mercados, e terminam as crises financeiras.

1. Surto especulativo e clima emocional

O Visconde de Taunay, em “O Encilhamento”, descreve o estado de espírito reinante em


um grave surto especulativo ocorrido no Brasil em fins do século XIX:

“Por sobre todos pairava uma ansiedade opressora, deliquescente, de


esperanças e receios, como que fluido indefinível, elétrico, febril, intenso, que,
emergindo do seio da multidão, a envolvia em pesada atmosfera com
prenúncios e flutuações de temporal certo, inevitável, mas ainda distante, longe,
bem longe – a fome do ouro, a sede da riqueza, a sofreguidão do luxo, da
posse, do desperdício, da ostentação, do triunfo, tudo isso depressa, muito
depressa, de um dia para o outro! Também nos rostos, quase todos alegres e
desfeitos em riso, alguns não sombrios, mas preocupados e sérios, se expandia
uma alacridade contrafeita, reflexo de sentimentos encontrados, a consciência
de se estar empenhado até aos olhos num brinquedo, quando não jogo,
perigoso, travado de riscos e desastres iminentes, mas atraente, sedutor,
irresistível. Era o Encilhamento...” (p.18).

Após a eclosão da Crise de 2008 (Crise do Sub-Prime), o tom de análise da crise –


enfatizando aspectos “emocionais” - não mudou muito passados cerca de 120 anos,
como pode ser exemplificado na Carta do IBRE (FGV) de Novembro de 2008:

“A fuga para a liquidez escasseou os fundos trocados no mercado interbancário. A


situação agravou-se, e caminhou para uma literal paralização quando surgiu o
pânico em relação ao risco da contraparte, na sequência de perdas sofridas...esse
quase colapso foi registrado por diversos termômetros” [publicada na Conjuntura
Econômica (vol.62, n.11, Novembro de 2008)]

A visão das crises pelo mercado financeiro, como visto nos trechos citados, passou de
uma fase mais “pessoal e emotiva” para outra mais “impessoal e técnica”, mas o
espectro das crises financeiras continua rondando as economias. É como se houvesse
um balizamento da atividade econômica e financeira tanto para expansão, quanto para
contração, em que as “traves do gol” fossem a possibilidade de crise financeira. Essa
atividade, em períodos normais, não ofereceria problema. Entretanto, qualquer desvio
para expansão exagerada ou contração exagerada em relação aos fundamentos
econômicos consistentes com um crescimento econômico de longo prazo acenderia a
“luz amarela”.

E o que significa “exagero” na frase acima? Essa é uma grande questão associada às
crises financeiras, pois remete aos aspectos mais emocionais, subjetivos e irracionais
sempre presentes na vida econômica.

Num exame mais aprofundado da literatura econômica sobre crises financeiras, percebe-
se que a palavra “exagero” aparece com conotações bem distintas, dependendo de se
considerar causas endógenas ou exógenas para explicar as crises.

Com efeito, para os economistas que compartilham a ideia de que as crises são causadas
por fatores exógenos ao sistema, a conotação de “exagero” está relacionada com a força
desproporcional do “choque externo” para desestabilizar o sistema, antes
presumivelmente em equilíbrio. Para a corrente de interpretação que enfatiza causas
endógenas para as crises, o “exagero” relaciona-se ao peso das forças internas ao
sistema para impactá-lo, considerando-se que esse sistema naquele momento não
enfrentava uma crise.

Essa discussão é muito importante, pois se relaciona com a seguinte questão: a crise é
algo como um terremoto ou um furacão, que são fenômenos de difícil previsão? Ou a
crise não é um fenômeno natural, mas sim algo produzido pelas pessoas?

Caso a segunda opção seja válida, fica claro que é muito importante o papel das
instituições privadas e dos reguladores para controlar ou mesmo mitigar a gravidade das
crises.

O tema crise financeira desperta grande fascínio entre economistas e estudiosos do


sistema econômico. Nesse tema, sobressaíram dois economistas, recentemente
falecidos: John Kenneth Galbraith (1909-2006) e Charles Kindleberger (1911-2003).

Os dois autores trataram com profundidade o dilema “razão e sentimento” na análise


das crises financeiras. Com efeito, a ciência econômica tem avançado nas últimas
décadas cada vez mais imersa em um paradigma de racionalidade econômica.

No entanto, as crises financeiras, com seu grande componente de irracionalidade e de


turbilhão de reações emocionais, aparecem e reaparecem com frequência no cenário
econômico e parecem desmentir o primado de “homem racional”. Com efeito, os
períodos de crescimento são caracterizados por esperança e racionalidade, e nos de
baixa afloram sentimentos de medo e mesmo pânico.

2. A tipologia das crises segundo Rogoff e Reinhart

No livro, “Oito Séculos de Delírios Financeiros”, recém publicado em 2010, Rogoff e


Reinhart examinam a história das crises financeiras que aconteceram nos últimos 800
anos e em 66 países. Esses autores procuram, no primeiro capítulo, caracterizar e
classificar as diferentes variedades de crises.

A metodologia utilizada separou e classificou as crises financeiras em dois grandes


grupos: primeiro, reuniu aquelas que são suscetíveis de definições quantitativas estritas;
segundo, reuniu aquelas em relação às quais é preciso recorrer a análises mais
qualitativas e discricionárias.

Dessa maneira, teríamos:

• Definição de crises financeiras com base em limiares quantitativos:

o Crises de inflação

o Choques cambiais

o Deslastre da moeda via redução no conteúdo metálico

o Deslastre da moeda via substituição de moeda

o Estouro de bolhas de ativos (ações ou imóveis)

• Definição de crises segundo eventos, com base em análises mais qualitativas e


discricionárias:

o Crise bancária devido a dificuldades financeiras (mais branda)

o Crise bancária sistêmica (mais grave)

o Crise da dívida externa

o Crise da dívida interna

3. A euforia financeira

Galbraith foi um economista importante e controverso; há consenso de que foi muito


original e instigante. Sobretudo, um grande intelectual.

Segundo Galbraith, em seu livro “Uma Breve História da Euforia Financeira”, todos
concordam que a livre economia de mercado está sujeita a episódios recorrentes de
especulação. Estes episódios – grandes e pequenos eventos, envolvendo notas
bancárias, títulos, imóveis, arte e outros ativos ou objetos – tornaram-se, ao longo dos
anos e dos séculos, parte da história.

Segundo ele, o que não se analisou o suficiente são os traços comuns a tais episódios,
os sinais que advertem do seu retorno certo e que, portanto, têm o considerável valor
prático de permitir que sejam compreendidos e previstos.

As características mais óbvias do episódio especulativo, ainda segundo Galbraith, são


patentemente claras a qualquer um disposto a entendê-las:
“Algum artefato ou acontecimento, aparentemente novo e desejável – tulipas na
Holanda, ouro na Luisiânia, terrenos na Flórida, os supimpas estratagemas
econômicos de Ronald Reagan –, toma conta da mente financeira (ou, talvez,
mais precisamente, do que passa como tal). O preço do objeto da especulação
dispara. Títulos, terrenos, objetos de arte ou outros bens adquiridos hoje
passam a valer mais amanhã. Esse aumento e a esperança de outros aumentos
atraem novos compradores; os novos compradores garantem novos aumentos.
Outros tantos são então atraídos e outros tantos também compram. E o
movimento altista continua: a especulação alimentando-se de si mesma confere
a si mesma o seu próprio ímpeto.” (p.2).

Parte importante desse processo está na psicologia das massas. Segundo Galbraith, as
atitudes básicas dos participantes podem ser classificadas e agrupadas de acordo com o
comportamento de dois grupos de agentes:

a) O primeiro é formado por aqueles convencidos de que os preços de ativos e


valores continuarão subindo permanentemente e indefinidamente. São os que
acreditam que alguma nova circunstância elevadora de preços está, agora,
atuando, mas que se encontra, de alguma forma, sob seu controle. São os que
esperam que o mercado suba e continue subindo, talvez indefinidamente.
Tratar-se-ia da adaptação a uma nova situação, a um novo mundo de retornos e
rentabilidades (e dos preços de ativos resultantes) cada vez maiores,
infinitamente maiores;

b) O segundo é formado por aqueles, superficialmente mais astutos e


geralmente em menor número, que são considerados ou se acreditam capazes
de aprender e interpretar o espírito especulativo do momento. Eles entram na
roda com a intenção de permanecer apenas na crista da onda; estão
convencidos de que o seu gênio específico permitirá que pulem fora do jogo
antes da especulação cumprir o seu curso inescapável. Pretendem obter o
máximo de recompensa com os aumentos incessantes e sair do jogo antes da
derrocada.

Charles Kindleberger, professor do MIT e autor de mais de 30 livros, foi menos


conhecido que Galbraith fora da área de economia, mas foi o autor mais importante
sobre crises financeiras.

Kindleberger foi um crítico de modelos exageradamente racionais para explicar o


comportamento humano. Segundo Kindleberger, as crises financeiras estão associadas
com os auges dos ciclos econômicos. As crises financeiras culminam um período de
expansão da economia e levam em seguida a uma depressão.
Nesse sentido, o pensamento de Kindleberger se aproxima das idéias de Joseph
Schumpeter. Schumpeter foi um dos maiores economistas da história da disciplina e
autor de vários livros que se tornaram clássicos, dentre eles: “Business Cycles: A
Theoretical, Historical and Statistical Analysis of the Capitalist Process”.

Para Schumpeter, os booms e depressões seriam manifestações previsíveis de um ciclo


econômico. Devido à sua teoria quanto ao papel das inovações e da oferta de crédito
para alavancar o desenvolvimento econômico, Schumpeter acreditava que isso criaria
“manias” e “euforia” entre investidores, mas que consistiria em um detalhe menor de um
processo de mudança muito mais amplo. O papel das contrações e expansões da
atividade econômica seria algo racional do ponto de vista econômico.

Diferentemente de Schumpeter, no entanto, Kindleberger entende que existem


elementos psicológicos de expectativas e de comportamento individual de consumidores
e investidores que afastam os preços de mercado dos ativos de seus valores intrínsecos,
os quais seriam ditados pela consistência econômica de custos e retornos. A
irracionalidade, nesse sentido, está presente.

Segundo ele, pode-se demonstrar que a especulação desmedida, tida em suma como
uma mania, e a reação a esse excesso, em forma de crise, crash ou pânico, é, senão
inevitável, históricamente comum.

Nas palavras de Kindleberger:

“O que acontece, basicamente, é que alguns acontecimentos mudam o


panorama econômico. Novas oportunidades de lucros são aproveitadas até ao
exagero, de uma forma tão próxima à irracionalidade que se transforma em
mania. Quando a alta se torna excessiva, o sistema financeiro passa por um tipo
de “aflição”, no curso da qual a corrida para reverter o processo de expansão
pode tornar-se tão precipitada que se assemelha a um pânico. Na fase maníaca,
pessoas ricas ou com crédito transformam seus bens em dinheiro ou tomam
empréstimos para comprar ativos financeiros reais ou ilíquidos. No pânico,
ocorre o movimento inverso, de ativos financeiros ou reais para dinheiro, ou
reembolso do débito, com uma queda brusca nos preços dos produtos primários,
casas, prédios, terras, ações, bônus – em síntese, seja qual for o objeto da
mania.” (p.3 e 4).

Raymond Goldsmith (1904-1988) foi um grande economista. Sua obra ainda não
recebeu o devido valor. Foi um pioneiro dos estudos de mensuração das contas nacionais
e da riqueza de um país. Trabalhou como economista na Securities Exchange
Commission (SEC) e no National Bureau of Economic Research (NBER). Goldsmith veio
algumas vezes ao Brasil, trabalhando no início dos anos 80 como pesquisador no
Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Goldsmith foi professor de economia
da Yale University e escreveu uma das mais importantes obras sobre o desenvolvimento
financeiro no Brasil (1986). Adiante serão vistas suas ideias sobre as crises financeiras
no Brasil (no Capítulo VIII, seção 5).

Para Goldsmith (1982), a crise financeira é caracterizada por uma aguda, breve, ultra
cíclica deterioração de todos ou da maioria dos indicadores financeiros – taxas de juros
de curto prazo, preços de ativos (ações, imóveis, terras), insolvência comercial ou
falência de instituições financeiras.

4. O contágio da crise

A Crise do Sub Prime, de fins de 2008, mostrou a amplitude e a velocidade de contágio


na economia global de uma crise financeira moderna. O tema não foi ainda muito
estudado na teoria econômica. Por outro lado, está sempre presente nas mentes e
estratégias de negócios dos operadores de mercado, e na condução das medidas de
política econômica, por parte das autoridades governamentais e de instituições
multilaterais.

5. O desfecho da crise

Para Galbraith, embutida em uma situação de mania especulativa encontra-se uma


futura e inevitável queda. Alerta também que está embutido o fato de que a queda não
pode ser suave ou gradual. Quando ocorrer, terá o semblante sinistro do desastre.

Isso ocorre porque ambos os grupos de participantes da situação especulativa estão


programados para tentar se safar dela de maneira súbita. Segundo Galbraith,

“Algo – pouco importa o que, embora venha a ser uma questão ardorosamente
debatida – provoca a reversão definitiva. Aqueles que estavam deslizando na
crista da onda decidem que é hora de dar o fora. E aqueles que acreditavam que
os aumentos continuariam para sempre têm a sua ilusão destruída
abruptamente, e também eles reagem à revelação da nova realidade vendendo
ou tentando vender. Daí o colapso. E daí a regra, comprovada pela experiência
dos séculos: o episódio especulativo sempre termina não com um suspiro, mas
com uma explosão” (p.3).

Kindleberger traça uma dinâmica parecida. Para ele, a especulação se desenvolve em


duas etapas. Na primeira, de investimento controlado, donas de casa, firmas,
investidores ou outros protagonistas respondem a um desordenamento limitado e
racional; na segunda, os ganhos de capital desempenham um papel preponderante.

Nesse sentido, o fato de haver dois estágios, segundo Kindleberger, levanta a questão
de dois grupos de especuladores, os insiders e os outsiders. Os primeiros desestabilizam
elevando os preços mais e mais, vendendo, no auge, aos segundos, que compram nessa
fase e vendem no final, em baixa, quando os insiders estão abandonando o mercado. As
perdas dos outsiders são iguais aos lucros dos insiders, e o mercado como um todo fica
equilibrado. Como ressalta Kindleberger, no entanto,

“os insiders profissionais desestabilizam exagerando as altas e as quedas,


enquanto os outsiders, amadores, que compram por preço alto e vendem por
outro mais baixo, são menos manipuladores de preços do que vítimas da
euforia, que os irá afetar mais tarde. Quando perdem, voltam às suas ocupações
normais e economizam para depois voltarem a gastar, geralmente mais do que
possuem” (p.38).

Nos 153 anos seguintes, e até os dias de hoje, o dilema ético permanece na ordem do
dia. A base do mercado é a confiança. As entidades financeiras estão cada vez mais
conscientes quanto ao papel da ética em seus negócios. Perceberam finalmente que uma
postura ética melhora, ao invés de prejudicar, a sua lucratividade no longo prazo.

As entidades de mercado criam órgãos de autorregulação, com base no estímulo à


difusão de comportamentos éticos. Procuram melhorar seus padrões de honestidade,
criar mecanismos de controle e monitoramento de operações, modernizar o sistemas de
ouvidoria, compliance e auditoria externa, e assim por diante.

O Governo, por sua vez, estabelece medidas de regulação, também com esse objetivo.
No entanto, alguns participantes obtêm vantagens atuando com base num
comportamento oportunista. Eles acreditam que caso todos os demais, exceto eles, se
comportem eticamente, o mercado continuará forte e eles obterão um diferencial de
lucros. Só que os outros, com o tempo, vão imitar esse comportamento, e o mercado se
deteriora, e os investidores se retraem.

Esse é o pano de fundo na luta para elevar os padrões éticos do mercado. Esse quadro
de dificuldades para implantar regras de boa conduta ética se agrava durante os
períodos de “boom” no mercado.

6. A psicologia das crises

No seu livro “Fear, Greed and Panic: the Psychology of the Stock Market”, Cohen advoga
que os fatos econômicos são menos importantes do que os sentimentos e emoções tanto
para os investidores profissionais, quanto para as pessoas comuns.

Cohen comenta que mesmo economistas famosos, como Fisher e Keynes (analisados
adiante), apresentavam motivos preponderantemente psicológicos para a atuação de
investidores.
Ele acredita que motivos irracionais sejam mais importantes e afirma existir uma
significativa literatura ligando o desejo de fazer dinheiro com aspectos mais irracionais
do comportamento humano — fetiches, desordens de compulsão, obsessão e outras.

Para Cohen, nada disso iria surpreender Sigmund Freud, que acreditava que algumas
pessoas são direcionadas pelos instintos mais primitivos, desde a sua infância, para
ganhar ou guardar dinheiro. Cohen discute diversos outros autores ligando o dinheiro ao
comportamento psicológico humano. Inclusive, aponta que, na história humana, o ouro e
a prata, antes de servir como moedas, foram usadas como objetos religiosos de
adoração. Ele comenta também que os psicanalistas, em geral, não têm coisas muito
boas para dizer sobre a motivação de ganhar dinheiro.

7. Medidas do medo

Para o sociólogo Zygmunt Bauman, que escreveu vários trabalhos sobre aspectos da
modernidade, a sensação de medo é um traço marcante da moderna sociedade. No livro
“Medo Líquido”, Bauman desenvolve o tema.

Um dos “medos” que examina está associado com as crises financeiras. Segundo
Bauman, esse temor foi o motor do abalo que atingiu, na crise de 2008, as bolsas de
valores do mundo inteiro. O medo de uma crise econômica se transformou em crise em
si.

Ainda segundo ele, o aspecto mais assustador dos medos é que não temos, nem
podemos ter certeza se eles são genuínos ou imaginários. Os medos são muitos e
diferentes entre si, mas eles alimentam uns aos outros, formando um estado de espírito
que caracteriza uma “insegurança geral”.

8. Finanças comportamentais

Nos últimos anos, um grupo de psicólogos e economistas busca mostrar que, em vez da
teoria econômica clássica, um novo ramo da economia, chamado economia
comportamental, pode explicar melhor o comportamento dos investidores durante as
crises.

Essa escola está sendo também chamada de “behaviorismo financeiro”. No que diz
respeito à crises e bolhas, seus adeptos enfatizam dois aspectos que julgam relevantes:

• No mundo real, os investidores, ao invés de seres frios e calculistas, são


sujeitos a pânicos, irracionalidades, exuberância exagerada e
“comportamento de manada”;

• Mesmo aqueles que tentam se guiar pela racionalidade, enfrentam


problemas de confiança, credibilidade e limitação nas garantias reais, que
acabam forçando-os ao comportamento de manada.
Em 2002, os dois psicólogos receberam o Prêmio Nobel de Economia graças a seus
experimentos sobre a racionalidade dos consumidores e investidores.

Em uma entrevista a Silvana Quaglio, do Jornal Valor Econômico, quando de sua visita
ao Brasil, em 2003, Daniel Kahneman explica a ocorrência de bolhas de investimento.
Segundo ele, “o que acontece quando ocorre uma bolha é que há um monte de gente
pensando que será capaz de cair fora a tempo”. Kahneman acha que é errado concluir
que isso acontece porque as pessoas fazem escolhas racionais e gostam de tomar riscos
para aumentar seus ganhos. Para ele, ocorre o contrário. “As pessoas têm grande
aversão ao risco, mas são muito otimistas. Assim, elas não sabem a extensão do risco
que estão tomando”. Ou seja, estão muito menos seguras do que pensam. Ele acha
também que as pessoas tendem a pensar no curto prazo.

Kahneman ainda diz que procura recuperar um conceito que havia no século XIX,
quando a psicologia era usada para explicar os eventos econômicos. Para o autor, “no
século XX, a psicologia dentro da economia foi jogada pela janela”. Seu trabalho, de se
contrapor à racionalidade assumida pela economia moderna, visa recuperar ideias que
sejam muito úteis para entender o mundo moderno e não para voltar ao passado.

9. A racionalização da crise

Segundo Galbraith, após o colapso do episódio especulativo, praticamente não se discute


a especulação em si ou o otimismo aberrante (ou exuberante) a ela subjacente. Ou seja,
após as atribulações da especulação, a realidade será quase que totalmente ignorada.

De acordo com o autor, existem dois motivos para isso. Em primeiro lugar, muitas
pessoas e instituições estiveram envolvidas com a especulação e, embora seja
admissível atribuir erro, credulidade e abuso a um só indivíduo ou mesmo a uma única
organização, não é considerado apropriado atribuir tais defeitos a uma comunidade
inteira, ou a comunidade financeira como um todo.

O segundo motivo de se isentar a especulação de culpa baseia-se em considerações


ideológicas. Nas atitudes e doutrinas da livre iniciativa, o mercado é visto como um
reflexo neutro e exato de influências externas; não se supõe que esteja sujeito a uma
dinâmica de erro intrínseca e interna. Dessa maneira, torna-se necessário encontrar
alguma causa para o colapso, por mais extravagante que seja, desde que externa e
extrínseca ao mercado em si. Do mesmo modo, pode-se diagnosticar que tenha havido
um abuso das regras do mercado, que tenha inibido o seu funcionamento normal, caso
em que a receita prescrita é o aumento da regulação governamental.

Conforme Kindleberger, manias e pânicos estão ocasionalmente associados à


irracionalidade em geral ou histeria em massa. A relação entre indivíduos racionais e o
irracional como um todo é, com frequência, mais complexa.
Kindleberger levanta a seguinte questão (p.34): O que significa dizer que os investidores
são racionais? Uma resposta pode ser que a maior parte dos investidores se comporta
racionalmente durante a maior parte do tempo. Outra é que todos os investidores se
comportam racionalmente durante a maior parte do tempo. Uma terceira resposta, bem
mais forte, é que todos os investidores se comportam racionalmente durante todo o
tempo. Cada uma das respostas tem implicações diferentes quanto à maneira de
comportamento dos investidores no mercado.

Kindleberger discorda que haja um forte grau de racionalidade no mercado. Segundo


ele, “Racionalidade é uma hipótese a priori sobre a maneira que o mundo deveria
funcionar, ao invés de ser uma descrição da maneira que o mundo efetivamente
funciona” (p.34).

O autor cita seis aspectos que mostram a dicotomia racionalidade dos indivíduos,
irracionalidade do mercado:

1. A psicologia das massas ou histeria está bem definida como um desvio


ocasional do comportamento racional;

2. As pessoas mudarão em diferentes etapas de um processo contínuo,


começando de modo racional e, gradualmente, no princípio, e mais
rapidamente, depois, perdendo contato com a realidade;

3. A racionalidade será diferente entre diferentes grupos de comerciantes,


investidores ou especuladores, incluindo os que estão nos estágios iniciais e os
que se encontram nos posteriores;

4. Todos sucumbirão à “falácia da composição”, que afirma que, às vezes, o


todo nada mais é do que a soma das suas partes. Na verdade, o
comportamento individual pode ser racional – quando alguém tenta escapar
primeiro de um cinema em chamas – mas o comportamento da multidão,
levando todos a tentarem escapar ao mesmo tempo, é irracional e provoca
tragédias;

5. Haverá a falência de um mercado com expectativas racionais, em situações


de descompasso de respostas de demanda e oferta. Os investidores mostram
diferentes tempos de reação a um dado estímulo, que pode confundir os
ofertadores de instrumentos financeiros. Em função dos lapsos entre estímulo e
reação, poderão ocorrer excessos de demanda ou de oferta que desestabilizem
o mercado e causem pânicos em situações extremas de desequilíbrio;

6. A irracionalidade pode existir na medida em que os atores econômicos


escolhem o modelo errado, deixam de considerar uma pequena informação, mas
que pode ser crucial, ou vão longe a ponto de suprimir informações que não
estão de acordo com o modelo implicitamente adotado;

10. A repetição das crises e as lições da história

A repetição de crises, nas quais aparecem os mesmos elementos comuns, nos leva a
questionar a razão do por que as pessoas não aprendem com a história. Por que se
repetem os episódios de especulação e o drama da insanidade em massa? Segundo
Galbraith, em praticamente nenhuma outra esfera do esforço humano a história vale tão
pouco quanto no mundo das finanças.

Para esse autor, o episódio de euforia é protegido e sustentado pela vontade daqueles
nele envolvidos, a fim de justificar as circunstâncias que os estão tornando ricos. O
episódio é igualmente protegido pela vontade de ignorar, exorcizar ou mesmo condenar
aqueles que expressam dúvidas.

Embutida no episódio especulativo está a euforia, ou seja, a fuga em massa da


realidade, que exclui qualquer consideração séria da verdadeira natureza daquilo que
está acontecendo. Duas causas concorrem para isso.

Alguns autores acham que a memória coletiva é curta, não dura mais do que vinte anos
ou o tempo de uma geração. A vida profissional dos executivos financeiros não costuma
ser longa, e os executivos que substituem aqueles que participaram de eventos
passados ligados a crises procuram apagar os episódios de sua memória e olhar para o
futuro. O desastre financeiro é rapidamente esquecido, e as novas gerações costumam
ser autoconfiantes, achando que “isto não vai acontecer conosco”, ou que “desta vez é
diferente”.

A segunda causa tem a ver com a ilusória associação entre dinheiro e inteligência.
Galbraith considera isso um mito. Entretanto, como diz Galbraith de maneira irônica, o
“gênio financeiro” é cultuado sempre antes da queda e execrado mais tarde, após a
crise. Ele apresenta três razões que fundamentam a visão equivocada de se associar o
ganho monetário com o traço de grande inteligência:

1. Em todas as atitudes da livre iniciativa existe uma forte tendência de se


acreditar que, quanto mais dinheiro alguém possui ou tem acesso, seja como
renda ou como ativo financeiro, mais profundas e mais irretorquíveis são as
suas percepções econômicas e sociais, mais sagazes e mais penetrantes os seus
processos mentais. Quanto mais dinheiro, maior a realização e maior é a
inteligência por trás da realização;

2. Em um mundo onde, para muitos, a obtenção de dinheiro é difícil e as somas


resultantes palpavelmente insuficientes, a sua posse só pode estar associada a
algum gênio especial;
3. Geralmente, associa-se inteligência incomum e aguçada percepção financeira
à gestão de instituições de grande porte: bancos comerciais, bancos de
investimento, corretoras de valores mobiliários, e seguradoras;

Segundo Kindleberger, a patologia econômica existe. A maior parte das economias é


muito saudável, mas, em certas ocasiões, uma economia pode ser afetada por um
determinado vírus econômico. Por exemplo, um vírus de especulação, alimentado pela
alavancagem de crédito. Existem dois riscos: que se analisem os sintomas e não as
causas da doença, e que a medicina utilizada seja inadequada para combater o vírus.

Os que acreditam na racionalidade do mercado irão argumentar que o mesmo aprende a


corrigir seus próprios erros, e que ele é melhor nisso do que o governo. A narrativa das
sucessivas crises financeiras coloca dúvida se os mercados efetivamente aprendem com
as lições da história. Por outro lado, as políticas governamentais adotadas ao final da
Primeira (que foram erradas) e Segunda Guerra Mundial (que foram certas), mostram
que, em alguns casos, os governos aprendem as lições da história.

Rogoff e Reinhart, no livro “Oito Séculos de Delírios Financeiros”, ressaltam que o


fenômeno das crises financeiras é universal, e atinge países pobres e ricos. A cada crise
surgida, os analistas, em exames subsequentes, dizem que “desta vez é diferente”. Com
isso, querem dizer que os instrumentos anteriores de análise não mais se aplicam, e que
a crise presente guarda pouca semelhança com as crises anteriores.

Os autores mostram que isso não é verdade.

Ademais, concluem que as pessoas se esquecem de que elas aconteçam com tanta
regularidade. Devido à uma mescla de arrogância e ignorância, os beneficiários,
enquanto a bolha está crescendo, recusam-se a aceitar que aquela situação não vai
perdurar para sempre. Isso a despeito de que centenas de casos muito parecidos,
terminando em crises financeiras de menor ou maior intensidade, tenham se repetido
com regularidade ao longo dos séculos.

Fazendo-se uma retrospecção dos meses seguintes à eclosão da Crise do Sub-Prime, e


sem contar ainda com uma dimensão precisa do quanto ainda irá durar a crise, nota-se
um cenário muito positivo. Nunca houve tanta transparência de informação e de
coordenação de políticas anti crise por parte das autoridades governamentais dos países
mais afetados, e também por parte das instituições multilaterais.

Fica evidente o esforço para evitar erros passados – como, por exemplo, o excesso de
protecionismo e uma demasiada preocupação com a inflação. A Crise de 1929 serve
como um benchmark para balizar as novas políticas, e não deixa de ser auspicioso que o
Chairman do FED, Ben Bernanke, é um dos maiores especialistas nesse assunto. Dessa
vez, as lições da história estão servindo!
Fonte
MELLO, Pedro Carvalho de. A dinâmica das crises financeiras. FGV Online, 2015.

Você também pode gostar