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Será examinado, nesse artigo, como surgem, desenrolam, transmitem-se por contágio
para países e mercados, e terminam as crises financeiras.
A visão das crises pelo mercado financeiro, como visto nos trechos citados, passou de
uma fase mais “pessoal e emotiva” para outra mais “impessoal e técnica”, mas o
espectro das crises financeiras continua rondando as economias. É como se houvesse
um balizamento da atividade econômica e financeira tanto para expansão, quanto para
contração, em que as “traves do gol” fossem a possibilidade de crise financeira. Essa
atividade, em períodos normais, não ofereceria problema. Entretanto, qualquer desvio
para expansão exagerada ou contração exagerada em relação aos fundamentos
econômicos consistentes com um crescimento econômico de longo prazo acenderia a
“luz amarela”.
E o que significa “exagero” na frase acima? Essa é uma grande questão associada às
crises financeiras, pois remete aos aspectos mais emocionais, subjetivos e irracionais
sempre presentes na vida econômica.
Num exame mais aprofundado da literatura econômica sobre crises financeiras, percebe-
se que a palavra “exagero” aparece com conotações bem distintas, dependendo de se
considerar causas endógenas ou exógenas para explicar as crises.
Com efeito, para os economistas que compartilham a ideia de que as crises são causadas
por fatores exógenos ao sistema, a conotação de “exagero” está relacionada com a força
desproporcional do “choque externo” para desestabilizar o sistema, antes
presumivelmente em equilíbrio. Para a corrente de interpretação que enfatiza causas
endógenas para as crises, o “exagero” relaciona-se ao peso das forças internas ao
sistema para impactá-lo, considerando-se que esse sistema naquele momento não
enfrentava uma crise.
Essa discussão é muito importante, pois se relaciona com a seguinte questão: a crise é
algo como um terremoto ou um furacão, que são fenômenos de difícil previsão? Ou a
crise não é um fenômeno natural, mas sim algo produzido pelas pessoas?
Caso a segunda opção seja válida, fica claro que é muito importante o papel das
instituições privadas e dos reguladores para controlar ou mesmo mitigar a gravidade das
crises.
o Crises de inflação
o Choques cambiais
3. A euforia financeira
Segundo Galbraith, em seu livro “Uma Breve História da Euforia Financeira”, todos
concordam que a livre economia de mercado está sujeita a episódios recorrentes de
especulação. Estes episódios – grandes e pequenos eventos, envolvendo notas
bancárias, títulos, imóveis, arte e outros ativos ou objetos – tornaram-se, ao longo dos
anos e dos séculos, parte da história.
Segundo ele, o que não se analisou o suficiente são os traços comuns a tais episódios,
os sinais que advertem do seu retorno certo e que, portanto, têm o considerável valor
prático de permitir que sejam compreendidos e previstos.
Parte importante desse processo está na psicologia das massas. Segundo Galbraith, as
atitudes básicas dos participantes podem ser classificadas e agrupadas de acordo com o
comportamento de dois grupos de agentes:
Segundo ele, pode-se demonstrar que a especulação desmedida, tida em suma como
uma mania, e a reação a esse excesso, em forma de crise, crash ou pânico, é, senão
inevitável, históricamente comum.
Raymond Goldsmith (1904-1988) foi um grande economista. Sua obra ainda não
recebeu o devido valor. Foi um pioneiro dos estudos de mensuração das contas nacionais
e da riqueza de um país. Trabalhou como economista na Securities Exchange
Commission (SEC) e no National Bureau of Economic Research (NBER). Goldsmith veio
algumas vezes ao Brasil, trabalhando no início dos anos 80 como pesquisador no
Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Goldsmith foi professor de economia
da Yale University e escreveu uma das mais importantes obras sobre o desenvolvimento
financeiro no Brasil (1986). Adiante serão vistas suas ideias sobre as crises financeiras
no Brasil (no Capítulo VIII, seção 5).
Para Goldsmith (1982), a crise financeira é caracterizada por uma aguda, breve, ultra
cíclica deterioração de todos ou da maioria dos indicadores financeiros – taxas de juros
de curto prazo, preços de ativos (ações, imóveis, terras), insolvência comercial ou
falência de instituições financeiras.
4. O contágio da crise
5. O desfecho da crise
“Algo – pouco importa o que, embora venha a ser uma questão ardorosamente
debatida – provoca a reversão definitiva. Aqueles que estavam deslizando na
crista da onda decidem que é hora de dar o fora. E aqueles que acreditavam que
os aumentos continuariam para sempre têm a sua ilusão destruída
abruptamente, e também eles reagem à revelação da nova realidade vendendo
ou tentando vender. Daí o colapso. E daí a regra, comprovada pela experiência
dos séculos: o episódio especulativo sempre termina não com um suspiro, mas
com uma explosão” (p.3).
Nesse sentido, o fato de haver dois estágios, segundo Kindleberger, levanta a questão
de dois grupos de especuladores, os insiders e os outsiders. Os primeiros desestabilizam
elevando os preços mais e mais, vendendo, no auge, aos segundos, que compram nessa
fase e vendem no final, em baixa, quando os insiders estão abandonando o mercado. As
perdas dos outsiders são iguais aos lucros dos insiders, e o mercado como um todo fica
equilibrado. Como ressalta Kindleberger, no entanto,
Nos 153 anos seguintes, e até os dias de hoje, o dilema ético permanece na ordem do
dia. A base do mercado é a confiança. As entidades financeiras estão cada vez mais
conscientes quanto ao papel da ética em seus negócios. Perceberam finalmente que uma
postura ética melhora, ao invés de prejudicar, a sua lucratividade no longo prazo.
O Governo, por sua vez, estabelece medidas de regulação, também com esse objetivo.
No entanto, alguns participantes obtêm vantagens atuando com base num
comportamento oportunista. Eles acreditam que caso todos os demais, exceto eles, se
comportem eticamente, o mercado continuará forte e eles obterão um diferencial de
lucros. Só que os outros, com o tempo, vão imitar esse comportamento, e o mercado se
deteriora, e os investidores se retraem.
Esse é o pano de fundo na luta para elevar os padrões éticos do mercado. Esse quadro
de dificuldades para implantar regras de boa conduta ética se agrava durante os
períodos de “boom” no mercado.
No seu livro “Fear, Greed and Panic: the Psychology of the Stock Market”, Cohen advoga
que os fatos econômicos são menos importantes do que os sentimentos e emoções tanto
para os investidores profissionais, quanto para as pessoas comuns.
Cohen comenta que mesmo economistas famosos, como Fisher e Keynes (analisados
adiante), apresentavam motivos preponderantemente psicológicos para a atuação de
investidores.
Ele acredita que motivos irracionais sejam mais importantes e afirma existir uma
significativa literatura ligando o desejo de fazer dinheiro com aspectos mais irracionais
do comportamento humano — fetiches, desordens de compulsão, obsessão e outras.
Para Cohen, nada disso iria surpreender Sigmund Freud, que acreditava que algumas
pessoas são direcionadas pelos instintos mais primitivos, desde a sua infância, para
ganhar ou guardar dinheiro. Cohen discute diversos outros autores ligando o dinheiro ao
comportamento psicológico humano. Inclusive, aponta que, na história humana, o ouro e
a prata, antes de servir como moedas, foram usadas como objetos religiosos de
adoração. Ele comenta também que os psicanalistas, em geral, não têm coisas muito
boas para dizer sobre a motivação de ganhar dinheiro.
7. Medidas do medo
Para o sociólogo Zygmunt Bauman, que escreveu vários trabalhos sobre aspectos da
modernidade, a sensação de medo é um traço marcante da moderna sociedade. No livro
“Medo Líquido”, Bauman desenvolve o tema.
Um dos “medos” que examina está associado com as crises financeiras. Segundo
Bauman, esse temor foi o motor do abalo que atingiu, na crise de 2008, as bolsas de
valores do mundo inteiro. O medo de uma crise econômica se transformou em crise em
si.
Ainda segundo ele, o aspecto mais assustador dos medos é que não temos, nem
podemos ter certeza se eles são genuínos ou imaginários. Os medos são muitos e
diferentes entre si, mas eles alimentam uns aos outros, formando um estado de espírito
que caracteriza uma “insegurança geral”.
8. Finanças comportamentais
Nos últimos anos, um grupo de psicólogos e economistas busca mostrar que, em vez da
teoria econômica clássica, um novo ramo da economia, chamado economia
comportamental, pode explicar melhor o comportamento dos investidores durante as
crises.
Essa escola está sendo também chamada de “behaviorismo financeiro”. No que diz
respeito à crises e bolhas, seus adeptos enfatizam dois aspectos que julgam relevantes:
Em uma entrevista a Silvana Quaglio, do Jornal Valor Econômico, quando de sua visita
ao Brasil, em 2003, Daniel Kahneman explica a ocorrência de bolhas de investimento.
Segundo ele, “o que acontece quando ocorre uma bolha é que há um monte de gente
pensando que será capaz de cair fora a tempo”. Kahneman acha que é errado concluir
que isso acontece porque as pessoas fazem escolhas racionais e gostam de tomar riscos
para aumentar seus ganhos. Para ele, ocorre o contrário. “As pessoas têm grande
aversão ao risco, mas são muito otimistas. Assim, elas não sabem a extensão do risco
que estão tomando”. Ou seja, estão muito menos seguras do que pensam. Ele acha
também que as pessoas tendem a pensar no curto prazo.
Kahneman ainda diz que procura recuperar um conceito que havia no século XIX,
quando a psicologia era usada para explicar os eventos econômicos. Para o autor, “no
século XX, a psicologia dentro da economia foi jogada pela janela”. Seu trabalho, de se
contrapor à racionalidade assumida pela economia moderna, visa recuperar ideias que
sejam muito úteis para entender o mundo moderno e não para voltar ao passado.
9. A racionalização da crise
De acordo com o autor, existem dois motivos para isso. Em primeiro lugar, muitas
pessoas e instituições estiveram envolvidas com a especulação e, embora seja
admissível atribuir erro, credulidade e abuso a um só indivíduo ou mesmo a uma única
organização, não é considerado apropriado atribuir tais defeitos a uma comunidade
inteira, ou a comunidade financeira como um todo.
O autor cita seis aspectos que mostram a dicotomia racionalidade dos indivíduos,
irracionalidade do mercado:
A repetição de crises, nas quais aparecem os mesmos elementos comuns, nos leva a
questionar a razão do por que as pessoas não aprendem com a história. Por que se
repetem os episódios de especulação e o drama da insanidade em massa? Segundo
Galbraith, em praticamente nenhuma outra esfera do esforço humano a história vale tão
pouco quanto no mundo das finanças.
Para esse autor, o episódio de euforia é protegido e sustentado pela vontade daqueles
nele envolvidos, a fim de justificar as circunstâncias que os estão tornando ricos. O
episódio é igualmente protegido pela vontade de ignorar, exorcizar ou mesmo condenar
aqueles que expressam dúvidas.
Alguns autores acham que a memória coletiva é curta, não dura mais do que vinte anos
ou o tempo de uma geração. A vida profissional dos executivos financeiros não costuma
ser longa, e os executivos que substituem aqueles que participaram de eventos
passados ligados a crises procuram apagar os episódios de sua memória e olhar para o
futuro. O desastre financeiro é rapidamente esquecido, e as novas gerações costumam
ser autoconfiantes, achando que “isto não vai acontecer conosco”, ou que “desta vez é
diferente”.
A segunda causa tem a ver com a ilusória associação entre dinheiro e inteligência.
Galbraith considera isso um mito. Entretanto, como diz Galbraith de maneira irônica, o
“gênio financeiro” é cultuado sempre antes da queda e execrado mais tarde, após a
crise. Ele apresenta três razões que fundamentam a visão equivocada de se associar o
ganho monetário com o traço de grande inteligência:
Ademais, concluem que as pessoas se esquecem de que elas aconteçam com tanta
regularidade. Devido à uma mescla de arrogância e ignorância, os beneficiários,
enquanto a bolha está crescendo, recusam-se a aceitar que aquela situação não vai
perdurar para sempre. Isso a despeito de que centenas de casos muito parecidos,
terminando em crises financeiras de menor ou maior intensidade, tenham se repetido
com regularidade ao longo dos séculos.
Fica evidente o esforço para evitar erros passados – como, por exemplo, o excesso de
protecionismo e uma demasiada preocupação com a inflação. A Crise de 1929 serve
como um benchmark para balizar as novas políticas, e não deixa de ser auspicioso que o
Chairman do FED, Ben Bernanke, é um dos maiores especialistas nesse assunto. Dessa
vez, as lições da história estão servindo!
Fonte
MELLO, Pedro Carvalho de. A dinâmica das crises financeiras. FGV Online, 2015.