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TEORIAS DO

CURRICULO

Eliane de Godoi Teixeira Fernandes


Fundamentos conceituais
do currículo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar os conceitos e as dimensões que regulam o currículo.


 Reconhecer os elementos e fenômenos da construção curricular.
 Analisar os pressupostos nos quais se baseiam a organização curricular.

Introdução
No âmbito macroeducacional, o currículo se refere às diretrizes do Estado
para o sistema educacional público e privado. Essas diretrizes são organi-
zadas por meio de leis que procuram observar o que já foi realizado na
educação brasileira e mundial para conciliar o passado com as expectati-
vas de formação para as novas gerações. No âmbito microeducacional, o
currículo procura adaptar as diretrizes exigidas pela União, pelos estados
e municípios aos anseios da comunidade da qual faz parte. Dessa forma,
o currículo se ocupa do futuro, atuando no tempo presente com o co-
nhecimento que adquiriu no passado.
Neste capítulo, você vai analisar as características, os conceitos e dimen-
sões que compõem e regulam o currículo. Diferente do documento curri-
culum vitae, utilizado no campo de recrutamento e seleção com a trajetória
educacional, as experiências profissionais mais relevantes, as habilidades e
competências de cada candidato a determinado trabalho, no campo edu-
cacional. o currículo combina análise do passado e aspirações para o futuro.

1 Currículo: conceitos e origem


De acordo com o glossário da Revista História, Sociedade e Educação
no Brasil, da Faculdade de Educação da UNICAMP, currículo foi con-
ceituado como documento norteador do processo de ensino e de apren-
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dizagem ou plano estruturado de estudos pela primeira vez em 1633, no


Oxford English Dictionary (ZOTTI, [2006]). Entretanto, foi apenas em
1918, com a publicação da obra The Curriculum, de Frankin Bobbitt, nos
Estados Unidos, que o currículo se firmou como campo de reflexão e de
estudos (ZOTTI, [2006]).
Ao longo do tempo, o termo currículo passou a designar diferentes etapas no
processo de escolarização, incluindo “[...] uma relação de matérias/disciplinas
com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o
respectivo tempo de cada uma (grade ou matriz curricular)” (ZOTTI, [2006],
documento on-line), as diretrizes explicitadas nas leis federais, estaduais e
municipais que regulam a área educacional e até mesmo as relações interpes-
soais que acontecem na sala de aula e que não são previstas.
Veja, na Figura 1, algumas possibilidades de conceituar currículo.

Figura 1. Possibilidades de conceituação de currículo.


Fonte: Adaptada de Zotti (2006).

Outra maneira de pensar o currículo é colocar tudo o que acontece na escola


como parte integrante de sua estrutura: assuntos, aulas, relacionamentos,
situações. A complexidade do currículo está em relacionar todas essas esferas,
visto que, quando apenas uma está em foco, perde-se a visão sistêmica do todo.
Assim, currículo é uma série de ações de diferentes agentes. “O conceito de
currículo é multifacetado e modificou-se historicamente atendendo a realidades
sociais distintas, há tempos e espaços específicos e, em consequência disso,
precisa ser compreendido no contexto social em que está inserido” (ZOTTI,
[2006], documento on-line).
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O ponto-chave para entender o currículo está na resposta a duas questões específicas:


 Qual é a função específica da escola?
 Quais habilidades e competências humanas poderão ser desenvolvidas a partir
da escolarização?

O que ensinar a quem?


É consenso entre educadores e a população leiga que uma das funções pri-
mordiais da escola é formar o cidadão para a atuação social. Entretanto, qual
é o tipo de atuação que se espera? Esse questionamento deve seguir o mesmo
caminho lógico da questão anteriormente apresentada, sobre qual é a função
da escola.
A partir da resposta a essas questões, podemos escolher qual currículo
será mais representativo para nossas expectativas. Enquanto instituição que
promove o aprendizado sobre o conhecimento humano acumulado com vistas
ao desenvolvimento, a escola tem por obrigação promover o acesso a certos
conhecimentos que, para a maioria das pessoas, não são acessíveis em outro
lugar que não a escola.
O conhecimento mais valioso é, por conseguinte, aquele que extrapola o
senso comum, ou seja, o pensamento científico, que capacita o ser humano
a ver a sua realidade de maneira diferente e a agir de maneira a buscar uma
maior qualidade de vida para si e para a comunidade.
Segundo Galian (2016b), o conhecimento capacita o ser humano a olhar
para o mundo de outro ponto de vista, diferente daquele que já tem no seu
dia a dia. Portanto, os conhecimentos oferecidos pela escola devem servir
para que os estudantes possam estranhar o mundo cotidiano, de maneira a se
sentirem potentes para investigá-lo e agir sobre ele, melhorando-o. A escola
deve ensinar que o mundo está como está porque foi organizado assim, de
maneira desigual e injusta, mas que há outras possibilidades. A naturalização
do status quo social fixa a ideia de que o mundo é assim porque não é possível
ser de outra forma.
4 Fundamentos conceituais do currículo

Entretanto, não é possível ensinar todos os conhecimentos na escola, seja


pela falta de tempo, de recursos ou até mesmo pelo pouco valor de determi-
nados assuntos para o desenvolvimento humano. Assim, sempre será preciso
fazer uma seleção de conhecimentos, uma escolha sobre o que vai compor o
currículo escolar. Galian (2016a) ressalta que essa escolha não acontece pelo
valor intrínseco do conhecimento, mas pelos interesses que acompanham
cada assunto.
Para determinado público, pode-se escolher conhecimentos que tendem
a limitar o horizonte de possibilidades dessas pessoas àquilo que elas já
têm no dia a dia, ou seja, vão inserir-se no trabalho mais próximo e viver
no ambiente já conhecido. Para outros, pode-se escolher um currículo
com um horizonte bem mais amplo de possibilidades, o que acontece
justamente porque não vivemos em uma sociedade justa, e isso se reflete
na problematização da escolha dos currículos para cada classe social
(GALIAN, 2016a).

Determinados conhecimentos entram no currículo escolar depois de muita mobi-


lização social, como no caso de leis que modificam a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, tornando obrigatório o ensino de determinados conteúdos que antes
não eram contemplados. É o caso da Lei nº. 10639 de 2003, que, torna obrigatório:
“[...] o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando
a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil” (BRASIL, 2003, documento on-line), e da Lei nº. 11.645 de 2008,
que torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena
(BRASIL, 2008).
Entretanto, conseguir colocar na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
9394/96 a exigência para que esses assuntos apareçam no currículo de todas as
escolas ainda não significa que eles de fato aparecerão no cotidiano escolar. O
movimento entre a entrada do currículo na legislação e a concretização na prática
educacional passa pela adequação dos cursos de formação (inicial e continuada) de
professor, pela compreensão e quebra de preconceitos, pela adequação do tempo
e grade curricular e depois pela real prática na sala de aula.
Embora o caminho seja longo, é de suma importância que esses assuntos constem
na legislação, pois, sem isso, não conseguirão entrar no material didático (livros e
apostilas) e na sala de aula.
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As teorias críticas do currículo mostram que especialmente a escola ofere-


cida para aqueles menos favorecidos, que não têm outra maneira ou outro local
para adquirir esses conhecimentos, tende a ser menos rica em conhecimentos
ou a simplificar os assuntos de maneira regular. Ora, se a escola e o currículo
mostrarem apenas o que os estudantes já conhecem em seu dia a dia ou tentarem
construir um currículo que apenas os agrade, pouca transformação cognitiva
poderá ser adquirida, e os estudantes sairão da escola com um repertório
muito parecido com o que já tinham antes de entrar.
Enquanto isso, outra camada da população tem acesso a um conhecimento
diferenciado, que permite que eles olhem o mundo de outra forma e possam agir
de outra maneira. É justamente essa dinâmica que faz com que cada indivíduo (e
sua classe social) fique onde está, permanecendo na posição em que se encontra.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 9394/96 traz explícito em seu Título II
(BRASIL, 1996, documento on-line):

TÍTULO II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional


Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos prin-
cípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial.
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
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A partir disso, alguns questionamentos sobre o currículo podem ser feitos:

 Como selecionar o que há de essencial em cada disciplina para que o


estudante entenda esse mundo em que vive?
 Como cada conteúdo poderá se articular aos princípios e fins da edu-
cação nacional presentes no texto da LDB?
 O que é necessário para entender que o mundo é uma construção e está
como está por uma convenção?
 O que se deve fazer para mostrar que há outras possibilidades de or-
ganização social e capacitar os estudantes na promoção de mudanças
necessárias?

2 Fenômenos e elementos da construção


curricular
A educação é uma atividade intencional cujo objetivo é o desenvolvimento de
determinadas habilidades e competências humanas que são apreciadas e necessárias
para a vida em sociedade. Você já pensou quais são os conhecimentos que auxiliam
a escola a concretizar sua intenção (segundo o Estado, a gestão e os professores)?
De acordo com Zotti ([2006]), os estudos sobre o currículo têm seu cerne na
análise dos conflitos socioeconômicos advindos dos processos de industrialização
e urbanização dos Estados Unidos e da Inglaterra. Essas situações marcam a
necessidade de escolarização em massa das camadas menos favorecidas da
população para formar mão de obra especializada para as indústrias em ascensão
nos séculos XVIII e XIX. A mencionada obra de Bobbitt espelha o desejo de
racionalização técnica e instrumental desejado pela economia ao propor um
currículo metodicamente organizado, medido, controlado e avaliado. No Brasil,
essa cultura curricular ficou conhecida como tecnicismo e se manteve nas décadas
de 1960 e 1970 como uma renovação do pensamento escolanovista anterior.

Se percorrermos historicamente a teoria curricular, podemos analisar o currículo


escolar a partir de dois grandes eixos: as concepções tradicionais ou conserva-
doras e as concepções críticas. Com origem nos Estados Unidos, tanto as visões
conservadoras como as críticas influenciaram sobremaneira o campo no Brasil.
De plano de estudos o conceito evolui para a visão de currículo como a totalidade
de experiências vivenciadas pela criança, sob a orientação da escola, levando em
conta e valorizando os interesses do aluno. Seus representantes, Dewey e Kilpa-
trick, contribuíram para o desenvolvimento das teorias progressivistas. As teorias
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progressivistas começaram a se delinear a partir do século XVIII e se constituíram


como tentativa de buscar respostas aos problemas socioeconômicos advindos dos
processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados Unidos no
final do século XIX e início do século XX (ZOTTI, [2006], documento on-line).

Ambas tradicionais, a visão escolanovista e a tecnicista tinham o “mesmo


objetivo de adaptar a escola e o currículo à ordem capitalista, com base nos
princípios de ordem racionalidade e eficiência”, utilizando conceitos tanto em-
presarias quanto do campo da psicologia (ZOTTI, [2006], documento on-line).
Somente a partir da década de 1960 as análises sobre a relação entre escola
e sociedade começaram a se desenvolver na Inglaterra e nos Estados Unidos,
gerando as teorias críticas do currículo. A partir delas, as relações entre o que se
ensina e como se ensina e suas repercussões nas desigualdades sociais começaram
a ser questionadas. O currículo, visto como uma lista de conteúdos neutros, perdeu
sua imparcialidade, deixando transparecer que a escolha por determinados temas
e métodos refletia na estratificação de classes econômicas e sociais.
Chamado de sociologia do currículo, esse campo do saber têm como re-
presentantes mais conhecidos Michel Apple (2016), Henry Giroux (1997),
Michael Young (2014) e Basil Bernstein (1996), que vão analisar o currículo
como forma de imposição cultural e opressão de uma classe sobre outra, a
fim de manter-se no poder.

No link a seguir, você confere uma conferência na cidade de Bauru, São Paulo, em 2013,
na qual o professor Saviani fala sobre o sistema de ensino no Brasil desde a colonização.
A linha histórica escolhida relaciona intencionalidade política e econômica com as
mudanças propostas para a educação nacional.

https://qrgo.page.link/mDVNB

Outra ressalva é que, se antes a escola servia para a formação do clero e das
classes abastadas, que possuíam cultura clássica e comportamento comedido,
ao receber os novos alunos, a expectativa da escola não se alterou. Dessa
forma, os novos alunos, que não tinham os mesmos conhecimentos culturais
e atitudinais esperados, começaram a fracassar na escola.
De acordo com Smolka (2003), a partir da década das décadas de 1970 e
1980, começam a ser publicadas pelo mundo todo pesquisas que tratam do
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tema do fracasso escolar, como as de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1984),


na Argentina e no México; Clay (1972–75), na Austrália; Foucambert (1978) e
Lentin (1979), na França; Scribner e Cole (1981), na Libéria; Read (1978), nos
EUA; Leite (1980), Cagliari (1989) e Capovilla (1997) no Brasil, entre outros.
Esses estudos também exerceram forte impacto nos debates sobre o currículo,
pois modificaram a maneira como os processos de ensino e de aprendizagem
se desenvolvem e destacaram suas variáveis mais importantes.

No Brasil, o destaque às pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, Psicogênese da


língua escrita, culminou na prescrição desses estudos como diretrizes em documentos
oficiais, nas ementas dos cursos de formação e capacitação docente, bem como no
método de alfabetização adotado nas escolas públicas brasileiras (SMOLKA, 2003).

Outros estudiosos se dedicaram a pesquisar o currículo e a sociologia do


currículo, confirmando a relação estreita entre escola, currículo e expectativas
do sistema capitalista. “O conceito de currículo é multifacetado e modificou-se
historicamente atendendo a realidades sociais distintas, há tempos e espaços
específicos e, em consequência disso, precisa ser compreendido no contexto
social em que está inserido” (ZOTTI, [2006], documento on-line).

No link a seguir, você confere um artigo de Guiomar Namo de Mello que trata das
teorias do currículo especialmente no Brasil de maneira simples e objetiva.

https://qrgo.page.link/3nCQU

3 Organização curricular
O currículo está disseminado em várias dimensões do processo escolar. En-
quanto documento formal, é apenas parte do que podemos chamar de diretrizes
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curriculares. É um norteador que se refere a princípios e metas, visto que se


encontra fora da realidade concreta das escolas. Entretanto, é a partir desse
conjunto de princípios que a realidade na sala de aula se concretiza.
Para ser utilizado na escola, o currículo formal deverá e será transformado
em livros didáticos e apostilas, em interpretações e adaptações que a escola
faz da sua realidade, em práticas que os professores oferecerão em sala de
aula diante das reais necessidades e expectativas de seus alunos. Por isso, o
currículo precisa ser entendido como um documento adaptável, flexível e
elaborado por professores, estudantes e governantes.
O ponto de destaque do documento formal está nas escolhas feitas para
a escola brasileira e o plano formativo da população, que explicita os conhe-
cimentos essenciais que deverão ser apresentados e ensinados para as novas
gerações, a fim de capacitá-las para viver em sociedade.
Historicamente, os professores não fazem parte da construção do currí-
culo, apenas o recebem e devem segui-lo, executá-lo. Assim, podem pensar
apenas em método, não em conteúdo, de modo que não há espaço e tempo
para questionar por que se ensina o que se ensina.
Para favorecer a compreensão sobre a organização complexa que envolve o
currículo, vamos utilizar a classificação de Galian (2016b), disposta na Figura
2, a seguir.

Figura 2. Currículo em processo.


Fonte: Adaptada de Galian (2016a).
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 Currículo prescrito, formal: é concebido muito antes de chegar ao


nível estadual e municipal. Historicamente, os professores não fazem
parte da construção desse currículo, eles apenas o recebem e devem
executá-lo. No início, os debates para elaboração da BNCC contaram
com a participação docente, mas, após algum tempo, essa possibilidade
de participação foi cerceada.
 Currículo planejado: transformação das diretrizes legais em materiais
para uso por professores e alunos, como guias curriculares, livros didáticos
e apostilas. Entretanto, é comum que a hierarquia se inverta e que os livros
didáticos passem a ser utilizados na escola como “o” currículo a ser seguido.
Outro ponto controverso é a existência de materiais diferenciados oferecidos
pela mesma editora à rede pública e à rede privada de ensino. Para baratear
a produção do material para a esfera pública, a mesma editora (e os mesmos
autores) pode simplificar textos, omitir figuras ou diminuir sua qualidade
gráfica, fazendo com que prevaleça a metodologia de memorização.
 Currículo organizado: refere-se à organização de tempos, espaços e
agrupamentos para efetivar o currículo planejado dentro da escola. Mostra a
hierarquia entre as disciplinas e os professores de acordo com a organização
do currículo. Historicamente, por exemplo, artes e educação física não têm o
mesmo status que português e matemática. Salas que agrupam alunos com
maior dificuldade também tendem a marcar uma expectativa de aprendiza-
gem diferenciada em comparação aos agrupamentos de melhores alunos.
 Currículo em ação: encontro efetivo entre professor-aluno-conheci-
mento. Nesse currículo, o professor tem mais autonomia de ação: pode
escolher se vai usar todo o livro didático, se vai inverter alguma ordem
de apresentação, se vai utilizar fontes diversificadas, etc.
 Currículo avaliado: dimensão da avaliação, na qual fica explícito
para o aluno o que é ainda mais importante dentro de tudo o que foi
apresentado durante determinado período. Também demonstra para o
professor e a gestão quais são os pontos de sucesso do currículo pre-
visto (o que funcionou e o que não funcionou). De uma maneira geral
e problemática, no Brasil, esse último passo do caminho tem invertido
o processo, colocando a avaliação como fomentadora do currículo
prescrito. Isso é destacado pelas avaliações externas, que acabam por
“ditar” o que se deve ensinar e em qual ano escolar, por exemplo.
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Acesse o link a seguir para conferir uma entrevista da professora Gláudia Galin sobre a
formação do currículo para a BNCC para a Faculdade de Educação da USP.

https://qrgo.page.link/wqWx6

Em resumo, a escolha do currículo sempre silenciará algumas vozes, es-


pecialmente as dos que detêm menos poder. Sempre haverá, além disso, vozes
distorcidas, pois determinados valores e culturas são tratados de maneira
equivocada na escola pela própria dificuldade de formação profissional e
quebra de paradigmas que permitam validar o que é muito diferente do padrão
imposto pela sociedade atual (exemplos clássicos dizem respeito a moral e
religião). Por outro lado, outros assuntos são supervalorizados do ponto de
vista acadêmico ou então por interesses políticos e econômicos.
O resultado da escolha do que fará parte do currículo é sempre tenso,
visto que o espaço é limitado. Os grupos que ficam de fora vão lutar para
serem incluídos, e quem está incluído se fortalecerá para não perder o
espaço já conquistado. Outros, já contemplados, requererão maior espaço
ou destaque.
Assim, o currículo é algo que nunca estará finalizado, pronto; pelo
contrário, está em movimento, seguindo os diversos interesses sociais,
políticos e econômicos que cercam a escola. É o que Galian (2016b) chama
de equilíbrio instável, um documento que precisará ser revisto, criticado e
sempre ampliado para ser adaptado às necessidades de formação humana
de cada época.
Esse é um processo natural, visto que as escolhas de hoje podem não ser
mais imprescindíveis daqui a um ou cinco anos (por exemplo, aulas de latim,
moral e cívica, datilografia, entre outras).
A conversa sobre currículo e política envolve formação de identidade, não
é neutra. Assim, embora não seja o ideal fazer escolhas, que eliminam outras
possibilidades, é essa a única maneira de elaborá-lo.
12 Fundamentos conceituais do currículo

APPLE, M. Ideologia e currículo. Porto Alegre: Artmed, 2016.


BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico. Petrópolis: Vozes, 1996
BRASIL. Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura
Afro-Brasileira", e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 23 jan. 2020.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-
cação nacional. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l9394.htm. Acesso em: 23 jan. 2020.
BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as dire-
trizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília,
2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/
L11645.htm. Acesso em: 23 jan. 2020.
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www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782016000400989&script=sci_abstract&tlng=pt.
Acesso em: 23 jan. 2020.
GALIAN, C. V. A. Currículo e conhecimento escolar na perspectiva da educação integral.
Cadernos Cenpec, v. 6, n. 1, jan./jun. 2016a. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.
br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/347. Acesso em: 23 jan. 2020.
GIROUX, H. Os professores como intelectuais: rumo a uma nova pedagogia crítica da
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita. São Paulo: Cortez, 2003.
YOUNG, M. F. D. Teoria do currículo: o que é e por que é importante. Cadernos de Pesquisa,
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ZOTTI, S. A. Currículo. In: GLOSSÁRIO HISTEDBR. São Paulo: UNICAMP, [2006]. Disponível
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Leituras recomendadas
BOBBITT, J. F. O currículo. Lisboa: Didática, 2004.

CONFERÊNCIA Nacional de Educação Prof Dermeval Saviani. [S. l.: s. n.], 2013. 1 vídeo (20 min).
Publicado pelo canal BauruPHC. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=VFb5E38gUl4. Acesso em: 23 jan. 2020.

MELLO, G. N. Currículo da educação básica no Brasil: concepções e políticas. São Paulo: [S. n.],
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guiomar_pesquisa.pdf. Acesso em: 23 jan. 2020.

PROFª Drª Cláudia Galian. [S. l.: s. n.], 2016. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal Comu-
nicação e Mídia FEUSP. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_conti
nue=1&v=HT7DZrLKsLQ&feature=emb_logo. Acesso em: 23 jan. 2020.

SACRISTAN, J. Gimeno. Saberes e incertezas sobre o currículo. "O que significa o currículo" da
página 17 até 37. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/search?
q=Saberes%20e%20Incertezas%20do%20curr%C3%ADculo&redirectOnClose=/. Acesso em
30/09/2021

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