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O choro que Deus ouve

 
Pela segunda vez Hagar sai da casa de Abraão de forma
conturbada. Na primeira vez que isso aconteceu, ela ainda
estava com seu filho Ismael no ventre, fruto das
manipulações de Sara e Abraão para gerar um filho que
fosse, o filho da promessa. Porém, Deus visitou Hagar no
deserto, a consolou e ordenou que Hagar voltasse para
casa de sua senhora e se submetesse a ela (Gêneses 16.1-
15).

Na segunda partida de Hagar (Gêneses 21.1ss), Deus


não dá a mesma ordem, afinal, ela agora foi jogada para
fora, e, continua errante no seu caminho, só que dessa
vez ela não está com seu filho no ventre, mas ele já
nascera, é um menino, ele está com idade entre 11 a 13
anos de idade, ambos estão em uma estrada escusa,
cheia de perigos, armadilhas e incertezas. Hagar desiste
da vida, a única água que lhe restara findou-se, deixa o
seu filho distante para não ver o fruto do seu ventre
morrer sem nada poder fazer. Então Hagar chora.

Mas um fato ocorre nesse drama que não passa


desapercebido, o menino também chora, brada com
desespero, o medo do oculto faz a criança derramar as
lágrimas da alma. A Bíblia Sagrada chama atenção para
algo que ocorre na seqüência, dizendo: “Deus ouviu o
choro do menino” (Gêneses 21.17).

O choro do menino é algo que se destaca, não pelo fato


de uma criança estar apenas chorando, mas pelo fato
do choro da criança não ter nada a ver com os choros
dos adultos, ou quase nada. Vez por outra, os nossos
choros são carregados de amargura, autocomiseração,
mácula, justiça própria. Choros que são mais marcados
pela ira do que pelo quebrantamento ou pelo clamor
legítimo da alma sedenta.

Hagar certamente tinha seus motivos para ter saído da casa


de Abraão, tendo em vista que sua senhora a maltratava e
agora ela tinha um filho para cuidar e criar. Mas além da
criança, Hagar está envolvida em um jogo de disputa,
poder, paixão, herança, é um jogo de emoções afloradas,
luta por conquista de um espaço que talvez nunca lhe
pertenceu. É o jogo que gostamos de chamar de vida,
porque a fazemos assim.

Hagar sai com seu filho, sem ter um destino certo, virou
andante no deserto de Berseba. Sabe-se apenas que ela
estava em desespero, foi expulsa pela sua senhora, precisa
ir, mas sem saber para onde. Mãe e filho choram, choram
porque na estrada da vida, ninguém é poupado das
lágrimas, sejam elas justas aos nossos próprios olhos ou
não. Mas a verdade linda por trás da trama é que “Deus
ouviu o choro do menino”.

O choro do menino é o choro da sinceridade, é o choro


de quem precisa de colo, de ajuda, é o choro do desejo
de amparo, é o choro da nossa criança interior,
clamando pelas necessidades reais da alma, do
coração. O choro do menino representa o choro das
necessidades verdadeiras, assim como cada um de nós
quando choramos com o coração “rasgado” diante de
Deus.
O choro de Ismael não está ligado ao sentimento ressentido
pela vingança mal sucedida ou pela perca de poder, o choro
dele não está atrelado ao grito daquele que chora com ira,
mas sim do interior verdadeiro de cada um de nós que
clama, Aba!

Ainda que canalizemos todas as nossas energias em coisas


sem sentido real para a vida, o choro que está em nós é o
choro do coração que precisa ser preenchido pelo amor do
Deus misericordioso que não desampara os que têm um
coração quebrantado e contrito (Salmo 51.17).
Quem tem um coração camuflado pelas fantasias da
cosmovisão desse mundo, cheio de vaidades, disputa de
poder e espaço, e não consegue se assumir como pessoa,
viverá a vida com seus choros abafados pelo egoísmo e
sem ter nenhum consolo.

O meu convite é para que deixemos a nossa alma chorar o


choro verdadeiro, identificando que necessitamos mais e
mais de Deus e não das coisas que supomos precisar.
Permita que a criança interior se derrame diante do Pai
dizendo: Aba, Pai!

Nele, somente Nele, somos acolhidos com amor e proteção,


Ele e só Ele, é Aquele que disse: “Eu lhes asseguro que, a
não ser que vocês se convertam e se tornem como
crianças, jamais entrarão no Reino dos céus” (Mateus 18.3),
Ele pode ouvir o choro secreto de nossa alma carente e
sedenta.

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