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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Curso de Pós-graduação Lato Sensu


História Contemporânea
Nivaldo Marcolino de Carvalho

Turma: B
Disciplina: Trabalho de Conclusão de Curso
Tema: Mundo Árabe e guerras árabe-israelenses: até os dias atuais
Orientador: Profº. Dr. Bernardo Kocher

A RETIRADA DE GAZA
UMA ABORDAGEM CIVILIZACIONAL

Rio de Janeiro
2006
GÊNESE DO CONFLITO

“Os filhos lutavam no ventre dela (Rebeca),


e ela disse: Por que isso está acontecendo
comigo? E foi perguntar ao Senhor.
O Senhor lhe disse:
Duas nações há no teu ventre, e dois povos
dividir-se-ão das tuas entranhas, e um povo
servirá o outro povo, e o mais velho servirá
o mais moço.” (Gênesis [Bereshit] 25:22,23)

“Mas Sarah viu que (Ismael) o filho de Hagar,


a egípcia, o qual ela dera à luz a Abraão, zombava
de Isaque, e disse Abraão: Deita fora esta escrava
e o seu filho, pois o filho desta escrava não herdará
com meu filho Isaque” (Gênesis 21:9,10)

“Não mais te chamarás Abrão, mas Abraão será


o teu nome, pois por pai de muitas nações te tenho posto ...
Darei a ti e à tua descendência depois de ti a terra das tuas
peregrinações, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua e serei o
seu Deus”
(Bereshit 17: 5, 8)
O princípio das causas que levaram a efeito o mais longo conflito do século XX pode remontar à
antiguidade se focarmos o aspecto cultural dos agentes envolvidos aqui.
Politicamente, o conflito palestino-israelense começa a se desdobrar em fins do século XIX,
quando os judeus se reuniram no Primeiro Congresso Sionista na Basiléia com o intuito de pôr
fim ao “problema judaico”, fixando os numa terra, sua, exclusiva, para que pudessem viver em
liberdade e que não fossem mais um “estorvo” para outras sociedades e culturas.
Napoleão já havia iniciado o processo para resolver o “problema judaico” dissolvendo o sistema
de ghetto e ressuscitando o lendário Sanhedrin, o antigo Sinédrio (= Senado) judaico.¹ Malgrado
o fato de que esse empreendimento tenha malogrado em sua essência e se tornado insípido, dado
o medo e as superstições ainda reinante no stablishment político de Napoleão, em virtude se uma
pretensa ameaça de uma conspiração judaica da polícia secreta dos “Protocolos dos Sábios de
Sião” de aniquilar a sociedade cristã-ocidental, os judeus começam já a respirar um pouco de
liberdade por esses ventos revolucionários que varreram a Europa a partir da França. O rabino
Kahn de Nimes chamava a Revolução Francesa de “nossa fuga do Egito... nossa Páscoa
moderna”.²
Mas o caso Dreyfus mostrou que a “questão judaica” estava longe de ter um fim, mesmo com os
judeus se assimilando cada vez mais nas sociedades européias. Herzl provou isso na própria pele.
Tinha projetos de apagar sua origem judaica e de não “passar o problema adiante” para seus
filhos. Contava anedotas anti-semitas, como a maioria dos judeus vienenses fazia. Estes
pilheriavam: “O anti-semitismo não começava até que os judeus começassem a instigá-lo”. Herzl
chegou mesmo a fazer apologia da conversão ao cristianismo. “Eu mesmo não me converteria...
contudo sou a favor da conversão... Pergunto-me se tenho o direito de amargar e enegrecer sua
vida (de seus filhos) como a minha foi... portanto há que se batizar os meninos judeus antes que
eles se dêem conta de si mesmos... Eles precisam desaparecer no meio da multidão”³.
Para muitos judeus contemporâneos de Herzl na Europa, era melhor para eles mesmo que se
diluíssem entre os povos do que continuar eternamente “errantes”.
“Porque a única raça que não tinha um país, uma paisagem, uma cultura própria: os judeus!... Se
aderissem ao judaísmo de gueto, eram estranhos e alienígenas por essa razão; se se
secularizavam e se esclareciam, tornavam-se uma civilização alienígena”4.
O próprio Wagner, o grande músico alemão, advogava o Untergang (queda) dos judeus.
“Considero a raça judaica como inimiga nata da humanidade pura e de tudo o que é nobre nela; é
certo que nós alemães pereceremos antes deles e talvez eu seja o último alemão que sabe
levantar-se como um amante das artes contra o judaísmo que já está adquirindo o controle de
tudo.” Escreveu isso em Religião e Arte (1881), publicado no ano em que os grandes pogroms
russos estavam conduzindo uma nova onda de refugiados Ostjuden para a Europa Central.
Wagner inspirou Eugene Düring, que por toda a década de 1880 publicou uma sucessão de
ataques raciais amplamente lidos contra os judeus: a “questão judia”, declarou ele, deveria ser
“resolvida” pela “morte e extirpação”.
O ataque vinha de todos os lados: da esquerda, da direita; dos aristocratas e populistas; da
indústria, das fazendas; da academia e da sarjeta; da música e da literatura e, sem desconsiderar,
da ciência. O que os judeus deveriam fazer?
O judaísmo, como Heine amargamente observou, era uma doença incurável que desafiava todo
tratamento? Judeus eram atacados quer fossem ativos ou passivos. Em meio aos grandes
pogroms russos de 1881-2, um judeu russo, Leon Pinsker, escreveu um livro chamado
Auto-Emancipação (1882) no qual a assimilação era descartada como, em última análise,
impossível, porquanto sob todo ponto de vista o judeu poderia ser, e era atacado: “para o vivente,
o judeu é um homem morto; para os nativos um alienígena e um vagabundo; para os
proprietários um mendigo; para os pobres um explorador e um milionário; para os patriotas um
homem sem país; para todas as classes um rival odiado”5.
“Em 1879, o panfletário anarquista de Hamburgo, Wilhelm Marr, introduziu o termo
“anti-semitismo” no vocabulário político, fundando a Liga Anti-Semita. No mesmo ano o orador
das tribunas de Berlim, Adolf Stroeker, persuadiu seu pequeno Partido Trabalhista Socialista
Cristão a adotar uma plataforma anti-semita. Em 1882 reuniu-se em Dresden o Primeiro
Congresso Anti-Judaico Internacional.” (Johnson, 1987:394). Deputados anti-semitas foram
eleitos. Em muitas cidades ocorreram ataques físicos contra judeus e estudantes alemães
proibiam estudantes judeus de fazer preleções.
O Caso Dreyfus foi a gota d’água para Herzl. A partir daí ele inicia um processo de abandono
radical de sua posição assimilacionista. Pensou numa série de soluções para o lendário
“problema judeu”. Suas idéias turbulentas conceberam até uma audiência com o Papa em prol de
um apoio deste a uma campanha contra o anti-semitismo em troca de “um grande movimento de
massa para uma livre e honrosa conversão de todos os judeus ao cristianismo.” (Amos Elon,
Herzl, Londres, 1976). Escreveu uma peça, O Novo Gueto, mostrando como surgia uma nova
modalidade desse antigo sistema. Decepcionou-se com a França, a Alemanha, Viena e a “era
áurea de liberdade e civilização’, apregoada pelos pensadores europeus.
Dreyfus ressuscitou o judeu que havia em Herzl. Aqui nascia um novo judeu que mudaria para
sempre o destino e a sorte dos judeus no mundo todo e iria trazer de volta à História antigos
conflitos e turbulências no Oriente Médio, na explosiva região do antigo Crescente Fértil.
“Não era Dreyfus o sofredor arquetípico do novo gueto? Se a própria França voltava-se contra o
judeu, onde na Europa poderia ele procurar aceitação? Como para reforçar a questão, a Câmara
dos Deputados francesa só deixando muito a desejar rejeitou (268 contra 208) uma moção
anti-semita que bania os judeus do serviço público. A década de 1890 foi o ponto culminante de
uma onda de anti-semitismo europeu, provocada pelo fluxo de refugiados dos horrores russos.
Parecia de urgente necessidade planejar um refúgio alternativo para os judeus... Os judeus
precisam ter um país próprio!”6.
Em 1896 Herzl conclui seu livro, Der Judenstaat, O Estado Judeu. Seu apelo era simples:
Nós somos um povo, um povo. Em toda parte procuramos honestamente nos integrar com as
comunidades nacionais que nos cercam e conservarmos somente nossa fé. Não nos permitem
fazer isso...em vão nos empenhamos em aumentar a glória de nossas pátrias com conquistas na
arte e na ciência e sua riqueza com nossas contribuições para o comércio...somos denunciados
como estrangeiros...se apenas nos deixassem em paz...Mas não acho que farão isso.”
De fato, judeus ilustres como Freud, Einstein, Marx, Kafka e muitos outros se defrontaram com
esse problema. Que o digam também Olga Benário e Rosa Luxemburgo.
Ironicamente, Herzl se inspirava muito nas encenações musicais clássicas de Wagner de quem
era fã ardoroso. Essa é uma das ironias do destino. Wagner, o homem que queria e pregava a
extinção da raça judaica, inspirava aquele que eternizaria mais ainda a presença judaica no
mundo com a formação de um Estado judeu forte e obstinado. De fato Herzl era uma figura
contraditória, com traços histriônicos, cheio de paradoxos.
Sofreu a oposição de todos. Dos europeus, da imprensa, dos russos, dos turcos, e, mais uma
ironia, dos judeus de todos os matizes, dos mais ortodoxos aos mais liberais, assimilados ou não.
O apoio veio não do Ocidente, mas dos miseráveis judeus do Oeste, os Ostjuden, que
começavam a vê-lo como o Messias esperado.
Havia exceções: Nathan Birnbaum, líder dos estudantes judeus de Viena, que de fato havia
cunhado a palavra “sionismo” em 1893. Este e mais outros líderes judeus na Europa começavam
lentamente a apoiá-lo. O filósofo Max Nordau disse-lhe: “Se você é insano, juntos nós somos
insanos – conte comigo!”.7
Aos poucos Herzl foi agregando personalidades de vulto à causa sionista, até conseguir, por fim,
o apoio total da Inglaterra.
Mas, onde? Vários locais foram cogitados. Argentina, Amazônia, Uganda, El Arish...
Diante da oferta de Uganda pelo governador britânico, os delegados russos ameaçaram
abandonar a causa, o que fez com que Herzl se decidisse definitivamente pela Palestina.
Com muita relutância conquistou o apoio de Lorde Rotschild, de Chamberlain, de Lloyd George,
do milionário Barão Maurice de Hirsch, etc. Herzl foi incessantemente ridicularizado, até mesmo
por estes que vieram a apoiá-lo depois.
“Os Macabeus ressuscitarão”, dizia ele, e a imprensa alemã zombava chamando-o de “Julio
Verne judeu”, cuja mente se tornara desconjuntada por entusiasmos judaicos.8
Ainda bem antes disso, judeus vieram para a Palestina aos montes, após o pogrom de Toledo de
1391. A corrente de refugiados aumentou em 1453, quando o sultanato otomano capturou
Jerusalém e abriu suas portas aos imigrantes. Após 1492 os números novamente se elevam. Em
pouco tempo os judeus se tornaram preeminentes ali na vida judaica e em geral.
Em 1517 quando os turcos conquistaram a Palestina, um país reles, com apenas 1176 famílias (!)
e economia a beira da ruína, um grande afluxo de judeus acorreu para lá se concentrando
principalmente em Safed, na Galiléia, onde refugiados de toda a Diáspora viviam em seus
próprios bairros chamados Castela, Aragão, Hungria, Itália, Alemanha e assim por diante. Em
segundo lugar estava Jerusalém; GAZA, Hebron, Acre e Tiberíades também revivesceram. Sob o
domínio otomano ouve um período de prosperidade. Safed foi o centro de uma florescente
indústria de tecidos, tinturaria e mercado agrícola com a experiência judaica de outros países. 9
Nesse período, muitos cabalistas se instalaram em Safed, mas não eram sionistas, não
conceberam nenhuma estratégia para a salvação política dos judeus. Isso não cabe, segundo
Karen Armstrong, ao mythos; planejamento prático e atividade política cabem ao logos – do
pensamento racional e discursivo.10
Na realidade a presença judaica na Palestina realmente tem sido perene desde sua definitiva
expulsão no ano de 135 d.C. pelos romanos, quando estes finalmente esmagaram a última
Revolta judaica sob o comando do intrépido Akiva que foi esfolado vivo. A Palestina recebeu
então esse nome, dado pelos romanos, em deferência aos filisteus, talvez, quem sabe, por estes
terem tido origem no Mediterrâneo europeu de cultura egéia. E Jerusalém recebeu o nome pagão
de Aelia Capitolina em homenagem ao Cézar. Seria o fim definitivo da Resistência contra as
forças de ocupação e o fim do Estado judeu da antiguidade.
Autores especialistas na Idade Média, europeus e árabes, têm registrado relatos de documentos
que falam sempre da presença de colônias judaicas na Palestina. Muito embora, é óbvio que essa
presença tem sido minoritária nos domínios romano-pagão e depois cristão bizantino; no breve
domínio persa, no islâmico, cruzado, turco, mameluco e otomano até meados do século XIX,
quando então em fins desse século, em 1880, os judeus já constituíam a maioria da população em
Jerusalém.11 Já em 1860, a superpopulação dentro das muralhas levou os judeus a construir o
primeiro bairro fora dos muros.12
Nenhum autor, acadêmico ou não, contesta a presença judaica contínua e ininterrupta na
Palestina. Algumas poucas colônias, como as da Galiléia e Safed sempre estiveram ali, nunca se
extinguiram definitivamente. No século IV, os judeus foram proibidos pelos bizantinos cristãos
de entrar em Jerusalém, exceto no dia de lamento do Tisha b’Av – 9 de Av, quando então podiam
chorar a destruição do Templo (se foram proibidos é porque continuavam ali, mesmo depois de
sua aniquilação há trezentos anos). A invasão persa da Palestina em 614 d.C. contou com a
aliança dos judeus, animados por uma esperança messiânica de libertação. Em gratidão, os persas
lhes deram o governo de Jerusalém. Mas isso durou apenas três anos, entretanto, mostrou mais
uma vez a obstinação dos israelitas para recuperar sua capital, depois de séculos sem seu
governo. Para tragédia destes, os bizantinos recuperariam o domínio da cidade (629) e assim, os
judeus foram novamente expulsos da cidade, permanecendo na periferia, em lugares como Safed,
Acre , Hebron e Jaffa.
Ironicamente foi o califa Omar, no século VII, que criou o primeiro bairro judeu em Jerusalém,
convidando-os a se reinstalarem na cidade, contra a vontade do patriarca bizantino Sefrônio. “Os
judeus são o povo do Livro, são nossos ancestrais de fé. A cidade estará sempre aberta para
eles.”13 (os grifos são meus).
Mas sua liberdade tinha um preço: a imposição de pesados impostos sobre as terras agrícolas e o
pagamento de taxas especiais. Isso deslocou os judeus para as cidades, onde a situação melhorou
um pouco, mas enfraqueceu demais a comunidade judaica.
Não obstante o massacre de judeus pelos cruzados na Europa e mesmo na Palestina no século XI,
a peregrinação à Terra Santa tornou-se popular não só para cristãos, como também para judeus.
Estes procuravam retornar à sua pátria. Documentos dessa época revelam que um grupo de
trezentos rabinos da França e Inglaterra chegou ao país, instalando-se em Acre (Aco) e em
Jerusalém. 14
Os documentos perfilam também na historiografia de cronistas árabes, relatados na obra de
Amim Maalouf, As Cruzadas Vistas Pelos Árabes, que presenciaram e foram testemunhas das
invasões cruzadas dos franj (francos ou europeus) ou dos Rum (romanos, europeus ou cristãos
bizantinos), como os árabes os chamam até aos dias de hoje. Entre estes cronistas o mais
cativante era o de Damasco, Ibn Al-Qalanissi. Também são relatados aqui os testemunhos e
documentos de Abul-Fida, Ussama Ibn Munqidh (1095-1188), Ibn al-Athir em sua História
Perfeita, Sibt al-Jawzi (1186-1256). A maioria desses documentos, publicados por Maalouf na
obra supracitada só têm, alguns deles, tradução para o francês. Seus originais também estão
guardados em museus na França.
Bem, o argumento judaico, em toda sua historiografia de apologia à causa judaica advoga, é
claro, a perenidade dos judeus na Terra, Eretz, de Israel, mesmo na sua última e mais longa
Diáspora dos últimos dois mil anos. 15
Não resta dúvida que, se estes não estiveram sempre na Terra, pelo menos os testemunhos
históricos demonstram que seus anseios, seu coração e suas orações sempre estiveram voltados
para ela. Todo ano no Pessach (Páscoa judaica) era repetida a mesma prece: “E no ano que vem
em Jerusalém...”.
Assim tem sido para os judeus nos últimos dois mil anos...
Quanto aos árabes, sua presença inequívoca tem sido constante ali, há pelo menos 1.300 anos,
desde que os muçulmanos tomaram-na aos cristãos bizantinos e deixaram ali colonos árabes que
se juntaram a outras etnias semitas locais e bizantinos.
Entretanto, o argumento majoritário da historiografia árabe é que estes estão ali na terra desde
tempos imemoriais e que eles são descendentes dos antigos cananeus e filisteus que foram
dominados e colonizados pelos israelitas vindos do exílio egípcio. Ou seja, seriam os donos
primitivos da Terra.
James Michener, em seu romance histórico, A Fonte de Israel, traça um perfil da presença
palestino-judaica ali na Terra desde tempos remotos, de cerca de 9000 anos, da Pré-história até os
nossos dias. Mostra o desenvolvimento de dois clãs que partem de um lugar chamado Makor
(Fonte) com um personagem chamado sugestivamente de UR. Daí desenvolve todo o drama da
história desses povos que possuem uma origem comum. 16
De fato, o arqueólogo Israel Finkelstein contesta a origem caldaica dos judeus, via Abraão, ou
sua vinda de um exílio egípcio. Ele diz que os israelitas são, na realidade, cananeus in natura.
Veremos isso mais adiante. Essa teoria, porém, ao contrário do que muitos pensam, daria
técnicamente, mais munição ainda aos judeus para o seu argumento da origem histórica e
antropológica, mesmo contrariando o status de seu mythos.
Edward Said diz que “tão pequena é a região da Palestina histórica e tão intimamente
entrelaçados estão israelenses e palestinos, apesar de sua desigualdade e antipatia, que uma
separação pura e simples, não poderá acontecer ou funcionar.” diz ainda que “embora a
presença judaica seja de longa data, em hipótese alguma foi a principal. Ela teve outros
inquilinos... a Palestina é multicultural, multiétnica e multireligiosa”.17 Grifo meu.
Mahdi Abdul Hagi é Doutor em História e Ciências Políticas e autor de vários estudos sobre a
Palestina. Vive em Jerusalém e fundou o Fórum do Pensamento Árabe em 1977. Antes, foi
Secretário Geral do Conselho para Educação Superior na Cisjordânia. Atualmente, é presidente
da Sociedade Acadêmica Palestina para o Estudo dos Negócios Estrangeiros. Em recente artigo
na Internet, na página da Biblioteca Rubaiyat, ele discorre sobre as origens dos árabes
palestinos:
“Jerusalém, al-Quds al Sharif (a nobre cidade santa) tem uma longa e rica história... O resultado
é que agora pode se achar diversas fontes de apoio a qualquer argumento, e que há pouco
consenso acerca dos longos períodos da historia da cidade. Na verdade há, provavelmente,
poucos assuntos que tenham gerado tantas pesquisas e análises mutuamente contraditórias”. 18
Ele ainda diz que há 5.000 anos, os cananeus, tribos dos árabes semitas, após período de longa
seca na península arábica, se estabeleceram em territórios do Mar Mediterrâneo como Síria,
Líbano, Jordânia e Palestina. E ele concorda com a Bíblia que diz que os jebuseus fundaram
Jebus, o embrião da futura Jerusalém. 19 Mahdi menciona os filisteus, povo do Egeu, vindos de
Creta, que chegaram a Canaã dois mil anos depois dos cananeus e misturaram-se com as tribos
cananéias. 20 Os filisteus habitaram nas regiões costeiras de Gaza, à época com esse mesmo
nome, Ashdod, Ashkelon e Ecrom, esta última desenterrada recentemente por arqueólogos
israelenses. A palavra Palestina deriva do nome do povo filisteu. Philistia, a terra dos filisteus,
segundo a batizaram os romanos em 135 d.C. Falestin para os árabes até hoje.
Mahdi diz que, devido ao fato de Canaã ter sido a encruzilhada das civilizações e impérios, “os
cananeus nunca puderam estabelecer um Estado forte e unificado.” (Mahdi, 2006:4). Ele
reafirma Jerusalém, (Jebus) desde os tempos dos cananeus como uma parte inseparável da
Palestina. Diz que Abraão, por ser caldeu, de Ur, não era judeu nem cristão, mas o Corão o
chama, diz ele, de “muçulmano” (Mahdi, 2006:5).
Mahdi segue, em sua narrativa, a saga dos judeus, cananeus, filisteus, conforme narra a Bíblia.
Diz que eles conviveram, guerrearam entre si, mas nenhum grupo conseguiu o controle completo
do país até que Davi em 1000 a.C. o conseguiu, tomando também a Transjordânia e fazendo de
Jerusalém sua capital. Mahdi também afirma que depois da destruição do Templo judaico pelos
romanos pagãos no inicio da era cristã, e depois da cristianização da Palestina pelos cristãos
romanos e bizantinos, com a conversão de “povos cananeus” ainda residentes aí. Estes, porém,
“permaneceram” com sua vida e cultura “voltadas para Jerusalém”21 até a conquista e
islamização da Terra pelos árabes. E daí para cá, a Palestina tem sido sempre árabe, “do ponto de
vista da língua e da demografia”. Mas reconhece o intervalo de governo de duzentos anos dos
cruzados. Impossível negar essa evidência tão avassaladora.
Diferentemente do TANACH, a Bíblia judaica, que diz que Isaque era o herdeiro de Abraão, os
muçulmanos dizem que o herdeiro é seu meio irmão, Ismael, filho de Agar, a egípcia com
Abraão, de quem os árabes descenderiam. Aqui já se evidencia uma disputa por herança da Terra
entre judeus e árabes. No Gênesis, Sarah, esposa de Abraão diz que o filho da escrava Agar, não
herdaria com seu filho Isaque, o que fez com que Abraão acatasse as ordens de sua mulher e de
Deus e dispensasse sua concubina com seu filho. Esta partiu com seu filho para o Egito e seus
descendentes, os ismaelitas, teriam se espalhado por todo o Oriente Médio. Os de Isaque teriam
ficado na Palestina. 22
Também, ao contrário do TANACH judaico , o Al-Quran (Corão) diz que quem seria sacrificado
por Abraão no Monte Moriá, em Jerusalém, era Ismael e não Isaque, conforme diz a Bíblia. 23
Deduz se daqui que os muçulmanos aceitaram o Deus dos judeus e de sua Bíblia com suas
histórias, mas mudaram muitas de suas narrativas, tanto do Antigo Testamento, quanto do Novo
Testamento cristão, para criar o seu próprio mythos.
O TANACH ou a Torah (a Lei de Moisés, Pentateuco) funcionam como uma Escritura de
lavratura da Terra para os judeus religiosos.
Percebe-se que Mahdi, em seu texto supracitado, ressalta sempre a perenidade dos cananeus na
Terra, mas ressalta sempre os lapsos de ausência judaica nela. É a freqüente busca da
legitimização histórica e antropológica de seu povo em seu direito étnico e cultural à Terra. Ele
denuncia a “judaização” da Palestina e a “despalestinização” desta pelos israelenses. Diz que os
judeus são um “parceiro ativo nos esquemas europeus de manipulação do Mundo Árabe”,” um
movimento político na tradição dos movimentos colonialistas”. Os israelenses seriam hoje os
sucessores legítimos dos cruzados. É a “Cruzada Sionista”. 24
Mahdi cita Herzl em “O Estado Judeu” onde esse escreveu que o Movimento Sionista seria “uma
trincheira européia contra a Ásia, um posto avançado da civilização contra a barbárie” e “Que
nos seja dada soberania sobre um pedaço de terra... e cuidaremos do resto... o plano é simples em
sua forma, embora complicado em sua execução... duas organizações ficarão com o controle da
execução do plano: a Sociedade Judaica e a Companhia Judaica”.
Herzl em seu Diário “encoraja” a população ao longo das fronteiras: “Se algum dia capturarmos
Jerusalém, e ainda estivermos vivos e capazes de fazer qualquer coisa, então destruiremos tudo o
que não for sagrado para os judeus ali” (Mahdi, 2006:19). Os números de Mahdi são
contraditórios com os da historiografia judaica. Não há como ser de outra maneira numa disputa
tão acirrada. Ele diz que em 1918 havia 55.000 judeus na Palestina para 700.000 palestinos, ou
seja, 8% da população era judaica e 92% palestina. No site www.visaojudaica.com.br, em artigo
publicado em 19/03/2006, intitulado: “De quem é a Terra de Israel”, este informa à página 3 que
em 1907 a população judaica da Palestina era já de 100.000 e a população de Jerusalém de
25.000‫ בּ‬num total de 40.000. Paul Johnson diz que em 1917 havia de 85.000 a 100.000 judeus
em meio a uma população de maioria árabe de 600.000.
O “Visão Judaica – on line” também expõe a retórica do “direito” judaico à Terra:
“Israel se tornou uma nação institucional há 3.315 anos atrás, - e dois mil anos antes do
aparecimento do islã” e na Idade Média “romanos, bizantinos, árabes, egípcios, cruzados e turcos
governaram o território de forma retrógrada, negligenciando-o”. Nesse tempo todo ninguém,
nenhum governo se inclinou “a construir uma nação para si próprio...exceto os judeus”. “Em 636
e.C. quando os saqueadores árabes chegaram a Terra e arrancaram mais de seus judeus, eles
também não formaram nenhuma nação árabe e certamente nenhuma “nação palestina”. Eles
simplesmente “eram árabes” que passaram por uma área geopolítica chamada “Palestina”. Sendo
assim, foram as “hordas árabes que invadiram e tomaram a terra dos judeus.” “Nenhum reino ou
país, à exceção do antigo Israel, alguma vez existiu como entidade nacional soberana nessa
terra”.25
O periódico prossegue argumentando que centenas de escavações arqueológicas atestam a
presença judaica ali, uma presença ininterrupta durante os últimos 3.000 anos. Os filisteus e sua
religião desapareceram, os cananeus idem, os árabes não têm uma linha contínua até os dias de
hoje na Terra como os judeus têm. Em dezenas de páginas da Bíblia, esta atesta que Deus deu
esta Terra por “Estatuto Perpétuo” aos judeus (Bereshit [Gênesis] 48:4 e Vaikrah [Levítico]
25:34). Essas passagens bíblicas são verdadeiras certidões de nascimento para os israelitas ou
Escritura Imobiliária que lavra o seu assento na Terra. “Porque toda essa Terra que vês, eu te
darei, a ti e à tua descendência para sempre” (Gênesis 13:15); “...fez o Senhor aliança com
Abrão... À tua descendência dei esta Terra, desde o Rio do Egito até ao grande Rio Eufrates”
(Gênesis 15:18); “toda Terra de Canaã em possessão perpétua...” (Gn. 17:7,8)
Toda extensão desse território, segundo o traçado descrito na Bíblia só foi consolidado sob o
reinado de Davi, depois de 300 anos da presença israelita ali, de acordo com o próprio texto
bíblico. Depois de Davi veio a guerra civil e daí por diante nunca mais os israelitas obtiveram a
integridade do território em sua plenitude. Sob Davi, porém, cananeus e filisteus perderam
definitivamente a posse de suas terras. Os que não foram exterminados e expulsos integraram se
ao novo país, agora uma só entidade política. Um só líder, uma só Terra e um só povo. Sob
cananeus e filisteus a Terra era repleta de cidadelas e uma colcha de retalhos multicultural e
multiétnica.
Os israelitas argumentam também que o Deus da Bíblia é chamado por ela de “Deus de Israel” e
nunca “Deus de Ismael”. Também são enfáticos em dizer que o Alcorão não menciona o nome e
nem a cidade de Jerusalém nem uma vez sequer. Nenhuma. O Visão Judaica diz que
“revisionistas e propagandistas árabes usam a origem etimológica da palavra Palestina para ligar
os árabes palestinos aos filisteus, como se estes fossem ancestrais daqueles. Na realidade, os
filisteus eram um povo marítimo oriundo de vários grupos étnicos, principalmente egeus e de
origem do sudeste europeu [antiga Creta e Turquia Ocidental]... mas seguramente não são de
origem árabe. Os árabes da Palestina são só... árabes! Eles têm tanta raiz histórica com os
filisteus como Yasser Arafat tem com os esquimós!”. De fato os cananeus não assustavam os
israelitas, mas os filisteus sim, porque a Biblia os apresenta como tendo estatura elevada, acima
da média semítica (o gigante Golias era filisteu), possuíam a tecnologia da forja do ferro, tinham
carros de guerra, uma novidade e um primor na época, e eram conhecidos como “povos do mar”.
O mito judaico criou a figura lendária de Sansão, homem forte e delinqüente juvenil para
derrotar os aguerridos filisteus que haviam dominado e escravizado os israelitas. Sansão libertou
os israelitas, mas deixou-se seduzir pela beleza pagã da “deusa” greco-filistéia Dalila. “A
presença árabe na Palestina tem sido a presença de tribos nômades”. Só com a chegada dos
judeus contemporâneos que teria se iniciado o chamado nacionalismo árabe na Palestina e a
tentativa de formação de um “Estado Palestino” até então inusitado e desconhecido entre os
próprios árabes palestinos que viviam sob o jugo otomano. 26
“Mesmo a palavra Palestina não tem significado árabe. Toda palavra árabe teria algum
significado derivado do Alcorão, mas a palavra Palestina não tem. Se existe uma palavra
“Palestina” ela sempre foi associada aos judeus. Nos anos que antecederam o renascimento de
Israel em 1948, os que falavam de “palestinos” estavam sempre se referindo aos judeus
residentes na região. Por exemplo. O ‘Palestine Post’ era um jornal judeu. A ‘Brigada da
Palestina’ [Regimento] era exclusivamente composta de voluntários judeus no exército britânico.
Na realidade, os lideres árabes rejeitavam a noção de ‘árabe palestino’, insistindo que a Palestina
era somente uma extensão da ‘Grande Síria’. Hafez Assad insistiu muito nisso”.
Aqui aparece também o argumento da Terra vazia. Que Mark Twain visitou a Terra em 1867 e
concluiu que ela era uma “nação desolada... infestada de ervas daninhas... uma expansão triste,
silenciosa e desolada... nós nunca vimos um ser humano em toda a rota... quase não há arvores
ou arbustos em lugar algum”. “A maioria dos proprietários de terra eram ausentes e residiam em
outros lugares. Os judeus nunca desalojaram ninguém, eles compravam as terras por dinheiro.
Toda a terra foi comprada legalmente de seus donos originais e um bom dinheiro foi pago por
ela. Só aproximadamente uns 120.000 árabes viviam então na área comprada entre o Estado de
Israel, Jordânia, e a ‘denominada’ Margem Ocidental [Judéia e Samaria]. Quando os judeus
começaram a trazer o progresso e avanços tecnológicos, drenar os pântanos e cultivar as terras
áridas iniciou-se uma onda de imigração de árabes (uma Aliá árabe?!) da Síria, Jordânia, Egito,
Iraque e outras nações. Noventa por cento dos árabes migraram para lá nos últimos cem anos”!?.
27
Eis aqui uma propaganda judaica com os mesmos tons da famosa falácia árabe. Um prato cheio
para Norman Finkelstein!
Conclusão do Visão Judaica On Line : “ Não há nenhuma Palestina árabe histórica produzida
pelos árabes”. Numa entrevista ao jornal holandês Trau (31/03/1977), Zahir Muhsein, membro
do Comitê Executivo da OLP disse: “O povo palestino não existe. A criação de um Estado
palestino é só um meio para continuar a nossa luta contra o Estado de Israel e pela nossa unidade
árabe. Hoje, na realidade, não há nenhuma diferença entre libaneses, jordanianos, palestinos ou
sírios. Só por razões políticas ou táticas é que falamos hoje da existência de um povo palestino
em oposição ao sírio-libanês. Assim, a sugestão de que os palestinos seriam algum subgrupo de
árabes com sua própria identidade é pura ficção!”. 28
“Quando os jordanianos capturaram Jerusalém e a ocuparam em 1948-67, eles nunca procuraram
mudar para lá sua capital (em substituição a Amã), nem fizeram dela a capital do povo
‘árabe-palestino.’
‘O Alcorão sagrado do islã menciona Meca duas ou três vezes (de forma implícita, mas não
escrita). Menciona Medina cinco vezes. Nunca menciona Jerusalém e com boa razão. Maomé, no
principio ordenou aos árabes que orassem voltados para Jerusalém, como os judeus se recusaram
a se converter à nova fé ele se voltou para Meca. Não há evidência histórica para sugerir que
Maomé tenha visitado Jerusalém. Jerusalém aparece na Bíblia judaica 669 vezes e Sion (seu
outro nome) 154 vezes, ou 823 vezes no total. Israel ou Judá 877 vezes e Samaria em 123
ocasiões.
‘É impressionante que os muçulmanos citam no Alcorão mais os judeus que eles próprios! Veja
isto...o Alcorão menciona ‘Israel’ [ou ‘israelitas’] 47 vezes, ‘judeu’ ‘judias’ 26 vezes! Até
mesmo ‘cristãos’ ganham 15 menções!
‘Palestina ou palestino em nenhuma parte são encontrados. Onde estão então as tão propaladas
raízes históricas dos ‘árabes palestinos’?
‘Durante o domínio jordaniano de Jerusalém em 1948-67 nenhum líder árabe fez uma visita a
Jerusalém e nem mesmo apareceu para rezar lá. Durante esse período de ocupação de dezenove
anos os judeus eram proibidos de entrar lá, de vez que também os árabes destruíram 58
sinagogas de Jerusalém. Nem a carta de fundação da OLP, em 1964, na Convenção Nacional
Palestina, faz referência ao status de Jerusalém ou mesmo a ela.
‘Na realidade há mais santuários cristãos em Jerusalém do que muçulmanos. Mas
Jerusalém é a mais importante e única cidade sagrada para os judeus. Quando um judeu ora em
qualquer lugar do mundo ele se vira em direção ao monte de Jerusalém. Quando um
muçulmano reza, mesmo quando está em Jerusalém, vira-se para Meca, na Arábia Saudita.
‘Precisa-se de mais evidências?”. 29
Os argumentos de defesa de ambos os lados já encheram bibliotecas inteiras. No lado israelense
a arqueologia é uma arma poderosíssima. De fato não há como negar a presença e a formação de
uma nação judaica na Judéia ou no antigo Israel. Centenas de milhares de objetos, construções,
cidadelas e cidades foram achadas pelos arqueólogos mais brilhantes desde o século XIX.
Pode-se mesmo até dizer que a Palestina é o principal berço da arqueologia e teve mais
exploradores que o próprio Egito. Quase tudo isso em busca da defesa de textos bíblicos.
Arqueólogos europeus e israelenses fizeram as “pedras falarem” no solo da Palestina. Entre eles,
Napoleão (Patrocinador de explorações), Geza Vèrmes, William Albright, John Allegro, Yigael
Yadin, Champolion e centenas de outros notáveis.
Os pergaminhos do Mar Morto, das cavernas de Qumran, no deserto da Judéia, são considerados
a maior descoberta arqueológica do século XX. Datam dos séculos um e dois a.C. e um e dois
d.C. Eles se constituem numa das provas mais eloqüentes do nacionalismo judaico em busca da
pureza de sua religião e, ao mesmo tempo, mostraram a alguns dos mais céticos críticos dos
textos bíblicos que estes não sofreram as alterações que muito achavam que teria sofrido. Eles
contêm as Regras e doutrinas do Mosteiro de Qumran e todos os livros da Bíblia judaica
(TANACH) em hebraico, aramaico e grego (Septuaginta), com exceção do Livro de Ester.
O historiador alemão Werner Keller, escreveu um livro intitulado E a Bíblia Tinha Razão.
Dizendo não ser religioso, disse no prefácio apenas que resolveu empreender investigações
cientificas a fim de investigar a autenticidade histórica dos textos bíblicos. Afora as narrativas
míticas do texto sagrado, o autor consegue demonstrar com eloqüência que tais textos contêm
uma forte carga de referências históricas. Textos como os que narram o esplendor do império
babilônico que até o século XIX era tido como mitológico pelos estudiosos da área, viram, de
repente, a pá dos arqueólogos comprovarem minuciosamente as narrativas bíblicas. Textos sobre
guerras e referências culturais aos diversos povos da região também foram “desenterrados”. A
bibliografia da arqueologia bíblica é vastíssima.
Israel Finkelstein é arqueólogo israelense e está agora remando contra essa maré de achados que
“comprovam” ou dão “razão” à Bíblia. Ele não é o primeiro a fazer isso, mas é o mais incisivo e
contundente, o mais cético, o maior crítico e chegou ao ápice da quase total negação das
principais narrativas bíblicas pela arqueologia. A desconstrução da História do antigo Israel por
Israel Finkelstein (logo com esse nome!? Isso que é ironia) só tem paralelo com a desconstrução
da História e do mito do Israel moderno por um outro homônimo dele, Norman Finkelstein. Esse
sobrenome tem sido um pesadelo para judeus e também cristãos do mundo todo. São judeus
“rebeldes”, “hereges”, ou “traidores”, tais como o foram Spinoza, Marx, Freud, Heine e até
mesmo Herzl para os judeus religiosos de então.
Mas, as descobertas de Israel Finkelstein, vistas sobre um outro ângulo, ao contrario do que
muitos pensam, pode reacender ainda mais o argumento dos judeus de que a Terra sempre foi
sua. Finkelstein defende, e ele diz isso mesmo, que os israelitas não vieram de algum exílio no
Egito ou de sua ancestralidade abraâmica de Ur na antiga Caldéia (Babilônia). Eles sempre
foram cananeus! Se não vejamos seus argumentos descritos na entrevista abaixo:

Grounds for disbelief

Aviva Lori (Haaretz newspaper)

Archaeologist Israel Finkelstein and his colleagues are stirring controversy with contentions that
many biblical stories never happened, but were written by what he calls `a creative copywriter'
to advance an ideological agenda.

Prof. Israel Finkelstein sees no contradiction between holding a proper Pesach seder and telling
the story of the exodus from Egypt, and the fact that, in his opinion, the exodus never occurred.
The Hebrew edition of the book by Finkelstein and his American colleague, the historian and
archaeologist Neal Asher Silberman, "The Bible Unearthed: Archaeology's New Vision of
Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts" has just been published. The English edition
was published in the United States in January 2001 and a French edition appeared last year. In
both countries the book spent many weeks on the best-seller lists and generated considerable
public interest.

What is it about "The Bible Unearthed" that has stirred such interest? Finkelstein, who is director
of the Sonia and Marco Nadler Institute of Archaeology at Tel Aviv University, observes that this
is the first "comprehensive book in which archaeology is the queen of battle and not some
tawdry ornament of Bible scholars." And Finkelstein is indeed ready to do battle. He
deconstructs this foundation only in order to reconstruct it according to the logic that guided the
ancient authors, and arrives at the conclusion that the stories about the conquest of the Land of
Israel, the settlement period, the United Kingdom and the attempt to enhance the prestige of the
Kingdom of Judah at the expense of the Northern Kingdom (Israel) are part of an ideological -
religious and political - manifesto, a master stroke by a creative copywriter.

The village of Jerusalem

The Bible talks about the great and magnificent united monarchy of David and Solomon in the
10th century BCE, which split into two kingdoms, Israel and Judah, because of the demand by
Solomon's son, Rehoboam (Rehavam), for excessive tax payments from the tribes of the northern
hills and Galilee, which thereupon angrily seceded from the united monarchy. The result was two
centuries of strife, wars and fraternal hatred.
The Scriptures treat Israel as a secondary kingdom of no importance, a place of incorrigible
sinners, whereas Judah is considered the great and just kingdom whose capital is Jerusalem,
where King Solomon established a splendid temple during the glorious era of the united
monarchy. Finkelstein is dubious about the existence of this great united monarchy.

"There is no archaeological evidence for it," he says. "This is something unexampled in history. I
don't think there is any other place in the world where there was a city with such a wretched
material infrastructure but which succeeded in creating such a sweeping movement in its favor as
Jerusalem, which even in its time of greatness was a joke in comparison to the cities of Assyria,
Babylon or Egypt. It was a typical mountain village. There is no magnificent finding, no gates of
Nebuchadnezzar, no Assyrian reliefs, no Egyptian temples - nothing. Even the temple couldn't
compete with the temples of Egypt and their splendor."

Then why was it written?

"For reasons of ideology. Because the authors of the Bible, people from Judah at the end of the
seventh century BCE, in the period of King Josiah, had a long score to settle with the northern
kingdom, with its splendor and richness. They despised the northerners and had not forgotten
their dominance in forging the Israelite experience, in the competition for the sites of ritual.
Contrary to what is usually thought, the Israelites did not go to pray in Jerusalem. They had a
temple in Samaria (today's Sebastia) and at Beit El (Bethel). In our book we tried to show that as
long as Israel was there, Judah was small and frightened, militarily and internationally. Judah and
Jerusalem were on the fringes. A small tribe. There was nothing there. A small temple and that's
all."

And the kingdom of Israel?

"The archaeological findings show that Israel was a large, prosperous state, and was the main
story until its destruction in the eighth century. Its geographic location was excellent, on the
coast, near Phoenicia, Assyria and Syria. It had a diverse demographic composition: foreign
residents and workers, Canaanites, Phoenicians; there was an Aramean population in the Jordan
Valley, and there were mixed marriages. It was only 150 years after Israel's destruction that
Judah raised to greatness, becoming self-aware and developing the monotheistic approach: one
state, one God, one capital, one temple, one king."

What is the root of the tension between archaeology and the text, and what happened during
Josiah's reign?

"We think these ideas of Judah, that all the Israelites have to worship one God in one temple, and
live under the rule of one king, sprang up in the seventh century BCE. If anyone had raised such
ideas aloud before 720, he would have been beaten to a pulp by the northern monarchs.
Everything started to come together after the destruction of the kingdom of Israel, and it also had
a territorial aspect: from 734 to 625 BCE the Assyrian Empire ruled here. Today's American
empire is negligible in comparison, in terms of its power and its crushing strength. For example,
if someone in Judah had talked about expansion into Assyrian-dominated territories in 720, that
would have been the end of him. King Hezekiah tried, and we saw happened to him.
Sennacherib, king of Assyria, arrived with a huge army and decimated him.

"But a few years later, when Josiah was in power, something incredible happened. Assyria, the
kingdom of evil, collapsed in front of his eyes. In the same way we saw the Berlin Wall collapse
in 1989, that's what happened to Assyria. It fell apart and beat a hasty retreat from the Land of
Israel. By this time the kingdom of Israel no longer existed, so Josiah woke up one morning,
looked to his left and to his right, and there was neither an Assyrian nor an Israelite to be seen.
And then his officials decided to put into practice their religious and territorial ideas."

Still, why was the United Monarchy invented?

"Because they wanted to seize control of the territories of the kingdom of Israel and annex them,
because, they said, `These territories are actually ours and if you have a minute, we'll tell you
how that's so. `Many years ago, one of our kings, David, reigned in Jerusalem and ruled them,
and we are the only ones who have a historical claim to them' - and so the myth was created.
`The kings of Israel were scoundrels,' the people of Judah said, `but as for the people there, we
have no problem with them, they are all right.' They said about Israel what an ultra-Orthodox
person would say about you or me: `Israel, though he has sinned, is still Israel.'"

Nothing to conquer

According to Finkelstein's theory, the legends about earlier periods were invented for the same
purpose. "The people of Judah started to market the story of Joshua's conquest of the land, which
was also written in that period, in order to give moral justification to their territorial longings, to
the conquest of the territories of Israel. The story also contains a `laundering' of foreigners,
which was exactly the problem Josiah faced when he conquered Israel. So they relate the story of
the Gibeonites, who were terrified by the might of Joshua and his army and begged for their
lives, and told Joshua that they were not indigenous Canaanites but foreigners who came from
afar. Joshua made an alliance of peace with them, but when he found out they had cheated him,
he did not expel them but made them hewers of wood and drawers of water - in other words, he
laundered them.

"That is the situation Josiah and his people faced with foreign deportees the Assyrians brought to
the Land of Israel, and the biblical text comes and says, `Have no worry, this already happened
before: there were strangers in the land then, too, and Joshua laundered them during the
conquest. Our conquest is not really what it looks like, it is only the restoration of past glories.'

So they must have had a good information ministry?

"I don't believe that there was a department for the invention of stories in Jerusalem. There were
folktales that were handed down from generation to generation, local traditions and legends, and
they were the basis for the creation of the biblical narrative. Maybe there really was no conquest,
and maybe there were vague memories of local events. In any case, the scribes in the period of
Josiah collected these materials and forged them into a coherent story containing a message it
was important for them to get across. They didn't actually care whether there ever was such a
person as Joshua. Jericho and the area of Bethel, and the Shefelah and the Galilee were on the
agenda of Judah. They never actually conquered many of these regions. `This was once ours,'
they said, `as in the time of Joshua, and all we are doing is putting history back in its track,
correcting the course of history and on this occasion renewing the glorious monarchy of David,
which was the first to rule these territories.'"

Are you saying that the story of the conquest of the land is a complete fiction?

"It is a story which, as it is presented in the Bible, definitely never happened. Archaeology shows
that it has no historical grounds. Many of the sites that are cited in the story of the conquest were
not even inhabited in the relevant period, so there was nothing to conquer, there were only hills
and rocks. Jericho was not fortified and had no walls, and it's doubtful that there was a settlement
there at the time. Therefore, in the case of the story of the conquest of Arad, for instance, some
scholars said that the war was fought against the forces of one Bedouin sheikh.

"If one does a calculation backward from the point at which we have historical documentation,
such as the external Assyrian writings about the monarchy of Ahab, it turns out that the story of
the biblical conquest would have occurred at the end of the 13th century BCE. At that time the
Egyptians ruled in the land, but there is no mention of that in the Bible.

"There is a stela in a Cairo museum on which the word Israel first appears in written form. The
son of Ramesses II launched a military expedition to Caanan and conquered Ashkelon and
Gezer, and wrote the famous sentence, `Israel is spoiled, his seed is not.' That was in 1207 BCE -
after the conquest as related in the Bible."

If there was no conquest, where did the Israelites come from?

"Egypt was a mighty empire that ruled here with an iron fist. In the 14th century BCE there are
stories about local kings who ask Pharaoh for help against one another, asking him to send 50
soldiers - in other words, that was the number that was sufficient to impose order here. So how
did a few foot soldiers from the desert conquer the land? There was certainly no orderly military
conquest. According to the archaeological findings, the Israelites came from the local stock: they
were actually Canaanites who became Israelites in a socio-economic process."

Lies, no; spin, yes

Finkelstein did not always hold these views. "I remember that when I was writing my doctoral
thesis about the Israelite settlement in the hill region, I was convinced of the accuracy of the
theory propounded by the German scholars - which was then dominant in the field - holding that
this population came from outside in a quiet infiltration and settled here," he says. "And I
remember well that in the course of the surveys I did in Samaria, at Shiloh and in the areas
between Ramallah and Nablus, I began to be aware that this was not a population that had
infiltrated here but groups of a local population that moved around the land in circular processes.
That it was not a pool of desert nomads who then moved rapidly west, but rather a lengthy
process, of hundreds of years, which had already taken place in the past, at the beginning of the
Early Bronze Age and in the Middle Bronze Age.

"For me this was something entirely new. It led me to the thought that the settlement processes in
the Land of Israel were circular: in periods of crisis the tribes became nomadic shepherds, and in
periods of abundance they had permanent settlements. From this I understood that these were
processes that were undergone by the local population and not by a population that marched in a
procession and entered the Land of Israel by means of war or peace."

So Joshua did not exist?

"I don't say that. Perhaps there were memories of some great commander or general. On the
other hand, this text describes something that happened in the 13th century and was written in
the seventh century - that is, 600 years later - by people who did not have access to newspaper
archives, and at the time of the events not one letter of the alphabet had been written anywhere,
so it is not reasonable to think that this story contains many early memories."

The Caananite connection

If Finkelstein is ready to concede the existence of David and Solomon, albeit as kings of a small,
marginal entity, when it comes to the exodus from Egypt he is absolute in his opinion. "There is
no evidence that the Israelites were in Egypt, not the slightest, not the least bit of evidence. There
are no clues, either archaeological or historical, to prove that the Israelites built monuments in
Egypt, even though the biblical description of the famine in the Land of Israel may be accurate.
We know from archaeology that there was a migration of Canaanites to Egypt in the first half of
the second millennium BCE, that these migrants built communities in the area of the Nile Delta,
and that the Egyptians afterward expelled them from there. Perhaps that is the ancient memory, I
don't know. What I can say is that the story, in the form we have it, serves a later situation. It
spoke to the exiles in Babylon and to those who returned from the exile. What the story told
them is that exile is not the end of the world, it's possible to return, the deserts can be crossed, the
land can be reconquered. That gave them hope."

The stories of the patriarchs, Finkelstein says - adding that today most scholars accept this view -
are folklore about forefathers that the authors of the Bible in the seventh century salvaged from
the mists of history in order to reinforce their hold on the cultural heritage. Scientific searches for
them have produced nothing.

"Did these people ever exist? I don't know. They were primeval forbears, and the goal was to
create a myth saying that Judah is the center of the world, of the Israelite way of life, against the
background of the reality of the later kingdom."

So, if there were no patriarchs, maybe we don't have patriarchal rights?

"I am a great believer in a total separation between tradition and research. I myself have a warm
spot in my heart for the Bible and its splendid stories. During our Pesach seder, my two girls,
who are 11 and 7, didn't hear a word about the fact that there was no exodus from Egypt. When
they are 25, we will tell them a different story. Belief, tradition and research are three parallel
lines that can exist simultaneously. I don't see that as a gross contradiction."

Aren't you concerned that your theory will serve those who deny the Zionist argument?

"The debate over our right to the land is ridiculous. As though there is some international
committee in Geneva that considers the history of peoples. Two peoples come and one says, `I
have been here since the 10th century BCE,' and the other says, `No, he's lying, he has only been
here since the ninth century BCE.' What will they do - evict him? Tell him to start packing? In
any event, our cultural heritage goes back to these periods, so this whole story is nonsense.
Jerusalem existed and it had a temple that symbolized the longings of the Judahites who lived
here, and afterward, in the period of Ezra and Nehemiah, of the Jews. Isn't that enough? How
many peoples go back to the ninth or 10th centuries BCE? And let's say that there was no exodus
from Egypt and that there was no great and magnificent united monarchy, and that we are
actually Canaanites.

So in terms of rights, we are okay, aren't we?"

Finkelstein doesn't want people to think that he is being deliberately provocative, that he only
wants good headlines.
"I am not some kind of yuppie nihilist," he emphasizes. He was born in Petah Tikva and grew up
in a farming family. His mother's family came to Palestine in 1860, his father's family eight
decades ago. "So what will I do, leave? Where am I supposed to go? To Grodno? I don't want to
go there," he says. "Maybe it's quiet and pleasant in Boston or Paris, but if you live here, then
you at least have to be part of the ongoing historical experience and understand its power. If you
live here only for the parties on the beach on Thursday night, then it would be better if you didn't
live here, because this is a dangerous place. Anyone who thinks that Tel Aviv is a type of Goa
has missed the point completely."

Como se vê essa querela pelo direito histórico, cultural e antropológico, possivelmente não
terminará tão cedo.
No fim, palestinos e judeus, segundo se depreende daqui, teriam tido mesmo ancestrais comuns
em uma mesma terra. É o que parecem revelar recentes descobertas confirmadas pela genética.
No dia 17 de maio de 2000, a revista Veja publicou uma matéria sobre o assunto com o título:
“Irmãos de sangue – Estudo de DNA comprova que judeus e árabes são parentes próximos como
diz a Bíblia”. A Folha de São Paulo de 10 de maio de 2000, (mundo), página A-18, repete a
mesma matéria com o titilo: “Árabes e judeus têm origem genética comum, diz estudo”. As
reportagens dizem que as pesquisas científicas conduzidas pelo biólogo Michel Hammer, da
Universidade do Arizona, nos EUA, contou com a colaboração de cientistas europeus,
israelenses e sul-africanos.
Diz a matéria de Veja: “Com uma nova técnica baseada no estudo da descendência masculina,
biólogos concluíram que as várias populações judaicas não apenas são parentes próximos, mas
também dos palestinos, libaneses e sírios. A descoberta significa que todos são originários de
uma mesma comunidade ancestral, que viveu no Oriente Médio há 4.000 anos” e “Quatro
milênios representam apenas 200 gerações, tempo muito curto para mudanças genéticas
significativas.” Realmente a descoberta concorda com a narrativa bíblica que diz que ambos,
judeus (Isaque/Israel) e árabes (Ismael) descendem de um ancestral comum, que, segundo a
Bíblia, descenderiam de Abraão, acerca de aproximadamente 4.000 anos. Avraham para os
judeus e Ibrahim para os árabes. E a Folha ainda acrescenta que o “baixo índice de miscigenação
dos judeus com outros povos ao longo dos tempos” teria preservado o material genético de
origem semita destes.
Todas estas questões, juntas, emergiram com força total no conflito árabe-israelense que já se
arrasta por mais de um século desde o primeiro Congresso Sionista. Esses e muitos outros
argumentos servem, agora, para alimentar o que pode ser, talvez, o maior, senão o mais extenso
conflito civilizacional da História humana. Ainda que o conceito de “choque civilizacional” seja
algo recente e que seja uma alternativa beligerante à Guerra Fria e ao fim das ideologias políticas
ocidentais do século XX, o conflito árabe-israelense parece ser o grande laboratório desse
conceito demonstrado por Samuel Huntington em sua obra O Choque das Civilizações. As
páginas da Bíblia e do Alcorão mostram como esse dois povos parecem estar em guerra desde a
sua gênese há 4.000 anos. (ver Josué 15:63; Juízes 1:21; Isaias 9:12; e do Corão: Sura 4:160-161;
4:46; 9:30 e 3:12). Etc.
Como num paradoxo, esse choque civilizacional que se apresenta hoje, cada vez mais forte, entre
árabes e israelenses é também intracivilizacional e intercivilizacional. Discutiremos esse
conceito de Samuel Huntington, como apresentado em sua Obra a seguir.
CAPÍTULO UM

A Odisséia Judaica e a Ilíada Palestina


“... no ano que vem em Jerusalém.”

A Síndrome dos Filisteus.

“E vos espalharei entre as nações e desembainharei


a espada atrás de vós; e vossas cidades serão desertas”
(Livro do Deuteronomio 28:25)

A imagem do judeu errante, itinerante e retirante está enraizada indelevelmente, principalmente,


nas sociedades ocidentais. O mundo sempre soube que os judeus eram apátridas ou “párias”
desprezíveis e que não havia lugar para eles onde quer que fossem. Os massacres, não só nas
sociedades católicas ocidentais, como nas ortodoxas orientais e no mundo islâmico são
intermináveis. Mesmo a tão propalada complacência árabe para com os judeus na península
ibérica, no Maghreb, ou na Palestina tem seus limites. No Marrocos, os judeus foram forçados a
viver em guetos chamados mellahs. Um historiador, escreveu que estupros, queima de sinagogas,
destruição de rolos da Torah e assassinatos eram tão freqüentes que é impossível listar a todos”.30
Na cidade de Fez, em 1032, cerca de 6.000 judeus foram assassinados e muitos outros
“destituídos de suas mulheres e propriedades”. 31 Esse tipo de massacre era comum em países
muçulmanos. Mas nós e nossa historiografia falamos sempre dos massacres perpetrados pelos
povos ocidentais. Falamos muito das Cruzadas e Inquisições, mas raramente da jihad na
península ibérica onde milhares morreram em nome de Alláh e da expansão árabe. Enquanto os
cruzados ficaram 200 anos na estreita nesga de terra da Palestina, os muçulmanos, cerca de 300
anos antes das cruzadas, dominaram toda península ibérica por cerca de 700 anos. Bem que
tentaram tomar a França, Itália e toda a Europa, mas foram freados pelos exércitos católicos de
Carlos Magno. Costumamos ensinar e propalar que a civilização árabe era mais tolerante que a
cristã. Curiosamente, a feroz perseguição no Marrocos em 1640, na qual mulheres e crianças
foram assassinadas, foi chamada de al-Qaeda [o mesmo nome da turma do Bin Laden, e, talvez,
sua inspiração para uma jihad]. 32 André Chouraqui diz que os judeus sofreram “tamanha
repressão, restrições e humilhações que sobrepujaram qualquer coisa que possa ter ocorrido na
Europa”. 33
A rivalidade entre árabes e judeus remonta, na realidade, ao tempo de Maomé, e não apenas
desde o inicio da “agressão sionista”. Muitos defensores do islã dizem que antes do
“imperialismo ocidental judaico” “reinar” na Palestina, judeus e árabes viviam em completa
harmonia. É preciso remover um pouco dessa máscara de bondade e “tolerância” do islã que não
condiz muito com a realidade. Isso é verdade só em parte. A outra parte é tão negra, ou mais,
quanto a história da intolerância ocidental. O Ocidente também teve momentos de tolerância e
complacência com os seus judeus. E não foram poucos, foram até mais do que a intolerância. O
problema é que os episódios de intolerância eram frequentemente, indescritíveis.
O islã, desde sua origem, fundou uma civilização baseada no símbolo da espada, e forjada por
ela. Não é por acaso que muitas bandeiras e brasões islâmicos têm como símbolo uma “cimitarra
sarracena”. Os próprios cronistas árabes da Idade Média têm orgulho de dizer isso. 34 É verdade
que, em muitos casos, e na maior parte do tempo, a tolerância islâmica para com os judeus foi de
uma cumplicidade ímpar. Na península ibérica e nas invasões cruzadas na Palestina
principalmente. Cientistas e pensadores judeus e muçulmanos levaram luz à Europa cristã na
Idade Média e ressuscitaram o brilho e o resplendor da antiga civilização greco-romana,
traduzindo suas obras do latim e do grego para o árabe e deste para os vernáculos locais. Foi a
Idade do Ouro para judeus e árabes. Muçulmanos e cristãos muitas vezes viam os judeus como
uma ponte entre seus dois mundos. Os judeus conheciam os dois, conviveram com ambos e
conheciam seus mundos, suas mazelas, dominavam seus idiomas e traficavam seu comércio.
Eles eram necessários, úteis e indispensáveis para essa primeira “globalização”, eram
cosmopolitas e verdadeiros embaixadores na arte de ligar comércio e povos. Árabes eram mais
tolerantes porque para eles os judeus eram o “Povo do Livro”35 e os viam como “primos” e pais
de sua fé. Com o cristianismo esse grau de parentesco genético com os judeus não existia e, é
óbvio, os judeus eram deicidas, haviam assassinado o Cristo, o Messias Divino.
Mas, em território árabe a conversa era outra.
A Tolerância de Maomé (Mohamed) para com os judeus foi até o momento em que estes
discordaram de sua nova religião e de sua “revelação” ou da sua tentativa de redigir uma nova
“Haskalah”, interpretação rabínica, que ele fazia para o judaísmo. Em Meca e Medina havia
muitas tribos de judeus que imigraram para lá e principalmente para o sul, o Iêmen. E muitos
árabes também se converteram ao judaísmo ou ao cristianismo. Os rabinos judeus chegaram a
acusar Maomé de idolatria. “Não encontrando neles o esperado apoio para atacar os árabes
pagãos, resolveu atacá-los”. 36
A tribo judaica dos Banu-Kuraiza foi inteiramente dizimada, só sendo poupadas as mulheres,
entre as quais Maomé escolheu uma concubina. Os Banu-Kainuka, outra tribo judaica, foi
despojada de todos os seus bens e exilada. Outros foram obrigados a se converter. Mas, como é
comum na tragédia judaica, muitos preferiram morrer ao fio da espada. 37
O seguinte texto foi extraído do site www.midiasemmascara.org e expõe, sem meias palavras, o
que ocorreu em detalhes com essas tribos judaicas:
* Por motivos de puro anti-semitismo, Maomé decidiu exterminar a tribo de
judeus, os curaiza. Eles sempre o haviam apoiado e financiado. Ainda assim,
Maomé decidiu os exterminar e roubar os bens dos judeus. Eles foram
exterminados com requintes de crueldade. As mulheres judias e crianças,
que escaparam de serem torturadas até a morte, foram vendidas como
escravas. Um belo "prêmio" por tanta colaboração.

* Havia um rico judeu casado, chamado Kirrouna. Ele tinha um tesouro em


ouro. Maomé mandou prender o judeu e o trazer à sua presença. Nada de
Kirrouna falar. Maomé começou a torturar pessoalmente o judeu. Dias de
torturas atrozes e nada de Kirrouna dizer onde estava o ouro. Maomé
mandou trazer a esposa de Kirrouna, que se chamava Safiia, uma judia que
tinha então 17 anos. Diante de seu marido, o torturadíssimo Kirrouna,
Maomé começou a torturar Safiia, que ele havia despido. Diante de tal
"espetáculo", Kirrouna revelou o lugar onde estava o ouro. Maomé pegou o
ouro e "agradecido" pela colaboração do judeu, torturou ele até a morte.
Pela lei islâmica, instituída pelo próprio Maomé, a esposa é uma propriedade
do marido. Todos os bens do agonizante Kirrouna, incluindo a judia Safiia,
agora pertenciam a Maomé. Ele estuprou a pobre viúva, diante de seu agora
moribundo marido. No mesmo dia da morte de Kirrouna, Maomé casou com
Safiia. Por ser uma escrava, Safiia não podia negar casamento com seu dono
e nem sexo. Como esposa, podia ser morta pelo marido.

Parem de acreditar que árabes e judeus não se dão, por causa de Israel. O
conflito entre islã e judaísmo começou por causa de Maomé. E irá continuar
por causa dele também.
Farsa 3: Opressão de mulheres é coisa de "ignorantes e primitivos", não de
maometanos.

Na resposta à farsa 1, parte da opinião de Maomé sobre mulheres já está


bem mostrada. Vale lembrar que uma poetisa árabe chamada Achitima fez
um verso que Maomé achou desrespeitoso. Maomé mandou torturar até a
morte a poetisa.

Agora conto o que houve com Zaide, o filho adotivo de Maomé: Zaide, havia
roubado uma caravana. Ele havia capturado quatro pessoas da mesma
família: a mãe, a filha e dois filhos dela. A mãe se chamava Um Kirfa. Todos
os quatro estavam desarmados e presos. Por puro sadismo, Zaide decidiu
torturar até a morte todos os quatro. Ele mandou amarrar as pernas de cada
um a dois camelos. Os animais puxaram até separar as pernas dos corpos.
Uma tortura atroz. Um após o outro. Um Kirfa, a mãe, foi a última a morrer.
Zaide fez questão de fazer a mãe ver o suplício de seus filhos. Um Kirfa teve
o mesmo destino de seus três filhos.

Quando voltou, Zaide contou tudo ao seu pai adotivo, Maomé. Quando ouviu
tudo, Maomé congratulou o filho adotivo, pelo feito. Em mais de 50 nações
maometanas do mundo, é crime punível com a morte a crítica a Maomé, ao
islamismo ou a Alá. Daí que perderá a cabeça aquele blasfemador que
disser: "opressão de mulheres é coisa de ignorantes e primitivos, não de
maometanos". Isto é uma blasfêmia ao islamismo.
Esses textos fazem parte do domínio da tradição árabe e estes conhecem muito bem essas
histórias. Se são verdadeiros ou não só eles podem dizer ou opinar sobre isso.
“Depois, os árabes modificaram sua política do “crê ou morre” para com os judeus, para cobrar
tributos que era mais lucrativo.
‘Os judeus de um reino judaico da Numídia (Argélia) resistiram à islamização. Sua rainha,
Cahena, morreu em combate comandando pessoalmente sua cavalaria. Os sobreviventes fugiram
para o sul e, na década de 1960, ainda estavam ali num estado deplorável de pobreza e
decadência em razão de seu isolamento”. 38
“A posição social dos judeus em países muçulmanos era determinada por uma incongruente
legislação discriminatória. Visava estabelecer a superioridade local dos verdadeiros crentes sobre
os dhimmi (infiéis). Um código autorizado único de legislação discriminatória contra judeus e
cristãos existia desde os tempos de Omar I... Além disso, era proibida a construção de novas
igrejas ou sinagogas, e a nenhuma igreja ou sinagoga existente era permitida ser mais alta que
uma mesquita vizinha. Os infiéis deveriam montar mulas ou burros, e não cavalos, e estavam
proibidos de portar armas. Casamentos mistos eram proibidos, e a conversão permitida somente
de uma fé não muçulmana para o islã”. 39
Nem sempre isso era levado com rigidez. Na prática, como na Europa, os judeus conseguiam, em
seu cotidiano, driblar essas querelas. Judeu sempre foi sinônimo de dinheiro e negócios
lucrativos.
Os “infiéis” deviam usar roupas de cores especiais, diferente dos crentes. Um califa fatímida, por
exemplo, ordenou aos judeus usarem bolas de dois quilos no pescoço, em comemoração à
cabeça de bezerro que seus antepassados outrora haviam adorado. Outro decreto prescrevia que
cada judeu deveria usar um distintivo amarelo em seu chapéu (como a estrela de David amarela,
sob o nazismo) e pendurar em seu pescoço uma moeda com a inscrição da palavra dhimmi. As
mulheres deveriam usar sapatos de duas cores diferentes, um vermelho e outro preto, com um
sino para anunciar a sua chegada. Judeus, cristãos e pagãos viviam rodeados por uma atmosfera
de refinado desprezo. 40
Um autor do século XI diz que “Homens e mulheres cruéis foram contratados para oprimir
judeus e lançar sobre eles toda espécie de imprecações, afrontas e vexames. A turba e crianças
muitas vezes assaltavam judeus em todas as ruas de Bagdá” (Eban, 1968:123). Em Bizâncio e na
Pérsia os judeus não podiam exercer qualquer atividade administrativa.
Quando Toledo foi capturada pelas fanáticas tribos berberes conhecidas como Almorávidas, estes
não se contentaram em derrotar os cristãos, declarando Guerra Santa, Jihad, aos judeus também.
Por várias décadas os judeus sofreram gravemente; muitas comunidades foram obrigadas a se
converter, destacando-se entre elas a abastada coletividade de Lucena. Essa ação foi repetida –
após um breve período de abrandamento – quando os Almôadas cruzaram o Estreito de Gibraltar
em 1146, para mais uma vez pôr em vigor uma rigorosa política de repressão contra religiões não
muçulmanas.
Desta vez não ficou um único judeu, praticamente, ao sul da Andaluzia”. 41
Paul Johnson diz que o “o islamismo logo desenvolveu um dinamismo dogmático próprio, e o
debate teológico – levando-o a um sectarismo violento – cedo começou a desempenhar um papel
central no islamismo, como no cristianismo. Acima de tudo o islamismo rapidamente criou uma
teoria e prática de conversões forçadas...”. 42
Segundo Karen Armstrong, xiitas e sunitas, desde cedo se engalfinharam numa luta fratricida.
Tanto xiitas quanto sunitas, na luta pelo poder, exterminaram todos os descendentes legítimos de
Maomé, os Imames, até o duodécimo, Abul al-Qasim Mohammad, que se escondera para não
morrer. Esse se tornaria numa espécie de messias, Mahdi, O Imame Escondido. Omíadas e
Abássidas deixaram esse legado cismático ao islã, exterminando aqueles que foram os frutos do
fundador da sua própria religião. Armstrong diz que para compreendermos o xiismo – e
acontecimentos como a revolução iraniana de 1978-79 – temos que examinar sucintamente a
história. 43
Muçulmanos constroem mesquitas em praticamente todos os países do Ocidente, ou democracias
e até ditaduras de outras civilizações, enquanto cristãos, judeus, hindus, etc. não podem edificar
seus templos em países muçulmanos. Ainda hoje, a conversão de um muçulmano a outra religião
é passiva de pena de morte pela sharia, a legislação islâmica, como aconteceu recentemente, em
março de 2006, no Afeganistão, onde a Suprema Corte de Justiça condenou Abdul Rahman, de
41 anos à pena de morte por ter se convertido ao cristianismo. Entidades ocidentais e os EUA
intervieram no caso a fim de que o país procurasse não se envolver nos casos de fórum religioso
que não deve ser o papel do Estado. Este deve ser laico. George Bush intercedeu alertando o país
que esse acabara de se libertar do jugo da opressão religiosa do talibã e que, por conseguinte, não
deveria condenar pessoas por questões de ordem religiosa. Para isso foi instituído um governo de
orientação democrática no país pelos EUA. Houve protestos veementes pela ala religiosa mais
radical do país, que não são poucos, para que a Corte condenasse o herege, porque transgrediu a
sharia. A Corte decidiu que poderia livrá-lo da morte alegando que Abdul é louco. Só um louco
pode abandonar o islã. O governo italiano resolver dar asilo ao novo cristão e esse já se encontra
em território italiano são e salvo. Os italianos dizem que Berlusconi quer capitalizar votos com
isso (O Globo, mundo, 27/03/2006).
Existem mais de duas mil passagens do Corão conclamando os muçulmanos à luta contra
judeus e cristãos. A palavra islã significa submissão a Alá. Algumas passagens do Corão
podem, talvez, explicar a inclinação islâmica para a espada:
“E matai-os onde quer que os encontreis. E expulsai-os... matai-os (cristãos e judeus). Tal é o
castigo dos descrentes” (Sura 2.191).
“... Não tomeis amigos dentre eles até que emigrem para Deus. Se virarem as costas e se
afastarem, capturai-os e matai-os onde quer que os acheis. E não tomeis nenhum deles por
confidentes ou aliado... capturai-os e matai-os onde quer que os encontreis, porque sobre eles
vos concedemos poder absoluto” (Sura 4:89,91).
“Mas quando os meses sagrados tiverem transcorrido, matai os idólatras onde quer que os
encontreis, e capturai-os e cercai-os e usai de emboscada contra eles” (Sura 9:5).
“Que Deus combata os judeus e os cristãos” (Sura 9:30).
“Devereis combatê-los (o povo não muçulmano, os judeus e os cristãos) até que se submeta ao
islã” (Sura 48:16).
Muçulmanos vivem ressuscitando a mágoa e o ressentimento da invasão dos cruzados, mas se
esquecem que bem antes disso, eles iniciaram a invasão não só da península ibérica, como de
todo o Maghreb, Oriente Médio até à Índia, Ásia Central e partes da China, além da invasão
turca dos Bálcãs. A espada sarracena não poupou ninguém que se intrometeu em seu caminho.
Sem falar no genocídio de um milhão de armênios perpetrados pelos turcos no inicio do século
XX.
O aiatolá Khomeini do Irã declarou certa vez: “A alegria maior no islã é matar e ser morto por
Alá” 44. E ele é reconhecido por milhões de muçulmanos como o representante de sua religião.
Maomé também teria afirmado: “Recebi a ordem de Alá para lutar com as pessoas até que elas
testifiquem que não há outro deus além de Alá e que Maomé é o seu profeta” 45
Amim Maalouf em As Cruzadas vistas pelos Árabes, diz que no período das cruzadas califas
muçulmanos faziam alianças com cruzados para disputar poder e território com outros califas. Os
muçulmanos terroristas contratados por alguns sheikhs ou imãs matavam clérigos muçulmanos
dentro de suas próprias mesquitas. Esses terroristas eram denominados de hashashin, donde vem
a palavra assassino. hashashin, porque esses agentes do islã fumavam o haxixe para obter
coragem para executar sua missão sagrada. Herdamos dos árabes também a origem etimológica
da palavra assassino.
Em 638 d.C. Omar mandou construir uma modesta mesquita de madeira sobre a Esplanada do
Templo de Salomão. Omar foi assassinado por seus desafetos muçulmanos, por conflitos de
sucessão. Muawiya enfrentou e venceu Ali bin Talib, genro do profeta e fundador do xiismo. Ele
tomou o poder, fundou a Dinastia dos Omíadas, mas fez Damasco sua capital, não Jerusalém.
Deu a Jerusalém todo seu esplendor e transformou a Cidade Santa num lugar de peregrinação. A
Esplanada retomou a vida: ela seria muçulmana, Abd Al-Malik, o novo califa, construiu em 691
o Domo da Rocha, um santuário e o mais antigo monumento do mundo muçulmano. Em seguida
seu filho mandou que ali fosse erguida a mesquita de Al-Aqsa no lugar da de Omar.
Depois houve um declínio. A partir de 750, Jerusalém não era mais a capital de um reino, nem
mesmo uma etapa no percurso de caravanas. Seu destino era decidido alhures no Cairo e na
longínqua Bagdá, construída pelos abássidas, que haviam expulsado os omíadas e se pretendiam
descendentes de Ali Abbas, o tio do Profeta.
Depois de verem fracassada sua campanha para tomar a França, rechaçados por Carlos Magno,
autorizaram a esse imperador carolíngio a fundar em Jerusalém centros de acolhimentos para
peregrinos cristãos.
No inicio do século XI, o sexto califa, Al-Hakim, transformou a vida da Cidade Santa. Esse xiita
ismaelita tomou medidas draconianas: proibiu as peregrinações, obrigou os cristãos e os judeus a
se converterem, destruiu igrejas, entre as quais a do Santo Sepulcro, em 1009 (revista História
Viva, nº 26, 2005:42-3).
Salha al Din, Saladino, possuía uma exemplar magnanimidade, mesmo entre os soberanos e
cronistas europeus. Tornou-se uma figura emblemática e seduziu alguns senhores cristãos como
Ricardo Coração-de-Leão, rei da Inglaterra. Porém, isso não o impediu que transformasse a
Igreja de Santa Ana em escola corânica e confiasse as chaves do Santo Sepulcro (cristão) a duas
famílias muçulmanas, os Nuseibeh e os Judeh, que depois (ironicamente) se transformaram numa
das mais antigas famílias árabes cristãs em Jerusalém, com seu clã vivendo ainda nos dias de
hoje na cidade (www.historiaviva.com.br , nº 26, 2005).
Assim como os árabes construíram o Domo da Rocha no lugar do Templo judeu, e o fizeram seu
terceiro lugar de peregrinação, também a Mesquita ao lado desta, a Al-Aqsa, era uma igreja
bizantina. Do mesmo modo, os turcos transformaram a grandiosa Igreja de Santa Sofia em
Istambul, antiga Constantinopla (Bizâncio), o maior e mais antigo santuário do cristianismo
ortodoxo, construído por Constantino, o primeiro imperador cristão, em mesquita. É como se os
judeus transformassem o Domo da Rocha novamente em seu antigo templo. O impacto é o
mesmo.
Quando Omar conquistou Jerusalém em 638 d.C. só havia igrejas ali. No Monte do Templo havia
uma igreja em estilo bizantino, a chamada igreja de Santa Maria de Justiniano. A Mesquita de
Al-Aqsa foi edificada vinte anos após a construção do Domo da Rocha pelo califa Abd el Malik
(691-92). O nome “Mesquita de Omar” dado ao “Domo da Rocha” induz ao erro, pois não foi o
califa Omar que o construiu. Por volta do ano 711, ou seja, aproximadamente oitenta anos após a
morte de Maomé, a igreja bizantina que existia no Monte do Templo foi transformada em
mesquita pelo filho de Abd el Malik, Abd el Walid. Ele não fez modificações na construção
original, que era uma “basílica”, com uma fileira de colunas dos dois lados do retângulo da nave
central. Abd el Walid apenas acrescentou-lhe uma cúpula para que ela se parecesse com uma
mesquita. A partir daí passou a chamar a antiga igreja de Al-Aqsa, para que seu nome lembrasse
a mesquita distante mencionada na Sura 17 do Corão. Ou seja, os árabes, para dizer que o Corão
faz referência a uma mesquita em Jerusalém, deram o nome de uma mesquita mencionada no
Corão, Al-Aqsa (e este não diz onde essa está localizada), a esta que foi construída depois de o
Corão ter sido escrito e depois da morte de Maomé. Apenas para dizer que o Corão menciona um
lugar em Jerusalém, adulteram seu próprio texto. Maomé era analfabeto e o seu escriba era o
amanuense judeu chamado Abdallah que redigiu o Corão 46.
Essa questão é crucial hoje para judeus e palestinos que disputam cada palmo não só da
Palestina, mas dos lugares santos no Monte Sião. Foi na Esplanada do Templo que estourou a
segunda Intifada em 2000, provocada pela presença de Ariel Sharon, que o fez de propósito,
dizendo que ali é um logradouro público de Israel. Para os árabes essa afronta se configurou
numa profanação do solo sagrado islâmico.
Esses dados e estatísticas acima mencionados, sobre a cultura e comportamento árabes é apenas
para falar um pouco do relacionamento dos árabes para com outros povos e culturas e mostrar
que estes não eram tão complacentes assim como nós, de cultura ocidental achamos que eram. A
história do islã não é mais “complacente” que a do Ocidente. Os árabes foram os primeiros a
traficar e escravizar negros na África, mas quase ninguém fala nisso. Nossas universidades
fogem do assunto, valorizando mais a “exótica” e bela cultura árabe que a sua própria.
Sob os cruzados, Al-Aqsa voltou a ser novamente um templo cristão. Em 1291 os mamelucos a
retomaram novamente.
Sob o império otomano no século XV, Jerusalém e a Palestina foram ligados à Síria, uma das 24
províncias do império.
Suleiman, o magnífico conferiu à cidade todo seu esplendor. Promoveu grandes obras, mandou
restaurar os aquedutos das piscinas de Salomão, construiu fontes e reergueu muralhas.
A pax ottomanica reinou no Oriente Próximo como havia outrora reinado a pax romana.
Abd el Malik, Abd el Walid e Suleiman reconheciam que a Esplanada do Templo era o local do
Templo judeu. Este último disse que “Alá o inspirara a conservar o local onde foi o antigo
Templo de Salomão”.
Agora, porém, contradizendo a própria tradição islâmica e com o intuito de “desmistificar” a
presença judaica antiga na cidade, o mufti de Jerusalém, Ekrami Sabri, declarou juntamente com
a Autoridade Palestina que os muçulmanos pretendem construir no Monte do Templo uma
mesquita que seria maior que o santuário em Meca. Querem fazê-lo antes que os judeus o façam,
pois estes têm projeto e material pronto para reconstruir o antigo Templo de Salomão.
Em entrevista concedida ao jornal alemão Die Welt, o mufti declarou:
“Não existe o menor indício da presença de um templo judeu neste lugar no passado (!). Em toda
cidade não há uma única pedra que aponte para um passado judeu no local. Tudo o que os
arqueólogos puderam encontrar foram ruínas de prédios da era (muçulmana) dos omíadas. Todas
as coisas que eles conseguiram desenterrar têm relação com os árabes e muçulmanos. Mesmo no
Muro das Lamentações não existe uma única pedra que tenha relação alguma com a história
judaica. Os judeus não têm o direito de reivindicar esse muro ou o Monte do Templo por razões
históricas ou religiosas”. 47
Um dos aliados de Hitler foi o mufti de Jerusalém na época, Haj Amim al-Husseini. Ele foi o
primeiro a dizer a seus visitantes (políticos e diplomatas do mundo todo) que Jerusalém jamais
havia sido uma cidade judaica. 48
O mufti de Jerusalém elevou à condição de fatwa sua declaração de que Jerusalém jamais foi
uma cidade judaica e que nunca houve um santuário judeu no Monte do Templo, contradizendo a
própria crença e tradição islâmica. Segundo as leis islâmicas, uma fatwa é uma sentença legal e
que deve ser cumprida.
Da mesma forma e, ao contrário dessa declaração, Menachem Begin, quando foi primeiro
ministro israelense publicou um documento oficial, a Lei de Jerusalém em 30/07/1980, sobre o
status de Jerusalém declarando-a como a capital eterna e indivisível de Israel. Esse documento
foi prontamente ratificado e acatado pelos EUA.
Enquanto as declarações de Begin têm o respaldo oficial do Estado israelense e o endosso da
política norte-americana, as declarações do mufti não saem do campo da metafísica. Esse é o
grande diferencial das forças em confronto. Como numa das frases de efeito mais citadas de
Golda Meir: “Não haverá paz se Israel for fraco, só haverá paz se Israel for forte” (Golda Meir,
Minha Vida, Ed. Bloch).
Nem mesmo Israel Finkelstein discorda que existiu na Esplanada um Templo judeu. Ele apenas
discorda da magnitude e da opulência gloriosa do reinado de Salomão, semelhante à de um
monarca assírio ao melhor estilo de Senaqueribe, Sargão ou do fantástico Nabucodonosor de
Babilônia. Ele acha que essa realeza salomônica é superdimensionada pelos intérpretes da Bíblia.
A arqueologia tem encontrado muitos vestígios do Templo e da presença judaica ali mesmo. O
mais célebre é o túnel de Ezequias que servia para abastecer a cidade. Em 1880, alunos do
professor Conrad Shick brincavam no tanque de Siloé, quando um deles se afastou uns seis
metros adentro do conduto e descobriu marcas no muro oriental de pedra sobre o nível d’água
que pareciam ser de escritura. Shick e o Dr. Sayce visitaram o local e copiaram a inscrição com
seis regras escritas em hebraico antigo, os mesmos caracteres e o mesmo alfabeto da pedra
moabita (que por si só já é um achado eloqüente da presença do reino de Israel ali). Todas as
autoridades concordam que foi escrita em torno de 700 a.C. quando Ezequias, rei de Judah “fez a
piscina e o aqueduto, e como fez vir a água à cidade” (2 Reis [Malechim] 20:20) para conservar
as águas do manancial de Giom para os moradores de Jerusalém.
Em 1871 Clermont Ganeau recuperou uma inscrição que havia feito parte do Templo de
Herodes, e que demarcava os limites mais avançados além dos quais, nenhum gentil se atreveria
a passar. A inscrição dizia: “Nenhum estranho há de entrar na balaustrada ao redor do Templo
nem do recinto. Quem quer que seja flagrado será responsável perante si mesmo por sua morte
imediata.” A inscrição aramaica mais longa da época de Cristo foi descoberta pelo lendário
professor Sukenik em 1931. Dizia: “Para cá foram trazidos os ossos de Uzias, rei de Judá. Que
não seja aberto.” Supõe-se que um novo enterro foi necessário devido ao extenso trabalho de
construção realizado por Herodes Agripa II em Jerusalém. 49
Como se vê aqui, à luta armada se segue a guerra de retóricas, teorias as mais esdrúxulas e a
busca de respaldo científico para apoiar seus direitos. Esse apoio é “escavado” no legado cultural
de cada um. Uma guerra santa sem fim.
Em 1990, Bin Laden criou a Frente da Jihad contra Judeus e Cruzados, que acabou se
transformando no braço internacional da Al Qaeda. Um de seus primeiros e mais fiéis adeptos foi
o extremista Nabil Aoukwal (do Hamas da Faixa de Gaza) que estava sendo treinado nas
montanhas do Afeganistão pelos soldados de Bin Laden.50 Como foi dito acima, o ódio aos
judeus é anterior ao Estado sionista e foi testemunhado em quase todo o mundo árabe, como no
episódio de 1838, onde a comunidade de Meshed, na Pérsia (Irã) é forçada a se converter ao islã
(note-se que aqui não havia nem projeto de Estado judeu algum, e o episódio é na Pérsia). Em
1941, poucos anos antes da fundação do Estado de Israel, a comunidade judia de Bagdá é atacada
pelo populacho turbulento: 180 judeus perdem a vida. Isso deve ter sido em solidariedade ao
nazismo.51 Por várias vezes, Arafat, que num belo exemplo de sincretismo tinha uma esposa
cristã, a Srª. Suha, afirmou que Jesus não era judeu, mas palestino. Às vezes ele chegava a
afirmar que Jesus era muçulmano.52 Quando do lançamento do filme “A Paixão de Cristo” de
Mel Gibson, Arafat chegou a soltar a seguinte pérola aos cristãos: “Vocês viram só do que os
judeus são capazes !” (Folha de São Paulo, 20/12/2004).
Samuel Huntington, em seu livro “O Choque de Civilizações” expõe uma análise de confronto
intercivilizacional e suas origens, causas e conseqüências. De fato, Huntington mostra através de
uma série de gráficos, números e fatos que o islã é, de longe, a civilização mais belicosa do
planeta. Seus argumentos, por mais que não queiramos aceitar, são esmagadores e estarrecedores.
O difícil é contradizer a avalanche de evidências em prol de sua tese.
Segundo ele, os muçulmanos detêm “a enorme maioria dos conflitos de linha de fratura que
ocorrem ao longo dos limites sinuosos que, através da Eurásia e da África, separam os
muçulmanos dos não muçulmanos.” São as “fronteiras ensangüentadas do islã”. 53 Muitos dos
acontecimentos dos últimos anos têm só confirmado as avaliações de Huntington.
O fatídico11/09, a atuação do Talibã no Afeganistão, a atuação de Sadam no Iraque (lógico que
tudo isso foi provocado pelo Grande Satã, os EUA!), na Bósnia, em Kosovo, na Chechênia, em
Myanmar, na Indonésia contra os timorenses orientais, na Malásia, nas Filipinas, em vários
países africanos há confrontos de cristãos contra muçulmanos como no caso da guerra civil
libanesa. Irã contra Iraque, Iraque e Kwait, jordanianos expulsando milhares de palestinos, Hafez
Assad matando milhares de muçulmanos da Fraternidade Muçulmana, sírios ocupando o Líbano
e dezenas de confrontos fratricidas entre sunitas e xiitas, como ocorre hoje no Iraque. O ódio
entre sunitas e xiitas parece ser bem maior do que destes para os americanos no Iraque a ponto de
explodirem mesquitas milenares um do outro e assassinatos de clérigos aos montes.
Islã x EUA, islã x Israel, islã x ocidentais, islã destruindo estátuas de Buda no Afeganistão,
explodindo templos hindus, islã x as charges de Maomé e... islã x islã.
Líderes muçulmanos já mataram muito, mas muito mesmo, mais árabes do que Israel e os EUA
juntos. Em 1982 Assad matou cerca de 30.000 pessoas abortando rebeliões. Sadam, só contra o
Irã, levou à morte mais de um milhão de pessoas. Depois assassinou com gás mortífero cerca de
cinco mil curdos e mais de 120.000 curdos e xiitas ao longo de seu governo. Esses números são
realmente de dar inveja a Sharon e Bush (O GLOBO, 17/04/2002, Nikolas Khristof).
Esse furor no mundo árabe é fascinante porque, embora a brutalidade israelense nos territórios
ocupados seja real, é pouca para os padrões árabes. Cerca de 1.600 palestinos foram mortos
desde o inicio da onda de violência, em setembro de 2.000, provocada pela “profanação” de
Sharon. Em contraste, dois milhões de sudaneses morreram na atual guerra civil, assassinados
por rebeldes muçulmanos contra outras etnias muçulmanas e cristãs... e quase ninguém notou!
Esse número é a cifra assombrosa de cerca de um terço dos judeus mortos sob o nazismo. É
realmente muita gente.
Primeiro, há dois pesos e duas medidas. O mundo árabe está ultrajado porque desta vez é Israel
que está matando árabes.
Para ser justo, este padrão duplo de avaliação é comum no planeta. A África do Sul governada
por brancos provocou raiva no mundo, enquanto abusos piores no Zaire, Zimbábue e Nigéria
eram ignorados. Muitos chineses ainda desprezam os japoneses, embora Mao tenha massacrado
muito mais chineses do que os japoneses. Fala-se sempre do “maior genocídio” da História
perpetrado por Hitler, mas uma revisão minuciosa mostra que Stálin matou bem mais do que
Hitler. E Stálin matou os próprios soviéticos. Pelo menos o nazismo procurou matar “apenas”
judeus e seus inimigos estrangeiros.
“Michael C. Hudson, professor de estudos árabes da Universidade de Georgetown, apresentou
várias razões pelas quais a ira árabe está se espalhando. O problema palestino é maior do que
outras preocupações, por envolver uma sociedade inteira, várias guerras e rupturas em vários
países vizinhos; é antigo, afligindo a consciência árabe desde o fim da Primeira Guerra; está mais
visível nas telas de TV a cada momento; e está pior, pelo menos na percepção.
‘Se você mede isso em mortos, expulsão de casas e cidades, destruição e perda de propriedades,
destruição de vidas em campos de refugiados, danos psicológicos a crianças, ou em insultos
contínuos dos conquistadores e seus patronos americanos, este assunto é um pesadelo existencial
do qual parece não ser possível acordar “– disse Hudson.
Outro motivo para o padrão duplo de avaliação no Oriente Médio é o fato de que os países árabes
são sociedades baseadas na vergonha, e a repressão israelense aos árabes é vista não apenas
como brutal, mas humilhante.
- É uma humilhação total para todos os regimes árabes – disse Sami Al-Arian, ativista palestino.
– Está sempre lembrando a fraqueza dos árabes como povo, sociedade e sistema político, assim
como indica a impotência e a corrupção de seus regimes” (Nikolas Kristof, colunista do NYT em
O GLOBO, 17/04/2002).
O professor palestino-americano Edward Said faz uma denúncia incansável e várias vezes
comprovada da prática de corrupção desenfreada, nepotismo, autoritarismo despótico e desprezo
para com as necessidades do próprio povo, por parte da Autoridade Palestina.
“Nas áreas autônomas da Palestina”, escreveu Said, em junho de 1997, em jornais e revistas de
vários países, “uma autocracia cruel, incompetente e corrupta, presidida por Arafat, governa os
palestinos em beneficio de um punhado de cúmplices. Eles estabelecem o monopólio do
comércio do combustível, materiais de construção, incluindo madeira e cimento, tabaco e de
quase todos os bens de consumo, enriquecendo despudoradamente Arafat, seus homens de
confiança e suas famílias. A corrupção tornou-se um escândalo internacional. O Conselho
Legislativo, eleito pelo povo, nunca conseguiu , em três anos de atividade, aprovar qualquer lei
ou criar qualquer dispositivo constitucional no sentido de controlar o déspota que controla o
orçamento e um dispositivo de vinte serviços de segurança que torturam, assassinam, encarceram
os críticos e proíbem seus livros, unicamente de acordo com a vontade do tirano da Palestina. E
isso não é tudo. Os sete milhões de palestinos estão à mercê de um homem incompetente, que
serve aos propósitos israelenses de ocupação e usurpação, e que o máximo que faz pelo seu povo
é oprimi-lo e enganá-lo.
(...) Tem sido insuficientemente lembrada a ironia de que a paz corrupta de Arafat com Israel
perdoou o movimento sionista tudo aquilo que ele causou aos palestinos, a começar pela
destruição de sua sociedade e a expulsão imposta de mais de 70 por cento dos palestinos de sua
terra, em 1948. Para aumentar a ironia, a OLP ignorou, essencialmente, a devastação causada por
trinta anos de ocupação militar israelense, aceitou a anexação de Jerusalém e a instalação de 140
colônias em terras expropriadas da Palestina, e declarou, mais ou menos, que o que está feito já
está. E isso, ao confrontar um povo que nunca permitiu ao mundo esquecer as injustiças
cometidas contra ele, que recebeu grandes reparações pelo Holocausto, e que ainda hoje caça
antigos nazistas e acusa países como Suíça de terem colaborado com o fascismo”.54
Hoje, mais do que nunca, o mundo árabe está em chamas. Com o fim da Guerra Fria, as
ideologias foram relegadas a um papel secundário, ou mesmo abandonadas. Para o mundo árabe,
as filosofias e políticas ocidentais falharam. O comunismo, o nazismo, o liberalismo, o
socialismo a democracia e o secularismo como um todo não resolveram seus problemas. Na
concepção dos líderes fundamentalistas, tanto árabes quanto judeus, a resposta para seus
problemas está em sua fé, em voltar-se radicalmente para Deus, porque a solução virá só por
intermédio desse processo de introspecção. Eles, hoje mais do que nunca, não têm a menor
dúvida disso.
Para Karen Armstrong, o fundamentalismo não está desaparecendo. Em alguns lugares está se
fortalecendo ou se radicalizando. 55 Para Samuel Huntington, as características persistentes do
islã, como o militarismo, indigestibilidade e a proximidade de grupos não muçulmanos poderiam
explicar a propensão muçulmana para o conflito ao longo da História. 55 O recrudescimento das
hostilidades intercivilizacionais, mormente entre judeus e árabes e estes e os ocidentais teriam se
intensificado mais ainda com o inicio da, assim chamada, primeira guerra civilizacional no
Afeganistão. A derrota da União Soviética com armas americanas e dinheiro saudita pelos
grupos de resistência como os mujahedin e os talibãs de Bin Laden elevou a auto-estima dos
árabes.
Mas o choque mais reverberante entre Ocidente e Oriente teria se dado na Guerra do Golfo.
Aqui, muitos muçulmanos se sentiram invadidos pelas forças avassaladoras do Ocidente com sua
tecnologia fantástica e a máquina de guerra mais poderosa que o gênio humano já havia
produzido. Uma amostra arrasadora da genialidade ocidental.
Uma vez mais a derrota de Sadam provocou um ressentimento ainda maior no mundo árabe em
relação ao Ocidente e sua capacidade brutal de mover uma guerra rápida, letal e implacável.
O resultado desse ódio à “aliança maldita judaico-cristã” está no ataque de 11/09 às Torres
Gêmeas e também às reações de Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã, vociferando e
desafiando Israel e o Ocidente, lançando maldições e sugerindo a destruição e expulsão dos
judeus da Israel. Ele avisou à imprensa mundial em 12/04/2006 que já está enriquecendo urânio e
que ninguém vai impedir o Irã de sua livre busca por autonomia e auto-suficiência energética,
num claro tom de desafio à ONU, à AIEA, ao Ocidente e aos EUA particularmente.
Hoje, fundamentalistas árabes e judeus, procuram unir o mythos ao logos, e a fé à razão, 57 para
construir uma teocracia forte para dominar o “outro”. Líderes fanáticos religiosos como o rabino
Meir Kahane, eleito pelo Knesset, que pregava o expansionismo do Estado Judeu e o sheikh
Ahmed Yassin que pregava a destruição do Estado de Israel são só uma parcela emblemática da
guerra de auto destruição perpetrada pelas forças religiosas fundamentalistas de ambos os lados.
Há centenas de pronunciamentos de ambos os lados desejando e planejando o extermínio do
infiel ou do goiym.
Não se pode negar realmente que haja hoje na Palestina/Israel ou mundo árabe/Israel um choque
civilizacional de proporções catastróficas a caminho.
Em ambos, há hoje “duas nações”: israelenses e palestinos e secularistas e religiosos. 58
A guerra de linha de fratura está na fronteira geopolítica de ambos os povos, mas também em
seus corações dilacerados pelo fratricídio interminável de homens mitos como Sadat e Rabin que
buscaram soluções através de gestos extremos, sofrendo por isso o martírio doméstico.
Judeus religiosos ultra-ortodoxos que antes reprovavam ou condenavam o estabelecimento de
um Estado judeu a não ser pelo Messias em pessoa, hoje entendem que esse Estado é um “Estado
Santo” promovido pela força da profecia bíblica. O fato de não haver um Messias, não os
surpreenderia, pois esses judeus, além de ser fundamentalistas, eram modernos o suficiente para
juntar a sua fé à lógica e à razão. E ademais das contas Maimônides (o Rambam) havia dito no
século XII que “não teria nada de sobrenatural”. 59
Para os judeus ortodoxos ou sionistas religiosos, os palestinos são vistos como os antigos
filisteus. Pela cronologia bíblica, os filisteus só foram totalmente dizimados pelo rei Davi, mais
de dois séculos depois da ocupação israelita. No livro de Josué se diz que “os filhos de Judáh não
puderam expulsar os jebuseus e habitaram com eles” (Josué 15:63). Esse é um problema análogo
ao que acontece hoje. Os israelitas não conseguiram desalojar os cananeus e acabaram
convivendo e até contraindo matrimônios com eles, o que causou uma série de problemas
religiosos. O livro de Juízes também diz que os filhos de Benjamim não conseguiram desalojar
os cananeus de sua tribo (Juízes 1:21). Finalmente o rei Davi tomou a fortaleza de Jebus
(Jerusalém) e a transformou na capital de Israel em 1.000 a.C. Os territórios dos filisteus foram
ocupados, entre eles Gaza, Ecrom Ashdod, Gate e Ecrom. É interessante que aqui, Gaza e
Jerusalém (Jebus) foram ocupadas no mesmo período, assim como os israelenses ocuparam Gaza
e Jerusalém na mesma batalha em 1967, três mil anos depois.
Assim, se Deus deu forças aos israelitas antigos para expulsar os filisteus e destruí-los sob as
batalhas vitoriosas de Davi, do mesmo modo também os palestinos serão, um dia, totalmente
expulsos ou destruídos. Assim como Davi tomara a fortaleza de Jebus e a fizera sua capital, do
mesmo modo os israelenses o fizeram em 1967. Assim como as forças árabes eram
numericamente superiores em números de homens e de armas, como os filisteus (estes possuíam
carros de ferro e tinham uma arma secreta: o gigante Golias de cerca de 2,80m.) e cananeus o
eram. Mas o Senhor não dera a vitória aos israelitas? Do mesmo modo o faria agora com os
palestinos/filisteus “incircuncisos” (Juízes 1:19).
Ironicamente, em 1967, Nasser o gigante líder árabe tombou com suas tropas no mesmo campo
de batalha onde Davi derrotara o gigante filisteu Golias. “Saul e os homens de Israel se
ajuntaram e se acamparam no Vale de Elá, e ordenaram a batalha contras os filisteus” (I Samuel
[Shmuel] 17:2).
Isso tudo tem um simbolismo muito forte, o mito da criação do judaísmo é fortalecido aqui. Um
mito que surge junto com a Era Axial 60 e vai dar origem aos outros dois monoteísmos que o
suplantaria em tamanho e opulência e se tornariam um inimigo feroz e implacável de seu criador,
o judaísmo. A criatura contra o criador.
A Síndrome dos Filisteus povoa o subconsciente do judeu religioso e fundamentalista em Israel.
O medo do extermínio, a ameaça de aniquilação, a sombra de um novo Holocausto assombra-os
e faz com que esses vejam ameaças e conspiração em tudo. 61 Centenas de versículos bíblicos
são lembrados quando se quer mostrar que Israel está sob proteção divina. O retorno à Terra: “E
os plantarei na sua terra, e não serão mais arrancados da terra que lhes dei, diz o Senhor teu
Deus.” (Amós 9:15). A invencibilidade nas guerras: “Naquele tempo, os egípcios serão como
mulheres e tremerão e temerão por causa do movimento da mão do Senhor dos Exércitos,
porque ela se há de mover contra eles. E a terra de Judá será um espanto para o Egito; todo
aquele a quem isso se anunciar se assombrará, por causa do propósito do Senhor dos Exércitos,
do que determinou contra eles” (Isaías 19:16,17) e “ Perseguireis os vossos inimigos, que
cairão à espada diante de vós. Cinco de vós perseguirão a cem, e cem de vós perseguirão a dez
mil, e os vossos inimigos cairão à espada diante de vós” (Levítico 26:8).
Tais textos e muitos outros são lidos todos os dias nas yeshivas e sinagogas de Israel. “Do leste
virão os sírios, e do oeste (Gaza) virão os filisteus (palestinos)” (Isaias 9:12). Nos capítulos seis
e quatro de Neemias, povos árabes, transjordanianos (amonitas) e filisteus (asdoditas) tramam
para impedir a reconstrução de Jerusalém por judeus que chegavam do exílio babilônico,
patrocinados por Sua Magestade os reis da Média e Pérsia, Ciro e Dario, para recolonizar Israel,
sua antiga Terra.
É impressionante como a História parece se repetir para os judeus e árabes. Aqueles porque por
várias vezes foram ao exílio e retornaram à antiga Terra. Exílio no Egito, na Assíria, Babilônia e
daí para outros países asiáticos, para Roma e daí para todo o Ocidente e para mais de cem países.
Assim, o retorno de judeus à sua pátria antiga, está em sua memória ancestral coletiva. É
providência divina. Sua invencibilidade nas guerras contra forças árabes cinqüenta vezes maior
que a sua, faz parte do milagre da “eleição de Israel” e da prova de que o Deus de Israel é um
“Deus de verdade”. Eis aqui a raiz do mito da superioridade israelense sobre os seus inimigos.
Para os muçulmanos, a religião é uma questão de caráter profundamente proselitista, como no
cristianismo. O mundo precisa se islamizar. A conversão ao islã é a única maneira de o mundo se
salvar e se livrar da punição eterna de Alá, a danação no mármore do inferno.
A religião islâmica sempre pregou a expansão territorial e a conquista de almas, como no
cristianismo. Não obstante, o cristianismo não se impôs, em seu início de expansão proselitista
nos primeiros três séculos, pela força da espada. Ao contrário do islã, os cristãos primitivos
eram, muitas vezes, escravos ou pobres camponeses judeus da Galiléia e depois da Ásia Menor
(Turquia); não tinham exércitos e sua mensagem, a mensagem de Jesus, não tolerava o uso da
violência ou da conversão pela espada para alcançar as almas. Ao contrário de Maomé, Jesus
nunca se utilizou da espada e nunca atuou numa luta campal, embora tenha sofrido uma pressão
muito forte por parte de seus discípulos para iniciar uma revolta contra as forças de ocupação
romanas. Nesse passo, mesmo se martirizando nas arenas romanas, fazendo cultos proibidos nas
catacumbas de Roma e sendo queimados vivos por Nero e outros imperadores, os cristãos
atingiram as elites de Roma, dominaram o Império Romano e o converteram à sua fé pela força
sedutora das palavras de um judeu camponês da Galiléia. Esse sucesso extraordinário, sem que
se usasse a espada, tornou o cristianismo o maior fenômeno religioso dos últimos dois mil anos,
agregando ainda hoje cerca de dois terços da humanidade. É o berço da civilização judaico-cristã
ou Ocidental e a religião mais influente do planeta.
Com o islamismo foi diferente. Desde Maomé, e começando por ele, a espada ditaria a expansão
islâmica. Muitas bandeiras e brasões árabes trazem a espada como símbolo. Desde sua fundação
o islã conheceu raríssimos momentos de paz. Isso se deve, talvez, à sua sede insaciável de
expansionismo sob o signo da espada.
Para muçulmanos fundamentalistas que pregam a expansão, ver um Estado judeu encravado no
seio da comunidade islâmica é um ultraje e humilhação. É uma profanação. É mais humilhante
ainda ver um Estado judeu tão minúsculo, com seis milhões de habitantes, afrontando a vasta
imensidão do mundo islâmico com cerca de um bilhão e trezentos milhões de habitantes em
cinqüenta países.
Em cinco guerras abertas, as forças árabes tentaram esmagar a agressão sionista.
Por mais que Norman Finkelstein procure desconstruir o mito do heroísmo do soldado israelense,
ele não consegue explicar a ineficiência dos lideres e exércitos muçulmanos em seu intento de
“afogar os judeus no Mediterrâneo”. É sempre um desafio para especialistas e estrategistas do
mundo todo dar uma explicação satisfatória para o brilhante desempenho do TZAHAL, o
exército israelense.
Só na Guerra dos Seis Dias as cifras são assustadoras e, a não ser os líderes árabes, não há quem
discorde dos números. Os prejuízos sofridos pelos árabes, em preciosas vidas humanas e em
caríssimo armamento fornecido pela União Soviética, foram deveras impressionantes. Nos seis
dias da Guerra morreram 10 mil egípcios, 15 mil jordanianos e milhares de sírios, iraquianos e
combatentes de outros países. Somente o Egito perdeu 400 aviões, 600 tanques e milhares de
peças de artilharia, munições, armas leves e veículos, superando o valor de um bilhão e meio de
dólares! Em toda a guerra, apenas 700 soldados judeus perderam a vida. 62
Tudo isso em apenas seis dias. A guerra mais rápida e mais avassaladora da História. Isso, para
muitos judeus no mundo todo era um sinal dos céus de que seu velho Deus hebreu estava de
volta ao lar. O fluxo imigratório aumentou consideravelmente, e judeus de diversas partes do
mundo acorreram para seu novo e velho lar.
Do lado israelense, além das armas fornecidas pelos EUA, não houve interferência ou ajuda do
exército americano com efetivos humanos. Mas do lado árabe, além do efetivo humano de vários
países árabes e das armas soviéticas, alguns pilotos capturados do exército egípcio eram, de fato,
soviéticos.
Diferentemente do cristianismo e do islamismo, o judaísmo não está preocupado com a expansão
de sua religião em escala mundial e nem que os gentios se convertam ao judaísmo. Embora
muitos goyim tenham se convertido ao judaísmo, o proselitismo nunca foi o forte da religião
judaica.
A religião judaica é bem mais exclusiva e reservada que suas duas filhas, talvez por ter sido
muitas vezes ameaçada de extinção por elas. É universalista, mas não se comporta como tal e
quer mais que judeus continuem sendo judeus. Se os gentios querem ser israelitas, ótimo, mas
isso não parece ser relevante para o judaísmo. O Velho Testamento não tem um plano de
evangelismo para o mundo como o islã e o cristianismo.
Mesmo a tão propalada política expansionista sionista imperialista na Palestina tem seus limites.
Os mais ambiciosos dos judeus fundamentalistas querem ver realizadas as profecias bíblicas da
Grande Israel; Uma terra, para um povo com a Torah e um só Deus. Um torrão, uma nesga de
terra no Oriente Médio. Ambiguamente a essa ambição hebraica, o islã quer muito mais, quer o
mundo todo. Reconquistar a Palestina é uma questão de honra para o islã, para recuperar sua
auto-estima e demonstrar que o islã fundamentalista não tolerará o abuso da intromissão de uma
“cruzada” judaica ocidental.
Fundamentalistas judeus do Gush Emunim, do Shas, os haredim, etc., querem da Síria, o
Golan; não querem o Egito, só Gaza; não querem a Jordânia, só a Cisjordânia e, é claro, uma
guerra sem fim.
Os sonhos judaicos de expansão são os sonhos de um Estado menor que o estado de Sergipe no
Brasil, o menor dos estados brasileiros. Mas a expansão islâmica não conhece limites. O islã é
hoje a religião que mais cresce no mundo e está se tornando substancialmente influente em
países como Alemanha, França, Inglaterra e outros, como a maior dentre outras minorias. Os
cristãos estão hoje muito mais secularizados e ateus do que nunca e isso irrita profundamente o
mundo árabe. Aproveitando esse vácuo espiritual deixado pelos cristãos, o islã avança na
Europa, nos EUA e até na América Latina onde já possui grandes Mesquitas em várias cidades
importantes. Em breve, a população árabe da Palestina será maior que a judaica. Ela já é hoje
praticamente 50% em todo o território.
O fundamentalismo islâmico só deverá diminuir seu ímpeto, segundo Huntington, daqui a uns
vinte anos quando sua população for menos jovem e houver um amadurecimento e controle
maior da natalidade.
O fim da Guerra Fria (1945-91), a diminuição do poder militar e da economia ocidental, sua
imoralidade e o fracasso da democracia e do comunismo em muitos países do terceiro mundo,
levou árabes e outras civilizações a se voltarem para suas identidades e culturas e acreditar nelas
como a única solução para seus problemas, acreditando que seu mythos é maior que o de outras
civilizações e é o verdadeiro caminho para o triunfo. Some-se a isso o fato de que a população
jovem nesses países é majoritária, possuindo assim um ardor revolucionário muito mais vigoroso
que os países de primeiro mundo que possuem uma população velha e em declínio.
A condição civilizacional de Israel é sui generis. Como os japoneses, que têm uma civilização
dissociada da budista, da sínica e da hindu, mas é um produto delas, possui, porém características
próprias que a identificam como uma civilização diferente. Xintoísmo, budismo e confucionismo
se fundem para criar um mythos japonês.
Assim, os judeus, que em grande parte viveram e foram influenciados pelo Ocidente, possuem,
não obstante, características próprias, que é o legado do monoteísmo primitivo conservado em
suas nuanças de religião semítica oriental, diferente do cristianismo que herdou seu monoteísmo
dos judeus e o fundiu com a civilização greco-romana. O pragmatismo ocidental com a moral
judaica. Mas a cultura judaica, mesmo preservando seu mito original, ocidentalizou-se também.
Mas continuaram sendo judeus. O Ocidente nunca os deixara se esquecer disso. E de uma forma
muito terrível.
Além disso, judeus eram andarilhos, estavam sempre se deslocando, carregando consigo o
legado das civilizações. Há judeus oriundos de todos os grupos civilizacionais em Israel. Mesmo
do Japão, da China e Índia. Judeus que nunca foram ocidentais. Os judeus russos e os do
Maghreb, do Iêmen e os árabes têm uma dificuldade enorme em acatar o conceito israelense
ocidental de democracia. Uma democracia ocidental, sem Constituição (a Torah é sua Lei, mas a
Suprema Corte garante o estado de direito democrático), num Estado criado para judeus.
Judeus de mais de cem países vivem em Israel hoje, um país minúsculo, multicultural,
multifacetado. Uma colcha de retalhos. Embora a cultura ocidental prevaleça sobre Israel, o
conflito entre ashkenazim e sefaradim é de difícil digestão. Judeus de cultura árabe em choque
com os de cultura ocidental.
Talvez o único país para onde os EUA mandaram imigrantes em massa foi para Israel. Só Israel
conseguiu arrancar imigrantes da América. Tal é a pujança da ideologia sionista. Antes disso, o
único caso de retorno de um povo para suas origens, nos EUA, foi o caso dos negros da Libéria.
Libertos, Monroe criou uma nação na África para quem quisesse deixar os EUA e voltar para a
mama África. Alguns foram e criaram esse país, cuja capital é monróvia.
Israelenses podem até ter uma origem cultural multicivilizacional, mas são encarados como
ocidentais devido ao seu status quo no Oriente Médio. Em seu livro supracitado, Huntington não
classifica Israel, dizendo se realmente são ocidentais ou não. Mas os árabes os vêm assim. O
mundo os vê assim. Eles preferem ser classificados como tal. Etnicamente, muitos judeus são de
fato alemães, italianos, norte-americanos, canadenses, etc. miscigenados com o DNA judeu.
Como os cristãos, eles usam a Bíblia, mas sem o Novo Testamento. Absorvem a democracia e as
instituições ocidentais a despeito das tentativas dos ultra-ortodoxos de tentar criar um Estado
haláchico ou teocrático em Israel.
Contudo, é a única democracia plena no Oriente Médio, com todas as implicações e protestos
que essa afirmação possa provocar. Com toda a carga de reacionários e imperialistas que lhes são
atribuídas, como aos EUA. Até mesmo o culto em suas sinagogas assimilou muito das práticas
de clérigos cristãos protestantes da Alemanha e dos EUA.
Porém, sua etnia ainda tem um forte componente semita, como demonstrado nas análises de
DNA supra mencionadas. Sua religião está mais próxima do islã que do cristianismo. Ambas,
islã e judaísmo têm um forte respaldo na lex talionis, o código de talião, a lei do “Olho por Olho”
prevista no código mosaico e no Corão, mas ausente nos evangelhos e epístolas cristãs.
Quando os papas criam exércitos para guerrear na Terra Santa e um tribunal do Santo Ofício, eles
estão em flagrante contradição com o que Jesus ensinou. Jesus foi um pacifista nato. Não foi à
guerra, condenou todo tipo de violência e nunca falou na criação de exércitos para dominar o
mundo. “Meu reino não é deste mundo”, disse ele. Morreu sob a acusação política de pretender
ser o “rei dos judeus”, mas nunca nem sequer tentou iniciar um revolta armada, embora alguns
discípulos seus o quisessem. Condenava o comportamento das instituições religiosas e políticas e
pregava que o amor e a fraternidade universal poderiam salvar o mundo de todos os seus males.
A condição ética e moral tinham que ser embasadas nesses pilares. Do mesmo modo que Buda,
Jesus esteve sempre longe da retórica das armas.
O islã, na pessoa de Maomé, resolveu adotar a Bíblia, mas muito mais a judaica que a cristã. A
religião islâmica tem muito mais elementos judaicos e quase nada da doutrina cristã a não ser
alguns discursos de ética e moral. A circuncisão, a guarda de um dia específico (para os cristãos
o domingo não é uma questão vital), as leis dietéticas, a oração voltada para uma cidade sagrada
e o código de talião são imperativos no islã. O cristianismo não incorporou esses elementos
porque entendeu que eram símbolos e imagens de algo que viria a ser uma Nova Aliança.
Jesus, o rabino da Galiléia sintetizou toda a Torah no amor a Deus e ao próximo (Mateus 22:39).
A Cruzada era uma instituição anticristã, enquanto a jihad não é uma instituição anti islâmica e a
política do “fogo por fogo, mão por mão, olho por olho” não é uma política antijudaica. É
judaísmo puro no sentido estrito da palavra.
“Argumenta-se que as doutrinas do islamismo ditam a guerra contra os infiéis e, quando a
expansão inicial do islã se exauriu, os grupos muçulmanos passaram a lutar entre si. A
proposição da fitna, ou conflitos internos, para a jihad mudou de forma espetacular em favor da
primeira. O Corão e outros textos do credo muçulmano contêm poucas proibições à violência, e
não há na doutrina e na prática muçulmanas uma concepção de não violência.”. 63
Durante a Guerra do Golfo, Safar al-Hawali colocou que “esses ba’atistas do Iraque são nossos
inimigos por algumas horas, mas Roma é nossa inimiga até o Dia do Juízo Final”. 64 Ainda para
os muçulmanos existem dois mundos, o Dar al-Islan (Mundo da paz) e o Dar al-Harb (Mundo
da guerra).65
Então, Israel, como o Japão é uma sociedade atípica. Possui instituições ocidentais sólidas,
cultura ocidentalizada e uma moral muito próxima da islâmica. O assassinato seletivo de “alvos”
líderes de movimentos terroristas e a vingança até as ultimas conseqüências são legados da
cultura e religião judaica, como no islã. Assim foi a conquista da antiga Canaã, assim é a
recolonização do atual Israel/Palestina.
Assim, Israel agrega em seu seio o que o Ocidente tem de melhor em progresso científico e
militar com o respaldo de uma cultura baseada numa religião de reciprocidade, “olho por olho”
contra outra com as mesmas características, porém sem o legado das modernas instituições
ocidentais e seu progresso científico.
Para Jesus, o judeu, essas questões deveriam ser resolvidas da seguinte maneira: “Não faças aos
outros aquilo que não queres que os outros vos façam”.
Para os árabes, Israel é um enclave do Ocidente no corpo árabe e como “um tumor maligno, tem
que ser extirpado”.
Um dos paradoxos da sociedade israelense é que essa foi fundada segundo os princípios do
socialismo, com os sistemas de kibutzim e moshavim, as famosas aldeias e fazendas coletivas.
Uma sociedade idílica com o propósito de salvar todos os judeus do horror da Diáspora e da
humilhação do rótulo de errante e apátrida. Muitos dos primeiros judeus vieram da Rússia,
fugindo dos pogroms no século XIX e depois, ironicamente, outras levas, milhares, fugindo do
comunismo soviético na Rússia e leste europeu. Um comunismo que teve primeiramente em seus
quadros fundadores elementos da comunidade judaica russa. Uma doutrina fundada por um
judeu, Marx, e que depois se volta contra os próprios judeus rotulando-os de capitalistas e
usurpadores. O próprio Marx era um anti judeu.
O nascimento de Israel se deu, em grande parte, por “sorte ou providência”. 66 A União
Soviética, na pessoa de Stálin, um anti-semita reconhecido, apoiou veementemente, talvez até
mais que os EUA, a criação do Estado judeu. Sem essa decisão fortuita, e fugaz, Israel poderia
ter perdido seu momento único de existir como nação.
Paul Johnson diz que a pressão de muitos políticos e empresários americanos e britânicos era
frontalmente contra o Estado judeu. Ambos, os ministérios das Relações Exteriores achavam que
a criação de tal Estado desencadearia “um desastre para o Ocidente”67 e “De fato se houvesse
uma conspiração para criar Israel, então dela a União Soviética seria um membro proeminente.
Durante a Guerra, por razões táticas, Stálin excluiu alguns aspectos de suas políticas
anti-semitas”. Até “criou um Comitê Judeu Antifascista. - Por um curto período. A partir de
1944, adotou uma postura pró-sionista na política externa (Embora não na Rússia). Parece ter
sido raciocínio seu que Israel, conforme aconselhava, seria um estado socialista, iria acelerar o
declínio do domínio britânico no Oriente Médio”.68 “Em maio de 1947 quando a Palestina veio
às Nações Unidas, Andrei Gromyko, vice-ministro das Relações Exteriores soviético causou
surpresa ao anunciar que seu governo apoiava a criação do Estado judeu. Em 30 de outubro,
Semyon Tsaraphim, chefe da delegação soviética junto às nações unidas, fez um brinde a
membros da Agência Judaica: “Ao futuro do Estado judeu”. “Com o voto decisivo da
Assembléia Geral em 29/11/1947, todo o bloco soviético votou pelo interesse israelita... Quando
Israel declarou sua independência a 14 de maio de 1948, o Presidente Truman imediatamente
conferiu a ela um reconhecimento de facto, mas Stálin avançou com a melhor e, menos de três
dias depois, lhe deu reconhecimento de jure. Talvez o mais significativo disso tudo tenha sido a
decisão do governo tcheco, sob instruções de Stálin, de vender armamento ao novo Estado. Um
aeródromo inteiro foi destinado a realizar o transporte aéreo para Tel-Aviv. 69
Stálin não imaginava que estava chocando “o ovo da serpente”.
Não obstante, o papel de Truman foi de suma importância. Chaim Weizmann instou
incisivamente junto a Truman e este exerceu um forte lobby e pressão junto a países indecisos
como a Grécia, Libéria, Filipinas e Haiti. 70
Muitos ficaram impressionados por uma causa capaz de juntar EUA e URSS num voto comum.71
O resultado é esse: “Em 29/11/1947, graças ao apoio vigoroso de Truman, foi ele (o Estado
judeu) endossado pela Assembléia Geral, 33 votos contra 13, com 10 abstenções”. A Inglaterra
se absteve. 72
Aqui se inicia a redenção do povo judeu e a tragédia do povo palestino, a nakba, o inicio de seu
exílio. Mesmo auxiliados pelo esforço de guerra da Legião Árabe, os exércitos árabes
fracassaram diante de um inimigo que havia pouco tempo escapara do extermínio total e do
horror das câmaras de gás do nazismo, depois de ter metade de sua população mundial, seis
milhões, sido dizimadas por Hitler. Em 1947 havia ainda muitos judeus deslocados em campos
de refugiados na Europa e em Chipre. Mais de seiscentos mil judeus foram expulsos de países
árabes e rumaram para Israel. Ironicamente, cerca de seiscentos mil palestinos perderam seus
lares e terras por ocasião da criação do Estado de Israel. Os palestinos alegam que foram
expulsos, os judeus dizem que eles fugiram pelo medo da guerra e por conselho dos lideres
árabes para retornarem quando os judeus fossem expulsos.
De lá para cá, palestinos e árabes de um modo geral têm sido aviltados e humilhados pelas
Forças de Defesa de Israel e pelo Ocidente. Isso depois de escaparem do Império turco e do
imperialismo europeu na região sob a égide da França e Inglaterra.
Os árabes não aceitaram a Partilha e nem criaram um Estado palestino na esperança de que eles
pudessem “afogar os judeus no Mediterrâneo”. Isso não ocorreu e, em 1967, numa nova tentativa
de “destruir Israel”, exércitos árabes invadiram o território judeu e foram humilhados na guerra
mais rápida de toda a História. A imprensa Ocidental alardeava: “Mais uma vez o pequeno Davi
vencia o gigante filisteu Golias”. Israel quadruplicou seu território, anexando a Cisjordânia, a
Faixa de Gaza, as Colinas do Golan e todo o Sinai. Desses, só o Sinai foi devolvido para o Egito.
Presente de Begin a Sadat, sob pressão norte americana, como resultado dos acordos
egípcio-israelenses em Camp David.
Em 29/06/1967 Gamal Abdel Nasser assombrou o mundo, uma semana antes da guerra,
pronunciando um discurso ao povo árabe dizendo:
“O povo árabe quer lutar. Esperamos o dia propício para estar plenamente preparados... Agora
nos sentimos bastante fortes e, se entrarmos na batalha contra Israel, Deus nos ajudará e havemos
de triunfar. Com essa certeza decidimos dar os passos atuais...”. 73
“Atingimos o estágio crucial da guerra”, alardeava a Rádio do Cairo. A Radio da Amã advertiu
os israelenses: “É melhor fugir agora, enquanto não chegamos. Vocês sabem como os árabes
exercem a sua vingança. Vocês serão todos mortos; portanto, é melhor abandonar o País agora,
enquanto ainda há tempo”. 74
A Guerra do Yom Kippur não foi diferente. Mesmo atacados de surpresa e tendo sofrido fortes
baixas e um revés inicial a ponto de achar que não conseguiriam vencer e que poderiam ser
esmagados ali pelas forças árabes, os israelenses acabaram assumindo o controle completo da
situação e quase se apoderaram do Egito e de seus aliados. Segundo cálculos do Instituto
Estratégico Internacional, sediado em Londres, egípcios e sírios perderam nessa guerra o total de
22.000 homens, tendo o Egito 15.000 mortos e 45.000 feridos e a Síria 7.000 mortos e 21.000
feridos. Israel teve 2.812 mortos e 7.500 feridos. Os números são inacreditáveis: 22.000 árabes
contra 2.800 israelenses mortos.
Tendo sido derrotados cinco vezes, em 1948, 1956, 1967, 1973 e 1982, palestinos e árabes
abandonaram o campo de batalha e partiram para a diplomacia do terror. Uma tática eficiente
iniciada na Palestina por Menachem Begin do Irgun e o Grupo Stern, que conseguiram enfim,
por um fim ao mandato britânico e forçar a partilha da Terra em 1947. Agora, árabes e palestinos
tentariam a mesma estratégia contra israelenses e o Ocidente.
O embate civilizacional entre árabes e judeus pode ser, eventualmente, classificado como
intercivilizacional e intracivilizacional. Intercivilizacional porque põe frente a frente dois povos
que desenvolveram culturas diferentes, mas que tiveram a mesma origem na base.
Intracivilizacional porque, na realidade, eles se reconhecem como parentes étnicos, e têm
aspectos muito comuns em sua cultura e religião. Para Israel Finkelstein, judeus e árabes são,
ambos, oriundos da família semítica dos cananeus que habitavam a mesma região há quatro mil
anos atrás. Elementos da religião judaica e islâmica, a divindade, termos etimológicos, a língua
semita muito próxima, algumas tradições e éticas morais entre eles ainda remontam a épocas
antigas dos povos cananeus pré-Israel.
O traçado geográfico dos dois Estados dificilmente permitirá que ambos vivam separados numa
região onde cada quarteirão ou cidadela contêm elementos históricos e culturais das três grandes
religiões monoteístas.
CAPÍTULO DOIS

A FAIXA DE GAZA: OCUPAÇÃO E RETIRADA.


1967-2005

Yasser Arafat fez da defesa da terra de seus ancestrais sua vida. Arafat nasceu Muhammad Abd
Al-Rahman ar-Rauf al-Qudwah al—Husseini e maquiou até traços de sua história para se tornar
mais palestino. Sempre declarou ter nascido em Jerusalém e fazer parte da família Husseini,
importante clã da cidade que a tradição diz descender de Maomé. As duas afirmações são
contestadas. Ao que tudo indica, inclusive uma certidão de nascimento oficial, Arafat nasceu no
Cairo, capital egípcia, em quatro de agosto de 1929. Seu pai era um comerciante de Khan Yunes,
na Faixa de Gaza, e sua mãe de Jerusalém. Para o historiador palestino Said Aburish, Arafat
herdou o sobrenome Husseini do pai, e não da mãe, e, portanto, não pertenceria ao clã Husseini
famoso.
Foi no Kwait que Arafat fundou em 1957, a Fatah, destinada a lutar, com armas, pela formação
de um Estado no território histórico da Palestina. Para a Fatah, isso incluía a totalidade de Israel,
a Faixa de Gaza e a Cisjordânia inteira.
Os líderes árabes, viam na luta contra Israel uma disputa entre o mundo árabe e Israel e não deste
contra um povo palestino. Para esvaziar a Fatah, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser
decidiu criar a Organização para Libertação da Palestina, em 1963. No ano seguinte, a Fatah
inundou a OLP com a adesão de seus militantes e Arafat tornou-se o líder das duas organizações,
cargos que ocupou até a morte.
Com a derrota dos exércitos árabes em 1967, Israel começou a combater os grupos palestinos
que se dedicavam a ataques guerrilheiros e terroristas. Em 1969, um comboio israelense invadiu
a Jordânia, onde Arafat se exilara, para capturar os dirigentes da OLP. O embate deixou mais de
uma centena de palestinos mortos, mas os 26 soldados israelenses caídos em combate e a retirada
do inimigo, sem prender Arafat, entraram para a mitologia palestina como uma vitória.
Arafat começou a se tornar um mito. Seu poder sobre a multidão de palestinos que se refugiaram
na Jordânia depois da Guerra dos Seis Dias ameaçava transformar a OLP num Estado paralelo
dentro do território jordaniano. Assustado, o rei Hussein começou a pressionar a OLP até que,
em setembro de 1970, cerca de três mil palestinos foram mortos em combate com as tropas
jordanianas no episódio que ficou conhecido como Setembro Negro. A crise só terminou com a
retirada da OLP da Jordânia. Arafat começou um novo exílio, desta vez no Líbano, aonde viria a
estar entre as causas de outra guerra civil.
Em discurso de 1969 teria dito que “o fim de Israel é o objetivo de nossa luta, e isso não permite
compromisso. Não queremos paz” (Época, Marcelo Musa Cavallari, 15/11/2004).
Em 1972 o Setembro Negro virou nome de uma facção terrorista que se tornaria famosa por sua
ação terrorista contra os 11 atletas israelenses em Munique. Arafat nunca assumiu que foi o
comandante pessoal da ação.
Mas Arafat aos poucos foi convencendo o mundo de que, se era o pior inimigo de Israel, era
também a única opção de diálogo. Em 1974 conseguiu que sua organização tivesse representação
na ONU e foi à Nova York discursar diante da Assembléia Geral. No ano seguinte começou a
guerra civil no Líbano. Grupos islâmicos e cristãos lutaram pelo controle do país enquanto a
OLP aproveitava para bombardear cidades israelenses. Em 1982, Israel decidiu entrar na guerra.
Arafat escapou de um cerco, numa das várias tentativas de assassinato a que sobreviveu, e partiu,
com sua OLP, para o ultimo exílio, na Tunísia.
Foi no exílio tunisino que Arafat liderou a mais importante virada de sua vida. Em 1988 teve
início a Intifada, uma revolta popular marcada pelas imagens de jovens enfrentando a pedradas
os soldados e tanques israelenses. A Intifada virou o jogo. Os palestinos apareciam aos olhos do
mundo como as vítimas indefesas do impressionante poderio militar israelense. Agora, o
pequeno Davi eram os jovenzinhos palestinos afrontando o gigante com suas fundas e pedras. A
imagem dos perigosos guerrilheiros e terroristas da década de 1970 começava a ficar para trás.
Em 1994 Arafat apertou a mão do então primeiro ministro israelense, Ytzhak Rabin. A cena era
inimaginável poucos meses antes. Mas no fim de 1993 negociações secretas entre Israel e a OLP
chegaram a um plano de paz. A organização palestina retirou de seus estatutos o objetivo de
destruir o Estado de Israel e Israel admitiu que a OLP existia. Era com ela, e não com os chefes
de Estado árabes, que a troca de terra por paz teria de ser negociada.
O acordo de paz permitiu que Arafat voltasse ao território palestino pela primeira vez desde os
poucos anos de sua infância que passou na casa de um tio. Instalou-se primeiro em Gaza e depois
em Ramalah como presidente da Autoridade Palestina, a instituição responsável por administrar
os territórios devolvidos aos palestinos pelo processo de paz. Arafat encarnava seu ultimo
personagem: o estadista. O processo de paz entrou rapidamente em crise. Rabin foi assassinado
por um radical judeu e um ataque suicida palestino levou à eleição do direitista Binyamin
Netanyahu, crítico do plano de paz. Em 2000, o homem que havia sido de terrorista a Prêmio
Nobel da Paz, distinção dividida com Rabin e o ex-chanceler Shimon Perez, tornou-se o vilão do
fracasso do acordo de Oslo. Diante da oferta do primeiro-ministro Ehud Barak em uma reunião
nos EUA, Arafat recusou uma proposta de devolução de 95% dos territórios ocupados, a divisão
de Jerusalém entre israelenses e palestinos e a volta seletiva de refugiados das várias guerras. Era
quase tudo o que sempre queriam os palestinos. Mas Arafat disse não. Barak caiu e foi
substituído por Ariel Sharon que provocou a Segunda Intifada.
Desta vez não são pedras que atingem os soldados israelenses. São balas das armas compradas
para as várias milícias que atuam na Autoridade Palestina e os atentados suicidas dos radicais
islâmicos. O Hamas e a Jihad Islâmica, os dois principais grupos terroristas, acusaram Arafat de
traidor por admitir a existência de Israel e se colocaram à margem de seu comando. Seja por não
ter Como reprimi-los sem incorrer na fúria da população palestina, seja por imaginar que
conseguiria novamente transformar o caos gerado pelo terror em uma situação favorável, Arafat
não parou os terroristas.
Para Israel e seu principal aliado, os EUA, Arafat havia se tornado, ao longo da Segunda
Intifada, “um homem irrelevante”, como disse Sharon. Para uma parcela crescente dos jovens,
sem perspectivas numa Autoridade Palestina economicamente inviável e sitiada, o mito se
transformou no símbolo de uma geração autoritária e corrupta. Para eles Arafat tornou-se apenas
um estadista inepto.
Mas as manifestações que tomaram conta dos territórios palestinos e dos campos de refugiados
espalhados pelo mundo árabe quando a morte do líder foi anunciada em 11/11/2004, reiteraram a
estatura de herói de Arafat. O homem que encarnou a Palestina por mais de 40 anos estava
morto, aos 75, num hospital de Paris, para onde fora levado no fim de outubro. Não há ninguém
com o tamanho de Arafat entre os palestinos. Ninguém pode reivindicar o papel de herdeiro
escolhido pelo líder.
Arafat sempre foi irredutível em sua defesa por um Estado palestino independente que não
chegou a ver. Mas também sempre soube ser flexível. Até sua morte foi negociada. Queria ser
enterrado em Jerusalém, idéia vetada por Israel, que preferia vê-lo instalado em Gaza, junto dos
túmulos de sua mãe e de sua irmã. Como solução decidiu-se que Arafat ficará enterrado em
Ramalah, na Cisjordânia, onde passou os últimos anos de sua vida. Para os palestinos, à espera
de um dia em que o corpo possa ser levado à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém.
Em artigo publicado no Jornal do Brasil em 14 de agosto de 2005, intitulado “O começo da
paz?”, o professor Dr. Bernardo Kocher, subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense, comenta a retirada de Israel da
Faixa de Gaza.
“A retirada de alguns milhares de colonos israelenses de uma região onde vivem um milhão e
duzentos mil palestinos - a Faixa de Gaza - criou a esperança de um entendimento no Oriente
Médio. Será que existem realmente chances para a paz?”
Surpreso, como todos nós, pela atitude de Ariel Sharon em retirar os assentamentos (ele que
promoveu a maior parte desses assentamentos quando foi Ministro da Habitação), o professor
comenta:
“Vemos agora esse mesmo líder promover uma surpreendente diminuição de área ocupada por
colonos. Antes dele somente o também likudista Menachem Begin, na seqüência dos acordos de
paz com o Egito, desmantelou as colônias com a devolução do Deserto do Sinai.
‘Para ponderação sobre o sentido mais concreto da desmontagem dos assentamentos existem
duas considerações fundamentais a serem analisadas. Em primeiro lugar, o Estado de Israel se
afasta desta tumultuada situação porque quer. E para que tal ocorra, em segundo lugar, a
correlação de forças que mais se transformou nos dois lados envolvidos foi a israelense. Muito
embora a morte de um líder carismático e centralizador como Arafat dê a impressão de que é a
sua ausência que produz fatos novos, a verdade é que esses mesmos fatos são produzidos em
muito maior intensidade pela situação interna de Israel. Mesmo que em luta aberta com a
violentíssima ação do terrorismo, é a política israelense (e não uma vitória militar ou política da
guerrilha palestina) que vai consumar o desmonte dos assentamentos...
‘A política tornou-se extremamente complexa para os Estados contemporâneos. As ideologias
perdem a nitidez e as práticas são moldadas por necessidades imediatas. O deslocamento para o
centro de um tradicional dirigente extremista corresponde a um pragmatismo dos governantes
israelenses em relação aos palestinos. Esta atitude fundamenta-se na necessária redução de
custos excessivos que o conflito introduz na economia e, em maior escala, na profunda divisão
de sua sociedade em termos de apoio ou não aos fartamente subsidiados assentamentos. Modos
de vida e o gasto público estão no centro da questão.
‘Os assentamentos só possuem apoio externo e interno na luta contra o terrorismo pautada na
Doutrina Bush. Apesar de positiva, a devolução de Gaza para o controle da Autoridade Palestina
não indica que estamos diante da construção de uma efetiva política de paz”. 75
Os fatos atuais demonstram que as análises do professor Kocher estão, mais do que nunca,
corretas. A paz ainda parece estar bem distante. Mas, por quê?
Talvez o embate final e o conflito aparentemente indissolúvel seja a luta por Jerusalém. Essa luta
como vimos, já dura milênios.
No filme Cruzada de Ridley Scott, no final da película após negociar a rendição dos cruzados
com Saladino, o cavaleiro cristão Balian de Ibelin pergunta ao líder muçulmano quanto vale
Jerusalém. E ele responde: “Nada... e tudo”. A frase de efeito define bem o portento e o
problema que Jerusalém foi e continua a ser.
A 28 de maio de 1948, às 5h da tarde, o Bairro Judeu da Cidade Velha de Jerusalém começou a
arder. Destruída pelo combate, travado por seus habitantes, judeus e árabes, desde a criação de
Israel, Jerusalém conhece mais uma vez em sua história a maldição do sangue derramado. Em
seis semanas de um canhoneio devastador a cidade teve proporcionalmente mais mortos que
Londres nos piores bombardeios de Hitler.76 Jerusalém renovou naquela primavera de 1948, a
antiga maldição de sua história. Novamente chamou seus habitantes a derramar o sangue por ela.
Em junho de 1967, depois de 2000 anos, os judeus a fizeram sua capital novamente. Até aí,
Jerusalém havia sido destruída por mais de 40 vezes, desde sua existência.
A Bíblia judaica diz uma predição feita pelo profeta Zachariah que Jerusalém seria novamente
habitada por judeus depois do exílio: “Assim diz o Senhor: Voltarei para Sião (daí a expressão
sionismo) e habitarei no meio de Jerusalém...ainda nas praças de Jerusalém habitarão velhos e
velhas, levando cada um na sua mão um bordão, por causa de sua muita idade.
‘As praças da cidade se encherão de meninos e meninas que nelas brincarão.
‘Assim diz o Senhor dos Exércitos: Se isto for maravilhoso aos olhos do restante desse povo
naqueles dias, será maravilhoso também aos meus olhos?... Eu salvarei meu povo, tirando-o da
terra do Ocidente e da terra do Oriente. Eu os trarei, e habitarão no meio de Jerusalém; serão o
meu povo, e eu serei o seu Deus em verdade e justiça. (Zacarias 8:4,5,6,7,8).
Mas o mesmo Zacarias fala também do destino trágico da cidade: a luta por sua posse.
“Farei de Jerusalém um copo de tremor para todos os povos em redor e uma pedra pesada para
todos. Todos os que carregarem contra ela, contra ela serão despedaçados. E ajuntar-se-ão
contra ela todas as nações da terra. Naqueles dias porei os chefes de Judah (Israel) como uma
brasa ardente debaixo da lenha, e como um facho entre gavelas. À direita e à esquerda
consumirão todos os povos em redor, e Jerusalém será habitada outra vez no seu próprio lugar,
mesmo em Jerusalém... naqueles dias procurarei destruir todas as nações que vierem contra
Jerusalém” (Zachariah 12: 2,3,6,9).
Eis aqui o combustível mais inflamável que move judeus religiosos ultra radicais. É conhecendo
textos como esse que podemos perceber um pouco do comportamento e do extremo radicalismo
da ortodoxia religiosa judaica. Mesmo cristãos fundamentalistas protestantes, como os dos EUA,
conhecem esses textos e apóiam a causa judaica, acreditando que estão obedecendo as profecias
bíblicas. Mesmo presidentes como George Bush, acreditam nisso. Acreditam que Israel não deve
ser molestado, deve ser sempre apoiado porque é a “menina dos olhos” do Deus da Bíblia.
Essas passagens bíblicas calam fundo no seio das comunidades religiosas e fundamentalistas
judaicas e, talvez por esse motivo, a luta por Jerusalém não será nada fácil. Há também um
Salmo bíblico cantado pelos filhos exilados de Israel na antiguidade que esteve sempre presente
na memória da Diáspora judaica:
“Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém,
que se resseque a minha mão direita e
se me apegue a minha língua ao meu
palato se eu de ti me não lembrar,
se eu não eleger Jerusalém como
a minha maior alegria!”
(Salmo 137).
Talvez a internacionalização de Jerusalém seja a resposta, se Davi e Saladino não quiserem
dividi-la. Se um fanático judeu não tentar explodir o Domo da Rocha, o Estado binacional
também poderia ser a solução para que judeus e palestinos possam novamente coabitar juntos
como na época de Josué, quando israelitas e cananeus coabitaram juntos, mesmo que esse não
fosse seu propósito original. Como hoje também não é.
CONCLUSÃO

OS FILHOS DE ABRAÃO

A retirada foi dolorosa para os sionistas religiosos. Prometeram voltar. Não podiam acreditar que
alguém que os assentou ali e acreditava em seus preceitos religiosos, os estivesse removendo
dali. Ele fora eleito para não fazer isso. Talvez Sharon prenunciasse seu fim e quisesse expiar
seus pecados e reparar um pouco do mal que causara a tantas famílias palestinas destruídas.
Sharon é um dos arquitetos do Estado judeu e participou de todas as guerras contra os árabes.
Como Arafat, é odiado por uns e amado por outros. Mas Sharon fez o inesperado. Como tudo em
Israel é um paradoxo e cada dia é repleto de surpresas, o inusitado voltou a ocorrer.
Como escreveriam Bila Sorj e Guila Flint: “Em Israel não há pessoas comuns”. 77
No dia 21/09/2005 a linha divisória entre Gaza e Israel foi considerada fronteira internacional
por Israel. A partir desse momento todos os cidadãos israelenses e palestinos deveriam usar
passaporte para atravessar a fronteira. Palestinos que quiserem trabalhar em Israel terão que ter
uma autorização especial de Israel.
Em 27/09, Netanyahu tentou derrubar Sharon do posto de líder do Likud, mas foi derrotado por
voto apertado nas urnas. Em protesto contra a retirada de colonos de Gaza, Netanyahu pediu
demissão do cargo de Ministro das Finanças.
No dia seguinte Israel atacou Gaza em Tulkarem e Qalqilya ainda de madrugada e prendeu 82
palestinos, a maioria do Hamas e da Jihad Islâmica. Às operações seguiram-se a descoberta do
corpo do israelense Sasson Nuriel, que o Hamas admitiu ter assassinado. Já são 300 mil o
numero de presos dos dois grupos por Israel. Helicópteros israelenses dispararam foguetes contra
três alvos, deixando boa parte da cidade sem energia elétrica. (O Globo 28/09/2005 – Mundo).
Por causa de confrontos entre o Hamas e as forças de segurança palestinas, causando a morte de
várias pessoas, Ahmed Qorei renunciou ao cargo de primeiro-ministro em seis de outubro.
Policiais palestinos haviam invadido o Parlamento palestino exigindo ações contra o Hamas.
Em reação ao assassinato de três colonos israelenses, Israel suspende contatos com a ANP e
restringe o transito dos palestinos em 18/10.
Em 27/10, Israel sofreu o primeiro ataque terrorista de um homem-bomba no mercado de
Hadera, perpetrado por membros da Jihad Islâmica para vingar a morte de seu líder, Luay Saadi,
assassinado pelo exército israelense na Cisjordânia. A cena do ataque era dantesca, com pedaços
de corpos espalhados por todos os lados. (O Globo, 27/10/2005).
No dia seguinte, helicópteros israelenses retaliaram, nos moldes do clássico “olho por olho” da
lei mosaica, disparando mísseis contra um carro que trafegava pelo campo de refugiados na
Faixa de Gaza à noite, causando a morte de pelo menos sete pessoas, sendo dois supostos
militantes e cinco civis. Quinze pessoas ficaram feridas. Sharon cancelou a reunião com
Mahmoud Abbas, enquanto a ANP não adotasse medidas de segurança para conter as ações de
extremistas a alvos israelenses. (Tribuna do Paraná, 28/10/2005 – Planeta).
Em 22/11 Sharon deixa o Likud após 32 anos, para fundar um partido com ideologia voltada para
a esquerda. Israel estaria se cansando da truculência dos partidos de direita. No dia 25/11 foi
escolhido o nome do novo partido de Sharon: Kadima (Avante). O presidente do partido Shinui,
Yosef Lapid, disse que se soubesse da escolha antes teria advertido Sharon de que o nome lembra
o slogan do ditador fascista Benito Mussolini – Avanti.
Em 28/12 Israel cria uma zona de exclusão na Faixa de Gaza para impedir que palestinos lancem
foguetes em território israelense. Helicópteros e jatos israelenses dispararam foguetes contra,
pelo menos, nove alvos em Gaza. Desde que Israel desocupou Gaza, palestinos da região vêm
lançando foguetes contra áreas israelenses. O movimento de palestinos será restringido e Sharon
avisou que haveria uma dura reação aos ataques, incluindo execuções e bombardeios. Milhares
de foguetes seriam lançados para advertir os palestinos.
Numa demonstração de força, colonos israelenses estabeleceram 13 postos avançados na
Cisjordânia. (O Globo, 28/11/2005 - mundo).
Após a vitória inesperada do Hamas nas eleições palestinas em 27/01/2006, grupos rivais do
Hamas e do Fatah entram em choque no dia seguinte. Membros do Fatah saíram às ruas para
protestar contra a derrota. Foi um caos. Atearam fogo em carros em frente ao Parlamento e os
rivais trocaram tiros entre si. Membros das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, braço armado da
Fatah, ameaçaram matar membros que fizessem parte do governo. A Rádio do partido incentiva
a revolta: Em Gaza tocava a música chamada “Hoje é dia do ódio”. (O Globo, 28/01/2006).
Na Faixa de Gaza, o deputado Ahmed Abu Halbiya, do Hamas afirmou ao Jornal “al-Ayam” que
o novo Parlamento palestino – dominado pelo grupo radical – empreenderá uma islamização das
leis locais, sobretudo no que se refere a castigos por consumo de bebidas alcoólicas e por
adultério.
“Os deputados do movimento dão muita importância a uma revisão das leis atuais e à criação de
outras, principalmente penais, de acordo com os preceitos da Lei Islâmica (a Sharia)”, afirmou o
deputado, referindo-se à modificação de um projeto de Lei rejeitado no antigo Parlamento que
impunha castigos a pessoas que beberem, tiverem relações sexuais fora do casamento, roubarem
e matarem. (O Globo, 15/03/2006).
Como se vê aqui, as análises de Huntington com relação à ascensão dos partidos religiosos pela
via democrática é uma realidade hoje. Ironicamente, eles usam a democracia para se elegerem e
acabar com os direitos civis e a liberdade. Conseguem essa força para se eleger através de ajuda
assistencial nas áreas de saúde, educação, financeira e calor fraternal. Tudo o que o Estado lhes
nega. Essa ascensão também se dá em Israel entre as camadas sociais mais pobres como os
sefaradi e outros.
Arnaldo Jabor disse que essa é uma das “ironias divinas”. Quando tudo parece estar indo bem no
Oriente Médio, as coisas começam a desabar e caminhar para uma tragédia.
No dia 15/03/2006, Israel invadiu a Penitenciária de Jericó e levou preso o líder da FPLP, Ahmed
Saadat, antes que esse fosse solto por políticos do Hamas. Ele é acusado de ter mandado matar o
Ministro do Turismo de Israel, Rehavam Zeevi. A ação causou protestos de palestinos e deixou
os territórios em polvorosa. Militantes reagiram e sequestraram estrangeiros.
No mesmo dia, Ehud Olmert afirmou que não entregará as colônias grandes da Cisjordânia. O
Premier fez a declaração ao visitar o assentamento de Ariel a 60 Km de Jerusalém – Quero ser
claro a esse respeito: o bloco de Ariel (tinha que ser esse nome!) será uma parte inseparável de
Israel sob qualquer circunstância. Se houver comunidades em locais onde não possam
permanecer, elas serão levadas a lugares como este e receberão todo o apoio necessário.
Olmert já anunciou que planeja realizar a retirada unilateral de Israel do território até 2010 se não
houver um acordo de paz com os palestinos até lá. Ele disse que também pretende concluir o
muro entre Israel e a Jordânia até o final do ano. (O Globo, 15/03/2006).
No dia 30/03 uma judia brasileira, Helen Levy, é assassinada por um homem bomba em Israel no
assentamento de Qedumim. O homem usava trajes de judeu ortodoxo e pediu carona, matando
ela e o marido.
Em 11/04 a UE suspende a ajuda à ANP, que sofre também um novo golpe diplomático com o
fechamento do escritório israelense de coordenação em Jericó, além da redução de contatos com
Israel e a UE. Isso se deu devido à recusa do Hamas em reconhecer Israel. Ehud Olmert decidiu
suspender todas as relações oficiais e semi-oficiais com a ANP, exceto as relacionadas ao
abastecimento da população e dos centros médicos. O governo palestino disse que a decisão
corresponde a “uma declaração de guerra”.
Por sua vez, a UE também aumentou a pressão para que o Hamas reconheça Israel, abandone a
violência como meio de luta e aceite os acordos de paz.
A UE tem sido a principal doadora da ANP, com cerca de US$600 milhões por ano (O Globo,
11/04/2006).

Em 1995 Bassam Tibi recebeu o prémio alemão Bundesverdienstkreuz e em 1997 foi votado
homem do ano pelo "Instituto biográfico americano". Bassam Tibi recebeu em 2003, juntamente
com o professor judeu Michael Wolffsohn o prêmio anual "Stiftung für Abendländische
Besinnung" (Fundação a reflexão ocidental) (Zurique).

No seu último livro, "Der neue Totalitarismus -Heiliger Krieg und westliche Sicherheit", (o novo
totalitarismo - Guerra Santa e segurança ocidental), editado em alemão em 2004, Bassam Tibi
defende que o Islamismo é o novo totalitarismo. Hannah Arendt tinha cunhado a referência a
dois totalitarismos: o comunismo de caracter estalinista e o fascismo Nazi. Para Tibi, o
islamismo é o terceiro totalitarismo.

Eis aqui algumas opiniões que respondem por que não houve tanta
euforia pela tão esperada Independência de Gaza:

Existem Movimentos Pacifistas em Israel e no Mundo Árabe


por KAMAL DIB - Daily Star - Beirute, 29/08/2005
- traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA/BR-

Imediatamente após a conclusão da retirada israelense de Gaza, líderes e observadores no mundo,


incluindo o presidente George W. Bush, expressaram esperança de que tal passo iria reviver
conversações de paz entre Israel e os palestinos. Mas, olhando para trás e focando todo o Oriente
Médio, vê-se que o processo de paz carece de uma importante conexão.
Paz no lugar de Pax?
Por décadas, muitos israelenses acreditaram que a superioridade militar sobre os árabes iria trazer a
paz. Procurar a paz pela mira de uma arma é o delírio de uma Pax Hebraica, isto é, uma ilusão de
alguma tranqüilidade a expensas de prosperidade e segurança a longo-prazo. A malfadada invasão
israelense do Líbano levou a tragédias: a manutenção do território hostil por 22 anos causou a morte de
23.000 libaneses e a destruição física da infra-estrutura do Líbano.
Mil soldados israelenses morreram no Líbano, e Israel se retirou em maio de 2000 sem conseguir paz.
Israel usou uma política de punhos de ferro contra as revoltas palestinas, que eram genuínas expressões
do longo sofrimento de um povo sob ocupação. A contundente vitória israelense em junho de 1967 levou
a um ressentimento das populações no lado árabe e criaram uma enorme barreira psicológica, que só
pode ser removida por esforços concertados das sociedades civis árabes e israelense.
O Movimento Israelense pela Paz
A sociedade civil israelense abriga um antigo e grande grupo pacifista que não encontra equivalente em
Damasco, Beirute, Cairo ou Bagdá.
O Movimento PAZ AGORA se iniciou em 1978, quando um grupo de 348 oficiais de reserva e soldados
publicaram uma carta ao primeiro-ministro Menachem Begin instando-o a trabalhar pela paz: 'Um
governo que prefira a existência do Estado de Israel dentro das fronteiras da Grande Israel à sua
existência em paz e boa vizinhança com seus vizinhos nos será difícil de aceitar; um governo que prefira
a existência de assentamentos além da Linha Verde a terminar o conflito histórico e normalizar os
relacionamentos na nossa região, evoca questões com respeito ao caminho que estamos tomando. Um
governo que causa uma continuação do controle sobre milhões de árabes irá ferir o caráter
judeu-democrático do Estado'.
O PAZ AGORA acredita que 'a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel, nos territórios
ocupados na guerra de 1967 é a única solução viável para o conflito'. Ele liderou manifestações em
massa em apoio à solução de Dois Estados e pressionou todos os Partidos no poder em Israel a iniciar
passos para trazer um fim da ocupação e negociar a paz. O movimento opera através de campanhas
públicas, anúncios, petições, distribuição de material educativo, conferências e palestras, pesquisas de
opinião, grupos de diálogo, atividades na rua, vigílias e manifestações. Ele organizou a maior
manifestação já feita em Israel, com cerca de 400.000 pessoas protestando contra o massacre de civis
palestinos em Sabra e Shatila durante a ocupação israelense do Líbano em 1982.
O grupo lançou a Equipe de Monitoramento de Assentamentos, que acompanha – com protestos - a
construção de assentamentos, incluindo licitações de construção, expropriação de terras, alocações
orçamentários, além de pesquisas de atitudes de colonos com relação à possível evacuação (e
compensação) da Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Dados e mapas credíveis e confiáveis que produziu
levaram a uma consciência do público sobre o terrível preço dos assentamentos, que são obstáculos à
paz.
Outros israelenses que trabalham pela paz incluem Amira Hass, jornalista do Haaretz que faz crônicas
sobre a sina dos palestinos em Cisjordânia e Gaza, e Yossi Beilin, líder do Partido Yachad, que trata a
paz como trabalho em período integral, e que co-assinou com o presidente da Autoridade Palestina,
Mahmoud Abbas1[1], o Documento de Genebra uma proposta de paz conjunta israelense-palestina.
O Movimento Árabe pela Paz
Há muitos árabes que desejam a paz com Israel ou trabalham por ela. Em contraste com o movimento
pacifista israelense, que pode exibir gestos de paz a partir de uma posição de força (como lado
vitorioso), os pacifistas árabes enfrentam uma repressão mais dura dentro de suas comunidades. Eles
precisam justificar seus esforços de aproximação com israelenses para um público árabe raivoso, que
observa as terríveis realidades da ocupação israelense de terras palestinas, a história da invasão e
ocupação israelense do Sul do Líbano e das Colinas de Golan, e o tratamento diferenciado dos árabes
israelenses.
Embora a maioria dos árabes desejem paz com Israel, eles são céticos quanto à capacidade da
sociedade civil (que enxergam meramente como 'judeus e árabes conversando') de impedir que Israel
bombardeie e mate cidadãos árabes.
Num almoço que tive, numa visita a Beirute, com amigos libaneses que são economistas bem-sucedidos
e têm visões moderadas, uma professora de uma grande universidade do Líbano nos disse que tentou
chocar seus alunos convidando-os a trabalhar pela paz no Oriente Médio, explicando que paz e
segurança são importantes para o Líbano.
Árabes que desejam se engajar em questões pacifistas e realizam estudos relativos à paz encontram
reações negativas, pois a questão da paz com Israel é quase um monopólio do Estado na maior parte
dos países árabes. Sair da linha oficial pode ser uma porta para o isolamento e simples sinais de
normalização – chamada tat'beeh – como participação em concursos de beleza ou jogos esportivos que
incluam israelenses – são rotulados como contactos com o inimigo. Não é costumeiro para cidadãos
privados árabes iniciar passos promovendo diálogo (o que contradiz a linha oficial árabe de que 'paz é
um objetivo estratégico'), porque isto enfraqueceria as posições de negociação dos governos.
Árabes que promovem publicamente a paz e o diálogo são levados ao ostracismo pelos linhas duras, e
as experiências de Adonis, Edward Said, Ali Salem, e muitos outros ilustram as dificuldades. As
conquistas de Edward Said e Adonis são celebradas como grandes contribuições à cultura árabe.
Porém, suas visões políticas são impopulares e encontram fortes críticas. Said, um professor
palestino-americano, nunca deixou de instar pela paz e para que os palestinos se engajassem a
israelenses de mente aberta, e na resistência pacífica à ocupação.
Adonis, sírio e personalidade de primeira linha na literatura árabe, fez declarações em apoio à paz e
convidou pessoas para um diálogo moderno afastado do fanatismo religioso. Mas uma avalanche de
artigos regularmente insulta ambos os homens como derrotistas irrealistas.
Ali Salem, autor egípcio, foi expulso da União Egípcia de Escritores em 2001. Conforme a declaração da
União, Salem 'tinha visitado Israel várias vezes e escreveu vários artigos apoiando a normalização, o que
contradiz a posição geral dos membros da União e as resoluções da Assembléia Geral em diversas
sessões'.
Mas também existe o lado promissor. As visões políticas desses intelectuais árabes que procuram uma
paz justa através do diálogo podem não ser populares junto aos linha-duras, mas os escritos e atividades
estão abrindo caminhos em círculos árabes. Seus artigos aparecem em publicações pan-árabes, e
Adonis e Salem escrevem regularmente no Al-Hayat. O relato de Salem sobre suas viagens a Israel
vendeu 60.000 exemplares, uma raridade nas edições árabes, revelando que os leitores árabes são
curiosos sobre Israel. Adonis é recebido como celebridade em capitais árabes. Canais árabes de TV e
publicações diárias e semanais entrevistam regularmente autoridades e comentaristas israelenses.

ENFIM LIVRES!

A Retirada de Gaza é a Primeira Batalha da Guerra pela Identidade de Israel

por AMÓS OZ - Ynet News - 21/08/2005

- traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA/BR

A evacuação dos assentamentos da Faixa de Gaza é não apenas uma luta sobre a questão do futuro
dos territórios. Em seu cerne, a saída é a primeira grande batalha na questão entre Religião e Estado.
O primeiro estágio é a 'Grande Terra de Israel', preenchida de ponta a ponta com cidades só para judeus.
Certo, trabalhadores palestinos e tailandeses podem entrar para fazer o serviço pesado, mas não mais
que isso.
O segundo estágio é transformar Israel num Estado haláchico – um país regido pela lei religiosa judaica.
Eleições, o parlamento, o governo e suas cortes podem continuar a funcionar, mas os rabinos dos
colonos decidirão exatamente quais questões serão apropriadas para serem decididas por esses órgãos,
e quais os temas são “sagrados” e importantes demais para serem deixados para a população e seus
representantes eleitos.
No mundo com que sonham, não há lugar para o Israel secular: sua cultura não é cultura, seus valores
não são valores, suas opiniões não são opiniões.
Aos olhos dos colonos, somos todos crianças pobres e abandonadas que nunca tivemos a chance de ter
uma educação judaica. Em seu sonho, nossa tarefa é nos tornar religiosos e nos juntar a eles, ou pelo
menos não ficar no seu caminho enquanto trazem o Messias.
Um Povo Livre em Sua Própria Terra
Mas nós, israelenses não-religiosos também temos um sonho. Queremos viver num país iluminado,
aberto e justo, não em alguma monarquia rabínica messiânica, e não em toda a Terra de Israel. Viemos
aqui para ser um povo livre em nossa própria terra.
Ser um povo livre significa que cada pessoa tem o direito de escolher quais partes da tradição judaica lhe
são importantes, e o que deixar para trás. Significa ter a liberdade de governar nosso país de acordo
com a nossa livre vontade, e não pelos ditames rabínicos.
Por mais de 30 anos, o sonho dos colonos se chocou com o sonho dos israelenses livres. O sonho de
toda a Terra de Israel e do reinado messiânico suga diariamente a esperança de sermos um povo livre
para construir uma sociedade justa.
Sonhos Ruindo
Mas por causa disto, posso entender a dor e o desespero dos colonos quando estes assistem seu sonho
ruir diante de seus olhos.
Olho nos olhos deles, e enxergo um desespero verdadeiro e uma dor real, e sem a menor alegria, eu
posso dizer: A dor que vocês estão passando hoje é muito parecida com a dor a que vocês submeteram
aos amigos livres de Israel por mais de 30 anos.
Eu respeitarei seu luto, mantendo-me em silêncio, mas não posso partilhar de seu pesar.
Tudo o que Conseguimos
Mas Israel, com todas as suas falhas, é tudo o que temos. Um pouco menos de “amor fraternal”, um
pouco mais de responsabilidade pelos menos afortunados que nós, um pouco menos de santidade, um
pouco mais de justiça. Um pouco menos de toda a Terra de Israel, um pouco mais de plenitude dento de
si.
Proteger Nossa Fronteira Mais Vital
O jovem menino-soldado, agredido, humilhado, o policial esbofeteado na cara, neste momento são os
bravos defensores do Estado de Israel contra a onda desgovernada de fanatismo.
A jovem menina-soldada, seu colo molhado de lágrimas, sem ter nem 19 anos, já leva em seus ombros a
carga da esperança de dois mil anos de sermos uma nação livre em nosso país.Não na Gaza Palestina,
mas sim em nosso país.
Com assertividade e coragem silenciosa, mas também com constrição, sabedoria e compaixão, esta
soldada está hoje protegendo nossa fronteira mais vital - a fronteira entre o que é permitido e o que não
é.
Esta é a fronteira sem a qual não teremos nenhum Estado e sem a qual não existe liberdade, nem
sociedade, nada a não ser o cego fanatismo, o extremismo histérico-messiânico e a destruição completa
- um estado de coisas que o povo judeu já conheceu mais de uma vez no passado.

Fiz uma resenha para o curso de Pós-graduação da UFF em História Contemporânea sobre um
módulo lecionado pelo professor Dr. Bernardo Kocher atinente à obra intitulada
“Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva global”. Mas a resenha é sobre o
capítulo sete escrito por Peter Dermant com o título: “Identidades israelenses e palestinas:
questões ideológicas”. Transcrevo a seguir a conclusão da resenha, uma reflexão para o
problema:
Estas divagações também fazem parte da visão de Shimom Peres sobre um “Novo
Oriente Médio” em seu livro “The New Middle East” (1995). Aqui são sugeridas “soluções mais
integrativas tais como (con)federações regionais, Estado binacional, cooperação regional na
construção de um Mercado Comum Médio-Oriental, etc.”
Mesmo se Israel tornar-se o Estado de todos os seus cidadãos, e não apenas um Estado
judeu, é improvável que seja capaz de controlar suas tendências centrífugas na ausência de
coerções externas. “A contradição entre uma orientação judaico-teocrática e uma
secular-democrática, será exacerbada. Nessas circunstâncias os setores mais modernos terão
vantagens, já que são maioria, e serão fortalecidos pela nova abertura do país a influências
regionais e globais, e a orientação fundamentalista pode se ver enfraquecida”, constata, com
propriedade, o autor.
Por outro lado, palestinos podem “optar por uma maior ênfase nos valores muçulmanos
e/ou um mais estreito alinhamento com o mundo árabe. É, porem pouco provável que
acontecimentos em Israel não exerçam uma forte atração. Mesmo uma limitada transformação
de Israel para mais longe do sionismo já terá importantes efeitos no vizinho palestino. Se a
resposta palestina será por emulação, dissolvendo suas próprias fronteiras comunitárias, ou por
rejeição e maior particularização, isso dependerá da dimensão da cooperação ou separação que
ambas as nações conseguirem como resultado da paz”.
É óbvio que a natureza centrífuga de Israel e a dependência de muitos palestinos e árabes
israelenses para com a florescente sociedade científico-técnica israelense, estimula em muitos
cientistas políticos o pensamento de que, eventualmente, a sociedade palestina possa sofrer um
processo de simbiose com a sociedade israelense na busca de emprego, bem-estar social e
cidadania mais digna.
Mas, Dermant encerra alertando que “A reaproximação cultural israelense-palestina,
hoje uma miragem distante, se tornará uma opção apenas quando a identificação nacional de
ambas se tornar menos fanática e menos exclusiva, e quando, no coração de ambos os povos a
opção democrática obtiver uma vitória decisiva sobre o fundamentalismo religioso.
Para muitos palestinos e árabes de outras nações fundamentalistas, Israel hoje é
comparado aos cruzados quando estes invadiram a Palestina. Observando a retirada de Gaza
recentemente pelas tropas e os colonos de Israel e a euforia de palestinos em reaver sua terra,
podemos pensar nas palavras de um cronista árabe chamado Abul-Fida, que presenciou a
expulsão dos cruzados por Saladino: “Queira Deus (Inch-Allah!) que eles nunca mais coloquem
os pés aqui”. 78
A seguir, transcrevo um desabafo feito por um cidadão israelense em carta aberta ao
mundo:
“Não sou um ser de outro planeta, como vocês parecem crer. Sou um habitante
de Jerusalém, uma pessoa de carne e sangue, como vocês também. Sou um membro da
minha cidade, uma parte integrante do meu povo.
‘Em meu peito pesam alguns assuntos, dos quais preciso ficar livre. Por não ser
um diplomata, não necessito medir minhas palavras. Não preciso medir minhas
palavras. Não preciso agradá-los, nem persuadi-los. Não lhes devo nada. Vocês não
construíram esta cidade, vocês não moram aqui, vocês não a defenderam quando
chegaram os inimigos para destruí-la. E nós estaremos perdidos se permitirmos a
vocês tirá-la de nós.
‘Muito antes de existir Nova York, havia Jerusalém. Num tempo quando Berlim,
Moscou, Londres e Paris eram regiões de matas e pântanos infestados, aqui havia uma
florescente comunidade judaica. Ela deu ao mundo aquilo que vocês nas nações, desde
que se firmaram nesse mundo, rejeitam – ou seja, um código humano moral.
‘Por aqui andaram os profetas, cujas palavras iluminaram a terra como
relâmpagos. Aqui vivia um povo que nada mais queria do que viver em paz, que lutava
contra ondas de atacantes gentios, um povo que se esvaiu em sangue e morreu nos
campos de batalha, que se lançou nas chamas de seu templo incendiado ao invés de
render-se, e quando finalmente foi vencido numericamente e levado ao cativeiro,
jurou: ‘Que nossa língua se apegue ao paladar e se resseque nossa mão direita, se
esquecermos Jerusalém!’
‘Durante dois milênios repletos de aflições, enquanto fomos seus hóspedes
indesejados, oramos diariamente pelo retorno a esta cidade. Três vezes ao dia
apresentamos nossas petições ao Altíssimo: ‘Reúne-nos dos quatro cantos da terra,
leva-nos à nossa terra, volta em graça para Jerusalém, para a cidade, e habita nela,
como o prometeste’.
‘Em cada grande Dia do Perdão e em cada festa de ‘pessach’, levantamos
insistentemente nossa voz, na esperança de nos encontrarmos no próximo ano em
Jerusalém. Os julgamentos como hereges, pogroms e expulsões que sofremos de vocês,
os guetos em que nos encurralaram, os batismos à força, os sistemas de quotas, seu
anti-semitismo sutil, e finalmente o indescritível domínio de terror, o Holocausto (e o
que é ainda mais horrível – seu terrível desinteresse) – tudo isso não nos fez sucumbir.
Talvez isso tenha acabado com o resto da sua força moral, mas a nós forjou como aço.
Vocês pensam que podem abater-nos, depois que tivemos de passar por tudo isso?
Vocês pensam realmente, que após Dachau e Auschwitz, somos amedrontados pelas
suas ameaças, bloqueios e outras medidas? Estivemos no inferno - e voltamos – um
inferno que vocês nos prepararam. O que mais vocês teriam em seus arsenais, que nos
poderia atemorizar?
‘Vi a cidade duas vezes sob o bombardeio das nações, nações que a si mesmas
declararam ‘civilizadas’. Em 1948, enquanto vocês assistiam inativos, eu vi mulheres e
crianças sendo despedaçadas. Isso, depois de termos concordado com seu desejo de
‘internacionalizar’ a cidade. Foi uma aliança mortífera que executou essa tarefa:
oficiais britânicos, artilheiros árabes, com canhões americanos. E em seguida, o
selvagem saque e a destruição da cidade velha: a trucidação proposital, a destruição
consciente de cada sinagoga e escola religiosa, a profanação de cemitérios judeus, as
vendas das lápides por um governo diabólico, como material de edificação para
granjas avícolas, depósitos militares e até de instalações sanitárias públicas.
‘E vocês nunca disseram uma palavra sobre isso!
‘Vocês não deixaram ouvir o mínimo protesto quando os jordanianos cercaram
o mais sagrado de nossos lugares santos, o Muro das Lamentações, desrespeitando as
promessas que haviam feito após a guerra, uma guerra que realizaram apesar da
decisão favorável da ONU pela partilha. Não se ouviu uma palavra de vocês, quando
os mercenários, de suas posições de abrigo atrás dos muros, abriram fogo contra
nossos cidadãos.
‘Os seus corações sangraram quando Berlim foi bloqueada. Vocês
apressaram-se a auxiliar os ‘corajosos berlinenses’ com uma ponte aérea, mas não
enviaram um grama de alimentos para a Jerusalém cercada e esfomeada.
‘Vocês gritaram contra a construção do muro que os alemães orientais fizeram
no meio de Berlim, mas não se ouviu um pio de vocês por causa do outro muro, que
dividiu o coração de Jerusalém.
‘E quando 20 anos depois se repetiu o mesmo e os árabes realizaram um
bombardeio selvagem e não provocado sobre a Cidade Santa, alguém de vocês tomou
alguma providência? Somente depois que a cidade estava definitivamente unificada,
vocês despertaram. Então torceram as mãos e disseram palavras empoladas sobre
‘justiça’ e sobre ética ‘cristã’, principalmente sobre oferecer a outra face!
‘A verdade é – e vocês a conhecem bem em seu íntimo – que vocês gostariam
muito mais de ver a cidade destruída do que sabê-la nas mãos dos judeus. Por mais
diplomáticas que sejam as frases, os antigos preconceitos se revelam em cada palavra.
‘Caso o retorno da cidade tenha causado nós de dificuldade em sua teologia,
então estaria em tempo de verificar seus catecismos. Depois daquilo que passamos,
não nos submeteremos passivamente às idéias extravagantes de vocês, de acordo com
as quais temos que nos sujeitarmos eternamente a ficar sem pátria até que nos
tornemos cristãos como vocês.
‘Pela primeira vez desde o ano 70 d.C. há liberdade religiosa em toda a
Jerusalém. Pela primeira vez desde que os romanos lançaram suas tochas
incendiárias contra o templo, há direitos iguais para todos (mas vocês preferiram ter
direitos um pouco melhores que os outros). Nós detestamos a espada – mas vocês nos
obrigaram a tomá-la na mão. Ansiamos pela paz – mas não voltaremos à paz de 1948,
como vocês exigem de nós.
‘Finalmente estamos em casa. Essa é uma maravilhosa certeza para nós como
nação, que fomos obrigados por vocês a peregrinar por toda a face da terra. Não
sairemos. Resgatamos o penhor dos nossos antepassados: Jerusalém é edificada. ‘No
próximo ano’ e no próximo ano e no próximo ano e até ao final dos tempos – ‘em
Jerusalém’!
Eliezer Ben Yisrael” 79

Uma última palavra:

Os rumos da política internacional parecem apontar para um confronto ideológico num


futuro muito próximo entre Maomé (O Islã), Moisés (O Judaísmo) e a ressurreição de
um projeto antigo da política ocidental (Jesus) de internacionalizar Jerusalém, como
“território neutro” e indisputável por quem quer que seja.
O fantasma das Cruzadas está sempre rondando aquela estreita faixa de terra, por mais
que alguns ideólogos das Relações Internacionais procurem evitar comparações.
Paradoxalmente, o termo Cruzada, está hoje mais em voga do que nunca depois do fim
desta há oitocentos anos.
Os filhos de Abraão se preparam ainda para o seu Armagedom, talvez o seu último e
definitivo choque civilizacional.
As brumas ainda estão sobre Jerusalém. O pior pode estar, ainda, por vir: a batalha pela
Cisjordânia e finalmente... por Jerusalém.
NOTAS

1. Paul Johnson, História dos Judeus (Rio de Janeiro: Imago, 1987), pp. 309-310.
2. Ibid., 380.
3. Ibid., 363. in Amos Elon, Herzl, Londres, 1976.
4. Ibid., 392.
5. Ibid., 393-394. in Leon Pinsker, 1996.
6. Ibid., 395.
7. Ibid., 398.
8. Abba Eban, A História do Povo de Israel (Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1968). p. 276.
9. Ibid., 175.
10. Karen Armstrong, Em Nome de Deus (São Paulo: Companhia Das Letras, 2000), p. 32.
11. Ellen Hirsh, Realidades de Israel (Jerusalém, Israel: Hamakor Press, 1997), p. 22.
12. Ibid.
13. Revista História Viva, nº 26, 2005, p.42.
14. Ellen Hirsh, Realidades de Israel (Jerusalém, Israel: Hamakor Press, 1997), p. 20; Amim
Maalouf, As Cruzadas Vistas Pelos Árabes (São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994), p.12.
15. James Michener, A Fonte de Israel (Rio de Janeiro: Record, 1965, p.822; Edward Said,
Verdade e Reconciliação(in Al-Ahram, 1999), p.11.
16. James Michener, Ibid.
17. Edward Said, op. cit.., p. 17.
18. Mahdi Abdul Hagi, História de Jerusalém (Biblioteca Rubayat – Internet, 2006), p. 2.
19. Primeiro Livro de Crônicas 11:4. Bíblia de Estudos Thompson. (São Paulo: Ed. Vida,
1992).
20. Mahdi, op. cit.., p. 10.
21. Ibid.
22. Bereshit 16 e 21. (O Gênesis da Bíblia Hebraica).
23. Mahdi, op. cit., p.13.
24. Ibid., p.14.
25. Visão Judaica on-line, 2006. p. 2.
26. Ibid., p. 3.
27. Ibid., p. 4.
28. Ibid.
29. Ibid., p. 7.
30. H. Z. Hirschberg, A History of the Jews in North África (Leiden, Holanda, 1974).
31. Livro de Orações Diárias, Ha- Sidur Ha-Shalem (New York, 1972), pp. 456-457.
32. André Chouraqui, Between East and West: A History of the Jews of North A- frica
(Philadelphia. PA, 1968), p. 39.
33. Ibid., p. 51.
34. Amim Maalouf, op. cit.
35. Abba Eban, op. cit. p. 135.
36. Isaac Izecksohn, História dos Judeus (Rio de Janeiro: Cia. Gráfica Lux, 1973), p. 129.
37. Ibid.
38. Ibid., p. 131.
39. Abba Eban, op. cit., p. 122-123.
40. Ibid., p. 123.
41. Ibid., p. 132.
42. Paul Johnson, op. cit. p. 170.
43. Armstrong, op. cit. p. 65-71.
44. David Lamb, The Arabs: Journey Beyond a Mirage (Vintage Books, 1988) p.287; David
Reed, The Holy War Between Iran and Iraq (Reader’s Digest, agosto de 1984) p. 389.
45. Citado na autoridade de Ibn ‘Abbas em Sahih of al Bukhari (Parte 9), p. 19. Atestado por
vários eruditos islâmicos.
46. Manfred R. Lehmann (Porto Alegre:in Notícias de Israel, Associação Beth Shalom, nº 5,
2001), p. 15.
47. Noticias de Israel, (Porto Alegre: Associação Beth Shalom, 2002), p. 30.
48. Ibid., p. 13.
49. Bíblia de Estudos Thompson (São Paulo: Ed. Vida, 1992), Suplemento Arqueológico, p.
1543.
50. Notícias de Israel, (Porto Alegre: Associação Beth Shalom, 2001, nº 12), p. 17.
51. Abraão de Almeida, Israel , Gogue e o Anticristo (Rio de Janeiro, CPAD: 1982), p. 40.
52. Notícias de Israel, nº 12, 2001, p.17.
53. Samuel Huntington, O Choque de Civilizações (Rio de Janeiro: Objetiva, 1996), p. 324.
54. José Arbex, Terror e Esperança na Palestina (São Paulo: Ed. Casa Amarela, 2002), p.
92-93.
55. Armstrong, op. cit., p. 406.
56. Ibid., p. 336.
57. Ibid., 2000.
58. Ibid., 406.
59. Ibid., p. 294-297.
60. Ibid., p. 13.
61. Ibid., p. 406.
62. Ury Paz, Guerra Relâmpago ( V.G.T. Ltda.), p. 101.
63. Huntington, op. cit. p. 335.
64. Ibid., p. 317.
65. Ibid., p. 33.
66. Johnson, op. cit., p. 523.
67. Ibid., p. 522.
68. Ibid.
69. Ibid.
70. Dominique Lapierre e Larry Collins, Ó Jerusalem (São Paulo: Círculo do Livro, 1971), p.
26.
71. Eban, op. cit., p. 378.
72. Johnson, op. cit., p. 522.
73. Hechos de Israel, (Jerusalém: Divisão de Informações, Ministério de Relações
Exteriores), p. 49.
74. Ury Paz,op.cit.
75. Bernardo Kocher, Jornal do Brasil, O começo da Paz?, Internacional, p. A13,
14/08/2005.
76. Dominique Lapierre, op. cit., p. 193.
77. Guila Flint e Bila Grin Sorj, Israel – Terra em Transe (Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000), p. 9.
78. Amim Maalouf, As Cruzadas Vistas Pelos Árabes (Brasília: Ed. Brasiliense, 1983).
79. Wim Malgo, Não é possível Contornar Jerusalém (Carta de Eliezer Ben Yisrael, Porto
Alegre: Associação Beth Shalom), p. 5-11.

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