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A AMPLITUDE CULTURAL NO BRASIL E UM DE SEUS LADOS NEGATIVOS: O

ENRAIZAMENTO DO MACHISMO E AS CONSEQUÊNCIAS PRESENTES NO


COTIDIANO DAS MULHERES1
GRIGOLIN, Gabrieli Donda2

Introdução
O presente artigo tem como objetivo trabalhar as consequências do machismo como
um fator cultural de grande influência no cotidiano de suas principais vítimas, sendo este um
traço naturalizado historicamente não só em nossa sociedade como em muitas outras, que
possui forte influência negativa na vida de mais de metade da população, que somos nós, as
mulheres.
Esse fator de formação cultural é encontrado e notado com facilidade em suas mais
diversas formas de opressão entre os sexos, o machismo em nossa sociedade e suas
“consequências” são tão relevantes que influenciam e afetam o cotidiano da mulher, seja
direta ou indiretamente. Passaremos então, a partir disso, a utilizarmos a história da longa
busca por direitos iguais para as mulheres em relação aos homens para demonstrar o quanto
este fator é foi e é um influenciador da forma mais negativa possível, trazendo assim, para o
nosso campo de visão a discussão a cerca de alguns pontos importantes do movimento
feminista sobre o decorrer da história do próprio movimento, e a luta frequente contra o
assédio moral e físico aos quais as mulheres estão sujeitas a sofrer diariamente.

Levando em conta ciências sociais, as mulheres foram durante grande parte da história
pertencentes a chamada “margem”3, sempre encontradas a sombra de sua família, seja o pai
ou marido, mesmo que essas se encontrassem na alta sociedade. Hoje, encontramos a
necessidade de saber onde se encontrava a mulher no decorrer da história, precisamos tira-la
do papel de coautora como sempre foi colocada pela historiografia ou até mesmo como uma
personagem de segundo plano, quando na verdade a ela pertencia o protagonismo principal da
história. A margem sempre foi e ainda é composta em suma de trabalhadores pobres e
batalhadores que lutam por seus direitos perante a sociedade, e para as mulheres, como nos
diz Sarti (1988), por mais que fossem e sejam “privilegiadas” por sua classe social em

1
Artigo produzido como exigência da disciplina Cultura Brasileira, ministrada pela Prof. Mestra Marciana
Santiago, Curso de História, Campus de Três Lagoas, Universidade Federal do Mato grosso do Sul.
2
Acadêmica do 5º Semestre do Curso de História, Campus de Três Lagoas, UFMS.
3
Teoria de Robert Slenes (p. 9. 2009) que trabalha o seguinte: as pessoas pertencentes às margens passaram a
contar a história da sociedade a partir do seu ponto de vista, que por ser mais afastado em comparação ao
restante, possui a possibilidade de ser mais abrangente e detalhista ao dissertar sobre.
1
comparação as mulheres de outras classes, a elas ainda cabe lutar pelo direito de todas serem
quem realmente são e pela igualdade.

A formação da “cultura brasileira”

Nosso país possui uma base cultural extremamente ampla e diversificada, isso se deve
a como fomos "descobertos" e povoados por nossos colonizadores. Por sermos um país tão
grande, o Brasil foi campo de disputas territoriais que tinham o objetivo de exploração de
terras e busca por minerais, e posteriormente com a escravidão e as grandes imigrações
internacionais que ocorreram em massa e que buscavam oportunidades melhores de vida,
fomos nos tornando assim uma população composta por culturas diferentes que passavam a se
misturar, nos definindo então como um local de cultura plural, de fatores culturais
pertencentes não só a nossos ancestrais indígenas como também a de vários outros locais do
mundo, como influências culturais japonesas, americanas, portuguesas, europeias e assim por
diante, com todas as linhas culturais do mundo de pessoas que vieram para cá. Como nos diz
Moreira (2008),

Na América Latina e, particularmente, no Brasil a questão


multicultural apresenta uma configuração própria. Nosso continente é
um continente construído com uma base multicultural muito forte,
onde as relações interétnicas têm sido uma constante através de toda
sua história, uma história dolorosa e trágica principalmente no que diz
respeito aos grupos indígenas e afrodescendentes. (MOREIRA, 2008,
p. 17)

Como nos diz Roberto da Matta em O que é Brasil?, a sociedade é formada pela
divisão entre grupos sociais, os quais são compostos por diversas pessoas, e essas pessoas
podem pertencer a mais de um grupo, como por exemplo: o meio social de trabalho, o meio
social de diversão, o meio social formado pela família, e assim por diante. Dentro de seus
respectivos grupos, são formadas então as relações sociais, as rotinas, as festas, o trabalho, e
os padrões que no fim acabam por estabelecerem quem somos, nossas memórias, nosso
comportamento em sociedade e principalmente nossa cultura. Uma das definições que
podemos dar para cultura segundo Burke (2005) é

O termo cultura costumava se referir às artes e às ciências. Depois, foi


empregado para descrever seus equivalentes populares — música
folclórica, medicina popular e assim por diante. Na última geração, a
palavra passou a se referir a uma ampla gama de artefatos (imagens,
ferramentas, casas e assim por diante) e práticas (conversar, ler,
jogar). (BURKE, 2005, p. 28)

2
Como já foi dito, nosso país não possui uma cultura especifica, os aspectos culturais
brasileiros foram construídos a partir da mistura e da influência de muitos outros países, que
algumas vezes possuíam imigrantes aqui, e que em outras nossa sociedade quis se “inspirar”.
Além desses fatores é válido destacar que, mesmo construído através da mistura cultural, cada
local e classe social possui uma cultura diferente, a formação cultural de cada grupo não
funciona de maneira homogênea, não se aplica da mesma maneira em todos os cantos, cada
qual possui suas preferencias, como na musica, e seus gostos particulares, como nas diferentes
vertentes e gêneros de arte. A partir disso, cabe ainda acrescentar que a cultura não funciona
de maneira estática, a cultura funciona de maneira dinâmica, sempre recebendo e
compartilhando influencias com outras, como nos diz Laraia (2007)

(...) cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender


esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as
gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma
forma que é fundamental para a humanidade a compreensão
das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário
saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo
sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem
para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo
novo do porvir. (LARAIA, 2007, p.52)

Porém, o machismo enraizado em nossa sociedade funciona um pouco diferente da


maneira que os conceitos de cultura funcionam, pois este é um padrão cultural que está
presente durante toda a formação da sociedade, e que possui grande influência na vida
cotidiana de suas principais vitimas, que por mais que estas lutem pela desconstrução do
mesmo e até tentem o diálogo para que se enxergue o quanto é um péssimo padrão a se seguir,
desde os primórdios da formação da sociedade, ainda não chegou o momento que isso
ocorreu. No artigo A construção social dos papéis sexuais femininos (2000), os autores dizem
que

Muitos tentaram resumir o machismo como ele aparece no mundo


latino. Especialmente em termos do mundo hispânico no hemisfério
ocidental, o machismo tem sido descrito como uma norma cultural
que engloba todas as características que são verdadeiramente
masculinas. Muitos descreveram o machismo em termos de
indiferença a família, distanciamento dos filhos, resistência à
adversidades, assédio sexual, capacidade de beber muito,
agressividade contra outros homens, dominação em relação às
mulheres. De la Cancela (1986) afirma que o machismo é um conjunto
de condutas construídas, aprendidas, e reforçadas culturalmente que
encerra o conteúdo dos papéis de gênero masculino na sociedade
latina. Outros concordam que cada cultura constrói discursos
específicos de masculinidade ideologias masculinas, por fala, por
3
mídia, por música e literatura popular, e por lei. (DESOUZA,
BALDWIN e ROSA, 2000, p. 490)

Na sociedade brasileira podemos encontrar traços de machismo desde a colonização,


ao chegarem aqui os colonizadores passaram a praticar atos sexuais com as índias que muitas
vezes eram tomadas a força, no período nosso país se encontrava sendo uma sociedade
colonial e escravocrata, onde os homens brancos detinham privilégios não só sobre as
mulheres (que não podiam dizer não, ou até mesmo revidar), como em cima de qualquer
homem de cor. Ainda no artigo, os autores dizem que na sociedade brasileira

(...) o machismo é mais que os comportamentos dos homens é a


ideologia que promulga que é bom e até natural que eles controlem o
mercado, o governo, e a atividade pública, e que as mulheres sejam
subordinadas a eles. (DESOUZA, BALDWIN e ROSA, 2000, p. 490)

Muitas vezes ao tentar maquiar o machismo que lidamos todos os dias, e até mesmo
por ser algo tão naturalizado em nossa sociedade este pode ser visto como algo positivo ao ser
tratado como traços de educados nobreza ou o famoso cavalheirismo, mas ao ser visto como
algo bom, o cavalheirismo passa a ideia de que nós mulheres precisamos dele por sermos
seres adeptos fragilidade, morbidez e fraqueza, algo que sabemos que não é real, pois um dos
fatos mais importantes da luta feminina durante toda a história é o de direito pela igualdade
entre os sexos, e a não classificação de fraqueza e força de acordo com o sexo biológico e
gênero.

Como nos diz Laraia no livro Cultura um conceito antropológico (2007), “A


verificação de qualquer sistema de divisão sexual do trabalho mostra que ele é determinado
culturalmente e não em função de uma racionalidade biológica.” (p. 10), podendo assim nos
levar a linha de pensamento em que percebemos que toda a opressão sofrida cotidianamente
não se deve simplesmente pela diferença dos órgãos sexuais e pelo gênero ao qual fazemos
parte, mas sim com o contato e formação cultural que recebemos a partir do momento que
entramos para esse mundo, não viemos predestinados a viver a diferenciação e sexismo, isto
ocorre devido a influência que recebemos durante toda nossa formação cultural e social.

A mulher e a consciência do machismo na sociedade

Durante toda a história da sociedade, os cenários sociais de trabalho e de relações para


as mulheres sempre foram extremamente problemáticos, desfavoráveis e, podemos dizer
machistas. As mulheres durante muito tempo foram vistas como seres pertencentes a um

4
segundo sexo, sendo assim, seres criados para se submeterem aos afazeres menos importantes
da sociedade e uma “fonte de prazer para o sexo oposto”, como diz Beauvoir (1967, p. 308)
“é muito difícil às mulheres assumirem concomitantemente sua condição de indivíduo
autônomo e seu destino feminino” para que então favorecessem e vivessem em função
daqueles que "seriam" de certa forma considerados especiais e até mesmo “melhores”, ou
seja, os homens. Como Soihet e Pedro nos dizem

(...) ‘gênero’ dá ênfase ao caráter fundamentalmente social, cultural,


das distinções baseadas no sexo, afastando o fantasma da
naturalização; dá precisão à idéia de assimetria e de hierarquia nas
relações entre homens e mulheres, incorporando a dimensão das
relações de poder; dá relevo ao aspecto relacional entre as mulheres e
os homens, ou seja, de que nenhuma compreensão de qualquer um dos
dois poderia existir através de um estudo que os considerasse
totalmente em separado, aspecto essencial para “descobrir a amplitude
dos papéis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e
épocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam para manter a
ordem social e para mudá-la”. (SOIHET e PEDRO, 2007, p. 288 e
289)

As mulheres durante muito tempo foram consideradas de forma cultural "inferiores"


de todas as formas que podemos consideráveis possíveis; inclusive e principalmente
intelectualmente e profissionalmente. Como nós diz Beauvoir (1967, p.28 – vol.2) “A
hierarquia dos sexos manifesta-se a ela primeiramente na experiência familiar”, julgando
assim que seriam inferiores também aos homens no trabalho fora de casa. Em suma eram
criadas para serem mães, ensinadas a serem donas de casa e as esposas perfeitas, bem como
preocupadas somente com os cuidados referentes à família e o marido. Como nos diz ainda
Simone de Beauvoir no primeiro capítulo da segunda parte de seu livro o Segundo Sexo.

Compreende-se agora que drama dilacera a adolescente no momento


da puberdade: ela não pode tornar-se adulta sem aceitar sua
feminilidade; ela já sabia que seu sexo a condenava a uma existência
mutilada e imota; descobre-o agora sob a forma de uma doença
impura e de um crime obscuro. Sua inferioridade era somente
apreendida, a princípio, como uma privação: a ausência do pênis
converteu-se em mácula e em falta. É ferida, envergonhada, inquieta,
culpada que ela se encaminha para o futuro. (BEAUVOIR, 1967, p.
65)

Todo esse contexto que pode ser encontrado presente no desenvolvimento da história e
da cultura de nossa sociedade justifica o surgimento de movimentos que lutam com o objetivo
de atingir a igualdade de direitos entre os gêneros, e explicam assim, grandes partes dos
problemas que surgiram em nossa sociedade como "consequência" da inclusão da mulher no

5
mercado de trabalho, vendo ela como o sujeito da própria vida e não dá vida de alguém, como
era anteriormente. Um desses problemas, se não o principal, é o assédio sofrido todos os dias
por mulheres, nas ruas, em seus empregos, e abusos até mesmo dentro de suas próprias casas.

O assédio contra mulher pode ser considerado uma situação derivada e consequência
de todo o sistema social, patriarcal e cultural machista no qual a sociedade teve como base ao
se desenvolver; onde como já foi citado, o homem era visto como um ser melhor e assim
possuía o direito de mandar e opinar sobre tudo o que dizia respeito às mulheres presentes em
sua vida, configurando assim o machismo imposto culturalmente na educação e formação dos
cidadãos que pode ser encontrado até hoje, de maneira extremamente enraizada. De forma que
até mesmo as próprias mulheres acabam o reproduzindo, sem perceber, e são as únicas
prejudicadas.

Com essa reprodução do machismo recorrente todos os dias em nossa sociedade pelas
próprias mulheres, em discursos onde às vezes isto é visto claramente, e em outros sofre o
chamado efeito de “maquiagem” - se encontra lá, mas é preciso atenção para nota-lo - é de
necessidade primordial que se traga discussões, conversas e reflexões a luz, para que assim a
tese de que “convém distinguir, de uma parte, a dominação dos homens sobre as mulheres e,
de outra, a ideologia que lhe dá legitimidade” dita por Saffioti, no texto que discute a
Violência de Gênero no Brasil Atual (1994), seja discutida e questionada principalmente por
nós, mulheres, que qualquer tipo de violência sofrida não deve receber como justificativa o
machismo, pois não há justificativa para qualquer tipo violência e diferenciação com base nos
sexos.

A luta histórica da mulher por seus direitos e o feminismo no Brasil

A partir de meados do século XIX começaram a surgir os primeiros traços do


movimento organizado das mulheres – onde segundo a autora Cinthya Sarti (1988) “o
feminismo é apenas uma das facetas” – por igualdade, foi quando, ainda no Brasil Colônia,
houve a concessão do direito de estudo para as meninas. Como consequência do próprio
tempo e o questionamento do por que segundo a igreja a mulher deveria ser um ser tão
obediente e “submisso” ao pai e marido que cuidariam de seus direitos, a luta cresceu, para
que assim as mulheres se tornassem sujeitos da própria historia, donas da própria vida e
administradoras de seus direitos e deveres, sozinhas por opção.

6
A busca por seus direitos e o sentimento de inconformidade ao se pensar que “seriam
posse de seus maridos” não parou por aí, em 27 de agosto de 1962 em nosso país nascia um
novo código civil sobre a vida das mulheres, este terminava com o “direito” dos maridos
sobre as suas esposas. O projeto foi produzido por duas advogadas, e ficou em transição sobre
toda a burocracia parlamentar, podemos dizer que com influencias não só religiosas como
também conservadoras, durante dez longos anos, e isso mudou somente porque a pressão
social exercida pelo movimento das mulheres era elevada.

Por mais que o movimento obtivesse conquistas e crescesse, com o acontecimento do


golpe militar grande parte das mudanças em favor das mulheres, ou regrediram ou pararam de
crescer, após o fim dessa ditadura, as coisas foram lentas mas voltaram aos “eixos”. Como
nos diz Sarti,

O ano internacional da mulher, 1975, decretado pela ONU, é o marco


inicial da mobilização de mulheres no país. Ainda era um momento de
forte censura e repressões politicas, embora o pior período já houvesse
passado, (...) Neste período o movimento feminista já se manifestava
amplamente a nível internacional, entre nós ensaiavam-se os primeiros
passos. (...) O ano internacional da mulher foi particularmente
importante porque serviu de pretexto para discussão e organização das
mulheres, num contexto em que os canais de participação politica
estavam fechados. (SARTI, 1988, p. 41)

Em 1975, durante o ano da mulher, houve a declaração de um dia, estipulado 8 de


março, onde se comemoraria a figura da Mulher 4, e isto resultou em comemoração para os
grandes grupos feministas da época, saindo em jornais e na mídia, esses grupos eram
compostos por mulheres das mais variadas classes sociais, em busca dos mesmos objetivos e
com a mesma intenção, como Sarti (1988, p. 42) também nos diz “atuavam como já vimos
junto a associais femininas de bairro: Clube de Mães ou Associações de Donas de Casa,
organizadas nos bairros pobres”. A consolidação do movimento aconteceu em 1978, se
configurando como uma das forças politicas emergentes no país, essas mulheres agora, em
suma, auxiliavam quando era preciso nos problemas particulares de quem as procurava nessas
associais, grande parte das vezes, os principais motivos giravam em torno da violência que
ocorria dentro da própria casa por parte dos maridos, por parte de país, e tentando até mesmo
melhorar a relação dentro de casa.

4
Segundo a história a data teria surgido a partir de um incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York em 1911,
quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas.
7
Hoje o movimento feminista, luta não somente pelos direitos da mulher em nossa
sociedade, mas também contra a violência sofrida por todas nós, seja dentro ou fora de casa.
Atualmente, a luta para a mulher ser dona do próprio corpo e decidir o que fazer com ele
sozinha perante a justiça é uma das que possui mais voz e recebe mais atenção, pois isso não
deixa de ser uma forma de violência exercida pelo estado, como nesse ultimo ano, onde após
a conquista votada pelo STF5 que deu direito ao aborto nos primeiros três meses de gestação
sem se configurar como crime, um senador e pastor, como podemos ver novamente a
influência religiosa em um estado em que se prega um “governo laico”, apresentou então o
Projeto de Lei do Senado (PLS) 461/2016, e esse altera o Código Penal para que se passe a
considerar o aborto a interrupção da vida intrauterina em qualquer estágio da gestação. O
projeto foi votado, por uma banca onde todos foram a favor, menos a única mulher que a
compunha. Após a aprovação do projeto, a inconformidade e choque foi grande, onde as
manifestações dos grupos feministas e das mulheres de maneira geral não aceitavam que,
novamente como em toda a história, homens decidiram sobre como as mulheres devem lidar e
se comportar com seus corpos.

Um dos frutos do machismo: o assédio

Durante muito tempo na historia a mulher foi vista como um segundo sexo,
dependente do homem, ou até mesmo naquele velho ditado “a mulher é o sexo frágil”, isso se
deve a toda concepção de gênero que foi construída durante os anos, com o surgimento das
lutas das mulheres e a busca por direito igualitários uma das principais pautas e buscas desses
movimentos é pelo fim da violência exercida contra elas.

Atualmente, existem leis que “garantem” de certa maneira a segurança da mulher, e a


punição em casos de violência seja dentro ou fora de suas casas. Entretanto essas leis não
surgiram do nada, para chegarmos onde estamos hoje muitas mulheres sofreram de formas
absurdas, como no caso da Lei 11.340/06 ou como é conhecida popularmente, Maria da
Penha, a lei possui o nome de uma mulher, e essa foi vitima de duas tentativas de assassinato
pelo próprio marido, da primeira vez ela foi baleada nas costas, ficando paraplégica, da
segunda o marido a empurrou da cadeira de rodas com a intenção de eletrocuta-la no
chuveiro. O julgamento contra o marido levou anos e passou por diversos problemas até
acontecer, foi preciso que a vitima entrasse com recurso na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (OEA), o que fez com que além de dois anos de prisão ao ex-marido, o
5
Supremo Tribunal Federal;
8
Brasil fosse condenado por negligencia e omissão há violência domestica no país, uma das
punições foi a exigência de uma legislação que punisse a violência domestica e familiar. Hoje,
a lei abrange não somente a violência física e sexual, como também violência psicológica, a
violência patrimonial e o assédio moral.

Falaremos então mais especificamente sobre o assédio, e grande parte as vezes nos
referimos ao assédio moral que esta ligado ao assédio sexual, pois, em qualquer que seja o
caso, o assédio possui o mesmo objetivo. Ele é composto pelos mais variados
comportamentos, como formas mais graves de abuso e violência sexual, a violência física e a
violência mental, como por exemplo o ato de forçar alguém a fazer o que não quer sob os
mais variados tipos de chantagem, pode possuir uma duração longa, como no caso da
repetição exaustiva de comentários machistas de teor sexual e repetição de piadinhas com o
mesmo teor, pode variar também na forma de convites incansáveis para sair, conversas
sempre levadas a assuntos com pontos sexuais por companheiros de um mesmo ambiente,
como também pode ser aquele tipo chamado de “mão boba” onde acontece uma apertada, um
tapa ou passada de mão em um corpo que não queria e nem estava esperando tal ato. Na
entrevista realizada, esse “leve tapa” e toques indesejados aparecem, onde há uma hierarquia
entre professor e aluna, dentro de um ambiente não propicio a isso, e ainda é valido ressaltar a
tentativa de contestar tais atitudes, o que não levou a nada.

A insegurança de cada dia da mulher, ao por seus pés na rua para realizar seus afazeres
é causado pela imprevisibilidade daquilo que pode acontecer a ela, a vida em sociedade não é
algo previsível e nós estamos sujeitas as atitudes dos outros nas ruas, pois, em muitos dos
casos não temos como nos defender e a sensação que nos resta é a de impotência.

A mulher atualmente se encontra exposta aos mais diversos tipos de assédio sexual
quando sai às ruas, nos mais diversos ambientes, na mídia brasileira nos últimos meses tem se
falado grandemente sobre os casos de assédio ocorridos dentro de ônibus e metros
pertencentes ao transporte público. Casos que ganham a mídia rapidamente, que chocam e que
mesmo que os agressores sejam presos não resulta em nada, somente na sensação da mulher
de total insegurança ao se fazer até mesmo as coisas mais simples, como voltar para casa.

Alguns pontos cerca da história do assédio

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Foi por volta da década de 1970 que o movimento feminista de mulheres americanas,
e logo após o movimento formado por mulheres europeias, passou a discutir e se preocupar
com a violência sofrida por mulheres dentro de seus locais de trabalho e o denominar, a partir
de então como assédio. Cada uma das sociedades reconhece esse tipo de violência e
dominação de uma maneira, em alguns países é reconhecido como qualquer abuso que ocorra
dentro de uma hierarquia e possua valores sexuais, em outros já se possui uma definição mais
curta e menos abrangente na lei. Como Carme Alemany nos define no livro Dicionário
Critico do Feminismo,

Essa dominação designa todas as condutas de natureza sexual, quer


sejam de expressão física, verbal ou não verbal, propostas ou impostas
a pessoas contra sua vontade, principalmente em seu local de trabalho,
e que acarretam um ataque a sua dignidade. A maior parte desses
comportamentos é dirigida contra as mulheres e constitui uma
expressão do poder dos homens sobre elas. (p. 26, 2009)

Todas nós mulheres temos consciência da violência que sofremos em nosso dia a dia,
mas para que possamos fazer algo perante a lei era necessário que ela reconhecesse tais atos
como crime. A partir do ponto em que as estudiosas europeias conseguiram definir o assédio a
luta partiu para outro âmbito, o jurídico, onde seria necessário que as comissões parlamentares
de cada país reconhecessem tais atos como criminosos e de uma dominação masculina em
cima das mulheres.

Em nosso país atualmente existem duas legislações responsáveis pela definição e


punição do assédio moral e sexual, o assédio moral seria aquele em que “existe” uma pressão
ou troca de favores com teor sexual em uma hierarquia dentro de suas relações de trabalho, o
assédio sexual é aquele que não possui um local especifico para ser praticado, ou uma
situação previsível, mas é sempre com teor e interesse sexual. Seguem as leis:
“Art. 1o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –Assédio
sexual Art. 216-A.
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de
superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função." [ CITATION Bra01 \l 1046 ]
Artigo 1º - Fica vedado o assédio moral no âmbito da administração
pública estadual direta, indireta e fundações públicas, submetendo o
servidor a procedimentos repetitivos que impliquem em violação de
sua dignidade ou, por qualquer forma, que o sujeitem a condições de
trabalho humilhantes ou degradantes.
Artigo 2º - Considera-se assédio moral para os fins da presente lei,
toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente,
servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da

10
autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito
atingir a auto-estima e a autodeterminação do servidor, com danos ao
ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio
usuário, bem como à evolução, à carreira e à estabilidade funcionais
do servidor. (Brasil, 2006)

Vale ressaltar que não são apenas as mulheres que estão sujeitas ao assédio, os homens
também, porém o maior número de casos que se tem registrados é de mulheres. Normalmente
o assédio tem conexão com o gênero de quem o sofre e a posição que ocupa na sociedade, e
como historicamente a mulher sempre foi vista como mais frágil e “submissa” pela sociedade
machista e conservadora em que nos encontramos é “esperado”, mas não deixa de ser
surpreendente que mesmo depois de toda a das mulheres elas ainda sejam as principais
vitimas desses abusos.

Considerações Finais

Este artigo foi desenvolvido tendo como base as problemáticas sobre a cultura
machista presente em nossa sociedade e a violência contra a mulher em seu cotidiano, em
suas mais diversas formas, buscando a partir de então quais seriam as motivações não só
culturais como também questões da organização sociedade (que não deixam de ser culturais),
que levaram a mulher a ser colocada em um local tão problemático e desigual em relação aos
homens. Foi possível notar, portanto que culturalmente durante toda a história, não só do
nosso país, as mulheres estiveram subjugadas a dominação masculina da sociedade, e
especificamente em nosso país isso se deu pelas influências culturais recebidas de todos os
cantos, pois nossa formação multicultural nos fez de uma mistura.

A partir desta pesquisa pude conhecer mais a respeito da luta feminista ao decorrer dos
anos, que se iniciaram desde a busca pelo direito de voto e foi cada vez mais abrindo espaço
para outras lutas, como a violência física, verbal ou psicológica; o machismo, o assédio, entre
outros problemas que concernem o cotidiano das mulheres. Demorou-se certo tempo até que
houvesse a conscientização desta classe a respeito de suas condições, e principalmente de que
elas não eram a propriedade privada de seus pais ou esposos. Quando esta foi alcançada
iniciou-se uma ferrenha batalha para que houvesse melhoria em suas vidas, e principalmente,
que fossem tratadas como seres humanos e não objetos de prazer e submissão.

Na atualidade, com as diversas campanhas, as mulheres têm conquistado o seu espaço


em diversas áreas da sociedade. Infelizmente isso trás uma série de consequências, a qual

11
podemos citar a jornada dupla da mulher, onde ela precisa cuidar de casa e ainda trabalhar,
isto estando sempre impecáveis e sendo “perfeitas” a todo momento. Mas é importante que a
luta continue, que a mulher busque o seu espaço num meio ainda culturalmente conservador,
de forma a valorizar as diversas feministas que deram suas vidas por este movimento. O lugar
que ocupamos hoje é símbolo de orgulho e luta das gerações passadas, pois essas são as
responsáveis pelo que temos hoje.

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seminário “Respostas ao racismo: produção acadêmica e compromisso politico em tempos de
ações afirmativas” realizado em 3 de dezembro de 2009 no IFCH/UNICAMP.

SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e
das relações de gênero. Revista Brasileira de História.  São Paulo,  vol. 27,  n. 54, 2007.

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