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Envelhecimento e Corporeidade

Aula 3: Contexto sociocultural da velhice

Apresentação
Estudaremos como o idoso é visto e tratado na atualidade.

Vivemos inseridos em uma cultura que valoriza o jovem, a vitalidade e a perfeição. Como envelhecer nessa cultura?

O ator social idoso recebe muitos estereótipos associados à aposentadoria e à fragilidade. Como fugir dessa imagem?

Veremos que a Teoria das Representações Sociais (TRS) possibilita o entendimento de inúmeros aspectos relacionados
ao processo de envelhecimento.

Objetivo
Analisar o impacto da Teoria das Representações Sociais (TRS) no entendimento da velhice;

Analisar a relação entre a cultura da perfeição e a percepção de velhice;

Analisar a situação do corpo velho na cultura jovem.

Que tratamento a sociedade contemporânea dispensa ao velho?


 Fonte: unsplash.

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Na nossa sociedade, o tratamento dispensado à parcela da população que já alcançou a terceira idade tem gerado impactos
negativos. O resultado disso é a não aceitação do velho ou mesmo a distorção dessa etapa da vida.

A aceitação ou não do velho está vinculada, entre outros aspectos, ao papel social que ele ainda desempenha.

A imagem do velho como ator social é marcada por estereótipos que influem sobre a autoestima dele. A aposentadoria é vista
como fenômeno social que marca a recolocação do velho na escala social.

Pensar o corpo e o envelhecimento para fugir do preconceito deve considerar a velhice associada ao bem-estar emocional
fugindo da infantilização diante da fragilidade do velho.

Como a Teoria das Representações Sociais (TRS) impacta a forma


de entender a velhice?

Para continuarmos nossos estudos, algumas noções novas precisam ser visitadas. Você sabe quem foi Serge Moscovici? Ele
foi um intelectual francês atuante na área da Psicologia Social, principal nome no cenário da Teoria das Representações
Sociais (TRS). Os estudos e pesquisas de Moscovici influenciaram diferentes áreas do conhecimento, ajudando a esclarecer
muitos aspectos das condutas no cotidiano de nossas vidas.

A partir do período posterior à Segunda Guerra, começaram as primeiras inquietações de Moscovici, ainda como estudante na
Sorbonne, a principal universidade francesa. Posteriormente, inspirado no pensamento de Émile Durkheim, Moscovici
estabeleceu as bases da teoria dele.

O contato com os estudos de Durkheim foi importante, pois ele é considerado o Pai da Sociologia que surgia como uma nova
ciência, no século XIX, para ajudar a entender a complexidade do homem e, principalmente, a inserção dele no grupamento
humano.

Comentário
É fácil compreender por que Moscovici foi influenciado pela obra de Durkheim, pois ambos tentavam entender o homem na
sociedade. É importante conhecermos as ideias desses e de outros autores dos quais lançamos mão para ajudar você a
compreender as relações desses pensamentos com a realidade atual.


Figura 1 – Minibiografia de Serge Moscovici. Fonte: (RINALDI; PEDROTTI; HARDOIM, 2012, p. 15).

Com a TRS, podemos perceber e compreender com mais facilidade a forma como tratamos o envelhecimento, que
corresponde à temática desta disciplina. A obra de Moscovici na Psicologia Social, que corresponde às fundações do
pensamento do autor, foi fruto do doutoramento dele, seguida de intensa participação de outros intelectuais interessados na
área.

As ideias de Moscovici ganharam força na América Latina, principalmente no México, no Brasil e na Argentina. Ele confere novo
valor ao pensamento social, considerando que seja um saber prático, por meio do qual a sociedade humana organiza a própria
realidade e com ela convive.

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A TRS se ocupa da forma como o conhecimento é
representado coletivamente e compartilhado pelos seus
representantes. Corresponde a uma leitura e decodificação
da realidade inspirando ações e condutas que permitem que
os indivíduos se adequem e se integrem às normas sociais
(GALLI, 2014). Tem como objetivo compreender como o
conhecimento humano é produzido e analisar o impacto
sobre as práticas sociais (TESCHE, 2010).

Para Almeida, Santos e Trindade (2014), a ideia de


representação estabelece nova forma de pensar em relação
à realidade vista no pensamento ocidental. A TRS é um
saber prático que liga um sujeito a um objeto (SÁ, 1998;
2002; JODELET, 2005). A TRS ajuda a entender como somos
e porque agimos de uma forma ou de outra.


Figura 2 – Serge Moscovici. Fonte: (ALMEIDA; SANTOS; TRINDADE, 2014, p. viii).

Para exemplificar a contribuição da TRS, por meio dela


podemos compreender as influências de outros temas,
como os papéis da mulher no tempo atual; a forma de
perceber a adolescência; a força da publicidade na
formação de nossas opiniões, desejos e condutas, entre
outras situações da vida coletiva; e por fim os processos de
envelhecimento na sociedade.

O esquema elaborado por Beatriz Tesche, a seguir, ajuda a


compreender o impacto da TRS na cultura atual.


Figura 3 – Representações sociais. Fonte: (TESCHE, s. d., p. 4).

A TRS nos ajuda a compreender os conhecimentos que são compartilhados por diferentes grupos. Vários estudos sobre o
envelhecimento são feitos baseados nessa teoria. Por exemplo, em 1999, os autores Veloz, Nascimento-Shulze e Camargo
analisaram os conteúdos das representações sociais que diferentes grupos de pessoas tinham no que dizia respeito às
questões do envelhecimento humano. Eles perceberam três tipos de representação social do envelhecimento:
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A segunda foi masculina, apoiando-se na noção de atividade,


A primeira foi uma representação doméstica e feminina em caracterizando o envelhecimento como perda do ritmo de
que a perda dos laços familiares é central; trabalho, pela aposentadoria;

A terceira foi mais utilitarista e apresentou o envelhecimento


como desgaste da máquina humana.

O estudo apresentou o idoso como protagonista, a velhice como última fase da vida e o próprio envelhecimento como
processo que transcende a própria velhice para abranger todo o curso de vida.

Desde que nascemos, envelhecemos. Os resultados das pesquisas baseadas na TRS ajudam a área da Gerontologia, que será
estudada mais adiante nas nossas aulas sobre o processo de envelhecimento, identificando os modos compartilhados de
pensar e agir nesse processo.

Como a cultura da perfeição afeta a percepção de velhice?


Agora que nos aproximamos da TRS, podemos ter outros olhares sobre o significado de ser velho na nossa sociedade, a qual
valoriza a cultura do jovem e dos estereótipos que se estabelecem. Tesche (2010) aponta a relação entre a representação
social, a ação que estabelecemos a partir dela e os riscos de se constituírem estereótipos.


Fonte: Beatriz Baptista Teche Rossow (2015).

Atualmente a busca pela perfeição do corpo e da saúde nos leva a construir alguns estereótipos, que acabam por reger nossas
condutas.

Fonte: Beatriz Baptista Teche Rossow (2015).

Os corpos precisam ser perfeitos, a beleza e a saúde precisam ser perseguidas de forma incessante. Esse estereótipo,
principalmente a busca pelo corpo perfeito, na sociedade cuja população de velhos aumenta progressivamente nos faz olhar o
processo de envelhecimento sob uma ótica distorcida que compara o velho ao jovem. A velhice e a juventude são momentos
distintos da vida e situações não são comparáveis.

Goldenberg (2011) discorre sobre a valorização atribuída ao corpo de modo tão intenso que estabelece um valor sob a forma
de capital físico, simbólico e social. Funciona como um passaporte para a aceitação social. O corpo bonito é o magro, em boa
forma, sexy e saudável.


Fonte: unsplash.

No caso do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro é um lugar expressivo para se pensar os traços dessa cultura de valorização
exagerada do corpo. Trata-se de uma cidade facilmente associada a praia, sol, descontração, sexualidade, saúde e
informalidade. Também se constitui como um cenário perfeito para fortalecer o preconceito do velho associado a fragilidade,
doença e distanciamento da beleza contra a valorização do corpo idealizado.

Como é visto o corpo do velho em meio à cultura jovem?


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A maneira como velho é visto a partir da valorização da


juventude e da cultura jovem pode ser analisada à luz de um
conjunto de ideias vigentes na sociedade atual. Percebe-se
que lutar contra o estigma do velho frágil torna-se difícil
justamente pela penetração dessa representação no seio da
sociedade.

Apesar de a TRS observar a possibilidade de mudança das


representações também é identificado que isso não ocorre
rapidamente. No caso do idoso representado
tradicionalmente pela fragilidade, essa ideia atravessa
verticalmente os diferentes grupamentos humanos e
hierarquias nas sociedades ocidentais, não escapando nem
a percepção das crianças.

Ramos (2009), em estudo realizado com 16 crianças de 8 a


10 anos, entre meninos e meninas da periferia de Porto
Alegre, propôs identificar como o velho era visto pelo grupo.
Para a autora, em uma população que tem a taxa de
natalidade diminuída e a de idosos aumentada, começar a
conhecer as representações de uma geração sobre a outra

Fonte: unsplash. pode criar novos caminhos de interação.

A abordagem proposta às crianças do grupo se deu a partir da pergunta: Quem é o idoso? A intenção era avançar além da
classificação da idade cronológica. Temos um constante investimento cultural e simbólico sobre os corpos de maneira geral,
incluindo o corpo do velho. Saber como as crianças são ou não são atravessadas por tudo isso pode nos remeter à forma
como a sociedade se vê e, quem sabe, fazer uma autocrítica sobre o que somos, o que e como informamos e formamos
nossas crianças.

Os participantes do estudo foram estimulados por desenhos, entrevistas, conversas e atividades lúdicas que permitiram que se
sentissem à vontade para manifestar as próprias ideias. No grupo, a percepção também levava em consideração que vários
conviviam com os avós, o que permitiu um senso de realidade maior em relação ao que era apontado por eles no processo de
envelhecimento.

A vida do ser humano é marcada por mudanças fisiológicas que ficam evidentes com o tempo, e isso não escapa ao olhar da
criança. Para Beauvoir (1990) o corpo humano se metamorfoseia. Essa é a visão das crianças. Para elas, velho é quem tem
cabelos brancos, rugas, usa óculos, dentadura e, em alguns casos, quem sabe bengala. Essa é a imagem da fragilidade. Para
elas, o corpo velho é um corpo frágil, provavelmente a partir das observações da realidade dos avós.

Atenção

A questão da dimensão estética também aparece no estudo, pois as crianças falam de um corpo feio que não deve ser mostrado,
como no caso de ir à praia. Os participantes também demostraram identificar as prescrições feitas aos velhos, tanto para os
controles de manutenção como de alimentação e exercícios.

Quando percebemos, pelo resultado do estudo, que a forma como as crianças veem o velho ocorre por uma identificação com
a visão do adulto, fica clara a mensagem enviada pela sociedade por meio de reportagens, novelas, na realidade observada no
tratamento dado aos velhos pelos adultos, entre outras situações, que não passam despercebidas aos olhos das crianças
investigadas. Os relatos do grupo evidenciam como a sociedade concebe o idoso, os significados e representações que se faz
deles.

Atividades
1. Que relações você estabelece entre as ideias de Serge Moscovici e as de Émile Durkheim?

2. Marque a afirmativa correta:

a) Entender a sociedade pela ótica da TRS pode facilitar a identificação de nossas condutas e do conhecimento gerado por outros grupos
diferentes do nosso.
b) As relações entre as ideias de Durkheim e Moscovici não permitiram avançar no reconhecimento da TRS.
c) A TRS não é confiável para formar opiniões.
d) Como Durkheim não era da área da Psicologia Social, a contribuição dele como inspiração foi inexpressiva.
e) Os estudos das TRS esclarecem apenas o papel do velho na sociedade.

3. Marque a opção verdadeira:

a) O idoso é visto na sociedade como descartável e sem função.


b) A cultura da perfeição não dificulta a aceitação do velho.
c) A percepção da velhice na sociedade atual não precisa ser revisitada.
d) O velho já está completamente integrado na nossa sociedade.
e) Todo velho é frágil e doente.

4. Qual é a relação existente entre o culto à perfeição do corpo representando a beleza e a discriminação sofrida pelo corpo
envelhecido?

5. Marque a afirmativa que não corresponde à cultura de fragilização do velho.

a) Ser velho é ter mais maturidade.


b) Ser velho é perder a autonomia.
c) Ser velho é ser presa fácil de doenças.
d) Ser velho é sofrer de isolamento.
e) Ser velho é ser desvalorizado.

Referências
6. Qual é a relação existente entre o olhar das crianças e o olhar do adulto sobre os velhos?

ALMEIDA, A. M. de O.; SANTOS, M. de F. de S.; TRINDADE, Z. A. (orgs.). Teoria das representações sociais: 50 anos. 2. ed.
Brasília: Technopolitik, 2014. E-book. Disponível em:
//www.technopolitik.com.br/downloads/files/TRS%2050%20anos2aEdAbr17PDFsRp.pdf. Acesso em: 10 jun. 2019.
Notas
GALLI, I. A teoria das representações sociais: do nascimento ao desenvolvimento mais recente. Tradução: Alexandre Rosado.
2014. Disponível em: periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/download/900/498
<//periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/view/900/498> . Acesso em: 9 jun. 2019.

GOLDENBERG, M. Corpo, envelhecimento e felicidade na cultura brasileira, Contemporânea, ed. 18, v. 9, n. 2, 2011. Disponível
em: //www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_18/contemporanea_n18_06_Mirian_Goldenberg.pdf. Acesso em: 13 jun. 2019.

JODELET, D. Loucuras e representações sociais. Petrópolis: Vozes 2005.

RAMOS, A. C. O corpo-bagulho: ser velho na perspectiva das crianças, Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 239-
250, maio/agosto 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/download/9354/5544. Acesso em: 14
jun. 2019.

SÁ, C. P. de. A construção do objeto de pesquisa em RS. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.

SÁ, C. P. de. Núcleo central das representações sociais. 2. ed. rev. Petrópolis: Vozes, 2002.

SAN’TANNA, D. B. de. Descobrir o corpo: uma história sem fim, Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 2, p. 49-58, jul./dez.
2000. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/46832/29117. Acesso em: 14 jun. 2019.

TESCHE, B. B. Representação social de juventude para jovens negros em bairros populares de Vitória-ES. 2010. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.

VELOZ, M. C. T.; NASCIMENTO-SHULZE, C. M.; CAMARGO, B. V. Representações sociais do envelhecimento, Revista


Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 12, n. 2, 1999. Disponível em: //www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-79721999000200015. Acesso em: 11 jun. 2019.

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