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OS DISTÚRBIOS FONOARTICULATÓRIOS NA SÍNDROME


DE DOWN E A INTERVENÇÃO PRECOCE

The inarticulateness distress in Down syndrome and early intervention


Lívia Fernandes Barata (1), Anete Branco (2)

RESUMO

Tema: a criança com Síndrome de Down apresenta um atraso na aquisição e desenvolvimento dos
aspectos fonoarticulatórios, atraso este, que tem sido atribuído a características físicas e ambientais
que influenciam negativamente no processo de desenvolvimento. Caracterizar os aspectos fonoarti-
culatórios dos sujeitos com Síndrome de Down pode proporcionar uma melhor compreensão das alte-
rações abordadas na reabilitação em suas diversas modalidades e contribuir na evolução terapêutica.
Por esta razão decidiu-se focar com maior profundidade em um dos aspectos mais importantes da
comunicação, a fonoarticulação. Objetivo: caracterizar as alterações fonoarticulatórias encontradas
em indivíduos portadores da Síndrome de Down, por meio de uma revisão bibliográfica, enfocando a
importância da intervenção precoce frente a tais circunstâncias. Conclusão: a falta de estimulação
e o encaminhamento tardio irão interferir no desenvolvimento fonoarticulatório, assim, por meio da
intervenção precoce, será possível a obtenção de melhores resultados, fazendo com que grandes
problemas tornem-se alterações mínimas.

DESCRITORES: Síndrome de Down; Distúrbios da Fala; Diagnóstico

n INTRODUÇÃO No Brasil, estima-se que ocorra um caso em


cada 600 nascimentos, o que significa que nascem
A John Down foi atribuída a primeira descrição 8 mil bebês com SD por ano. A estimativa é de que
pormenorizada e criteriosa de um distúrbio denomi- vivem no país 300 mil pessoas que nasceram com
nado mongolismo ou idiotia mongoloide, supondo a SD 4.
que muitos dos sintomas presentes no paciente Até mesmo para leigos no assunto, a face do
que estava estudando, fossem típicos do grupo portador da SD é facilmente identificada, sendo
étnico mongol 1. Com o passar do tempo, tal ponto que, na literatura, ela é a mais típica das síndro-
de vista foi descartado em função do rótulo racial- mes descritas. O rosto da criança portadora da SD
mente pejorativo de mongolismo, dando lugar à apresenta um contorno achatado devido, principal-
designação atual de Síndrome de Down (SD) 2. mente, aos ossos faciais pouco desenvolvidos. As
Descobriu-se ao longo dos anos que esses indi- pálpebras são estreitas e levemente oblíquas; as
víduos possuíam um cromossomo extra, ao invés orelhas são pequenas. O pescoço pode ter uma
de dois cromossomos 21, o que levou ao termo aparência larga e grossa 2.
Trissomia do 21 3. O paciente apresenta cavidade oral de tamanho
reduzido, alterações nos órgãos que compõem o
(1)
Fonoaudióloga Clínica; Instituto de Gerenciamento em sistema estomatognático, ocasionando distúrbios
Deglutição, IGD, São Paulo, SP, Brasil; Especialização em
Motricidade Orofacial em Oncologia pelo Hospital do Cân-
fonoarticulatórios. A hipotonia muscular provoca
cer AC Camargo; Especialização em Voz pelo Centro de um desequilíbrio de forças entre os músculos orais
Estudos da Voz; Mestranda na área de Ciências em Onco- e faciais, alterando a arcada dentária, dando um
logia no Hospital AC Camargo. aspecto de projeção mandibular e contribuindo para
(2)
Fonoaudióloga Clínica; Docente do CEFAC – Pós-Gra- que a língua assuma uma posição inadequada. A
duação em Saúde e Educação; Mestre em Pediatria pela
Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Esta-
respiração oral, além de deixar a criança mais sus-
dual Paulista; Doutoranda na área de Ciências em Oncolo- cetível a infecções respiratórias, altera seu palato e
gia no Hospital AC Camargo. dificulta a articulação dos sons, sendo a fala um dos
Conflito de interesses: inexistente maiores problemas existentes nestes indivíduos.

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As principais características que os predispõem às oral; distúrbios de voz e fala; diagnóstico e interven-
dificuldades com a fala são: hipotonia e a respira- ção precoce.
ção oral 5. Os critérios para inclusão das referências biblio-
Pela diversidade da problemática encontrada gráficas na pesquisa foram distintos. Os textos
nos pacientes com SD, é necessário que os pais e deveriam conter as palavras-chave supra citadas;
os profissionais da saúde atuem com muita atenção relacionando o sujeito com Síndrome de Down em
no sistema estomatognático (SE), neste caso, no tendências e pesquisas.
sentido de estimular as funções fisiológicas, sendo Realizou-se um corte histórico para delimitar o
que, com o crescimento crânio-facial encerrado e número de dados do estudo, incluindo-se publica-
a musculatura aderida às bases ósseas, os resul- ções que iam desde o início dos anos 50 até os dias
tados poderão ser parciais. Faz-se necessário o atuais, pela necessidade de se conhecerem e se
acompanhamento continuado, dedicado e precoce confrontarem as tendências das referidas épocas.
ao bebê, pois o indivíduo portador da SD pode apre- Após identificação, os documentos foram agru-
sentar alterações significativas durante seu cresci- pados por ordem cronológica, temática discutida e
mento e desenvolvimento, tanto em nível orgânico, enfoque, facilitando, assim, a análise, o que permiti-
fisiológico, como cognitivo 6. ria conhecer as perspectivas das pesquisas na Sín-
drome de Down.
Esta pesquisa tem o intuito de descrever, por
meio de uma revisão bibliográfica, os distúrbios Ao final do levantamento, obteve-se um total glo-
fonoarticulatórios causados pela trissomia do cro- bal de 24 textos.
mossomo 21 e evidenciar a importância da inter- Depois de realizadas as etapas descritas, ini-
venção fonoaudiológica precoce sobre eles, a fim ciou-se a redação do presente trabalho de revisão,
de minimizar os efeitos e limitações das alterações tornando possível articular as diferentes represen-
no sistema de fonoarticulação do paciente com SD, tações que propiciaram o entendimento sobre o
possibilitando uma integração e aceitação efetiva do assunto.
indivíduo na sociedade. Embora o enfoque terapêu-
tico não seja o objetivo deste estudo, é importante n REVISÃO DA LITERATURA
mencionar que uma abordagem multidisciplinar
é fundamental para o mais apropriado tratamento As alterações fonoarticulatórias referem-se a
destes pacientes. problemas de execução motora que podem com-
Caracterizar os aspectos fonoarticulatórios dos prometer além da produção fonatória, a respiração,
sujeitos com Síndrome de Down pode proporcionar a ressonância, a articulação e a prosódia. Os fato-
uma melhor compreensão das alterações aborda- res que intervêm no processo articulatório são 7:
das na reabilitação em suas diversas modalida- 1) Função auditiva: responsável pelo forneci-
des e contribuir em sua evolução terapêutica. No mento do modelo acústico (recepção, discrimi-
entanto, existem diferenças marcantes tanto no que nação e retenção), vindo do exterior e do pró-
diz respeito às alterações fonoarticulatórias quanto prio indivíduo (feedback auditivo).
em outros aspectos da comunicação, tais como 2) Função tátil: responsável pela informação
aquisição da linguagem e déficit auditivo. Estudá- sobre os pontos de contato durante a articula-
los em conjunto não permitiria uma compreensão ção (feedback tátil).
em profundidade de particularidades que podem 3) Função proprioceptiva: informa sobre as sen-
ser importantes em tal caracterização. Por esta sações dos músculos e tendões, fornecendo
razão decidiu-se focar em um dos aspectos mais condições para análise do movimento articula-
importantes da comunicação, a fonoarticulação. tório, da pressão no momento do contato e da
tonicidade da musculatura envolvida (feedback
cinestésico).
n MÉTODOS 4) Função visual: responsável pela formação de
modelos visuais das produções articulatórias.
A fim de atender aos objetivos propostos, ela- Qualquer desvio que atinja um ou mais órgãos
borou-se um estudo exploratório descritivo, feito utilizados no aspecto fonoarticulatório causará difi-
através de um levantamento bibliográfico, dos últi- culdades ou impedimentos na articulação e alte-
mos 50 anos (1959-2009), utilizando-se as bases rações sobre a fonação. O desenvolvimento das
de dados LILACS e PUBMED, livros (encontrados habilidades fonoarticulatórias pode ser precursor
em bibliotecas de instituições de ensino e pesquisa) necessário para as habilidades de linguagem, ou
e periódicos da área, nos idiomas português, inglês seja, desordens ao nível de linguagem e disfunção
e espanhol. Foram estabelecidos para a busca os do sistema sensório motor oral, frequentemente
termos Síndrome de Down; linguagem; motricidade ocorrem juntos 8.

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A maioria dos portadores da SD apresenta face O choro de uma criança com Síndrome de Down
curta, sendo poucos os casos de mesio e dolicofa- é monótono, grave e áspero. A voz de uma criança
ciais 5,9. Os achados cefalométricos demonstram a maior com esta síndrome pode ser tensa, rouca ou
existência de um déficit significativo de crescimento gutural 14. Indivíduos portadores desta síndrome,
da maxila, estando de acordo com a alta incidência além de apresentarem soprosidade e rouquidão,
de classe III, mordidas cruzadas uni e bilaterais e têm também uma forte prevalência de hipernasa-
mordida aberta 5,9,10. lidade. As alterações de ressonância encontra-
O tamanho médio da mandíbula na SD não é, das nestes pacientes devem-se, principalmente,
significativamente, maior do que nas pessoas nor- à forma alterada das cavidades de ressonância,
mais. O que ocorre é um posicionamento anterior da agravada pela imprecisão do movimento de órgãos
face. O crescimento e o desenvolvimento anormais fonoarticulatórios 15.
da mandíbula podem também ser causados pela Nos achados da literatura, foram encontrados
hipotonia dos músculos temporal e masseter, hiper- espessamento de mucosa das pregas vocais. A
funcionalidade das articulações temporomandibula- mucosa faríngea apresentou sinais de atrofia e ten-
res, respiração oral, língua alojada na parte ante- dência ao ressecamento, hipertrofia das amígdalas
rior da cavidade oral, modo adaptado de deglutir, e palato profundo. A movimentação do palato mole
além do insuficiente crescimento ântero-posterior e e das pregas vocais é normal. A qualidade vocal
vertical. A classe III também pode ser resultado da tensa ou estridente foi atribuída à hipertonicidade
função e postura da língua. Alguns casos de classe das pregas vestibulares durante a fonação 15.
III são verdadeiros casos de prognatismo 9. Muitos A qualidade vocal dos indivíduos com SD apre-
fatores estão associados à mordida aberta ante- sentam frequência fundamental mais baixa (devido
rior, como crescimento deficiente da maxila acom- a provável falta de controle em tensionar as pregas
panhado do pressionamento da língua e doenças vocais, alterando a frequência de vibração), acom-
periodontais 11. panhada por instabilidade. Jitter e shimmer são cor-
Por outro lado, em um estudo brasileiro realizado relacionados com os desvios encontrados, incluindo
com 102 crianças com SD, de ambos os sexos, e rugosidade, soprosidade, astenia e aspereza 16.
com faixa etária entre 3 a 16 anos, a maioria dos É importante ressaltar que uma voz instável pode
pacientes apresentou desenvolvimento dentário comprometer a inteligibilidade da mensagem, além
dentro do padrão de normalidade 12. disso, tal parâmetro auditivo apresenta uma cono-
Quanto à hipotonia, quando acentuada, pode tação psicodinâmica negativa, tornando o falante
ocasionar uma menor movimentação dos órgãos subestimado em suas reais capacidades 14,17.
fonoarticulatórios (OFAs), refletindo em impreci- Outro fator orgânico que influencia na comuni-
sões articulatórias, substituições ou distorções de cação são os déficits sensoriais, como a deficiência
sons. Além da hipotonia e hipomobilidade, a falha auditiva. Uma causa relevante de comprometimento
na propriocepção de lábios pode levar à omissão ou auditivo nesta população é representada pela otite
distorção dos sons bilabiais. A protrusão da língua, média e anomalias otológicas em associação com
encontrada na SD, pode causar ceceio: a hipotonia a síndrome, como as malformações dos ossículos
de dorso de língua tem como consequência altera- da orelha média e as aspirais cocleares encurta-
ções ou omissão dos fonemas linguopalatais e os das. Diferenças nas estruturas neurais do tronco
problemas de mobilidade de ponta de língua podem cerebral também podem afetar a transmissão do
ocasionar a má articulação ou omissão do /r/ brando estímulo auditivo ao longo do trajeto do VIII par do
e de outros sons linguodentais e linguoalveolares 13. nervo craniano. Tal deficiência prejudica, significa-
Outra alteração encontrada nestes indivíduos tivamente, a automonitoração do portador da sín-
é a mordida aberta e, quanto a isso, a articulação drome em níveis fonoarticulatórios e prosódicos. É
dos fonemas linguodentais, nesses casos, são arti- por meio do feedback auditivo que a criança regula
culados como interdentais. O ceceio anterior nesse a qualidade da articulação, compreende o som,
contexto fica facilitado, contribuindo para a distor- pode corrigir-se na fala, na escrita e na leitura 5.
ção desses fonemas. Na classe III, observa que a É importante sanar ou minimizar aspectos físi-
articulação é imprecisa, os fonemas linguodentais cos que possam prejudicar a articulação e produção
/n, l, t, d/ são produzidos com a ponta da língua vocal por meio de exercícios para fortalecimento da
atrás dos dentes inferiores e a parte medial fazendo musculatura, adaptação de próteses dentárias ou
contato com a papila retro-incisal. Os fonemas fri- auditivas 2.
cativos /f, v/ são pronunciados com o lábio superior A linguagem representa um dos aspectos mais
e incisivos inferiores, indicando que as alterações importantes a ser desenvolvido por qualquer criança,
de ponto de articulação acompanham as alterações para que possa se relacionar com as demais pes-
anatômicas 13. soas e se integrar no meio social. Indivíduos mais

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hábeis na linguagem podem comunicar melhor desenvolver o lado simbólico, ou seja, conceitos
seus sentimentos, desejos e pensamentos. Desen- abstratos como passado e futuro. Assim, o apren-
volver somente habilidades motoras orais pode não dizado é muitas vezes realizado por meio dos senti-
ser suficiente para que as crianças adquiram fala dos. Por isso, todo o tipo de estimulação é a chave
e linguagem; elas precisam compreender que os para a vida mais saudável e rica em experiências 4.
sons são instrumentos utilizados na comunicação Além disso, existe uma evidência de que crianças
e estes serão os grandes elementos de motivação com SD mostram diferenças no processamento da
para que elas empreguem seus esforços com o informação em seu desenvolvimento 19-21.
intuito de aprender a articular os sons da fala, a fim A estimulação precoce objetiva o desenvolvi-
de permitir, ou garantir, a interação criança-adulto, mento de estruturas cerebrais, que responderão
caracterizando sua função comunicativa e social. pelas atividades psicomotoras cada vez mais com-
Estas trocas comunicativas propiciam a compre- plexas de forma gradativa. As diferentes áreas que
ensão da linguagem pela criança, a atribuição de devem ser estimuladas dizem respeito às funções
significado às suas emissões, a aprendizagem e motoras, sensoriais, à fala e aspectos cognitivos 21:
o desenvolvimento cognitivo 2. A participação dos
pais é fundamental para maximizar o desenvolvi- 1) Estimulação das funções motoras
mento motor por meio da rotina diária da criança 18. – Propriocepção: sensação de onde se localizam
Entre as limitações cognitivas usualmente cita- partes do seu próprio corpo, no espaço, com
das e as deficiências dos pacientes com a SD, maior diversidade de experiências sensitivas e
acham-se a duração curta da atenção, o tempo sensoriais através do rolar, movimentar braços
lento de reação, a deficiência no processamento e pernas, praxia do sistema sensório motor oral
auditivo-vocal, a limitação da memória de fatos e do próprio toque.
recentes (variando de acordo com aspectos distin- – Motricidade: movimentos diversos estimulados
tos da informação sensorial), diminuição da discri- e reforçados, que propiciam tonicidade e força
minação perceptiva e da capacidade de generaliza- muscular adequadas. Este é um trabalho que
ção e a deficiência da facilidade de simbolização 5. resulta na consciência do próprio corpo e inibi-
Ser estimulada precocemente é fundamental ção de movimentos estereotipados.
para o desempenho futuro da criança, tenha ela ou
não SD. Toda a sistematização do conhecimento 2) Estimulação Sensorial
humano ocorre através do fenômeno da mielini- – Visual: seleção visual e atenção, estimulando a
zação. A mielina funciona como um condutor elé- exploração e manipulação dos objetos que as
trico da informação neural e só se forma a partir da rodeia.
soma de dois fatores: um interno e um externo. O – Auditiva: localização sonora a fim de exerci-
fator interno depende de uma constituição orgânica tar a memória, atenção e a repetição de sons.
saudável e eficiente. O externo, de estímulos per- Imitando os sons, possibilita-se a repetição por
cebidos através dos cinco sentidos e experiências parte da criança e início de um jogo que será
motoras. Dele fazem parte os fatores ambientais, importante para a futura articulação da fala. A
nos quais se inclui uma alimentação correta, estí- audição começa com a discriminação dos sons.
mulos táteis e visuais variados, afeto, entre outros. Os sons que a criança é capaz de emitir são
Portanto, se a criança que nasce com a síndrome muito ricos e variados e, por essa razão, deve-
tem uma estrutura interna deficitária, a estimulação se dar oportunidade de exercitar os movimentos
adquire uma importância ainda maior 2. de boca e lábios constantemente.
É imprescindível a estimulação antes dos dois
anos de idade, pois o sistema nervoso central está 3) Estimulação da fala
em formação, nesse período. O trabalho será ainda A melhora da sensibilidade e o treinamento dos
mais satisfatório quando iniciado mais próximo ao movimentos dos órgãos fonoarticulatórios fazem-
nascimento, se possível com orientações no pró- se extremamente necessários para a consequente
prio hospital, diminuindo, assim, as chances de que adequação de tônus, postura e mobilidade, que
comportamentos adaptativos se instalem. Neste desempenhará função preparatória para a coorde-
período, as orientações em relação à alimentação nação envolvida na futura articulação da fala. Assim
em conjunto com o trabalho miofuncional poderão sendo, as manobras que visam à aceitação de estí-
proporcionar um desenvolvimento favorável das mulos, a conscientização da região trabalhada e
estruturas da face 2. o reconhecimento oral, favorecem o equilíbrio do
A deficiência mental está relacionada a uma tônus e da postura e, consequentemente, a realiza-
lentidão um pouco maior de aprendizado e obten- ção dos movimentos específicos dos OFAS. Como
ção de conhecimento. A dificuldade se dá em algumas crianças têm tendência a permanecer com

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a língua anteriorizada, pode-se trabalhar tônus e com o meio, visando a aquisição de uma fala clara
postura dos lábios, propiciando o vedamento labial e bem-articulada, dentro de certos limites, a qual
e adequação de suas funções; correções da hipoto- incentiva a interação e a comunicação social, con-
nia de bochechas, responsável para a manutenção tribuindo para o desenvolvimento da articulação dos
de uma pressão intra-oral diminuída e uma menor sons e da habilidade verbal, bem como orientando
energia na produção dos fonemas oclusivos e fri- a família para as maneiras adequadas de estimula-
cativos; mobilidade do palato mole que se encon- ção 21,23,24.
tra incompetente na SD; exercícios que facilitem a O trabalho dos profissionais é bem mais abran-
postura e tensão da língua, evitando a protrusão, gente do que simplesmente orientar os pais sobre
devido à hipotensão 21. como devem segurar ou brincar com o bebê. A esti-
Da mesma maneira que todos os outros movi- mulação engloba uma série de práticas específicas
mentos da criança com SD são incoordenados e usadas para desenvolver a capacidade da criança
demoram a evoluir satisfatoriamente, a hipofuncio- de acordo com seu grau de comprometimento e da
nalidade da língua dificulta sua posição intra-oral, fase de desenvolvimento em que se encontra 21.
necessária para emissão precisa dos linguoden- Os benefícios potenciais obtidos para a área,
tais (/l/, /n/, /d/, /r/, /t/). Os bilabiais são mais fáceis com esta pesquisa de revisão de literatura, incluem
de serem reproduzidos e observados (geralmente a possibilidade de aquisição de informações que
os primeiros que surgem ao longo do desenvolvi- poderão resultar em maior conhecimento sobre as
mento). Esta é a razão da importância do auxílio alterações encontradas nos pacientes com Sín-
do fonoaudiólogo, pois as orientações necessárias drome de Down, valorizando assim o indivíduo no
serão dadas através deste profissional, para que os seu processo de reabilitação. Assim, conhecendo
adultos não façam exigências, solicitando à criança tais distúrbios podem minimizar o real impacto da
sons muito complexos, que ainda não poderão ser alteração da comunicação em sua qualidade de
emitidos 13,21. vida.
Na SD, desde o nascimento, são encontrados
distúrbios relacionados com a comunicação, princi- n CONCLUSÃO
palmente no que se refere à expressão. A criança
encontra dificuldade para sugar, deglutir 22, masti- A falta de estimulação e o encaminhamento
gar, controlar os movimentos dos lábios e da lín- tardio irão interferir no desenvolvimento fonoarti-
gua e isto ocasiona atraso na articulação dos movi- culatório, assim, por meio da intervenção precoce,
mentos que compõem a fala expressiva. O trabalho será possível a obtenção de melhores resultados,
terapêutico visa nos primeiros anos de vida, melho- fazendo com que grandes problemas tornem-se
rar as funções de sucção, mastigação, deglutição, alterações mínimas 19.
respiração e fonação, que atuam como pré-requisi- Caracterizar os aspectos fonoarticulatórios dos
tos para a aquisição da fala. Esse trabalho de base sujeitos com Síndrome de Down pode proporcionar
torna-se importante devido à hipotonia 21. uma melhor compreensão das alterações inerente
Além de atuar na construção da linguagem (não- a essa população, podendo estas ser abordadas
verbal e verbal) a Fonoaudiologia segue as etapas na reabilitação em suas diversas modalidades, ser-
de desenvolvimento da criança e de sua interação vindo como parâmetro na evolução terapêutica.

ABSTRACT

Background: children with Down’s Syndrome show a retard in language acquisition and develop
inarticulateness distress. This delay has been attributed to the physical and environmental
characteristics that have a negative impact on the development process. Characterizing articulation
aspects of subjects with Down Syndrome may provide a better understanding of the changes addressed
in rehabilitation in their different ways and contribute to the development therapy. For this reason, we
decided to focus in greater depth in one of the most important communication aspects, the articulation.
Purpose: characterize the inarticulateness distress found in subjects with Down Syndrome by means
of a literature review, focusing on the importance of early intervention before such circumstances.
Conclusion: lack of stimulation or late treatment will affect the development phonoarticulatory, thus,
through early intervention it will be possible to obtain better results, causing major problems to become
minimal disturbances.

KEYWORDS: Down Syndrome; Speech Disorders; Diagnosis

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RECEBIDO EM: 31/03/2008


ACEITO EM: 11/11/2009

Endereço para correspondência:


Lívia Barata
Rua Tamandaré, 246/203
São Paulo – SP
CEP: 01525-000
E-mail: liviabarata@gmail.com

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