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COZINHA BRASILEIRA

RODRIGO FREITAS BASTOS


UNIDADE 1 - HISTÓRIA, // A religião
COLONIZAÇÃO, ESCRAVATURA E // Comidas de santo
INFLUÊNCIAS REGIONAIS Alimentação indígena
OBJETIVOS DA UNIDADE // Hábitos alimentares
Introduzir a história da cozinha brasileira e sua evolução; // Técnicas de preparo
Apresentar costumes, técnicas, hábitos alimentares e heranças // Produtos
culinárias dos indígenas; Contribuição de Portugal em nossas mesas
Abordar os primeiros povos colonizadores, suas heranças e // O catolicismo
adaptações culinárias;
// O açúcar
Tratar da miscigenação do povo brasileiro;
// Tradição de família
Explicar conceitos iniciais de cozinha brasileira;
// Doçaria portuguesa
Expor um panorama geral da evolução da gastronomia
brasileira. // Doceria conventual

TÓPICOS DE ESTUDO VÍDEO INTRODUÇÃO

Regiões brasileiras: cultura e historicidade REGIÕES BRASILEIRAS: CULTURA E


HISTORICIDADE
// A interação do europeu com os nativos
O Brasil possui valores culturais de
// A gastronomia brasileira contemporânea dimensões tão grandes quanto sua
Introdução: norte, nordeste, centro-oeste, sul e sudeste extensão territorial, de abrangência
continental. A culinária dos nativos
// Região norte
de diferentes tribos indígenas,
// Região nordeste adaptados aos variados biomas, se
// Região centro-oeste mesclou aos costumes e hábitos alimentares dos colonizadores
portugueses e ganhou influências africanas, por meio dos
// Região sudeste escravos trazidos ao longo de séculos, e de outras culturas que
// Região sul adentraram a nossa, miscigenando os hábitos e costumes
alimentares deste país.
Cozinha afro-brasileira
Sergio Buarque de Holanda, na obra seminal Raízes do Brasil,
// A chegada dos africanos ao Brasil
publicada pela primeira vez em 1936, e desde então
// Cultura e costumes africanos republicada em muitas outras edições, sendo uma das mais
famosas o relançamento de 1995, afirma que Espanha e
// As mulheres de tabuleiros
Portugal são territórios-ponte pelos quais a Europa se
comunica com outros mundos, constituindo uma espécie de Sheila Moura Hue, no livro Delícias do Descobrimento – A
zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns Gastronomia Brasileira no século XVI, de 2008, afirma que o
casos, de europeísmos. Esse raciocínio evidencia que os paladar europeu se ampliou ao ser apresentado a iguarias
portugueses já tinham suas misturas antes de virem ao Brasil, indígenas, como tanajura frita, rãs, cágados, cobras e bicho-de-
além de contato com outras nações e culturas em busca do taquara. Mas os indígenas não assimilaram as plantas e
comércio de mercadorias. animais introduzidos pelos portugueses na culinária: criavam
galinhas para vendê-las, mas não as comiam.
A influência portuguesa inicia o
processo de formação da cozinha Dessa forma, os portugueses utilizaram o conhecimento e
brasileira como conhecemos hoje, por produtos dos indígenas, mas o indígena não o fez
meio da adaptação de técnicas e pratos necessariamente da mesma forma, salvo utensílios e adereços
tradicionalmente europeus ao cenário nunca antes vistos e imaginados por eles, como espelhos e
brasileiro e suas matérias-primas. pentes, que se tornaram moeda de troca por grande quantidade
de comida.
O Brasil, portanto, não oferece uma culinária única, comum em
todo o território, mas maneiras singulares na forma de usar os Raul Lody cita no livro Dendê: símbolo e sabor da Bahia, de
ingredientes, cozinhar e temperar. Essa diversidade resulta em 2009, que produtos nativos do Brasil são chamados "da terra":
diversas gastronomias que refletem suas populações locais: amendoim, mandioca, cará, caju, mamão etc.; os que vieram da
sertanejos, caiçaras, caipiras, matutos, ribeirinhos, África são chamados "da costa" (costa africana, costa dos
interioranos, metropolitanos etc. escravos): dendê, inhame, galinha d’angola; e os que foram
A INTERAÇÃO DO EUROPEU COM OS NATIVOS trazidos pelos portugueses, também da Europa e Ásia, são
chamados "do reino": da Europa, havia laranja, limão, alface,
O primeiro contato do indígena com a salsinha, coentro etc.; e da Ásia, gengibre, cana-de-açúcar, coco,
culinária portuguesa é descrito por entre outras.
Pero Vaz de Caminha em sua carta a
A GASTRONOMIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
El Rei Dom Manuel, de 24 de abril de
1500, conforme disponibilizado pela A chegada de chefs franceses herdeiros da Nouvelle cuisine,
Fundação Biblioteca Nacional (p. 3): no Brasil, nos anos 80, como Claude Troisgros e Laurent
Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram- Suaudeau, inseriu na gastronomia brasileira outros elementos
lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam e técnicas, conferindo mais leveza aos pratos, valorização e
pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados. Deram- utilização de ingredientes frescos, naturais e locais. Assim,
lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e técnicas francesas modernas destacaram os produtos
figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se brasileiros nas preparações, evidenciando e valorizando nossa
alguma coisa provaram, logo a lançaram fora. Trouxeram-lhes cultura de maneira diferente.
vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada,
nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma EXPLICANDO
albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que A Nouvelle cuisine foi um movimento da gastronomia francesa
lavaram, e logo a lançaram fora. originado nos anos 1960 com uma nova maneira de cozinhar e
apresentar pratos da alta gastronomia. Valoriza o sabor O hábito alimentar do brasileiro continua sendo moldado com
original dos alimentos, preservando seu frescor, sabor e a chegada de imigrantes e refugiados de diversas partes do
qualidade. Os pesados molhos clássicos dão espaço a molhos mundo, como Síria, Congo, Venezuela, Líbano, Camarões, entre
mais leves e menos condimentados, e a apresentação dos pratos outros povos, que trazem componentes da cultura de seu país e
deixa de ser exagerada para ser individual, mais enxuta e com contribuem ainda mais para uma gastronomia diversificada.
uma aparência clean. Entre os chefs que iniciaram esse Ao mesmo tempo que esses povos chegam, o movimento de
movimento estão os irmãos Troisgros, Michel Guérard e Paul emigração de brasileiros para diversos continentes também
Bocuse. ajuda a disseminar a culinária típica brasileira ao redor do
Esse olhar para a gastronomia intensificou a falta de mundo.
profissionais qualificados ou sem o treinamento necessário VÍDEO INFLUÊNCIAS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA
para executar esse tipo de prática gastronômica. A formação
desses profissionais no Brasil tornou-se imprescindível – INTRODUÇÃO: NORTE, NORDESTE, CENTRO-OESTE,
escolas iniciaram formações profissionais, reconhecendo a SUL E SUDESTE
gastronomia como uma profissão de formação acadêmica, e não As regiões brasileiras são divididas em agrupamentos de
mais um trabalho de mão de obra meramente braçal. estados segundo suas particularidades e características
Trabalhos de pesquisa e estudos da gastronomia brasileira geográficas, sociais e econômicas, que diferem tanto umas das
fizeram com que ingredientes nacionais ganhassem não só o outras, que a cultura gastronômica, aqui, aparenta ser de
mundo, mas reconhecimento e valor no próprio país. Trabalhar distintas nacionalidades dentro de um mesmo país.
a alta gastronomia, utilizando técnicas clássicas e Apesar da separação dos estados, observa-se entre eles
contemporâneas, com ingredientes exclusivamente brasileiros, algumas características semelhantes, quando não idênticas, na
se tornou o objetivo de chefs como Alex Atala, Roberta culinária. Isso se dá pela exploração, migração, imigração,
Sudbrack, Helena Rizzo, Mara Sales, Rodrigo Oliveira e muitos geografia dos biomas e das fronteiras. Os tropeiros
outros que vêm sendo reconhecidos pelo seu trabalho. transportavam alimentos de um estado a outro e, juntamente
ASSISTA a isso, os seus costumes. O mesmo bioma proporciona a mesma
fauna e flora. A migração e imigração levam consigo os
Chefs de cozinha renomados mostram como a cozinha costumes de um povo, e as fronteiras, muitas vezes, só existem
tradicional brasileira evoluiu e vem se transformando com a no mapa.
valorização dos ingredientes e da profissão. Assista ao episódio
da série Mundo à Mesa, produzida pela TV Gazeta, dedicado ao Na Figura 1 é possível ver o mapa do Brasil, com a divisão bem
Brasil. demarcada dos estados e, além disso, das regiões, separadas
por cores.
A vinda dos imigrantes de vários lugares do mundo moldou
nossas culinárias regionais e, com a globalização, a facilidade Figura 1. Mapa das regiões e estados
da informação e do acesso a produtos do mundo todo fez dos brasileiros. Fonte: Shutterstock. Acesso
centros urbanos verdadeiros polos gastronômicos. em: 18/12/2019.
A seguir, comentaremos de forma introdutória os hábitos Formado pelos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,
culinários de cada uma dessas regiões. Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, as
REGIÃO NORTE características culinárias dessa região vem da mistura dos
indígenas, africanos e portugueses e, no mais tardar, com
A região norte do Brasil é composta pelos estados do Acre, alguma sutileza, da cultura holandesa.
Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins,
constituindo um Brasil pouco conhecido até mesmo por alguns A culinária do nordeste difere em cada estado, mas pode ser
brasileiros. Com notória herança indígena, a região se destaca dividida de forma geral em litorânea, rica em peixes e frutos do
pelo ecoturismo e possui festas folclóricas, como o Festival do mar, com a utilização de dendê e leite de coco; e sertaneja, com
Boi-Bumbá, em Parintins (AM), e Círio de Nazaré, em Belém suas carnes de sol e seca, farinha, rapadura e queijo coalho, que
(PA). contribui para a produção de manteiga de garrafa.

Peixes de água doce têm destaque na região, como o pirarucu, Segundo Vivaldo da Costa Lima, professor emérito da
também chamado de “bacalhau da Amazônia”, que pode chegar Universidade Federal da Bahia, contribuinte do livro Viagem
a três metros de comprimento; o filhote, que pode ser servido gastronômica através do Brasil, de 2002, organizado por Caloca
frito e acompanhado de açaí, disposto como na Figura 2; o Fernandes, a influência africana é definida iconicamente pelo
tambaqui, que ganha fama com suas costelas, e o também uso do azeite de dendê na comida afro-brasileira, cozinha
apreciado tucunaré. regional que se formou no recôncavo baiano. A “cozinha baiana”
é também chamada de “comida do azeite”, devido à importância
Figura 2. Peixe frito com açaí e farinha do azeite extraído do fruto da palmeira trazida pelos africanos
de mandioca. Fonte: Shutterstock. no início do século XVII.
Acesso em: 18/12/2019.
Observa-se também a utilização da pimenta e o comércio de
A mandioca, um dos ingredientes mais comidas tipicamente africanas nas ruas da Bahia no fim do
representativos do Brasil, confundida precipitadamente com século XVIII, como acarajé, acaçá, vatapá e abará. Imagens da
inhame pelos portugueses, é a base da alimentação de tribos de preparação do acarajé nas ruas de Salvador,
várias etnias na bacia tropical do Amazonas. Nessa região, ela como na Figura 3, constituem uma das faces da
é utilizada de todas as maneiras possíveis e valorizada ao identidade visual da cultura local. Repare, na
máximo. imagem, que, enquanto o acarajé é recheado, a
Existe uma quantidade grande de frutas de características massa é frita no já mencionado azeite de dendê.
marcantes, como açaí, buriti, cupuaçu, abiu, graviola, taperebá, Figura 3. Preparação do acarajé. Fonte:
murici, mangaba, pupunha, entre outras Shutterstock. Acesso em: 10/12/2019.
Entre seu pratos mais emblemáticos estão: pato no tucupi,
tacacá, torta de castanha do Pará, torta de cupuaçu, maniçoba, Influências africanas nessa região se mostram em diversos
pirarucu de casaca, pudim de tapioca etc. níveis: em palavras adotadas no vocabulário usual da região,
como: cachimbo, berimbau, batuque, quitute e outras; ou a
REGIÃO NORDESTE comida de santo, que traz preparações e ingredientes oferecidos
O nordeste possui uma culinária bastante marcada pelo uso de aos orixás, como pipoca, caruru, efó, xinxim, mel e inhame, cada
temperos, sabores, cores e aromas. qual com seus gostos e preferências.
A herança portuguesa foi deixada em doces feitos com o açúcar Figura 4. Galinhada com pequi. Fonte:
dos engenhos, ovos, farinha de trigo, queijo e manteiga, dando Shutterstock. Acesso em: 12/12/2019.
origem a bolos, geleias, compotas de frutas e outras delícias da Representando a região, podemos citar ainda
doçaria portuguesa. linguiça de Maracaju, arroz com guariroba,
As frutas do nordeste também são extremamente aromáticas: caribéu, macarrão de comitiva, furrundum,
cajá, seriguela, umbu, caju, jambo, bacuri etc. Entre os pratos peixe na telha, empadão goiano, pamonhas salgadas e doces,
típicos estão ainda arroz de cuxá, galinha de cabidela, paçoca fritas, assadas ou cozidas, arroz de puta rica e arroz de puta
de carne, acarajé, moqueca baiana, bobó de camarão, caruru, pobre.
buchada de bode, patinhas de caranguejo, bolo Souza Leão, bolo REGIÃO SUDESTE
de rolo, entre outras delícias.
No sudeste, cada estado possui sua
REGIÃO CENTRO-OESTE peculiaridade de forma mais visível.
O centro-oeste é uma região que teve sua colonização mais A região é composta por Minas
tardia que as demais, e é composta por imigrantes e migrantes Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e
de outros locais do Brasil. Compreende os estados de Goiás, Espírito Santo. Mesmo tendo
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal. características distintas, alguns
pratos também se repetem, disseminados pelos bandeirantes e
Na região, se destaca o Pantanal, cuja beleza estonteante
pelos tropeiros. Além disso, o bioma da Mata Atlântica passa
abrange do sul do Mato Grosso ao noroeste do Mato Grosso do
por todos os estados, uniformizando aspectos da fauna e da
Sul. Sua culinária, considerada rural, por estar longe dos
flora. Sendo assim, São Paulo divide alguns pratos típicos com
centros urbanos, é composta por carne bovina da pecuária local,
Minas Gerais, como o feijão tropeiro e os farnéis que, como
representados pela carne seca e de sol, sempre presentes na
Caloca Fernandes afirma no livro Viagem gastronômica
alimentação dos pantaneiros; peixes de água doce, como a
através do Brasil, de 2002, deram origem aos atuais virados e
piranha, em seu delicioso caldo; o pacu, ainda preparado no
cuscuzes paulistas.
moquém de influência indígena; e demais peixes encontrados
em seus rios, como o pintado e o dourado. A cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, é berço da apreciada
comida de boteco, com seus quitutes acompanhados de um
Já na culinária urbana ocorre uma miscigenação muito maior,
chope gelado e pratos típicos que homenageiam homens
justificada pela variedade de povos que firmaram suas raízes
públicos brasileiros, como o filé Oswaldo Aranha e a sopa Leão
na cidade. É o caso de Campo Grande, capital do Mato Grosso
Veloso. O prato-símbolo do Brasil, a feijoada, também tem
do Sul, que recebeu imigrantes italianos, libaneses, japoneses,
fortes raízes no Rio.
paraguaios, bolivianos e migrantes mineiros.
Em São Paulo, observa-se duas vertentes: a capital moderna,
Um ingrediente emblemático desta região, com toda a certeza,
funcionando como um polo gastronômico de apelo
é o pequi, típico de toda a região central do Brasil, marcante no
internacional, e o interior, preservando suas tradições. O
sabor e muito utilizado no representativo arroz de pequi
estado teve forte influência de imigrantes à procura de
(Figura 4), principalmente em Goiás e no Distrito Federal.
oportunidades nas fazendas de café, como italianos e japoneses,
que chegaram como mão de obra e se fixaram.
Minas Gerais é marcada pela comida de fazenda que remete à COZINHA AFRO-BRASILEIRA
hospitalidade de seus cidadãos, à ideia de comida farta e à Os povos africanos trazem elementos que
presença de doces artesanais, como os doces de tacho, e queijos influenciam de forma marcante o Brasil,
deliciosos, que levam os nomes de seus locais de origem: Serra principalmente o nordeste e, mais
da Canastra, do Serro e Minas. Ícone brasileiro, o pão de queijo precisamente, a Bahia. No candomblé, por
pode ser consumido puro ou recheado de linguiça, pernil – e por exemplo, a fé dos devotos é guiada por seus
que não com mais queijo, acompanhado de café adoçado com respectivos orixás, o que tem influência
rapadura? Consome-se ainda carne de porco preparada de inclusive nas preferências alimentares: se o santo não gosta de
várias maneiras, galinha, feijão, milho e mandioca. algum alimento, o devoto dele não se alimentará.
A gastronomia capixaba, do Espírito Santo, recebe influências A mão de obra escrava, durante séculos, esteve presente em
do indígena, da região serrana e do litoral. Possui semelhanças todos os âmbitos da vida e do cotidiano do país: dentro das
com as regiões que fazem fronteira, e alguns povos, arraigados casas-grandes, os escravos preparavam alimentos e cuidavam
nas vilas locais, mantêm tradições alemãs e italianas. Entre os dos filhos dos senhores e da casa; nos engenhos, eram
pratos típicos estão a moqueca e a torta capixaba. responsáveis pela plantação, colheita e processamento da cana,
REGIÃO SUL fosse para virar açúcar ou cachaça; nas lavouras de café,
atuavam em todos os processos de plantio, colheita e
Considerada a região mais europeia do
beneficiamento.
Brasil, devido à colonização marcada pela
presença de imigrantes, como alemães, Até a escravatura ser abolida, portanto, como os africanos
italianos, poloneses e ucranianos, o sul é estavam presentes em todos os locais no serviço braçal, não
composto por Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. havia maneira deste fato não influenciar a adaptação de outras
Recebeu imigrantes alemães, italianos, poloneses, portugueses, culinárias, pois, por mais que as receitas fossem de origem
ucranianos e sofre influência dos países vizinhos de fronteira: portuguesa, as mãos que preparavam os pratos eram de
Argentina, Uruguai e Paraguai. escravas africanas, que carregavam consigo uma bagagem e
conhecimentos culinários próprios de seus países de origem.
A região sul é muito associada ao churrasco e ao chimarrão. O
churrasco é comumente preparado com carne de boi e de Mais adiante nos aprofundaremos neste tema.
carneiro, assada lentamente, com uma distância certa da A CHEGADA DOS AFRICANOS AO BRASIL
brasa. O chimarrão é proveniente da erva-mate, e comumente
temos a imagem típica do gaúcho com a cuia em uma mão e a Segundo Raul Lody no livro Dendê: símbolo e sabor da Bahia,
garrafa térmica com água quente na outra, como mostra a de 2009, a África chega ao Brasil por duas vertentes, sendo uma
Figura 5. formação “biafricana”: a primeira, com os portugueses, devido
ao contato destes com o norte da África, Magreb; e a segunda,
Além disso, no litoral catarinense se encontram as melhores com o hediondo tráfico de escravos por 350 anos a partir do
ostras brasileiras, enviadas para todo o país. Na Serra Gaúcha século XVI.
se produz muito vinho, e espumantes que vêm sendo premiados
entre os melhores do mundo, ficando ao lado dos condecorados Para os portugueses, que já utilizavam a mão de obra escrava,
champagnes franceses. não havia preocupação em registrar os hábitos dos africanos,
visto que eram considerados de valor desumanamente Também não há registros que documentem a alimentação dos
equivalente ao de animais domésticos. Os africanos que escravos, mas há relatos de vários cronistas que escreveram
comandavam o tráfico chegavam a aceitar como moeda de troca sobre a alimentação de “gente de serviço”, escravos e
a cachaça, ironicamente produzida pelos próprios escravos, que trabalhadores, com abundância de farinha, vários tipos de
plantavam, colhiam e moíam a cana-de-açúcar nos engenhos. peixes salgados, bananas e outras frutas, como cita Sheila
Estima-se que vieram cerca de 4 a 5 milhões de escravos ao Moura Hue no livro Delícias do descobrimento – a gastronomia
Brasil – estima-se, pois não existe registro oficial de todos os brasileira no século XVI, de 2008.
escravos comercializados, muito menos de quantos perderam A farinha de mandioca era alimento essencial para sustentar
suas vidas durante o percurso. os escravos nos navios negreiros em suas vindas dos países
A introdução dos escravos se fez presente com o aumento da africanos. Assim, era também alimento dos tripulantes das
produção agrícola e, consequentemente, com a necessidade de embarcações, acabando introduzido na dieta de alguns povos
mão de obra massiva que se firmou após a tentativa frustrada daquele continente e gerando uma nova cadeia produtiva de
de utilizar a mão de obra indígena. O negro era mais resistente mandioca fora do Brasil.
em relação à saúde, enquanto o índio era dizimado por doenças AS MULHERES DE TABULEIROS
contraídas no contato com os portugueses. Chegou o ponto
extremo de não haver oferta de alimentos a serem comprados Há quem diga que a comida de rua tem sua origem nos
por falta de mão de obra para produzi-los. Eram então vendidos tabuleiros de quitutes vendidos pelas negras nas ruas da
como mão de obra nas casas-grandes e fazendas, onde Bahia. No final do século XVIII, o cronista Luís dos Santos
cuidavam da limpeza, serviços gerais e da cozinha, e atuavam Vilhena relata, em uma de suas cartas publicadas no
na agricultura e pecuária, nos engenhos e na extração de ouro livro Recopilações de notícias soteropolitanas e brasílicas, de
e diamante. 1802, republicado em 1921 pela Imprensa Oficial do Estado da
Bahia, a venda de vários alimentos que variavam entre
CULTURA E COSTUMES AFRICANOS influências indígenas, africanas e portuguesas produzidas
Nos registros, pouco se fala a respeito dos grupos étnicos pelos negros: mocotós (mãos de vacas), carurus, vatapás,
africanos, se referindo a eles apenas como africanos e escravos, mingaus, pamonhas, canjicas (papas de milho), acaçás,
como se não houvessem diferenças culturais e costumes em seu acarajés, abarás, arroz de coco, feijão de coco, angus, pão de ló
continente. Vieram povos como os fon, iorubá e bantos, de arroz e de milho, roletes de cana e ainda aluá, definida como
exemplos de povos que contribuíram inclusive para que nosso água suja feita com mel e outras misturas.
português se tornasse diferente do de Portugal. Fato é que esse se tornou o ofício de
Os africanos trouxeram suas heranças culinárias no preparo de muitas mulheres que mantinham suas
galinhas de vários modos, nos assados, no caruru angolano, no casas e famílias com o comércio. Gilberto
sarapatel e muitos outros. No Brasil, introduziram o azeite de Freyre, autor da importante obra Casa-
dendê, o quiabo e a pimenta malagueta e, apesar de os grande & senzala, publicada em 1933 e
indígenas já utilizarem as pimentas do gênero Capsicum, revisada, dentre outras edições, em 2003, conta que as senhoras
nativas da América pré-colombiana, foram os africanos que das casas-grandes e abadessas do convento entregavam-se, às
fixaram sua utilização nos pratos típicos brasileiros. vezes, ao comércio de doces e quitutes das negras doceiras,
algumas tão boas que conseguiam juntar dinheiro vendendo A Figura 6 mostra um terreiro de candomblé em Simões Filho
bolos. na Bahia, onde orixás são recebidos em rituais que envolvem
dança, canto e comida, a comida de santo.
A doçaria de rua, segundo Freyre, se desenvolvera na Bahia
como em nenhum outro estado brasileiro, oferecendo bolos de Figura 6. Terreiro de
tabuleiro, doces secos, bolinhos de goma, sequilhos confeitos e candomblé. Fonte:
outras guloseimas. Shutterstock. Acesso em:
A RELIGIÃO 11/12/2019.
COMIDAS DE SANTO
Ao contrário dos indígenas, os africanos
não foram alvo da catequese dos A comida de santo, da senzala,
jesuítas no Brasil, sendo assim, foi parar nas mesas dos senhores
precisavam se firmar na religião que e, depois, difundida pelas negras quituteiras, passou a ser
conheciam de origem. As classes servida em dias de festas. Foi conquistando paladares e se
sacerdotais recriaram seus rituais de dança, música, cânticos, tornou a comida afro-baiana, também considerada afro-
iniciações conventuais, sacrifícios e oferendas em seus cultos, brasileira, por manter as raízes africanas ainda preservadas.
se reunindo em sistemas religiosos dos escravos de origem fon Seu preparo exige rituais que devem ser seguidos com respeito
e iorubá, citado por Vivaldo da Costa Lima, em 2002, no e asseio. Nem todo utensílio e equipamento podem ser
livro Viagem gastronômica através do Brasil, de Caloca utilizados, sendo somente permitidos objetos exclusivos para
Fernandes. este fim, abolindo os que são empregados no dia a dia.
Na Bahia do final do século XVIII, alguns anos antes de o Brasil A chef de cozinha Dadá, com o auxílio de Mãe Cléo, participou
conquistar sua independência, se inicia uma organização social do livro Sabor do Brasil, escrito por Alice Granato em 2012,
unindo diferentes grupos étnicos de escravos, libertos e crioulos apontando as preferências dos orixás:
que, adotados por grupos religiosos iniciantes, fundam o
candomblé. Seja para ofuscar a atenção da Igreja católica ou • Oxum – ama peixe-vermelho e gosta de feijão-fradinho com
não, há uma associação direta entre orixás e santos católicos, cebola e camarão no azeite de dendê;
seguindo calendários semelhantes quanto aos dias de festas e • Xangô – adora quiabo;
comemorações.
• Iansã – recebe acarajé grande com camarão em cima;
A fé do baiano se faz tão presente na cultura religiosa que não
é à toa que o estado é conhecido como a “Bahia de todos os • Oxalá – milho branco (canjica) com mel;
santos”, onde cada devoto tem um orixá, e o costume é que se • Iemanjá – é servida com feijão branco, bem temperado com
façam oferendas para que suas preces sejam atendidas. Não azeite de oliva (aqui, se mostrando uma adaptação da cozinha
somente os orixás devem ter seus gostos atendidos, como o africana à baiana);
próprio devoto segue a preferência de sua divindade africana
em alguns costumes e na alimentação, sendo excluídos os • Nanã – aprecia mingau de carimã (farinha finíssima de
ingredientes impugnados. mandioca);
• Ogum – feijoada e inhame, acompanhado de cerveja ou teriam virado alimento a tribos praticantes do canibalismo. A
vinho; seguir vamos observar mais de perto alguns hábitos e técnicas
comuns a algumas tribos indígenas.
• Exu – carne de bode e xinxim de bofe com camarão e cebola.
O orixá masculino aprecia charuto e uísque, e o feminino, HÁBITOS ALIMENTARES
champanhe e boas marcas de cigarro; A alimentação do indígena é baseada nos ingredientes da
• Oxumaré – arroz e milho-vermelho; natureza, além da fauna e flora oferecidas pela riqueza dos
biomas brasileiros. Tal versatilidade faz da mandioca um dos
• Logun Edé – feijão com milho ao lado;
principais ingredientes da alimentação indígena, junto de
• Obá – canjica com mel, enfeitada com rosas brancas; milho, pimenta, caça e frutos.
• Omolu – pipoca, coco e mel; O índio saía para caçar e pescar, enquanto as índias se
• Loko – frango e moranga. Na oferenda, colocar alpiste; encarregavam de coletar plantas silvestres e água, cuidar da
roça, dos filhos e do marido, fabricar utensílios de cozinha e os
• Ossain – adora frutas como o melão caboclo; utilizar no preparo dos alimentos.
• Ifá – melão branco com bastante mel; TÉCNICAS DE PREPARO
• Todos os orixás gostam de acaçá (massa de milho branco Fazem parte do conhecimento indígena algumas técnicas
enrolada na folha de bananeira). utilizadas até hoje. A paçoca de carne ou peixe com farinha deu
Prato famoso na popular festa de São Cosme e Damião, o origem à paçoca de carne seca – muito consumida na região
caruru de São Cosme ou caruru de Cosme (preparado com nordeste –, feita no pilão até ficar homogênea.
quiabo, camarão seco, feijão-fradinho, azeite de dendê, sal, Métodos e técnicas de conservação foram desenvolvidos pelas
cebola e outros ingredientes) é oferecido ao orixá Ibeji e também índias, como o emprego de fumo, para fazer a cura do jerimum
pode ser chamado de caruru-dos-Ibejis. Ele acompanha outros e prolongar sua validade; e o processo da mixiria, que consiste
pratos típicos e transforma a refeição em um verdadeiro em assar a carne de caça ou peixe em fogo brando, na própria
banquete. gordura e, posteriormente, armazená-la em potes de barro
ALIMENTAÇÃO INDÍGENA fechados, próprios para este fim, método muito semelhante ao
confit dos franceses.
Assim como não se deve fazer alusão aos povos da África
meramente como africanos, os povos indígenas do Brasil Há ainda o moquém (mokaen), método de cocção indígena
deveriam ser acurados também pelas suas variadas tribos, adotado até por piratas franceses. Alguns dizem ser uma
cada qual com sua linguagem, etnia e costumes. Quando Cabral vertente de origem do churrasco, já que se trata de uma técnica
e seus marinheiros foram recebidos pelos indígenas, o de assar e defumar os alimentos, geralmente peixe, sobre uma
conhecimento dos nativos tornou sua estadia e adaptação “grelha” alta, montada com troncos de madeira e colocada
confortável e regada em abundância alimentar. acima da brasa, que pode levar cascas de árvore para dar mais
sabor à carne. Os peixes moqueados podem ser consumidos
Alguns não tiveram a mesma sorte, não se adaptaram bem aos diretamente, virar mojicas (também pode ser feito com peixe
alimentos que encontraram ou, segundo algumas histórias, cozido, sendo retiradas as espinhas, desfiado e cozido no próprio
caldo com farinha d’água ou polvilho) ou virar piracuís, pelo Figura 7. Mandioca, macaxeira ou
qual o peixe moqueado por mais tempo fica torrado, é pilado e aipim. Fonte: Shutterstock. Acesso em:
dá origem a uma farinha, que pode ser feita com qualquer 19/12/2019.
peixe. A mojica de pintado e o piracuí de bodó (uma espécie de A antropoentomofagia é parte dos
cascudo) ou de pirarucu são, respectivamente, prato e hábitos indígenas e uma boa maneira
ingredientes típicos da região norte do Brasil. de obter outra fonte de proteína.
PRODUTOS Atualmente, essa herança se manteve em algumas regiões do
A mandioca é, sem dúvidas, o ingrediente mais importante e Brasil, como no Vale do Paraíba, onde se aprecia a içá (Atta
versátil para o nativo. Dela se aproveita tudo. É o alimento que sexdena), também conhecida como tanajura, preparada
compõe a mesa do brasileiro do norte ao sul e de leste a oeste fritinha e geralmente servida como farofa. O abdômen da fêmea
até a atualidade. Foi difundida pelo mundo e se tornou da saúva, onde ficam suas ovas, é separado para o consumo,
alimento-base também de outras culturas. fazendo a alegria de seus apreciadores. Aos poucos, essa
culinária considerada exótica vem ganhando espaço na
O indígena, dominando a mandioca brava, aprendeu a retirar dispensa de restaurantes, para compor pratos da cozinha
todo o ácido cianídrico, tornando-a um alimento seguro e fonte contemporânea brasileira.
de energia para o corpo. O beiju e as farinhas fazem parte da
EXPLICANDO
alimentação diária dos indígenas, que extraem outros vários
produtos da mandioca, não só da brava, como também da Segundo Ramon Santos de Minas no livro Antropoentomofagia
mansa. ou entomofagia: insetos, a salvação nutricional da
humanidade, de 2016, entomofagia é conceituada, de maneira
Assim, com auxílio do tipiti, o caldo venenoso é extraído da
simples, como o hábito de alimentar-se de insetos.
polpa da mandioca brava ralada, cozido várias vezes e
temperado, originando o tucupi. Com suas folhas, que devem Segundo o autor, o processo evolutivo do homem fez com que
ser fervidas por pelo menos sete dias para serem consumidas, ele passasse por diversos estágios, sempre driblando as
eliminando completamente o ácido cianídrico, dá origem à adversidades em busca da manutenção e não extinção de sua
maniçoba, que substitui o feijão em seu preparo, considerada a espécie. Assim, na condição de caçadores, perceberam que, se
feijoada do paraense. os insetos se alimentavam das mesmas coisas que eles, os
próprios poderiam ser também ótima fonte de alimento e
A mandioca mansa (Figura 7), também conhecida como
atender também à parte nutricional humana.
mandioca doce, macaxeira ou aipim, dependendo da região,
também é muito utilizada. Dela se extrai a fécula, chamada de Dos alimentos consumidos pelos nativos, estão: palmito fresco
goma ou polvilho, que pode ser doce ou azeda, dependendo do e cozido, cará, milho, batata, cacau, guaraná, pimentões e
processo que recebe. Em seus subprodutos existem inúmeras pimentas, amendoim (mindubi), tomate, diversas frutas como
farinhas (carimã, farinha d’água, farinha de mandioca de caju, mamão, abacate etc. Entre as carnes, consomem anta,
Cruzeiro do Sul), puba, tapioca e beijus, que dão origem a peixe-boi, porcos-do-mato, cobras, jacarés e lagartos.
pratos típicos como pudins, bolos e doces. A tartaruga sempre foi muito apreciada pelos indígenas e caiu
no gosto dos portugueses, elaborada de várias maneiras, desde
o ovo até sua carne. Verdadeiras iguarias, como Gilberto Freyre A alimentação conventual, herança dos portugueses, permeia
afirma em Casa-grande & senzala, tal como republicado em as Igrejas e catedrais católicas até os dias de hoje, tendo um
2003, elas dão origem a uma variedade de quitutes no extremo- papel imprescindível na história da alimentação em todos os
norte. Entre os quitutes oferecidos pelos nativos estão o arabu, países em que foram difundidos.
feito com as gemas dos ovos de tartaruga ou tracajá e farinha; Como dito, os portugueses introduziram, no Brasil e em outros
o abunã, ovos de tartaruga ou tracajá moqueados antes de países com os quais realizaram trocas ou se fixaram em
completa gestação e servidos com sal e pimenta; o mujanguê, colônias, vários ingredientes não só da Europa, mas também da
um mingau das gemas dos ovos, também de tartaruga ou Índia, África e outros países e povos com que tiveram contato,
tracajá, com farinha de mandioca mole intumescida de água, como a farinha de trigo, junto da técnica de fritura por imersão
que ganhou o acréscimo do sal ou açúcar dos europeus; e paxicá, no Japão, que deu origem ao tempura, tão tradicional nos
picado de fígado de tartaruga temperado com sal, limão e
restaurantes japoneses do mundo todo. No Brasil, essa técnica
pimenta-malagueta, recebendo as influências dos outros povos. foi levada pelos portugueses, que apresentaram aos indígenas
CURIOSIDADE a fritura em si.
Tamanho é o apreço do brasileiro pela carne de tartaruga que O português levou os negros escravizados ao Brasil para
passou a ser um problema a caça desenfreada destes quelônios, explorar sua mão de obra e, a partir daí, ergueram-se vilas e
até algumas espécies serem consideradas em extinção na portos. Os cozinheiros da época eram europeus com ajudantes
década de 1970 e terem sua comercialização e caça proibidas africanos. Logo, era impossível não haver uma troca de
sob penalidade prevista em lei. experiências.
Em 1979, o Governo Federal criou o Programa Quelônios da A agricultura e a pecuária foram atividades introduzidas por
Amazônia (PQA), com o objetivo de promover o consumo portugueses. Houve contribuição dos escravos também nas
sustentável pelas comunidades locais e aumentar a lavouras e hortas em que trabalhavam. Estes locais abasteciam
conservação da região amazônica, segundo a matéria cidades com alimentos frescos, sementes e mudas de plantas.
"Programa quelônios da Amazônia (PQA) monitora milhares de
A pecuária levou ao Brasil a criação de bodes, cabra e cabritos.
tartarugas em GO", publicada em 2017 no site do IBAMA. O
Do bode se faz farnel, e da cabra se tira o leite, através do qual
consumo de tartaruga é comum pelos nativos da Amazônia.
se produz queijo. Dominava-se ainda a produção de embutidos
CONTRIBUIÇÃO DE PORTUGAL EM NOSSAS MESAS (paio, presunto, linguiça), queijos, defumados, carnes secas e
VÍDEO BANDEIRANTES E TRAPEIROS salgadas e outros métodos.

Portugal é historicamente um país de crenças religiosas Os portugueses trouxeram pães e cereais, como trigo, cevada,
voltadas ao catolicismo. Muitos de seus alimentos e bebidas aveia e arroz; frutas, como uva, figo, maçã, marmelo, pêssego,
giram em torno da Igreja – também fora de Portugal –, também romã, cidra, tâmaras, melão, melancia e coco; e condimentos
fora de Portugal, que sempre se interessou em ser detentora como mostarda, ervas e especiarias.
das técnicas de preparo e fabricação de pães, bolos e doces, O CATOLICISMO
cervejas e vinhos.
Ao chegar no Brasil, os portugueses quiseram doutrinar os
indígenas segundo suas crenças. Os jesuítas se incumbiram da
missão de catequizar os indígenas e convertê-los à nova Os costumes portugueses incluíam a hospitalidade e a etiqueta
religião. social. Deles, criamos o hábito de oferecer um café para quem
pernoitasse hospedado em nossa casa. Para os portugueses da
A religião católica se faz uma importante influência da
época, era considerado um ato de incivilidade recusar o café da
alimentação dos países que a praticam. A doçaria conventual e
manhã oferecido. Quando se recebia visitas ou se visitava
a produção de bebidas alcoólicas nunca foram exclusividades da
vizinhos, era comum oferecer um bolo, feito pelas próprias
Igreja católica, porém, o domínio do preparo e a tradição
mãos, como agrado. Os nobres apreciavam seus banquetes
mantiveram muitas dessas produções artesanais conservadas
fartos com o serviço completo à francesa, onde se incluíam
até os dias de hoje, como licores produzidos em abadias na
pratos como entradas diversas, entremets, pratos principais
Europa, fabricados desde antes de o Brasil ser encontrado por
com proteínas variadas, sobremesas diversas e o fechamento
Pedro Álvares Cabral.
com licores digestivos e café.
Havia também as festas comemoradas pelos cidadãos, fossem
Existem várias heranças culinárias trazidas das casas
homenagens aos santos ou comemorações socais da população,
portuguesas para o Brasil, que se firmaram e se tornaram parte
como casamentos. Cada comemoração possuía seus doces
cultural da alimentação diária, do pobre até o milionário, como
específicos e tradicionais. Comemoravam o São João, o Espírito
Dolores Freixa e Guta Chaves contam em Gastronomia no
Santo, o Natal e a Páscoa.
Brasil e no mundo, republicado em 2012. Para elas, um prato
O AÇUCAR tipicamente português é o cozido. Assim como o sarapatel (feito
Segundo Luís da Câmara Cascudo em A história da com sangue, miúdos e toucinho de porco cortado em pedaços), a
alimentação no Brasil, publicado em 1983, o cultivo da cana de buchada também se incorporou à cultura nordestina. A
açúcar era feito pelos árabes em Granada. Na Ilha da Madeira, diferença está na carne utilizada: Portugal costuma usar o
território de Portugal, o plantio de cana de açúcar era feito em "bucho" do porco, para recheá-lo, enquanto aqui usamos bode.
meados de 1454, ou seja, antes da descoberta do Brasil. O gosto O Brasil também contribuiu com a cultura dos colonizadores. O
do português pelo açúcar teria sido conquistado gradualmente, português incluiu a batata à sua alimentação: no bacalhau,
primeiro pelo fidalgo, chegando a ser utilizado com canela. Mais elaborado de várias formas, no caldo verde, em guisados e em
tarde, se tornou mais acessível e conquistou o gosto das classes cozidos.
mais humildes.
DOÇARIA PORTUGUESA
Os portugueses trouxeram esse cultivo para a Bahia e, mais
Fartes estavam entre os primeiros alimentos oferecidos aos
tarde, o Brasil se torna referência em qualidade de açúcar.
nativos pelos portugueses, como relatado na carta de Pero Vaz
Muito antes das plantações de cana-de-açúcar na Ilha da de Caminha. Consiste em um doce feito com bolo e recheio de
Madeira, a doçaria portuguesa era rica e não utilizava açúcar creme. Um dos primeiros registros da receita é de Lisboa, por
em suas receitas. O mel era a estrela dos doces. Junto das José de Aquino Bulhoens em Arte nova, e curiosa, para
frutas, ele foi o primeiro ingrediente a adoçar a alimentação do conserveiros, confeiteiros, e copeiros, e mais pessoas que se
ser humano. occupão em fazer doces, e conservas com frutas de varias
TRADIÇÃO DE FAMÍLIA qualidades, e outras muitas receitas particulares, que
pertencem à mesma arte, de 1788.
Fartes são feitos em poucos lugares no Brasil atualmente. As 1. Leve ao fogo a água com o açúcar e deixe-os aquecer até
receitas foram se modificando com o passar dos séculos, e doces chegar em 107 ºC;
semelhantes tomaram seu lugar. A receita a seguir, adaptada 2. Adicione a farinha de amêndoas, a cidra ralada e as
da receita da chef Lucia Soares no portal do Museu do Açúcar especiarias, mexendo sempre, até soltar-se do fundo da
e Doce, é feita no Brasil moderno, em que os fartes já viraram panela. Deixe esfriar e reserve.
uma espécie de pastelzinho assado, um pouco diferente da Massa
receita original.
1. Em um bowl, peneire a farinha de trigo com o sal;
Recheio de espécie 2. Com a ponta dos dedos, misture a manteiga com a
• 400g de açúcar farinha, delicadamente e aos poucos, até formar uma
• 200ml de água farofa;
• 200g de farinha de amêndoas 3. Junte metade da água gelada e a gema e, novamente,
• 200g de cidra ralada agregue à massa, delicadamente, com a ponta dos dedos.
• 100g de farinha de rosca Caso fique muito seca, coloque mais água;
• Casca ralada (sem a parte branca) de ½ laranja Bahia 4. Abra a massa com um rolo e corte círculos com o auxílio
• ¼ de colher de café de cravos da Índia em pó de um aro redondo;
• ½ de colher de sopa de canela em pó 5. Coloque um pouco do recheio no centro da massa, molhe
• ½ de colher de café de erva doce as bordas com um pouco de água e feche-as, formando
• 1 pitada de sal uma meia-lua;
6. Em uma vasilha, misture o leite com o açúcar e leve ao
Massa
forno a 180 ºC, por aproximadamente 25 minutos, ou até
• 450g de farinha de trigo dourar levemente.
• 150g de manteiga sem sal gelada cortada em cubos Segundo Luís Câmara Cascudo no livro História da
• 3 gemas alimentação no Brasil, de 1983, o preparo do bolo era repassado
• 100ml de água gelada das avós para as netas e fez parte da educação feminina no
• 1 pitada de sal Brasil. Seu preparo tinha o objetivo de agradar, seja para
• Para pincelar: prestigiar os vizinhos, agradar ao paladar de um futuro marido,
• 100ml de leite fazer a alegria dos filhos ou comercializar nas cidades. Essa
• 50g de açúcar herança dos portugueses trouxe à terra do açúcar renome às
Para pincelar quituteiras, que utilizavam as frutas tropicais no preparo de
compotas e geleias. Entre os doces trazidos pelos portugueses
• 100ml de leite
também se encontrava o alfenim, de influência árabe.
• 50g de açúcar
DOCERIA CONVENTUAL
// Modo de preparo:
O papel das freiras com a doçaria fez com que os preparos
Recheio
fossem refinados e aperfeiçoados, e permitiu que estas
tradições se perpetuassem até hoje, da mesma maneira que à
época do Brasil Colônia. Vieram das tradições doceiras das SINTETIZANDO
freiras: sonho, queijadinha de amêndoas, pão-de-ló, Nessa unidade, vimos que os três pilares do povo e da cultura
farófias, manjar-branco, fartes e outros. brasileiro são: o indígena, nativo desta terra, que já conhecia a
CURIOSIDADE fauna e a flora, dominava técnicas de preparo dos alimentos
locais e possuía seus próprios costumes; os portugueses, que
Luís Câmara Cascudo cita, em História da alimentação no
desembarcaram no Brasil trazendo seus costumes, modo de se
Brasil, que o manjar-branco era feito originalmente com carne
organizar em sociedade, animais, plantas, especiarias, técnicas
de galinha, cozida e desfiada e que, nos dias de jejum, os frades
e tecnologias da época, não só originárias da Europa, mas
substituíam a galinha por peixe e, na cidade de Porto, por
também de outros continentes com os quais já tinham tido
amêndoas.
contato; e os povos africanos, trazidos como mão de obra
O pão de ló era consumido na Páscoa, dia de Nossa Senhora e escrava pelos portugueses, e que também contribuíram com
no Natal. Era um doce de famílias abastadas para dias de festa, costumes culinários, culturais e religiosos, e conhecimentos
pois rendia pouco, portanto, não era popular. quanto ao cultivo da terra e no preparo dos alimentos na
Santo Antônio era homenageado com o bolo que leva seu nome. cozinha das casas-grandes. Essa base cultural fez com o que o
Adaptado ao Brasil, levou farinha de cará. Outros santos Brasil criasse linguagens, religiões e culinárias muito
recebem a mesma homenagem, como São João. Existiam os peculiares.
doces que recebem nomes conventuais, citados por Luís Após alguns anos, imigrantes chegaram ao Brasil procurando
Câmara Cascudo ao longo da História da alimentação no novas oportunidades de vida e agregaram ainda mais cultura,
Brasil, como beijos-de-freira, triunfos-de-freira, fatias-de- contribuindo com técnicas e ingredientes novos. A chegada de
freira, capela-de-freira, creme-da-abadessa, toucinho-de-céu, simpatizantes da nossa terra valorizou nossa cultura e tornou
cabelos-de-virgem, papo-de-anjo, celestes, queijinho-de-hóstia a gastronomia brasileira reconhecida e diversa.
etc. Ainda havia, segundo ele, os satíricos: barriga-de-freira,
Assim, vimos que cada região conta com suas próprias
conselheiros, velhotes, orelhas-de-abade, galhofas, lérias,
características e hábitos alimentares, Dessa forma, é possível
casadinhos, viúvas, jesuítas, arrufadas e sopapos; os
pensar em diferentes cozinhas no território brasileiro: caipira,
cerimoniáticos: capelos-de-Coimbra, manjar real, bolo-rei,
caiçara, interiorana, litorânea, sulista, nortista, e assim por
manjar-imperial, príncipes, marqueses; e os sussurrados, que
diante.
eram confissões, apelos, críticas, murmúrios e queixas:
bolinhos de amor, esquecidos, melindres, paciências, raivas,
sonhos, beijos, suspiros, abraços, caladinhos, saudades.
UNIDADE 2 - INGREDIENTES E
O manjar-branco, segundo Câmara Cascudo em seu livro, é um
doce cortado em cubos feito com leite, galinha desfiada, açúcar
PRODUTOS DA MESA DO BRASILEIRO
e farinha de arroz cozidos até dar o ponto. Há ainda a versão de OBJETIVOS DA UNIDADE
manjar real que mistura a galinha com amêndoas. Foi um prato
Conhecer os ingredientes das diversas regiões que compõem a
proibido por Dom Sebastião por ser demasiadamente luxuoso.
gastronomia brasileira;
VÍDEO A HISTÓRIA DE FEIJOADA
Conhecer as histórias e lendas dos principais ingredientes O Brasil é conhecido por produzir
utilizados na cozinha brasileira; um dos melhores cafés do mundo, e
alguns estrangeiros acreditam que
Conhecer a origem dos principais ingredientes;
as famílias brasileiras tomam um
Identificar os subprodutos dos principais ingredientes; café de excelente qualidade no dia a
Identificar pratos típicos que utilizam os principais dia. Porém, sabemos que esta
ingredientes da cozinha brasileira. realidade não é a vivenciada por todos. É muito comum que as
pessoas não saibam diferenciar um café arábica de um robusta,
TÓPICOS DE ESTUDO tomando um café torrado ao extremo, demasiadamente quente
Origem e uso na gastronomia: café, dendê, pequi, açaí, e cheio de açúcar.
guaraná, coco Brasil, terra das baianas que se vestem de branco nas ruas
// Café: origem, chegada ao Brasil e métodos de preparo vendendo seus acarajés fritos nos tachos de dendê; de frutas
como o açaí – que até tentaram patentear em outro país, mas
// Dendê: origem, utilização e simbologia
foi constatado ser brasileiro; do guaraná, dos tupiniquins, que
// Pequi: fruto, região e produtos parecem olhos e dos coqueiros que forram as praias oferecendo
// Açaí: palmeira, fruto e palmito seu fruto refrescante.

// Guaraná: a lenda e a semente Muitas lendas e histórias são contadas sobre as origens desses
ingredientes, com especulações de origens incertas. Por sorte,
// Coco: origem e seus produtos cronistas do mundo todo descreveram e ilustraram algumas
Os produtos da mesa brasileira: mandioca, milho, feijão, dessas histórias, possibilitando que esses conhecimentos
arroz, carne seca, açúcar, macarrão chegassem até nossas mãos.
// Mandioca, rainha do Brasil O café foi fonte de renda das elites no Brasil Colônia. O azeite
de dendê é um símbolo forte da comida baiana, um dos
// Milho, o cereal das Américas que conquistou o mundo
principais ingredientes que difere a moqueca baiana da
// Arroz e feijão capixaba. O pequi é um fruto particularmente distinto, quem
// Carne seca o prova pode amar ou pode repudiar seu sabor.

// Açúcar Já o açaí conquistou a maior parte dos brasileiros e tem


ganhado o mundo, e enquanto o nativo o consome como
// Macarrão acompanhamento de pratos salgados, nos estados distantes do
Mandioca, o pão do Brasil Pará – ou em outros países, consome-se o açaí adoçado, servido
como sorvete ou em doces. O guaraná é procurado por
VÍDEO INTRODUÇÃO amantes de refrigerante ou por quem busca mais vigor e
ORIGEM E USO NA GASTRONOMIA: CAFÉ, DENDÊ, energia. Por fim, temos o coco, que está presente na cultura de
PEQUI, AÇAÍ, GUARANÁ, COCO vários povos e pode ser consumido como salgado, sobremesa,
docinho, pode compor o prato principal, pode substituir o leite
de vaca em dietas veganas, pode ser usado como soro fisiológico de café do mundo há mais de 150 anos e o segundo maior
e hidratante, e vez ou outra integra as dietas da moda, mas consumidor, perdendo apenas para os Estados Unidos.
também já foi vilão. A primeira mão de obra que os barões do
CAFÉ: ORIGEM, LENDA, CHEGADA AO BRASIL E café utilizaram em suas plantações
MÉTODOS eram de africanos em situação de
DE PREPARO escravização. Em 1888, a escravidão foi
Muitas lendas contam como o café foi descoberto e quando legalmente abolida, mudando a forma
começou seu consumo. Um dos mitos mais encantadores é a de de trabalho empregado nas fazendas. Foi criado o projeto de
Kaldi, um pastor de cabras. Em suas caminhadas com o colonização agrícola, onde eram oferecidas terras aos
rebanho, Kaldi não pôde deixar de reparar que seus animais imigrantes para povoar e demarcar o território. Chegaram
consumiam uma frutinha avermelhada, proveniente de poloneses, ucranianos, escandinavos, noruegueses, belgas,
arbustos e que ficavam no percurso do pastoreio. espanhóis, sírios, libaneses, japoneses e, principalmente,
italianos.
Quando as cabras se alimentavam das frutinhas, tinham mais
energia, ficavam mais animadas e conseguiam andar por Existem dois tipos de café que são os mais difundidos no
longas distâncias e por mais tempo. Kaldi Ficou curioso com as mercado: arábica (Coffea arabica) e robusta ou conilon (Coffea
frutinhas e as levou a um monge, que secou os grãos e os tornou canephora), também chamados respectivamente de cafés
em água fervente, tomando a bebida quente. Percebeu que especiais e de commodity. O Brasil produz os dois, porém o café
conseguia se manter acordado e mais disposto durante rezas arábica, que possui melhor qualidade, ganha mais prestígio
noturnas e horas de leitura. Desta forma, o café teria sido fora do país, pois a maioria é exportado. Historicamente, o café
difundido através dos monastérios islâmicos, sendo cultivado de commodity liderou a produção cafeeira do Brasil,
pela primeira vez na região onde hoje se encontra o Iêmen. explicando, juntamente com a diferença monetária, a
preferência e principalmente o costume do brasileiro de tomar
O café é originário da Etiópia e os manuscritos mais antigos o cafezinho feito todos os dias com grãos de conilon.
sobre o consumo do fruto datam do ano de 557, no Iêmen.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), CONTEXTUALIZANDO
Kaffa, província no sudoeste da Etiópia, seria o local de origem O café de commodity tem importante papel na economia
da planta, mas seu nome se origina do árabe qahwa, que brasileira e até que os cafés especiais ganhassem maior
significa vinho. Era conhecido como “vinho da Arábia”, na destaque, seu preço sofria altos e baixos. Na crise de 1929,
Europa, e foram os árabes que difundiram a cultura de beber o quando a bolsa de Nova Iorque quebrou, o valor do café caiu
café como alternativa às bebidas alcoólicas, pois o consumo de bruscamente. Com o intuito de conter a queda, milhares de
álcool é proibido pelo islamismo. sacas de cafés foram queimadas para diminuir a oferta e
O café foi plantado pela primeira vez no Brasil em 1727, no aumentar o valor no comércio internacional, pois o Brasil era o
Pará. Com o favorecimento do clima, as plantações foram logo maior exportador. No fim da crise, a produção voltou a crescer
se alastrando e a produção de café ganhou, além do Pará, os e o Brasil se manteve como maior produtor de café do mundo.
estados do Maranhão, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, A preferência de preparo do café do dia a dia no Brasil é o coado,
Espírito Santo, Bahia e Rondônia. O Brasil é o maior produtor utilizando coador de pano ou de papel. Também se consome
muito café expresso e, atualmente, os cafés em cápsulas vêm escravizados e foi na Costa do Dendê, local entre Salvador e
ganhando mercado. Existem muitos outros métodos de preparo Ilhéus, que o dendezeiro melhor se adaptou.
de café: com coadores e suportes diferenciados, prensa O nome dendê vem do quimbundo dendém, como é chamado em
francesa, ibrik (turco), sifão (a vácuo) e cafeteira italiana. Angola. Tanto na África quanto no Brasil, o óleo extraído do
As primeiras cafeterias surgiram em Meca fruto recebe várias denominações, podendo ser chamado de
como locais para conversar e ouvir música “azeite de dendê”, “azeite de cheiro”, “óleo de dendê”, “óleo de
tomando café. O hábito de tomar café coado palma”, “epó” ou somente pelas simples palavras “óleo” ou
com leite e adoçado foi criado em Veneza, em “azeite”, sendo o azeite de oliva o “azeite doce”.
1687. No Brasil, as cafeterias vêm conquistando espaço com Da planta se utiliza tudo: as folhas servem de cobertura para
cafés especiais preparados por baristas. Também se consome casas; o palmito é comestível e é retirado do caule; da seiva se
muito café ao final das refeições nos restaurantes. faz vinho; do óleo da semente se faz sabão, sabonete, velas,
Nas padarias e botecos, é comum pedir um carioca – café detergente ou pode ser utilizado para o consumo; da polpa do
expresso com mais água, parecido com o americano; um fruto se extrai o azeite de dendê e o óleo de palma. Foi usado
pingado – serve-se o leite em um copo americano com uma pelos faraós do Egito e hoje é utilizado como cosmético e
quantidade proporcional menor de café, que seriam os “pingos”; matéria prima para produção de biodiesel. O azeite de extração
um expresso, que no Brasil possui 50 ml, enquanto em outros a frio é utilizado na África e no Brasil, enquanto o óleo – que
países não passa de 30 ml; ou uma média, conhecida como latte passa por refino e perde totalmente as características que
nos outros países, é o café expresso com leite vaporizado e uma conhecemos do dendê como cor, aroma e sabor – é amplamente
fina camada de espuma. Essas são as maneiras brasileiras de utilizado em produtos alimentícios por todo o mundo pela sua
beber o cafezinho. produtividade e seu valor de mercado.
Na gastronomia, o café está no clássico italiano tiramissú e A presença do dendê é característica marcante da cultura
saboriza outras sobremesas como parfaits, panacotas, mousses, africana na comida brasileira juntamente com os temperos e
cheesecakes, tortas, suflês, bolos, e no Brasil varia o sabor do técnicas de preparo. O dendê está presente principalmente na
brigadeiro. cozinha baiana, mas também é utilizado em outros estados no
Nordeste e no Norte. Seu uso foi repassado por africanos
Na Figura 1 temos a foto de um especialista em café fazendo a
escravizados e afrodescentes e introduzido na mesa colonial, de
análise sensorial dos grãos torrados e moídos que receberão
forma que o dendê está presente em quase todos os pratos
classificação segundo suas qualidades.
baianos, seja no preparo ou na finalização para decorar. Seus
Figura 1. Especialista em café analisando a pratos fazem parte das festas de todas as religiões, das cozinhas
qualidade do produto final. Fonte: residenciais às cozinhas dos terreiros. No candomblé, o dendê é
Shutterstock. Acesso em: 03/03/2020. tão importante que os orixás podem ser separados entre os que
DENDÊ: ORIGEM, UTILIZAÇÃO E SIMBOLOGIA apreciam o azeite, chamados de orixás “quentes”, e os que não
se agradam com ele, os chamados orixás “frios”.
O dendê é originário dos países da costa ocidental da África, de
Guiné-Bissau a Angola. Os frutos da palmeira Elaeis Raul Lody cita os pratos feitos com dendê no livro Bahia bem
guineensis teriam chegado ao Brasil com os africanos temperada, de 2013, (n.p.):
Cardápios do azeite: abará, acarajé, amalá, amori, arroz de Além de ingrediente, ele é um condimento que tempera cozidos
hauçá, axoxó, bobó de camarão, caruru de azedinha, caruru de e arroz devido ao seu sabor perfumado. Sua safra é de
bredo, caruru quioiô, caruru de vinagreira, caruru, doboru, novembro a fevereiro, portanto, é encontrado com facilidade em
ebô, efó, eguedé, farofa amarela, farofa de azeite, farofa de conserva em lascas ou em creme, mas também pode ser
bambá, latipá, milho de iemanjá, moqueca de aratu, moqueca
encontrado congelado. Pequi é um fruto rico em lipídeos e tem
de bacalhau, moqueca de bebe-fumo, moqueca de camarão,
seu óleo extraído e utilizado para consumo e para a indústria
moqueca de carne-seca, moqueca de fato, moqueca de folha,
moqueca de maturi, moqueca de miolos, moqueca de ostras, de cosméticos na fabricação de sabonetes e cremes.
moqueca de ovos com camarão seco, moqueca de peixe em Suas preparações tradicionais são o arroz de pequi e a
postas, moqueca de peixe salgado, moqueca de peixe miúdo, galinhada, mas também pode ser utilizado no preparo de
moqueca de pitinga, moqueca de pitu, moqueca de siri-mole, licores, farofas, sorvetes, compotas, purês, molhos, doces e
moqueca de sururu, omolocum, peixe frito no azeite de cheiro,
cozidos. A castanha, protegida pelos espinhos, também é muito
vatapá de bacalhau, vatapá de galinha, vatapá de peixe,
apreciada. Crua, assada ou cozida, pode ser consumida pura,
xinxim de bode, xinxim de galinha.
em farofas, doces e licores.
PEQUI: FRUTO, REGIÃO E PRODUTOS
AÇAÍ: PALMEIRA, FRUTO E PALMITO
Figura 2. Pequizeiro e
Euterpe oleracea é uma palmeira da família Arecaceae, a
pequi. Fonte: Shutterstock.
mesma do dendezeiro, da pupunheira e do coqueiro e seu caule
Acesso em: 03/03/2020.
também é comestível, oferecendo seu palmito. Seu nome se
A Figura 2 mostra o pequizeiro e origina do tupi “yá-çai” que quer dizer “fruto que chora”.
seu fruto, o pequi. Os frutos
No Maranhão também é chamado de “juçara” ou “juçara de
possuem casca grossa e a polpa é
a parte amarela que tem seu touceira”, mas se distingue da planta que quase entrou em
extinção, o palmito juçara (Euterpe edulis). O açaí também
tamanho variado entre uma gema e um ovo inteiro. É
ganha outros nomes na Amazônia, como “açaí verdadeiro”,
necessário cuidado ao consumir o fruto, pois há espinhos que se
“açaí de touceira”, “açaí do baixo amazonas” e “açaí de planta”
localizam logo abaixo da polpa. Ela deve ser raspada com os
segundo a EMBRAPA.
dentes, roendo-a, e jamais deve ser mordida para não correr o
risco de se machucar com os pequenos espinhos. O fruto açaí é consumido mundialmente como um creme,
geralmente batido com xarope de guaraná com acréscimo de
Caryocar brasiliense é uma árvore nativa do bioma do cerrado
frutas, granola e os mais diversos toppings, dependendo do
que abrange São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato
local. O açaizeiro é proveniente das regiões Centro-Oeste e
Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal, Goiás,
Norte, principalmente do Pará, onde é consumido de forma
Maranhão, Tocantins, Pará, Piauí, Ceará e Bahia. Pequi vem
diferente do restante do Brasil e outros países. Para o paraense,
do tupi, e “py” quer dizer casca e “qui” significa espinho.
o açaí é acompanhamento de peixe fresco com farinha de
Também é conhecido como “piqui”, “jiquiá”, “piquiá”, “amêndoa
mandioca. Comida diária dos ribeirinhos, deve ser consumido
do espinho”, “piquirama”, “piquiá-bravo, “piqui do cerrado”,
fresco, extraído no mesmo dia, com poucas horas, num creme
“grão-pequiá”, “pequerim”, “pequiá-pedra” e “suari”.
liso. Também pode ser consumido como bebida, com farinha de
mandioca e açúcar. Além do açaí mais conhecido, o roxo,
existem outras espécies de açaí, como o açaí branco e o açaí Existem algumas versões diferentes da lenda do guaraná. Uma
solitário, sendo este nativo da floresta amazônica e faz parte delas conta a história de um casal que era infeliz pela falta de
dos alimentos brasileiros da arca do gosto do Slow Food Brasil. filhos. Pediram a Tupã e a mãe deu à luz um menino que trouxe
muito orgulho aos pais, que era muito amado pela tribo e que
Muitas lendas fazem parte da cultura indígena e o açaí também
se tornaria um grande guerreiro. O estimado curumim foi
tem a sua. A lenda do açaí conta que no local onde hoje está a
colher frutinhas na floresta sem avisar ninguém. Jurupari,
cidade de Belém, no Pará, vivia uma populosa tribo que
entidade do mal, com inveja do menino se transformou em
passava por um momento de escassez. Deste modo, o cacique
serpente e o atacou enquanto estava distraído com a coleta.
decidiu que todos os bebês que nascessem a partir daquele
Quando foi encontrado, estava morto e com os olhos abertos e
momento seriam mortos, pois não haveria comida para
serenos. Todos da tribo ficaram muito tristes e no mesmo
sustentá-los. Porém, sua filha, Iaçã, deu à luz uma menina. O
momento caiu um raio, e era Tupã, que orientou a mãe do
cacique não hesitou e matou sua neta. Iaçã chorou por muito
menino a enterrar seus olhos, pois traria felicidade para a tribo.
tempo e em uma noite avistou sua filha ao pé de uma palmeira.
Fizeram o que divindade aconselhou e alguns dias depois
Tomada de alegria, abraçou o bebê, que não passava de uma
nascera o primeiro guaranazeiro, com frutos semelhantes aos
ilusão. No dia seguinte, Iaçã foi encontrada morta, abraçada ao
olhos do curumim, trazendo longevidade e alegria a todos.
tronco da palmeira e com um sorriso no rosto, olhando para os
frutos da planta. O cacique mandou espremer os frutos para ASSISTA
extrair seu suco e percebeu o quanto era nutritivo. Então, Assista ao vídeo que mostra a fabricação do bastão de guaraná
retirou sua ordem de executar os bebês, pois não iria mais faltar através de processo tradicional da tribo Sateré-Mawé.
comida para a tribo. O nome dado ao fruto foi em homenagem
a Iaçã, seu nome ao contrário, como agradecimento a Tupã. COCO: ORIGEM E SEUS PRODUTOS
GUARANÁ: A LENDA E A SEMENTE O coqueiro, Cocos nucifera, é originário da Ásia e foi trazido
pelos portugueses que cultivavam a palmeira em Cabo Verde.
O guaraná é um arbusto e seu fruto Foi plantado em toda a orla baiana, ficando conhecido como
é considerado energético, pois “coco-da-bahia” e também “coco-da-índia”, se referindo às
possui cafeína. Representado em origens.
bebidas como o refrigerante, pode
ser encontrado como xarope que é O coco dá origem a vários subprodutos: do coco fresco se extrai
combinado com o açaí, em pó ou em a água, do coco seco se extrai o coco ralado (do fino ao grosso),
bastão. Seu nome científico é Paullinia cupana e foi difundido lascas de coco, açúcar de coco, óleo de coco, coco em pedaços,
pela tribo Sateré-Mawé, que beneficiam e comercializam em fitas de coco e leite de coco. Em relação ao último item da lista,
larga escala o pó de guaraná, feito com as sementes secas e há o relato de Frei João dos Santos, feito na primeira década do
moídas, e os bastões de guaraná, feitos com sementes do século XVII, acerca da extração do leite de coco para o preparo
guaraná piladas que viram pó e, misturadas com água, viram do arroz de coco, citado por Luis da Câmara Cascudo
uma pasta. Para ralar o bastão é utilizado um pedaço de cuia em História da alimentação no Brasil, de 2004:
ou a língua de pirarucu seca. É tradição das tribos oferecerem Do miolo do coco fresco se tira leite com que cozem arroz, ralado
água com guaraná de bastão ralado ao visitante. com um ralo e bem lavado em duas ou três águas, e espremido
entre as mãos, de modo que lhe façam lançar toda a umidade principais com proteínas variadas (peixe,
que tem. E d’esta maneira fica com o coco tão seco e miúdo, pato, peru, porco), pelo menos duas
como farelo de pau, e pelo contrário a água em que foi lavado sobremesas diferentes, frutas e, para
fica tão grossa, que parece leite de vacas muito alvo, ou de finalizar, café, licores e até charutos, tudo
amêndoas, e com esta água se faz o arroz de leite tão bom que isso para uma simples inauguração.
fica mais saboroso que pudera ficar, se fora cozido com qualquer Tudoservido no capricho e com o uso de porcelanas, cristais e
outro leite (p. 182-183). pratarias.
Assim como na Índia, o Brasil utiliza o leite de coco como Assim como os franceses, os suíços
condimento e tempero, ainda que os indígenas consumissem também vieram em pequenos grupos,
somente a polpa da fruta. Dentre os pratos típicos, podemos não como colonos, mas como
citar o arroz de coco, o manjar de coco, a moqueca baiana, a missionários fugidos da perseguição
canjica, os mingaus, o bolo, o sorvete e as peixadas. religiosa em 1557. E assim, vieram
soldados mercenários, padres jesuítas,
VÍDEO TRAJETÓRIA DO CAFÉ
desbravadores e pessoas sem expectativas de ficaram no país.
OS PRODUTOS DA MESA BRASILEIRA: MANDIOCA, A colônia que viria a se chamar Nova Friburgo imigraria ao
MILHO, FEIJÃO, ARROZ, CARNE SECA, AÇÚCAR, Brasil apenas em 1819.
MACARRÃO
Um grande número de imigrantes italianos vieram para
Os produtos que compõem a mesa brasileira têm influências trabalhar nos cafezais na virada do século XIX para o século
das três populações que formaram as primeiras gerações de XX, e trouxeram hábitos e pratos que se fixaram em nossos
brasileiros: indígenas, portugueses e africanos. Além deles, costumes. O costume de comer macarronada aos domingos,
outras culturas adentraram ao Brasil de várias maneiras e em comer pizza e consumir queijo sã algumas das muitas
várias épocas. influências italianas.
As primeiras colonizações aconteceram com o cultivo de cana- Muitos estrangeiros vieram para trabalhar nas lavouras de
de-açúcar e tinham o interesse em dominar as terras e café no oeste paulista, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia,
demarcar o território português. Com o ciclo do ouro, mais Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. No Paraná, as
portugueses vinham ao novo continente; depois é a vez da casas ganham arquitetura europeia, com telhas para dias de
economia cafeeira e, até então, toda a mão de obra havia sido neve, por exemplo, que se tornaram mais ornamentais do que
feita por africanos ou indígenas em situação de escravidão. funcionais; os alemães trazem o associativismo, que mais tarde
Após a lei Áurea, a vinda de imigrantes foi incentivada, seria adotado pelas cooperativas.
trazendo pessoas oriundas principalmente da Europa.
Os japoneses chegaram em 1908 para trabalhar na agricultura
Os franceses chegaram aos poucos, e alguns cozinheiros e chefs e atualmente o Brasil é o país com a maior colônia de japoneses
de cozinha que vieram com a monarquia haviam trazido seus fora do Japão. Um ano depois, os holandeses chegaram e
menus da alta gastronomia. Os banquetes contavam com montaram cooperativas de laticínios que hoje são grandes
cardápios que Dom Pedro II gostava de colecionar, os serviços indústrias com tecnologia de ponta.
eram compostos sempre de entradas, entremets, pratos
No período de 1870 a 1930, o Brasil barraquinhas em feiras que oferecem comidas oriundas de
teve um fluxo migratório intenso, países de ondas imigratórias recentes. Alguns comércios ainda
sendo que cada imigrante saiu de se mantêm restritos e mais reservados às suas colônias, mas
sua terra por um motivo, seja cada vez mais a curiosidade do brasileiro em conhecer as novas
político, religioso ou econômico, e culturas que aqui se estabelecem faz com que a gama de
procuravam por melhores sabores, técnicas e ingredientes se ampliem a cada dia.
condições. Nem sempre as promessas de se estabelecer em uma MANDIOCA, RAINHA DO BRASIL
nova terra, com conforto de um lar, foram cumpridas. Muitos
não resistiram ao percurso demorado nos navios e, ao chegar, Denominada “rainha do Brasil” por Câmara Cascudo e
se depararam com doenças como a malária e os desafios de se confundida com o inhame pelos primeiros portugueses, ela
adaptarem em um novo continente. recebe os mais variados nomes dependendo da região: cassava,
macaxeira, aipim ou mandioca.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o fluxo de imigrantes caiu
e na década de 1980 se inicia o movimento de emigração, ou A mandioca possui uma grande variedade de espécies e
seja, os brasileiros saíram do Brasil para o exterior, onde seus podemos dividi-las em mandioca mansa e mandioca brava. A
destinos são Estados Unidos, Europa, outros países da América mandioca brava possui ácido cianídrico, tóxico ao ser
do Sul e Ásia. Ao mesmo tempo, uma leva de imigrantes de humano, precisando passar por alguns pré-preparos para
novos países chegou ao Brasil: bolivianos, chineses, paraguaios, eliminá-lo e se tornar comestível, tanto as folhas quanto a raiz.
chilenos, peruanos, coreanos e angolanos. A mandioca mansa é a mandioca de mesa, que pode ser
consumida tranquilamente, pois não é tóxica.
Os povos que aqui se estabeleceram foram responsáveis pela
formação e identidade do Brasil como um país culturalmente EXPLICANDO
rico e etnicamente miscigenado, e as nacionalidades e etnias O ácido cianídrico presente na mandioca brava (Manihot
enriquecem a região no qual estão instaladas, depositando seus esculenta) ataca o sistema nervoso central e pode causar
costumes, culturas e hábitos alimentares. Cada região do sintomas como vertigem, taquipneia, pulsação fraca, cefaleia,
Brasil possui influências de outras nações que se enraizaram e arritmia cardíaca, convulsões, vômitos e pode levar ao coma e à
se manifestam em pratos e ingredientes típicos de cada local. morte. Uma menor exposição pode causar tontura, falta de ar,
Já na década de 1990, houve a chegada de refugiados vindos de indisposição e dores de cabeça. A exposição prolongada pode
Angola, Serra Leoa, Libéria, República Democrática do Congo, causar algumas doenças como a neuropatia tropical atáxica
Colômbia, Iraque e, em 2010, chegaram os haitianos. Esse (NTA) que causa perda gradual da coordenação motora, da
processo de imigração e acolhimento de refugiados tende a audição, da visão e sensorial; konzo, que causa uma paralisia
continuar enquanto houver conflito em outros países. Os súbita e irreversível nas pernas;
motivos de imigração, migração e refúgio têm hoje um bócio e hipertireoidismo.
significado e motivos muito distintos daqueles da época do Figura 3. Tipiti. Fonte:
Brasil Colônia ou do início do século XX. Shutterstock. Acesso em:
Os costumes dos últimos povos vêm se estabelecendo aos poucos 03/03/2020.
e é possível encontrarmos restaurantes, food trucks e
A Figura 3 mostra a imagem do tipiti, uma prensa cilíndrica exposto, “goma” da carimã como se tira mandioca ralada.
feita de palha pelos indígenas para extrair o caldo da mandioca Aproveitam-na toda. Por isso a carimã, a farinha d’água no
ralada, matéria prima do tucupi. O tucupi é o sumo extraído da Maranhão, Pará, Amazonas, é mais forte e substancial.
mandioca brava ralada, espremida no tipiti. Esse caldo é Antes de ser carimã, farinha d’água ou farinha de mandioca
mantido em repouso e o que se deposita no fundo é a goma que puba, é importante lembrar que a massa de puba é a massa
seca, formando o polvilho. O caldo restante é cozido para obtida da mandioca fermentada, e conforme descrição de
eliminar o ácido cianídrico e temperado com chicória do Pará e Cascudo, fica de quatro a cinco dias com água no sol. Além de
pimenta de cheiro, acondicionado em garrafas, geralmente dar origem às farinhas citadas, úmidas, ela é ingrediente usada
PET, e vendidos para o preparo de pratos como pato no tucupi para fazer bolo. Abaixo, vemos a imagem da farinha d’água que
e tacacá. O tucupi, quando é reduzido, ganha coloração escura possui uma coloração amarelada e possui maior granulometria,
e é chamado de tucupi negro, de aparência semelhante ao e diferentemente da farinha de mandioca comum, essa farinha
molho shoyu ou vinagre balsâmico. Para se obter meio litro, são é muito comum na região norte.
necessários 10 litros do tucupi tradicional. A mandioca
Figura 5. Farinha d’água. Fonte:
espremida é levada ao forno para virar farinha. A Figura 4
Adobestock. Acesso em: 03/03/2020.
mostra o tucupi comercializado em Belém do Pará.
Cada região brasileira tem sua
Figura 4. Tucupi comercializado
preferência ou maneira de preparar sua
em Belém do Pará. Fonte:
farinha de mandioca. Além das já citadas,
Shutterstock. Acesso em:
no Recôncavo baiano se prepara a farinha de copioba,
03/03/2020.
levemente amarelada, fininha e mais crocante que a farinha
As folhas da mandioca brava, a comum, pois possui quase 10% menos teor de umidade. Sua
maniva, que cozinham por uma coloração amarela pode ser artificial ou cúrcuma. Na
semana para deixarem de ser toxicas, são matérias-primas Amazônia, muito se aprecia a farinha de Uarini e sua produção
para a maniçoba, considerada a “feijoada paraense”. Ela é é muito parecida com a farinha d’água. A diferença entre elas é
composta por carnes e miúdos de porco, acompanhada de arroz que antes da farinha de Uarini ser seca, ela é “boleada” para
e farinha de mandioca. Também é apreciada no Recôncavo ficar redondinha como ovinhas e depois é torrada. A farinha de
baiano. Cruzeiro do Sul é produzida no Acre e em 2019 virou
Câmara Cascudo em História da alimentação no Brasil, p. 97, patrimônio cultural. Ao contrário das farinhas d’água e de
cita como a farinha carimã é feita, também chamada de Uarini, a mandioca não fermenta e uma série de cuidados são
“farinha d’água”, “farinha de mandioca puba” ou “mandioca tomados para que isso não ocorra na produção. Caso aconteça
mole”: a fermentação, a produção é perdida. A farinha é granulada e
seu sabor é levemente adocicado. Cada região tem sua
Põem a mandioca com casca e tudo em vasilhas com água ao
preferência e no Sul e Sudeste a farinha mais fina e seca faz
sol durante 4 a 5 dias até amolecer e a casca afrouxar,
mais sucesso.
largando pelo simples contato. Colocam essa mandioca dentro
de um saco, pendurado para escorrer, um a dois dias. Tira-se A farinha de mandioca está presente em todas as regiões
a massa e espreme-se com a mão, fazendo-se bolinhos brasileiras e é base na alimentação desde que os povos nativos
oblongos que vão secar numa urupema ao sol. Não se tira, pelo
dominaram seu preparo. Fez parte da mesa dos colonizadores Antes da chegada dos portugueses, o milho ocupava mais terras
e dos africanos escravizados, do rico e do pobre, acompanhando do que a mandioca. O milho traz sua versatilidade no preparo
os mais tradicionais pratos típicos e originando novos pratos. de canjicas, pipoca e farinhas das quais viram mingaus,
cuscuzes, polentas, bolos, farofas.
Muitos dos pratos feitos com a farinha de mandioca encontram
na farinha de milho uma boa alternativa de preparo, sendo Não tão representativo como a mandioca, o milho esteve
assim, é comum haver versões, adaptações e regionalidades que presente na alimentação indígena nas Américas,
alternam as duas farinhas. É o caso da farofa, presente no principalmente na América do Norte, Central e na costa do
Brasil inteiro, com ingredientes variando de região para região, Pacífico. Era cultivada por alguns povos com as variedades de
seja com dendê no Nordeste, com pinhão no Sul, com couve no amarelo, preto e vermelho.
Sudeste, com farinha d’água no Norte ou com banana no O Zea mays era consumido cozido ou assado no Brasil,
Centro-Oeste. O pirão de influência portuguesa vem da mistura enquanto nas outras Américas virava tortilha pelo processo
dos caldos dos cozidos engrossados com a farinha de mandioca, de nixtamalização e chicha fermentada pela ação das
mistura que rendeu um acompanhamento saboroso para enzimas contidas nas bocas de quem mastigava e cuspia o
carnes, legumes e moquecas. milho. Os povos originários brasileiros faziam o abatií, uma
O chibé, “xibé”, “cimbé” ou “cimé”, bebida usada em cerimônias que passava pelo processo de
bebida indígena da Amazônia, foi fermentação pelas enzimas da boca das mulheres mais velhas
difundida pelo Brasil como jacuba. e cunhãs da tribo. Também chamado de caiçuma, uma
Era feito da mistura de farinha de referência genérica para as bebidas, que geralmente são
mandioca com água, mais água do fermentadas e preparadas com mandioca ou milho verde. A
que mandioca. Inicialmente era uma caiçuma de milho pode ser consumida com amendoim
bebida e hoje virou acompanhamento nas refeições dos (mudubim).
pescadores que levam um pouco da farinha de mandioca nos CURIOSIDADE
barcos, umedecem com água e colocam-na para acompanhar os
peixes assados. A nixtamalização é um processo desenvolvido no México em que
o maíz (milho branco utilizado para fazer tortilhas) passa por
Foi adicionada a rapadura, trazida pelos africanos em situação um cozimento em solução alcalina, composto por cal ou cinzas,
de escravidão, mas podia ser adoçada também com mel ou para ajudar a retirar a película que envolve o grão, ajudando
açúcar. Os tropeiros utilizavam tanto a farinha de mandioca na digestão. Depois de cozido, o milho é triturado e vira base
quanto a farinha de milho. para as tortilhas ou para os tamales. Não existem muitos
Além do chibé, outras bebidas eram produzidas com a registros sobre a origem desse processo, mas ele melhora o
mandioca, generalizadas como cauim ou caiçuma. Primeiro, aproveitamento nutricional do milho.
deve-se mastigar a mandioca, cozer em fogo baixo e depois Segundo Caloca Fernandes em Viagem gastronômica através
deixar fermentar. Assim é feito o aipij, que se bebe morno, e da do Brasil, de 2002, a lenda indígena conta a história de dois
farinha de mandioca se fazia o tipiaci e beeutingui. guerreiros que foram atrás de “caça, pesca ou qualquer outro
MILHO, O CEREAL DAS AMÉRICAS QUE alimento para a família”, em vão. Nhandeiara, o grande
CONQUISTOU O MUNDO espírito, havia dito que somente após uma batalha mortal entre
os dois irmãos é que conseguiriam alimento, pois enterraria milho quebrado em pedaços menores é a quirela, utilizada no
quem perdesse e do seu túmulo nasceria uma planta que preparo da canjiquinha, e pode ser cozida com carnes como
salvaria a tribo da fome. O irmão derrotado, Avati, que significa costela de boi ou de porco, sendo o prato típico da cidade Lapa,
milho em tupi, foi enterrado e deu origem ao milharal. no Paraná, chamado de “quirera lapeana”. A milharina torna o
preparo mais prático e rápido, pois são pequenos flocos de milho
Ainda segundo Caloca Fernandes, os portugueses começaram
pré-cozidos, e são utilizados no preparo de cuscuzes, polentas,
usando o milho como ração para os animais e como alimento
bolos, mingaus e angus.
dado aos escravizados indígenas e africanos. Antes de virar bolo
pela mão das portuguesas, com a adição de leite, ovos e açúcar ARROZ E FEIJÃO
à sua farinha, foi consumido como angu ou mingau grosso. Foi Oryza subulata ou caudata,
pelas mãos dos portugueses que o milho deu origem a broas, ou Zizania aquatica são tipos de
pudins, papas, migas, cremes de milho verde, canjicas e curaus. arrozes nativos, raramente
Já os africanos acabaram manuseando mais o milho branco, utilizados pelos indígenas, segundo
utilizado no acaçá e no mugunzá, sendo esse oferecido a Oxalá Fernandes em Viagem
sem sal e para Iemanjá com pouco sal. A pipoca feita de milho- gastronômica através do Brasil. O
alho agrada Omulu, Obalauê e Oxumarê, enquanto pratos autor diz que o arroz só começou a ser cultivado amplamente
feitos com o milho vermelho agradam Iansã e Xangô. após a chegada dos portugueses, que trouxeram Oryza sativa e
A melhor época de colheita do milho é em junho, período de cuja a primeira plantação foi em 1587, mas só ganharia
festas dedicadas a São João e ao solstício de verão, quando importância no século XVIII. Obteve relevância no Pará em
todos os preparos do milho ganham destaque e o cereal mais 1722, no Maranhão em 1745, e em 1750 foi a vez de
famoso das Américas vira majestade: pamonha, curau, milho Pernambuco, após o arroz ter sido misturado ao feijão e os
verde cozido, pipoca, canjica, broa, bolo de fubá, suco e o que a maranhenses terem chamado-o de “papa-arroz”.
criatividade alcançar. Existe ainda o argumento defendido pelo pesquisador, chef e
Assim como a mandioca, o milho possui apresentador Guga Rocha, de que o arroz foi trazido pelos
uma variedade de farinhas e derivados africanos. Segundo o líder da comunidade quilombola
das mais diversas espessuras. A Ivaporunduva, do Vale do Ribeira em São Paulo, Ditão, o arroz
variedade é menor que a da mandioca, que não é de cultivo alagado, o Oryza glaberrima, teria sido
mas ainda assim é considerável. A trazido pelos africanos escravizados em seus cabelos. Assim, o
canjica, além do nome da sobremesa em que é utilizado, é o grão arroz que dá em morros, cultivado de maneira orgânica, é
do milho branco sem o gérmen. Ainda do milho branco pode-se herança do africano dos quilombos (LAZARETTI, 2019).
encontrar a farinha flocada, também chamada de “farinha para No Brasil são produzidos vários tipos diferentes de arroz: preto,
acaçá”. vermelho, cateto e o nativo, mini arroz. O alimento é utilizado
Do milho amarelo se encontra farinha de milho flocada, que é vastamente na culinária nacional e, apesar do alicerce do arroz
feita com o milho sem o gérmen, fermentado, triturado e com o feijão, se comparado ao consumo dos orientais, o
peneirado, largamente utilizado na culinária em virados, brasileiro consome 1/3 do que a população japonesa costuma
polentas, bolos, farofas, pães, broas e no cuscuz paulista. O comer de arroz. Os japoneses consomem arroz até no café da
manhã, um hábito bem diferente do brasileiro, que consome o Entre os tipos de feijão que encontramos no Brasil, além dos já
arroz somente nas principais refeições. Desta forma, o arroz citados, temos: bolinha, de metro, branco, mulatinho,
ganha pratos como o arroz de carreteiro, baião de dois, arroz gorgotuba, mangalô, manteiga, manteiguinha, mudubim-de-
Maria Isabel, arroz de coco, arroz de viúva, arroz com pequi, rama, mudubim-de-vara, peruano, quarentão, rosinha, roxinho
galinhada, arroz de pato com tucupi, arroz de cuxá, arroz doce, e verde.
entre outros. CARNE-SECA
O feijão é fonte de proteínas que se As técnicas de conservação da carne transitavam pelo território
complementa ao arroz. A leguminosa é onde hoje se encontra o Brasil antes mesmo da chegada dos
base na alimentação brasileira desde os portugueses.
tempos de colonização e pode ser
consumida com farinha e sem arroz, Com o moquém, os povos autóctones tostavam, secavam e
como no Norte e no Nordeste. Muitos não sabem, mas vários pilavam as carnes, que duravam por muito mais tempo. Desta
feijões utilizados em nossos pratos típicos não são nativos do forma, a carne se fez presente nas viagens dos bandeirantes
Brasil e os africanos contribuíram para a vinda de alguns deles, juntamente com a mandioca e o milho.
como o feijão fradinho e feijão-guandu ou andu. O costume de salgar a carne veio com os portugueses, pois a
São inúmeros pratos típicos brasileiros com feijão: baião de utilização do sal não era muito disseminada entre as tribos
dois, acarajé, feijão-tropeiro, dobradinha, tutu, farofa, salada, indígenas. Após a salga, a carne era seca ao sol, mantendo,
guisado, cozido, com arroz etc., é item diário que compõem a assim, sua conservação. As carnes mais utilizadas foram
mesa do brasileiro. O feijão possui elementos antinutricionais também trazidas pelos colonizadores: galinhas, vacas, cabras,
e, para evitá-los, alguns cuidados devem ser tomados, como porcos e ovelhas. A técnica de salgar a carne também foi
descartar a água do remolho, e para evitar a formação de gases, adotada por sertanejos, vaqueiros e viajantes.
aconselha-se descartar a água da primeira fervura. A “carne-seca”, “carne-de-sol” ou “carne-de-vento” também
Os bandeirantes e os tropeiros ajudaram a espalhá-los de São ganhou o nome de “carne-do-Ceará”, como conta Caloca
Paulo e do Sul para o interior do Brasil, levando-os para Minas Fernandes (2002), pois o governo de Pernambuco havia
Gerais, Goiás e Mato Grosso. O feijão carioca também tem seu proibido a salga regular e a industrialização de carnes do sertão
conto popular de que a inspiração do seu nome foi o desenho do nordestino em 1778, tornando o Ceará o principal fornecedor do
calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro. O feijão carioca não produto. Caloca afirma que em 1780 o cearense José Pinto
caiu no gosto do carioca e não tem nada “da gema”, pois foi Martins, que era de família produtora de carne-seca, teria se
desenvolvido em São Paulo, na década de 1970. Ele ganhou esse mudado para o Rio Grande do Sul, desenvolvendo a produção
nome pela sua semelhança com a raça de porco carioca – bege do “charque”, com mais sal e secagem intensa ao sol e ao vento,
com manchas marrons rajadas. A preferência do carioca é pelo dando uma nova produção aos grandes rebanhos que antes
feijão preto, assim como a preferência no Rio Grande do Sul. eram mortos e divididos entre os vaqueiros para virar
Em algumas localidades do Nordeste, a preferência é o churrasco.
mulatinho, mas o feijão carioca ainda detém 70% do consumo Atualmente, cuidados são tomados para evitar contaminações
de feijão no Brasil. e pragas nas carnes, pois não ficam mais expostas ao sol.
A carne de sol, a carne seca e o charque possuem O açúcar é um item de imensa importância para os
características semelhantes, mas processos de salga e secagem portugueses, tendo em vista a relevância que ganha a doçaria
diferentes. Carne de sol ou carne de vento é feita na região portuguesa com seus famosos doces conventuais. O bolo, para
Nordeste com carne de bode ou de boi dividida em mantas. os portugueses, representava a solidariedade, sendo servido em
Recebe salga leve e é estendida em varais durante a noite para ocasiões de festividades ou oferecidos ao próximo como sinal de
secar por fora e adquirir sabor. Durante o dia, é conservada sob benevolência.
refrigeração e permanece assim até atingir os parâmetros para A cana de açúcar foi utilizada pelos portugueses no contexto da
a conservação adequada. Pode ser consumida nas paçocas feitas colonização do Brasil. Os engenhos eram diferenciados
com farinha de mandioca, cortada em fatias e grelhada ou conforme sua estrutura: o “trapiche” usava cerca de sessenta
assada, com manteiga de garrafa, servida com mandioca, bois como tração animal, uma dúzia de cada vez por várias
cuscuz, pirão de leite, queijo coalho e muitas outras opções.
horas; os denominados de “reais” eram movidos por força
ASSISTA hidráulica, com menor rendimento em tempos de seca.
Rita Lobo recebe Rodrigo Oliveira, que ensina como fazer carne No início, os engenhos eram as máquinas e as rodas que
de sol e cuscuz de milho com feijão verde. O chef mostra o passo trituravam a cana de açúcar. Posteriormente, todo o complexo
a passo de como curar uma carne. produtivo ganhou esse nome. A cana era triturada na casa da
A carne-seca, ou jabá, é feita em todo país, mas principalmente moenda, depois era fervida e “purificada” para adquirir
nas regiões Norte e Nordeste com carne de boi cortada em coloração branca nas caldeiras, que ficavam nas casas de
mantas. Semelhante ao processo da carne de sol, as mantas são purgar. Da parte mais grossa, o melaço, se faz a rapadura,
salgadas em água salobra, imersas, depois empilhadas e muito apreciada no Nordeste.
estendidas em varais protegidos por telas para desidratar. É A cachaça ganhou valorização pelos apreciadores da bagaceira
utilizada na feijoada, preparada com recheio, desfiada, portuguesa, na sua falta. Era oferecida aos escravos para
refogada, na paçoca com farinha de mandioca, também é aliviar o cansaço do trabalho incessante. Para produzi-la, por
estrela dos escondidinhos. vezes, se retirava a parte superficial do caldo de cana, que era
O charque, típico da região Sul, é salgado dos dois lados e levada aos alambiques.
estendido por vários dias ao sol protegido por telas, da maneira O paladar doce do brasileiro tem suas raízes na influência de
tradicional. É ingrediente indispensável no arroz carreteiro. Portugal, conforme cita Câmara Cascudo em História da
Também pode ter características de defumado quando alimentação no Brasil, p. 308:
estendidas sob o forno a lenha, Nunca um brasileiro dispensou o adoçar a boca depois de
conforme ilustra a Figura 6, com suas salgar o estômago. Muito mais de sessenta por cento dos bolos
mantas secas, defumadas e enroladas. e doces portugueses seguem no Brasil uso e abuso no plano do
Figura 6. Mantas de charque. Fonte: consumo. [...] Mas dizia padre Antônio Delicado nos seus
Adágios seiscentistas, com açúcar e com mel até as pedras
Shutterstock. Acesso em: 04/03/2020.
sabem bem. E, amargo, basta a vida. Recorre-se ao milagroso
antídoto. O doce nunca amargou...
AÇÚCAR
Tantos doces com frutas, compotas, geleias, pudins, balas e macarrão em escala industrial e depois fabricava seu próprio
bolos herdados dos colonizadores. Atualmente existe uma macarrão.
grande preocupação com a ingestão do açúcar refinado e vários Na década de 1970, os macarrões
estudos apontam os malefícios do seu consumo, sendo instantâneos invadem as gôndolas dos
recomendada a utilização do açúcar mascavo, que é produzido mercados e se fazem presentes na vida de
a partir da rapadura, no Acre, chamado de “graximó”. Existe quem procura praticidade sem se preocupar
também o açúcar demerara e o cristal, com granulometria muito com qualidades nutricionais e sabores frescos.
média e grande, respectivamente.
Com a chegada dos imigrantes asiáticos, os sabores do
MACARRÃO
macarrão ganham novas nuances e matérias primas.
O macarrão chegou com os imigrantes italianos que vieram Restaurantes e mercearias orientais oferecem macarrão de
para o Brasil atrás de novas oportunidades. Segundo o IBGE, feijão e de arroz, e pratos com os mais variados ingredientes.
sete milhões de italianos vieram para o Brasil entre os anos de
VÍDEO CACHAÇA E CAIPIRINHA
1860 a 1920 por razões econômicas e socioculturais. Grande
parte se instalou em São Paulo, onde os italianos incluíram MANDIOCA, O PÃO DO BRASIL
seus hábitos alimentares aos brasileiros da época. Como sugestão de um cardápio todo feito de mandioca, é
O macarrão conquistou o brasileiro pela praticidade no possível preparar entradas, pratos principais e sobremesas que
preparo, pelo custo e pela sua versatilidade em combinar levem a raiz como elemento essencial. Abaixo, apresentamos
molhos e sabores. Tanto a farinha de trigo quanto o tomate três receitas. A primeira é uma entrada, com o dadinho de
eram ingredientes de fácil aquisição. tapioca, criada pelo chef Rodrigo Oliveira.
A macarronada do domingo entrou nos lares e conquistou A segunda receita traz uma versão do chibé, ou jacuba, pelas
estômagos, afinal, era um prato que facilitava a vida das donas mãos do chef Thiago Castanho. O chibé pode ser entrada, prato
de casa nos fins de semana, no século passado. O macarrão se principal (dependendo da quantidade de proteína que compõe)
adequou aos locais, sendo preparado no Vale do Paraíba ao ou sobremesa, se adicionado de rapadura, açúcar ou mel.
molho com frango guisado com óleo de urucum. No pantanal Geralmente é mais simples, feito apenas com farinha de
mato-grossense, o macarrão de comitiva foi criado como uma mandioca e água. Pode acompanhar o charque e adicionar
alternativa ao arroz de carreteiro que os peões preparavam em temperos que o tornam refrescante, saboroso e completo.
suas viagens para transportar o gado de uma fazenda à outra, A última é um prato principal, que segue para apreciação, da
o que duravam dias. receita de família de Celeste Klautau, que prepara a maniva
A industrialização da massa de macarrão fez o consumo crescer com todos os cuidados para retirar o ácido cianídrico. Em outros
largamente e em 1896 Enrico Secchi fundou a Premiato estados longe da região Norte do país, é possível encontrar a
Pastificio Italiano, que produzia quarenta tipos diferentes de maniva pré-cozida, podendo utilizá-la sem os sete dias de
massa e dois mil quilos por dia. Outro personagem importante cozimento prévio.
para o pastifício, em São Paulo, foi Francisco Matarazzo, que // Dadinho de Tapioca
chegou em 1881 e construiu um império longe da sua terra
natal. Entre o seu legado, produzia farinha de trigo para Classificação: Entrada
Rendimento: 8 porções 5. Despeje na forma forrada e cubra a superfície com um
Dadinho de Tapioca pedaço de filme PVC para evitar a formação de película
(retrogradação do amido). Deixe esfriar até atingir a
// Ingredientes: temperatura ambiente e leve à geladeira por pelo menos
• 500 ml de leite; 4 horas;
• 300 g queijo coalho ralado na hora; 6. Preaqueça o óleo para fritar a 180 °C. Desenforme a
• 250 g de tapioca granulada ; massa gelada e corte em cubos. Frite, aos poucos, até
• Sal (quanto for suficiente); dourarem ou asse em forno preaquecido a 190 °C;
• 1 pitada de pimenta do reino branca; 7. Sirva quente, acompanhado do molho de pimenta
• Óleo (suficiente para fritura). agridoce.

Molho de Pimenta Agridoce Molho de Pimenta Agridoce

// Ingredientes: // Modo de preparo:


1. Preaqueça o forno a 150 °C. Asse a pimenta dedo de moça
• 8 g de alho com a casca;
com o alho com casca por 18 minutos, depois descasque-
• 4 g de pimenta dedo de moça inteira;
o;
• 30 g de pimenta-biquinho;
2. Coloque a pimenta e o alho assados no processador de
• 15 g de pimenta-malagueta;
alimentos com metade da pimenta-biquinho e aperte o
• 95 ml vinagre de manga;
botão pulsar até obter uma pasta com pedacinhos
• 185 g de açúcar;
visíveis. Reserve em uma tigela;
• 7 g de sal;
3. Sem precisar lavar o recipiente do processador, bata a
• 15 ml de cachaça branca; pimenta-malagueta com a outra metade da pimenta-
• 8 g de polvilho doce. biquinho, escorra qualquer excesso de líquido que houver
Dadinho de Tapioca e transfira para a tigela com a pasta de pimenta e alho;
4. Em uma panela, misture o vinagre, metade do açúcar, o
// Modo de preparo:
sal e a cachaça e leve ao fogo baixo, mexendo sempre, até
1. Forre uma assadeira com filme PVC para facilitar a ferver. Desligue o fogo e mantenha aquecido;
aderência, umedeça a forma com um pouco de água antes 5. Em uma panela grande e grossa, prepare um caramelo
de colocar o filme para facilitar na hora de desenformar; claro com a outra metade do açúcar. Com cuidado, junte
2. Aqueça o leite, até quase ferver; 25 ml de água e mexa até dissolver. Adicione a pasta de
3. Em uma tigela, misture o queijo coalho ralado com a pimentas reservada, misturando bem;
tapioca granulada e junte o leite aos poucos, mexendo 6. Aqueça novamente a mistura do vinagre, até ferver.
sempre para não formar grumos; Despeje aos poucos na panela com o caramelo, com
4. Acerte o sal, levando em consideração o teor de sal do cuidado para não se queimar com os respingos;
queijo, e acrescente a pimenta do reino branca a gosto. 7. Dilua o polvilho em 100 ml de água fria, misturando
Continue mexendo até a mistura começar a firmar; bem. Adicione à panela, mexendo sempre;
8. Aumente o fogo e deixe ferver, mexendo sempre, até Tempere com sal a gosto e acrescente os demais
atingir o ponto de geleia fina. Deixe esfriar e coloque em ingredientes, misturando bem;
uma garrafa ou pote de vidro esterilizados. Conserve 4. Divida o chibé entre 4 cuias e disponha 3 pedaços de
tampado, na geladeira, e consuma em até uma semana. charque assado em cada uma antes de servir.
// Chibé ou Jacuba // Maniçoba com costela de porco
Classificação: Entrada Classificação: Entrada
Rendimento: 4 porções Rendimento: 10 porções
// Ingredientes: // Ingredientes:
• 500 g de charque dianteiro salgado cortado em cubos; • 2,5 kg de maniva moída;
• 100 g de farinha d’água ou farinha de mandioca fina e • 1 kg de charque;
crua; • 1 kg de toucinho fresco cortado em cubos;
• 1 l de água mineral gelada; • ½ de pé de porco salgado cortado em 3 pedaços;
• Sal (quanto for suficiente); • ½ de língua de porco salgada;
• 80 g de cebola roxa picada; • 500 g de costela de porco defumada;
• 2 colheres de sopa de chicória do Pará (coentro do sertão) • 750 g de bucho de boi;
picado; • 250 g de chouriço do Paraná (linguiça de lombo de porco
• 2 colheres de sopa de coentro picado; defumada do tipo portuguesa) cortado em fatias;
• 2 colheres de sopa de pimenta de cheiro sem semente • 250 g de paio cortado em fatias;
picada; • 500 g de toucinho defumado cortado em cubos;
• 2 unidades de pimenta cumari do Pará sem semente • Pimenta do reino (quanto for suficiente) ;
picada; • Sal (quanto for suficiente);
• 60 ml de suco de limão.
// Modo de preparo:
// Modo de preparo:
1. Coloque as folhas moídas numa bacia e lave bem,
1. Coloque o charque em uma tigela e cubra com água fria. cuidadosamente, em muitas águas, escorrendo as folhas
Deixe de molho por 12 horas na geladeira trocando a numa peneira. Passe as folhas lavadas para uma panela
água a cada 3 horas; grande com bastante água e leve ao fogo, mexendo de vez
2. Escorra a água e coloque a carne em uma panela com 1,5 em quando. Quando ferver, diminua o fogo e introduza o
litro de água fria. Cozinhe por 1 hora, em fogo médio ou toucinho fresco deixando ferver, sempre em fogo baixo,
até que o charque esteja macio. Escorra; durante quatro dias, somente durante o dia. Quando o
Preaqueça a churrasqueira. Asse os pedaços de carne por volume de água baixar, junte mais água, mexendo de vez
1 minuto de cada lado, a 30 cm de distância da brasa. em quando para não pegar no fundo da panela;
Reserve; 2. No quinto dia, à noite, prepare os ingredientes: ponha as
3. Coloque a farinha d’água em uma tigela e cubra com a carnes salgadas de molho em água de um dia para o
água mineral gelada. Deixe hidratar por 5 minutos. outro. No sexto dia, pela manhã, verifique o sal das
carnes e, se necessário, afervente-as para retirar o excesso ingredientes à mesa do brasileiro foram importantes e
de sal; evoluíram através dos séculos.
3. Enquanto isso, lave bem com bastante vinagre o bucho e
VÍDEO INTRODUÇÃO
o mocotó, e a seguir ponha-os numa panela, cubra com
água e leve ao fogo para ferver; UNIDADE 3 - REGIÕES NORDESTE E
4. Amasse os dentes de alho com a pimenta e tempere as
carnes com essa pasta. Corte toda a carne em pedaços
SUDESTE DO BRASIL
pequenos e junte ao panelão onde está a maniva, que, a OBJETIVOS DA UNIDADE
esta altura, já deve estar com uma tonalidade bem
Compreender a miscigenação da culinária brasileira nas
escura;
regiões Nordeste e Sudeste;
5. Acrescente o chouriço, o paio e o toucinho defumado e leve
ao fogo para cozinhar até as carnes ficarem macias. No Conhecer e praticar a culinária brasileira regional do Nordeste
sétimo dia estará pronta. Sirva acompanhada de arroz e Sudeste;
branco, farinha d’água e molho de pimenta de cheiro.
Desenvolver pratos da culinária brasileira;
6. Nota: Dizem os apreciadores que a boa maniçoba se
reconhece quando deixa um rastro esverdeado no fundo Elaborar fichas técnicas de preparações;
da colher. Analisar as etnias formadoras da população brasileira que
SINTETIZANDO contribuíram para a construção da gastronomia local;
Vimos como cada ingrediente utilizado pelo brasileiro no seu Explorar os ingredientes das regiões Nordeste e Sudeste;
cotidiano culinário tem algo para nos contar, tem sua história, Conhecer as características geográficas que incidem em cada
sua lenda, seu percurso. Conferimos que é importante saber região.
identificar a qual região pertence determinado ingrediente e
reconhecer quais preparações podem ser utilizadas. Cada TÓPICOS DE ESTUDO
região possui sua identidade cultural, tornando a gastronomia Região Nordeste: clima, geografia, economia,
local muito apreciada. gastronomia e principais produtos
Nem todos os ingredientes que utilizamos são nativos, mas // Maranhão
muitos ingredientes de fora se desenvolveram da mesma forma
// Piauí
– ou até melhor – em nossas terras, visto que podem ser
oriundos de continentes diversos. Ingredientes como a // Bahia
mandioca e o milho possuem inúmeros subprodutos e inúmeras // Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba
formas de preparo.
// Pernambuco, Alagoas e Sergipe
Estudamos como cada ingrediente constitui alguns pratos
típicos e de que forma o alimento compõe os pratos: Região Sudeste: clima, geografia, economia,
minimamente processado, processado ou ultraprocessado. gastronomia e principais produtos
Todos os processos que são necessários para trazer estes // Minas Gerais
// São Paulo existentes no Brasil, e a Bahia, como pode ser observado, possui
três.
// Rio de Janeiro
Figura 2. Nordeste: biomas e
// Espírito Santo
microrregiões. Fonte: EMBRAPA,
VÍDEO INTRODUÇÃO 2010. Acesso em: 30/01/2020.
A cozinha do Nordeste pode ser dividida,
definitivamente, em cozinha do sertão e
REGIÃO NORDESTE: CLIMA, GEOGRAFIA,
ECONOMIA, GASTRONOMIA E PRINCIPAIS cozinha do litoral. No litoral, os peixes e
PRODUTOS frutos do mar são amplamente servidos
em moquecas, ensopados, fritadas,
VÍDEO BEBIDAS DO NORDESTE bobós, caldeiradas, peixadas, no acarajé
A região Nordeste é composta pelos seguintes estados: da baiana, com o uso de leite de coco,
Maranhão, Piauí, Bahia, Ceará, Rio Grande no Norte, Paraíba, pimenta e dendê na Bahia. No sertão, há
Pernambuco, Alagoas e Sergipe. A Figura 1, que torna possível as carnes de sol, charque e seca, carne de bode e cabrito,
identificar a localização de cada estado com suas respectivas toucinho, rapadura, milho, farinha de mandioca, jerimum, mel,
capitais, evidencia que todos eles são banhados pelo Oceano manteiga de garrafa, feijão verde, maxixe, quiabo, queijo coalho
Atlântico. O clima da região é muito quente, uma vez que esta e tantos outros ingredientes da cozinha sertaneja.
se localiza na zona intertropical. Ademais, a região Nordeste Muitas festas acontecem no Nordeste e os festejos incluem suas
possui três tipos de clima, a saber: comidas típicas, como o São João e as delícias do milho; a Festa
• O clima tropical, que abrange o litoral de todos os estados, do Divino Espírito Santo, com seus doces de espécie; e, por fim,
o sul da Bahia e o centro do Maranhão, e possui estações a Festa de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes de
bem definidas de chuva e seca; Guararapes, que ocorre em Pernambuco e é caracterizada pela
• O clima semiárido, que está presente na região central, pitomba, muito apreciada in natura mas também utilizada no
caracterizado pela presença de muito calor e chuvas mal preparo de sucos, geleias, sorvetes e licores.
distribuídas, o que ocasiona estiagem; A economia do Nordeste é diversificada, e isto beneficiou seu
• O clima equatorial úmido, relativo ao oeste do Maranhão, desenvolvimento nos últimos anos. Aqui, destaca-se a
que configura-se como região amazônica. agropecuária, com a produção de algodão, cana-de-açúcar,
Figura 1. Mapa da região Nordeste com os cacau, arroz, feijão, coco, milho, soja, banana, castanhas e
estados e as capitais. Fonte: Shutterstock. frutas para exportação, ao passo que na pecuária o que se
Acesso em: 30/01/2020. sobressai é a criação bovina. No litoral, a principal atividade
econômica é o turismo. Por fim, há ainda a produção têxtil e de
Já a Figura 2 evidencia a abrangência dos gesso e a extração de minério, sal, petróleo e flor de sal.
biomas que integram a região Nordeste:
amazônia, caatinga, cerrado e mata MARANHÃO
atlântica. São quatro dos seis biomas
O Maranhão possui dois biomas: o Famoso em todo Brasil e com preço
amazônico e o cerrado, de produto importado em outros
configurando-se, portanto, como estados, o guaraná Jesus, de
uma mistura entre Norte e coloração rosa quase neon, é um
Nordeste. Sua capital, São Luís, foi refrigerante tão consumido no
fundada por invasores franceses em Maranhão que a maior
1612, mas pouco tempo depois ocorre a chegada dos multinacional de bebidas do mundo comprou a marca em 2001
portugueses, que constroem uma arquitetura local que chama e passou a distribuir o refrigerante, antes restrito ao seu local
a atenção por seus casarões e sobrados coloniais, com belas de origem, para outros estados do Brasil.
fachadas e azulejos coloridos. É pertinente comentar que a A tiquira é um destilado de mandioca e possui cor geralmente
cidade foi reconhecida como Patrimônio Cultural da
arroxeada, proveniente das folhas e cascas de tangerina
Humanidade pela Unesco, em 1997. adicionadas ao seu preparo. Do tupi tiquire, significa “destilar”
Apelidados de papa-arroz, os maranhenses apreciam e sua graduação alcoólica varia entre 36 a 54 ºGL, uma vez que
preparações como o arroz de cuxá. Este prato é feito com as não existe um padrão devido à falta de regulamentação. Muitas
folhas da vinagreira, que podem ser chamadas também de lendas cercam essa bebida, e uma delas diz que tomar banho
quiabo-azedo, quiabo-roxo, caruru-azedo, azedinha, rosela ou após consumir a tiquira pode levar à morte.
rosélia. As flores da vinagreira são chamadas de hibisco, muito O azeite de babaçu é um óleo obtido ao se aquecer o coco da
conhecidas por quem procura perder peso. Elas também são palmeira Attalea speciosa. É utilizado no preparo de frituras ou
ingrediente de infusões, para dar cor, e os japoneses a utilizam
para saborizar preparações. É comercializado em garrafas PET
para fazer conservas. e dificilmente é encontrado em supermercados, uma vez que
Outro ingrediente importante do cuxá é uma espécie de pasta, não é produzido em escala industrial.
que, além da vinagreira trazida pelos africanos, utiliza Já a tarioba é um molusco bivalve, utilizada como ingrediente
gergelim torrado, de influência árabe. Já o preparo em si possui principal no arroz de tarioba. Também denominada de “marisco
influência portuguesa e o prato possui ainda outra erva de lambão”, pode chegar a 8 cm, como evidencia a
influência indígena: o joão-gomes, também conhecido como Figura 3. Outro fato interessante é que a tarioba
língua de vaca, maria-gomes ou caruru. O cuxá é servido se assemelha ao vôngole, mas é bem maior.
acompanhado de farinha de mandioca torrada ou farinha
d’água, pimentas e camarão seco, além de poder ser recheado, Figura 3. Tarioba. Fonte: MARCELLINI;
também, de tortas de caranguejo ou camarão. FERRAZ, 2018a. p. 50.
A influência portuguesa também nos presenteou com os doces A pescada amarela, que ganha este nome por causa da
de espécie: feitos com coco no Maranhão, são típicos da Festa coloração de sua barriga, é normalmente apreciada como
do Divino. Alice Granato revela em seu livro Sabor do Brasil, peixada, juntamente com leite de coco, batatas, ovos cozidos e
de 2011, que os doces receberam este nome graças ao fato de as azeite de oliva. Já o camarão branco é pescado em regiões de
doceiras que os produziam se inspiravam na silhueta de areia e lodo, e é considerado por seus apreciadores um dos
animais de diversas espécies, visando criar os doces mais melhores camarões da costa brasileira. Ele possui sabor
diferenciados. adocicado e não libera muita água no cozimento.
Por fim, o bobó e o caruru maranhenses, diferentemente Mas o prato que mais representa o
daqueles encontrados na Bahia, não utilizam dendê: no bobó estado é o capote. A galinha capote,
utiliza-se vinagreira, joão-gomes e quiabo, nada de purê de como é chamada a galinha d’angola
aipim. Já a mandioca mansa, em forma de farinha, vira pelos piauienses, é muito apreciada
ingrediente somente do caruru, em conjunto com o quiabo e o na região. É comum pedir um
azeite de oliva. capote com arroz e “pegado”,
PIAUÍ fazendo referência às raspas de arroz que “pegaram” no fundo
da panela. Além do arroz, existem pratos como o capote ao
Com a menor extensão de litoral do molho pardo ou ensopado no leite de coco e o frito de capote.
Brasil, o Piauí possui uma cultura
sertaneja forte. Carne de sol não Inscrita no livro de Livro de Registro dos Saberes do Instituto
pode faltar, sempre acompanhada do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a
de macaxeira na manteiga de cajuína é genuína do Piauí. Bebida famosa feita com a fruta do
garrafa. Isso dá-se, entre outros cajueiro, ela é preparada com o sumo do caju e posteriormente
motivos, pela existência de muitos criadores de gado. Campo passa por uma clarificação, realizada com uma espécie de
Maior, que no passado foi a maior cidade exportadora de carne gelatina, que decanta a bebida. Depois, a cajuína é envasada
de sol do mundo, ainda hoje produz a carne do modo rústico. em garrafas de vidro e cozida por duas horas.

Ainda sobre a carne de sol, é relevante comentar também que Antigamente, a cajuína era clarificada com cola de sapateiro,
descobriu-se com a experiência que, os pedaços de carne, se como descreve Caloca Fernandes em seu livro Viagem
estendidos em varais à sombra e bem ventilados, não perdem gastronômica através do Brasil, de 2002, onde relata a adição
tanta umidade como quando expostos ao sol, mantendo sua de placas de cola de sapateiro ao sumo do caju que, em repouso,
suculência e maciez. causava uma precipitação, separando o líquido translúcido.

A capital Teresina está longe do litoral e em seus mercados, Já sobre o arroz Maria Isabel, conta-se a história de uma
como o de Mafuá – o mais antigo – reinam miúdos, sangue, pés família numerosa e com poucos recursos, na qual as mulheres
e rabos de boi e carneiro, verdadeiras iguarias que compõem não consumiam carne, visto que este ingrediente caro era
dobradinhas, sarapatéis, paneladas e o clássico cordeiro ao escasso e somente servido aos homens. Estes saíam para
molho. Preparação típica do sertão nordestino em Pernambuco trabalhar e, em seu retorno, comiam toda a carne, não deixando
e no Ceará, o sarapatel é um ensopado com miúdos e sangue de nada para as mulheres. Pensando em suas filhas, a mãe da
carneiro. Já a panelada é preparada com tripa, bucho e mocotó família teria misturado a carne cortada ao arroz, em pequenos
de boi e é geralmente consumida aos finais de semana. É pedaços e, assim, todos poderiam se beneficiar dela. A lenda
servida com seu pirão, engrossado com farinha de mandioca. conta que a mãe batizou o arroz com o nome de suas duas filhas:
Maria e Isabel.
BAHIA
Na Bahia, reina o dendê. Em sua gorda; no Maranhão, de bênção-de-deus; e na Amazônia, de
capital, Salvador, e em Ilhéus, ele caruru. A língua-de-vaca possui 100% mais ferro que o
ainda é produzido de forma espinafre cru e cresce nas guias, calçadas, vasos e canteiros
artesanal e chamado de “azeite de espontaneamente. Para consumi-la, é necessário se certificar
rodão”. O dendê é a gordura na qual de que a sua fonte é segura, além de realizar a higienização
se frita o acarajé, que entrou no correta antes do consumo.
Livro de Registro dos Saberes como patrimônio cultural Os muçulmanos do norte da Nigéria, os hauçás, deram origem
imaterial pelo IPHAN em 2005. Ele é um bolinho feito com ao prato mais representativo da cultura afro-brasileira
feijão fradinho e camarão seco moído e, se não for o prato mais (FERNANDES, 2002): o arroz-de-hauçá, que é um arroz cozido
famoso dos tabuleiros de rua, com certeza é o mais até o ponto de ficar meio empapado, servido com carne-seca e
representativo. Acompanha camarão seco, cebola e molho de
molho de camarão seco defumado.
pimenta, e pode ter como recheio o vatapá de origem ibérica,
feito com leite de coco, castanha de caju, amendoim, camarão Outros pratos emblemáticos não podem deixar de ser citados,
seco defumado, caldo de peixe, gengibre, tomate e dendê. como é o caso do bobó de camarão, um creme feito com purê de
mandioca, leite de coco, pimentão, coentro, tomate, azeite de
O caruru é um guisado que classifica-se como prato principal, dendê e camarões médios ou grandes. As moquecas, que têm
composto por quiabo, camarão seco defumado, castanha de origem tupi-guarani para alguns e africana para outros, são
caju, amendoim, azeite de dendê, cebola, alho, limão e pimenta tradicionalmente preparadas com peixes e frutos do mar. As
malagueta. O caruru é oferecido a Xangô e é o prato da moquecas podem ganhar várias outras versões, mas o que
celebração dos orixás gêmeos nagôs Ibejis, no candomblé, ou
caracteriza a moqueca baiana é o uso do leite de coco e dendê.
Cosme e Damião, no catolicismo.
Raul Lody, em seu livro Bahia bem temperada: cultura
Nas comemorações relativas aos gêmeos, saquinhos de doces gastronômica e receitas tradicionais de 2013, discorre sobre
são distribuídos às crianças e as mesas são fartas com outros pratos servidos nas folhas de bananeira ou mesmo envolto
famosos pratos da culinária baiana, como o xinxim de galinha nelas, como o acaçá branco ou vermelho, feito com milhos das
(um ensopado bem temperado com camarão seco, castanha de cores supracitadas, que são cozidos até se transformarem em
caju, amendoim, gengibre e dendê), o vatapá, as frigideiras de um mingau grosso e liso, dividido em porções nas folhas. O
peixes, frutos do mar e o efó, normalmente oferecido a Nanã, aberém também é feito com milho e possui um processo
que leva folhas de língua-de-vaca, castanha de caju, semelhante ao do acaçá, mas é cozido no vapor. Já o abará é
amendoim, camarões secos, azeites de oliva e dendê, coentro, feito com feijão-fradinho e possui processo de preparação
leite de coco, cebola e pimenta em seu preparo. semelhante ao processo do acarajé, recebendo dendê para dar
CURIOSIDADE cor. Todavia, o abará é envolto em uma folha de bananeira e,
A língua-de-vaca (Portulaca raccemosa ou Talinum ao invés de ser frito, é cozido no vapor.
paniculatum) é nativa do Brasil e atualmente considerada uma A pamonha de carimã pode ser feita com a massa puba
PANC, ou Planta Alimentícia Não Convencional. No Ceará é acrescida de açúcar, coco ralado e sal, sendo cozida na folha de
chamada de manjogome; em Pernambuco, de major gomes ou bananeira. O beiju de carimã ou bolo de folha é feito com leite
bredo; em São Paulo, de maria-gomes, beldroegão ou maria de coco, sal e açúcar envoltos na folha de bananeira e assados
na grelha. Por fim, a moqueca de folha geralmente é feita com preparadas frigideiras de caranguejo aratu, camarão, siri
o peixe chicharro temperado com pimenta malagueta verde e catado e maturi, que é a castanha de caju verde.
sal, que é embalado nas folhas de bananeira e assado ao Moquecas são feitas com aratu, pata de caranguejo e pititinga.
moquém. Por ser consumido com as mãos, é considerado comida Muito fácil de fazer, há também o bolinho de estudante, que
de tabuleiro. leva essa nomenclatura por ser de baixo custo. Ele é feito com
// Moqueca Baiana Tradicional tapioca granulada, coco, açúcar e leite de coco, sendo frito
• Classificação: Prato principal posteriormente e passado no açúcar e canela. Esse bolinho não
é feito somente no Recôncavo, mas em todo o litoral.
• Rendimento: 5 porções
Segundo Raul Lody (2013a), a cozinha do sertão tem forte
// Ingredientes: presença de carne bovina e caprina, com pratos como o curu,
• 1 kg de postas de xaréu; que integra as mais tradicionais memórias da comida da Bahia.
• 1 Limão; Composto por carne do sertão escaldada na água com limão e
• 1 dente de alho; cozida no leite de coco com temperos, posteriormente é frito com
• 2 tomates; toucinho e ovo mexido e servido com farofa de torresmo.
• 240 ml de leite de coco; O badofe é um ensopado de fígado, coração e bofe do boi, servido
• 240 ml de azeite de dendê; com angu de farinha ou farofa do caldo, ao passo que o sarapatel
• 45 ml de azeite doce (de oliva); pode ser preparado com miúdos da galinha, porco, boi ou bode,
• Pimenta malagueta a gosto; juntamente com o sangue do animal. Dizem que o bode da
• Coentro a gosto; caatinga tem um sabor diferenciado e dele se faz pratos como
• Sal a gosto. estrogonofe, buchada e paçoca. A buchada de carneiro é
// Modo de preparo: chamada de mininico no sertão e, semelhantemente ao
sarapatel ou galinha cabidela, leva sangue e seu preparo pode
1. Lave as postas de xaréu com água e limão; levar dois dias.
2. Depois, tempera-se com sal, alho, pimenta-malagueta,
coentro, cebola e tomates cortados em rodelas; A farinha de copioba, produzida no Vale do Copioba, no
3. Junte todos os ingredientes em uma panela e acrescente Recôncavo Baiano, é feita tanto com a mandioca mansa quanto
o dendê e o azeite doce; a brava. Com produção artesanal, de coloração amarela,
4. Leve para cozinhar; textura crocante e com granulometria bem fina, ela é torrada a
5. Quando estiver pronto, acrescente o leite de coco e deixe ponto de ter apenas 2% de umidade. Além disso, a farinha de
até ferver; copioba não possui acidez, devido à agilidade de seu processo
6. Sirva com arroz branco e farofa de dendê. de produção. É relevante mencionar que sua produção está
ameaçada por produções que a falsificam, utilizando corantes
A região do Recôncavo Baiano é composta por 19 cidades, e o naturais e/ou artificiais.
principal rio que a corta é o Paraguaçu. Essa região é berço de
muita cultura e tradições como o samba de roda, considerado Das bebidas feitas na Bahia, há o denguê ou dengué, uma
patrimônio imaterial da humanidade. Nesta localidade, são bebida feita com farinha de arroz ou milho branco, acrescida de
água, açúcar e canela. Há também a gronga, uma bebida de
santo feita com gengibre e raízes, e a jacuba, feita com rapadura Por fim, o Ceará também possui grande variedade em seus
e farinha. pratos à base de peixe, uma vez que eles podem ser compostos
por pargo, garoupa, robalo, beijupirá ou cavala. Ademais, um
O cuscuz é o prato do dia a dia, um alimento feito com farinha
exemplo clássico de prato é a peixada, que é servida em canecas
de milho hidratada e consumido com coco ralado e leite de coco.
e tradicionalmente consumida na ceia.
Quando feito com milho verde, leva farinha de mandioca, e
ambos são preparados no cuscuzeiro. Ademais, o cuscuz pode Potiguar, como são chamados os nascidos no Rio Grande do
acompanhar carnes com molhos e ser feito com amendoim, fubá Norte, vem do tupi e significa “comedor de camarão” ou “papa-
de arroz ou inhame ralado. Do cuscuz e do milho verde se faz jerimum”. Do seu território, 90% é a caatinga, que chega até o
farofa com manteiga e ovos. Além disso, a Bahia é riquíssima litoral. Sua capital, Natal, é a terra de Câmara Cascudo,
em frutas. Algumas das variedades lá encontradas são: importantíssimo estudioso da alimentação e do folclore: suas
pitanga, bilimbi, cajá, carambola, goiaba, manga, sapoti, obras são referência até hoje. Segundo afirma Granato (2011),
acerola, caju e cacau. Cascudo apreciava peixe cozido com pirão, carne de sol e
ASSISTA paçoca, além de tapioca de massa bem fina com leite de coco.

O cacau foi levado da Amazônia para a Bahia, local de cultivo Ainda no Rio Grande do Norte, o
do cacau forasteiro. Citado nas histórias de Jorge Amado, o sertão do Seridó possui açudes para
cacau brasileiro tem espaço no mercado mundial e é apreciado a criação de curimatã, termo que
por sua qualidade e sabor. O primeiro vídeo mostra como é o engloba espécies semelhantes de
beneficiamento do cacau e os produtos que o fruto gera, ao peixes. Além de sua carne, é
passo que o segundo mostra todos os processo da produção do importante ressaltar suas
chocolate. apreciadas ovas, chamadas de “caviar do sertão”. Também
nessa região se produz queijo, caju da Serra do Mel e mel de
CEARÁ, RIO GRANDE DO NORTE E PARAÍBA Jandaíra, uma abelha nativa sem ferrão que dá nome à cidade.
Enquanto que Fortaleza é chamada de “a terra do sol”, o Ceará // Baião de dois do chef Rodrigo Oliveira
possui a maior área com plantações de cajueiro do Brasil,
chegando a 61,9% da produção de todo o nordeste em 2017, • Classificação: Prato principal
apontam dados. O caju auxiliava na situação de quem chegava • Rendimento: 8 porções
ao Brasil adoentado pela navegação, principalmente os // Ingredientes:
escravos, que eram obrigados a navegar nos navios negreiros
em situação desumana. • 5 dentes de alho;
• 30 g de manteiga de garrafa;
Como é rico em vitamina C, o caju ajudava a aumentar a
• 1 kg de arroz;
imunidade. Todavia, embora a fruta seja muito apreciada e
• 2 l de caldo de legumes ou galinha caseiro;
utilizada nos mais diversos pratos, a castanha é a maior fonte
• 3 folhas de louro;
de renda deste fruto que está presente em todo o clima
• 5 g de colorau;
semiárido.
• Sal a gosto;
• 100 g de toucinho defumado em cubos;
• 100 g de linguiça defumados em cubos; PERNAMBUCO, ALAGOAS E SERGIPE
• 200 g de carne seca cozida e desfiada; Dos engenhos e da influência portuguesa, surge uma doçaria
• 1 cebola roxa em cubos; rica em receitas tradicionais em Pernambuco. Além do famoso
• 1 pimentão verde em cubos; bolo de rolo que ganhou o Brasil, estão também em seu rol
• 2 tomates em cubos; o bolo Souza Leão e o cartola. Terra do escritor e sociólogo
• 1 kg de feijão fradinho cozido e escorrido; Gilberto Freyre (que adorava pitanga), lar do frevo e do
• 100 g de queijo coalho em cubos; maracatu, sua capital é Recife, também chamada de “Veneza
• Coentro fresco a gosto; brasileira” devido a seus rios e mangues.
• 50 g de manteiga de garrafa.
CURIOSIDADE
// Modo de preparo:
O bolo Souza Leão é uma homenagem à família dos engenhos
1. Em uma panela grande, frite o alho na manteiga de de Pernambuco que deu origem à receita. O bolo é feito com
garrafa e, antes de dourar, junte o arroz e mexa bem; massa puba, leite de coco, manteiga, gemas, cravo, canela e
2. Junte o caldo fervente, o louro, o colorau e deixe cozinhar erva doce, podendo ocorrer algumas variações. Tornou-se
com a panela tampada em fogo baixo, até os grãos famoso após ser servido a Dom Pedro II e Dona Tereza Cristina
ficarem macios. Reserve; em uma visita ao engenho da família Souza Leão.
3. Frite o toucinho em sua própria gordura e, quando
começar a dourar, junte a linguiça e a carne seca, Garanhuns, município do Agreste pernambucano, com sua
mexendo por mais alguns instantes. Passe para uma altitude, ganha destaque na produção de queijo coalho e queijo
tigela e reserve; manteiga, ao passo que Afrânio produz doce de leite branco
4. Na mesma panela, aqueça rapidamente a cebola, o artesanal, advindo da criação do gado de leite. Já o Vale do São
pimentão e os tomates. Misture todo o arroz e as carnes Francisco ficou conhecido mundialmente por sua produção de
reservadas, o feijão e o queijo coalho; uvas viníferas, surpreendentemente possuindo mais safras que
5. Acerte o sal e finalize com o coentro e a manteiga de outras regiões, graças à influência do clima. Há ainda o brote,
garrafa; herança dos holandeses e tradição familiar dos imigrantes:
6. Sirva com vinagrete de cebola-roxa e pimenta fresca. feito à base de raízes que substituem o trigo, utiliza batata
doce, mandioca e cará moela.
Na Paraíba, terra de Lampião, o rubacão é uma prato típico
semelhante ao baião de dois, feito com feijão de corda, charque Alagoas, que foi província de Pernambuco até 1817, possui
e queijo coalho, podendo ser acrescido também do arroz muitas similaridades com os hábitos pernambucanos. Lá,
vermelho produzido no semiárido. A produção de castanha de consome-se o caldinho de sururu, que é o sururu cozido com
caju também ganha destaque pela qualidade. tomate, pimentões, cebola e alho, acompanhado de pirão ou
mingau pitinga.
A cidade de Mossoró é conhecida por suas salinas, que vêm
produzindo até flor de sal. Já o bode é muito estimado no Cariri A capital de Sergipe, Aracaju, é banhada pelo rio São Francisco,
paraibano, local onde acontece a festa do Bode Rei. Outro prato carinhosamente chamado de “Velho Chico”, e provém peixes
apreciado é o ensopado de caranguejo, preparado com batatas, como o surubim. Dos mangues vem o famoso pitu, camarão de
cebola, tomate, cheiro verde e leite de coco. água doce, e as ostras, que possuem sabor mais suave e
adocicado por viverem em água salobra. As bricelets, símbolo Figura 4. Mapa da região Sudeste com seus
da cidade de São Cristóvão, quarta cidade mais antiga do estados e capitais. Fonte: Shutterstock.
Brasil, são biscoitos feitos por irmãs beneditinas. Eles possuem Acesso em: 30/01/2020.
massa fina com sabor de limão, são quadrados e têm desenhos A região possui os seguintes climas:
em alto relevo, sendo nomeados a partir da máquina suíça que tropical, subtropical de altitude e
realiza sua prensagem. subtropical úmido, sendo raras as geadas,
O caranguejo guaiamum, goiamum ou guaiamu também é que ocorrem nos meses de inverno nos planaltos e montanhas
apreciado na região. No interior semiárido, cultiva-se o feijão acima de 700 m. Posto isso, a vegetação é variada, e os biomas
de corda, também conhecido como feijão-caupi: de origem predominantes são o cerrado e a mata atlântica, com uma
africana, é alimento diário do nordestino. Esta localidade ínfima parte de caatinga no Nordeste de Minas Gerais, como
também é marcada por um cenário com muitos cactos, que ilustra a Figura 5.
geralmente servem de alimento ao gado, como os facheiros, Figura 5. Biomas do Brasil. Fonte:
mandacarus, palmas, xique-xiques e cabeças-de-frades. Todos QUEIROZ, [s.d.]. Acesso em: 01/02/2020.
estes elementos vêm sendo aos poucos introduzidos na
alimentação. Em busca das riquezas naturais, os
bandeirantes se lançaram mata adentro e
VÍDEO O CERRADO deram origem à atual Estrada Real, que
REGIÃO SUDESTE: CLIMA, GEOGRAFIA, ECONOMIA, passa por São Paulo e liga Minas Gerais ao
GASTRONOMIA E PRINCIPAIS PRODUTOS porto de Paraty. É pertinente mencionar que foi graças a este
percurso que muitos pratos típicos surgiram.
A região Sudeste é composta pelos estados de Minas Gerais,
São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. É a região que A cozinha litorânea do Espírito Santo possui influência
possui melhor desenvolvimento econômico desde a corrida do indígena local, dos imigrantes alemães e italianos e das regiões
ouro e as produções de café, além de ser também a região mais com as quais o estado faz fronteira, como é o caso da moqueca
populosa. É importante ressaltar que hoje, com a capixaba, que difere da moqueca baiana graças aos
industrialização, há uma maior variedade de fonte econômica. ingredientes utilizados.
No agronegócio, o Sudeste desenvolve o cultivo de cana, soja, Já a influência da região Sudeste é relacionada, inicialmente,
algodão, milho, café, laranja e rebanho bovino. Ademais, o que aos índios e aos portugueses. Todavia, com a corrida do ouro,
mais se desenvolve no Sudeste é o setor terceirizado de chegam mais portugueses, africanos sujeitados à horrenda
comércio, finanças e serviços, como consultoria, informática e escravidão e migrantes de outras regiões do Brasil, como os
marketing. Além destes, há também a indústria tropeiros, que também auxiliaram na criação de hábitos
automobilística, siderúrgica, petroquímica, naval, petrolífera alimentares. Posteriormente, vieram os italianos, alemães e
(devido ao pré-sal) e mineradora. O turismo também japoneses.
movimenta a economia com belas paisagens, cidades históricas, MINAS GERAIS
gastronomia e entretenimento.
Minas Gerais se tornou uma costas e não poderia ver quem estava furtando as folhas da
importante produtora de café e leite hortaliça.
no século XIX e isso teve reflexos O mineiro é um povo hospitaleiro, que gosta de oferecer
em seus hábitos alimentares. Sua refeições fartas a seus convidados. As preparações clássicas
produção de queijos é apreciada e dessa cozinha, que recebe influências de São Paulo, são bambá
reconhecida, como o queijo da de couve, uma sopa feita com fubá, couve e linguiça; vaca
canastra, por exemplo, declarado bem imaterial pelo IPHAN atolada, preparada com carne de vaca cozida com mandioca;
em 2008, além do queijo minas e curado. O pão de queijo é outra frango com quiabo; jiló refogado; canjiquinha ou quirela com
receita ilustre: mineiro e brasileiríssimo, feito com polvilho costelinha; leitão à pururuca; arroz com suã de porco; tutu à
escaldado, queijo meia cura ou até farinha de milho, o pão de mineira, servido com bisteca, torresmo, costela e couve; frango
queijo nas cidades mineiras ganha diversos recheios, que vão
ou galinha com ora-pro-nóbis, servido com feijão tropeiro,
do pernil até mais queijo. farinha de milho torrada e couve rasgada, ou somente com
Já a carne de sol serenada tem processo semelhante à carne de angu.
sol tradicional, mas, como indica seu nome, ela fica no sereno. Já os doces de tacho são verdadeiras delícias divinas: seja doce
A carne de boi passa por salga e descansa sob refrigeração por de leite, de abóbora, de banana, de cidra, de mamão verde, de
algumas horas e, após o descanso, é lavada com sua própria laranja, é comum servi-los com uma fatia de queijo para
água e então estendida sob o sereno da noite, coberta com uma amenizar o dulçor, como ocorre com o clássico romeu e julieta.
tela para evitar a contaminação. Há também outros doces, como ambrosia, brigadeiro,
A taiada, que é uma mistura de rapadura e gengibre, é outro cajuzinho, pé-de-moleque, cocada, canudinhos de doce de leite,
alimento introduzido graças à alimentação do tropeiro, assim pastel de nata, compotas, pudim e o manuê de bacia, um doce
como o macarrão de vara, cozido junto com os temperos e de melado com ovo, farinha de trigo e cravo. Os doces fazem
consumido na própria panela, visando ser uma refeição prática parte das quitandas e, no lanchinho do fim da tarde mineira,
e rápida. Ademais, na mesa mineira a broa de milho e o são servidos bolo de fubá, broa de milho, pamonha, canjica,
cafezinho são essenciais, assim como a ora-pro-nóbis e os pés biscoito de polvilho, pão de queijo e o clássico bolinho de chuva.
de couve no jardim. // Canudinho de doce de leite
CURIOSIDADE • Classificação: Sobremesa
Ora-pro-nóbis, que significa “orai por nós”, é uma planta que • Rendimento: 60 porções
apresenta vários outros nomes, além de apresentar espécies
diferentes. Ela pode ser encontrada em quase todo o continente Doce de leite
americano e é rica em proteínas. A lenda conta que em uma // Ingredientes:
igreja de Minas Gerais havia uma moita desta espécie, mas o
padre não permitia sua colheita. Ela só podia ser colhida no • 3 L de leite;
momento em que o padre dizia “ora-pro-nóbis”, durante a • 1 kg de açúcar cristal.
missa, uma vez que este era o instante em que ele viraria de Canudinho
// Ingredientes:
• 500 g de farinha de trigo; A capital foi desprezada no passado
• 200 ml de água; por estar longe do litoral e, até o
• 10 ml de óleo; século XVIII, era ponto de partida
• Sal a gosto; dos bandeirantes que seguiam até
• 1 L de óleo para fritura; Minas Gerais. A partir do século
• Coco ralado a gosto para finalizar. XIX, chegam italianos e japoneses
e, com a industrialização e a produção de café, São Paulo vira
Doce de leite
terra de oportunidades. A partir disso, ocorre a chegada de
// Modo de preparo: migrantes de outras regiões do Brasil e imigrantes, como
1. Em uma panela, junte os ingredientes e cozinhe em fogo espanhóis, libaneses e poloneses. A capital de São Paulo é uma
médio, sem parar de mexer, por cerca de uma hora, até torre de babel, uma metrópole vanguardista e lar das cantinas
adquirir consistência pastosa. italianas que oferecem massas e pizzas, principalmente no
bairro do Bixiga e na Mooca, onde se estabeleceram os italianos
Canudinho que vieram da queda do cultivo do café. Já os japoneses se
// Modo de preparo: instalaram em vários bairros, como a Vila Carrão, mas o bairro
mais simbólico é a Liberdade, que atualmente abriga diversas
2. Em uma bacia, misture aos poucos a farinha de trigo e a
culturas asiáticas. É importante ressaltar que o Brasil detém
água, mexendo com a mão;
as maiores colônias tanto de japoneses quanto de italianos fora
3. Acrescente 10 ml de óleo e sal. Misture até obter uma
de seus países.
massa homogênea com aspecto de massa de pão
(levemente grudenta); Os italianos também tiveram participação no quesito artístico
4. Abra a massa com um rolo ou em um cilindro, até ficar da cidade, com monumentos e edificações concretizados em
com uma espessura fina; obras, como o Monumento às Bandeiras e o Museu de Arte de
5. Corte em quadrados de 9 cm e enrole a massa nos São Paulo, o MASP. Além disso, a língua portuguesa brasileira
canudos de alumínio especiais para panificação; ganhou 300 vocábulos ítalo-brasileiros, como cantina,
6. Frite por imersão no óleo; macarrão, mortadela, fiasco, caricatura e camarim, segundo
7. Deixe escorrer o excesso de óleo e espere esfriar. Retire os Alice Granato (2011). Embutidos como o cudiguim, uma
canudos de alumínio; linguiça feita com carne de porco e pedaços cozidos da pele do
8. Recheie os tubinhos de massa com o auxílio de uma porco, também fazem parte das heranças culinárias.
manga de confeitar;
A comida japonesa também é sensação nos restaurantes de São
9. Passe as pontinhas no coco ralado.
Paulo: em todas as regiões paulistas é possível comer um
SÃO PAULO rodízio de comida japonesa, em que são oferecidos temakis,
sushis, sashimis, sunomonos e yakissobas, entre outros.
Figura 6. Mercado municipal de São manezinho, uma adaptação dos italianos à fogaça de trigo,
Paulo. Fonte: Shutterstock. Acesso substituindo o trigo pelo milho.
em: 03/02/2020. O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) desenvolve uma
No centro de São Paulo está o mercado série de melhorias em cultivares agronômicos, ao passo que no
municipal, ou Mercadão, ilustrado polo do Vale do Paraíba, em Pindamonhangaba, há a produção
pela Figura 6. Lá, pode-se encontrar de diversos tipos de arroz especiais: arroz preto, jasmim,
alimentos como o famoso sanduíche de mortadela, bolinhos de basmati, vermelho. Na mesma região são estudadas as PANCs
bacalhau, ostras, peixes, lagostas e camarões, além de carnes pelo polo da Associação Paulista dos Agronegócios, a APTA, que
de animais não consumidos usualmente, sanduíche de pernil, desenvolve estudos da fauna e flora voltados à alimentação.
beirute de camarão, pastel dos mais diversos recheios, queijos, No Vale do Paraíba mantém-se influências indígenas e
embutidos, conservas, temperos e as mais diversas frutas. tradições dos tropeiros, com ingredientes e preparações que
O mercadão tornou-se um local voltado ao turismo, e devido a formaram a base da alimentação caipira e pratos como cuscuz
isso o consumidor pode se deparar com preços elevados e e virado à paulista, farofa de içá, feijão-tropeiro, ensopado de
superfaturados. Algumas alternativas próximas são o mercado galinha caipira e bolinho de caipira frito, feito com massa de
Kinjo Yamato, que oferece produtos de hortifruti muitas vezes milho amarelo com recheio de carne moída ou, na versão
vendidos pelo próprio produtor a preços justos, e a zona considerada patrimônio imaterial de Jacareí, com massa de
cerealista, onde é possível encontrar diversas lojas que vendem milho branca e recheio de linguiça de porco.
produtos secos à granel, farinhas, grãos, frutas secas, Encontramos, ainda, frutas como a uvaia, cambuci, que dá
castanhas e outros produtos com preços acessíveis. nome a um bairro da cidade de São Paulo, cambucá, feijoa,
Na região da 25 de Março e no bairro do Pari é possível pitanga, cabeludinha, jenipapo, nêspera,
encontrar lojas e restaurantes de comida libanesa e síria, com pitanga, romã, maga, araçá e jaca, entre
doces feitos com castanhas e frutas secas, ninhos, baklavas e outras.
esfihas fechadas e abertas, além de água de Figura 7. Cambuci. Fonte:
rosas, zaatar e tahine. Shutterstock. Acesso em: 03/02/2020.
Existe um bairro para cada nação que vive em São Paulo: Pari RIO DE JANEIRO
e Bresser são os lares de bolivianos e peruanos, que contribuem
com sua cultura em feiras que oferecem alimentos e O Rio de Janeiro possui fortes traços
ingredientes típicos. Já o Bom Retiro possui comunidades portugueses, obtidos graças à herança
judaicas e coreanas, com comércio têxtil e alimentício. da família real. Há também uma leve
Higienópolis é outro bairro com uma forte comunidade judaica, influência francesa, principalmente no
e em ambos os lugares é possível encontrar produtos, alimentos que diz respeito às artes e arquitetura
e restaurantes kosher. do Brasil colônia. Ademais, este estado
é dono de algumas das mais lindas paisagens e praias do
Entre os pratos clássicos de São Paulo estão o cuscuz paulista, mundo.
herança dos farnéis dos bandeirantes, e o pastelzinho do
Berço do samba e da bossa nova, o Rio oferece petiscos como: conferida pelo uso de urucum. Além
bolinhos de bacalhau, empadinhas, bolinhos de aipim com disso, nessa modalidade de
carne seca ou camarão, porções de sardinhas fritas, xereletes, moqueca não há acréscimo de leite
pescadinha regada no azeite, linguiças fritas, carne seca ou filé de coco nem dendê.
acebolado acompanhados de farofa ou aipim e sanduíches de Já a torta capixaba surgiu no século
filé ou pernil. O caldinho de feijão servido com bacon e couve XIX para ser consumida na Semana
chiffonade é responsável por trazer sustento aos boêmios, e nas Santa. É feita com peixe, siri, sururu, bacalhau e ostra, tudo
praias, há o queijo coalho no espeto, à base mate com limão muito bem temperado. A garoupa salgada leva bananas da
gelado e biscoitos de polvilho; nos calçadões, o milho com terra, assim como a moqueca vegana, em que esta fruta
manteiga e sal. substitui o peixe.
O prato carioca mais célebre é também o prato brasileiro mais Como afirmam Dolores Freixa e Guta Chaves
famoso: a feijoada. Outros pratos clássicos também compõem o no livro Gastronomia no Brasil e no mundo, de 2015, os
repertório carioca, como o picadinho; o filé Oswaldo Aranha, um imigrantes italianos trouxeram o preparo de pratos como o
filé mignon alto com alho frito, servido com arroz branco, batata agnolini, feito com capeletti; a pavesa, feita com caldo de carne
frita em rodelas e farofa; a sopa Leão Velloso, um prato servido com gema de ovo crua e torradas; e a massa de abóbora
ao embaixador do Brasil na França, inspirado no bouillabaisse, recheada com legumes, o tortei. Já os alemães trouxeram
mas que utiliza ingredientes locais, como caldo à base de cabeça pratos como o apfelstrudel e o michjabroud, um doce de massa
de peixe e camarão, frutos do mar e coentro; o filé à francesa, fina semelhante à massa filo, com recheio de maçã e um pão de
servido com ervilhas, presunto, cebola e batata-palha; e o
milho, respectivamente.
cabrito com arroz e brócolis.
É importante também mencionar o vinho de jabuticaba
No que tange à influência portuguesa, pratos a base de produzido na região, bem como geleias, rosquinhas, o guisado
bacalhau não faltam no cardápio: há o bacalhau à Zé do Pipo, de pato caipira, o saboroso joelho de porco eisbein e a
que é misturado com purê de batata e gratinado; o bacalhau à machacota, um doce puxa-puxa preparado com farinha de
lagareiro, uma posta assada com batatas, cebola e brócolis e mandioca, gengibre e rapadura, típico da região.
finalizada com alho torrado; o bacalhau à Gomes de Sá,
disposto em lascas e assado com batatas em rodelas, cebola, SINTETIZANDO
alho e ovos cozidos; e o bacalhau à Brás, um bacalhau desfiado Nesta unidade, vimos os principais povos que imigraram e
com rodelas finas de cebola, alho, batata palha, ovos migraram de outras regiões para o Nordeste e Sudeste do
temperados levemente batidos e azeitonas pretas. Brasil. Conhecemos, também, a culinária praticada nestas
ESPÍRITO SANTO duas regiões, analisando como é realizado o desenvolvimento
de preparo dos principais pratos em suas fichas técnicas de
O Espírito Santo, um estado litorâneo de mata atlântica cuja preparo.
capital é Vitória, mantém suas raízes indígenas, embora
também receba influências alemãs e italianas. Entre os mais Foi possível conhecer um pouco mais sobre o que cada etnia
conhecidos pratos desse estado está a moqueca capixaba, que agregou aos estados, cidades e bairros nos quais se fixaram.
se diferencia da baiana pelo uso de azeite de oliva e a cor Foram destacados os ingredientes locais, a fauna e flora
encontrada nas regiões, bem como o clima e a economia // Amazonas e Pará
principal.
// Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins
Muitos pratos, frutas e preparações foram declarados Região Centro-Oeste (clima, geografia e economia):
patrimônio imaterial da humanidade, o que mostra como nosso gastronomia e principais produtos
país propaga sabores próprios de nossa cultura gastronômica.
A variedade de biomas, culturas e povos faz com que cada // Goiás e Distrito Federal
cidade e região do Brasil tenha suas particularidades e valores. // Mato Grosso
Fica claro que, para que continue desta forma, urge que os
ingredientes locais sejam valorizados primeiramente por nós, // Mato Grosso do Sul
brasileiros, nos despojando de preconceitos adquiridos através Região Sul (clima, geografia e economia): gastronomia e
de crenças populares. principais produtos
VÍDEO OS PRIMEIROS RESTAURANTES DO BRASIL // Paraná

UNIDADE 4 - REGIÕES NORTE, // Santa Catarina


CENTRO-OESTE E SUL DO BRASIL // Rio Grande do Sul

OBJETIVOS DA UNIDADE VÍDEO INTRODUÇÃO

Conhecer a miscigenação da culinária brasileira nas regiões REGIÃO NORTE (CLIMA, GEOGRAFIA E ECONOMIA):
Norte, Centro-Oeste e Sul; GASTRONOMIA E PRINCIPAIS PRODUTOS
Elaborar fichas técnicas de preparações; A região Norte, formada pelos estados do Amazonas, Acre,
Amapá, Roraima, Rondônia, Pará e Tocantins, é a que mais
Praticar a culinária brasileira regional do Norte, Centro-Oeste manteve a herança indígena em sua cultura, estando nos
e Sul; ingredientes e nas técnicas. Além da cultura indígena, os
Desenvolver pratos da culinária brasileira; migrantes do Nordeste tiveram uma parcela de contribuição,
agregando ao cardápio novos ingredientes,
Reconhecer os ingredientes das regiões Norte, Centro-Oeste e
não esquecendo das matrizes portuguesa e
Sul;
africana, em especial no Pará, e dos
Distinguir as etnias formadoras da população brasileira que imigrantes europeus, libaneses e asiáticos.
contribuíram para a formação da gastronomia local;
Figura 1. Mapa do Norte. Fonte:
Saber as características geográficas que incidem em cada Shutterstock. Acesso em: 03/03/2020.
região.
São consumidos os peixes vindos dos rios, como a pescada, o
TÓPICOS DE ESTUDO pacu, a sardinha de rio, a traíra, a piranha, a piraíba que,
Região Norte (clima, geografia e economia): quando jovem, é chamada de filhote, o tucunaré, o tambaqui e
gastronomia e principais produtos o gigante do rio Amazonas, o pirarucu, que ganhou o título de
“bacalhau da Amazônia” em razão do preparo trazido pelos O Pará é responsável pelo cultivo e exportação de castanha do
portugueses. Pará e açaí. O ciclo da borracha fez com que a Amazônia e, por
consequência, Belém se desenvolvessem economicamente a
A gastronomia do Norte vem granjeando evidência e atraindo
partir da extração de látex, cuja mão de obra era de migrantes
cada vez mais a atenção de chefs nacionais e internacionais,
nordestinos que utilizavam as técnicas de extração dos índios e
integrando pratos com ingredientes de diferentes culturas e
durou de 1870 a 1910. Por fim, a extração de madeira, que
sendo adjetivada de exótica até dentro do país, mesmo não se
acontece desde a chegada dos portugueses e gera discussões em
enquadrando na definição. No entanto, isto se dá pelo fato da
relação à prática ilegal.
culinária de lá ser rica e ter ficado muito tempo ignorada pelos
povos de outras regiões. A fabricação de cosméticos se vale de mercadorias como
andiroba, priprioca, pitanga, castanha-do-pará, murumuru,
Entre seus ingredientes estão frutas como cupuaçu, sapucaia,
ucuuba, que se transformam em hidratantes, shampoos,
tucumã, sapotilha, uxi, acerola, bacuri, guaraná, açaí, castanha
condicionadores, sabonetes e muitos outros itens. O folclore
do Pará, murici, urucum, inajá, cupuí, biriba, miriti, pupunha,
amazônico é comemorado no Festival do Boi-Bumbá de
taperebá, araçá, camapu, conhecido mundo afora como fisális,
Parintins, no Amazonas, e o catolicismo se faz presente na
physalis ou golden berry e considerado um super alimento por
comemoração do Círio de Nazaré em Belém do Pará. Em geral,
conter aminoácidos essenciais, ferro, antioxidantes e anti-
o clima é quente e úmido com predominância equatorial, por se
inflamatórias.
localizar próximo à linha do Equador. Contudo, ele também
O bioma da Amazônia preenche cerca de 40% do território integra o clima tropical, nos estados do Tocantins e do Pará.
nacional, abrangendo os estados do Norte, parte do Mato
AMAZONAS E PARÁ
Grosso e Maranhão e outros países como Bolívia, Colômbia,
Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Manaus, capital do Amazonas, já esteve entre as cidades mais
Venezuela. Exceto o Equador, todos os países fazem fronteira importantes do mundo em virtude da borracha fabricada a
com o Brasil. partir da extração do látex. A Amazônia passava por uma
situação econômica extravagante, sendo apelidada até de “belle
A economia é baseada no
époque amazonense” e o látex, de “ouro branco”.
extrativismo mineral e vegetal,
onde o Pará se destaca na Por outro lado, os migrantes nordestinos que buscavam uma
exploração de minério de ferro e o nova vida encontraram dificuldades em virtude das doenças da
Tocantins, de manganês. O floresta, como malária, febre amarela e hepatite, sem falar nos
Amazonas extrai petróleo e gás animais perigosos, como onças, escorpiões e cobras.
natural e, com Rondônia, fornece estanho a partir da A Amazônia é a maior floresta equatorial do mundo, com seus
cassiterita. A região tem ainda exploração de garimpo de ouro 180 tipos de frutas, fora as plantas, animais e a maior bacia
e diamantes. Na agropecuária, o maior rebanho de búfalos do hidrográfica do mundo, na qual habitam mais de 100 tipos
Brasil está na Ilha de Marajó, enquanto em Rondônia se planta diferentes de peixes, que estabelecem a base alimentar local, de
café, estando entre os maiores produtores de café conilon de motivações indígenas, sendo o pirarucu o que mais predomina,
2014 a 2019. chegando a medir três metros e pesar 200 quilos. Em Manaus,
o pirarucu de casaca é feito com o peixe assado e destrinchado
em lascas com ovos cozidos, banana da terra (pacova) e farinha farinha em farofas, crostas de peixes, saladas, molhos e seu
de mandioca, regados com leite de coco e assados no forno. leite vai em cremes salgados.
O tambaqui, ou pacu vermelho, tem suas costelas muito Figura 2. Castanha do Pará. Fonte:
apreciadas, servidas como o carré de cordeiro, com a espinha à Shutterstock. Acesso em: 03/03/2020.
mostra, ou ao molho de camarão. Esse peixe chega a atingir O bombom de cupuaçu faz sucesso
dois metros e pesar mais de 30 quilos. Com alto teor de gordura, garantido com seu sabor azedo e
frito ou assado, o tucunaré é frequente nas mesas de Manaus e inconfundível. A fruta dá sabor a cremes
Belém, onde é comum nas caldeiradas com batatas e ovos e sorvetes, consumidos com o açaí, sucos,
cozidos, variando no tempero e uso da pimenta. A caldeirada de geleias, tortas e até cervejas. O tucumã é comido no pão pelos
tucunaré é muito estimada por aproveitar rabo, tronco e cabeça manauaras, sendo o “pão com manteiga” deles. O guaraná da
do peixe. tribo Sateré-Mawé está no cotidiano amazonense. Seja em pó
CURIOSIDADE ou xarope, ele é diluído no suco de laranja natural para dar
Roberta Malta Saldanha conta em Culinária brasileira, muito vigor e energia.
prazer, lançado em 2018, que se aproveita tudo do tambaqui. A mandioca tem papel fundamental na cozinha brasileira, em
Dos ossos secos, se faz farinha, das ovas, surge uma espécie de especial no Norte, onde é aproveitada das mais diversas
caviar brasileiro e, da bexiga natatória, se faz uma goma. A formas. Do caldo extraído da mandioca brava, o tucupi, é feito
partir do cruzamento do tambaqui com o pacu, se criou um o tacacá de final da tarde, ou “tacacá das cinco”, um prato
peixe híbrido, o tambacu. emblemático com camarão seco, goma de mandioca e folhas
O filhote, de até 50 quilos quando jovem, recebe o nome de de jambu. O prato mais emblemático do Pará é o pato no
piraíba ao chegar na fase adulta, pesando impressionantes 200 tucupi, notório pela festa do Círio de Nazaré, comemorada no
quilos. Do tamauatá e do acari, é feito o piracuí dos índios, no segundo domingo de outubro, reunindo mais de um milhão de
qual a carne do peixe é torrada e pilada. Já a gurijuba, ou peixe pessoas em Belém. O preparo é iniciado com um pato novo,
da vigia, recebe o nome de “haddock paraense” quando cozido no tucupi com folhas de jambu, chicória e alfavaca. A
defumado. maniçoba é a feijoada do paraense, elaborada com as folhas da
maniva, moídas e pré-cozidas para perderem o ácido cianídrico,
A banana pacova, ou banana-da-terra, é tida como nativa por charque e carnes salgadas do porco, como toucinho defumado,
compor os hábitos alimentares indígenas e estar no Brasil costela, pés, língua, paio, linguiça de chouriço, sem contar
antes da chegada dos portugueses. Porém, há referências que bucho e mocotó de boi.
dizem que sua origem é africana ou asiática. Assada, vai como
CURIOSIDADE
acompanhamento de peixes, mas também é ingrediente de
tortas e bolos. Frita bem fininha, é vendida em pacotinhos. O jambu, ou “agrião-do-Pará”, “agrião-bravo”, “agrião-do-
Brasil” ou “agrião-da-amazônia”, é uma planta que causa
A Figura 2 mostra o ouriço, um fruto da castanha do Pará, ou
dormência, pois contém espilantol. A flor potencializa a
castanha do Brasil. A Bertholletia excelsa, seu nome científico,
sensação, causando uma salivação excessiva. É usada para
possui de 12 a 25 sementes. A castanha está localizada dentro
aliviar dor de dente.
do ouriço, protegida por outra casca. Ela é consumida como
A Ilha de Marajó é o maior arquipélago fluvial do Brasil, com igarapés e ilhas, se encontra o pitu, camarão grande de água
uma área de 50 mil km², e fica a mais de três horas de barco de doce que chega a 40 centímetros de comprimento. Dentre as
Belém, ou 30 minutos de avião. Dominada pelos búfalos, a ilha receitas, a principal consiste em adicioná-lo a ensopados de
oferece a hospitalidade dos moradores que, em quantidade, peixe com leite de castanha.
estão em número menor que os animais. Dócil, o búfalo é a A torta de pirarucu é típica de Roraima. O estado abrigou
montaria da guarda e o meio de transporte, oferece o leite para migrantes de Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
queijos cremosos e um doce de leite mais escuro que o de vaca. da Bahia que estavam atrás das riquezas das jazidas de ouro e
Além dos laticínios, as frutas da ilha são base para licores, diamantes. As pimentas, como murupi, malagueta, caraimé,
pudins e doces. olho de peixe e de cheiro, são preparadas com pintado, filhote
Os peixes frescos são ingredientes para moquecas e o prato ou tambaqui, tucupi preto e folhas de cariru (major-gomes,
mais emblemático da Ilha de Marajó, o frito do vaqueiro ou frito beldroega, maria-gomes, etc.) com biju, sendo ingredientes
marajoara, com carne de búfalo, tem procedência semelhante essenciais, bem como o peixe, na damurida oferecida às visitas
ao farnel do sudeste. Caloca Fernandes, no livro Viagem nas casas dos habitantes de lá.
gastronômica através do Brasil, de 2002, conta que o frito As pimentas são herança das tribos ianomâmis, uapixanas e
marajoara era preparado com uma carne gorda de boi com macuxis. Esta última faz o caxiri, bebida processada apenas por
farinha de mandioca temperada. Depois de pronto, era mulheres e obtida pela fermentação de 24 a 48 horas da
acondicionado e levado, sob a sela do cavalo ou entre o lombo mandioca, sendo depois coada e diluída em água. Em Rondônia,
do animal e as coxas do boiadeiro, num saco de couro a influência indígena predomina com o consumo de jacarés,
denominado “surrão”. O atrito da cavalgada fazia com que o
peixes e tartarugas. No Tocantins, cuja formação histórica se
frito estivesse quente na hora do almoço. deu pelas mãos de indígenas, portugueses, mineiros e
ACRE, AMAPÁ, RORAIMA, RONDÔNIA E TOCANTINS paulistas, se utilizam os víveres do cerrado numa culinária
O estado do Acre passou por dificuldades no seu semelhante a Goiás.
desenvolvimento, como a demarcação territorial com a Bolívia VÍDEO MERCADO VER-O-PESO
e a queda do ciclo da borracha, em 1912, pois era lá que se
REGIÃO CENTRO-OESTE (CLIMA, GEOGRAFIA E
encontravam o maior número de seringueiras. A culinária local
ECONOMIA): GASTRONOMIA E PRINCIPAIS
tem inspirações indígenas e portuguesas, ganhando mais tarde
PRODUTOS
a cultura dos imigrantes sírio-libaneses, que introduziram o
charutinho com folha de couve no lugar da folha de uva e o Figura 3. Mapa do Centro-
quibe com macaxeira ou arroz no lugar do trigo. Os feijões Oeste. Fonte: Shutterstock. Acesso em:
crioulos, produzidos no vale do Juruá, chegam a ser cultivados 03/03/2020.
até nas praias de água doce. A farinha de Cruzeiro do Sul, Composta pelo Distrito Federal e os
oriunda do estado, tem o selo de Indicação Geográfica (IG) estados de Mato Groso, Mato Grosso do
desde 2017 e, em 2019, se tornou patrimônio cultural do estado. Sul e Goiás, é a segunda maior do país e
Banhada pelo rio Amazonas, a capital do Amapá, Macapá, é a a única sem saída para o mar, embora tenha fronteira com a
única capital brasileira atravessada pela linha do Equador. Nos Bolívia, o Paraguai e todas as outras regiões do Brasil. A região
foi a última a ser explorada, sendo colonizada por aventureiros Não faltam à mesa dos peões a carne de boi e o tereré, bebida
à procura de ouro e, aos poucos, foi alvo da pecuária extensiva, com erva mate, gelada e colocada numa guampa. Com o mate,
tornando a profissão de peão comum no lugar. A recente também se faz o mate queimado, no qual açúcar caramelizado
exploração do ecoturismo fez com que as fazendas virassem é adicionado à água, coado e servido com chipa ou biscoitos.
atrações e os peões, guias turísticos. O principal bioma é o Grande parcela das interferências culinárias vem dos tropeiros
cerrado, mas com proeminência do Pantanal. e carreteiros, que faziam churrascos de fogo de chão
acompanhado de arroz carreteiro.
Patrimônio natural mundial e reserva da biosfera da
humanidade pela Unesco, o Pantanal é a maior planície úmida Outras influências se deram no
do mundo. Antes era chamado “Mar de Xaraés”, por conta da caribéu, um ensopado de mandioca
tribo tupi-guarani que ali caçava e pescava, o Pantanal se com a carne seca. Esta última, com
divide em duas épocas: a cheia, de novembro a março, e a seca, pirão, é um ingrediente do João
de abril a setembro. Os tuiuiús são o símbolo da planície, rica Sujo, e é base da paçoca de carne-
em flora, fauna e abrigo de tamanduás-bandeiras, veados- seca e do macarrão de comitiva, em
campineiros, tatus, quatis, macacos pregos e bugios, que é frita na banha com macarrão espaguete quebrado,
jaguatiricas, tucanos, araras-azuis e do maior felino das recebendo suco de laranja durante o cozimento.
Américas, a onça-pintada. A carne de jacaré é muito apreciada num bolinho frito batizado
O clima predominante é o tropical semiúmido, com frequentes de camambuco. A queixada, prima do cateto, tem carne
chuvas de verão e invernos amenos e secos. vermelha, forte e com baixo teor de gordura. Seus cortes mais
valorizados são o pernil, a costela, a bisteca e a paleta. Não
No Planalto Central, o clima é tropical de altitude e equatorial
obstante, sua criação em cativeiro deve ser autorizada pelo
no norte do Mato Grosso e na floresta Amazônica. Cortam a
IBAMA, assim como acontece com as capivaras.
região os rios Xingu, Tocantins-Araguaia, Paraguai, Paraná,
Jurema e Parnaíba, o que faz de peixes como pacus, piranhas, Sob predomínio dos países fronteiriços, como Bolívia e
matrinxãs, dourados e pintados importantes ingredientes, os Paraguai, e da Argentina, a região absorveu pratos como locros,
quais são preparados inteiros, em postas, recheados, assados, saltenhas, empanadas, chipas e pucheros. Os japoneses, por
fritos, mojicas, ou em caldinhos e moquecas. Como sua vez, levaram na bagagem o preparo do sobá.
acompanhamento, é oferecido arroz com pequi, uma fruta do GOIÁS E DISTRITO FEDERAL
cerrado.
Símbolo de Goiás, até a década de 1980, o empadão goiano era
A produção agrícola comercializa milho, feijão, café, arroz, apenas empada goiana.
trigo, algodão, soja e na pecuária se destaca a criação do gado
de corte e de leite, ainda se cria o suíno e o equino, sendo o Foi no Centro de Tradições Goianas, criado por Maria Valadão,
Brasil um dos maiores exportador de carne de cavalo. Fazem então primeira-dama do estado, que um restaurante passou a
parte da economia a exploração de minério de ferro e a de nomear a empada como empadão e o nome ficou. É uma
manganês é uma das maiores do mundo, indústrias de verdadeira refeição, com massa recheada de frango, carne de
fertilizante, maquinário agrícola, automobilístico, madeireiras, porco (pernil ou lombo), ovos, queijo minas meia cura,
farmacêuticos, etc. azeitonas, guariroba e molho de tomate. Da massa que sobra,
são feitos pastelinhos, primo do pastel de Belém, mas recheados A pastela é uma pamonha de mandioca ralada, gordura, queijo
com doce de leite. A empada e os pastelinhos são de massa ralado, açúcar e canela, assados na folha de bananeira, a versão
folhada, o que caracteriza a presença portuguesa. goiana do hî-hî do Mato Grosso do Sul. A gastronomia de Goiás,
CURIOSIDADE pela proximidade e o bioma do cerrado, se assemelha em muitos
aspectos à de Minas. Nos dois estados e no Vale do Paraíba, em
A guariroba, de nome científico Syagrus oleracea, é uma São Paulo, se encontra um tubérculo em extinção, o mangarito,
palmeira muito valorizada pelo seu palmito amargo, batizado cujo formato irregular lembra um pequeno inhame, de sabor
de coco amargoso, catolé, coco-babã ou pati amargoso. Depois meio amendoado, que se transforma em purês, cremes, sopas,
de colocada na água fria, cortada e limpa para que não bolinhos ou salteados na manteiga.
escureça, é ingrediente principal do arroz de guariroba, prato
conhecido em Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. A tigela de Seu cozimento se assemelha ao
guariroba é um refogado com manteiga, alho, cebola e tomate, nhoque. Conforme fica cozido, sobe
ao qual se dá consistência com farinha de trigo e ovos batidos, à superfície da água e lá cozinha por
para depois ser assado. mais alguns minutos. Ao ser
apertado, sua casca sai com certa
Outro prato que distingue Goiás é a pamonha e suas variações. facilidade e suas folhas lembram
Ao contrário das do Sudeste, elas são salgadas, cremosas e uma taioba, sendo comestíveis depois de bem cozidas.
recheadas com linguiças, queijos, pequi com frango, linguiça
com frango ou requeijão. Todavia, as pamonhas não são só Com o arroz, se faz a galinhada e o arroz de suã, com a porção
cozidas. As “di à moda”, são fritas ou assadas, podendo ser “di inferior do lombo de porco temperada, frita e cozida com arroz,
à moda de sal”, que levam o mesmo recheio da pamonha fazendo parte da herança dos tropeiros, sendo encontrado no
tradicional, ou “di à moda de açúcar”, recheadas com queijo com interior de São Paulo e sul de Minas Gerais. O arroz de pequi,
creme de leite e coco ralado. Quando assadas, se aproveita a ao receber guariroba e açafrão da terra, se converte no arroz do
mesma receita da cozida, deixando de levar óleo na massa e não cerrado, prato tradicional do domingo de páscoa goiano.
sendo coadas caso fritas, embora seja possível fritar as Usando sobras da geladeira, o “arroz de puta pobre” é
pamonhas assadas do dia anterior. tradicional de Goiás e tem uma versão mais requintada, com
As ventrechas são as costelas do pacu, temperadas com sal e coxa e sobrecoxa de frango, toucinho defumado, azeitona,
limão, empanadas e fritas por imersão. A carne-seca é utilizada palmito, costelinha de porco defumada, carne de sol, tomates e
na sopa pantaneira, engrossada com farinha de mandioca, ervilhas frescas. Este prato de nome pejorativo é mencionado
recebendo colorau, para dar cor, e macarrão cabelinho de anjo. por Caloca Fernandes em seu livro como um “prato requintado
O mané pelado é um bolo de mandioca ralada com queijo, minas para figurar nas mesas de ocasiões felizes”, além de ser citado
ou coalho e canastra, que leva erva-doce e leite de coco como uma receita popular em que o arroz é protagonista no
misturado com o de vaca. O nome vem de uma história em que livro de Saldanha, que lembra que, em consequência da pouca
um agricultor colhia suas mandiocas pelado, seja por idade e da população constituída por estrangeiros e migrantes
superstição ou pura vaidade. É servido em festas juninas em de outras regiões, Brasília não tem uma identidade definida.
Goiás e Minas Gerais. MATO GROSSO
Bebida típica mato-grossense, a canjinjin é um licor energético Mojica de jacaré
com cachaça, mel, cravo-da-índia, canela, erva-doce, raízes, • 1 quilo de jacaré
gengibre e outros ingredientes, que possui o selo de IG. • 1 unidade de suco de limão
O aaru, provindo na tribo dos nhambiquaras da região central • Quantidade suficiente de sal e pimenta
do Mato Grosso, é um bolo com o moqueado de tatu socado no • Quantidade suficiente azeite de oliva
pilão e misturado com a massa de mandioca. • 3 dentes de alho
Vindo dos rios, o pintado vai na mojica, ensopado de peixe com • 1 unidade de cebola cortada em cubos
mandioca, temperos e colorau no próprio pirão, acompanhado • 1 unidade de pimenta-de-cheiro
de arroz empapado e sem sal. No Mato Grosso do Sul, é • 1 unidade de pimenta-dedo-de-moça
chamado de peixada pantaneira. • ½ unidade de pimentão verde em cubos
• ½ de pimentão vermelho em cubos
A caça do jacaré é proibida, mas a criação em cativeiro é • ½ de pimentão amarelo em cubos
permitida pelo IBAMA. O corte da exótica carne mais popular • 2 unidade de tomate vermelho concassé
é a cauda. Com a carne de jacaré, se elaboram moquecas e • 1 colher de chá de urucum
ensopados, podendo ser grelhada, empanada e frita. Na receita • 500 gramas de mandioca cortada em cubos
a seguir, está a ficha técnica da mojica, uma das possibilidades • 2 litros de caldo de peixe
culinárias disponíveis. • 5 colheres de sopa de cebolinha picada
O IBAMA também controla a • 5 colheres de sopa de salsinha picada
criação de javali e capivara, outras // Modo de preparo:
carnes exóticas na mesa do mato-
grossense. A capivara tem cinco 1. 1Tempere o jacaré com sal, a pimenta-do-reino e o suco
vezes menos gordura que o porco e de limão. Reserve;
o boi, devendo ser abatida com um 2. 2Numa panela grande, aqueça o azeite e coloque o alho
ano de idade para ser melhor degustada e marinada por 24 e a cebola;
horas antes. 3. 3Adicione as pimentas, os pimentões, o tomate e o
urucum. Refogue bem;
O nome vem do tupi “kapi’wara”, em que “kapi” é capim e 4. 4Junte a mandioca, acrescente o caldo de peixe e cozinhe
“wara” é comedor. Sua carne é aproveitada frita, cozida em por cerca de 15 minutos, ou até a mandioca começar a
ensopados e assada. Já o javali é a mais saborosa das carnes desmanchar;
exóticas, sendo 85% menos gordurosa que a carne de boi e tendo 5. 5Acrescente os cubos de jacaré, tampe a panela e cozinhe
muito pouco colesterol. O javali veio para o Brasil via Argentina por mais 10 minutos;
e Uruguai em 1950. Do seu cruzamento com o porco doméstico, 6. 6Acerte o sal e finalize com o cheiro verde;
surgiu o javaporco, raça que se reproduz e engorda mais rápido, 7. 7Sirva com arroz branco.
o que torna bem provável que a maioria dos “javalis” no Brasil
sejam, na realidade, javaporcos.
Uma versão local do caruru leva carne moída, quiabo, abóbora, • Acrescente o polvilho doce aos poucos até chegar no
pimentão verde e cheiro verde. De inspirações paraguaias, o ponto de enrolar;
bori-bori é um cozido de frango que acompanha bolinhos de • Modele as chipas em formato de ferradura ou rosca;
fubá, arroz branco e queijo caipira. O quebra-torto é o café da • Frite em óleo quente à 180 ºC, até dourarem;
manhã pantaneiro, inclusive no Mato Grosso do Sul. • Retire com uma escumadeira e seque o excesso de óleo
Nas fazendas, o café é por volta das 4 ou 5 horas da madrugada. em papel absorvente.
Em contrapartida, os hotéis seguem com horários mais comuns, O furrundu é um doce do estado, com mamão verde ralado com
entre as 8 e 10 horas da manhã. São proporcionados muitos rapadura e condimentado com gengibre ou cravo e canela. Do
alimentos que compõem o almoço de muita gente, como farofa, mamão verde, se faz compota, com o mamão cortado em fitas e
biscoitos doces, bolo de fubá, bolo de mandioca, picadinho de enrolado de maneira em que se formem tubinhos verdes com a
miúdos, mandioca cozida, ovos fritos, carne com banana verde, casca mais escura na ponta. Além do mamão, são utilizados a
bacon, peixe frito, jacuba, linguiças, furrundu, sopa paraguaia, abóbora, o coco e o leite.
macarrão de comitiva, canjica, sucos, mate queimado e arroz
Um dos peixes que habitam os rios sul mato-grossenses é a
carreteiro acompanhado de ovos fritos e farofa.
temida piranha. A piranha é um peixe carnívoro, de escamas
MATO GROSSO DO SUL brilhantes e dentes afiados, que chega a medir até cinquenta
O influxo do Paraguai trouxe a típica sopa paraguaia que, centímetros e pesar três quilos. Apesar da fama, os pantaneiros
apesar do nome, é um bolo salgado de milho com fubá, cebola e garantem que elas só atacam em águas mais calmas, como
queijo, comido no café da manhã, bem como a chipa, espécie de lagoas, poças ou água parada. Com ela, se faz um caldo
pão de queijo em formato de ferradura, muito semelhante no reconhecido pelo sabor e pelas propriedades afrodisíacas. À
sabor ao ponto de confundir muita gente. beira dos rios, são preparadas moqueadas sobre galhos de
angico, que fornecem um aroma que serve como tempero para
A diferença é que ela leva um pouco mais de queijo e o polvilho piraputangas e pacus.
não é escaldado, enquanto a chipa pode ser assada ou frita por
imersão em óleo, como na receita abaixo. A linguiça de Maracaju, com carne
bovina e temperada com alho,
Chipa frita pimentas e suco de laranja azeda,
• 500 gramas de queijo Minas meia cura ralado obteve o selo de IG em 2016, o que
• 1 unidade de ovo permite a apenas 12 membros da
• 30 gramas de manteiga Associação dos Produtores da
• Quantidade suficiente de sal Tradicional Linguiça de Maracaju (APTRALMAR)
• 400 - 500 gramas de polvilho doce para dar o ponto comercializarem a linguiça com o selo. Fernandes, em seu livro,
• Quantidade suficiente de óleo para fritar relata que mesmo a linguiça tradicional, da Serra de Maracaju,
não é comercializada com este nome por conta da patente em
// Modo de preparo: que foi registrada o nome da linguiça.
• Misture o queijo minas, o ovo, a manteiga e o sal; Nas latinhas de sardinha, são feitos bolinhos de arroz, com
farinha de arroz em remolho por 24 horas, que depois é seca ao
sol, recebe açúcar, coco ralado, erva-doce e mandioca ralada e formando grandes campos e fazendo do
cozida. O caburé é um bolinho assado de mandioca ralada com churrasco a maior especialidade de lá.
queijo ralado que lembra um pão de queijo mais rústico, e o Sua origem vem dos
biscoito do céu, uma espécie de sequilho com leite de coco e indígenas da costa
polvilho. americana e os cortes mais tradicionais são o
A culinária terena tem pratos típicos dos índios, como o hî-hî, matambre e a costela de ripa.
uma pamonha de mandioca mansa enrolada na folha de A economia é movida pela agropecuária com o cultivo de soja,
bananeira, com peixe assado, aves e outras carnes, puro ou com trigo, mandioca, tabaco, algodão, cana de açúcar, laranja, uva,
mel de abelhas nativas, o poréu, sopa com polvilho doce, e o hó, café, erva mate, milho, arroz, cebola e maçã, sem falar nas
peixe assado com pimenta combari. criações de suínos, aves, peixes e gado bovino para corte e leite,
e nas atividades de extrativismo vegetal, para a fabricação de
REGIÃO SUL (CLIMA, GEOGRAFIA E ECONOMIA): madeira, papel e celulose, e mineral, de caulim, argila, carvão
GASTRONOMIA E PRINCIPAIS PRODUTOS mineral e petróleo.
Figura 4. Mapa do Sul. Fonte: A fabricação de roupas e calçados são uma característica forte,
Shutterstock. Acesso em: 03/03/2020. bem como o turismo, que atrai pessoas para as Cataratas do
Formada pelos estados do Paraná, Santa Iguaçu, Gramado e Canela.
Catarina e Rio Grande do Sul, a região Sul PARANÁ
foi colonizada por imigrantes que
Curitiba, capital do estado, é considerada uma cidade modelo.
mantiveram muito da cultura de seus
Entre seus colonizadores estão os italianos, que se
países, como alemães, holandeses, espanhóis, poloneses,
estabeleceram no bairro de Santa Felicidade e popularizaram o
italianos, austríacos, ucranianos, árabes e japoneses. Por ser
frango caipira com polenta, radicchio e gengibirra, refrigerante
uma área quase toda temperada, com geadas e até neve, o clima
com gengibre de a mesma receita desde 1930.
é subtropical em grande parte da região. A única exceção é o
norte do Paraná, onde predomina o clima tropical. São típicos o leitão desossado recheado, o porco no rolete de
Toledo, o carneiro no buraco de Campo Mourão, o carneiro ao
As temperaturas mais frias ajudaram na adequação às terras
molho de vinho e o barreado, composto por carnes que exigem
brasileiras, transformando o Sul em referência na fabricação de
um cozimento mais lento, como músculo ou paleta, e associado
vinhos, espumantes e cervejas, sendo a Oktoberfest de
às festas do entrudo, carnaval e fandango, em que o alimento
Blumenau (SC) a maior celebração da cultura alemã fora da
era pensado para acontecer no dia seguinte, dando forças para
Alemanha.
continuar os festejos.
O pinhão faz a vez das festas juninas e é estrela de pratos como
Dos tropeiros, foi herdado o feijão tropeiro e a quirera, quirela
paçoca, entrevero de pinhão, farofas e sapecada.
ou canjiquinha, cozida com costela de porco e linguiça. Os índios
O bioma dos pampas ocupa o extremo sul do Brasil, mais da deixaram o legado da mandioca e o consumo do pinhão.
metade do estado do Rio Grande do Sul e é um ótimo local para
ASSISTA
a criação do gado bovino, com sua vegetação baixa e rasteira,
O barreado nasceu em duas cidades litorâneas do Paraná: secagem, o sal é retirado e o peixe é frito em chapa quente ou
Morretes e Antonina. O nome vem da panela de barro, vedada na brasa, acompanhado de pirão d’água ou pirão de nylon.
com uma mistura de farinha de mandioca e água que, Outro prato típico é a tainha na telha, inspirada no sável do rio
dependendo da localidade e das matérias primas disponíveis, Tejo. Limpo pelas guelras, recheado e assado entre duas telhas,
varia de cinzas a farinha de trigo ou argila. O barreado é a a versão catarinense se vale de apenas uma telha. A tainha,
vedação que fecha a panela, como uma espécie de panela de depois de aberta para a retirada das vísceras, é recheada com
pressão, que vai ao fogo lento de 8 a 12 horas. camarões e temperos, sendo acompanhada de batatas assadas
A contribuição dos alemães é notada no uso de batata, com cebola e tomate.
embutidos, como linguiças e salsichões, picles de legumes, Vindo da Europa e comum em Itajaí, a bottarga é feita com ovas
carnes defumadas, chucrute de repolho fermentado, e em de tainha curadas no sal e secas em estufas, ficando numa
pratos como o einsbein, o famoso joelho de porco, o gemüse, com textura para serem raladas ou cortadas bem fininhas.
porco defumado, purê de batata e couve, o kassler, chuleta do
porco defumada acompanhada de chucrute, purê de maçã e Na capital, Florianópolis, as ostras têm
batata cozida, e sobremesas como o stolen, bolo com frutas destaque pela qualidade de padrão
secas e oleaginosas e rum, e o strudel, doce de massa folhada internacional. A Fenaostra, uma festa anual
que leva maçã no recheio. dedicada ao molusco, também oferece
mexilhões e várias maneiras de preparos com camarão: frito,
Os poloneses chegaram, em sua maioria, no século XIX e empanado, à paulista (com alho), no bafo e, em alguns lugares,
propagaram o pierogi, espécie de pastel cozido ou frito que finalizada com caldo de camarões com pirão.
lembra um ravioli recheado com batatas cozidas bem
temperadas e cebolas carameladas, carne moída, ricota ou Vale ressaltar que os responsáveis por esses artigos de
chucrute. excelente qualidade são de pequeno porte, bem como os que,
seguindo receitas francesas, fabricam queijos como o gruyére,
Na mesma época, vieram os ucranianos, que aproveitam a reblochon, abbaye de citeaux, comté, saint nectaire, munter,
beterraba para fazer o borscht, um tipo de sopa fria. No começo camembert e outros.
do século XX, japoneses se estabeleceram em Antonina e os
árabes transmitiram o costume de comer carneiro. Os alemães influenciaram com os alimentos do schlachtplatte:
salsichões vermelhos e brancos, morcilha, chucrute, joelho e
SANTA CATARINA
bisteca de porco, bem como o marreco e a cerveja, estrela da
Graças ao litoral, o estado de Santa Oktoberfest de Blumenau, que traz pratos típicos e hábitos
Catarina aproveita muitos peixes, culturais germânicos. A carne seca de ovelha é típica do Vale
mas o que se sobressai é a tainha, do Itajaí e a rota do marreco, em que a ave assada é recheada
preparada de diversas formas. com repolho roxo e acompanhada de purê de batatas e chucrute.
Receita de herança açoriana, a
A cuca é um pão doce que parece muito um bolo, mas com
tainha escalada é elaborada com o
fermento biológico. O nome em alemão, streuselkuchen, quer
peixe sem as vísceras e a cabeça seca ao sol com sal grosso por
dizer “bolo de flocos”, aludindo à farofa doce na cobertura. A
cinco dias, passando as noites protegido em local seco. Após a
princípio, somente o pão com a farofa era ofertado em dias
comemorativos como Páscoa e Natal. Hoje, porém, seus cavalos. Até então, apenas o couro, chifres e ossos eram vistos
recheios e a farofa são múltiplos. como proveitosos.
Os austríacos trouxeram o knodel, uma espécie de rabanada Ao contrário da atualidade, a carne era o item menos valorizado
salgada feita com um bolinho de pão amanhecido triturado e do boi e, por isso, era distribuída aos peões.
molhado no leite com ovos e linguiça, que pode ser frito ou O aproveitamento dos bovinos incentivou a criação e o gado
cozido. Os húngaros, por sua vez, difundiram o goulash e o bovino dos pampas da campanha meridional do Rio Grande do
apfelstrudel, enquanto os italianos conservaram alguns Sul ganhou o selo de IG. O churrasco fogo de chão, disposto nas
preparos dos camponeses como a fortaia, na qual se agrega valas com os espetos fincados na diagonal sob o calor das
queijo colonial com linguiça à omelete. brasas, é célebre e apreciado, embora demande espaço, como
Em São Joaquim desde 1970, os imigrantes japoneses se ilustra a Figura 5.
tornaram um dos maiores fornecedores de maçã da América Figura 5. Churrasco gaúcho. Fonte:
Latina, manufaturadas em sucos, sidras e calvados, destilado Shutterstock. Acesso em: 03/03/2020.
típico da Normandia (França). Os pomeranos suscitaram a
fabricação de kochkäse, queijo cozido por pequenos O churrasco permeia o Uruguai e a
agricultores, e também da linguiça Blumenau, nascida em Argentina, países que fazem divisa
Pomerode e fabricada até hoje como um dos principais itens da com o Rio Grande do Sul e que
gastronomia alemã do Vale do Itajaí. compõem as terras dos pampas. As
carnes são temperadas apenas com sal grosso, colocadas no
Na cidade de Criciúma, é preparada a espeto e assadas por horas até atingir a consistência e o ponto
galinha caipira ensopada com polenta no de cocção desejados. Os cortes mais conhecidos são a costela
fio, cujo nome se dá pelo fato da polenta bovina ou chuleta, a paleta e o matambre, recheado com
ser colocada sob uma tábua e cortada com linguiça, bacon e cebola, sem falar no tanguari, a aorta do boi
um fio depois que esfria. cozida com temperos.
Os italianos disseminaram a massa, com tortei recheados de Acompanhando as carnes, estão sempre o vinagrete, o arroz
abóbora, capelettis in brodo artesanais, saladas de radicchio, carreteiro, a farinha de mandioca e o feijão campeiro. Aos finais
vinhos e espumantes. de semana, vão para a churrasqueira os cortes mais nobres ou
Já em Chapecó, o porco light, raça com mais carne que o porco os que cabem no bolso, como picanha, filé mignon, chuleta,
comum, adquire preparações típicas como o leitão light original maminha, contrafilé, fraldinha ou vazio, linguiça, galeto e
Chapecó, recheado light e o light à pizza. carneiro.
RIO GRANDE DO SUL O arroz de carreteiro, do espanhol carretero que significa
O churrasco, símbolo do estado como o chimarrão, é devorado “condutor de carro de bois ou carroça”, foi inspirado nos peões
em meio a uma roda. Sua origem, de acordo com Fernandes, que andavam pelas estradas gaúchas e os pampas carregando
vem dos índios e é um hábito adotado após a descoberta do fogo. o que fosse preciso.
O boi chegou ao Brasil em 1682, na mesma época que os
O charque, alimento que não Há três qualidades de mate, dependendo do
perecia nos percursos, cozido junto gosto e do processo de moagem: puro, somente
com arroz, era preparado em com as folhas e pouco ou nenhum talo, com tudo
paragens que agrupavam os peões. triturado, ou pura folha, o barbacuá, feito das
A receita varia conforme o local, folhas com talos triturados e que resulta num
mas, em geral, leva alho e cebola sabor mais suave e amargo, ou o tereré, com as
refogados, adicionados do charque dessalgado, arroz sem lavar, folhas pouco trituradas e bebido com água gelada, como no
salsinha picada e água para o cozimento. Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul.
Na década de 1960, alguns restaurantes, com o intuito de Para o chimarrão, é necessário cuia, bomba e água quente. É
atender caminhoneiros e visitantes que passavam pela estrada comum ver nas ruas do Rio Grande do Sul pessoas com uma
e precisavam fazer as refeições de maneira rápida, assavam e cuia na mão e uma garrafa térmica com água quente na outra.
distribuíam cortes de carnes diferentes pelas mesas. Surgia, A cuia é feita de uma fruta verde chamada porongo. Parente de
assim, o sistema de rodízio ou “espeto corrido”, que consiste chuchu, abobrinha e abóbora, quando madura, seu nome muda
num serviço de saladas e acompanhamentos, além de carnes, para caxi, sendo consumido sem semente e sem casca nas
em que o cliente se serve à vontade por um preço fixo. saladas e sopas.
O sucesso dos rodízios foi tamanho que é possível encontrar O preparo é cauteloso, pois o mate é colocado seguindo a lateral
rodízios de pizza, comida japonesa e até de comida mexicana. do porongo. A bomba, de materiais como prata com o bico de
Adotado em todo Brasil, ele ganhou o mundo e hoje está ouro, mas disponível em inox, bambu ou alpaca, fica entre o
presente na China, nos Estados Unidos, no Japão e na Europa. mate seco e a água colocada na outra metade da cuia. Quem
estiver na vez, bebe toda água que está no recipiente, passando
Figura 6. Mate e Chimarrão. Fonte:
para o próximo, que enche novamente e bebe até o final.
Shutterstock. Acesso em: 03/03/2020.
O chimarrão jamais é adoçado, pois o doce não
A Figura 6 mostra a bebida símbolo do
melhora o amargor da erva. Quem preferir um
gaúcho, o chimarrão, herança indígena
sabor mais adocicado, pode mascar um pouco de
que remete a um ritual de partilha,
rapadura ou puxa-puxa antes de sorver a bebida, ou
sem hierarquias nem classes sociais.
optar pelo tereré com limão ou saborizado com
Segundo Fernandes, o chimarrão é mais um nome que deriva
frutas.
do espanhol, dado que o Rio Grande do Sul foi colonizado do
Paraguai para a costa litorânea brasileira. Com uma mesa farta com doces, bolo de milho, geleias de
ameixa, caqui, maçã, biscoitos, pães, pinhão torrado, sucos,
A palavra vem de cimaron, que significa “bárbaro” ou “bruto”,
queijos artesanais, embutidos, tortas, apfelstrudel, cucas,
pelo amargor do mate, ou “clandestino”, por ter sido proibido no
chocolate quentes, chás e chimarrão são referências de café da
Paraguai pelos espanhóis. A erva era batizada pelos índios
manhã nas regiões do Brasil com temperaturas mais frias e
guaranis de caa-í – bebida de mato, de folha, e pelos incas, que
popular nas fazendas adeptas do agroturismo.
a designavam como matti. A bebida é popular em todo o Sul,
não se restringindo ao Brasil, mas a países como Uruguai, A Serra Gaúcha, nomeadamente o Vale dos Vinhedos, é famosa
Argentina e Paraguai. pelos vinhos e espumantes, desenvolvido pelos italianos e cujo
início se deu com o cultivo de cabernet sauvignon e riesling. Os dos grandes chefs brasileiros. Dizem que o melhor prato para
imigrantes trouxeram massas, como o capeletti in brodo ou servir a trufa é um ovo frito, mas vai muito bem com gemas
agnolini na sopa, a polenta frita, galeto na brasa ou al primo curadas, massas ou pratos que levem manteiga.
canto, este último substituindo os passarinhos na receita da SINTETIZANDO
Itália.
Nesta unidade, foi possível avaliar a miscigenação da culinária
O galeto deve ter cerca de 25 dias de vida e pesar brasileira nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul. As etnias
por volta de 500 gramas. No preparo, eles são formadoras da população brasileira, todas com fortes heranças
marinados em vinhas d’alhos e acompanhados de que contribuíram para a formação da gastronomia local, é
espaguete ou talharim ao sugo e salada de composta de indígenas, portugueses, africanos e imigrantes
radicchio. italianos, alemães, japoneses, poloneses, ucranianos, libaneses,
Em Pelotas, a herança dos portugueses aparece nos doces como sírios e outros que continuam chegando.
o pastel de santa clara, papos-de-anjo e toucinhos do céu, que Através de fichas técnicas relativas a preparações típicas, com
leva toucinho no nome, mas se trata de um bolo. O arroz, no ingredientes regionais que formam a culinária brasileira de
Sul, é ingrediente para o arroz-de-leite, como é apelidado o maneira tão maravilhosa e diversificada, se aproximando e
arroz doce, e para o arroz com origone, um pêssego vendido seco diferindo em alguns aspectos, se pôde analisar de forma rasa o
e prensado, que é hidratado com uma hora de antecedência e terroir de cada região, os biomas, o clima, a fauna e a flora que
cozido na água adoçada com caramelo. A receita também é fazem a biodiversidade rica da nossa gastronomia.
preparada com pêssegos frescos.
A cada dia que passa, movimentos que apoiam e valorizam a
Uma verdadeira iguaria da gastronomia e artigo de luxo nas cultura e a gastronomia local vem crescendo e expandindo. A
refeições das classes abastadas, a trufa é um cogumelo cozinha brasileira é uma das mais ricas do mundo e tal riqueza
subterrâneo que cresce nas raízes de algumas árvores é pouco apreciada por seu povo. Todos os dias, as pessoas
específicas. A trufa brasileira, batizada pelo chef Paulo passam ao lado de uma PANC e desconhecem o seu valor
Machado de sapucay, o “último grito” em tupi, foi descoberta nutricional e gastronômico, tomam cafés de má qualidade.
pelo pesquisador doutor Marcelo Sulzbacher, na cidade de
Santa Maria, no Rio Grande do Sul numa fazenda de nogueiras Muitas vezes, as pessoas viajam para fora do país para
pecã. conhecer a cultura de outra nação, mesmo ignorando a do
próprio país. Portanto, cabe à área de alimentação mudar este
Apresentada à gastronomia em 2019 no cenário e trazer mais informação para a população e
congresso Mesa Tendências, com a experiências que alimentem não só o corpo físico, mas a mente.
participação do autor em parceria com a
Associação Nacional dos Produtores de VÍDEO OS PRIMEIROS RESTAURANTES DO BRASIL
Cogumelos (ANPC), sua origem vem das
mudas de nogueiras vindas dos Estados
Unidos plantadas na região.
Suas características organolépticas são sutis quando
comparadas às trufas europeias, mas ela já se tornou querida

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