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UM GRAMA DE CULTURA

Por que e como dar os primeiros passos para a iniciação cultural

José Antônio Rosa

2ª edição

Junho de 2016
Sumário
INTRODUÇÃO
O QUE É CULTURA
Cultura – sentido coletivo e geral do termo
Cultura – sentido restrito
A pessoa culta
POR QUE VALORIZAR E BUSCAR A CULTURA
A cultura torna a vida melhor
Cultura: eficiência, produtividade e sucesso
Cultura e felicidade
Cultura e a sociedade melhor
A BUSCA DO CRESCIMENTO CULTURAL
Buscando o conhecimento
Pondo a arte na vida
Referências
INTRODUÇÃO

Ideia para você pensar: - As pessoas que querem fazer bem a si mesmas devem valorizar e
buscar a cultura, pois essa é essencial para uma vida mais produtiva e feliz, seja no plano
individual, seja no plano social. Além de valorizar e buscar a cultura, o ser pensante
responsável deve também contribuir para que os outros igualmente o façam. Cada um, em
suas atividades cotidianas, pode fazê-lo sem maiores dificuldades – e alguns podem fazer
muito, como é o caso dos pais, professores, ocupantes de cargos públicos, administradores,
empresários, profissionais da mídia – enfim, todos os que ocupam postos privilegiados para o
incentivo à cultura.

II

Que sentido, entre os muitos que a palavra pode ter, se dá a cultura neste texto? De que tipo
de cultura estamos falando?

Estamos falando
exatamente daquilo que
a maioria das pessoas
entende quando se fala
em cultura. Algo como
conhecimento, mas não
de qualquer tipo e sim
aquele que inclui a
sensibilidade e
sabedoria, que tem um
toque de refino
intelectual e emocional,
aquele capaz de
produzir elevação
espiritual.

Foto: “Blueberry And Raspberry Cake Mousse Dessert” by KEKO64. FreeDigital Photos

Neste sentido, julgamos que a cultura não é e não deve ser privilégio de poucos. Quando uma
dona de casa da camada menos favorecida da população, com orçamento limitado, busca
conhecimento na tradição, nos livros, na conversa com colegas experientes, e aprende a fazer
um prato de qualidade e a apresentá-lo de modo bonito no almoço de domingo, isso é cultura.
Igualmente e evidentemente vamos classificar como cultura o esforço daquele músico erudito
que estuda de quatro a seis horas por dia, para tocar na orquestra sinfônica.

A ação da dona de casa e a do músico têm algo em comum, a valorização do saber, a busca de
sentido e qualidade, a alimentação do espírito. Cultura aqui diz respeito a todas as
manifestações intelectuais, estéticas, valorativas que visam ir além do comportamento
programado pela natureza, tudo o que trata das coisas da alma (não no sentido religioso), tudo
o que representa a civilização. Não confundir com aquilo que não é cultura mas
eventualmente se apresenta como tal, isto é, aquele conjunto de conteúdos massificados e
sem valor que se destina hoje à pessoa, transformada então em mero espectador ou
consumidor.

III

Alguém está cansado após um dia estressante de trabalho? Alguém passou por um dissabor,
teve um plano frustrado? Alguém está sem rumo e sem entusiasmo para encontrar um
caminho? De repente, uma dessas pessoas esquece de seu problema por um minuto e começa
a ouvir uma música no rádio – e algo bom vai acontecendo dentro de sua mente. Que remédio
milagroso para essas dificuldades pode ser a arte! Arte – nas suas mais variadas
manifestações, uma inesgotável fonte de inspiração para a vida, o trabalho, o crescimento
pessoal. Valorizar a cultura necessariamente requer pôr arte na vida.

Numa sociedade que às vezes é exageradamente tecnológica e objetiva, a arte mostra-se uma
poderosa defesa contra a robotização e coisificação do humano. Quando alguém inclui alguma
coisa de arte na própria vida, essa pessoa está agindo de modo a assegurar a necessária
espiritualidade (independente de crenças religiosas) que dá sentido à sua existência. É
necessário buscar as oportunidades para apreciar a arte e, mais que isso, e por que não?
incluir também a ideia de que se deve fazer arte, de algum modo. Quando a pessoa começa a
fazer qualquer coisa com arte – culinária, escrita, desenho, confecção de roupa, canto coral –
ela se transforma e nunca mais será vítima passiva da robotização e coisificação.

IV

As conquistas da mente e do coração devem traduzir-se no modo de viver. Há um


comportamento culto, que decorre da valorização da cultura e é, ele próprio, manifestação de
cultura. Não estamos falando de condutas pretensiosas, que denotam intenção de sofisticado
refino e de distinção elitista. Quando uma pessoa faz a sua caminhada atlética pelo parque, em
busca de melhor saúde e bem-estar, eis aí um comportamento culto. Ele pode ser observado
em coisas pequenas, como o gesto de preservar o bem público ou de respeitar o próximo.
O QUE É CULTURA

Cultura – sentido coletivo e geral do termo

No âmbito das Ciências Humanas e Sociais – principalmente da Sociologia e da Antropologia –


a palavra cultura tem uma definição abrangente. Ela se refere ao patrimônio socialmente
transmitido de um grupo. Opõe-se à natureza humana, aquilo que é inato, isto é, que nasce
com o homem; a cultura, ao contrário, é fruto da ação do homem em aprender e modificar a
natureza, incluindo a sua própria. Engloba crenças, regras de conduta, tradições, saberes,
técnicas, artes, enfim, tudo aquilo que se acumula de geração a geração. Nesse sentido inclui a
forma de organização social, as instituições, o significado das coisas, os mitos e símbolos de
uma sociedade. Ao nascer, o indivíduo já nasce imerso numa cultura que lhe dá e impõe
formas de sentir, pensar e agir.

“Cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade. Não diz
respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções, como por exemplo se
poderia dizer da arte. Não é apenas uma parte da vida social, como por exemplo se
poderia falar da religião. Não se pode dizer que cultura seja algo independente da vida
social, algo que nada tenha a ver com a realidade onde existe. Entendida dessa forma,
cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela
exista em alguns contextos e não em outros.”[1]

José Luiz dos Santos

Quando estamos discutindo cultura nesse sentido mais amplo, é forçoso admitir que há
manifestações culturais nada louváveis. Por exemplo, como aceitar sacrifício humano como
algo bom? Como aceitar uma forma de alimentação que se assenta sobre imensa crueldade
para com o animal? Como aceitar a Farra do Boi como um traço cultural a ser preservado? A
automutilação? O apedrejamento da adúltera? A música massificada de baixíssima qualidade?

Usualmente produtos de uma cultura têm uma razão de ser atrelada à sobrevivência, à busca
de conforto e de proteção, à vida mais feliz. Mas não necessariamente. Os elementos de uma
cultura não são necessariamente bons para as pessoas que nela vivem.
Cultura – sentido restrito

Quando falamos em cultura neste texto não estamos nos referindo a esse sentido amplo que o
termo toma.

Estamos, isto sim, falando da cultura como elevação, como busca da excelência humana.

CULTURA. Este termo, derivado do latim colere = cultivar, significa


originariamente o cuidado e aperfeiçoamento das aptidões propriamente
humanas para além do mero estado natural (cultura como formação do
espírito). (BRUGGER, 1977)

Nesse sentido cultura pode aplicar-se ao coletivo e também ao indivíduo. No coletivo terá
sentido mais restrito que o apresentado anteriormente e será o conjunto de conquistas
intelectuais, científicas e artísticas da sociedade, tudo o que diz respeito ao aperfeiçoamento
do homem e da sociedade em que vive. Nesse caso, cultura não engloba todos os aspectos da
vida social, mas apenas aqueles por meio dos quais se observam manifestações de elevação,
progresso, civilização. Neste sentido a palavra está mais próxima de sua origem.

Neste sentido não basta


que uma forma de pensar,
sentir ou agir seja
característica de uma
sociedade para que seja
considerada manifestação
cultural. É preciso que tal
manifestação efetivamente
seja reconhecida como um
aperfeiçoamento, uma
elevação rumo a maior nível de excelência na vida humana. Não há, porém, necessidade que a
manifestação seja requintada expressão de conhecimento ou arte. Distingue-se, no caso, a
chamada cultura erudita da cultura popular.
3

Cultura erudita refere-se às manifestações mais progressivamente elaboradas da mente


humana. A produção e a participação na cultura erudita frequentemente requer níveis de
qualificação elevados, vale dizer, muitos anos de estudo. Por exemplo: sem uma qualificação
técnica e conceitual sólida, além do talento, torna-se difícil (mas não impossível) alguém criar
literatura, pintura, música, filosofia da mais alta qualidade – ou até mesmo apreciar
efetivamente as expressões mais altas dessas categorias.

O acesso à cultura erudita, principalmente nos países mais pobres, frequentemente está
condicionado por fatores econômicos. Assim, integrantes das classes mais abastadas, com
maiores oportunidades educacionais e meios mais propícios, têm maior participação nesse
tipo de manifestação. O advento de sistemas de educação pública de boa qualidade e a
melhoria nas condições econômicas da população em geral, pode alterar esse quadro, como
acontece em alguns países da Europa.

Um dos mais destacados pianistas brasileiros, Arthur Moreira Lima, por meio de seu palco
ambulante instalado num caminhão, concebeu uma excelente maneira de levar seus concertos
gratuitamente a pessoas que nunca tiveram acesso genuíno à música mais elaborada. Seu
sucesso nos vários palcos ao ar livre em que atua é uma demonstração de que, havendo
acesso e o estímulo certo, as pessoas respondem extremamente bem à cultura erudita. O
mesmo ocorre quando iniciativas louváveis de ONGs levam o ensino da dança, da música, do
teatro, a crianças das favelas.

Muita gente que não teve acesso à escola ou a ambientes e meios culturais mais ricos, produz
manifestações genuinamente culturais, no sentido restrito. É a chamada cultura popular.

Em nosso país frequentemente se tomam manifestações populares necessariamente como


culturais. Só podemos aceitar isso se adotarmos o sentido sociológico ou antropológico do
termo, como falamos anteriormente. Se tomarmos o sentido restrito, de cultura como
elevação, nem tudo o que é popular é cultura. Manifestações de saberes ou artes populares
distinguem-se em qualidade. Há a música sertaneja de péssima qualidade e há aquela que
tende a conquistar plateias mais universais, incluindo pessoas mais musicalmente informadas.
Tendem igualmente a romper as fronteiras da região e atingir outros povos, imersos em
diferentes tradições. Tendem por fim, a romper a barreira do tempo mas não como algo
“folclórico” e risível mas como algo que vai progressivamente tendo seu valor intrínseco
reconhecido. O mesmo se pode dizer do artesanato: há criações artesanais populares que não
tem valor algum, do ponto de vista estético, e há criações genuinamente artísticas. Comida
regional, igualmente, pode ter qualidade ou pode ser simplesmente manifestação da
ignorância culinária. Colocar manifestações populares ruins em pé de igualdade com as de
qualidade é cometer injustiça com os verdadeiros representantes da cultura popular.

A pessoa culta

Quanto de cultura torna uma pessoa culta? Basta


um grama. Deixando de lado a arrogância
competitiva, igualam-se em alma o genuíno
cantor popular com aquele acadêmico de
literatura que é consagrado como maior
especialista atual em sua área. Igualam-se em
alma, também, a cozinheira que busca fazer uma
comida de valor com o grande conhecedor de
vinho. Igualam-se ainda em alma o escultor
artesanal e o grande artista plástico. Uns têm
menos informação, outros têm mais (e às vezes
muito mais), mas todos têm um olhar específico
sobre os fazeres humanos, a intenção de cultivar
as coisas da alma, o respeito ao saber, a
valorização do caminho civilizador, o senso
estético e crítico.
POR QUE VALORIZAR E BUSCAR A CULTURA

A cultura torna a vida melhor

Ninguém precisa defender a ideia de que se deve respirar, de que respirar é bom. Assim
também, sendo a cultura algo essencial da existência humana, não há necessidade de
argumentar favoravelmente a ela. A cultura é um bem evidente, uma ânsia e condição humana
fundamental. Qualquer obstáculo à sua busca é anomalia, seja na esfera da vida individual,
seja na esfera da sociedade.

Quando, no início de 2001, membros do governo Taliban, no Afeganistão, destruíram


propositalmente estátuas
gigantes de Buda de mais
de dois mil anos, isso
causou revolta no mundo
todo. Tais
comportamentos são
classificados como
insanidade pura e
simples: – só pessoas fora
de seu bom juízo podem
ver algum sentido em
destruir patrimônio
cultural.

II

Entretanto, há muitos que questionam a validade da cultura e até rejeitam sua promoção.
“Não é prático. Em que isso ajuda a ganhar dinheiro?” – podem ser objeções daqueles que
adotam o termo “cultura inútil” para tudo o visa o crescimento espiritual. Essas pessoas
provavelmente estão confundindo cultura com a erudição estéril e com o comportamento
pedante de alguns “intelectuais”, que menosprezam todos os mortais comuns menos
informados. Acúmulo de conhecimento, pedantismo e cultura são coisas bem diferentes. Nos
dias de hoje há o idiota superqualificado, aquele sujeito que tem um enorme capital
intelectual constituído apenas de informação técnica e que não sabe cortar o bife com
elegância e nem sabe conversar de modo agradável. A verdadeira cultura pode estar no
almoço da dona de casa e longe do alto cargo, da alta qualificação operacional, da alta
popularidade. Conquanto eventualmente não se perceba sua relevância para as ações de
ganhar a vida, ela nunca é inútil.

Primeiro: a cultura torna a pessoa mais eficiente, produtiva, logo, mais capaz para o sucesso
profissional. Segundo: a cultura torna a pessoa mais capaz de experimentar prazer de modo
mais intenso e permanente e também de conviver melhor com a dor que a vida
eventualmente traz; logo, a cultura tende a tornar a pessoa mais feliz. Terceiro: a cultura torna
a sociedade melhor, o que acaba revertendo-se em óbvio benefício para todos.

Para resumir tudo isso em uma única frase: A cultura torna a vida melhor.

Cultura: eficiência, produtividade e sucesso

Todas as profissões requerem conhecimento de diferentes tipos. Há, por exemplo, o


conhecimento técnico, limitado e específico. É necessário, mas não suficiente, porque em
qualquer atividade há relacionamentos com outras pessoas, necessidade de influenciá-las de
um modo ou de outro. Entender as pessoas e os processos sociais, então, é fundamental. Há
igualmente necessidade de tomar decisões que envolvam não só a esfera técnica mas também
a esfera da persuasão, da promoção de ideias – e isso traz a necessidade de pensar com lógica
e de justificar coerentemente aquilo que se propõe. Já falamos, então, em três tipos de
conhecimento, ou seja: saber técnico, conhecimento das relações humanas, conhecimentos
ligados à eficácia lógica no processo decisório. Há mais que isso: em toda profissão, mesmo a
mais técnica, há sempre espaço para toque de arte, que usualmente faz a diferença entre um
profissional e outro, uma visão estética das coisas e suas funções.

II

A pessoa que valoriza e busca a cultura passa a ter mais sensibilidade, mais percepção e um
repertório mais amplo de informações, conceitos, ideias e visões que:

- Facilitam a resolução de problemas técnicos, por situá-los em quadros mais completos e


manusear mais recursos criativos;

- Criam sensibilidade, empatia e identidades emocionais que facilitam os relacionamentos;

- Pensam de modo mais abrangente e completo, habilitando-se a encontrar as melhores


decisões;
- Desenvolvem uma visão qualitativa e estética que faz o lado arte do trabalho aflorar com
mais naturalidade.

Logo, a pessoa tende a tornar-se mais eficiente e produtiva.

III

Uma pessoa mais eficiente e produtiva está mais habilitada para o sucesso que aquela que não
tem tais qualidades. Sendo assim, aquele que valoriza e busca a cultura, tornando-se mais
eficiente e produtivo, já parte na dianteira.

A valorização e a busca da cultura trarão,


entretanto, outras condições habilitadoras para
o sucesso. São as seguintes:

- Ao buscar a cultura o indivíduo passa a ter


melhores condições de auto-conhecimento,
portanto, tende a fazer melhores escolhas na
carreira – escolhe as atividades certas, áreas
mais promissoras, meios mais adequados;

- Ao adquirir um repertório maior de


informações, ideias, conceitos e visões a pessoa
amplia sua possibilidade de enxergar
oportunidades e de encontrar caminhos viáveis
e atraentes na carreira – ela enxerga mais longe
e melhor, por assim dizer;

- O impacto positivo da cultura no modo de


pensar, de sentir e de comportar-se da pessoa
torna-a mais benquista, mais bem vinda, mais
elegível, mais habilitada para os
relacionamentos profissionais e comerciais produtivos e para a liderança; Logo, como os
relacionamentos estão na base de tudo, ela se torna mais capaz para o sucesso.

Portanto, a cultura cria maior potencial para o verdadeiro sucesso.

VI

Uma ressalva: Estamos falando em verdadeiro sucesso. Precisamos dizer o que entendemos
por isso: Verdadeiro sucesso é aquele que harmoniza uma realização social de valor (não
necessariamente de destaque) com uma realização individual integral, condizente com valores
e condições pessoais.

Nesse sentido, isso está longe de ser o sucesso definido socialmente de modo míope como a
mera conquista de dinheiro, fama e poder. Tais ingredientes não são necessários ao
verdadeiro sucesso e nem suficientes.

Não são necessários porque um grande número de pessoas que nunca os teve, deu
efetivamente grandes contribuições à sociedade e atingiu altos níveis de realização pessoal.
Tal é o caso de anônimos fundadores de entidades assistenciais legítimas, que nunca buscaram
enriquecimento nem visibilidade ou poder, de profissionais que trabalharam produtivamente
de graça, de cientistas dedicados a causas sérias e anônimas, de professores voluntários da
periferia que levaram muitas pessoas para os melhores caminhos, só para citar alguns casos.

Por outro lado, dinheiro, fama e poder muitas vezes são adquiridos sem contribuição nenhuma
à sociedade, nem tampouco trazem realização pessoal digna de nota. Pode-se dizer que teve
sucesso aquele que se enriqueceu, ganhou notoriedade e poder por meio do tráfico de
drogas? Ou a estrela cujo grande mérito é mostrar o corpo e granjear aplauso movido a libido?
Ou o autor que vendeu milhões de livros cujo mérito é desenvolver crendices e ilusões?

Pois este tipo de sucesso a cultura não ajuda trazer – e mais provavelmente atrapalha. Esse
tipo de sucesso é fazer mais bem aos seus bens que a si mesmo, como diria Sócrates.
Certamente se o critério for dinheiro, fama e poder, no mercado massificado tem mais sucesso
quem rebola melhor e não quem dá grande contribuição à pesquisa científica, que consome
seu dia em questões complexas e de real valor.

O verdadeiro sucesso nem sempre traz dinheiro, fama e poder condizentes com as demandas
do indivíduo. Mas frequentemente o traz. Mesmo que não o traga, nem por isso deixa de ser
realização individual integral.

Cultura e felicidade

O que é o homem? O que essencialmente distingue o homem dos outros seres vivos? Em que
o homem mais plenamente se expressa? É fundamental estabelecer o que se pensa sobre
essas questões, antes de fazer uma ligação entre cultura e felicidade.

Qualquer pessoa reconhece que além do corpo há algo que pensa, que produz e retém
conhecimento, que eventualmente entra em conflito com o próprio corpo, que tende a
comandá-lo. O homem não é, portanto, meramente o seu corpo e as pulsões instintivas que o
mantêm vivo. Ele se distingue dos outros seres vivos por ter essa coisa (alma, espírito – sem
conotação religiosa - psiché) que comanda o corpo. Por meio desse espírito é que o homem
mais plenamente se expressa, pois quando caso se expressasse apenas o corpo e suas pulsões
não haveria por que distinguir conceitualmente o homem dos outros animais.

Disse Sócrates: O homem é a sua alma.

II

Os prazeres e as dores do corpo subordinam-se aos do espírito. Nenhum prazer, mesmo que
seja instintivo e natural, manifesta-se no corpo se não há a consonância no âmbito do espírito.
Por outro lado, a presença do espírito amplia o prazer do corpo e, mais que isso, manifestam-
se no espírito prazeres que o corpo não pode igualar em fruição. É o caso, por exemplo,
daquela satisfação que advém
da percepção de que se agiu
de modo eficiente ou certo, de
que se fez algo de valor, de
que se tem valor.

Igualmente, a dor do corpo é


de certa forma governada pelo
espírito, pelo menos
parcialmente. Suporta-se a
dor corporal com firmeza e
serenidade, se o espírito a
quer controlar. Porém, se a
dor advém do espírito, não há
paralelo de intensidade entre
ela e uma dor do corpo. O que
dói no espírito leva ao
verdadeiro sofrimento.

III

A cultura, no sentido que aqui a definimos, visa o espírito, em primeiro lugar, e o corpo, em
segundo, como manifestação daquele. Na essência, visa a formar o homem em seu pensar,
sentir e agir, dar-lhe excelência, levá-lo ao máximo da sua natureza e destino de encontrar a
felicidade. Buscando a ampliação do autoconhecimento e do conhecimento do mundo que o
cerca e também o cultivo das emoções construtivas, a cultura é uma busca de um modo mais
feliz de viver.
Por meio da cultura, amplia-se a gratificação dos prazeres espirituais a que o homem já tem
acesso. A verdadeira música está nos ouvidos ou na alma? Quem a ouve efetivamente com
prazer? E a apreciação de uma bela paisagem campestre ou do mar revolto? Esta beleza situa-
se nos olhos ou na mente? E a apreciação de um prato que nos apraz, onde dá mais prazer: no
corpo ou no espírito?

Em segundo lugar, a cultura abre o acesso a prazeres de natureza espiritual em níveis


progressivamente mais elevados. No espírito situa-se o conhecimento e este passa a ser
instrumento de percepções especiais, de alta gratificação. Ao compreender a arte, eis que a
pessoa abre para si mais uma fonte de crescentes prazeres.

IV

Por fim, já observamos que as maiores dores situam-se no espírito – e os remédios


endereçados ao corpo não têm eficácia em relação a elas. Quando há uma genuína dor no
espírito, que remédio pode trazer a compra de mais um bem, o consumismo? Que alívio
efetivo pode oferecer a obsessão sexual? Em que o vício efetivamente cura?

A cultura, por dirigir-se à alma, é um poderoso antídoto e bálsamo contra a dor que
inevitavelmente o ser humano experimenta. Todos estamos destinados à morte, à perda de
entes queridos, à observação da injustiça e do mal, e experimentamos a dor que disso advém.

Muitas pessoas sofrem, primeiro, por não perceberem o próprio sofrimento, como é o caso
daqueles que se deixam tomar pelas ilusões, pelas obsessões que alienam, pelos sentimentos
improdutivos, como a ira. Vivendo em permanente estado de ausência, são corpos que
sofrem, sem ao menos se verem em suas dores para, a partir de uma melhor compreensão,
minorá-las.

A cultura nos apresenta à dor permitindo que, pelo conhecimento e o autoconhecimento,


tomemos consciência dessa condição tão humana. No primeiro momento, quando a pessoa
efetivamente defronta-se com tais realidades, parece que sua dor aumenta. Mas à medida que
vai avançando no desenvolvimento da sua excelência pessoal, surge a compreensão, a
avaliação adequada e, por fim, a aceitação e superação da dor. Quem pode ter mais
serenidade que aquele que, por meio da filosofia, olhou efetivamente de frente para a morte,
reconheceu o seu rosto, experimentou-a não apenas na mente mas no coração – e após isso
veio a aceitá-la e perdeu o medo dela?

Cultura e a sociedade melhor

I
Ninguém escapa à necessidade de viver em sociedade. Que sociedade é essa? Como resolve
seus problemas? O que dá a seus membros? Como são esses? Eis algumas perguntas cujas
respostas imediatamente relacionam-se com a qualidade de vida do indivíduo. Se ele vive
numa sociedade de opressão e terror, como pode obter o melhor da vida? Está cercado por
pessoas mutiladas e tristes - ou agressivamente colocadas em confrontação, como pode ter o
máximo de prazer na cooperação e solidariedade? Excelência da sociedade e seus membros,
portanto, quer dizer melhor qualidade de vida do indivíduo.

II

Em qualquer sociedade, dentro de sua própria realidade e dinâmica, em qualquer tempo, há


um corpo de conhecimento que se acumula, a presença da arte em evolução, a expressão de
formas de comportamento social e individual, enfim, desenvolve-se uma cultura. De certa
forma, no sentido como a
temos visto aqui, a
cultura é o que torna a
sociedade melhor, mais
justa, mais baseada na
lei, em princípios
democráticos, mais
voltada para a busca da
satisfação das genuínas
aspirações da maioria. No
sentido que usamos o
termo, ele pressupõe respeito ao próximo, respeito à vontade coletiva, controle dos impulsos
individuais contrários ao bem comum, abertura para o conhecimento, entre outros pontos.

III

Valorizar e promover a cultura é, pois, nesse sentido, apoiar os rumos certos do


desenvolvimento social. E é, ao mesmo tempo, cooperar na criação de uma sociedade melhor,
dentro da qual se vai viver mais feliz.
A BUSCA DO CRESCIMENTO CULTURAL

Propusemos que um grama de cultura basta para tornar a pessoa culta. Sim, é o primeiro
passo, que transforma o homem e muda seu jeito de olhar. A partir desse, essa pessoa
provavelmente não abandonará mais o caminho ou, se o fizer, tem grande probabilidade de
retornar a ele.

II

Duas notícias, uma boa e uma ruim, para quem almeja o crescimento cultural. Primeiro, a boa:
todas as pessoas podem melhorar. Segundo, a notícia ruim: é necessário algum esforço para se
chegar à cultura. Cultivar a lavoura, sem trabalho, não dá. O mesmo se diz de cultivar as coisas
da alma: sem esforço é impossível. É necessário estudar, buscar a transformação de
sentimentos e comportamentos, desenvolver habilidades – e tudo isso requer algum esforço.

No começo o esforço parece um pouco maior. Com o passar do tempo – e com o advento da
motivação – fica cada vez mais prazeroso e aparentemente menor. Então, a pessoa tem de
conscientizar-se de que precisa fazer um pequeno esforço extra no começo. Ela pode ter
certeza de que será amplamente recompensada depois.

Buscando o conhecimento

A experiência traz conhecimento, mas só aquela experiência que é compartilhada. Caso não
haja um parâmetro externo a pessoa nunca saberá se está ampliando seu saber ou meramente
consolidando o vício e a ignorância. Pode-se e deve-se usar a experiência como caminho do
saber, mas desde que essa se realize no contexto adequado. O caminho privilegiado do
conhecimento é a leitura, a participação em aulas e palestras, a conversa com gente que tem
maior informação. A experiência precisa somar-se a tudo isso para que tenha valor.

II
A leitura nem sempre é fácil e prazerosa. Às vezes requer esforço e isso contrapõe-se ao
prazer. Entretanto, esse é um dos melhores caminhos para o crescimento cultural e, salvo se
houver algum problema mais sério (como a dislexia), a pessoa tem de fazer um esforço para
habituar-se a ela. À medida que a pessoa vá ganhando capacidade de concentração,
entendimento, retenção, a leitura vai ficando mais e mais fácil. É como fazer ginástica: quanto
mais em forma, mais fácil fica.

III

Algumas pessoas leem muito e não adquirem cultura nenhuma. Para que a leitura frutifique, é
necessário que seja orientada e metódica. Só assim se chega aos três benefícios que se
esperam da boa leitura: entendimento real, retenção e capacidade de uso posterior do
conhecimento adquirido.

Algumas orientações genéricas para a leitura:

- Busque orientação. Começar, por exemplo, a ler filosofia sem a orientação de alguém da
área, como um professor, traz mais malefícios que benefícios, pois, pior que a ignorância é a
ideia errada.

- Faça uma seleção rigorosa dos textos. Hoje há uma enormidade de livros publicados à
disposição do potencial leitor, além de artigos de jornais e revistas, textos de sites, etc. É
necessário selecionar bem, pois, a leitura de textos ruins, enganosos, desinformados é muito
prejudicial. Aqui também vale a pena pedir ajuda para a seleção. Caso não seja possível pedir
ajuda, procure analisar duas coisas: quem é o autor do texto (sua formação, seu histórico) e
onde o texto está publicado. Por exemplo, é evidente que um texto sobre ginástica publicado
no site da faculdade de Educação Física da USP provavelmente tem mais legitimidade que
aquele publicado no site de uma academia.

- Perceba que ler e estudar são coisas diferentes. Além de ler (é sempre bom) procure também
estudar (mais eficaz para ampliar o conhecimento). Estudar quer dizer procurar entender,
assimilar e reter o conhecimento. Entre outros pontos, é necessário fazer fichas daquilo que se
está lendo. Futuramente a pessoa agradecerá a si mesma por tê-las feito, pois isso não só
contribui para a retenção do conhecimento mas também facilita estudos posteriores.

Comece com livros textos. Livro texto é aquele livro usualmente grande (500, 600 páginas) que
reúne o corpo principal de conhecimento de um campo qualquer. Hoje há livros textos
excelentes em todas as áreas: Finanças, Psicologia, Filosofia, etc.

- Comece com a história. Todo conhecimento tem uma história. Quem estuda a história de
uma área de saber qualquer passa a situar de muito mais eficaz e adequado os conhecimentos
do presente.
- Avance gradualmente. Não tenha pressa, pois “não se pode fazer omelete sem quebrar os
ovos”. O conhecimento requer esforço e tempo. Se a pessoa adotar a política do “devagar e
sempre” estará no melhor caminho.

- Evite a dispersão. Nos dias de hoje o conhecimento explodiu em todas as áreas. Ninguém
consegue saber muito de muitas áreas. É necessário achar aquela ou aquelas poucas áreas de
maior motivação e interesse e concentrar-se nelas. Caso contrário a pessoa nunca saberá nada
de nada.

Pondo a arte na vida

A arte é um caminho igualmente


privilegiado de desenvolvimento
cultural. Ao despertar as emoções
transforma a pessoa, predispondo-a ao
crescimento na forma de ver a vida, na
disposição de aprender e buscar a
excelência, além de contribuir para que
ponha um componente qualitativo nas
coisas que faz. A pessoa que almeja o
crescimento cultural pode e deve adotar
os dois caminhos da arte: a apreciação e
a prática.

II

As manifestações artísticas não se resumem às chamadas sete artes – música, dança, pintura,
escultura, teatro, literatura e cinema. Dentre essas certamente há alguma de maior apelo à a
cada pessoa, mas, ela pode ainda contar com um sem-número de manifestações artísticas:
fotografia, culinária, moda, criações digitais, etc. Qualquer que seja a modalidade escolhida,
pode-se esperar um crescimento cultural.

III

Para pôr arte na sua vida:


- Escolha uma modalidade que mais diretamente fale às suas emoções e interesses. De que
você efetivamente gosta? De música? De que tipo? Que expressão artística está mais próxima
de seu trabalho, de sua área de estudo, de seu meio?

- Encontrada a expressão com que você mais se identifica, faça um estudo inicial sobre ela. Isso
será importante para você localizar-se como apreciador ou eventualmente como praticante.

- Na modalidade escolhida, concentre-se naquilo de que mais gosta. Por exemplo, se você
escolheu a música e gosta de violão, passe a pesquisar a arte violonística.

- Busque temas próximos de sua realidade. Por exemplo,um psicólogo encontrará excelentes
peças de ficção que falam sobre temas da área. Um exemplo é a deliciosa novela O Alienista,
de Machado de Assis. Uma boa leitura, agradável e
facilmente assimilável pelo iniciante, é O Analista de
Bagé, de Luiz Fernando Veríssimo.

- Peça conselhos para conhecedores. As pessoas que


estão imersas em uma arte, como apreciadoras ou
praticantes, poderão ter boas referências a dar ao
iniciante. É preciso recorrer a elas.

- Estude sistematicamente. O estudo tem importância


capital também no campo da arte onde pessoas mais
informadas entendem melhor e desempenham
melhor.

- Procure convivência com outros apreciadores ou


praticantes. Eles são excelente fonte de motivação e
informação.

- Aplique aqui também o princípio de “devagar e


sempre”. Sem pressa a pessoa vai aprimorando seus
conhecimentos da arte, obtendo níveis cada vez mais
elevados de satisfação.
Referências

[1] SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. – (Coleção
primeiros passos; 110).

[2] BRUGGER, Walter. Dicionário de filosofia. 3ª ed. São Paulo: EPU, 1977.

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