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David Metzker
Lei Anticrime
(Lei 13.964/2019)
1ª edição
2020
Cia do eBook
2
Copyright © 2020 por David Metzker
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PROJETO EDITORIAL
Cia do eBook
EDITOR
Fabricio Hersoguenrath
Metzker, David.
Lei Anticrime (Lei 13.964/2019): Comentários às modificações no CP, CPP, LEP, Lei de Drogas e Estatuto do Desarma-
mento / David Metzker.
– Timburi, SP: Editora Cia do eBook, 2020.
93 p.
1. Direito. 2. Direito Penal. 3. Direito Processual Penal. 4. Lei de Execuções Penais.
1. Título.
CDD 340
__________________________________________________________________________________________________________
3
Sumário
1. INTRODUÇÃO 5
2. NOMENCLATURA DA LEI 5
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1. INTRODUÇÃO
A vacatio legis da nova lei foi de 30 dias, um prazo curto para tamanha alteração.
Há ainda numa nebulosidade sobre as principais modificações trazidas na lei, mormente
o juiz de garantias, que está previsto no artigo 3º-A do CPP. Independentemente das
possíveis interpretações que virão dos tribunais superiores e da doutrina especializada,
o presente e-book vem trazer algumas considerações que julgo importantes para esse
início de vigência da lei anticrime e que serão tratadas de forma pormenorizada seguindo
a estrutura trazida na própria lei, que ordenou com o direito material primeiramente,
posteriormente o direito processual e, após, a lei de execução penal, lei de drogas e
estatuto do desarmamento. Demais leis alteradas serão objetos do próximo e-book.
A lei anticrime foi objeto de bastante discussão nas casas legislativas, sendo
alterada diversas vezes. Todavia, em que pese alguns artigos serem, ao meu ver,
inconstitucionais, tivemos alterações significativas para reforçar o sistema acusatório bem
como as garantias constitucionais.
2. NOMENCLATURA DA LEI
Não concordo com a nomenclatura dada a pacote de alterações, visto que não se
tratam de normas contrárias ao crime e sim normas que visam a garantia ao cidadão e
proteção de bens jurídicos. Portanto, equivocado está em dizer que as normas penais têm
o objetivo de ser contra o crime, ao contrário, têm a função de proteger bens jurídicos e,
por óbvio, garantir aos cidadãos uma segurança das condutas que serão penalizadas e
quais as penas às respectivas condutas.
5
Entretanto, em razão da nomenclatura ter “pegado”, a sociedade já conhecer as
modificações por essa denominação, e, com objetivo de facilitar a referência, utilizaremos a
nomenclatura “lei anticrime” para se referir a lei 13.964/2019, em que pese as considerações
acima.
Feita a análise do todo, pode-se considerar que a maioria das modificações foram
boas para o Estado Democrático de Direito, para um sistema mais justo, sem violação da
imparcialidade.
Após cumprir todo o processo legislativo, uma nova lei entra em vigor no nosso
ordenamento jurídico, podendo causar conflitos, pois uma nova lei traz conteúdo diverso
da lei anterior.
Uma lei somente será revogada com o surgimento de nova lei, que poderá
simplesmente revogar a anterior, sem trazer novo conteúdo (ex. lei que extingue um
crime) ou trazendo novo conteúdo, que poderá ser mais benéfico (nova legis in mellius),
maléfico (novatio legis in pejus) ou até mesmo criando um novo tipo penal (novatio legis
incriminadora).
Uma lei pode ser revogada de forma parcial (derrogação) ou total (ab-rogação),
mas sempre através de uma nova lei, que poderá trazer expressamente a revogação ou
de forma tácita, caso se torne incompatível com a anterior.
Quando uma nova lei entra em vigor podem surgir conflitos, em razão do seu
conteúdo diferente da lei anterior, sobre o mesmo assunto. Esses conflitos deverão ser
solucionados pelo direito intertemporal, com suas regras e exceções.
Quando se está diante de uma nova lei cujo conteúdo é de direito material, aplica-
se o princípio da irretroatividade da lei penal, previsto no artigo 5º, inciso XL da CF. A regra
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geral é a não retroatividade da lei penal. A lei vigente à época dos fatos será a lei aplicada.
A exceção é a extra-atividade.
A aplicação de lei penal poderá fugir à regra quando se tratar de lei penal benéfica.
A lei penal, a revogada ou nova, se for mais benéfica, essa será aplicada. Esse fenômeno
se chama retroatividade da lei penal.
A lei anticrime, como pode ser observada, modifica lei penal e lei processual,
como, por exemplo, a alteração do artigo 92-A, que por se tratar de direito material e ser
maléfica, deverá ser aplicado somente aos fatos novos, e o artigo 3º-A do CPP, que trata
de direito processual e, portanto, não tem o condão de retroagir e se aplicar a atos já
realizados, mas tão somente a atos posteriores, de forma imediata, independentemente
de ser benéfico ou não.
Todavia, na nova lei aqui em pauta, temos os artigos com conteúdo híbridos, ou
normas heterotópicas, que são aquelas normas que possuem natureza penal e processual
ou que, apesar de estarem em determinado diploma, possuem natureza distinta do diploma
a qual está inserida.
1 AVENA, Norberto. (03/2019). Processo Penal, 11ª edição [VitalSource Bookshelf version].
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Contra o juízo negativo de admissibilidade da Presidência do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios (fls. 163-5), maneja agravo o Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios (fls. 169-74) com vista a assegurar o trânsito
do recurso extraordinário que interpôs. Oposto na origem o óbice da violação,
acaso ocorrente, meramente indireta de dispositivo constitucional. Anailson
Rocha de Araújo foi condenado às penas de 05 (cinco) e 04 (quatro) meses
de reclusão, em regime semiaberto, e de 13 (treze) dias-multa pela prática do
crime de roubo qualificado (art. 157, § 2º, II, do Código Penal). Houve, também,
condenação ao pagamento de indenização mínima no valor de R$ 33,33 (trinta e
três reais e trinta e três centavos) à vítima, forte no art. 387, inciso IV, do Código
de Processo Penal. O Tribunal de Justiça deu parcial provimento à apelação
defensiva somente para afastar a indenização por danos. Inconformado, o
Ministério Público interpôs recurso extraordinário. Nas razões do RE, sustentou
violação do art. 5º, LV, da Constituição Federal, porquanto a indenização mínima
é efeito civil da sentença condenatória, decorrente de prévia disposição legal,
sem implicar ofensa ao contraditório e à ampla defesa (fls. 145-50). É o relatório.
Decido. No julgamento da apelação defensiva, o Tribunal de Justiça rechaçou a
condenação à reparação de danos, indicando ofensa aos princípios da inércia
da jurisdição e ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Do voto condutor
do acórdão, extraio os seguintes excertos: “Uma ressalva deve ser feita quanto
à indenização por danos. A Lei 11.719/08 alterou o artigo 387 do CPP e incluiu,
no inciso IV, o dever de o Magistrado, na sentença condenatória, fixar valor
mínimo para a indenização dos danos causados pela infração. A novel legislação
passou a permitir que a vítima execute a parcela mínima reparatória. No entanto,
mesmo com a reforma, é mister que a reparação ex delito obedeça às demais
disposições legais e constitucionais, mormente porque, no Juízo Criminal, “a
verdade processual é obtida a partir de critérios mais rigorosos” (…). Assim,
além da necessidade de o crime ser posterior à vigência da lei, por tratar-se
de norma heterotópica, deve haver pedido formal, seja do Ministério Público
ou da assistência da acusação. A providência é essencial para viabilização da
ampla defesa e do contraditório. (…). Não houve pedido do Parquet, de modo
que a fixação da parcela indenizatória mínima fere o princípio da inércia da
jurisdição. Configura também surpresa processual que impede o exercício do
contraditório e da ampla defesa. Ausentes pedido e prévia discussão do valor, o
Magistrado deve abster-se de aplicar o artigo 387, inciso IV, do CPP”. Como se
observa, a justificativa para a reforma da decisão, no que tange à condenação
por indenização, foi a aplicação indevida do previsto no art. 387, inciso IV, do
Código de Processo Penal. Compreensão diversa, exigiria exame da legislação
infraconstitucional, o que é inviável em recurso extraordinário, pois eventual
inconstitucionalidade seria reflexa, com óbice na jurisprudência uníssona desta
Suprema Corte (v.g.: Inviável em recurso extraordinário o exame de ofensa
reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional - RE
660.186 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 14.02.2012; Os princípios
da legalidade, o do devido processo legal, o da ampla defesa e do contraditório,
bem como a verificação dos limites da coisa julgada e da motivação das decisões
judiciais, quando a verificação da violação dos mesmos depende de reexame
prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à
Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária - RE
642.408-AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.02.2012). Ante o exposto,
nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF). Publique-se. Brasília, 06 de
dezembro de 2013. Ministra Rosa Weber Relatora
(ARE 677265, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 06/12/2013, publicado
em DJe-243 DIVULG 10/12/2013 PUBLIC 11/12/2013)
Informativo Nº: 0509 - Período: 5 de dezembro de 2012 – 6.ª Turma.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. NATUREZA DA AÇÃO PENAL.
NORMA PROCESSUAL PENAL MATERIAL.
A norma que altera a natureza da ação penal não retroage, salvo para
beneficiar o réu. A norma que dispõe sobre a classificação da ação penal
influencia decisivamente o jus puniendi, pois interfere nas causas de extinção
da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa, portanto
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tem efeito material. Assim, a lei que possui normas de natureza híbrida (penal e
processual) não tem pronta aplicabilidade nos moldes do art. 2º do CPP, vigorando
a irretroatividade da lei, salvo para beneficiar o réu, conforme dispõem os arts.
5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP. Precedente citado: HC 37.544-RJ,
DJ 5/11/2007. HC 182.714-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado
em 19/11/2012.
Importante que se faça essa análise de cada alteração trazida na lei anticrime, pois,
como veremos, há normas mais benéficas e outras não. Somente a título de exemplo, a
alteração quanto à progressão de regime, que aparentemente se mostra maléfica, temos
uma situação que é benéfica, pois a regra da progressão de 1/6 da pena, anterior à lei
anticrime, equivale a 16,6%, o que faz com que seja pior que os 16% da norma revogada.
Assim, por se tratar de norma mais benéfica, quanto a essa parte, deve retroagir
para aplicar a fatos anteriores a sua vigência.
Farei aqui uma comparação com a norma anterior, quando for o caso, e serão
trazidas as considerações que julgar necessárias.
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4.1. ARTIGO 25 DO CÓDIGO PENAL
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 25. Entende-se em legítima defesa Art. 25. Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos quem, usando moderadamente dos meios
meios necessários, repele injusta necessários, repele injusta agressão, atual ou
agressão, atual ou iminente, a direito iminente, a direito seu ou de outrem.
seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos
previstos no caput deste artigo, considera-
se também em legítima defesa o agente de
segurança pública que repele agressão ou
risco de agressão a vítima mantida refém
durante a prática de crimes.
A primeira alteração trazida pela lei diz respeito à legítima defesa. Não se trata
de uma alteração substancial, visto que a nova lei somente confirmou o fato do agente
lesionar bem jurídico de outrem em defesa de terceiro para repelir uma agressão ou risco
de agressão a vítima mantida refém.
Este caso é legítima defesa e não estrito cumprimento do dever legal, visto que
atualmente no Brasil não há lei que permita matar, salvo em caso de guerra declarada,
que permitirá a pena de morte e, com isso, o carrasco terá autorização legal para matar.
O artigo não trata especificamente de casos com morte, vez que se usa o tiro de
contenção, ou tiro de comprometimento ou tiro seletivo, que, em qualquer caso, não tem
o objetivo levar a pessoa a morte, mas que poderá ocorrer.
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 51. Transitada em julgado a sentença Art. 51. Transitada em julgado a sentença
condenatória, a multa será considerada dívida condenatória, a multa será executada perante o juiz
de valor, aplicando-se-lhes as normas da da execução penal e será considerada dívida de
legislação relativa à dívida ativa da Fazenda valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa
Pública, inclusive no que concerne às causas da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
interruptivas e suspensivas da prescrição. causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Súmula 521, STJ: A legitimidade para a
execução fiscal de multa pendente de pagamento
imposta em sentença condenatória é exclusiva
da Procuradoria da Fazenda Pública.
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Essa alteração há um fato interessante. A redação anterior a lei anticrime considerou
a multa como dívida de valor, além de estabelecer que a cobrança seguirá as normas da
legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública.
Fica a dúvida se, com essa alteração, a legitimidade será exclusiva do Ministério
Público ou se a competência subsidiária da Fazenda Pública permanece. Ao meu sentir,
não obstante a nova lei não tratar sobre competência subsidiária, entendo que, em razão
da decisão do STF na ADI 3150, permanece a competência subsidiária em caso de inércia
do Ministério Público por mais de 90 dias.
2 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 20. Ed. Niterói, RJ. Impetus.
2018. Pág. 681.
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Acredito que o STF manterá esse entendimento, visto que o artigo 51, conforme
nova redação, não trouxe a legitimidade exclusiva do Ministério Público.
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas Art. 75. O tempo de cumprimento das penas
privativas de liberdade não pode ser superior a 30 privativas de liberdade não pode ser superior a 40
(trinta) anos. (quarenta) anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas § 1º Quando o agente for condenado a penas
privativas de liberdade cuja soma seja superior a privativas de liberdade cuja soma seja superior a
30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para
atender ao limite máximo deste artigo. atender ao limite máximo deste artigo.
Creio que muitos já devem saber sobre o tema, independente se é da área jurídica
ou não. Uma das maiores lendas jurídicas é sobre o limite de 30 anos. Há quem diga que
não se sabe o motivo das condenações serem tão altas se no Brasil somente fica preso
por no máximo 30 anos. Outros dizem que não serve para nada a pessoa ser condenada
a pena superior a 30 anos, se a própria lei diz que somente ficará preso até o limite
estabelecido por ela. Enfim, há muitas afirmações sem uma análise mais detalhada sob o
prisma jurídico.
O artigo 75 traz o máximo de tempo que a pessoa poderá cumprir quanto a pena
privativa de liberdade, ou seja, se trata do tempo que permanecerá na unidade prisional,
seja em regime fechado, semiaberto ou aberto.
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O limite existe em razão da garantia constitucional3 de vedar a prisão perpétua.
Seria ilógico não permitir a prisão perpétua e deixar a pessoa cumprir 90, 100 anos, sendo
que a expectativa de vida do brasileiro é de 73 anos para homens e 80 anos para mulheres4.
A lei anticrime altera o artigo 75, aumentando de 30 anos para 40 anos o limite
máximo para cumprimento de pena privativa de liberdade. Essa alteração visa atender a
política criminal, que entende que a sociedade clama por enrijecimento no cumprimento
de pena, consequentemente um maior cumprimento de pena privativa de liberdade.
O artigo 75, §2º diz o seguinte: “Sobrevindo condenação por fato posterior ao
início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim,
o período de pena já cumprido”.
Quando uma pessoa já está cumprindo a pena e, após o início da execução penal,
sobrevier uma condenação, o tempo já cumprido é desprezado e nova unificação será
realizada com intuito de obedecer ao limite estabelecido no caput do artigo 75.
Como exemplo, imaginemos que uma pessoa é condenada por homicídio qualificado
a uma pena de 30 anos. Após o início do cumprimento da pena, dentro da unidade prisional,
o apenado pratica outro homicídio e venha ser condenado a 30 anos, com o processo tendo
sua tramitação pelo período de 10 anos após o início do cumprimento da pena anterior.
Os 10 anos já cumpridos serão desprezados e será feita nova unificação, para atender o
parágrafo primeiro, dos 20 anos restantes da primeira condenação e os 30 anos da nova
condenação. Com isso, o apenado cumprirá 30 anos da nova unificação, sendo que ele já
cumpriu 10 anos que foram desprezados na segunda unificação. Assim, ele ficará preso
privativamente por 40 anos. Agora imaginem que ele pratique novo homicídio. No fim das
contas, poderá ele ter uma prisão com caráter perpétuo, violando à Constituição.
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O artigo 97, §1º, primeira parte do CP diz que “a internação ou tratamento
ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada,
mediante perícia médica, a cessação da periculosidade”.
Sem delongar muito no tema, não via necessidade na alteração, todavia, o aumento
de 10 anos não entendo como inconstitucional, de acordo com algumas vozes tem dito
sobre o novo limite.
5 STF, HC 84.219, relator ministro marco Aurélio, primeira turma, julgado em 16.8.2005, DJ
23.9.2005.
6 STJ; HC 412.089; Proc. 2017/0200624-0; BA; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; Julg.
20/09/2018; DJE 26/09/2018; Pág. 2073
7 Súmula 527 do STJ: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar
o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. (Súmula 527, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015)
8 STJ; HC 208.336; Proc. 2011/0125054-5; SP; Quinta Turma; Relª Min. Laurita Vaz; Julg.
20/03/2012; DJE 29/03/2012
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4.4. ARTIGO 83 DO CÓDIGO PENAL
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional Art. 83.
ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou III - comprovado:
superior a 2 (dois) anos, desde que: bom comportamento durante a execução da
III - comprovado comportamento satisfatório durante pena;
a execução da pena, bom desempenho no trabalho não cometimento de falta grave nos últimos 12
que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria (doze) meses;
subsistência mediante trabalho honesto; bom desempenho no trabalho que lhe foi
atribuído; e
aptidão para prover a própria subsistência
mediante trabalho honesto .
Entendo que alteração trazida no artigo 83 não seja tão substancial, vez que na
prática já ocorria dessa forma.
Passados 12 meses sem cometimento de nova falta grave, poderia ser concedido
o benefício. Ou seja, para cumprir o comportamento satisfatório, que equivale ao bom
comportamento, não poderia ter praticado falta grave, ou caso tenha sido praticado, que
não tenha praticado novamente no período de 12 meses.
Ou seja, caso tenha praticado fato grave no período de 12 meses, não seria
beneficiado pelo livramento condicional, visto não ter alcançado a reabilitação.
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Vejo, com isso, fazendo uma leitura do inciso III, alínea “a” com o Decreto
6.049/2007, surte o mesmo efeito da alínea “b”.
Em razão do termo “bom comportamento” trazido na alínea “a”, caso a falta grave
seja praticada com violência ou grave ameaça, para se reabilitar, será necessário 24
meses, conforme inciso VI do artigo 81 do Decreto 6.049/2007.
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena
d i s p o s i t i v o máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como
correspondente. produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor
do patrimônio do condenado e aquele que seja compativel com o seu rendimento
lícito.
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio
do condenado todos os bens:
- de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o beneficio
direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
- transferidos a terceiros a titulo gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a
partir do início da atividade criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a
procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo
Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da
diferença apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada
e especificar os bens cuja perda for decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações
criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou
do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não
ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem
ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
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Quanto a isso, não há discussão. Ocorre que o novo artigo trazido pela lei anticrime
não trata dos produtos do crime ou bens que constitua proveito auferido pelo agente com a
prática do fato criminoso, e sim de bens que presumem ter sido adquiridos com produtos
do crime.
Com a nova redação, havendo uma sentença condenatória a uma infração com
pena máxima superior a 6 anos, obrigatoriamente haverá uma prestação de contas do
réu, caso o seu patrimônio seja muito superior a sua renda. Uma modificação de duvidosa
constitucionalidade.
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4.6. ARTIGO 116 DO CÓDIGO PENAL
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 116. Antes de passar em julgado a Art. 116. (...)
sentença final, a prescrição não corre:
- enquanto não resolvida, em outro I – (...)
processo, questão de que dependa - enquanto o agente cumpre pena no exterior;
o reconhecimento da existência do - na pendência de embargos de declaração ou de recursos
crime; aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e
- enquanto o agente cumpre pena no - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não
estrangeiro. persecução penal.
Parágrafo único - Depois de passada
em julgado a sentença condenatória, a
prescrição não corre durante o tempo
em que o condenado está preso por
outro motivo.
Dia 7 de novembro de 2019 o STF, por maioria apertada, decidiu pela não
possibilidade de se executar a pena provisoriamente antes do trânsito em julgado. Essa
decisão trouxe uma acirrada discussão sobre a impunidade, pois a demora nos julgamentos
poderia levar a prescrição dos crimes sem que houvesse o cumprimento da pena.
Antes de entrar no tema, importante trazer à baila que o artigo 116 do CP traz as
causas suspensivas da prescrição, ou seja, havendo uma das hipóteses do artigo, o prazo
prescricional fica suspenso. Não subsistindo o motivo que ensejou a suspensão, o prazo
volta a correr pelo tempo restante.
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A lei não faz distinção em relação à parte que interpuser o recurso, entendendo que
havendo interposição, estará suspenso. Creio que os tribunais acertarão essa lacuna, pois
a interposição de recurso por parte do Ministério Público não pode beneficiar o Estado,
que demandará mais tempo para exercer o seu direito de punir. Em razão dos motivos que
ensejaram essa modificação, vislumbro aplicação somente nos casos em que o recurso
foi interposto pela defesa.
A parte, por certo, entrará com o agravo previsto no artigo 1042 do CPC, que
remeterá ao Tribunal Superior para julgar o recurso. O agravo poderá ser julgado
conjuntamente com o Recurso Especial ou Extraordinário. De qualquer forma, mesmo
conhecendo do agravo e não dando provimento, o recurso ao tribunal superior se manterá
inadmissível, não correndo o prazo prescricional.
De igual forma como foi concluído em relação aos embargos, entendo também
que o prazo somente ficará suspenso quando o recurso for interposto pela defesa, não
suspendendo em casos de interposição por parte acusação ou de assistente de acusação.
No que se refere ao acordo de não persecução penal, enquanto não for cumprido
a prescrição não correrá. Faz sentido, visto que o acordo de não persecução penal tem o
intuito de evitar uma ação penal caso o investigado cumpra as condições e não aguardar
uma prescrição.
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4.7. ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.968/19)
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar- Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-
se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe
- reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se auxílio material para que o faça:
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
tentativa de suicídio resulta lesão corporal de anos.
natureza grave. § 1º Se da automutilação ou da tentativa de
Parágrafo único - A pena é duplicada: suicídio resulta lesão corporal de natureza grave
Aumento de pena ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art.
- se o crime é praticado por motivo egoístico; 129 deste Código:
- se a vítima é menor ou tem diminuída, por Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
qualquer causa, a capacidade de resistência. § 2º Se o suicídio se consuma ou se da
automutilação resulta morte: Pena - reclusão, de
2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 3º A pena é duplicada:
- se o crime é praticado por motivo egoístico,
torpe ou fútil;
- se a vítima é menor ou tem diminuída, por
qualquer causa, a capacidade de resistência.
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta
é realizada por meio da rede de computadores,
de rede social ou transmitida em tempo real.
§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente
é líder ou coordenador de grupo ou de rede
virtual.
§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo
resulta em lesão corporal de natureza gravíssima
e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos
ou contra quem, por enfermidade ou deficiência
mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência, responde
o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129
deste Código.
§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é
cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou
contra quem não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência, responde
o
agente pelo crime de homicídio, nos termos do
art. 121 deste Código.
Não através da lei anticrime, mas sim através da lei 13.968/2019, foi alterado o
artigo 122 do CP. Apesar de não fazer parte da lei anticrime, entendo ser pertinente trazer
essa modificação, que além de ser importante, foi realizada logo após a publicação da lei
anticrime.
20
Quem se recorda do jogo “baleia azul”, sabe que consistia na relação entre os
jogadores e administradores. Os administradores passavam determinadas tarefas aos
jogadores, que incluía a automutilação e ao final, a última tarefa, era o suicídio.
No preceito secundário temos uma redução da pena do caput, que antes era de
2 anos a 6 anos, se resultasse morte, ou de 1 ano a 3 anos quando resultasse lesão de
natureza grave.
Importa aqui registrar que o legislador mencionou a lesão gravíssima sem que
a mesma exista dentro do texto legal. O artigo 129 do CP que trata dos crimes de lesão
corporal possui a forma qualificada nos parágrafos primeiro e segundo, tendo como nomen
iuris lesão corporal de natureza grave. Por possuir duas gradações com penas diferentes, a
doutrina passou a chamar o parágrafo segundo de lesão corporal de natureza gravíssima.
21
O parágrafo terceiro aumentou as hipóteses de majorar a pena. Foram incluídos
os motivos torpe e fútil. Neste caso, a pena será duplicada, mantendo a redação anterior.
No segundo caso, a pena será aumentada até a metade caso o agente seja o
líder ou o coordenador de grupo ou de rede virtual. Há de se entender a desvaloração da
conduta o fato de exercer liderança.
Nos parágrafos sexto e sétimo temos as hipóteses de crime mais grave. Caso a
vítima menor de 14 (quatorze) anos ou quem, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa,
não pode oferecer resistência, responderá conforme o resultado naturalístico: lesão
corporal de natureza gravíssima (artigo 129, §2º do CP) ou homicídio (artigo 121 do CP)
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 157. (...) Art. 157. (...)
§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um
terço) até metade:
VII - se a violência ou grave ameaça
é exercida com emprego de arma
branca;
§ 2º-B. Se a violência ou grave
ameaça é exercida com emprego
de arma de fogo de uso restrito ou
proibido, aplica-se em dobro a pena
prevista no caput deste artigo.
Com o advento da lei 13.654/2018, dia 23 de abril de 2018 foi revogada essa
majorante, incluindo no §2º-A, inciso I do artigo 157 a majorante “emprego de arma de
fogo”, aumentando o grau de aumento, que de um terço a metade, passou a ser de 2/3
somente.
22
Pode ser enxergar uma novatio legis in mellius e uma novatio legis in pejus. Quanto
a arma branca, deixou de ser considerada majorante e passou a ser aplicado o caput do
artigo 157. Quanto a arma de fogo, passou a ser aplicado o §2º-A, que é prejudicial ao réu.
Lembre-se que a lei benéfica retroagirá e a maléfica valerá somente para fatos posteriores
a sua vigência.
Reparem que houve uma lacuna. Até 23 de abril de 2018, o emprego de arma
branca na prática do crime de roubo era uma majorante, aplicando o aumento de um terço
até a metade. Após essa data, o emprego de arma branca no crime de roubo passou a ser
aplicado a pena do caput. Agora, com a lei anticrime, a partir de 23 de janeiro de 2020,
volta a ser majorante.
Assim, aquele que praticou roubo usando arma branca, a lei 13.654/2018 retroagiu
para retirar a causa de aumento de pena e fazer uma nova dosimetria com base na pena
do caput do artigo 157. Quem praticou crime de roubo usando arma de fogo, ainda com
fulcro na lei supramencionada, permaneceu com a pena e os novos fatos de roubo com
uso de arma de fogo, a partir de 23 de abril de 2018, passaram a ter o aumento de 2/3.
Verifica-se que com essa alteração, a majorante prevista no §2º-A, inciso I será
aplicada somente ao uso de arma de uso permitido. Assim, temos três penas para emprego
de arma, a depender do tipo de arma. Temos o emprego de arma branca, arma de uso
permitido e arma de uso restrito ou proibido, cada um com preceito secundário diferente.
Para ser utilizado somente o caput do artigo 157, não poderá fazer uso de qualquer
arma. A partir do momento que usou arma, será verificado o tipo de arma para saber se
aumentará de um terço até a metade, ou se aumentará 2/3 ou se seguirá a pena de
23
8 a 20 anos. Lembrando sempre que empregar a arma significa utiliza-la para roubo,
não necessariamente saca-la, mas o fato de mostrar que estar armado já configura a
majorante ou qualificadora.
a) Adequação da pena: a pena criminal deve ser um meio adequado, entre todos
os outros menos gravosos, para realizar o fim de proteger um bem jurídico.
b) Necessidade da pena: a pena criminal deve ser (meio adequado entre outros)
é, também, meio necessário (outros meios podem ser adequados, mas não
seriam necessários) para realizar o fim de proteger um bem jurídico.
c) Proporcionalidade em sentido estrito: a pena criminal cominada e/ou aplicada
(considerada meio adequado e necessário), deve ser proporcional à natureza e
extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico.
Nota-se em todas estas dimensões, que se almeja evitar uma resposta penal
excessiva frente à infração penal considerada. Por isso que a utilização do princípio da
proporcionalidade envolve a apreciação da necessidade e da adequação da resposta
penal.
Considerando que o artigo 157 protege o bem jurídico patrimônio e que o roubo de
qualquer bem com emprego de arma de uso restrito terá uma pena mínima de 8 anos e
9 Masson, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª
ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
24
máxima de 20 anos, passará a ter uma pena mais gravosa que o homicídio simples, que
possui pena mínima de 6 anos (a pena máxima será igual).
Vejamos uma situação: Brian ameaça Louis com uma arma de numeração raspada
a fim de subtrair seu celular. Por se tratar de arma com numeração raspada e que se
enquadra no artigo 16 da Lei 10.826/2003, que trata das arma de uso restrito ou proibido,
a pena em abstrato será de 8 a 20 anos, uma pena maior que a prática de um homicídio
simples.
Não pode o bem jurídico patrimônio, em caso de violação, ter uma pena mais
excessiva que a violação ao bem jurídico vida. Entendo que o STF e até mesmo o STJ
deverá se posicionar quanto a essa inconstitucionalidade.
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo Art. 171. (...)
correspondente. § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima
for:
I – a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.
A classificação mais comum das ações penais se faz com base na titularidade
do seu exercício, pois é dessa forma que o Código Penal cuida do assunto. No
art. 100, estabelece a regra (a ação penal é pública), bem como a exceção (a
ação penal é privativa do ofendido quando a lei expressamente indicar). No §
1.º do mesmo artigo, fixa a subdivisão das ações públicas, indicando a regra (a
ação será promovida pelo Ministério Público independentemente de qualquer
autorização da parte ofendida ou de outro órgão estatal), bem como a exceção (a
ação será promovida pelo Ministério Público caso haja autorização do ofendido
ou do Ministro da Justiça).
Em suma, pode-se dizer que as ações são: a) públicas, quando promovidas pelo
Ministério Público, subdivididas em: a.1) incondicionadas, quando propostas
sem necessidade de representação ou requisição; a.2) condicionadas, quando
dependentes da representação do ofendido ou de requisição do Ministro da
Justiça.
Deve-se analisar o tipo penal incriminador existente na Parte Especial do Código
Penal (ou em legislação especial); caso não se encontre nenhuma referência
25
à necessidade de representação ou requisição, bem como à possibilidade de
oferecimento de queixa, trata-se de ação penal pública incondicionada. Por
outro lado, deparando-se com os destaques “somente se procede mediante
representação” (ex.: art. 153, § 1.º, CP) ou “procede-se mediante requisição do
Ministro da Justiça” (ex.: art. 145, parágrafo único, CP), está-se diante de ação
penal pública condicionada. E caso se encontre a especial referência “somente
se procede mediante queixa” (ex.: art. 145, caput, CP), evidencia-se a ação
penal privada.
Pois bem. Diante da alteração trazida no artigo 171, a regra geral quanto a espécie
de ação penal, em relação ao crime de estelionato, passou a ser pública, condicionada
a representação do ofendido. Antes, o Ministério Público não dependia de nenhuma
condição, o que agora passa a depender que a vítima represente em face do suposto
autor dos fatos.
A regra geral, antes da vigência da lei anticrime, era ação penal pública
incondicionada. Havia a exceção prevista no artigo 183, conhecida como imunidade
relativa, que traz a exigência que a vítima represente, para iniciar ação penal ou para
instauração de inquérito policial. Não concordo com a nomenclatura, visto que não traz
nenhuma imunidade, somente uma condição de procedibilidade.
De qualquer modo, em razão do artigo 183 ser aplicado a todos os crimes contra
o patrimônio, permanece vigente, somente não se aplicando quando o crime contra o
patrimônio já exigir representação, como é o caso do crime de estelionato a partir da nova
redação, ou quando se tratar de ação privada, sendo cabível a queixa-crime.
Essa modificação deve ser analisada com mais profundidade, mormente quanto à
aplicação da lei penal no tempo.
Como dito anteriormente, por ser norma penal híbrida, deverá seguir o princípio
da irretroatividade, podendo retroagir caso a nova lei seja mais benéfica ao réu, como no
caso em voga.
26
Professor Badaró, em artigo publicado11 em seu site, diz o seguinte:
O prazo deverá ser de 30 dias, por analogia ao previsto no artigo 9112 da lei
9099/1995.
Portanto, com a alteração, vejo que a vítima deverá ser notificada a fim de
demonstrar o devido interesse em ver o ofendido processado, caso já não tenha sido
demonstrado no processo ou inquérito.
Todavia, há vozes trazendo interpretação contrária, dizendo que não foi essa a
intenção do legislador e que deverá ser aplicado somente nos casos em que a denúncia
não fora recebida. Por ser questão de procedibilidade, o recebimento da denúncia se torna
ato jurídico perfeito, aplicando somente aos casos em que a instrução não tenha sido
iniciada. Este foi entendimento chegado diante do artigo 90 da lei 9.099/1995.
11 http://www.badaroadvogados.com.br/20-062017-as-condicoes-da-acao-penal.html.
Acessado em 7.1.2020
12 Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação
penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias,
sob pena de decadência.
27
Entendo que não merece prosperar tal entendimento em razão da indevida
modulação, pois encontraríamos situações distintas para casos idênticos. No entanto,
provável que seja esse o entendimento que prevalecerá nos tribunais.
Outro ponto que merece destaque é o fato da jurisprudência entender que para
representar não demanda formalidades, bastando mera demonstração de interesse do
ofendido em fazer o agressor responder a Ação Penal13. Com isso, havendo já nos autos
a demonstração do interesse, o requisito de procedibilidade já fora preenchido.
Por fim, registra-se que a ação penal pública condicionada é a regra, tendo
por exceção quando a vítima for administração pública direta ou indireta, criança ou
adolescente, deficiente mental ou pessoas acima de 70 anos ou incapaz.
Por fim, importa registrar que em razão da pena mínima ser 1 ano, cabe a suspensão
condicional do processo, prevista no artigo 89 da lei 9099/1995.
Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 316. (...) Art. 316. (...)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e
multa. multa.
28
No parágrafo primeiro temos o excesso de exação. Exação significa a cobrança
rigorosa de impostos14. Nessa cobrança, o funcionário público exige ilegalmente tributo ou
contribuição social em benefício da administração púbica15, diferente do caput, em que o
funcionário pratica o crime exigindo vantagem indevida em razão do cargo, em benefício
próprio ou de outrem.
A primeira se refere a ilegalidade do tributo. Pode ser praticado com dolo direto
(que sabe) ou na modalidade de dolo eventual (deveria saber). Como por exemplo do
primeiro caso, temos uma cobrança de um tributo já pago ou acima do valor devido. No dolo
eventual, caso o funcionário público tenha dúvidas quanto a legalidade e mesmo assim
realiza a cobrança sem a devida verificação, incorrerá no crime do parágrafo primeiro.
Percebe-se uma lesividade maior que a do caput. Não está a tratar de somente
exigência de uma vantagem indevida em benefício próprio ou de outrem, em razão da sua
função ou fora dela, mas de uma cobrança de tributos ilegais para os cofres públicos, para
onde o dinheiro do contribuinte irá, ou uma cobrança humilhante, causando mais danos
ao contribuinte. Diante dessa lesividade mais gravosa, o legislador optou colocar a pena
mínima maior que a do caput, de acordo com a reação anterior.
14 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume III. 20. Ed. Niterói, RJ. Impetus.
2018. Pág. 757
15 Masson, Cleber, Código Penal comentado / Cleber Masson. 3. ed. rev., atual. e ampl. - Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. Pág. 1166.
29
Depreende da análise feita que as condutas dos parágrafos são mais gravosas
que a do caput, em razão da pena mais elevada. Contudo, com a alteração, a conduta
do caput passou a ser mais gravosa que a do parágrafo primeiro e de gravidade igual em
relação ao segundo, pois estes não tiveram seus preceitos secundários alterados.
30
5. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
17 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 48.
31
5.1. ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
32
Conforme nos ensina os professores Rosmar Alencar e Nestor Távora em sua
doutrina (Ob. Cit), conforme os princípios informadores, o processo penal poderá adotar o
sistema inquisitivo, acusatório ou misto.
Por tais razões, há doutrinador que defende que o nosso processo penal adotou
o sistema processual misto, vez que não há um seguimento somente dos princípios
constitucionais. Há também quem defenda que o processo penal brasileiro adotou
o sistema acusatório, em razão dos princípios trazidos na Constituição. Esse que vos
escreve defende que foi adotado o sistema acusatório.
Não se pode olvidar que o atual código processual foi inspirado numa época
inquisitiva e, suas reformas, a maior parte delas, ocorreram já sob os princípios da
Constituição Federal de 1988. Todavia, analisando o código à luz da Constituição, temos
um sistema acusatório no processo penal. Não há que se falar em sistema misto em razão
do inquérito ser inquisitivo, pois este tem a função de embasar a formação da opinio delicti
ao titular da ação penal, em que pese algumas provas serem produzidas no inquérito e
utilizadas no processo penal.
No entanto, a lei anticrime incluiu o artigo 3º-A, que dissipa de uma vez por todas
as dúvidas quanto ao sistema processual adotado em nosso processo penal.
A lei foi clara ao trazer a estrutura acusatória, vedada a iniciativa do juiz na fase de
investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Agora há uma
nítida separação entre o julgador e a acusação, não podendo o julgador fazer as funções
da parte. O papel do julgador será de expectador e não de jogador. Esta função caberá
às partes.
Todavia, em nada adianta alterar a lei se não alterar a cultura inquisitória. Além
do nosso código processual ser inquisitivo, diferentemente da nossa Carta Magna, há
uma cultura inquisitiva, uma sangria punitivista que impedirá o juiz das garantias chegar
ao objetivo traçado em seu nascedouro. Será preciso uma mudança cultural, entretanto,
considero um grande avanço a inclusão da figura do juiz das garantias.
33
Um dos principais objetivos com a mudança foi fazer com que o órgão julgador seja
dotado de imparcialidade, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e atuação
probatória.
Ao juiz é vedado atuar de ofício seja para aplicar quaisquer medidas, cautelares,
pessoais ou reais e demais atos a serem aplicados na fase de investigação.
No entanto, ainda é possível ver essa atuação probatória em alguns artigos que a
lei anticrime, infelizmente, esqueceu de alterar.
No artigo 156, inciso I, é possível ver essa produção de prova sendo determinada
de ofício pelo julgador.
O artigo diz que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,
facultado ao juiz de ofício: ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade,
adequação e proporcionalidade da medida”.
Caso não seja este o entendimento dos tribunais superiores, que seja declarado
a sua inconstitucionalidade, não podendo permanecer no nosso ordenamento um inciso
totalmente contrário à estrutura acusatória que agora está bem definido no processo penal.
Outro artigo que importa mencionar é o 212, parágrafo único. O parágrafo único diz
que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”. Quem
faz as perguntas é quem vai produzir as provas. Tal atuação por parte do magistrado vai
de encontro ao artigo 3º-A do CPP, acrescido pela lei anticrime.
34
Com isso, entendo, também, que houve uma revogação tácita do parágrafo único
do artigo 212 do CPP.
Quanto aos artigos 383 e 384, ambos do CPP, vejo que já não era possível sua
existência à luz da Constituição, visto o sistema ser acusatório. Com a afirmação no
artigo 3º-B, entendo que não mais poderá permanecer no nosso ordenamento jurídico
a ementatio libelli e mutatio libelli, visto que o sistema acusatório coloca o julgador como
expectador e não como atuante nas provas e demais atos da acusação.
O artigo 3º-B é a inclusão dada pela lei anticrime que traz a figura do juiz das
garantias. Essa inclusão é fundamental para se alcançar um julgador imparcial. É a
materialização do sistema acusatório, uma vitória do Estado Democrático de Direito. Um
grande avanço no sistema processual penal brasileiro, que deve ser mantido no nosso
ordenamento jurídico.
O caput do artigo 3º-B, traz a responsabilidade do juiz das garantias. Esse terá
a função de controlar a legalidade da investigação criminal e salvaguardar os direitos
individuais que demandam autorização do poder judiciário, como medida cautelar, pessoais
ou reais, busca e apreensão, entre demais medidas. Nada mais que a atuação normal de
um juiz na fase de investigação.
Sempre houve uma divisão da fase investigativa da fase processual, todavia, com
o advento da lei anticrime, há uma clara divisão dessas duas fases, determinando um juiz
para cada fase, com objetivo de trazer mais imparcialidade ao juiz que julgar o processo,
visto que não teve atuação na fase investigativa.
Dentre os incisos, o que me chama mais atenção são os incisos II, IV, VI, VII, VIII,
XII e XIV.
35
O inciso II trouxe uma dúvida quanto à audiência de custódia. Todavia, as audiências
de custódia existiam com base em provimento do CNJ, chanceladas pelo STF. Com a lei
anticrime, a função do juiz criminal que fazia as audiências de custódia passará para o
denominado juiz das garantias. A meu ver, nada obsta de permanecer como estão as
audiências de custódia, visto que juiz das garantias não é a criação de um novo cargo ou
uma nova vara especializada, mas sim a denominação do juiz que atuará somente na fase
investigativa.
Entendo que o juiz que fazia as audiências de custódia nada mais eram que juiz que
tinha a função de controlar a legalidade do flagrante e salvaguardar os direitos individuais.
Assim, na prática, era um juiz das garantias, sem a devida denominação.
Esse modelo tem uma vaga lembrança com modelo norte americano, mormente
com o acordo de não persecução penal, visto que havendo a confissão na fase de
investigação e cumpridos os demais requisitos previstos no artigo 28-A, incluído pela lei
anticrime, impedirá a ação penal, podendo a punibilidade ser extinta antes mesmo de
iniciar o processo penal.
O inciso VI tem uma particularidade na sua parte final que me chamou bastante
atenção. É assegurado ao preso provisório, em caso de prorrogação de sua prisão, o
contraditório em audiência pública e oral. Esse inciso está relacionado com a prisão
temporária, que possui prazo de término e pode ser prorrogada, além da sua aplicação
ser exclusiva na fase de investigação. Para que ocorra a prorrogação, deverá ocorrer uma
audiência com o juiz das garantias, assegurando o contraditório e, por questões lógicas, a
ampla defesa, apesar da falha em não ter sido expressamente citada no inciso.
O inciso VII vai de encontro ao previsto no artigo 156, inciso I do CPP, não obstante
o artigo 156 permitir o agir de ofício na fase processual. A produção de provas antecipadas
deve ser requerida, não trazendo a possibilidade de ser de ofício. Ademais, assim como
na prorrogação da prisão provisória, deverá ser assegurada audiência pública e oral,
com o contraditório e a ampla defesa. Aqui veio expresso o princípio da ampla defesa,
diferentemente do inciso VI.
36
Quanto ao inciso VIII, o ponto relevante é a lacuna que foi preenchida. Antes
não havia a possibilidade de prorrogação de inquérito de investigado preso, o que agora
é permitido, pelo prazo máximo de 15 dias, conforme o complemento do parágrafo 2º
do artigo 3º -B. Caso o inquérito não seja finalizado, deverá ser posto o investigado em
liberdade, seguindo, portanto, o prazo para inquérito de investigado solto.
Veja que o inquérito possui prazo de 10 dias, e, agora, prorrogável por mais 15
dias. Temos as exceções em crimes de competência da Justiça Federal – 15 dias para
indiciado preso e 30 dias para indiciado solto, nos crimes da lei de Drogas – 30 dias para
indiciado preso e 90 dias para indiciado solto, podendo ser duplicados em ambos os casos
e crimes contra a economia popular – 10 dias tanto para indiciado preso quanto para
indiciado solto.
Caso haja uma prisão temporária de investigado por crime hediondo (que não há
exceção), teremos uma prisão por 30 dias ou 60 dias, caso haja prorrogação, de acordo
com a lei 7960/1989 e o inquérito com prazo de 10 dias.
Percebe-se que, caso siga a regra do CPP, o prazo da prisão temporária para
crimes hediondos não fará sentido, pois prisão temporária somente tem validade na fase
de investigação.
O inciso XII traz a competência para julgar habeas corpus impetrado antes do
oferecimento da denúncia. Aqui, por razões óbvias, trata-se de habeas corpus impetrado
contra autoridade coatora que não seja o juiz das garantias, como, por exemplo, delegado
de polícia. Em caso de ato ilegal praticado pelo juiz das garantias, o habeas corpus deverá
ser impetrado em instância superior, no caso TJ ou TRF.
No inciso XIV, há um equívoco prático não observado pelo legislador. Não obstante
no artigo 399 do CPP constar o recebimento da denúncia, a mesma é recebida quando
não verificadas as hipóteses de rejeição, previstas no artigo 395 do CPP. Portanto, o
recebimento da denúncia se dá antes da citação e resposta acusação e não após. Caso
fosse, poderíamos incorrer em uma absolvição sumária (artigo 397 do CPP) antes mesmo
de iniciar uma ação penal, o que seria ilógico.
Assim, entendo que onde se lê artigo 399, deve ser lido artigo 395 do CPP. Caso
aplicasse o artigo 399 do CPP, o juiz das garantias seria o responsável pela designação
37
da audiência de instrução processual, sem pauta ou agenda do juiz da instrução, podendo
ocorrer muitos conflitos e na prática se tornar inviável.
Importante frisar que o parágrafo terceiro do artigo 3º-C determina que os autos
permaneçam no cartório do juízo das garantias. Esse juízo será o do juiz que atuou na
fase de investigação. Ou seja, nenhuma peça da fase de investigação acompanhará a
denúncia, salvo os documentos relativos às provas irrepetíveis e medidas de obtenção
de provas ou de antecipação de provas. Essa inclusão é de extrema importância, pois as
provas deverão ser produzidas no processo, sob o crivo da ampla defesa e contraditório.
A ideia é que o juiz não contamine seu convencimento com o inquérito, ele deve
conhecer as provas de forma originária. Haverá uma separação daquilo que foi produzido
na investigação com aquilo que será produzido na fase processual. Isso surtirá efeito
principalmente no interrogatório do réu e nos depoimentos de policiais.
O prazo de 10 dias foi interessante, pois obriga ao juiz da instrução analisar logo
assim que receber os autos, sendo a primeira providência a ser tomada.
Por fim, o parágrafo quarto assegura a todas as partes o acesso aos autos
acautelados na secretaria do juízo das garantias, conforme já mencionado, o juízo que ficou
na competência de atuar na fase investigativa, caso não seja criado varas especializadas.
38
impedimento a quem praticasse atos no inquérito, vez que os artigos estão relacionados
ao inquérito.
O juiz que atuar na fase de investigação, denominado juiz das garantias, ficará
impedido de atuar e julgar o processo. Tem-se então mais uma modalidade de impedimento
do Juiz. No meu sentir, essa é a principal mudança no código de processo penal. Não vejo
uma criação de uma classe de juiz e sim de regra de impedimento. Mais adiante tratarei
melhor desse tema.
O parágrafo único traz apenas uma forma de organização para funcionar o juiz
das garantias em comarca que funciona apenas um juiz. Entendo que poderão ser criado
núcleos com juízes das garantias por região, atendendo diversas comarcas próximas que
funcionam apenas um juiz. De qualquer forma, a sugestão de distribuição cruzada é de
grande valia. Havendo comarca com apenas um juiz, este atuará como juiz das garantias.
Encerrada a fase de investigação, passará para a comarca mais próxima. Isso poderá
ocorrer em forma de distribuição cruzada, quando um juízo se torna juízo das garantias
do outro.
Já o artigo 3º-E apenas determina que a competência para designar o juiz das
garantias será a organização judiciária do ente responsável. Não criar ou usurpa a função
da lei de iniciativa dos tribunais. Há apenas indicação que a organização judiciária que
designará o juiz responsável, visto que com o impedimento do juiz das garantias, o
substituto legal assumirá o processo para instrução e julgamento.
Para finalizar esse tópico, o artigo 3º-F, traz uma significativa mudança. O juiz das
garantias assegurará que não haja acordo ou ajuste por parte da autoridade policial com
órgãos de imprensa para publicação de imagem de preso. Tal situação foi também objeto
da lei de abuso de autoridade, dentro daquele contexto.
Frisa-se que o próprio artigo traz prazo de 180 dias para que seja regulamentada a
forma como será divulgada a prisão, garantindo assim o direito à informação, sem atentar
a dignidade do preso.
Há ainda um ponto a ser lembrado. A aplicação do juiz das garantias nos tribunais.
Em razão dos processos originários por motivo de prerrogativa, por exemplo, teremos
investigação em que atos serão decididos pelos tribunais.
39
A lei 8.038/1990, nos artigos 1º a 5º, estabeleceu as normas de processamento de
ações originárias e de inquéritos nos tribunais superiores. A Lei n. 8.658/1993 estendeu
sua eficácia aos TJs e TRFs.
Entendo que não foi a intenção do legislador incluir juiz das garantias nos tribunais
superiores. Explico.
Veja que o acordo de não persecução penal introduzido no artigo 28-A foi também
incluído no artigo 1º, §3º da lei 8.038/1990, lei que trata da competência originária do
STF e STJ. Caso fosse do interesse do legislador incluir o juiz das garantias nos tribunais
superiores, teria o feito, alterando a lei 8.038/1990.
Há quem defenda que não precisava ser inserido na lei 8.038/1990. Penso o
contrário, vez que o acordo de não persecução penal também não precisaria, mas o
legislador fez questão de incluir na lei supracitada. Por essa razão, vejo que realmente
não deve ser aplicado nos tribunais superiores, em que pese ver necessidade.
Importante ressaltar outra exceção ao juiz das garantias, além dos juizados
especiais. A lei 12.694/2012 foi modificada, acrescentando o artigo 1º-A que regulamenta
a formação de varas criminais colegiadas. No §1º do referido artigo, fica estabelecida a
competência da vara colegiada para atos da fase de investigação, processual e inclusive
execução penal.
Dentro desse prisma, não se deve aplicar o juiz das garantias nos casos de
competência do tribunal do júri. As varas criminais colegiadas, bem como as ações
originárias nos tribunais, não terão a figura do juiz das garantias por entender que, se
tratando de decisões colegiadas, a imparcialidade não corre risco de ser violada. No
tribunal do júri, em razão da competência para julgar ser do conselho de sentença, ou
seja, dos jurados, chega a conclusão que se aplica a mesma situação dos tribunais e
varas criminais colegiadas.
Merece destaque a decisão do Ministro Dias Toffoli, em sede liminar, na ADI 6298,
que afirma que o juiz das garantias também não se aplica aos casos de violência doméstica
e processos de competência da Justiça Eleitoral.
40
Não vejo por essa ótica, visto que a divisão funcional da competência com o
impedimento não obstará o juiz da instrução de amparar a vítima, caso ela necessite. O
contexto de toda agressão estará na denúncia. Portanto, ao criar essa exceção, viola a
imparcialidade, objetivo a ser alcançado com o juiz das garantias.
“Não se pode ignorar que a Justiça Eleitoral brasileira, em sua arquitetura ímpar,
estruturada para conduzir o processo democrático, dotada de competências
administrativa e jurisdicional, não dispõe de quadro próprio de magistrados,
sendo composta por membros oriundos de outros ramos da Justiça, situação
que poderá dificultar a aplicação do juiz de garantias. Com efeito, é possível
que um magistrado que atue como juiz das garantias em uma investigação de
competência estadual fique impedido, em seguida, de atuar no processo criminal,
caso se entenda que há crime eleitoral no fato investigado, causando embaraços
ao regular andamento do processo, em prejuízo dos princípios da celeridade e
da preclusão, que regem o processo eleitoral. Portanto, a aplicação do juiz das
garantias ao Processo Eleitoral é tema que merece maior reflexão e, conforme
o caso, regulamentação específica, fator que recomenda, em juízo liminar, a
exclusão dos processos criminais de competência da Justiça Eleitoral do âmbito
de incidência do juiz de garantias.”
Neste pormenor, está em consonância com a lei anticrime, vez que o legislador
entendeu por bem não aplicar aos Juizados Especiais Criminais, por entender se tratar de
uma situação específica.
Com isso, pode-se observar que o juiz das garantias atuará, salvo em casos de
varas colegiadas, tribunais e, diante da decisão recente na ADI 6298 (deve ser referendada,
todavia até o fechamento do livro não foi realizada a sessão plenária) os crimes de
competência do tribunal do júri, pois há de se entender que em razão da pluralidade
de juízes para o mesmo processo, evitaria a parcialidade, estaria alcançando o julgador
imparcial.
De igual forma não se aplica o juiz das garantias nos casos de violência doméstica,
de competência dos Juizados Especiais Criminais e de competência da Justiça Eleitoral,
por se tratar de procedimentos com dinâmicas específicas.
41
i. Lei federal, que criou a figura do juiz das garantias é lei geral de eficácia
contida, que depende, para sua eficácia plena, da criação respectiva do juiz
das garantias nas leis de organização judiciária da Justiça da União e dos
Estados. Inconstitucionalidade dos dispositivos que impõe a eficácia imediata.
Neste ponto, alega a inconstitucionalidade visto que a lei federal, em regra geral,
instituiu um novo cargo, o juiz das garantias. Afirma que criou normas gerais e normas
procedimentais, tais como competência, os atos que deverá praticar, vedação de agir de
ofício e demais atos. Assevera que adentrou em matéria de competência concorrente,
vez que dispôs sobre normas da fase pré-processual. Por fim, neste ponto, entende ser
inconstitucional o artigo 20 da lei anticrime, pois é norma de eficácia contida e não pode
ser aplicada de forma imediata.
O artigo 3º-B não cria varas judiciais, não se definem limites e não estabelece o
número de magistrados a serem alocados aos juízos das garantias (caso entenda pela
criação do juízo, o que discordo).
Adianto que, resolvida essa dúvida que trago sobre a questão do impedimento,
com a devida vênia, todos os argumentos da ADI citada cai por terra.
Ocorre que não foi criado um juiz para cuidar do inquérito. O juiz que já cuidava
do inquérito, que antes podia julgar, não poderá mais julgar o processo, pois se criou uma
regra de impedimento. As citadas jurisprudências na peça vestibular da ADI, na parte que
42
diz respeito ao inquérito, se trata de legislação que disciplina inquérito, o que não é o caso
dos artigos objeto da ação.
Em nenhum momento foram criadas regras para o inquérito. Foi apenas criada
uma regra de impedimento para o juiz que atuar na fase investigativa. Permita-me ser
repetitivo quanto a essa nova regra de impedimento, mas esse é o foco.
Repare que houve uma divisão funcional da competência e impedimento. Vale aqui
trazer à baila trecho da carta aberta de juízes federais defendendo o juiz das garantias19.
Veja que o juiz das garantias nada mais é que uma denominação ao juiz que atuar
na fase de inquérito.
Percebe-se que no parágrafo único do artigo 3º-D, diz que “nas comarcas em que
funcionar apenas um juiz”, ou seja, se a comarca tiver dois juízes, não se criará um novo
cargo, uma nova classe, simplesmente o juiz que atuar na fase de investigação ficará
impedido e deverá ser encaminhado ao outro juiz da comarca, seu substituto legal, que
continuará atuando nos demais processos criminais, cíveis e de juizados, que estão sob
sua responsabilidade, como já ocorre em outros casos de impedimento.
19 https://www.conjur.com.br/2020-jan-02/juizes-federais-publicam-carta-defesa-juiz-
garantias. Acessado em 10.1.2020.
43
Ao trazer que caberá aos Tj´s ou STJ, a depender do âmbito, a iniciativa de elaborar
lei que vier a criar novas varas, cargos e alterar a organização e divisão judiciárias, entende-
se que a lei anticrime criou algo, o que não procede.
A atuação do juiz das garantias na fase investigativa nada mais é do que a atuação
de qualquer juiz nessa fase. Não será necessário implementar novos juízes, novos
servidores, impactos no orçamento, nada. O juiz que atuou no inquérito fica impedido
e o processo passará para outra vara criminal, ficando aquela vara como o juízo das
garantias daquele processo. Não quer dizer que a vara será juízo das garantias de toda
comarca. Havendo pedido na fase investigativa, com base na lei anticrime, será distribuído
e doravante se tornará a vara preventa para os demais atos da fase investigativa.
ii. A criação do “Juiz das Garantias” em lei ordinária viola do art. 93, caput, da CF
Neste tópico, é arguido que cabe a LOMAN criar o juiz das garantias, uma classe
própria de juiz, competência definida e restrita à fase de investigação, violando o artigo 93
da CF.
Não me delongarei nesse e nos demais tópicos da ADI, pois como dito
anteriormente, não se trata de uma criação de classe própria de juiz e sim de uma nova
regra de impedimento.
A competência não foi definida ao juiz das garantias, trazendo uma nova
competência. Como dito, foi feita apenas uma divisão funcional da competência. O rol
trazido no artigo 3º-B é exemplificativo. Isso pode ser visto no último inciso do artigo quando
diz que poderá atuar em “outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput
deste artigo”. Assim, qualquer ato relacionado à fase investigativa, caberá ao juiz criminal
que atuou primeiro, ficando prevento. A partir desse momento, ele se torna impedido de
permanecer no processo após o recebimento da denúncia, devendo ser remetido à vara
competente para processar e julgar.
iii. A jurisdição é uma e indivisível. Violação ao princípio do juiz natural (CF, art.
5º, LIII)
44
Novamente se depara com argumento relacionado a criação de algo e não apenas
inclusão de regra de impedimento. Assevera que a jurisdição é una e indivisível, pois em
1º grau há apenas um juiz natural (estadual ou federal).
Como dito alhures, o juiz da audiência de custódia já era considerado um juiz das
garantias, sem essa nomenclatura, já que ele tinha o controle de legalidade do flagrante.
Todavia, sua atuação era restrita ao artigo 310 do CPP. Agora, com a lei anticrime, o juiz
que atuar na audiência de custódia também é um juiz de garantias.
Sem adentrar muito nesse aspecto, já era possível dois juízes atuarem em 1º grau,
não violando o princípio do juiz natural.
Não há uma criação de instância interna dentro do 1º grau, mas, como dito
exaustivamente, há um impedimento e o seu substituto legal assumirá.
Essa tese esbarra no mesmo argumento de não ter juiz das garantias em Varas
Criminais Colegiadas.
Concordo que realmente a lei previu o juiz das garantias nos tribunais, pois não
houve revogação expressa do artigo 2º da lei 8038/1990. Todavia, não há necessidade da
figura do juiz das garantias em tribunais em razão das decisões de mérito serem colegiadas.
Não será uma pessoa somente que julgará, pois caso este possa estar “viciado” pela
atuação na fase investigativa, haverá outros para julgar.
45
Concluo que o juiz que já se manifestou em investigação que ainda não deu origem
a uma ação penal deverá ficar impedido para atuar na fase processual. Nos casos dos
processos já iniciados, não haverá impedimento. Lei processual penal deve ser aplicada
desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei pretérita.
Caso haja dois juízes na mesma vara e os dois tenham atuado, os dois ficarão
impedidos. Caso somente um tenha atuado, entendo que o outro poderá instruir e julgar.
Assim, em varas em que há dois juízes, se tornará mais fácil ainda o funcionamento do
juiz das garantias.
Há quem defenda que somente valerá para as investigações que iniciarem. Caso
isso ocorra, haverá violação ao princípio da imediatidade.
Por fim, diante da decisão do Ministro Dias Toffoli, já mencionada, a vacatio legis
do juiz das garantias será de 180 dias. O Ministro, liminarmente, suspendeu a eficácia dos
artigos relacionados ao juiz das garantias, alegando que demanda um trabalho de ajuste
por parte do Poder Judiciário, visto a magnitude da alteração.
Em consonância com o artigo 3º-F, que estabeleceu prazo de 180 dias para
disciplinar o modo como informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso
serão transmitidas a imprensa, entendeu também aplicar o prazo de 180 dias para iniciar
a vigência do juiz das garantias.
46
Essa alteração é mais uma novidade trazida pela lei anticrime. O artigo traz muitas
especificações que fará com que seja aplicado em determinados casos. Vamos a elas.
Caso todos esses requisitos sejam preenchidos, o investigado terá direito a constituir
um defensor. Na verdade, todos têm direito a constituir um defensor, independente do
crime praticado ou de quem seja e qual a sua profissão. Até mesmo em procedimentos
investigatórios militares e extrajudiciais.
Entendo pertinente essa novidade legislativa, todavia, deveria ser aplicado a todos
os casos e não somente nos casos previsto no novel artigo.
47
5.3. ARTIGO 28 E 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
48
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as
condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos
ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com
concordância do investigado e seu defensor.
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz
devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução
perante o juízo de execução penal.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos
requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere
o § 5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público
para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o
oferecimento da denúncia.
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução
penal e de seu descumprimento.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não
persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins
de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado
também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o
eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal
não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins
previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo
competente decretará a extinção de punibilidade.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo
de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos
autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
O ANPP já havia sido criado através de uma resolução do CNMP. Havia discussão
sobre a sua constitucionalidade exatamente pela forma com que foi criada, pois deveria
ter sido por lei. A lei anticrime resolve essa questão ao trazer essa possibilidade no novel
artigo 28-A.
Esse procedimento era e é muito criticado pelos doutrinadores, pois viola o sistema
acusatório, vez que o juiz já estaria valorando as provas, ferindo a imparcialidade.
49
Entretanto, esse controle judicial sobre o arquivamento foi suprimido do código,
colocando outras situações para quando ocorrer o arquivamento.
Agora, com a nova lei, será semelhante como ocorre no Supremo Tribunal Federal,
que “promovido o arquivamento do Inquérito Policial pelo Chefe do Ministério Público da
União, sem que seu fundamento seja capaz de constituir coisa julgada material, não cabe
ao STF manifestar discordância, mas tão somente homologar o arquivamento nos termos
da promoção do Procurador-Geral da república, nos termos de sua atribuição natural
prevista na Lei Complementar nº 75/1993, por decisão de natureza administrativa”20,
apenas retirando do magistrado a função de homologar, que caberá ao órgão revisional
do Ministério Público.
Esse órgão revisor já tem funcionado no âmbito da justiça federal, que no artigo
62, IV da lei Complementar nº 75/1993 traz essa previsão21.
Cito a forma como os professores Aury Lopes Junior e Alexandre Morais da Rosa
chegaram à uma conclusão, expressado em artigo publicado no Conjur22:
20 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 193.
21 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 187.
22 https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite-penal-procede-arquivamento-modelo.
Acessado em 10.1.2020.
50
“Então o arquivamento deve se dar em duas fases:
a) primeira fase: o representante do Ministério Público emite manifestação pelo
arquivamento, comunica formalmente vítima e investigados, quando existentes,
advertindo expressamente da possibilidade recursal em 30 dias (prazo que se
conta da respectiva intimação e não da juntada aos autos, na linha do art. 798,
do CPP);
b) segunda fase: Efetivadas as comunicações formais, ausente pedido voluntário
de revisão da vítima (ou seu representante), investigado ou autoridade
investigadora, devidamente certificado o prazo, sobem os autos para homologação
do arquivamento pelo órgão competente da Instituição do Ministério Público que
pode confirmar ou divergir, total ou parcialmente, caso em que será designado
novo membro do Ministério Público para o exercício da ação penal.”
De qualquer forma, deverá o juiz das garantias ser informado, em razão da previsão
do artigo 3º-B, inciso IV.
Passa-se para o artigo 28-A. Uma grande inclusão trazida pela lei anticrime. O
conserto realizado pela falha da resolução 181/2017, modificada pela resolução 183/2018
do CNMP: O Acordo de Não Persecução Penal, o ANPP.
Falo que foi um conserto, pois uma das maiores críticas ao acordo de não
persecução penal previsto na resolução era quanto a sua forma, que deveria ter sido
prevista por lei, sendo dissipada a discussão em razão da previsão ora trazida pela lei
anticrime.
O requisito iii é intrigante, pois, no projeto inicial, estava pena máxima de quatro
anos. A alteração fez ampliar a gama de infrações que poderão ocorrer o ANPP.
51
Requisito v, trazido no §2º, inciso II do artigo 28-A, traz um elemento demasiadamente
subjetivo, pois deixa ao critério do juiz das garantias analisar se a conduta é habitual ou
não. Caso fosse mencionado crime habitual, a classificação do crime já responderia a
questão, mas não, trouxe se a conduta é habitual, reiterada ou profissional.
Acredito que haverá discussão a respeito desse item. Ademais, a parte final do
inciso traz uma exceção para desconsiderar as infrações penais pretéritas: insignificantes.
Há um erro conceitual, pois se forem insignificantes, deixa de ser infração penal, visto a
ausência de tipicidade material. Como disse, acredito em discussões nesse ponto.
As condições trazidas pela lei podem ser cumulativas ou alternativas, o que facilita
muito na hora de ajustar o acordo. Costumam ser cumulativas, sem abrir margem, mas
neste caso o legislador foi feliz em possibilitar que sejam alternativas.
O parágrafo primeiro nos diz que para aferição da pena mínima de quatro anos,
deverão ser consideradas as causas de aumento e diminuição. Lembrando que para as
causas de aumento, considera-se o grau mínimo24 e para as causas de diminuição o grau
máximo25.
24 Súmula 723 do STF: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime
continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for
superior a um ano.
25 Entretanto, em se tratando de crime tentado, deve ser considerada a menor pena cominada
em abstrato para o delito, reduzida pela fração máxima prevista no art. 14, II, do Código Penal, isto é, de 2/3,
o que possibilita a suspensão condicional do processo, na medida em que a pena mínima em abstrato, com
a redução pela tentativa, é inferior a 1 ano. (STJ; HC 505.156; Proc. 2019/0111147-1; SP; Rel. Min. Rogério
Schietti Cruz; DJE 21/10/2019)
52
Importante trazer à baila a situação do tráfico privilegiado. Sabe-se que quando
o réu é primário, tem bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa, fará jus à causa de diminuição de 1/6 a 2/3.
Todavia, penso que quando o legislador incluiu o inciso II no §2º do artigo 28-A,
impedindo a proposta de ANPP quando o juiz das garantias verificar que há elementos
probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, abriu brecha
para que verifique se incide ao investigado a causa de diminuição prevista no parágrafo
quarto do artigo 33 da lei 11.343/2006.
O acordo deverá ser escrito, com a participação de todos os atores e haverá uma
audiência para homologação, a fim de constatar a voluntariedade por parte do investigado,
que ele não tenha sido pressionado. A presença do seu defensor é obrigatória.
O Artigo 3º-C deixa claro que a função do juiz das garantias é o controle da
legalidade e salvaguardar os direitos individuais, vedando atuação de ofício e substituição
em atuação probatória.
Não cabe ao juiz das garantias ampliar a sanção penal. Essa parte do parágrafo
vai de encontro ao sistema acusatório e a finalidade do juiz das garantias. Não pode o juiz
ir contra o indivíduo e considerar que a sanção foi insuficiente e demandar um aumento na
sanção. Completamente inconstitucional essa parte da alteração.
53
negociadas as condições e o Ministério Público aberto à negociação. Caso contrário, não
há sentido no ANPP.
Caso seja recusado, o Ministério público seguirá com as investigações ou, caso
esteja satisfeito com as provas até então colhidas, oferecerá denúncia.
Sempre a vítima será intimada caso o acordo seja realizado ou até mesmo
descumprido, para que fique ciente da atuação estatal no caso.
Não poderá constar em certidões o ANPP realizado, somente deverá ter registro
para fins de impedir novo ANPP.
54
Art. 133. Transitada em julgado a sentença Art. 133. Transitada em julgado a sentença
condenatória, o juiz, de oficio ou a requerimento do condenatória, o juiz, de oficio ou a requerimento do
interessado, determinará a avaliação e a venda dos interessado ou do Ministério Público, determinará
bens em leilão público. a avaliação e a venda dos bens em leilão público
Parágrafo único. Do dinheiro apurado, será recolhido cujo perdimento tenha sido decretado.
ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou § 1º Do dinheiro apurado, será recolhido aos cofres
a terceiro de boa-fé. públicos o que não couber ao lesado ou a terceiro
de boa-fé.
§ 2º O valor apurado deverá ser recolhido ao
Fundo Penitenciário Nacional, exceto se houver
previsão diversa em lei especial.
Art. 133-A. O juiz poderá autorizar, constatado o
interesse público, a utilização de bem sequestrado,
apreendido ou sujeito a qualquer medida
assecuratória pelos órgãos de segurança pública
previstos no art. 144 da Constituição Federal,
do sistema prisional, do sistema socioeducativo,
da Força Nacional de Segurança Pública e do
Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de
suas atividades.
§ 1º O órgão de segurança pública participante das
ações de investigação ou repressão da infração
penal que ensejou a constrição do bem terá
prioridade na sua utilização.
§ 2º Fora das hipóteses anteriores, demonstrado o
interesse público, o juiz poderá autorizar o uso do
bem pelos demais órgãos públicos.
§ 3º Se o bem a que se refere o caput deste
artigo for veículo, embarcação ou aeronave, o
juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão
de registro e controle a expedição de certificado
provisório de registro e licenciamento em favor
do órgão público beneficiário, o qual estará isento
do pagamento de multas, encargos e tributos
anteriores à disponibilização do bem para a sua
utilização, que deverão ser cobrados de seu
responsável.
§ 4º Transitada em julgado a sentença penal
condenatória com a decretação de perdimento dos
bens, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de
boa-fé, o juiz poderá determinar a transferência
definitiva da propriedade ao órgão público
beneficiário ao qual foi custodiado o bem.
Quanto ao artigo 124-A, mais uma inovação trazida pela lei anticrime. Tem por
finalidade prever a destinação de obras de arte ou outros bens de valor cultural aos museus
públicos, caso não haja vítima determinada. Uma mudança significativa, pois enriquece
a cultura brasileira, em razão de várias obras de artes caríssimas serem frutos de crimes
antecedentes.
55
Posteriormente temos o inovador artigo 133-A, que permite antes do trânsito
em julgado, quando for interesse público, a utilização de bens sujeitos às medidas
assecuratórias pelas polícias, pelo sistema prisional, socioeducativos, força nacional e
Instituto Geral de Perícia, estritamente para desempenhar atividades relacionadas ao
serviço. Também poderão ser autorizados outros órgãos públicos, desde que demonstrado
interesse público.
O artigo 157 do CPP trata do presente tema que teve inclusão do parágrafo quinto
de extrema importância.
“a partir da nova redação conferida ao art. 157, caput, do CPP, soa-nos nítida a
inclusão, no termo maior provas ilícitas, daquelas que forem produzidas ao arrepio
das normas constitucionais ou legais. Logo, infringir a norma constitucional ou
qualquer lei infraconstitucional (direito material ou processual), pois não fez o
referido art. 157 nenhuma distinção, torna a prova ilícita. Este é, pois, o gênero
e não a espécie”.
56
Professores Rosmar Alencar e Nestor Távora28, afirmam que:
Observa que inadmite que qualquer prova que tenha sido originária da prova ilícita
permaneça nos autos, pois tem o condão de contaminar todas dela decorrentes.
Rosmar Alencar e Nestor Távora tratam em sua obra, antes mesmo da lei anticrime,
sobre a descontaminação do julgador. Exatamente essa descontaminação do julgador, em
tempos atrás, no Projeto de Lei n° 4.205/2001, vetada pelo Presidente, foi implementada
pela lei anticrime.
Por óbvio, o juiz aqui tratado se refere ao juiz da instrução, não havendo motivo
para ser aplicado ao juiz das garantias.
Caso o tribunal declare uma prova ilícita, o magistrado que estiver com o processo
ficará impedido de julgar. Porventura o magistrado se depara com uma prova ilícita, não
chegou a “conhecer”, ou seja, se manifestar sobre ela, entendendo ser lícita, e determinou
seu desentranhamento, não há que se falar em aplicação do artigo 157, §5º. Portanto,
vejo que a aplicação do referido parágrafo somente se aplica em casos que o magistrado
ou relator tenha praticado atos com base na prova ilícita, ficando impedido para proferir
sentença ou acordão.
Entendo que isso ocorre como em casos de suspeição, que pode ocorrer tanto
na fase investigativa quanto na fase processual, sem violar o juiz natural. Todavia, como
disse, por criar impedimento para julgar, não vejo aplicação na fase investigativa, vez que
o juiz das garantias já está impossibilitado de julgar.
Portanto, a lei é clara ao afirmar que o juiz que tenha, em tese, se contaminado
com a prova ilícita, fica impedido de julgar.
28 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 626.
57
5.6. ARTIGO 158 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
58
§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de
forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestigio durante o transporte.
§ 2º O recipiente deverá individualizar o vestigio, preservar suas características, impedir
contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de
informações sobre seu conteúdo.
§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente,
por pessoa autorizada.
§ 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento
de vestigio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as
informações referentes ao novo lacre utilizado.
§ 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente.
Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada
à guarda e controle dos vestigios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central
de perícia oficial de natureza criminal.
§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência,
recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a
distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que
não interfiram nas características do vestigio.
§ 2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestigio deverão ser protocoladas,
consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam.
§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestigio armazenado deverão ser identificadas e
deverão ser registradas a data e a hora do acesso.
§ 4º Por ocasião da tramitação do vestigio armazenado, todas as ações deverão ser registradas,
consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário
da ação.
Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia,
devendo nela permanecer.
Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar
determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de
depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão
central de perícia oficial de natureza criminal.
A prova sem sombra de dúvida é o pilar do processo penal. Tudo gira em torno da
prova, servindo para isentar uma responsabilidade ou para legitimar a aplicação penal.
Em razão dessa grande importância que a prova possui, visto que ela é que fará
com que se possa fazer uma retrospectiva e saber o que ocorreu no momento da prática
delituosa, necessário que a prova não sofra nenhum tipo de interferência, vícios, esteja
“intacta”.
O magistrado que for responsável pela prolação da sentença tem que ter acesso
às provas sem nenhum tipo de mácula, interferência externa. O magistrado precisa se
convencer com provas que não tenham sua cadeia de custódia quebrada.
Além disso, as partes precisam ter a ciência de que do momento em que elas
foram coletadas até serem descartadas não sofreram interferência. Para isso, tudo precisa
estar documentado, desde o momento em que foi coletada até o laudo definitivo realizado,
além que sua guarda esteja protegida, preservada, mormente quando é produzida na fase
investigativa.
59
A finalidade é impedir a manipulação indevida da prova com o propósito de
incriminar (ou isentar) alguém de responsabilidade, com vistas a obter a melhor qualidade
da decisão judicial e impedir uma decisão injusta, afirma Aury Lopes Junior e Alexandre
Morais da Rosa em artigo publicado pelo Conjur29.
“Não se trata nem de presumir a boa-fé, nem a má-fé, mas sim de objetivamente
definir um procedimento que garanta e acredite a prova independente da
problemática em torno do elemento subjetivo do agente. A discussão acerca da
subjetividade deve dar lugar a critérios objetivos, empiricamente comprováveis,
que independam da prova de má-fé ou ‘bondade e lisura’ do agente estatal.
Do contrário, ficaremos sempre na circularidade ingênua de quem, acreditando na
‘bondade dos bons’ (Agostinho Ramalho Marques Neto), presume a legitimidade
de todo e qualquer ato de poder, exigindo que se demonstre (cabalmente, é claro)
uma conduta criminosa e os ‘motivos’ pelos quais uma ‘autoridade’ manipularia
uma prova... Eis a postura a ser superada.”
A evidência no processo precisa ser a mesma que foi coletada na cena dos fatos,
sem nenhuma interferência. A cadeia de custódia tem a função de garantir isso. Essa
função é de todos os atores do processo, desde quem atue somente na fase investigativa
como quem atue na fase processual.
Diante disso, veja a importância que essa novidade legislativa traz tanto para
criminalística quanto para o próprio processo, evitando manipulações ou mesmo a
desconfiança que possa ter sido manipulada a evidência.
A coleta de vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, bem
como o seu necessário encaminhamento à central de custódia, mesmo quando necessário
algum exame complementar.
29 https://www.conjur.com.br/2015-jan-16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-
penal. Acessado em 8.1.2020
60
5.7. ARTIGO 282 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
61
Hodiernamente nosso sistema é multicautelar, a regra é a liberdade. Não sendo
possível, por ser a liberdade do agente prejudicial à efetividade do processo, o magistrado
poderá lançar mão das medidas cautelares: as diversas da prisão ou a prisão preventiva.
Não menciono a prisão temporária, pois, em que pese ser uma medida cautelar, está
prevista em lei extravagante, e falo no presente momento somente das medidas previstas
no código processual.
Diante disso, a lei anticrime, no artigo 282, retirou a possibilidade de agir de ofício
do magistrado, acertadamente, conforme §2º e §4º, trazendo a possibilidade de agir
de ofício quando for o caso de revogar medida cautelar (§5º). Neste ponto, merece um
destaque que ao liberar a revogação ou substituição de ofício das medidas cautelares
quando não mais subsistir o motivo que a ensejou, visto que acaba sendo mais benéfico
ao agente, acabou permitindo o magistrado agir de ofício quando for para voltar a decretar,
se sobrevierem razões que a justifiquem.
Entendo que esta não foi a vontade do legislador, pois não faz sentido retirar todas
as possibilidades de decretar de ofício e permitir a decretação quando sobrevierem motivo,
ou seja, surgirem fatos novos. Acredito que houve uma falha do legislador que deverá ser
corrigida pelos tribunais.
Nestes casos, o juiz das garantias ou juiz da instrução deverá justificar e fundamentar
por qual motivo o caso é urgente ou de perigo que justifique a medida.
62
No nosso ordenamento, a prisão preventiva ocorre como ultima ratio, ou seja, o
direito penal deve ser mínimo. A intervenção estatal na liberdade do cidadão, dentro de
um Estado democrático de Direito, somente se justifica diante de situações graves, que
representem risco ou dano a direito fundamental30.
Com a redação conferida ao artigo 282 do Código de Processo Penal pela Lei
12.403/11, que prioriza o princípio da proporcionalidade entre a medida cautelar e o
resultado do final do processo, passou-se a exigir para a decretação da prisão preventiva
não apenas a presença dos pressupostos e dos requisitos trazidos pelo artigo 312 do
Código de Processo Penal, mas, também, a sua necessidade e adequação diante do caso
concreto, sendo a prisão preventiva a última cautelar a ser aplicada, na perspectiva de sua
excepcionalidade, cabível apenas quando não incidirem outras medidas cautelares.
A lei anticrime trouxe de forma clara que para se decretar a prisão preventiva,
deverá ser demonstrado o não cabimento da substituição por outra medida cautelar, de
forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.
Não basta mais dizer que são insuficientes, deverá dizer o motivo de serem
insuficientes, individualizando para cada medida o motivo de não atingir o objetivo das
cautelares.
63
5.9. ARTIGO 287 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O artigo trata de prisão quando não for possível a exibição de mandado, ou seja, ou
é prisão temporária ou preventiva. Antes da lei anticrime, o agente poderia realizar a prisão,
e, após, apresentar imediatamente ao juiz que expediu o mandado. Essa apresentação,
com a lei nova, passa a ser a audiência de custódia, quando será verificada a necessidade
em se manter a prisão, substituí-la por outra medida ou conceder a liberdade irrestrita.
31 AVENA, Norberto. (03/2019). Processo Penal, 11ª edição [VitalSource Bookshelf version].
64
5.10. ARTIGO 310 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Muitos torciam o nariz para a audiência de custódia, pois não estava regulamentada
por lei e sim por resolução do CNJ, nº213, alterada pela resolução nº 268.
Não era crível a irresignação à audiência de custódia com base nesse argumento,
pois a mesma encontra respaldo em tratados referendados pelo Brasil, mormente a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que
traz no artigo 7º, item 5 que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida,
sem demora, à presença de um juiz”. Ademais, a Constituição Federal estabelece que os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo
mesmo quorum das emendas, serão equivalentes a esta.
65
Com o advento da lei anticrime, não há mais motivo para discutir a constitucionalidade
da audiência de custódia, que é preservada, respeitada a oralidade e contraditório, devendo
verificar a legalidade da segregação e sua continuidade.
A vedação à liberdade provisória fará com que o juiz das garantias mantenha a
pessoa presa sem indicar a devida fundamentação do artigo 312 do CPP, somente em
razão da vedação. O parágrafo segundo retira do juiz competente a oportunidade de, no
caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar. Para que
o decreto de custódia cautelar seja idôneo, é necessário que o ato judicial constritivo da
liberdade especifique, de modo fundamentado (CF, art. 93, IX), elementos concretos que
justifiquem a medida32.
E por fim, há a garantia que o prazo para realização será de 24 horas. Prazo
este por diversas vezes mitigado e chancelado pelos tribunais superiores que não viam
32 Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no HC 104.339/SP do STF.
66
constrangimento ilegal, entendendo ser mera irregularidade a não realização dentro do
prazo estabelecido.
67
5.12. ARTIGO 312 E 313 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
33 STF; HC 156.600, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ Acórdão: Min. Ricardo Lewandowski,
Segunda Turma, j. 25/09/2018, DJe 19-09- 2019 e STJ; HC 431.200; Proc. 2017/0334802-4; SP; Quinta
Turma; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; Julg. 11/12/2018; DJE 19/12/2018.
34 10343042 - HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA
DECISÃO INDEFERITÓRIA DE LIMINAR NO STJ. ÓBICE DA SÚMULA Nº 691/STF. PORTE ILEGAL
DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. 1. À Vista da Súmula nº 691 do STF, de regra, não cabe ao Supremo Tribunal Federal conhecer
de habeas corpus impetrado contra decisão do relator pela qual, em habeas corpus requerido a tribunal
68
Para fundamentar, deverá o magistrado trazer elementos concretos presente
nos autos que façam demonstrar que a liberdade do agente trará prejuízo à efetividade
processual, sendo este risco atual.
De qualquer modo, qualquer que seja o fundamento utilizado, visto que se trata de
situações alternativas, é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum
libertatis35. Isto quer dizer que não bastam presunções, ilações, meras conjecturas, é
preciso apontar nos autos elementos concretos que consubstanciem o fundamento
alocado na decisão que decreta a prisão preventiva e eles serem contemporâneos.
O renomado processualista penal Aury Lopes Júnior, ainda afirma em sua doutrina
(Ob. Cit.): “O perigo gerado pelo estado de liberdade do paciente deve ser real, com
suporte fático probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida”.
No artigo 313 houve a inclusão do parágrafo segundo, que também veio consolidar
jurisprudência dominante dos tribunais36. A prisão provisória não possui caráter de
antecipação de pena. Tampouco o fato de ter investigação gerará obrigatoriamente uma
prisão preventiva. Como disse acima, necessário a devida fundamentação lastreada em
elementos concretos.
superior, não se obteve a liminar, sob pena de indevida supressão de instância, ressalvadas situações em
que a decisão impugnada é teratológica, manifestamente ilegal ou abusiva. Precedentes. A hipótese dos
autos, todavia, autoriza a superação dessa regra procedimental. 2. Segundo o art. 312 do Código de
Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime
(materialidade) e indício suficiente de autoria, mais a demonstração de um elemento variável: (a)
garantia da ordem pública; ou (b) garantia da ordem econômica; ou (c) por conveniência da instrução
criminal; ou (d) para assegurar a aplicação da Lei penal. Para qualquer dessas hipóteses, é imperiosa
a demonstração concreta e objetiva de que tais pressupostos incidem na espécie, assim como deve
ser insuficiente o cabimento de outras medidas cautelares, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de
Processo Penal 3. No caso, o magistrado de primeiro grau lastreou sua decisão tão somente na repetição
textual dos requisitos previstos na Lei (art. 312 do CPP). Nada foi dito acerca das particularidades do
caso concreto. Chancelar essa decisão, portanto, equivaleria a dizer que, em qualquer caso, a decretação
da prisão cautelar seria medida necessária, o que, a toda evidência, não se coaduna com a disciplina
constitucional. Precedentes. 4. Ordem concedida. (Supremo Tribunal Federal STF; HC 129783; Segunda
Turma; Rel. Min. Teori Zavascki; Julg. 15/12/2015; DJE 11/02/2016; Pág. 43)
35 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal – 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016, p.
653.
36 STF; HC 115.613, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 25/06/2013, DJe 13-08-
2014
69
Da mesma forma, o fato da denúncia ser oferecida ou recebida não tem o condão
de fazer nascer uma prisão preventiva. Não é fundamento idôneo.
No que se refere ao parágrafo segundo, há uma cópia do artigo 489, §1º do CPC.
Para fundamentar uma decisão, não basta reproduzir o texto jurídico, necessita
demonstrar por qual motivo aquele texto jurídico incidiu sobre aquele caso concreto. É
preciso que faça concretização do conceito jurídico indeterminado em relação àquela
situação.
37 Abelha, Marcelo. Manuel de direito processual civil. 6ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro,
Forense, 2016. Pág. 658.
70
Não é permitido que se utilize de decisão de outros casos, a decisão é personalíssima.
Deve ser feito a subsunção de forma correta. Ademais, os argumentos levantados pela
parte devem ser enfrentados quando eles tornarem a decisão duvidosa. O magistrado
deverá dizer o motivo de rejeitar os argumentos levantados pelas partes e que vão de
encontro com a decisão.
No parágrafo único temos a revisão periódica da prisão preventiva. Por ser a medida
mais gravosa que o Estado poderá lançar mão em relação à liberdade do agente, a revisão
é extremamente necessária para verificação das validades dos motivos que ensejaram a
prisão preventiva, se permanecem os motivos, se não é o caso de substituição por outra
medida cautelar, enfim, medida necessária para a quantidade de presos provisórios que
possuímos hoje no país.
71
Norberto Avena, diz assim em sua doutrina38:
72
Até o final do ano de 2019 havia a discussão sobre a execução provisória da pena
em âmbito geral, ou seja, a todos os crimes. Por maioria extremamente apertada, o STF
vetou a execução provisória da pena.
Todavia, em voto de minerva, o Ministro Dias Toffoli deixou claro seu pensamento
em relação à execução provisória da pena dos crimes de competência do tribunal do júri,
entendendo que não haveria obstáculo ao início do cumprimento da pena.
Hoje o tema está em pauta no STF, com julgamento marcado para fevereiro de 2020
(até o fechamento desse livro ainda não havia iniciado o julgamento), no RE 1.235.340.
39 STJ; HC 521.628/PA, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado
em 08/10/2019, DJe 14/10/2019
73
O fato de o Tribunal Revisor não estar legitimado a efetuar um amplo juízo
rescisório no julgamento de apelação contra decisão do Júri, em nada influencia tampouco
implica na execução imediata da sentença condenatória, pois permanece incólume a sua
competência para efetuar o efeito devolutivo e determinar, se for o caso, até mesmo um
novo julgamento.
A lei anticrime acrescenta mais uma hipótese legal de nulidade. Como em outras
vezes, essa inovação é a afirmação da jurisprudência pacífica dos tribunais.
74
5.17. ARTIGO 581 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
A lei anticrime trouxe no artigo 581 mais uma hipótese de cabimento de recurso
em sentido estrito.
Não o fazendo, o juiz deverá motivar qual a razão de não homologar. Havendo a
recusa injustificada, as partes poderão interpor o RESE, recurso em sentido estrito.
O presente artigo vem incluir o recurso especial, que havia ficado de fora na
redação antiga.
Todavia, a redação é de 1941. Em 1990 foi promulgada a lei 8038, que institui
normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de
Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Alguns artigos dessa lei foram revogados pelo CPC de 2015, entretanto, o
entendimento na Corte Suprema é que, em relação ao processo penal, prevalece a lei
75
8038 em detrimento do CPC. Diante disso, o prazo para agravo em Recurso Extraordinário
é de cinco dias e não quinze dias como no CPC.
Dito isso, verifico que a ordem colocada pelo legislador no artigo 638 é a lei especial
(entendo ser a 8038/90), lei processual civil e respectivo regimento interno.
Muitas leis penais foram modificadas pela lei anticrime, em especial a lei de
execução penal, lei de drogas e estatuto do desarmamento, entre outras.
Farei uma breve análise das alterações realizadas na lei de execução penal, lei
de drogas e estatuto do desarmamento, observando a objetividade e clareza nos efeitos
originados pelas modificações.
Tratar da lei de execução penal é uma tarefa árdua, pois além de envolver as
normas inerentes à matéria, hão de ser consideradas as mazelas do sistema penitenciário.
É preciso contextualizar as normas à superpopulação carcerária, a falta de recursos
humanos, as situações degradantes das unidades prisionais, além da falta de recursos
financeiros para melhorias.
76
6.1.1. ARTIGO 9º-A E 50 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
77
“Considerando que o fornecimento desse material é obrigatório para os
condenados pelos crimes antes referidos, nos termos do art. 9º-A da L. 7.210,
parte expressiva da doutrina vem sustentando a inconstitucionalidade do
dispositivo, sob o argumento de que implica violação ao direito que sobressai
do art. 5º, LXIII, da Constituição Federal no sentido de que ninguém pode ser
obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
Particularmente, discordamos dessa posição. Consideramos, enfim, que a
proibição de que o indivíduo seja obrigado a produzir prova contra si alcança
unicamente situações nas quais se pretenda constrangê-lo a uma postura
ativa, por exemplo, o fornecimento de DNA no curso de uma investigação em
andamento para comprovar a autoria de um crime pelo suspeito. Isso não pode
ser feito. Contudo, na situação prevista no art. 9º-A da L. 7.210/1984, o que se
estabelece é a obrigação legal de que indivíduos já condenados pela prática de
determinados crimes (graves, pela própria natureza) forneçam material biológico
a fim de compor banco de dados, a fim de subsidiar futuras investigações em
relação a delitos diversos dos que motivaram a extração. A situação, como
se vê, não envolve um comportamento ativo no sentido do fornecimento de
provas para uma investigação ou processo em andamento, mas simplesmente
o abastecimento de banco de dados que permanecerá inerte (passivo),
podendo ser acessado pelas autoridades policiais para fins de investigações
de crimes apenas por ordem judicial. Tal raciocínio, enfim, guarda simetria com
o entendimento adotado pela Suprema Corte norte-americana ao apreciar o
célebre caso Schmerber v. Califórnia (1966). Nessa oportunidade, foi realizada
a distinção entre os procedimentos que exigem a participação ativa do acusado
e aqueles em que o acusado é apenas de uma fonte passiva de elementos de
prova, entendendo-se que, neste último caso, não haveria ofensa ao nemo
tenetur se detegere. “
78
As alterações sancionadas pelo Presidente da República se encontram no §§1º-A,
3º, 4º e 8º.
Por fim, temos a mudança mais significativa, que, a meu ver, com duvidosa
constitucionalidade.
79
ainda que mínima e indolor. Desautorizada a coleta, o procedimento padrão para
a coleta do material não deve ser executado.
Logo, não há supor ofensa à aludida prerrogativa nos casos em que o investigado
atenda à determinação legal e, voluntariamente, submeta-se a exame para
coleta de material genético, assim como não há afronta ao aludido princípio nos
casos em que o agente abra mão do direito ao silêncio e confessa a prática de
determinado crime.
Relevante observar, contudo, que, no presente caso, é possível a obtenção de
material genético independentemente da anuência do agente.
Normatizou-se como técnica padrão para a obtenção do perfil genético o
esfregaço bucal com suabe. Cuida-se de técnica pouco invasiva e indolor. A
despeito de ser possível obter o material genético mediante intervenção corporal
desautorizada, certo é que o legislador assim não dispôs.
O Instituto Nacional de Criminalística, ao tratar do tema, esclareceu que
procedimentos alternativos para coleta do perfil genético terão lugar quando o
agente não concordar em fornecer o material biológico. Nesse sentido, listou três
distintas possibilidades, todas sempre acompanhadas por perito, a fim de evitar
a contaminação do material e documentar a cadeia de custódia:
a) a utilização de material biológico coletado em eventuais exames de saúde
feitos no indivíduo custodiado;
b) a coleta de objetos pessoais – escovas de cabelo, copos ou talheres usados,
roupas íntimas, entre outros, coletados em ambiente isolado e/ou controlado;
c) a busca e apreensão mediante prévia autorização judicial de objetos pessoais
– esta última hipótese de aplicação mais restrita.
Certo é que, em caso de recusa, a coleta não é feita pelo método ordinário,
não se compelindo o agente a fornecer o material. Nestes casos, documenta-
se o fato em termo próprio e se o submete à autoridade judicial competente,
que deliberará pela obtenção do material mediante um dos procedimentos
alternativos existentes. Da obtenção deste material não há supor ofensa à não
autoincriminação, nem, tampouco, à dignidade do indivíduo.
Assim, ainda que se estenda a prerrogativa do silêncio para além do que
expressamente enuncia o texto constitucional, certo é que tal direito não pode
ser invocado em procedimentos em que o agente não produza ativamente prova
contra si.”
Importa ressaltar que foi objeto de questionamento por parte do relator do recurso
ao Instituto de Criminalística, qual era o procedimento em caso de recusa por parte do
apenado, que antes não havia e com a nova lei anticrime há. Não obstante não haver
no momento do questionamento, com a nova lei será aberto procedimento disciplinar,
80
em razão de configurar falta grave, contrariando princípios constitucionais explícitos e
implícitos.
Por fim, registra-se que a lei 12.037/2012, que incluiu a identificação do perfil
genético, foi alterada pela lei anticrime também no seu artigo Art. 7º-A, trazendo as
hipóteses de exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá que ocorrerá
nos casos de absolvição do acusado ou no caso de condenação do acusado, mediante
requerimento, após vinte anos do cumprimento da pena.
81
6.1.2. ARTIGO 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
82
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime
disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado
sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano,
existindo indícios de que o preso:
- continua apresentando alto risco para a ordem e a
segurança do estabelecimento penal de origem ou
da sociedade;
- mantém os vínculos com organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada,
considerados também o perfil criminal e a função
desempenhada por ele no grupo criminoso, a
operação duradoura do grupo, a superveniência
de novos processos criminais e os resultados do
tratamento penitenciário.
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o
regime disciplinar diferenciado deverá contar com
alta segurança interna e externa, principalmente
no que diz respeito à necessidade de se evitar
contato do preso com membros de sua organização
criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
ou de grupos rivais.
§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste
artigo será gravada em sistema de áudio ou de
áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada
po agente penitenciário.
§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime
disciplinar diferenciado, o preso que não receber a
visita de que trata o inciso III do caput deste artigo
poderá, após prévio agendamento, ter contato
telefônico, que será gravado, com uma pessoa
da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez)
minutos.
Será aplicado tanto aos presos nacionais quanto aos estrangeiros, sendo uma
inovação da lei anticrime ao caput do artigo 52 da LEP, não obstante essa previsão já
existir no parágrafo primeiro.
Trata-se de uma sanção penal, de acordo com o caput, e uma medida cautelar, em
razão da previsão do parágrafo primeiro, mormente com a nova redação trazida pela lei.
O RDD se destina àqueles que praticam fato definido como crime doloso, desde que
essa conduta ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, aos presos provisórios
ou condenados definitivos, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a
ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade e aos presos provisórios
ou condenados definitivos sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou
participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia
privada, ou de grupos rivais, já com a nova redação da lei anticrime.
83
para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso
de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas, direito do preso à
saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro)
presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso, entrevistas
sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para
impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial
em contrário; fiscalização do conteúdo da correspondência; participação em audiências
judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor
no mesmo ambiente do preso.
Das modificações trazidas pela lei anticrime, ressalto o banho de sol, que antes
era individual e passa ser para grupo de quatro pessoas, sendo que caso não seja do
mesmo grupo criminoso, poderá ser junto o banho de sol, o que melhora a dignidade, vez
que antes o banho de sol era individual.
Outro ponto importante foi proibir o monitoramento das conversas com defensor,
observando assim o Estatuto da Advocacia.
O RDD terá duração de dois anos, diferente dos 365 dias da redação anterior.
Anteriormente havia um limite de até 1/6 da pena, o que não tem mais essa previsão,
visto que o limite é de dois anos, podendo ter novo prazo em caso de nova falta grave da
mesma espécie.
84
Não vejo como constitucional a prorrogação sucessiva sem um limite, mesmo que
o fator que autoriza a prorrogação permaneça, visto a natureza de sanção disciplinar e,
com isso, ter uma sanção com caráter perpétuo.
85
6.1.3. ARTIGO 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
Essa é das modificações que mais chamou atenção na lei de execução penal. Antes
da lei anticrime, havia a progressão de regime com três frações. Havia a progressão com o
cumprimento de 1/6 da pena em casos de crimes diversos dos hediondos e equiparados,
sendo irrelevante se era primário ou reincidente. Nos crimes hediondos ou equiparados a
hediondos, a progressão de regime operava quando houvesse o cumprimento de 2/5 da
86
pena, caso fosse primário, ou 3/5 em caso de reincidência, conforme previa o artigo 2º, §2º
da lei de crimes hediondos, revogado pela lei anticrime, em consonância com o presente
artigo analisado.
Havia ainda, e permanece, visto não ter sido alterado ou revogado, a progressão
de regime a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com
deficiência. Nestes casos, a progressão de regime ocorre quando há o cumprimento 1/8
da pena, além de preencher os demais requisitos do parágrafo terceiro.
Como se pode observar, a primeira alteração foi retirar a forma de fração passando
para porcentagem. Isso implicará uma novatio legis in mellius na primeira hipótese de
progressão, prevista no artigo 112, inciso I, da LEP.
Com o novo texto, há uma diferenciação de ser primário, crime com violência ou
grave ameaça, se for crime hediondo (antes a previsão era na lei de crimes hediondos),
se resultar morte, se exercer comando em organização criminosa estruturada, se resultar
morte, entre outras.
42 Admite-se a aplicação retroativa da alteração do art. 127 da Lei de Execuções Penais, pela
Lei 12.433/2011, para limitar a revogação dos dias remidos à fração de 1/3, mantendo a previsão de reinício
da contagem do prazo para a obtenção de benefícios. [HC 136.376, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j.
18-4-2017, DJE 89 de 2-5-2017.]
87
Todavia, a fração de 1/6 é equivalente a 16,6%, o que faz com que, à exceção
dos incisos I, V e VII e todas as demais hipóteses sejam prejudiciais. Com isso, as novas
frações somente serão aplicadas aos fatos praticados após a vigência da lei anticrime,
ressalvada a hipóteses do inciso I, que é benéfica.
Para ficar claro, os crimes praticados antes da vigência da lei anticrime, não
sofrerão a incidência das porcentagens trazidas nos incisos II, III, IV, VI e VIII. O inciso
I, que traz a porcentagem de 16%, por ser mais benéfica do que a fração de 1/6, que
equivale a 16,6%, deverá retroagir. Os incisos V e VII não trouxeram inovações, tornando
a situação do apenado, que se enquadrar na hipótese, igual a lei anterior, vez que 2/5
equivale a 40% e 3/5 equivale a 60%.
88
Portanto, deve ficar atento a aplicação da lei no tempo, verificando quais hipóteses
deve ou não retroagir, analisando o caso concreto para ver a incidência.
Norberto Avena, em sua obra já citada, definisse assim o objetivo das saídas
temporárias:
“Em linhas gerais, têm por objetivo possibilitar o retorno gradual do preso ao
mundo exterior, facilitando sua reintegração na sociedade. (AVENA, 11/2013)”
Ainda nessa toada, o artigo 123, não modificado pela lei anticrime, traz que para a
concessão do benefício da saída temporária, deverá preencher os requisitos previstos no
artigo, dentre eles, o da compatibilidade do benefício objetivo da pena.
89
Verifica-se que é inadmissível a vedação da saída temporária em alegações
relativas à gravidade abstrata do delito. Todavia, ao incluir no parágrafo segundo no artigo
122 da LEP, a vedação à saída temporária se consubstanciará em uma gravidade abstrata
do delito, sem análise de caso concreto, sem exame de elementos que demonstrem que o
apenado não merece sair gradualmente com objetivo de ressocialização, indo de encontro
aos objetivos da pena, confrontando os princípios da execução da pena.
Ademais, cumpre salientar que por se tratar de norma prejudicial, não poderá
retroagir, aplicando-se somente a fatos praticados dentro da vigência da lei anticrime.
Visto o agente policial está disfarçado, pode se entender que o mesmo preparou o
flagrante, tornando aquela conduta atípica. Vejo que a alteração não impede o crime ser
impossível, caso o agente tenha provocado a conduta, ou seja, que a pessoa pratica a
conduta considerada tráfico exclusivamente em razão da conduta do agente provocador.
90
O professor Rogério Sanches, em artigo publicado43, traz essa distinção:
Veja que o agente disfarçado é uma forma de investigação trazida pela lei
anticrime (incluído também em outras modificações da lei), que é fruto da modernização
das investigações, todavia, se esbarrava na súmula 145 do STF.
Vejo que para essa nova modalidade não configurar flagrante preparado, deverá
ser feita uma investigação prévia, levantamento investigativo que a pessoa investigada já
pratica o crime e que a conduta praticada com o policial disfarçado não foi exclusiva, ou
seja, o policial não tenha provocado.
43 https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-
prevista-na-lei-13-9642019/. Acessado em 13.1.2020.
91
6.3. DAS MODIFICAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO
92
Aqui ocorreram alterações significativas nos preceitos secundários, ocorrendo
exasperação das balizas da pena em diversos artigos, mormente em casos de reincidência,
com a majorante incluída pela lei anticrime.
Quando a conduta for praticada com uso de arma de uso proibido, deverá ser
enquadrado no parágrafo segundo do artigo 16, com a pena passando de 3 a 6 anos para
4 a 8 anos.
No parágrafo segundo do artigo 17, trazido pela lei anticrime, há a mesma situação
do agente disfarçado trazido na lei de drogas. Assim, recomenda-se a leitura do capítulo
6.2.
Por fim, a modificação que considero de extrema relevância, e por sinal, acredito
até mesmo em uma inconstitucionalidade pela proibição excessiva, é o artigo 20, inciso II.
93