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David Metzker

Lei Anticrime
(Lei 13.964/2019)

Comentários às modificações no CP, CPP, LEP,


Lei de Drogas e Estatuto do Desarmamento

1ª edição
2020

Cia do eBook

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Copyright © 2020 por David Metzker
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Metzker, David.
Lei Anticrime (Lei 13.964/2019): Comentários às modificações no CP, CPP, LEP, Lei de Drogas e Estatuto do Desarma-
mento / David Metzker.
– Timburi, SP: Editora Cia do eBook, 2020.
93 p.
1. Direito. 2. Direito Penal. 3. Direito Processual Penal. 4. Lei de Execuções Penais.

1. Título.

CDD 340
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EDITORA CIA DO EBOOK


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Sumário

1. INTRODUÇÃO 5

2. NOMENCLATURA DA LEI 5

3. DO DIREITO INTERTEMPORAL E NATUREZA JURÍDICA DAS MODIFICAÇÕES 6

4. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO PENAL 9

4.1. ARTIGO 25 DO CÓDIGO PENAL 10


4.2. ARTIGO 51 DO CÓDIGO PENAL 10
4.3. ARTIGO 75 DO CÓDIGO PENAL 12
4.4. ARTIGO 83 DO CÓDIGO PENAL 15
4.5. ARTIGO 91-A DO CÓDIGO PENAL 16
4.6. ARTIGO 116 DO CÓDIGO PENAL 18
4.7. ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL 20
4.8. ARTIGO 157 DO CÓDIGO PENAL 22
4.9. ARTIGO 171 DO CÓDIGO PENAL 25
4.10. ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL 28

5. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 31

5.1. ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 32


5.2. ARTIGO 14-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 46
5.3. ARTIGO 28 E 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 48
5.4. ARTIGO 122 E 124-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 54
5.5. ARTIGO 157 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 56
5.6. ARTIGO 158 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 58
5.7. ARTIGO 282 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 61
5.8. ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 63
5.9. ARTIGO 287 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 64
5.10. ARTIGO 310 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 65
5.11. ARTIGO 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 67
5.12. ARTIGO 312 E 313 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 68
5.13. ARTIGO 315 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 70
5.14. ARTIGO 316 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 71
5.15. ARTIGO 492 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 72
5.16. ARTIGO 564 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 74
5.17. ARTIGO 581 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 75
5.18. ARTIGO 638 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 75

6. DAS MODIFICAÇÕES NAS LEIS ESPECIAIS 76

6.1. DAS MODIFICAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL 76


6.1.1. ARTIGO 9º-A E 50 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL 77
6.1.2. ARTIGO 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL 82
6.1.3. ARTIGO 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL 86
6.1.4. ARTIGO 122 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL 89
6.2. DA MODIFICAÇÃO NA LEI DE DROGAS 90
6.3. DAS MODIFICAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO 92

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1. INTRODUÇÃO

A lei 13.964, publicada no dia 24 de dezembro de 2019, conhecida como lei


anticrime, alterou substancialmente o código penal, código de processo penal e diversas
leis extravagantes, como a lei de execução penal, lei de crimes hediondos e tantas outras.
Em razão dessas modificações e com objetivo de ajudar os acadêmicos e novos advogados
da área criminal, tive a pretensão de fazer esse e-book trazendo algumas considerações
sobre as principais modificações realizadas pela lei anticrime, assim denominada a lei
13.964/2019.

A vacatio legis da nova lei foi de 30 dias, um prazo curto para tamanha alteração.
Há ainda numa nebulosidade sobre as principais modificações trazidas na lei, mormente
o juiz de garantias, que está previsto no artigo 3º-A do CPP. Independentemente das
possíveis interpretações que virão dos tribunais superiores e da doutrina especializada,
o presente e-book vem trazer algumas considerações que julgo importantes para esse
início de vigência da lei anticrime e que serão tratadas de forma pormenorizada seguindo
a estrutura trazida na própria lei, que ordenou com o direito material primeiramente,
posteriormente o direito processual e, após, a lei de execução penal, lei de drogas e
estatuto do desarmamento. Demais leis alteradas serão objetos do próximo e-book.

A lei anticrime foi objeto de bastante discussão nas casas legislativas, sendo
alterada diversas vezes. Todavia, em que pese alguns artigos serem, ao meu ver,
inconstitucionais, tivemos alterações significativas para reforçar o sistema acusatório bem
como as garantias constitucionais.

As alterações serão comentadas uma a uma, trazendo considerações sobre as


modificações, visto que não é objetivo do autor tecer comentários sobre todos os artigos,
de forma exaustiva.

2. NOMENCLATURA DA LEI

Primeiramente, é importante fazer uma consideração sobre a nomenclatura da lei.


Desde a época do projeto de alteração das leis penais proposto pelo Ministro da Justiça
Sérgio Moro, o projeto foi denominado de “Pacote Anticrime”.

Não concordo com a nomenclatura dada a pacote de alterações, visto que não se
tratam de normas contrárias ao crime e sim normas que visam a garantia ao cidadão e
proteção de bens jurídicos. Portanto, equivocado está em dizer que as normas penais têm
o objetivo de ser contra o crime, ao contrário, têm a função de proteger bens jurídicos e,
por óbvio, garantir aos cidadãos uma segurança das condutas que serão penalizadas e
quais as penas às respectivas condutas.

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Entretanto, em razão da nomenclatura ter “pegado”, a sociedade já conhecer as
modificações por essa denominação, e, com objetivo de facilitar a referência, utilizaremos a
nomenclatura “lei anticrime” para se referir a lei 13.964/2019, em que pese as considerações
acima.

Feita a análise do todo, pode-se considerar que a maioria das modificações foram
boas para o Estado Democrático de Direito, para um sistema mais justo, sem violação da
imparcialidade.

No mais, resta aguardar as interpretações que serão dadas pelos tribunais


superiores e pelo Supremo, esperando que as interpretações não sejam benevolentes aos
anseios daqueles que desejam um sistema inquisitivo, arcaico, que preza pela segregação
ao invés da liberdade.

3. DO DIREITO INTERTEMPORAL E NATUREZA JURÍDICA DAS


MODIFICAÇÕES

Após cumprir todo o processo legislativo, uma nova lei entra em vigor no nosso
ordenamento jurídico, podendo causar conflitos, pois uma nova lei traz conteúdo diverso
da lei anterior.

Uma lei somente será revogada com o surgimento de nova lei, que poderá
simplesmente revogar a anterior, sem trazer novo conteúdo (ex. lei que extingue um
crime) ou trazendo novo conteúdo, que poderá ser mais benéfico (nova legis in mellius),
maléfico (novatio legis in pejus) ou até mesmo criando um novo tipo penal (novatio legis
incriminadora).

Uma lei pode ser revogada de forma parcial (derrogação) ou total (ab-rogação),
mas sempre através de uma nova lei, que poderá trazer expressamente a revogação ou
de forma tácita, caso se torne incompatível com a anterior.

Dentro do nosso ordenamento jurídico, temos as normas penais e as normas


processuais penais. Quando surge uma lei nova no decorrer de um processo penal,
necessário se faz analisar a natureza jurídica, em razão do direito intertemporal.

Quando uma nova lei entra em vigor podem surgir conflitos, em razão do seu
conteúdo diferente da lei anterior, sobre o mesmo assunto. Esses conflitos deverão ser
solucionados pelo direito intertemporal, com suas regras e exceções.

Quando se está diante de uma nova lei cujo conteúdo é de direito material, aplica-
se o princípio da irretroatividade da lei penal, previsto no artigo 5º, inciso XL da CF. A regra

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geral é a não retroatividade da lei penal. A lei vigente à época dos fatos será a lei aplicada.
A exceção é a extra-atividade.

A extra atividade é a possibilidade da lei penal continuar regulando os fatos mesmo


após a sua revogação ou retroagir e ser aplicada a fatos anteriores a sua vigência. Isso
será definido em razão do conteúdo da nova lei, que caso seja benéfico ao réu, deixará
de seguir a regra geral e ocorrerá a retroatividade. No entanto, caso o conteúdo da nova
lei seja maléfico, ocorrerá a ultra-atividade e a lei revogada continuará regulando os fatos
da época de sua vigência.

A aplicação de lei penal poderá fugir à regra quando se tratar de lei penal benéfica.
A lei penal, a revogada ou nova, se for mais benéfica, essa será aplicada. Esse fenômeno
se chama retroatividade da lei penal.

Quando se trata de norma de natureza processual, não há dúvida, pois conforme


prescreve o artigo 2º do CPP, aplica-se imediatamente, independente se é benéfica ou
não. Os atos já realizados permanecerão inalterados e os novos atos deverão obedecer à
nova lei, conforme nos ensina o princípio da imediatidade.

A lei anticrime, como pode ser observada, modifica lei penal e lei processual,
como, por exemplo, a alteração do artigo 92-A, que por se tratar de direito material e ser
maléfica, deverá ser aplicado somente aos fatos novos, e o artigo 3º-A do CPP, que trata
de direito processual e, portanto, não tem o condão de retroagir e se aplicar a atos já
realizados, mas tão somente a atos posteriores, de forma imediata, independentemente
de ser benéfico ou não.

Todavia, na nova lei aqui em pauta, temos os artigos com conteúdo híbridos, ou
normas heterotópicas, que são aquelas normas que possuem natureza penal e processual
ou que, apesar de estarem em determinado diploma, possuem natureza distinta do diploma
a qual está inserida.

O nobre professor Norberto Avena1 nos diz que:

“Assim, há dispositivos que, a despeito de incorporados a leis processuais penais,


inserem um conteúdo material, razão pela qual devem retroagir para beneficiar
o réu. Em outras situações, estas regras encontram-se incorporadas a leis
materiais, mas, em sua natureza, possuem conteúdo processual, devendo reger-
se pelo critério tempus regit actum. Infere-se, então, que não é a circunstância do
diploma em que se encontra inserida a norma legal que define o critério de sua
aplicação no tempo e sim a sua essência.”

Quando estamos diante de uma norma híbrida, como ocorrerá a intertemporalidade?

O STF e o STJ já se pronunciaram quando a esta questão.

1 AVENA, Norberto. (03/2019). Processo Penal, 11ª edição [VitalSource Bookshelf version].

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Contra o juízo negativo de admissibilidade da Presidência do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios (fls. 163-5), maneja agravo o Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios (fls. 169-74) com vista a assegurar o trânsito
do recurso extraordinário que interpôs. Oposto na origem o óbice da violação,
acaso ocorrente, meramente indireta de dispositivo constitucional. Anailson
Rocha de Araújo foi condenado às penas de 05 (cinco) e 04 (quatro) meses
de reclusão, em regime semiaberto, e de 13 (treze) dias-multa pela prática do
crime de roubo qualificado (art. 157, § 2º, II, do Código Penal). Houve, também,
condenação ao pagamento de indenização mínima no valor de R$ 33,33 (trinta e
três reais e trinta e três centavos) à vítima, forte no art. 387, inciso IV, do Código
de Processo Penal. O Tribunal de Justiça deu parcial provimento à apelação
defensiva somente para afastar a indenização por danos. Inconformado, o
Ministério Público interpôs recurso extraordinário. Nas razões do RE, sustentou
violação do art. 5º, LV, da Constituição Federal, porquanto a indenização mínima
é efeito civil da sentença condenatória, decorrente de prévia disposição legal,
sem implicar ofensa ao contraditório e à ampla defesa (fls. 145-50). É o relatório.
Decido. No julgamento da apelação defensiva, o Tribunal de Justiça rechaçou a
condenação à reparação de danos, indicando ofensa aos princípios da inércia
da jurisdição e ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Do voto condutor
do acórdão, extraio os seguintes excertos: “Uma ressalva deve ser feita quanto
à indenização por danos. A Lei 11.719/08 alterou o artigo 387 do CPP e incluiu,
no inciso IV, o dever de o Magistrado, na sentença condenatória, fixar valor
mínimo para a indenização dos danos causados pela infração. A novel legislação
passou a permitir que a vítima execute a parcela mínima reparatória. No entanto,
mesmo com a reforma, é mister que a reparação ex delito obedeça às demais
disposições legais e constitucionais, mormente porque, no Juízo Criminal, “a
verdade processual é obtida a partir de critérios mais rigorosos” (…). Assim,
além da necessidade de o crime ser posterior à vigência da lei, por tratar-se
de norma heterotópica, deve haver pedido formal, seja do Ministério Público
ou da assistência da acusação. A providência é essencial para viabilização da
ampla defesa e do contraditório. (…). Não houve pedido do Parquet, de modo
que a fixação da parcela indenizatória mínima fere o princípio da inércia da
jurisdição. Configura também surpresa processual que impede o exercício do
contraditório e da ampla defesa. Ausentes pedido e prévia discussão do valor, o
Magistrado deve abster-se de aplicar o artigo 387, inciso IV, do CPP”. Como se
observa, a justificativa para a reforma da decisão, no que tange à condenação
por indenização, foi a aplicação indevida do previsto no art. 387, inciso IV, do
Código de Processo Penal. Compreensão diversa, exigiria exame da legislação
infraconstitucional, o que é inviável em recurso extraordinário, pois eventual
inconstitucionalidade seria reflexa, com óbice na jurisprudência uníssona desta
Suprema Corte (v.g.: Inviável em recurso extraordinário o exame de ofensa
reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional - RE
660.186 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 14.02.2012; Os princípios
da legalidade, o do devido processo legal, o da ampla defesa e do contraditório,
bem como a verificação dos limites da coisa julgada e da motivação das decisões
judiciais, quando a verificação da violação dos mesmos depende de reexame
prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à
Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária - RE
642.408-AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.02.2012). Ante o exposto,
nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF). Publique-se. Brasília, 06 de
dezembro de 2013. Ministra Rosa Weber Relatora
(ARE 677265, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 06/12/2013, publicado
em DJe-243 DIVULG 10/12/2013 PUBLIC 11/12/2013)
Informativo Nº: 0509 - Período: 5 de dezembro de 2012 – 6.ª Turma.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. NATUREZA DA AÇÃO PENAL.
NORMA PROCESSUAL PENAL MATERIAL.
A norma que altera a natureza da ação penal não retroage, salvo para
beneficiar o réu. A norma que dispõe sobre a classificação da ação penal
influencia decisivamente o jus puniendi, pois interfere nas causas de extinção
da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa, portanto

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tem efeito material. Assim, a lei que possui normas de natureza híbrida (penal e
processual) não tem pronta aplicabilidade nos moldes do art. 2º do CPP, vigorando
a irretroatividade da lei, salvo para beneficiar o réu, conforme dispõem os arts.
5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP. Precedente citado: HC 37.544-RJ,
DJ 5/11/2007. HC 182.714-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado
em 19/11/2012.

Verifica-se, portanto, que quando se trata de norma heterotópica, apesar de estar


alocada em diploma processual, possui natureza material, assim, não seguirá a regra do
artigo 2º do CPP, e sim a regra do artigo 5º, inciso XL da CF.

Importante que se faça essa análise de cada alteração trazida na lei anticrime, pois,
como veremos, há normas mais benéficas e outras não. Somente a título de exemplo, a
alteração quanto à progressão de regime, que aparentemente se mostra maléfica, temos
uma situação que é benéfica, pois a regra da progressão de 1/6 da pena, anterior à lei
anticrime, equivale a 16,6%, o que faz com que seja pior que os 16% da norma revogada.

Assim, por se tratar de norma mais benéfica, quanto a essa parte, deve retroagir
para aplicar a fatos anteriores a sua vigência.

4. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO PENAL

No presente capítulo, trataremos das modificações realizadas pela lei anticrime


no código penal. Deve ser observado que, após a entrada em vigor, as normas benéficas
deverão retroagir a fatos anteriores, por se tratar de modificações em norma de direito
material.

Em resumo, o legislador aqui teve o intuito de evitar a procrastinação dos processos,


como pode ser observado na alteração do artigo que trata da prescrição, bem como do
endurecimento das penas na parte especial. Tivemos ainda alteração quando a execução
da pena de multa, que até estava em discussão no STF, na ADI 3150 e será tratado no
momento oportuno.

Farei aqui uma comparação com a norma anterior, quando for o caso, e serão
trazidas as considerações que julgar necessárias.

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4.1. ARTIGO 25 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 25. Entende-se em legítima defesa Art. 25. Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos quem, usando moderadamente dos meios
meios necessários, repele injusta necessários, repele injusta agressão, atual ou
agressão, atual ou iminente, a direito iminente, a direito seu ou de outrem.
seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos
previstos no caput deste artigo, considera-
se também em legítima defesa o agente de
segurança pública que repele agressão ou
risco de agressão a vítima mantida refém
durante a prática de crimes.

A primeira alteração trazida pela lei diz respeito à legítima defesa. Não se trata
de uma alteração substancial, visto que a nova lei somente confirmou o fato do agente
lesionar bem jurídico de outrem em defesa de terceiro para repelir uma agressão ou risco
de agressão a vítima mantida refém.

Este caso é legítima defesa e não estrito cumprimento do dever legal, visto que
atualmente no Brasil não há lei que permita matar, salvo em caso de guerra declarada,
que permitirá a pena de morte e, com isso, o carrasco terá autorização legal para matar.

O artigo não trata especificamente de casos com morte, vez que se usa o tiro de
contenção, ou tiro de comprometimento ou tiro seletivo, que, em qualquer caso, não tem
o objetivo levar a pessoa a morte, mas que poderá ocorrer.

De qualquer modo, aplica-se a legítima defesa, que já era entendimento da melhor


doutrina e da jurisprudência, e, por isso, entendo que não foi uma novidade trazida pela
novatio legis, mas sim uma afirmação daquilo que já era pacifico tanto na doutrina quanto
nas decisões dos tribunais pátrios.

4.2. ARTIGO 51 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 51. Transitada em julgado a sentença Art. 51. Transitada em julgado a sentença
condenatória, a multa será considerada dívida condenatória, a multa será executada perante o juiz
de valor, aplicando-se-lhes as normas da da execução penal e será considerada dívida de
legislação relativa à dívida ativa da Fazenda valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa
Pública, inclusive no que concerne às causas da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
interruptivas e suspensivas da prescrição. causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Súmula 521, STJ: A legitimidade para a
execução fiscal de multa pendente de pagamento
imposta em sentença condenatória é exclusiva
da Procuradoria da Fazenda Pública.

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Essa alteração há um fato interessante. A redação anterior a lei anticrime considerou
a multa como dívida de valor, além de estabelecer que a cobrança seguirá as normas da
legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública.

Em razão do texto legal, pairaram dúvidas acerca da competência para executar a


pena de multa, se seria o juízo da execução penal ou juízo da execução fiscal.

O STJ já havia se manifestado em relação à competência do juízo da execução


fiscal, consolidando esse entendimento através da súmula 521.

Inobstante a súmula do STJ, ainda permaneciam dúvidas sobre a competência.


Diante dessa celeuma, foi proposta a ADI 3150.

A ADI 3150 julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta,


em dezembro de 2018, para, conferindo interpretação conforme a Constituição ao art. 51
do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação
relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas
e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público
para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal, nos termos do voto do Ministro
Roberto Barroso, redator para o acórdão.

Foram opostos embargos de declaração e, no momento em que foi publicada a lei,


não havia trânsito em julgado e nem ocorrerá até entrada em vigor da lei anticrime, visto o
recesso dos tribunais superiores.

A ADI 3150 permite a execução da pena de multa na Vara de Execução Penal,


sendo legitimado o Ministério Público. Caso o Ministério Público se mantenha inerte por
90 dias, caberá a Procuradoria da Fazenda Pública executar no Juízo da Fazenda, neste
caso, em conformidade com a súmula 521 do STJ, divergindo quanto a exclusividade.

A despeito dessa decisão, a alteração no artigo 51 veio, a princípio, dissipar a


dúvida, deixando claro que a multa será executada perante o juízo da execução penal,
sendo somente esse trecho alterado pela lei.

O entendimento que prevalece é que a natureza jurídica da multa continua sendo


de sanção penal. O fato de ser dívida de valor e seguir as normas da legislação relativa à
dívida ativa, apenas confirma sua natureza pecuniária2.

Fica a dúvida se, com essa alteração, a legitimidade será exclusiva do Ministério
Público ou se a competência subsidiária da Fazenda Pública permanece. Ao meu sentir,
não obstante a nova lei não tratar sobre competência subsidiária, entendo que, em razão
da decisão do STF na ADI 3150, permanece a competência subsidiária em caso de inércia
do Ministério Público por mais de 90 dias.
2 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 20. Ed. Niterói, RJ. Impetus.
2018. Pág. 681.

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Acredito que o STF manterá esse entendimento, visto que o artigo 51, conforme
nova redação, não trouxe a legitimidade exclusiva do Ministério Público.

4.3. ARTIGO 75 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas Art. 75. O tempo de cumprimento das penas
privativas de liberdade não pode ser superior a 30 privativas de liberdade não pode ser superior a 40
(trinta) anos. (quarenta) anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas § 1º Quando o agente for condenado a penas
privativas de liberdade cuja soma seja superior a privativas de liberdade cuja soma seja superior a
30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para
atender ao limite máximo deste artigo. atender ao limite máximo deste artigo.

Creio que muitos já devem saber sobre o tema, independente se é da área jurídica
ou não. Uma das maiores lendas jurídicas é sobre o limite de 30 anos. Há quem diga que
não se sabe o motivo das condenações serem tão altas se no Brasil somente fica preso
por no máximo 30 anos. Outros dizem que não serve para nada a pessoa ser condenada
a pena superior a 30 anos, se a própria lei diz que somente ficará preso até o limite
estabelecido por ela. Enfim, há muitas afirmações sem uma análise mais detalhada sob o
prisma jurídico.

A Constituição Federal veda as penas de caráter perpétuo, mormente em razão


da função ressocializadora da pena. Não faz sentido existir pena com caráter perpétuo,
tendo uma determinada pessoa condenada a pena elevadíssima e não conseguir retornar
aos seios da sociedade, havendo um paradoxo caso pudesse ser aplicada pena perpétua.
Ademais, a vedação ao caráter perpétuo está em harmonia com o princípio da dignidade
da pessoa humana.

O artigo 75 traz o máximo de tempo que a pessoa poderá cumprir quanto a pena
privativa de liberdade, ou seja, se trata do tempo que permanecerá na unidade prisional,
seja em regime fechado, semiaberto ou aberto.

Quando a pena trazida na sentença em razão da condenação for superior a 30


anos, como por exemplo, em concurso de crimes ou crime continuado (a aplicação das
regras não foi possível pelo juízo sentenciante), ocorrerá a unificação da pena (transformar
várias penas em uma só) para atender o limite estabelecido em lei. Com isso, o apenado
cumprirá até o limite de 30 anos. Ocorre também quando a pessoa é condenada em
diversos processos e recebe uma pena superior a 30 anos em razão da somatória.

Assim, para efeito de benefícios, como por exemplo, a progressão de regime,


considera o quantum total da pena. Contudo, para o cumprimento, deve ser observado o
limite previsto no artigo 75 do CP.

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O limite existe em razão da garantia constitucional3 de vedar a prisão perpétua.
Seria ilógico não permitir a prisão perpétua e deixar a pessoa cumprir 90, 100 anos, sendo
que a expectativa de vida do brasileiro é de 73 anos para homens e 80 anos para mulheres4.

A lei anticrime altera o artigo 75, aumentando de 30 anos para 40 anos o limite
máximo para cumprimento de pena privativa de liberdade. Essa alteração visa atender a
política criminal, que entende que a sociedade clama por enrijecimento no cumprimento
de pena, consequentemente um maior cumprimento de pena privativa de liberdade.

Importante ressaltar que o parágrafo segundo permanece, e, ao meu ver, ele já


permitia que a pessoa cumprisse mais de 30 anos, antes mesmo da alteração.

O artigo 75, §2º diz o seguinte: “Sobrevindo condenação por fato posterior ao
início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim,
o período de pena já cumprido”.

Quando uma pessoa já está cumprindo a pena e, após o início da execução penal,
sobrevier uma condenação, o tempo já cumprido é desprezado e nova unificação será
realizada com intuito de obedecer ao limite estabelecido no caput do artigo 75.

Como exemplo, imaginemos que uma pessoa é condenada por homicídio qualificado
a uma pena de 30 anos. Após o início do cumprimento da pena, dentro da unidade prisional,
o apenado pratica outro homicídio e venha ser condenado a 30 anos, com o processo tendo
sua tramitação pelo período de 10 anos após o início do cumprimento da pena anterior.
Os 10 anos já cumpridos serão desprezados e será feita nova unificação, para atender o
parágrafo primeiro, dos 20 anos restantes da primeira condenação e os 30 anos da nova
condenação. Com isso, o apenado cumprirá 30 anos da nova unificação, sendo que ele já
cumpriu 10 anos que foram desprezados na segunda unificação. Assim, ele ficará preso
privativamente por 40 anos. Agora imaginem que ele pratique novo homicídio. No fim das
contas, poderá ele ter uma prisão com caráter perpétuo, violando à Constituição.

Há quem critique a unificação, pois o cumprimento da pena do segundo crime será


praticamente inócuo, visto que pouco ele cumprirá.

A presente modificação também afetará a medida de segurança. Certo que medida


de segurança é uma espécie de sanção penal aplicada aplicadas aos inimputáveis, salvo
os menores de 18 anos, e semi-imputáveis, sendo necessário que ambos possuam
periculosidade. Possui caráter preventivo, tem por finalidade a cura ou tratamento de
quem praticou fato típico e ilícito, porém inimputável.

3 CF, art. 5.º, XLVII, “b”


4 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/02/expectativa-de-vida-por-que-as-
mulheres-vivem-mais-do-que-os-homens.shtml. Acessado em 6.1.2020.

13
O artigo 97, §1º, primeira parte do CP diz que “a internação ou tratamento
ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada,
mediante perícia médica, a cessação da periculosidade”.

Surge a dúvida se o fato de prever prazo indeterminando viola a vedação do caráter


perpétuo previsto na Carta Magna. O prazo indeterminado é trazido pelo legislador, pois o
tratamento ou internação (espécies de medidas de segurança) persistirá enquanto houver
necessidade.

Parte da doutrina entende que a expressão “prazo indeterminado” atinge a


Constituição. Esse foi o entendimento dos tribunais superiores, que divergiram quanto ao
limite.

O STF5 se manifestou no sentido de não permitir que as medidas de segurança


tenham caráter perpétuo, limitando sua duração ao prazo máximo de 30 anos.

Quanto ao tema, o STJ6 se manifestou informando que o limite para a duração


da medida de segurança deve ser o máximo da pena abstratamente cominada ao delito
praticado, de forma a não conferir tratamento mais severo e desigual ao inimputável, em
razão aos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade. Este entendimento
foi sumulado no verbete 5277. Todavia, não poderá ultrapassar o limite estabelecido no
artigo 75 do CP8.

Com isso, haverá reflexo da modificação na medida de segurança, que a partir da


vigência da lei anticrime deverá obedecer ao limite de 40 anos.

A modificação ainda trará reflexo na lei de Migração. Na lei 13.445/2017, o artigo


96, inciso III, prevê que não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado
requerente assuma o compromisso de comutar a pena corporal, perpétua ou de morte
em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta)
anos, seguindo a redação do artigo 75 do CP antes da modificação. Diante da novel
redação deste artigo, entendo que alterará a lei de Migração.

Sem delongar muito no tema, não via necessidade na alteração, todavia, o aumento
de 10 anos não entendo como inconstitucional, de acordo com algumas vozes tem dito
sobre o novo limite.

5 STF, HC 84.219, relator ministro marco Aurélio, primeira turma, julgado em 16.8.2005, DJ
23.9.2005.
6 STJ; HC 412.089; Proc. 2017/0200624-0; BA; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; Julg.
20/09/2018; DJE 26/09/2018; Pág. 2073
7 Súmula 527 do STJ: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar
o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. (Súmula 527, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015)
8 STJ; HC 208.336; Proc. 2011/0125054-5; SP; Quinta Turma; Relª Min. Laurita Vaz; Julg.
20/03/2012; DJE 29/03/2012

14
4.4. ARTIGO 83 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional Art. 83.
ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou III - comprovado:
superior a 2 (dois) anos, desde que: bom comportamento durante a execução da
III - comprovado comportamento satisfatório durante pena;
a execução da pena, bom desempenho no trabalho não cometimento de falta grave nos últimos 12
que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria (doze) meses;
subsistência mediante trabalho honesto; bom desempenho no trabalho que lhe foi
atribuído; e
aptidão para prover a própria subsistência
mediante trabalho honesto .

Entendo que alteração trazida no artigo 83 não seja tão substancial, vez que na
prática já ocorria dessa forma.

Antes da alteração, o STJ, em julgamento na terceira seção no ERESP n.


1.176.486/SP, sedimentou a orientação de que a prática de falta grave resulta em novo
marco interruptivo para concessão de novos benefícios, exceto indulto, comutação e
livramento condicional.

Todavia, para concessão, era necessário ter um bom comportamento, expressão


trazida na nova redação do artigo 83, inciso III, alínea “a”, alterando a expressão
“comportamento satisfatório”.

Conforme o artigo 78, 79, 80 e 81 do Decreto 6.049/2007, bom comportamento


carcerário, expressão equiparada ao comportamento satisfatório, é aquele decorrente de
prontuário sem anotações de falta disciplinar, desde o ingresso do preso no estabelecimento
penal federal até o momento da requisição do atestado de conduta.

Equipara-se ao bom comportamento carcerário o do preso cujo prontuário registra


a prática de faltas, com reabilitação posterior de conduta.

No caso da falta grave, o prazo para reabilitação é de 12 meses a partir do término


do cumprimento da sanção disciplinar. Portanto, antes mesmo da alteração trazida pela
nova lei, o cometimento de falta grave não interrompia o prazo para concessão do benefício,
todavia o impedia em razão de não possuir bom comportamento.

Passados 12 meses sem cometimento de nova falta grave, poderia ser concedido
o benefício. Ou seja, para cumprir o comportamento satisfatório, que equivale ao bom
comportamento, não poderia ter praticado falta grave, ou caso tenha sido praticado, que
não tenha praticado novamente no período de 12 meses.

Ou seja, caso tenha praticado fato grave no período de 12 meses, não seria
beneficiado pelo livramento condicional, visto não ter alcançado a reabilitação.

15
Vejo, com isso, fazendo uma leitura do inciso III, alínea “a” com o Decreto
6.049/2007, surte o mesmo efeito da alínea “b”.

Em razão do termo “bom comportamento” trazido na alínea “a”, caso a falta grave
seja praticada com violência ou grave ameaça, para se reabilitar, será necessário 24
meses, conforme inciso VI do artigo 81 do Decreto 6.049/2007.

4.5. ARTIGO 91-A DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena
d i s p o s i t i v o máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como
correspondente. produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor
do patrimônio do condenado e aquele que seja compativel com o seu rendimento
lícito.
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio
do condenado todos os bens:
- de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o beneficio
direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
- transferidos a terceiros a titulo gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a
partir do início da atividade criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a
procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo
Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da
diferença apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada
e especificar os bens cuja perda for decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações
criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou
do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não
ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem
ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

Essa modificação é uma das que mais me preocupa. Há uma clara


inconstitucionalidade nesse artigo ao alterar o ônus probatório do Ministério Público para o
réu, violando o princípio do devido processo legal e da presunção de inocência, previstos
no artigo 5º, incisos LIV e LVII da CF.

Um dos efeitos da condenação é o perdimento do produto do crime ou de qualquer


bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
Por questões lógicas, o produto do crime deverá ser considerado perdido em favor da
União, com as devidas exceções legais.

Os bens adquiridos através de produto do crime também serão considerados


perdidos. Assim, o avião comprado e usado para o tráfico de drogas ou o imóvel comprado
com dinheiro do tráfico de drogas serão considerados perdidos em razão da condenação.

16
Quanto a isso, não há discussão. Ocorre que o novo artigo trazido pela lei anticrime
não trata dos produtos do crime ou bens que constitua proveito auferido pelo agente com a
prática do fato criminoso, e sim de bens que presumem ter sido adquiridos com produtos
do crime.

Primeiramente importante registrar que o artigo 91-A somente se aplica a crimes


cuja pena máxima prevista em lei seja superior a 6 anos. Frisa-se que não se trata de
pena em concreto, aquela aplicada na sentença, mas de pena em abstrato, o preceito
secundário do tipo penal.

Com a nova redação, havendo uma sentença condenatória a uma infração com
pena máxima superior a 6 anos, obrigatoriamente haverá uma prestação de contas do
réu, caso o seu patrimônio seja muito superior a sua renda. Uma modificação de duvidosa
constitucionalidade.

Havendo a verificação que a renda da pessoa é incompatível com o seu patrimônio,


a diferença auferida será perdida em favor da União ou do Estado, a depender da
competência de quem julgar, caso seja assim requerido pelo Ministério Público em sede de
denúncia. Independe se o patrimônio esteja sob a titularidade do réu ou de terceiros, mas
que seja de uso do réu. Também poderá ocorrer o perdimento do bem que seja passado a
terceiro apenas para dissimular a titularidade, com preço simbólico de transferência.

O ponto nevrálgico é a alteração do ônus probatório. No caso do artigo 91-A, há


uma clara afronta a presunção de inocência, pois não cabe ao Ministério Público provar
que é produto de crime ou bem ou valor auferido pelo agente em razão do fato criminoso,
que tem previsão no artigo 91, mas cabe ao réu, de acordo com parágrafo segundo do
artigo 91-A, provar que ele tinha condições de ter um patrimônio acima de sua renda.

Ocorrerá perda de bens e valor, que presumidamente, foram adquiridos em razão


da prática delituosa. Estamos falando de efeitos condenatórios em razão de presunção e
não de certeza. De bens e valor que não foram utilizados na prática do crime ou adquiridos
com dinheiro ilícito.

A Constituição é clara ao afirmar ninguém será privado da liberdade ou de seus


bens sem o devido processo legal, e o que vemos no artigo 91-A é exatamente a privação
de bens sem o devido processo legal, sem a ampla defesa e o contraditório, passando o
ônus de comprovar para a defesa.

Espero que os Tribunais Superiores possam corrigir essa inconstitucionalidade,


evitando assim perda de bens e valores sem a garantia da ampla defesa e do contraditório.

17
4.6. ARTIGO 116 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 116. Antes de passar em julgado a Art. 116. (...)
sentença final, a prescrição não corre:
- enquanto não resolvida, em outro I – (...)
processo, questão de que dependa - enquanto o agente cumpre pena no exterior;
o reconhecimento da existência do - na pendência de embargos de declaração ou de recursos
crime; aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e
- enquanto o agente cumpre pena no - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não
estrangeiro. persecução penal.
Parágrafo único - Depois de passada
em julgado a sentença condenatória, a
prescrição não corre durante o tempo
em que o condenado está preso por
outro motivo.

A alteração acima surge no momento de discussão da impunidade em razão da


morosidade processual.

Dia 7 de novembro de 2019 o STF, por maioria apertada, decidiu pela não
possibilidade de se executar a pena provisoriamente antes do trânsito em julgado. Essa
decisão trouxe uma acirrada discussão sobre a impunidade, pois a demora nos julgamentos
poderia levar a prescrição dos crimes sem que houvesse o cumprimento da pena.

O Poder Legislativo, observando essa discussão e, com objetivo de atender aos


anseios de uma parcela da sociedade, que, equivocadamente, acredita que a prisão
é a função do direito penal, que a prescrição durante a fase recursal é a culpada pela
impunidade, alterou o artigo 116, que traz as hipóteses em que o prazo prescricional não
corre, inserindo o inciso III e IV.

Antes de entrar no tema, importante trazer à baila que o artigo 116 do CP traz as
causas suspensivas da prescrição, ou seja, havendo uma das hipóteses do artigo, o prazo
prescricional fica suspenso. Não subsistindo o motivo que ensejou a suspensão, o prazo
volta a correr pelo tempo restante.

A alteração trazida no inciso II nada mais é que uma modificação da redação,


trocando “no estrangeiro” para “no exterior”. Continuará não correndo o prazo prescricional
enquanto o agente não for extraditado e cumprir pena no exterior. O legislador manteve
essa situação, vez que o cumprimento da pena no exterior possa ser maior que o prazo
prescricional, podendo ensejar a perda do direito de punir do Estado.

No inciso III, temos uma novidade que é a impossibilidade do prazo prescricional


correr durante o processamento e julgamento dos Embargos de Declaração, não
importando em que instância isso ocorra. Portanto, sempre que houver a interposição de
Embargos declaratórios, o prazo prescricional não correrá.

18
A lei não faz distinção em relação à parte que interpuser o recurso, entendendo que
havendo interposição, estará suspenso. Creio que os tribunais acertarão essa lacuna, pois
a interposição de recurso por parte do Ministério Público não pode beneficiar o Estado,
que demandará mais tempo para exercer o seu direito de punir. Em razão dos motivos que
ensejaram essa modificação, vislumbro aplicação somente nos casos em que o recurso
foi interposto pela defesa.

Da mesma forma ocorrerá quando houver recursos aos tribunais superiores,


casos eles sejam inadmissíveis. Quando houver a interposição de recurso especial ou
extraordinário (em que pese o STF não ser um tribunal superior e sim Supremo Tribunal,
mas classificado como tribunal superior), se forem julgados inadmissíveis, o tempo do
processamento será desconsiderado para efeitos da prescrição. Na prática, ocorrerá da
seguinte forma: Ao protocolar o REsp ou RE no tribunal estadual ou regional federal, irá
para o desembargador competente para realizar o juízo de admissibilidade e, caso seja
inadmitido, o tempo transcorrido não será considerado para prescrição.

A parte, por certo, entrará com o agravo previsto no artigo 1042 do CPC, que
remeterá ao Tribunal Superior para julgar o recurso. O agravo poderá ser julgado
conjuntamente com o Recurso Especial ou Extraordinário. De qualquer forma, mesmo
conhecendo do agravo e não dando provimento, o recurso ao tribunal superior se manterá
inadmissível, não correndo o prazo prescricional.

O prazo prescricional somente correrá quando o recurso ao tribunal superior for


admitido, independente da forma com que será julgado, através de agravo ou não. Sendo
inadmissível, o tempo despendido para processar e julgar o recurso não será considerado
para o prazo prescricional.

De igual forma como foi concluído em relação aos embargos, entendo também
que o prazo somente ficará suspenso quando o recurso for interposto pela defesa, não
suspendendo em casos de interposição por parte acusação ou de assistente de acusação.

No que se refere ao acordo de não persecução penal, enquanto não for cumprido
a prescrição não correrá. Faz sentido, visto que o acordo de não persecução penal tem o
intuito de evitar uma ação penal caso o investigado cumpra as condições e não aguardar
uma prescrição.

19
4.7. ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.968/19)
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar- Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-
se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe
- reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se auxílio material para que o faça:
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
tentativa de suicídio resulta lesão corporal de anos.
natureza grave. § 1º Se da automutilação ou da tentativa de
Parágrafo único - A pena é duplicada: suicídio resulta lesão corporal de natureza grave
Aumento de pena ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art.
- se o crime é praticado por motivo egoístico; 129 deste Código:
- se a vítima é menor ou tem diminuída, por Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
qualquer causa, a capacidade de resistência. § 2º Se o suicídio se consuma ou se da
automutilação resulta morte: Pena - reclusão, de
2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 3º A pena é duplicada:
- se o crime é praticado por motivo egoístico,
torpe ou fútil;
- se a vítima é menor ou tem diminuída, por
qualquer causa, a capacidade de resistência.
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta
é realizada por meio da rede de computadores,
de rede social ou transmitida em tempo real.
§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente
é líder ou coordenador de grupo ou de rede
virtual.
§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo
resulta em lesão corporal de natureza gravíssima
e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos
ou contra quem, por enfermidade ou deficiência
mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência, responde
o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129
deste Código.
§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é
cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou
contra quem não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência, responde
o
agente pelo crime de homicídio, nos termos do
art. 121 deste Código.

Não através da lei anticrime, mas sim através da lei 13.968/2019, foi alterado o
artigo 122 do CP. Apesar de não fazer parte da lei anticrime, entendo ser pertinente trazer
essa modificação, que além de ser importante, foi realizada logo após a publicação da lei
anticrime.

Primeira mudança que visualiza na nova redação é no preceito primeiro. Na


descrição da conduta temos duas alterações importantes. A primeira diz respeito à inclusão
do induzimento, instigação ou prestar auxílio a prática de automutilação.

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Quem se recorda do jogo “baleia azul”, sabe que consistia na relação entre os
jogadores e administradores. Os administradores passavam determinadas tarefas aos
jogadores, que incluía a automutilação e ao final, a última tarefa, era o suicídio.

Alguns denominam a modificação de “criminalização da baleia azul”, vez que o


induzimento, instigação ou auxílio à automutilação não era prevista em lei.

A segunda alteração dentro do preceito primário se trata da retirada da condicionante


para configuração do crime. No texto anterior, para a consumação do crime do artigo 122
era necessária a morte da vítima ou produção de lesão de natureza grave. Com a retirada
dessa condição, não se faz mais necessário com a ocorrência do resultado naturalístico.

Isso implicará em duas situações. Primeiro, que a discussão na doutrina se cabia


ou não a forma tentada caiu por terra. Entendo que hoje admite a forma consumada e
tentada. A segunda situação é o fato que agora é possível aplicação do artigo 122 quando
a vítima sofre lesão de natureza leve. Antes, quando a vítima sofria lesões leves, não
havia crime do artigo 122 do CP.

No preceito secundário temos uma redução da pena do caput, que antes era de
2 anos a 6 anos, se resultasse morte, ou de 1 ano a 3 anos quando resultasse lesão de
natureza grave.

Diante da retirada da condição do caput, somente o fato de induzir, instigar ou


auxiliar, independente do resultado, terá uma pena de 6 meses a 2 anos. Todavia, o
resultado sendo lesão de natureza leve (artigo 129, caput, do CP), também será aplicado
o caput do artigo 122.

Em relação ao resultado da vítima, ficou como qualificadora, previstas no §1º e


§2º. Em caso de lesão como resultado, a pena será de 1 ano a 3 anos, devendo ser
lesão de natureza grave ou gravíssima. O artigo 129, caput do CP, denominada de lesão
corporal de natureza leve fica na conduta do caput do artigo 122, vez que somente os
resultados morte e lesão corporal de natureza grave nos dois parágrafos que a compõe
são qualificados.

Importa aqui registrar que o legislador mencionou a lesão gravíssima sem que
a mesma exista dentro do texto legal. O artigo 129 do CP que trata dos crimes de lesão
corporal possui a forma qualificada nos parágrafos primeiro e segundo, tendo como nomen
iuris lesão corporal de natureza grave. Por possuir duas gradações com penas diferentes, a
doutrina passou a chamar o parágrafo segundo de lesão corporal de natureza gravíssima.

Antes da reforma, a condicionante para consumação do delito era morte ou lesão


de natureza grave, abarcando os dois parágrafos do artigo 129, §2º do CP. Essa era a
forma correta de se referir a natureza das lesões.

21
O parágrafo terceiro aumentou as hipóteses de majorar a pena. Foram incluídos
os motivos torpe e fútil. Neste caso, a pena será duplicada, mantendo a redação anterior.

Os parágrafos quarto e quinto trouxeram novas majorantes. A pena será aumentada


até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou
transmitida em tempo real. Importante mencionar que a vítima deve ser determinada. O
critério de aumento deverá ser a verificação da potencialidade lesiva da conduta praticada.
Quanto maior a lesividade, mais próxima do dobro.

No segundo caso, a pena será aumentada até a metade caso o agente seja o
líder ou o coordenador de grupo ou de rede virtual. Há de se entender a desvaloração da
conduta o fato de exercer liderança.

Nos parágrafos sexto e sétimo temos as hipóteses de crime mais grave. Caso a
vítima menor de 14 (quatorze) anos ou quem, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa,
não pode oferecer resistência, responderá conforme o resultado naturalístico: lesão
corporal de natureza gravíssima (artigo 129, §2º do CP) ou homicídio (artigo 121 do CP)

4.8. ARTIGO 157 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 157. (...) Art. 157. (...)
§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um
terço) até metade:
VII - se a violência ou grave ameaça
é exercida com emprego de arma
branca;
§ 2º-B. Se a violência ou grave
ameaça é exercida com emprego
de arma de fogo de uso restrito ou
proibido, aplica-se em dobro a pena
prevista no caput deste artigo.

No artigo 157 do CP houve alteração a fim de resolver uma lacuna deixada na


reforma realizada pela lei 13.654 de 2018. Nessa lei, foi revogado o inciso I do parágrafo
segundo do artigo 157. Essa revogação tirou a majorante do emprego de arma. Não havia
especificação se era arma de fogo ou branca, apenas trazia que o emprego de arma
majorava a pena. Portanto, a sua aplicação era para os dois tipos de armas.

Com o advento da lei 13.654/2018, dia 23 de abril de 2018 foi revogada essa
majorante, incluindo no §2º-A, inciso I do artigo 157 a majorante “emprego de arma de
fogo”, aumentando o grau de aumento, que de um terço a metade, passou a ser de 2/3
somente.

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Pode ser enxergar uma novatio legis in mellius e uma novatio legis in pejus. Quanto
a arma branca, deixou de ser considerada majorante e passou a ser aplicado o caput do
artigo 157. Quanto a arma de fogo, passou a ser aplicado o §2º-A, que é prejudicial ao réu.
Lembre-se que a lei benéfica retroagirá e a maléfica valerá somente para fatos posteriores
a sua vigência.

Reparem que houve uma lacuna. Até 23 de abril de 2018, o emprego de arma
branca na prática do crime de roubo era uma majorante, aplicando o aumento de um terço
até a metade. Após essa data, o emprego de arma branca no crime de roubo passou a ser
aplicado a pena do caput. Agora, com a lei anticrime, a partir de 23 de janeiro de 2020,
volta a ser majorante.

Assim, aquele que praticou roubo usando arma branca, a lei 13.654/2018 retroagiu
para retirar a causa de aumento de pena e fazer uma nova dosimetria com base na pena
do caput do artigo 157. Quem praticou crime de roubo usando arma de fogo, ainda com
fulcro na lei supramencionada, permaneceu com a pena e os novos fatos de roubo com
uso de arma de fogo, a partir de 23 de abril de 2018, passaram a ter o aumento de 2/3.

O legislador, tentando acertar essa modificação benéfica que ocorreu na lei


13.654/2018, incluiu, através da lei anticrime, o “emprego de arma branca” como majorante
no inciso VII do 2º do artigo 157. O uso de arma branca no cometimento do crime de roubo
fará com que a pena seja majorada de um terço até a metade. Essa alteração, por ser
maléfica, somente será aplicada a fatos posteriores a vigência da lei.

Tivemos ainda o acréscimo do §2º-B no artigo 157. Aqui têm a inclusão da


qualificadora por emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, cuja pena será
o dobro da prevista no caput. Menciono qualificadora, pois a diferença de qualificadora
para majorante é que aquela altera as penas mínima e máxima do tipo penal, além de
trazer novas elementares para o tipo, caracterizado por ser um tipo derivado autônomo
ou independente, e será considerada na primeira fase da dosimetria da pena (1ª fase:
Pena-base; 2ª fase: Agravantes e atenuantes; 3ª fase: Causa de aumento e diminuição
da pena), ao passo que a majorante é uma causa de aumento de pena, aplicando-se uma
fração à sanção estabelecida no tipo penal e, consequentemente, deve ser levada em
consideração na 3ª fase da dosimetria da pena.

Verifica-se que com essa alteração, a majorante prevista no §2º-A, inciso I será
aplicada somente ao uso de arma de uso permitido. Assim, temos três penas para emprego
de arma, a depender do tipo de arma. Temos o emprego de arma branca, arma de uso
permitido e arma de uso restrito ou proibido, cada um com preceito secundário diferente.

Para ser utilizado somente o caput do artigo 157, não poderá fazer uso de qualquer
arma. A partir do momento que usou arma, será verificado o tipo de arma para saber se
aumentará de um terço até a metade, ou se aumentará 2/3 ou se seguirá a pena de

23
8 a 20 anos. Lembrando sempre que empregar a arma significa utiliza-la para roubo,
não necessariamente saca-la, mas o fato de mostrar que estar armado já configura a
majorante ou qualificadora.

Para facilitar o entendimento quanto a aplicação da lei penal no tempo do artigo


157, com suas alterações, segue o quadro:

Lei Penal no tempo do artigo 157


Tipo de Arma Antes da Lei 13.654/18 Com a lei 13.654/18 Com a Lei 13.964/19
Branca Majorante: 1/3 até a metade Pena do caput Majorante: 1/3 até a metade
Uso Permitido Majorante: 1/3 até a metade Majorante: 2/3 Majorante: 2/3
Uso Restrito ou probido Majorante: 1/3 até a metade Majorante: 2/3 Pena de 8 a 20 anos

Nesta última alteração, entendo pela sua inconstitucionalidade, visto a violação


do princípio da proporcionalidade. Em matéria penal, a exigência de proporcionalidade
é necessária para trazer um equilíbrio entre o crime e a pena, para que a pena seja
proporcional à combater risco à lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

Como muito bem ensina os doutrinadores penalistas, a proporcionalidade deve


estar presente tanto no plano abstrato (legislador que comina as penas) quanto no plano
concreto (magistrado que aplica as penas).

Desta forma, o princípio da proporcionalidade funciona como limite não somente


ao magistrado, que aplicará a pena, mas também ao legislador, que deverá observar essa
proporcionalidade entre o crime e a pena.

Como assevera o Prof. Cleber Masson9, o princípio da proporcionalidade apresenta


três dimensões:

a) Adequação da pena: a pena criminal deve ser um meio adequado, entre todos
os outros menos gravosos, para realizar o fim de proteger um bem jurídico.
b) Necessidade da pena: a pena criminal deve ser (meio adequado entre outros)
é, também, meio necessário (outros meios podem ser adequados, mas não
seriam necessários) para realizar o fim de proteger um bem jurídico.
c) Proporcionalidade em sentido estrito: a pena criminal cominada e/ou aplicada
(considerada meio adequado e necessário), deve ser proporcional à natureza e
extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico.

Nota-se em todas estas dimensões, que se almeja evitar uma resposta penal
excessiva frente à infração penal considerada. Por isso que a utilização do princípio da
proporcionalidade envolve a apreciação da necessidade e da adequação da resposta
penal.

Considerando que o artigo 157 protege o bem jurídico patrimônio e que o roubo de
qualquer bem com emprego de arma de uso restrito terá uma pena mínima de 8 anos e

9 Masson, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª
ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

24
máxima de 20 anos, passará a ter uma pena mais gravosa que o homicídio simples, que
possui pena mínima de 6 anos (a pena máxima será igual).

Vejamos uma situação: Brian ameaça Louis com uma arma de numeração raspada
a fim de subtrair seu celular. Por se tratar de arma com numeração raspada e que se
enquadra no artigo 16 da Lei 10.826/2003, que trata das arma de uso restrito ou proibido,
a pena em abstrato será de 8 a 20 anos, uma pena maior que a prática de um homicídio
simples.

Não pode o bem jurídico patrimônio, em caso de violação, ter uma pena mais
excessiva que a violação ao bem jurídico vida. Entendo que o STF e até mesmo o STJ
deverá se posicionar quanto a essa inconstitucionalidade.

4.9. ARTIGO 171 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo Art. 171. (...)
correspondente. § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima
for:
I – a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

A principal alteração aqui é a mudança do tipo de ação penal. As ações penais


podem ser públicas ou privadas. As ações penais públicas podem ainda ser condicionadas
ou incondicionadas. As ações penais privadas podem ser as propriamente ditas ou
subsidiárias da pública.

Guilherme de Souza Nucci10, em sua obra, assim define:

A classificação mais comum das ações penais se faz com base na titularidade
do seu exercício, pois é dessa forma que o Código Penal cuida do assunto. No
art. 100, estabelece a regra (a ação penal é pública), bem como a exceção (a
ação penal é privativa do ofendido quando a lei expressamente indicar). No §
1.º do mesmo artigo, fixa a subdivisão das ações públicas, indicando a regra (a
ação será promovida pelo Ministério Público independentemente de qualquer
autorização da parte ofendida ou de outro órgão estatal), bem como a exceção (a
ação será promovida pelo Ministério Público caso haja autorização do ofendido
ou do Ministro da Justiça).
Em suma, pode-se dizer que as ações são: a) públicas, quando promovidas pelo
Ministério Público, subdivididas em: a.1) incondicionadas, quando propostas
sem necessidade de representação ou requisição; a.2) condicionadas, quando
dependentes da representação do ofendido ou de requisição do Ministro da
Justiça.
Deve-se analisar o tipo penal incriminador existente na Parte Especial do Código
Penal (ou em legislação especial); caso não se encontre nenhuma referência

10 Nucci, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de


Souza Nucci. – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

25
à necessidade de representação ou requisição, bem como à possibilidade de
oferecimento de queixa, trata-se de ação penal pública incondicionada. Por
outro lado, deparando-se com os destaques “somente se procede mediante
representação” (ex.: art. 153, § 1.º, CP) ou “procede-se mediante requisição do
Ministro da Justiça” (ex.: art. 145, parágrafo único, CP), está-se diante de ação
penal pública condicionada. E caso se encontre a especial referência “somente
se procede mediante queixa” (ex.: art. 145, caput, CP), evidencia-se a ação
penal privada.

Pois bem. Diante da alteração trazida no artigo 171, a regra geral quanto a espécie
de ação penal, em relação ao crime de estelionato, passou a ser pública, condicionada
a representação do ofendido. Antes, o Ministério Público não dependia de nenhuma
condição, o que agora passa a depender que a vítima represente em face do suposto
autor dos fatos.

A regra geral, antes da vigência da lei anticrime, era ação penal pública
incondicionada. Havia a exceção prevista no artigo 183, conhecida como imunidade
relativa, que traz a exigência que a vítima represente, para iniciar ação penal ou para
instauração de inquérito policial. Não concordo com a nomenclatura, visto que não traz
nenhuma imunidade, somente uma condição de procedibilidade.

De qualquer modo, em razão do artigo 183 ser aplicado a todos os crimes contra
o patrimônio, permanece vigente, somente não se aplicando quando o crime contra o
patrimônio já exigir representação, como é o caso do crime de estelionato a partir da nova
redação, ou quando se tratar de ação privada, sendo cabível a queixa-crime.

Essa modificação deve ser analisada com mais profundidade, mormente quanto à
aplicação da lei penal no tempo.

Conforme já manifestado no capítulo 3, na lei anticrime temos normas penais,


normais processuais e normas híbridas. No presente caso, estamos diante de uma norma
com conteúdo processual e material. Processual, pois trata de condicionalidade da ação
penal pública, e, material, pois a representação está atrelada ao prazo decadencial, cujo
a vítima poderá renunciar.

Como dito anteriormente, por ser norma penal híbrida, deverá seguir o princípio
da irretroatividade, podendo retroagir caso a nova lei seja mais benéfica ao réu, como no
caso em voga.

Ao alterar a ação penal pública de incondicionada para condicionada, estar-


se-á diante de uma alteração que beneficia o réu/investigado, visto que a vítima poderá
renunciar ou não representar e, com isso, a ação penal não poderá ser iniciada, visto
a ausência de requisito de procedibilidade, caracterizando assim uma despenalização,
ocorrendo, se for o caso, causa de extinção de punibilidade.

26
Professor Badaró, em artigo publicado11 em seu site, diz o seguinte:

Além disso, no processo penal, as chamadas “condições de procedibilidade” se


enquadrariam nas condições da ação, como requisitos da possibilidade jurídica
do pedido. São elas: (1) representação do ofendido na ação penal pública
condicionada (CP, art. 100, § 1º, c.c. CPP, art. 24); (2) requisição do Ministro da
Justiça (CP, art. 100, § 1º, c.c. CPP, art. 24); (3) entrada do agente brasileiro,
em território nacional, nos crimes cometidos no estrangeiro (CP, art. 7º, § 2º);
(4) a sentença civil de anulação do casamento, no crime do art. 236 do CP (art.
236, parágrafo único); (5) exame pericial homologado pelo juiz, nos crimes
contra a propriedade imaterial (CPP, art. 529, caput); (6) a autorização do Poder
Legislativo, para processar o Presidente da República, o Vice-Presidente e os
Governadores, nos crimes comuns ou de responsabilidade. Consequentemente,
o pedido seria juridicamente impossível, se não estivesse presente uma das
condições de procedibilidade.

Todavia, surge a dúvida se a retroatividade será aplicada aos casos em curso,


tanto em fase de investigação quanto em fase processual. A meu ver, aplica-se a todos
os casos não transitado em julgado, devendo ser realizada a notificação da vítima ou
de seu representante legal para informar se deseja representar criminalmente, para que
o processo ou inquérito possa permanecer tramitando, ou até mesmo para continuar o
cumprimento da pena.

O prazo deverá ser de 30 dias, por analogia ao previsto no artigo 9112 da lei
9099/1995.

A partir da vigência, notificada a vítima ou seu representante legal, e, não havendo


representação ou manifestação de interesse em 30 dias, entendo que a ação penal ou o
inquérito policial deverá ser extinto em razão da decadência. Caso não seja extinto, o réu/
investigado poderá utilizar a via do habeas corpus para trancar a ação penal ou inquérito.

Portanto, com a alteração, vejo que a vítima deverá ser notificada a fim de
demonstrar o devido interesse em ver o ofendido processado, caso já não tenha sido
demonstrado no processo ou inquérito.

Todavia, há vozes trazendo interpretação contrária, dizendo que não foi essa a
intenção do legislador e que deverá ser aplicado somente nos casos em que a denúncia
não fora recebida. Por ser questão de procedibilidade, o recebimento da denúncia se torna
ato jurídico perfeito, aplicando somente aos casos em que a instrução não tenha sido
iniciada. Este foi entendimento chegado diante do artigo 90 da lei 9.099/1995.

11 http://www.badaroadvogados.com.br/20-062017-as-condicoes-da-acao-penal.html.
Acessado em 7.1.2020
12 Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação
penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias,
sob pena de decadência.

27
Entendo que não merece prosperar tal entendimento em razão da indevida
modulação, pois encontraríamos situações distintas para casos idênticos. No entanto,
provável que seja esse o entendimento que prevalecerá nos tribunais.

Outro ponto que merece destaque é o fato da jurisprudência entender que para
representar não demanda formalidades, bastando mera demonstração de interesse do
ofendido em fazer o agressor responder a Ação Penal13. Com isso, havendo já nos autos
a demonstração do interesse, o requisito de procedibilidade já fora preenchido.

Por fim, registra-se que a ação penal pública condicionada é a regra, tendo
por exceção quando a vítima for administração pública direta ou indireta, criança ou
adolescente, deficiente mental ou pessoas acima de 70 anos ou incapaz.

Lembrando que muitas vezes não se sabe quem é a vítima no estelionato, o


que, com a alteração, não poderá ser instaurado inquérito policial, pois necessita de
representação. Não há que se falar das exceções, pois para que ocorra essas hipóteses,
necessário que se saiba quem é a vítima, para saber se configura ou não a exceção.

Por fim, importa registrar que em razão da pena mínima ser 1 ano, cabe a suspensão
condicional do processo, prevista no artigo 89 da lei 9099/1995.

4.10. ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL

Código Penal
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 316. (...) Art. 316. (...)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e
multa. multa.

Última alteração no código penal, ocorre uma exasperação da pena máxima em


abstrato do crime de concussão, passando de 8 anos para 12 anos, com intuito de fomentar
que os funcionários públicos não pratiquem tal crime.

No momento hodierno, o legislador entendeu que houve aumento na pratica deste


crime e agiu com intuito de evitar novos fatos.

Todavia, merece destaque o restante do artigo, os seus parágrafos. Diferentemente


dos outros tipos penais, temos nos parágrafos um tipo penal autônomo, que independe do
caput para ser aplicado.

13 RHC-21.596/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 29.10.07)” (HC


93.026/MS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 22/2/2010

28
No parágrafo primeiro temos o excesso de exação. Exação significa a cobrança
rigorosa de impostos14. Nessa cobrança, o funcionário público exige ilegalmente tributo ou
contribuição social em benefício da administração púbica15, diferente do caput, em que o
funcionário pratica o crime exigindo vantagem indevida em razão do cargo, em benefício
próprio ou de outrem.

No parágrafo primeiro temos duas situações.

A primeira se refere a ilegalidade do tributo. Pode ser praticado com dolo direto
(que sabe) ou na modalidade de dolo eventual (deveria saber). Como por exemplo do
primeiro caso, temos uma cobrança de um tributo já pago ou acima do valor devido. No dolo
eventual, caso o funcionário público tenha dúvidas quanto a legalidade e mesmo assim
realiza a cobrança sem a devida verificação, incorrerá no crime do parágrafo primeiro.

Na segunda situação temos uma cobrança de um tribulo legal, porém a forma


de cobrar causou constrangimento ao contribuinte. A forma foi vexatória (humilhante) ou
gravosa (causou despesas a mais), desde que não autorizados por lei.

Percebe-se uma lesividade maior que a do caput. Não está a tratar de somente
exigência de uma vantagem indevida em benefício próprio ou de outrem, em razão da sua
função ou fora dela, mas de uma cobrança de tributos ilegais para os cofres públicos, para
onde o dinheiro do contribuinte irá, ou uma cobrança humilhante, causando mais danos
ao contribuinte. Diante dessa lesividade mais gravosa, o legislador optou colocar a pena
mínima maior que a do caput, de acordo com a reação anterior.

No parágrafo segundo temos a forma qualificada do parágrafo primeiro. Não se


trata de qualificadora do caput, visto se tratar de mudança nas bases da pena a quem
desvia para si ou para outrem a vantagem indevida recebida que iria aos cofres públicos,
portanto, ligada diretamente ao parágrafo primeiro, que trata dessa cobrança ilegal.
Todavia, no parágrafo primeiro, o dinheiro chega a ir aos cofres públicos, o que não ocorre
no parágrafo segundo em razão do desvio praticado pelo funcionário público.

Veja que há duas condutas estranhas: i) o fato de realizar cobrança e receber


indevidamente, e ii) o fato de desviar o dinheiro dos cofres públicos, que nem deveria ter
recebido. Observa que no parágrafo segundo a conduta é mais gravosa que a do primeiro
parágrafo e do caput. O funcionário público, além de receber indevidamente, colocando
o contribuinte como vítima, desvia dos cofres públicos, causando uma segunda vítima.
Em razão dessa qualificadora, a pena será maior que a do caput e do parágrafo primeiro,
aumentando a pena máxima para 12 anos, conforme redação anterior à lei anticrime.

14 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume III. 20. Ed. Niterói, RJ. Impetus.
2018. Pág. 757
15 Masson, Cleber, Código Penal comentado / Cleber Masson. 3. ed. rev., atual. e ampl. - Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. Pág. 1166.

29
Depreende da análise feita que as condutas dos parágrafos são mais gravosas
que a do caput, em razão da pena mais elevada. Contudo, com a alteração, a conduta
do caput passou a ser mais gravosa que a do parágrafo primeiro e de gravidade igual em
relação ao segundo, pois estes não tiveram seus preceitos secundários alterados.

Entendo que, diante das condutas descritas, há uma inconstitucionalidade por


violar o princípio da proporcionalidade, pois o novo preceito secundário do caput é
desproporcional à conduta, tendo como base os crimes previstos nos parágrafos. Deverá
uma nova lei adequar os parágrafos ou ocorrer a repristinação16 da pena do caput anterior
a lei anticrime.

16 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO PERTINENTE AO


MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL: UMA REALIDADE
INSTITUCIONAL QUE NÃO PODE SER DESCONHECIDA - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE
CONSTITUCIONAL DE O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL SER SUBSTITUÍDO, NESSA CONDIÇÃO,
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DO ESTADO-MEMBRO - AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. OS ESTADOS-MEMBROS, NA ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO DOS RESPECTIVOS
TRIBUNAIS DE CONTAS, DEVEM OBSERVAR O MODELO NORMATIVO INSCRITO NO ART. 75 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . - Os Tribunais de Contas estaduais deverão ter quatro Conselheiros
eleitos pela Assembléia Legislativa e três outros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo do Estado-
membro. Dentre os três Conselheiros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo estadual, apenas um
será de livre nomeação do Governador do Estado. Os outros dois deverão ser nomeados pelo Chefe do
Poder Executivo local, necessariamente, dentre ocupantes de cargos de Auditor do Tribunal de Contas
(um) e de membro do Ministério Público junto à Corte de Contas local (um). Súmula 653/STF . - Uma das
nomeações para os Tribunais de Contas estaduais, de competência privativa do Governador do Estado,
acha-se constitucionalmente vinculada a membro do Ministério Público especial, com atuação perante as
próprias Cortes de Contas. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS
NÃO SE CONFUNDE COM OS DEMAIS RAMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DA UNIÃO E DOS
ESTADOS-MEMBROS . - O Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas - que configura uma
indiscutível realidade constitucional - qualifica-se como órgão estatal dotado de identidade e de fisionomia
próprias que o tornam inconfundível e inassimilável à instituição do Ministério Público comum da União
e dos Estados-membros . - Não se reveste de legitimidade constitucional a participação do Ministério
Público comum perante os Tribunais de Contas dos Estados, pois essa participação e atuação acham-se
constitucionalmente reservadas aos membros integrantes do Ministério Público especial, a que se refere a
própria Lei Fundamental da República (art. 130) . - O preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição
reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não
outorgar, ao Ministério Público comum, as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando,
ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um “status”
jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva,
a possibilidade de atuação funcional exclusiva e independente perante as Cortes de Contas. A QUESTÃO
DA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE “IN ABSTRACTO”
. - A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida em sede de fiscalização normativa abstrata,
importa - considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente - em restauração das normas estatais
anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato
inconstitucional, por juridicamente inválido (RTJ 146/461-462), não se reveste de qualquer carga de eficácia
derrogatória. Doutrina. Precedentes (STF). (STF - ADI: 2884 RJ, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data
de Julgamento: 02/12/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 20/05/2005 PP-00005 EMENT VOL-
02192-03 PP-00379 RTJ VOL-00194-02 PP-00504)

30
5. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Passarei agora para as análises das modificações realizadas no Código de


Processo Penal. Essas modificações demonstram uma maior relevância, pois alterou
substancialmente o processo penal, afirmando o sistema acusatório, a imparcialidade
do julgador, prisão cautelar estritamente legal e demais alterações que com certeza
demandará um estudo aprofundado sobre cada modificação.

Todavia, nosso propósito aqui é passar de forma objetiva as principais considerações


acerca da reforma trazida pela lei anticrime.

A importância das modificações aqui comentadas é razão da compreensão de


que o processo penal serve para dar efetividade ao direito penal, fornecendo meios e o
caminho para materializar a aplicação da pena ao caso concreto17.

Passam-se agora as considerações de cada artigo alterado pela lei anticrime.

17 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 48.

31
5.1. ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição
correspondente. da atuação probatória do órgão de acusação.
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda
dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe
especialmente:
- receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
- receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste
Código;
- zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer
tempo;
- ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
- decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o d isposto no § 1º deste artigo;
- prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí -las ou revogá-las, assegurado, no primeiro
caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial
pertinente;
- decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetiveis, assegurados o
contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
- prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade
policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
- determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou
prosseguimento;
- requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
- decidir sobre os requerimentos de:
interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática o u de outras formas de
comunicação;
afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
busca e apreensão domiciliar;
acesso a informações sigilosas;
outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado; XII - julgar o habeas corpus
impetrado antes do oferecimento da denúncia;
- determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
- decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
- assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos
os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às
diligências em andamento;
- deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar produção da perícia;
- decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados
durante a investigação;
- outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
§ 1º (VETADO).
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o
Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a
investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo,
e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 des te Código.
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.
§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento
da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez)
dias.
§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse
juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da
instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetiveis, medidas de obtenção de provas ou de
antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.
§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste
Código ficará impedido de funcionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados,
a fim de atender às disposições deste Capítulo.
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do
Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divul gados pelo respectivo tribunal.
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o
acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão,
sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.
Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deverão disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo
qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado e respeitada a
programação normativa aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução
penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.

Essa talvez seja a principal alteração do Código de Processo Penal. Além de


introduzir o juiz das garantias, veio sacramentar o sistema processual adotado no processo
penal.

32
Conforme nos ensina os professores Rosmar Alencar e Nestor Távora em sua
doutrina (Ob. Cit), conforme os princípios informadores, o processo penal poderá adotar o
sistema inquisitivo, acusatório ou misto.

Em nosso processo penal, se olhar à luz da Constituição, teremos um sistema


processual acusatório, pois os princípios ali elencados nos remetem a um sistema que
separa a função do julgador da de acusar, a liberdade do réu é regra, é garantido o devido
processo legal, a ampla defesa e o contraditório, publicidade dos procedimentos, isonomia
entre as partes, livre sistema de produção de provas.

Contudo, analisando o código de processo penal, veremos algumas normas que


nos remetem ao sistema inquisitivo, como o sigilo dos procedimentos investigatórios,
ausência de contraditório e de ampla defesa no inquérito, procedimento eminentemente
escrito, gestão da prova por parte do julgador, ementatio libelli e mutatio libelli etc.

Por tais razões, há doutrinador que defende que o nosso processo penal adotou
o sistema processual misto, vez que não há um seguimento somente dos princípios
constitucionais. Há também quem defenda que o processo penal brasileiro adotou
o sistema acusatório, em razão dos princípios trazidos na Constituição. Esse que vos
escreve defende que foi adotado o sistema acusatório.

Não se pode olvidar que o atual código processual foi inspirado numa época
inquisitiva e, suas reformas, a maior parte delas, ocorreram já sob os princípios da
Constituição Federal de 1988. Todavia, analisando o código à luz da Constituição, temos
um sistema acusatório no processo penal. Não há que se falar em sistema misto em razão
do inquérito ser inquisitivo, pois este tem a função de embasar a formação da opinio delicti
ao titular da ação penal, em que pese algumas provas serem produzidas no inquérito e
utilizadas no processo penal.

No entanto, a lei anticrime incluiu o artigo 3º-A, que dissipa de uma vez por todas
as dúvidas quanto ao sistema processual adotado em nosso processo penal.

A lei foi clara ao trazer a estrutura acusatória, vedada a iniciativa do juiz na fase de
investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Agora há uma
nítida separação entre o julgador e a acusação, não podendo o julgador fazer as funções
da parte. O papel do julgador será de expectador e não de jogador. Esta função caberá
às partes.

Todavia, em nada adianta alterar a lei se não alterar a cultura inquisitória. Além
do nosso código processual ser inquisitivo, diferentemente da nossa Carta Magna, há
uma cultura inquisitiva, uma sangria punitivista que impedirá o juiz das garantias chegar
ao objetivo traçado em seu nascedouro. Será preciso uma mudança cultural, entretanto,
considero um grande avanço a inclusão da figura do juiz das garantias.

33
Um dos principais objetivos com a mudança foi fazer com que o órgão julgador seja
dotado de imparcialidade, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e atuação
probatória.

Na primeira parte, essa vedação impede o agir de ofício do magistrado durante a


fase de investigação e, ao longo do texto, veremos, em comentários as outras alterações,
que a atuação do magistrado de ofício para aplicar medidas cautelares pessoais na fase
processual também foi vedada.

Ao juiz é vedado atuar de ofício seja para aplicar quaisquer medidas, cautelares,
pessoais ou reais e demais atos a serem aplicados na fase de investigação.

Na segunda parte temos a vedação à atuação probatória. Importante ressaltar que


o papel probatório é exclusivo das partes, tanto da defesa quanto da acusação. Entretanto,
era possível visualizar uma atuação probatória por parte do magistrado em substituição ao
órgão acusador, o que está claramente vedado.

No entanto, ainda é possível ver essa atuação probatória em alguns artigos que a
lei anticrime, infelizmente, esqueceu de alterar.

O Código Processual Penal Brasileiro centralizou no julgador a gestão da prova,


sendo que era possível produção de prova sem requerimento das partes, modificar a
capitulação dada ao fato, entre outras questões.

No artigo 156, inciso I, é possível ver essa produção de prova sendo determinada
de ofício pelo julgador.

O artigo diz que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,
facultado ao juiz de ofício: ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade,
adequação e proporcionalidade da medida”.

Em razão da certeza quanto ao sistema acusatório e vedada a atuação probatória,


bem como o agir de ofício do magistrado, além do inciso VII do artigo 3º-B, entendo que
há uma revogação tácita do inciso I do artigo 156.

Caso não seja este o entendimento dos tribunais superiores, que seja declarado
a sua inconstitucionalidade, não podendo permanecer no nosso ordenamento um inciso
totalmente contrário à estrutura acusatória que agora está bem definido no processo penal.

Outro artigo que importa mencionar é o 212, parágrafo único. O parágrafo único diz
que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”. Quem
faz as perguntas é quem vai produzir as provas. Tal atuação por parte do magistrado vai
de encontro ao artigo 3º-A do CPP, acrescido pela lei anticrime.

34
Com isso, entendo, também, que houve uma revogação tácita do parágrafo único
do artigo 212 do CPP.

Quanto aos artigos 383 e 384, ambos do CPP, vejo que já não era possível sua
existência à luz da Constituição, visto o sistema ser acusatório. Com a afirmação no
artigo 3º-B, entendo que não mais poderá permanecer no nosso ordenamento jurídico
a ementatio libelli e mutatio libelli, visto que o sistema acusatório coloca o julgador como
expectador e não como atuante nas provas e demais atos da acusação.

No artigo 383 do CPP, o juiz poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa. A


capitulação cabe ao Ministério Público. A defesa foi realizada em cima de uma capitulação,
mesmo que ela se defenda dos fatos. Capitulação errônea não pode ser suprida pelo
julgador, em nítida atuação probatória.

No que se refere ao artigo 384 do CPP, o julgador toma iniciativa em provar o


Ministério Público a dar nova classificação jurídica aos fatos expostos, o que também
entendo ser substituição da atuação probatória.

O artigo 3º-B é a inclusão dada pela lei anticrime que traz a figura do juiz das
garantias. Essa inclusão é fundamental para se alcançar um julgador imparcial. É a
materialização do sistema acusatório, uma vitória do Estado Democrático de Direito. Um
grande avanço no sistema processual penal brasileiro, que deve ser mantido no nosso
ordenamento jurídico.

O caput do artigo 3º-B, traz a responsabilidade do juiz das garantias. Esse terá
a função de controlar a legalidade da investigação criminal e salvaguardar os direitos
individuais que demandam autorização do poder judiciário, como medida cautelar, pessoais
ou reais, busca e apreensão, entre demais medidas. Nada mais que a atuação normal de
um juiz na fase de investigação.

Tudo relacionado ao inquérito, flagrante e demais atos da fase de investigação


ficará o juiz das garantias responsável, resguardando assim uma possível contaminação
do julgador do processo, que não terá praticado nenhum ato da fase investigativa.

Teremos, portanto, na persecução penal, dois juízes, um para a fase de investigação


e outro para instruir e prolatar a sentença.

Sempre houve uma divisão da fase investigativa da fase processual, todavia, com
o advento da lei anticrime, há uma clara divisão dessas duas fases, determinando um juiz
para cada fase, com objetivo de trazer mais imparcialidade ao juiz que julgar o processo,
visto que não teve atuação na fase investigativa.

Dentre os incisos, o que me chama mais atenção são os incisos II, IV, VI, VII, VIII,
XII e XIV.

35
O inciso II trouxe uma dúvida quanto à audiência de custódia. Todavia, as audiências
de custódia existiam com base em provimento do CNJ, chanceladas pelo STF. Com a lei
anticrime, a função do juiz criminal que fazia as audiências de custódia passará para o
denominado juiz das garantias. A meu ver, nada obsta de permanecer como estão as
audiências de custódia, visto que juiz das garantias não é a criação de um novo cargo ou
uma nova vara especializada, mas sim a denominação do juiz que atuará somente na fase
investigativa.

Entendo que o juiz que fazia as audiências de custódia nada mais eram que juiz que
tinha a função de controlar a legalidade do flagrante e salvaguardar os direitos individuais.
Assim, na prática, era um juiz das garantias, sem a devida denominação.

Esse modelo tem uma vaga lembrança com modelo norte americano, mormente
com o acordo de não persecução penal, visto que havendo a confissão na fase de
investigação e cumpridos os demais requisitos previstos no artigo 28-A, incluído pela lei
anticrime, impedirá a ação penal, podendo a punibilidade ser extinta antes mesmo de
iniciar o processo penal.

O inciso IV traz a determinação de informar ao juiz das garantias a instauração de


qualquer investigação criminal. Toda investigação que venha iniciar deverá ser informada,
sem qualquer exceção. Iniciou uma investigação, o juiz das garantias deve receber a
informação. Importante inclusão para garantir o controle da legalidade.

O inciso VI tem uma particularidade na sua parte final que me chamou bastante
atenção. É assegurado ao preso provisório, em caso de prorrogação de sua prisão, o
contraditório em audiência pública e oral. Esse inciso está relacionado com a prisão
temporária, que possui prazo de término e pode ser prorrogada, além da sua aplicação
ser exclusiva na fase de investigação. Para que ocorra a prorrogação, deverá ocorrer uma
audiência com o juiz das garantias, assegurando o contraditório e, por questões lógicas, a
ampla defesa, apesar da falha em não ter sido expressamente citada no inciso.

Há de se verificar se a necessidade de revisão da prisão preventiva, prevista no


parágrafo único do artigo 316, incluída pela lei anticrime, será abarcada por este inciso.
Entendo que não, pois não se trata de uma prorrogação, mas sim de manutenção. Porém,
vejo discussões a respeito em um futuro bem próximo.

O inciso VII vai de encontro ao previsto no artigo 156, inciso I do CPP, não obstante
o artigo 156 permitir o agir de ofício na fase processual. A produção de provas antecipadas
deve ser requerida, não trazendo a possibilidade de ser de ofício. Ademais, assim como
na prorrogação da prisão provisória, deverá ser assegurada audiência pública e oral,
com o contraditório e a ampla defesa. Aqui veio expresso o princípio da ampla defesa,
diferentemente do inciso VI.

36
Quanto ao inciso VIII, o ponto relevante é a lacuna que foi preenchida. Antes
não havia a possibilidade de prorrogação de inquérito de investigado preso, o que agora
é permitido, pelo prazo máximo de 15 dias, conforme o complemento do parágrafo 2º
do artigo 3º -B. Caso o inquérito não seja finalizado, deverá ser posto o investigado em
liberdade, seguindo, portanto, o prazo para inquérito de investigado solto.

Acredito que o legislador perdeu uma grande oportunidade de solucionar a


celeuma jurídica quanto ao prazo de finalização de inquérito de investigado preso e a
prisão temporária.

Veja que o inquérito possui prazo de 10 dias, e, agora, prorrogável por mais 15
dias. Temos as exceções em crimes de competência da Justiça Federal – 15 dias para
indiciado preso e 30 dias para indiciado solto, nos crimes da lei de Drogas – 30 dias para
indiciado preso e 90 dias para indiciado solto, podendo ser duplicados em ambos os casos
e crimes contra a economia popular – 10 dias tanto para indiciado preso quanto para
indiciado solto.

Caso haja uma prisão temporária de investigado por crime hediondo (que não há
exceção), teremos uma prisão por 30 dias ou 60 dias, caso haja prorrogação, de acordo
com a lei 7960/1989 e o inquérito com prazo de 10 dias.

Percebe-se que, caso siga a regra do CPP, o prazo da prisão temporária para
crimes hediondos não fará sentido, pois prisão temporária somente tem validade na fase
de investigação.

A maioria dos doutrinadores defende que o prazo do inquérito de crime hediondo


acompanhará o da prisão temporária, caso ocorra esse tipo de prisão.

O inciso XII traz a competência para julgar habeas corpus impetrado antes do
oferecimento da denúncia. Aqui, por razões óbvias, trata-se de habeas corpus impetrado
contra autoridade coatora que não seja o juiz das garantias, como, por exemplo, delegado
de polícia. Em caso de ato ilegal praticado pelo juiz das garantias, o habeas corpus deverá
ser impetrado em instância superior, no caso TJ ou TRF.

No inciso XIV, há um equívoco prático não observado pelo legislador. Não obstante
no artigo 399 do CPP constar o recebimento da denúncia, a mesma é recebida quando
não verificadas as hipóteses de rejeição, previstas no artigo 395 do CPP. Portanto, o
recebimento da denúncia se dá antes da citação e resposta acusação e não após. Caso
fosse, poderíamos incorrer em uma absolvição sumária (artigo 397 do CPP) antes mesmo
de iniciar uma ação penal, o que seria ilógico.

Assim, entendo que onde se lê artigo 399, deve ser lido artigo 395 do CPP. Caso
aplicasse o artigo 399 do CPP, o juiz das garantias seria o responsável pela designação

37
da audiência de instrução processual, sem pauta ou agenda do juiz da instrução, podendo
ocorrer muitos conflitos e na prática se tornar inviável.

O artigo 3º-C retira da competência do juiz das garantias os crimes de menor


potencial ofensivo. Isso quer dizer que nos crimes de competência dos juizados especiais
criminais permanecem sob a tutela de um único juiz, podendo, nesses casos, o juiz
da instrução atuar na fase de investigação, sem causar impedimento. Claro que serão
raríssimos casos, mas pode ocorrer de um acesso à informação sigilosa durante uma
investigação de crime de menor potencial ofensivo ser determinado pelo juiz que julgará
o processo.

Ao receber a denúncia, a atuação do juiz das garantias se encerra, sendo remetido


os autos ao setor de distribuição para que seja remetido ao juiz competente para processar
e julgar. Qualquer questão pendente após o recebimento deverá ser analisada pelo juiz da
instrução (artigo 3º-C, §1º)

Importante frisar que o parágrafo terceiro do artigo 3º-C determina que os autos
permaneçam no cartório do juízo das garantias. Esse juízo será o do juiz que atuou na
fase de investigação. Ou seja, nenhuma peça da fase de investigação acompanhará a
denúncia, salvo os documentos relativos às provas irrepetíveis e medidas de obtenção
de provas ou de antecipação de provas. Essa inclusão é de extrema importância, pois as
provas deverão ser produzidas no processo, sob o crivo da ampla defesa e contraditório.

A ideia é que o juiz não contamine seu convencimento com o inquérito, ele deve
conhecer as provas de forma originária. Haverá uma separação daquilo que foi produzido
na investigação com aquilo que será produzido na fase processual. Isso surtirá efeito
principalmente no interrogatório do réu e nos depoimentos de policiais.

Voltando a ordem do código, no parágrafo segundo do artigo 3º-C, o juiz da


instrução ao receber os autos, terá 10 dias para reexaminar todas as medidas cautelares
em curso, tanto as reais quanto as pessoais, vez que o juiz da instrução não está vinculado
às decisões do juiz das garantias, podendo revogar, caso não veja necessidade na
manutenção das medidas.

O prazo de 10 dias foi interessante, pois obriga ao juiz da instrução analisar logo
assim que receber os autos, sendo a primeira providência a ser tomada.

Por fim, o parágrafo quarto assegura a todas as partes o acesso aos autos
acautelados na secretaria do juízo das garantias, conforme já mencionado, o juízo que ficou
na competência de atuar na fase investigativa, caso não seja criado varas especializadas.

O artigo 3º-D trata de um impedimento ao juiz que atuar na fase de investigação


para atuar na fase processual. Na verdade, o artigo cita os artigos quarto e quinto do
CPP, que não traz competência de juiz. Todavia, entendo que o legislador quis foi criar

38
impedimento a quem praticasse atos no inquérito, vez que os artigos estão relacionados
ao inquérito.

O juiz que atuar na fase de investigação, denominado juiz das garantias, ficará
impedido de atuar e julgar o processo. Tem-se então mais uma modalidade de impedimento
do Juiz. No meu sentir, essa é a principal mudança no código de processo penal. Não vejo
uma criação de uma classe de juiz e sim de regra de impedimento. Mais adiante tratarei
melhor desse tema.

O parágrafo único traz apenas uma forma de organização para funcionar o juiz
das garantias em comarca que funciona apenas um juiz. Entendo que poderão ser criado
núcleos com juízes das garantias por região, atendendo diversas comarcas próximas que
funcionam apenas um juiz. De qualquer forma, a sugestão de distribuição cruzada é de
grande valia. Havendo comarca com apenas um juiz, este atuará como juiz das garantias.
Encerrada a fase de investigação, passará para a comarca mais próxima. Isso poderá
ocorrer em forma de distribuição cruzada, quando um juízo se torna juízo das garantias
do outro.

Entretanto, o Ministro Dias Toffoli, liminarmente na ADI 6298, suspendeu a eficácia


do parágrafo único do artigo 3º-D por entender que há uma interferência na organização
judiciária, violando, assim, o poder de auto-organização desses órgãos (art. 96 da
Constituição Federal) e usurpando sua iniciativa para dispor sobre organização judiciária
(art. 125, § 1º, da Constituição Federal).

Já o artigo 3º-E apenas determina que a competência para designar o juiz das
garantias será a organização judiciária do ente responsável. Não criar ou usurpa a função
da lei de iniciativa dos tribunais. Há apenas indicação que a organização judiciária que
designará o juiz responsável, visto que com o impedimento do juiz das garantias, o
substituto legal assumirá o processo para instrução e julgamento.

Para finalizar esse tópico, o artigo 3º-F, traz uma significativa mudança. O juiz das
garantias assegurará que não haja acordo ou ajuste por parte da autoridade policial com
órgãos de imprensa para publicação de imagem de preso. Tal situação foi também objeto
da lei de abuso de autoridade, dentro daquele contexto.

Frisa-se que o próprio artigo traz prazo de 180 dias para que seja regulamentada a
forma como será divulgada a prisão, garantindo assim o direito à informação, sem atentar
a dignidade do preso.

Há ainda um ponto a ser lembrado. A aplicação do juiz das garantias nos tribunais.
Em razão dos processos originários por motivo de prerrogativa, por exemplo, teremos
investigação em que atos serão decididos pelos tribunais.

39
A lei 8.038/1990, nos artigos 1º a 5º, estabeleceu as normas de processamento de
ações originárias e de inquéritos nos tribunais superiores. A Lei n. 8.658/1993 estendeu
sua eficácia aos TJs e TRFs.

Entendo que não foi a intenção do legislador incluir juiz das garantias nos tribunais
superiores. Explico.

Veja que o acordo de não persecução penal introduzido no artigo 28-A foi também
incluído no artigo 1º, §3º da lei 8.038/1990, lei que trata da competência originária do
STF e STJ. Caso fosse do interesse do legislador incluir o juiz das garantias nos tribunais
superiores, teria o feito, alterando a lei 8.038/1990.

Há quem defenda que não precisava ser inserido na lei 8.038/1990. Penso o
contrário, vez que o acordo de não persecução penal também não precisaria, mas o
legislador fez questão de incluir na lei supracitada. Por essa razão, vejo que realmente
não deve ser aplicado nos tribunais superiores, em que pese ver necessidade.

Importante ressaltar outra exceção ao juiz das garantias, além dos juizados
especiais. A lei 12.694/2012 foi modificada, acrescentando o artigo 1º-A que regulamenta
a formação de varas criminais colegiadas. No §1º do referido artigo, fica estabelecida a
competência da vara colegiada para atos da fase de investigação, processual e inclusive
execução penal.

Dentro desse prisma, não se deve aplicar o juiz das garantias nos casos de
competência do tribunal do júri. As varas criminais colegiadas, bem como as ações
originárias nos tribunais, não terão a figura do juiz das garantias por entender que, se
tratando de decisões colegiadas, a imparcialidade não corre risco de ser violada. No
tribunal do júri, em razão da competência para julgar ser do conselho de sentença, ou
seja, dos jurados, chega a conclusão que se aplica a mesma situação dos tribunais e
varas criminais colegiadas.

Merece destaque a decisão do Ministro Dias Toffoli, em sede liminar, na ADI 6298,
que afirma que o juiz das garantias também não se aplica aos casos de violência doméstica
e processos de competência da Justiça Eleitoral.

Na decisão, em relação aos crimes de violência doméstica, assim se manifestou:

“De fato, a violência doméstica é um fenômeno dinâmico, caracterizado


por uma linha temporal que inicia com a comunicação da agressão. Depois
dessa comunicação, sucede-se, no decorrer do tempo, ou a minoração ou o
agravamento do quadro. Uma cisão rígida entre as fases de investigação e
de instrução/julgamento impediria que o juiz conhecesse toda a dinâmica
do contexto de agressão. Portanto, pela sua natureza, os casos de violência
doméstica e familiar exigem disciplina processual penal específica, que traduza
um procedimento mais dinâmico, apto a promover o pronto e efetivo amparo e
proteção da vítima de violência doméstica.”

40
Não vejo por essa ótica, visto que a divisão funcional da competência com o
impedimento não obstará o juiz da instrução de amparar a vítima, caso ela necessite. O
contexto de toda agressão estará na denúncia. Portanto, ao criar essa exceção, viola a
imparcialidade, objetivo a ser alcançado com o juiz das garantias.

Quanto à Justiça Eleitoral, o Ministro se manifestou da seguinte maneira:

“Não se pode ignorar que a Justiça Eleitoral brasileira, em sua arquitetura ímpar,
estruturada para conduzir o processo democrático, dotada de competências
administrativa e jurisdicional, não dispõe de quadro próprio de magistrados,
sendo composta por membros oriundos de outros ramos da Justiça, situação
que poderá dificultar a aplicação do juiz de garantias. Com efeito, é possível
que um magistrado que atue como juiz das garantias em uma investigação de
competência estadual fique impedido, em seguida, de atuar no processo criminal,
caso se entenda que há crime eleitoral no fato investigado, causando embaraços
ao regular andamento do processo, em prejuízo dos princípios da celeridade e
da preclusão, que regem o processo eleitoral. Portanto, a aplicação do juiz das
garantias ao Processo Eleitoral é tema que merece maior reflexão e, conforme
o caso, regulamentação específica, fator que recomenda, em juízo liminar, a
exclusão dos processos criminais de competência da Justiça Eleitoral do âmbito
de incidência do juiz de garantias.”

Neste pormenor, está em consonância com a lei anticrime, vez que o legislador
entendeu por bem não aplicar aos Juizados Especiais Criminais, por entender se tratar de
uma situação específica.

Com isso, pode-se observar que o juiz das garantias atuará, salvo em casos de
varas colegiadas, tribunais e, diante da decisão recente na ADI 6298 (deve ser referendada,
todavia até o fechamento do livro não foi realizada a sessão plenária) os crimes de
competência do tribunal do júri, pois há de se entender que em razão da pluralidade
de juízes para o mesmo processo, evitaria a parcialidade, estaria alcançando o julgador
imparcial.

De igual forma não se aplica o juiz das garantias nos casos de violência doméstica,
de competência dos Juizados Especiais Criminais e de competência da Justiça Eleitoral,
por se tratar de procedimentos com dinâmicas específicas.

Trago a questão da constitucionalidade do juiz das garantias. Logo após a


publicação da lei anticrime, a Associação dos Magistrados propôs uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade em face do juiz das garantias e do sistema acusatório. Digo isso,
pois o objeto da ADI foi tanto os artigos que tratam do juiz das garantias como do artigo
3-A, que não traz em seu conteúdo o juiz das garantias, ele expressa o sistema acusatório
como o adotado pelo processo penal, impede atuação de ofício do juiz e substituição
probatória.

A ADI 6298 alega a inconstitucionalidade do juiz das garantias, em síntese:

41
i. Lei federal, que criou a figura do juiz das garantias é lei geral de eficácia
contida, que depende, para sua eficácia plena, da criação respectiva do juiz
das garantias nas leis de organização judiciária da Justiça da União e dos
Estados. Inconstitucionalidade dos dispositivos que impõe a eficácia imediata.

Neste ponto, alega a inconstitucionalidade visto que a lei federal, em regra geral,
instituiu um novo cargo, o juiz das garantias. Afirma que criou normas gerais e normas
procedimentais, tais como competência, os atos que deverá praticar, vedação de agir de
ofício e demais atos. Assevera que adentrou em matéria de competência concorrente,
vez que dispôs sobre normas da fase pré-processual. Por fim, neste ponto, entende ser
inconstitucional o artigo 20 da lei anticrime, pois é norma de eficácia contida e não pode
ser aplicada de forma imediata.

Ouso discordar. Não há alguma inconstitucionalidade. O principal ponto em


questão é saber se foi criada uma função, um novo cargo, ao instituir o juiz das garantias
ou apenas uma regra de impedimento, dividindo funcionalmente a competência da fase
investigativa para o primeiro juiz que atuar no caso.

Ainda que fosse regra de competência em relação matéria e o leitor discorde


sobre todos os pontos aqui mencionados de que se trata de regra de impedimento e
divisão funcional da competência, o artigo 22, I, da CF incumbe privativamente à União
a disciplina do direito processual, sendo o tema “competência” notadamente afeto à
matéria. A atribuição dos Estados atinente à respectiva organização judiciária não afasta
a prerrogativa da União de estabelecer regras sobre processo e, em consequência, editar
normas que acabam por influenciar a atuação dos órgãos jurisdicionais locais18.

O artigo 3º-B não cria varas judiciais, não se definem limites e não estabelece o
número de magistrados a serem alocados aos juízos das garantias (caso entenda pela
criação do juízo, o que discordo).

Adianto que, resolvida essa dúvida que trago sobre a questão do impedimento,
com a devida vênia, todos os argumentos da ADI citada cai por terra.

Ao argumentar que o legislador restringiu, até mesmo entender que a norma é de


eficácia contida, tem como premissa a criação de uma nova função ou até mesmo de uma
vara especializada em inquéritos, além de trazer novatio legis sobre inquérito.

Ocorre que não foi criado um juiz para cuidar do inquérito. O juiz que já cuidava
do inquérito, que antes podia julgar, não poderá mais julgar o processo, pois se criou uma
regra de impedimento. As citadas jurisprudências na peça vestibular da ADI, na parte que

18 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 19 DISTRITO FEDERAL RELATOR


: MIN. MARCO AURÉLIO. DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 29/04/2014 - ATA Nº 56/2014. DJE nº 80, divulgado
em 28/04/2014.

42
diz respeito ao inquérito, se trata de legislação que disciplina inquérito, o que não é o caso
dos artigos objeto da ação.

Em nenhum momento foram criadas regras para o inquérito. Foi apenas criada
uma regra de impedimento para o juiz que atuar na fase investigativa. Permita-me ser
repetitivo quanto a essa nova regra de impedimento, mas esse é o foco.

Os comentários tecidos na ADI dão a entender a criação de cargo e que deve


ser implementado de forma imediata o juiz das garantias. O que será implementado
de forma imediata é a regra do impedimento. Não se criará, através da lei anticrime,
uma nova vara, uma central de inquérito, ou algo que o valha, mas, aplicado de forma
imediata o impedimento do juiz que atuou na fase do inquérito. Ao receber a denúncia, o
juiz simplesmente encaminhará o processo ao setor de distribuição, que encaminhará o
processo para o substituto legal para processar e julgar, permanecendo os autos da fase
investigativa no juízo que ficou como juízo das garantias.

Repare que houve uma divisão funcional da competência e impedimento. Vale aqui
trazer à baila trecho da carta aberta de juízes federais defendendo o juiz das garantias19.

Ao dispor sobre o “juiz de garantias”, a nova lei estabelece uma hipótese de


divisão da competência funcional do juízo e de impedimento decorrente dessa
divisão: a competência do “juiz das garantias” finda ao ser recebida a denúncia
ou queixa (art. 3º-A, CPP), de modo que, se uma/um magistrada/o atuar na fase
preliminar de investigação, não terá competência funcional para jurisdicionar
no processo, porquanto objetivamente impedida/o de instruir e julgar as ações
penais dela originada, sob pena de nulidade de suas decisões[1] (art. 3º-D, CPP).
Eventuais dificuldades logísticas decorrentes do afastamento do juiz das garantias/
juiz da instrução e julgamento da sede do juízo onde tramita o inquérito/ação
penal podem ser resolvidas com regras de distribuição dos feitos entre juízas/
es com competência criminal a serem editadas pelos tribunais e com recursos
tecnológicos do processo eletrônico, que tornam cada vez mais realizável a
ideia de “núcleos regionais das garantias”[2] criados a partir de critérios prévios,
impessoais e objetivos. Mesmo em uma vara única em que atuem dois juízes,
por exemplo, basta determinar que, no processo em que um deles atue como
juiz de garantias, o outro jurisdicione como juiz de processo e vice versa. Não há
órgão novo. Não há nova instância. Há divisão funcional de competência.

Veja que o juiz das garantias nada mais é que uma denominação ao juiz que atuar
na fase de inquérito.

Percebe-se que no parágrafo único do artigo 3º-D, diz que “nas comarcas em que
funcionar apenas um juiz”, ou seja, se a comarca tiver dois juízes, não se criará um novo
cargo, uma nova classe, simplesmente o juiz que atuar na fase de investigação ficará
impedido e deverá ser encaminhado ao outro juiz da comarca, seu substituto legal, que
continuará atuando nos demais processos criminais, cíveis e de juizados, que estão sob
sua responsabilidade, como já ocorre em outros casos de impedimento.

19 https://www.conjur.com.br/2020-jan-02/juizes-federais-publicam-carta-defesa-juiz-
garantias. Acessado em 10.1.2020.

43
Ao trazer que caberá aos Tj´s ou STJ, a depender do âmbito, a iniciativa de elaborar
lei que vier a criar novas varas, cargos e alterar a organização e divisão judiciárias, entende-
se que a lei anticrime criou algo, o que não procede.

A atuação do juiz das garantias na fase investigativa nada mais é do que a atuação
de qualquer juiz nessa fase. Não será necessário implementar novos juízes, novos
servidores, impactos no orçamento, nada. O juiz que atuou no inquérito fica impedido
e o processo passará para outra vara criminal, ficando aquela vara como o juízo das
garantias daquele processo. Não quer dizer que a vara será juízo das garantias de toda
comarca. Havendo pedido na fase investigativa, com base na lei anticrime, será distribuído
e doravante se tornará a vara preventa para os demais atos da fase investigativa.

Caso os tribunais queiram criar vara especializada, um núcleo para atender


determinada região, poderá, conforme a própria lei assim permite, visto que é da
competência dos tribunais a iniciativa de lei para essa criação.

Todavia, para aplicação imediata, não se faz necessária a criação de vara


especializada, novos cargos, alterar divisão judiciária ou organização. Repito, basta
apenas aplicar a nova regra de impedimento.

ii. A criação do “Juiz das Garantias” em lei ordinária viola do art. 93, caput, da CF

Neste tópico, é arguido que cabe a LOMAN criar o juiz das garantias, uma classe
própria de juiz, competência definida e restrita à fase de investigação, violando o artigo 93
da CF.

Não me delongarei nesse e nos demais tópicos da ADI, pois como dito
anteriormente, não se trata de uma criação de classe própria de juiz e sim de uma nova
regra de impedimento.

A competência não foi definida ao juiz das garantias, trazendo uma nova
competência. Como dito, foi feita apenas uma divisão funcional da competência. O rol
trazido no artigo 3º-B é exemplificativo. Isso pode ser visto no último inciso do artigo quando
diz que poderá atuar em “outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput
deste artigo”. Assim, qualquer ato relacionado à fase investigativa, caberá ao juiz criminal
que atuou primeiro, ficando prevento. A partir desse momento, ele se torna impedido de
permanecer no processo após o recebimento da denúncia, devendo ser remetido à vara
competente para processar e julgar.

iii. A jurisdição é uma e indivisível. Violação ao princípio do juiz natural (CF, art.
5º, LIII)

44
Novamente se depara com argumento relacionado a criação de algo e não apenas
inclusão de regra de impedimento. Assevera que a jurisdição é una e indivisível, pois em
1º grau há apenas um juiz natural (estadual ou federal).

Esse argumento vai ao encontro do momento atual, em que há atuação do juiz na


audiência de custódia, diferentemente do juiz que irá processar e julgar o feito.

Como dito alhures, o juiz da audiência de custódia já era considerado um juiz das
garantias, sem essa nomenclatura, já que ele tinha o controle de legalidade do flagrante.
Todavia, sua atuação era restrita ao artigo 310 do CPP. Agora, com a lei anticrime, o juiz
que atuar na audiência de custódia também é um juiz de garantias.

Sem adentrar muito nesse aspecto, já era possível dois juízes atuarem em 1º grau,
não violando o princípio do juiz natural.

Não há uma criação de instância interna dentro do 1º grau, mas, como dito
exaustivamente, há um impedimento e o seu substituto legal assumirá.

iv. A criação do “Juiz das Garantias” apenas em 1ª instância configura hipótese de


ofensa ao princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput), que resulta na nulidade do
próprio “Juiz das Garantias”.

Essa tese esbarra no mesmo argumento de não ter juiz das garantias em Varas
Criminais Colegiadas.

Concordo que realmente a lei previu o juiz das garantias nos tribunais, pois não
houve revogação expressa do artigo 2º da lei 8038/1990. Todavia, não há necessidade da
figura do juiz das garantias em tribunais em razão das decisões de mérito serem colegiadas.
Não será uma pessoa somente que julgará, pois caso este possa estar “viciado” pela
atuação na fase investigativa, haverá outros para julgar.

Ademais, o fato de a pessoa ter prerrogativa de foro o faz ter um julgamento em


local diferente com regras diferentes, visto que a título de exemplo, quem tiver função cuja
competência é do STF, terá seus possíveis recursos reduzidos. Todavia, isso ocorre em
razão da função e não da pessoa, por isso não há violação da isonomia, o que a meu ver
se aplica perfeitamente ao caso sob análise.

Os demais tópicos da ADI 6298 são rechaçados nos argumentos já mencionados,


entendendo que os citados são os mais relevantes para serem trazidos à discussão.

Em tempo, temos a questão da aplicação da lei processual no tempo. Diante da


previsão do artigo 2º do CPP, os atos já praticados permanecerão e o juiz das garantias
inicia imediatamente a partir da vigência.

45
Concluo que o juiz que já se manifestou em investigação que ainda não deu origem
a uma ação penal deverá ficar impedido para atuar na fase processual. Nos casos dos
processos já iniciados, não haverá impedimento. Lei processual penal deve ser aplicada
desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei pretérita.

Caso haja dois juízes na mesma vara e os dois tenham atuado, os dois ficarão
impedidos. Caso somente um tenha atuado, entendo que o outro poderá instruir e julgar.
Assim, em varas em que há dois juízes, se tornará mais fácil ainda o funcionamento do
juiz das garantias.

Há quem defenda que somente valerá para as investigações que iniciarem. Caso
isso ocorra, haverá violação ao princípio da imediatidade.

Por fim, diante da decisão do Ministro Dias Toffoli, já mencionada, a vacatio legis
do juiz das garantias será de 180 dias. O Ministro, liminarmente, suspendeu a eficácia dos
artigos relacionados ao juiz das garantias, alegando que demanda um trabalho de ajuste
por parte do Poder Judiciário, visto a magnitude da alteração.

Em consonância com o artigo 3º-F, que estabeleceu prazo de 180 dias para
disciplinar o modo como informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso
serão transmitidas a imprensa, entendeu também aplicar o prazo de 180 dias para iniciar
a vigência do juiz das garantias.

5.2. ARTIGO 14-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas
d i s p o s i t i v o no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos
correspondente. policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo
objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados
no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações
dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), o indiciado poderá constituir defensor.
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado
da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no
prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.
§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação
de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá
intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência
dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor
para a representação do investigado.
§ 3º (VETADO).
§ 4º (VETADO).
§ 5º (VETADO).
§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares
vinculados às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde
que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da
Ordem.

46
Essa alteração é mais uma novidade trazida pela lei anticrime. O artigo traz muitas
especificações que fará com que seja aplicado em determinados casos. Vamos a elas.

A primeira é que o investigado deve compor o quadro da segurança pública,


podendo ser servidor da polícia federal, rodoviário ou ferroviário federal, civil, militar e
bombeiro militar.

O artigo se aplica às investigações não só de inquérito policial, mas também


de inquérito policial militar e qualquer procedimento investigatório extrajudicial. Tais
investigações devem ser sobre o uso da força letal no exercício da profissão, consumado
ou tentado, mesmo os que sejam amparados pelas excludentes de ilicitude.

Caso todos esses requisitos sejam preenchidos, o investigado terá direito a constituir
um defensor. Na verdade, todos têm direito a constituir um defensor, independente do
crime praticado ou de quem seja e qual a sua profissão. Até mesmo em procedimentos
investigatórios militares e extrajudiciais.

Os parágrafos trazem a devida citação da abertura da investigação para que o


investigado possa constituir seu defensor. Caso não o faça, a instituição a qual estava ou
está vinculado, será intimada para que indique um defensor.

Entendo pertinente essa novidade legislativa, todavia, deveria ser aplicado a todos
os casos e não somente nos casos previsto no novel artigo.

Os servidores vinculados ao exército, marinha e aeronáutica também têm direito,


desde que os fatos estejam relacionados à Missão para garantir a Lei e a Ordem.

47
5.3. ARTIGO 28 E 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer
apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público
inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará
o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação,
invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de na forma da lei.
informação ao procurador-geral, e este oferecerá § 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o
a denúncia, designará outro órgão do Ministério arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do
Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância
arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei
a atender . orgânica.
§ 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União,
Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá
ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação
judicial.
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado
confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem
violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos,
o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde
que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante
as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
- reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de
fazê-lo;
- renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério
Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
- prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período
correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois
terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46
do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
- pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade
pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que
tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou
semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
- cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério
Público, desde que proporcional e compativel com a infração penal imputada.
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o
caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição
aplicáveis ao caso concreto.
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
- se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais
Criminais, nos termos da lei;
- se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que
indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se
insignificantes as infraçõe s penais pretéritas;
- ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento
da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou
suspensão condicional do processo; e
- nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou
praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em
favor do agressor.
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será
firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu
defensor.
§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada
audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da
oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.

48
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as
condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos
ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com
concordância do investigado e seu defensor.
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz
devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução
perante o juízo de execução penal.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos
requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere
o § 5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público
para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o
oferecimento da denúncia.
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução
penal e de seu descumprimento.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não
persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins
de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado
também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o
eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal
não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins
previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo
competente decretará a extinção de punibilidade.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo
de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos
autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

Essa modificação altera a forma de arquivamento dos inquéritos e cria, podemos


assim dizer, o acordo de não persecução penal, que doravante chamaremos de ANPP.

O ANPP já havia sido criado através de uma resolução do CNMP. Havia discussão
sobre a sua constitucionalidade exatamente pela forma com que foi criada, pois deveria
ter sido por lei. A lei anticrime resolve essa questão ao trazer essa possibilidade no novel
artigo 28-A.

Irei tratar primeiramente sobre o arquivamento, que sofreu mudanças circunstanciais


em razão da separação do papel de julgador com o de acusar.

Antes da lei anticrime, o arquivamento do inquérito, quando era o caso, poderia


ser opinado pela autoridade policial e, após o encaminhamento ao Ministério Público, este
poderia denunciar, caso entendesse que havia elementos suficientes para propositura da
ação penal ou requerer ao juízo o arquivamento.

Após o envio do pedido de arquivamento ao juízo competente, o juiz poderia


homologar o arquivamento ou, em caso de não concordar com o arquivamento, remeter
ao procurador geral para que este oferecesse a denúncia, ou requisitar diligências ou que
fosse encaminhado a outro membro do Ministério Público para que oferecesse denúncia.
Caso insistisse com o arquivamento (princípio da devolução), o juiz era obrigado a arquivar.

Esse procedimento era e é muito criticado pelos doutrinadores, pois viola o sistema
acusatório, vez que o juiz já estaria valorando as provas, ferindo a imparcialidade.

49
Entretanto, esse controle judicial sobre o arquivamento foi suprimido do código,
colocando outras situações para quando ocorrer o arquivamento.

Diante da leitura do novo artigo 28 do CPP, não há mais a possibilidade do


magistrado considerar improcedentes as razões invocadas pelo Ministério e remeter ao
procurador geral, visto ter sido retirado dele a homologação do arquivamento.

Agora, com a nova lei, será semelhante como ocorre no Supremo Tribunal Federal,
que “promovido o arquivamento do Inquérito Policial pelo Chefe do Ministério Público da
União, sem que seu fundamento seja capaz de constituir coisa julgada material, não cabe
ao STF manifestar discordância, mas tão somente homologar o arquivamento nos termos
da promoção do Procurador-Geral da república, nos termos de sua atribuição natural
prevista na Lei Complementar nº 75/1993, por decisão de natureza administrativa”20,
apenas retirando do magistrado a função de homologar, que caberá ao órgão revisional
do Ministério Público.

Ordenado o arquivamento, deverá a vítima ser comunicada, assim como o


investigado e a autoridade policial. Essa comunicação à vítima é necessária, pois o
parágrafo primeiro do artigo 28 do CPP permite que, em caso de não concordância,
submeter a matéria para que seja novamente apreciada pelo órgão revisor do Ministério
Público. O prazo da vítima para se manifestar será de 30 dias.

Esse órgão revisor já tem funcionado no âmbito da justiça federal, que no artigo
62, IV da lei Complementar nº 75/1993 traz essa previsão21.

Quando o crime for praticado em detrimento de algum ente federativo, o chefe do


órgão poderá provocar a revisão do arquivamento.

O arquivamento quando ordenado deverá ser encaminhado à instância de revisão


criminal do próprio Ministério Público a fim de ser homologado, ao contrário do que ocorria
à época do falecido artigo 28 anterior à lei anticrime. Há uma pequena confusão do texto,
pois dá a entender que independente da discordância da vítima, haverá essa remessa ao
órgão revisor do Ministério Público para homologação.

Na prática, a remessa ao órgão revisor do Ministério Público para revisão se dará


após 30 dias da intimação da vítima ou de seu representante legal.

Cito a forma como os professores Aury Lopes Junior e Alexandre Morais da Rosa
chegaram à uma conclusão, expressado em artigo publicado no Conjur22:

20 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 193.
21 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 187.
22 https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite-penal-procede-arquivamento-modelo.
Acessado em 10.1.2020.

50
“Então o arquivamento deve se dar em duas fases:
a) primeira fase: o representante do Ministério Público emite manifestação pelo
arquivamento, comunica formalmente vítima e investigados, quando existentes,
advertindo expressamente da possibilidade recursal em 30 dias (prazo que se
conta da respectiva intimação e não da juntada aos autos, na linha do art. 798,
do CPP);
b) segunda fase: Efetivadas as comunicações formais, ausente pedido voluntário
de revisão da vítima (ou seu representante), investigado ou autoridade
investigadora, devidamente certificado o prazo, sobem os autos para homologação
do arquivamento pelo órgão competente da Instituição do Ministério Público que
pode confirmar ou divergir, total ou parcialmente, caso em que será designado
novo membro do Ministério Público para o exercício da ação penal.”

De qualquer forma, deverá o juiz das garantias ser informado, em razão da previsão
do artigo 3º-B, inciso IV.

Passa-se para o artigo 28-A. Uma grande inclusão trazida pela lei anticrime. O
conserto realizado pela falha da resolução 181/2017, modificada pela resolução 183/2018
do CNMP: O Acordo de Não Persecução Penal, o ANPP.

Falo que foi um conserto, pois uma das maiores críticas ao acordo de não
persecução penal previsto na resolução era quanto a sua forma, que deveria ter sido
prevista por lei, sendo dissipada a discussão em razão da previsão ora trazida pela lei
anticrime.

De acordo com Vinicius Gomes de Vasconcellos, “trata-se de mecanismo


consensual, em que o imputado se conforma com a imposição de sanção (não privativa
de liberdade) em troca de eventual benefício, como redução da pena e a não configuração
de maus antecedentes”23.

Em razão do artigo ser extenso e de algumas modificações serem de fácil


entendimento com uma simples leitura, tratarei dos pontos mais importantes e nebulosos
do artigo.

O caput traz os requisitos para celebração do acordo: (i) confessado formal e


circunstancialmente a prática de infração penal; (ii) infração penal sem violência ou grave
ameaça, (iii) infração penal com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, (iv) não ser cabível
transação penal, (v) se o investigado for reincidente ou elementos probatórios indiquem
condutas habitual, reiterada ou profissional, (vi) o investigado não ter sido beneficiado nos
últimos 5 anos em transação penal, suspensão condicional do processo ou ANPP e (vii)
não ter o investigado praticado crimes no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou
praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

O requisito iii é intrigante, pois, no projeto inicial, estava pena máxima de quatro
anos. A alteração fez ampliar a gama de infrações que poderão ocorrer o ANPP.

23 https://www.conjur.com.br/dl/modificacoes-processuais-projeto.pdf. Acessado em 8.1.2020

51
Requisito v, trazido no §2º, inciso II do artigo 28-A, traz um elemento demasiadamente
subjetivo, pois deixa ao critério do juiz das garantias analisar se a conduta é habitual ou
não. Caso fosse mencionado crime habitual, a classificação do crime já responderia a
questão, mas não, trouxe se a conduta é habitual, reiterada ou profissional.

Acredito que haverá discussão a respeito desse item. Ademais, a parte final do
inciso traz uma exceção para desconsiderar as infrações penais pretéritas: insignificantes.
Há um erro conceitual, pois se forem insignificantes, deixa de ser infração penal, visto a
ausência de tipicidade material. Como disse, acredito em discussões nesse ponto.

As condições trazidas pela lei podem ser cumulativas ou alternativas, o que facilita
muito na hora de ajustar o acordo. Costumam ser cumulativas, sem abrir margem, mas
neste caso o legislador foi feliz em possibilitar que sejam alternativas.

Na verdade, as condições configuram antecipação de penas restritivas de direito,


evitando tão somente um processo penal, indo direto para a sanção penal. Mas em razão
da confissão, pode ser a saída para desafogar os processos e tornar o judiciário mais
célere.

As condições são: (i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na


impossibilidade de fazê-lo; (ii) renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo
Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (iii) prestar serviço
à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima
cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da
execução, na forma do art. 46 do Código Penal; (iv) pagar prestação pecuniária, a ser
estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse
social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função
proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
(v) cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde
que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

O parágrafo primeiro nos diz que para aferição da pena mínima de quatro anos,
deverão ser consideradas as causas de aumento e diminuição. Lembrando que para as
causas de aumento, considera-se o grau mínimo24 e para as causas de diminuição o grau
máximo25.

24 Súmula 723 do STF: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime
continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for
superior a um ano.
25 Entretanto, em se tratando de crime tentado, deve ser considerada a menor pena cominada
em abstrato para o delito, reduzida pela fração máxima prevista no art. 14, II, do Código Penal, isto é, de 2/3,
o que possibilita a suspensão condicional do processo, na medida em que a pena mínima em abstrato, com
a redução pela tentativa, é inferior a 1 ano. (STJ; HC 505.156; Proc. 2019/0111147-1; SP; Rel. Min. Rogério
Schietti Cruz; DJE 21/10/2019)

52
Importante trazer à baila a situação do tráfico privilegiado. Sabe-se que quando
o réu é primário, tem bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa, fará jus à causa de diminuição de 1/6 a 2/3.

Fica a pergunta se poderá, já na fase de investigação, propor o ANPP em casos


de tráfico privilegiado. Há quem afirme que não, pois a confirmação de tráfico privilegiado
somente se materializará em sede de sentença, após a devida investigação e instrução,
pois será verificado se realmente não se dedica às atividades criminosas e nem integre
organização criminosa. Ademais, o juiz das garantias, que homologará o acordo, não tem
o condão de analisar se o investigado se dedica ou não a atividades criminosas ou integre
organização criminosa.

Todavia, penso que quando o legislador incluiu o inciso II no §2º do artigo 28-A,
impedindo a proposta de ANPP quando o juiz das garantias verificar que há elementos
probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, abriu brecha
para que verifique se incide ao investigado a causa de diminuição prevista no parágrafo
quarto do artigo 33 da lei 11.343/2006.

O acordo deverá ser escrito, com a participação de todos os atores e haverá uma
audiência para homologação, a fim de constatar a voluntariedade por parte do investigado,
que ele não tenha sido pressionado. A presença do seu defensor é obrigatória.

O parágrafo quinto me chama atenção para um seguinte aspecto: se o juiz


considerar insuficientes.

Ao homologar o ANPP, o juiz poderá verificar se as condições são inadequadas,


insuficientes ou abusivas e devolverá os autos ao Ministério público para reformular a
proposta.

O Artigo 3º-C deixa claro que a função do juiz das garantias é o controle da
legalidade e salvaguardar os direitos individuais, vedando atuação de ofício e substituição
em atuação probatória.

Não cabe ao juiz das garantias ampliar a sanção penal. Essa parte do parágrafo
vai de encontro ao sistema acusatório e a finalidade do juiz das garantias. Não pode o juiz
ir contra o indivíduo e considerar que a sanção foi insuficiente e demandar um aumento na
sanção. Completamente inconstitucional essa parte da alteração.

Caberá ao Ministério Público a remessa do ANPP ao juízo da execução penal


para início do cumprimento, após a devida homologação. A homologação somente poderá
ocorrer quando preenchidos os requisitos, com as considerações trazidas no §5º.

Em razão da voluntariedade, o investigado poderá recusar o ANPP, caso não


esteja de acordo com as condições. Deve ficar atento que se trata de acordo, podendo ser

53
negociadas as condições e o Ministério Público aberto à negociação. Caso contrário, não
há sentido no ANPP.

Caso seja recusado, o Ministério público seguirá com as investigações ou, caso
esteja satisfeito com as provas até então colhidas, oferecerá denúncia.

Sempre a vítima será intimada caso o acordo seja realizado ou até mesmo
descumprido, para que fique ciente da atuação estatal no caso.

Durante a execução, caso haja descumprimento das condições, o Ministério


Público comunicará ao juízo e oferecerá denúncia, caso não haja mais diligências a serem
realizadas e se for o caso de oferecimento.

O descumprimento poderá fazer com que o Ministério público não ofereça o


SUSPRO, caso seja possível, visto a prova de que o investigado não tem dado a devida
importância aos cumprimentos de condições para não ser processado.

Não poderá constar em certidões o ANPP realizado, somente deverá ter registro
para fins de impedir novo ANPP.

Cumprido o ANPP, a punibilidade será extinta. E caso o Ministério Público não


ofereça o acordo, deverá o juiz das garantias encaminhar a instância de revisão do
Ministério Público, conforme preceitua o artigo 28, modificado pela lei anticrime. Isso se
dá, visto que o ANPP se torna um direito subjetivo do investigado. Caso preencha os
requisitos, o ANPP tem que ser oferecido, assim como ocorre com a transação penal e
SUSPRO.

5.4. ARTIGO 122 E 124-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 122. Sem prejuízo do disposto nos arts. 120 e Art. 122. Sem prejuízo do disposto no art. 120, as
133, decorrido o prazo de 90 dias, após transitar em coisas apreendidas serão alienadas nos termos do
julgado a sentença condenatória, o juiz decretará, disposto no art. 133 deste Código.
se for caso, a perda, em favor da União, das coisas Parágrafo único. (Revogado).
apreendidas (art. 74, II, a e b do Código Penal) e
ordenará que sejam vendidas em leilão público.
Parágrafo único. Do dinheiro apurado será recolhido
ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou
a terceiro de boa-fé.
Não existia dispositivo correspondente. Art. 124-A. Na hipótese de decretação de
perdimento de obras de arte ou de outros bens de
relevante valor cultural ou artistico, se o crime não
tiver vítima determinada, poderá haver destinação
dos bens a museus públicos.

54
Art. 133. Transitada em julgado a sentença Art. 133. Transitada em julgado a sentença
condenatória, o juiz, de oficio ou a requerimento do condenatória, o juiz, de oficio ou a requerimento do
interessado, determinará a avaliação e a venda dos interessado ou do Ministério Público, determinará
bens em leilão público. a avaliação e a venda dos bens em leilão público
Parágrafo único. Do dinheiro apurado, será recolhido cujo perdimento tenha sido decretado.
ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou § 1º Do dinheiro apurado, será recolhido aos cofres
a terceiro de boa-fé. públicos o que não couber ao lesado ou a terceiro
de boa-fé.
§ 2º O valor apurado deverá ser recolhido ao
Fundo Penitenciário Nacional, exceto se houver
previsão diversa em lei especial.
Art. 133-A. O juiz poderá autorizar, constatado o
interesse público, a utilização de bem sequestrado,
apreendido ou sujeito a qualquer medida
assecuratória pelos órgãos de segurança pública
previstos no art. 144 da Constituição Federal,
do sistema prisional, do sistema socioeducativo,
da Força Nacional de Segurança Pública e do
Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de
suas atividades.
§ 1º O órgão de segurança pública participante das
ações de investigação ou repressão da infração
penal que ensejou a constrição do bem terá
prioridade na sua utilização.
§ 2º Fora das hipóteses anteriores, demonstrado o
interesse público, o juiz poderá autorizar o uso do
bem pelos demais órgãos públicos.
§ 3º Se o bem a que se refere o caput deste
artigo for veículo, embarcação ou aeronave, o
juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão
de registro e controle a expedição de certificado
provisório de registro e licenciamento em favor
do órgão público beneficiário, o qual estará isento
do pagamento de multas, encargos e tributos
anteriores à disponibilização do bem para a sua
utilização, que deverão ser cobrados de seu
responsável.
§ 4º Transitada em julgado a sentença penal
condenatória com a decretação de perdimento dos
bens, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de
boa-fé, o juiz poderá determinar a transferência
definitiva da propriedade ao órgão público
beneficiário ao qual foi custodiado o bem.

A presente modificação diz respeito à destinação dos bens. No artigo 122,


vislumbra-se a concentração sobre a forma que será destinado o bem no artigo 133,
revogando o parágrafo único, visto que o dinheiro não será mais destinado ao tesouro
nacional, conforme veremos a seguir.

Quanto ao artigo 124-A, mais uma inovação trazida pela lei anticrime. Tem por
finalidade prever a destinação de obras de arte ou outros bens de valor cultural aos museus
públicos, caso não haja vítima determinada. Uma mudança significativa, pois enriquece
a cultura brasileira, em razão de várias obras de artes caríssimas serem frutos de crimes
antecedentes.

No artigo 133 tem a inclusão do Ministério Público como legitimado ativo, a


destinação do dinheiro apurado aos cofres públicos e não mais ao tesouro nacional e, o
valor apurado, ao Fundo Penitenciário.

55
Posteriormente temos o inovador artigo 133-A, que permite antes do trânsito
em julgado, quando for interesse público, a utilização de bens sujeitos às medidas
assecuratórias pelas polícias, pelo sistema prisional, socioeducativos, força nacional e
Instituto Geral de Perícia, estritamente para desempenhar atividades relacionadas ao
serviço. Também poderão ser autorizados outros órgãos públicos, desde que demonstrado
interesse público.

Caso seja veículo, embarcação ou aeronave, o juiz determinará ao órgão


competente a transferência provisória, permanecendo quaisquer dívidas em nome do
proprietário anterior.

Em caso de trânsito em julgado com o perdimento do bem, poderá ocorrer a


transferência definitiva.

Quem apreendeu o bem terá prioridade no uso do bem, privilegiando, portanto,


aquele que se esforçou na apreensão.

5.5. ARTIGO 157 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas Art. 157. (...)
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas § 5º O juiz que conhecer do conteúdo
em violação a normas constitucionais ou legais. da prova declarada inadmissível não
poderá proferir a sentença ou acórdão.

Dentro da sistemática do art. 5.º da CF, que estabelece as regras e princípios


visando à proteção dos direitos fundamentais, sobressai a vedação ao uso de provas
obtidas por meios ilícitos (art. 5.º, LVI)26.

O artigo 157 do CPP trata do presente tema que teve inclusão do parágrafo quinto
de extrema importância.

Guilherme de Souza Nucci27 refere que:

“a partir da nova redação conferida ao art. 157, caput, do CPP, soa-nos nítida a
inclusão, no termo maior provas ilícitas, daquelas que forem produzidas ao arrepio
das normas constitucionais ou legais. Logo, infringir a norma constitucional ou
qualquer lei infraconstitucional (direito material ou processual), pois não fez o
referido art. 157 nenhuma distinção, torna a prova ilícita. Este é, pois, o gênero
e não a espécie”.

26 AVENA, Norberto Pâncaro. Processo Penal Esquematizado, 6ª edição. Método, 02/2014.


VitalBook file.
27 NUCCI, Guilherme de Souza.Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: RT,
2008.

56
Professores Rosmar Alencar e Nestor Távora28, afirmam que:

“A produção de prova ilícita pode ser de extrema prejudicialidade ao processo.


Os efeitos da ilicitude podem transcender a prova viciada, contaminando todo
material dela decorrente. Em um juízo de causa e efeito, tudo que é originário
de uma prova ilícita seria imprestável, devendo ser desentranhado dos autos.”

Observa que inadmite que qualquer prova que tenha sido originária da prova ilícita
permaneça nos autos, pois tem o condão de contaminar todas dela decorrentes.

Rosmar Alencar e Nestor Távora tratam em sua obra, antes mesmo da lei anticrime,
sobre a descontaminação do julgador. Exatamente essa descontaminação do julgador, em
tempos atrás, no Projeto de Lei n° 4.205/2001, vetada pelo Presidente, foi implementada
pela lei anticrime.

Extremamente acertada a decisão, pois além das provas decorrentes, o julgador


que teve acesso à ela também está contaminado, já está em seu subconsciente a prova
ilícita.

Por óbvio, o juiz aqui tratado se refere ao juiz da instrução, não havendo motivo
para ser aplicado ao juiz das garantias.

Entendo que os tribunais deverão definir melhor o conceito de “conhecer”, que


acredito que seja o caso de ter se manifestado sobre tal prova. Todavia, mesmo diante
dessa definição a ser realizada, entendo que o artigo veio conferir uma maior imparcialidade
ao julgador.

Caso o tribunal declare uma prova ilícita, o magistrado que estiver com o processo
ficará impedido de julgar. Porventura o magistrado se depara com uma prova ilícita, não
chegou a “conhecer”, ou seja, se manifestar sobre ela, entendendo ser lícita, e determinou
seu desentranhamento, não há que se falar em aplicação do artigo 157, §5º. Portanto,
vejo que a aplicação do referido parágrafo somente se aplica em casos que o magistrado
ou relator tenha praticado atos com base na prova ilícita, ficando impedido para proferir
sentença ou acordão.

Entendo que isso ocorre como em casos de suspeição, que pode ocorrer tanto
na fase investigativa quanto na fase processual, sem violar o juiz natural. Todavia, como
disse, por criar impedimento para julgar, não vejo aplicação na fase investigativa, vez que
o juiz das garantias já está impossibilitado de julgar.

Portanto, a lei é clara ao afirmar que o juiz que tenha, em tese, se contaminado
com a prova ilícita, fica impedido de julgar.

28 Távora, Nestor e Alencar, Rosmar. Curso de direito processual penal – 11. Ed. Re., ampl. E
atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2016. Página 626.

57
5.6. ARTIGO 158 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados
dispositivo para manter e documentar a história cronológica do vestigio coletado em locais ou em vítimas
correspondente. de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com
procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestigio.
§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção
da prova pericial fica responsável por sua preservação.
§ 3º Vestigio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se
relaciona à infração penal.
Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestigio nas seguintes etapas:
- reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção
da prova pericial;
- isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o
ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestigios e local de crime;
- fixação: descrição detalhada do vestigio conforme se encontra no local de crime ou no corpo
de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou
croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável
pelo atendimento;
- coleta: ato de recolher o vestigio que será submetido à análise pericial, respeitando suas
características e natureza;
- acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestigio coletado é embalado de forma
individualizada, de acordo com suas características fisicas, químicas e biológicas, para posterior
análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
- transporte: ato de transferir o vestigio de um local para o outro, utilizando as condições
adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção
de suas características originais, bem como o controle de sua posse;
- recebimento: ato formal de transferência da posse do vestigio, que deve ser documentado com,
no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária
relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestigio, código de rastreamento,
natureza do exame, tipo do vestigio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
- processamento: exame pericial em si, manipulação do vestigio de acordo com a metodologia
adequada às suas características biológicas, fisicas e químicas, a fim de se obter o resultado
desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;
- armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a
ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com
vinculação ao número do laudo correspondente;
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestigio, respeitando a legislação vigente e,
quando pertinente, mediante autorização judicial.
‘Art. 158-C. A coleta dos vestigios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que
dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a
realização de exames complementares.
§ 1º Todos vestigios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como
descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por
detalhar a forma do seu cumprimento.
§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestigios de
locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude
process ual a sua realização.
Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestigio será determinado pela natureza do
material.

58
§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de
forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestigio durante o transporte.
§ 2º O recipiente deverá individualizar o vestigio, preservar suas características, impedir
contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de
informações sobre seu conteúdo.
§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente,
por pessoa autorizada.
§ 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento
de vestigio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as
informações referentes ao novo lacre utilizado.
§ 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente.
Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada
à guarda e controle dos vestigios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central
de perícia oficial de natureza criminal.
§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência,
recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a
distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que
não interfiram nas características do vestigio.
§ 2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestigio deverão ser protocoladas,
consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam.
§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestigio armazenado deverão ser identificadas e
deverão ser registradas a data e a hora do acesso.
§ 4º Por ocasião da tramitação do vestigio armazenado, todas as ações deverão ser registradas,
consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário
da ação.
Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia,
devendo nela permanecer.
Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar
determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de
depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão
central de perícia oficial de natureza criminal.

A prova sem sombra de dúvida é o pilar do processo penal. Tudo gira em torno da
prova, servindo para isentar uma responsabilidade ou para legitimar a aplicação penal.

Em razão dessa grande importância que a prova possui, visto que ela é que fará
com que se possa fazer uma retrospectiva e saber o que ocorreu no momento da prática
delituosa, necessário que a prova não sofra nenhum tipo de interferência, vícios, esteja
“intacta”.

O magistrado que for responsável pela prolação da sentença tem que ter acesso
às provas sem nenhum tipo de mácula, interferência externa. O magistrado precisa se
convencer com provas que não tenham sua cadeia de custódia quebrada.

Além disso, as partes precisam ter a ciência de que do momento em que elas
foram coletadas até serem descartadas não sofreram interferência. Para isso, tudo precisa
estar documentado, desde o momento em que foi coletada até o laudo definitivo realizado,
além que sua guarda esteja protegida, preservada, mormente quando é produzida na fase
investigativa.

O caminho percorrido pela evidência precisa estar devidamente documentado, é


preciso que a sua coleta, seu manuseio, seu transporte, sua análise e seu armazenamento
estejam documentados de forma cronológica a fim de garantir que não haja nenhuma
ilicitude na prova ou algo que a torna ilícita.

59
A finalidade é impedir a manipulação indevida da prova com o propósito de
incriminar (ou isentar) alguém de responsabilidade, com vistas a obter a melhor qualidade
da decisão judicial e impedir uma decisão injusta, afirma Aury Lopes Junior e Alexandre
Morais da Rosa em artigo publicado pelo Conjur29.

Ainda citado os doutores Aury Lopes Junior e Alexandre Morais da Rosa:

“Não se trata nem de presumir a boa-fé, nem a má-fé, mas sim de objetivamente
definir um procedimento que garanta e acredite a prova independente da
problemática em torno do elemento subjetivo do agente. A discussão acerca da
subjetividade deve dar lugar a critérios objetivos, empiricamente comprováveis,
que independam da prova de má-fé ou ‘bondade e lisura’ do agente estatal.
Do contrário, ficaremos sempre na circularidade ingênua de quem, acreditando na
‘bondade dos bons’ (Agostinho Ramalho Marques Neto), presume a legitimidade
de todo e qualquer ato de poder, exigindo que se demonstre (cabalmente, é claro)
uma conduta criminosa e os ‘motivos’ pelos quais uma ‘autoridade’ manipularia
uma prova... Eis a postura a ser superada.”

Em determinadas provas, há uma clara necessidade de se evitar manipulações,


como a interceptação telefônica, DNA, que a documentação da cadeia de custódia fará
com que seja exercido com mais plenitude a defesa.

A evidência no processo precisa ser a mesma que foi coletada na cena dos fatos,
sem nenhuma interferência. A cadeia de custódia tem a função de garantir isso. Essa
função é de todos os atores do processo, desde quem atue somente na fase investigativa
como quem atue na fase processual.

O fato de assegurar a memória de todas as fases do processo constitui um protocolo


legal que possibilita garantir a idoneidade do caminho que a amostra percorreu.

Diante disso, veja a importância que essa novidade legislativa traz tanto para
criminalística quanto para o próprio processo, evitando manipulações ou mesmo a
desconfiança que possa ter sido manipulada a evidência.

A coleta de vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, bem
como o seu necessário encaminhamento à central de custódia, mesmo quando necessário
algum exame complementar.

Qualquer vestígio coletado, na fase investigativa ou processual, deverá ser


remetido à central de custódia, que obrigatoriamente deverá existir em cada Instituto de
Criminalística, sob a gerência do órgão central de perícia oficial de natureza criminal.

Com fundamento no princípio da documentação, felizmente, a cadeia de custódia


foi devidamente positivada.

29 https://www.conjur.com.br/2015-jan-16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-
penal. Acessado em 8.1.2020

60
5.7. ARTIGO 282 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 282. As medidas cautelares previstas Art. 282. (...)
neste Título deverão ser aplicadas § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz
observando-se a: a requerimento das partes ou, quando no curso da
- necessidade para aplicação da lei penal, investigação criminal, por representação da autoridade
para a investigação ou a instrução criminal policial ou mediante requerimento do Ministério
e, nos casos expressamente previstos, para Público.
evitar a prática de infrações penais; § 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo
- adequação da medida à gravidade do de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido
crime, circunstâncias do fato e condições de medida cautelar, determinará a intimação da parte
pessoais do indiciado ou acusado. contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco)
§ 1º As medidas cautelares poderão ser dias, acompanhada de cópia do requerimento e das
aplicadas isolada ou cumulativamente. peças necessárias, permanecendo os autos em
§ 2º As medidas cautelares serão decretadas juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão
pelo juiz, de oficio ou a requerimento das ser justificados e fundamentados em decisão que
partes ou, quando no curso da investigação contenha elementos do caso concreto que justifiquem
criminal, por representação da autoridade essa medida excepcional.
policial ou mediante requerimento do § 4º No caso de descumprimento de qualquer das
Ministério Público. obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do
§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou Ministério Público, de seu assistente ou do querelante,
de perigo de ineficácia da medida, o juiz, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação,
ao receber o pedido de medida cautelar, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos
determinará a intimação da parte contrária, termos do parágrafo único do art. 312 deste Código.
acompanhada de cópia do requerimento e § 5º O juiz poderá, de oficio ou a pedido das partes,
das peças necessárias, permanecendo os revogar a medida cautelar ou substituí-la quando
autos em juízo. verificar a falta de motivo para que subsista, bem
§ 4º No caso de descumprimento de qualquer como voltar a decretá -la, se sobrevierem razões que
das obrigações impostas, o juiz, de oficio a justifiquem.
ou mediante requerimento do Ministério § 6º A prisão preventiva somente será determinada
Público, de seu assistente ou do querelante, quando não for cabível a sua substituição por outra
poderá substituir a medida, impor outra em medida cautelar, observado o art. 319 deste Código,
cumulação, ou, em último caso, decretar a e o não cabimento da substituição por outra medida
prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada
§ 5º O juiz poderá revogar a medida cautelar nos e lementos presentes do caso concreto, de forma
ou substituí-la quando verificar a falta de individualizada.
motivo para que subsista, bem como voltar
a decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.
§ 6º A prisão preventiva será determinada
quando não for cabível a sua substituição
por outra medida cautelar (art. 319).

Inicio, agora, os comentários às modificações realizadas nas medidas cautelares


pessoais do código. Muitas modificações foram realizadas e, conjuntamente com a lei
de abuso de autoridade, traz uma esperança de dias melhores sem prisões descabidas,
desnecessárias, mas prisões estritamente legais.

Nosso ordenamento jurídico, a aplicação de medida cautelar pessoal deve obedecer


aos princípios elencados no artigo 282 e seus incisos. Tivemos mudanças significativas
com a lei 12.403/2011 e as falhas que permaneceram foram, aparentemente, corrigidas
com a lei anticrime.

61
Hodiernamente nosso sistema é multicautelar, a regra é a liberdade. Não sendo
possível, por ser a liberdade do agente prejudicial à efetividade do processo, o magistrado
poderá lançar mão das medidas cautelares: as diversas da prisão ou a prisão preventiva.
Não menciono a prisão temporária, pois, em que pese ser uma medida cautelar, está
prevista em lei extravagante, e falo no presente momento somente das medidas previstas
no código processual.

A prisão em flagrante, com a devida vênia de quem pensa o contrário, entendo


ser medida pré-cautelar, visto que não tem o condão de resguardar o processo e sim
antecede à prisão que tem essa função, no caso, a preventiva. Ela se encerra, mormente
agora com a lei anticrime, 24 horas após a sua efetiva prisão. Portanto, não vejo como ter
natureza cautelar.

As medidas cautelares, antes dessa reforma, poderiam ser decretadas na fase


de investigação, somente a requerimento, ou, na fase processual, a requerimento ou de
ofício.

Muito se criticava a possibilidade do magistrado decretar medida cautelar de ofício


na fase processual, visto que não se coaduna com os princípios constitucionais e o sistema
acusatório.

Diante disso, a lei anticrime, no artigo 282, retirou a possibilidade de agir de ofício
do magistrado, acertadamente, conforme §2º e §4º, trazendo a possibilidade de agir
de ofício quando for o caso de revogar medida cautelar (§5º). Neste ponto, merece um
destaque que ao liberar a revogação ou substituição de ofício das medidas cautelares
quando não mais subsistir o motivo que a ensejou, visto que acaba sendo mais benéfico
ao agente, acabou permitindo o magistrado agir de ofício quando for para voltar a decretar,
se sobrevierem razões que a justifiquem.

Entendo que esta não foi a vontade do legislador, pois não faz sentido retirar todas
as possibilidades de decretar de ofício e permitir a decretação quando sobrevierem motivo,
ou seja, surgirem fatos novos. Acredito que houve uma falha do legislador que deverá ser
corrigida pelos tribunais.

Adiante, trouxe o prazo para manifestação do contraditório quando o requerimento


da medida não for urgente ou de perigo.

Nestes casos, o juiz das garantias ou juiz da instrução deverá justificar e fundamentar
por qual motivo o caso é urgente ou de perigo que justifique a medida.

Um ponto importante é a demonstração da insuficiência das medidas cautelares


para decretar preventiva.

62
No nosso ordenamento, a prisão preventiva ocorre como ultima ratio, ou seja, o
direito penal deve ser mínimo. A intervenção estatal na liberdade do cidadão, dentro de
um Estado democrático de Direito, somente se justifica diante de situações graves, que
representem risco ou dano a direito fundamental30.

O encarceramento é um mal a ser evitado, devido ao seu alto potencial estigmatizante


e os inúmeros problemas pessoais que disso decorrem.

Entende-se que a prisão preventiva se aplicará em último caso, quando nenhuma


outra medida puder ser aplicada. A prisão preventiva somente poderá ser decretada,
caso não seja possível a liberdade provisória ou não seja possível substituir por medidas
cautelares diversas da prisão.

Com a redação conferida ao artigo 282 do Código de Processo Penal pela Lei
12.403/11, que prioriza o princípio da proporcionalidade entre a medida cautelar e o
resultado do final do processo, passou-se a exigir para a decretação da prisão preventiva
não apenas a presença dos pressupostos e dos requisitos trazidos pelo artigo 312 do
Código de Processo Penal, mas, também, a sua necessidade e adequação diante do caso
concreto, sendo a prisão preventiva a última cautelar a ser aplicada, na perspectiva de sua
excepcionalidade, cabível apenas quando não incidirem outras medidas cautelares.

A lei anticrime trouxe de forma clara que para se decretar a prisão preventiva,
deverá ser demonstrado o não cabimento da substituição por outra medida cautelar, de
forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

Não basta mais dizer que são insuficientes, deverá dizer o motivo de serem
insuficientes, individualizando para cada medida o motivo de não atingir o objetivo das
cautelares.

5.8. ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada em flagrante delito ou por ordem escrita
da autoridade judiciária competente, em decorrência e fundamentada da autoridade judiciária
de sentença condenatória transitada em julgado ou, competente, em decorrência de prisão
no curso da investigação ou do processo, em virtude cautelar ou em virtude de condenação
de prisão temporária ou prisão preventiva. criminal transitada em julgado.

A modificação aqui trazida não há tanta relevância, pois vislumbro apenas um


texto mais enxuto, colocando numa ordem cronológica mais correta, de acordo com o
processo, sem alteração significativa.

30 PACELLI, Eugênio. Prisão Preventiva e liberdade provisória. Ed Atlas. 2013.

63
5.9. ARTIGO 287 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de
de exibição do mandado não obstará à prisão, exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso,
e o preso, em tal caso, será imediatamente em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz
apresenta do ao juiz que tiver expedido o que tiver expedido o mandado, para a realização de
mandado. audiência de custódia.

Em determinados casos poderá ocorrer a não possibilidade de exibir o mandado.


A modificação aqui trazida nada muda em relação à possibilidade de se prender mesmo
sem a exibição de mandado.

Todavia, o acréscimo realizado pela lei anticrime reforça o entendimento da


audiência de custódia a todos os presos, em razão de preventiva ou em casos de flagrante.

O artigo trata de prisão quando não for possível a exibição de mandado, ou seja, ou
é prisão temporária ou preventiva. Antes da lei anticrime, o agente poderia realizar a prisão,
e, após, apresentar imediatamente ao juiz que expediu o mandado. Essa apresentação,
com a lei nova, passa a ser a audiência de custódia, quando será verificada a necessidade
em se manter a prisão, substituí-la por outra medida ou conceder a liberdade irrestrita.

Em determinados casos, o mandado fora expedido há muito tempo, não cumprido,


e, de repente, ser realizada a prisão da pessoa sem a exibição do mandado, e ter ocorrido
já a revogação ou não ser mais necessária a prisão.

Norberto Avena31 explica o artigo 287 da seguinte forma:

“Eventualmente, pode ocorrer que não seja possível a exibição do mandado


à pessoa que deva ser presa. Considere-se, por exemplo, a hipótese em que
policiais, durante a madrugada, deparem-se, em via pública, com indivíduo
perigoso, já conhecido de operações anteriores, em relação ao qual sabem existir
mandado de prisão pela prática de crime de roubo. Nesta situação, estabelece
o art. 287 do CPP que, se a infração for inafiançável, a falta de exibição do
mandado não obstará a prisão, e o preso será imediatamente apresentado ao
juiz que tiver expedido o mandado.”

31 AVENA, Norberto. (03/2019). Processo Penal, 11ª edição [VitalSource Bookshelf version].

64
5.10. ARTIGO 310 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante,
flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas
I - relaxar a prisão ilegal; ou após a realização da prisão, o juiz deverá promover
- converter a prisão em flagrante em preventiva, audiência de custódia com a presença do acusado,
quando presentes os requisitos constantes do art. seu advogado constituído ou membro da Defensoria
312 deste Código, e se revelarem inadequadas Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa
ou insuficientes as medidas cautelares diversas audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:
da prisão; ou I - relaxar a prisão ilegal; ou
- conceder liberdade provisória, com ou sem II - converter a prisão em flagrante em preventiva,
fiança. quando presentes os requisitos constantes do art.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
prisão em flagrante, que o agente praticou o insuficientes as medidas cautelares diversas da
fato nas condições constantes dos incisos I a prisão; ou
III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, III - conceder liberdade provisória, com ou sem
de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, fiança.
poderá, fundamentadamente, conceder ao § 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em
acusado liberdade provisória, mediante termo flagrante, que o agente praticou o fato em
de comparecimento a todos os atos processuais, qualquer das condições constantes dos incisos
sob pena de revogação. I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), poderá, fundamentadamente, conceder
ao acusado liberdade provisória, mediante termo
de comparecimento obrigatório a todos os atos
processuais, sob pena de revogação.
§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente
ou que integra organização criminosa armada ou
milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito,
deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem
medidas cautelares.
§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação
idônea, à não realização da audiência de custódia
no prazo estabelecido no caput deste artigo
responderá administrativa, civil e penalmente pela
omissão.
§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após
o decurso do prazo estabelecido no caput deste
artigo, a não realização de audiência de custódia
sem motivação idônea ensejará também a
ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade
competente, sem prejuízo da possibilidade de
imediata decretação de prisão preventiva.

Muitos torciam o nariz para a audiência de custódia, pois não estava regulamentada
por lei e sim por resolução do CNJ, nº213, alterada pela resolução nº 268.

Não era crível a irresignação à audiência de custódia com base nesse argumento,
pois a mesma encontra respaldo em tratados referendados pelo Brasil, mormente a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que
traz no artigo 7º, item 5 que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida,
sem demora, à presença de um juiz”. Ademais, a Constituição Federal estabelece que os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo
mesmo quorum das emendas, serão equivalentes a esta.

65
Com o advento da lei anticrime, não há mais motivo para discutir a constitucionalidade
da audiência de custódia, que é preservada, respeitada a oralidade e contraditório, devendo
verificar a legalidade da segregação e sua continuidade.

Todavia, não podemos falar de constitucionalidade quando nos deparamos com


o §2º. Após longo tempo, volta a existir no meio de nós a liberdade provisória proibida,
aquela mesmo que era prevista na lei de drogas e foi declarada inconstitucional pelo STF,
de forma incidental, no julgamento do Habeas Corpus n.º 104.339/SP.

Além da lei de drogas, encontrava também a chamada liberdade provisória proibida


na lei, já revogada, de organização criminosa (art. 7.º da Lei 9.034/1995), na lei de crimes
hediondos (art. 2.º, II da lei 8.072/1990) antes da reforma realizada pela lei 11.464/2007
e no Estatuto do desarmamento (art. 21 da Lei 10.826/2003), dispositivo este que foi
declarado inconstitucional pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.112/DF.

Não se mostra arrazoado a vedação à liberdade provisória, independentemente


de qual crime tenha sido praticado. Para se manter uma pessoa presa provisoriamente,
é necessário que essa liberdade seja prejudicial ao processo, que a liberdade do agente
venha se mostrar perigosa à efetividade processual.

A vedação à liberdade provisória, somente em razão do crime praticado, tirará a


fundamentação da decisão que segregar a liberdade da pessoa, além de ir de encontro à
presunção de inocência.

A vedação à liberdade provisória fará com que o juiz das garantias mantenha a
pessoa presa sem indicar a devida fundamentação do artigo 312 do CPP, somente em
razão da vedação. O parágrafo segundo retira do juiz competente a oportunidade de, no
caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar. Para que
o decreto de custódia cautelar seja idôneo, é necessário que o ato judicial constritivo da
liberdade especifique, de modo fundamentado (CF, art. 93, IX), elementos concretos que
justifiquem a medida32.

Não é dessa forma que o legislador trará maior severidade à determinadas


categorias de crimes. Com duvidosa constitucionalidade, acredito que os tribunais
superiores, mormente o STF, declarará a inconstitucionalidade do parágrafo segundo do
artigo 310 do CPP.

Em seguida, tem a responsabilidade a quem der causa a não realização da


audiência de custódia, visto a tamanha importância da audiência.

E por fim, há a garantia que o prazo para realização será de 24 horas. Prazo
este por diversas vezes mitigado e chancelado pelos tribunais superiores que não viam
32 Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no HC 104.339/SP do STF.

66
constrangimento ilegal, entendendo ser mera irregularidade a não realização dentro do
prazo estabelecido.

Caso não ocorra dentro do prazo, a prisão em flagrante será imediatamente


relaxada, não criando óbice a imediata decretação da prisão preventiva, devendo a mesma
ser requerida, em face da impossibilidade de agir de ofício por parte do juiz das garantias.

5.11. ARTIGO 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial Art. 311. Em qualquer fase da investigação
ou do processo penal, caberá a prisão preventiva policial ou do processo penal, caberá a prisão
decretada pelo juiz, de oficio, se no curso da ação preventiva decretada pelo juiz, a requerimento
penal, ou a requerimento do Ministério Público, do do Ministério Público, do querelante ou do
querelante ou do assistente, ou por representação da assistente, ou por representação da autoridade
autoridade policial. policial.

A modificação aqui visualizada nada mais é que a retirada da possibilidade do juiz


decretar de ofício a prisão preventiva na fase processual, em consonância com as demais
alterações, salvo o §5º do artigo 282 do CPP. Trata-se de medida positiva para resguardar
o sistema acusatório e, assim, a imparcialidade do juiz.

67
5.12. ARTIGO 312 E 313 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada Art. 312. A prisão preventiva poderá ser
como garantia da ordem pública, da ordem decretada como garantia da ordem pública, da
econômica, por conveniência da instrução criminal, ordem econômica, por conveniência da instrução
ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando criminal ou para assegurar a aplicação da lei
houver prova da existência do crime e indício penal, quando houver prova da existência do
suficiente de autoria. crime e indício suficiente de autoria e de perigo
Parágrafo único. A prisão preventiva também gerado pelo estado de liberdade do imputado.
poderá ser decretada em caso de descumprimento § 1º A prisão preventiva também poderá ser
de qualquer das obrigações impostas por força de decretada em caso de descumprimento de
outras medidas cautelares ( art. 282, § 4o). qualquer das obrigações impostas por força de
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, outras medidas cautelares ( art. 282, § 4º).
será admitida a decretação da prisão preventiva: § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa deve ser motivada e fundamentada em receio de
de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; perigo e existência concreta de fatos novos ou
- se tiver sido condenado por outro crime doloso, contemporâneos que justifiquem a aplicação da
em sentença transitada em julgado, ressalvado o medida adotada.
disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto- Art. 313.(...)
Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código § 1º Também será admitida a prisão preventiva
Penal; quando houver dúvida sobre a identidade civil da
- se o crime envolver violência doméstica e familiar pessoa ou quando esta não fornecer elementos
contra a mulher, criança, adolescente, idoso, suficientes para esclarecê-la, devendo o preso
enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a ser colocado imediatamente em liberdade após a
execução das medidas protetivas de urgência; identificação, salvo se outra hipótese recomendar
- (revogado). a manutenção da medida.
Parágrafo único. Também será admitida a § 2º Não será admitida a decretação da prisão
prisão preventiva quando houver dúvida sobre preventiva com a finalidade de antecipação de
a identidade civil da pessoa ou quando esta não cumprimento de pena ou como decorrência
fornecer elementos suficientes para esclarecê- imediata de investigação criminal ou da
la, devendo o preso ser colocado imediatamente apresentação ou recebimento de denúncia.
em liberdade após a identificação, salvo se outra
hipótese recomendar a manutenção da medida.

A modificação que veio consolidar a jurisprudência dominante dos tribunais


superiores33.

O periculum libertatis é o perigo gerado pela liberdade do imputado e a decisão que


decretar a prisão preventiva deve ser fundamentada e demonstrada de forma concreta em
elementos contemporâneos existentes nos autos.

Para decretação da prisão preventiva, necessário se faz a presença de três


requisitos: Fumaça do cometimento do crime (a materialidade e indício suficiente de
autoria) + Perigo na liberdade do agente (um dos fundamentos trazidos no artigo 312) +
Cabimento (hipóteses descritas no artigo 313).34

33 STF; HC 156.600, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ Acórdão: Min. Ricardo Lewandowski,
Segunda Turma, j. 25/09/2018, DJe 19-09- 2019 e STJ; HC 431.200; Proc. 2017/0334802-4; SP; Quinta
Turma; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; Julg. 11/12/2018; DJE 19/12/2018.
34 10343042 - HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA
DECISÃO INDEFERITÓRIA DE LIMINAR NO STJ. ÓBICE DA SÚMULA Nº 691/STF. PORTE ILEGAL
DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. 1. À Vista da Súmula nº 691 do STF, de regra, não cabe ao Supremo Tribunal Federal conhecer
de habeas corpus impetrado contra decisão do relator pela qual, em habeas corpus requerido a tribunal

68
Para fundamentar, deverá o magistrado trazer elementos concretos presente
nos autos que façam demonstrar que a liberdade do agente trará prejuízo à efetividade
processual, sendo este risco atual.

A ausência de fundamentação, em que pese a possível presença dos outros


requisitos, é fundamental para validação do decreto prisional cautelar. Não há que se falar
em legalidade da prisão preventiva quando presentes os pressupostos (materialidade e
indício), presente a hipótese de cabimento, mas ausente a fundamentação.

A fundamentação da prisão preventiva ou o periculum libertatis é o risco que a


liberdade do agente trará ao processo, atingindo a ordem pública, a ordem econômica, a
conveniência da instrução criminal e segurança da aplicação da lei penal.

De qualquer modo, qualquer que seja o fundamento utilizado, visto que se trata de
situações alternativas, é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum
libertatis35. Isto quer dizer que não bastam presunções, ilações, meras conjecturas, é
preciso apontar nos autos elementos concretos que consubstanciem o fundamento
alocado na decisão que decreta a prisão preventiva e eles serem contemporâneos.

O renomado processualista penal Aury Lopes Júnior, ainda afirma em sua doutrina
(Ob. Cit.): “O perigo gerado pelo estado de liberdade do paciente deve ser real, com
suporte fático probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida”.

No artigo 313 houve a inclusão do parágrafo segundo, que também veio consolidar
jurisprudência dominante dos tribunais36. A prisão provisória não possui caráter de
antecipação de pena. Tampouco o fato de ter investigação gerará obrigatoriamente uma
prisão preventiva. Como disse acima, necessário a devida fundamentação lastreada em
elementos concretos.

superior, não se obteve a liminar, sob pena de indevida supressão de instância, ressalvadas situações em
que a decisão impugnada é teratológica, manifestamente ilegal ou abusiva. Precedentes. A hipótese dos
autos, todavia, autoriza a superação dessa regra procedimental. 2. Segundo o art. 312 do Código de
Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime
(materialidade) e indício suficiente de autoria, mais a demonstração de um elemento variável: (a)
garantia da ordem pública; ou (b) garantia da ordem econômica; ou (c) por conveniência da instrução
criminal; ou (d) para assegurar a aplicação da Lei penal. Para qualquer dessas hipóteses, é imperiosa
a demonstração concreta e objetiva de que tais pressupostos incidem na espécie, assim como deve
ser insuficiente o cabimento de outras medidas cautelares, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de
Processo Penal 3. No caso, o magistrado de primeiro grau lastreou sua decisão tão somente na repetição
textual dos requisitos previstos na Lei (art. 312 do CPP). Nada foi dito acerca das particularidades do
caso concreto. Chancelar essa decisão, portanto, equivaleria a dizer que, em qualquer caso, a decretação
da prisão cautelar seria medida necessária, o que, a toda evidência, não se coaduna com a disciplina
constitucional. Precedentes. 4. Ordem concedida. (Supremo Tribunal Federal STF; HC 129783; Segunda
Turma; Rel. Min. Teori Zavascki; Julg. 15/12/2015; DJE 11/02/2016; Pág. 43)
35 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal – 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016, p.
653.
36 STF; HC 115.613, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 25/06/2013, DJe 13-08-
2014

69
Da mesma forma, o fato da denúncia ser oferecida ou recebida não tem o condão
de fazer nascer uma prisão preventiva. Não é fundamento idôneo.

5.13. ARTIGO 315 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 315. A decisão que Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão
decretar, substituir ou denegar preventiva será sempre motivada e fundamentada.
a prisão preventiva será sempre § 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer
motivada. outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de
fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da
medida adotada.
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja
ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
- limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,
sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
- empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso;
- invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
- não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes
de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
- limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
- deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no
caso em julgamento ou a superação do entendimento.

As decisões devem ser fundamentadas. Assim diz a Constituição no artigo 93,


inciso IX. A existência da fundamentação, conforme a Carta Magna, é imperativa, e a sua
inexistência configura nulidade.

O cidadão tem o direito de saber quais motivos levaram o magistrado decretar a


medida cautelar. Como bem afirma o Professor Marcelo Abelha, “faz parte do próprio due
process of law”37.

Além do mais, decisões fundamentadas não tolhem o direito de recorrer do


investigado ou réu, pois saberá contra argumentar aos fundamentos utilizados.

Sobre o parágrafo primeiro, recomendo a leitura do item 5.12.

No que se refere ao parágrafo segundo, há uma cópia do artigo 489, §1º do CPC.

Para fundamentar uma decisão, não basta reproduzir o texto jurídico, necessita
demonstrar por qual motivo aquele texto jurídico incidiu sobre aquele caso concreto. É
preciso que faça concretização do conceito jurídico indeterminado em relação àquela
situação.

37 Abelha, Marcelo. Manuel de direito processual civil. 6ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro,
Forense, 2016. Pág. 658.

70
Não é permitido que se utilize de decisão de outros casos, a decisão é personalíssima.
Deve ser feito a subsunção de forma correta. Ademais, os argumentos levantados pela
parte devem ser enfrentados quando eles tornarem a decisão duvidosa. O magistrado
deverá dizer o motivo de rejeitar os argumentos levantados pelas partes e que vão de
encontro com a decisão.

Não pode também o magistrado invocar um precedente, enunciado ou súmula


sem fazer o devido cotejo analítico, mostrando que o verbete utilizado se ajusta ao caso
concreto.

Quando a parte demonstrar um verbete ou jurisprudência, deverá o magistrado


fundamentar informando o motivo daquela súmula, jurisprudência ou precedente não se
amolda ao caso concreto e por isso não o adotou.

5.14. ARTIGO 316 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão Art. 316. O juiz poderá, de oficio ou a pedido das partes,
preventiva se, no correr do processo, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação
verificar a falta de motivo para que ou do processo, verificar a falta de motivo para que
subsista, bem como de novo decretá-la, se ela subsista, bem como novamente decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem. sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o
órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de oficio, sob pena de tornar a prisão
ilegal.

A grande modificação aqui se dá no parágrafo único. Como em outros casos, se


trata de uma inovação legislativa.

Quanto à alteração do caput, é a mesma situação do parágrafo quinto do artigo


282 do CPP. Em razão do lapso do legislador, pode ter permitido uma atuação de ofício
quando o magistrado entender pela decretação novamente, se sobrevier novas razões
que a justifiquem. Sobre o tema, recomendamos a leitura do item 5.7, no que diz respeito
ao parágrafo quinto.

No parágrafo único temos a revisão periódica da prisão preventiva. Por ser a medida
mais gravosa que o Estado poderá lançar mão em relação à liberdade do agente, a revisão
é extremamente necessária para verificação das validades dos motivos que ensejaram a
prisão preventiva, se permanecem os motivos, se não é o caso de substituição por outra
medida cautelar, enfim, medida necessária para a quantidade de presos provisórios que
possuímos hoje no país.

71
Norberto Avena, diz assim em sua doutrina38:

“Em verdade, o aspecto relativo à revogação das medidas pessoais de caráter


pessoal é norteado pela cláusula rebus sic stantitus, que pode ser lida como
“enquanto as coisas estiverem assim”. Isto implica dizer que a decisão judicial que
decretar a prisão preventiva ou outra medida cautelar diversa da prisão deverá
ser reflexo da situação existente no momento em que proferida, persistindo
o comando a ela inserido enquanto esse mesmo contexto fático se mantiver.
Se o reverso ocorrer e desfizer-se o cenário que justificou a determinação das
providências emergenciais, caberá ao Poder Judiciário ordenar a respectiva
revogação, restabelecendo a situação anterior.”

Portanto, se a situação se alterar, deve ser revogada a medida e a revisão periódica


irá combater a desnecessidade da prisão preventiva.

Urge mencionar que a manifestação sobre a revisão periódica deve ser


fundamentada, não bastando a mera repetição dos fundamentos da decisão anterior.

5.15. ARTIGO 492 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 492. Em seguida, Art. 492. (...)
o presidente proferirá I – (...)
sentença que: e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em
I – no caso de condenação: que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou,
e) mandará o acusado no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze)
recolher-se ou recomendá- anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas,
lo-á à prisão em que se com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do
encontra, se presentes conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;
os requisitos da prisão § 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a
preventiva; execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do
caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo
tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à
revisão da condenação.
§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do
Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não
terá efeito suspensivo.
§ 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo
à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado
cumulativamente que o recurso:
- não tem propósito meramente protelatório; e
- levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição,
anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para
patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.
§ 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito
incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado
dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença
condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade,
das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da
controvérsia.

Um dos maiores pontos negativos da lei anticrime: execução provisória da pena


para os condenados à pena igual ou superior a 15 anos.
38 AVENA, Norberto Pâncaro. Processo Penal Esquematizado, 6ª edição. Método, 02/2014.
VitalBook file.

72
Até o final do ano de 2019 havia a discussão sobre a execução provisória da pena
em âmbito geral, ou seja, a todos os crimes. Por maioria extremamente apertada, o STF
vetou a execução provisória da pena.

Todavia, em voto de minerva, o Ministro Dias Toffoli deixou claro seu pensamento
em relação à execução provisória da pena dos crimes de competência do tribunal do júri,
entendendo que não haveria obstáculo ao início do cumprimento da pena.

Hoje o tema está em pauta no STF, com julgamento marcado para fevereiro de 2020
(até o fechamento desse livro ainda não havia iniciado o julgamento), no RE 1.235.340.

O direito de responder em liberdade está atrelado às prisões cautelares. As prisões


cautelares são aquelas que têm por finalidade garantir que o processo chegue ao seu final
sem nenhum tipo de obstáculo causado pela liberdade do réu.

Se a liberdade do réu não traz nenhum prejuízo ao processo, a sua prisão é


ilegal. Portanto, a prisão durante o processo somente ocorrerá quando a liberdade do
réu atrapalhar o andamento do processo e que chegue ao seu final sem nenhum tipo de
inferência externa.

A negativa do direito de recorrer em liberdade, sem fatos novos que justifiquem a


medida, amparada somente no argumento de que a decisão condenatória proferida pelo
Tribunal do Júri deve ser executada prontamente, sem qualquer elemento do caso concreto
para demonstrar a necessidade da segregação cautelar, não transitada em julgado, torna
a prisão ilegal39.

Portanto, diante da mudança do entendimento do STF, mas levando em


consideração o posicionamento do Ministro Dias Toffoli, bem como a iminente decisão
do STF em sede de Recurso Extraordinário, tem-se um debate caloroso se aproximando.
Mantenho a crença que a execução provisória não será permitida pelo STF, vindo a ter
consequências na neófita lei anticrime.

Conforme a novidade legislativa, a execução provisória poderá deixar de ocorrer


quando o presidente da sessão visualizar uma possível revisão da decisão. De igual forma
poderá aplicar o efeito suspensivo a apelação e, por via de consequência, suspender
a execução provisória, desde que cumulativamente o recurso não tenha finalidade
protelatória e que levante questão substancial que poderá resultar em absolvição, anulação
da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze)
anos de reclusão. Penso como será a aferição de um recurso manifestamente protelatório
quando uma pessoa é condenada.

39 STJ; HC 521.628/PA, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado
em 08/10/2019, DJe 14/10/2019

73
O fato de o Tribunal Revisor não estar legitimado a efetuar um amplo juízo
rescisório no julgamento de apelação contra decisão do Júri, em nada influencia tampouco
implica na execução imediata da sentença condenatória, pois permanece incólume a sua
competência para efetuar o efeito devolutivo e determinar, se for o caso, até mesmo um
novo julgamento.

A parte também poderá fazer o pedido de efeito suspensivo da apelação de forma


incidental ao relator, desde que faça juntada com cópias da sentença condenatória, das
razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças
necessárias à compreensão da controvérsia.

5.16. ARTIGO 564 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo Art. 564. (...)
correspondente. V - em decorrência de decisão carente de fundamentação.

A lei anticrime acrescenta mais uma hipótese legal de nulidade. Como em outras
vezes, essa inovação é a afirmação da jurisprudência pacífica dos tribunais.

Decisão carente de fundamentação é nula. Com o agora inciso V no artigo 564,


fica legalmente nulo quando uma decisão estiver ausente da devida fundamentação.

Certo que o entendimento hodierno é que deverá ser demonstrado o prejuízo à


parte, entendo que o fato de estar ausente de fundamentação, torna prejudicial a parte
que não sabe o motivo que levou ao magistrado a chegar aquela conclusão, bem como
impossibilitará manejo de recurso, visto não ter ciência da motivação. Portanto, o fato de
estar carente de fundamentação, entendo que, por si só, já é prejudicial a parte, violando
o princípio da ampla de defesa.

Para mais sobre o tema, recomendo a leitura do item 5.13.

74
5.17. ARTIGO 581 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo Art. 581. (...)
correspondente. XXV - que recusar homologação à proposta de acordo de não
persecução penal, previsto no art. 28-A desta Lei.

A lei anticrime trouxe no artigo 581 mais uma hipótese de cabimento de recurso
em sentido estrito.

Diante da inclusão legislativa do ANPP e por se tratar de direito subjetivo do


investigado, quando preenchidos os requisitos, tendo o investigado aceitado as condições,
o juiz deverá homologar.

Não o fazendo, o juiz deverá motivar qual a razão de não homologar. Havendo a
recusa injustificada, as partes poderão interpor o RESE, recurso em sentido estrito.

A inclusão está em consonância com a nova sistemática do processo penal, diante


das modificações trazidas pela lei anticrime.

Para melhor entender a ANPP, recomendo a leitura do item 5.3.

5.18. ARTIGO 638 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Código de Processo Penal


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 638. O recurso extraordinário será Art. 638. O recurso extraordinário e o recurso especial serão
processado e julgado no Supremo processados e julgados no Supremo Tribunal Federal e
Tribunal Federal na forma estabelecida no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por
pelo respectivo regimento interno. leis especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos
regimentos internos.

O presente artigo vem incluir o recurso especial, que havia ficado de fora na
redação antiga.

Outro ponto que entendo pertinente é a ordem da forma estabelecida em leis.


Na redação anterior, trazia que o processamento e julgamento se dariam na forma do
regimento interno.

Todavia, a redação é de 1941. Em 1990 foi promulgada a lei 8038, que institui
normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de
Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

Alguns artigos dessa lei foram revogados pelo CPC de 2015, entretanto, o
entendimento na Corte Suprema é que, em relação ao processo penal, prevalece a lei

75
8038 em detrimento do CPC. Diante disso, o prazo para agravo em Recurso Extraordinário
é de cinco dias e não quinze dias como no CPC.

Dito isso, verifico que a ordem colocada pelo legislador no artigo 638 é a lei especial
(entendo ser a 8038/90), lei processual civil e respectivo regimento interno.

Portanto, entendo que, em caso de dúvida ou lacuna, prevalece a lei 8038/90,


caso permaneça a lacuna aplica o CPC e por fim o regimento interno.

6. DAS MODIFICAÇÕES NAS LEIS ESPECIAIS

Muitas leis penais foram modificadas pela lei anticrime, em especial a lei de
execução penal, lei de drogas e estatuto do desarmamento, entre outras.

Farei uma breve análise das alterações realizadas na lei de execução penal, lei
de drogas e estatuto do desarmamento, observando a objetividade e clareza nos efeitos
originados pelas modificações.

6.1. DAS MODIFICAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Tratar da lei de execução penal é uma tarefa árdua, pois além de envolver as
normas inerentes à matéria, hão de ser consideradas as mazelas do sistema penitenciário.
É preciso contextualizar as normas à superpopulação carcerária, a falta de recursos
humanos, as situações degradantes das unidades prisionais, além da falta de recursos
financeiros para melhorias.

De qualquer modo, algumas alterações tiveram por objetivo obstaculizar as saídas


dos apenados sem trazer inovações as regras que dizem respeito a ressocialização, se
preocupando mais em impedir a saída do apenado que prepará-lo para viver em sociedade.

Destarte, espero que os comentários aqui possam ajudar a compreender as


modificações realizadas.

76
6.1.1. ARTIGO 9º-A E 50 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal)


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, Art. 9º-A. (VETADO).
com violência de natureza grave contra pessoa, ou por § 1º - (...)
qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei no 8.072, de § 1º-A. A regulamentação deverá
25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à fazer constar garantias mínimas
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - de proteção de dados genéticos,
ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. observando as melhores práticas da
§ 1º A identificação do perfil genético será armazenada em genética forense.
banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido § 2º - (...)
pelo Poder Executivo. § 3º Deve ser viabilizado ao titular
§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer de dados genéticos o acesso aos
ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso seus dados constantes nos bancos
ao banco de dados de identificação de perfil genético. de perfis genéticos, bem como a
todos os documentos da cadeia de
custódia que gerou esse dado, de
maneira que possa ser contraditado
pela defesa.
§ 4º O condenado pelos crimes
previstos no caput deste artigo
que não tiver sido submetido à
identificação do perfil genético
por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional deverá ser
submetido ao procedimento durante
o cumprimento da pena.
§ 8º Constitui falta grave a recusa
do condenado em submeter -se ao
procedimento de identificação do
perfil genético.
Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal)
Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa Art. 50. (...)
de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para VIII - recusar submeter-se ao
subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; procedimento de identificação do
III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a perfil genético.
integridade fisica de outrem; IV - provocar acidente de trabalho;
- descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
- inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo
39, desta Lei.
– tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de
rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos
ou com o ambiente externo.

A identificação do perfil genético do preso, de acordo com as premissas da inclusão


do artigo 9º-A pela lei 12.654/2012, tem por objetivo aparelhar banco de dados para auxiliar
investigações e elucidar futuras infrações penais.

Ademais, tem o intuito de identificar os apenados e contribuir para individualização


da pena e classificação do preso.

A respeito da constitucionalidade do artigo 9º-A, trago as palavras do professor


Norberto Avena40, em sua obra “Execução Penal esquematizado”, que assim nos diz:
40 AVENA, Pâncaro, N. C. (11/2013). Execução Penal Esquematizado. 2. ed. rev. e atual. Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. Pág. 29.

77
“Considerando que o fornecimento desse material é obrigatório para os
condenados pelos crimes antes referidos, nos termos do art. 9º-A da L. 7.210,
parte expressiva da doutrina vem sustentando a inconstitucionalidade do
dispositivo, sob o argumento de que implica violação ao direito que sobressai
do art. 5º, LXIII, da Constituição Federal no sentido de que ninguém pode ser
obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
Particularmente, discordamos dessa posição. Consideramos, enfim, que a
proibição de que o indivíduo seja obrigado a produzir prova contra si alcança
unicamente situações nas quais se pretenda constrangê-lo a uma postura
ativa, por exemplo, o fornecimento de DNA no curso de uma investigação em
andamento para comprovar a autoria de um crime pelo suspeito. Isso não pode
ser feito. Contudo, na situação prevista no art. 9º-A da L. 7.210/1984, o que se
estabelece é a obrigação legal de que indivíduos já condenados pela prática de
determinados crimes (graves, pela própria natureza) forneçam material biológico
a fim de compor banco de dados, a fim de subsidiar futuras investigações em
relação a delitos diversos dos que motivaram a extração. A situação, como
se vê, não envolve um comportamento ativo no sentido do fornecimento de
provas para uma investigação ou processo em andamento, mas simplesmente
o abastecimento de banco de dados que permanecerá inerte (passivo),
podendo ser acessado pelas autoridades policiais para fins de investigações
de crimes apenas por ordem judicial. Tal raciocínio, enfim, guarda simetria com
o entendimento adotado pela Suprema Corte norte-americana ao apreciar o
célebre caso Schmerber v. Califórnia (1966). Nessa oportunidade, foi realizada
a distinção entre os procedimentos que exigem a participação ativa do acusado
e aqueles em que o acusado é apenas de uma fonte passiva de elementos de
prova, entendendo-se que, neste último caso, não haveria ofensa ao nemo
tenetur se detegere. “

Discordo quanto ao posicionamento de não ser inconstitucional. Independente de


postura ativa ou passiva para colhimento de material genético e que servirá para futuras
investigações, há uma produção de prova antecipada, ainda mais com as modificações
trazidas pela lei anticrime, que coloca uma punição quando o acusado se recusa a permitir
o colhimento de material genético.

A defesa do argumento da constitucionalidade que o material poderá isentá-lo de


futura incriminação, soa como ardil, artifício de submeter uma pessoa a produzir prova
contra si mesmo.

Há um Recurso Extraordinário acerca do tema, já com repercussão geral, (RE


973837) aguardando julgamento.

Para se submeter ao colhimento de material genético, o apenado deverá ter


praticado crimes com violência ou grave ameaça à pessoa elencados na lei de crimes
hediondos (8072/1990), que também foi modificada pela lei anticrime (verá adiante).

O exame de DNA deverá ser determinado na sentença condenatória, aguardando


o trânsito em julgado em razão do princípio da presunção de inocência. Não havendo
determinação, o juízo da execução penal poderá determinar, ouvido o Ministério Público
e a defesa. A nova lei permite que possam ser realizados os exames durante a fase de
cumprimento de pena, caso não tenham sido realizados no momento do ingresso no
sistema prisional.

78
As alterações sancionadas pelo Presidente da República se encontram no §§1º-A,
3º, 4º e 8º.

Devem ser asseguradas ao apenado as garantias mínimas no momento do


colhimento, proibidas técnicas não adequadas e dolorosas. Ao apenado será garantido
também acesso a todos os dados, bem como a cadeia de custódia, para que possa ter a
certeza que o material no momento de sua utilização não foi alterado, se manteve incólume
desde o seu colhimento.

Por fim, temos a mudança mais significativa, que, a meu ver, com duvidosa
constitucionalidade.

O parágrafo oitavo inclui como falta grave a recusa em submeter ao procedimento


para identificação de perfil genético, assim como a alteração do artigo 50 da lei de execução
penal.

No recurso extraordinário dito alhures, a Procuradora Geral da República se


manifestou na seguinte forma:

“O legislador, ao editar a Lei 12.654/2012, estabeleceu a utilização, mediante


cooperação jurídica, do Sistema CODIS – Combined DNA Index System –, criado
pelo FBI norte-americano e já utilizado em mais de 30 países, para auxiliar no
gerenciamento dos dados ali lançados.
Trouxe, ainda, dois instrumentos bastante úteis na investigação criminal: o
primeiro, relativo à coleta e armazenamento de material biológico extraído da
vítima ou do local do crime, assim como de investigados; o segundo, concernente
à coleta de material biológico de indivíduos condenados pela prática de crimes
graves ou cometidos com violência. Nesse segundo caso enquadra-se o
recorrente.
De início, há afastar a suposta abstração do artigo 5º–II da Constituição, uma
vez tratar-se de obrigação estabelecida em lei. O recorrente invoca, ainda, que o
direito de não produzir prova contra si mesmo acoberta o direito de o condenado
não fornecer o material biológico determinado.
Ora, a lei, malgrado estabeleça obrigação, não tratou do emprego de meios
coercitivos diretos para obtenção do material. Logo, não há presumir ser possível
o emprego de força, a fim de compelir o investigado ou condenado a fornecer o
material biológico. Por outro lado, obtido o material genético por meio diverso não-
invasivo, autorizada está sua submissão à perícia, cruzamento de informações e
armazenamento do perfil genético em banco de dados.
Nestes casos, a obtenção da prova dar-se-á a partir de prévia decisão judicial
que avaliará, no caso concreto, a proporcionalidade da medida.
Para a análise da prerrogativa contra a autoincriminação, é necessário observar
que, mesmo nos casos que dependem de uma participação ativa do agente, uma
vez fornecido voluntariamente o material não há falar em ofensa ao princípio da
não autoincriminação. O direito não apenas reputa válida a prova assim obtida,
mas a encoraja.
Com efeito, o fornecimento de padrão gráfico ou vocal para perícias, por exemplo,
não é viável senão mediante a sujeição do indivíduo ao quanto determina a lei.
Em caso de discordância, não é possível compelir o sujeito sem que para tanto se
ofendam direitos assegurados aos indivíduos, assim como as próprias condições
exigidas para o exame.
No caso de confrontação de perfis genéticos, certo é que a produção da prova
prescinde de um comportamento ativo do sujeito, mas depende, por outro lado,
de sua anuência, uma vez que o procedimento impõe uma intervenção corporal,

79
ainda que mínima e indolor. Desautorizada a coleta, o procedimento padrão para
a coleta do material não deve ser executado.
Logo, não há supor ofensa à aludida prerrogativa nos casos em que o investigado
atenda à determinação legal e, voluntariamente, submeta-se a exame para
coleta de material genético, assim como não há afronta ao aludido princípio nos
casos em que o agente abra mão do direito ao silêncio e confessa a prática de
determinado crime.
Relevante observar, contudo, que, no presente caso, é possível a obtenção de
material genético independentemente da anuência do agente.
Normatizou-se como técnica padrão para a obtenção do perfil genético o
esfregaço bucal com suabe. Cuida-se de técnica pouco invasiva e indolor. A
despeito de ser possível obter o material genético mediante intervenção corporal
desautorizada, certo é que o legislador assim não dispôs.
O Instituto Nacional de Criminalística, ao tratar do tema, esclareceu que
procedimentos alternativos para coleta do perfil genético terão lugar quando o
agente não concordar em fornecer o material biológico. Nesse sentido, listou três
distintas possibilidades, todas sempre acompanhadas por perito, a fim de evitar
a contaminação do material e documentar a cadeia de custódia:
a) a utilização de material biológico coletado em eventuais exames de saúde
feitos no indivíduo custodiado;
b) a coleta de objetos pessoais – escovas de cabelo, copos ou talheres usados,
roupas íntimas, entre outros, coletados em ambiente isolado e/ou controlado;
c) a busca e apreensão mediante prévia autorização judicial de objetos pessoais
– esta última hipótese de aplicação mais restrita.
Certo é que, em caso de recusa, a coleta não é feita pelo método ordinário,
não se compelindo o agente a fornecer o material. Nestes casos, documenta-
se o fato em termo próprio e se o submete à autoridade judicial competente,
que deliberará pela obtenção do material mediante um dos procedimentos
alternativos existentes. Da obtenção deste material não há supor ofensa à não
autoincriminação, nem, tampouco, à dignidade do indivíduo.
Assim, ainda que se estenda a prerrogativa do silêncio para além do que
expressamente enuncia o texto constitucional, certo é que tal direito não pode
ser invocado em procedimentos em que o agente não produza ativamente prova
contra si.”

Reparem que um ponto nodal da manifestação está na possibilidade do apenado


se recusar a se submeter ao exame, não havendo punição, consequências ao apenado
em se recusar e se manter no seu direito ao silêncio, pois há outras formas não invasivas
para colher o material genético do executado.

Todavia, ao contrário da manifestação da PGR, que defende a constitucionalidade


do artigo 9º-A da lei de execução penal exatamente pelo fato da possibilidade de se recusar,
a lei anticrime traz punição para o apenado que se recusar a se submeter ao exame.

Além do fato de ser inconstitucional o procedimento para identificação do perfil


genético, posição deste que vos escreve, a punição torna clara a obrigatoriedade da
submissão ao exame, ficando mais evidente a inconstitucionalidade.

Importa ressaltar que foi objeto de questionamento por parte do relator do recurso
ao Instituto de Criminalística, qual era o procedimento em caso de recusa por parte do
apenado, que antes não havia e com a nova lei anticrime há. Não obstante não haver
no momento do questionamento, com a nova lei será aberto procedimento disciplinar,

80
em razão de configurar falta grave, contrariando princípios constitucionais explícitos e
implícitos.

Por fim, registra-se que a lei 12.037/2012, que incluiu a identificação do perfil
genético, foi alterada pela lei anticrime também no seu artigo Art. 7º-A, trazendo as
hipóteses de exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá que ocorrerá
nos casos de absolvição do acusado ou no caso de condenação do acusado, mediante
requerimento, após vinte anos do cumprimento da pena.

81
6.1.2. ARTIGO 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal)


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 52. A prática de fato previsto como crime Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso
doloso constitui falta grave e, quando o casione constitui falta grave e, quando ocasionar subversão
subversão da ordem ou disciplina internas, da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso
sujeita o preso provisório, ou condenado, sem provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro,
prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar
diferenciado, com as seguintes características: diferenciado, com as seguintes características:
- duração máxima de trezentos e sessenta dias, - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo
sem prejuízo de repetição da sanção por nova de repetição da sanção por nova falta grave de
falta grave de mesma espécie, até o limite de mesma espécie;
um sexto da pena aplicada; - recolhimento em cela individual;
- recolhimento em cela individual; - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez,
- visitas semanais de duas pessoas, sem contar a serem realizadas em instalações equipadas para
as crianças, com duração de duas horas; impedir o contato fisico e a passagem de objetos, por
- o preso terá direito à saída da cela por 2 horas pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado
diárias para banho de sol. judicialmente, com duração de 2 (duas) horas;
§ 1º O regime disciplinar diferenciado - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas
também poderá abrigar presos provisórios diárias para banho de sol, em grupos de até 4
ou condenados, nacionais ou estrangeiros, (quatro) presos, desde que não haja contato com
que apresentem alto risco para a ordem e a presos do mesmo grupo criminoso;
segurança do estabelecimento penal ou da - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas
sociedade. com seu defensor, em instalações equipadas para
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime impedir o contato fisico e a passagem de objetos,
disciplinar diferenciado o preso provisório ou salvo expressa autorização judicial em contrário;
o condenado sob o qual recaiam fundadas - fiscalização do conteúdo da correspondência;
suspeitas de envolvimento ou participação, a - participação em audiências judiciais
qualquer titulo, em organizações criminosas, preferencialmente por videoconferência, garantindo-
quadrilha ou bando. se a participação do defensor no mesmo ambiente
do preso.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será
aplicado aos presos provisórios ou condenados,
nacionais ou estrangeiros:
I - que apresentem alto risco para a ordem e
a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade;
II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de
envolvimento ou participação, a qualquer titulo, em
organização criminosa, associação criminosa ou
milícia privada, independentemente da prática de
falta grave.
§ 2º (Revogado).
§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança
em organização criminosa, associação criminosa ou
milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em
2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime
disciplinar diferenciado será obrigatoriamente
cumprido em estabelecimento prisional federal.

82
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime
disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado
sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano,
existindo indícios de que o preso:
- continua apresentando alto risco para a ordem e a
segurança do estabelecimento penal de origem ou
da sociedade;
- mantém os vínculos com organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada,
considerados também o perfil criminal e a função
desempenhada por ele no grupo criminoso, a
operação duradoura do grupo, a superveniência
de novos processos criminais e os resultados do
tratamento penitenciário.
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o
regime disciplinar diferenciado deverá contar com
alta segurança interna e externa, principalmente
no que diz respeito à necessidade de se evitar
contato do preso com membros de sua organização
criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
ou de grupos rivais.
§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste
artigo será gravada em sistema de áudio ou de
áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada
po agente penitenciário.
§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime
disciplinar diferenciado, o preso que não receber a
visita de que trata o inciso III do caput deste artigo
poderá, após prévio agendamento, ter contato
telefônico, que será gravado, com uma pessoa
da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez)
minutos.

Primeiramente, urge mencionar que o Regime Disciplinar Diferenciado, doravante


me referirei por RDD, não se trata de um novo regime, como o fechado, semiaberto ou
aberto, mas uma forma de cumprimento de regime fechado.

Será aplicado tanto aos presos nacionais quanto aos estrangeiros, sendo uma
inovação da lei anticrime ao caput do artigo 52 da LEP, não obstante essa previsão já
existir no parágrafo primeiro.

Trata-se de uma sanção penal, de acordo com o caput, e uma medida cautelar, em
razão da previsão do parágrafo primeiro, mormente com a nova redação trazida pela lei.

O RDD se destina àqueles que praticam fato definido como crime doloso, desde que
essa conduta ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, aos presos provisórios
ou condenados definitivos, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a
ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade e aos presos provisórios
ou condenados definitivos sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou
participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia
privada, ou de grupos rivais, já com a nova redação da lei anticrime.

As características do RDD consistem em recolhimento em cela individual, visitas


quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas

83
para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso
de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas, direito do preso à
saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro)
presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso, entrevistas
sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para
impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial
em contrário; fiscalização do conteúdo da correspondência; participação em audiências
judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor
no mesmo ambiente do preso.

Das modificações trazidas pela lei anticrime, ressalto o banho de sol, que antes
era individual e passa ser para grupo de quatro pessoas, sendo que caso não seja do
mesmo grupo criminoso, poderá ser junto o banho de sol, o que melhora a dignidade, vez
que antes o banho de sol era individual.

Outro ponto importante foi proibir o monitoramento das conversas com defensor,
observando assim o Estatuto da Advocacia.

Destaca-se, ainda, a fiscalização das correspondências. A Constituição traz o sigilo


das correspondências e ver uma lei federal dissipar uma garantia ao cidadão dessa forma,
me faz visualizar o direito penal do inimigo nesse pormenor41.

O RDD terá duração de dois anos, diferente dos 365 dias da redação anterior.
Anteriormente havia um limite de até 1/6 da pena, o que não tem mais essa previsão,
visto que o limite é de dois anos, podendo ter novo prazo em caso de nova falta grave da
mesma espécie.

O parágrafo quarto autoriza a prorrogação de um ano, sucessivamente quando


ocorrerem as hipóteses do parágrafo primeiro e terceiro, se houver indícios que o preso
continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento
penal de origem ou da sociedade, mantém os vínculos com organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a
função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a
superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.

41 APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELO MINISTERIAL. PROVAS


DA AUTORIA. APREENDIDA CARTA ATRIBUÍDA A PRESO. PROVA CONSIDERADA ILÍCITA. AUSÊNCIA
DE MOTIVAÇÃO PARA VIOLAÇÃO DO SIGILO DA CORRESPONDÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO
FRÁGIL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. A violação do sigilo da correspondência de preso é admitida desde que
haja motivação por parte da autoridade, o que não foi demonstrado no caso em comento, não podendo
ser aproveitada a prova. Ausentes provas confirmando autoria e materialidade, necessária a absolvição.
(TJMS; ACr 2010.003148-4/0000-00; Bonito; Primeira Turma Criminal; Rel. Des. Dorival Moreira dos Santos;
DJEMS 04/05/2010; Pág. 56)

84
Não vejo como constitucional a prorrogação sucessiva sem um limite, mesmo que
o fator que autoriza a prorrogação permaneça, visto a natureza de sanção disciplinar e,
com isso, ter uma sanção com caráter perpétuo.

O RDD poderá ser cumprido em estabelecimento estadual ou federal, sendo


obrigatoriamente federal quando houver indícios de que o preso exerce liderança em
organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação
criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação.

85
6.1.3. ARTIGO 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal)


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 112. A pena privativa de liberdade será Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em
executada em forma progressiva com a transferência forma progressiva com a transferên cia para regime menos
para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um cumprido ao menos:
sexto da pena no regime anterior e ostentar bom - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor primário e o crime tiver sido cometido sem violência à
do estabelecimento, respeitadas as normas que pessoa ou grave ameaça;
vedam a progressão . - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for
§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou
de manifestação do Ministério Público e do defensor. grave ameaça;
§ 2º Idêntico procedimento será adotado na - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado
concessão de livramento condicional, indulto for primário e o crime tiver sido cometido com violência
e comutação de penas, respeitados os prazos à pessoa ou grave ameaça; - 30% (trinta por cento) da
previstos nas normas vigentes. pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe violência à pessoa ou grave ameaça;
ou responsável por crianças ou pessoas com - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for
deficiência, os requisitos para progressão de regime condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado,
são, cumulativamente: se for primário;
I - não ter cometido crime com violência ou grave - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
ameaça a pessoa; condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado,
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou com resultado morte, se for primário, vedado o livramento
dependente; condicional;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena condenado por exercer o comando, individual ou coletivo,
no regime anterior; de organização criminosa estruturada para a prática de
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, crime hediondo ou equiparado; ou
comprovado pelo diretor do estabelecimento; condenado pela prática do crime de constituição de milícia
V - não ter integrado organização criminosa. privada;
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for
grave implicará a revogação do benefício previsto no reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
§ 3º deste artigo. - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for
reincidente em crime hediondo ou equiparado com
resultado morte, vedado o livramento condicional.
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à
progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária,
comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas
as normas que vedam a progressão.
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de
regime será sempre motivada e precedida de manifestação
do Ministério Público e do defensor, procedimento que
também será adotado na concessão de livramento
condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os
prazos previstos nas normas vigentes.
(...)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os
fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no
§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução
da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para
a obtenção da progressão no regime de cumprimento da
pena, caso em que o reinício da contagem do requisito
objetivo terá como base a pena remanescente.

Essa é das modificações que mais chamou atenção na lei de execução penal. Antes
da lei anticrime, havia a progressão de regime com três frações. Havia a progressão com o
cumprimento de 1/6 da pena em casos de crimes diversos dos hediondos e equiparados,
sendo irrelevante se era primário ou reincidente. Nos crimes hediondos ou equiparados a
hediondos, a progressão de regime operava quando houvesse o cumprimento de 2/5 da

86
pena, caso fosse primário, ou 3/5 em caso de reincidência, conforme previa o artigo 2º, §2º
da lei de crimes hediondos, revogado pela lei anticrime, em consonância com o presente
artigo analisado.

Havia ainda, e permanece, visto não ter sido alterado ou revogado, a progressão
de regime a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com
deficiência. Nestes casos, a progressão de regime ocorre quando há o cumprimento 1/8
da pena, além de preencher os demais requisitos do parágrafo terceiro.

Em caso de falta grave ou prática de crime doloso, o benefício do parágrafo terceiro


será revogado.

Da vigência do artigo 2º, §2º da lei de crimes hediondos, a fração estabelecida


para progressão de regime devia respeitar a previsão tanto do parágrafo terceiro quanto
do parágrafo quarto do artigo 112 da lei de execução penal.

Já adiantando o tema das modificações, ressalto que o parágrafo terceiro se


sobrepõe em relação a qualquer porcentagem estabelecida nos incisos do caput do artigo
112. Preenchendo os requisitos do parágrafo terceiro, a apenada deverá seguir a fração
de 1/8 para lograr em progredir, o que equivale a 12,5% da pena, sendo hoje a menor
porcentagem para alcançar a progressão de regime.

Como se pode observar, a primeira alteração foi retirar a forma de fração passando
para porcentagem. Isso implicará uma novatio legis in mellius na primeira hipótese de
progressão, prevista no artigo 112, inciso I, da LEP.

Em razão do conteúdo da lei de execução penal ser direito material, quaisquer


alterações realizadas somente serão aplicadas a fatos posteriores a vigência da lei.
Tratando-se de norma mais benéfica, deve retroagir, de acordo com o artigo 5º, XL, da
CF42.

Anterior à lei anticrime, quaisquer crimes que não fossem hediondos ou


equiparados a hediondos, aplicavam a fração de 1/6, independentemente dos apenados
serem primários ou não.

Com o novo texto, há uma diferenciação de ser primário, crime com violência ou
grave ameaça, se for crime hediondo (antes a previsão era na lei de crimes hediondos),
se resultar morte, se exercer comando em organização criminosa estruturada, se resultar
morte, entre outras.

42 Admite-se a aplicação retroativa da alteração do art. 127 da Lei de Execuções Penais, pela
Lei 12.433/2011, para limitar a revogação dos dias remidos à fração de 1/3, mantendo a previsão de reinício
da contagem do prazo para a obtenção de benefícios. [HC 136.376, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j.
18-4-2017, DJE 89 de 2-5-2017.]

87
Todavia, a fração de 1/6 é equivalente a 16,6%, o que faz com que, à exceção
dos incisos I, V e VII e todas as demais hipóteses sejam prejudiciais. Com isso, as novas
frações somente serão aplicadas aos fatos praticados após a vigência da lei anticrime,
ressalvada a hipóteses do inciso I, que é benéfica.

Para ficar claro, os crimes praticados antes da vigência da lei anticrime, não
sofrerão a incidência das porcentagens trazidas nos incisos II, III, IV, VI e VIII. O inciso
I, que traz a porcentagem de 16%, por ser mais benéfica do que a fração de 1/6, que
equivale a 16,6%, deverá retroagir. Os incisos V e VII não trouxeram inovações, tornando
a situação do apenado, que se enquadrar na hipótese, igual a lei anterior, vez que 2/5
equivale a 40% e 3/5 equivale a 60%.

Todavia, o inciso I somente é aplicado ao apenado primário que tenha praticado


crime sem violência à pessoa ou grave ameaça. Nos casos anteriores a vigência à lei
anticrime, em que o apenado seja primário e tenha praticado crime sem violência à pessoa
ou grave ameaça, a lei retroagirá para aplicar a estes a porcentagem de 16% e não mais
1/6 (16,6%).

Segue a tabela para melhor compreensão:

Aplicação da lei penal no tempo: Novos Requisitos para Progressão de Regime


Hipóteses Anterior (7210/89) Atual (Lei 13.964/19)
se o apenado for primário e o crime tiver
sido cometido sem violência à pessoa ou UM SEXTO (1/6) [16,6%] 16%
grave ameaça
se o apenado for reincidente em crime
cometido sem violência à pessoa ou grave UM SEXTO (1/6) [16,6%] 20%
ameaça
se o apenado for primário e o crime tiver
sido cometido com violência à pessoa ou UM SEXTO (1/6) [16,6%] 25%
grave ameaça
se o apenado for reincidente em crime
cometido com violência à pessoa ou grave UM SEXTO (1/6) [16,6%] 30%
ameaça
se o apenado for condenado pela prática
de crime hediondo ou equiparado, se for DOIS QUINTO (2/5) [40%] 40%
primário
se o apenado for condenado pela prática
de crime hediondo ou equiparado, com DOIS QUINTO (2/5) [40%] 50%
resultado morte, se for primário
se o apenado for condenado por exercer
o comando, individual ou coletivo, de
DOIS QUINTO (2/5) [40%] 50%
organização criminosa estruturada para a
prática de crime hediondo ou equiparado
se o apenado for condenado pela prática
UM SEXTO (1/6) [16,6%] 50%
do crime de constituição de milícia privada
se o apenado for reincidente na prática de
TRÊS QUINTO (3/5) [60%] 60%
crime hediondo ou equiparado
se o apenado for reincidente em crime
hediondo ou equiparado com resultado TRÊS QUINTO (3/5) [60%] 70%
morte

88
Portanto, deve ficar atento a aplicação da lei no tempo, verificando quais hipóteses
deve ou não retroagir, analisando o caso concreto para ver a incidência.

6.1.4. ARTIGO 122 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal)


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo Art. 122. (...)
correspondente. § 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo
o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado
morte.

Uma alteração bastante significativa, que impede a saída temporária da pessoa


que praticou crime hediondo com resultado morte.

Norberto Avena, em sua obra já citada, definisse assim o objetivo das saídas
temporárias:

“Em linhas gerais, têm por objetivo possibilitar o retorno gradual do preso ao
mundo exterior, facilitando sua reintegração na sociedade. (AVENA, 11/2013)”

Já Guilherme de Souza Nucci, também em obra já citada, diz o seguinte:

“Essa saída volta-se à visita à família, à frequência a curso supletivo


profissionalizante (ou de instrução de segundo grau ou superior na Comarca
onde estiver) e à participação em atividades que concorram para o retorno ao
convívio social.” (NUCCI, 04/2015)

Ainda nessa toada, o artigo 123, não modificado pela lei anticrime, traz que para a
concessão do benefício da saída temporária, deverá preencher os requisitos previstos no
artigo, dentre eles, o da compatibilidade do benefício objetivo da pena.

O professor já citado Norberto Avena, afirma que:

“Além da finalidade de prevenção geral e repressão à prática de crimes, a pena


tem como objetivo a ressocialização do indivíduo, visando adaptá-lo ao convívio
em sociedade. Essa é a razão pela qual a Lei de Execução Penal adotou o
sistema da progressividade, que objetiva favorecer o apenado que demonstrar
boa conduta carcerária e sancionar aquele que persiste na prática de condutas
graves. Especificamente em relação às saídas temporárias, condiciona-se seu
deferimento a que haja compatibilidade com os objetivos da pena, isto é, que
o condenado demonstre estar apto à concessão do benefício, não implicando
o contato com o mundo exterior em riscos maiores à eficácia do processo de
ressocialização. Veja-se, entretanto, eventual indeferimento de pedido de saída
temporária com base no art. 123, III, da LEP deve fundamentar-se em dados
concretos, não sendo suficientes alegações relativas à gravidade em abstrato
do delito praticado ou à quantidade de pena que resta a ser cumprida.” (AVENA,
11/2013)

89
Verifica-se que é inadmissível a vedação da saída temporária em alegações
relativas à gravidade abstrata do delito. Todavia, ao incluir no parágrafo segundo no artigo
122 da LEP, a vedação à saída temporária se consubstanciará em uma gravidade abstrata
do delito, sem análise de caso concreto, sem exame de elementos que demonstrem que o
apenado não merece sair gradualmente com objetivo de ressocialização, indo de encontro
aos objetivos da pena, confrontando os princípios da execução da pena.

Entendo ser inconstitucional a modificação do artigo 122 da LEP, por violar o


princípio da individualização da pena, visto a vedação ser de forma genérica com base
em gravidade abstrata do delito, além da violação ao princípio da dignidade da pessoa
humana e da humanidade, proibindo o apenado a um dos benefícios que tem por escopo
a ressocialização.

Ademais, cumpre salientar que por se tratar de norma prejudicial, não poderá
retroagir, aplicando-se somente a fatos praticados dentro da vigência da lei anticrime.

6.2. DA MODIFICAÇÃO NA LEI DE DROGAS

Lei 11.343/06 (Lei de Drogas)


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Não existia dispositivo correspondente. Art. 33. (...)
§ 1º (...)
IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo
ou produto químico destinado à preparação de drogas,
sem autorização ou em desacordo com a determinação
legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando
presentes elementos probatórios razoáveis de conduta
criminal preexistente.

Neste caso, há uma novatio legis incriminadora, que é a venda ou entrega de


drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal, a agente policial
disfarçado.

Vejo essa inovação em razão da súmula 145 do STF, em que a preparação de


flagrante por parte do agente policial, torna o crime impossível (artigo 17 do CP), conhecida
como flagrante preparado.

Visto o agente policial está disfarçado, pode se entender que o mesmo preparou o
flagrante, tornando aquela conduta atípica. Vejo que a alteração não impede o crime ser
impossível, caso o agente tenha provocado a conduta, ou seja, que a pessoa pratica a
conduta considerada tráfico exclusivamente em razão da conduta do agente provocador.

Primeiro, é importante distinguir agente infiltrado de agente disfarçado.

90
O professor Rogério Sanches, em artigo publicado43, traz essa distinção:

“O agente disfarçado contemplado na Lei 13.964/2019 é referido em quatro


momentos específicos e afigura-se tratar-se de figura jurídica sem precedente
no Código de Processo Penal e na legislação penal esparsa, razão pela qual nos
parece recomendável um breve levantamento doutrinário comparado, indicativo
de uma terceira modalidade de ação encoberta dos agentes estatais.
Nessa toada, o autor português Manuel Augusto Alves Meireis apresenta uma
proposta de dissociação do agente infiltrado e agente encoberto – que, adianta-
se, muito se aproxima da novel figura do agente disfarçado. Para o autor, o agente
infiltrado é caracterizado, sobretudo, pela confiança que conquista dos membros
da organização criminosa. Na infiltração de agentes, a relação entre o agente
infiltrado e o grupo criminoso é imprescindível para a revelação da tessitura
criminosa, os planos delitivos, o funcionamento e a identidade dos membros.
Lado outro, ainda em consonância com MEIREIS, o agente encoberto diferencia-
se pela ausência de envolvimento prévio do agente com o grupo criminoso.
Noutras palavras, o agente não provoca o acontecer típico e tampouco cativa a
confiança do grupo criminoso.
A doutrina espanhola também tem uma concepção tripartida de ações
investigativas com agentes cujas identificações mantém-se dissimuladas.
Joaquim Delgado explica, dentre elas, a figura da ação encoberta. Para o autor,
o “agente meramente encoberto” é aquele que, sem revelar sua real identidade,
em trabalho de rotina, investiga crimes sem precisar se envolver ou ganhar a
confiança dos integrantes do grupo criminoso. O autor espanhol, ainda, concebe
a conceituação do “agente encoberto infiltrado”, que corresponde ao nosso
agente infiltrado, podendo ocorrer com ou sem identidade falsa e, por fim, o
“agente provocador”, já estudado alhures.
Dada as semelhanças com as disposições da Lei 13.964/2019, infere-se que o
agente disfarçado, com as adaptações à tradição jurídica do Brasil, corresponde
à ação encoberta da doutrina portuguesa e espanhola.
Importa, porém deixar destacado que o agente disfarçado, tal como concebido
pela Lei 13.964/2019 não pode ser confundido com a uma mera “campana
policial”, técnica amplamente utilizada para realização de prisões em flagrante
esperado. A distinção é feita a partir dos pressupostos mencionados na legislação
que o concebe, a seguir estudados.”

Veja que o agente disfarçado é uma forma de investigação trazida pela lei
anticrime (incluído também em outras modificações da lei), que é fruto da modernização
das investigações, todavia, se esbarrava na súmula 145 do STF.

Vejo que para essa nova modalidade não configurar flagrante preparado, deverá
ser feita uma investigação prévia, levantamento investigativo que a pessoa investigada já
pratica o crime e que a conduta praticada com o policial disfarçado não foi exclusiva, ou
seja, o policial não tenha provocado.

Havendo provocação, mesmo diante da novel conduta, esbarrará na súmula 145


do STF.

43 https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-
prevista-na-lei-13-9642019/. Acessado em 13.1.2020.

91
6.3. DAS MODIFICAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento)


Anterior Atual (Lei 13.964/19)
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter
receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente,
que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
sem autorização e em desacordo com determinação regulamentar:
legal ou regulamentar: § 1º (...)
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de
reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
– suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer Art. 17. (...)
sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.
– modificar as características de arma de fogo, § 1º (...)
de forma a torná -la equivalente a arma de fogo de § 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma
uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em
de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a
perito ou juiz; agente policial disfarçado, quando presentes elementos
– possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
explosivo ou incendiário, sem autorização ou em Art. 18. (...)
desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.
– portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou
arma de fogo com numeração, marca ou qualquer entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação
outro sinal de identificação raspado, suprimido ou de importação, sem autorização da autoridade competente,
adulterado; a agente policial disfarçado, quando presentes elementos
– vender, entregar ou fornecer, ainda que probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a
explosivo a criança ou adolescente; e pena é aumentada da metade se:
– produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização I - forem praticados por integrante dos órgãos e empresas
legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei; ou II - o agente for
explosivo. reincidente específico em crimes dessa natureza.
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, Art. 34-A. Os dados relacionados à coleta de registros
conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, balísticos serão armazenados no Banco Nacional de Perfis
montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, Balísticos.
ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio § 1º O Banco Nacional de Perfis Balísticos tem como objetivo
ou alheio, no exercício de atividade comercial ou cadastrar armas de fogo e armazenar características de classe
industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem e individualizadoras de projéteis e de estojos de munição
autorização ou em desacordo com determinação deflagrados por arma de fogo.
legal ou regulamentar: § 2º O Banco Nacional de Perfis Balísticos será constituído
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. pelos registros de elementos de munição deflagrados por
Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial armas de fogo relacionados a crimes, para subsidiar ações
ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma destinadas às apurações criminais federais, estaduais e
de prestação de serviços, fabricação ou comércio distritais.
irregular ou clandestino, inclusive o exercido em § 3º O Banco Nacional de Perfis Balísticos será gerido pela
residência. unidade oficial de perícia criminal.
Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou § 4º Os dados constantes do Banco Nacional de Perfis
saída do território nacional, a qualquer titulo, de arma Balísticos terão caráter sigiloso, e aquele que permitir ou
de fogo, acessório ou munição, sem autorização da promover sua utilização para fins diversos dos previstos
autoridade competente: nesta Lei ou em decisão judicial responderá civil, penal e
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. administrativamente.
Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, § 5º É vedada a comercialização, total ou parcial, da base de
17 e 18, a pena é aumentada da metade se forem dados do Banco Nacional de Perfis Balísticos.
praticados por integrante dos órgãos e empresas § 6º A formação, a gestão e o acesso ao Banco Nacional
referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei. de Perfis Balísticos serão regulamentados em ato do Poder
Executivo federal.

92
Aqui ocorreram alterações significativas nos preceitos secundários, ocorrendo
exasperação das balizas da pena em diversos artigos, mormente em casos de reincidência,
com a majorante incluída pela lei anticrime.

Logo no caput do artigo 16, há alteração no preceito primário. O caput do artigo 16


passa a ser somente em casos de armas de uso restrito e não mais em casos de armas
de uso proibido.

Quando a conduta for praticada com uso de arma de uso proibido, deverá ser
enquadrado no parágrafo segundo do artigo 16, com a pena passando de 3 a 6 anos para
4 a 8 anos.

No artigo 17, tem a alteração da pena de 4 a 8 anos para 6 a 12 anos, uma


exasperação alta para o comércio ilegal de arma.

Quanto ao artigo 18, no texto anterior, o tráfico internacional de armas havia


preceito secundário igual comércio ilegal de arma de fogo, o que poderia violar o princípio
da proporcionalidade, tornando a proteção ineficiente do bem jurídico. O legislador alterou,
tornando a pena de 8 a 16 anos para os casos de tráfico internacional de arma.

No parágrafo segundo do artigo 17, trazido pela lei anticrime, há a mesma situação
do agente disfarçado trazido na lei de drogas. Assim, recomenda-se a leitura do capítulo
6.2.

Por fim, a modificação que considero de extrema relevância, e por sinal, acredito
até mesmo em uma inconstitucionalidade pela proibição excessiva, é o artigo 20, inciso II.

Em casos de reincidência, haverá mais uma forma de majorar a pena. A partir da


lei anticrime, nos crimes do artigo 14, 15, 16, 17 e 18, poderá haver um aumento até a
metade na pena.

Como em outros casos, entendo que houve uma violação ao princípio da


proporcionalidade, tornando a proibição excessiva, desproporcional.

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