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A Batalha Final

Rick Joyner

ISBN: 85-85685-18-2
Título original em inglês: The Final Quest
Tradução: Milton Azevedo Andrade
Revisão: Vitoria Silva Wanderley
Os textos bíblicos citados estão conforme a versão Almeida, Revista e Atualizada, 2ª Edição, da Sociedade Bíblica
do Brasil.
As notas foram feitas pelos editores no Brasil.
1ª edição brasileira: Outubro de 1999.
2a edição brasileira: Julho de 2000.
Filiado a: abec - Associação Brasileira de Editores Cristãos
Publicado por: Danprewan Editora e Comunicações Evangélicas Ltda.

A seqüência desta visão é apresentada no livro: O Chamado para a batalha final, publicado por
esta mesma editora.
Índice

Agradecimentos:.......................................................................................3

Introdução ...............................................................................................4

Parte I – As hordas do inferno estão em marcha ...........................................7

Parte II – A montanha santa..................................................................... 17

Parte III – O retorno das águias................................................................ 26

Parte IV – O trono branco ........................................................................ 35

Parte V – Os vencedores .......................................................................... 55

Notas .................................................................................................... 71

Agradecimentos:

Agradeço especialmente à equipe editorial por todo o árduo trabalho e pelas longas horas que
dedicaram a este livro para que ele pudesse ser publicado: Dianne Thomas, Julie Joyner, Steve
Thompson, Trisha Doran, Becky Chaille, Terri Herrera e Felicia Hemphill.
Introdução
No início do ano de 1995 o Senhor me deu um sonho, que foi o primeiro de muitas experiências
proféticas que se interligaram. Publiquei uma versão condensada do primeiro sonho em The
Morning Star Prophetic Bulletin e em The Morning Star Journal, sob o título de As Hordas do
Inferno Estão em Marcha. Continuando a buscar o Senhor por causa dessa grande batalha
espiritual que eu tinha visto, tive uma série de visões e de experiências proféticas que a ela se
relacionavam. Publiquei versões condensadas das mesmas em The Morning Star Journal, que
saíram com o título As Hordas do Inferno Estão em Marcha, Partes II e III.
Esta série tornou-se provavelmente a obra mais popular que publicamos até hoje. Recebemos
uma enxurrada de pedidos para que as três partes fossem publicadas num só livro. Tomei o
propósito de fazê-lo e dediquei-me a completar tudo o que tinha sido deixado de lado nas versões
condensadas. Entretanto, bem na hora em que eu estava para entregar todo o material para o
nosso departamento editorial, tive uma outra experiência profética que obviamente se
relacionava com esta visão e que continha o que eu senti ser a parte mais importante de tudo.
Ela foi incluída no que veio a ser as Partes IV e V deste livro (alguma coisa da Parte IV chegou a
ser publicada na Parte III em The Journal). Há ainda um considerável material neste livro, nas
suas primeiras três partes, que não havia sido anteriormente publicado.

Como Foi Que Eu Recebi a Visão


Uma das perguntas mais comuns que me fazem sobre as visões refere-se a como eu as recebi.
Creio ser esta uma pergunta importante, e, portanto, vou tentar respondê-la aqui com poucas
palavras. Primeiro, tenho de explicar o que quero dizer com visões e com "experiências
proféticas".
Experiências Proféticas, como as chamo, são numerosas e diversas. Elas incluem todos os
modos primários pelos quais o Senhor falou ao seu povo nas Escrituras. Por ser o Senhor o
mesmo no dia de hoje, tal como ele era no dia de ontem, ele nunca deixou de relacionar-se com o
seu povo através das mesmas maneiras, e essas experiências continuam a ser vistas por todo o
desenrolar da história da igreja. Como o apóstolo Pedro explicou em seu sermão registrado em
Atos capítulo 2, sonhos, visões e profecias são sinais importantes que ocorreriam nos últimos
dias, e que também ocorreria o derramar do Espírito Santo. Como obviamente estamos
aproximando-nos do final desta era, tudo isso está se tornando cada vez mais comum em nosso
tempo.
Uma razão por que estas coisas estão se tornando assim tão freqüentes agora é porque vamos
necessitar delas para realizar os nossos propósitos nestes tempos. É também verdade que
Satanás, que infelizmente conhece as Escrituras mais do que muitos cristãos, sabe da
importância da revelação profética no relacionamento de Deus com o seu povo, e ele está então
pondo seus dons de contrafação em grande medida naqueles que lhe servem. Entretanto, não
haveria falsificação se não houvesse uma realidade genuína, assim como não existe uma nota de
três dólares falsa simplesmente porque não existe uma verdadeira desse valor.
Logo depois de me tornar cristão, em 1972, li essa passagem de Atos 2 e compreendi que se
estes são os dias finais, seria importante compreender os modos pelos quais o Senhor estaria
falando conosco. Não me lembro de ter orado a princípio para que eu mesmo tivesse essas
experiências, mas de fato comecei a tê-las, o que me deu até mesmo uma vontade maior de
compreendê-las.
Desde então tenho tido períodos em minha vida em que elas são bastante freqüentes. Também
passei por fases em que não tive nenhuma dessas experiências. Entretanto, depois do período
em que não as tive, elas retornaram, e cada vez mais poderosas, ou muito mais freqüentes.
Ultimamente elas têm sido assim: poderosas e freqüentes. Através de tudo isso aprendi bastante
sobre os dons proféticos, sobre experiências e pessoas de profecia, o que vou abordar com mais
detalhes num livro a ser lançado em breve.
Há muitos níveis na revelação profética. Os níveis iniciais incluem "impressões" proféticas.
Estas são revelações genuínas. Elas podem ser extraordinariamente específicas e precisas
quando interpretadas por aqueles que têm experiência e que são sensíveis a elas. Entretanto, é
neste nível que as nossas "revelações" podem ser afetadas por nossos próprios sentimentos, por
nossos preconceitos e por nossas doutrinas. Resolvi assim não usar expressões tais como "assim
disse o Senhor" com respeito a qualquer revelação que tenha vindo neste nível.
Visões podem vir também no nível de "impressões". Elas são brandas, e têm de ser vistas com
"os olhos do coração". Estas, também, podem ser bastante específicas e precisas, especialmente
quando recebidas e/ou interpretadas por aqueles que têm mais experiência. Quanto mais "os
olhos do coração" estiverem abertos, como Paulo orou em Efésios 1:18, mais poderosas e úteis
elas poderão ser.
O nível seguinte de revelação é um consciente senso da presença do Senhor, ou da unção do
Espírito Santo, que dá uma luz especial à nossa mente. Isso vem com freqüência quando estou
escrevendo, ou falando, e me dá uma confiança muito maior quanto à importância ou à precisão
do que estou dizendo. Creio que isso foi provavelmente o que os apóstolos experimentaram
quando escreveram as epístolas do Novo Testamento. Isso nos dá uma grande confiança, mas
ainda é um nível em que podemos ser influenciados pelos nossos preconceitos, por nossas
doutrinas, etc. Creio ser por isso que, em certas questões, Paulo disse estar dando a sua opinião,
mas que ele pensava ter (a concordância de) o Espírito do Senhor. Em geral, há muito mais
necessidade de humildade do que de dogmatismo quando tratamos de questões proféticas.
"Visões abertas" ocorrem num nível mais elevado do que impressões; elas normalmente nos dão
mais clareza do que quando estamos até mesmo sentindo a presença do Senhor, ou a unção.
Visões abertas são externas, e são vistas com a clareza de um filme projetado numa tela. Por não
poderem ser controladas por nós, creio haver bem menos possibilidade de interferência nas
revelações que vêm desse modo.
Um nível mais alto de experiência profética é uma visão, tal como Pedro teve quando ele
primeiro foi instruído a ir à casa de Cornélio e pregar o evangelho aos gentios pela primeira vez, e
como Paulo teve quando orou no templo, em Atos 22. Visões eram uma experiência comum dos
profetas bíblicos. Elas são como um sonho, contudo se está acordado. Em vez de simplesmente
ver uma "tela", tal como numa visão aberta, a pessoa sente-se como se estivesse no filme, como
se, de algum modo, estivesse participando do que está acontecendo. Revelações podem variar,
desde aquelas que são um tanto leves, de forma que a pessoa permanece ainda consciente das
coisas que fisicamente acontecem ao seu redor, e até mesmo pode interagir com elas, àquelas em
que a pessoa se sente como literalmente estando no lugar em que se passa a visão. Isso parece
ser o que Ezequiel experimentou com certa freqüência, e pelo que João provavelmente passou
quando teve as visões registradas no livro do Apocalipse.
As revelações contidas neste livro começaram todas com um sonho. Alguns deles vieram sob
uma forte sensação da presença do Senhor, mas a sua maioria esmagadora foi recebida em
arrebatamento de algum nível. Na maioria das vezes eu tinha consciência do que se passava ao
meu redor, e podia inclusive interagir com o que acontecia, como por exemplo atender o telefone.
Quando eles eram interrompidos, ou quando as coisas ficavam tão intensas que eu tinha que me
levantar e caminhar um pouco, ao me sentar de volta eu entrava exatamente no ponto em que
estava no momento da interrupção. Uma vez a experiência tornou-se tão forte que tive que me
levantar e deixar a cabana na montanha onde costumo ir para buscar o Senhor, peguei o carro e
fui para casa. Uma semana depois voltei para lá e quase imediatamente eu estava de volta ao
ponto em que tinha interrompido.
Não sei como "iniciar" essas experiências, mas quase sempre tive a liberdade de "desligá-las"
quando quisesse, tal como se desliga um rádio. Por duas vezes grandes porções dessas visões
vieram em momentos que considerei serem muito inconvenientes, quando eu tinha ido à minha
cabana para fazer um trabalho que tinha um prazo certo para concluir. Por duas vezes o nosso
Journal teve que sair com atraso por causa disso, e o último livro que lancei eu esperava
terminá-lo uns meses antes. Mas o Senhor parece não se preocupar com os nossos prazos!
No sonho e nos arrebatamentos tive o que considero ser dons de discernimento e de palavra de
conhecimento grandemente aumentados. Às vezes quando olho para uma pessoa, ou oro por
uma igreja ou ministério, simplesmente fico sabendo de coisas a respeito do que estou vendo ou
orando, das quais eu não tinha conhecimento natural algum. Durante essas experiências
proféticas, esses dons estiveram operando num nível que eu nunca tinha experimentado na "vida
real". Isto é, naquela visão eu olhava para uma divisão das hordas do mal e sabia todas as suas
estratégias e capacitações de imediato. Não sei como esse conhecimento veio para mim, mas
simplesmente eu sabia, e com grandes detalhes. Em alguns casos eu olhava para algo ou para
alguém e sabia o seu passado, o seu presente e o seu futuro, tudo imediatamente. Para
economizar tempo e espaço neste livro incluí esse conhecimento como um fato que aconteceu,
sem entrar em explicações sobre como foi que o recebi.

Fazendo Uso de Revelações Proféticas


Tenho que afirmar enfaticamente que não creio que qualquer tipo de revelação profética tenha
o propósito de estabelecer uma doutrina. Para isso temos as Escrituras. Há duas finalidades
para o que é profético. A primeira é para revelar a vontade estratégica do Senhor em certas
questões, tanto para o presente como para o futuro. Temos exemplos disso na visão de Paulo
para ir a Macedônia, e quando lhe foi dito para sair imediatamente de Jerusalém. Temos
também casos deste tipo no ministério de Ágabo. Um desses casos tinha a ver com uma fome
que estava para vir sobre o mundo todo, e o outro com a ida de Paulo a Jerusalém.
Vemos, também, essas revelações sendo dadas como forma de dar luz a uma doutrina que seja
ensinada nas Escrituras, mas que não é entendida com clareza. O caso da visão de Pedro foi de
modo a trazer luz tanto a qual era a vontade do Senhor como ao correto ensinamento que as
Escrituras davam (o fato dos gentios poderem receber o evangelho), coisas essas que ainda não
tinham sido entendidas com clareza pela igreja.
As visões neste livro de fato contêm algumas revelações estratégicas, e elas também trouxeram
luz a algumas das doutrinas bíblicas em pontos que honestamente eu nunca tinha percebido
antes, mas que agora vejo com perfeita clareza. Entretanto, as doutrinas que para mim
receberam luz nessas experiências em sua maioria eu as conhecia havia muito tempo, embora
não possa dizer que as tenha vivido exatamente de acordo com elas. Muitas vezes pensei na
advertência que Paulo deu a Timóteo, que prestasse atenção a seus próprios ensinamentos.
Muitas das palavras faladas para mim nessas experiências eu ensinei, eu mesmo, muitas vezes.
Sei que deixo de praticar alguns dos meus próprios ensinamentos, não os praticando como devia
e, portanto, muitos deles eu tomei como uma advertência pessoal para mim. Mesmo assim, senti
também que são mensagens gerais e por isso os incluí aqui.
Muitos me disseram para escrever na forma de uma alegoria, na terceira pessoa, tal como O
Peregrino, mas decidi não fazê-lo por várias razões. Em primeiro lugar, senti que alguns a
tomariam como sendo o resultado da minha própria criatividade, e isso estaria totalmente
errado. Bem que eu gostaria de ser criativo assim, mas não sou. Uma outra razão foi que eu
senti que eu poderia ser bem mais preciso contando tudo da maneira como o recebi, e fiz o que
pude para expressar essas experiências exatamente do modo como elas vieram para mim.
Entretanto, considero que a minha memória em relação a detalhes é uma das minhas grandes
fraquezas. Às vezes tive que suspeitar da minha memória quanto a certos pormenores nesta
visão, e acho que você tem toda a liberdade de fazer isso também. Creio que isso se dá com
mensagens assim. Apenas as Escrituras é que têm que ser consideradas infalíveis.
Oro para que o Espírito Santo o leve à verdade enquanto você estiver lendo este livro, e que
separe todo joio do trigo, que porventura esteja presente.

Rick Joyner
Parte I

As hordas do inferno estão em marcha

O exército demoníaco era tão grande que se estendia até onde a minha vista alcançava. Ele
tinha divisões que se separavam umas das outras, cada uma das quais carregava uma bandeira
diferente. As principais divisões marchavam com as bandeiras do Orgulho, da Retidão Própria,
da Reputação, da Ambição Pessoal, do Julgamento Injusto, e da Inveja. Havia muitas outras
divisões malignas como essas além do alcance da minha visão, mas as que estavam à frente
dessa terrível horda do inferno pareciam ser as mais poderosas. O líder desse exército era o
Acusador dos Irmãos em pessoa.
As armas que essa horda levava também tinham nomes. As espadas tinham o nome de
Intimidação; as lanças tinham o nome de Traição; e as flechas tinham os nomes de Acusação,
Fofoca, Calúnia e Crítica. Batedores e companhias menores de demônios com nomes tais como
Rejeição, Amargura, Impaciência, Falta de Perdão e Cobiça eram enviados à frente desse exército
para preparar o ataque principal.
Essas companhias pequenas com batedores em menor número, não eram menos poderosas do
que algumas das grandes divisões que as seguiam. Elas eram menores apenas por razões
estratégicas. Assim como João Batista foi um único homem, mas com uma extraordinária unção
para batizar o povo e prepará-lo para o Senhor, essas companhias demoníacas menores tinham
recebido extraordinários poderes malignos para "batizar o povo". Um único demônio da Amar-
gura podia disseminar o seu veneno em multidões de pessoas, até em raças e culturas inteiras.
Um demônio da Cobiça podia prender-se a um único artista, ou a um filme, ou até mesmo a
uma propaganda e enviar o que parecia ser descargas elétricas de um lodo que atingia e tornava
insensível uma grande parte das pessoas. Tudo isso era preparação para a grande horda do mal
que vinha em seguida.
Esse exército estava marchando especificamente contra a igreja, mas ele atacava a quantos
pudesse. Eu sabia que o seu propósito era esvaziar antecipadamente um mover de Deus que
está para vir, que se destinará a trazer muita gente para dentro da igreja.
A estratégia principal desse exército era causar divisão em todo possível nível de
relacionamento — nas igrejas, umas com as outras; nas congregações, em relação a seus
pastores; entre maridos e esposas; entre filhos e pais; e até mesmo nos pequeninos, pondo-os
uns contra os outros. Os batedores eram enviados para estabelecer aberturas em igrejas, em
famílias e em indivíduos que Rejeição, Amargura, Cobiça, etc. poderiam explorar, tornando essas
aberturas maiores. Então as divisões que os seguiam fluiriam através dessas aberturas para
vencerem completamente suas vítimas.
A parte mais chocante dessa visão era que essa horda não estava montada em cavalos, mas
principalmente em cristãos! A maioria deles era bem vestida, respeitável, e eles tinham a
aparência de ser refinados e educados, mas parecia haver também representantes de quase
todos os estilos de vida. Essas pessoas professavam as verdades cristãs de forma a apaziguar a
sua consciência, mas elas viviam mancomunadas com os poderes das trevas. Quanto mais elas
entravam em acordo com aqueles poderes, os demônios que a elas eram destacados cresciam e
com maior facilidade dirigiam o que elas faziam.
Muitos desses crentes hospedavam em si mais do que um demônio, mas um deles obviamente
ficava encarregado da sua vida. A natureza daquele que era o encarregado demonstrava em que
divisão ele estava marchando. Embora as divisões estivessem todas marchando juntas, também
parecia que ao mesmo tempo todo o exército estava à beira do caos. Por exemplo, os demônios do
ódio odiavam os outros demônios tanto quanto odiavam os cristãos. Os demônios da inveja
tinham inveja uns dos outros. O único modo pelo qual os líderes dessas hordas impediam que os
demônios lutassem entre si era fazer com que eles concentrassem o seu ódio, a sua inveja, etc.
na pessoa em que estivessem montados. Entretanto, essas pessoas com freqüência irrompiam
em lutas umas contra as outras. Eu sabia pelas Escrituras, que acontecera assim com alguns
dos exércitos que tinham vindo contra Israel, e que acabaram autodestruindo-se. Quando o
propósito deles contra Israel se frustrou, sua fúria foi incontrolável, e eles simplesmente
passaram a lutar uns contra os outros.
Notei que os demônios estavam montados nesses cristãos, mas não estavam dentro deles,
como no caso de não-cristãos. Era óbvio que esses crentes teriam apenas que deixar de
mancomunar-se com os demônios para que se libertassem deles. Por exemplo, se um cristão
sobre quem um demônio da inveja estivesse montado simplesmente começasse a duvidar da
inveja, aquele demônio ficava mais fraco bem depressa. Quando isso acontecia, o demônio
enfraquecido gritava e o líder da divisão mandava todos os demônios em volta daquele cristão
que o atacassem, até que a amargura, etc, conseguisse montar nele de novo. Se isso não desse
certo, os demônios começavam a citar as Escrituras, de uma maneira tão pervertida a ponto de
justificar a amargura, as acusações, etc.
Estava bem claro que o poder dos demônios tinha a sua raiz quase que totalmente no poder do
engano, mas eles tinham enganado esses cristãos até o ponto em que pudessem usá-los,
fazendo-os ainda pensar que estavam sendo usados por Deus. Isso acontecia porque bandeiras
de Retidão Própria estavam sendo carregadas por quase todos os cristãos, de forma que os que
marchavam não conseguiam nem mesmo ver as bandeiras que assinalavam a verdadeira
natureza dessas divisões.
Ao olhar para a última parte, bem distante, desse exército, eu vi o séquito do próprio Acusador.
Comecei a compreender sua estratégia, e fiquei impressionado por ela ser tão simples. Ele sabia
que uma casa dividida não pode permanecer, e esse exército representava uma tentativa de
trazer divisão à igreja de forma tal que ela decaísse completamente da graça. O que era visível
era que o único modo pelo qual ele poderia fazer isso era usar cristãos para guerrearem contra
seus próprios irmãos, e era por isso que quase todos os que estavam nas divisões avançadas
eram cristãos, ou pelo menos pessoas que professavam sê-lo. Cada passo que esses crentes
enganados davam em obediência ao Acusador fortalecia o poder deste sobre eles, isso fazia com
que a confiança dele e de todos os seus comandantes aumentasse com o progresso do exército,
enquanto marchava indo para a frente. Era visível que o poder desse exército dependia do acordo
que esses cristãos faziam com os caminhos do mal.

Os Prisioneiros
Multidões de outros cristãos, que eram prisioneiros desse exército, vinham em seguida a essas
primeiras divisões. Todos esses estavam feridos, e eram guardados por demônios menores do
Medo. Parecia haver mais prisioneiros do que demônios, no exército. Surpreendentemente, esses
prisioneiros ainda tinham suas espadas e escudos, mas não os usavam. Era chocante ver como
muitos podiam ser mantidos cativos por bem poucos pequenos demônios do Medo. Se aqueles
cristãos ao menos tivessem usado suas armas, eles teriam se libertado com facilidade, e
provavelmente teriam feito um grande estrago em toda aquela horda maligna. Em vez disso, eles
marchavam, submissos.
Por cima dos prisioneiros o céu estava preto, com abutres que se chamavam Depressão. De vez
em quando um deles pousava sobre o ombro de um prisioneiro e vomitava sobre ele. O vômito
era Condenação. Quando o vômito atingia um prisioneiro, ele se levantava e marchava com a
postura um pouco mais erguida por algum tempo, e então caía, bem mais fraco do que antes. De
novo fiquei imaginando por que os prisioneiros simplesmente não matavam esses abutres com
suas espadas, o que eles poderiam ter feito com facilidade.
Ocasionalmente os prisioneiros mais fracos tropeçavam e caíam. Assim que atingiam o chão, os
outros prisioneiros os apunhalavam com suas espadas, depreciando-os. Então os abutres
vinham e começavam a devorai- os que estavam caídos, mesmo antes de estarem mortos. Os
outros cristãos prisioneiros ficavam à sua volta e observavam isso concordando com o que
acontecia, e até apunhalando de novo com suas espadas os que estavam caídos.
Enquanto eu observava, percebi que esses prisioneiros pensavam que o vômito da Condenação
era uma verdade que tinha vindo de Deus. Então compreendi que esses prisioneiros na verdade
achavam que estavam marchando no exército de Deus! É por isso que eles não matavam os
pequenos demônios do medo, nem os abutres — eles pensavam que estes eram mensageiros de
Deus! A escuridão da nuvem de abutres dificultava esses prisioneiros de ver que tinham aceitado
inocentemente tudo o que lhes acontecia como tendo vindo do Senhor. Eles achavam que os que
tropeçavam estavam sob o juízo de Deus, e por isso os atacavam do modo como faziam — eles
pensavam estar ajudando a Deus!
O único alimento que era dado àqueles prisioneiros era o Vômito dos abutres. Os que se
recusavam a comê-lo simplesmente se enfraqueciam até que caíam. Os que o comiam
fortaleciam-se por algum tempo, mas com uma energia maligna. Então eles se enfraqueciam de
novo até que tomassem um pouco da água da amargura que constantemente lhes era oferecida.
Depois de beberem dessa água eles passavam a vomitar sobre os outros. Quando um dos
prisioneiros fazia isso, um demônio que estava esperando poder cavalgar montava-se sobre ele, e
o dirigia para uma das divisões da linha de frente.
Ainda pior do que o vômito dos abutres era um lodo repugnante que os demônios urinavam e
defecavam em cima dos cristãos sobre os quais cavalgavam. Esse lodo era o orgulho, a ambição
pessoal, etc, conforme a natureza da sua divisão. Contudo, aquele lodo fazia com que os cristãos
se sentissem aliviados de todo sentimento de condenação, de forma que facilmente acreditavam
que os demônios eram mensageiros de Deus, e na verdade eles pensavam que aquele lodo era
unção do Espírito Santo.
Senti tal repugnância do exército maligno que quis morrer. Então a voz do Senhor veio para
mim e disse:
— Esse é o princípio do exército do inimigo, do último dia. Esse é o engano final de Satanás. Seu
poder final de destruição é liberado quando ele usa cristãos para se atacarem entre si. Por todas
as eras ele tem usado esse exército, mas nunca ele pôde usar tantos para esse seu propósito
maligno, como agora. Não tenha medo. Eu tenho um exército também. Você agora tem é que se
dispor a lutar, porque não há mais para onde fugir dessa guerra. Você tem de lutar por meu reino,
pela verdade, e por aqueles que foram enganados.
Esta palavra do Senhor foi tão estimulante que imediatamente comecei a gritar aos cristãos
prisioneiros dizendo que eles estavam sendo enganados, pensando que eles me ouviriam. Quan-
do fiz isso, pareceu-me que o exército inteiro virou-se e olhou para mim. O medo e a depressão
que estavam sobre eles começaram a vir para mim. Permaneci ainda gritando, achando que os
cristãos despertariam e perceberiam o que lhes estava acontecendo, mas em vez disso muitos
deles passaram a pegar suas flechas para atingir-me. Outros apenas hesitaram, como se não
soubessem o que fazer com respeito a mim. Senti então que tinha agido prematuramente, e que
cometera um erro grosseiro.

A Batalha Tem Início


Então me voltei e vi o exército do Senhor a postos, atrás de mim. Havia milhares de soldados,
mas eles excediam muito em número, impedindo qualquer possibilidade de cálculo. Fiquei
chocado e desanimado ao ver que parecia haver muito mais cristãos sendo usados pelo maligno
do que os que estavam no exército do Senhor. Compreendi também que a batalha que estava
prestes a ter início viria a ser considerada A Grande Guerra Civil Cristã, porque bem poucos
entenderiam os poderes que estavam por trás do iminente conflito.
Ao olhar com mais atenção o exército do Senhor, a situação parecia ainda mais
desencorajadora. Apenas um pequeno número estava completamente revestido com uma
armadura. Muitos deles tinham apenas uma ou duas peças da armadura; alguns não tinham
nenhuma de suas peças. Um grande número deles já estava ferido. Aqueles que estavam com
toda a armadura, entretanto, tinham em sua maioria um escudo bem pequeno e vi que não os
protegeria do furioso ataque que se aproximava. Ainda para minha surpresa, a grande maioria
daqueles soldados era constituída de mulheres e crianças. Bem poucos dentre os que estavam
completamente armados tinham tido um adequado treinamento para usar as armas.
Por trás desse exército havia uma multidão de homens que o seguia, semelhante aos
prisioneiros que seguiam a horda maligna, mas esses homens eram muito diferentes em sua
natureza. Eles sentiam-se demasiadamente felizes, como se estivessem embriagados. Estavam se
distraindo com jogos, cantando canções, festejando e perambulando de um pequeno campo ao
seguinte. Isso que vi fez-me lembrar de Woodstock.
Corri em direção ao exército do Senhor para escapar da investida que eu sabia que estaria
vindo contra mim por parte da horda maligna. De todos os modos parecia que estávamos diante
da ameaça de uma grande matança de nosso lado. Preocupei-me de modo especial com a
multidão que vinha após o exército, e então procurei elevar a minha voz mais alto do que o
vozerio que havia para adverti-los de que uma batalha estava prestes a acontecer. Bem poucos
foram os que me puderam ouvir. Os que me ouviram deram-me um "sinal de paz" e disseram
que não acreditavam que haveria guerra, e que o Senhor não permitiria que nada de mau lhes
acontecesse. Procurei explicar-lhes que o Senhor nos havia dado uma armadura porque iríamos
precisar dela para o que estava para acontecer, mas eles retrucaram que tinham vindo para um
lugar de paz e de alegria em que nada disso poderia acontecer-lhes. Comecei a orar
fervorosamente para que o Senhor aumentasse os escudos dos que estavam com a armadura,
para melhor proteção daqueles que não estavam preparados para a batalha.
Então um mensageiro veio até mim, deu-me uma trombeta e disse-me para tocá-la
rapidamente. Toquei-a, e os que se vestiam ao menos com alguma parte da armadura imediata-
mente responderam, ficando em posição de sentido. Mais armaduras lhes foram dadas das quais
rapidamente eles se revestiram. Observei que aqueles que tinham ferimentos não puseram
armadura alguma sobre os ferimentos, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa a esse
respeito, flechas do inimigo começaram a cair sobre nós. Todos os que não tinham a armadura
completa feriram-se. Os que não tinham protegido seus ferimentos foram de novo atingidos nos
mesmos.
Os que foram atingidos por setas de calúnia imediatamente passaram a caluniar os que não
tinham sido feridos. Os que foram alcançados pela flecha da fofoca começaram a fofocar, e logo
uma divisão criou-se em nosso próprio campo, envolvendo a maioria das pessoas. Senti que
estávamos à beira de destruirmo-nos a nós mesmos, tal como alguns dos exércitos pagãos nas
Escrituras tinham feito ao se levantarem para matarem-se uns ao outros. O sentimento de que
estávamos indefesos era terrível. Então abutres desceram em ataque rapidamente sobre os
feridos para capturá-los com suas garras e levá-los para o campo dos prisioneiros. Os feridos
ainda tinham espadas e poderiam ter abatido facilmente os abutres, mas eles não fizeram isso. O
que aconteceu foi que eles se deixaram levar porque estavam muito irados diante daqueles que
não estavam feridos como eles.
Depressa me lembrei da multidão atrás do exército e corri para ver o que tinha acontecido com
ela. Por impossível que fosse, a cena entre eles estava ainda pior. Milhares estavam caídos pelo
chão, feridos, e gemendo. O céu sobre eles escurecera-se por causa dos abutres que os estavam
levando para tornarem-se prisioneiros do inimigo. Muitos dos que não tinham sido feridos
simplesmente ficaram pasmados em incredulidade, e eles também iam sendo facilmente levados
pelos abutres. Uns poucos tinham tentado lutar contra os abutres, mas eles não tinham armas
adequadas, e os abutres nem mesmo lhes deram atenção. Os feridos estavam com tanta raiva
que ameaçavam e afugentavam quem quer que viesse para ajudá-los, mas eles eram dóceis e
submissos aos abutres.
Os que estavam na multidão e que não tinham sido feridos, e que tinham tentado lutar contra
os abutres, começaram a correr da cena de combate. Este primeiro encontro com o inimigo foi
tão devastador que eu fui tentado a unir-me com eles em sua luta. Então, com rapidez
impressionante alguns dos que tinham fugido começaram a reaparecer revestidos de novas e
completas armaduras, segurando grandes escudos. Esse foi o primeiro lampejo de
encorajamento que lembro ter tido.
Os guerreiros que estavam retornando não mais estavam com aquela postura festiva que
tinham antes, mas uma nova disposição cheia de temor estava em seu lugar. Vi que eles tinham
sido enganados uma vez, mas que não mais seriam facilmente enganados de novo. Eles foram
tomando o lugar daqueles que tinham caído, e até mesmo formaram novos postos de combate
para proteger a retaguarda e os flancos. Isso despertou um grande encorajamento em todo o
exército de forma que começou a surgir de novo a determinação de cada um se pôr a postos e
lutar. Imediatamente três anjos enormes com os nomes de Fé, Esperança e Amor apareceram e
se postaram por detrás do exército. Ao olharmos para eles, todos os nossos escudos começaram
a crescer. Foi impressionante como de forma tão rápida o desespero transformou-se em fé. Era
também uma fé sólida, moderada pela experiência.

A Auto-Estrada
Agora todos tinham espadas que tinham o nome A Palavra de Deus, e flechas cujos nomes
eram diferentes verdades bíblicas. Nós queríamos contra-atacar, mas não sabíamos como não
atingir os cristãos sobre os quais os demônios cavalgavam. Então veio-nos à mente que se
aqueles cristãos fossem atingidos com a Verdade, então eles despertariam e lutariam para se
desvencilharem de seus opressores. Eu lancei algumas flechas, como também o fizeram alguns
outros. Quase todas elas atingiram cristãos. Entretanto, quando a flecha da Verdade penetrou
neles, eles não despertaram, nem caíram feridos — eles enraiveceram-se, e os demônios monta-
dos sobre eles cresceram bastante.
Isso chocou a todos, e começamos a sentir que aquela era uma batalha impossível de se
vencer. Mesmo assim, com Fé, Esperança e Amor tínhamos confiança de que poderíamos pelo
menos manter a nossa posição. Um outro enorme anjo, de nome Sabedoria, então apareceu e
orientou-nos para irmos à montanha que estava atrás de nós para de lá lutar.
Na montanha havia plataformas, em diferentes níveis, umas sobre as outras, indo a uma altura
a perder de vista. A cada nível mais elevado, as plataformas estreitavam-se, e ficava mais difícil
para se posicionar. Cada nível tinha o nome de uma verdade bíblica. Os níveis mais baixos
tinham nomes de verdades fundamentais, tais como "Salvação", "Santificação", "Oração", "Fé",
etc, e os níveis mais elevados tinham o nome de verdades bíblicas mais profundas. Quanto mais
alto subíssemos, mais os nossos escudos e as nossas espadas cresciam, e menos flechas do
inimigo alcançavam nossas posições.

Um Trágico Erro
Alguns dos que haviam ficado nos níveis mais baixos começaram a pegar as flechas do inimigo
e passaram a lançá-las de volta. Isso foi um grave erro. Os demônios com facilidade esquivavam-
se das flechas para que elas atingissem os cristãos. Quando um cristão era atingido por uma
flecha de acusação ou calúnia, um demônio de amargura ou de raiva vinha voando e se
empoleirava naquela flecha. Então ele começava a urinar e a defecar o seu veneno em cima
daquele cristão. Quando um cristão tinha dois ou três desses demônios acrescentados aos do
orgulho e da retidão própria que ele já tinha, ele transformava-se na contorcida imagem do
próprio demônio.
Dos níveis mais altos dava para ver que isso acontecia, mas os que estavam nos níveis
inferiores, e que estavam usando as flechas do inimigo, estes não conseguiam ver que isso estava
acontecendo. Cerca da metade de nós decidiu continuar a subir a montanha, enquanto que a
outra metade desceu de volta para os níveis mais baixos para explicar aos que lá estavam o que
estava acontecendo. Todos foram então advertidos a que continuassem a subir e a não parar,
exceto alguns que permaneciam estacionados em cada nível para fazer com que os demais
soldados pudessem subir.

Segurança
Quando alcançamos o nível chamado "A Unidade dos Irmãos", nenhuma das flechas inimigas
podia atingir-nos. Muitos do nosso acampamento decidiram que não precisariam subir a níveis
mais altos. Entendi isso porque a cada novo nível o espaço que tínhamos era mais precário.
Entretanto, eu me sentia bem mais forte e com uma habilidade em manejar as armas bem maior
a cada novo nível, e então continuei a subir.
Em pouco tempo fiquei com a habilidade de atirar uma flecha e atingir o demônio e não o
cristão. Senti que se continuasse a subir eu conseguiria alcançar distâncias maiores de forma a
atingir os principais líderes das hordas malignas que se postavam atrás do seu exército.
Lamentei que muitos tivessem parado em níveis mais baixos onde estavam em segurança, mas
onde não dava para atingir o inimigo com tanta eficiência. Mesmo assim, o vigor e a disposição
que crescia nos que continuavam a subir fizeram deles grandes campeões, cada um deles sendo
capaz de destruir muitos inimigos.
Em cada nível havia flechas da Verdade espalhadas por todo lado, que eu sabia terem sido
deixadas por aqueles que, daquela posição, tinham caído (muitos tinham caído de cada posição).
Todas as flechas tinham o nome da Verdade daquele nível. Alguns estavam relutantes em pegar
aquelas flechas, mas eu sabia que necessitávamos de tudo o que pudéssemos obter para destruir
aquela grande horda lá em baixo. Peguei uma delas, atirei-a, e com facilidade atingi um
demônio, de forma que os outros começaram também a pegá-las e a atirá-las. Estávamos conse-
guindo dizimar várias das divisões do inimigo. Por causa disso, todo o exército maligno pôs a
atenção em nós. Por algum tempo parecia-nos que quanto mais tínhamos êxito, mais o inimigo
atacava-nos. Embora a nossa missão parecesse ser sem fim, ela tinha se tornado estimulante.
Como o inimigo não podia atingir-nos nos níveis mais altos com suas flechas, grupos de
abutres vinham e voavam por cima para vomitar sobre nós, e também levavam demônios para
urinar e defecar sobre as plataformas, tornando-as muito escorregadias.

A Âncora
Nossas espadas aumentavam quando alcançávamos cada nível mais elevado, mas por pouco eu
não deixei a minha em algum nível inferior, porque pensava que não iria necessitar dela nos
níveis mais altos. Foi mais ou menos por acaso que decidi mantê-la comigo, achando que deveria
haver alguma razão pela qual ela me tinha sido dada. Então, pelo fato de ser tão estreita a
plataforma em que eu estava, e por estar se tornando muito escorregadia, eu enterrei a espada
no chão e amarrei-me a ela, enquanto continuava a atirar no inimigo. A voz do Senhor então veio
até mim, dizendo: — Você teve a sabedoria que vai capacitá-lo a continuar subindo. Muitos caíram
porque não usaram a espada adequadamente para se firmarem.
Ninguém mais parecia ouvir esta voz, mas muitos viram o que eu fiz e assim fizeram também.
Considerei comigo mesmo por que o Senhor não tinha falado comigo para fazer isso antes.
Então percebi que ele de alguma forma já tinha dito isso para mim. Ao meditar nisso, comecei a
compreender que toda a minha vida tinha sido treinada para esta hora. Eu sabia que estava
preparado no grau em que havia ouvido o Senhor e obedecido à sua voz durante toda a minha
vida. Também sabia que por alguma razão a sabedoria e o entendimento que agora eu tinha não
podiam ser aumentados nem tomados de mim enquanto eu estivesse nesta batalha. Sentia-me
muito grato por toda provação que havia passado em minha vida, e lamentava-me por não as ter
apreciado mais quando estava passando por elas.
Logo estávamos alcançando os demônios com uma precisão quase que perfeita. A raiva
ascendia do exército inimigo como fogo e enxofre. Eu sabia que os cristãos que estavam presos
naquele exército agora estavam sentindo a maior parte de toda aquela raiva. Alguns tornaram-se
tão cheios de raiva que agora estavam atirando uns contra os outros. Normalmente isso seria
algo encorajador para nós, mas aqueles que mais sofriam eram os cristãos que tinham sido
enganados e que estavam no campo do inimigo. Eu sabia que perante o mundo aquilo parecia
ser um incompreensível desfalecimento do próprio cristianismo.
Alguns dos que não tinham usado a espada como âncora tinham condições de abater muitos
dos abutres, mas eles eram também mais facilmente derrubados das plataformas em que
estavam. Alguns deles caíram para um dos níveis inferiores, mas outros caíram até o sopé da
montanha e foram apanhados e levados pelos abutres. Eu passava todo momento em que estava
livre na batalha procurando firmar mais a fundo a minha espada na plataforma e prender-me
com maior segurança nela. Sempre que eu fazia isso, Sabedoria vinha ao meu lado de forma que
eu sabia que o que fizera era muito importante.
Uma Nova Arma
As flechas da Verdade algumas poucas vezes penetravam nos abutres, mas elas os feriam
bastante, fazendo-os recuar. Cada vez que eles eram forçados a recuar a uma certa distância,
alguns de nós subíamos até o nível seguinte. Quando atingimos o nível chamado "Gálatas 2:20" 1
ficamos a uma altura superior a que os abutres podiam opor-se a nós. Neste nível o acima de
nós quase nos cegava com o seu brilho intenso e com a sua beleza. Ali senti paz como nunca
tinha sentido antes.
Até atingir este nível, muito do meu espírito de luta tinha sido motivado quase tanto pelo medo,
pelo ódio e pela repugnância em relação ao inimigo, como por agir em prol do reino, da verdade,
ou por amor aos prisioneiros. Mas foi neste nível agora que eu fui alcançado pela Fé, pela
Esperança e pelo Amor, que antes eu apenas tinha podido ver a certa distância. Aqui eu estava
quase que tomado por sua glória. Mesmo assim, senti que ainda poderia aproximar-me mais
deles. Quando me acheguei a eles, eles se voltaram para mim e começaram a reparar e a polir a
minha armadura. Logo ela estava transformada e com muito brilho refletia a glória que vinha da
Fé, da Esperança e do Amor. Quando eles tocaram em minha espada, fortes raios de luz
começaram a faiscar nela. O Amor então disse: — Aqueles que alcançam este nível são revestidos
dos poderes da era futura.
Em seguida, voltando-se para mim, com muita seriedade, ele disse: — Ainda tenho que lhe
ensinar como usar esses poderes.
O nível de "Gálatas 2:20" era bastante largo, de forma que parecia não haver perigo de cair do
mesmo. Havia também um número enorme de flechas com o nome Esperança escrito nelas.
Lançamos algumas delas abaixo contra os abutres, e estas flechas os mataram com facilidade.
Cerca da metade dos que tinham atingido este nível ficaram lançando as flechas, enquanto que
os outros passaram a levar estas flechas para os que estavam ainda nos níveis mais baixos.
Os abutres mantinham-se vindo como ondas nos níveis inferiores, mas a cada vez havia um
menor número deles do que antes. De "Gálatas 2:20" dava para atingir qualquer um do exército
inimigo, exceto os líderes, que ficavam um pouco fora do nosso alcance. Decidimos não usar as
flechas da verdade até que tivéssemos destruído todos os abutres, porque a nuvem de depressão
que eles criavam tornava a verdade menos eficaz. Isso tomou um bom tempo, mas não nos
cansamos. Finalmente, ficamos com a impressão de que o céu sobre a montanha estava quase
que completamente livre dos abutres.
Fé, Esperança e Amor, que haviam crescido tal como as nossas armas a cada nível, estavam
agora tão grandes que eu vi pessoas muito além do que se podia ver da área de combate. Os três
irradiavam a sua glória, que alcançava até o campo dos prisioneiros, que ainda estava sob uma
grande nuvem de abutres. Fiquei então bastante animado, porque agora eles podiam ser vistos.
Talvez agora os cristãos que estavam sendo usados pelo inimigo, e os prisioneiros que eram
mantidos presos por eles, compreendessem que nós não éramos o inimigo, mas que de fato eles é
que tinham sido usados pelo adversário.
Mas isso não aconteceu, pelo menos por enquanto. Os que estavam no campo do inimigo, que
começaram a ver a luz da Fé, da Esperança e do Amor, começaram a chamá-los de "anjos de
luz", que eram enviados para enganar os fracos e os sem discernimento. Vi então que o engano e
as amarras sobre eles eram muito maiores do que eu tinha pensado.
Entretanto, todos os que não participavam de nenhum dos exércitos, os não-cristãos, viram a
glória deles e começaram a aproximar-se da montanha para terem uma visão melhor. Os que
vieram mais perto para ver esses anjos também começaram a entender de que tratava aquela
batalha realmente. Isso foi muito encorajador.
O estímulo pela vitória continuou a crescer em todos nós. Senti que estar neste exército, nesta
batalha, tinha que ser uma das maiores aventuras de todos os tempos. Depois de destruir a
maioria dos abutres que tinham atacado a nossa montanha, passamos a lançar flechas sobre
cada um dos abutres que ainda cobriam os prisioneiros. À medida em que a nuvem de escuridão
ia sendo dissipada e o sol começava a penetrar e brilhar sobre eles, eles também começavam a
despertar como se tivessem estado num profundo sono. Imediatamente eles sentiram uma
repulsa pela sua condição, especialmente em relação ao vômito que ainda os cobria, e
começaram a limpar-se totalmente. Quando eles contemplaram Fé, Esperança e Amor, eles
também viram a montanha e saíram correndo em direção a ela.
A horda maligna lançou flechas de Acusação e Calúnia às costas deles, mas eles não pararam.
Quando chegaram ao sopé da montanha, muitos deles tinham uma dúzia ou mais de flechas
cravadas neles, mas eles pareciam nem notar isso. Assim que começaram a escalar a montanha,
seus ferimentos iam sendo curados. Como a nuvem de depressão tinha sido dissipada, parecia
que agora tudo estava se tornando bem mais fácil.

A Armadilha
Os ex-prisioneiros tinham uma grande alegria por sua salvação. Eles pareciam tão tomados por
um sentimento de satisfação a cada nível, quando subiam pela montanha, que isso nos deu uma
satisfação ainda maior por aquelas verdades. Logo uma forte disposição para lutar contra o
inimigo surgiu também nos ex-prisioneiros. Eles se revestiram de uma armadura que lhes foi
dada e imploraram para que lhes fosse permitido voltar a atacar o inimigo que os tinha mantido
cativos, e que deles tinha abusado por tanto tempo. Pensamos a respeito, mas a decisão foi no
sentido de que todos permanecessem na montanha para lutar. De novo a voz do Senhor falou,
dizendo: — Pela segunda vez vocês escolheram a sabedoria. Vocês não poderão vencê-los se
tentarem combater o inimigo em seu próprio campo, mas têm de permanecer na minha santa
montanha.
Fiquei pasmado por termos tomado esta decisão de tamanha importância apenas pensando e
discutindo o assunto tão rapidamente. Então decidi fazer todo o possível para não tomar
nenhuma outra decisão, qualquer que fosse a sua importância, sem primeiro orar. Sabedoria
então acercou-se de mim rapidamente, segurou os meus ombros com firmeza, olhou para mim
bem nos olhos, e disse: — É isso que você tem de fazer!
Assim que Sabedoria me disse isso, ela me puxou para a frente como se estivesse me salvando
de algum perigo. Olhei para trás e vi que, apesar de eu estar na ampla plataforma de "Gálatas
2:20", eu tinha me afastado até quase a sua beirada, mesmo sem notar. Eu estava a ponto de
cair da montanha. Olhei de novo para os olhos de Sabedoria, e ele disse com a maior seriedade:
— Tome cuidado quando você pensa que está de pé, para que não caia. Nesta vida você pode cair
de qualquer um dos níveis.2
Pensei a respeito disso por um bom tempo. Com o sentimento de toda a vitória que estávamos
por alcançar, e pela unidade dos irmãos, eu tinha me descuidado. E era mais nobre cair devido a
um ataque do inimigo do que cair por causa de um descuido.

As Serpentes
Por um longo tempo continuamos a matar os abutres e atirando em cada um dos demônios que
estavam montados nos cristãos. Descobrimos que flechas correspondentes a determinadas
verdades tinham um efeito maior em determinados demônios. Sabíamos que teríamos pela frente
ainda uma grande batalha, mas não estávamos tendo mais vítimas agora, e tínhamos
continuado a subir para além do nível de "Paciência". Mesmo assim, depois que aqueles cristãos
tiveram os demônios atingidos e se viram livres deles, bem poucos vieram para a montanha.
Muitos deles tinham assumido a natureza dos demônios, e continuaram no engano, mesmo sem
eles. Com a dissipação das trevas dos demônios, podíamos ver o chão em torno dos pés daqueles
cristãos. Então eu vi que suas pernas estavam amarradas por serpentes. Olhando para as
serpentes, vi que elas eram da mesma espécie, e que tinham o nome Vergonha escrito sobre elas.
Lançamos flechas da Verdade sobre as serpentes, mas sem muito efeito. Então
experimentamos as flechas da Esperança, mas também sem resultado. De "Gálatas 2:20" tinha
sido bastante fácil ir mais para cima, porque todos nós nos ajudávamos, uns aos outros. Como
parecia haver pouco o que agora podíamos fazer contra o inimigo, decidimos procurar subir tão
depressa quanto pudéssemos, até descobrirmos alguma coisa que funcionasse contra as
serpentes.
Passamos por níveis de verdade bem depressa. Na maioria deles nem mesmo nos cuidamos de
olhar em volta para ver se não havia alguma arma que possivelmente desse resultado para
combater as serpentes. Fé, Esperança e Amor estavam conosco, mas não cheguei a notar que
tínhamos deixado Sabedoria bem para trás. Passou um longo tempo antes de eu perceber o erro
que tínhamos cometido. Ela nos alcançaria no cume, mas por deixá-la para trás isso nos custou
não termos tido uma vitória mais rápida e mais fácil sobre a horda maligna.
Quase que sem termos tido qualquer advertência, chegamos a um nível que se abria para um
jardim. Era o lugar mais belo que eu já tinha visto. Sobre a entrada desse lugar estava escrito:
"O Amor Incondicional do Pai". Esta entrada era tão gloriosa e convidativa que simplesmente não
dava para deixar de entrar. Assim que entrei, vi uma árvore que sabia ser a Árvore da Vida.
Estava bem no meio do jardim, e ainda estava guardada por anjos de um poder e autoridade que
impunham respeito. Quando olhei para eles, eles corresponderam ao meu olhar. Pareciam
amigáveis, como se estivessem estado nos esperando. Olhei para trás e havia agora uma hoste
de outros guerreiros no jardim. Isso encorajou a todos nós, e devido ao comportamento dos
anjos, decidimos passar por eles para chegar até a árvore. Um dos anjos gritou:
— Aqueles que conseguiram chegar até este nível, que conhecem o amor do Pai, podem comer.
Eu não tinha ciência de quão esfomeado eu estava. Quando provei a fruta, vi que era melhor do
que qualquer coisa que eu jamais tinha provado, mas me era também um tanto familiar. Ela
trouxe à memória lembranças de um dia de sol, de chuva, de belos campos, do sol se pondo
atrás do mar, mas até mesmo mais do que isso, ela me fez lembrar das pessoas que eu amava.
Com cada mordida eu amava tudo e a todos muito mais. Então os meus inimigos começaram a
vir à minha mente, e eu os amei também. O sentimento que eu sentia era em pouco tempo maior
do que qualquer coisa que eu já tinha experimentado, até mesmo do que a paz em "Gálatas
2:20", que sentimos ao chegar naquele nível. Então ouvi a voz do Senhor, que dizia: — Este é
agora o pão de cada dia de vocês. Ele nunca será retido de vocês. Vocês poderão comê-lo tanto
quanto quiserem e com a freqüência com que desejarem. Não há fim para o meu amor.
Olhei para dentro da árvore para ver de onde a voz tinha vindo, e vi que ela estava cheia de
águias de cor totalmente branca. Elas tinham os olhos mais belos e penetrantes que eu tinha
visto. Olhavam para mim como se estivessem esperando receber alguma instrução. Um dos
anjos disse: Elas atenderão o seu comando. Estas águias comem cobras.
Então eu disse: — Vão! Devorem a vergonha que tem amarrado nossos irmãos.
Elas abriram as asas e um forte vento veio que as elevou no ar. Essas águias encheram o céu
com uma glória deslumbrante. Mesmo na altura em que estávamos, eu podia ouvir os sons de
terror do campo inimigo quando viram que as águias tinham levantado vôo.

O Rei Aparece
O Senhor Jesus em pessoa então apareceu bem em nosso meio. Ele tomou tempo para
cumprimentar a cada um de nós pessoalmente, congratulando-nos por termos alcançado o topo
da montanha. Então ele disse: — Agora tenho que compartilhar com vocês o que compartilhei com
seus irmãos depois da minha ascensão — a mensagem do meu reino. O exército mais poderoso do
inimigo agora foi posto em retirada, mas não foi destruído. Agora é a hora para marcharmos com o
evangelho do meu reino. As águias foram liberadas e irão conosco. Tomaremos flechas de todos os
níveis, mas eu sou a Espada de vocês, e sou o Capitão de vocês. Agora é a hora para que a
Espada do Senhor seja desembainhada.
Então me virei e vi que todo o exército do Senhor estava a postos naquele jardim. Havia
homens, mulheres, e crianças de todas as raças e nações, com as bandeiras de seus países
sendo carregadas, as quais se moviam ao vento com perfeita harmonia. Eu sabia que nada igual
a isso jamais tinha sido visto na terra antes. Eu sabia que o inimigo tinha muitos outros
exércitos e fortalezas por toda a terra, mas nenhum deles poderia permanecer de pé diante deste
grande exército. Eu disse quase sem poder pronunciar:
— Este certamente é o dia do Senhor.
Toda a hoste então respondeu com um trovão amedrontador:
— O dia do Senhor dos Exércitos chegou.

Sumário
Alguns meses depois fiquei meditando sobre este sonho. O que me alarmou foi que certos
acontecimentos e condições na igreja pareceram-me ser paralelos ao que eu tinha visto quando a
horda do inferno começou a marchar. Lembrei-me então de Abraão Lincoln. A única maneira
pela qual ele pôde tornar-se "o Emancipador", e preservar a União, foi decidindo fazer uma
Guerra Civil. Não apenas ele teve que lutar nessa guerra, mas teve que fazê-lo com a resolução
de não ceder em nada até que a vitória fosse completa. Ele teve também que ter a graça de lutar
a guerra mais sangrenta da história americana sem "pichar de demônio" o inimigo por meio de
toda forma de propaganda. Se ele tivesse feito isso, ele poderia ter conseguido galvanizar a
resolução do Norte em tempo bem mais curto, e ter uma vitória militar bem mais rápida, mas
isso tornaria a convivência do Sul com o Norte muito mais difícil depois que a guerra terminasse.
Como a sua luta era verdadeiramente para preservar a União, ele nunca considerou os homens
do Sul como inimigos, mas sim escravizados pelo mal.
Uma grande guerra civil espiritual agora aproxima-se da igreja. Muitos farão tudo o que
puderem para evitá-la. Isto é compreensível, e até um ato nobre. Entretanto, o comprometimento
que implica em ceder alguma coisa nunca propiciará
Uma paz duradoura. Isso somente tornaria o conflito final muito mais difícil quando ele
ocorresse, e ele vai ocorrer.
O Senhor está agora preparando uma liderança que esteja desejosa de participar da luta numa
guerra civil espiritual com o objetivo de libertar os cativos. A principal questão será escravidão
versus liberdade. A segunda, que será a primeira para alguns, será o dinheiro. Assim como a
Guerra Civil Americana às vezes parecia que iria destruir a nação inteira, o que está por vir à
igreja às vezes parecerá como se fosse o fim da igreja. Entretanto, assim como a nação
americana não somente sobreviveu, mas prosseguiu para constituir-se na mais poderosa nação
do mundo, o mesmo vai se dar com a igreja. A igreja não será destruída, mas as instituições e as
doutrinas que têm mantido os homens em escravidão espiritual, essas sim serão.
Mesmo depois disso, uma perfeita justiça na igreja não será obtida da noite para o dia. Haverá
ainda lutas pelos direitos da mulher, e para libertar a igreja de outras formas de racismo e de
exploração. Todas essas são causas que terão de ser enfrentadas. entretanto, a Fé, a Esperança
e o Amor, e o reino de Deus sobre os quais estes três se firmam, começarão a ser vistos como
nunca foram antes. Isso começará a atrair todos os homens ao reino. O governo de Deus está
para ser demonstrado como mais grandioso do que qualquer governo humano.
E lembremo-nos sempre de que, com o Senhor, "mil anos é como um dia".3 Ele pode fazer em
nós em um dia o que pensamos que levará mil anos. A obra de libertação e de exaltação da igreja
será uma obra a ser realizada muito mais depressa do que possamos pensar ser humanamente
possível. Entretanto, não estamos falando de possibilidades humanas.
Parte II

A montanha santa

Estávamos no Jardim de Deus debaixo da Arvore da Vida. Parecia que o exército inteiro estava
ali, muitos deles ajoelhando-se diante do Senhor Jesus. Ele acabara de nos dar o encargo de
voltarmos para a batalha por causa de nossos irmãos que ainda estavam amarrados, e pelo
mundo que ele ama. Era uma ordem para nós maravilhosa, mas ao mesmo tempo terrível. Era
maravilhoso porque tinha partido dele. Era terrível porque implicava em que teríamos que nos
afastar da presença dele, conforme ele se manifestou ali, bem como do Jardim que era mais belo
do que qualquer outro lugar que pudéssemos ter estado antes. Deixar tudo isso para ir para a
batalha de novo parecia ser algo incompreensível.
O Senhor continuou com a sua exortação: — Eu lhes dei dons espirituais e poder, e uma
crescente compreensão da minha palavra e do meu reino, mas a maior arma que foi dada a vocês
é o amor do Pai. Enquanto vocês andarem no amor de meu Pai vocês nunca falharão. O fruto desta
árvore é o amor do Pai, que se manifesta em mim. Este amor que está em mim tem. de ser o seu
pão de cada dia.
Neste cenário tão belo e tão cheio de glória não parecia que o Senhor estava aparecendo em
glória. De fato, sua aparência era um tanto comum. Mesmo assim, a graça com que ele se movia
e com que falava tornava-o a pessoa mais atraente dentre todas que eu já vi. Ele ultrapassava
todo conceito humano em sua dignidade e nobreza. Era fácil compreender por que ele era tudo
que o Pai ama e estima. Verdadeiramente ele é cheio de graça e de verdade, ao ponto de fazer
parecer que nada mais importa, a não ser a graça e a verdade.
Quando eu comi o fruto da Árvore da Vida, o pensamento de toda boa coisa de que eu tenha
tido conhecimento em minha vida encheu a minha alma. Quando Jesus falou, aconteceu o
mesmo, mas de forma aumentada. Tudo o que eu queria fazer era ficar naquele lugar para ouvi-
lo falar. Lembrei-me de que uma vez eu pensei como deveria ser maçante para aqueles anjos que
não fazem nada além de ficarem continuamente adorando-o diante do trono. Agora eu sabia que
não há nada mais maravilhoso e estimulante para se fazer do que simplesmente permanecer
adorando-o. Para isso é que fomos criados, e certamente esta é a melhor parte do céu. Não deu
para imaginar quão maravilhoso seria se todos os coros celestiais fossem acrescentados. Era
difícil crer que eu tinha lutado tanto com uma sensação de tédio durante os cultos. Eu sabia que
isso era somente porque eu tinha estado quase que completamente fora de contato com a
realidade naqueles momentos.
Sentia-me quase que tomado pelo desejo de voltar para consertar aquelas horas nos cultos em
que deixei a minha mente vaguear ou quando me ocupei com outras coisas. O desejo de
expressar a minha adoração por ele ficou quase insaciável. Eu tinha que louvá-lo! Ao abrir a
minha boca tive o impacto dado pela espontânea adoração que irrompeu do exército todo ao
mesmo tempo. Eu quase tinha esquecido que todos os demais estavam lá, mas estávamos numa
perfeita unidade. A gloriosa adoração que se seguiu não pode ser expressa com palavras
humanas.
Enquanto adorávamos, um brilho dourado começou a emanar do Senhor. Depois ficou
prateado em torno do dourado. Depois cores, numa riqueza que eu nunca tinha visto com os
olhos naturais, envolveu a nós todos. Com essa glória eu fiquei sob o domínio da emoção de uma
forma que jamais sentira. De algum modo compreendi que essa glória tinha estado ali todo o
tempo, mas quando concentramos nele a nossa atenção, da forma como fizemos na adoração, o
que aconteceu foi que passamos a ver mais da sua glória. Quanto mais intensamente adorá-
vamos, maior a glória que contemplávamos. Se isso era o céu, era demais, era muito melhor do
que eu jamais sonhara.
Seu Lugar de Habitação
Não tenho idéia alguma de quanto tempo durou aquela adoração. Pode ter sido minutos, pode
ter sido meses. Não havia como medir o tempo com toda aquela glória. Fechei os olhos porque a
glória que eu via com o coração era tão grande quanto a que eu via com os olhos físicos. Quando
abri os olhos surpreendi-me ao ver que o Senhor não estava mais lá, mas uma tropa de anjos
postava-se onde ele havia estado. Um deles aproximou-se de mim e disse: — Feche os olhos de
novo.
Quando fechei, contemplei a glória do Senhor. Isso não foi um alívio pequeno. Eu sabia que
simplesmente não daria mais para viver sem a glória que agora eu tinha experimentado.
Então o anjo explicou:
— O que você vê com os olhos do coração é mais real do que o que você vê com os olhos físicos.
Eu mesmo já havia afirmado isso muitas vezes, mas quão pouco eu a vivi! O anjo continuou:
— Foi por essa razão que o Senhor disse a seus primeiros discípulos que era melhor que ele
partisse, de modo que o Espírito Santo pudesse vir.4 O Senhor habita dentro de você.5 Você já
ensinou isso muitas vezes, mas agora você tem de viver isso, pois você comeu da Arvore da Vida.
O anjo então foi me levando de volta para o portão. Protestei dizendo que não queria sair.
Parecendo estar surpreso, o anjo tomou-me pelos ombros e olhou em meus olhos. Foi então que
o reconheci. Ele era o anjo Sabedoria.
Você nunca terá que sair deste jardim. Este jardim está em seu coração porque o Criador, ele
mesmo, está dentro de você. Você desejou a melhor parte, a de adorar e sentar na presença dele
para sempre, e isso nunca lhe será tirado. Mas você tem de levar isso daqui para onde seja mais
necessário.
Eu sabia que ele tinha razão. Então olhei para além dele, para a Árvore da Vida. Tive a
compulsão de ir apanhar todas as trutas que pudesse antes de sair de lá. Conhecendo os meus
pensamentos, Sabedoria gentilmente me sacudiu: — Não faça isso. Mesmo esta fruta, colhida com
medo, não lhe faria bem. Esta fruta e esta árvore estão em seu interior porque ele está em você.
Você tem de acreditar.
Fechei os olhos e procurei ver o Senhor de novo, mas não consegui. Quando abri os olhos,
Sabedoria ainda estava olhando para mim. Com grande paciência ele continuou: — Você provou
algo da esfera celestial, e não há quem queira ir de volta para a batalha, depois disso. Não há
quem queira deixar a presença do Senhor quando ele se manifesta corporalmente. Quando o
apóstolo Paulo veio até aqui ele lutou pelo resto da sua vida quanto a se deveria permanecer e
trabalhar para o bem da igreja, ou se deveria voltar para cá e entrar em sua herança.6 Sua
herança ia sendo aumentada quanto mais tempo ele permanecesse e servisse na terra. Agora que
você tem o coração de um verdadeiro adorador, você sempre vai querer estar aqui, mas você
poderá sempre que entrar em verdadeira adoração. Quanto mais você se concentrar nele, mais
glória você verá, não importa onde você esteja.
As palavras de Sabedoria finalmente me acalmaram. De novo fechei os olhos apenas para
agradecer ao Senhor por esta maravilhosa experiência, e pela vida que ele tinha me dado. Ao
fechar os olhos comecei a ver de novo a sua glória, e toda a emoção da adoração anterior
inundou a minha alma. As palavras do Senhor para mim eram em som tão elevado e claras que
eu tinha certeza de serem audíveis:
— Nunca o deixarei, nem o abandonarei.
— Senhor, perdoa a minha incredulidade — respondi. — Ajuda-me a nunca deixar-te, a nunca
abandonar-te.
Isso foi um tempo maravilhoso e um tempo de prova. Aqui o "mundo real" não era real, e a
esfera espiritual era muito mais real, a ponto de que eu não podia nem imaginar ir de volta para
lá. Fui tomado tanto por uma sensação maravilhosa como por um temor de que eu poderia a
qualquer momento acordar e descobrir que tudo não passava de um sonho.
Sabedoria compreendeu o que se passava em meu interior. Disse-me então: — Você está
sonhando. Mas este sonho é mais real do que você possa pensar. O Pai deu sonhos aos homens
para ajudá-los a ver a porta que dá para o seu lugar de habitação. Ele habitará apenas em
corações humanos, e os sonhos podem ser uma porta para o seu coração, que o levará até ele. É
por isso que os seus anjos com tanta freqüência aparecem aos homens em sonhos. Em sonhos eles
podem passar por cima da mente humana decaída e irem direto ao coração.
Tendo aberto os olhos, vi que Sabedoria continuava agarrando em meus ombros.
— Eu sou o primeiro dom que lhe foi dado para o seu trabalho — disse ele. — Vou mostrar-lhe o
caminho, e vou mantê-lo nele, mas apenas o amor é que vai mantê-lo fiel. O temor do Senhor é o
princípio da sabedoria,7 mas a sabedoria mais elevada é amá-lo.
Então Sabedoria soltou-me e eu comecei a andar em direção ao portão. Eu o acompanhei com
dois sentimentos opostos dentro de mim. Lembrei-me da alegria da batalha e do subir a
montanha, e isso me compelia; mas não dava para comparar com a presença do Senhor e com a
adoração que eu acabara de experimentar. Deixar isso seria o maior sacrifício da minha vida.
Então lembrei-me de que tudo estava dentro de mim e fiquei impressionado de como eu poderia
esquecer-me tão depressa dessas coisas. Era como se uma grande batalha estivesse acontecendo
com muita violência dentro de mim, uma luta entre o que vi com os olhos físicos e o que vi com o
coração.
Adiantei-me um pouco de forma a andar ao lado de Sabedoria, e perguntei: — Tenho orado por
vinte e cinco anos para ser tomado e levado ao terceiro céu, tal como o apóstolo Paulo.8 Aqui é o
terceiro céu?
— Aqui é parte dele — respondeu-me ele — mas há ainda muito mais.
— Vou ter permissão para ver mais? — perguntei.
— Você vai ver muito mais. Estou levando-o para ver mais agora — respondeu.
Comecei a pensar no livro de Apocalipse. — A revelação de João fazia parte do terceiro céu? —
perguntei. — Parte da revelação dada a João era do terceiro céu, mas em sua maior parte era do
segundo céu. O primeiro céu foi antes da queda do homem. O segundo céu é a esfera espiritual
durante o reinado do mal sobre a terra. O terceiro céu é quando o amor e o domínio do Pai de novo
prevalecerá sobre a terra através do Rei.
— Como era o primeiro céu? — questionei, sentindo uma estranha friagem enquanto fazia a
pergunta.
— Faz parte da sabedoria não se preocupar com isso agora — Sabedoria respondeu com uma
seriedade maior, uma vez que a minha pergunta parecia tê-lo abalado um pouco. — Sabedoria é
buscar conhecer o terceiro céu, assim como você o fez. — Há muito mais para conhecer sobre o
terceiro céu do que você possa saber nesta vida, e é o terceiro céu, o reino, que você tem de pregar
nesta vida. Nas eras futuras você terá informações quanto ao primeiro céu, mas não lhe é conveni-
ente saber a respeito dele agora.
Resolvi lembrar-me do calafrio que eu acabara de sentir, e Sabedoria acenou-me, fazendo-me
saber que ele estava de acordo com esse pensamento.
— Que grande companheiro você é para mim — tive que dizer-lhe, ao perceber como aquele
anjo era uma dádiva valiosa. — Você vai mesmo me manter no caminho certo!
— Isso vou mesmo! — respondeu ele.
Eu tinha certeza que sentia amor vindo do anjo, o que me foi sem igual, uma vez que nunca
tinha sentido isso de outros anjos. Normalmente eles demonstravam o que tinham que fazer
mais por dever do que por amor. Sabedoria respondeu então os meus pensamentos como se os
tivesse pensado em voz alta.
— Faz parte da sabedoria amar, e eu não poderia ser Sabedoria se não o amasse. É também
parte da sabedoria contemplar a bondade e a severidade de Deus. É ter sabedoria amá-lo e temê-
lo. Você estará em engano se agir de outro modo. Esta é a próxima lição que você tem que
aprender. — disse ele com uma inconfundível seriedade.
— Eu bem que sei disso, e já ensinei isso muitas vezes — respondi, sentindo pela primeira vez
que talvez Sabedoria não me conhecesse completamente.
— Tenho sido um companheiro seu por muito tempo, e sei o que você ensinou — Sabedoria
replicou. — Agora você está prestes a aprender o significado de algumas coisas que você mesmo
ensinou. Como você disse muitas vezes, "não é crer em sua mente, mas em seu coração, que dá
como resultado a retidão".
Pedi desculpas, sentindo-me com um pouco de vergonha por ter duvidado de Sabedoria. Ele
graciosamente aceitou o meu pedido de desculpas. Foi então que percebi que o tinha estado
questionando e desafiando na maior parte da minha vida, e muitas vezes para meu prejuízo.

A Outra Metade do Amor


Há um tempo para se adorar o Senhor, — Sabedoria prosseguiu e há um tempo para honrá-lo
com o maior temor e respeito, assim como há um tempo para plantar, e um tempo para colher.9
É ter sabedoria conhecer os tempos e as épocas de Deus. Trouxe-lhe aqui porque era tempo de
adorar o Senhor na glória do seu amor. Era disso que você precisava mais, depois daquela
batalha. Agora vou levá-lo a um outro lugar porque é tempo de você adorá-lo no temor do juízo
dele. Até que você conheça essas duas adorações, há um perigo de que nos separemos um do
outro.
— Você quer dizer que se eu tivesse permanecido lá naquela gloriosa adoração eu teria perdido
você? — perguntei-lhe um tanto incrédulo.
— Sim. Eu o visitaria quando pudesse, mas raramente iríamos cruzar nossos caminhos. É
difícil deixar tal glória e paz, mas isso não é toda a revelação do Rei. Ele é tanto o Leão como é
também o Cordeiro. Para as crianças espirituais ele é o Cordeiro. Aos que estão amadurecendo
ele é o Leão. Para os que estão maduros ele é tanto o Leão como o Cordeiro. De novo, sei que
você compreende isso, mas o seu conhecimento tem sido em sua mente. Logo você compreenderá
isso em seu coração, pois você está prestes a conhecer o Trono do Julgamento de Cristo.

A Volta para a Batalha


Antes de passar pelos portões saindo do Jardim, perguntei a Sabedoria se eu poderia sentar-
me por um momento para ponderar sobre tudo o que tinha acabado de acontecer comigo.
— Sim, é o que você deve fazer — respondeu-me o anjo — mas eu tenho um lugar melhor para
você fazer isso.
Segui então Sabedoria passando pelos portões e começamos a descer a montanha. Para
surpresa minha a batalha estava ainda sendo travada, mas não com a mesma intensidade de
quando estávamos subindo. Havia ainda flechas de acusação e de calúnia voando por toda parte
nos níveis mais baixos, mas a maior parte da horda inimiga que ainda restava estava atacando
furiosamente as grandes águias brancas. As águias com facilidade estavam prevalecendo.
Continuamos a descer até quase chegar ao sopé da montanha. Logo acima dos níveis de
"Salvação" e "Santificação" estava o nível de "Ações de Graças e Louvor". Lembro-me deste nível
muito bem porque um dos maiores ataques do inimigo veio quando pela primeira vez eu tentava
alcançá-lo Quando chegamos neste nível o restante da subida ficou bem mais fácil, e quando
uma flecha penetrava nossa armadura, a cura vinha bem depressa.
Logo que os meus inimigos me notaram neste nível (eles não podiam ver Sabedoria), uma
chuva de flechas começou a cair sobre mim. Eu as derrubei com o meu escudo tão facilmente
que eles pararam de lançá-las. Eles estavam com poucas flechas e tinham que economizá-las.
Os soldados que estavam ainda lutando deste nível olharam para mim deslumbrados com um
respeito que me fez sentir incomodado. Foi então que pela primeira vez notei que a glória do
Senhor emanava da minha armadura e do meu escudo. Disse-lhes que subissem até o cume da
montanha, sem parar, e que eles, também, veriam o Senhor. Assim que concordaram em ir, eles
viram Sabedoria. Eles quiseram dobrar-se para adorá-lo, mas ele os impediu, e os enviou pelo
caminho que teriam que ir.

O Fiel
Eu estava cheio de amor por esses soldados, muitos dos quais eram mulheres e crianças. Suas
armaduras estavam em estado precário, e eles estavam cobertos de sangue, mas não tinham
desistido. De fato, eles ainda estavam radiantes e com coragem. Disse-lhes que eles mereciam
mais honra do que eu, porque eles tinham suportado a carga mais pesada da batalha, e tinham
sustentado a sua posição. Eles pareciam não crer em mim, mas apreciaram eu ter dito aquilo.
Entretanto, realmente senti que isso era verdade.
Cada nível da montanha tinha que ser ocupado, senão os abutres que ainda restavam vinham
e o profanavam com vômitos e excrementos até ficar difícil de ali permanecer. As plataformas,
em sua maioria, eram ocupadas por soldados que reconheci serem de diferentes denominações
ou movimentos que enfatizavam a verdade do nível que eles estavam defendendo. Fiquei
embaraçado diante da atitude que eu tinha mantido para com alguns desses grupos. Eu os tinha
considerado desinformados e desviados na melhor das hipóteses, mas aqui eles estavam lutando
fielmente contra um terrível ataque do inimigo. A defesa que eles fizeram dessas posições tinha
provavelmente contribuído para que eu continuasse subindo, como o tinha feito.
Alguns desses níveis situavam-se de forma que havia uma vista de uma boa parte da
montanha e do campo de batalha, mas outros eram tão isolados que os soldados que neles esta-
vam somente podiam ver a sua própria posição. Esses soldados pareciam não ter consciência do
furor do restante da batalha, nem do restante do exército que também estava lutando. Eles
estavam tão feridos pela calúnia e pelas acusações que resistiam a quem quer que descesse até
eles vindo dos níveis mais altos para encorajá-los a subirem para níveis mais acima. Entretanto,
quando alguns que tinham estado no cume da montanha desceram refletindo a glória do Senhor,
eles a observaram, em sua maioria com muita alegria, e logo começaram eles mesmos a subir,
com coragem e determinação. Enquanto eu via tudo isso acontecendo, Sabedoria não falou
quase nada, mas ele demonstrava estar bastante interessado em minhas reações.

A Realidade É Descoberta
Observei então que muitos soldados que tinham estado no cume vieram descendo a todos os
níveis para ajudar aqueles que vinham mantendo a sua posição naquelas verdades. Com a
chegada deles, cada nível começou a resplandecer com a glória que eles traziam. Logo a
montanha toda passou a brilhar com uma glória que cegava os abutres e os demônios que ainda
restavam. Depois de algum tempo havia tanta glória na montanha que ela já transmitia a mesma
sensação que tínhamos sentido no Jardim.
Passei então a pensar e a louvar ao Senhor e imediatamente me achei em sua presença de
novo. Era difícil conter as emoções e a glória que eu senti quando fiz isso. O que eu sentia
tornou-se tão intenso que parei. Sabedoria estava em pé ao meu lado. Pondo sua mão em meu
ombro, ele disse: — Você entra por seus portões com ações de graças, e em seus átrios com
louvor.10
— Mas era tão real! Eu me senti lá de novo! — exclamei.
— Você estava lá, — replicou Sabedoria — pode não ter parecido real, mas foi. Assim como o
Senhor disse ao ladrão na cruz: "Hoje você estará comigo no Paraíso",11 você pode entrar no
Paraíso em qualquer momento. O Senhor, o Paraíso dele, e a montanha dele estão habitando em
você, porque ele está em você. O que eram apenas antegozos antes, agora é uma realidade para
você, porque você subiu a montanha. A razão por que você pode me ver e os outros não podem não
é porque eu entrei na sua dimensão, mas porque você entrou na minha. Esta é a realidade que os
profetas conheceram e que lhes deu grande coragem, mesmo quando permaneceram sozinhos
contra exércitos. Eles viram as hostes celestiais que estavam com eles, não apenas o exército
terreno que alguém arregimentara contra eles.12
A Armadilha Mortal
Então olhei para a frente, para a carnificina lá em baixo, e vi o exército demoníaco em vagarosa
retirada. Atrás de mim vinham mais guerreiros cheios de glória que constantemente tomavam
lugar na montanha. Senti que agora estávamos suficientemente fortes para atacar e destruir o
que havia restado da horda inimiga.
— Ainda não — disse Sabedoria. — Olhe ali.
Olhei na direção que ele apontava, mas tive que proteger meus olhos da glória que emanava da
minha própria armadura, para ver alguma coisa. Então captei um vislumbre de algum
movimento num pequeno vale.
Não dava para discernir o que eu estava vendo porque a glória que brilhava da minha
armadura tornava difícil ver o que estava na escuridão. Perguntei a Sabedoria se havia alguma
coisa com que pudesse cobrir a minha armadura de forma a permitir-me ver. Ele então me deu
uma capa muito simples para vestir.
— O que é isso? — perguntei-lhe, sentindo-me um pouco ofendido pela simplicidade e pela cor
"de burro quando foge", sem brilho nenhum, daquela capa.
— Humildade — disse Sabedoria. — Você não conseguirá ver muito bem se não usar isso.
Relutantemente eu a vesti sobre a armadura e imediatamente vi muitas coisas que eu não
conseguira ver antes. Olhei para o vale e para o movimento que eu tinha pressentido. Para meu
espanto havia uma divisão inteira da horda inimiga que estava à espera para emboscar quem
quer que se aventurasse a sair da montanha.
— Que exército é aquele? — perguntei. — E como eles escaparam intactos da batalha?
— Aquele é Orgulho — explicou-me Sabedoria. — Aquele é o inimigo mais difícil de se ver depois
de se ter estado na glória. Os que se recusarem a vestir esta capa sofrerão muito nas mãos
daquele inimigo tão trapaceiro.
Voltei os olhos para a montanha e então vi muitos dos guerreiros cheios de glória cruzando a
planície para atacar a horda inimiga remanescente. Nenhum deles vestia a capa da humildade, e
eles não tinham visto o inimigo que estava pronto para atacá-los pela retaguarda. Quis sair
correndo para fazê-los parar, mas Sabedoria me impediu.
— Você não poderá parar com isso — disse-me ele. — Somente os soldados que estiverem
usando esta capa é que reconhecerão a sua autoridade. Venha comigo. Há ainda algo mais que
você tem de ver antes de poder ajudar a liderar na grande batalha que ainda haverá.

O Fundamento da Glória
Sabedoria levou-me descendo pela montanha até o nível mais baixo, que tem o nome de
"Salvação".
— Você pensa que este é o nível mais baixo, — declarou Sabedoria — mas este é o fundamento
de toda a montanha. Em toda jornada, o primeiro passo é o mais importante, e normalmente é o
mais difícil. Sem "Salvação" não haveria montanha.
Fiquei horrorizado com a carnificina neste nível. Todo soldado estava gravemente ferido, mas
nenhum deles estava morto. Multidões mal conseguiam segurar-se na plataforma. Muitos davam
a impressão que estavam prestes a cair, mas nenhum caiu. Havia anjos por toda parte
ministrando aos soldados com tamanha alegria que eu não agüentei e perguntei:
— Por que é que eles estão tão alegres?
— Esses anjos viram a coragem que foi necessária para que esses aí se sustentassem. Eles
podem não ter ido além desse ponto, mas também não desistiram. Logo eles estarão curados, e
então vão contemplar a glória de tudo o que há na Montanha, e começarão a subir. Eles serão
grandes guerreiros na batalha que haverá.
Mas não teria sido melhor para eles se eles tivessem subido a montanha junto conosco, quando
nós subimos? — protestei eu, vendo a presente condição em que eles se encontravam.
— Teria sido melhor para eles, mas não para você e para os que subiram com você. Ficando aqui
eles fizeram com que ficasse mais fácil para vocês subirem, por terem mantido a maioria dos seus
inimigos ocupados. Bem poucos dos níveis mais elevados saíram alguma vez. para ajudar outros a
virem até a montanha, mas estes fizeram isso. Mesmo quando eles próprios mal conseguiam subir
na montanha, ainda eles se esforçavam para puxar outros para cima. De fato, a maioria dos
grandes guerreiros foi levada para a montanha por esses homens fiéis. Eles não são menos heróis
do que aqueles que conseguiram chegar lá em cima. Eles proporcionaram grande alegria no céu por
levar outros à Salvação. Foi por esta razão que todos os anjos no céu queriam vir para ministrar a
eles, mas apenas os de maior honra é que receberam permissão.
De novo fiquei envergonhado por causa da minha atitude anterior para com aqueles grandes
santos. Muitos de nós tínhamos zombado deles quando subíamos para os níveis mais elevados.
Eles haviam cometido muitos erros durante a batalha, mas eles tinham demonstrado muito mais
o coração de Pastor do que todos nós. O Senhor deixaria os noventa e nove para ir atrás de
apenas um que estava perdido. Eles tinham permanecido no lugar em que ainda podiam
alcançar os perdidos, e pagaram um alto preço por isso. Eu, também, quis então ajudar, mas
não sabia como começar. Sabedoria então disse:
— É certo você querer ajudar, mas você vai ajudar mais fazendo aquilo para o que você foi
chamado a fazer. Esses aí vão ser curados e subirão a montanha. Eles agora poderão subir com
maior rapidez por causa de você e dos outros que foram antes deles, destruindo o inimigo, e
assinalando o caminho. Eles vão se juntar a vocês de novo na batalha. Eles são homens valentes
que não recuarão diante do inimigo.

O Poder do Orgulho
Fiquei então meditando que, ao descer a montanha, eu estava aprendendo tanto quanto eu
tinha aprendido quando fui subindo por ela. Então o barulho do campo de batalha chamou a
minha atenção. A essa altura havia milhares de poderosos guerreiros que tinham atravessado a
campina para atacar o que restava da horda inimiga. O inimigo fugia por todas as direções,
exceto uma única divisão: a do Orgulho. Completamente sem ser percebida, ela tinha marchado
até a retaguarda dos guerreiros que avançavam, e estava prestes a mandar uma chuva de
flechas. Foi então que notei que os guerreiros não tinham armadura alguma protegendo as suas
costas. Eles estavam totalmente expostos e vulneráveis ao que estava para atingi-los.
Sabedoria então observou:
— Você chegou a pensar que não há armadura para as costas, o que significaria que você ficaria
vulnerável se fugisse do inimigo. Entretanto, você nunca viu como avançar com orgulho também o
torna vulnerável.
Eu pude apenas fazer um sinal que concordava com o que ele disse. Era tarde demais para
fazer alguma coisa, e era quase insuportável observar o que estava acontecendo, mas Sabedoria
disse-me que eu tinha de observar. Eu sabia que o reino de Deus estava prestes a sofrer uma
grande derrota. Eu já tinha lastimado por alguma coisa antes em minha vida, mas nunca tinha
sido com este tipo de lástima que agora eu sentia.
Para meu espanto, quando as flechas de orgulho atingiram os guerreiros, eles nem mesmo
notaram. Contudo, o inimigo continuou a flechar. Os guerreiros estavam sangrando e en-
fraqueciam-se rapidamente, mas não se davam conta disso. Logo eles estavam tão fracos que
não conseguiam segurar o escudo e a espada; eles os lançaram ao chão, dizendo que não mais
precisariam dessas armas. E foram também tirando a armadura, dizendo que ela também não
era mais necessária.
Então uma outra divisão do inimigo apareceu e foi aproximando-se rapidamente. Chamava-se
Grande Engano. Os que nela estavam lançaram uma chuva de flechas e aparentemente todas
elas atingiram o alvo. Apenas alguns poucos demônios do engano, que eram pequenos e
visivelmente fracos, levaram então o exército que anteriormente era composto de gloriosos
guerreiros. Os cristãos foram levados a diferentes campos de concentração, cada um com o nome
de uma doutrina de demônios. Eu fiquei impressionado como aquela grande companhia de
justos tinha sido tão facilmente vencida, e parecia que eles ainda não sabiam o que os tinha
atingido.
Eu então balbuciei:
— Como é que esses que eram tão fortes, que subiram toda a montanha até o cume, que viram
o Senhor, podem estar assim tão vulneráveis?
— O orgulho é o inimigo mais difícil de ser visto, e ele sempre chega de mansinho por trás da
pessoa — lamentou Sabedoria. — De certo modo, os que atingiram as maiores alturas são os que
estão com o maior perigo de sofrer uma queda. Você tem de lembrar-se sempre que nesta vida você
poderá cair a qualquer hora e de qualquer nível em que esteja!
— "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia."13 — repliquei. — Como este
versículo agora me imprime temor!
— Quando você pensa estar menos vulnerável para cair é de fato quando você está mais
vulnerável. Muitos são os que caem imediatamente após uma grande vitória — disse Sabedoria,
lamentando.
— Como posso evitar de ser atacado assim? — perguntei.
— Fique bem perto de mim, consulte o Senhor antes de tomar qualquer decisão mais importante,
e continue vestindo essa capa. Desse modo o inimigo não terá condições de cegá-lo, como ele fez
com aqueles guerreiros.
Olhei para a minha capa. Sua aparência era tão simples e sem apresentação alguma. Senti que
ela me fazia aparentar mais como algum desabrigado do que com um guerreiro. Sabedoria
respondeu, como se eu tivesse pensado em voz alta:
— O Senhor está mais próximo dos desabrigados do que de reis. Você somente tem uma força
verdadeira na medida em que andar na graça de Deus, e ele "dá graça aos humildes". 14 Nenhuma
arma maligna pode penetrar nesta capa, pois nada pode sobrepujar a graça de Deus. Enquanto
você estiver com este manto, você estará a salvo desse tipo de ataque.
Então olhei para cima para ver quantos guerreiros ainda estavam na montanha. Fiquei
chocado ao ver que eram bem poucos. Observei, entretanto, que todos eles estavam com a
mesma capa da humildade.
— Como foi que isso aconteceu? — perguntei.
— Quando eles viram a batalha que você há bem pouco presenciou, todos eles me pediram ajuda,
e dei capas para eles — respondeu Sabedoria.
— Mas você não estava comigo durante todo o tempo?
— Eu estou com todos os que se dispõem a fazer a vontade do meu Pai — respondeu Sabedoria.
— Tu és o Senhor! — gritei.
— Sim — respondeu ele. — Eu lhe disse que nunca o deixaria nem o abandonaria. Eu estou com
todos os meus guerreiros assim como estou com você. Vou ser para você aquilo que você necessitar
para realizar a minha vontade, e você tem tido necessidade de sabedoria. Então ele desapareceu.

Um Posto no Reino
Fui deixado ali no meio da grande companhia de anjos que estavam atendendo os feridos no
nível da "Salvação". Quando fui andando por entre os anjos, eles se encurvaram demonstrando-
me um grande respeito. Finalmente lhes perguntei por que estavam agindo desse modo, uma vez
que o menor deles era muito mais poderoso do que eu.
— Por causa da sua capa — um deles respondeu. — Esse é o posto mais elevado no reino.
— Esta é apenas uma simples capa, nada mais — protestei.
— Não! — replicou o anjo. — Você está vestido com a graça de Deus. Não há poder maior do
que esse!
— Mas há milhares de nós que estão vestindo a mesma capa. Como é que ela pode então
representar um posto no reino? — protestei.
— Vocês são lutadores que impõem respeito, filhos do Rei. Ele usou essa mesma capa quando
caminhou nesta terra. Enquanto você a estiver usando, não haverá poder no céu ou na terra que
possa enfrentá-lo. Todos no céu e no inferno reconhecem essa capa. Somos de fato servos do
Senhor, mas ele habita em vocês, e vocês estão vestidos com a sua graça.
De alguma forma eu sabia que se eu não estivesse com a capa, e se a minha gloriosa armadura
estivesse sendo exposta, o que o anjo disse e o seu comportamento diante de mim teria me
enchido de orgulho. Era simplesmente impossível sentir-se com orgulho ou com arrogância
estando vestido com aquela capa de cor estranha e simples. Entretanto, minha confiança neste
manto estava crescendo depressa.
Parte III

O retorno das águias

No horizonte eu vi uma grande nuvem branca que se aproximava. A esperança surgiu em mim
somente por vê-la. Logo toda a atmosfera ficou cheia de esperança, da mesma forma como o sol
nascente põe em fuga a escuridão da noite. Com o crescer da nuvem, reconheci que eram as
grandes águias brancas que tinham voado da Arvore da Vida. Elas foram pousando na
montanha, tomando lugar em cada nível ao lado das companhias de guerreiros.
Com cautela aproximei-me da águia que tinha pousado perto de mim, porque sua presença
inspirava-me bastante temor. Quando ela olhou para mim com seus olhos penetrantes, eu sabia
que não poderia esconder nada dela. Seu olhar era tão forte e firme que tremi com um calafrio
que senti em meu corpo todo, só de olhar para os olhos dela. Mesmo antes de eu fazer qualquer
pergunta, ela respondeu-me:
— Você quer saber quem somos nós? Somos os profetas que estavam escondidos, e que foram
mantidos assim para esta hora. Somos os olhos daqueles a quem foram dadas as armas
divinamente poderosas. A nós nos foi dado ver tudo o que o Senhor está fazendo, e tudo o que o
inimigo está planejando contra vocês. Estivemos esquadrinhando a terra, e juntas sabemos de
tudo o que é necessário saber para a batalha.
Vocês não viram a batalha que acabou de acontecer? — perguntei com uma certa irritação,
tanto quanto ousei expressar. — Não deu para vocês ajudarem aqueles guerreiros que há bem
pouco foram feitos prisioneiros?
— Sim. Vimos tudo, e poderíamos tê-los ajudado se eles tivessem querido a nossa ajuda. Nós
os teríamos ajudado retendo-os e não os deixando prosseguir, dizendo-lhes que se sentassem e
ficassem parados. Mas nós somente podemos lutar nas batalhas comandadas pelo Senhor, e
apenas podemos ajudar aqueles que crêem em nós. Somente os que nos recebem na condição de
quem nós somos, os profetas, é que podem receber a recompensa do profeta, ou os benefícios de
nossos serviços. Aqueles que foram emboscados não tinham ainda a capa que você está usando,
e os que não têm essa capa não conseguem entender quem nós somos. Todos nós necessitamos
uns dos outros, inclusive estes três aqui que ainda estão feridos, e muitos outros que você ainda
não conhece.

O Coração da Águia
Quando falei com a águia eu comecei a pensar como ela. Depois dessa curta conversa eu podia
olhar para os olhos dela e eu podia conhecê-la tal como ela me conhecia. A águia reconheceu
isso.
— Você tem alguns dons, observou ela. Você não fez muito uso deles. Eu estou aqui para
despertar esses dons em você, e em muitos outros como você, e vou ensiná-lo a como usá-los.
Desse modo a nossa comunicação vai ser segura. Tem de ser segura, ou então todos nós
teríamos muitas perdas desnecessárias, para não dizer que também perderíamos muitas grandes
oportunidades para a vitória.
— De onde você vem? — perguntei-lhe.
— Nós comemos cobras — a águia respondeu. — O inimigo é alimento para nós. O nosso
sustento vem de fazer a vontade do Pai, que é destruir as obras do diabo. Toda cobra que co-
memos contribui para aumentar a nossa visão. Toda fortaleza do inimigo que demolimos nos
fortalece, de forma que podemos voar mais alto e permanecer no ar por mais tempo. Acabamos
de vir de uma festa, devorando as serpentes da Vergonha, que amarravam muitos de seus
irmãos. Eles estarão aqui em breve. Estão vindo com as águias que deixamos para trás para
ajudá-los a achar o caminho, e para protegê-los do contra-ataque do inimigo.
Essas águias eram muito seguras de si mesmas, mas não eram presunçosas. Elas sabiam
quem elas eram, e a que tinham sido chamadas. Elas também nos conheciam e também
conheciam o futuro. Sua confiança me reanimava, mas reanimava muito mais aqueles feridos
que ainda jaziam ao nosso redor. Os que até há pouco estavam tão fracos, que não conseguiam
nem falar, agora tinham se endireitado e ouviam a minha conversa com a águia. Eles olharam
para ela como fazem as crianças perdidas quando olham para seus pais, assim que estes as
encontram.

O Vento do Espírito
Quando a águia olhou para os feridos, a expressão dela mudou também. Em lugar da forte e
firme determinação diante da qual eu tinha permanecido anteriormente, para com os feridos ela
era como uma avó idosa: bondosa e cheia de compaixão. A águia abriu as asas e gentilmente
ficou abanando-as, provocando uma brisa refrescante que fluía sobre os feridos. Era diferente de
qualquer outra brisa que eu tenha visto. A cada respiração eu me fortalecia e a minha mente
purificava-se. Logo os feridos puseram-se em pé e passaram a adorar a Deus com uma
sinceridade que trouxe lágrimas aos meus olhos.
De novo senti-me envergonhado por ter zombado daqueles que tinham permanecido neste
nível. Achávamos que eles eram muito fracos e tolos, quando estávamos subindo a montanha,
mas eles suportaram muito mais do que nós, e permaneceram fiéis. Deus os tinha guardado, e
eles o amavam com um grande amor.
Olhei então para cima, na montanha. Todas as águias estavam gentilmente abanando as asas.
Todo o mundo na montanha estava se refrescando com a brisa que elas estavam produzindo, e
todos passaram a adorar o Senhor. A princípio havia alguma discordância entre os louvores que
vinham dos diferentes níveis, mas depois de algum tempo, todos, em todos os níveis, estavam
cantando em perfeita harmonia.
Nunca na terra eu jamais ouvi algo tão belo. Eu queria que o louvor nunca terminasse. Logo
reconheci que era o mesmo louvor que tínhamos aprendido no Jardim, mas agora ele soava
ainda mais rico e mais cheio. Eu sabia que era porque estávamos louvando na presença dos
nossos inimigos, em meio a toda a escuridão e todo o mal que rodeava a montanha; era por isso
que me parecia muito mais belo.
Não sei por quanto tempo ficamos adorando, mas finalmente as águias pararam de abanar as
asas e o louvor terminou.
— Por que vocês pararam? — perguntei à águia com quem havia conversado.
— Porque agora eles estão curados — respondeu ela, apontando para os que tinham estado
com ferimentos mas que agora, em pé, denotavam estar em perfeitas condições. — Um verda-
deiro louvor pode curar qualquer ferimento — completou ela.
— Por favor, repitam tudo de novo! — supliquei.
— Vamos repetir isso muitas vezes, mas não somos nós que decidimos quando fazê-lo de novo.
A brisa que você sentiu era o Espírito Santo. Ele nos dirige; não somos nós que o dirigimos. Ele
curou os feridos e começou a fazer com que haja a unidade que é necessária para as batalhas à
nossa frente. A verdadeira adoração ainda faz derramar o precioso óleo sobre a Cabeça, que é
Jesus, e então desce por todo o corpo, fazendo-nos um com ele e criando uma unidade entre
nós. Ninguém que venha a unir-se com ele permanecerá ferido ou impuro. O seu sangue é vida
pura, e flui quando estamos ligados com ele. Quando estamos ligados com ele estamos também
ligados com o restante do corpo, de forma que o seu sangue flui em todos nós. Não é assim que
você faz sarar uma ferida no seu corpo, fechando-a de modo que o sangue possa fluir ao membro
afetado, trazendo-lhe regeneração? Quando uma parte do corpo está ferida, temos de nos unir
em unidade com aquela parte até que ela seja totalmente restaurada. Somos todos um.
Na euforia que ainda restava do louvor, este breve ensino parecia quase que difícil de ser
entendido, mas eu sabia que era fundamental. Quando o Espírito Santo se movia, toda palavra
parecia ser gloriosa, não importando quão elementar fosse. Eu me sentia tão cheio de amor que
o meu desejo era abraçar todo o mundo, inclusive as velhas águias, apesar de todo o temor que
despertavam.
Então, como que num susto, lembrei-me dos fortes guerreiros que tinham sido há pouco
capturados. A águia percebeu isso, mas não disse nada. Ela apenas me observava, com alguma
intenção. Finalmente quebrei o silêncio, e disse:
— Vai dar para recuperarmos aqueles que acabamos de perder?

O Coração do Rei
— Sim. Está certo você sentir o que está sentindo — disse a águia por fim. — Não estamos
ainda completos, e a nossa adoração ainda não está completa, até que todo o corpo se restaure.
Mesmo na adoração mais gloriosa, mesmo na própria presença do Rei, ainda sentiremos essa
falta até que todos sejam um, porque o nosso Rei também o sente. Todos nós sofremos por
nossos irmãos sob grilhões, mas sofremos ainda mais pelo coração do nosso Rei. Embora vocês
amem todos os seus filhos, vocês sofreriam mais por aquele que estivesse enfermo ou ferido. O
Rei, também, ele ama todos os seus filhos, mas os feridos e oprimidos recebem a sua maior
atenção agora. Por causa dele não desistimos até que todos tenham sido recuperados. Enquanto
houver feridos, ele estará ferido.

A Fé Que Remove Montanhas


Sentado ao lado da águia, meditei em suas palavras. Finalmente perguntei:
— Sei que agora Sabedoria fala comigo através de você, porque ouço a sua voz quando você
fala. Eu estava tão seguro de mim mesmo antes daquela última batalha, mas por pouco não fui
levado por aquela mesma presunção que os levou, e eu poderia ter sido facilmente capturado
com eles se Sabedoria não me tivesse barrado. Eu estava motivado mais pelo ódio para com o
inimigo do que pelo desejo de libertar os meus irmãos. Desde o início quando vim para esta
montanha, e durante o tempo em que lutei na grande batalha, acho que a maioria das coisas
que fiz, foram por razões erradas, e muitas das coisas erradas que fiz eu tinha bons motivos.
Quanto mais aprendo, mais inseguro de mim mesmo eu me sinto.
— Você deve ter estado com Sabedoria por um bom tempo — a águia respondeu.
— Sabedoria esteve comigo por um longo tempo antes de o ter reconhecido, mas receio que na
maior parte daquele tempo eu o tenha resistido. De algum modo sei que me falta ainda alguma
coisa muito importante, algo que tenho de ter antes de ir à batalha de novo, mas não sei o que é.
Os grandes olhos da águia tornaram-se ainda mais penetrantes, enquanto ela respondia:
— Você também conhece a voz de Sabedoria quando ele fala a você em seu coração. Você está
aprendendo bem porque você tem essa capa. O que você está sentindo agora é a verdadeira fé.
— Fé? — contestei. — Eu estou falando é de sérias dúvidas!
— Você está sendo sábio ao duvidar de si mesmo. Mas a verdadeira fé depende de Deus, e não
de você, e não da sua fé. Você está perto do tipo de fé que pode mover esta montanha, e movê-la é
algo que temos de fazer. Está na hora de levá-la a lugares por onde nunca tenha passado antes.
Entretanto, você está certo. Falta-lhe ainda algo muito importante. Você ainda precisa receber uma
revelação. Embora você tenha subido até o cume da montanha, e tenha recebido todas as
verdades enquanto subia, e embora você tenha estado no Jardim de Deus, tenha experimentado o
seu amor incondicional, e tenha visto o seu Filho muitas vezes, você ainda compreende apenas
uma parte de todo o conselho de Deus, e apenas superficialmente.
Eu sabia que isso era tão verdadeiro que me confortava escutá-lo.
— Eu já julguei erradamente tantas pessoas e tantas situações. Sabedoria salvou a minha vida
muitas vezes agora, mas a sua voz é ainda muito fraca dentro de mim, e o clamor de meus
próprios pensamentos e sentimentos ainda são muito mais fortes.
Ouço Sabedoria falando através de você com uma voz bem mais alta do que a voz com que o
ouço falando em meu coração, e assim sei que tenho de permanecer bem perto de você.
— Estamos aqui porque vocês precisam de nós — a águia replicou. — Estamos aqui também
porque precisamos de vocês. A você foram dados dons que eu não recebi, e eu recebi dons que
você não tem. Você passou por experiências que eu não passei, e eu passei por outras que você
não passou. As águias lhes foram dadas até o fim, e vocês nos foram dados. Eu vou ficar bem
perto de você por algum tempo, e depois você terá de receber outras águias em meu lugar. Cada
águia é diferente. É em conjunto, e não individualmente, que a nós foi dado conhecer os segredos
do Senhor.

As Portas da Verdade
A águia então levantou-se da rocha sobre a qual ela tinha se empoleirado, e foi voando até a
extremidade do nível em que estávamos.
— Venha — disse ela.
Ao aproximar-me dela, vi degraus que desciam até o sopé da montanha, e vi uma pequena
porta.
— Por que é que eu não vi isso antes? — perguntei.
— Da primeira vez que veio para a montanha você não permaneceu neste nível o tempo
suficiente para dar uma olhada à sua volta — ela me respondeu.
— Como é que você sabe disso? Você estava aqui quando eu passei por este nível ao vir para a
montanha?
— Eu teria sabido mesmo que não tivesse estado aqui, porque todos que deixam de ver esta
porta é sempre pela mesma razão, mas realmente eu estava aqui — respondeu ela. — Eu era um
dos soldados por quem você passou rapidamente em seu caminho escalando a montanha.
Foi então que reconheci aquela águia como sendo um homem que fiquei conhecendo logo após
a minha conversão, com quem cheguei a manter de fato algumas conversas. A águia continuou:
— Eu queria muito segui-lo naquela hora. Eu havia estado neste nível por tanto tempo que
necessitava de uma mudança. Eu apenas não podia deixar todas aquelas almas perdidas que
ainda procurava trazer para cá. Quando finalmente me dispus a fazer a vontade do Senhor, quer
fosse ficar ou sair, Sabedoria me apareceu e mostrou-me esta porta. Ele disse que era um atalho
para o cume. É por isso que cheguei lá em cima antes de você. Lá então fui transformado numa
águia.
Lembrei-me então de ter visto portas como esta em vários dos níveis. Dei até mesmo uma
espiada entrando por uma delas e lembro-me de que me impressionei pelo que vi. Não me aven-
turei muito naquele caminho porque o meu foco estava na batalha e em querer chegar ao cume
da montanha.
— Será que se eu tivesse entrado por alguma daquelas portas eu teria ido direto para o topo da
montanha? — perguntei.
— Não é tão fácil assim — a águia observou, demonstrando uma leve irritação. — Em cada
porta há diversos caminhos, um dos quais vai até o cume.
Antecipando minha pergunta seguinte, ela continuou:
— Os outros vão para outros níveis da montanha. O Pai projetou cada uma dessas passagens
de forma a que cada pessoa pudesse escolher a que era ditada pelo seu nível de maturidade.
"Incrível! Como foi que ele fez isso?", foi o que eu pensei comigo mesmo, mas a águia ouviu os
meus pensamentos.
— Foi muito simples, — continuou ela, como se eu tivesse falado o meu pensamento em voz
alta — a maturidade espiritual é sempre determinada pela nossa disposição de sacrificar os nos-
sos próprios desejos pelos interesses do reino, ou por causa de outros. A porta que requer o
maior sacrifício para se entrar sempre nos levará ao nível mais elevado.
Procurei lembrar-me de tudo o que a águia estava me dizendo. Eu sabia que tinha de entrar
pela porta à minha frente, e que eu teria sabedoria se aprendesse tudo o que pudesse de alguém
que me havia precedido e que obviamente tinha escolhido a porta certa para o topo da
montanha.
— Eu não fui diretamente para o cume, e não me encontrei com ninguém que tenha
conseguido fazer isso — continuou a águia. — Mas cheguei lá bem mais depressa do que a
maioria porque eu tinha aprendido muito sobre sacrifício próprio enquanto lutava aqui no nível
da Salvação. Mostrei-lhe esta porta porque você está usando essa capa, e você acabaria
encontrando-a, de qualquer modo. Mas o tempo é curto e eu estou aqui para ajudá-lo a
amadurecer rapidamente.
— Há portas em cada nível, e cada uma delas leva a tesouros que estão além da sua
compreensão — continuou ela. — Eles não podem ser adquiridos fisicamente, mas cada tesouro
que você tomar com suas mãos você poderá levar em seu coração. O seu coração tem o propósito
de se constituir na casa do tesouro de Deus. Quando você chegar lá em cima de novo, o seu
coração conterá tesouros mais valorosos do que todos os tesouros da terra. Eles nunca serão
tirados de você, mas serão seus por toda a eternidade. Vá depressa. As nuvens de uma
tempestade estão se avolumando, e mais uma grande batalha está se aproximando.
— Dá para você vir comigo? — roguei-lhe.
— Não — respondeu ela. — O que me compete agora é ir ajudar aqueles que estiveram feridos.
Mas eu o verei aqui de novo. Você vai encontrar-se com muitas das águias que são irmãos meus
antes de você retornar, e todas elas vão poder ajudá-lo melhor do que eu no lugar em que as
encontrar.

Os Tesouros do Céu
Eu já amava tanto aquela águia que mal podia suportar ter que deixá-la. Mas estava alegre por
saber que a veria de novo. Agora aquela porta atraía-me como se fosse um ímã. Eu a abri e
entrei por ela.
A glória que contemplei era tão espantosa que de imediato caí de joelhos. O ouro, a prata e as
pedras preciosas eram muito mais belas do que eu posso descrevê-las. Elas na verdade ri-
valizavam com a glória da Arvore da Vida. Era um salão tão grande que parecia não ter fim. O
piso era de prata; as colunas, de ouro; e o teto era um diamante único que refletia todas as cores
que eu conhecia e muitas outras que me eram desconhecidas. Anjos num número incalculável
estavam por toda parte, vestidos com vestes diferentes e uniformes que não tinham uma origem
terrena.
Quando fui andando pelo salão, os anjos todos se encurvaram saudando-me. Um deles
aproximou-se de mim e deu-me boas-vindas citando o meu nome. Ele explicou que eu poderia ir
a qualquer parte ali e que poderia ver o que eu quisesse naquele salão. Nada era retido daqueles
que entrassem pela porta.
Eu estava tão tomado pela beleza que não conseguia nem falar. Finalmente observei que ali
tudo era mais belo do que o próprio Jardim. Surpreendido, o anjo respondeu:
— Mas este lugar é o Jardim! Este é um dos quartos da casa do seu Pai. Nós somos seus
servos.
Enquanto eu caminhava, uma grande companhia de anjos seguia-me. Voltei-me para eles e
perguntei ao que os liderava por que eles estavam me seguindo.
— Por causa da sua capa — disse ele. — Nós lhe fomos dados para servi-lo aqui e na batalha
que haverá.
Eu não sabia o que fazer com os anjos, de forma que simplesmente continuei a andar. Fui
atraído a uma enorme pedra azul que parecia ter o sol e nuvens em seu interior. Quando a
toquei, os mesmos sentimentos fluíram dela para mim, os mesmos de quando eu comi o fruto da
Arvore da Vida. Senti vigor, uma pureza mental não terrena, e amor por todos e por tudo sendo
aumentado em mim. Comecei a contemplar a glória do Senhor. Quanto mais eu tocava naquela
pedra, mais a glória aumentava. O que eu queria era não tirar a minha mão daquela pedra, mas
a glória tornou-se tão intensa que finalmente eu tive que me afastar.
Então os meus olhos deram com uma bela pedra verde.
— O que essa pedra tem? — perguntei ao anjo que estava próximo de mim.
— Todas essas pedras são tesouros da salvação. Você está agora tocando na dimensão
celestial, e essa aí é a restauração da vida — prosseguiu ele.
Ao tocar na pedra verde fiquei vendo a terra em cores ricas e espetaculares. Elas cresceram em
riqueza quanto mais eu mantinha a minha mão sobre a pedra, e o meu amor por todos a quem
eu via também aumentava. Então passei a ver uma harmonia entre todos os seres vivos num
nível que eu nunca tinha visto antes. E passei a ver a glória do Senhor na criação. Ela foi
crescendo até o ponto que de novo tive que me afastar, por causa da intensidade.
Percebi que eu não tinha idéia alguma de quanto tempo havia permanecido ali. Do que eu
tinha certeza era de que a minha compreensão de Deus e do seu universo tinha crescido
substancialmente apenas por ter tocado naquelas duas pedras, e ainda havia muitas e muitas
para serem tocadas. Havia mais somente naquele salão do que alguém pudesse absorver em
toda a sua vida.
— Quantos outros salões como este há? — perguntei ao anjo.
— Há salões como este em cada nível da montanha que você subiu.
— Como é possível a alguém experimentar tudo o que há num só destes salões, para não dizer
em todos os salões? — perguntei.
— Você terá toda a eternidade para fazer isso. Os tesouros contidos nas verdades mais básicas
do Senhor Jesus são suficientes para perdurarem por mais tempo do que o de muitas vidas, de
uma forma que não dá para você avaliar. Ninguém pode conhecer, no tempo de uma só vida,
tudo o que há para se conhecer, mas você tem de tomar aquilo de que você tem necessidade e
prosseguir em direção ao seu destino.
Mais uma vez me pus então a pensar sobre a próxima batalha, e sobre os guerreiros que
tinham sido capturados. Não era um pensamento agradável num lugar assim tão glorioso, mas
eu sabia que teria toda a eternidade para voltar para este salão; eu tinha apenas algum tempo
para encontrar o caminho que me levasse para o topo da montanha, e de lá para a frente de
batalha de novo.
Voltei-me para o anjo e disse:
— Você tem de me ajudar a encontrar a porta que leva ao cume.
O anjo ficou perplexo, e respondeu:
— Nós somos seus servos, mas você tem que nos liderar. Toda esta montanha é um mistério
para nós. Todos nós desejamos conhecer esse grande mistério, mas depois de sairmos deste
salão do qual viemos a conhecer apenas um pouco, vamos ter que aprender ainda bem mais do
que você.
— Você sabe onde se encontram as portas? — perguntei.
— Sim. Mas não sabemos para onde elas vão. Algumas têm uma aparência muito convidativa,
outras são simples, e outras ainda são até mesmo repugnantes. Uma chega a ser terrível.
— Neste lugar há portas que são repugnantes? — perguntei, incrédulo. — E há uma que é
terrível? Como é que pode?!
— Isso não sabemos, mas eu posso mostrá-la para você. — respondeu ele.
— Por favor, queira mostrar-me — disse.
Andamos algum tempo, passando por tesouros de glória inefável, os quais era difícil passar
sem parar. Havia ainda muitas portas, com diferentes verdades bíblicas sobre cada uma.
Quando o anjo disse "convidativas", senti que ele tinha diminuído em muito o apelo que elas
ensejavam. Eu bem que queria adentrar cada uma delas, mas a minha curiosidade pela "porta
terrível" manteve-me indo adiante.
Então eu a vi. "Terrível" foi uma expressão que não fez justiça ao que ela era. Um medo
apoderou-se de mim que pensei que fosse me sufocar.

Graça e Verdade
Dei as costas para aquela porta e retirei-me dali depressa. Havia uma bela pedra vermelha nas
proximidades, contra a qual eu praticamente me arremeti para tocar nela com as mãos.
Imediatamente achei-me no Jardim de Getsêmani, contemplando o Senhor em oração. A agonia
que presenciei foi ainda mais terrível do que a porta que eu acabara de ver. Chocado, puxei a
minha mão daquela pedra e caí no chão, exausto. O que eu queria fazer era voltar para aquela
pedra azul ou para a verde, mas eu tinha que recuperar as minhas forças e o meu sentido de
direção. Os anjos depressa ficaram ao meu redor para me servir. Deram-me a beber alguma
coisa que foi me fortalecendo. Logo eu estava sentindo-me bem, em condições de me levantar e ir
de volta para aquelas outras pedras. Entretanto, a visão do Senhor orando, que voltava à minha
mente, me fez parar.
— O que é que era aquilo, lá atrás? — perguntei.
— Quando você toca numa das pedras, somos capazes de ver um pouco do que você vê, e de
sentir um pouco do que você sente — disse um dos anjos. — Sabemos que todas essas pedras
são grandes tesouros, e todas as revelações que elas contêm são de valor inestimável. Nós
contemplamos por um momento a agonia do Senhor antes da sua crucificação, e sentimos
brevemente o que ele sentiu naquela terrível noite. É difícil para nós entender como o nosso
Deus pôde sofrer desse modo. Isso nos faz apreciar muito mais que honra é para nós servirmos
aos homens por quem ele pagou um preço tão terrível assim.
As palavras do anjo eram como relâmpagos que atingiam a minha alma. Eu tinha lutado na
grande batalha. Havia subido até o cume da montanha. Tinha me tornado tão familiar com a
dimensão espiritual que já nem mesmo notava os anjos, e podia falar em quase que nos mesmos
termos com as grandes águias. Contudo eu não conseguia compartilhar nem por um momento
dos sofrimentos do Senhor, sem desejar fugir para uma experiência mais agradável.
— Eu não deveria estar aqui — disse, quase gritando. — Eu, mais do que ninguém, é que
merecia ser um prisioneiro do maligno!
— Compreendemos, senhor, — um anjo me disse, apreensivo — que ninguém está aqui por ter
merecimentos para isso. Você está aqui porque foi escolhido antes da fundação do mundo, para
cumprir um propósito. Não sabemos qual é o seu propósito específico, mas sabemos que para
todos os que estão nesta montanha há um propósito grandioso.
— Obrigado. Você está me ajudando. Minhas emoções têm sido muito distendidas neste lugar,
e isso tem sobrepujado a minha compreensão. Você tem razão. Ninguém está aqui por ser digno.
Verdadeiramente, quanto mais subimos nesta montanha, mais indignos somos por estarmos
aqui, e de mais graça necessitamos para permanecer aqui. Como foi que eu consegui chegar ao
topo da primeira vez?
— Pela graça — o anjo respondeu.
— Se você quiser ajudar-me, — disse — por favor repita esta palavra para mim toda vez que me
encontrar confuso ou em desespero. Esta palavra eu a estou compreendendo melhor do que
qualquer outra.
— Agora tenho que voltar para a pedra vermelha. Sei agora que ela é o maior tesouro que há
neste salão, e não posso sair sem levar aquele tesouro em meu coração.

A Verdade da Graça
O tempo que passei junto da pedra vermelha foi o tempo mais doloroso pelo qual já passei.
Muitas vezes simplesmente eu não agüentava mais, e tinha que retirar a minha mão. Várias
vezes fui de volta para as pedras azul ou verde para acalmar a minha alma e depois voltar para
lá. Era cada vez mais difícil retornar para a pedra vermelha, mas o meu amor e apreciação pelo
Senhor crescia mais daquele modo do que por qualquer outra coisa que eu tivesse aprendido ou
experimentado antes.
Finalmente, quando a presença do Pai afastou-se de Jesus na cruz, não pude permanecer ali
por mais tempo. Saí. Posso dizer que os anjos, que também estavam sentindo, até um certo
grau, o que eu sentia, estavam plenamente concordes com o que eu fiz. O poder da vontade para
tocar a pedra de novo simplesmente não estava mais em mim. Nem mesmo senti vontade de
voltar para a pedra azul. Simplesmente fiquei prostrado no chão. Eu chorava pelo que o Senhor
tinha passado. Chorava também porque sabia que eu havia desertado, tal como os seus
discípulos. Eu tinha falhado, no momento em que ele mais precisava, assim como eles o fizeram.
Depois do que me pareceu terem sido vários dias, abri os olhos. Uma outra águia estava do
meu lado. Em frente dela havia três pedras, uma azul, uma verde, e uma vermelha.
— Coma-as — disse ela.
Quando as comi, todo o meu ser se renovou, e uma grande alegria e uma grande sobriedade
inundaram o meu coração.
Quando me pus de pé, vi que aquelas três pedras estavam encravadas no punho da minha
espada, e também sobre cada um dos meus ombros.
— Elas são agora suas para sempre — a águia disse. — Elas não poderão ser tiradas de você e
você não as poderá perder.
Mas eu não cheguei a completar esta última — protestei.
Cristo, somente ele, é que terminará essa prova — replicou ela. — Você fez o suficiente, e agora
você tem que prosseguir.
— Para onde? — perguntei.
— Isso é você quem decide, mas com o tempo ficando cada vez mais curto, sugiro que você
procure chegar logo no cume da montanha.
A águia então se retirou, obviamente com muita pressa.
Então lembrei-me das portas. Comecei com aquelas que tinham me parecido tão atraentes.
Quando cheguei diante da primeira delas, ela não me parecia atraente agora. Então fui para
outra, e senti o mesmo.
— Alguma coisa mudou — observei em voz alta.
— Foi você que mudou — os anjos responderam de imediato.
Voltei-me para olhar para eles e impressionei-me por vê-los tão diferentes. Eles não tinham
mais aquele olhar inocente em si, mas tinham agora uma postura regia e uma aparência de
sábios. Eu sabia que eles refletiam o que também tinha acontecido comigo, mas agora eu me
sentia incomodado de simplesmente pensar em mim mesmo.
— O que você me aconselha a fazer? — disse ao líder deles.
— Ouça o seu coração — disse ele. — É lá que essas grandes verdades agora habitam.
— Nunca pude confiar em meu próprio coração — respondi. — Ele está sujeito a muitos
conflitos. Eu também sou sujeito a ilusões, a enganos e a ambições egoístas. Por causa de todo o
clamor do meu coração, para mim é até mesmo difícil ouvir a voz do Senhor falando comigo.
— Com a pedra vermelha agora no seu coração, senhor, não creio que de agora em diante será
desse modo — foi o que me propôs o líder, com uma confiança inusitada.
Encostei-me então na parede, pensando por que a águia não estava aqui, nesta hora em que eu
mais precisava dela. Ela tinha ido por aquele caminho antes, e saberia que porta escolher. Mas
eu sabia que ela não voltaria, e sabia que o certo era eu mesmo escolher. Enquanto meditava, a
"porta terrível" era a única que vinha à minha cabeça. Movido pela curiosidade, decidi voltar
para lá e olhá-la de novo. Eu tinha me afastado dela tão depressa da primeira vez que nem
cheguei a observar que verdade ela representava.
Ao aproximar-me dela dava para sentir o temor brotando em meu interior, mas nem de perto
era tão intenso como foi na primeira vez. Diferentemente das outras portas, era muito escuro ao
redor desta aqui, e tive que chegar bem perto para poder ler a verdade que estava posta sobre
ela. Um tanto surpreso, li: "O TRONO DO JULGAMENTO DE CRISTO".
— Por que será que esta verdade é tão amedrontadora? — perguntei em voz alta, sabendo que
os anjos não iriam me responder.
Fiquei olhando para aquela porta por algum tempo e então fiquei sabendo que era por ela que
eu deveria ir.
— Há muitas razões pelas quais ela é assim tão amedrontadora — foi o que aquela voz já
familiar da águia me respondeu.
— Alegro-me por você ter voltado — respondi. — Será que eu fiz uma escolha infeliz?
— Não! Você escolheu bem. Esta porta vai levá-lo de volta para o topo da montanha mais
depressa do que qualquer outra. Ela inspira medo porque o maior medo que há em tudo que foi
criado tem a sua origem através daquela porta. A maior sabedoria que os homens podem
conhecer nesta vida, ou na vida futura, também se obtém através desta porta. Mesmo assim, são
bem poucos os que vão por ela.
— Mas por que esta porta é tão escura? — perguntei.
— A luz dessas portas reflete a atenção que a igreja presentemente está dando à verdade que se
acha por detrás de cada uma delas. A verdade por detrás desta porta é uma das mais
negligenciadas nos dias atuais, mas é uma das mais importantes. Você vai compreender isso
quando entrar. A maior autoridade que alguém possa receber será confiada apenas àqueles que
entrarem por esta porta. Quando você vir Jesus Cristo assentado nesse seu trono, você, também,
estará preparado para assentar-se com ele.
— Então esta porta não seria tão escura e não causaria medo tivéssemos tão somente dado
mais atenção a esta verdade? perguntei.
— Isso é correto. Se os homens soubessem que glória há por revelada atrás desta porta, ela
seria uma das mais brilhantes — a águia lamentou. — Entretanto, ela é ainda uma porta difícil
de se passar. Foi-me dito para retornar e encorajá-lo, porque em breve você disso necessitará.
Você verá uma glória maior, mas também um terror maior, tal como você nunca teve. Mas saiba
que por ter você agora escolhido este caminho difícil, depois você não terá perdas. Muitos têm
grande prazer em conhecer a bondade do Senhor, mas bem poucos são os que querem conhecer
a sua severidade. Se você não abraçar essas duas coisas, você estará sempre em perigo de ser
enganado e de cair de sua grande graça.
— Sei que nunca teria vindo até aqui se eu não tivesse gasto o tempo que fiquei com a pedra
vermelha. Como é que eu poderia procurar ir pelo caminho fácil, quando isso é tão contrário à
natureza do Senhor? — perguntei.
— Mas agora que você escolheu este caminho, vá, então, depressa. Uma outra grande batalha
está prestes a acontecer, e precisam de você na linha de frente — disse ela.
Voltando-me para a águia, vendo uma forte determinação em seus olhos, a minha confiança
cresceu. Finalmente fui em direção daquela porta.
Parte IV

O trono branco

Dei uma última olhada naquele enorme salão dentro da montanha. As pedras preciosas e os
tesouros que representavam as verdades da Salvação eram emocionantes, pela sua glória.
Parecia que a sua extensão não tinha fim, e que a sua beleza era impossível de ser totalmente
apreciada. Eu não conseguia imaginar como os salões que contêm as outras grandes verdades
da fé pudessem ter uma glória maior. Isso me ajudou a compreender por que tantos cristãos
nunca quiseram deixar este nível, contentando-se a apenas maravilharem-se com as doutrinas
básicas da fé. Eu sabia que poderia permanecer ali durante toda a eternidade, e que nunca me
sentiria enfadado.
Então a águia que estava ao meu lado exortou-me:
— Você tem que prosseguir!
Quando me voltei e olhei para ela, ela abaixou a voz, mas continuou:
— Não há uma paz, nem uma segurança maior do que quando se está habitando na salvação
do Senhor. Você foi trazido aqui para saber isto porque você vai ter necessidade desta fé em sua
jornada para onde você está indo agora, mas não se demore mais aqui.

Por Que Somos Feridos


O que a águia declarou com respeito à paz e a segurança fizeram-me pensar nos guerreiros
corajosos que tinham lutado na batalha do primeiro nível da montanha, nível da Salvação. Eles
tinham lutado tão bem e tinham libertados muitos, mas também tinham sido gravemente
feridos. Não parecia que eles tinham encontrado paz e segurança aqui. Então a águia
interrompeu os meus pensamentos de novo, como se ela os estivesse ouvindo.
— Deus tem uma definição de paz e de segurança bem diferente da nossa. Ser ferido na luta é
uma grande honra. É pelos ferimentos do Senhor que nós somos curados, e é pelos nossos
ferimentos que nós, também, recebemos autoridade para curar. Em toda parte em que o inimigo
nos cause um ferimento, uma vez que tenhamos sido curados, nos é dado o poder de curar a
outros. A cura foi uma parte importante do ministério do Senhor, e também é importante no
nosso. Esta é uma das razões pelas quais o Senhor permite que coisas más aconteçam com os
que são seus, porque assim eles podem receber compaixão pelos outros, pela qual o poder da
cura opera. Foi por isso que o apóstolo Paulo falou das agressões e do apedrejamento por que
tinha passado quando sua autoridade foi questionada.15 Todo ferimento, toda coisa má que
conosco acontece pode transformar-se em autoridade para fazer o bem. Toda agressão física que
o apóstolo sofreu resultou em salvação para outras pessoas. Todo ferimento que o guerreiro sofra
resultará em outras vidas sendo salvas, curadas ou restauradas.
As palavras da águia eram muito estimulantes. Por estar aqui em meio à glória dos tesouros da
salvação, esta verdade tornou-se ainda mais clara e penetrante. O que eu queria era ir ao topo
da montanha e proclamá-la de forma que todos os que estivessem ainda lutando pudessem ser
incentivados por ela.
Então a águia prosseguiu:
— Há uma outra razão por que o Senhor permite que sejamos feridos. Não há coragem se não
há um perigo real. O Senhor disse que iria junto com Josué lutar pela Terra Prometida, mas
repetidamente ele o exortou a ser forte e corajoso. Isso lhe foi dito porque ele ia ter que lutar, e
porque a lula seria realmente perigosa. É desta maneira que o Senhor prova aqueles que são
dignos das Promessas.
Olhei para a velha águia, e pela primeira vez notei as cicatrizes em meio a suas penas rasgadas
e quebradas. Entretanto, as cicatrizes não eram feias, mas eram forradas com um tipo de ouro
que não era metálico, mas que era carne e penas. Então pude ver que era esse ouro que emitia a
glória que emanava da águia, fazendo com que a sua presença inspirasse até mesmo temor.
— Por que será que eu não vi isso antes? — perguntei.
— Você só pode ver a glória que vem do sofrimento pela causa do evangelho depois de você ter
contemplado e apreciado as profundezas dos tesouros da salvação. Depois de tê-las visto, então
você está preparado para as provas que liberarão para a sua vida os níveis mais elevados de
autoridade espiritual. Estas cicatrizes são a glória que vamos carregar conosco por toda a
eternidade. É por isso que até mesmo as feridas que o nosso Senhor sofreu estão com ele no céu.
Você pode ainda ver as chagas dele, como pode ver as chagas que todos os seus escolhidos
tiveram por causa dele. Elas são as medalhas de ouro do céu. Todos os que portam essas
medalhas amam a Deus e a sua verdade mais do que a própria vida. Eles são os que seguiram o
Cordeiro onde quer que ele fosse, desejosos de sofrer por causa da verdade, da retidão e da
salvação dos homens. Os verdadeiros líderes do povo de Deus, que têm uma genuína autoridade
espiritual, primeiro tiveram que, deste modo, dar provas da sua devoção.

Fé e Coragem
Olhei para o líder da companhia de anjos que me seguia. Eu nunca havia presenciado antes
uma emoção assim tão profunda num anjo. Mas essas palavras sem dúvida estavam tocando
nele profundamente, assim como nos demais. Até mesmo pensei que eles estavam prestes a
chorar. Então o líder deles disse:
— Temos observado muitas maravilhas desde a criação. Mas o sofrimento voluntário de
homens pelo Senhor, e pelos seus semelhantes, é das maravilhas a maior de todas. Nós, tam-
bém, temos que lutar de vez em quando, e sofremos, mas habitamos onde há uma luz e uma
glória tão maravilhosas que para nós é muito fácil fazer isso. Quando homens e mulheres, que
vivem num lugar assim de escuridão e onde há o mal, tendo tão pouco encorajamento, não
podendo contemplar a glória, mas tendo apenas uma esperança por alcançá-la, quando eles se
dispõem a sofrer por essa esperança, que quase não dá para eles verem em seu coração, isso faz
com que o maior dos anjos implore a Deus para vir servir a esses herdeiros da salvação, e faz
isso com prazer. A princípio nós não entendíamos por que o Pai decretou que os homens teriam
que andar pela fé, não contemplando a realidade e as glórias do reino espiritual, mas sofrendo
toda essa oposição. Mas agora compreendemos que é através desses sofrimentos que eles dão
prova de que serão dignos de receber a grande autoridade que lhes será dada como membros da
família de Deus. Agora este caminhar de fé é a maior maravilha no céu. Os que passarem por
essa prova são dignos de se assentarem com o Cordeiro em seu trono, pois eles os tornou digno
disso, e eles deram prova de seu amor.
Então a águia o interrompeu, dizendo:
— A coragem é uma demonstração de fé. O Senhor nunca prometeu que o seu caminho seria
fácil, mas ele nos assegurou que valeria a pena. A coragem daqueles que lutaram no nível da
Salvação fez com que os anjos do céu avaliassem o que Deus tinha feito nos homens caídos. Eles
sofreram ferimentos no terrível ataque, enquanto podiam ver apenas a escuridão e uma aparente
defesa da verdade, da mesma forma como o Senhor fez na cruz. Mesmo assim eles não
desertaram, eles não retrocederam.
De novo me veio o pensamento de me lamentar por não ter permanecido no nível da Salvação e
lutado junto com aquelas almas corajosas. Mais uma vez, lendo os meus pensamentos, a águia
os interrompeu.
— Por subir pela montanha você também estava demonstrando ter fé e sabedoria, o que
também lhe dá autoridade. A sua fé libertou muitas almas de maneira que elas puderam vir à
montanha para serem salvas. Você recebeu também alguns ferimentos, mas a sua autoridade no
reino é proveniente mais de atos de fé do que do sofrimento. Porque você foi fiel no pouco, agora
se lhe será dada a grande honra de voltar para lá e sofrer, e você poderá ser posto para reinar
sobre muitos mais, Mas lembre-se de que todos nós trabalhamos juntos para os mesmos
propósitos, não importa se estejamos construindo ou sofrendo. Muito mais almas encherão esses
salões, contribuiu do para a grande alegria do céu, se você subir mais. Agora você foi chamado
para subir, e para construir, mas depois lhe será dada a honra de sofrer, se nisso você se
mantiver fiel.
Então virei-me e olhei para aquela porta escura e que causava medo, sobre a qual estava
escrito: "O Trono do Julgamento de Cristo'". Assim como um calor e uma paz tinham vindo à
minha alma a cada vez que eu olhava para os grandes tesouros da Salvação, um receio e uma
insegurança se apossava de mim quando eu olhava para aquela porta. Agora o que eu sentia é
que tudo em mim queria que eu permanecesse naquele salão, e nada em mim queria que eu
entrasse por aquela porta. De novo a águia respondeu os meus pensamentos.
— Antes de você entrar pela porta de qualquer grande verdade, você terá esses mesmos
sentimentos. Você os sentiu até mesmo quando entrou neste salão, que está cheio de tesouros
da salvação. Esses receios são decorrentes da queda. São o fruto da Árvore do Conhecimento do
Bem e do Mal. O conhecimento que vem daquela árvore nos torna inseguros e centrados em nós
mesmos. O conhecimento do bem e do mal faz com que o verdadeiro conhecimento de Deus
pareça inspirar medo, quando de fato toda verdade que vem de Deus nos leva para uma paz e
uma segurança ainda maiores. Até mesmo os juízos de Deus devem ser desejados, porque são
perfeitos todos os seus caminhos.
Até agora pela minha experiência eu sabia que, o que parece ser o caminho certo, geralmente é
o caminho que tem menos frutos, e muitas vezes é a estrada que nos leva ao fracasso. Por toda a
minha jornada, o caminho de mais alto risco foi o caminho que me levou para a maior
recompensa. Mesmo assim, a cada vez parecia-me que mais coisas estavam em jogo. Portanto, a
decisão de ir mais para cima tornava-se mais difícil a cada vez. Eu passava a simpatizar com
aqueles que paravam em algum ponto da sua jornada, e que se recusavam a prosseguir, embora
soubesse mais do que nunca que isso era um erro. A única segurança verdadeira veio de
permanecer indo para a frente nos domínios que exigiam mais fé, o que significava uma
dependência maior do Senhor.
Sim, é necessário ter mais fé para andar nos domínios mais elevados do Espírito — a águia
acrescentou. — O Senhor nos deu o mapa do seu reino quando ele disse: "Quem quiser, pois,
salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á." 16
Somente estas palavras é que podem mantê-lo no caminho que vai para o cume da montanha, e
que o levará à vitória na grande batalha à frente. Elas ainda o ajudarão a permanecer diante do
Trono do Julgamento de Cristo.

Passando pela Porta


Eu sabia que estava na hora de prosseguir. Tomei o propósito de lembrar-me sempre da glória
daquele quarto que continha os tesouros da salvação, mas considerei que eu tinha que ir para
além deles. Eu tinha que continuar em minha caminhada. Voltei-me e com toda a coragem que
consegui reunir, abri a porta para o Trono do Julgamento de Cristo e fui adiante. A companhia
de anjos que havia sido destacada para estar comigo tomou posição em torno da porta, mas eles
não entraram.
— Qual é o problema? Vocês não vêm? — reclamei.
— Para onde você está indo agora, você tem de ir sozinho. Nós estaremos esperando por você
do outro lado.
Sem responder, virei-me e fui andando, antes que viesse a mudar de idéia. De algum modo eu
sabia que o certo era eu não pôr a minha confiança na companhia dos anjos. Enquanto eu
caminhava naquela escuridão, ouvi as últimas palavras da águia:
— Depois disso você não depositará a sua confiança em ninguém mais, nem mesmo em si
próprio, a não ser no Senhor.
Achava-me na escuridão mais amedrontadora de toda a minha vida. Cada passo que eu dava
era uma batalha terrível contra o medo. Logo fiquei pensando que eu tinha entrado no próprio
inferno. Finalmente decidi bater-me em retirada, mas quando me virei para voltar, não dava para
ver nada. A porta estava fechada e eu nem conseguia ver onde ela se localizava. Comecei a
pensar que tudo o que tinha acontecido comigo, que tudo o que as águias e os anjos me tinham
dito tinha sido um ardil para que eu caísse na armadilha deste inferno. Eu tinha sido enganado!
Clamei então ao Senhor para que me perdoasse, e que me ajudasse. Imediatamente comecei a
vê-lo na cruz, da mesma maneira de quando eu tinha posto a minha mão sobre a pedra
vermelha no quarto de onde eu acabara de sair. De novo contemplei a escuridão da sua alma
quando o Senhor ficou sozinho, levando o pecado do mundo. Lá no quarto isso tinha sido uma
terrível escuridão de se contemplar, mas agora ela era uma luz. Resolvi que tinha que prosseguir
fixando a minha mente nele. Foi então que, a cada passo que eu dava, uma paz começou a
crescer em meu coração, e tudo se tornava mais fácil agora, em relação ao que tinha sido alguns
minutos antes.
Logo eu não tomava nem mesmo conhecimento da escuridão, e não mais sentia frio. Então
comecei a ver uma luz bem fraquinha. Gradualmente ela foi se tornando uma luz gloriosa. Então
ficou tão maravilhosa que me senti entrando no próprio céu. A glória aumentava a cada passo.
Perguntei a mim mesmo como algo tão maravilhoso podia ter uma entrada tão escura e que dava
medo. Agora eu tinha um grande prazer em cada passo que eu dava.

No Hall
Então o caminho chegou num hall tão grande que me pareceu que o mundo inteiro era
pequeno para comportá-lo. Sua beleza não pode ser imaginada por uma referência a qualquer
obra de arquitetura humana. Ela excedia a maravilha de tudo o que eu já tinha visto, inclusive a
do jardim, ou a do quarto que continha os tesouros da salvação. Neste ponto eu estava tão
tomado pela alegria e pela beleza quanto tinha sido tomado pela escuridão e pelo pavor alguns
minutos antes. Então compreendi que toda vez que eu senti uma forte dor ou uma escuridão em
minha alma, em seguida tive uma revelação da glória e da paz muito maior.
Bem distante no fim estava a Fonte da glória que fazia com que tudo o mais naquela sala
brilhasse. Eu sabia que era o Senhor, ele mesmo, e embora agora eu já o tivesse visto muitas
vezes, fiquei com algum temor ao caminhar na direção dele. Entretanto o temor que eu sentia
era um temor santo, que apenas aumentava a alegria e a paz que eu também sentia. Eu sabia
que o trono do julgamento de Cristo era uma fonte de muito mais segurança, tal como eu nunca
tinha experimentado, mas ao mesmo tempo ela era a fonte de um temor bem maior, mas bem
mais puro.
Não notei quão grande era a distancia até o trono. Era tão maravilhoso simplesmente andar
aqui que nem liguei se levou mil anos para chegar lá. Em termos terrenos, de fato me tomou um
grande tempo. De um certo modo senti que foram dias, mas de um outro modo, pareceu-me que
foram anos. Mas de alguma forma o tempo da terra não afetava em nada aqui.
Meus olhos estavam tão fixados na glória do Senhor que caminhei por um bom tempo antes de
notar que eu estava passando por multidões de pessoas que estavam enfileiradas à minha
esquerda (havia de igual forma multidões à minha direita, mas elas estavam tão distantes que
não dava para vê-las até que cheguei perto do trono). Quando olhei para elas, tive que parar.
Elas estavam me ofuscando, e tinham uma aparência mais nobre do que qualquer pessoa que eu
tivesse visto antes. A expressão facial delas era cativante. Nunca uma paz assim e uma
confiança assim tinha agraciado um rosto humano. Cada um tinha uma beleza que ultrapassava
qualquer comparação com a beleza da terra. Ao voltar-me para aqueles que estavam perto de
mim, eles se curvaram saudando-me como se me tivessem reconhecido.
— Como é que vocês me conhecem? — perguntei-lhes, surpreso comigo mesmo pela coragem
de lhes ter dirigido uma pergunta.
— Você é um dos santos lutando na última batalha — um homem que estava por perto
respondeu-me. — Todos aqui o conhecem, como também conhecem a todos os que agora estão
lutando na terra. Nós somos os santos que serviram ao Senhor nas gerações anteriores à sua.
Somos a grande nuvem de testemunhas a quem foi dado o direito de assistir à última batalha.17
Nós conhecemos todos vocês, e vemos tudo o que vocês fazem.
As Virgens Néscias
Para minha surpresa, reconheci uma pessoa que eu tinha conhecido na terra. Ele havia sido
um crente fiel, mas eu achava que ele nunca tinha feito nada de maior importância. Ele tinha
uma aparência fisicamente tão pouco atraente que isso o tornara tímido. Aqui ele tinha os
mesmos traços, mas de alguma forma ele era mais belo do que qualquer pessoa que eu conheci
na terra. Ele deu uns passos em minha direção com uma confiança e com uma dignidade que eu
nunca tinha visto nele, ou em ninguém mais.
— O céu é maior do que podíamos ter imaginado enquanto estávamos na terra — ele começou
a falar. — Este local não é senão o limiar dos domínios da glória que se acham muito além da
capacidade que tínhamos de compreender. É também verdade que a segunda morte é muito
mais terrível do que compreendíamos. Nem o céu nem o inferno são como pensávamos. Se eu
tivesse sabido na terra o que fiquei sabendo aqui eu não teria vivido do modo como vivi. Você é
grandemente abençoado por ter vindo aqui antes de ter morrido — disse ele, olhando para as
minhas vestes.
Então olhei para mim mesmo. Eu ainda estava com a capa da humildade encobrindo a minha
armadura. Senti-me indigno e grosseiro por estar diante daqueles que tinham uma postura tão
gloriosa. Fiquei então pensando que eu estava numa situação difícil, se eu planejava apresentar-
me ao Senhor do jeito que eu estava. Tal como as águias, aquele meu velho conhecido podia
entender os meus pensamentos, e ele respondeu:
— Os que chegam aqui usando essa capa nada têm a temer. Essa capa é o posto mais elevado
de honra, e é por isso que todos eles se curvaram saudando-o quando você passou.
— Não cheguei a notar que eles me saudaram — repliquei, um tanto desconcertado. — De fato,
nem cheguei a notar a presença de ninguém, até agora há pouco.
— Isso não tem problema algum — continuou ele. — Aqui nós damos uns aos outros o devido
respeito. Até mesmo os anjos nos servem aqui, mas apenas o nosso Deus é adorado. Há uma
acentuada diferença entre honrarmos uns aos outros em amor em relação ao que seria uma
adoração. Se tivéssemos entendido isso na terra, teríamos tratado os outros de forma bastante
diferente. É aqui, à luz da glória do Senhor, que podemos nos entender completamente, uns aos
outros, e assim relacionarmo-nos de maneira adequada entre nós.
Ainda me sentia envergonhado. Eu tinha que me segurar para não me curvar a eles, e ao
mesmo tempo o meu desejo era de esconder-me, porque me sentia com muita humildade. Então
lamentei pelo fato de que os meus pensamentos aqui eram tão tolos quanto os que eu tinha na
terra, e aqui todos podiam entendê-los! Senti-me impuro e um idiota por estar ali diante
daqueles que impunham tanto respeito e eram tão puros. Mais uma vez o meu velho amigo deu
uma resposta a estes meus pensamentos:
— Agora nós temos um corpo incorruptível, mas você não. A nossa mente não é mais
perturbada pelo pecado. Temos condições portanto de compreender muito melhor do que a mais
dotada mente terrena, e passaremos a eternidade crescendo em nossa capacidade de
compreensão. Isso é assim para que possamos conhecer o Pai, e entender a glória da sua cria-
ção. Na terra não dá nem para começar a compreender o que sabe o menor dos que aqui estão, e
nós somos os menores dos que aqui estão.
— Como é que vocês podem ser os menores? — perguntei, não acreditando.
— Há uma aristocracia de classes aqui. O galardão que é dado em função da nossa vida na
terra é a posição eterna que teremos por toda a eternidade. Toda essa multidão constitui aqueles
a quem o Senhor chamou de "virgens néscias".18 Nós conhecíamos o Senhor, confiávamos na sua
obra na cruz para a salvação, mas realmente não vivemos para ele, mas para nós mesmos. Nós
não mantivemos nossas vasilhas cheias do óleo do Espírito Santo. Nós temos vida eterna, mas
desperdiçamos a nossa vida na terra.
Isso que ele disse surpreendeu-me muito, mas eu sabia que ninguém poderia mentir neste
lugar.
— Mas as virgens néscias ficaram a ranger os dentes do lado de fora, na escuridão — protestei.
— Foi o que aconteceu conosco. A dor que sentimos quando compreendemos que tínhamos
desperdiçado a nossa vida foi além da dor mais intensa que se possa ter na terra. A escuridão
daquela dor somente pode ser entendida por quem por ela passou. Ela é aumentada em muito
por ter sido revelada em face da glória daquele perante quem fomos reprovados. Você está agora
diante dos que estão na posição mais baixa aqui do céu. Não há loucura maior do que essa:
conhecer a grande salvação de Deus, mas continuar a viver para si mesmo. Chegar aqui e
descobrir esta verdade é uma dor que vai além da capacidade que uma alma humana pode
agüentar. Nós somos aqueles que passamos pelo sofrimento nesta escuridão do lado de fora, por
causa desta que foi a maior de todas as loucuras.
Eu não estava acreditando no que ouvia, e lhe disse:
— Mas vocês são mais gloriosos e com mais alegria e paz do que antes eu imaginava em relação
aos que estão no céu. Não vejo nenhum remorso em vocês, e contudo sei que aqui vocês não
podem mentir. Isso para mim não faz sentido.
Olhando para mim, diretamente em meus olhos, ele continuou:
— O Senhor também nos ama com um amor maior do que a sua capacidade de compreensão.
Diante do trono de julgamento dele eu passei pela maior escuridão de alma e pelo maior remorso
da minha vida. Embora aqui não meçamos o tempo como vocês medem, a duração daquele
momento parecia durar tanto tempo quanto foi a duração da minha vida. Todos os meus
pecados e todas as minhas loucuras pelos quais eu não tinha me arrependido passaram diante
de mim, e de todos os que aqui estão. Você não tem como sentir a dor que eu senti, a menos que
tivesse passado por ela. Senti-me no mais profundo calabouço do inferno, mesmo estando diante
da glória do Senhor. O Senhor permaneceu firme, até que toda a minha vida foi completamente
passada em revista. Quando eu disse que me arrependia e pedi a misericórdia da sua cruz, ele
enxugou as minhas lágrimas e retirou a escuridão. Passei então a não mais sentir a amargura
que tinha sentido quando estava diante dele; agora apenas me lembro dela. É somente aqui que
você pode lembrar-se dessas coisas sem que a dor por elas volte. Um momento na parte mais
baixa do céu é mais grandioso do que mil anos com a melhor vida que se possa ter na terra.
Agora todo o meu lamento pela minha loucura do passado transformou-se em alegria, e sei que
serei feliz por todo o sempre, mesmo estando no lugar mais baixo do céu.
Fiquei pensando de novo nos tesouros da salvação. De alguma forma eu sabia que tudo o que
ele havia me contado tinha sido revelado por aqueles tesouros. Todo passo que eu dei ao subir a
montanha, ou em direção a ela, revelou-me que os caminhos do Senhor são ao mesmo tempo
mais inspiradores de temor como mais maravilhosos do que eu antes podia compreender.
Olhando intensamente para mim, aquele meu velho conhecido continuou:
— Você não está aqui apenas para adquirir entendimento, mas para ter uma experiência e ser
mudado. O nível da posição seguinte à nossa aqui no céu é muito maior do que o que temos.
Cada nível depois é então bem maior do que o anterior. Não é que cada nível tenha um corpo
espiritual ainda mais glorioso, mas que cada nível está mais perto do trono de onde toda a glória
provém. Mesmo assim, não mais sinto a dor pelos meus erros do passado. Eu realmente não
mereço nada. Estou aqui pela graça, tão somente, e sou demasiadamente grato pelo que tenho.
Ser amado é algo valioso. Eu poderia estar fazendo muitas coisas maravilhosas agora em
diferentes domínios do céu, mas prefiro ficar aqui e apenas contemplar a glória do Senhor,
mesmo estando em sua orla mais afastada.
Então, com um olhar distante nos olhos, ele acrescentou:
— Todos os que estão no céu vieram para este local para verem a revelação do grande mistério
do Senhor, e também para observar aqueles que, como você, vão lutar a batalha final.
— Você consegue ver o Senhor de onde você está? — perguntei-lhe. — Vejo a glória dele lá bem
distante, mas não dá para vê-lo.
— Eu posso ver muito mais do que você, — respondeu ele — e, de fato, posso vê-lo, e vejo tudo
o que ele está fazendo, mesmo daqui. Dá inclusive para ouvi-lo. Consigo ainda contemplar o que
acontece na terra. Ele nos deu todo esse poder. Somos a grande nuvem de testemunhas que vai
presenciar a atuação de vocês.
Ele inclinou-se, saudando-me, e em seguida voltou para a sua posição na multidão. Continuei
então a caminhar, ao mesmo tempo procurando compreender tudo o que ele tinha me dito. Ao
olhar para aquela grande hoste a que ele havia se referido como sendo as virgens néscias, todos
os que espiritualmente tinham desperdiçado a vida na terra, eu sabia que se eles aparecessem
na terra agora, eles seriam adorados como sendo deuses. Contudo eles eram os menores de
todos os que estavam no céu!
Fiquei então pensando sobre quanto tempo eu tinha desperdiçado em minha vida. Era um
pensamento tão aterrador que o interrompi. Então partes da minha vida foram passando ante
meus olhos. Um terrível pesar tomou conta de mim por causa desse pecado. Eu, também, tinha
sido um daqueles grandes loucos! Talvez eu tenha guardado mais óleo do que os outros em
minha lâmpada, mas agora eu sabia quão tolo eu tinha sido por avaliar o que era requerido de
mim vendo o que os outros faziam. Eu, também, era uma das virgens néscias!

O "Grande Homem de Deus"


Bem no momento em que achei que ia entrar em colapso com o peso desta terrível descoberta,
alguém que eu tinha conhecido, e que também considerava ter sido um grande homem de Deus,
saiu de onde estava e veio acalmar-me. De algum modo o que ele fez me reanimou. Então ele me
saudou calorosamente.
Ele era o tipo de pessoa por quem eu gostaria de ser discipulado. Quando eu o conheci, não
nos afinamos muito. Como chegou a acontecer com muitos outros de quem eu tentei aproximar-
me, para aprender, eu o irritava e ele acabou por me despedir. Por muitos anos senti-me culpado
por isso, achando que eu tinha perdido uma grande oportunidade por causa de alguma falha em
meu caráter. Embora eu tivesse conseguido eliminar aquilo da minha mente, eu ainda carregava
o peso daquele fracasso. Quando eu o vi, tudo subiu à tona, e fiquei com enjôo.
Agora ele tinha uma aparência tão nobre que me senti ainda mais repelido e embaraçado, por
causa da minha triste condição. O que eu queria era esconder-me dele, mas não tinha como
evitá-lo aqui. Para surpresa minha, o calor que ele demonstrava para comigo era tão genuíno que
logo ele me desarmou. Parecia não haver barreira alguma entre nós. De fato, o amor que eu senti
vindo dele quase me levou à inconsciência.
— Eu vinha esperando ansiosamente por este momento de encontrá-lo — disse-me ele.
— Você queria encontrar-se comigo? — perguntei. — Por quê?
— Você é um dentre muitos com quem espero encontrar-me. Eu não tinha entendimento, até o
meu julgamento, de que você era um daqueles a quem eu fui chamado para ajudar, para
discipular, mas que rejeitei.
— Mas, senhor, — protestei — teria sido para mim uma grande honra ter sido discipulado pelo
senhor, e sou muito grato pelo tempo que de fato o senhor me deu, mas eu fui tão arrogante que
fiz por merecer a sua rejeição. Sei que a minha rebelião e o meu orgulho impediram-me de ter
um verdadeiro pai espiritual. Isso não foi um erro seu, mas sim meu.
— É verdade — disse ele — que você era orgulhoso, mas não foi por isso que me senti ofendido
por você. O que me fez ficar ofendido foi a minha insegurança, que me fazia querer controlar a
todos ao meu redor. Sentia-me ofendido porque você não aceitava tudo o que eu dizia, sem
questionar. Procurei então achar em você alguma coisa errada que justificasse rejeitá-lo. Eu
sentia que como eu não conseguia controlá-lo, um dia você acabaria trazendo problemas a mim
e a meu ministério. Eu estimava o meu ministério mais do que as pessoas para quem o meu
ministério me havia sido dado, e assim você foi descartado por mim, tal como aconteceu com
muitos outros.
— Por vezes, tenho que admitir, cheguei a pensar que o senhor tinha se tornado um... — parei,
um tanto embaraçado pelo que estava prestes a dizer.
— Mas é isso mesmo — disse ele com uma sinceridade que é desconhecida na terra — a mim
me foi dada a graça de ser um pai espiritual, mas exerci pessimamente essa função. Todos os
filhos são rebeldes. Eles são voltados para si mesmos, e pensam que o mundo gira em torno
deles. É por isso que eles necessitam de pais para criá-los. Quase toda criança traz de vez em
quando alguma reprovação à sua família, mas ela ainda faz parte da família. Eu recusei muitos
dos filhos de Deus que me tinham sido confiados para serem levados em segurança até a
maturidade. Fracassei com muitos dos que tinham permanecido comigo. Muitos deles tiveram
terríveis ferimentos e fracassos que poderiam ter sido evitados com a minha ajuda. Muitos deles
agora são prisioneiros do inimigo. Eu cheguei a construir uma grande organização, e tinha uma
considerável influência na igreja, mas as maiores dádivas que o Senhor me confiou tinham sido
aqueles que me foram enviados para serem discipulados, muitos dos quais eu rejeitei. Não
tivesse eu sido voltado para mim mesmo, preocupado com a minha própria reputação, eu teria
sido um rei aqui. O meu chamado era para sentar-me num dos tronos de maior importância.
Tudo o que você já fez e ainda fará teria sido creditado à minha conta celestial também. Em vez
disso, muitas coisas que receberam minha atenção na verdade tinham uma importância muito
pequena perante a eternidade.
— Mas o que o senhor fez foi algo impressionante — interrompi-o.
— O que parece ser bom na terra, aqui é bem diferente. O que o tornaria um rei na terra, aqui
muitas vezes seria uma pedra de tropeço que impediria você de tornar-se rei. O que faria de você
aqui um rei é algo desprezível e não desejado na terra. Eu fracassei em algumas das maiores
provas e diante de algumas das maiores oportunidades que me foram dadas, uma das quais foi
você. Você me perdoa?
— Claro que o perdôo — disse, um tanto embaraçado. — Mas eu também tenho necessidade de
que o senhor me perdoe. Ainda acho que fui eu que criei problemas e que foi por causa da minha
rebeldia que o senhor acabou ficando numa situação difícil. Na realidade eu, também, impedi de
alguns se aproximarem de mim pelas mesmas razões pelas quais o senhor não me quis consigo.
— É verdade que você não era perfeito, e pude discernir alguns de seus problemas
rapidamente, mas isso não era razão para rejeitar alguém — replicou ele. — Nosso Senhor não
rejeitou o mundo quando viu os seus erros. Ele não me rejeitou quando viu o meu pecado. Ele
deu a sua vida por nós. É sempre o maior que tem de dar a vida pelo menor. Eu era mais
maduro. Eu tinha mais autoridade do que você, mas tornei-me como um dos bodes da parábola;
eu rejeitei o Senhor por ter rejeitado você e os outros que ele me havia enviado.
Enquanto ele falava, suas palavras me atingiam profundamente. Eu também me sentia
culpado de tudo o que ele tinha mencionado. Muitos jovens que eu tinha desprezado por achar
que não eram assim tão importantes para dar-lhes do meu tempo agora passavam pela minha
mente. Senti um desejo quase incontrolável de voltar e reuni-los todos! O pesar que passei a
sentir era ainda pior do que o que eu tinha sentido com respeito a ter desperdiçado o meu
tempo. O que eu tinha desperdiçado eram pessoas! Quantos deles agora eram prisioneiros do
inimigo, tendo sido feridos e capturados durante a batalha na montanha. Toda essa batalha ti-
nha em vista as pessoas, e contudo as pessoas eram muitas vezes consideradas como as menos
importantes. Dispomo-nos a lutar pelas verdades muito mais do que pelas pessoas para quem
essas verdades foram dadas. Dispomo-nos a lutar por ministérios, ao mesmo tempo em que não
damos atenção às pessoas que deles fazem parte.
— E muitos pensam que eu sou um líder espiritual! Na verdade sou o menor de todos os
santos! — pensei em voz alta.

O Reformador e sua esposa


— Compreendo como você se sente — observou um outro homem.
Reconheci-o como sendo uma pessoa que eu tinha em conta como um dos maiores líderes
cristãos de todos os tempos. Ele continuou:
— O apóstolo Paulo disse, próximo do fim de sua vida, que ele era o menor de todos os
santos.19 Então, um pouco antes da sua morte, ele até mesmo referiu-se como sendo "o
principal" dentre os pecadores.20 Não tivesse ele aprendido isso em sua vida na terra, também ele
teria corrido o risco de tornar-se um dos menores entre os santos no céu. Mas por ter aprendido
isso na terra, agora ele é um dos que mais perto estão do Senhor, e estará num dos postos mais
elevados por toda a eternidade.
Ver esse homem que falava comigo no grupo das "virgens néscias" foi a maior surpresa de
todas, até então.
— Não posso crer que também você é um dos tolos que desperdiçou a vida na terra. Por que
você está aqui?
— Estou aqui porque cometi um dos erros mais graves que se pode cometer quando se recebe a
missão de proclamar o glorioso evangelho do nosso Salvador. Assim como o apóstolo Paulo
iniciou considerando-se não inferior aos grandes apóstolos, chegando ao fim de sua vida a ter-se
como o maior dos pecadores, eu fui na minha vida em sentido contrário a isso. Comecei sabendo
ter sido um dentre os maiores pecadores, que tinha encontrado a graça, mas que terminou
pensando ser um dos grandes apóstolos. Foi tudo por causa do meu grande orgulho, e não pela
insegurança, como aconteceu com aquele nosso amigo que aqui também está, que eu passei a
atacar a quem quer que não visse as coisas do jeito que eu via. Os que me seguiram eu os despi
de seus chamados, e até mesmo de suas personalidades, pressionando-os a se tornarem
parecidos comigo. Ninguém a minha volta poderia ter uma personalidade própria. Ninguém ou
sava questionar-me a respeito, porque eu o esmiuçaria por completo. Eu pensava que por
diminuir os outros eu me engrandecia Pensava que deveria fazer o papel do Espírito Santo para
todos eles. Aparentemente o meu ministério tinha a imagem de uma máquina perfeita, em que
todos estavam em unidade e em que havia uma perfeita ordem, mas era a ordem que há num
campo de concentração. Eu tomei os filhos que eram do Senhor e tornei-os como autômatos em
minha própria imagem, em vez da dele. Por fim eu nem mesmo estava mais servindo ao Senhor,
mas servia ao ídolo que tinha construído em mim mesmo. No fim da minha vida na verdade eu
era um inimigo do verdadeiro evangelho, pelo menos na prática, embora meus ensinamentos e
meus escritos parecessem ser impecavelmente bíblicos.
Isso foi tão estarrecedor, vindo de quem tinha vindo, que eu considerei se cada pessoa com
quem me encontrasse aqui tinha o propósito de me chocar de forma mais intensa do que a
anterior.
— Se é verdade que você se tornou um inimigo do evangelho, como é que você ainda está aqui?
— perguntei.
— Pela graça de Deus eu confiei na cruz para a minha própria salvação, muito embora tenha
feito com que outros não a encontrassem, levando-os para mim mesmo e não para o Senhor.
Mesmo assim, o bendito Salvador permanece fiel para conosco, mesmo quando somos infiéis. Foi
ainda por sua graça que o Senhor me trouxe da terra antes do que deveria ter sido, somente
para que aqueles que tinham estado comigo pudessem encontrá-lo e chegassem a conhecê-lo.
Eu não poderia ter ficado mais pasmado do que fiquei ao pensar que tudo isso era verdade com
respeito àquele homem em particular. A história nos tem dado uma imagem bem diferente dele.
Captando o que se passava em minha mente, ele prosseguiu:
— Deus tem toda uma coleção de livros históricos bem diferentes dos que estão na terra. Você
acaba de ter um vislumbre disso, mas você ainda não sabe quão diferentes eles são. As histórias
terrenas passarão, mas os livros que são guardados aqui durarão por todo o sempre. Certamente
você é abençoado, se você pode se alegrar como no céu está sendo registrada a sua vida. Os
homens vêem através de uma lente escura, de forma que suas histórias sempre estarão
nubladas, e às vezes completamente erradas.
— Como foi que então muitos outros líderes o admiraram tanto? — questionei, ainda um tanto
perturbado com o que eu estava ouvindo.
— Bem poucos, bem poucos mesmo, são os cristãos que têm o verdadeiro dom de
discernimento. Sem este dom é impossível discernir com precisão a verdade nas pessoas do
presente ou do passado. Mesmo com este dom ainda é difícil. Antes de você chegar aqui, e ser
despido, você estará sempre julgando os outros através de preconceitos distorcidos, tanto
positivos como negativos. É por isso que fomos advertidos a não julgarmos antes do tempo. Até
que tenhamos chegado aqui, simplesmente não temos como saber o que está no coração dos
outros, e se eles estão executando boas ou más obras. Houve bons motivos até mesmo nos
piores homens, e maus motivos até mesmo nos melhores. Somente aqui os homens podem ser
julgados com base tanto em suas obras como em seus motivos.
— Quando eu voltar para a terra, terei condições de discernir a história corretamente, porque
estive aqui?
— Você está aqui porque você orou ao Senhor que o julgasse com severidade, que o corrigisse
impiedosamente, de forma que você passasse a servi-lo com uma perfeição maior. Esse foi um
dos pedidos mais sábios que você fez em sua vida. Os sábios julgam-se a si mesmos para que
não sejam julgados. Os que são ainda mais sábios pedem que o Senhor os julgue, por reco-
nhecerem que eles mesmos não podem julgar-se a si mesmos muito bem. Tendo vindo aqui você
vai voltar com muito mais sabedoria e com muito mais discernimento, mas na terra você estará
sempre vendo através de uma lente escura, pelo menos em algum grau. A sua experiência aqui
vai ajudá-lo a conhecer melhor os homens, mas somente quando você estiver para sempre aqui é
que você os conhecerá totalmente. Quando você voltar, você sairá bem mais impressionado com
o pouco que você conhece acerca dos homens, e não mais com a idéia de quão bem você os
conhece. Isso também é verdade com respeito às histórias dos homens. Foi-me dada permissão
de falar com você porque de certa forma eu o discipulei através dos meus escritos, e o fato de
você saber a verdade a meu respeito lhe trará alguma contribuição — concluiu o famoso
Reformador.
Então uma mulher avançou em minha direção, alguém que eu não conhecia. Sua beleza e sua
graça eram de chamar a atenção, mas ela não era nada sensual ou sedutora, de forma alguma.
— Eu fui a mulher dele na terra — começou ela a dizer. — Muitas das coisas que você sabe a
respeito dele na verdade vieram de mim; portanto, o que estou para lhe dizer não é apenas sobre
ele, mas sobre nós. Pode-se reformar a igreja sem reformar a sua própria alma. Pode-se dar os
ditames do curso da história, e contudo não cumprir a vontade do Pai, e não glorificar o seu
Filho. Quem se dispõe a fazer história entre os homens, pode fazê-lo, mas é uma realização
fugaz, que se desvanecerá como um fio de fumaça.
— Mas o trabalho de seu marido, ou o seu trabalho, teve um grande impacto em todas as
gerações posteriores à de vocês, e para o bem. É difícil imaginar quão escuro o mundo teria per-
manecido sem o trabalho de vocês — protestei.
— É verdade. Mas pode-se ganhar o mundo inteiro e ainda assim perder a sua própria alma.
Somente se a pessoa mantiver a sua alma pura é que ela pode impactar o mundo para os
verdadeiros propósitos finais de Deus. Meu marido perdeu a sua alma por minha causa, e ele
somente a ganhou no fim da sua vida porque eu fui tomada da terra para que ele pudesse fazê-
lo. Muito do que ele fez foi feito mais para mim do que para o Senhor. Eu o incentivei e até
mesmo lhe dei muito do conhecimento que ele ensinou. Eu o usei como uma extensão do meu
próprio "eu", porque uma mulher naquele tempo não podia ser reconhecida como tendo
liderança espiritual. Assumi então a vida dele de maneira que então eu podia viver a minha vida
através dele. Logo eu o tinha fazendo tudo apenas para aprovar-se perante mim.
— Você deve tê-la amado muito — disse voltando-me a ele.
— Não foi assim. Eu não a amava, absolutamente. Nem ela me amava. De fato, depois de
apenas alguns anos de casamento, nós nem mesmo gostávamos um do outro. Mas nós dois
precisávamos um do outro, e assim descobrimos um modo de caminharmos juntos. O nosso
casamento não era um jugo de amor, mas um jugo de escravidão. Quanto mais sucesso
tínhamos, mais infelizes nos tornávamos, e maior era o engano com que tínhamos que enganar
os que nos seguiam. Tornamo-nos infelizes e sem nada ao fim de nossa vida. Quanto mais poder
de influência se adquire por meio de sua própria promoção, mais a gente tem de se esforçar para
manter esse poder de influência, e mais escura e cruel a vida se torna. Houve reis que nos
fizeram temer, mas nós causamos temor em todo o mundo, de reis a camponeses. Não podíamos
confiar em ninguém, porque vivíamos naquela situação enganosa, e não confiávamos nem
mesmo um no outro. Pregávamos amor e confiança, mas nós mesmos temíamos e secretamente
desprezávamos a todos. Se você pregar as maiores verdades, mas não vivê-las, você é apenas o
maior dos hipócritas, e a alma mais atormentada.
As palavras deles então começaram a bater em mim tal como um martelo. Eu podia ver que a
minha vida já estava indo nessa mesma direção. Quanto será que eu estava fazendo para
promover-me, em vez de a Cristo? Veio-me à mente quanta coisa eu vinha fazendo apenas para
ser aprovado pelos outros, e em especial por aqueles que não gostavam de mim, que me
rejeitavam, ou com quem de algum modo eu me sentia em competição. Fiquei vendo quanto da
minha vida tinha sido construído com fachadas que projetavam uma imagem que escondia quem
realmente eu era. Mas aqui eu não tinha como esconder. Toda aquela nuvem de testemunhas
sabia quem eu era além do véu que cobria os motivos que eu tivesse.
Olhei de novo para aquele casal. Agora eles eram tão desprovidos de qualquer astúcia e tão
nobres que era impossível duvidar de seus motivos. Eles estavam expondo seus pecados mais
tortuosos para o meu bem, e tinham plena satisfação de poderem fazer isso.
— Pode ser que eu tenha tido um conceito errado de vocês por causa da sua história e pelos
seus escritos, mas agora tenho uma estima ainda maior por vocês. Oro para que eu possa levar
deste lugar a integridade e a liberdade que agora vocês têm. Estou cansado de me forçar a viver
segundo imagens projetadas de mim mesmo. Como espero ter essa liberdade! — lamentei,
desejoso de não me esquecer de nenhum detalhe deste encontro.
Então o famoso Reformador fez-me uma exortação final:
— Não tente ensinar outros a fazer o que você mesmo não esteja fazendo. A Reforma não é
apenas uma doutrina. Uma verdadeira reforma provém somente de uma união com o Salvador.
Quando você tem sobre si o jugo de Cristo, levando as cargas que ele lhe dá, ele estará com você
e as levará por você. Você somente pode fazer a obra dele quando você a estiver fazendo com ele,
e não apenas para ele. Apenas o Espírito pode produzir o que é do Espírito. Se você tem o jugo
dele, você não vai fazer nada para atender a políticos ou à história. Tudo o que você fizer devido
a pressões políticas, ou a oportunidades, somente o levará para o fim do seu verdadeiro mi-
nistério. As coisas que são feitas como um esforço para se fazer história, na melhor das
hipóteses apenas confinarão as suas realizações à história, e você delas nada levará para a
eternidade. Se você não viver o que você prega aos outros, você se desqualifica perante o grande
chamado de Deus, assim como aconteceu conosco.
— Eu nem mesmo consigo me imaginar indo em busca de um grande chamado por parte de
Deus, disse-lhe. — Creio que nem mesmo mereço vir para este lugar que vocês dizem ser o lugar
mais baixo do céu. Como poderia imaginar ir em busca de um grande chamado?
— Um grande chamado não está fora do alcance de quem o Senhor tenha convocado. Vou
dizer-lhe o que o fará manter-se na vereda da vida — ame o Salvador e busque apenas a glória
dele. Tudo o que você fizer para que você seja exaltado fará com que você um dia venha a sofrer
a mais terrível humilhação. Tudo o que você fizer tendo por motivo um verdadeiro amor pelo
Salvador, sendo para glorificar o nome dele, estenderá os limites do reinado eterno do Senhor, e
por fim propiciará um lugar bem mais elevado para você. Viva em função das coisas que são
registradas aqui. Não dê atenção às coisas que são registradas na terra.
O casal então partiu depois de um alegre abraço; contudo nada senti, a não ser alegria. Assim
que eles se distanciaram, fui tomado de novo pelo peso do meu próprio pecado. As vezes que eu
usei as pessoas para atender a propósitos meus, ou mesmo tendo usado o nome de Jesus para
promover as minhas próprias ambições, ou para fazer com que eu pudesse dar uma melhor
impressão, foram caindo, como uma cascata, sobre mim. Aqui, neste lugar em que eu podia
contemplar o poder e a glória daquele a quem eu tinha dessa forma usado, tive uma sensação de
repugnância que não dava para agüentar. Sobreveio-me o pior desespero da minha vida, como
nunca antes tinha enfrentado, e caí. Depois do que me pareceu ser uma eternidade, vendo
aquelas pessoas e aqueles eventos passando diante de mim, tive consciência de que a esposa do
Reformador estava me levantando, pondo-me de pé. Senti-me vencido pela pureza dela,
especialmente agora quando eu me via tão mau e corrupto. Eu tinha um desejo bem forte de
louvá-la, porque ela era assim tão pura.
— Volte-se para o Filho — disse ela enfaticamente. — O desejo de louvar a mim ou a qualquer
outra pessoa que você está sentindo é apenas uma tentativa de desviar a sua atenção de si
mesmo, e de justificar-se sendo o que você não é. Estou pura agora porque voltei-me para o
Senhor. Você precisa ver a corrupção que está em sua alma, mas depois você não tem de ficar
em você mesmo, nem tem de procurar justificar-se com obras mortas, mas volte-se para o Filho.
Isso me foi dito com um amor tão genuíno que era impossível sentir-me ferido ou ofendido por
ele. Quando ela viu que eu tinha compreendido, ela continuou:
— A pureza que você viu em mim foi o que o meu marido a princípio viu em mim quando
éramos jovens. Naquela época eu era relativamente pura em meus motivos, mas eu corrompi o
seu amor e a minha pureza por ter permitido que ele me louvasse de forma errada. Você não
pode tornar-se puro apenas por louvar aqueles que são mais puros do que você. Você tem de ir
além deles de modo a encontrar-se com aquele que os tornou puros, o único em quem não há
pecado. Quanto mais as pessoas nos louvavam, e quanto mais aceitávamos esses louvores, tanto
mais nos desviávamos da vereda da vida. Então passamos a viver em função dos louvores dos
homens, e para termos poder sobre aqueles que não nos louvavam. Isso foi a nossa morte, e foi
assim também para muitos que aqui estão no lugar mais baixo.
Querendo simplesmente prolongar a nossa conversa, fiz a primeira pergunta que veio à minha
mente:
— É difícil para você e seu marido estarem aqui juntos?
— De jeito nenhum. Todos os relacionamentos que você tem na terra têm continuidade aqui, e
todos eles são purificados pelo juízo, e pelo fato de que todos aqui são seres espirituais, assim
como nós agora somos espirituais. Quanto mais você foi perdoado, mais amor você tem. Depois
de termos perdoado uns aos outros, passamos a amar uns aos outros muito mais. Agora os
nossos relacionamentos continuam tendo uma profundidade muito maior e tendo muito mais
riqueza, porque somos co-herdeiros desta salvação. O amor atingiu toda a profundidade das
feridas com que tínhamos afligido uns aos outros, depois de termos sido curados. Poderíamos ter
experimentado isso na terra, mas não chegamos a aprender a perdoar. Se tivéssemos aprendido
a perdoar, a competitividade que entrou em nossos relacionamentos, e que desencaminhou a
nossa vida, não teria como criar raízes em nós. Quem verdadeiramente ama, verdadeiramente
perdoará. Quanto mais difícil é para alguém perdoar, mais longe a pessoa se acha do verdadeiro
amor. O perdão é essencial para que você não tropece, e para que assim de muitos modos você
não acabe se desviando do caminho que havia sido escolhido para você.
Naquela hora tive a percepção de que aquela mulher, que me havia posto em tal confrontação
com aquela dor pela minha própria depravação, era também a pessoa mais atraente que houvera
conhecido. Não era uma atração do tipo romântica, eu simplesmente não queria deixá-la.
Percebendo os meus pensamentos, ela deu um passo para trás, indicando assim que estava para
sair, mas fez com que eu tivesse mais uma nova percepção:
— A pura verdade, dita com um amor puro, sempre causará atração. Você se lembrará da dor
que você sentir aqui, e essa dor vai ajudá-lo pelo resto da sua vida. A dor é algo bom; ela lhe
mostra onde há algo errado. Não procure eliminar a dor antes de descobrir qual é o problema. A
verdade de Deus com freqüência traz uma dor ao realçar um problema que temos, mas a sua
verdade sempre nos mostrará o caminho para dele nos libertarmos. Sabendo disso você até
mesmo se regozijará em suas provações, as quais são sempre permitidas para mantê-lo na
vereda da vida.
Ela ainda disse:
— E mais, a sua atração por mim não tem nada de errado. É a atração que há entre o macho e
a fêmea que foi estabelecida desde o princípio, e que é sempre pura em sua verdadeira forma.
Quando uma verdade pura combina-se com um amor puro, os homens podem ser os homens
que eles foram criados para ser, não tendo que dominar com insegurança. Isto sim é que nada
mais seria do que lascívia, que é a profundidade mais baixa em que o amor cai por causa do
pecado. Com o verdadeiro amor os homens tornam-se verdadeiros homens, e as mulheres ficam
sendo as mulheres que foram criadas para ser, porque o amor deles tomou o lugar de todo
temor. O amor nunca manipulará nem tentará controlar tendo como base a insegurança, porque
o amor expulsa todo medo.21 Exatamente onde os relacionamentos mais podem se corromper é
também onde eles podem se tornar os mais gratificantes, depois de trabalhados pela redenção. O
verdadeiro amor tem o sabor do céu, e a lascívia é perversão extrema que o inimigo faz em
relação à glória do céu. Na medida em que você estiver livre da lascívia na terra você passará a
experimentar o céu.
— Mas creio que não senti nenhuma lascívia aqui, ou por você — protestei com certa brandura.
— Pelo contrário, estava impressionado por poder contemplar alguém com tanta beleza e não
sentir nenhuma lascívia.
— Isso é porque você está aqui. Aqui a luz da glória do Senhor expele toda escuridão. Mas se
você não estivesse aqui, a lascívia estaria procurando pegá-lo agora — disse ela.
— Tenho certeza de que você tem razão. Será que poderemos de algum modo nos libertarmos
dessa terrível perversão na terra? — perguntei.
— Sim. Quando a sua mente é renovada pelo Espírito da Verdade, você não mais vê os
relacionamentos como uma oportunidade para conseguir alguma coisa dos outros, mas sim para
dar alguma coisa. Dar é o que prove a maior satisfação que podemos experimentar. Os
relacionamentos humanos mais maravilhosos não são senão um fugaz vislumbre do êxtase que
vem quando nos damos ao Senhor num puro louvor. Aqui o que experimentamos no louvor o seu
frágil corpo não-glorificado não poderia suportar. O verdadeiro louvor a Deus purificará a alma
para ter as glórias de verdadeiros relacionamentos. Portanto, você não deve procurar ter
relacionamentos, mas sim um verdadeiro louvor. Somente então é que os relacionamentos
poderão ser o que eles deveriam ser. O verdadeiro amor nunca busca ser o primeiro, nem ficar
em controle, mas, pelo contrário, busca o lugar em que possa servir. Se o meu marido e eu
tivéssemos mantido isso em nosso casamento, estaríamos posicionados ao lado do Rei agora, e
este grande hall estaria com muito mais almas.
Tendo dito isso ela desapareceu em meio às fileiras ocupadas pelos santos em glória.

Novas Explicações
Olhei então de novo para o trono e surpreendi-me porque a glória pareceu-me estar muito mais
bela do que antes. Um outro homem que se achava perto de mim explicou-me:
— Em cada encontro, um véu é removido, de forma que você pode vê-lo com maior clareza.
Você não se transforma simplesmente por ver a glória do Senhor, mas por vê-la com um rosto
descoberto. Todo aquele que vem aos verdadeiros juízos de Deus passa por um corredor como
este para encontrar-se com aqueles que o poderão ajudar a remover os véus que ainda esteja
usando, véus esses que distorceriam a sua visão do Senhor.
Eu já tinha absorvido muito mais entendimento do que me fora dado durante os muitos anos
de ministério na terra. Tive então a compreensão de que todo o meu estudo e toda a minha
busca na terra tinham apenas feito com que eu avançasse a passo de tartaruga. Nem que a
minha vida tivesse uma duração muito maior, como me prepararia para o juízo? A minha vida já
me tinha desqualificado mais do que todos aqueles com quem me encontrara, e eles entraram
aqui raspando!
— Aqueles que não tiveram a graça de terem esta experiência, como poderão ter alguma
esperança, então? — perguntei.
Ouvi então uma voz diferente, que disse:
— O que você está experimentando aqui lhe foi dado na terra. Todo relacionamento, todo
encontro com uma outra pessoa poderá ensiná-lo sobre o que você está aprendendo aqui se você
mantiver essa capa da humildade sobre você, e se você aprender a sempre manter a sua atenção
na glória do Senhor. Esta experiência lhe está sendo dada agora porque você vai escrever depois
a visão, e os que a lerem vão compreendê-la. Muitos então terão condições de levar consigo a
glória e o poder que têm de levar para a última batalha.

Pedras de Tropeço
Surpreendi-me ao reconhecer este homem que acabara de falar comigo como sendo um
contemporâneo meu, mas eu não sabia que ele tinha morrido. Eu nunca o havia encontrado na
terra, mas ele tinha um grande ministério que eu respeitava muito. Por meio de muitos que ele
tinha treinado, milhares tinham sido salvos, e muitas igrejas que eram totalmente devotadas ao
evangelismo tinham sido ampliadas.
Ele pediu permissão para abraçar-me apenas por um minuto, e eu concordei, sentindo-me um
tanto embaraçado. Quando nos abraçamos, senti um tamanho amor vindo dele para mim que
uma forte dor bem profunda que eu estava sentindo parou imediatamente de doer. Eu havia me
acostumado tanto com aquela dor que eu nem mesmo a notava, e só percebi quando ela parou.
Depois de nos separarmos eu lhe disse que o seu abraço tinha me curado de alguma coisa. Sua
alegria por isso foi profunda. Então ele me contou por que estava no nível mais baixo do céu.
— Eu fiquei tão orgulhoso próximo ao fim da minha vida que achava que o Senhor não faria
nada que fosse de maior importância a não ser por meu intermédio. Passei então a tocar nos
ungidos do Senhor e a maltratar os seus profetas.22 Senti um orgulho egoísta quando o Senhor
usou um de meus discípulos, e ficava com inveja quando o Senhor operava através de pessoas
que não eram do meu ministério. Então eu ficava procurando encontrar alguma coisa errada
nessas pessoas para "desmascará-las". Eu não sabia que a cada vez que agia assim eu estava me
rebaixando, cada vez mais.
— Nunca soube que o senhor tivesse agido desse modo disse eu, surpreso.
— Tudo isso não foi pessoalmente que eu fiz, mas incitei subordinados meus para investigarem
aquelas vidas e assim fazerem todo o meu trabalho sujo. Eu os fiz ir por toda parte,
investigando, para encontrar erros ou pecados na vida de outros, para que eles assim ficassem
expostos diante de todos. Tornei-me a pior coisa que se pode ser na terra: uma pedra de tropeço
que produzia outras pedras de tropeço. Semeamos medo e divisão por toda a igreja, tudo com a
justificativa de que era em defesa da verdade. Em minha justiça-própria eu me dirigia para a
perdição. Por sua grande misericórdia o Senhor permitiu que eu fosse atingido por uma
enfermidade que veio acarretar uma morte vagarosa e humilhante. Um pouco antes de morrer eu
caí em mim e me arrependi. Sou de todo grato por estar aqui. Pode ser que eu seja um dos
menores do Senhor aqui, mas é muito mais do que eu mereço. Eu simplesmente não poderia
deixar este local antes de ter a oportunidade de pedir desculpas a todos vocês a quem eu causei
tanto dano.
— Mas o senhor nunca me causou dano algum — disse-lhe.
— Oh, não, causei-lhe danos, sim — replicou ele. — Muitos dos ataques dirigidos contra você
foram feitos por aqueles que eu tinha mobilizado e encorajado para atingirem outras pessoas.
Muito embora eu não tenha realizado pessoalmente esses ataques, o Senhor me tem como
responsável, da mesma forma como os que os perpetraram.
— Compreendo. É claro que o perdôo.
Fiquei então considerando como eu mesmo tinha agido dessa mesma forma, mesmo que numa
escala menor. Lembrei-me de quando permiti que ex-membros de uma igreja, que saíram des-
contentes da mesma, espalhassem todo o seu veneno a respeito daquela igreja, e eu não os fiz
parar de fazerem isso. Entendi então que por simplesmente não interferir no que eles faziam,
deixando de corrigi-los nesse sentido, isso foi como encorajá-los a continuar agindo daquela
forma. Lembrei-me de que na época eu pensava que aquilo tudo se justificava devido aos erros
daquela igreja. Então me veio à lembrança como eu mesmo cheguei a propagar muitas daquelas
situações, justificando as minhas palavras sob o disfarce de que o que eu dizia era para que as
pessoas orassem a respeito. Logo uma grande enxurrada de outros incidentes desse tipo fluiu
em meu coração. Mais uma vez eu me senti sobrecarregado pelo mal e pela escuridão da minha
alma.
— Eu também fui uma pedra de tropeço! — lamentei.
Eu sabia que merecia a morte, que merecia o pior do que há no inferno. Eu nunca tinha visto a
impiedade e crueldade como agora eu via em meu coração.
— E, quando atacávamos os filhos de Deus, sempre apagávamos a nossa dor de consciência
pensando que fazíamos um favor ao Senhor — voltou aquela voz, que bem compreendia a
situação. — É bom que você esteja vendo isso aqui, porque você pode voltar. Por favor, advirta os
meus discípulos quanto ao destino que em breve eles terão, se não se arrependerem. Muitos
dentre eles são chamados para serem reis aqui, mas se não se arrependerem eles enfrentarão o
pior dos juízos — o juízo das pedras de tropeço. A enfermidade que me humilhou foi uma graça
de Deus. Quando eu estava diante do Trono do Julgamento, pedi ao Senhor que enviasse essa
mesma graça a meus discípulos. Eu não posso voltar até eles, mas o Senhor permitiu que eu
tivesse este tempo com você. Queira perdoar e liberar aqueles que o atacaram. Na verdade eles
não sabem que o que estão fazendo é a obra do Acusador. Obrigado por me perdoar, mas por
favor perdoe também a eles. Está em seu poder reter pecados ou cobri-los com amor. Eu lhe
suplico que ame aqueles que agora são seus inimigos.
Mal dava para ouvi-lo falar, devido ao peso de meus próprios pecados. Ele era tão glorioso,
puro, e agora obviamente tinha poderes que não são conhecidos na terra. Entretanto, ele me
suplicava aquelas coisas com uma grande humildade. Foi tal o amor que eu senti fluindo dele
que não tinha como recusar o seu pedido. Mas mesmo sem o impacto do seu amor, senti-me
muito mais culpado do que quem quer que estivesse me atacando.
— Com certeza faço por merecer tudo o que eles possam ter feito contra mim, e muito mais —
repliquei.
— Isso é verdade, mas agora não é este o ponto em questão suplicou. — Todos na terra fazem
por merecer a segunda morte, mas o nosso Salvador nos trouxe graça e verdade. Para fazermos a
sua obra, tudo temos de fazer com graça e verdade. O inimigo e quem jamais nos traz a verdade
e a graça, mesmo quando se apresenta como "um anjo de luz".23
— Se eu me libertar disto, pode ser que eu consiga ajudá-los respondi. — Mas o senhor não vê
que possivelmente eu me encontro numa condição muito pior do que a deles?
— Sei que o que acabou de passar pela sua memória foi algo muito mau — respondeu ele, com
muito amor e uma graça enorme
Eu sabia que agora ele estava preocupado comigo e com a minha condição da mesma forma
como ele se preocupara em relação a seus discípulos.
— Aqui é mesmo o céu! — foram as palavras que então balbuciei. — Isto é realmente luz e
verdade. Como é que nós que vivemos em tão grande escuridão pudemos ter tanto orgulho,
pensando que sabíamos muito acerca de Deus? Senhor, misericórdia!
Voltei-me então para a direção do trono e disse:
— Senhor, deixa-me voltar e levar esta luz para a terra!
Imediatamente toda a hoste celestial pareceu-me ficar em sentido, e eu sabia que era o centro
de sua atenção. Senti-me muito insignificante diante de apenas um desses que eram tão glorio-
sos, mas quando percebi que todos estavam olhando para mim, uma onda de medo atingiu-me
de supetão. O que senti foi que não haveria um destino tal como o que eu pensava que ia ter.
Senti-me como se o maior inimigo da glória e da verdade tivesse tomado todo aquele lugar.
Então lembrei-me do meu pedido para voltar. Eu estava corrompido demais. Jamais eu poderia
representar adequadamente aquela glória e aquela verdade. Por causa da minha corrupção, eu
não teria como expressar a realidade tão gloriosa daquele lugar e daquela Presença. Senti que
nem mesmo Satanás tinha caído tanto quanto eu tinha caído. "Isto é o inferno", pensei. Não
poderia haver uma dor maior do que ser tão mal assim e saber que essa glória existe. Ser banido
daqui seria uma tortura pior do que qualquer outra coisa que eu já tivesse temido em minha
vida. Disse então, quase sem fôlego:
— Não é de se admirar que os demônios estejam doidos e com tanta raiva!
No momento em que senti que eu estava para ser enviado pura as mais profundas regiões do
inferno, simplesmente gritei:
— JESUS!
Imediatamente uma paz me sobreveio. Eu sabia que tinha que continuar indo em direção à
glória de novo, e de alguma forma senti confiança em fazer isso.

O Grande Escritor
Fui então andando até que vi um homem que eu considerava ter sido um dos maiores
escritores de todos os tempos. Eu tinha considerado que a profundidade da revelação da verdade
que ele teve era a maior do que todas que eu tinha encontrado em meus estudos.
— Prezado senhor, sempre desejei poder encontrá-lo — falei quase balbuciando.
— Eu também — replicou ele com muita sinceridade. Surpreendi-me com a sua palavra, mas
achava-me tão emocionado por encontrá-lo, que continuei:
— Sinto que o conheço, e em seus escritos quase me sentia como se o senhor me conhecesse.
Acho que devo mais ao senhor do que a qualquer outra pessoa, além dos que escreveram os
textos que compõem o cânon das Escrituras — continuei.
— Isso é bondade sua — respondeu ele. — Mas lamento não ter lhe servido melhor. Eu fui uma
pessoa muito superficial, e meus escritos eram mais cheios da sabedoria mundana do que da
verdade divina.
— Pelo tempo em que tenho estado aqui, e por tudo o que já aprendi, sei que isso deve ser
verdade, porque só se pode falar a verdade aqui, mas isso é muito difícil para eu compreender.
Considero os seus escritos uns dos melhores que temos na terra — respondi.
— Você tem razão — admitiu com sinceridade o famoso escritor. — É tão triste! Todo o mundo
aqui, até mesmo os que se assentam mais perto do Rei, viveriam a sua vida de maneira
totalmente diferente se tivessem uma oportunidade de vivê-la de novo, mas creio que no meu
caso eu viveria a minha ainda muito mais distinta do que a maioria deles. Eu fui honrado por
reis, mas fracassei diante do Rei dos reis. Fiz uso dos grandes dons e revelações que me foram
dados para atrair os homens mais para mim mesmo e para a minha sabedoria do que para o
Senhor. Além disso, eu somente o conhecia pelo ouvir com os meus ouvidos, que foi o modo pelo
qual eu também compeli as pessoas a conhecerem-no. Tornei-as dependentes de mim, e
semelhantes a mim. Eu as levei para um raciocínio dedutivo muito mais do que para o Espírito
Santo, que eu mal conhecia. Não levei as pessoas a olharem para Jesus, mas para mim mesmo e
para outros que, como eu, dávamos a entender que o conhecíamos. Quando eu olhei para o
Senhor aqui, me deu vontade de picar em pedacinhos tudo o que eu tinha escrito, algo
semelhante ao que Moisés fez com o bezerro de ouro. A minha mente era o meu ídolo, e eu
queria que todos adorassem a minha mente junto comigo. A sua estima em relação a mim não
me alegra em nada. Se eu tivesse passado tanto tempo procurando conhecer o Senhor quanto
gastei procurando ter conhecimentos sobre ele, de forma a impressionar as pessoas com o meu
conhecimento, muitos dos que estão neste nível, que é o mais baixo, estariam sentados nos
tronos que lhes haviam sido preparados, e muito mais pessoas estariam aqui neste local.
— Eu sei que o que o senhor está dizendo sobre o seu trabalho tem de ser a verdade, mas será
que o senhor não está sendo um tanto rigoroso consigo mesmo? — questionei. — As suas obras
alimentaram-me espiritualmente por muitos anos, como sei que também serviram para muitas e
muitas pessoas.
— Não estou sendo rigoroso comigo. Tudo o que lhe disse e a verdade, e foi confirmado quando
me apresentei diante do trono. Eu produzi muito, mas me foram dados mais talentos do que à
maioria dos que aqui estão, e eu os enterrei embaixo do meu orgulho espiritual e das minhas
ambições. Tal como Adão que poderia ter levado a humanidade a um futuro o mais glorioso de
todos, mas que pelo seu fracasso levou bilhões de almas ao pior dos destinos, com a autoridade
também vem a responsabilidade. Quanto mais autoridade se recebe, tanto maior será o potencial
que se tem de causar o bem ou o mal Aqueles que reinarão com o Senhor por todo o sempre
terão a responsabilidade maior. Ninguém permanece só, e todo erro humano, ou toda vitória,
ressoará muito além da nossa compreensão, até em gerações futuras.
Fiquei pensando como ele tinha escrito empregando as frases mais belas e bem articuladas,
sentindo que ele era a própria definição do "senhor palavra", um artista que transformava
palavras em obras de arte. Mas aqui ele falava como um homem comum, sem o talento pelo qual
seus escritos eram tão bem conhecidos. Eu sabia que ele conhecia o que eu estava pensando,
como acontecia com todos aqui, mas ele prosseguiu dizendo o que obviamente considerava mais
importante.
— Tivesse eu buscado o Senhor, em vez de ter procurado apenas ter conhecimento a respeito
dele, milhares de pessoas que eu poderia ter liderado com sucesso teriam conduzido muitos
milhões a estarem aqui agora. Todo aquele que compreende a verdadeira natureza da autoridade
nunca a procura, mas apenas a aceita quando sabe que está com o jugo do Senhor, o único que
pode desempenhar a autoridade sem tropeçar. Nunca busque ser influente você mesmo, mas
busque apenas o Senhor e disponha-se a tomar o seu jugo. Minha influência não alimentou o
seu coração, mas alimentou apenas o seu orgulho de ter conhecimentos.
— Como é que eu vou saber que comigo não está acontecendo o mesmo? — perguntei,
pensando no que eu também tinha escrito.
— Procure apresentar-se a Deus aprovado,24 e não aos homens — respondeu ele, enquanto
voltava às fileiras daquela multidão. Antes de ele desaparecer no meio daquela gente, ele se virou
e com um sorriso deu-me mais um pequeno conselho:
— E não faça o que eu fiz...

Prosseguindo para o Trono


Nesta primeira multidão eu vi muitos outros homens e mulheres de Deus, tanto do meu tempo
como de épocas anteriores. Parei e conversei com muitos deles. Em cada encontro eu me
chocava pelo fato de que muitos dentre os que eu esperava que estariam nas mais altas posições
estavam na realidade no nível mais baixo do reino. Muitos compartilharam a mesma história:
todos eles tinham caído no pecado mortal do orgulho depois de suas grandes vitórias, ou então
ficaram com ciúmes quando viram que outros tinham tanta unção quanto eles mesmos. Outros,
no fim de sua vida, tinham caído na lascívia, no desencorajamento ou na amargura, e tiveram
que ser tomados pelo Senhor antes de cruzarem a linha da perdição. Todos me deram a mesma
advertência: quanto mais elevada a autoridade espiritual em que você está vivendo, maior pode
ser a queda, se você estiver desprovido de amor e de humildade.
Prosseguindo então em direção ao Trono do Julgamento, fui então passando por aqueles que
estavam em postos mais elevados no reino. Depois de muitos outros véus terem sido retirados de
mim, em decorrência dos encontros que tive com aqueles que haviam tropeçado nos mesmos
problemas que eu, comecei a encontrar alguns que tinham sido vencedores. Encontrei-me com
casais que haviam servido ao Senhor bem como um ao outro, fielmente, até o fim. A glória deles
era indescritível, e sua vitória encorajou-me por ver que era possível permanecer
— Como é que eu vou saber que comigo não está acontecendo o mesmo? — perguntei,
pensando no que eu também tinha escrito.
— Procure apresentar-se a Deus aprovado,24 e não aos homens — respondeu ele, enquanto
voltava às fileiras daquela multidão. Antes de ele desaparecer no meio daquela gente, ele se virou
e com um sorriso deu-me mais um pequeno conselho:
— E não faça o que eu fiz...

Prosseguindo para o Trono


Nesta primeira multidão eu vi muitos outros homens e mulheres de Deus, tanto do meu tempo
como de épocas anteriores. Parei e conversei com muitos deles. Em cada encontro eu me
chocava pelo fato de que muitos dentre os que eu esperava que estariam nas mais altas posições
estavam na realidade no nível mais baixo do reino. Muitos compartilharam a mesma história:
todos eles tinham caído no pecado mortal do orgulho depois de suas grandes vitórias, ou então
ficaram com ciúmes quando viram que outros tinham tanta unção quanto eles mesmos. Outros,
no fim de sua vida, tinham caído na lascívia, no desencorajamento ou na amargura, e tiveram
que ser tomados pelo Senhor antes de cruzarem a linha da perdição. Todos me deram a mesma
advertência: quanto mais elevada a autoridade espiritual em que você está vivendo, maior pode
ser a queda, se você estiver desprovido de amor e de humildade.
Prosseguindo então em direção ao Trono do Julgamento, fui então passando por aqueles que
estavam em postos mais elevados no reino. Depois de muitos outros véus terem sido retirados de
mim, em decorrência dos encontros que tive com aqueles que haviam tropeçado nos mesmos
problemas que eu, comecei a encontrar alguns que tinham sido vencedores. Encontrei-me com
casais que haviam servido ao Senhor bem como um ao outro, fielmente, até o fim. A glória deles
era indescritível, e sua vitória encorajou-me por ver que era possível permanecer que eram todos
parte do trono do Senhor. Até mesmo o menor destes era incomparavelmente muito mais
glorioso do que qualquer trono terreno. Alguns dos que neles estavam eram governadores sobre
cidades da terra que em breve iriam assumir o seu posto. Outros eram governadores sobre as
atividades celestiais, e outros sobre as atividades da criação física, tais como sobre sistemas
estelares e galáxias. Entretanto, era notório que aqueles que tinham recebido autoridade sobre
cidades eram estimados mais do que os que tinham recebido autoridade sobre galáxias. O valor
de uma simples criança era maior do que o de uma galáxia de estrelas, porque o Espírito Santo
habita em homens, e o Senhor tinha escolhido os homens para serem o seu lugar de eterna
habitação. Na presença da sua glória toda a terra parecia ser tão insignificante quanto uma
mancha de pó; e contudo ela era tão infinitamente estimada que a atenção de toda a criação
estava sobre ela.
Agora que eu me postava diante do trono, senti-me menor do que uma pitada de pó. Mesmo
assim, senti o Espírito Santo sobre mim de um modo muito maior do que em qualquer outro
momento da minha vida. Era apenas pelo seu poder que eu tinha condições de permanecer de
pé. Foi aqui que verdadeiramente eu vim a compreender o seu ministério como Consolador. Ele
me havia conduzido em toda a jornada, mesmo eu não tendo tido consciência, na maior parte do
tempo, da sua presença.
O Senhor era tanto mais gentil como mais terrível do que eu jamais tinha imaginado. Nele eu vi
então Sabedoria, que me tinha acompanhado na montanha. De algum modo senti a
familiaridade de muitos de meus amigos da terra, o que compreendi ser por causa de ter ele
muitas vezes falado comigo por intermédio deles. Também O reconheci como sendo Aquele que
eu muitas vezes tinha rejeitado quando veio até a mim na pessoa de outros. Eu vi tanto o Leão
como o Cordeiro, o Pastor e o Noivo, mas acima de tudo eu o vi como o Juiz.
Mesmo diante da sua presença que inspirava grande temor, o Consolador estava tão
poderosamente comigo que eu me sentia à vontade. Estava claro que o Senhor de forma alguma
queria que eu não me sentisse bem; ele apenas queria que eu conhecesse a verdade. Palavras
humanas não são adequadas para descrever como era terrível, ou como era consolador
permanecer diante dele. Eu já tinha ultrapassado o ponto de me preocupar quanto a se o
julgamento seria bom ou mau; simplesmente eu sabia que seria correto, e que eu poderia confiar
no meu Juiz.
Num certo momento o Senhor olhou para as galerias de tronos ao seu redor. Muitos estavam
ocupados, mas muitos achavam-se vazios. Então ele disse:
— Esses tronos são para os vencedores que me serviram fielmente em cada geração. Meu Pai e
eu os preparamos antes da fundação do mundo. Você é digno de sentar-se num deles?
Lembrei-me que um amigo uma vez me dissera que, quando o Deus onisciente lhe faz uma
pergunta, não é porque ele está querendo alguma informação. Olhei então para os tronos. Olhei
para aqueles que agora neles se sentavam. Pude reconhecer alguns dos grandes heróis da fé,
mas na sua maioria eu sabia que não eram bem conhecidos na terra. Vi que muitos tinham sido
missionários que haviam despendido toda a sua vida em obscuridade. Eles nunca tinham se
preocupado em se fazerem conhecidos na terra, mas quiseram ser apenas lembrados pelo
Senhor. Eu me senti um tanto surpreso ao ver alguns que tinham sido muito ricos, e
governantes que tinham sido fiéis com o que haviam recebido. Entretanto, parecia que a maior
parte daqueles tronos estava ocupada por mulheres de oração e mães.
Eu não tinha como responder "sim" à pergunta do Senhor, quanto a considerar-me digno de
me sentar num dos tronos. Eu não era digno de me sentar na companhia de quem quer que
fosse. Eu sabia que havia recebido a oportunidade de correr pelo grande prêmio no céu ou na
terra, e eu tinha fracassado, Eu estava desesperado, mas havia ainda uma esperança. Mesmo
tendo sido a maior parte da minha vida um fracasso, eu sabia que estava aqui antes de ter
terminado a minha vida terrena. Quando confessei que eu não era digno, o Senhor perguntou:
— Mas você quer sentar-se num destes tronos?
— Sim, quero, de todo o meu coração — respondi. O Senhor então olhou para as galerias e
disse:
— Estes tronos vazios poderiam ter sido ocupados em qualquer das gerações. Eu convidei a
sentar-se aqui todos os que invocaram o meu nome. Há lugares ainda disponíveis. Agora é hora da
última batalha, e muitos dos que forem os últimos serão os primeiros. Estes tronos serão ocupados
antes da batalha terminar. Os que vierem a se sentar aqui serão conhecidos por duas coisas: eles
estarão vestindo o manto da humildade e terão a minha semelhança. Você agora tem o manto. Se
você conseguir mantê-lo e não o perder na batalha, quando você retornar você terá também a
minha semelhança. Então você será digno de se sentar com estes, porque eu o terei feito digno.
Todo poder e autoridade me foram dados, e eu apenas é que posso exercê-los. Você vai triunfar, e
você será revestido da minha autoridade somente quando você vier para habitar em mim
completamente. Agora volte-se e olhe para a minha casa.
Voltei-me e olhei para trás na direção de onde eu tinha vindo. Dali da frente do trono dava para
ver todo aquele local. O espetáculo ia além de qualquer possibilidade de comparação, em sua
glória. Milhões ocupavam todos os postos. Cada um que estava no posto de nível mais baixo
inspirava mais temor do que um exército, e tinha mais poder. Ia muito além da minha
capacidade absorver tal panorama de glória. Mesmo assim, pude ver que apenas uma pequena
porção de todo aquele enorme local achava-se ocupada.
Então olhei de volta para o Senhor e fiquei espantado ao ver lágrimas em seus olhos. Ele havia
removido as lágrimas de todos os olhos que aqui estavam, exceto dos seus. Quando uma de suas
lágrimas escorreu pela sua face, ele a tomou em sua mão. Então ele a ofereceu para mim:
— Este é o meu cálice. Você o beberá comigo?
Não havia como recusar. Enquanto o Senhor permanecia olhando para mim, fui sentindo o seu
grande amor. Mesmo sendo tão tolo quanto eu era, ainda assim ele me amava. Mesmo tão
imerecedor como eu era, ele queria que eu estivesse perto dele. Então ele disse:
— Eu amo a todos esses com um amor que você agora não pode compreender. Também amo a
todos os que deveriam estar aqui mas que não vieram. Eu deixei as noventa e novo para ir em
busca de uma só que estava perdida.25 Meus pastores não deixam a que está salva para ir em
busca das noventa e nove que ainda estão perdidas. Eu vim para salvar os perdidos. Você vai
satisfazer o meu coração indo para salvar os perdidos? Você vai contribuir para que este local se
complete? Você vai contribuir para que estes tronos vinham a ser ocupados, bem como todos os
demais lugares deste local? Você vai assumir esta busca de forma a trazer alegria ao céu, a mim e
a meu Pai? Este julgamento é para os da minha casa, e a minha casa ainda não se completou. A
batalha final não terminará antes que a minha casa se complete. Somente então será o tempo de
remirmos a terra e removermos o mal que está na minha criação. Se você beber do meu cálice você
vai amar os perdidos do mesmo modo como eu os amo.
Então ele pegou um cálice tão simples que parecia estar destoando num lugar assim de tanta
glória, e colocou nele a sua lágrima. Então ele o deu a mim. Eu nunca tinha experimentado algo
tão amargo. Eu sabia que eu não podia de forma alguma beber todo o conteúdo do cálice, ou
mesmo quase todo, mas decidi beber tanto quanto eu pudesse. O Senhor pacientemente esperou
até que eu finalmente irrompi num choro tão forte que senti que rios de lágrimas fluíam de mim.
Eu chorava pelos perdidos, mas muito mais eu chorava pelo Senhor.
Olhei para ele em desespero, já que não conseguia mais beber daquela grande dor. Então a sua
paz foi me enchendo e fluindo junto com o seu amor que eu estava sentindo. Jamais eu tinha
experimentado algo assim tão maravilhoso. Essa era a água viva que eu sabia que fluiria por
toda a eternidade. Então senti como se as águas fluindo em meu interior tivessem pegado fogo. E
entendi que esse fogo me consumiria se eu não passasse a declarar a majestade da glória do
Senhor. Nunca me tinha sentido assim compelido a pregar, a adorar ao Senhor e a usar cada
momento da minha vida para a causa do seu evangelho.
— Senhor! — clamei, esquecendo-me de todos, exceto dele. — Agora eu sei que este trono de
julgamento é também o trono da graça, e peço-te que me dês a graça de servir-te. Mais do que
qualquer outra coisa eu te peço a tua graça! Peço-te a graça de completar a minha carreira.
Peço-te a graça de te amar de tal forma que eu possa me libertar dos enganos e de todo o
egoísmo com que tanto perverti a minha vida. Apelo a ti para salvar-me de mim mesmo e do mal
do meu próprio coração, e para ter o amor que agora sinto fluindo continuamente em meu
coração. Peço-te que me dês o teu coração, o teu amor. Peço-te a graça do Espírito Santo para
convencer-me do meu pecado. Peço-te a graça do Espírito Santo de me fazer testemunhar de ti,
como tu és na realidade. Peço-te a graça de testemunhar de tudo o que tu preparaste para
aqueles que vierem a ti. Peço-te que a graça esteja sobre mim para pregar a realidade deste
julgamento. Peço-te a graça de compartilhar com aqueles que foram chamados para ocupar estes
tronos vazios, dando-lhes a palavra de vida que os mantenham na vereda da vida, e que lhes
transmitam a fé para fazerem o que lhes foi pedido para fazer. Senhor, imploro que me dês esta
graça.
O Senhor levantou-se, e todos os que estavam sentados nos tronos, até onde pude ver,
levantaram-se também. Os olhos dele queimavam como fogo,26 duma forma como nunca eu
tinha visto antes.
— Você apelou pedindo-me graça. Este pedido eu nunca nego. Você vai voltar, e o Espírito Santo
estará com você. Aqui você pôde experimentar tanto a minha bondade como a minha severidade.
Dessas duas coisas você terá de se lembrar para que permaneça na vereda da vida. O verdadeiro
amor de Deus inclui o julgamento de Deus. Você tem que conhecer tanto a minha bondade como a
minha severidade para que você não caia em engano. Esta é a graça que lhe foi dada aqui:
conhecer estas duas coisas. As conversas que você manteve com os seus irmãos aqui foram a
minha graça. Lembre-se delas.
Então ele apontou a sua espada para o meu coração, depois para a minha boca, e em seguida
para as minhas mãos. Ao fazer isso, da espada saiu fogo que me queimou. A dor foi muito forte.
— Isto também é graça — disse ele. — Você é um dentre muitos que foram preparados para esta
hora. Pregue e escreva sobre tudo o que você viu aqui. O que disse a você, diga a meus irmãos. Vá
e conclame os meus capitães para a batalha final. Vá e defenda os pobres e os oprimidos, as
viúvas e os órfãos. Esta é a comissão de meus capitães, e é onde você os encontrará. Meus filhos
valem mais para mim do que as estrelas nos céus. Alimente os meus cordeiros. Cuide dos meus
cordeirinhos. Dê-lhes a palavra de Deus para que vivam. Vá à batalha. Vá e não retroceda. Vá
depressa, e assim eu virei depressa. Obedeça-me e apresse o dia da minha vinda.
Uma companhia de anjos então veio e acompanhou-me quando me retirei de diante do trono. O
chefe deles veio ao meu lado e começou a falar:
— Agora que ele se pôs de pé não vai sentar-se novamente até que a batalha final termine. Ele
estava sentado até o tempo em que os seus inimigos serão postos por baixo de seus pés. Este
tempo agora chegou. Legiões de anjos que estavam de prontidão desde a noite da sua paixão
foram agora liberados sobre a terra. As hordas do inferno também foram liberadas. Este é o
tempo que toda a criação tem esperado. O grande mistério de Deus em breve estará terminado.
Agora lutaremos até o fim. Lutaremos com você e com os seus irmãos.
Parte V

Os vencedores

Enquanto ia me afastando do trono de julgamento fui pensando em tudo pelo que eu tinha
acabado de passar. Tinha sido ao mesmo tempo algo terrível e maravilhoso. Como tudo tinha
sido tão desafiador e também de quebrantar o coração, sentia-me mais seguro do que nunca.
Não foi fácil a princípio abrir-me assim, ficando totalmente descoberto à frente de tantas
pessoas, não podendo esconder nem mesmo um pensamento sequer, mas quando relaxei e
aceitei a situação, sabendo que isto estava purificando a minha alma, senti uma profunda
libertação. Não ter nada para esconder era como tirar o jugo e os grilhões mais pesados. Fiquei
sentindo-me aliviado, como se pudesse respirar de maneira tal como nunca antes.

O Que Me Aconteceu
Quanto mais à vontade fui me sentindo, mais a minha mente parecia se multiplicar em sua
capacidade. Então passei a sentir uma comunicação que estava sendo transmitida, que não tem
como ser expressa por palavras humanas. Lembrei-me então do apóstolo Paulo ter comentado,
quando de sua visita ao terceiro céu, que lá ele ouviu palavras inefáveis.27 Há uma comunicação
espiritual que transcende em muito toda forma de comunicação humana. Ela é mais profunda e
com muito mais significado, ultrapassando a possibilidade que as palavras humanas podem
expressar. De um certo modo é uma comunicação pura, feita conjuntamente pelo coração e pela
mente, e é tão pura que não há possibilidade alguma de haver qualquer incompreensão.
Ao olhar para alguém ali naquele local fui entendendo o que ele estava pensando, da mesma
forma como lhe tinha sido possível compreender o que eu pensava. Quando olhei para o Senhor,
também o entendi da mesma maneira. Nós continuamos a usar palavras, mas o significado de
cada uma delas tinha uma profundidade não possível de ser registrada por nenhum dicionário
humano. A minha mente havia sido liberta, de forma que sua capacidade tinha se multiplicado
muitas vezes. Ela estava estimulada como nunca estivera em minha vida.
Era óbvio também que o Senhor tinha prazer em poder comunicar-se desta forma comigo, tal
como eu estava me comunicando com ele. Nunca antes eu tinha compreendido tão pro-
fundamente o que significa ele ser a Palavra de Deus. Jesus é a Comunicação de Deus à sua
criação. Suas palavras são espírito e vida, e o significado e o poder delas ultrapassam em muito
as nossas definições humanas do presente. As palavras humanas constituem uma forma muito
superficial da comunicação do espírito. Deus nos criou com a capacidade de nos comunicarmos
num nível que em muito transcende as palavras humanas, mas por causa da queda, e do
fracasso da Torre de Babel, viemos a perder essa capacidade.28 Não podemos ser quem fomos
criados para ser até que recuperemos esta habilidade, e apenas poderemos fazer isso quando
formos libertos em sua presença.
Foi então que entendi que quando a transgressão de Adão fez com que ele se escondesse de
Deus,29 isso foi o começo da mais terrível distorção em relação ao que o homem tinha sido criado
para ser, e foi também uma tremenda redução em sua capacidade, tanto intelectual como
espiritual. Isso somente poderia ser restaurado quando viéssemos a sair do nosso "esconderijo",
abrindo-nos a Deus e aos outros, tornando-nos verdadeiramente transparentes. É quando
contemplamos a glória do Senhor sem véu algum cobrindo a nossa face que somos trans-
formados em sua imagem. Os véus foram causados por nos termos escondido.
Quando o Senhor perguntou a Adão onde ele se encontrava depois da transgressão, essa foi a
sua primeira pergunta ao homem, e esta é a primeira que temos que responder para sermos
totalmente restaurados para ele. Claro que o Senhor sabia onde Adão estava. A pergunta era
para Adão. Aquela pergunta foi o princípio da procura de Deus.
A história da redenção é Deus buscando o homem e não o homem buscando a Deus.
Quando pudermos responder a esta pergunta, saberemos onde estamos na relação com Deus.
E a resposta a ser dada a esta pergunta nós somente saberemos quando estivermos em sua
presença.
Isso foi a essência do que aconteceu comigo diante do trono do julgamento. O Senhor já sabia
de tudo o que teria que saber a meu respeito. Foi tudo para o meu bem, para que eu soubesse
onde eu estava. Tudo aconteceu para retirar-me de todo esconderijo, para trazer-me das trevas
para a luz.

O Que Significa "Andar na Luz"


Foi então que entendi o quanto o Senhor deseja ser um com o seu povo. Em todo o seu
julgamento ele não tinha o propósito de fazer com que eu visse qualquer coisa como boa ou má,
mas sim que eu a visse em união com ele. O Senhor me buscava muito mais do que eu o estava
buscando. Seus juízos me libertaram, e o seu juízo sobre o mundo vai libertar o mundo.
Quando o dia do juízo de Deus chegar trará, a libertação final de Adão tirando-o de seu
esconderijo. Será a libertação final de Adão, e dará início a libertação final da criação, que estava
escravizada por causa de Adão. As trevas no mundo foram perpetuadas pela compulsão de tudo
esconder, depois da queda. "Andar na luz" é mais do que simplesmente ter conhecimento e
obedecer a certas verdades — é ser verdadeiro e estar livre da compulsão de esconder-se.
"Andar na luz" significa não mais esconder nada, nem de Deus nem de ninguém. A nudez de
Adão e Eva antes da queda não era apenas física, mas também espiritual. Quando a nossa
salvação se completar vamos conhecer esse tipo de liberdade de novo. Estar completamente
aberto aos outros será algo que realmente abrirá o nosso coração e a nossa mente a dimensões
que nós nem mesmo imaginamos existir. E isso é algo que Satanás está tentando falsificar,
através do movimento da Nova Era.

É Necessário Conhecer o Coração do Senhor


Enquanto caminhava, meditando em tudo o que tinha aprendido, de repente o Senhor
apareceu ao meu lado como Sabedoria, de novo. Mas agora ele tinha uma aparência muito mais
gloriosa do que antes, até mesmo de quando ele estava no trono do julgamento. Eu me senti
deslumbrado e superfeliz.
— Senhor, é desta forma que o Senhor está se voltando para mim? — perguntei.
— Sempre estarei com você desta forma. Entretanto, quero ser para você mais do que você me vê
agora. Você viu a minha bondade e a minha severidade aqui, mas você ainda não me conhece
totalmente como o Reto Juiz.
Isso surpreendeu-me, uma vez que eu tinha acabado de passar todo esse tempo diante do seu
trono de julgamento, sentindo que tudo o que eu aprendera era concernente ao sem juízo. Ele
me deu um tempo para que eu pudesse assimilar isso, e então continuou:
— Há uma liberdade que vem quando você compreende a verdade, mas quem eu liberto
verdadeiramente se torna livre? 30 A libertação pela minha presença é maior do que apenas
conhecer a verdade. Você passou pela libertação em minha presença, mas ainda há muito mais
para você compreender quanto aos meus juízos. Quando eu julgo, o meu objetivo não é
condenar, nem justificar, mas fazer com que haja retidão. A retidão apenas é encontrada em
união comigo. Isso é o que é o reto julgamento, ou seja, fazer com que os homens venham a se
unir comigo. Minha igreja agora se acha vestida de vergonha porque ela não tem juízes. E ela
não tem juízes porque ela não me conhece como o Juiz. Vou agora levantar juízes para que o
meu povo conheça o meu julgamento. Eles não apenas vão decidir questões entre pessoas e
situações, mas vão tornar as coisas retas, o que é fazer com que fiquem de acordo comigo.
O Senhor disse ainda:
— Quando apareci a Josué como o príncipe do exército,31 declarei que eu não estava do lado
dele nem do lado dos seus inimigos. Eu nunca venho para me posicionar num dos lados.
Quando eu venho é para assumir o controle, e não para me posicionar num dos lados. Eu
apareci como o príncipe do exército antes de Israel poder entrar na Terra Prometida. A Igreja
agora está prestes a entrar em sua Terra Prometida, e estou de novo prestes a aparecer como o
príncipe do exército. Quando isso acontecer, vou remover todos que têm forçado o meu povo a se
posicionar contra seus irmãos. A minha justiça não se posiciona de um lado diante de conflitos
humanos, nem mesmo nos do meu povo. O que eu fiz através de Israel eu fazia para os seus
inimigos também, e não contra eles. É somente porque vocês vêem de uma perspectiva terrena e
temporal que vocês não conseguem ver a minha justiça. Vocês têm de ver a minha justiça para
poder andar em minha autoridade, porque a retidão e a justiça constituem o fundamento do
meu trono.
E ele prosseguiu, dizendo:
— Eu atribuí retidão aos que eu escolhi, mas tal como Israel no deserto, até mesmo os maiores
santos da era da Igreja apenas se alinharam com os meus caminhos uma pequena parte do
tempo, ou com uma pequena parte de sua mente e coração. Não sou a favor deles nem contra os
seus inimigos, mas estou vindo para usar o meu povo na salvação dos seus inimigos. Eu amo
todos os homens e desejo que todos se salvem.
Não pude deixar de pensar na grande batalha que havíamos lutado na montanha. De fato
ferimos muitos de nossos próprios irmãos ao lutarmos contra o mal que os controlava. Havia
ainda muitos de nossos irmãos no campo do inimigo, que estavam sendo usados por ele ou
mantidos como prisioneiros. Fiquei então curioso quanto a se a próxima batalha seria contra os
nossos irmãos de novo. O Senhor estava me observando enquanto eu meditava em tudo isso, e
então continuou:
— Até que a última batalha termine, sempre haverá alguns de seus irmãos que estarão sendo
usados pelo inimigo. Mas não é por essa razão que estou lhe dizendo tudo isso agora. Estou
dizendo-lhe tudo isso para ajudar você a ver como o inimigo consegue entrar em seu coração e
em sua mente, e como ele o usa! Até mesmo agora você ainda não consegue ver tudo da forma
como eu vejo. Isso é muito comum com o meu povo. No presente momento, até mesmo meus
maiores líderes raramente se acham em harmonia comigo. Muitos deles estão fazendo boas
obras, mas bem poucos estão fazendo o que lhes chamei para fazer. É nisso que resultou ter
havido divisões entre vocês. Não estou vindo para me posicionar ao lado de qualquer grupo que
seja, mas estou indo buscar os que quiserem passar para o meu lado.
Ainda prosseguiu o Senhor:
— Vocês se impressionam quando lhes dou uma "palavra de conhecimento" sobre a
enfermidade de alguém, ou sobre qualquer coisa que vocês desconheçam. Esse conhecimento
vem quando vocês tocam a minha mente num pequeno grau apenas. Eu conheço todas as
coisas. Se vocês tivessem totalmente a minha mente, vocês seriam capazes de conhecer tudo
sobre todas as pessoas com quem se encontrassem, da mesma forma como você — dirigindo-se
para mim — começou a experimentar aqui. Vocês veriam todos os homens da mesma maneira
que eu os vejo. Mas mesmo então ainda há algo mais que é necessário para que vocês estejam
habitando totalmente em mim. Vocês têm de ter o meu coração para saberem como usar esse
conhecimento de forma correta. Somente então é que vocês terão o meu julgamento.
E mais, ele continuou:
— Somente posso confiar-lhes o meu conhecimento sobrenatural à medida em que vocês
conheçam o meu coração. Os dons do Espírito que liberei para a minha Igreja não passam de
pequenos sinais dos poderes da era vindoura. Eu os tenho chamado para serem mensageiros
dessa era, e vocês têm, por tanto, que conhecer os poderes que nela haverá. Vocês devem desejar
com muito ardor os dons, porque eles fazem parte de mim, e eu os dei a vocês para que vocês
sejam como eu. É correto vocês procurarem conhecer a minha mente, os meus caminhos e os
meus propósitos, mas vocês têm também que ardentemente desejar conhecer o meu coração.
Quando vocês conhecerem o meu coração, então os olhos do seu coração se abrirão. Então vocês
verão como eu vejo, e farão o que eu faço. Estou prestes a conceder mais poderes da era
vindoura à minha Igreja.
Entretanto, há um grande engano que com freqüência atinge aqueles que são revestidos com
grande poder, e se vocês não entenderem o que estou para mostrar a vocês, então vocês também
cairão nesse engano.
Então ele me explicou:
— Você me pediu a minha graça, e você vai tê-la. A primeira graça que lhe manterá na vereda
da vida é conhecer o nível de engano em que você está. Engano é tudo o que você não
compreende como eu compreendo. Conhecer o nível atual de engano na sua vida lhe traz
humildade, e eu dou a minha graça aos humildes. É por isso que eu disse: "Quem é tão cego
senão o meu servo..." E é por isso que eu disse aos fariseus: "Eu vim a este mundo para juízo, a
fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos... Se fôsseis cegos, não teríeis
pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado." 32 É por isso que,
ao chamar o meu servo Paulo, a minha luz. o atingiu e tornou-o cego.33 A minha luz. apenas
revelou qual era a sua verdadeira condição. Tal como ele, vocês têm que ser atingidos de forma a
ficarem cegos na esfera natural para que possam ver por meio do meu Espírito.

Encontro com Apóstolo


Senti-me então compelido a olhar para os que estavam assentados nos tronos pelos quais
estávamos passando. Meu olhar fixou-se num homem que eu sabia ser o apóstolo Paulo. Voltei-
me para o Senhor, e ele fez um gesto para que eu falasse com ele.
— Como eu ansiava por este encontro! — disse-lhe, sentindo-me embaraçado, mas ao mesmo
tempo bastante emocionado. — Eu sei que você tem consciência de quanto as suas cartas têm
guiado a Igreja, e elas provavelmente estejam ainda realizando muito mais do que todos nós
juntos. Você ainda é uma das maiores luzes na terra.
— Obrigado! — disse ele afavelmente. — Mas você não compreende o quanto nós desejávamos
ter este encontro com você. Você é um soldado da última batalha; você é um daqueles com quem
todos aqui esperam poder ter um encontro. Apenas vimos muito vagamente estes dias por meio
da nossa limitada visão profética, mas você foi escolhido para viver neste tempo. Você é um
soldado que está se preparando para a batalha final. Você é um dos que nós todos estamos
esperando.
Ainda me sentindo embaraçado, disse ainda:
— Mas não tenho palavras para expressar a apreciação que temos por você e por todos que,
pela vida que tiveram e pelo que escreveram, contribuíram para ajustar a nossa vida. Sei
também que teremos a eternidade para demonstrar a nossa apreciação; portanto, nesta hora em
que aqui estou, permita-me perguntar-lhe: "O que você tem a dizer à minha geração para nos
ajudar nesta batalha?"
— Somente posso dizer-lhes o que eu já disse anteriormente em meus escritos. Gostaria que
vocês compreendessem melhor o que escrevi sabendo que eu não cheguei a cumprir tudo aquilo
a que fui chamado para fazer — afirmou Paulo, olhando resolutamente em meus olhos.
— Mas você está aqui, num dos tronos de maior honra. Você ainda está colhendo mais frutos
para a vida eterna do que qualquer um de nós poderia ter a esperança de colher — protestei.
— Pela graça de Deus pude completar a minha carreira, mas mesmo assim não fiz tudo o que
fui chamado a fazer. Deixei de cumprir os propósitos mais elevados que eu poderia ter
alcançado, como todos os demais. Sei que há quem pense ser uma blasfêmia pensar a meu
respeito que eu não fui o maior exemplo do que seja um ministério cristão, mas eu estava sendo
honesto quando escrevi, perto do fim da minha vida, que eu era o maior dos pecadores. Eu não
estava dizendo que eu havia sido o maior dos pecadores, mas que eu era, no momento em que
escrevia, o maior dos pecadores.34 Muitas coisas me tinham sido reveladas, mas em bem poucas
delas eu caminhei.
— Como é que pode ter sido assim? Eu pensei que você apenas estava sendo humilde —
perguntei.
— A verdadeira humildade é concordar com a verdade. Não tenha receio. Minhas cartas eram
verdadeiras, e foram escritas com a unção do Espírito Santo. Entretanto, muito me tinha sido
dado, e não cheguei a usar tudo o que recebi. Eu, também, deixei de fazer o que tinha de fazer.
Isso aconteceu com todos os que aqui estão, exceto com um, apenas. Mas é este ponto que em
especial você tem que considerar a meu respeito, porque muitos são os que ainda estão
distorcendo os meus ensinamentos, porque têm uma visão distorcida a meu respeito. Como você
viu a progressão em minhas cartas, parti de um sentimento de que eu não era inferior nem
mesmo aos mais eminentes apóstolos, passando depois a reconhecer que eu era o menor deles, e
então que eu era o menor dos santos, e finalmente entendendo que eu era o maior dos
pecadores. Eu não estava apenas sendo humilde, o que eu estava dizendo era a pura verdade. A
mim o Senhor confiou muito, muito mais do que eu usei. Há apenas Um aqui que
completamente creu, que completamente obedeceu, e que verdadeiramente consumou tudo o
que lhe havia sido dado para fazer, mas vocês poderão fazer muito mais do que eu fiz.
— Sei que você está falando a verdade, — contestei com muita brandura — mas você tem
certeza que essa é a mensagem mais importante que você tem para nos dar em relação à batalha
final?
— Tenho certeza — replicou ele com muita convicção. — Como disse, aprecio a graça do
Senhor ter usado as minhas cartas da forma como ele as tem usado. Mas preocupo-me com o
modo errado pelo qual muitos de vocês as têm usado. Elas são a verdade do Espírito Santo, e
são Escrituras. De fato o Senhor me deu grandes pedras para serem colocadas na estrutura da
sua Igreja eterna, mas elas não são pedras fundamentais. As pedras fundamentais foram postas
por Jesus, apenas. A minha vida e o meu ministério não são exemplos do que vocês são
chamados para ser. Somente Jesus é o nosso padrão. Se o que eu escrevi for usado como
fundamento, esse fundamento não terá condições de suportar todo o peso do que é necessário
construir sobre o mesmo. O que eu escrevi tem de ser construído sobre o único Fundamento que
pode suportar o que vocês estão por enfrentar; não é para ser usado como fundamento. Vocês
têm que ver os meus ensinamentos através dos ensinamentos do Senhor; não procurem
compreendê-lo a partir da minha perspectiva. As palavras dele é que são o fundamento. Eu
apenas construí sobre elas desenvolvendo mais as palavras dele. A maior sabedoria e as
verdades mais poderosas são as palavras dele, não as minhas.
Paulo ainda prosseguiu, dizendo:
— É necessário que vocês saibam que eu não desempenhei tudo o que me teria sido possível
fazer. Há muito mais, disponível para cada crente fazer, do que eu mesmo fiz. Todo verdadeiro
crente tem o Espírito Santo em si. O poder daquele que criou todas as coisas vive no cristão. O
menor dos santos tem o poder em si para mover montanhas, para parar exércitos, ou para
levantar os mortos. Para que vocês executem tudo o que vocês são chamados a realizar em seus
dias, o meu ministério não pode ser visto como o alvo final, mas sim como o ponto de partida. O
alvo de vocês não deve ser o de serem como eu, mas serem como o Senhor. Vocês podem ser
como ele é, e vocês podem fazer tudo o que ele fez, e até mais, porque ele deixou o seu melhor
vinho para o fim.
Eu sabia que apenas a verdade podia ser falada aqui. Sabia que o que Paulo dizia era verdade
quanto ao modo pelo qual muitos têm erradamente usado os seus ensinamentos como um
fundamento, em vez de construírem sobre o fundamento dos evangelhos, mas ainda me era
difícil aceitar que Paulo tinha deixado de cumprir todo o seu chamado. Olhei para o trono de
Paulo e para a glória do seu ser. Ela ultrapassava em muito o que eu tinha imaginado com
respeito aos maiores santos no céu. Ele era em tudo tão franco e resoluto como eu esperava que
ele fosse. Fiquei impressionado por ver como era evidente que ele ainda tinha uma grande
preocupação em relação a todas as igrejas. Eu o tinha idolatrado, e isso foi uma transgressão de
que ele estava procurando libertar-me. Mesmo assim, ele era muito maior do que o Paulo que eu
tinha idolatrado. Conhecendo os meus pensamentos, ele pôs as suas duas mãos em meus
ombros e olhou direto nos meus olhos com uma firmeza ainda maior:
— Eu sou seu irmão. Eu o amo, tal como todos aqui o amam. Mas você tem que compreender.
A nossa carreira já terminou. Nada podemos acrescentar, nem retirar, do que plantamos na
terra, mas vocês podem. Nós não somos a esperança de vocês. Vocês não são a nossa esperança.
Mesmo nesta conversa eu somente posso confirmar o que eu já escrevi, mas vocês ainda têm
muito o que escrever. Adore apenas a Deus, e em tudo cresçam para com ele. Jamais coloquem
um homem como sendo o alvo de vocês, mas apenas o Senhor. Muitos em breve andarão por
toda a terra fazendo obras muito maiores do que as que fizemos. Os primeiros serão os últimos;
e os últimos, primeiros.35 Isso não nos preocupa. Isso é alegria em nosso coração, porque somos
um com vocês. A minha geração foi usada para colocar o fundamento e começar a construir
sobre o mesmo, e sempre teremos esta honra. Mas cada piso construído sobre o fundamento tem
que ir mais alto. Não estaremos construindo o que nos foi dado a construir a menos que vocês
vão mais alto.
Ao meditar sobre isso, ele me observou de perto. Então ele continuou:
— Há mais duas outras coisas que nós tínhamos em nosso tempo, mas que foram perdidas
muito rapidamente pela igreja, e elas ainda não foram recuperadas. Vocês têm que retomá-las.
— O quê? — perguntei, sentindo que o que ele ia dizer não seria um simples acréscimo ao que
acabara de dizer.
— Vocês têm que recuperar o ministério e a mensagem — disse ele enfaticamente.
Olhei então para o Senhor e com um gesto ele confirmou a afirmação de Paulo, acrescentando
ainda:
— Paulo faz muito bem em lhes dizer isso. Até agora ele tem sido o que mais foi fiel nessas duas
coisas.
— Por favor, queira explicar isso melhor — implorei a Paulo.
— Pois bem, — respondeu ele — exceto em alguns poucos lugares no mundo em que há uma
grande perseguição ou em que há dificuldades agora, dificilmente reconhecemos tanto o ministé-
rio como a mensagem que está sendo pregada atualmente. Em decorrência disso, a Igreja agora
não passa de uma vaga imagem do que em nosso tempo ela era, e nós estávamos longe de ser
tudo o que havíamos sido chamados para ser. Quando servíamos, estar no ministério consumia
o maior sacrifício que se poderia fazer, e isso refletia a mensagem do maior de todos os
sacrifícios, que tinha sido feito: a cruz. A cruz é o poder de Deus, e é o centro de tudo em torno
do que somos chamados a viver. Vocês têm muito pouco poder para transformar a mente e o
coração dos discípulos agora porque vocês não vivem, e não pregam, a cruz. Portanto, temos
dificuldade em ver muita diferença entre os discípulos e os pagãos. Não é esse o evangelho ou a
salvação que nos foi confiado. Vocês têm que retomar para a cruz.
Com essas palavras ele me abraçou como um pai, e em seguida retornou ao seu lugar. Senti-
me como se tivesse recebido tanto uma bênção incrível como também uma grande repreensão.
Retomei então a minha caminhada e fui pensando sobre o nível da salvação na montanha, e
sobre os tesouros da salvação que tinha visto lá dentro. Pude ver que a maioria das minhas
decisões, até mesmo a de entrar pela porta que me fez chegar até aqui, foi baseada
principalmente no que eu considerei que me faria avançar, não numa consideração de qual seria
a vontade do Senhor. Em tudo o que eu tinha feito eu ainda estava vivendo para mim mesmo, e
não para o Senhor. Mesmo no meu desejo de participar dos julgamentos aqui, a minha
motivação era o que me ajudaria a obter vitórias sem sofrer qualquer perda. Eu ainda estava
andando muito mais centrado em mim mesmo do que em Cristo Jesus.

Perigos Decorrentes da Unção


Eu sabia que aquela breve conversa com Paulo teria conseqüências que demandariam um bom
tempo para entendê-las completamente. De certo modo senti que tinha recebido uma bênção
dada por toda a igreja da eternidade. A grande nuvem de testemunhas realmente nos animava a
prosseguir. Elas olhavam para nós como pais orgulhosos que almejavam coisas melhores para
seus filhos, que eles mesmos não tinham tido. Sua maior alegria era ver a igreja do último dia
tornar-se tudo o que a igreja de seus dias tinha deixado de alcançar. Eu também sabia que eu
ainda estava longe de estar andando no caminho que para nós tinha sido preparado.
— A igreja do último dia não será maior do que a sua geração, mesmo que vocês venham a fazer
obras maiores — o Senhor falou de repente. — Tudo o que é feito é feito pela minha graça.
Entretanto, vou dar mais da minha graça e mais do meu poder à igreja do último dia, porque ela
tem de desempenhar mais do que a igreja de qualquer das eras anteriores. Os crentes do último
dia andarão em todo o poder que eu demonstrei possuir, e mais ainda, porque eles serão os repre-
sentantes finais de todos os que foram antes deles. A igreja do último dia evidenciará a minha
natureza e os meus modos, de uma maneira como nunca foi demonstrada anteriormente pelos
homens. É porque eu lhes estou dando mais graça; e a quem muito é dado, muito será requerido?
36

Isso me fez pensar mais acerca de Paulo. "Como poderemos até mesmo chegar a seus pés,
tornando-nos tão dedicados e fiéis como ele foi?" — pensei comigo mesmo.
— Não é isso que eu estou pedindo para que vocês alcancem — o Senhor respondeu. — Estou
pedindo que vocês habitem em mim. Vocês não podem continuar a se compararem com os outros,
nem mesmo com Paulo. Vocês sempre estarão aquém em relação às pessoas para quem olharem,
mas se vocês olharem para mim vocês irão muito além do que, de outra forma, vocês teriam
conseguido. Como você mesmo já ensinou, quando os dois na estrada de Emaús me viram partir o
pão foi que os olhos deles se abriram? 37 Quando você ler as cartas de Paulo, ou quaisquer outras,
você terá que ouvir-me. Somente quando receber o seu pão diretamente de mim é que os olhos do
seu coração se abrirão.
Continuou ele:
— Vocês poderão ser desviados principalmente por aqueles que mais se parecem comigo, se
vocês através deles não chegarem a me ver. Há ainda uma outra armadilha para aqueles que
chegarem a conhecer mais da minha unção e do meu poder do que os demais. Esses muitas vezes
se desviarão por olharem para si mesmos. Como lhe disse antes da sua conversa com Paulo, os
meus servos têm de se tornar cegos para que possam ver. Permiti que você conversasse com Paulo
porque ele é um dos meus melhores exemplos disso. Foi por causa da minha graça que eu permiti
que ele perseguisse a minha igreja. Quando ele viu a minha luz, ele entendeu que o seu próprio
raciocínio o tinha levado a um conflito direto com a mesma verdade a que ele pensava estar
servindo. O raciocínio de vocês sempre acabará dando nisso, levando-os a fazer o que é
exatamente o oposto da minha vontade. Uma grande unção traz um perigo ainda maior disso
acontecer com vocês, se vocês não aprenderem o que Paulo fez. Se vocês não tomarem a sua cruz.
a cada dia, colocando nela tudo o que vocês são e tudo o que vocês têm, vocês cairão por causa da
autoridade e do poder que eu lhes darei. Até que vocês aprendam afazer todas as coisas para a
causa do evangelho, quanto mais influentes vocês forem, maior será o perigo que os cercará.
Disse ainda o Senhor:
— Um dos maiores enganos que atingem os meus ungidos é que eles ficam achando que, porque
lhes dei um pouco de conhecimento ou poder sobrenaturais, então os seus caminhos terão de ser
os meus caminhos, e o que estiverem pensando terão de ser os meus pensamentos. Isso é um
grande engano, e muitos tropeçaram por causa disso. Vocês vão pensar como eu quando estiverem
em perfeita união comigo. Até mesmo na vida dos mais ungidos que têm caminhado na terra, até
mesmo em relação a Paulo, a união comigo tem sido apenas parcial e por breves momentos. Paulo
de fato andou comigo tão de perto como nenhum outro homem, até agora. Mesmo assim, ele tam-
bém foi acossado por temores e fraquezas que não tinham vindo de mim. Eu o poderia ter livrado
de tudo isso, e ele até mesmo pediu isso muitas vezes, mas eu tinha uma razão para não o
libertar. A grande sabedoria de Paulo foi assumir a sua fraqueza, entendendo que se eu o tivesse
libertado de seus temores e fraquezas eu não poderia lhe ter confiado a revelação e o poder no
nível em que lhe dei. Paulo aprendeu a distinguir entre a sua própria fraqueza e a revelação do
Espírito. Ele sabia que quando ele era acossado pela fraqueza, ou por temores, ele não estava
vendo a partir da minha perspectiva, mas da sua. Isso fazia com que ele me buscasse, e que
dependesse de mim, cada vez mais. Ele tinha também o cuidado de não atribuir a mim o que
provinha do seu próprio coração. Portanto eu pude confiar a ele revelações que não podia dar a
outros. Paulo reconhecia a sua própria fraqueza, e conhecia a minha unção, e soube fazer distinção
entre essas duas coisas. Ele não tomou o que tinha vindo da sua mente e do seu coração como se
fosse da minha mente e do meu coração.
Intimidade com o Senhor
Fiquei conjecturando como todas estas coisas aqui se tornam tão claras, mas como muitas
vezes, mesmo depois de eu ter passado por experiências tão maravilhosas como esta, eu
esqueço-me de tudo tão facilmente. É fácil compreender e andar na luz aqui, mas lá na batalha
tudo fica nublado de novo.
Considerei ainda o fato de eu não ser tão acossado por temores, mas muito mais pela
impaciência, e pela raiva, o que é uma grande distorção do que se esperaria ser a nossa situação
por habitarmos no Espírito Santo.
Sabedoria parou e voltou-se para mim.
— Você é um vaso terreno, e isso é tudo o que você sempre será enquanto estiver andando sobre
a terra. Entretanto, você pode me ver lá com a mesma clareza com que me vê aqui, se tão somente
olhar com os olhos do seu coração. Lá você poderá ficar tão perto de mim como qualquer outro que
esteja comigo, e ainda mais. Eu providenciei para que cada um possa ficar tão perto de mim
quanto verdadeiramente deseje. Se realmente você desejar ficar mais perto de mim do que até
mesmo Paulo, você poderá. Alguns vão desejar isso, e de tal forma que porão de lado qualquer
coisa que os impeça de ter intimidade comigo e de se entregarem totalmente a mim, e eles terão o
que estiverem buscando. Se você se dispuser a andar na terra da mesma maneira como você está
podendo andar comigo aqui, eu estarei tão perto de você lá como estou aqui agora. Se você me
buscar me encontrará. Se você se aproximar de mim, eu me aproximarei de você. É meu desejo
preparar-lhe uma mesa na presença dos seus adversários? 38 Isso não é apenas o meu desejo para
com os meus líderes, mas para com todos os que invocam o meu nome. Eu quero estar bem mais
perto de você, e também de todos os que me invocam, do que me foi possível estar com todos os
que já viveram. É você quem determina quão perto estaremos, um do outro, e não eu. Todos os que
me buscarem me encontrarão.
Sabedoria disse ainda:
— Você está aqui porque pediu o meu julgamento em sua vida. Você me buscou como Juiz e
agora está me achando. Mas não pense que porque você viu o meu trono de julgamento então
todos os seus julgamentos serão os meus julgamentos. Os meus juízos você apenas os terá à
medida em que andar em unidade comigo, e buscar a unção do meu Espírito. E isso pode ser
recebido ou perdido a cada dia. Eu deixei que visse anjos, e lhe dei muitos sonhos e visões, porque
você os vivia pedindo. Eu tenho grande prazer em dar aos meus filhos toda boa dádiva que eles
pedem.39 Por muitos anos você me pediu sabedoria, de forma que a está recebendo. Você me pediu
que o julgasse e é isso que está recebendo. Mas todas essas experiências não o tornam totalmente
sábio, nem um reto juiz. Você apenas terá sabedoria e juízo se habitar em mim. Nunca pare de me
buscar. Quanto mais você amadurecer, mais saberá da sua desesperadora necessidade de mim.
Quanto mais amadurecer, menos coisas procurará esconder, de mim e dos outros, de forma que
você poderá sempre andar na luz.
O Senhor disse também:
— Você me viu como Salvador, Senhor, Sabedoria e Juiz. Ao retornar para a batalha, ainda
poderá ver o meu trono de julgamento com os olhos do seu coração. Andando na verdade de saber
que tudo o que pensa e faz se acha totalmente revelado aqui, você terá a liberdade de viver lá da
mesma forma como vive aqui. É apenas quando você se esconde, de mim e dos outros, que os véus
voltam a esconder-me de você. Eu sou a Verdade, e os que me adoram têm de me adorar em
Espírito e em Verdade.40 A Verdade nunca é encontrada escondida nas trevas, mas sempre busca
permanecer na luz. A luz a expõe e a faz manifestar-se. Somente quando procurar ser exposto, e
permitir ser conhecido quem você é em seu coração, é que você andará na luz. como eu estou na
luz. A verdadeira comunhão comigo requer uma completa exposição. A comunhão com o meu povo
requer isso também.
Continuou ele:
— Quando você estava diante do trono do julgamento sentiu mais liberdade e segurança do que
nunca, porque não teve mais que se esconder. Você sentiu mais segurança porque sabia que os
meus julgamentos eram verdadeiros e justos. A ordem moral e espiritual do meu universo é assim
tão certa como é a ordem natural estabelecida sobre as leis naturais. Você confia na minha lei da
gravidade sem nem mesmo pensar nela. Você tem de aprender a confiar nos meus julgamentos da
mesma maneira. Meus critérios de justiça são imutáveis, e de igual modo seguros. Viver conforme
esta verdade é viver pela fé. A verdadeira fé consiste em ter confiança em quem eu sou.

O Poder e o Amor
Disse mais o Senhor:
— Você procura conhecer-me e andar em meu poder de modo a curar os enfermos e realizar
milagres, mas você ainda não começou nem a compreender o poder da minha palavra. Restaurar
todos os mortos que um dia viveram sobre a terra não será esforço algum para mim. Eu preservo
todas as coisas pelo poder da minha palavra. A criação existe por causa da minha palavra, e se
mantém unida pela minha palavra. Antes do fim, vou ter que revelar o meu poder sobre a terra.
Mesmo assim, o maior poder que já revelei sobre a terra, ou que ainda vou revelar, é ainda uma
pequena demonstração do meu poder. Eu não o revelo para fazer com que os homens creiam nele,
mas para que os homens creiam no meu amor. Se eu tivesse desejado salvar o mundo com o meu
poder quando eu andava na terra, eu poderia ter movido montanhas simplesmente apontando-lhes
o meu dedo. Então todos os homens teriam se inclinado diante de mim, mas não por me amarem,
ou por amarem a verdade, mas por temerem o meu poder. Eu não quero homens que me obedeçam
por temerem o meu poder, mas por me amarem, e por amarem a verdade. Prosseguiu ele:
— Se você não conhecer o meu amor, então o meu poder vai corrompê-lo. Não lhe dou amor
para que você possa conhecer o meu amor, mas dou-lhe poder para que você conheça o meu
amor. O alvo da sua vida tem de ser o amor, e não o poder. Então lhe darei o poder junto com o
amor. Eu lhe darei o poder para curar os enfermos porque você os ama, e eu os amo, e não
desejo que fiquem enfermos. Assim, você terá primeiro que amar, e depois ter fé. Você não
poderá agradar-me sem a fé. Mas a fé não é apenas ter conhecimento do meu poder, mas é o
conhecimento do meu amor e do poder do meu amor. A fé tem que primeiro ser para se ter amor.
Busque ter fé para amar mais, e para fazer mais com o seu amor. Somente quando você buscar
ter fé para amar é que poderei confiar-lhe a você o meu poder. A fé opera mediante o amor.
Disse ainda o Senhor:
— A minha palavra é o poder que preserva todas as coisas. Segundo o grau em que você crê que
a minha palavra é verdadeira, você poderá fazer todas as coisas. Aqueles que realmente crêem
que as minhas palavras são verdadeiras também serão verdadeiros com suas próprias palavras. É
da minha natureza ser verdadeiro, e a criação confia na minha palavra porque eu sou fiel a ela.
Aqueles, que são como eu, também são verdadeiros diante de suas próprias palavras. Sua palavra
é segura, e seus compromissos são dignos de confiança. O "sim" deles significa "sim", e o "não"
deles significa "não". Se as suas palavras não forem verdadeiras, você também passará a duvidar
das minhas palavras, por haver engano em seu coração. Se você não for fiel às suas próprias
palavras, é porque você realmente não me conhece. Para ter fé, você tem que ser fiel. Eu o chamei a
andar pela fé porque eu sou fiel. Esta é a minha natureza. Por causa das palavras descuidadas
que tenha falado é que você será julgado. Ser descuidado é não cuidar de alguma coisa. As pala-
vras têm poder, e os que não têm cuidado com as palavras não podem receber o poder da minha
palavra. É sábio ser cuidadoso com o que você fala, guardando as suas palavras tal como eu faço
com as minhas.
As palavras do Senhor me atingiram como enormes ondas do mar. Senti-me como Jó diante do
redemoinho.41 Senti-me como se ficasse menor e menor, e então descobri que o Senhor estava
ficando maior. Eu nunca tinha me sentido tão presunçoso. Como pude ser tão negligente para
com Deus? Senti-me como uma formiga que olhasse para cima, para uma cadeia de montanhas.
Eu era menos do que pó, e contudo ele estava gastando tempo falando comigo. Não dava para
agüentar, e assim me virei.
Depois de alguns momentos senti uma mão tranqüilizadora tocando em meus ombros. Era
Sabedoria. A sua glória estava agora ainda maior, mas ele tinha de novo a minha altura.
— Você entendeu o que acabou de acontecer? — perguntou ele.
Sabendo muito bem que quando o Senhor faz uma pergunta ele não está buscando uma
informação, fiquei então meditando nela. Sabia que tinha sido uma realidade o que acontecera.
Em comparação com ele eu sou menos do que uma pitada de pó é em relação à terra, e por
alguma razão ele quis que eu sentisse isso. Respondendo os meus pensamentos, ele então
completou:
— O que você está pensando é verdade, mas a comparação do homem com Deus não é apenas
em dimensões. Você começou a sentir o poder das minhas palavras. Quando eu confio minhas
palavras a alguém, estou revestindo essa pessoa com poder, com o mesmo poder pelo qual o
universo é mantido unido. Não fiz. isso para fazê-lo sentir-se pequeno, mas para ajudá-lo a
entender a seriedade e o poder do que lhe foi confiado: a palavra de Deus. Em todos os seus
esforços, lembre-se de que uma única palavra de Deus para o homem tem maior valor do que todos
os tesouros da terra. Você tem que compreender e ensinar aos meus irmãos a respeitarem o valor
da minha palavra. Você, como todos os que são chamados a levar as minhas palavras, tem
também de respeitar o valor das suas próprias palavras. Os portadores da verdade têm que ser
verdadeiros.

Há Perigo no Poder
Enquanto eu o ouvia, senti-me compelido a olhar para um dos tronos ao nosso lado.
Imediatamente vi um homem que reconheci. Ele tinha sido um grande evangelista quando eu era
criança, e muitos achavam que ninguém teria tido mais poder do que ele, desde o tempo da
igreja primitiva. Eu tinha lido a respeito dele, e cheguei a ouvir algumas de suas mensagens
gravadas. Era difícil deixar de ser tocado por sua genuína humildade, e pelo amor que ele
demonstrava ter pelo Senhor e pelas pessoas. Mesmo assim, eu tinha a impressão de que alguns
de seus ensinos tinham incorrido em sérios erros. Surpreendi-me por vê-lo, mas senti-me ao
mesmo tempo aliviado por estar ele sentado num grande trono. Fui captado pela humildade e
pelo amor que ele ainda exalava.
Ao voltar-me para o Senhor para perguntar-lhe se eu poderia falar com aquele homem, era
evidente o quanto o Senhor o amava. Entretanto, o Senhor não me permitiu falar com ele, mas
com um gesto me deu a entender que continuasse andando.
— Eu queria apenas que você o visse aqui, — explicou o Senhor — e que compreendesse a
posição que ele tem comigo. Há muitas coisas para você compreender ainda quanto a ele. Ele foi
um mensageiro para a minha igreja do último dia, mas a igreja não podia ouvi-lo por razões que
você terá de compreender no devido tempo. De fato ele passou por um período de desânimo e de
engano, e sua mensagem se distorceu. Ela tem de ser reparada, como também as partes que dei a
outros, que também foram distorcidas.
Eu sabia que tudo aqui acontecia na hora certa para que eu aprendesse tudo o que tinha que
aprender, e então considerei como o fato de ter visto aquele irmão se relacionaria com o que
tínhamos acabado de falar, ou seja, com o potencial que tem o poder para corromper.
— Sim. Há um grande perigo em andar com muito poder — respondeu o Senhor. — Isso
aconteceu com muitos de meus mensageiros, e isso é parte da mensagem que eles devem dar para
a minha igreja do último dia. É para você andar no meu poder, e num poder ainda maior do que
esses tiveram, mas se você pensar que o poder é sinal de que estou dando endosso a você, ou até
mesmo à sua mensagem, você estará abrindo a porta para esse mesmo engano. O Espírito Santo é
dado para testificar apenas de mim. Se você for sábio, como Paulo, você aprenderá a gloriar-se
mais na sua fraqueza do que nas suas forças. A verdadeira fé é o verdadeiro reconhecimento de
quem eu sou. Não é nada mais nem nada menos. Mas lembre-se sempre, mesmo habitando em
minha presença, mesmo vendo-me como eu sou, ainda assim você poderá cair, se você deixar de
olhar para mim e passar a olhar para si mesmo. Foi desse modo que Lúcifer caiu. Ele vivia aqui no
céu. Ele contemplou a minha glória e a glória do meu Pai. Entretanto, ele veio a olhar para si
mesmo mais do que ele olhava para nós. Ele passou a sentir-se orgulhoso pela sua posição e pelo
seu poder.42 Isso é o que tem acontecido a muitos de meus servos a quem foi dado ver a minha
glória, e que foram revestidos de poder. Se você pensar que é por causa da sua sabedoria, da sua
retidão, ou até mesmo por causa da sua dedicação à sã doutrina, então você tropeçará..
Eu sabia que esta era a advertência mais séria que eu tinha recebido, ou de que me falaram
aqui. Eu queria voltar para lutar a batalha final, mas estava considerando questões muito
importantes para poder lutar sem me deixar cair nas armadilhas que agora me pareciam estar
por toda parte. Voltei a olhar para o Senhor. Ele era Sabedoria, e então pensei como eu iria
necessitar muito dele como Sabedoria, quando retornasse para a batalha.
— É importante que você perca a confiança em si mesmo. Eu não posso confiar-lhe os poderes da
era futura se isso não acontecer. Quanto mais confiança em relação a si mesmo você perder, de
mais poder eu lhe poderei revestir, se...
Esperei por um bom tempo que o Senhor completasse o que ele dizia, mas ele não completou.
De alguma maneira ele queria que eu continuasse a sentença, mas eu não sabia o que dizer.
Entretanto, quanto mais eu olhava para ele, mais confiança eu sentia. Finalmente soube o que
dizer.
—... se eu puser toda a minha confiança em ti — acrescentei.
— Sim. Você tem que ter fé para fazer o que você é chamado a fazer, mas tem que ser fé em mim.
Não basta você apenas perder a confiança em si mesmo. Isso somente leva à insegurança, se você
não preencher o vazio com uma confiança em mim. Foi desse modo que muitos desses homens
caíram em engano. Muitos deles eram profetas. Mas alguns deles, por causa da insegurança, não
se deixaram ser chamados de profetas. Mas isso não era verdade, porque eles eram profetas.
Falsa humildade é também uma forma de engano. O inimigo, podendo enganá-los desse modo,
fazendo-os pensar que não são profetas, ele também poderá enganá-los fazendo-os pensar que
são profetas maiores do que na realidade são, e isso por simplesmente nutrir neles sua própria
autoconfiança. A falsa humildade não eliminará o orgulho. É apenas uma outra forma de
egocentrismo, que o inimigo tem então o direito de explorar.
E ele então concluiu:
— Todos os seus fracassos serão decorrentes de apenas uma coisa: do seu egocentrismo. O
único modo de se libertar disso é andar em amor. O amor não busca o que é seu.43
Ao pensar eu sobre tudo isso, uma maravilhosa clareza foi surgindo. Eu podia ver toda a
experiência por que passava, do princípio ao fim, tendo como foco esta única e simples men-
sagem.
— Com que facilidade eu me deixo enganar, desviando-me da simplicidade da devoção a ti —
lamentei.
Então o Senhor parou e olhou-me com uma expressão que peço a Deus que dela nunca venha
a esquecer. Ele sorriu. Neste momento eu não queria abusar, mas de alguma maneira senti que,
por ter ele sorrido daquele modo, eu poderia pedir-lhe qualquer coisa que ele me daria, e assim
aproveitei esta oportunidade.
— Senhor, quando disseste: "Haja luz", então houve luz. Tu oraste em João 17 para que nós o
amássemos com o mesmo amor que o Pai tinha para contigo. Será que o Senhor poderia dizer
para mim, agora, "que haja amor em você", de forma que assim eu venha a amar-te com o amor
do Pai?
Ele não parou de sorrir, mas pôs seu braço em minhas costas como um amigo.
— Isso eu disse para você antes da criação do mundo, quando o chamei. Disse a mesma coisa
também para os seus irmãos, com quem você vai lutar a batalha final. Você vai conhecer o amor do
meu Pai por mim. É um perfeito amor que eliminará todos os seus temores. Este amor vai capacitá-
lo a crer em mim de forma a lhe possibilitar fazer as obras que eu fiz, e obras ainda maiores,
porque eu estou com o meu Pai; e você conhecerá o amor do Pai para comigo, e as obras que você
poderá realizar me glorificarão. Mas, porque você me pediu, eu digo de novo: "que o amor do Pai
esteja em você".
Senti-me por demais gratificado pelo que me acabava de acontecer.
— Como aprecio os teus julgamentos — disse, ao mesmo tempo em que comecei a virar-me
para trás, querendo voltar a minha visão para o trono do julgamento. O Senhor, porém, me
barrou.
— Não olhe para trás. Para você eu não estou lá agora; estou aqui. Vou levá-lo de volta deste
lugar para o seu posto na batalha, mas não olhe para trás. Veja o meu trono de julgamento em seu
coração, porque é ali que ele se encontra agora.
"Da mesma forma que o Jardim, e que os tesouros da salvação..." — pensei comigo mesmo.
— Sim. Tudo que eu estou fazendo, estou fazendo em seu coração. É de onde fluem as correntes
de água viva.44 É ali que eu estou.
Ele então fez um gesto apontando-me, de forma que olhei para mim mesmo, puxando para trás
o manto da humildade. Fiquei pasmado com o que vi. A minha armadura continha a mesma
glória que o cercava. Rapidamente eu a cobri de novo com aquela capa.
— Também orei a meu Pai na noite anterior à minha crucificação, que a glória que eu tinha com
ele no princípio viesse para os meus, de forma a serem todos um.45 É a minha glória que traz. a
unidade. Quando você se unir com outros que me amam, a minha glória será aumentada. Quanto
mais a minha glória aumentar pela união entre todos os que me amam, mais o mundo verá que eu
fui enviado pelo Pai. Agora o mundo realmente saberá que vocês são meus discípulos por vocês me
amarem, e por amarem uns aos outros.
Fiquei olhando para ele, e então a minha confiança continuou a crescer. Era como se eu
estivesse sendo lavado em meu interior. Em pouco tempo senti-me pronto para fazer qualquer
coisa que ele me solicitasse.
— Há ainda mais uma pessoa com quem você terá de encontrar-se, antes de voltar para a
batalha — disse ele enquanto caminhávamos.
Enquanto andávamos, eu continuei maravilhado por ver como ele tinha ficado muito mais
glorioso do que bem pouco tempo antes.
— Toda vez que você me vê com os olhos do seu coração, a sua mente é renovada um pouco mais
— continuou ele. — Um dia você terá condições de estar na minha presença continuamente.
Quando isso acontecer, tudo o que você tiver aprendido por meio do meu Espírito lhe estará
totalmente disponível, e eu estarei pronto para servi-lo.
Eu podia ouvir tudo o que ele dizia, e compreendia tudo, mas eu estava tão tomado por sua
glória que não pude deixar de lhe perguntar:
— Senhor, por que tu estás tão mais glorioso agora do que das outras vezes em que tu
apareceste a mim como Sabedoria?
— Não fui eu que mudei, eu nunca mudo; mas foi você que mudou. Você mudou ao contemplar a
minha glória com um rosto sem véus. As situações pelas quais você tem passado removeram véus
da sua face, fazendo com que você me veja com mais clareza, mas nada os remove tão depressa
quanto ver o meu amor.

O Encontro com Ângelo


Então ele parou e voltou-se para olhar para os que estavam nos tronos próximos de nós. Ainda
nos encontrávamos no lugar onde os reis de posição mais elevada se sentavam. Reconheci então
ali um homem que estava por perto.
— Meu senhor, creio conhecê-lo de algum lugar, mas não me recordo de onde.
— Certa vez você me viu numa visão — respondeu ele.
Imediatamente então me lembrei, e fiquei chocado!
— Quer dizer que o senhor era uma pessoa real?
— Sim — respondeu.
Então me veio à memória o dia em que, quando eu era um jovem cristão, eu tinha me frustrado
por causa de certos acontecimentos em minha vida. Eu tinha ido até o meio de um enorme
parque nas redondezas do meu apartamento, disposto a esperar até que o Senhor falasse
comigo. Enquanto lia a minha Bíblia, fui tomado por uma visão, uma das primeiras que eu tive.
Na visão vi um homem que com muito zelo servia ao Senhor. Ele estava sempre dando
testemunho de sua fé para as pessoas, ensinava, e visitava os doentes para orar por eles. Ele era
muito zeloso em relação ao Senhor, e tinha um genuíno amor pelas pessoas. Então vi um outro
homem que só podia ser um vagabundo, um desabrigado. Um gatinho foi de encontro a ele em
seu caminho e ele fez menção de que ia chutá-lo, mas conteve-se; contudo com o pé empurrou-o
com certa rispidez para fora do seu caminho. Então o Senhor me perguntou qual desses dois
homens o agradava mais.
— O primeiro — disse eu, sem hesitação.
— Não, — disse ele — quem mais me agradava era o segundo.
E o Senhor passou então a contar-me a história de cada um deles.
O primeiro homem tinha sido criado numa maravilhosa família, que sempre conhecera o
Senhor. Ele cresceu freqüentando uma próspera igreja, e depois cursou um dos melhores
seminários bíblicos. A ele tinham sido dados cem porções do amor do Senhor, mas ele estava
usando apenas setenta e cinco.
O segundo homem nascera surdo. Ele foi abusado e posto num sótão escuro e frio até que foi
encontrado pelas autoridades quando tinha oito anos. Ele passou então de uma instituição para
outra onde os abusos continuaram. Finalmente ele foi despejado na rua. Para vencer tudo isso o
Senhor lhe havia dado apenas três porções do seu amor, mas ele fez uso de tudo o que tinha
recebido para vencer a raiva em seu coração, deixando de machucar o gatinho.
Agora eu olhei para aquele homem; ele era um rei assentado num trono muito mais glorioso do
que até mesmo Salomão poderia ter imaginado. Hostes de anjos estavam de prontidão ao seu
redor para fazer o que ele ordenasse. Voltei-me para o Senhor em temor. Eu ainda não conseguia
acreditar que ele era um homem real, e muito menos que era um dos grandes reis.
— Senhor, conta-me, eu te peço, o resto da história desse homem — supliquei.
— Pois não, é para isso que estamos aqui. Ângelo era tão fiel com o pouquinho que eu lhe havia
dado que lhe dei três porções adicionais do meu amor. Então ele as usou para deixar de furtar. Ele
quase morreu de fome, mas recusou-se a tomar qualquer coisa que não lhe pertencesse. Ele
comprava o que comer com o dinheiro que ganhava pegando garrafas, e às vezes por encontrar
alguém que lhe dava trabalho de jardinagem para fazer. Ele não ouvia, mas tinha aprendido a ler,
e assim lhe enviei um folheto evangelístico. Quando o leu, o Espírito abriu o seu coração, e ele me
deu a sua vida. De novo dobrei as porções do meu amor e fielmente ele as usou todas. Ele se
dispôs a me compartilhar com outras pessoas, mas ele não falava. Muito embora vivesse em tal
estado de pobreza, passou a gastar mais da metade do que ele ganhava com folhetos
evangelísticos, que ele distribuía pelas esquinas.
— Quantos ele levou ao Senhor? — perguntei, achando que deveriam ter sido multidões, para
que ele viesse a assentar-se com os reis.
— Apenas uma pessoa — respondeu o Senhor. Para encorajá-lo, permiti que ele me levasse um
alcoólatra que estava morrendo. Isso incentivou-o tanto que ele teria permanecido naquela esquina
por muitos anos mais, apenas para levar mais uma alma ao arrependimento. Mas todo o céu
estava me suplicando para trazê-lo para cá, e eu, também, queria que ele recebesse o seu
galardão.
— Mas o que fez ele então para tornar-se um rei? — perguntei.
— Ele foi fiel com tudo o que lhe foi dado, ele venceu tudo até que se tornou como eu, e morreu
como um mártir.
— Mas como ele venceu, e como foi ele martirizado?
— Ele venceu o mundo com o meu amor. Bem poucos foram os que venceram tanto com tão
pouco. Muitos que fazem parte do meu povo vivem em casas que seriam invejadas por reis de um
século atrás, apenas por questão de conveniência, mas não as apreciando, ao passo que Ângelo de
tal forma se alegrava com uma caixa de papelão numa noite fria que ele a transformava num
glorioso templo da minha presença. Ele passou a amar a todos e a tudo. Ele se alegrava mais com
uma maçã do que parte do meu povo se alegra com uma grande festa. Ele foi fiel com tudo que lhe
dei, embora não tenha sido muito, em comparação ao que outros receberam, inclusive você. Eu o
mostrei a você numa visão porque você passou por ele muitas vezes. Você chegou até mesmo a
apontá-lo para um de seus amigos, e falou a respeito dele.
— Falei? O que foi que eu disse?
— Você disse: "Eis aí mais um desses Elias que deve ter escapado da rodoviária." Você disse que
ele era um desses "tipos religiosos" que são enviados pelo inimigo para desviar as pessoas do
evangelho.
Este foi o golpe mais duro que até então eu tinha recebido em todas as situações que eu tinha
enfrentado. Eu fiquei mais do que chocado. Eu estava horrorizado. Procurei lembrar-me
especificamente daquele incidente, mas não pude, mesmo porque tinha havido muitos outros
casos em minha vida que lhe eram semelhantes. Eu nunca tinha tido muita compaixão por
pregadores maltrapilhos que me pareciam terem sido especificamente enviados para desviar as
pessoas do evangelho.
— Peço-te perdão, Senhor. Sinto muito mesmo pelo que fiz.
— Você está perdoado — respondeu-me ele depressa. — E você tem certa razão. Há muitos que
ficam pregando o evangelho nas ruas com intenções erradas, até mesmo pervertidas. Mesmo
assim, muitos há que são sinceros, mesmo não tendo tido nenhum preparo, mesmo não tendo
escolaridade. Não julgue pelas aparências. Há tantos servos verdadeiros que têm a mesma
aparência deste quanto há entre os refinados profissionais nas grandes catedrais e nas grandes
organizações que os homens construíram em meu Nome.
Então ele me fez um sinal para que olhasse para Ângelo. Quando olhei, ele tinha descido os
degraus do seu trono e estava bem à minha frente. Ele abriu os braços e me deu então um forte
abraço, e beijou a minha testa como um pai. Amor foi despejado sobre mim e dentro de mim a
tal ponto que senti que iria sobrecarregar o meu sistema nervoso. Quando finalmente ele se
afastou de mim eu fiquei cambaleando como se estivesse bêbado, mas era algo maravilhoso o
que eu estava sentindo. Era amor dum modo como eu nunca tinha experimentado.
— Ele poderia ter lhe transmitido isso na terra — prosseguiu o Senhor. — Ele tinha muito o que
dar ao meu povo, mas ninguém se aproximava dele. Até mesmo meus profetas o evitavam. Ele
cresceu na fé por ter comprado uma Bíblia e alguns livros que ele não parava de ler. Ele tentou ir a
igrejas, mas não encontrou nenhuma que o recebesse. Se o tivessem recebido, eles teriam recebido
a mim. Ele foi a minha batida na porta deles.
Eu estava aprendendo uma nova definição do que é sentir um pesar.
— Como foi que ele morreu? — perguntei, lembrando-me de que ele tinha sido um mártir, e
achando que quem sabe até mesmo eu tivesse me envolvido nisso.
— Ele morreu de frio tentando manter vivo um velho que tinha desmaiado sobre o gelo do
inverno.
Olhei para Ângelo e simplesmente não pude acreditar quão duro o meu coração era. Mesmo
assim, não entendi como aquilo o tinha tornado um mártir, pois pensava que mártir seria um
título reservado apenas para os que tinham morrido por não negarem o seu testemunho.
— Senhor, sei que ele é verdadeiramente um vencedor — observei. — E que é plenamente justo
ele estar aqui. Mas os que morrem do jeito que ele morreu são todos considerados mártires?
— Ângelo foi um mártir em todos os dias em que viveu. Ele fazia para si mesmo o que bastasse
para mantê-lo vivo, e com alegria ele sacrificou a sua vida para salvar um amigo necessitado.
Como Paulo escreveu aos coríntios, mesmo que você dê o seu corpo para ser queimado, mas se não
tiver amor, isso nada valerá.46 Mas, quando você se der com amor, isso vai valer muito. Ângelo
morreu a cada dia porque ele não vivia para si mesmo, mas para os outros. Enquanto na terra ele
considerava a si mesmo o menor dos santos, mas ele foi um dos maiores. Como você já aprendeu,
muitos dos que se consideram, e que são considerados por outros como o maior de todos, acabam
sendo o menor de todos aqui. Ângelo não morreu por uma doutrina, ou até mesmo por causa do
seu testemunho, mas ele morreu mesmo por mim.
— Senhor, peço-te que me faças lembrar de tudo isso. Não me deixes esquecer-me de nada do
que estou vendo aqui, quando eu retornar — implorei-lhe.
— É por isso que eu estou aqui com você, e eu estarei quando você retornar. Sabedoria é ver com
os meus olhos, e não julgar pelas aparências. Eu lhe mostrei Ângelo numa visão para que você o
reconhecesse quando passasse por ele pela rua. Se você tivesse compartilhado com ele o
conhecimento que você tinha recebido quanto ao passado dele, que lhe mostrei na visão, ele teria
dado a sua vida para mim então. Você teria então a oportunidade de discipular esse grande rei, e
ele teria causado um grande impacto em minha igreja. Se o meu povo olhasse as pessoas como eu
as vejo, Ângelo e muitos outros como ele teriam sido reconhecidos. Eles se exibiriam nos maiores
púlpitos, e o meu povo viria dos fins da terra para sentar-se aos pés deles, porque ao fazerem isso
eles estariam sentando-se a meus pés. Ângelo lhe teria ensinado como amar, e como investir os
dons que eu dei a você, deforma a produzir muito mais frutos.
Tanta era a minha vergonha que eu não queria nem mesmo olhar para o Senhor, mas
finalmente me virei para ele ao sentir a dor que me levava para o egocentrismo de novo. Quando
olhei para ele fiquei virtualmente cego por sua glória. Levou algum tempo, mas gradualmente
meus olhos se ajustaram, de modo que pude vê-lo.
— Lembre-se de que você foi perdoado — disse ele. — Não estou lhe mostrando tudo isso para
condená-lo, mas para ensiná-lo. Lembre-se sempre de que a compaixão removerá os véus da sua
alma mais rapidamente do que qualquer outra coisa.
Quando começamos a caminhar de novo, foi Ângelo quem falou:
— Por favor, lembre-se dos meus amigos, os desabrigados. Muitos deles amarão o nosso
Salvador se forem alcançados por alguém.
Suas palavras tinham tanto poder em si mesmas que eu fui compelido a responder, e assim
disse que sim com a minha cabeça. Eu sabia que aquelas palavras eram o decreto de um grande
rei, e de um grande amigo do Rei dos reis.
— Senhor, me ajudarás a socorrer os desabrigados?
— Ajudarei a quem quer que os ajude — respondeu ele. — Quando você amar aqueles a quem eu
amo você sempre conhecerá o meu amor. As pessoas receberão o Consolador segundo a medida do
amor que tiverem. Muitas vezes você pediu mais da minha unção; e é dessa forma que você a
receberá.47 Ame aqueles que eu amo. Ao amá-los, você estará amando-me. Ao dar qualquer coisa a
eles, você estará dando a mim, e eu retribuirei, dando-lhe muito mais.
Na minha mente veio então a imagem da minha boa casa e de todas as demais coisas que eu
possuo. Eu não sou uma pessoa rica, mas pelos padrões do mundo eu sabia que vivia muito
melhor do que reis de um século atrás. Nunca linha sentido culpa alguma pela minha situação,
mas agora eu senti. De alguma forma era um bom sentimento, mas ao mesmo tempo não me
parecia certo. De novo olhei para o Senhor, sabendo que ele me ajudaria.
— Lembre-se do que lhe disse sobre como a minha perfeita lei do amor tornou a luz. distinta das
trevas. Quando vem à nossa mente uma confusão, tal como esta que você está sentindo agora,
você sabe que o que você está sentindo não é a minha perfeita lei do amor. Eu tenho prazer em dar
à minha família boas dádivas,48 da mesma forma como acontece com você em relação a seus
familiares. Eu quero que vocês desfrutem delas e as apreciem. Vocês apenas não deverão adorá-
las; compartilhem essas dádivas com os outros, liberalmente, quando eu os chamar a fazer isso.
Eu poderia acenar a minha mão e remover instantaneamente toda a pobreza da terra. Haverá um
dia de acerto de contas, quando as montanhas e os lugares elevados serão postos para baixo, e os
pobres e oprimidos serão levantados, mas eu devo fazê-lo. A compaixão humana é tão contrária a
mim como o é a opressão humana. A compaixão humana é usada como um substituto ao poder da
cruz. Não chamei vocês para o sacrifício, mas para a obediência. Algumas vezes vocês terão que
sacrificar para obedecer-me, mas se o seu sacrifício não for feito em obediência, ele nos separará.
O Senhor continuou, voltando-se para mim:
— Você se sente culpado por causa do modo com que erradamente julgou e tratou este grande
rei, quando ele era um servo meu na terra. A ninguém vocês devem julgar, sem primeiro me
consultar. Você deixou de ter muitos encontros que eu tinha preparado para você, não pode nem
imaginar quantos, simplesmente porque não foi sensível à minha voz. Entretanto, não lhe mostrei
tudo isso para fazer com que você se sentisse culpado, mas para levá-lo ao arrependimento, para
que assim daqui para a frente não mais os ignore. Se você reagir fazendo coisas para compensar a
sua culpa, isso é uma afronta à minha cruz. Apenas a cruz é que pode remover a sua culpa, e pelo
fato de eu ter ido à cruz. para removê-la, tudo o que venha a ser feito, com esta motivação, não é
feito para mim.
— Não tenho alegria nenhuma ao ver os homens sofrendo, — Sabedoria continuou — mas a
compaixão humana não levará as pessoas até a cruz, que é a única coisa que pode libertá-las
realmente do sofrimento. Você desconsiderou Ângelo porque você não estava andando com
compaixão. Você terá mais compaixão quando retornar, mas ela terá que estar sujeita ao meu
Espírito. Até mesmo eu não curei todos por quem tive compaixão, mas apenas fiz. o que vi meu Pai
fazendo. Não faça nada com base na compaixão, mas sim com base na obediência ao meu
Espírito. Somente então é que a sua compaixão terá o poder redentor.
Finalmente, completou ele:
— Confiei-lhe os dons do meu Espírito. Você conheceu a minha unção em sua pregação e no que
escreveu, mas a conheceu muito menos do que imagina. São poucas as vezes que você vê com os
meus olhos, ou ouve com os meus ouvidos, ou compreende com o meu coração. Sem mim você nada
pode fazer em benefício do meu reino, ou que promova o meu evangelho. Você lutou em minhas
batalhas, e chegou a ver o topo da minha montanha. Você aprendeu a desferir flechas da verdade
e atingir o inimigo. Você aprendeu um pouco quanto ao uso da minha espada. Mas o amor é a
minha maior arma. O amor nunca falha. O amor será o poder que destruirá as obras do diabo. E o
amor trará o meu reino. O amor é a bandeira do meu exército. Debaixo desta bandeira é que agora
deve você lutar.
Tendo ele dito isso, entramos num corredor e não estávamos mais no grande salão do
julgamento. A glória de Sabedoria cercava-me completamente, mas eu não o via mais nitida-
mente. De repente cheguei a uma porta. Voltei-me porque não queria sair dali, mas
imediatamente eu soube que tinha que passar por ela. Esta era a porta à qual Sabedoria me
tinha conduzido. Eu tinha que passar por ela.

Continua...

(A seqüência desta visão é apresentada no livro: O Chamado para a batalha final, publicado por
esta mesma editora.)
Notas

1 "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim."


2 "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Co 10:12).
3"Há, todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia é
como mil anos, e mil anos, como um dia" (2 Pe 3:8).
4 "Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não
virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei" (João 16:7).
5 "Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? (1 Co 3:16).
6"Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o
que é incomparavelmente melhor" (Fp 1:23).
7 Provérbios 9:10.
8 Cf. 2 Coríntios 12:2.
9 Ver Eclesiastes 3:1 ss.
10"Entrai por suas portas com ações de graças e nos seus átrios, com hinos de louvor" (Sl
100:4).
11 Cf. Lucas 23:43.
12 "Ele respondeu: Não temas, porque mais são os que estão conosco do que os que estão com
eles. Orou Eliseu e disse: SENHOR, peço-te que lhe abras os olhos para que veja. O SENHOR abriu
os olhos do moço, e ele viu que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de
Eliseu" (2 Reis 6:16-17).
13 1 Coríntios 10:12.
14 "Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes" (Tiago 4:6).
15 Capítulos 10 e 11 de 2 Coríntios.
16 Marcos 8:35.
17 "Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas,
desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com
perseverança, a carreira que nos está proposta" (Hebreus 12:1).
18 Mateus 25:11.
19"A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o
evangelho das insondáveis riquezas de Cristo" (Efésios 3:8).
20"Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os
pecadores, dos quais eu sou o principal" (1 Timóteo 1:15).
21 "No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo" (1 João 4:18).
22 Ver Salmo 105:15.
23 2 Coríntios 11:14.
24 Cf. 2 Timóteo 2:15.
25 Mateus 18:12ss; Lucas 15:4ss.
26 Ver Apocalipse 1:14.
27 Cf. 2 Coríntios 12:2-4.
28 "Não sabemos orar como convém..." (Romanos 8:26).
29 Ver Gênesis 3:8.
30 "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." (João 8:36).
31 Ver Josué 5:13-14.
32 Ver João 9:39,41.
33 Cf. Atos 9:8.
34 Cf. 1 Timóteo 1:15.
35 Mateus 20:16.
36 Lucas 12:48.
37 Cf. Lucas 24:30-31.
38 Salmo 23:5.
39 "Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso
Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem7" ( Mateus 7:11).
40 Ver João 14:6; João 4:24.
41 Ver Jó 38:1.
42 Ver Ezequiel 28:17.
43"(o amor)... não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se
exaspera, não se ressente do mal" (1 Coríntios 13:5).
44 Ver João 7:38.
45 Ver João 17:20-22.
46 1 Coríntios 13:3.
47 Ver Isaías 58:10.
48 Tiago 1:17.

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