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m ó d u l o

Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

introdução

cognitiva
à terapia
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Depressão


Terapia Cognitiva e Suicídio
Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
Bases Históricas Em 1977, é lançado o Journal of Cognitive
da Terapia Cognitiva Therapy and Research, o primeiro periódico
Na década de 1950, nos Estados Unidos, os a tratar de Terapia Cognitiva. Em 1985, a
princípios Piagetianos da Epistemotologia palavra “cognição” passa a ser aceita em
Genética e do Construtivismo eram publicações da AABT, Association for the
conhecidos no mundo acadêmico, bem Advancement of Behavior Therapy. Em
como a Psicologia dos Construtos Pessoais 1986 Beck é aceito como membro da
de Kelly. Além disso, devido à emergência mesma AABT. E em 1987, ou seja, apenas
das ciências cognitivas, o contexto dois anos após a AABT aceitar a inclusão
da época já sinalizava uma transição da palavra “cognição” em suas publicações,
generalizada para a perspectiva cognitiva de em uma pesquisa realizada entre membros
processamento de informação, com clínicos da AABT, 69% se identificaram como tendo
defendendo uma abordagem mais cognitiva uma orientação cognitivo-comportamental.
aos transtornos emocionais. Observou-se Estava, portanto, inaugurada a era cognitiva
nessa época uma rara convergência entre na área da psicoterapia, a partir de fatos
psicanalistas e behavioristas em um ponto: que convergiram de forma decisiva para a
sua insatisfação com os próprios modelos emergência de uma perspectiva cognitiva,
de depressão, respectivamente, o modelo que se refletiu na proposição da Terapia
psicanalítico da raiva retroflexa e o modelo Cognitiva como um sistema de psicoterapia,
behaviorista do condicionamento operante. baseado em modelos próprios de
Clínicos apontavam para a validade funcionamento humano e de psicopatologia.
questionável desses modelos como modelos
de depressão clínica.
Aaron Beck
Em decorrência, observou-se nas décadas
de 1960 e 1970 um afastamento da Mas quem é Aaron Beck, o criador da
psicanálise e do behaviorismo radical por Terapia Cognitiva? Beck nasceu em 1921.
vários de seus adeptos. Em 1962, Ellis, Graduou-se em 1942 em Inglês e Ciências
propôs sua Rational Emotive Therapy, Políticas pela Brown University, seguindo
ou Terapia Racional Emotiva, a primeira para a Escola de Medicina da Universidade
psicoterapia contemporânea com clara de Yale, onde completou sua Residência
ênfase cognitiva, tomando os construtos em Neurologia. Em 1953, certificou-se
cognitivos como base dos transtornos em Psiquiatria, e, em 1954, tornou-se
psicológicos. Behavioristas como Bandura, Professor de Psiquiatria da Escola de
Mahoney e Meichembaum publicaram Medicina da Universidade da Pennsylvania
importantes obras em que apontavam em Philadelphia. Nos anos 60, criou e
os processos cognitivos como cruciais na dirigiu o Centro de Terapia Cognitiva da
aquisição e regulação do comportamento, Universidade da Pennsylvania. Em 1995,
propondo a cognição como construto afastou-se do Centro, fundando com sua
mediacional entre o ambiente e o filha Judy Beck o Beck Institute, em Bala
comportamento, bem como estratégias Cynwid, um subúrbio de Philadelphia.
cognitivas e comportamentais para Em 1996, retornou à Universidade da
intervenção sobre variáveis cognitivas. Pennsylvania como Professor Emérito,
Martin Seligman, na mesma época, propôs com um grande financiamento do NIMH
sua Teoria do Desamparo Aprendido, uma – National Institute of Mental Health
teoria essencialmente cognitiva, e suas dos Estados Unidos. Além disso, vem
revisões, como relevante para processos recebendo inúmeros prêmios e honrarias
psicológicos na depressão. de instituições ao redor de todo o mundo.
A Emergência da Terapia Cognitiva indivíduo contra si, o ambiente e o futuro.
Inicialmente, Beck propôs o modelo Com base em suas observações clínicas
cognitivo de depressão, que evoluindo, e experimentos empíricos, Beck propôs
resultou em um novo sistema de sua teoria cognitiva da depressão. A
psicoterapia, que seria chamado de Terapia negatividade geral expressa pelos pacientes
Cognitiva. Fundamentalmente, a influência não era um sintoma de sua depressão, mas
mais importante, e a que deu origem à antes desempenhava uma função central
Terapia Cognitiva, foram os experimentos e na instalação e manutenção da depressão.
observações clínicas do próprio Beck. Além disso, depressivos sistematicamente
Na área de seus experimentos, Beck distorciam a realidade, aplicando um
inicialmente explorou empiricamente o viés negativo em seu processamento de
modelo psicanalítico da depressão como informação. Beck aponta a cognição, e
agressão retroflexa, ou seja, uma agressão não a emoção, como o fator essencial na
do indivíduo contra ele próprio em uma depressão, conceituando-a, portanto, como
tentativa de auto-punição. Através de um transtorno de pensamento e não um
estudos de exploração do conteúdo dos transtorno emocional. Propôs a hipótese
sonhos e de manipulação de humor e de vulnerabilidade cognitiva, como a pedra
desempenho com depressivos, reuniu dados fundamental do novo modelo de depressão,
que contrariaram o modelo motivacional da e a noção de esquemas cognitivos.
psicanálise, e apontaram para a depressão Em 1967, Beck publicou sua primeira
como refletindo simplesmente padrões obra importante, “Depressão: Causas e
negativos de processamento de informação. Tratamento” (1967), à qual seguiu-se uma
Nessa época, Beck e colaboradores série contínua de publicações expressivas
desenvolveram o Beck Depression como “Terapia Cognitiva dos Transtornos
Inventory, medida que se tornaria a escala Emocionais” (1976), obra na qual a terapia
de depressão mais amplamente utilizada cognitiva já é apresentada como um novo
em pesquisa em todo o mundo. A atual sistema de psicoterapia, “Terapia Cognitiva
versão revisada do inventário foi publicada da Depressão” (1979), a obra mais citada
em 1996 (BDI-II), mas não está validada na literatura especializada, além de outras
em Português. obras importantes, em que Beck e seus
Na área de suas observações clínicas, estas colaboradores desenvolvem e expandem os
indicavam direções semelhantes. Beck limites da Terapia Cognitiva, aplicada a uma
observou que, durante a livre-associação, ampla gama de transtornos.
pacientes não estavam relatando um
fluxo de pensamentos automáticos, pré- Características Básicas
conscientes, rápidos, específicos, em um As principais características da
auto-diálogo ininterrupto. Investigando, Terapia Cognitiva, como um sistema de
notou que tais fluxos de pensamentos psicoterapia, são:
eram fundamentais para a conceituação
do transtorno dos pacientes. Funcionavam  Constitui um sistema de psicoterapia
como uma variável mediacional entre integrado. Combina o modelo cognitivo
a ideação do paciente e sua resposta de personalidade e de psicopatologia
emocional e comportamental. Além a um modelo aplicado, que reúne um
disso, no caso dos pacientes depressivos, conjunto de princípios, técnicas e
esses pensamentos expressavam uma estratégias terapêuticas fundamentado
negatividade, ou pessimismo, geral do diretamente em seu modelo teórico.
Conta, ainda, com comprovação empírica ele possa desempenhar seu papel
através de um volume respeitável de como colaborador ativo. Envolve uma
estudos controlados de eficácia. Em relação genuína entre terapeuta
outras palavras, satisfaz os critérios e paciente, baseada em empatia
básicos que lhe conferem o status de terapêutica, em que o terapeuta é
sistema de psicoterapia. amigável, caloroso e genuíno.
 Demonstra aplicabilidade eficaz, segundo  As sessões, bem como o processo
estudos controlados, em várias áreas: terapêutico, são semi-estruturadas,
na área tradicional da Psicologia Clínica, envolvendo tarefas entre as sessões.
em que TC é aplicada à depressão, aos É focal, requerendo uma definição
transtornos de ansiedade (ansiedade concreta e específica dos problemas do
generalizada, fobias, pânico, hipocondria, paciente e das metas terapêuticas.
transtorno obsessivo-compulsivo), à
 Tem um caráter didático, em que o
dependência química, aos transtornos
objetivo não é unicamente ajudar o
alimentares, aos transtornos de stress
paciente com seus problemas, mas dotá-
pós-traumático, aos transtornos de
lo de um novo instrumental cognitivo
personalidade, à terapia com casais e
e comportamental, através de prática
em grupo etc., com adultos, crianças
regular, a fim de que ele possa perceber
e adolescentes. A Terapia Cognitiva
e responder ao real de forma funcional,
padrão, reunindo técnicas e estratégias
sendo o funcional definido como aquilo
terapêuticas destinadas à realização
que concorre para a realização de suas
de seus objetivos básicos, é modificada
metas. Nesse sentido, as intervenções
para aplicação a diferentes áreas de
são explícitas, envolvendo feedback
especialidade, refletindo modelos teóricos
recíproco entre o terapeuta e o paciente.
e aplicados particulares para cada
É um processo terapêutico de tempo
classe de transtorno.
curto e limitado, podendo sua aplicação
 Aplica-se ainda às áreas de educação, variar entre aproximadamente 12 e
esportes e organizações, sendo também 24 sessões, tornando-a apropriada
utilizada com sucesso como coadjuvante ao contexto socioeconômico atual, e
no tratamento de distúrbios orgânicos, possibilitando sua utilização pelo sistema
área em que conta com um grande de saúde público, bem como pelos
volume de estudos científicos. E, no convênios e seguros de saúde.
caso particular das psicoses, as
 Mostra-se eficaz para diferentes
publicações se avolumam nas áreas
populações, independentemente de
de esquizofrenia e transtorno bipolar,
cultura e níveis socioeconômico e
indicando resultados encorajadores.
educacional (Serra et al., 2001).
Representa um processo terapêutico
diretivo e semi-estruturado, orientado à A reunião de todas essas características
resolução de problemas. É colaborativa, seguramente nos permite afirmar que a
ou seja, reflete um processo em Terapia Cognitiva representa uma mudança
que ambos, terapeuta e paciente, de paradigma no campo das psicoterapias.
têm um papel ativo e estabelecem Entretanto, a Terapia Cognitiva parece fácil,
colaborativamente metas terapêuticas, mas não é! A média de trainees que se
as agendas de cada sessão, tarefas tornam proficientes em Terapia Cognitiva
entre sessões etc. Requer a socialização após o primeiro ano de treinamento em
do paciente ao modelo, a fim de que centros internacionais é de apenas 25%,
índice que tende a aumentar a O Princípio Básico da
medida que se prolonga o tempo de Terapia Cognitiva e o Modelo
treinamento, apontando para a Cognitivo de Psicopatologia
relevância do treinamento adequado. O princípio básico da Terapia Cognitiva pode
Recomenda-se, portanto, treinamento ser resumido da seguinte forma: nossas
extenso e formal, com instrutores respostas emocionais e comportamentais,
capacitados na área específica da bem como nossa motivação, não são
Terapia Cognitiva, e supervisão clínica influenciadas diretamente por situações,
prolongada, até que o terapeuta esteja mas sim pela forma como processamos
apto a atender independentemente. essas situações, em outras palavras,
pelas interpretações que fazemos dessas
Intervenção Clínica situações, por nossa representação
em Terapia Cognitiva dessas situações, ou pelo significado
Destacamos diversas fases. Na primeira, que atribuímos a elas. As nossas
enfatiza-se a definição da estratégia de interpretações, representações ou
intervenção, ou seja, a conceituação atribuições de significado, por sua vez,
cognitiva do paciente e de seus problemas, refletem-se no conteúdo de nossos
a definição de metas terapêuticas e do pensamentos automáticos, contidos em
planejamento do processo de intervenção. vários fluxos paralelos de processamento
Na segunda fase, o terapeuta objetiva a cognitivo que ocorrem em nível pré-
normalização das emoções do paciente, consciente. O conteúdo de nossos
a fim de promover a motivação do pensamentos automáticos, pré-conscientes,
paciente para o trabalho terapêutico e sua reflete a ativação de estruturas básicas
vinculação ao processo. Nesse sentido, inconscientes, os esquemas e crenças, e o
o terapeuta prioriza o que podemos significado atribuído pelo sujeito ao real. Um
chamar de intervenção em nível funcional, exemplo simples para ilustrar esse princípio:
concentrando-se no desafio de cognições suponhamos que nos encontremos
disfuncionais, iniciando os primeiros casualmente com um amigo que não nos
esforços em resolução de problemas, cumprimenta. Se pensarmos “ele não
e encorajando o desenvolvimento, pelo quer mais ser meu amigo”, nossa emoção
paciente, de habilidades próprias para a será tristeza e nosso comportamento
resolução de problemas. Na terceira fase, será possivelmente afastarmo-nos
o terapeuta enfatiza a intervenção em do amigo. Se, porém, pensarmos “oh,
nível estrutural, ou seja, o desafio de será que ele está aborrecido comigo?”,
crenças e esquemas disfuncionais, nossa emoção será apreensão e nosso
objetivando promover a reestruturação comportamento será procurar o amigo
cognitiva do paciente. Na quarta fase, de e perguntar o que está havendo. Ou
terminação, promove-se, através de várias ainda, se pensarmos “quem ele pensa
técnicas, a assimilação e generalização que é para não me cumprimentar?
dos ganhos terapêuticos bem como a Ele que me aguarde!”, nossa emoção
prevenção de recaídas. O objetivo último dos poderia ser raiva e o comportamento,
esforços terapêuticos é dotar o paciente de confrontaríamos o amigo. Porém, diante da
estratégias cognitivas e comportamentais, mesma situação, podemos ainda pensar
a fim de capacitá-lo para a promoção e “não me cumprimentou... acho que não
preservação continuadas de uma estrutura me viu”; e, nesse caso, nossas emoções e
cognitiva funcional. comportamentos seguiriam inalterados.
Este exemplo ilustra, portanto, que de nosso comportamento, frente a essa
nossas interpretações, representações, determinada situação.
ou atribuições de significado atuam
Daí decorre que a teoria cognitiva básica
como variável mediacional entre o real
reflete um paradigma de processamento de
e as nossas respostas emocionais e
informação, baseado em esquemas, como
comportamentais. Daí decorre que, para
um modelo de funcionamento humano.
modificar emoções e comportamentos,
Quanto ao sistema de processamento
intervimos sobre a forma do indivíduo
de informação, este envolve estruturas,
processar informações, ou seja, interpretar,
processos e produtos, envolvidos na
representar ou atribuir significado a
representação e transformação de
eventos, em uma tentativa de promover
significado, com base em dados sensoriais
mudanças em seu sistema de esquemas e
derivados do ambiente interno e externo.
crenças. Essas intervenções objetivariam
As estruturas e processos do sistema
uma reestruturação cognitiva do paciente,
atuariam a fim de selecionar, transformar,
o que o levará a processar informação no
classificar, armazenar, evocar e regenerar
futuro de novas formas.
informação, segundo uma forma que faça
O modelo cognitivo de personalidade sentido para o indivíduo em sua adaptação
pode ser resumido como segue. e funcionamento. Central, portanto, para
Através de sua história, e com base em o modelo cognitivo é a capacidade para
experiências relevantes desde a infância, atribuição de significado.
desenvolvemos um sistema de esquemas,
Quanto ao modelo cognitivo de
localizado em nível inconsciente ou,
psicopatologia, de forma semelhante, este
utilizando conceitos da Psicologia cognitiva,
propõe que, durante o desenvolvimento
em nossa memória implícita. Esquemas,
e em vista de regularidades do real
nesse sentido, podem ser definidos como
interno e externo, indivíduos podem
super-estruturas cognitivas, que refletem
gradualmente perder sua flexibilidade
regularidades passadas, conforme
cognitiva, isto é, a capacidade para
percebidas pelo sujeito. Ao processarmos
atualizar continuamente seus esquemas
eventos, os esquemas implicitamente
em vista de novas regularidades. Estes
organizam os elementos da percepção
esquemas enrijecendo-se se tornariam
sensorial, ao mesmo tempo em que são
disfuncionais, predispondo o indivíduo
atualizados por eles, em uma relação
a distorções cognitivas e à resistência
circular. Os esquemas ainda dirigem
ao reconhecimento de interpretações
o foco de nossa atenção. Incorporadas
alternativas, que, em conjunto com
aos esquemas, desenvolvemos crenças
fatores biológicos, motivacionais e sociais,
básicas e pressuposições intermediárias
originariam os transtornos emocionais.
específicas para diferentes classes
Fundamental, portanto, para o modelo
de eventos, as quais são ativadas em
cognitivo de psicopatologia e o modelo
vista de eventos críticos elicitadores.
aplicado de intervenção clínica é a hipótese
A ativação dessas crenças reflete-se
da vulnerabilidade cognitiva, segundo a
em nosso pré-consciente, nos conteúdos
qual indivíduos portadores de transtornos
dos pensamentos automáticos, que
emocionais apresentam uma rigidez, ou
representam nossa interpretação do
uma tendência aumentada a distorcer
evento, ou o significado atribuído a ele.
eventos, no momento de processá-los. E,
Estes, por sua vez, influenciam a qualidade
uma vez feita uma atribuição, resistem
e intensidade de nossa emoção e a forma
ao reconhecimento de interpretações
alternativas. Outra hipótese básica para situação?”, “a cognição ajuda ou atrapalha
o modelo da Terapia Cognitiva refere-se à na realização de sua meta?”, e “qual o
primazia das cognições, segundo a qual as efeito de se crer em uma interpretação
cognições têm primazia sobre as emoções alternativa?”. Utilizamos enfim formas,
e comportamentos, embora não de uma apropriadas à situação, de questionamento
forma rigidamente causal e temporal. socrático, ou seja, formas aparentemente
imparciais, a fim de encorajar nosso
paciente a re-significar ou re-interpretar
Princípios, Técnicas e
a situação, utilizando outras linhas de
Estratégias de Intervenção Clínica
raciocínio e outras perspectivas diante
Para se promover o que classificamos das mesmas classes de eventos. Ao final,
anteriormente de intervenção funcional solicitamos ao paciente que re-avalie agora
sobre o conteúdo das cognições, com seus pensamentos e emoções originais,
o objetivo de possibilitar ao paciente encorajando-o a definir planos de ação para
a modulação de suas emoções, lidar com os mesmos eventos no futuro:
necessitamos primeiramente levá-lo a como pensar, sentir e agir diferentemente?
identificar as cognições pré-conscientes Além dessas técnicas de intervenção
que representam a base das emoções funcionais, podemos utilizar ainda técnicas
adversas, as chamadas “cognições de distanciamento ou deslocamento de
quentes”. As pessoas naturalmente não atenção, visando a normalização das
entram em contato com seus pensamentos emoções, apenas mantendo em mente
automáticos negativos no momento em que tais técnicas promovem apenas
que experienciam emoções adversas. É, alívio emocional temporário, devendo ser
portanto, necessário treinar pacientes para utilizadas com parcimônia e em alternância
identificar seus pensamentos automáticos, com tentativas efetivas de reestruturação
encorajando, através de questionamento, cognitiva.
uma re-encenação mental da situação, até
finalmente fazermos a pergunta-chave: Inicialmente, conduzimos a identificação
“o que estava passando por sua mente, e os desafios de cognições em sessão;
pensamentos e imagens, no momento gradualmente, porém, encorajamos o
em que começou a sentir a emoção?”. É paciente a realizar o mesmo entre as
importante identificarmos pensamentos sessões, utilizando inclusive formulários
ou imagens que correspondam à qualidade para registro e desafio de pensamentos
e intensidade da emoção relatada. automáticos negativos, encontrados em
Identificada a cognição, passamos ao manuais de TC.
seu desafio, avaliando inicialmente o nível Na fase intermediária da terapia, ou seja,
de crença na cognição e a intensidade de intervenção sobre esquemas e crenças,
da emoção associada. Para desafiar a objetivamos a re-estruturação cognitiva do
cognição, podemos buscar evidências que indivíduo, que o levará a processar o real
a apóiem ou a contrariem, interpretações de uma nova forma. Focalizamos, nessa
alternativas, por exemplo, “de que forma fase, a identificação e desafio de crenças
alternativa você poderia pensar?”, ou disfuncionais. Crenças representam
“como outro pensaria diante da mesma os esquemas traduzidos em palavras.
situação?”, ou ainda “como aconselharia São consideradas disfuncionais quando
outro na mesma situação?”. Podemos ainda predispõem a transtornos emocionais.
recorrer a um desafio mais pragmático, Caracterizam-se por refletir rigidez,
perguntando “qual a sua meta nessa estarem associadas a emoções muito
fortes, denotarem um caráter excessivo, Conclusão
supergeneralizado, extremo e irracional, Como vimos, a Terapia Cognitiva surgiu
podendo, muitas delas, ser culturalmente há poucas décadas, e nesse curto
reforçadas. Podem ser inferidas por tempo tornou-se o mais validado e mais
corresponder a temas recorrentes durante reconhecido sistema de psicoterapia, e a
o tratamento, tipos de erros cognitivos abordagem de escolha ao redor do mundo
freqüentes, avaliações globais, por exemplo, para uma ampla gama de transtornos
“sou incapaz”, ou “ninguém me entende”, psicológicos. A originalidade e o valor das
ou ainda “o mundo é cheio de perigos”, idéias iniciais de Beck foram reforçados
e memórias ou ditos familiares, por e expandidos através de um volume
exemplo “tal pai, tal filho” ou “tirar 10 não respeitável de estudos e publicações,
é mais que obrigação”. A identificação de refletindo hoje o que há de melhor no
crenças requer um cuidado maior do que estágio atual do pensamento e da prática
dos pensamentos automáticos, pois, se psicoterápica, um merecido tributo a Beck
abordarmos uma crença precocemente, e seus colaboradores e seguidores, dentre
poderemos ativar a resistência do paciente, os quais inúmeros profissionais no Brasil e
dificultando referências futuras à mesma no mundo têm o privilégio de figurar.
crença. Necessitamos, portanto, através
de esforços consistentes de conceituação
cognitiva, baseados em toda a informação
que conseguirmos coletar, refinar
continuamente as nossas hipóteses de
crenças disfuncionais, abordando-as apenas
quando já se tornaram evidentes para o
indivíduo. Em outras palavras, devemos
abordar as crenças disfuncionais apenas
quando já houver um volume considerável Ana Maria Serra
de evidências, que possibilitem ao paciente PhD em Psicologia e Terapeuta
estar preparado para reconhecê-las como Cognitiva pelo Institute of
disfuncionais e estar motivados a substituí- Psychiatry da Universidade
las por crenças mais funcionais. de Londres, Inglaterra.
Na última fase, de terminação, conforme Presidente Honorária da ABPC
anteriormente indicado, empregamos uma – Associação Brasileira de
variedade de técnicas para promover a Psicoterapia Cognitiva.
generalização das estratégias adquiridas Diretora do ITC – Instituto de
durante o processo clínico e das novas Terapia Cognitiva, que atua nas
formas de perceber e responder ao real, áreas de clínica, pesquisa,
reforçando-se o novo sistema de esquemas consultoria e treinamento
e crenças, em uma tentativa de se prevenir de profissionais, oferecendo
recaídas e garantir a preservação de uma regularmente Cursos e Palestras,
estrutura cognitiva funcional. dentre os quais um Curso de
Especialização em Terapia Cognitiva
credenciado pelo CFP – Conselho
Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
Site: www.itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD.
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP
2 m ó d u l o

terapia cognitiva
conceitos e
preconceitos sobre
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Depressão


Terapia Cognitiva e Suicídio
Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
Embora tenha surgido internacionalmente há caráter essencialmente construtivista. Finalmente,
mais de quatro décadas, no Brasil a Terapia apresentamos o caráter estruturado do processo
Cognitiva, uma abordagem nova e inovadora, clínico em TC, destacando a importância de uma
apenas recentemente vem atraindo a atenção sólida conceituação cognitiva do caso clínico,
de profissionais e estudantes de saúde mental, segundo o modelo cognitivo de psicopatologia. E
da mídia e do público em geral. No entanto, terminamos por apresentar características do
o caráter recente de sua presença no Brasil processo aplicado em TC, enfatizando suas várias
tem favorecido o surgimento de distorções ou fases: a inicial, em que buscamos as bases para
interpretações equivocadas que, não obstante, nossas primeiras hipóteses de conceituação
tenderem a se esclarecer com o tempo e à cognitiva e definição de metas terapêuticas;
medida que mais profissionais têm acesso a a de intervenção funcional, em que buscamos
treinamento adequado, no momento prejudicam prioritariamente prover o paciente de estratégias
sua disseminação e utilização adequada. Os para modular suas emoções; a fase de intervenção
conceitos sobre Terapia Cognitiva se confundem estrutural, em que buscamos propriamente a
com preconceitos, ou sejam, idéias e opiniões que re-estruturação cognitiva, ou seja, a substituição
refletem a influência de posicionamentos teóricos do sistema de esquemas disfuncionais do
e aplicados oriundos de abordagens anteriormente paciente por um sistema de esquemas funcionais;
propagadas, bem como distorções que evidenciam finalizando com a preparação do paciente para
a necessidade de maior aprofundamento. a terminação do processo clínico, fase em
O presente módulo, o segundo nesta série de que promovemos a generalização dos ganhos
Estudos Transversais em Psicologia, fará uma terapêuticos e a prevenção de recaídas.
breve referência aos conceitos básicos em Em resumo, enquanto que no primeiro módulo
Terapia Cognitiva, que constituíram o tema do desta série focalizamos prioritariamente o que
primeiro módulo desta série. Deter-nos-emos a TC é, neste segundo módulo focalizaremos
especialmente no tema de dúvida mais freqüente: o que ela não é. Ou seja, nas demais seções,
a associação entre a Terapia Cognitiva e a Terapia abordaremos idéias que se popularizaram a
Comportamental, tema que merecerá um espaço respeito do que é a TC e como atua, mas que, em
destacado no final deste segundo módulo. um sentido estrito, refletem equívocos e carecem
de fundamentação.
CONCEITOS BÁSICOS EM
TERAPIA COGNITIVA (TC) Preconceitos em TC
Dentre os conceitos básicos sobre a Terapia Vários preconceitos se popularizaram a
Cognitica (TC), apresentados no primeiro respeito da TC, dentre os quais destacamos:
módulo desta série de Estudos Transversais, sua identificação com o behaviorismo, seu
destacamos, inicialmente, as bases históricas suposto caráter neo-behaviorista, a idéia de
da TC, sua emergência como um sistema que terapeutas comportamentais seriam
de psicoterapia, bem como sua inserção no naturalmente terapeutas cognitivos, e a idéia de
contexto contemporâneo das psicoterapias, que a TC é amplamente divergente da orientação
em âmbito internacional. Referimo-nos às psicanalítica. Acrescente-se a esses a falsa idéia
características básicas da TC, como um sistema de que a TC, devido ao seu aparente caráter
de Psicoterapia, apontando seu caráter integrado; prescritivo, é fácil; a idéia de que sua duração
a fundamentação científica do modelo cognitivo de breve favoreceria a intervenção superficial, o
psicopatologia; sua eficácia, com base em estudos deslocamento de sintomas e as recaídas; a
controlados; seu caráter breve, exceto quando proposição questionável de que instrutores de
aplicada a transtornos de personalidade; às áreas TC devem ser ligados a Universidades; a idéia de
de aplicação, em Psicologia Clínica, em educação, que o caráter estruturado da abordagem
nos esportes, e como coadjuvante no tratamento impediria a espontaneidade no processo
de distúrbios orgânicos e psicoses. Delineamos, terapêutico e a utilização da intuição do terapeuta;
ainda, o princípio básico da TC, segundo o qual e, finalmente, a idéia de que a aliança terapêutica
nossas respostas emocionais e comportamentais interferiria com processos transferenciais no
são resultados da forma como representamos curso do processo clínico.
ou interpretamos o real, aspecto que reflete seu
Derivada do Behaviorismo entanto, pouco impacto sobre o modelo
(Neo-behaviorista) e Divergente cognitivo de psicopatologia. Ao contrário, as
da Psicanálise intervenções cognitivo-comportamentais do
O maior impacto sobre o modelo teórico e Behaviorismo, como inoculação de estresse e
aplicado de TC adveio da própria atuação clínica a dessensibilização sistemática, conceituam
anterior de Beck, um reconhecido Psicanalista as cognições como comportamentos
na década de 1950, e Professor em Psiquiatria encobertos, em flagrante contradição com
da Universidade da Pennsylvania. Impulsionado as proposições, pela TC, das cognições como
por preocupações teóricas, com o objetivo de eventos mentais e da subordinação das
confirmar o modelo psicanalítico da depressão e, emoções e dos comportamentos às cognições,
dessa forma, promover o pensamento um aspecto fundamental para a validade do
psicanalítico entre contemporâneos acadêmicos, modelo cognitivo de psicopatologia. Mas suas
Beck, que freqüentemente desafiava a ortodoxia relações com o behaviorismo são discutidas,
da Psicanálise, emprestou da Psicologia em maior profundidade, na segunda parte do
Acadêmica o método científico e empregou presente módulo.
a análise dos sonhos para testar o modelo
motivacional psicanalítico da depressão. Surpreso A TC é Fácil?
quando seus estudos falharam em confirmar o Devido ao seu aparente caráter prescritivo, a TC
modelo da agressão retroflexa, e intrigado com é freqüentemente considerada uma abordagem
suas observações na prática clínica, Beck propõe o fácil, cuja aplicação dispensa treinamento formal e
modelo cognitivo de depressão. específico. É comum profissionais, que anunciam
utilizar a TC, afirmarem que aprenderam através
Entretanto, ao propor o novo modelo de da simples leitura da literatura especializada.
depressão que eventualmente resultou em Entretanto, como todas as demais abordagens,
um novo sistema de psicoterapia, Beck não seu exercício competente requer treinamento
negligenciou seu passado psicanalítico; isto se formal, específico e prolongado, incluindo
faz evidente no caráter racionalista da TC, em supervisão clínica, até que o terapeuta esteja
aspectos importantes do modelo cognitivo de capacitado a atender independentemente. Na
psicopatologia, e em aspectos de seu modelo realidade, o caráter dinâmico e a atuação ativa
aplicado. Beck admite a noção de inconsciente, e intensiva do terapeuta em TC enfatizam a
embora proponha, diferentemente da Psicanálise, necessidade de uma familiaridade aprofundada
que podemos acessar conteúdos inconscientes com seu modelo teórico e aplicado, possivelmente
em condições especiais. Enfatiza a influência de até maior do que em outras abordagens, em cujo
experiências passadas no desenvolvimento do caso a atuação do terapeuta é menos ativa e mais
sistema de esquemas cognitivos do indivíduo, reflexiva. O caráter extremamente dinâmico da TC,
embora a intervenção clínica em TC não objetive em que as interações entre terapeuta e paciente
os elementos históricos, mas os fatores presentes se sucedem em ritmo rápido e ativo através
que mantêm ativo o quadro disfuncional. Prescreve de todas as sessões terapêuticas e de todo o
ainda a exploração de experiências passadas para processo clínico, efetivamente exige uma sólida
uma sólida conceituação cognitiva do caso clínico. formação por parte do terapeuta.
E, em comum com a Psicanálise, a TC conceitua
as cognições como eventos mentais. Finalmente, Estudos que avaliam a efetividade de centros
os mais importantes pontos em comum entre as de treinamento em TC apontam que apenas
duas abordagens – ambas são construtivistas, ao aproximadamente 25% de seus trainees atingem
propor que o indivíduo constrói seu próprio real; proficiência após o primeiro ano de treinamento.
e racionalistas, ao basear suas intervenções nos Em um estudo, em particular, que conduzimos
processos racionais. no Instituto de Psiquiatria da Universidade de
Londres, Inglaterra, não apenas essa baixa taxa
Quanto ao Behaviorismo, por sua vez, este de sucesso, após o primeiro ano de treinamento,
influenciou aspectos importantes do modelo foi replicada; mas, investigando, notamos que
aplicado de TC, como seu caráter estruturado, o aqueles que demonstraram proficiência após
tempo curto de intervenção, a definição de um ano eram os mesmos que, antes do início
agenda, o estabelecimento de metas de seu treinamento, já demonstravam algumas
terapêuticas, dentre outros, tendo, no
habilidades pertinentes a um terapeuta cognitivo, é superficial, desde que estruturas inconscientes
como: objetividade, estruturação da sessão, ênfase sejam mudadas. Além disso, mudando-
no conteúdo cognitivo das queixas e intervenções se estruturas esquemáticas, a recaída e o
de caráter cognitivo. Além disso, os estudos deslocamento de sintomas ficaria inviabilizado.
demonstram que o índice de proficiência de Adicionalmente, estudos longitudinais indicam a
trainees é diretamente proporcional ao tempo de manutenção de ganhos terapêuticos e índices
treinamento, à aderência a manuais e ao tempo de baixos de recaída. Deve-se ainda notar que o
atendimento supervisionado. caráter didático da TC concorre também para
A competência para o terapeuta cognitivo vai a prevenção de recaídas e do deslocamento de
muito além de experiência e tempo de atuação. A sintomas; a intervenção cognitiva visa, não
importância da competência aumenta conforme apenas resolver os problemas atuais dos
aumentam os graus de severidade e cronicidade pacientes, mas, ao resolvê-los, dotar o paciente
dos casos clínicos. A supervisão clínica é de novas estratégias para processar e responder
necessária até para terapeutas experientes, mas ao real de forma funcional, sendo o funcional
treinados em outras abordagens. Terapeutas definido como aquilo que concorre para a
treinados em outras abordagens, como, por realização de suas metas.
exemplo, a Comportamental, não prescindem de
treinamento formal e prolongado em TC, visto Instrutores em Terapia Cognitiva
que as posturas teóricas e epistemológicas, bem devem ser ligados a Universidades
como os modelos de funcionamento humano, de A competência na área específica da TC,
instalação e manutenção das psicopatologias, o através de treinamento formal e prolongado,
modelo aplicado, e a postura do terapeuta, são é a condição necessária para a atuação clínica
distintos entre as duas abordagens. Finalmente, a competente. Além disso, a atuação como
aliança terapêutica em TC é singular, envolvendo instrutor requer igualmente treinamento
uma relação afetiva e colaborativa, em vários supervisionado específico para a prática
sentidos, entre terapeuta e paciente, também didática. Em particular, a atuação de
distinta de outras abordagens. supervisores clínicos necessita, especialmente,
de supervisão por um supervisor sênior, até que
Tempo Curto favorece possam adquirir competência para o
Intervenção Superficial, Recaída oferecimento independente de supervisão clínica
e Deslocamento de Sintomas a outros profissionais em treinamento.
A TC tem como objetivo fundamental a re- Nesse sentido, deve-se notar que grandes
estruturação cognitiva, isto é, a substituição do experts em treinamento atuam como instrutores
sistema disfuncional de crenças e esquemas do em seus Institutos e independentemente de
paciente por um sistema funcional. Como visto universidades, como Christine Padesky, Judith
no Módulo 1 desta série, os esquemas cognitivos Beck, Frank Dattilio, Robert Leahy, Jacqueline
refletem superestruturas, que se desenvolvem Persons e, no Brasil, meu caso pessoal à frente
em nível inconsciente, ou de memória implícita, do ITC. Pessoalmente, após receber treinamento
e que organizam os elementos da percepção clínico durante mais de três anos, atuei, durante
sensorial do real, em um processo do qual um ano adicional, como instrutora sob supervisão,
resultam a interpretação ou representação viabilizando, dessa forma, minha competência para
do real pelo sujeito. Esta interpretação ou o treinamento de profissionais.
representação do real se reflete, em nível pré-
Finalizando, a expertise de um acadêmico em
consciente, no conteúdo dos pensamentos
sua área particular de atuação não lhe confere
automáticos, que influenciariam as respostas
automaticamente expertise na área específica
emocionais e comportamentais do sujeito. Daí
da TC. O fundamental, para aqueles que buscam
decorre que, se substituirmos os esquemas
treinamento na abordagem cognitiva, é
atuais do paciente por novos esquemas, o
certificar-se da competência de profissionais
conteúdo de seus pensamentos automáticos
que se oferecem como instrutores, exigindo
pré-conscientes mudaria, e, conseqüentemente,
comprovação de treinamento formal e
mudariam também suas respostas emocionais
prolongado na área específica da TC.
e comportamentais. Portanto, a intervenção não
Abordagem estruturada impede Bases históricas da TC
espontaneidade no processo terapêutico Na década de 1950, nos Estados Unidos, a
e utilização da intuição do terapeuta emergência das ciências cognitivas sinalizava
A abordagem estruturada em TC objetiva uma transição generalizada para a perspectiva
promover a brevidade do processo e favorece cognitiva de processamento de informação,
o sucesso de seu aspecto didático. Quanto à com clínicos defendendo uma abordagem mais
espontaneidade e à intuição do terapeuta, com cognitiva aos transtornos emocionais. Observou-
treinamento e experiência, a estrutura das se, nessa época, uma convergência entre
sessões e do processo terapêutico é introjetada, psicanalistas e behavioristas em sua insatisfação
permitindo a espontaneidade, a intuição e a com os próprios modelos de depressão,
criatividade do terapeuta, e favorecendo sua respectivamente, o modelo psicanalítico da
competência, como nas demais abordagens. raiva retroflexa e o modelo behaviorista do
condicionamento operante. Nas décadas de 1960
Aliança terapêutica interfere com e 1970, observou-se o afastamento da psicanálise
processos transferenciais e do behaviorismo radical por vários de seus
Estudos comprovam a necessidade de uma adeptos, como Ellis, criador da Terapia Racional
sólida aliança terapêutica e uma atuação Emotiva, a primeira psicoterapia contemporânea
colaborativa para o progresso clínico. Em TC, na com clara ênfase cognitiva, além de Brandura,
realidade, as intervenções não ocorrem na Mahoney e Meichenbaum. Estes apontavam os
relação transferencial. Mas terapeuta e processos cognitivos como cruciais na aquisição
paciente são parceiros ativos no processo de e regulação do comportamento, a cognição como
re-estruturação cognitiva do paciente. A aliança construto mediacional entre o ambiente e o
terapêutica é necessária, embora não suficiente, comportamento, bem como estratégias cognitivas
para o sucesso terapêutico, favorecendo a e comportamentais para intervenção sobre
relação colaborativa, a brevidade do processo variáveis cognitivas.
e a eficácia de seu aspecto didático.
Estava, portanto, inaugurada a era cognitiva
Conclusão na psicoterapia, a partir de fatos que
Vimos, nesta seção, evidências que contrariam convergiram de forma decisiva para a
algumas idéias distorcidas sobre o que é a emergência de uma perspectiva cognitiva,
TC e suas formas de atuação, a qual reflete que se refletiu na proposição da TC como um
aspectos teóricos e aplicados próprios. A seguir, sistema de psicoterapia, baseado em modelos
veremos alguns aspectos da relação entre próprios de funcionamento humano e de
a TC e o behaviorismo, que apontam para o instalação e manutenção das psicopatologias.
desenvolvimento independente dessas abordagens Fundamentalmente, e conforme discutido no
em diferentes períodos e contextos históricos. primeiro módulo desta série, a influência mais
importante, e a que deu origem à TC, foram
TERAPIAS COGNITIVA, os experimentos e observações clínicas do
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL próprio Beck. Ele aponta a cognição, e não a
E COMPORTAMENTAL emoção, como o fator essencial na depressão,
A Terapia Cognitiva tem sido freqüentemente conceituando-a como um transtorno de
e equivocadamente identificada com a Terapia pensamento e não um transtorno emocional.
Comportamental, e as denominações TC e E propõe a hipótese de vulnerabilidade
Terapia Cognitivo-Comportamental, cognitiva como a pedra fundamental do
especialmente no Brasil, têm sido empregadas novo modelo de depressão.
intercambiavelmente.
Terapias Comportamental e
Destacaremos alguns fatores específicos
Cognitivo-Comportamental
de cada abordagem e fatores de superposição,
Na primeira metade do século XX, a Psicanálise,
com especial ênfase a aspectos históricos
em suas várias orientações, dominava o campo
que convergiram para a emergência de cada
da psicoterapia. No entanto, ao redor dos
uma dessas abordagens em diferentes períodos
anos 50, cientistas começaram a questionar
e contextos.
os fundamentos teóricos e a eficácia da
Psicanálise, enquanto que, ao mesmo tempo, origem ao Departamento de Psicologia do
a teoria da aprendizagem e dos processos de Instituto de Psiquiatria do Maudsley, da
condicionamento, e a abordagem Comportamental Universidade de Londres. Os casos conduzidos
derivada delas, começaram a influenciar a eram, em sua maioria, transtornos de ansiedade,
pesquisa e a clínica psicológicas. especialmente agorafobia, resultando na
Pavlov, o cientista que primeiro descreveu e publicação de estudos de caso. No entanto, tais
analisou os processos de condicionamento, esforços iniciais em nada ainda se assemelhavam
expressou seu interesse em suas possíveis a uma nova forma de psicoterapia.
aplicações clínicas. Os princípios fundamentais Eysenck foi sucedido na direção do departamento
do behaviorismo, que desafiaram a psicanálise por Jeffrey Gray, que, por sua vez, foi
ortodoxa, podiam ser assim resumidos: a substituído, em 2000, por David Clark e Paul
mente não representava um objeto legítimo Salkovskis, brilhantes pesquisadores cognitivos,
de estudo científico; o problema do paciente definitivamente impondo no Instituto a Terapia
se limitava ao seu comportamento observável, Cognitiva, em substituição à predecessora
contra a necessidade de se invocar processos terapia comportamental. À mesma época, um
inconscientes não-observáveis e não-testáveis; o importante marco no desenvolvimento da terapia
foco da avaliação e tratamento deveria ser dirigido comportamental britânica se encerrou no mesmo
ao que poderia ser observado, operacionalizado Instituto, com a aposentadoria de Isaac Marks.
e medido; na modificação do comportamento,
os fatores importantes eram os que concorriam Nos Estados Unidos
para a manutenção do problema do paciente, À mesma época, o modelo mais proeminente
ao invés de sua suposta origem; e, finalmente, o na Psicologia acadêmica americana era o
método científico provia um enquadre legítimo modelo de Boulder, Colorado, que insistia em
para o desenvolvimento de uma teoria e uma que o treinamento de psicólogos clínicos deveria
prática clínica, em que a aplicação de princípios fundar-se nos departamentos da Psicologia
teóricos e terapêuticos avançaria melhor através acadêmica, com sólida formação em Psicologia
da observação empírica sistemática. e um componente significativo de pesquisa em
nível de doutorado. Entretanto, em contraposição,
Entretanto, o desenvolvimento da Terapia
observava-se na clínica uma tendência à aceitação
Comportamental na Inglaterra e nos Estados
não crítica de uma variedade de formas de
Unidos seguiu trajetos paralelos e distintos.
psicoterapia, praticadas na época, e o uso
Na Inglaterra indiscriminado de instrumentos psicométricos,
Após uma visita aos Estados Unidos, e pouco particularmente os testes projetivos.
impressionado com a Psicologia acadêmica Ao contrário do Behaviorismo britânico,
e clínica americana, Eysenck desenvolveu claramente fundado nos conceitos de Pavlov,
parâmetros para a Psicologia clínica inglesa: Watson e Hull e aplicado no contexto clínico a
as leis estabelecidas pela Psicologia acadêmica pacientes neuróticos, o Behaviorismo americano,
deveriam ser aplicadas na clínica; a Psicologia apoiado principalmente nas idéias de Skinner e
clínica deveria constituir uma profissão seus seguidores, tentava replicar em pacientes
independente; como a psicoterapia e os testes psiquiátricos os efeitos do condicionamento
projetivos não se originaram de teorias ou obtidos com animais em laboratórios. Os
conhecimentos da Psicologia acadêmica, estes problemas psiquiátricos, de pacientes severos e
não deveriam ser empregados na Psicologia crônicos, foram conceituados como problemas
clínica; a Psicologia clínica deveria basear-se em de comportamento, cuja solução dependia
conhecimento, métodos e desenvolvimentos de um programa de correção através do
gerados pela Psicologia acadêmica, concluindo que condicionamento operante.
os processos de condicionamento ofereciam a As pesquisas conduzidas foram de grande valor,
melhor fundação para a nova abordagem. mas não produziram os resultados esperados.
Após Segunda Gerra Mundial Eysenck, encorajado Além disso, o sucesso da Terapia Comportamental
por Lewis, fundou um programa acadêmico para no tratamento dos transtornos de ansiedade
psicólogos clínicos, tendo Monte Shapiro como não foi replicado no tratamento da depressão.
o primeiro diretor de treinamento clínico, dando Ao mesmo tempo, a teoria do condicionamento
do medo, fundamental à proposição inicial da conceitos cognitivos eram incorporados
Terapia Comportamental, dava claros sinais da à prática comportamental, dando dessa forma
necessidade de revisão. origem às Terapias Cognitivo-Comportamentais,
notou-se que, além da superioridade em eficácia
Terapia Cognitivo-Comportamental no tratamento da depressão, as técnicas
Embora a Terapia Comportamental mostrasse- cognitivas demonstraram eventualmente
se promissora, especialmente no tratamento também sua superioridade no tratamento
de fobias e transtornos obsessivo-compulsivos, dos transtornos de ansiedade, o campo onde a
muito cedo suas limitações teóricas e aplicadas Terapia Comportamental havia alcançado
se tornaram claras, especialmente com relação sucesso incontestável.
à limitada gama de transtornos para os quais se
mostrava eficaz. Paralelamente, nos anos 60, as Características compartilhadas?
teorias dominantes em Psicologia mudaram seu De uma perspectiva ontológica, as Terapias
foco do poder do ambiente sobre o indivíduo para Cognitiva e Comportamental diferem radicalmente
os processos racionais, como fonte de direção em sua visão de homem. Do ponto de vista
das ações humanas, refletidos nas expectativas, filosófico, o modelo cognitivo, reconhece a
decisões, escolhas e controle do indivíduo, influência do observador, e de suas hipóteses e
prenunciando os efeitos da revolução cognitiva expectativas, sobre o processo da observação. O
sobre a clínica, através da emergência das modelo comportamental, por outro lado, na sua
orientações cognitivas. ânsia de rigor metodológico, ou propõe reduzir o
Em vista do reduzido sucesso no tratamento da objeto observado a objeto observável, ou propõe
depressão por terapeutas comportamentais, ingenuamente que a observação pura, na qual
e a despeito da resistência da Terapia o observador está livre de hipóteses, é possível,
Comportamental a conceitos e técnicas quando, segundo Popper, isso configura apenas um
cognitivos, Beck (1970) encontrou uma audiência mito filosófico. Da perspectiva epistemológica, a
interessada. Além disso, havia ainda o fato de TC propõe que, por serem refutáveis, as hipóteses
que ele estava articulando preocupações de um são candidatas ao status de científicas, adotando
número crescente de clínicos, que advogavam a uma postura equivalente a do racionalismo
atenção dos behavioristas para uma fonte valiosa crítico. Por outro lado, o Behaviorismo sempre
de dados e compreensão clínica: a cognição. se declarou como adepto do positivismo lógico,
Re-assegurados por características do modelo com sua ênfase na necessidade de verificação
cognitivo proposto por Beck, que incluía tarefas direta, até um relativo afrouxamento, ao
comportamentais, sessões estruturadas, prazo admitir a ação, sobre a variável dependente,
limitado de tratamento, registro diário das variáveis intervenientes, o que coincidiu
de experiências maladaptativas etc., os escritos com a popularização, nos meios científicos, do
de Beck encontraram surpreendente interesse método hipotético-dedutivo. Este, adotado pelo
por parte dos comportamentais. Superando cognitivismo, permitiu a investigação da cognição
suas resistências, reconhecidos comportamentais não observável como construto mediacional
passaram a incluir técnicas cognitivas em seus entre o ambiente e as respostas emocionais e
programas de tratamento, ao mesmo tempo comportamentais do indivíduo, estas constituindo
em que passaram a tomar a cognição como as conseqüências observáveis.
um construto mediacional entre o ambiente Outra diferença marcante, aliás melhor referida
e o comportamento. como incompatibilidade filosófica, refere-se ao
Outra fonte de desconfiança para os behavioristas, conceito de cognição, que para o behaviorista
incluindo o próprio Eysenck, referia-se ao fato constitui um comportamento encoberto e, para
de que a TC desenvolveu-se independente da, o cognitivista, constitui um evento mental. Para
ou em paralelo à, Psicologia Cognitiva como este, está explícita a noção de subordinação
ciência básica, violando a máxima behaviorista das emoções e comportamentos às cognições,
de que a ciência psicológica deveria fundamentar refletindo uma postura construtivista realista,
a Psicologia Clínica. Mas o sucesso da TC no visão cognitiva que colide com o modelo
tratamento da depressão concorreu para behaviorista de comportamento humano. Para
neutralizar essas resistências. E à medida que ilustrar essa diferença fundamental, tomemos
o exemplo dos experimentos comportamentais, eventos que confluíram para o desenvolvimento
técnica largamente utilizada em ambas as independente de ambas. Em 1994, Hans Eysenck
abordagens, mas com finalidades que expressam expressou da seguinte forma sua opinião a
claramente suas diferenças. Como declara respeito da possível origem comportamental da
Beck (1979): “para o terapeuta comportamental, a TC: “a TC tem pouco em comum com a Terapia
modificação do comportamento é um fim Comportamental. Beck foi, na realidade, um
em si mesmo; para o terapeuta cognitivo, é psicanalista redimido, que foi sábio em abandonar
um meio para se atingir um fim – isto é, a a parafernália do pensamento psicanalítico e
mudança cognitiva”. adotar a metodologia científica” (comunicação
E o que as duas abordagens têm em comum? pessoal, 1994).
Devido à seqüência histórica, apenas a TC, em
sua proposição, poderia haver “emprestado” algo SUGESTÕES DE LEITURA:
de sua predecessora, a Terapia Comportamental. BECK, A.T., Rush, Shaw & Emery (1996) TC da
A despeito das diferenças discutidas, a Terapia Depressão, Porto Alegre: Ed. Artes Medicas.
Comportamental ofereceu importantes CASTAÑON, G.A. (2005) “O surgimento do
contribuições, especialmente nos seguintes Racionalismo Crítico de Karl Popper e sua
aspectos: ênfase ao uso do método científico; Influência na Revolução Cognitiva”. (Em
importância aos fatores de manutenção dos preparação)
transtornos, ao invés dos fatores de origem; CLARK, D. A., Beck, A.T. (1999) Scientific
ênfase a elementos terapêuticos, como estrutura Foundations of Cognitive Theory and Therapy of
das sessões e do processo clínico, definição de Depression, New York: Wiley.
metas terapêuticas, tratamento de curto prazo; SALKOVSKIS, P. (Ed.) (2005) Fronteiras da TC.
e a consideração de mudanças comportamentais Organizadora da Ed. Brasileira A. M. Serra.
como um meio importante para se alcançar São Paulo: Editora Casa do Psicólogo.
mudanças cognitivas.
SERRA, A. M. (2004) Introdução à Teoria e
Quanto à Terapia Cognitivo-Comportamental, Prática da TC (Áudio em CD). São Paulo:
esta se situa em uma posição intermediária ITC-Instituto de TC.
confortável entre as duas abordagens, porém
com certo grau de liberdade conferido aos seus
praticantes. Verificam-se dois grandes grupos.
Primeiro, aqueles anteriormente treinados como Ana Maria Serra
terapeutas comportamentais, que tendem a PhD em Psicologia e Terapeuta
manter-se vinculados ao modelo comportamental, Cognitiva pelo Institute of
apenas adicionando a este princípios e técnicas Psychiatry da Universidade
cognitivos, porém objetivando primordialmente de Londres, Inglaterra.
mudanças comportamentais. Para esses, a
Presidente Honorária da ABPC
cognição ainda é vista como um comportamento
encoberto. Segundo, aqueles treinados como
– Associação Brasileira de
terapeutas cognitivos, e que, adotando um Psicoterapia Cognitiva.
modelo cognitivo, utilizam-se de técnicas Diretora do ITC – Instituto de
comportamentais, porém com a finalidade Terapia Cognitiva, que atua nas
explícita de obter mudanças cognitivas. áreas de clínica, pesquisa,
consultoria e treinamento
Conclusão
Faz-se evidente que a crença, comum de profissionais, oferecendo
especialmente no Brasil, de que a TC originou- regularmente Cursos e Palestras,
se da Terapia Comportamental, constituindo dentre os quais um Curso de
uma forma de neo-behaviorismo, não encontra Especialização em Terapia Cognitiva
fundamentação na seqüência histórica de credenciado pelo CFP – Conselho
Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD. Site: www.itc.web.com
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
3
m ó d u l o
Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

suicídio
int er v enção em cr ise
depr essã o
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
Crises estarão presentes em um momento da com que a crise será superada. Em outras palavras,
vida da maioria dos indivíduos, decorrentes de algumas situações podem significar uma crise
situações em que o limiar individual de controle para um indivíduo e não para outro, ou a mesma
e resposta a estressores internos e externos situação pode significar uma crise para um indivíduo
do indivíduo é ultrapassado. em um momento de sua vida, mas não em outro,
Uma crise se define como um estado temporário devido ao fato de que a disponibilidade de recursos
de distúrbio grave e conseqüente desorganização, para o gerenciamento de crises pode variar em
durante o qual o indivíduo se percebe incapaz de diferentes fases e contextos de vida. Há pacientes
enfrentar uma determinada situação, através da em crise que apresentam uma história pregressa
utilização dos mesmos recursos que habitualmente de recursos adequados de enfrentamento, e
utiliza para resolução de problemas. Crises têm o para os quais a crise representa uma situação
potencial de um resultado radicalmente negativo, atípica. Há outros pacientes propensos a crises,
ativando, portanto, a vulnerabilidade dos indivíduos com dificuldades de gerenciamento emocional e
envolvidos. Crises caracterizam-se por um período comportamental, e que experienciam sucessivas
em que o equilíbrio de um ou mais indivíduos é crises que periodicamente irrompem. Ambos os
perturbado, afetando, temporariamente ou não, grupos podem necessitar de ajuda profissional.
sua capacidade para perceber e gerenciar Situações críticas podem se apresentar de
situações de modo efetivo. Sob crise, diferentes formas e em diferentes contextos,
indivíduos manifestam sintomas cognitivos e individuais ou coletivas. Podem apresentar-se
comportamentais e algum grau de desorganização, relacionadas à enfermidade aguda ou crônica, do
que se refletem através de uma redução em próprio indivíduo e de outros significativos; à morte
suas habilidades e recursos para processamento de outros significativos; a conflitos e rupturas nas
de informação, enfrentamento, resolução de relações interpessoais e afetivas; a acidentes
problemas e modulação emocional. A percepção envolvendo o próprio indivíduo ou outros indivíduos
da própria situação de crise pode ser afetada, em ou grupos; a desastres naturais; a situações de
conseqüência da ativação emocional que favorece violência familiar, social e política, com violação
distorções no processamento da natureza da dos direitos civis individuais e coletivos; a abuso de
situação. Os recursos de enfrentamento podem substâncias psicoativas etc. Tais situações críticas
se tornar limitados e estratégias ineficazes de geram estresse, que se traduz em angústia e em
resolução de problemas podem ser aplicadas, um sentido aumentado de vulnerabilidade frente
muitas vezes de forma estereotipada. ao real objetivo ou subjetivo, ou ambos.
A capacidade habitual do indivíduo para a Em crise, indivíduos apresentam, segundo
flexibilidade cognitiva, necessária para o Freeman (2000), desconforto, disfunção,
gerenciamento das emoções, pode ser descontrole e desorganização. Desconforto
seriamente afetada, implicando no uso de refere-se à experiência subjetiva de angústia
estratégias compensatórias disfuncionais, como diante da percepção, real ou não, de insolubilidade
negação ou esquiva. Crises mais graves podem da situação. Disfunção refere-se à limitação dos
ainda originar estados psicóticos temporários, recursos de enfrentamento com os quais os
devido à desestruturação cognitiva e emocional indivíduos normalmente contam. Descontrole
gerada pela percepção da situação como insolúvel. refere-se à experiência, subjetiva e objetiva, de
Em uma situação de crise, os recursos comumente incapacidade em determinar ou alterar o
disponíveis podem se mostrar insuficientes; nesses curso da situação. E desorganização reflete-se
casos, os indivíduos envolvidos podem necessitar na incapacidade de formular ou ativar um plano
acessar reservas de recursos pouco usadas, específico para resolver a situação, identificando
como força e coragem, podem criar sistemas problemas, gerando objetivos e estratégias
temporários de enfrentamento, e, na maioria dos de resolução e priorizando e implementando
casos, necessitarão mobilizar os sistemas de apoio essas estratégias.
familiar e social. Situações de crise podem demandar a intervenção
Observamos diferenças inter-individuais e intra- clínica. Nesses casos, a Terapia Cognitiva pode ser
individuais com relação à natureza e à gravidade especialmente indicada, tendo em vista seu caráter
das crises, à disponibilidade de recursos que serão breve e estruturado, bem como várias outras de suas
mobilizados em seu gerenciamento, e à eficácia características aplicadas, que discutimos a seguir.
TERAPIA COGNITIVA EM terapêuticas não apenas fornece estrutura e
SITUAÇÕES DE CRISE direciona a intervenção, mas também facilita
a avaliação periódica do progresso clínico e
Os objetivos imediatos do terapeuta cognitivo, assegura que paciente e terapeuta estejam
diante de um paciente em crise, podem ser assim desenvolvendo esforços na mesma direção. O
resumidos: avaliar a natureza da situação e os aspecto didático do processo clínico em Terapia
elementos precipitadores da crise; explorar e Cognitiva possibilita o esclarecimento do paciente
avaliar fatores de risco de violência contra si e com relação às dificuldades internas e externas
outros, como suicídio ou homicídio; explorar e avaliar que ele está experienciando; além disso, determina
o repertório de recursos de enfrentamento com os o desenvolvimento, pelo paciente, de estratégias
quais o indivíduo conta ou já contou em situações próprias de enfrentamento e resolução de
anteriores; estabelecer um plano de resolução problemas, tarefa que vai muito além do
da crise, gerar alternativas de processamento objetivo terapêutico de simplesmente ajudá-lo
da situação e alternativas de comportamentos. a resolver os problemas que apresenta nesse
O profissional deve manter em mente o momento de sua vida.
caráter transitório da crise e da perturbação e Outro aspecto importante na intervenção de
desorganização do processamento da situação crise refere-se à aliança terapêutica, baseada
pelo indivíduo. Esse aspecto temporário abre na empatia entre o terapeuta e o paciente,
espaço para o questionamento e o desafio e cujo desenvolvimento e manutenção é de
cognitivo, e sugere a necessidade de estrutura responsabilidade do terapeuta. A aliança
na condução da intervenção e na implementação fornece ao paciente a impressão de não estar
do processo de resolução dos problemas sozinho diante da crise, de ter um apoio efetivo
envolvidos, a fim de otimizar o aproveitamento na pessoa do terapeuta, o qual, dependendo da
do tempo terapêutico. Finalmente, o terapeuta natureza da crise, pode até funcionar como um
deve atuar para reduzir o potencial de ações defensor na preservação dos direitos do paciente.
radicais e negativas pelo paciente. Finalmente, referindo-nos a esquemas cognitivos,
Várias características do modelo aplicado da sabemos que estas estruturas organizam os
Terapia Cognitiva a tornam especialmente indicada elementos da nossa percepção do real; através
no atendimento a pacientes em situações de do processo clínico em Terapia Cognitiva, não
crise. O caráter breve da intervenção se adequa apenas os esquemas e crenças disfuncionais
a intervenções em situações críticas. O caráter do paciente representam focos importantes de
ativo e colaborativo da intervenção encoraja a intervenção e que favorecerão a visão realista da
participação ativa do paciente no processo de situação de crise e o reconhecimento, mobilização
mudança, sugerindo a idéia de controle sobre a e desenvolvimento de recursos de resolução e
situação. O aspecto dinâmico da interação entre enfrentamento; mas a própria situação de crise
terapeuta e paciente possibilita a exploração pode prover um espaço de treinamento de novas
rápida de cognições e emoções, facilita a auto- habilidades cognitivas e de resolução de problemas,
revelação pelo paciente e, dessa forma, o favorecendo o desenvolvimento de um sistema
direcionamento mais imediato da intervenção aos funcional de esquemas e crenças, em
aspectos disfuncionais das cognições, atitudes e substituição ao sistema anterior disfuncional.
comportamentos do paciente. O caráter diretivo Diante de situações críticas verdadeiramente
do modelo aplicado possibilita ao terapeuta adversas, são esperados sintomas de depressão
formular hipóteses de conceituação cognitiva, que ou ansiedade, ou ambos. No trabalho clínico,
refletem os esquemas e crenças disfuncionais que mostra-se muito útil encorajar o paciente em
integram o sistema cognitivo do paciente; utilizar o crise a distinguir entre, de um lado, respostas
questionamento socrático, em nível de intervenção esperadas de tristeza ou ansiedade realista, que
funcional, o que possibilita a modulação emocional ainda possibilitam o ajustamento e enfrentamento
pelo paciente; explorar colaborativamente os eficazes, e, de outro, sintomas de depressão ou
focos de problemas e definir metas e estratégias de um transtorno de ansiedade, que rendem o
de resolução e enfrentamento, o que encoraja indivíduo disfuncional e requerem atenção
o paciente a funcionar como sua própria fonte terapêutica focalizada.
de recursos. A definição colaborativa de metas
Conclusão uma recorrência nos 10 anos seguintes à
Situações de crise não ocasionam necessariamente recuperação, mesmo tendo-se mantido estáveis
resultados ou conseqüências negativas. A crise durante os primeiros cinco anos após o término
pode ser utilizada como uma arena, onde o do tratamento inicial (Frank, 1991).
paciente e o terapeuta poderão, colaborativamente, Esses dados apontam para a necessidade, entre
desenvolver novos recursos, mobilizar recursos outras medidas, da disponibilidade de planos
existentes de maneira concertada e criativa, eficazes de prevenção e tratamento da depressão.
assegurar o paciente das escolhas que lhe estão A TC vem-se demonstrando útil em ambos os
abertas, e aproveitar-se das estratégias de aspectos, quais sejam, na prevenção da depressão
resolução utilizadas no sentido de formular novas e como uma forma de psicoterapia eficaz. Sua
formas de resolução de problemas, de neutralização relevância se faz ainda maior se considerarmos
de estressores e de adaptação e enfrentamento que seu surgimento veio preencher uma grave
das dificuldades inerentes à vida. lacuna, visto que os modelos comportamental e
psicanalítico, anteriormente desenvolvidos, não
TERAPIA COGNITIVA E DEPRESSÃO se demonstraram particularmente eficazes no
Edela A. Nicoletti e Ana Maria M. Serra tratamento do transtorno depressivo. Movido por
preocupações teóricas, e em uma tentativa de
O impacto da depressão na população geral tem expandir os limites da psicoterapia e de comprovar
sido grandemente subestimado. Em recente princípios psicanalíticos através do emprego da
estudo promovido pelo Banco Mundial e pela metodologia científica, Aaron Beck propôs um
Organização Mundial da Saúde, ficaram evidentes modelo de depressão inovador, o modelo cognitivo,
os devastadores efeitos da depressão. Nesse no qual ele conceituou a depressão como um
estudo, a depressão representou a quarta maior transtorno de processamento de informação, e não
causa de incapacitação, sendo responsável como um transtorno emocional.
por mais de 10% dos anos de incapacitação de
indivíduos em todo o mundo. As projeções para as Antidepressivos e Psicoterapia
próximas décadas refletem um agravamento da A eficácia da TC no tratamento da depressão
presente situação, esperando-se que a depressão mostra-se relevante especialmente em vista
venha a representar, em 2020, a segunda maior do sucesso limitado do uso exclusivo dos
causa de incapacitação, abaixo apenas das doenças antidepressivos. Primeiramente, os índices gerais
cardíacas. Atualmente, a depressão afeta cerca de recaída e suicídio não se reduziram com o
de 12% da população adulta (8% feminina e 4% crescente emprego dos antidepressivos. Estima-se
masculina), contra apenas 3% no início do século que entre 35 e 40% de portadores de depressão
XX. Estima-se que aproximadamente l5% da não respondem satisfatoriamente a antidepressivos,
população será vítima de pelo menos um episódio e parte dos que respondem satisfatoriamente
depressivo a cada ano de sua vida adulta. Cerca de recusam-se a tomá-los ou descontinuam o
75% das internações psiquiátricas têm episódios tratamento devido aos efeitos colaterais. O
depressivos como causa principal ou secundária. depressivo tratado com farmacoterapia incorre
em um problema de atribuição, tendendo a atribuir
Outros dados confirmam a gravidade dessa
sua melhora ao medicamento e, dessa forma,
situação. As estatísticas, em âmbito mundial,
reforçando a idéia de doença e de lócus de controle
nas três últimas décadas, indicam não apenas
externo. Por outro lado, a melhora do paciente em
um aumento gradual da incidência de depressão
psicoterapia vai além do simples alívio da depressão;
na população em geral, mas, ao mesmo tempo,
ele “aprende” de sua experiência psicoterapêutica
uma redução na idade de ocorrência do primeiro
de maneira abrangente e desenvolve-se em várias
episódio depressivo, com aproximadamente 9%
áreas de sua experiência, processos que previnem
dos adolescentes apresentando um episódio de
novos episódios. Finalmente, antidepressivos
depressão severa antes dos 14 anos de idade.
não combatem a “desesperança”, um construto
Além disso, a depressão, para a maioria das
cognitivo e que constitui o fator determinante da
pessoas, é uma enfermidade recorrente e crônica.
ideação e comportamento suicidas.
Um estudo prospectivo aponta que 85% dos
pacientes recuperados de um episódio depressivo Segundo a atual percepção de que quadros
sofreram pelo menos uma recorrência durante os depressivos importantes, para a grande maioria
15 anos seguintes, e 58% deles apresentaram dos pacientes, representam uma condição
recorrente, tem sido levantada a questão de que esquemas e crenças do depressivo, e restabelecer
a capacidade de uma intervenção de prevenir o a flexibilidade cognitiva, que conjuntamente lhe
retorno dos sintomas depressivos após o término possibilitariam a modulação emocional diante dos
do tratamento pode ser ao menos tão importante problemas e das dificuldades inerentes à vida.
quanto sua capacidade de tratar o episódio atual.
Fatores de vulnerabilidade à depressão
Não há evidências de que a farmacoterapia forneça
A TC adota um modelo de vulnerabilidade/
qualquer proteção contra o retorno dos sintomas
estressor para explicar a instalação e manutenção
após a sua suspensão. Contudo, defensores das
do transtorno depressivo. Segundo esse modelo,
intervenções psicoterápicas argumentam que estas
a vulnerabilidade à depressão, compreendendo
provêem ganhos permanentes, que persistem
fatores biológicos e cognitivos, seria inversamente
após a descontinuação das sessões e reduzem os
proporcional à apresentação de estressores
riscos subseqüentes. Um estudo conduzido por
ambientais; desse modo, um indivíduo apresentando
Hollon e colaboradores, em 1996, comparando o
alta vulnerabilidade à depressão necessitaria de
tratamento da depressão com TC, medicamentos
apenas um pequeno estressor para a ativação de
ou um misto de ambos constatou que os
um episódio depressivo, e vice-versa. Essa noção
resultados, em curto prazo, são os mesmos em
auxilia na avaliação, conceituação e intervenção
qualquer das situações, mas que as recidivas são
sobre os quadros de depressão. Quanto aos
muito menor entre aqueles tratados com TC.
fatores de vulnerabilidade à depressão, e refletindo
A hipótese de Vulnerabilidade a adoção de modelos multifatoriais, a TC aponta
Cognitiva como um modelo de depressão fatores de predisposição biológicos; fatores
A hipótese de vulnerabilidade cognitiva, a pedra hereditários; fatores de predisposição cognitivos,
fundamental do modelo cognitivo de depressão, adquiridos ou familiarmente transmitidos; déficit
refere-se à tendência aumentada nos depressivos, em habilidades de resolução de problemas; fatores
em relação à população em geral, de aplicar um ambientais e contingenciais, como problemas
viés negativo no processamento de informação; e crises vitais; fatores de personalidade, como
além disso, uma vez feita uma interpretação introversão, neuroticismo, traços obsessivos;
exageradamente negativa, eles tendem ainda a estados subjetivos de desamparo e desesperança,
resistir à desconfirmação de sua interpretação entre outros. Quanto aos fatores cognitivos
inicial ou ao reconhecimento de interpretações em particular, destacam-se os estilos de
alternativas. Dessa forma, a depressão resultaria processamento de informação que denotam
do fenômeno que chamamos de “espiral negativa extremismo e rigidez, como pessimismo e
descendente”: interpretações exageradamente perfeccionismo. Contudo, faz-se necessário refletir
negativas resultam em uma queda de humor, que sobre se a negatividade comum nos depressivos
por sua vez conduz a interpretações ainda mais refletiria uma distorção da realidade ou um excesso
negativas, e assim por diante, em um processo de realismo. Estudos na área de Psicologia Cognitiva
que explica a instalação e a manutenção do demonstram que o pessimista é mais realista
transtorno depressivo. No caso da depressão, o do que o otimista, isto é, os últimos distorcem
conteúdo das cognições dos depressivos refletiriam mais a realidade, e a seu favor, do que o fazem os
atribuições e avaliações pessimistas a respeito primeiros. Entretanto, estudos em TC demonstram
dos três vértices da tríade cognitiva: o depressivo que o pessimismo é um fator necessário, embora
avalia-se autodepreciativamente, como desprovido não suficiente, nos quadros depressivos. Essas
de qualidades e habilidades, percebe o mundo evidências, portanto, parecem sugerir que certo
externo como hostil, injusto e rejeitador, e imagina grau de otimismo é necessário para neutralizar
que, no futuro, sua insatisfação com seu presente a desesperança e o desamparo, que predispõem
permanecerá ou poderá aumentar. Beck propôs a indivíduos à depressão.
idéia de esquemas cognitivos, de crenças básicas
e crenças condicionais, que se desenvolveriam Classificação ou diagnóstico de
a partir das experiências relevantes de vida e depressão e a análise cognitiva funcional
refletiriam a idéia do indivíduo a respeito das Vários sistemas diagnósticos foram desenvolvidos,
regularidades do real. O objetivo fundamental da os quais apontam critérios para o diagnóstico da
TC seria, portanto, promover a re-estruturação depressão. Entretanto, diagnósticos implicam
cognitiva, ou seja a mudança no sistema de no conhecimento de fatores etiológicos. E como,
no presente estágio de conhecimento, temos validado modelo para a conceituação e tratamento
apenas hipóteses sobre a etiologia da depressão, da depressão, em associação ou não à medicação.
sendo o diagnóstico feito com base nos sintomas Além de seu desenvolvimento nas áreas de
apresentados, então vários autores argumentam, intervenção e eficácia, mais recentemente os
com boa dose de razão, que o que fazemos é, estudos sobre processos cognitivos na depressão
na verdade, uma classificação da depressão, e e processos que viabilizam resultados clínicos
não o seu diagnóstico. Contudo, essa discussão vêm igualmente recebendo atenção crescente
tem apenas uma relevância parcial para a TC, de pesquisadores, em um sinal inequívoco de
devido ao fato de que, em TC, o planejamento da progresso nos níveis conceitual e aplicado, e
intervenção e o próprio processo psicoterapêutico explicando a preferência pela TC por clínicos ao
apóia-se em uma análise funcional do quadro redor de todo o mundo.
específico de cada paciente depressivo. Para a
formulação de uma análise funcional, exploramos TERAPIA COGNITIVA E SUICÍDIO
as seguintes dimensões relevantes do quadro Arnaldo Vicente e Ana Maria M. Serra
depressivo: (1) alterações de humor, que se A TC vem-se demonstrando eficaz para uma
referem à característica central da depressão, daí ampla gama de transtornos emocionais, que inclui
a denominação genérica de “transtornos afetivos”; o suicídio. Sua eficácia na área da prevenção
(2) alterações do estilo cognitivo, que se refletem no do suicídio reveste-se de especial relevância,
pensamento lento e ineficiente, baixa concentração, tendo em vista os dados que demonstram um
déficits de memória, indecisão; (3) alterações de aumento na incidência de suicídio entre adultos
motivação, como perda de interesse em trabalho e adolescentes. O preparo técnico do terapeuta
ou lazer, isolamento social, comportamentos de cognitivo para o atendimento adequado ao
fuga ou esquiva, incluindo o suicídio; (4) alterações paciente suicida é de fundamental importância,
de comportamento, como passividade, inatividade, especialmente em vista da imprevisibilidade
choro, reclamação ou demanda excessivas, e da presença de comportamentos suicidas em
dependência; (5) alterações biológicas, como pacientes depressivos que procuram ou são
aumento ou redução do apetite ou sono, que podem encaminhados para a psicoterapia. Quando é
resultar de alterações estruturais ou bioquímicas. identificada, pelo terapeuta, a presença de ideação
Conclusão e comportamentos suicidas no paciente, todos os
Com relação ao processo terapêutico em TC demais objetivos terapêuticos são negligenciados,
para a depressão, note-se que o planejamento concentrando-se a ação do terapeuta na
da intervenção e a condução do processo clínico intervenção direta sobre esses elementos.
seguem os moldes gerais da abordagem, ou o Comportamentos Suicidas
que denominamos de “TC Padrão”, conforme já Primeiramente, necessitamos distinguir entre os
delineados no primeiro módulo dessa série de vários níveis de comportamentos suicidas, desde
Estudos Transversais. a ideação suicida, em que o paciente começa a
Em uma palestra memorável oferecida durante o contemplar o suicídio como uma solução viável
congresso da EABCT em Manchester, Inglaterra, para os seus problemas, até propriamente a
em setembro de 2004, Beck declarou que, quando tentativa de suicídio e o suicídio consumado.
ele propôs o modelo cognitivo de depressão, Comportamentos suicidas podem apresentar-se
conceituando-a de forma inovadora como um disfarçadamente: decisões súbitas de, por exemplo,
transtorno de pensamento e não como um preparar um testamento; afirmações que denotam
transtorno emocional, ele foi percebido, por desesperança, como “minha vida não vai melhorar”;
comportamentalistas e psicanalistas, como um idéias de que os demais estariam melhor com
“cavalo de Tróia”, explicando: “temiam que se minha morte, como “sou um peso para todos”;
me aceitassem entre eles, eu destruiria seus idéias de fracasso em satisfazer as expectativas de
modelos por dentro”. Contudo, não tardou para outros, como “desapontei a todos” etc. Uma criança
que a consistência e a eficácia do novo modelo de 6 anos, gravemente deprimida após um acidente
chamassem a atenção de estudiosos e clínicos em que faleceram a mãe e o irmão menor, começou
ao redor do mundo, que testaram e replicaram a expressar aos familiares o desejo de ir para o céu
os achados de Beck e seus associados. Hoje, o para rever a mãe e o irmão e, como eles, “ficar com
modelo cognitivo constitui o mais eficaz e melhor os anjinhos”, fala que indicava ideação suicida, na
tentativa de escapar da situação difícil em que se suicidas, indicando que é a medida relevante na
encontrava a família após a tragédia. avaliação objetiva do risco de suicídio em pacientes
Deve-se notar que o desejo de morrer é depressivos que buscam ou são encaminhados
inversamente proporcional ao desejo de comunicar para a psicoterapia.
a intolerabilidade à situação de vida presente; o Fatores Cognitivos de Risco
indivíduo que efetivamente deseja morrer, por ver a Além de fatores demográficos e sociais de risco
morte como a única solução para seus problemas, crônico e agudo, estudos sugerem vários fatores
não comunica seu desejo, para evitar ser impedido. cognitivos de risco, que devem ser investigados.
Por outro lado, o indivíduo que comunica seu desejo A desesperança tem-se demonstrado, segundo
de morrer pode estar comunicando, na realidade, os estudos, como um fator de risco crônico e
um pedido de ajuda. agudo. Sugere um esquema relativamente
Há ainda outras formas de avaliarmos a estável, em que a dimensão da tríade cognitiva
intencionalidade. Devemos inquirir o paciente a implicada é o “futuro”.
respeito de seu conhecimento sobre possíveis Outro fator de risco refere-se ao autoconceito.
métodos que ele consideraria utilizar, sobre a Em adultos, o autoconceito indica um fator de
letalidade dos métodos, sobre como teria acesso risco, independente da desesperança.
a esses métodos e sobre medidas que já pode haver Em crianças, porém, o autoconceito está
empregado para investigar sobre os diferentes relacionado à depressão e à intenção suicida,
métodos e acessar estratégias instrumentais. porém apenas quando na presença da
Essas informações, em conjunto, permitem ao desesperança. O autoconceito refere-se à
terapeuta avaliar a gravidade da intenção dimensão “eu” da tríade cognitiva.
suicida versus o desejo de comunicar a intenção
Quanto à forma de processamento de informação,
como um pedido de ajuda.
o suicida demonstra tendência aumentada a
A investigação direta da ideação e comportamento distorções na interpretação de seu real. As formas
suicidas é recomendada, sem o uso de eufemismos mais freqüentes de distorções, que refletem
e evitando inadvertidamente reforçar preconceitos em termos gerais uma rigidez cognitiva, são: a
sociais, culturais e religiosos contra o suicídio e o abstração seletiva, em que o indivíduo abstrai de
suicida. Alguns clínicos defendem a idéia de que seu real apenas as evidências que confirmam suas
abordar diretamente o suicídio, inclusive usando os expectativas pessimistas e negligencia evidências
termos “suicídio” e “suicida”, pode induzir o paciente contrárias; a supergeneralização, em que o
a considerar essa alternativa. Contudo, os estudos indivíduo utiliza-se de termos generalizantes
sugerem a improbabilidade dessa alternativa, como “nunca”/”sempre”, “tudo”/”nada”; e o
e indicam ainda que a evitação do assunto ou a pensamento dicotômico, que denota uma forma
referência velada podem sugerir ao paciente que extremista e perfeccionista de avaliar seu real
o terapeuta compartilha do preconceito social e em termos de, por exemplo, “ótimo” ou “péssimo”,
cultural, e talvez até religioso, contra suicidas. ou seja, não considerando possibilidades
Avaliação Objetiva intermediárias mais realistas.
Embora todos os suicidas sejam depressivos, os Quanto ao conteúdo de suas cognições, os temas
estudos demonstram que a desesperança é o mais freqüentes no processamento do real pelo
construto central de risco para o suicídio. Beck suicida são crenças perfeccionistas, que se
e associados criaram escalas para a avaliação refletem nas expectativas irrealistas que o
objetiva da depressão e da desesperança. O indivíduo tem de si, nas expectativas que o indivíduo
BDI (Beck Depression Inventory), o Inventário de tem dos outros, e nas expectativas que o indivíduo
Depressão de Beck, mostra-se correlacionado ao acredita que os outros têm de si. Dentre essas,
suicídio em amostras heterogêneas, por exemplo, as expectativas que o indivíduo acredita que os
na população em geral, ao discriminar entre outros têm de si correlacionam-se ao mais
depressivos e não depressivos. Porém, o BHS alto risco de suicídio.
(Beck Hopelessness Scale), a Escala de Quanto aos estilos de atribuição para explicar
Desesperança de Beck, mostra-se correlacionado a eventos negativos em suas vidas, o suicida tende a
suicídio em amostras homogêneas de depressivos, fazer atribuições internas (“os males da minha vida
isto é, discrimina entre depressivos suicidas e não devem-se a mim”), estáveis (“os fatores internos
que levaram a tais males permanecerão ao longo responsabilidade legal, sob pena de ser considerado
do tempo”) e globais (“os fatores internos que judicialmente como cúmplice, e ética de impedir o
levaram a tais males afetam todas as áreas da suicida de consumar seu plano, mobilizando todos
minha vida”). Essa tendência – fazer atribuições os recursos disponíveis, inclusive o envolvimento
de eventos negativos – reflete pessimismo e de outros significativos do paciente. Consideradas
desesperança, os fatores determinantes da as posições pessoais do terapeuta, ele poderá
ideação e comportamentos suicidas. justificar sua ação, no sentido de impedir o suicídio,
com base na suposição de que o suicida não está,
Déficit em Habilidades para
nesse momento, funcional e de posse de recursos
Resolução de Problemas
habituais de enfrentamento. Caberá, portanto,
Os estudos demonstram que o déficit cognitivo
ao terapeuta o desenvolvimento da flexibilidade
básico no suicida, semelhantemente a depressivos,
cognitiva e de habilidades de resolução de
refere-se a uma reduzida habilidade para resolução
problemas, que dotarão o paciente de recursos
de problemas. Quando suas estratégias habituais
de enfrentamento.
para resolver problemas falham, suicidas ficam
paralisados e demonstram inabilidade para gerar
novas estratégias de resolução, insistindo de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
forma estereotipada em estratégias ineficazes. Ao
BECK, A.T.; RUSH, A.J.; SHAW, B.F.; EMERY, G.
fracassar em resolver problemas, acreditam que o
(1997) Terapia Cognitiva da Depressão,
suicídio é a única solução eficaz.
Porto Alegre: ArtMed.
Suicidas falham em todas as etapas do processo
de resolução de problemas. Apresentam DATTILIO, F. M.; FREEMAN, A. (Eds.) (2004)
dificuldades em identificar claramente problemas Estratégias Cognitivo-Comportamentais
e metas, em gerar estratégias alternativas de de Intervenção em Situações de Crise,
resolução e inclusive resistem a reconhecer Porto Alegre: ArtMed.
estratégias viáveis de resolução quando estas SALKOVSKIS, P.M. (Ed.) (2004) Fronteiras da
lhes são sugeridas. Têm dificuldade, ainda, em Terapia Cognitiva, São Paulo: Casa do Psicólogo.
implementar estratégias de resolução devido à
desmotivação inerente à depressão, em avaliar
estratégias e monitorar resultados, e em gerar
estratégias alternativas de resolução quando as
estratégias iniciais falham. Finalmente, suicidas Ana Maria Serra
demonstram uma reduzida tolerância à ansiedade PhD em Psicologia e Terapeuta
inerente ao processo de resolução de problemas Cognitiva pelo Institute of
e ao tempo de latência entre a identificação de Psychiatry da Universidade
um problema e a sua resolução. de Londres, Inglaterra.
Vários programas de treinamento em habilidades Presidente Honorária da ABPC
de resolução de problemas para depressivos e – Associação Brasileira de
suicidas são relatados na literatura especializada. Psicoterapia Cognitiva.
No caso específico da TC, o treinamento em Diretora do ITC – Instituto de
habilidades de resolução de problemas faz
Terapia Cognitiva, que atua nas
parte integrante de seu modelo aplicado,
representando um dos dois pilares sobre os
áreas de clínica, pesquisa,
quais se apóia a intervenção cognitiva, ao lado consultoria e treinamento
da re-estruturação cognitiva. de profissionais, oferecendo
regularmente Cursos e Palestras,
O papel do psicoterapeuta
Profissionais devem refletir sobre esse aspecto dentre os quais um Curso de
e definir seu posicionamento filosófico a respeito Especialização em Terapia Cognitiva
dessa difícil questão. Porém, alguns pontos devem credenciado pelo CFP – Conselho
ser destacados. O psicoterapeuta tem uma Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD. Site: www.itc.web.com
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP
4m ó d u l o

tr a ns t or no s
de ansiedad e
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
INTRODUÇÃO relativa e subjetiva, porquanto reflete a forma
particular de representação desse evento por cada
Os transtornos de ansiedade, que compreendem
sujeito. Como exemplo, temos o agorafóbico, que
a ansiedade generalizada, as fobias, a síndrome
experiencia ansiedade em espaços abertos, em
de pânico, o transtorno obsessivo-compulsivo, a
decorrência de uma forma subjetiva de processar
ansiedade associada à saúde e hipocondria, e o
ou representar espaços abertos, os quais, para
transtorno de estresse pós-traumático, implicam
outros, não carregam o mesmo significado de risco
em severa incapacitação em seus portadores.
e perigo. Ou o portador de síndrome de pânico,
Sua incidência, segundo estudos recentes, vem
que experiencia uma ansiedade incontrolável diante
aumentando de forma preocupante.
de uma taquicardia ou arritmia, que ele interpreta
O presente módulo, o quarto nesta série de como um sinal iminente de um ataque cardíaco,
“Estudos Transversais”, tratará da aplicação da mas que outros processam de forma neutra ou, na
Terapia Cognitiva aos transtornos de ansiedade. maioria das vezes, nem notam.
Iniciaremos explicando as bases do modelo cognitivo
Ao tratar o paciente ansioso, promovendo a
dos transtornos de ansiedade, apresentando, em
re-estruturação e a flexibilidade cognitivas, o
seguida, os modelos cognitivos específicos para
terapeuta cognitivo tem como meta levá-lo a buscar
as classes de transtornos mais freqüentemente
interpretações alternativas a suas interpretações
observados, quais sejam, as fobias, a síndrome
exageradamente catastróficas; e, em paralelo,
de pânico, o transtorno obsessivo-compulsivo,
capacitá-lo a avaliar eventos com maior realismo,
a ansiedade associada à saúde e hipocondria,
neutralizando o sentido de risco ou perigo
e o transtorno de estresse pós-traumático.
exagerado que ele vem imprimindo ao seu real,
Finalizaremos, abordando uma importante área
interno e externo.
de transtornos – o transtorno de preocupação
excessiva (“worry disorder”) – área em que a TC A hipótese de especificidade cognitiva
vem-se destacando e que mereceu um livro recente,
intitulado “The Worry Cure: Seven Steps to Stop Essa hipótese reflete a proposição de uma
Worry from Stopping You” (ainda sem título em correspondência entre o conteúdo das cognições
português), de autoria de Robert Leahy, o autor do e a qualidade e intensidade da emoção, bem como
último artigo deste suplemento. a forma do comportamento de um indivíduo diante
de uma situação. Dessa forma, seqüências típicas
de pensamentos automáticos pré-conscientes
O MODELO COGNITIVO BÁSICO DOS ocasionariam emoções típicas; por exemplo,
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE pensamentos que refletem perda (“não sou
Conforme vimos anteriormente, segundo o nada sem o emprego que perdi” ou “sem meu
modelo cognitivo, a hipótese de vulnerabilidade casamento, a vida não vale a pena”), falta de algo
cognitiva explicaria a instalação e manutenção dos (“não tenho capacidade para conseguir um bom
transtornos emocionais. Essa hipótese propõe emprego” ou “não tenho o afeto de ninguém”),
que o portador de um transtorno emocional tem ou baixo autoconceito (“sou um fracasso” ou
uma tendência aumentada a cometer distorções “sou incapaz”), estariam associados a emoções
ao processar o real interno e externo, além de de depressão. Enquanto que pensamentos que
uma rigidez que o levaria, uma vez cometida refletem um sentido exagerado de vulnerabilidade
uma distorção, a resistir à consideração de frente ao real (“se perder esse emprego, jamais
interpretações alternativas. Segundo o modelo conseguirei outro” ou “não suportarei se vier a ser
cognitivo, o ponto central para a experiência abandonado”, ou ainda, “dor de cabeça: e se eu
subjetiva de ansiedade diante de um evento não tiver um tumor cerebral?”) estariam associados à
seria o evento em si, mas a atribuição de um emoção de ansiedade. A hipótese de especificidade
significado ameaçador ou perigoso ao evento pelo cognitiva é útil ao clínico, ao facilitar a identificação
sujeito. No caso específico dos transtornos de da cognição “quente”, que está associada à raiz da
ansiedade, a experiência de ansiedade decorreria emoção, e que, desafiada, resultará na modulação
de uma atribuição exagerada de ameaça ou perigo da emoção pelo sujeito; ou, no caso particular dos
a eventos que outros poderiam processar como transtornos de ansiedade, o desafio da cognição
neutros. A valência emocional ou ansiogênica “quente” resultará na neutralização da experiência
de um evento não é, portanto, intrínseca, mas de ansiedade pelo sujeito ansioso.
O perfil cognitivo típico do portador Probabilidade Grau de
de um transtorno de ansiedade de ocorrência
do evento temido
X aversão do evento
caso ocorra
Com base na hipótese de especificidade
cognitiva podemos postular um perfil cognitivo Possibilidade Possibilidade
típico para o portador de um transtorno de
ansiedade, reunindo elementos que possibilitam
estimada de
enfrentamento
+ estimada
de resgate
a instalação e garantem a manutenção do
quadro de ansiedade. Efetivamente, em termos
de estruturas cognitivas, o ansioso tem Este modelo é de extrema utilidade para
tipicamente crenças disfuncionais focalizadas explorarmos as características específicas ao
em ameaça física ou psicológica ao próprio quadro ansioso de cada paciente, para
indivíduo ou a seus outros significativos, que formularmos a conceituação cognitiva do caso,
refletem um sentido aumentado de para planejarmos a intervenção e, finalmente,
vulnerabilidade. Em relação ao modo de para promovermos o processo clínico. É
processamento cognitivo, o ansioso processa recomendado ainda que seja apresentado ao
seletivamente sinais de ameaça, derivados de paciente esse modelo, adaptado especificamente
sua superestimação da própria vulnerabilidade, ao seu quadro clínico, como uma estratégia
e descarta elementos contrários. Sua atenção adicional facilitadora do progresso terapêutico.
autofocalizada aumenta, o que reflete a
tentativa de controlar o estímulo ameaçador. Fatores cognitivos de instalação e
Seus pensamentos automáticos refletem manutenção de quadros de ansiedade
uma negatividade ou pessimismo geral, Fatores cognitivos, ou modos específicos de
focalizam em ameaça ou perigo a si ou a seus processamento de informação utilizados por
outros significativos, e são orientados para o sujeitos ansiosos, podem reforçar cognições de
futuro, em forma de pensamentos negativos ameaça e a conseqüente resposta de ansiedade,
antecipatórios, particularmente como perguntas concorrendo dessa forma para a manutenção do
do tipo “e se?” (“E se eu esquecer tudo na hora quadro de ansiedade, através do seguinte processo.
da prova?”, “e se eu tiver um ataque cardíaco?”, Diante de estímulos potencialmente ameaçadores,
“e se eu ficar ansioso e me descontrolar no como situações, sensações ou pensamentos, o
elevador?”, ou “e se eu for abandonado e não estímulo é processado pelo ansioso, segundo a
suportar a solidão?”). Suas cognições pré- equação acima apresentada, e a valência emocional
conscientes refletem rigidez; seu pessimismo do estímulo é avaliada, sendo, no caso do ansioso,
dá origem ao caráter excessivamente catastrófico freqüentemente superestimada. A superestimação
de suas interpretações, complementado pela do potencial de ameaça ou perigo do estímulo
rigidez, que o leva a “encalhar” nessa primeira pelo indivíduo incitará a ativação de processos
interpretação e resistir ao reconhecimento de de atenção seletiva, que o levarão a concentrar
interpretações alternativas. sua atenção seletivamente nos elementos que
confirmam sua expectativa de ameaça ou perigo
A avaliação do real pelo ansioso e a descartar os elementos neutros ou os que, ao
contrário, desconfirmam sua expectativa de risco
Paul Salkovskis (1996) propôs um modelo aumentado. A percepção, através da atenção
cognitivo de ansiedade que traduz, de forma seletiva, de risco aumentado incitará nova avaliação,
criativa e eficiente, os fatores que interagem novo aumento da atenção seletiva, e assim por
e determinam a intensidade da experiência diante, fechando o primeiro ciclo vicioso para a
de ansiedade pelo paciente, diante dos eventos manutenção do quadro disfuncional de ansiedade.
que habitualmente desencadeiam sua Em paralelo, um segundo ciclo vicioso é acionado,
resposta emocional – a ansiedade – e suas refletido nas reações biológicas e fisiológicas
respostas comportamentais – as chamadas associadas ao estado de ansiedade ativado em
estratégias compensatórias. resposta ao estímulo; através da excitação, reações
Nesse modelo, quatro elementos, em sinergia, como taquicardia, tensão, respiração acelerada,
resultam na resposta de ansiedade, segundo tremor etc., podem ocorrer, que serão novamente
a seguinte fórmula: avaliadas pelo indivíduo, através da equação
acima, como ameaças adicionais, resultando no comumente praticados pelo paciente, como visitas
reforçamento de suas idéias de vulnerabilidade repetidas a médicos, que freqüentemente frustram
frente ao real, implicando em um novo aumento paciente e médicos diante da não identificação
das reações biológicas e fisiológicas, e fechando formal de uma “doença”, o uso de psicofármacos,
o segundo ciclo vicioso. Finalmente, um terceiro a esquiva de situações que o indivíduo associa com
ciclo vicioso é acionado, em que os chamados as crises, a dependência de outros etc. concorrem
comportamentos de busca de segurança – para impedir a desconfirmação da atribuição
evitação, fuga, controle excessivo, monitoramento exagerada de um valor catastrófico às sensações
permanente, alerta, neutralização etc. – aos iniciais. Vemos então que o elemento essencial
quais o indivíduo recorre em resposta a sua para a instalação e manutenção da síndrome de
avaliação catastrófica do estímulo inicial impedem pânico é a interpretação catastrófica de sensações
a desconfirmação da atribuição exagerada de freqüentes, que aciona um estado de apreensão e
ameaça ou perigo ao estímulo e concorrem para a a espiral ascendente da ansiedade. Daí decorre que
manutenção do quadro de ansiedade. o tratamento para a síndrome do pânico requer a
neutralização da atribuição catastrófica e do estado
Tópicos Especiais: de apreensão infundado, através da desativação
Modelos cognitivos específicos para os do esquema de vulnerabilidade, o desafio das
transtornos de ansiedade mais comuns interpretações distorcidas das sensações iniciais
e o abandono dos comportamentos de segurança.
Síndrome de pânico
Enfim, desativar a idéia de que as sensações iniciais
Diante de estímulos como situações, estresse, sinalizam algum perigo ou ameaça de morte ou
cansaço, pensamentos, ou simplesmente descontrole iminentes. Explica-se, dessa forma, a
em decorrência de processos biológicos inoperância dos psicofármacos no tratamento do
normais de auto-regulação, um indivíduo pode pânico, desde que este não decorre de um distúrbio
experienciar sensações físicas, como taquicardia, neufisiológico, mas cognitivo.
adormecimento, aceleração respiratória, aumento
de pressão arterial, tontura, uma “pontada” no Fobia social
peito, ou outras sensações inespecíficas que A fobia social configura um transtorno de ansiedade
ele, inclusive, tem dificuldade para descrever. As comum associado a um alto grau de angústia e
pessoas em geral descartam essas sensações incapacitação em seus portadores. A TC desenvolveu
como inofensivas, ou, na maioria das vezes, um modelo específico para conceituação e
nem as notam. Mas o indivíduo propenso à tratamento da fobia social, que enfatiza os fatores
ansiedade, e que, portanto, tem um esquema de que mantêm ativo o quadro e busca a desativação
vulnerabilidade, o qual já o predispõe ao constante desses fatores. Entre os fatores de manutenção
automonitoramento, não apenas notará essas destaca-se um desvio de atenção seletiva, em que o
sensações, mas as interpretará como sinal de paciente focaliza prioritariamente a auto-observação
ameaça ou perigo iminente. Em resposta a essa e monitoramento, utilizando esses dados para fazer
avaliação catastrófica, o indivíduo entra em um inferências errôneas sobre o que outros estão
estado de apreensão, o qual, embora infundado, pensando dele. Acrescente-se ao quadro uma
acionará a resposta de ansiedade, que agravará grande variedade de comportamentos de busca
as sensações físicas iniciais e acionará novas de segurança, que impedem a desconfirmação de
respostas fisiológicas normalmente associadas seus medos e acentuam a atenção seletiva e a auto-
à apreensão. Esse agravamento e surgimento observação, fechando o ciclo vicioso. Sob o aspecto
de novas sensações serão interpretados pelo clínico, o modelo de tratamento enfatiza vários
ansioso como uma confirmação de que algo sério elementos: o desenvolvimento de uma conceituação
está realmente ocorrendo com ele – por exemplo, cognitiva do caso clínico, baseado em uma revisão
“estou tendo um ataque cardíaco” – reforçando a de recentes episódios de ansiedade social; “role-
idéia inicial de ameaça ou perigo e intensificando plays”, com e sem os comportamentos de busca de
ainda mais a ansiedade e as sensações associadas, segurança, a fim de demonstrar o efeito adverso
em um crescendo que acaba resultando em um da atenção autofocalizada e dos comportamentos
medo descontrolado, que denominamos de crise de de busca de segurança, que conduzem a outras
pânico. Os comportamentos de busca de segurança, conseqüências negativas; demonstração, através
de várias técnicas, da inocuidade da auto-imagem Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
do paciente e de suas idéias sobre sua imagem Imediatamente após a ocorrência de eventos
social; encorajar o re-direcionamento de atenção, traumáticos, muitas pessoas experienciam
da auto-observação para o comportamento do(s) sintomas de TEPT. Muitos recuperam-se ao longo
interlocutor(es); modificação da auto-imagem social dos meses subseqüentes, porém, um grupo
negativa; redução da ruminação pós-interações significativo desenvolve TEPT crônico. O modelo de
sociais, além de experimentos para testar suas Ehlers & Clark (2000) postula que há três fatores
previsões de avaliações negativas por outros. que contribuem para a manutenção do quadro:
(1) pessoas com TEPT crônico demonstram
Ansiedade associada à saúde e hipocondria
avaliações excessivamente negativas do trauma
A hipocondria é conceituada como um transtorno e/ou seqüelas que geram uma sensação atual de
de ansiedade, em que o indivíduo interpreta de ameaça; (2) a natureza da memória traumática
forma errônea variações e sensações corporais, explica a ocorrência de sintomas recorrentes;
bem como informações médicas indicando que ele (3) a avaliação por parte dos pacientes motiva
possa estar gravemente doente. Tais interpretações uma série de comportamentos e estratégias
distorcidas freqüentemente advêm de suposições cognitivas disfuncionais (tais como supressão de
gerais acerca de doenças, saúde e a classe médica, pensamento, ruminação, comportamentos de
realizadas por indivíduos vulneráveis. A ansiedade busca de segurança), que têm como intuito reduzir
relacionada a crenças de ameaça é mantida através a sensação de ameaça, porém concorrem para a
de uma combinação de respostas fisiológicas, manutenção do problema ao impedir mudanças em
afetivas, cognitivas e comportamentais, e, muitas suas avaliações e de memória traumática, podendo
vezes, reforçadas pelo ambiente social. Esta ainda levar a um agravamento dos sintomas.
teoria gerou o desenvolvimento de um tratamento
Com base neste modelo, a TC objetiva identificar
altamente eficaz, validado por meio de diversos
e mudar as avaliações negativas idiossincráticas
estudos controlados, o qual alia técnicas cognitivas e
do trauma e/ou de suas seqüelas, de forma que
comportamentais à empatia terapêutica, de forma
o paciente abandone comportamentos e
a fazer com que o paciente se sinta compreendido.
estratégias cognitivas responsáveis pela
Enfatiza-se a importância de estratégias que se
manutenção de seu quadro. Técnicas terapêuticas
utilizam do engajamento e da descoberta guiada, de
incluem a re-encenação mental do evento,
forma a chegar a um consenso mútuo e neutralizar
para identificar significados associados, o
a preocupação excessiva com doenças e assuntos
questionamento socrático, experiências
relativos à saúde e tratamentos.
comportamentais e modificação imaginária.
Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) Estudos recentes comprovam a alta eficácia
A TC hipotetiza que o portador de um TOC sofre da TC no tratamento de TEPT.
de obsessões em decorrência de uma tendência
acentuada e relativamente estável de interpretar
a ocorrência e o conteúdo de pensamentos LEITURAS RECOMENDADAS
intrusivos normais como um sinal de que ele Beck et al. (1990) Anxiety Disorders and Phobia: A
possa tornar-se responsável por algum dano ou Cognitive Perspective. New York, Basic Books.
prejuízo a si ou a seus outros significativos. Sua
estratégia compensatória é ritualizar, através de Clark, D. M. (2005) Transtorno do Pânico: Da Teoria
comportamentos compulsivos, aos quais ele atribui à Terapia. In Fronteiras da Terapia Cognitiva, P.
uma capacidade infundada de neutralizar os efeitos Salkovskis, São Paulo, Casa do Psicólogo.
potencialmente danosos de seus pensamentos Salkovskis, P. M. (2005) A Abordagem Cognitiva aos
intrusivos. O tratamento, desenvolvido com base Transtornos de Ansiedade: Crenças de Ameaça,
nesse modelo, tem vários componentes. Além disso, Comportamento de Busca de Segurança e
este objetiva ajudar o paciente a compreender seu o Caso Especial da Ansiedade e Obsessões
problema como um transtorno, a compreender Relativas à Saúde. In Fronteiras da Terapia
seus pensamentos intrusivos como normais e livres Cognitiva, P. Salkovskis, São Paulo, Casa do
de significados ameaçadores, e a reagir conforme Psicólogo.
essa representação.
TRANSTORNO DE PREOCUPAÇÃO 5. O fracasso é inaceitável.
EXCESSIVA: SETE PASSOS PARA SUPERAR 6. Livre-se de qualquer sentimento negativo
SUAS PREOCUPAÇÕES imediatamente.
Robert L. Leahy, PhD 7. Trate tudo como se fosse uma emergência.
Tradução: Tatiana M. Martinez
Revisão: Ana Maria Serra, PhD Pense a respeito. Agora que conhece as sete
Todas as pessoas parecem preocupar-se; e quase regras, você poderá se preocupar todos os dias
todas recebem maus conselhos em como lidar de sua vida a respeito de algo que provavelmente
com suas preocupações. Um típico preocupado nunca ocorrerá. Você tem aí o CAMINHO REAL
crônico dirá: “Em toda a minha vida fui uma pessoa PARA A INFELICIDADE!
preocupada”. Preocupados crônicos levam quase Na realidade, estas sete regras são baseadas nas
dez anos para procurar psicoterapia – se é que mais recentes pesquisas acerca da natureza das
algum dia procuram. E, ao longo desse tempo todo, preocupações. O primeiro passo para lidar com
vêm ouvindo maus conselhos que podem consistir suas preocupações é perguntar: “Qual a vantagem
do seguinte: que você espera obter ao se preocupar?” Pessoas
que se preocupam excessivamente acreditam que
“Você tem que pensar de forma mais positiva”. simplesmente ter um pensamento – como “Posso
“Você tem que acreditar em si mesmo”. fracassar” – significa que elas devem se preocupar
a esse respeito. Estas pessoas de fato acreditam
que se preocupar irá prepará-las, motivá-las e
As chances de que estes conselhos funcionem são evitar que jamais sejam surpreendidas. Preocupar-
praticamente nulas. se é uma estratégia. Por exemplo, se você tem
Quando percebi que muitos de meus pacientes uma prova prestes a ocorrer, você poderá tentar
procuravam terapia reclamando de suas qualquer uma das seguintes estratégias:
preocupações, pensei: “Qual livro eu poderia 1) poderá se preocupar a respeito;
recomendar?” Então eu comecei a me preocupar!
2) poderá se embebedar; ou
Não havia nada disponível que realmente fizesse
sentido. Mas, ao longo dos últimos oito anos, 3) poderá estudar.
surgem novos e inovadores trabalhos sobre as
razões pelas quais as pessoas se preocupam e Qual dessas é a melhor estratégia?
como podemos ajudá-las. Decidi então começar a Pedimos a pessoas que se preocupam
escrever um livro de auto-ajuda para pessoas que excessivamente que distinguissem entre
se preocupam excessivamente. preocupação produtiva e preocupação improdutiva.
Por exemplo, se vou viajar de Nova York a Roma,
Qual a melhor forma de se pensar uma preocupação produtiva envolve AÇÕES QUE
a respeito das preocupações? POSSO TOMAR AGORA: posso comprar minha
Imaginemos que estamos tentando ensinar uma passagem aérea e reservar um quarto de hotel.
pessoa – digamos alguém que vem de outro Preocupação improdutiva envolve todos os “e se?”
planeta, como Marte – “Aqui estão algumas sobre os quais não posso fazer nada a respeito.
regras sobre como se preocupar”. Estes incluem: “E se minha apresentação não for
Quais seriam essas regras? bem?”, ou “E se eu me perder em Roma?”, ou ainda
“E se alguém não gostar de mim?”.
1. Se algo ruim pode acontecer – se você é
capaz de simplesmente imaginar –então é sua Isso nos leva ao segundo passo – lidando com a
responsabilidade se preocupar a respeito. incerteza. Pesquisas demonstram que pessoas
que se preocupam excessivamente não toleram a
2. Não aceite qualquer incerteza – você precisa
incerteza. Ironicamente, 85% das coisas sobre as
saber com certeza.
quais os preocupados se preocupam tendem a ter
3. Trate todos os seus pensamentos negativos um resultado positivo. E, mesmo que o resultado
como se fossem verdadeiros. seja negativo, em 79% dos casos, os preocupados
4. Qualquer coisa ruim que venha a acontecer é um dizem: “Lidei com isso melhor do que esperava”.
reflexo de quem você é como pessoa. Ajudamos os preocupados a comprometer-se a
aceitar a incerteza. Na verdade, você já aceita previsões futuras erradas que eu sempre faço?”
muitas incertezas na sua vida. Exigir certeza é O quarto passo para lidar com a preocupação
inútil; portanto podemos procurar por algumas excessiva é reconhecer como sua personalidade
vantagens em se ter algum grau de incerteza. Estas contribui para o problema. Também sabemos que
incluem novidade, surpresa, desafio, mudança e as pessoas diferem entre si com relação ao que
crescimento. Caso contrário, a vida é entediante. as preocupa. Algumas pessoas se preocupam a
Juntamente com a aceitação de algum grau respeito de dinheiro, outras a respeito de saúde,
de incerteza, sabemos que pessoas que se e outras sobre o que outras pessoas pensam
preocupam de forma excessiva evitam experiências acerca delas. E a preocupação também está
desconfortáveis. Então pedimos a estas pessoas relacionada a sua personalidade. Por exemplo,
que listassem todas as coisas que evitavam fazer você pode estar preocupado em ser abandonado
e começassem a fazê-las. A meta, nesse caso, ou em se tornar desamparado e incapaz de cuidar
é “desconforto construtivo” e “imperfeição bem- de si mesmo, ou pode estar preocupado de que
sucedida”. Você tem de se sentir desconfortável não é religioso ou moral o suficiente, ou ainda de
para motivar-se a crescer e mudar; e o sucesso é que não é superior aos demais. Podemos utilizar
adquirido a custo de imperfeições. Descobri que as técnicas da terapia cognitiva para ajudar as
estas idéias podem ser muito fortalecedoras. Uma pessoas a modificar essas preocupações. Por
vez que você descobre que já está desconfortável exemplo, podemos examinar os custos e benefícios
(porque você é uma pessoa que se preocupa de pensar em termos tão rígidos – tudo ou nada.
de forma excessiva e provavelmente está um Ou você pode se perguntar que conselho poderia
pouco deprimido), você pode ao menos usar o seu oferecer a um amigo na mesma situação. Ou
desconforto para fazer progresso. podemos estabelecer experimentos, nos quais
O terceiro passo refere-se à forma como você não solicita proteção a outros, ou não precisa
você avalia o seu pensamento. Pessoas que se agir com perfeição, ou passe tempo sozinho (se
preocupam excessivamente têm uma “fusão você acha que sempre precisa de alguém). Você
pensamento-realidade”. Elas acreditam que “Se também pode praticar escrever afirmações
eu achar que há a possibilidade de eu vir a ser assertivas ao familiar que o ensinou todas essas
rejeitado, então isso se tornará realidade – a coisas negativas a seu respeito.
menos que eu me preocupe a respeito e faça todo O quinto passo refere-se a suas idéias a respeito de
o possível para que isso não ocorra”. Nesse sentido, fracasso. Preocupados acreditam que o fracasso
as preocupações são como obsessões – pessoas é inaceitável – e que tudo pode ser visto como
tratam seus pensamentos como se já fossem um possível fracasso. Se você vai a uma festa e
fatos. Erros típicos de pensamento incluem “leitura alguém não é amigável, então VOCÊ FRACASSOU.
de pensamento” (Ele acha que sou um perdedor), Quando eu estava na faculdade, tinha um amigo,
conclusões precipitadas (Eu não sei algo, portanto Fred, que fez um trabalho para uma disciplina de
irei fracassar), racionalização emocional (Sinto- Economia. Era um plano de negócios de um serviço
me nervoso, então as coisas não darão certo), de remessa rápida noturna, nos Estados Unidos.
perfeccionismo (Preciso ser perfeito para ser Seu professor lhe deu uma nota baixa, alegando
confiante), e descontar o positivo (O fato de que “Isto é irrealista. Nunca irá funcionar”. Ele se formou
fui bem sucedido no passado não é garantia de da faculdade e se tornou o fundador da FEDERAL
nada). Os excessivamente preocupados também EXPRESS. Fracasso?
têm idéias de “emergência repentina” – tais como, Utilizo vinte estratégias para lidar com o medo
pensamentos do tipo “descida escorregadia” do fracasso. Exemplos de dez destas estratégias
(Se essa tendência continuar, as coisas poderão incluem as seguintes:
continuar desabando rapidamente) ou “armadilha”
1. Eu posso focalizar naquilo que consigo controlar.
(Eu poderei cometer um erro e minha vida inteira
poderá desmoronar). Os preocupados podem 2. Eu consigo focalizar em outros
desafiar e testar seus pensamentos – “Qual o pior comportamentos que serão bem-sucedidos.
resultado, o melhor e o mais provável?”, “Quais 3. Não era essencial ser bem-sucedido
as coisas que eu poderia fazer para lidar com um naquela tarefa.
problema real?”, “Há evidências de que o resultado 4. Adotei alguns comportamentos que
poderá ser ok?”, e “Estou fazendo as mesmas não valeram a pena.
5. Todos fracassam em alguma coisa. Ensinamos estas pessoas a desligar o senso de
6. Talvez ninguém tenha notado. urgência, a se distanciar de seu medo do futuro,
e a viver e apreciar o momento presente. Os
7. Minha meta estava correta?
excessivamente preocupados também podem se
8. Fracasso não é fatal. imaginar entrando em uma máquina do tempo e
9. Os meus padrões eram altos demais? perguntado-se: como me sentirei um mês após o
10. Desempenhei melhor do que anteriormente? evento ter ocorrido – se é que um dia realmente
ocorrerá? Como tenho lidado com problemas que
de fato existem? E, sobre o que me preocupei
O sexto passo aborda como você lida com
no ano passado? Interessantemente, uma vez
suas emoções. Pesquisas demonstram que
que a maioria das preocupações nunca torna-
a preocupação é uma forma de evitação
se realidade, essas pessoas freqüentemente
emocional – quando as pessoas engajam-se em
dizem, “Eu não consigo recordar sobre o que me
preocupações estão ativando o lado “PENSANTE”
preocupei no ano passado”. Isto nos revela que
de seus cérebros – e não se permitindo sentir
o que o está preocupando neste momento é algo
uma emoção. A preocupação é abstrata. Quando
que logo você esquecerá.
interrompem a seqüência de “e se?”, estas
pessoas experienciam tensão, suor, taquicardia
ou insônia. Observamos que pessoas que se
preocupam excessivamente têm dificuldade em Robert Leahy, PhD
rotular suas emoções e tendem a ter visões muito Diretor do American Institute for Cognitive Therapy;
negativas sobre elas. Ajudamos preocupados a Professor, Depto. Psiquiatria, Cornell University
aceitar e valorizar suas emoções, a reconhecer Medical College, Presidente da IACP – International
que os outros também têm as mesmas emoções, Association for Cognitive Psychotherapy; Presidente-
que é normal ter “sentimentos conflitantes”, e Eleito da Academy of Cognitive Therapy.
que as emoções dolorosas podem sinalizar
suas necessidades e refletir seus mais altos
valores. Emoções são temporárias – se você
permitir que elas ocorram.
Finalmente, pessoas que se preocupam
excessivamente acreditam que o mal chegará
Ana Maria Serra
muito em breve. Acreditam que o fracasso, a
rejeição, a ruína financeira, ou doenças fatais PhD em Psicologia e Terapeuta
as atingirão muito rapidamente. Tudo é uma Cognitiva pelo Institute of
emergência: “Eu preciso saber agora mesmo”. Psychiatry da Universidade
de Londres, Inglaterra.
Presidente Honorária da ABPC
– Associação Brasileira de
Psicoterapia Cognitiva.
Diretora do ITC – Instituto de
Terapia Cognitiva, que atua nas
áreas de clínica, pesquisa,
consultoria e treinamento
de profissionais, oferecendo
regularmente Cursos e Palestras,
dentre os quais um Curso de
Especialização em Terapia Cognitiva
credenciado pelo CFP – Conselho
Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD. Site: www.itc.web.com
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
5
m ó d u l o

Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

transtornos alimentares
dependência química
organizações
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos Transtornos
de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-Compulsivo), Fobias,
Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno de Estresse
Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
TERAPIA COGNITIVA DA continuar abstinente. É nessa área que as técnicas
DEPENDÊNCIA QUÍMICA da TC padrão para ansiedade e depressão são
Cory Newman, PhD aplicáveis, conforme ilustrado em estudos nos quais
Tradução: Carla Andrea Serra a sua aplicação no tratamento da dependência
Revisão da Tradução: Ana Maria Serra, PhD química foi diferencialmente eficaz para pacientes
A terapia cognitiva (TC) pode representar uma que eram também depressivos. Da mesma forma,
importante aliada no tratamento de pacientes alguns pacientes tentam aumentar os seus
dependentes, especialmente se habilmente sentimentos positivos com álcool e outras drogas, a
combinada com farmacoterapia e terapia de fim de celebrar, mas também (talvez) para evitar o
apoio em grupo. seu medo de enfrentar sua vulnerabilidade em um
estado sóbrio.
Este estudo focalizará as habilidades adquiridas
em TC e os meios pelos quais estas podem ser Crenças disfuncionais sobre drogas, e a
utilizadas no tratamento do abuso de substâncias respeito de si mesmo em relação a drogas
e da dependência química. Terapeutas cognitivos ajudam pacientes a acessar
O modelo da TC para a dependência química, e modificar suas crenças errôneas sobre as
descrito por Beck, Wright, Newman & Liese substâncias psicoativas. Algumas dessas crenças
(1993), expõe sete principais áreas potenciais de mal-adaptativas relacionam-se às próprias
intervenção, que são descritas a seguir. substâncias, como, por exemplo, quando pacientes
acreditam que “você não se torna um alcoólatra
Situações de alto risco, externas e internas apenas por tomar cerveja” e “cocaína é segura
Aos pacientes é prescrita a tarefa de avaliar as se você cheirá-la e não fumá-la”. Outras crenças
“pessoas, lugares e coisas” que eles associam ao disfuncionais referem-se às relações do paciente
seu uso de drogas. Essas são as situações externas com as drogas, como, por exemplo, “se eu parar
de alto risco, com as quais os pacientes devem de tomar drogas, não terei mais amigos”. Talvez
tentar limitar o seu contato. Exemplos podem incluir as crenças mais difíceis de abordar são aquelas
o primo com quem o paciente injetava heroína que são sugestivas de um diagnóstico duplo, como,
(“pessoas”); a esquina onde costumava comprar por exemplo, o paciente que acredita “eu sou uma
suas pílulas (“lugar”), e o cachimbo especial que má pessoa e não mereço ter uma vida normal,
costumava utilizar para consumir crack (“coisas”). por isso não me importo se estragar a minha vida
Os pacientes são encorajados de forma ativa a ou morrer”. Intervenções em TC devem focalizar
estruturar suas vidas, a fim de que possam evitar não somente o uso de drogas pelo paciente, mas
ao máximo esses estímulos externos de alto risco. também sua baixa auto-estima, desamparo e
Terapeutas cognitivos ensinam seus pacientes a tendência suicida.
estarem conscientes de seu processo de tomada
de decisões, a fim de que possam planejar o seu Pensamentos automáticos que aumentam
dia de forma deliberada, a fim de maximizar ordem a fissura e intenção de utilizar drogas
e previsibilidade, e reduzir as chances de contato Esses são os pensamentos e imagens instantâneos
“acidental” com altos riscos externos. Entretanto, que os pacientes têm em situações, nas quais
nem todos estes estímulos são perfeitamente teriam a oportunidade de consumir álcool ou
evitáveis, e os pacientes terão de aprender outras drogas. Freqüentemente, estes são
habilidades de enfrentamento que os ajudarão a se pensamentos breves e exclamatórios, tais como
manterem abstinentes, mesmo se tiverem contato “quem se importa?”, ou “preciso de algo agora”.
inadvertido com tais estímulos. Tais pensamentos levam a um aumento na ativação
Os estados de humor do paciente representam do sistema nervoso autônomo do paciente (por
suas situações internas de alto risco. Muitos exemplo, suor, respiração pesada) e a um aumento
pacientes são intolerantes a desconfortos e na fissura pela substância química. Em TC, os
tentarão anestesiá-los com álcool e outras drogas, pacientes são ensinados a reconhecer a sua
na tentativa de não se sentirem ansiosos, sozinhos, tendência a esses pensamentos automáticos, bem
deprimidos, entediados, culpados, envergonhados como a preparar “respostas” para eles, a fim de
ou bravos. Esses estados internos precisam reduzir a fissura, relaxar e poder refletir com mais
ser gerenciados através de medidas cognitivas cuidado sobre a situação.
e comportamentais apropriadas, a fim de que Fissuras fisiológicas
o paciente possa maximizar suas chances de Essas são sensações fisiológicas que geram
uma sensação desconfortável e não resolvida 1. só usarei um pouquinho;
de “ativação” ou “apetite”, motivando o indivíduo 2. ninguém ficará sabendo dessa vez;
a alterar seu estado mental através do uso de 3. tenho-me comportado bem há um bom tempo,
substâncias psicoativas (Newman, 2004). Muitos portanto agora eu mereço “ficar alto” (usar
pacientes acreditam que não podem enfrentar sua drogas);
fissura e que não “têm escolha”, a não ser satisfazer 4. só vou testar-me para ver se agora consigo
seu desejo. Estão erroneamente convencidos de dominar a vontade de usar essa droga.
que seus desejos irão aumentar perigosamente e
Essas crenças favorecem o uso da droga e,
atingir o ponto de um “breakdown” mental ou físico,
conseqüentemente, atuam como uma grave
em que a “única saída” para seu alívio é render-se
ameaça à sobriedade, mesmo em pacientes que
aos desejos e à vontade de beber e usar drogas.
expressam desejar tratamento para abandoná-la.
Os terapeutas cognitivos educam seus pacientes
Para contra-atacar essas crenças de permissão,
sobre a natureza cíclica (não linear) de sua fissura
pacientes em TC precisarão desenvolver respostas
(Newman, 1997), indicando que a fissura alcança
racionais claras, não-ambíguas e bem treinadas, que
um ponto máximo e então diminui por si mesma.
favorecem a abstinência. Essas respostas podem
Pacientes podem ajudar-se a si mesmos, enquanto
ser escritas em cartões ou praticadas verbalmente
esperam que sua fissura diminua, aprendendo
em forma de “role-play” com o terapeuta. Exemplos
uma técnica conhecida como “distrair e adiar”,
de respostas racionais (às crenças disfuncionais
na qual eles desviam sua atenção a uma lista
acima) são:
de tarefas significantes e de alta prioridade
1. Não existe somente um único “uso”. Este levará
(por exemplo, retornar ligações importantes) ou
a mais “usos”, que significarão problemas.
prazeres pequenos e não-aditivos (ouvir música),
2. Saberei que usei e isso me perturbará e outros
até que os desconfortáveis desejos e compulsões
descobrirão de qualquer forma.
diminuam naturalmente.
3. Necessito manter minha sobriedade. Mereço
Os pacientes aprendem que, cada vez que permitem uma vida melhor e não retornar a usar drogas.
à fissura seguir seu curso natural, sem “satisfazê-la”
4. Testar-me é uma armadilha para o fracasso. O
com álcool ou outras drogas, eles estão sendo bem
verdadeiro teste é continuar nesta linha, que já
sucedidos na redução da força média de fissuras
completa 35 dias.
futuras, através de um aumento gradual no domínio
sobre elas. Entretanto, os pacientes devem ser Rituais e estratégias comportamentais
alertados de que certas situações de alto risco generalizadas, associadas ao uso de drogas
ocasionalmente causarão desejos e compulsões Quando terapeutas formulam uma conceituação
de, por exemplo, reforçar uma bebida com álcool. cognitiva do caso de seus pacientes dependentes,
Nesses casos, devem ter prontamente à mão eles também avaliam os rituais comportamentais
um plano de enfrentamento e podem necessitar nos quais os pacientes se envolvem, associados
estar preparados para contatar seu sistema de ao seu uso de álcool e outras drogas. Esses
apoio de emergência. comportamentos podem ocorrer no âmbito social
Crenças de permissão que os pacientes (por exemplo, ir a um bar específico em um certo
utilizam para justificar o uso de drogas horário da noite), e/ou no âmbito individual ( montar
sua parafernália para uso da droga no banheiro,
Freqüentemente os pacientes lutam contra o
com o chuveiro ligado e a porta fechada). As
conflito psicológico referente à escolha de beber
intervenções nessa área têm como objetivo evitar,
e usar drogas ou de se abster. Eles querem lutar
abortar, interromper ou contra-atacar o progresso
em direção à meta da abstinência, mas também
de tais rituais. Isto tipicamente envolve uma grande
querem reduzir a dor da retirada da substância
dose de motivação, a fim de re-estruturar suas
e voltar a experienciar as alterações mentais
rotinas, a fim de que as aquisições de álcool e
associadas aos efeitos de drogas ilícitas. Uma
outras drogas se tornem o mais inconveniente
das formas mal-adaptativas que os pacientes
possível. Por exemplo, os pacientes podem
utilizam para resolver esse conflito é por meio
comprometer-se a esvaziar suas casas de álcool,
de suas crenças de permissão, em que eles dizem
drogas e equipamentos relacionados a drogas; a
a si mesmos que não há problema em beber e usar
estruturar sua rotina diária para que estejam em
drogas essa vez. Exemplos dessas crenças
companhia de pessoas sóbrias; e a estar sempre
de permissão são:
em contato com outros, comunicando onde estão.
Reações psicológicas adversas a exposição a comportamentos disfuncionais de
a lapsos e recaídas pares relativos à alimentação, as dificuldades nas
Caso o paciente recaia no uso de drogas, ele ainda relações interpessoais, e outros aspectos, se
terá a oportunidade de limitar o dano e fazer conjugam e resultam na instalação e manutenção
um novo compromisso de manter a sobriedade. desse tipo de transtorno. Aspectos comuns às
Infelizmente, suas fissuras agora serão mais várias modalidades de TA’s referem-se a dietas
fortes, suas funções cerebrais executivas estarão rigorosas; pensamentos recorrentes sobre comida,
afetadas e muitas de suas crenças disfuncionais sobre forma e peso corporais; perda de controle
serão ativadas (por exemplo, “sou um fracasso sem sobre a alimentação; medo mórbido de engordar,
esperanças e nunca me recuperarei”). A despeito regras rígidas e, eventualmente, transtornos
disso, o uso de álcool e drogas compreende emocionais (depressão, ansiedade) e orgânicos
muitas decisões distintas, qualquer das quais (distúrbios hidroeletrolíticos, cardiológicos e
poderá referir-se a uma auto-instrução para parar. dentários), estes especialmente associados aos
Conseqüentemente, é errôneo para os pacientes comportamentos purgativos e à desnutrição, que
acreditar que eles não podem parar de beber ou podem ocasionar até a morte do portador.
de usar drogas, uma vez que tenham começado; Os TA’s compreendem a anorexia nervosa
um lapso que os leva a beber e usar drogas não (AN), a bulimia nervosa (BN) e o transtorno de
necessariamente se tornará uma completa “binge” (TB), também denominado transtorno de
recaída. Os pacientes em TC aprendem a estudar compulsão alimentar. Este último tem sido descrito
seus lapsos, ao invés de sentir-se desamparados. recentemente na literatura, sendo caracterizado
Eles registram dados a respeito de seus lapsos, por episódios recorrentes de compulsão alimentar,
o que usaram, quanto, quem os acompanhava, durante os quais uma quantidade grande de
quais foram suas “crenças de permissão”, como alimento é consumida em tempo curto, não
se sentiram etc. Esses dados constituirão uma satisfazendo, porém, os critérios de dieta excessiva
parte importante da agenda da sessão seguinte, e preocupação excessiva com forma e peso
de modo que o paciente possa aprender lições corporais, característicos dos diagnósticos de AN e
importantes de seu lapso. Os pacientes aprendem BN. A obesidade, por sua vez, é classificada como
que a abstinência é o seu melhor resultado, e um transtorno médico e não como a manifestação
que os lapsos não devem ser tratados como uma principal de um transtorno psicológico, o qual, caso
catástrofe. Ao contrário, seus efeitos prejudiciais se apresente, requer tratamento psicoterápico, à
podem ser limitados, desde que o paciente utilize semelhança dos demais TA’s.
seus recursos de enfrentamento e se comprometa Quanto à incidência, os TA’s afetam cerca de 3%
novamente com o programa de tratamento. da população no Brasil, cerca de 8 milhões de
americanos e aproximadamente 70 milhões de
TERAPIA COGNITIVA E pessoas ao redor do mundo. 90% dos portadores
TRANSTORNOS ALIMENTARES de algum tipo de TA são mulheres entre 12 e 25
Ana Maria Serra, PhD anos. Cerca de 30% dos adultos obesos sofrem de
O tema da TC aplicada aos transtornos alimentares transtorno de compulsão alimentar. A ocorrência
(TA’s) é apresentado em seguida ao tema da TC de TA’s entre homens vem aumentando, afetando
aplicada à dependência química graças a que os hoje cerca de 1% da população masculina nos EUA.
modelos cognitivos específicos para ambos os Estimativas de ocorrência de alguma forma de TA’s
transtornos têm importantes características em entre atletas são particularmente preocupantes
comum. As crenças de permissão, que desempenham e indicam uma taxa de incidência que varia entre
um papel decisivo na instalação e manutenção da 15 e 60%. A taxa de mortalidade para portadores
dependência química, também exercem uma forte de transtornos alimentares é maior do que para
influência nos processos cognitivos de tomada de qualquer outro transtorno psicológico.
decisão dos portadores de TA’s. Com relação a comorbidades, além de quadros
Os TA’s referem-se a severas perturbações no associados de depressão, ansiedade e dependência
comportamento alimentar, que podem levar química, um terço dos anoréxicos tem transtornos
ao emagrecimento extremo ou à obesidade. de personalidade evitativa e 40% dos bulímicos têm
Constituem uma manifestação bio-psico-social, em personalidades borderline. O transtorno obsessivo
que a genética, o estresse, a baixa auto-estima, compulsivo (TOC) apresenta-se associado a 60%
a pressão cultural para a forma corporal magra, dos casos de AN e a 33% dos casos de BN, e
estudos reportam transtornos de personalidade mas não proporcionam o alívio do afeto negativo; ao
narcisista e evitativo entre os portadores de TA’s. contrário, o agravam, resultando na manutenção
Modelo cognitivo dos TA’s dos transtornos. No caso da AN, o foco excessivo
Distorções cognitivas refletem uma característica em forma e peso, bem como a insatisfação
proeminente nos TA’s, sendo consideradas, pela continuada decorrente, estão associados também
TC, como a característica central dessa forma de ao afeto negativo como causa e efeito. Porém,
psicopatologia. Para a TC, especialmente a AN e a no caso da AN, a psicopatologia cognitiva e os
BN são consideradas transtornos cognitivos. efeitos da desnutrição são vistos como realização
e não como um problema, o que igualmente
As distorções cognitivas apresentam-se
perpetua o quadro. Em conseqüência, enquanto
freqüentemente associadas ao perfeccionismo e
que os portadores de BN e TB apresentam-se
pensamento dicotômico, que resultam em: foco
motivados para a terapia, os portadores de AN
excessivo em alimentos e dietas; rigidez e dietas
não reconhecem sua necessidade de tratamento,
muito restritivas; idéias radicais de que pequenas
resultando em que o foco sobre a promoção da
transgressões em regras e dietas auto-impostas
motivação para a terapia torna-se com freqüência a
são interpretadas como graves violações, ou seja,
primeira meta terapêutica.
qualquer coisa aquém de “controle perfeito” não
tem valor. O modelo cognitivo enfatiza o papel das Trataremos, abaixo, de aspectos cognitivos e gerais
crenças disfuncionais do paciente sobre si, sobre referentes a cada modalidade dos TA’s.
peso e forma corporais, sobre o papel desses Aspectos gerais e cognitivos
aspectos na determinação do valor pessoal do da Bulimia Nervosa (BN)
indivíduo, sobre alimentos, sobre autocontrole e BN, dentre os transtornos alimentares, conta
disciplina, sobre expectativas culturais e sociais com o maior volume de literatura que aponta para
etc., que resultam em estratégias compensatórias a eficácia de TC, inclusive com a proposição em
tais como perfeccionismo, rigidez, monitoramento 1993, por Fairburn, do Oxford Manual para seu
constante e controle excessivo. Conforme dito tratamento. Os sintomas mais característicos
acima, as crenças de permissão (por exemplo, da BN incluem: consumir uma quantidade
“estou triste, portanto mereço comer”, “comerei objetivamente excessiva de alimentos em um
hoje, mas amanhã retomarei uma dieta ainda mais período de tempo limitado, em forma de episódios
rigorosa”, “portei-me tão bem por uma semana que periódicos compulsivos, mantidos em segredo;
posso comer o que quiser hoje” etc.) têm um papel preocupação constante e exagerada com
fundamental na manutenção dos quadros de TA’s. comida, forma e peso; condutas inapropriadas
O paciente resolve o conflito entre, por exemplo, para compensar a ingestão excessiva a fim de
iniciar ou não um episódio de “binge” através de evitar o aumento de peso, tais como o uso de
uma permissão para prosseguir, a qual atua como laxantes e diuréticos, vômitos auto-induzidos,
uma “desculpa” temporária. A permissão resulta de jejum ou exercícios físicos excessivos; culpa e
uma avaliação de fatores a favor e contra a decisão vergonha desses comportamentos, que procuram
de comer compulsivamente, avaliação que enfatiza ocultar. Fatores cognitivos e emocionais podem
metas de curto prazo em detrimento de metas desencadear um episódio de compulsão, tais como:
de médio e longo prazo, conduzindo a sentimentos cognições relacionadas a peso, forma do corpo e
posteriores de culpa e fracasso, que exacerbam o alimentos; queda de humor; estressores ambientais,
afeto negativo e perpetuam o quadro de transtorno. especialmente de ordem interpessoal; ou ainda,
O afeto negativo, freqüentemente associado aos fome após um período de restrição alimentar ou
TA’s, e resultante das distorções cognitivas e dieta excessivamente rigorosa. Contudo, o alívio
da ativação das crenças disfuncionais, garante obtido através da ingestão alimentar é rapidamente
perpetuação do quadro através de dois círculos substituído por culpa, queda da auto-estima, auto-
viciosos. No caso da BN e da TB, o primeiro círculo crítica, e o desamparo decorrente da percepção de
refere-se à queda de humor, que encoraja o episódio auto-controle reduzido ou ausente, e depressão.
de compulsão alimentar, o qual, por sua vez, Magreza e perda de peso são valores idealizados,
favorece cognições que denotam arrependimento, em cuja busca os pacientes bulímicos se envolvem
desgosto consigo e medo redobrado de ganhar continuamente. A auto-estima é em grande
peso, exacerbando o humor negativo. No segundo parte baseada em termos de forma e peso, em
círculo vicioso, comportamentos pugativos muitos casos porque esses aspectos do auto-
compensam o “binge” ou episódio de hiperfagia, conceito são social e facilmente reforçados e
parecem aos portadores mais “controláveis” do a exacerbação da dependência da forma e do
que outros aspectos de suas vidas. Os pacientes peso para a manutenção, mesmo falsa, de uma
têm fundamentalmente um autoconceito negativo, auto-imagem positiva; o isolamento social eleva a
que os leva a sentirem-se, sempre, insatisfeitos preocupação consigo e intensifica o foco em peso e
consigo, o que, por sua vez, incentiva a importância forma.
exagerada devotada à aparência e ao peso, o Alguns indivíduos acham que têm um excesso de
conseqüente uso de estratégias compensatórias peso global. Outros percebem que estão magros,
para alcançá-los, a culpa e auto-recriminação mas ainda assim se preocupam com o fato de
posterior, que implicam em autoconceito ainda mais certas partes de seu corpo, particularmente
negativo, em forma de uma espiral descendente em abdômen, nádegas e coxas, estarem “muito
direção à depressão. gordas”. O ganho de peso é percebido como
A forma do pensamento do portador de BN é um inaceitável fracasso do autocontrole. Eles
rígida e inflexível, características que se originam a tipicamente negam as sérias implicações de seu
partir de suas tendências perfeccionistas (critérios estado de desnutrição e não se percebem como
demasiado altos e não realistas de expectativas, e tendo um problema. Ao contrário, percebem
insatisfação profunda quando falham em alcançá- sua perda de peso como uma conquista e uma
los) e dicotômicas (pensamento extremista ou “tudo demonstração de intensa autodisciplina. Devido
ou nada”). Pequenas transgressões a suas rígidas a esse aspecto, é comum que o portador de AN
regras alimentares ou à dieta, inevitáveis dado o se apresente resistente a receber tratamento.
caráter perfeccionista das mesmas, são vistas Quando busca tratamento espontaneamente,
como graves, levando a um padrão de alternância isto geralmente ocorre em razão do sofrimento
entre restrições à alimentação e episódios de subjetivo acerca das seqüelas somáticas e
comer compulsivamente. Por fim, é comum a psicológicas da inanição, e não propriamente de
associação da BN, especialmente do tipo purgativo, uma queixa referente à perda de peso.
com transtornos de personalidade, especialmente O tratamento basicamente consiste em: buscar
evitativo e borderline. a flexibilidade nos hábitos de alimentação e nas
idéias sobre seu corpo, e desafiar os critérios do
Aspectos gerais e cognitivos
portador a respeito de peso e forma corporais;
da Anorexia Nervosa (AN)
focalizar o autoconceito negativo, na intenção
A AN é caracterizada pela busca de um peso de elevar a auto-estima do paciente; abordar as
corporal abaixo do mínimo aceito como normal, crenças disfuncionais sobre padrões culturais de
considerados idade e altura, e obtido basicamente beleza, suas próprias medidas, muitas vezes
através da redução do consumo alimentar e de super-estimadas, e a importância da saúde; e,
dietas severas. Mas o portador pode também finalmente, desenvolver habilidades de resolução
recorrer a métodos purgativos e ao exercício físico de problemas, com relação à dieta rigorosa,
excessivo como meio de redução do peso. Envolve isolamento social, problemas interpessoais, uso de
ainda um temor mórbido de ganhar peso; perda substâncias psicoativas etc.
intensa de peso em um período relativamente curto
de tempo; distorções na percepção de forma e Aspectos gerais e cognitivos do Trastorno
tamanho corporais, mas sem atingir o nível de um de Binge (TB) ou de Compulsão Alimentar
transtorno dismórfico; sentimento de culpa ou auto- O TB resulta do emprego de uma dieta em
depreciação quando come; mudanças de humor, que os pacientes restringem a alimentação de
como irritabilidade, tristeza e insônia; e amenorréia. forma estereotipada e inflexível, o que resulta
A mortalidade a longo prazo, superior a 10%, em uma pressão fisiológica contínua para comer.
devido especialmente à inanição e desequilíbrios Caracteriza-se por episódios recorrentes de
hidroeletrolíticos, é maior do que em qualquer outro orgias alimentares, também chamadas de
quadro de transtorno psicológico. “hiperfagias” ou “binge”, porém sem a presença
Certos efeitos psicológicos e fisiológicos da dos comportamentos de controle exagerado de
desnutrição observados na AN concorrem para a peso que caracterizam a AN e a BN, tais como
manutenção do quadro: a preocupação excessiva comportamentos purgativos, exercício físico
com pensamentos sobre comida e comer exagera excessivo e dietas excessivamente restritivas.
preocupações sobre alimentar-se; a queda do Além disso, e ao contrário dos quadros de AN e
humor intensifica a auto-avaliação negativa e BN, não se observa a ênfase excessiva em forma
e peso corporais. Quando os portadores de TB sobre os TA’s, o qual se mantém através do tempo.
se mostram preocupados com forma e peso Especialmente no caso da BN, a TC mostra um
corporais, sendo que muitos entre eles estão impacto positivo sobre todos os aspectos de sua
significantemente acima do peso, essa preocupação psicopatologia. Finalmente, estudos sugerem
geralmente não tem a mesma intensidade e grave a superioridade da TC quando comparada a
significado pessoal dos portadores de AN e BN. outros tipos de tratamento, psicoterápicos e
Além disso, ao contrário de portadores dos demais farmacoterápicos.
TA’s, os hábitos alimentares dos pacientes com TB
são relativamente normais, exceto pelos episódios
TERAPIA COGNITIVA NAS ORGANIZAÇÕES
de “binge”, os quais parecem estar associados
Ana Maria Serra, PhD
a humor depressivo ou ansioso, e a distorções Conforme visto anteriormente, o modelo cognitivo
cognitivas que refletem perfeccionismo, rigidez e de personalidade e funcionamento humano postula
pensamento dicotômico. As crenças de permissão que as nossas crenças, através dos processos de
também desempenham um papel importante na representação e significação do real, influenciam
manutenção do quadro de TB, ao concorrer para os nossas respostas emocionais e comportamentais.
episódios de “binge”. Durante esses episódios, três Este estudo apresentará uma proposta para
dos seguintes indicadores devem estar presentes: aplicação de conceitos, estratégias e técnicas
comer muito mais rápido do que o normal; comer cognitivos na esfera organizacional.
até se sentir desconfortavelmente farto; comer No contexto corporativo ou organizacional em
grandes quantidades, mesmo sem fome; comer em geral, as crenças de indivíduos sobre o real
segredo e com vergonha da quantidade; e sentir-se interno e externo, e as cognições pré-conscientes
culpado ou deprimido após o episódio. a elas associadas, são de grande importância
na determinação do comportamento desses
Implicações para Tratamento
indivíduos e de sua produtividade, influenciando sua
O tratamento cognitivo compreende basicamente competência, motivação e autoconfiança. Deve-se
três estágios: Primeiro, apresentação do notar que esses fatores – competência, motivação
modelo cognitivo, automonitoramento de e autoconfiança, ou otimismo – representam os
hábitos alimentares, aplicação de técnicas três ingredientes para o sucesso em qualquer área
comportamentais para o estabelecimento de realização, incluindo a profissional.
de hábitos alimentares regulares, bem como
Segundo Martin Seligman, indivíduos
a psicoeducação do paciente sobre seu
continuamente constroem hipóteses sobre as
transtorno e sobre o modelo. Segundo, uma
regularidades do real, as quais lhes permitem a
vez obtida a instituição de hábitos alimentares
representação de contingências e os habilitam a
saudáveis, associada à redução na dieta, nessa
exercer controle sobre o real interno e externo. Os
fase enfatiza-se também a intervenção sobre
estilos de atribuição, segundo essa visão, refletiriam,
distorções cognitivas, crenças disfuncionais,
portanto, a maneira pela qual indivíduos tendem a
atitudes e valores autodepreciativos. Os focos das
explicar sucessos e insucessos. Em outras palavras,
intervenções cognitivas mais freqüentes são o
estilos individuais de atribuição de sucessos e
autoconceito negativo, as crenças de permissão,
fracassos a diversos fatores refletiriam a tendência
as crenças disfuncionais relativas a incapacidade
predominantemente otimista ou pessimista
e inadequação, as estratégias compensatórias,
desses indivíduos. Deve-se notar que os estilos
especialmente refletindo rigidez, perfeccionismo
de atribuição, ou, em última análise, o otimismo
e busca permanente de controle, bem como os
ou o pessimismo, podem ser medidos através de
comportamentos compensatórios. As relações
questionários ou de análise de conteúdo.
interpessoais também demandarão intervenção
Os estilos de atribuição variam segundo três
cognitiva e abordagem de resolução de problemas.
dimensões: personalização, abrangência
No terceiro estágio, promove-se a manutenção das
e permanência. Com relação à dimensão
mudanças e plano de acompanhamento, visando
personalização, as pessoas podem fazer
o gerenciamento de indicações de recaídas e sua
atribuições, ou explicar eventos, de forma interna
prevenção. Note-se que, no caso particular da AN, a
(atribuindo-os a si) ou externa (atribuindo-os a
motivação para a terapia necessitará ser abordada
outros). A dimensão abrangência, por sua vez,
antes dos demais objetivos terapêuticos.
refletiria atribuições abrangentes ou específicas. E,
Estudos indicam um impacto importante da TC
por último, a dimensão permanência se referiria a
atribuições permanentes ou temporárias. Note-se cognitiva, encorajando a adoção de crenças mais
que as pessoas têm formas diferentes, segundo funcionais. Os programas compreendem ainda a
as três dimensões, para explicar sucessos e introdução do conceito de estilos de atribuição,
fracassos. Otimistas tenderiam a atribuir sucessos as dimensões dos estilos de atribuição, sua
a fatores internos, abrangentes e permanentes, aplicação a situações específicas, profissionais e
enquanto que atribuiriam fracassos a fatores pessoais, finalizando pela integração de estratégias,
externos, específicos e temporários. Por outro lado, planejamento do programa de mudança, e
pessimistas tenderiam a atribuir sucessos a fatores generalização de ganhos e prevenção de recaídas.
externos, específicos e temporários, enquanto Os processos de treinamento incluem:
que atribuiriam fracassos a fatores internos, questionamento socrático, discussão em grupo,
abrangentes e permanentes. auto-observação, experimentação e atividades
No contexto corporativo ou organizacional, individuais e em grupo. O formato das sessões,
estudos indicam que os estilos de atribuição inclui: revisão do seminário anterior, discussão da
correlacionam-se com: suscetibilidade à depressão tarefa de casa, introdução ao tópico de seminário,
clínica e à doença orgânica, ao risco de recaída atividades individuais e/ou em grupo, feedback e
em depressão, à motivação e desempenho em discussão, sugestão e definição das tarefas de
educação e esportes, e à satisfação no trabalho e, casa, resumo da sessão, e avaliação pelos
especificamente, ao desempenho em vendas, na participantes de suas reações à sessão.
esfera ocupacional. Comparado à TC individual, o programa de re-
treinamento em estilos de atribuição, no campo
Programas de re-treinamento de estilos
ocupacional, envolvendo dois terapeutas oferecendo
de atribuição na área organizacional
21 horas a 12 sujeitos, é cerca de 50 vezes mais
Estilos de atribuição podem ser modificados. eficaz, encorajando esforços similares no contexto
Através de programas de re-treinamento em estilos corporativo.
de atribuição podemos transformar pessimistas em
otimistas. Esses programas têm como objetivos:
aumentar a satisfação no trabalho; melhorar a
qualidade do relacionamento interpessoal; melhorar
o estado intrapessoal dos indivíduos, reduzindo a
depressão e a ansiedade, quando presentes; reduzir
o “turnover”; reduzir a baixa persistência; e, de Ana Maria Serra
forma geral, melhorar o desempenho operacional PhD em Psicologia e Terapeuta Cognitiva
de indivíduos nas organizações. pelo Institute of Psychiatry da Universidade
Esses programas têm, tipicamente, a duração de Londres, Inglaterra. Presidente
de 21 horas. São estruturados de forma a incluir Honorária da ABPC – Associação Brasileira
7 seminários de 3 horas cada, à razão de um de Psicoterapia Cognitiva. Diretora do ITC
seminário por semana. Incluem tarefas entre – Instituto de Terapia Cognitiva, que atua
sessões, destinadas a possibilitar a experimentação nas áreas de clínica, pesquisa, consultoria
e a aplicação de novas estratégias. O conteúdo do e treinamento de profissionais, oferecendo
programa, apresentado durante os seminários, regularmente Cursos e Palestras, dentre
assemelha-se muito à proposta clínica na área da os quais um Curso de Especialização em
TC, ou seja: introdução ao modelo cognitivo e ao Terapia Cognitiva credenciado pelo CFP
conceito de pensamentos automáticos negativos; – Conselho Federal de Psicologia.
definição de metas e estratégias; planejamento de
E-mail: itc@itc.web.com
tarefas; gerenciamento de tempo; identificação de
Site: www.itc.web.com
pensamentos automáticos negativos e técnicas
para modificá-los; a noção e as categorias de
Cory F. Newman
erros cognitivos típicos; acesso a crenças básicas
disfuncionais e promoção da re-estruturação Diplomado em Psicologia Comportamental
pelo Conselho Americano de Psicologia
Profissional. Diretor Clínico do Centro de
Terapia Cognitiva. Professor Associado de
Psicologia em Psiquiatria. Membro Fundador
© Ana Maria Serra, PhD.
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução da Academia de terapia Cognitiva.
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

6

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes
ul

d
e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
o
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

prevençaõ da depressão
casais e famílias
crianças e adolescentes
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
TERAPIA COGNITIVA COM CASAIS Maria, que demonstraram um dos mais comuns
Frank M. Dattilio, PhD, ABPP, desentendimentos entre casais, envolvendo a noção
Harvard Medical School de que “uma vez apaixonados, os casais continuam
dessa maneira para sempre, sem terem de trabalhar
(Tradução por Carla Andrea Serra,
para o desenvolvimento de seu relacionamento”.
Revisão por Ana Maria Serra, PhD)
Conseqüentemente, depois de vários anos de
Algumas excelentes intervenções foram casamento, quando Rafael e Maria começam a
desenvolvidas para o tratamento de casais. notar que parte do “brilho” não estava mais presente
À medida que a taxa de divórcio continuou entre eles, entraram em pânico e desenvolveram
aumentando ao redor do mundo, as sociedades pensamentos automáticos, tais como “talvez não
voltaram a empreender esforços no sentido do tenhamos sido feitos um para o outro desde o início”
fortalecimento dos casamentos deteriorados. e “nosso amor deveria ser ‘espontâneo’ e não algo
Assim, o aconselhamento conjugal tornou-se uma que requer muito trabalho”. Como resultado desses
alternativa cada vez mais popular na tentativa de pensamentos automáticos e crenças, Rafael e Maria
remediar os relacionamentos perturbados. Entre os impuseram pressão um ao outro para demonstrar
estilos de intervenções conjugais, um que conquistou expressões mais espontâneas de amor. Essas
reconhecimento crescente, tanto entre o público demandas não-realistas, infelizmente, colocaram
como entre os profissionais da saúde mental, foi a pressão exagerada no relacionamento, inibindo-os ainda
Terapia Cognitiva (TC). mais, e aumentando a ponto de se isolarem um do
Distúrbios psicológicos derivam de erros específicos outro e chegarem à beira da separação.
de pensamento, que foram denominados “distorções Intervenção em Terapia Cognitiva
cognitivas”. Esses erros podem ser habituais e
A terapia cognitiva com casais focaliza os estilos gerais
envolver julgamentos e decisões baseados em
de pensamentos e percepções dos casais, as crenças
interpretações das ações de uma outra pessoa,
básicas sobre relacionamentos, e a natureza das
que podem envolver uma inferência arbitrária.
interações entre os parceiros. As cognições são vistas
Outros erros comuns do sistema de raciocínio são
como sendo diretamente responsáveis pela insatisfação
abstração seletiva, supergeneralização, maximização
subjetiva de cada cônjuge com o relacionamento e são
ou minimização, pensamento dicotômico e
abordadas especificamente durante o tratamento.
personalização. O conceito de distorções cognitivas
aplica-se a casais, cujas expectativas recíprocas são Inicialmente, o terapeuta cognitivo conduz uma
violadas. Casais desenvolvem crenças básicas sobre conceituação do caso, reunindo informações sobre
relacionamentos em geral e sobre a natureza das os antecedentes de ambos os parceiros e sobre seu
relações entre casais muito cedo em suas vidas. Essas relacionamento, e focalizando as expectativas que
crenças podem ser derivadas de fontes primárias, cada um mantém sobre a natureza da intimidade
tais como os pais e a mídia, ou refletir expectativas em seu relacionamento. Isso pode ser feito tanto
desenvolvidas a partir de namoros precoces ou de de modo não estruturado (o estilo próprio do
uma idealização sobre o que deveriam ser casamentos terapeuta), como através do uso de instrumentos
e relacionamentos (Dattilio & Padesky, 1995). estruturados. Habitualmente inclui a história completa
do relacionamento do casal, juntamente com detalhes
Esquemas cognitivos sobre suas vidas como solteiros ou casados anteriores
À medida que essas crenças ou idéias se desenvolvem, ao período de seu relacionamento.
elas se tornam sedimentadas ou constituem o que Inventários e questionários sobre relacionamentos
os terapeutas cognitivos chamam de esquemas. também são utilizados, em uma tentativa de obter
É o esquema, ou crença básica, que gera certos informações adicionais sobre a maneira pela qual os
pensamentos automáticos sobre o relacionamento, parceiros vêem um ao outro e o problema presente
particularmente quando expectativas são violadas. no relacionamento. Como um método auxiliar a fim
Quase sempre, esses pensamentos tendem a ser de melhor entenderem o modelo cognitivo de terapia
negativos e se baseiam em informações infundadas. com casais, pode-se recomendar bibliografia aos
A partir desses pensamentos, expectativas são casais durante a fase de avaliação, tais como Para
formadas e impostas ao cônjuge. Quando essas além do amor (Beck, 1995) ou Fighting for Your
expectativas são baseadas em informações errôneas Marriage (Markman, Stanly & Blumberg, 1994). Uma
ou falsas, elas conduzem a novas expectativas vez que essas informações tenham sido reunidas, os
não-realistas, que podem resultar na erosão da cônjuges são atendidos em sessões individuais em dias
satisfação conjugal e contribuir para interações diferentes. Durante as sessões particulares, as metas
disfuncionais. Um exemplo é o caso de Rafael e do terapeuta são explorar mais as percepções pessoais
sobre o relacionamento, focalizar especificamente para melhorar seu relacionamento com Maria. Pede-se
pensamentos e crenças sobre mudança, e obter a ele que se pergunte: “há coisas que talvez eu tenha
informação mais detalhada sobre como cada deixado passar?”, e que avalie suas idéias sobre como
parceiro vê o outro e o relacionamento em si. Além melhorar o relacionamento por outro ângulo.
disso, é posto um foco específico na exploração dos Avaliando as evidências e desenvolvendo afirmações
pensamentos automáticos e emoções de cada parceiro, racionais e respostas alternativas, Rafael é capaz
a fim de descobrir crenças básicas. Por exemplo, de ver que seu pensamento automático original era
durante a sessão individual com Rafael, diversos itens distorcido e que a classe de distorção é a “abstração
de um dos questionários foram revisados com ele, a fim seletiva”. Ele também pode ver a conexão entre re-
de clarificar sua percepção sobre o seu relacionamento estruturar seus pensamentos e mudar sua emoção.
com Maria. Um dos itens ao qual Rafael havia atribuído Neste caso, a emoção de Rafael muda de frustração
grande importância era a frase “Eu não conseguiria para sentir-se mais esperançoso, mas ainda com
fazer nada para melhorar o nosso relacionamento alguma cautela. Essa técnica é usada com ambos
mesmo que eu tentasse”. A partir dessa frase, o os cônjuges e pode ser feita na sessão conjunta.
terapeuta pode começar solicitando a Rafael que Pode também ser recomendada regularmente como
elabore sobre seus pensamentos automáticos, tarefa entre as sessões. As tarefas entre as sessões
utilizando uma técnica denominada de “flecha constituem também um aspecto importante em TC,
descendente”. Essa técnica é utilizada para explorar a pois servem para consolidar o que é aprendido durante
seqüência de pensamentos do indivíduo e relacionar as sessões terapêuticas.
suas emoções aos pensamentos automáticos. Nesse
Infelizmente, muitos casos não aderem facilmente
caso, o terapeuta identifica o pensamento automático
a esse tipo de pensamento re-estruturado, e outras
do indivíduo através do questionamento Socrático,
técnicas necessitam ser empregadas. Quando
e continua a explorar, perguntando “se isso for
um terapeuta pergunta ao casal sobre incidentes,
verdadeiro, o que significa para você?” Por exemplo,
argumentos, ou pensamentos automáticos anteriores,
a técnica da flecha descendente seria aplicada à
eles muitas vezes não são capazes de recordar
afirmação de Rafael deste modo:
todos os detalhes. O uso de imagens e técnicas de
Pensamentos automáticos: Eu não conseguiria fazer re-encenação mental pode ser útil para que o casal
nada para melhorar o nosso relacionamento mesmo recorde seu diálogo, ou seja, onde estavam e o que
que eu tentasse > a culpa é toda dela > Então, a faziam no momento do incidente, bem como as
situação não tem solução. > Nós estamos condenados emoções que estavam sentindo naquele momento.
> Divórcio é a única saída. Uma vez que conseguem capturar a imagem, pede-se
Reações emocionais: Frustração > raiva > depressão > que encenem a situação exatamente como ela ocorreu.
desespero > apatia. Isso inclui a visualização por eles de seus pensamentos
Pensamentos automáticos desempenham um papel automáticos naquele momento e a anotação de
essencial na angústia que acomete casais com pensamentos específicos, juntamente com respostas
problemas. Através de técnicas, tais como a flecha alternativas. Esse exercício permite que o terapeuta
descendente e outras, pode-se identificar o pensamento veja onde o casal está errando, mas, o mais importante,
automático de um indivíduo e vinculá-lo às respostas encoraja o casal a monitorar seus pensamentos
emocionais correspondentes. O próximo passo é automáticos e a considerar respostas alternativas que
ajudar indivíduos a avaliar as evidências a favor de seus possam aplicar a situações futuras.
pensamentos automáticos. Fazendo isso, o terapeuta é Re-enquadramento de
capaz de ajudar os cônjuges a identificar pensamentos percepções distorcidas
distorcidos e rotulá-los conforme as classes de É interessante que, quando os casais em terapia são
distorções apresentadas acima. Por exemplo, o questionados sobre as qualidades que os fizeram
terapeuta pode pedir a Rafael que se pergunte: “qual a sentir-se atraídos por seu parceiro, algumas vezes
evidência a favor de minha afirmação – ‘eu não posso eles respondem dando uma lista de adjetivos que
fazer nada para melhorar o relacionamento? Qual a são contrários aos adjetivos utilizados atualmente
evidência contrária a minha afirmação? Poderia haver para descrever o parceiro. Por exemplo, quando
uma explicação alternativa?” É também importante perguntei o que inicialmente atraiu Maria a Rafael, ela
ao terapeuta ajudar Rafael a equilibrar algumas de enumerou as seguintes qualidades “esperto, sensível,
suas respostas emocionais através do exame de suas cuidadoso, e com um grande senso de humor”.
afirmações sobre o relacionamento. Depois, quando solicitada a enumerar as áreas de
Suponhamos que a evidência a favor das afirmações descontentamento, ela disse que Rafael era “barato,
de Rafael é que ele já tentou fazer o máximo que podia ignorante, manipulativo, bobo e ridículo”. Quando essas
características foram alinhadas com as demais, Maria Frank M. Dattilio
pôde ver que a sua visão atual das qualidades de Rafael Ph. D., ABPP.
era contrária à visão original sobre ele. Ou seja, sua Professor de Psiquiatria na Harvard Medical School e
percepção do que um dia eram qualidades desejáveis, Psicólogo Clínico. Um dos pioneiros em TC com casais
agora era visto com desdenho. Isso conduz à seguinte e famílias; já se apresentou em mais de 40 países,
questão: foi Rafael quem mudou ou foi a percepção que publicou 13 livros e mais de 200 artigos e capítulos
Maria tinha sobre ele que mudou – ou talvez os dois!? em obras especializadas, traduzidos em 22 idiomas e
O terapeuta deve ajudar o cônjuge a entender utilizados em treinamento em todo o mundo.
que o sentimento uma vez presente ainda existe,
TERAPIA COGNITIVA COM
mas num parâmetro diferente, e que reestruturar
esse parâmetro, vendo o lado positivo dessas
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
características, pode ajudar a perceber o Ana Maria Serra, PhD, Terapeuta Cognitiva, Especialista
relacionamento de uma forma diferente. em Psicologia Clínica.
ITC - Instituto de Terapia Cognitiva
Estrutura do processo clínico O modelo da Terapia Cognitiva (TC), aplicado a crianças
De modo geral, as sessões de TC com casais são de e adolescentes, envolve aspectos qualitativamente
curto prazo, mas algumas situações podem necessitar diferentes do modelo aplicado a adultos, contendo
de mais sessões. A freqüência das sessões depende particularidades adequadas a essa população. A
da natureza e severidade dos conflitos do casal, bem literatura especializada, embora de volume ainda
como do quanto abertos eles estão a resolver esses um pouco limitado, aponta a eficácia da TC também
conflitos. As sessões terapêuticas são tipicamente nessa área, que se reveste de especial relevância em
conduzidas pelo menos uma vez por semana e, vista de dados empíricos que apontam um aumento
mais adiante, podem ser mais espaçadas a fim de preocupante, nas últimas décadas, na incidência de
possibilitar mais tempo para a conclusão de tarefas. transtornos emocionais em crianças e adolescentes,
Os casais habitualmente recebem tarefas de casa e aliado a uma redução na idade de ocorrência do
deverão dispor de tempo suficiente para cumpri-las primeiro episódio.
e praticar os exercícios recomendados. Tais tarefas
podem envolver o monitoramento dos pensamentos Questões relevantes à aplicação
automáticos e a avaliação de evidências. As tarefas em de TC em crianças e adolescentes
conjunto podem envolver exercícios estruturados de Uma importante questão refere-se à forma como
comunicação e a tomada conjunta de decisões. crianças e adolescentes buscam tratamento. Com
À medida que o casal começa a progredir, as sessões raras exceções, elas são levadas por pais ou cuidadores,
são agendadas a cada duas semanas ou, às vezes, ou encaminhadas por educadores ou por outros
até com menos freqüência, dependendo da avaliação profissionais. Daí decorrem dificuldades, como, por
do relacionamento pelo terapeuta. As sessões exemplo, a ausência de motivação própria da criança ou
eventualmente são reduzidas a visitas mensais, por adolescente para o tratamento, o que representa uma
aproximadamente três meses, com sessões de reforço área inicial de dificuldade. Outra possível, e importante,
agendadas quando necessário. As sessões de reforço dificuldade refere-se ao grande número de crianças
envolvem a revisão dos princípios básicos de terapia de e adolescentes que necessitam e se beneficiariam
casal e o reforço pelo casal das técnicas aprendidas. de tratamento, e que, no entanto, jamais chegam ao
Podem também envolver a abordagem de situações de contato com os profissionais especializados.
crise específicas e o processamento dessas situações Como o divórcio afeta crianças e adolescentes? Reduz
de acordo com o modelo. É importante que o casal ou aumenta o estresse familiar? Teria efeito diferencial
observe as mudanças individuais que devem ser feitas, sobre diferentes fases de desenvolvimento de crianças
a fim de desenvolver um relacionamento bem-sucedido. e adolescentes? Uma avaliação abrangente e um
monitoramento próximo auxilia as decisões clínicas dos
Sugestões de Leitura: profissionais envolvidos.
Beck, A. T. (1995) Para Além do Amor, Rio de Janeiro: A questão mais crítica: pais, cuidadores e profissionais
Ed. Record. podem prever e evitar o suicídio da criança e do
Dattilio, F. M. (2004). Casais e famílias in P. Knapp adolescente? Com relação ao suicídio, há diferenciais
(Ed.). Terapia cognitiva comportamental na especificamente relativos à criança e ao adolescente
prática psiquiátrica (377-401). Porto Alegre: que os diferenciam dos adultos, como um dado
Artmed. particularmente relevante e grave apontado por
estudos: a criança e o adolescente se suicidam
impulsivamente. Este dado evidencia a importância envolve identificação de pensamentos automáticos
de atenção a fatores de predisposição para o suicídio e crenças básicas e disfuncionais, bem como a
e a necessidade de tratamento adequado em caso de intervenção funcional, centrada sobre as cognições,
suspeita de ideação ou comportamento suicida em e tentativas de re-estruturação cognitiva, centrada
crianças e adolescentes. sobre as crenças. A identificação de áreas de
Como o desenvolvimento intelectual afeta o problemas e definição de metas e estratégias para a
ajustamento de crianças e adolescentes? Em muitos sua realização é empreendida em paralelo, objetivando
casos, identifica-se a dificuldade de se diferenciar o desenvolvimento de habilidades de resolução de
entre déficits – por exemplo, de ordem cognitiva – e problemas. Outro aspecto que requer atenção refere-
desajustes psicológicos. Este aspecto é tratado com se à percepção da variabilidade emocional do jovem, a
mais detalhe a seguir. fim de identificar e controlar os fatores precipitadores
de alteração emocional. Além das técnicas
Questões especiais cognitivas, técnicas de intervenção comportamental,
Há importantes diferenças entre o modelo da TC especialmente os experimentos comportamentais,
aplicado a adultos e o modelo da TC aplicado a são largamente utilizadas. Na fase final, priorizamos o
crianças e adolescentes. Fatores relevantes devem reforço das habilidades cognitivas e comportamentais
ser considerados, específicos dessa faixa etária, com adquiridas, ao mesmo tempo em que promovemos a
destaque para questões de desenvolvimento, questões internalização das habilidades cognitivas. Através de
de identidade, a contribuição da família à etiologia, à várias técnicas, promovemos ainda a generalização das
instalação e à manutenção do transtorno, bem como habilidades e ganhos terapêuticos, visando a prevenção
a relevância do envolvimento da família no tratamento; de recaídas. Desafiamos os pensamentos automáticos
questões relativas à sexualidade e desenvolvimento de da criança e adolescente com relação à terminação e
atividades sexuais; e questões relativas à socialização, aumentamos o intervalo entre as sessões.
que, junto com a definição da identidade, têm uma Nas fases, promovemos, de várias formas, o
relevância destacada especialmente entre adolescentes. envolvimento da família, inclusive convidando os
Há contextos que denotam a necessidade de pais a participarem das sessões, com o objetivo
considerações especiais, como o caso da criança ou de modelar para os mesmos comportamentos e
adolescente vítimas de violência física e sexual; a criança habilidades de comunicação funcionais, sensibilizá-
ou adolescente envolvido com abuso ou dependência de los e obter sua colaboração com relação aos
substância psicoativa; a criança ou adolescente suicida; esforços para o desenvolvimento de habilidades
a criança ou adolescente hospitalizados, especialmente de resolução de problemas no paciente, resolver
aqueles com história de hospitalizações longas, durante conflitos envolvendo a criança e demais familiares,
ou após a hospitalização. Finalmente, enfatizamos entre outros. A identificação do papel da criança ou
a questão do uso de psicofármacos em crianças adolescente na família é de fundamental importância
e adolescentes, particularmente tendo em vista a para a conceituação cognitiva do caso e a condução
imprevisibilidade, no estágio atual de desenvolvimento da intervenção. A estrutura familiar, incluindo três
dos psicofármacos, dos efeitos a médio e longo prazo gerações, deve ser estudada, recordando que o sistema
do uso de medicamentos sobre o desenvolvimento familiar reflete um organismo vivo e em mudança e
estrutural e funcional da criança, e, em conseqüência, acomodação. Agendas encobertas do paciente e dos
em seu desenvolvimento psicossocial. familiares devem ser exploradas e abordadas, a fim
de evitar que estas impeçam o progresso terapêutico.
TC com crianças e adolescentes Problemas de natureza social e policial, dos pacientes e
Na fase inicial, priorizamos a avaliação e conceituação familiares, que sugerem condutas desviantes, também
do caso, bem como o planejamento da intervenção. necessitarão ser abordados.
Coletamos dados, junto ao jovem paciente e aos Alguns fatores podem interferir com a terminação,
familiares, sobre história familiar, possíveis correlatos como a falta de recursos de apoio no sentido da
biológicos, incidência de transtornos afetivos ou manutenção dos ganhos terapêuticos; a opção
distúrbios de aprendizagem na criança ou adolescente dos pais por uma terapia prolongada, em que
e nos familiares, podendo ainda necessitar requisitar possam continuar dividindo a responsabilidade pelo
avaliações médicas e avaliações neuropsicológicas e desenvolvimento da criança ou adolescente, ou a
cognitivas. A possibilidade de co-morbidades também idéia dos familiares de que a mudança é linear e
requer exploração. Com base nesses dados, definimos progressiva, portanto, quanto mais terapia, melhor;
a estratégia de intervenção clínica. ou o terapeuta pode representar um obstáculo
Na fase intermediária, a condução da intervenção à terminação, devido a sua insegurança,
especialmente com relação à manutenção de adolescentes. Nesse contexto, tornam-se relevantes
ganhos e prevenção de recaídas. A aliança os modelos de prevenção e tratamento da depressão
terapêutica, cuja qualidade é de essencial relevância infantil e da adolescência, destacando-se entre esses o
para o progresso clínico, requererá especial atenção, modelo cognitivo. Aqui, não focalizaremos o tratamento
especialmente com relação a possíveis fontes de de transtornos depressivos já instalados. Ao contrário,
dificuldades devido, por exemplo, a fatores específicos utilizando o modelo cognitivo de personalidade e de
do paciente, de seus familiares ou do terapeuta, instalação e manutenção de depressão, em associação
fatores referentes ao transtorno, ou fatores com a teoria dos estilos de atribuição, focalizaremos
inerentes à fase de desenvolvimento em que se um programa de prevenção de depressão em crianças
encontra o jovem paciente. e adolescentes.

Conclusão Sintomas de Depressão


Algumas recomendações são úteis na aplicação da em Crianças e Adolescentes
TC a crianças e adolescentes: enfatizar a aliança Como em adultos, a depressão infantil e na adolescência
terapêutica, com o paciente alvo e membros de seu está marcada por alterações a estas dimensões:
sistema familiar e social, incluindo esses membros pensamento, humor, comportamento e orgânicas. Os
no processo terapêutico; reconhecer o narcisismo sintomas mais comuns são, primeiro, a tristeza, a marca
de crianças e adolescentes, bem como a importância central da depressão, associada ou não a flutuações de
de questões como identidade e sexualidade; adotar humor. A criança e o adolescente deprimidos avaliam-se
uma postura objetiva, enfatizando o empirismo negativamente, e, em conseqüência de seu autoconceito
colaborativo e questionamento socrático, negativo, têm baixa auto-estima, ou seja, gostam-se
favorecendo perguntas ao invés de afirmações; menos. Outros sintomas: tendência ao isolamento social
estar alerta ao afeto das crianças e adolescentes, e à solidão; queixas generalizadas, como de rejeição;
desafiando cognições de culpa; operacionalizar o baixa energia, inclusive para atividades físicas e de
abstrato, enfatizando a resolução de problemas; lazer, as quais atraem crianças e adolescentes; falta de
evitar a postura binária, especialmente com relação disposição para iniciar tarefas, tendendo a retardá-las,
a questões morais; elaborar e reformular sempre como no caso das tarefas escolares; queixas de cansaço
a conceituação cognitiva, do paciente e familiares; injustificado; queixas freqüentes de distúrbios orgânicos,
atualizar as metas terapêuticas; estar alerta para como dores de cabeça ou de barriga; distúrbios de
flutuações de humor e sinais comportamentais sutis. atenção e de concentração; maior irritabilidade e
Acima de tudo, recordar sempre que você, terapeuta, agressividade; quadros de medo inexplicado e de terror
atua como modelo, devendo portanto continuamente noturno; transtornos alimentares, com aumento ou
enfatizar em sua atuação as habilidades que deseja redução de apetite; transtornos de sono, incluindo
desenvolver em seu paciente. dormir mais ou menos do que o habitual, ou ainda
despertar durante a noite; tiques; distúrbios de
Sugestões de Leitura eliminação, como enurese noturna; e, finalmente, os
Kendall, P.C. Childhood Disorders, Inglaterra: Ed. sintomas mais graves de ideação ou comportamento
Psychology Press, Cornwall, 2000. suicidas. Os sintomas de depressão infantil se
Reinecke, M.A., Dattilio, F.M., Freeman, A., Terapia confundem com transtornos de comportamento
Cognitiva com Crianças e Adolescentes, Porto ou de caráter, podendo ser alvo de críticas de pais e
Alegre: Ed. Artes Médicas, 1999. educadores, que não percebem estarem diante de um
quadro de depressão.
PREVENÇÃO DE DEPRESSÃO EM Estilos explicativos ou de atribuição
CRIANÇAS E ADOLESCENTES Apresentamos anteriormente a teoria dos estilos
de atribuição no artigo sobre TC nas organizações.
Programa de re-treinamento
Aqui, abordaremos a mesma teoria, mas aplicada
em estilos de atribuição
a crianças e adolescentes. É proposto que o estilo
Ana Maria Serra, PhD
de atribuição de uma pessoa representa um dos
Dados empíricos apontam um aumento preocupante mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento de
na incidência de transtornos emocionais em crianças seu sistema de esquemas cognitivos. A atuação sobre
e adolescentes nas últimas décadas, em associação o estilo de atribuição de uma criança teria reflexos
a uma redução na idade de ocorrência do primeiro sobre a formulação e re-formulação de seus esquemas
episódio depressivo. Estudos indicam uma incidência cognitivos, que refletem suas impressões sobre as
média de 9% de depressão severa entre crianças e regularidades do real.
Propomos que, diante de um evento, uma criança
DIMENSÃO EVENTO POSITIVO EVENTO NEGATIVO
pergunta “por quê?”, “a que fatores se deve o
“Aprovação “Reprovação
evento?” Sua resposta a essa pergunta reflete
no Vestibular” no Vestibular”
suas idéias sobre regularidades do real interno e
externo e será incorporada aos seus esquemas
Personalização
cognitivos, em uma relação circular entre esses e
o real. Seligman propõe que, caso a pergunta da Atribuição “Porque “Porque não
criança ou adolescente seja “quem?”, “a quem se Interna sou bom” (O) sou bom” (P)
deve tal evento?”, sua resposta influenciará sua auto-
Atribuição “O Vestibular “O Vestibular
estima. Caso sua pergunta seja “por quanto tempo
Externa foi fácil” (P) foi difícil” (O)
os fatores determinantes desse evento atuarão ou
se aplicarão?” ou “como os fatores determinantes
Permanência
desse evento se aplicam a outros campos de
atuação?”, então suas respostas a essas perguntas Atribuição “Os fatores que “Os fatores
influenciarão o que essa criança ou adolescente Permanente que causaram que causaram
fará em situações semelhantes no futuro. Tais minha aprovação minha reprovação
perguntas, e suas respectivas respostas, podem ser permanecerão” (O) permanecerão”(P)
classificadas em três dimensões correspondentes: Atribuição “Os fatores que “Os fatores que
personalização (“a quem se deve?”), permanência Temporária causaram mi-nha causaram minha
(“por quanto tempo?”) e abrangência (“como afeta aprovação são reprovação são
outros campos?”). Detalhando, cada uma dessas temporários” (P) temporários” (O)
dimensões remete a duas possibilidades principais,
como veremos no quadro abaixo: Abrangência
Atribuição “Os fatores que “Os fatores que
DIMENSÃO PENSAMENTOS TÍPICOS Global causaram minha causaram minha
aprovação afetam reprovação afetam
Personalização “eu” vs. “outros” outras áreas de outras áreas de
Atribuição interna “eu sou a causa” minha atuação” (O) minha atuação” (P)
Atribuição externa “a causa se deve a outras Atribuição “Os fatores que “Os fatores que
pessoas ou circunstâncias” Específica causaram minha causaram minha
aprovação são reprovação são
Permanência “algumas vezes” vs. específicos a essa específicos a essa
“sempre” área de atuação área de atuação
Atribuição permanente “a causa é algo que (intelectual)” (P) (intelectual)” (O)
persistirá”
Atribuição temporária “a causa é algo transiente”. O = Otimista; P = Pessimista

Abrangência “muitas situações” vs.


“algumas”
Note que as formas como a criança ou o adolescente
Atribuição global “a causa afetará
explica um evento positivo ou negativo determinarão
muitas situações”
o que fará em uma próxima oportunidade na mesma
Atribuição específica “a causa afetará apenas área de atuação. Se explicar um evento positivo de
algumas situações” forma interna, permanente e global, ou um evento
negativo de forma externa, temporária e específica,
Adaptado de M.Seligman, 1995
ele se sentirá seguro e motivado em uma próxima
Os eventos podem ser divididos em positivos oportunidade; se, no entanto, explicar um evento
e negativos, como, por exemplo, ser aprovado positivo de forma externa, temporária e específica,
ou reprovado no Vestibular para um adolescente ou um negativo, de forma interna, permanente e global,
de 18 anos. Teríamos as seguintes possibilidades sua tendência será esquivar-se ou sentir-se inseguro
de explicação para cada um dos resultados, em uma próxima ocorrência. Nesse sentido, os
que seriam determinadas pelo estilo de atribuição estilos de atribuição podem ser classificados como
do adolescente em questão: otimistas (O) e pessimistas (P).
Otimismo e Pessimismo ausência de provas concretas. Este sugerimos ser
Definimos o otimista como aquele que acredita na o estilo de atribuição funcional, que desejaríamos
possibilidade de sucesso, mesmo na ausência de instilar em nossas crianças e adolescentes, sempre
provas concretas. O pessimista, por outro lado, é enfatizando, no entanto, a observância da atribuição
aquele que não acredita na possibilidade de sucesso com precisão. Segundo esse raciocínio, o otimismo
mesmo na presença de provas concretas. Os estilos não realista, ao contrário, estaria associado à
otimista e pessimista mostram-se associados a tendência ao transtorno emocional.
estados disposicionais distintos, como motivação
e satisfação, no primeiro caso, e ansiedade e
Conclusão
depressão, no segundo. Cabe destacar que os Que nós, adultos, possamos compreender o impacto
ingredientes para o sucesso, em qualquer área de que tudo o que dizemos e fazemos tem sobre nossas
atividade, são: competência, adquirida através de crianças. E que possamos usar esse impacto para
exposição, aprendizado e experimentação; motivação, desenvolver nelas esquemas de capacidade, adequação
ou seja, o impulso em direção a um desafio ou tarefa; e estima, para que se tornem adultos otimistas e
e autoconfiança ou otimismo, a crença de que poderá capazes de enfrentar as dificuldades da vida.
ter sucesso em um determinado empreendimento
Sugestões de Leitura:
ou desafio se tentar. A criança ou o adolescente
Seligman, M.E.P. (2005) Aprenda a ser otimista. (2ª.
com um estilo de atribuição otimista para eventos
positivos e negativos, e sentindo-se, portanto, Ed.) Rio de Janeiro: Nova Era.
motivada e segura, tenderá a materializar na prática Seligman, M.E.P. (1995) The Optimistic Child. New
toda a sua competência. Ao contrário, a criança ou o York: Harper.
adolescente com um estilo de atribuição pessimista,
terá sua motivação e autoconfiança negativamente
afetados, o que se interporá como um obstáculo à
expressão de sua competência.
É inevitável nos questionarmos sobre o aspecto
realista ou não realista dessas formas de atribuição,
quando otimistas e pessimistas explicam os mesmos
eventos de formas diametralmente opostas.
Quem está correto? Onde se situa o realismo e a
objetividade? Estudos na área de psicologia cognitiva
apontam que pessimistas são mais realistas do que
otimistas. Entretanto, estudos na área clínica indicam
que o pessimismo é um ingrediente invariavelmente
presente em quadros de depressão e ansiedade. É
como se sugeríssemos que uma dose de distorção a
seu favor é necessária para um indivíduo não cair em
depressão ou ansiedade. O que se poderia concluir
Ana Maria Serra
é que, satisfeitos os critérios de competência e PhD em Psicologia e Terapeuta Cognitiva
motivação, o estilo de atribuição desejável equivaleria pelo Institute of Psychiatry da
ao que poderíamos denominar de otimismo realista, Universidade de Londres, Inglaterra.
ou seja, o estilo daquele que, além de satisfazer Presidente Honorária da ABPC
os critérios da competência e da motivação, ainda – Associação Brasileira de Psicoterapia
acredita na possibilidade de sucesso mesmo na Cognitiva. Diretora do ITC – Instituto
de Terapia Cognitiva, que atua nas
áreas de clínica, pesquisa, consultoria e
treinamento de profissionais, oferecendo
regularmente Cursos e Palestras, dentre
os quais um Curso de Especialização em
Terapia Cognitiva credenciado pelo CFP
– Conselho Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
Site: www.itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD.
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
7
m ó d u l o

Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

transtorno bipomar
transtornos de personalidade
esquizofrenia
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
COMPORTAMENTAL DOS uma habilidade limitada para assimilar ou acomodar.
TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE Os esquemas que foram funcionais no início da vida são
Arthur Freeman, EdD; Cynthia Diefenbeck, utilizados, mais tarde, em situações mais complexas
PsyD; e Roberto Amato, MA. e exigentes. Embora a maioria dos esquemas infantis
tenha sido funcional naquele tempo, perderam eficácia
(Tradução por Roberto Amato, MA. e valor em atender às demandas atuais.
Revisão por Ana Maria Serra, PhD.)
A utilização dos esquemas
Pacientes portadores de Transtornos de Personalidade
no tratamento dos TP’s
(TP’s) são desafiadores, resistentes e freqüentemente
Identificar o nível necessário de mudança esquemática
difíceis de tratar. Eles geralmente requerem mais
é a primeira coisa a ser feita. A mudança pode incluir
tempo, energia e sistemas de apoio, e necessitam
construção, reconstrução, modificação, re-interpretação
estar em terapia por um tempo maior, do que outros
ou camuflagem. A construção esquemática resulta
pacientes. As reações do terapeuta a estes pacientes
da visão de que existe uma necessidade de construir
variam da empatia à hostilidade, da preferência à
esquemas onde estes não existiam anteriormente. A
aversão, entre outros sentimentos. Os TP’s, por
reconstrução esquemática implica em uma revisão
definição, são inflexíveis, estáveis e persistentes,
completa do sistema de crenças do indivíduo; ao se
gerando um nível clinicamente importante de stress
decidir que uma estrutura é doentia, optamos por
e prejuízo funcional. Manifestam-se tipicamente no
desinstalar a estrutura antiga, substituindo-a por uma
início da adolescência, mas os sintomas podem ser
nova. A modificação esquemática envolve pequenas
observados desde a idade de 6 anos.
mudanças na maneira básica como o indivíduo responde
Estima-se que aproximadamente 1 a 3% da população ao mundo, mas mantém a forma geral da estrutura do
possua um diagnóstico de TP’s (DSM IVTR, APA, sistema de esquemas. A re-interpretação esquemática
2000). Muitos outros, talvez, sofram com níveis envolve ajudar o paciente a compreender a origem
subclinicos de patologia. Não há dois pacientes que inicial e a utilidade dos esquemas, e a usá-los de
apresentem uma mesma combinação de critérios uma maneira mais funcional. Finalmente, o processo
diagnósticos; estudos sugerem, por exemplo, que o denominado “camuflagem esquemática” envolve
TP Borderline tem, potencialmente, 247 combinações mudanças cosméticas ou superficiais. Os indivíduos
possíveis de sintomas. com TP’s tipicamente procuram terapia apresentando
Este artigo apresenta um modelo de Terapia Cognitivo- freqüentemente preocupações associadas a
Comportamental (TCC) para pessoas com TP’s transtornos do Eixo I. Tais pacientes consideram suas
crônicos, severos e às vezes incapacitadores. Diversos dificuldades como sendo causadas por forças externas
aspectos dessa abordagem terapêutica serão definidos e independentes de seus comportamentos. Geralmente
e discutidos, salientando as várias dificuldades que não têm idéia sobre como se desenvolveram seus
podem surgir no trabalho com esses pacientes. padrões rígidos, como esses padrões contribuem para
Finalmente, são oferecidas sugestões sobre como os seus problemas, e como mudar estes padrões de
resolver com sucesso os desafios que se apresentam. pensamentos, emoções e relacionamentos. Seus
Esquemas estilos de comportamento e resposta parecem normais
Desde o nascimento até a metade da infância, os e razoáveis a eles (ego-sintônicos); geralmente vêem
esquemas formam-se como um conjunto de regras seus problemas como produto do comportamento
que regulam o processamento de informação. As ou da maldade de outras pessoas. Alguns pacientes
crenças centrais são baseadas nestes moldes são superficialmente cientes do autoboicote presente
estabelecidos ao longo do tempo e usados como em seus problemas de personalidade (por exemplo,
mapas para que o indivíduo interprete situações, dependência excessiva, inibição, evitação), mas vêm-se
pessoas, imagens e interações. (A especificação dos impotentes para efetivamente mudar seus próprios
vários TP’s e seus esquemas definidores poderá ser comportamentos. Outros pacientes podem reconhecer
encontrada em Beck, Freeman, Davis e cols.; 2005; v. seus padrões de comportamento mal-adaptativos e ter
sugestões de leitura, abaixo). Esquemas estão em um a motivação para mudá-los, mas não ter as habilidades
constante estado de mudança. Indivíduos se adaptam necessárias para que isso ocorra.
continuamente às demandas da vida através de Diagnóstico
processos de assimilação e acomodação. Onde não há O terapeuta pode não estar, inicialmente, ciente da
TP’s, os esquemas são constantemente aumentados, natureza, cronicidade e severidade dos problemas de
subtraídos ou modificados, a fim de facilitar a personalidade do paciente; ou os pacientes portadores
organização e a compreensão realística do mundo de transtornos do Eixo II podem não revelar, ou até negar,
fenomenológico. Os indivíduos com TP’s parecem ter seus problemas de personalidade, como um reflexo do
próprio transtorno. Alguns sinais que podem facilitar o Relacionamento Terapêutico
diagnóstico e indicar a presença de patologia do Eixo II: Por causa da natureza persistente e inflexível dos TP’s,
1) O paciente relata o problema como sendo severo, o relacionamento terapêutico transforma-se num
persistente e disfuncional. Um paciente ou familiar microcosmo das respostas do paciente a outros em
relata, “Ele/ela sempre fez assim, desde criança”, seu ambiente natural. Esta é uma fonte de frustração
ou o paciente pode relatar, “Eu sempre fui assim”. para alguns terapeutas, que não reconhecem a riqueza
de oportunidades que se apresentam a partir dessa
2) O paciente é resistente ao regime terapêutico.
experiência. A delicada natureza do relacionamento
Embora essa resistência seja comum em muitos demanda grande cuidado, por parte do terapeuta, ao
problemas clínicos e por muitas razões, a contínua trabalhar com este grupo de pacientes. Apenas dois
não-complacência ou resistência deve ser vista minutos de atraso para uma sessão com um paciente
como um sinal para a exploração adicional de de personalidade dependente pode evocar a ansiedade
questões do Eixo II. sobre o abandono; os mesmos dois minutos, para
3) A terapia parece parar, repentina e um paciente paranóide, podem sugerir estar sendo
inexplicavelmente. O clínico pode ajudar o “passado para trás”.
paciente a reduzir os problemas de ansiedade A colaboração terapêutica é mais importante com
ou de depressão, mas a seguir é bloqueado na esse grupo de pacientes do que com qualquer outro,
continuidade do tratamento. envolvendo objetivos terapêuticos mutuamente
4) O paciente parece não perceber o efeito de seu aceitáveis e razoáveis. O paciente que espera se
comportamento sobre outros. Relata as respostas tornar uma pessoa totalmente diferente em resultado
da terapia, certamente se desapontará. O processo
de outros a si, mas falha em relatar alguma
pode ser lento. Terapeutas devem notar que a
provocação ou comportamento disfuncional que
colaboração não é sempre 50-50, mas pode ser
possam ter exibido.
80-20, ou até 90-10.
5) Há dúvidas sobre a motivação do paciente para Parceiros do paciente podem ser importantes aliados
mudar. Esse problema aplica-se especialmente a no esforço terapêutico, ajudando-o nas tarefas, com os
pacientes que foram encaminhados por membros testes de realidade, oferecendo apoio nas mudanças e
da família ou por ordem judicial. atuando como fontes de dados sobre o paciente e seus
6) O paciente “fala da boca para fora” sobre a terapia comportamentos passados, e fatores familiares, que
e a importância de mudar, mas parece evitar podem estar mantendo o comportamento disfuncional.
mudanças. Ele pode exercer uma energia maior Essas pessoas podem ser envolvidas na terapia.
em evitar ou impedir mudanças do que em seguir Outros significativos, infelizmente, podem também
completamente as recomendações terapêuticas. constituir contínuos obstáculos ao tratamento e fatores
patogênicos. É imperativo para o terapeuta manter
7) Os problemas de personalidade parecem ser
uma visão abrangente dos sistemas envolvidos, a fim
aceitáveis e naturais para o paciente. O paciente do
de compreender as inter-relações delicadas entre o
Eixo II pode ver nos problemas naturalidade, talvez paciente e seu ambiente.
dizendo “É assim que eu sou”.
A Intervenção Terapêutica em TCC
TCC com Transtornos de Personalidade A TCC usada no tratamento dos TP’s é similar ao
Os objetivos iniciais da terapia envolvem uma avaliação tratamento de outros transtornos. A identificação
completa, a fim de desenvolver uma conceituação de distorções cognitivas é feita pelo terapeuta, a fim
cognitiva e definir colaborativamente um plano de testar o significado, o realismo, ou a validade dos
de tratamento. A conceituação de caso permite pensamentos e das percepções do paciente. Esta
a compreensão dos comportamentos passados, meta requer muita habilidade e tato, porque alguns
cujos esquemas, se mudados, permitem predizer as pacientes do Eixo II têm uma dificuldade aumentada
respostas comportamentais futuras; permite ainda para entender este conceito do que outros, podendo
explorar os fatores precipitantes dos problemas. inclusive se sentir invalidados em vista das tentativas
Em seguida, o terapeuta e o paciente devem gerar do terapeuta de ajudá-los a compreender suas
uma lista de outros problemas e situações que experiências sob outros pontos de vista. As técnicas
podem ser potencialmente relevantes para a terapia. empregadas podem ser divididas em cognitivas
Outro aspecto da conceituação de caso refere-se à e comportamentais, cuja combinação particular,
possibilidade de elucidação das crenças relevantes e naturalmente, depende das necessidades do paciente.
de suas origens. É necessário também identificar os Em geral, quanto mais severa a patologia, maior
fatores que mantêm ativas as crenças da pessoa. ênfase é dada às técnicas comportamentais.
Técnicas Cognitivas de habilidades pode ser obtido através do ensaio
As técnicas Cognitivas, que podem ser úteis no comportamental, da modelagem, do treinamento de
tratamento dos transtornos específicos do Eixo II, são assertividade e de role-plays. Outras técnicas úteis
numerosas. Primeiramente, o cliente necessita tornar- incluem o relaxamento e técnicas comportamentais
se ciente da conexão entre pensamentos, emoções de distração, a ser empregadas quando aumenta a
e comportamentos. Isto pode ser feito através de ansiedade associada à mudança. Exposição “ao vivo”
sessões psico-educativas, questionamento Socrático, a uma situação problemática e uma hierarquia de
e role-plays. O registro diário dos pensamentos tarefas por grau de dificuldade são particularmente
automáticos é particularmente útil com relação a úteis ao processo de mudança, associadas ao incentivo
esse objetivo. Outra técnica útil refere-se à procura à aquisição de competência e acompanhadas de
do significado idiossincrático. Posto que os pacientes reforço e elogios. Finalmente, as escalas que avaliam
portadores de TP’s freqüentemente rotulam a satisfação associada à realização de tarefas
sentimentos e pensamentos de maneiras incomuns, prazerosas e à realização de obrigações podem ser
em parte devido aos seus padrões desviantes de empregadas de modo a incentivar o paciente através do
interpretação de experiências, é importante não supor reconhecimento de seu sucesso em obter mudanças,
nada – mas esclarecer sempre, através da coleta ou aferir o que falta para alcançá-las.
de mais informações. Uma outra técnica é rotular
Sugestões de Leitura:
distorções. Pode-se conscientizar o paciente de que
os padrões automáticos de pensamento são, de fato, Beck, Aaron T., Freeman, A., Davis, D.D. & Cols
enviesados e não razoáveis. O uso do questionamento (2005) Terapia Cognitiva dos Transtornos de
Socrático ou da descoberta guiada é essencial na Personalidade, Porto Alegre: ArtMed.
elucidação das crenças básicas e dos pensamentos Beck, J.S. (2005) Terapia Cognitiva dos Transtornos
automáticos. A avaliação de evidências pode ser de Personalidade. In Fronteiras da Terapia
usada para desafiar os pensamentos irracionais. As Cognitiva, Ed. P. M. Salkovskis, Cap. 8. São Paulo:
evidências a favor ou contra o esquema compulsório Ed. Casa do Psicólogo.
pode ser avaliada explicitamente. Similarmente,
os clientes são encorajados a desafiar afirmações Arthur Freeman
supergeneralizadas, tais como “nunca”, “sempre”, PhD, membro senior da University of Medicine and
e “ninguém”. Pacientes podem ser encorajados a Dentistry of New Jersey, do Robert Wood Johnson
examinar opções e alternativas, de modo a ver além de Medical School, e do Depto. de Psiquiatria do Cooper
sua situação imediata. A técnica de hierarquização é Hospital, University Medical Center, em Camdem,
usada para colocar as experiências em perspectiva e New Jersey, o Dr. Freeman é ganhador do prêmio por
reduzir a tendência de percebê-las isoladamente. A re- Outstanding Contribution to the Science and Practice of
atribuição de eventos é especialmente útil ao paciente Psychology, autor de inúmeras publicações, traduzidas
que atribui responsabilidades de forma estereotipada, em 9 idiomas, tendo oferecido cursos e palestras
por exemplo, responsabilizando unicamente a si ou em 25 países, inclusive no Brasil, a nosso convite, em
a outros. Finalmente, o uso de “coaching” e de auto- 2000. Voltará em 11 e 12 de Abril de 2007
instrução incita, encoraja e guia o cliente no uso de (v. informações www.itc.web.com).
novos padrões de ação.
Cynthia Diefenbeck
Técnicas comportamentais PhD, University of Delaware, Newark, DE.
O objetivo do emprego de técnicas comportamentais
envolve três aspectos: Primeiro, o terapeuta Roberto Amato
pode necessitar intervir diretamente sobre PhD, Adler School of Professional Psychology and
comportamentos de autoboicote, a fim de alterá- Sheridan Shores Care and Rehabilitation Center,
los. Segundo, os pacientes podem ter déficits em Chicago, IL.
habilidades específicas, caso em que a terapia
obrigatoriamente deve incluir um componente TERAPIA COGNITIVA PARA A
de criação e prática dessas habilidades. Terceiro, ESQUIZOFRENIA
tarefas comportamentais podem ser empregadas Maged Swelam e David Kingdon
como tarefas entre sessões, a fim de ajudar a testar
cognições. Há numerosas técnicas comportamentais Introdução
que podem ser úteis. O automonitoramento e re- A primeira tentativa de uso de técnicas cognitivas
programação de atividades ajudam os pacientes a com esquizofrenia data de 1952, quando Aaron
regular seus níveis diários de atividade. O treinamento Beck publicou um estudo de caso de um paciente
com delírios persecutórios, que respondeu bem ao adolescência, parecem relevantes na produção
tratamento. Mas foi somente no início dos anos 90 que dos sintomas.
o Reino Unido tomou a liderança na investigação da 4. Psicose por ansiedade: desenvolvimento de
aplicação da TC, juntamente com os antipsicóticos, no ansiedade em resposta a circunstâncias
tratamento dos sintomas resistentes da esquizofrenia estressantes, em associação com o humor delirante
crônica. Os primeiros estudos de caso mostraram-se e a conversão a sintomas psicóticos, especialmente
promissores, relatando resultados de sucesso. em forma de quadros delirantes sistematizados.
Evidências que apóiam a eficácia
A relação terapêutica
da TC para a esquizofrenia
A vinculação é um fator chave na TC para sintomas
Em 1996, Drury e colegas conduziram um estudo sobre
psicóticos. Pode ser altamente potencializada
a aplicação individual e em grupo de terapia cognitivo-
através do foco no desenvolvimento de uma relação
comportamental versus atividades recreacionais e
terapêutica efetiva, explorando eventos do presente
de apoio, durante e imediatamente após um episódio
do paciente, relativos ou não à psicose, utilizando
psicótico agudo. Os resultados foram promissores,
linguagem apropriada, resumos freqüentes, explicações
favorecendo o uso da TC para sintomas positivos;
simples, o estabelecimento de metas, a utilização de
mas, após um follow-up de cinco anos, os benefícios se
estrutura adequada e a instilação de esperança. Além
perderam. Kuipers e colegas examinaram a eficácia
da vinculação, o desenvolvimento de “amizade” tem
da terapia cognitivo-comportamental em pacientes
demonstrado ser uma intervenção útil e valiosa na
portadores de sintomas psicóticos residuais, em
manutenção do vínculo, combinada a uma abordagem
atendimento em ambulatórios. Eles demonstraram
não confrontativa, que permite à pessoa revelar seus
uma melhora nos sintomas psicóticos superior ao
sintomas angustiantes.
tratamento convencional.
O ritmo da terapia necessita ser ajustado ao paciente
Esses primeiros estudos abriram caminho para
individual, levando-se em conta que a TC para a
estudos controlados mais rigorosos. A despeito de
esquizofrenia pode ser um processo lento. Sintomas
críticas, foram os resultados positivos desses primeiros
psicóticos podem ser muito angustiantes quando
estudos que propiciaram a mudança de paradigma com
abordados e muitas vezes provocar agitação durante
relação à utilidade das psicoterapias no tratamento de
a sessão; uma retirada tática é recomendada nessas
sintomas psicóticos.
circunstâncias e a mudança do foco para tópicos
Tarrier e colegas demonstraram uma melhora em menos ameaçadores pode aliviar a situação.
sintomas positivos superior à terapia de apoio. Embora
a melhora não se tenha mantido durante os dois anos Avaliação
de follow-up, esse estudo representou um marco Os sintomas psicóticos podem representar um dilema
na comprovação da especificidade da TC aplicada para o terapeuta. À primeira vista, podem não fazer
à esquizofrenia, que foi, mais tarde, confirmada por muito sentido – entretanto, em nossa experiência,
outros pesquisadores. o estabelecimento do momento inicial em quem os
problemas começaram pode levar a uma compreensão
Características Básicas
compartilhada dos sintomas presentes. Mais adiante
Subgrupos Clínicos no processo, a construção de uma história de
O termo “psicose” reflete um conceito muito vida seqüencial completa o processo de avaliação.
heterogêneo. A pesquisa psicossocial e a experiência Instrumentos de medida podem mostrar-se úteis em
na utilização da TC levaram à proposição de quatro estabelecer uma linha de base com a qual podemos
subgrupos relativamente distintos, que parecem avaliar o progresso terapêutico. O uso de uma escala de
requerer diferentes planos de gerenciamento, ainda medida mais abrangente é também recomendado.
com base em uma conceituação cognitiva de caso.
Intervenções sobre Delírios
Esses grupos são conforme segue:
A descoberta guiada é uma técnica cognitiva
1. Psicose sensitiva: há uma vulnerabilidade clássica, utilizada para compreender os antecedentes
geral a eventos estressores e se apresenta das crenças delirantes. Esse processo envolve a
cedo na adolescência. construção de um quadro completo, desde o período
2. Psicose induzida por drogas: a ocorrência inicial que antecedeu a instalação do quadro psicótico,
dos sintomas psicóticos coincide com a utilização incluindo eventos e crenças do paciente sobre esses
de drogas alucinógenas. eventos; a partir daí, vai-se gradualmente descobrindo
3. Psicose traumática: eventos traumáticos, as conexões entre os eventos ativadores, as crenças e
especialmente abuso sexual na infância ou suas conseqüências. O terapeuta colaborativamente
gera explicações alternativas para tais eventos, em Sintomas negativos
forma de hipóteses testáveis. O processo necessita Há evidências de que o tratamento psicológico pode
de muito cuidado e sensibilidade por parte do ter um impacto positivo sobre os sintomas negativos.
terapeuta, a fim de evitar a resposta “você não O trabalho cognitivo teria como objetivo a preparação
acredita em mim” pelo paciente, a qual pode resultar gradual e gentil dos pacientes, através de um estilo
no rompimento da aliança terapêutica. lento de conversação. A programação de atividades,
Essas hipóteses podem ser formuladas em forma de envolvendo alvos paradoxalmente modestos, pode
exercícios entre as sessões, com o intuito de explorar auxiliar a evitar o desenvolvimento cumulativo de
as explicações que o paciente dá para eventos pressão sobre o paciente, permitindo a identificação
e crenças específicos. A seqüência inferencial é colaborativa de seus sintomas e propiciando uma
também uma técnica útil em delírios persistentes, discussão sobre o enfrentamento de stress. É
em cujo caso o significado da crença pode ser importante compreender a natureza protetora
explorado de uma forma não ameaçadora, que abre dos sintomas negativos em reduzir o stress e os
caminho para a compreensão, pelo paciente, do que sintomas positivos. Os sintomas negativos podem ser
é importante sobre suas crenças e sobre como isso aliviados com um trabalho paralelo sobre os sintomas
afeta sua vida. positivos co-existentes – o trabalho prévio sobre os
sintomas positivos pode levar, por exemplo, a um maior
Intervenções sobre Alucinações envolvimento social, através do desenvolvimento de
No modelo cognitivo, as alucinações são conceituadas habilidades de enfrentamento social.
como pensamentos automáticos atribuídos a fontes
externas. É importante estabelecer a natureza Sugestões de Leitura:
exata das vozes e os sintomas associados a elas. Tarrier, N., (Ed) (2006) Case Formulation in Cognitive
Trabalhar com alucinações auditivas envolve a re- Behaviour Therapy, London: Routledge.
atribuição desse fenômeno, com o objetivo de permitir Turkington, D., Kingdon, D. (2005) Cognitive Therapy of
ao paciente considerar a possibilidade de que as Schizophrenia, London: Guilford.
vozes podem ser seus próprios pensamentos. Outra
possível explicação pode ser explorada e testada Dra. Maged Swelam
através de tarefas entre as sessões, determinadas Psiquiatra, Professora Honorária em Psiquiatria,
colaborativamente com o paciente. O trabalho Universidade de Southampton, Depto. Psiquiatria, Royal
terapêutico pode então focalizar a redução de South Hants Hospital, Southampton, Inglaterra.
emoções, as quais parecem exacerbar a experiência
alucinatória, como, por exemplo, a raiva, a ansiedade Professor Dr. David Kingdon
e os comportamentos de busca de segurança que Professor de Mental Health Care Delivery, Universidade
mantém os sintomas. de Southampton, Royal South Hants Hospital,
Southampton, Inglaterra. Tendo-se apresentado em
O Transtorno de Pensamento vários países, o Dr. Kingdon, juntamente com os Drs.
Portadores de transtorno de pensamento necessitam Nicholas Tarrier e Douglas Turkington, estará se
de uma estruturação leve das sessões, a fim de apresentando no Brasil, na Conferência de Terapia
que alguma forma de ordem e comunicação possa Cognitiva e Esquizofrenia, em Novembro, 2007 (inform.:
ser desenvolvida, sob a orientação do terapeuta. www.itc.web.com).
Este processo se inicia com o terapeuta escutando
cuidadosamente o paciente e encorajando-o a TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL
observar quaisquer disparidades entre sua expressão PARA TRANSTORNOS BIPOLARES
verbal e não-verbal. Freqüentemente, o terapeuta
pode identificar pontos incompreensíveis na fala do
Steven Jones, PhD
paciente, casos em que ele solicitará esclarecimento e (Tradução: Carla A. Serra.
explorará o significado de, por exemplo, neologismos e Revisão: Ana Maria Serra, PhD)
metáforas. É crucial concordar sobre o significado de O Transtorno Bipolar (TB) é uma doença mental severa,
certos termos, antes de prosseguir com a conversa. caracterizada por episódios alternados de mania e
Algumas vezes, o fluxo da conversa é totalmente depressão, e que tipicamente se manifesta no final
incompreensível. Nessas circunstâncias, o terapeuta da adolescência ou no início da idade adulta. Seu
necessita procurar por temas particulares, ou impacto no indivíduo, nos familiares e na sociedade
somente fazer perguntas simples ou que requeiram as pode ser altamente custoso. O curso do TB é
respostas “sim” ou “não”, a fim de desenvolver alguma marcado por repetidas recaídas e pela experiência
forma de comunicação. de sintomatologia importante entre os episódios.
Os índices de danos ao self e de suicídio são altos: um chamado para o desenvolvimento de terapias
indivíduos com TB’s são 20 vezes mais suscetíveis psicossociais. Desde então, houve um aumento rápido
ao suicídio do que a população em geral. no desenvolvimento de tratamentos psicológicos para o
Os períodos de mania são caracterizados por TB, em particular a TC.
elevação do humor e da impulsividade. Durante os Há dez casos de estudos controlados de TCC (terapia
episódios maníacos, indivíduos podem muitas vezes cognitivo-comportamental) para TB’s. Esses estudos
agir de uma maneira bem distinta do seu normal. se diferenciam entre si em relação à duração e à
Indivíduos em relacionamentos estáveis podem iniciar abrangência da terapia oferecida, e também com
encontros sexuais múltiplos de curto prazo; pessoas relação a terem como alvo o transtorno como
que são normalmente prudentes financeiramente um todo ou apenas uma fase em particular. De
podem adquirir grandes empréstimos para financiar forma geral, há evidências consistentes de que a
transações comerciais arriscadas. Durante esses TC é melhor do que o tratamento convencional,
períodos, o indivíduo é normalmente intolerante à em relação à redução do risco de recaídas e em
opinião de outros, freqüentemente classificando outros relação à melhora do funcionamento geral durante
como lentos ou monótonos demais para apreciarem os períodos intermediários entre os episódios. Uma
suas idéias e planos arrojados. Embora o humor característica chave da TCC para TB’s refere-se à ajuda
apresente-se, na maioria das vezes, elevado durante que proporciona ao paciente compreender os sinais
o período de mania, pode também vir acompanhado precoces de alerta, que denunciam a aproximação
de irritabilidade e até raiva. Há evidências de risco de de episódios de depressão e de mania. Na TC, a
violência em indivíduos em estado de mania. Um fator investigação cuidadosa do histórico do paciente é
que pode exacerbar essas alterações é o abuso de utilizada para explorar o desenvolvimento do seu
drogas ou álcool, que representam concomitantes transtorno de humor e para criar uma caracterização
comuns de episódios de mania. compartilhada, através da qual o paciente começará
Indivíduos geralmente despertam a atenção dos a entender a inter-relação entre, de um lado, sua
serviços de saúde mental quando estão em um episódio história familiar, eventos externos e seu próprio
de mania. Esse episódio pode significar para muitos comportamento, e, de outro, a instabilidade de seu
o pico de um longo período de perturbação do humor humor. Após compreender essas inter-relações
e funcionamento instável. Pesquisas realizadas por históricas, o paciente é geralmente encarregado
grupos no Reino Unido e nos EUA estimam que, para de monitorar seu humor atual, sua atividade e seu
um indivíduo, podem decorrer até 10 anos, desde seu comportamento, através de um longo período de
primeiro episódio de humor alterado, até que ele venha tempo. Esse processo torna-se crucial à medida que o
a ser diagnosticado corretamente. Durante esse longo paciente começa a aprender como os eventos podem
período, muitos indivíduos terão recebido tratamentos influenciar seu humor e como as respostas a tais
que não são apropriados ao seu TB e muitos terão mudanças podem melhorar ou exacerbar alterações
sofrido significativamente como resultado dessa demora. iniciais de humor. Durante essa fase de tratamento,
Embora a mania seja a característica mais dramática o paciente é orientado em direção ao entendimento
do TB, a depressão é também uma característica da importância de desenvolver rotinas estáveis, que
importante para a grande maioria dos indivíduos com protegem seu ciclo de sono (uma vez que a perturbação
esse diagnóstico. A pesquisa com grandes grupos do ciclo de sono é uma característica da mania e da
de indivíduos portadores de TB indica que a maioria depressão). Embora esse processo leve certo tempo,
deles experiencia sintomas afetivos (primariamente é importante que o paciente aprenda sobre essas
a depressão) durante até 50 % do tempo em que se relações através de sua própria experiência.
encontram sintomáticos. No estado depressivo, o Uma vez que os sinais precoces tenham sido
indivíduo reportará baixa auto-estima, terá dificuldade identificados, o cliente e o terapeuta trabalham juntos
em se motivar para continuar com suas atividades em uma tentativa de mapear as estratégias de
diárias, e freqüentemente reportará desesperança enfrentamento cognitivas e comportamentais que ele
e pensamentos suicidas. Conseqüentemente, é possui e poderá ativar em resposta aos sinais. Estas
crucial que as abordagens terapêuticas levem em estratégias de enfrentamento incluirão aprender
consideração os dois pólos do transtorno. a desafiar pensamentos automáticos (positivos e
Até recentemente, o método predominante de negativos), aprender quando devem aumentar e quando
tratamento do TB era o farmacológico. As limitações devem reduzir o envolvimento social geral, como
da farmacoterapia foram reconhecidas pelo Instituto construtivamente acessar os serviços profissionais
Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental e informais de apoio, e como planejar para lidar
Health), dos EUA, em 1990, quando publicaram com situações previsíveis, que podem conter algum
risco. Durante esse processo, o cliente tipicamente
nota que as abordagens de enfrentamento para as psicológicas em geral, e intervenções cognitivo-
primeiras alterações na maioria das vezes envolvem comportamentais em particular, em melhorar a vida
apenas mudanças simples em pensamentos e de indivíduos portadores de TB. Há mais trabalho a
comportamentos, que estão completamente ser feito para refinar essas intervenções e desenvolver
sob o controle do indivíduo. À medida que os abordagens eficazes para indivíduos com co-morbidade
sintomas progridem em direção a um episódio, uma de abuso de substâncias psicoativas durante os
intervenção mais intensa é necessária, e o indivíduo episódios agudos da doença. Este trabalho está em
conseqüentemente requer mais ajuda de outros, a fim andamento no Reino Unido e em outras partes, e poderá
de efetuar as mudanças planejadas. Como a maioria conduzir a avanços adicionais no tratamento psicológico
dos indivíduos portadores de TB valorizam muito sua desse transtorno potencialmente devastador.
autonomia, muitos se tornam altamente motivados
Sugestões de Leitura:
a detectar os sinais precoces, a fim de que possam
manter sua independência. Indivíduos freqüentemente Jones, S. H. (2004). Psychotherapy of bipolar disorder: A
se beneficiam da TC, no sentido de que a terapia review. Journal of Affective Disorders, 80, 101-114.
facilita a consideração das conseqüências dos Newman, C., Leahy, R.L., Beck, A.T., Reilly-Harrington,
comportamentos com os quais possivelmente N. & Laszlo, G. (2001). Bipolar Disorder:
estiveram envolvidos em episódios anteriores e dos A Cognitive Therapy Approach. American
quais se envergonham (como infidelidade sexual, Psychological Association.
comportamento agressivo ou gastos excessivos). É
importante para o cliente compreender este aspecto Dr Steven Jones
dentro de um contexto apropriado, a fim de que ele PhD, Professor em Clinical Psychology, University
seja capaz de dar passos positivos em direção a of Manchester School of Psychological Sciences,
medidas de reparação em seu sistema de apoio social, Academic Division of Clinical Psychology.
e de evitar a ruminação negativa, a qual poderia torná- 2nd Floor, Zochonis Building, Brunswick Street,
lo vulnerável a novos episódios. Manchester, M13 9PL.
TCC para TB requer normalmente de 12 a 20 Email: steven.jones@manchester.ac.uk
sessões individuais, ao longo de um período de
aproximadamente 6 meses. É sempre útil programar
algumas sessões de reforço, após o período de
tratamento ativo, a fim de facilitar a generalização.
Quando uma terapia desse tipo é conduzida por
terapeutas cognitivo-comportamentais bem treinados,
os quais são sensíveis ao caráter complexo dos TB’s,
o processo mostra-se associado a uma redução
significativa no risco de recaídas. Essa terapia
é oferecida a indivíduos que não estão, naquele
momento, passando por um episódio agudo de
depressão ou mania, embora uma variação significativa Ana Maria Serra
de humor possa ocorrer durante o período da terapia. PhD em Psicologia e Terapeuta Cognitiva
Em 2006, o Instituto Nacional Britânico para a pelo Institute of Psychiatry da
Excelência Clínica (UK National Institute for Clinical Universidade de Londres, Inglaterra.
Excellence) publicou seu Guia Clínico para TB’s. Presidente Honorária da ABPC
Esse guia enfatizou a importância de intervenções – Associação Brasileira de Psicoterapia
Cognitiva. Diretora do ITC – Instituto
de Terapia Cognitiva, que atua nas
áreas de clínica, pesquisa, consultoria e
treinamento de profissionais, oferecendo
regularmente Cursos e Palestras, dentre
os quais um Curso de Especialização em
Terapia Cognitiva credenciado pelo CFP
– Conselho Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
Site: www.itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD.
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.
8
m ó d u l o

Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

resistência
pacientes difíceis
aliança terapêutica
questões relacionadas a treinamento
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise


Terapia Cognitiva e Depressão
Terapia Cognitiva e Suicídio

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
SUPERANDO A RESISTÊNCIA – como, por exemplo, “você somente poderá
EM TERAPIA COGNITIVA me validar concordando comigo em que não há
esperança para meu caso”. Conflitos potenciais
Robert L. Leahy, Ph.D.
entre o terapeuta e o paciente podem surgir
American Institute for Cognitive Therapy, NYC, EUA
quando o terapeuta orienta suas ações em
President, IACP-International Association for direção à execução de tarefas e vê a validação
Cognitive Psychotherapy como interferência com importantes metas
terapêuticas. O terapeuta pode abordar essas
preocupações, reconhecendo a necessidade
Os terapeutas cognitivos são freqüentemente
de validar a angústia e encorajar a mudança –
criticados por não lidar adequadamente com a
e que o paciente pode estar usando estratégias
relação transferencial – e com a resistência do
derrotistas a fim de ensejar a validação.
paciente à mudança. Comecei a reconhecer que
Se você não validar a resistência de validação,
muitos pacientes não respondiam às “técnicas” da
a terapia fracassará.
TC que eu estava usando – e, na verdade, alguns
desses pacientes respondiam com raiva. 2 Resistência de vitimização
Neste caso, o paciente acredita que sua identidade
Então, comecei a pensar: “talvez eu devesse ouvir
é definida apenas se ele se fizer de vítima – e
os críticos da TC e reconhecer que realmente há
que não há nada que ele possa fazer para mudar,
alguma coisa relativa à resistência ocorrendo”.
porque não causou seus problemas. A pessoa que
Comecei a escrever um livro, Superando
“encalha” neste papel terá regras específicas a
Resistência em Terapia Cognitiva; e, ironicamente,
respeito de como a mudança poderá ser alcançada
vi-me procrastinando a produção do livro! Eu estava
– “é assim que eu poderei melhorar”. Tentativas
resistindo a escrever um livro sobre resistência!
para encorajar o paciente a seguir adiante, em
De qualquer forma, o livro foi publicado em 2001 e, direção à mudança individual, somente o levarão
desde então, venho escrevendo sobre resistência, a ver o terapeuta como mais um vitimizador
transferência, contra-transferência, esquemas maligno. Intervenções úteis incluem reconhecer
emocionais e questões de personalidade. a legitimidade das queixas do paciente de que ele
Finalmente, superei minha própria resistência! é uma vítima – mas de que ele também pode se
Não aderência, resistência ou falta de progresso fortalecer através do foco em metas pessoais e
em terapia podem ser compreendidos, até certo ativação de recursos disponíveis.
ponto, como resultado de estratégias que o 3 Resistência moral
paciente usa e papéis que ele desempenha a fim Nesta situação, o paciente acredita que a mudança
de reforçar seus esquemas pessoais e evitar incorreria no risco de violar seus próprios padrões
maiores perdas. A pressuposição neste caso é morais ou éticos. Isto é especialmente verdadeiro
de que o paciente está tentando proteger-se de no caso de pacientes obsessivo-compulsivos, os
maiores perdas e está buscando alguma reação quais acreditam que seu senso aumentado de
(por exemplo, validação, legitimidade, sanção responsabilidade e receio de cometer um erro
moral) de parte do terapeuta. Vejo a resistência é baseado em um código moral. Dessa forma, o
como envolvendo várias dimensões – há mais de terapeuta que encoraja o paciente a abandonar
uma razão para as pessoas resistirem. Vejamos padrões exigentes de perfeição pode ser visto
algumas das dimensões da resistência: como facilitador de qualidades irresponsáveis e
1 Resistência de validação repreensíveis no paciente. Enquanto reconhecendo
O paciente “encalha” em sua demanda de que que há “deveres” legítimos que orientam o
você focalize exclusivamente a validação de comportamento, o terapeuta pode ajudar o
sua angústia. Ele pode perceber sugestões paciente a reconhecer que seus “deveres”
para ação ou pensamento alternativo como absolutos e perfeccionistas violam um código moral
invalidações: “você não compreende o quanto universal, que visa a fortalecer a dignidade humana
eu me sinto mal”. A suposta falha em validá- e garantir a justiça. Dessa forma, o terapeuta não
lo levará a um aumento nas queixas e no necessita rejeitar a “resistência moral” – mas, ao
sofrimento, até que a validação seja alcançada. contrário, ele pode reafirmar um código moral mais
Além disso, pacientes podem ter “regras” racional e razoável e que reconheça as diferenças
únicas e auto-sabotadoras para a validação e necessidades humanas.
4 Resistência esquemática sugere?”. Indivíduos que usam estratégias que
Neste caso, os esquemas pessoais do paciente (por refletem aversão a riscos têm maior tendência
exemplo, incapaz, abandonado, especial) limitam à depressão, ansiedade, preocupação excessiva,
a mudança terapêutica, desde que ele tenha uma dependência e personalidades evitativa ou
tendência a ver o passado, o presente e o futuro borderline. Estes indivíduos utilizam estratégias de
como evidências de que seus esquemas pessoais busca de segurança, espera, interrupção repentina
são válidos. Neste caso, o terapeuta pode utilizar de uma ação, desistência antes de se verem em
técnicas para modificar esquemas persistentes, risco, e a desvalorização de mudanças positivas,
como examinar a origem dos esquemas, explorar a fim de evitar que suas expectativas “saiam fora
esquemas alternativos mais adaptativos e de controle”. O terapeuta e o paciente podem
experimentar agir de forma contrária ao esquema. ter conflitos quando as sugestões do terapeuta
5 Compromisso com o self relativas à ativação e mudança comportamentais
Todos queremos acreditar que há alguma forem vistas como apresentando riscos
previsibilidade na vida – uma das razões pelas quais inaceitáveis ao paciente, o qual acredita que já
os esquemas têm uma natureza “conservadora”. acumulou perdas suficientes. As intervenções
Uma forma particular de compromisso com o incluem avaliação de formas alternativas e mais
self, da perspectiva da resistência, refere-se à flexíveis de calcular, de forma razoável, riscos
insistência em justificar decisões passadas que e oportunidades para mudanças, e de evitar
fracassaram – um processo conhecido como a interrupção prematura de uma ação ou a
“custo irrecuperável”. Neste caso, o paciente desistência prematura.
argumenta que ele não pode abandonar uma 7 Auto-incapacitação
seqüência de maus acontecimentos porque Alguns pacientes vêm para a terapia com
investiu muito nele (em seu fracasso!). Como habilidades para serem bem-sucedidos, mas
o terapeuta não necessita justificar erros com uma história de comportamento limitado e
passados, pode lhe ser difícil compreender como de auto-sabotagem. Rotulados de masoquistas
é para o paciente abandonar um compromisso ou derrotistas, esses pacientes ou abertamente
anterior consigo mesmo, mas que demonstrou resistem a tentativas de mudança, ou fazem
significar unicamente um “custo irrecuperável”. esforços fracos que resultam em fracasso. Em
Intervenções para modificar um comprometimento alguns casos, essa estratégia pode refletir uma
com uma situação que já implicou em um alto tentativa de esquivar-se de ser avaliado em
custo, mas sem retorno, incluem considerar a seu melhor desempenho. É melhor fracassar
rejeição do comprometimento anterior como como resultado de um esforço limitado – desde
uma oportunidade para novos ganhos, afastar-se que sempre se pode argumentar que “não me
desse comprometimento através da exploração de importava tanto” ou “eu não tentei de verdade”
conselhos que ofereceria a um amigo em situação – preservando dessa forma um pouco da auto-
semelhante, e considerar se ele próprio aceitaria estima, com base no que ele poderia realmente
o mesmo comprometimento caso tivesse que fazer sob condições ideais. O terapeuta pode
começar tudo novamente. ajudar o paciente a examinar seus padrões de
6 Aversão a riscos auto-incapacitação através da avaliação de suas
Indivíduos resistentes freqüentemente se envolvem idéias globais e constrangedoras sobre “fracasso”,
em estratégias para evitar riscos no processo de e ainda ajudar o paciente a fazer um progresso
tomada de decisões. Estas estratégias incluem gradual a fim de evitar que ele sinta que está “indo
altas demandas de informação, foco seletivo rápido demais”.
na probabilidade e magnitude de potenciais 8 Esquemas emocionais
resultados negativos, alta ênfase em lamentação, Em anos recentes, vimos nos concentrando em
e atribuição de baixo valor ou estimativa de baixa como as idéias dos pacientes a respeito de suas
probabilidade a eventos de utilidade positiva: “eu emoções interferem com a mudança clínica.
realmente necessito saber mais, porque muito Por exemplo, algumas pessoas temem emoções
provavelmente seria realmente terrível se as intensas – acreditando que perderão o controle
coisas não dessem certo e, então, eu me culparia. sobre as emoções, ou que elas poderão sobrepujá-
E, por quê? Quanto eu efetivamente apreciaria los ou que durarão para sempre. Outros se
se as coisas ocorressem da forma como você sentem confusos ou constrangidos sobre seus
sentimentos – e ainda outros acreditam que difícil” e apresentaremos algumas idéias sobre como
estão sós com seus sentimentos. Observamos terapeutas cognitivos podem encontrar maneiras
que é útil encorajar pacientes a ver emoções para se manter colaborativos e esperançosos, e
(até mesmo as mais dolorosas) como um sinal produzir resultados construtivos.
de vitalidade e uma fonte de informação sobre
suas necessidades. Explorar as “crenças sobre Quais são as características
emoções” também tem se mostrado útil em de Casos difíceis?
superar as resistências baseadas em validação 1 O paciente apresenta co-morbidade. Por
e vitimização – e em mudar esquemas mal- exemplo, uma paciente pode estar fazendo
adaptativos sobre si e sobre outros. progresso em direção ao alívio de sua depressão;
A conclusão a que chego é que a exploração mas então ela experiencia uma exacerbação de seu
da resistência pode conduzir a um senso mais abuso de álcool, ponto em que ela não comparece
significativo, mais existencial a respeito da mudança a algumas sessões. Em casa, a família da paciente
no indivíduo. De fato, como terapeutas cognitivos, está furiosa e ela se sente envergonhada e sem
podemos aprender das idéias psicanalíticas sobre valor. A paciente não deseja encarar seu terapeuta,
resistência – mas sugiro que podemos ser capazes e acredita que nada a pode ajudar, mesmo diante
de fazer até mais em direção à superação desses de evidências anteriores de que sua depressão
fatores, que representam obstáculos ao progresso poderia melhorar.
psicoterápico. 2 O paciente está correndo “alto risco” de
violência contra si ou outros. Por exemplo,
Sugestão de Leitura:
um paciente cronicamente suicida e furioso
LEAHY, R.L. (2001) Overcoming Resistance in ameaça ferir-se todas as vezes que o terapeuta
Cognitive Therapy. Guilford: New York. tenta estabelecer limites apropriados ou
sugere intervenções adicionais. O terapeuta é
freqüentemente obrigado a tomar decisões éticas
difíceis, com base nos princípios de gerenciamento
TERAPIA COGNITIVA COM CASOS DIFÍCEIS
de crises. O terapeuta experimenta um alto nível
Cory F. Newman, Ph.D., de estresse no trabalho com esse paciente,
University of Pennsylvania School of Medicine e freqüentemente tem dificuldade com os
Tradução: Ana Maria Serra, PhD procedimentos habituais de TC.
3 O paciente responde ‘subotimamente’ à empatia
do terapeuta. Por exemplo, o paciente não parece
Claramente, alguns transtornos são mais difíceis
ter uma reação positiva às tentativas do terapeuta
de tratar do que outros. Em conseqüência, há
de oferecer apoio, empatia acurada e/ou usar
uma necessidade hoje de se utilizar os melhores
apropriadamente o humor. Ele permanece quieto,
métodos da prática da TC a fim de atacar os casos
estóico e passivo, e não parece vincular-se ao
mais desafiantes. Isto requer que o terapeuta seja
terapeuta, independentemente do que este faça
diligente de várias formas, incluindo: 1) que faça
para ser útil e atencioso.
uma avaliação completa (diagnóstica e conceitual)
do caso e continuamente atualize essa avaliação, 4 O paciente não tem as habilidades para uma
à medida que novos dados se fazem disponíveis; atuação colaborativa (por exemplo, não faz as
2) que demonstre calor humano e aceitação, tarefas entre sessões). Por exemplo, o paciente
dentro do enquadre de uma relação terapêutica mantém crenças falhas sobre o processo
diretiva; 3) que seja um inabalável solucionador de terapêutico e não está disposto a modificar tais
problemas; 4) que utilize, de forma transparente, crenças. Crenças disfuncionais incluem “meu
conhecimentos sobre comportamento humano em terapeuta deveria fazer todo o trabalho para me
geral e sobre técnicas da TC em particular; e 5) que consertar (portanto, não há necessidade de que eu
seja psicologicamente resiliente diante de cenários faça trabalho algum)”, “todas as sessões deveriam
clínicos adversos, como, por exemplo, quando me fazer sentir-me melhor”.
um paciente ameaça suicidar-se ou expressa 5 As vulnerabilidades psicológicas do terapeuta
hostilidade contra o terapeuta. Nesta breve revisão, são expostas por um determinado caso. Por
examinaremos as características de um “caso exemplo, as próprias lembranças angustiantes ou
questões psicológicas do terapeuta são ativadas 2 A segurança do paciente e os comportamentos
pela história de vida e/ou por características que interferem com a terapia são as prioridades
pessoais do paciente. Isto dificulta que o terapeuta máximas para a agenda. Manter uma hierarquia
permaneça adequadamente objetivo, e o coloca em de importância dos tópicos terapêuticos é de
risco de altos níveis de estresse e erros na tomada grande ajuda, a fim de que os terapeutas possam
de decisões clínicas apropriadas. se manter focados e eficazes, mesmo quando os
6 O paciente freqüentemente experiencia um pacientes se apresentam de uma forma caótica,
“esquema de antagonismo”. Por exemplo, um confusa e até perigosa. Vários autores concordam
paciente demonstra esquemas de “dependência” em que a mais alta prioridade da terapia é a
e “desconfiança”. Qualquer um desses esquemas segurança do paciente e de outras pessoas, como,
individualmente representa um problema por exemplo, quando a ideação suicida ou homicida
significativo em terapia, mas juntos eles são está presente. Todos os demais tópicos que o
extremamente prejudiciais e podem colocar o paciente deseja discutir devem ser adiados, até que
paciente e o terapeuta em uma situação difícil. o perigo agudo seja suficientemente controlado.
O paciente angustia-se por se sentir próximo e Uma forma através da qual os terapeutas podem
envolvido com o terapeuta (porque na realidade fazer com que os pontos fortes dos métodos da
não consegue confiar nele); mas também se sente terapia cognitiva possam dar conta das demandas
disfórico ao acreditar que tem de manter distância dos itens de alta prioridade é continuar a examinar
do terapeuta a fim de sentir-se seguro (porque as crenças e esquemas que os pacientes mantém,
na realidade “necessita” que seu terapeuta cuide pertinentes a suas tendências suicidas ou
dele). Esta é uma típica situação em que se diz que homicidas e a suas dificuldades para engajar-se à
o terapeuta estará em dificuldades fazendo ou não terapia.
fazendo o que o paciente solicita. 3 Não expresse desesperança ou raiva em
relação ao paciente. Terapeutas são humanos
e algumas vezes sentem-se frustrados com a
Como terapeutas eficazes podem falta de colaboração de seus pacientes, suas
utilizar a TC para casos difíceis? altas demandas, as crises repetidas e os
Há várias publicações que examinam essa questão comentários provocativos (por exemplo, “você é
em profundidade. Considerando os objetivos deste exatamente igual às outras fraudes em sua área,
módulo, vamos simplesmente tocar em alguns dos que não se preocupam de verdade com os seus
princípios de orientação básicos que os terapeutas pacientes!”). Às vezes, terapeutas sentem como
cognitivos podem seguir, a fim de estar mais bem se houvessem atingido seu limite em tolerar
preparados para os casos mais difíceis. tal comportamento e correm o risco de fazer
1 Qualquer problema no tratamento fornece afirmações contraproducentes. Este é o momento
dados úteis. Algumas vezes, terapeutas se em que as habilidades interpessoais do terapeuta
sentem desencorajados quando seus pacientes são seriamente testadas. Se o terapeuta for capaz
não respondem bem à terapia, como, por exemplo, de se manter calmo e continuar a comunicar ao
quando eles continuamente contradizem ou paciente sua disposição para ajudá-lo, isso poderá
menosprezam as observações e sugestões clínicas resultar em um avanço no processo de tratamento.
do terapeuta, e se recusam a se engajar em 4 Utilize métodos psico-educacionais e solicite
técnicas potencialmente úteis, como “role plays”. “feedback”. Terapeutas cognitivos valorizam a
Embora esse comportamento dos pacientes arte de ensinar, à medida que tentam “treinar”
represente um impedimento ao progresso clínico, seus pacientes para o uso de uma variedade de
ele também fornece informações importantes habilidades de auto-ajuda e para a compreensão
para o terapeuta, que o auxiliará a obter uma de princípios importantes de função e disfunção
melhor compreensão sobre os problemas do psicológica (por exemplo, explicando o fenômeno
paciente. Ao invés de tentar “forçar” o paciente a dos esquemas, e como reconhecê-los quando eles
aceitar as intervenções (e dessa forma arriscar causam erros de julgamento e angústia emocional).
uma disputa por poder), terapeutas cognitivos Mesmo quando os pacientes são lentos em
podem refletir sobre as dificuldades que estão apreender o modelo cognitivo, e/ou mostram-se
encontrando, conceituar o problema e talvez relutantes em praticar as técnicas, o terapeuta
discutir abertamente o problema com o paciente. cognitivo continua tentando ensinar aos pacientes
toda a informação útil que eles puderem reter Tornando-nos Específicos em
para uso no presente e no futuro. Além disso, é Relação a Fatores Não Específicos:
importante pedir “feedback” aos pacientes, sobre O PAPEL DA ALIANÇA TERAPÊUTICA EM
suas reações emocionais à sessão de terapia TERAPIA COGNITIVA
e sobre a retenção dos pontos educacionais
Katherine P. Eisen, Ph.D. and David D. Burns, M.D.
importantes aprendidos durante a sessão.
Essa constitui uma maneira empática de dar Stanford University Medical Center
sustentação ao processo educacional, mesmo Department of Psychiatry and Behavioral Sciences
quando os pacientes expressam dúvidas sobre o
quanto eles serão capazes de aprender. Introdução
5 Esteja alerta aos seus próprios pensamentos Terapeutas humanistas e psicodinâmicos
automáticos e formule boas respostas sempre enfatizaram o papel da relação
racionais, a fim de permanecer profissional e terapêutica. Entretanto, a atenção devotada à
objetivo. Terapeutas cognitivos, que são adeptos Aliança Terapêutica (AT) tem sido relativamente
da aplicação do modelo terapêutico a si próprios, inconsistente entre praticantes da Terapia
estarão melhor posicionados para atender casos Cognitiva (TC). Alguns investigadores pensam
difíceis. Esses terapeutas estarão conscientes sobre a AT como um entre vários fatores não-
de seus próprios pensamentos problemáticos específicos, e pouco esforço tem sido feito com o
(por exemplo, aqueles que causam raiva e fim de operacionalizar o termo ou identificar suas
desesperança) e, assim, estarão capacitados a características definidoras. Devido a um volume
engajar-se em auto-intervenções silenciosas a fim crescente de literatura enfatizando a importância
de permanecer focados, ativos e colaborativos da AT, faz-se necessário disponibilizar a profissionais
diante de pacientes desafiadores. Além disso, clínicos os métodos práticos para avaliar a AT, bem
esses terapeutas servem como excelentes como estratégias efetivas para a construção de uma
modelos para seus pacientes, pois serão objetivos, AT mais positiva com seus clientes.
profissionais em sua postura e determinados a
serem bem-sucedidos. AT e Resultados Terapêuticos
6 Você não está só! Consulte um supervisor ou Historicamente, Carl Rogers foi o principal
colega. Alguns terapeutas se esquecem de que proponente da importância da AT. Na realidade,
não necessitam sempre tratar seus pacientes Rogers, em 1957, argumentou que a comunicação
sozinhos. As opções incluem: consultar um pelo terapeuta da compreensão empática e do afeto
supervisor; discutir casos em um grupo de positivo incondicional reflete as condições necessárias
profissionais; utilizar um co-terapeuta e/ou e suficientes para a mudança terapêutica.
comunicar-se com outro clínico que esteja Pesquisadores recentes sugerem que os “fatores
gerenciando um outro aspecto do caso (por não específicos”, como, por exemplo, a AT, podem ser
exemplo, quando um psicólogo e um psiquiatra até mais importantes do que as técnicas específicas
trabalham em conjunto para oferecer ao mesmo de cada forma de terapia, embora nem todos os
paciente terapia cognitiva e farmacoterapia). pesquisadores concordem a esse respeito.
Pedir ajuda a um par sobre um caso difícil não Beck adotou uma posição mais intermediária. Ele
deve constranger o terapeuta. Na realidade, é útil, propõe que uma boa relação terapêutica é uma
apropriado e necessário em muitas ocasiões. condição necessária em TC, embora não suficiente,
para a mudança terapêutica. Um volume crescente de
literatura oferece apoio a essa perspectiva. Utilizando
Sugestões de Leitura: técnicas estatísticas, Burns e Nolen-Hoeksema
BECK, A. T., Freeman, A., & Davis, D. D. (2005). encontraram um efeito causal moderado da
Terapia Cognitiva dos Transtornos de empatia terapêutica sobre a melhora terapêutica na
Personalidade, Porto Alegre: ArtMed. depressão. Esses investigadores também relataram
que a observância das tarefas entre sessões em TC
BECK, J. S. (2006). Terapia Cognitiva para Desafios exerce um grande efeito adicional sobre a melhora
Clínicos: O que fazer quando o básico não clínica e que pode ser separado dos efeitos da
funciona. Porto Alegre: ArtMed. empatia. Em outras palavras, embora a AT seja
importante, as técnicas específicas empregadas por tratamento e seu comprometimento com a execução
terapeutas cognitivos podem ter um efeito ainda mais das tarefas entre sessões, bem como qualquer
forte sobre o progresso clínico. sentimento negativo que possa emergir durante a
TC difere das terapias psicodinâmicas em termos sessão. Os pacientes podem completar essas escalas
do foco em uma ampla variedade de técnicas na sala de espera após o fim da sessão e deixar
que objetivam ajudar clientes a modificar seus o formulário para ser revisado pelo terapeuta. Os
pensamentos negativos e comportamentos pacientes também podem completar instrumentos
disfuncionais que perpetuam a angústia emocional. curtos de avaliação de depressão, tendências
Terapeutas cognitivos colocam menor ênfase na suicidas, ansiedade e raiva no início e no final de
relação terapêutica do que o fazem os terapeutas cada sessão. Essas escalas fornecem aos terapeutas
psicodinâmicos ou psicanaliticamente orientados, um feedback imediato e acurado sobre qualquer
sendo que o papel do terapeuta tende a ser mais ruptura potencial na aliança, bem como a respeito
colaborativo, ativo, focalizado no presente e orientado da eficácia de cada sessão.
a metas. Entretanto, a literatura sugere que os Alguns terapeutas relutam em usar esses
terapeutas cognitivos estabelecem relacionamentos instrumentos, devido a preocupações de que seus
que são pelo menos tão fortes quanto terapeutas de pacientes não serão honestos ao preencher essas
orientações distintas. escalas e que dirão aos terapeutas simplesmente o
que eles querem ouvir. A experiência clínica, porém,
Avaliação da AT não fundamenta tais preocupações. As escalas são
Ao mesmo tempo em que se observa ampla muito sensíveis até as menores rupturas na AT, e
concordância a respeito da proposição de que a maioria dos terapeutas recebe avaliações baixas
uma AT positiva pode facilitar a melhora clínica, da maioria de seus pacientes quando utilizam esses
poucos investigadores desenvolveram programas instrumentos pela primeira vez. Isto pode causar
de treinamento destinados a ajudar terapeutas a surpresa e angústia aos terapeutas. O verdadeiro
sistematicamente monitorar e aperfeiçoar a aliança. problema com esses instrumentos parece ser o fato
Diversos instrumentos foram desenvolvidos para de que os pacientes dizem a seus terapeutas o que
medir a AT, mas há pouco acordo em relação a qual estes não querem ouvir! Felizmente, os terapeutas
escala de avaliação seria considerada o “padrão que utilizam regularmente essas escalas e treinam os
de ouro”. Os instrumentos que avaliam a aliança procedimentos de treinamento da empatia descritos
variam em termos de perspectiva, conteúdo e abaixo, habitualmente experienciam rápida melhora
alternativas de resposta. Por exemplo, a AT pode ser em seus escores de empatia, em conjunto com
avaliada por clientes, terapeutas ou observadores aumentos substanciais, muitas vezes, dramáticos,
independentes. As avaliações por clientes são mais em sua eficácia terapêutica.
fortemente relacionadas aos resultados terapêuticos
do que as avaliações conduzidas pelos terapeutas ou Treinamento em Empatia
observadores externos. Na realidade, as avaliações da Enquanto que se pode argumentar que a habilidade
AT por terapeutas nem se correlacionam à melhora para ser afetuoso e empático é inata, acreditamos
clínica. Os estudos sugerem que as percepções pelos que seja possível para os terapeutas desenvolver
pacientes da qualidade da AT são válidas, enquanto essas habilidades tal como desenvolveriam qualquer
que as percepções dos terapeutas não são. outra. Contudo, o sucesso de um treinamento em
A maioria dos instrumentos avalia a concordância empatia parece depender de três fatores cruciais: a
entre terapeuta e paciente a respeito das metas avaliação da empatia em todas as sessões, exercícios
terapêuticas, as estratégias a serem empregadas de role-play com colegas, e humildade.
para se alcançar as metas, e a qualidade do vínculo Embora a maioria dos terapeutas acredite que eles
afetivo entre o terapeuta e o cliente. O vínculo sabem como seus pacientes se sentem, e como
afetivo inclui empatia acurada, afeto positivo, calor os seus pacientes se sentem a respeito deles, as
humano e genuinidade. pesquisas indicam que as percepções dos terapeutas
Burns desenvolveu instrumentos curtos e confiáveis tendem a ser altamente imprecisas.
para acessar a percepção dos pacientes sobre a Em outras palavras, se solicitarmos a terapeutas que
qualidade da empatia terapêutica, a utilidade de cada preencham as mesmas escalas que seus pacientes
sessão de terapia, a satisfação do paciente com o preenchem ao final de cada sessão, mas para tentar
adivinhar como seus pacientes os avaliaram, bem Este exercício é muito mais desafiador do que pode
como quanto eles estão se sentindo deprimidos, parecer à primeira vista, e quase que a totalidade dos
suicidas, ansiosos ou irados, os escores dados terapeutas é inicialmente avaliada desfavoravelmente.
pelos terapeutas serão alta ou completamente Alertamos os terapeutas para o fato de que isso é
não correlacionados com os escores efetivamente perfeitamente normal e os encorajamos a verificar
dados pelos pacientes às mesmas variáveis. Por seus egos desde o início; do contrário, o treinamento
esta razão acreditamos que é essencial avaliar se tornará demasiado angustiante e ameaçador para
objetivamente a empatia e outros sintomas em seus sentimentos e auto-estima. Embora o exercício
todas as sessões. seja emocional e tecnicamente difícil, ele pode
O programa de treinamento desenvolvido por conduzir a um aperfeiçoamento marcante e rápido na
Burns fornece aos terapeutas um conjunto de capacidade do terapeuta de gerar afeto e confiança,
técnicas concretas projetadas para melhorar a mesmo com os mais difíceis dos pacientes.
comunicação e fortalecer a empatia terapêutica. Todas as cinco técnicas de comunicação são
Terapeutas aprendem a usar os Cinco Segredos surpreendentemente difíceis de ser dominadas por
para uma Comunicação Efetiva (Tabela 1), terapeutas, mas a Técnica de Desarmamento é,
mediante a ajuda de exercícios de role-play. Um de longe, a técnica mais importante e desafiadora.
terapeuta desempenha o papel de um paciente Quando o terapeuta desarma um paciente raivoso,
raivoso, resistente e crítico, e o outro desempenha ele descobre a verdade presente no que o paciente
o papel de um terapeuta. O “paciente” ataca o está dizendo e reconhece que o paciente está certo.
terapeuta; por exemplo, ele diz: “você não está me A maioria dos terapeutas faz o oposto; eles sentem
ajudando. Você não entende como eu me sinto. um impulso quase irresistível a se defender e explicar
Na realidade, você nem se importa comigo”. O que as críticas do paciente estão “erradas”. Estas
“terapeuta” então responde respostas defensivas simplesmente reforçam
da forma mais habilidosa possível, usando várias a crença do paciente de que a crítica é válida.
das habilidades descritas pelos Cinco Segredos Em contraste, se o terapeuta puder aprender a
para uma Comunicação Efetiva. Após uma troca, reconhecer uma semente de verdade nas críticas
o role-play é finalizado, e o “paciente” critica o do paciente, então ele poderá tranqüilizá-lo. Burns
“terapeuta” em três áreas: chamou este quadro de “Lei dos Opostos”.
1 O terapeuta recebeu um A, B ou C? Alguns Acreditamos que a humildade é essencial para
terapeutas relutam em avaliar seus colegas, mas qualquer terapeuta que espera estabelecer alianças
esse passo é crucial. Por exemplo, um grau B+ mais efetivas com seus pacientes. Isto ocorre porque
reflete duas coisas. Primeiro, o terapeuta fez um os terapeutas farão avaliações sobre as percepções
trabalho mediano. Segundo, o terapeuta falhou pelo paciente da qualidade da aliança terapêutica, e de
e houve algo em sua forma de responder ao sua utilidade, que poderão ser desconcertantes. Além
paciente que simplesmente não funcionou. disso, discutir suas falhas com seus pacientes pode
2 O que o terapeuta disse foi útil, ou não? fazê-los sentir-se constrangidos. Alguns terapeutas
Eficaz ou ineficaz? temem que perderão o respeito de seus pacientes
se admitirem haver cometido um erro ou falha.
3 O terapeuta cometeu erros ao usar os Cinco
Outros poderão descartar as críticas de um paciente
Segredos para uma Comunicação Efetiva? Como
conceituando-as como uma distorção cognitiva
esses erros poderiam ser corrigidos para tornar
ou uma expressão da transferência do paciente.
a resposta mais adequada?
Acreditamos que nossas maiores falhas terapêuticas
Outros membros do grupo também podem podem freqüentemente tornar-se nossos maiores
oferecer feedback, fornecendo ao terapeuta uma sucessos, se as abordarmos de forma aberta, com
riqueza de informações sobre falhas na empatia respeito pelo paciente e com curiosidade. Devido
e sugestões concretas para aperfeiçoá-la. Então, ao fato de que nossos pacientes freqüentemente
o “paciente” e o “terapeuta” podem inverter os sentem-se alienados e experienciam uma falta de
papéis várias vezes, sempre com feedback, até confiança e intimidade em quase todos os seus
que ambos alcancem um grau “A” nos exercícios. relacionamentos, esses diálogos freqüentemente
Nesse ponto, os terapeutas estão prontos para oferecerão aos pacientes suas primeiras experiências
experimentar, empregar essas novas habilidades reais de intimidade e incentivarão avanços
com pacientes reais. terapêuticos muito significativos.
Tabela 1
Os cinco segredos para uma Comunicação Efetiva*

E = EMPATIA A = ASSERTIVIDADE
1 Técnica de Desarmamento 4 Afirmações do tipo “Eu sinto”
Encontre algo verdadeiro no que a outra Expresse suas próprias idéias e sentimentos
pessoa está dizendo, mesmo que pareça de forma direta e com tato. Use afirmações
totalmente não razoável ou injusto. que se iniciam com “eu sinto”, ao contrário
de afirmações que se iniciam com “você”,
2 Empatia
por exemplo “eu me sinto abalado”, ao invés
“Coloque-se no lugar” da outra pessoa e
de “você está errado” ou “você está me
tente ver o mundo através de seus olhos.
deixando furioso!”
Empatia de Pensamento
Parafrasear as palavras da outra pessoa.
Empatia de Sentimento R = RESPEITO
Reconhecer como a outra pessoa está
5 Afago
provavelmente se sentindo, com base no que ela diz.
Transmita uma atitude de respeito, mesmo
3 Questionamento que você se sinta frustrado ou furioso com a
Faça perguntas gentis e encorajadoras, outra pessoa. Encontre algo de genuinamente
a fim de aprender mais sobre como a outra positivo para dizer a outra pessoa, mesmo
pessoa está pensando ou se sentindo. durante o ápice da discussão.

* Copyright ã 1991 by David D. Burns, MD. Revised 2001.

Sugestões de Leitura: psicológicas, para várias classes de transtornos


e problemas. Estes tratamentos são oferecidos
Burns, D.D. (1989). The Feeling Good Handbook. New sem que isto implique em violação da consciência
York: William Morrow. dos profissionais que discutem e promovem
essas abordagens. Mas com mais de 500 tipos
Burns, D.D. & Auerbach, A. (2005) A Aliança
específicos de terapia em existência na atualidade,
Terapêutica em Terapia Cognitiva. In P.M. Salkovskis
perguntamo-nos: todas dispõem de evidências
(Ed.), Fronteiras da Terapia Cognitiva, São Paulo: Ed.
que respaldam seu uso? É possível que algumas
Casa do Psicólogo.
terapias, mesmo fazendo sentido intuitivamente,
não possuam o tipo de evidência que é necessário
para justificar seu uso? Ou até pior, na ausência
QUESTÕES RELACIONADAS A de estudos de pesquisa que demonstrem que uma
TREINAMENTO EM TC: PSICOTERAPIA forma particular de terapia funciona, é possível
BASEADA EM EVIDÊNCIAS que esses tratamentos até mesmo causem
danos? No mínimo, um tratamento ineficaz custa
Keith Dobson, PhD dinheiro e o cliente que paga por esse tratamento
Professor de Psicologia Clinica e Diretor do está potencialmente gastando tempo e dinheiro
Departamento de Psicologia da Universidade de preciosos que poderiam ser melhor empregados
Calgary, Alberta, Canadá. Presidente-Eleito da IACP- em outro tratamento mais eficaz.
International Association for Cognitive Psychotherapy

Introdução A emergência do conceito de


Conforme os leitores da revista Psicologia Brasil psicoterapia baseada em evidências
saberão há uma ampla variedade de teorias e terapias As preocupações mencionadas acima são centrais
a um interesse renovado na questão da saúde Critérios e Controvérsias
baseada em evidências. Na América do Norte, Embora a adoção de critérios comuns para o
todas as disciplinas de saúde, dentre as quais reconhecimento de terapias empiricamente
se inclui a Psicologia, estão sendo requeridas a fundamentadas seja visto como um desenvolvimento
aumentar seus níveis de prestação de contas positivo, uma série de controvérsias emergiu a
ao público, através da identificação de práticas respeito de seu uso. Uma dessas controvérsias
respaldadas por pesquisas. E, embora não refere-se à adequação, ou não, desses critérios
seja novo o debate a respeito de quais terapias a todas as formas de terapia. Notem que um
funcionam para quais tipos de clientes, as dos critérios para esta abordagem é de que as
respostas a essa questão estão tomando características das amostras de clientes devem
novas formas. ser claramente especificadas. Embora esse
Nos Estados Unidos, um impulso recente em critério não o afirme explicitamente, muitos o
direção à psicoterapia baseada em evidências interpretaram como significando que as amostras
ocorreu em 1995, quando a Divisão de devem ser diagnosticadas, com critérios claros
Psicologia Clínica da Associação Americana e limitados para a seleção dos sujeitos a serem
de Psicologia criou uma força-tarefa a fim de incluídos nas amostras. Foi sugerido que este
examinar a questão de qual base de evidências critério empurra o campo da Psicologia em direção
seria necessária a fim de determinar que um a uma abordagem mais médica à saúde mental e
tratamento fosse “empiricamente fundamentado”. ao uso de diagnóstico. Também foi sugerido que os
Esta força-tarefa debateu a questão e tratamentos que têm como objetivo metas mais
recomendou a adoção do critério reproduzido amplas, como, por exemplo, melhora na auto-estima
no Quadro 1. Indo mais além, o comitê listou os e mudanças de personalidade, não se enquadram
tratamentos que, com base em sua revisão da muito facilmente neste critério.
literatura, satisfaziam esses critérios. Uma segunda controvérsia surgiu, devido à
lista de tratamentos que foram reconhecidos
Métodos de Pesquisa como satisfazendo esses critérios. Conforme
Conforme demonstrado no Quadro 1, há visto nas listas, as terapias comportamental e
dois métodos de pesquisa reconhecidos que cognitivo-comportamental são proeminentes.
produzem evidências cientificamente aceitáveis, Em contraste, as terapias psicodinâmicas estão
da perspectiva da força-tarefa. Um método geralmente ausentes das mesmas listas. Este
utiliza um desenho experimental estrito, em que padrão levou alguns autores a sugerir que os
os pacientes são aleatoriamente designados critérios favoreciam as terapias de curto prazo
para uma de duas condições, experimental ou de e mais orientadas a resultados, como a terapia
controle, sendo que esses estudos são chamados cognitivo-comportamental. Considerando que esta
de estudos clínicos aleatórios (RCT-randomized seja uma preocupação válida (embora a maioria
clinical trial). O outro método refere-se a uma dos clientes preferisse tratamentos menos longos
série de estudos de caso, utilizando desenhos e menos caros, desde que eles funcionassem),
experimentais comportamentais. Na prática, outras abordagens terapêuticas podem estar em
o RCT rapidamente tornou-se a abordagem desvantagem em tais comparações.
predominante para o desenvolvimento e testagem Uma terceira fonte de controvérsia surgiu,
dos tratamentos psicológicos. Atualmente, envolvendo o argumento de que a abordagem
sabemos que há várias terapias que satisfazem direcionada a uma psicoterapia baseada
(e em alguns casos até excedem) os padrões em evidências centralizou a discussão sobre
enumerados no Quadro 1 (v. o seguinte website, técnicas e métodos de terapia. Notem que um
mantido pela Divisão de Psicologia Clínica, dos critérios do Quadro 1 refere-se à exigência
Divisão 12, da APA, para uma lista recente de de um manual de tratamento. Este critério faz
tratamentos reconhecidamente eficazes para as sentido se acreditarmos que os métodos podem
diferentes classes de transtornos: http://www. ser apresentados em forma de uma descrição
apa.org/divisions/div12/rev_est/index.html). de procedimentos. Mas e se a terapia for, ao
contrário, baseada em idéias relacionadas ao
uma agência independente, a NICE pode recomendar
processo interpessoal? Estas idéias podem ser
ao Ministério da Saúde certas práticas de saúde,
mais difíceis de descrever em forma de um manual.
e o Ministério já demonstrou sua disposição para
Além disso o foco em técnicas tende a reduzir o
modificar aspectos do Sistema Nacional de Saúde
foco sobre os aspectos não específicos da terapia,
com base nessas recomendações. Por exemplo,
como, por exemplo, uma relação terapêutica
aumentos significativos em treinamento e o apoio do
positiva, a natureza da aliança terapêutica, o valor
tratamento de transtornos de ansiedade e depressão,
de simplesmente falar sobre seus problemas, o
usando terapia cognitivo-comportamental, já estão
valor da liberação emocional, e outros fatores que
sendo financiados, com base na literatura sobre
se aplicam a diferentes modelos de terapia. Na
psicoterapia empiricamente fundamentada.
realidade, uma perspectiva alternativa recente
sobre a questão da psicoterapia baseada em Embora a abordagem adotada no Reino Unido
evidências é de que há fatores empiricamente seja de longe a mais radical em sua incorporação
fundamentados referentes ao relacionamento, que de práticas de serviços de saúde baseadas
estão presentes em muitos modelos de terapia, em evidências, modelos similares estão sendo
e que também necessitam ser examinados e examinados em outros países da União Européia,
compreendidos. Pode ser que, à medida que o bem como ao redor do mundo.
campo avança alguma integração, entre as idéias
das terapias empiricamente fundamentadas e os Psicoterapia baseada em
fatores relacionais empiricamente fundamentados, evidências no Brasil?
ocorrerá e refletirá o modelo terapêutico ótimo. Tal modelo poderia funcionar bem no Brasil?
Provavelmente poderia. Como o sistema de saúde
Psicoterapia baseada em evidências e o no Brasil é relativamente bem regulamentado
treinamento de profissionais através do Governo Federal, padrões nacionais de
A despeito das controvérsias acima, é claro que a atendimento e oferta de serviços de saúde poderiam
idéia de terapias que contam com apoio empírico ser estabelecidos. Hospitais e clínicas regionais
está influenciando o treinamento e os serviços poderiam ser encorajados, através de financiamento,
oferecidos em vários países. No Canadá e nos a oferecer psicoterapias baseadas em evidências.
Estados Unidos, o critério de treinamento para Mas um sistema como esse deveria ser introduzido
ambos os psicólogos clínicos e os psiquiatras exige no Brasil? Somente se houver evidência de que os
exposição a terapias apoiadas empiricamente tratamentos funcionam. Embora pareça improvável
e treinamento. Os programas de treinamento que os tratamentos psicológicos que funcionam
em Psicologia clínica no Canadá se voltaram em bem na América do Norte e no Reino Unido não
direção às terapias comportamental e cognitivo- funcionariam bem no Brasil, será importante avaliar
comportamental como as abordagens dominantes essa proposição através de pesquisas conduzidas
dos programas de treinamento para a próxima no país, com várias amostras diferentes de seus
geração de clínicos. habitantes. Neste sentido, os critérios apresentados
no Quadro 1 poderiam representar um bom ponto de
O exemplo do Reino Unido partida, para se começar a avaliar as evidências que
respaldam os resultados da psicoterapia.
Mas em nenhum outro país o efeito dos serviços
de saúde baseados em evidências foi maior do que
Sugestões de Leitura:
no Reino Unido. Lá, o governo estabeleceu uma
organização nacional, denominada de Instituto DOBSON, K.S. (Ed.) (2005) Manual de Psicoterapias
Nacional para Saúde e Excelência Clínica (NICE- Cognitivo-Comportamentais, Porto Alegre: ArtMed.
National Institute for Health and Clinical Excellence,
NORCROSS, J.C. (Ed.). (2002). Psychotherapy
http://www.nice.org.uk/), que tem a incumbência
relationships that work: Therapist contributions
de revisar a literatura de pesquisa em todas as
and responsiveness to patient needs. New York:
áreas de serviços de saúde, e recomendar a
Oxford University Press.
avaliação de práticas e tratamentos. Embora seja
CONCLUSÃO
“A Terapia Cognitiva ocupa uma posição vantajosa, logrado sucesso. Meus associados no ITC-Instituto
em relação às demais abordagens psicoterápicas, de Terapia Cognitiva e na ABPC-Associação Brasileira
por unir a teoria à técnica, o caráter breve a de Psicoterapia Cognitiva, os quais, percebendo
eficácia, o modelo prescritivo a criatividade e a oportunidade do projeto para o avanço da TC
intuição do terapeuta, o caráter estruturado a alta no Brasil, instaram-me a aceitá-lo e apoiaram-me
“treinabilidade” de seu modelo estruturado. Em de várias formas em sua produção. Aos autores,
resumo, a TC, em sua proposição e desenvolvimento, nacionais e internacionais, amigos incondicionais
reflete admiravelmente a engenhosidade de seu e líderes em suas áreas de especialidade, os quais
criador, Aaron Beck, e de seus seguidores, dentre generosamente se disponibilizaram a colaborar e,
os quais meus associados e eu temos a honra de dessa forma, partilharam conosco seu conhecimento
nos incluir. Os módulos, embora de forma breve e expertise. À Revista Psicologia Brasil, pelo convite
e resumida, versaram sobre temas variados na e pelo apoio durante a elaboração dos artigos, em
área da Terapia Cognitiva, com o objetivo último particular, à Editora, Claudia Stella, cuja competência
de informar, motivar, esclarecer e avançar o refletiu-se em orientação segura, especialmente ao
conhecimento de iniciantes e adeptos. A quantidade nos auxiliar a reduzir artigos brilhantes ao espaço
de feedbacks generosos, recebidos ao longo de todo disponível para cada módulo. Aos leitores, que
o projeto, sugerem que alcançamos esse objetivo. generosamente enviaram mensagens reforçadoras e
A organização dos módulos mensais da série cuja satisfação refletiu-se em aumento no número de
intitulada “Estudos Transversais em Psicologia”, assinaturas anuais da Revista.
na área da Terapia Cognitiva, muito nos honrou e A todos, minha gratidão e desejos de sucesso pessoal
entusiasmou: a Terapia Cognitiva foi escolhida e profissional em 2007.
como o tema de abertura da série e nós fomos
convidados a organizá-los. Ana Maria Serra
Neste projeto, contamos com a valiosa colaboração Amsterdam, Holanda
de inúmeros experts, sem os quais não teríamos 12 de dezembro de 2006”

Caro assinante,
Ana Maria Serra
na próxima edição, nº 38,
PhD em Psicologia e Terapeuta Cognitiva
de fevereiro de 2007,
pelo Institute of Psychiatry da
enviaremos a Capa do
Universidade de Londres, Inglaterra.
ESTUDO DA TERAPIA COGNITIVA:
Presidente Honorária da ABPC
UM NOVO CONCEITO EM PSICOTERAPIA,
– Associação Brasileira de Psicoterapia
para você anexar todos os módulos. Aguarde! Cognitiva. Diretora do ITC – Instituto
de Terapia Cognitiva, que atua nas
áreas de clínica, pesquisa, consultoria e
treinamento de profissionais, oferecendo
regularmente Cursos e Palestras, dentre
os quais um Curso de Especialização em
Terapia Cognitiva credenciado pelo CFP
– Conselho Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
Site: www.itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD.
Todos os direitos reservados. Publicação e reprodução
exclusivamente mediante autorização expressa da autora.

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