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PARA ONDE FORAM OS DIAS MORNOS?

No último ano e meio tenho acordado sem saber o dia que é. Grande coisa. Quantas
vezes não acordamos no sábado, apressados, pensando ser dia de trabalho? O que difere
o última ano e meio é que o trabalho se aconchegou no conforto do meu lar. Que
disgraça! Acabaram com a sexta-feira, aquele dia em que, quando ia dando quase seis
da tarde, inundava na gente aquele sentimento de alívio, liberdade, ainda que concedida,
se é que há algum tipo diferente de liberdade. O que acontece é que sinto saudade
daquele sentimento. Mesmo quando não havia nada para fazer, mas geralmente havia.
Encontros nos botecos da vida, conversas despretensiosas, cerveja barata, no seu copo,
no seu colo, em qualquer bar.

Agora quando chega sexta feira, não há nada que me diga que é sexta, tampouco
segunda, ou quarta, ou terça. Os dias são todos iguais mesmo. Na verdade, minto. Há
uma coisa que me diz que é sexta-feira. Neste dia, pela manhã, quer dizer, manhã não,
porque já são onze horas, quase hora do almoço, aquele que marca o fim da manhã e o
início da tarde. Mas enfim, é manhã ainda, onze horas. E na sexta às onze tenho terapia.
No entanto, faz um tempo que não consigo acordar no horário e minha terapeuta acha
que é descaso. Já pedi para ela outro horário, sou mulher noturna, minha mente funciona
à noite a milhão. Não que eu queira, é a insônia. Aquela de Graciliano que vem feito
garra e te arranca do mundo de Morfeu.

Enfim, a terapia é a única coisa que me situa na semana. Nem mesmo as aulas que tenho
consigo saber quais são e seus respectivos dias. Sou a chata dos grupos de whatsapp que
pergunta todo dia qual será a aula síncrona. Mas grupo de whatsapp foi feito para ser
chato mesmo, só estou ali contribuindo com minha parte.

Nos últimos dias venho pensando na palavra bipolar. Eu entendo que oscilações de
humor são características super comuns nas pessoas, no entanto, isso é uma doença, véi!
Deveria ser feio dizer bipolar á reveria da mesma forma que é feio usar a palavra
retardado, ou da mesma forma que é um desconjuro usar o nome de deus em vão. 

Enfim, além da psicóloga, tenho o psiquiatra que, aliás, tem nome de escritor português,
não que isso faça diferença, mas foi interessante para mim quando o conheci pela
primeira vez. Trouxe uma expectativa boa. Eu sei que eles têm uma demanda enorme,
mas, em 20 minutos de consulta ele já disse que eu apresento características de
Transtorno Bipolar do tipo I, que é mais ameno nas fases de euforia. “Legal, senhor
homônimo de escritor português, mas… o que eu faço com isso?” ― pensei. Perguntei
se tinha algum teste ou exame para confirmar o diagnóstico. Ele me respondeu que não,
mas que era hereditário. “Você tem alguém bipolar na família?”. Queria ter dito “eu vou
saber Doctor Crazy, minha família é toda de mulheres matriarcas que cresceram na
roça. Se minha vó teve filhos que morreram de diarréia, você acha mesmo que vai ter
alguma doida diagnosticada?”, mas disse de uma forma mais educada “não sei, doutor,
se tiver, não é diagnosticada.

Saí de lá com uma monte de receitas que ele alertou para que eu não usasse todas de
uma vez e que remarcasse a consulta para daqui dois meses. Meses estes que não parei
para contar ainda. Voltei para casa e os dias continuaram todos iguais. Mas sustentam-
se algumas diferenças, não serei injusta. Tem aqueles dias de Euforia alcóolica e à
queles dias em que penso “tenho remédio o suficiente aqui para matar um cavalo”. No
entanto, continuo na expectativa dos dias mornos, como a vida.

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