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A estratificação social do /r/ nas lojas de departamentos na cidade de

Nova York

Labov propõe, através de análise sistemática sociolinguística, dois objetivos centrais.


Nesse contexto, tendo como pressuposto que “o método básico para se obter uma
grande quantidade de dados confiáveis da fala de uma pessoa é a entrevista individual
gravada” (LABOV, 2008, p. 63), o primeiro objetivo alcançado é utilizar técnicas que
possam romper ou minimizar os impactos do paradoxo do observador. Assim, ao
utilizar eventos de fala rápidos e anônimos, foi possível observar essa comunidade de
fala em um contexto social natural. O outro objetivo alcançado foi entender a variável
linguística /r/ como um traço de diferenciação e estratificação social, entendendo
estratificação não como determinação de uma classe ou casta, mas como ratificação de
que “mecanismos usuais da sociedade produziram diferenças sistemáticas entre certas
instituições ou pessoas, e que essas formas diferenciadas foram hierarquizadas em
status ou prestígio por acordo geral”. (apud, p. 65)

Para a condução do estudo, Labov escolheu, não aleatoriamente,  como fontes da análise
sistemática, vendedores de lojas de departamento da cidade de Nova York e jornais
onde essas lojas publicavam seus anúncios, tendo a Saks da 5° Avenida como
representante de status superior, a Macy’s, na 6° Avenida, como representante de status
intermediário e a S. Klein, na Broadway, como representante de status inferior, As
fontes de publicação publicitária escolhidas foram o Daily News, que é o jornal lido,
sobretudo, pela classe trabalhadora, onde veiculam a maior parte  dos anúncios da
Macy’s e da S. Klein, e o New York Times, com leitores da classe média, onde veiculam
os anúncios das três lojas. 
Anterior ao estudo, o que levou Labov a definir os dois objetivos propostos foi a coleta
de dados através de 70 entrevistas individuais e quantidades consideráveis de
observações anônimas em lugares públicos. Através desses dados, notou a presença ou
ausência da consoante /r/ em posição pós-vocálica e a efetividade de observações
rápidas e anônimas no sentido de obter dados de uma comunidade de fala produzidos de
forma mais natural, sem que o método da observação monitorada interferisse.
A partir da colocação do sociólogo Wright Mills, de que “vendedoras em grandes lojas
de departamento tendem a se apropriar do prestígio de seus clientes ou, pelo menos, a
fazer um esforço nessa direção” (Mills, 1956, p.173), Labov escolhe os vendedores para
observar o comportamento a partir da relação  hierárquica de status das lojas e dos
postos de trabalho semelhantes. Diante dessa análise, percebe que há uma ligação entre
o cargo de trabalho e o comportamento linguístico do funcionário. Nesse sentido,
espera-se que os vendedores de lojas de status mais alto, apresentem valores mais altos
de /r/; os vendedores de lojas com status mediano apresentem valores medianos de /r/;
os vendedores de lojas com status mais baixo apresentem valores mais baixos de /r/.
O resultado da análise mostra maior valor de /r/ nas lojas de maior status e menor valor
de /r/ nas lojas de menor status. Além disso, mostra a relação dessa variável com as
diferenças na população da loja em relação ao andar da loja, sexo, idade, cargo, raça e
sotaque estrangeiro ou regional. Outra variável, já usada em diversos estudos de
estratificação, é a /th/, sendo a variante mais estigmatizada a oclusiva /t/. Dessa forma,
essa variante também foi observada, tendo como resultado 15 ocorrências na S.Klein, 4
na Macy’s e nenhuma na Saks.

A partir da epígrafe escolhida por Labov, de autoria de John Walker, que ressalta o
caráter de imperfeição do /r/ enquanto consoante, é possível observar variáveis
relacionadas a esse fonema, no português brasileiro (PB), e também relacioná-las à
estratificação social. Nesse sentido, é preciso destacar que o apagamento dos róticos em
codas silábicas é um fenômeno recorrente no PB. Segundo Bortoni (2004, p.173),
“independentemente da forma como o /r/ pós vocálico é pronunciado, essa consoante
tende a ser suprimida quando vem no final de palavras. No entanto, ainda que esse seja
um processo fonológico comum, algumas variantes de apagamento do /r/ pós vocálico
são estratificadas socialmente dependendo da região em que ocorre.

Há no imaginário dos professores, e de resto na sociedade em


geral , a crença de que as interferências da pronúncia na escrita
são produtos dos “regionalismos” encontrados na fala dos
alunos . Por “regionalismos” são entendidos os traços que
definem uma estratificação descontínua num continuum rural-
urbano na sociedade brasileira, ou seja, que estão presentes em
comunidades rurais e rurbanas e ocorrem em baixa frequência em
comunidades urbanas. (BORTONI-RICARDO, 2004, P. 169)

As afirmações de Bortoni-Ricardo podem servir de respaldo para a especulação do


exemplo do vídeo presente no anexo, em que um rapaz, em um programa de auditório, é
desafiado a soletrar a palavra sorvete e reproduz o apagamento do /r/ presente na fala
nordestina. Apesar desse ser um fenômeno comum, em contextos fonológicos distintos,
carrega essa estratificação marcada pela sua maior incidência na região Nordeste. 
Conclui-se, dessa forma, que a estratificação do /r/, tanto no estudo de Labov, quanto na
especulação observada no exemplo do PB, é uma variável de significância para entender
contextos históricos e sociais que diferenciam e delimitam determinados grupos sociais.

Anexo:

Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bXW7EnMmP4I

Referências:

 LABOV, W. A estratificação social do “R” nas lojas de departamentos na


Cidade de Nova York. In: ____. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Editora
Parábola, 2006.

 MILLS, C. Wright. A Elite do Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1956.

 BORTONI-RICARDO S.M. . Da cultura de oralidade para a cultura letrada: as


dificuldades na hora de tirar o passaporte. Revista do GELNE (UFC) , João
Pessoa, v. 5, n.1 e 2, p. 165-174, 2004.

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