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RESUMO
A Língua Portuguesa do Brasil é reconhecida pela sua riqueza, que em muito se deve pelo encontro de culturas
diversas, com influências de países em seus processos migratórios, pelos contextos que essas imigrações
aconteceram, mas também pelas mudanças de brasileiros para outros estados por todo o país. Há influências
causadas inclusive pelo convívio com países vizinhos e pelo pleno contato que se manteve entre imigrantes e seus
entes de países distantes, e além disso, a influência do esporte, da dança, da música e da arquitetura, a natural
liberdade na criação de gírias, a adoção de semânticas diferentes para palavras homógrafas e a formação de novas
palavras a partir de importação de produtos e serviços foram e são até hoje muito influentes na constante
transformação da língua falada e escrita brasileira. Mas o ponto que este artigo apresenta no centro da discussão
se refere às transformações sofridas pela língua falada que são causadas pela pobreza, pela formação de guetos e
edificação de minúsculas culturas muito próprias do estabelecimento marginal das comunidades em todo o país.
Como todos entendem, a língua falada soa diferente da língua escrita e acata a velocidade que um diálogo requer,
entretanto, o que acontece na prática é a identificação de origem que sela as pessoas como pertencentes a
determinados grupos. O que isso quer dizer é que mesmo que uma pessoa caminhe para outras classes sociais
através da conquista material ou financeira – inclusive com o empoderamento educacional que possa vir a ter em
sua formação acadêmica – carrega consigo, optando ou não por adotar palavras próprias da comunidade de onde
vem, a propriedade rítmica característica da sua origem. Este fato, que apesar de sobrevir como algo normal e
comum, tem se enunciado como uma barreira ao colidir com conceitos solidificados (preconceitos) na crença de
que uma determinada região é inferior. Em palavras simples, este artigo se embasa na convicção de que ritmos
populares, característicos de comunidades, têm dificultado a vida das pessoas ao pretenderem diversos setores da
sociedade brasileira em que maior parte dos falantes adota modos de falas com ritmos menos expressivos e
informais.
1. INTRODUÇÃO
formalizações éticas e claras que ora encontramos expostas publicamente como regra para o
pleito de cargos e funções provadas na escrita através da cobrança do Português Padrão (PP),
mas aceites avaliados atendendo a uma comunhão não dita e não documentada, o que fortalece
a necessidade urgente de se tratar o assunto, uma vez que tais barreiras são diagnosticadas
isolada, empírica e informalmente, sem possibilidades de estratificação e qualquer sistema de
contagem que possa denunciar o problema ou ao menos ser assertivamente pautado, tornando
a ruptura deste cenário ainda mais difícil de ser causada, já que a cobrança feita está relacionada
à observação do Português Não Padrão (PNP) e ao ritmo que a fala carrega naturalmente.
nada disso nasceu por acaso ou de forma imediata, trata-se de uma construção em que uma das
razões pode estar lá no passado, no tempo em que hábitos foram eleitos como os necessários
para que uma pessoa fosse respeitada e destacada de desvalidos, trabalhadores necessitados,
miseráveis e escravos. O próprio Rio clássico de meados do século XIX apresenta
documentações em fotos e textos que claramente testemunham o desenvolvimento e exercício
da valoração de imagens enaltecedoras do tal prestígio. Joaquim Manuel de Macedo, médico,
escritor, professor e jornalista, posicionou-se sobre esse aspecto ao escrever que “Podem
severos críticos achar de mau gosto o meu repetido recurso aos velhos manuscritos, mas hei de
teimar nele: escrevo as Memórias da Rua do Ouvidor, que em seu caráter de rua das modas, da
elegância e do luxo merece e deve ser adornada e adereçada condignamente”. Essa condição
precisa, se não freada, estar na pauta docente para que seja discutida em favor daquele que
encontra, além das enormes dificuldades características da pobreza e miséria, antagônicos
protetores de exclusivismos.
Por maior que seja a variação dos tipos com as inúmeras culturas, as distintas e distantes
localidades e a ausência de um pertencimento objetivo quanto à etnia, a codificação presente
nas falas ritmadas não passa desapercebida pelas classes estabelecidas em pontos mais altos da
escala econômica ou pelos que trazem consigo a tradicionalidade das famílias estipuladas
socialmente, estão eles naturalmente atentos a isso. No Brasil há muitos ritmos, variações que
se constroem diariamente, mas sempre carregando propriedades suscetíveis de sofrer
preconceitos. Na capital do estado de Minas Gerais, observa-se aquele que tem propriedades
rítmicas do trabalhador do solo, da pecuária e artesanato, por exemplo, enquanto na cidade de
São Paulo se confere, entre tantas, a fala daquele que pertence aos trabalhadores que correm
contra o tempo com motocicletas e bicicletas para efetuar entregas. Na cidade do Rio de Janeiro,
o claro tom da favela soa em cada venda ambulante, cada camelô que oferta seus produtos
sonorizando abordagens para chamar a atenção dos clientes, e é com relação a estes cenários
que este artigo em grande parte concentra as suas hipóteses e apresenta realidades cotidianas
que ao longo do tempo têm se somado para classificar as pessoas à serviço de um preconceito
que só pode ofertar barreiras.
Este artigo se desenvolve a partir de fortes correntes literárias escritas por Marcos
Bagno, somada a textos de outros autores do século XIX sobre a sociedade brasileira, além de
aplicação de pesquisa em metodologia quali-quanti, de modo a estimular respostas voltadas
para experiências pessoais de indivíduos de diversos seguimentos profissionais sobre a língua
portuguesa na fala, e a consequente imagem que eles têm nos primeiros contatos com pessoas
de diferentes culturas, vivência e classe econômica.
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2 A COMUNICAÇÃO E O FALANTE
Uma língua não se resume em comunicar o assunto, mas nela há propriedades que
podem determinar coisas como o grau de estudo, a personalidade, a região de origem, alguma
deficiência, um possível nervosismo, entre outros traços do falante. A língua comunica,
portanto, o assunto e o falante, e há uma lógica nisso, pois apesar de todos terem pensamentos
que em grande parte compartilham e se alinham a determinada cultura, carregam
individualmente a personalidade que adquiriram e os diferenciam dos demais. E mesmo que se
esteja falando de grupos ainda menores, que se relacionam intimamente no lar ou no convívio
diário, inclusive com crenças e ideias iguais, sempre haverá pontos que destaquem as pessoas
umas das outras. Para aqueles que estão dentro de determinada comunidade, por mais típica e
inconfundível que ela possa se apresentar, persistem diversas diferenças entre as pessoas. A fala
sempre soa um pouco diferenciada ou discrepante, até na escrita as pessoas procuram adotar
vocábulos que particularmente gostam mais, mas a questão reside no fato de que aqueles que
não pertencem a determinada comunidade, certamente notarão ritmos descoincidentes nas falas
dos que não estão em seu grupo, o que faz com que ouvintes quase sempre classifiquem os
falantes pertencentes genericamente a uma comunidade. No início do século XX, Ferdinand de
Saussure, linguista e filósofo, defendia que a linguagem vem a ser uma moeda, apresentando
as duas faces interdependentes: o lado social (língua) e o lado individual (fala). É uma faculdade
comum a todos os homens. É “heteróclita e multifacetada”, tendo em vista abarcar vários
domínios, envolve aspectos físicos, fisiológicos e psíquicos. (SAUSSURE, 2012).
Por mais que o discurso seja quase sempre sobre se importar apenas com a capacidade
do falante de comunicar o que é necessário, o julgamento nas interações é bem mais amplo,
pois uma pessoa que traz consigo as características da comunidade a que faz parte, possui
muitos sinais marcantes, como a objetividade da interação e a pressa ínsita que se pode
perceber. Isso faz com que ouvintes, por conseguinte, busquem também maior objetividade e
ignorem a necessidade de uso de maior tempo, como perguntar coisas simples sobre como a
pessoa tem passado ou mesmo sobre outros assuntos transversais que um cumprimento mais
suave possa exigir. Este impulso é uma construção alinhada com o tempo, onde quem tem
menos, acaba por impor que as interações sejam mais objetivas. A sociedade moderna tem se
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construindo com base nesses diálogos necessariamente mais assertivos sempre que o evento
requer, e não há exatamente um mal nisso, pois ambas as partes – falante e ouvinte – parecem
se ajudar em um equilíbrio que importa a todos. Mas na visão de Vívian R. Stella, línguísta e
professora da VRS Academy, há uma preocupação que ela mesma reflete em seu artigo
intitulado como “Entenda por que a pressa é a principal inimiga da comunicação”:
Se nas interações objetivas há uma espécie de acordo entre falante e ouvinte sobre o
sentido de urgência requerido pela interação, e ambos inclusive colaboram para cumprir no
tempo admissível, em outras relações isso pode ser deturpado e se tornar antidialógico, pois no
momento em que um falante considerado menos prestigiado se propõe a fazer uso de um tempo
maior, a conversa pode não se equilibrar. E como o falante de comunidades mais empobrecidas
acaba por direcionar o momento de conversa com maior objetividade enquanto está executando
papéis como o de entregador de alimentos ou de faxineiro, a título de exemplo, pode parecer
justo que o inverso tenha a mesma logicidade. É possível que se faça soar uma espécie de via
de mão dupla em que o sentido de urgência pertença aos dois lados em um diálogo, e em alguns
casos pode até ser justo, mas o fato é que uma pessoa posicionada em classes financeiramente
mais altas, ao impor uma troca rápida e objetiva, encerrando o diálogo no seu interesse, pode
prejudicar as oportunidades de argumentação de um indivíduo a quem tenha reconhecido como
menos prestigiado. Sempre que o mais privilegiado determina o tempo da interação de acordo
com a análise que tem sobre a fala da pessoa julgada como menos prestigiada, há materialização
do preconceito que evolui como prática natural daquele que está a serviço do elitismo.
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[...] quero deixar claro que a norma-padrão não faz parte da língua, isto é, não é um
modo de falar autêntico, não é uma variedade do português brasileiro contemporâneo.
Ela só aparece, e ainda assim nunca integralmente obedecida, em textos escritos com
alto monitoramento estilístico, nos quais, porém, já é bastante significativa a presença
das inovações lingüísticas próprias da verdadeira língua dos brasileiros. (2015)
[...] pode-se registrar o fato, facilmente comprovável, de que nunca se escreveu e falou
tão mal o idioma de Ruy Barbosa. [...] A classe dita culta mostra-se displicente em
relação à língua nacional, e a indigência vocabular tomou conta da juventude e dos
não tão jovens assim, quase como se aqueles se orgulhassem de sua própria ignorância
e estes quisessem voltar atrás no tempo. (Arnaldo Niskier, quando presidente da
Academia Brasileira de Letras, 1998).
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Dos que responderam ao questionário, mais de 40% têm idades entre 40 e 49 anos,
seguidos pessoas onde aproximadamente 15% possuem idades entre 30 e 39 anos, e outros
quase 15% na faixa que vai de 50 a 59 anos. O público masculino de respondentes foi maior
(60%) e o nível de estudo daqueles que se prontificaram a participar da pesquisa está dividido
entre os que estudaram até pós-graduação lato sensu (40%), os que se graduaram (27%), os que
fizeram pós-graduação stricto sensu mestrado (13%), aqueles que completaram o ensino médio
(13%) e os que terminaram doutorado (7%). Quanto ao perfil econômico, quase 30% ganham
até R$200 mil por ano, seguido de 20% que ganham até R$60 mil por ano e 13% que têm renda
de até R$300 mil anuais. Um número inferior a 7% ganha mais de 300 mil reais por ano.
Ao serem questionados sobre a nitidez com que percebem o ritmo e o som durante as
interações, 46,7% julgam-se assertivamente preparados para perceber não só que se trata de
pessoa de favela, comunidade ou campo, mas que compreendem no próprio ritmo e som da fala,
que se refere a gente sofrida, quando mais de ¼ identificam homossexuais e algumas
deficiências através da fala. De todos que se propuseram a responder, 20% alegam que não
conseguem perceber relações da fala com grupos de pessoas ou classe.
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Indagados sobre “Se você pudesse escolher”, um número expressivo de pessoas (67%)
optaria por falar com qualquer pessoa que se aproximasse, e em consonância duvidosa, menos
da metade das pessoas que pensam assim (cerca de 30%), escolheriam viver em lugares com
pessoas mais humildes e fariam amizades de diversos tipos. Apesar de nenhuma pessoa
responder que só gostaria de conviver com indivíduos de intelecto e classe semelhantes a ela,
20% colocariam pessoas para estudar as pessoas que se expressam com baixa qualidade de
Português na fala. Outros 20% dizem que desejariam que as relações com pessoas fora de seu
convívio fossem mais objetivas e, com certa coerência, 20% se julgam conservadores demais
para dar passos em direção de pessoas diferentes. Este item apresenta riqueza para o debate,
pois pessoas que se julgam em classes diferentes, em parte esperam que isso seja feito pelo
outro, o que conserva a existência de grupos informalmente fechados ou distantes.
Sobre se sentir preparado para a causa, pouco mais de 25% das pessoas reconhece que
a língua falada separa as pessoas e que esta condição, portanto, precisa ser combatida, embora
mais de 30% se mostraram dispostos a ajudar ouvintes para que sejam compreendidos. Um
número relevante aponta que mais de 50% estão preparados para ser amigo ou para se
comunicar com mais humildes, se for necessário, e outros 46% dizem estar preparados para que
uma pessoa mais humilde faça parte da sua vida cotidiana, mas apenas 33% convidariam a
diarista ou o porteiro para uma festa em casa, que não fosse para executar um trabalho. Cerca
de 45% reconhecem a pressa na fala dos menos favorecidos e se dispõem a colaborar nas
interações, e quando o assunto é sobre imigrantes de países mais vulneráveis se adaptando à
Língua Portuguesa do Brasil, mais de 70% optariam por não terem imigrantes como seus
colegas, mas 40% entendem que poderiam ter como amigos.
Perguntados sobre poder de decisão, quase 27% decidiriam sobre o ritmo e som de fala
padronizados no país, quando mais de 30% reconheceria qualquer fala como certa.
Surpreendentemente, 20% criariam um sistema de hierarquia social que dependesse do intelecto
de cada um para se organizar, mas lidam contra outros 60% que escolheram abrir mão de
qualquer poder sobre as pessoas. E sobre receios, a grande maioria (80%) tem medo do tom
intimista, ameaçador ou desrespeitoso que possam lidar, e outros 20% acreditam que uma fala
mais próxima da forma escrita é sinal de respeito com o ouvinte.
Sobre se sentirem preconceituosas, quase 50% dizem não perceber na hora que
interagem, mas que depois se cobram porque poderiam ter sido melhores. De todos os que
participaram da pesquisa, mais de 30% têm receios em conhecer moradores de rua. Cerca de
20% alegam nunca terem tido qualquer tipo de preconceito e um percentual mais tímido (14%),
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equivalente a 8 pessoas, acredita que as minorias devem se curvar às maiorias, e que no processo
comunicativo, os que conhecem mais a língua devem ser os líderes.
3 CONCLUSÃO
Não há muito a ser feito sem pensar nos elos e suas conexões, ninguém deve ficar de
fora, e a discussão que este trabalho aspirou elevar, vislumbra contar com a força da academia,
do setor público e privado, e das pessoas em suas diversas classes e contexturas, para que se
torne um valor cultural admitido por todo um povo. Denunciar cenários, conceitualizar e
publicar trabalhos por si só não promovem o tema à relevância que se permita movimentar as
personas aqui apontadas, mas o comprometimento materializado das partes como produto de
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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