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Variação social do português - tópicos

JC-C

Explicação do termo
Quando falamos da variação social de uma língua, estamos a referirmo-nos à sua variação
diastrática. Por outras palavras, identificamos a diferenciação dos usos da língua de acordo com
determinadas características sociológicas dos seus falantes (que os remetem para estratos sociais
dissemelhantes) e que interagem em grupos ou comunidades humanas com dimensões diversas.

O papel da norma
A norma linguística é a entidade reguladora dos comportamentos verbais dos falantes, descrita
nas gramáticas normativas e nos dicionários; ensinada nas instituições educativas; difundida por
imensos canais (lembremo-nos, por exemplo, dos meios de comunicação social) e defendida por
inúmeros atores: pela Escola, pelas Academias, pelas Comissões de Defesa das Línguas…
Em Portugal, a norma contemporânea é atualizada no eixo centro-litoral, compreendido entre
Coimbra e Lisboa. O perfil do falante paradigmático da norma linguística portuguesa europeia
possui os seguintes contornos sociológicos: cidadão urbano, com uma formação académica média
ou superior, com hábitos intensos de consumo cultural (leitor assíduo; frequentador de locais
difusores da Cultura – museus, salas de cinema, teatro, ópera…; viajante…).
Também nos referimos ao conjunto alargado destes sujeitos falantes como o grupo de referência
sociolinguística para a comunidade.
Cada vez mais percebemos que quem não dominar a norma (o modelo idiomático; a norma-
padrão), poderá ter muitos problemas na sua ascensão social, isto é, pode correr o risco, por
exemplo, de não ocupar uma vaga profissional mais valorizada socialmente do que a que ocupa
por «não falar bem o português». E muitas outras situações poderiam ser referidas, em que se
exige um domínio elevado de correção linguística aos utentes nativos do português.

A linguagem popular
Oposta à norma, encontramos a linguagem popular, cujo falante pode ser analfabeto ou semi-
analfabeto – neste caso, não tendo dado continuidade à sua reduzida educação formal -, de forte
ascendente rural (habitando zonas do país afastadas dos centros difusores da norma) e destituídos
de hábitos de consumo cultural. A linguagem popular afasta-se bastante da norma por possuir
outra gramática, isto é, por obedecer a outras regras e por possuir outras estruturas – por exemplo,
morfológicas e lexicais –, por vezes, consideradas arcaicas ou arcaizantes.
Como se devem recordar, são as manifestações linguísticas desta natureza que a Dialectologia
Portuguesa, à semelhança das Dialectologias europeias, conseguiu reabilitar em termos científicos
e culturais, desde o século XIX, reconhecendo a sua legitimidade e revelando-a como fonte
importante para o esclarecimento de muitos problemas levantados pelo estudo da História do
Português.
Advertências
Só por razões de clareza do discurso científico, separamos tão radicalmente a norma linguística
da linguagem popular e os seus respetivos espaços físicos e humanos de utilização. Ambas podem
ser realizadas num mesmo espaço físico humanizado como o da cidade porque aqui circulam os
muitos estratos sociais que falam ou atualizam de modo diverso a mesma língua. E um mesmo
locutor, de acordo com as coordenadas da enunciação, pode perfeitamente alternar o uso padrão
do português com o de estruturas e/ou expressões populares.
Além disso, reconheçamos que há muitas outras variáveis sociológicas que determinam ou
condicionam as práticas diárias dos falantes nativos da variedade europeia do português como, a
título exemplificativo, a idade, o género, os rendimentos económicos, a etnia, a confissão
religiosa, as opções políticas, as formas preferidas de recreação, etc…
Como se vê, cada um de nós circula em vários grupos humanos, sociologicamente etiquetados,
que possuem formas particulares de expressão e que os particularizam no âmbito da sociedade
geral em que se inscrevem. Também por esta razão se diz que, seja qual for o meio humano em
que se encontre, o falante está permanentemente a ser avaliado, em termos linguísticos, pelos seus
interlocutores, no sentido de, nesse discurso, se adotarem ou de não se seguirem as regras que
orientam a prática linguística do grupo – e assim se considera o sujeito avaliado como um membro
do grupo ou como uma pessoa pertencente a outro grupo qualquer.

As linguagens especiais
Outras questões linguísticas se levantam quando consideramos ainda outros fatores de variação
social do português e que nos conduzem ao aparecimento e à classificação das linguagens
especiais – que diferem da linguagem corrente, comum do dia-a-dia, especialmente pelo léxico
que usam.
Quando um grupo, por exigências de rigor científico e/ou tecnológico, escolhe formas verbais
para nomear objetivamente conceitos, objetos, etc… sem que haja qualquer tipo de interferência
que torne difícil a compreensão dos conteúdos cognitivos, estamos perante aquilo que se
denomina na Linguística por linguagens técnicas, com as suas próprias terminologias.
Depois, há as gírias que correspondem à expressão do espírito de grupo (da sua coesão e da sua
manutenção), constituídas por hábitos linguísticos que identificam a pertença e manifestam o
orgulho de se pertencer a um determinado grupo humano – a uma academia, a um grupo de
apoiantes de um clube desportivo ou de um partido político, etc…
Por último, temos o calão. Classicamente, o calão é um comportamento linguístico marginal e
condenado socialmente. Atualiza expressões e um léxico que permitem, quase sempre, a
manifestação de estados anímicos, dominados por grandes tensões, que procuramos aliviar: em
momentos de dor, de raiva ou de perplexidade e de espanto ou de alegria ou de prazer…

Advertências
É difícil estabelecer fronteiras rígidas entre as gírias e o calão.
Não nos esqueçamos também que entre a linguagem comum e as linguagens especiais se regista
o mesmo fenómeno de fluidez das fronteiras até porque, em matéria lexical, a circulação é
fundamental. A linguagem comum fornece matéria lexical que, nas linguagens especiais,
conhecerá especializações semânticas e que, mais tarde, pode ser devolvida à linguagem comum
com essas novas significações.
A fluidez destas fronteiras – fenómeno interno do sistema linguístico – acaba por ser responsável
pelo enriquecimento da língua, conduzindo, uma vez mais, ao exercício de uma propriedade
específica da linguagem verbal que é o princípio da economia linguística.

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