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Variantes ou variedades do português?

Nas primeiras aulas de linguís ca, aprende-se que uma das caracterís cas universais da linguagem (entendida como
capacidade dis n va da espécie humana, que se manifesta através das muitas línguas existentes) é a variação, i.e., o
processo pelo qual, apesar de reconhecermos a unidade de uma língua (por cons tuir um sistema linguís co, com
gramá ca (regras) e léxico (palavras) específicos, que se desenvolveu espontaneamente no seio de uma comunidade
e é par lhado pelos indivíduos que a cons tuem), essa língua é usada de formas variadas, no dia a dia dos falantes.

A variação linguís ca ocorre ao longo do tempo (diacrónica) - e facilmente percebemos que o português falado pelas
pessoas dos tempos de Gil Vicente ou Camilo Castelo Branco terá sido bem diferente daquele que falamos hoje; os
mais velhos de nós temos consciência de que a forma como falávamos há 30, 40 ou 50 anos sofreu mudança e não
raro nos surpreendemos quando ouvimos uma forma de dizer que já não ouvíamos há tanto tempo que quase a
havíamos esquecido. Mas a variação ocorre também em cada época (variação sincrónica), em função de aspetos
geográficos, sociais, pragmá cos, funcionais e até mesmo pessoais.

Línguas faladas em diversos pontos do mundo, como o português, conhecem forte variação determinada pela sua
dispersão geográfica, mas também pelo contacto com as diferentes línguas que coexistem em cada espaço e pela sua
na vização, condicionada pela história e organização de cada sociedade. As grandes línguas - entenda-se "grandes"
como faladas por muitas pessoas, em muitos lugares e situações diferentes, desempenhando múl plas funções -
desenvolvem diferentes formas ou variedades linguís cas.

Quando essas línguas se tornam oficiais de diferentes estados e as respe vas comunidades as assumem como suas, é
previsível que cada país desenvolva uma variedade nacional, que é assumida como a sua variedade da língua em
questão, representa va do próprio país e seu povo. É neste sen do que falamos em variedades nacionais do português
(ou do inglês, ou do espanhol), apresentando diferentes níveis de desenvolvimento, aceitação por autoridades e
comunidade e codificação. Brasil e Portugal têm variedades desenvolvidas, aceites, codificadas e, por isso, dominantes;
Moçambique e São Tomé e Príncipe têm variedades desenvolvidas, em vias de aceitação e codificação; Angola
desenvolveu a sua variedade nacional, mas esta não é aceite pelas autoridades nacionais e, logo, a carece de
codificação; Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste encontram-se mais longe de virem a ter variedades nacionais
desenvolvidas.

A assunção de variedades linguís cas dis ntas pressupõe a determinação de diversas facetas do conhecimento
linguís co que são afetadas pela variação. E.g. a variedade brasileira e a portuguesa variam a nível foné co e
fonológico, lexical, sintá co, semân co e pragmá co. Se nos cingirmos a cada faceta da variação, rapidamente somos
capazes de enumerar conjuntos de variantes, i.e., de elementos que são diferentes em uma e outra, contribuindo para
a construção de cada variedade - e.g. ônibus/autocarro, aids/sida, bolsista/bolseiro são variantes lexicais.

Embora par lhem o mesmo radical verbal - vari(ar) -, variação, variedade e variante nomeiam conceitos diferentes,
que a própria morfologia das palavras ajuda a entender: variação é um processo; variedade é o facto de ser variado e
aquilo que apresenta essa caracterís ca; variante é aquilo que varia.

Margarita Correia, Professora e inves gadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

h ps://www.dn.pt/opiniao/variantes-ou-variedades-do-portugues-
15663272.html? clid=IwAR2YR_kkJ6Bjzvk6iKxDbF3m3Fnjv_AWY228rRLLwoTWUs7vYy0ix-GvzPg

16/01/2023

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