Tema 6 - As transformações sociais e culturais do terceiro quartel do século XX
A importância dos polos culturais anglo-americanos O fim da Segunda Guerra Mundial consumou o declínio do papel da Europa nas relações internacionais e consagrou, como se viu, os EUA na liderança do mundo ocidental. Acompanhando e reforçando a sua afirmação política e económico-financeira no mundo, a cultura anglo-saxónica torna-se dominante. Nos anos 40 e 50, Nova Iorque, já então a grande metrópole económica e financeira, torna-se no maior centro de produção artística internacional, retirando a Paris esse estatuto. Londres, beneficiando de ligações histó - rico -culturais e políticas privilegiadas com os EUA, partilha, em menor grau, desse papel. Vários fatores se conjugam na explicação da hegemonia cultural e artística norte - -americana: – a fuga para os EUA, e em particular para a cidade nova-iorquina, de artistas e intelectuais europeus refugiados dos regimes totalitários e da guerra; – a situação económica favorável dos EUA permitia um generoso mecenato privado, que viu na arte e na cultura uma oportunidade de reconhecimento social e de negócio; – a divulgação da produção artística americana, até então praticamente ignorada a nível internacional, em consequência dos extraordinários progressos das tecnologias da informação e comunicação, a par da presença dos artistas emigrados europeus. A reflexão sobre a condição humana nas artes e nas letras Os efeitos devastadores do fascismo, da Segunda Guerra Mundial e da bomba nuclear lançaram o ceticismo sobre os fundamentos morais e éticos das sociedades. Os artistas do pós-guerra questionam-se sobre a condição humana, procurando novos e revolucionários caminhos para a arte e a cultura. Retomou-se o clima de rutura do início do século. Irromperam movimentos diversificados e multifacetados, verdadeiras “segundas vanguardas” artísticas. A) O Expressionismo Abstrato O Expressionismo Abstrato foi o primeiro movimento de arte abstrata americana. Iniciado na década de 40, num contexto político e social muito particular, os artistas expressionistas abstratos já não acreditavam na possibilidade de transformar o mundo com a arte. Não pretendiam utilizá-la para procurar novos valores ou utopias. Interessavam-se pelos problemas da sociedade do seu tempo, ainda que esteticamente sob formas diversas. Alguns exprimiam a sua perceção desses problemas através de traços ainda residualmente figurativos, outros eliminavam-nos totalmente. A característica mais interessante dos trabalhos dos artistas do Expressionismo Abstrato americano, de que se salientam Jackson Pollock (1912-1956), o primeiro representante do movimento, e Willem de Kooning (1904-1997), é sobretudo não representarem nada que pudesse ser reconhecido à primeira vista. A sua observação requeria novas maneiras de ver. O mais importante não era a mensagem que o quadro transmitia, mas o que ele despertava no observador. Apelava-se, por isso, à fantasia, à reflexão, aos sentidos e à capacidade de questionamento do público. A aparente falta de conteúdo desafiava o observador a refletir sobre si próprio e o mundo. Nesta medida, as obras enquadravam-se perfeitamente na sua época. Sob o ponto de vista estético, o Expressionismo Abstrato caracteriza-se: – pelo sentido da frontalidade do espaço pictórico, regra geral de grande formato; – pela ausência de hierarquização do espaço da tela, que cobrem totalmente de tinta; – pelo gestualismo (action painting) (2) expresso na aplicação da cor em manchas uniformes mais ou menos extensas, de forma rápida e intuitiva. A Pop Art Inspirada na cultura popular, a Pop Art, forma abreviada de popular art (arte popular), teve a sua origem nas metrópoles urbanas de Londres em meados da década de 50 e depois em Nova Iorque nos anos 60. Depois de um período, que durou quase duas décadas, de domínio absoluto por parte do abstracionismo, os artistas pop voltaram a aproximar a arte da realidade, com toda a força e de uma forma direta, transformando os objetos banais – latas, garrafas de conhecidos refrigerantes e embalagens dos mais diversos produtos –, símbolos e personagens (vedetas) do quotidiano da sociedade urbana em obras de arte. Mas a Pop Art não se limitou a reproduzir imagens dos produtos industriais utilizados pelas massas, pela publicidade, pelo cinema e pela imprensa, enfim imagens conhecidas e reconhecidas por toda a gente. Esta corrente, cujo lema era all is pretty (tudo é bonito), é interpretada como uma forma de participação e glorificação da sociedade de consumo e, ao mesmo tempo, como uma abordagem crítica, hábil e irónica, desse modelo de sociedade. A Arte Conceptual A partir de meados dos anos 60, apareceu uma série de novas formas artísticas, cuja característica comum era a sua tentativa de integrar o mais possível o observador na produção artística, mediante a sua colaboração mental, intelectual. Nasceu assim a denominada Arte Conceptual, um movimento nova-iorquino que desvaloriza o objeto face à ideia, invertendo a hierarquia tradicional. As ideias podiam ser obras de arte e para sê-lo não tinham necessariamente que ser materializadas. Os conceitos, as ideias, apresentam-se sob a forma de declamações faladas ou cantadas, de colóquios, de reflexões ou de citações. Ou ainda, através de textos ilustrados, fotografias, filmes, palavras escritas, telas animadas por fórmulas matemáticas destinadas a exprimir uma ideia, exposições, etc. Na Literatura As experiências traumáticas das guerras mundiais vividas direta ou indiretamente pela geração de escritores nascidos por volta de 1900 e o clima de tensão do apogeu da Guerra Fria nos anos 40 e 50 refletiram-se naturalmente nas suas obras. Assim, a Literatura europeia e norte- americana deste período são caracterizadas sobretudo pela sua abertura às conceções filosóficas do Existencialismo* e ao seu comprometimento político, muitas vezes sinónimo de adesão ao marxismo. A angústia existencial, expressa nos sentimentos de culpa, no absurdo, na morte, no vazio, estava, de resto, em consonância com a crise de valores e o sentimento de desencanto reinante em particular entre uma juventude inquieta e irreverente que punha tudo em causa. Apareceu nos anos 50 um outro tipo de ficção que se afastava da crítica social, o nouveau roman (romance novo). Na Inglaterra, como noutros países, a ficção do pós-guerra evoluiu entre um tipo de literatura progressista, com preocupações de natureza social, e uma linha mais apostada no êxito editorial, no consumo.
O progresso científico e a inovação tecnológica
A recuperação da confiança na Ciência A Segunda Guerra Mundial e o horror da bomba atómica pareciam ter terminado com o período de confiança geral das sociedades nos progressos da Ciência. No entanto, nos anos 40 e 50, uma vaga de invenções nos domínios da eletricidade e da eletrónica iriam originar uma autêntica revolução tecnológica, recuperando a confiança na Ciência e na sua importância para a vida quotidiana das sociedades. No centro dessa revolução encontram-se os progressos científicos nas áreas da Física, Química e Biologia e as inovações tecnológicas nos domínios da informação e da comunicação, que estão na origem do que muitos designam por “terceira revolução industrial”: – utilização da energia atómica para fins pacíficos: produção de eletricidade, aplicação em meios de transporte (submarinos, aviões), na medicina (TAC – Tomografia Axial Computorizada); – a criação do primeiro computador inteiramente eletrónico, o ENIAC(3); –– distribuição por cabo dos sinais de televisão (anos 50); – implantação das redes de satélites de telecomunicações (anos 60); – microprocessador; – desenvolvimento da cibernética (ligação entre informática e eletrónica) permitiu a construção de robôs e a automatização da produção e abriu novas perspetivas à exploração do espaço (anos 70) A explosão das novas tecnologias da informação (software, educação e formação, marketing, design) e da comunicação induziu substanciais alterações na vida das sociedades contemporâneas – a superação das fronteiras pelas telecomunicações por satélite encaminhou o mundo muito rapidamente para a “aldeia global” (expressão utilizada pelo sociólogo canadiano McLuhan, em 1960); – a criação de uma “sociedade de comunicação” vulnerável aos riscos da homogeneização e da hegemonia dos modelos culturais das sociedades tecnológica e economicamente mais poderosas.
A evolução dos media
O forte crescimento económico nas sociedades ocidentais ao longo das três décadas que se seguiram ao termo da Segunda Guerra Mundial, o aumento dos rendimentos, a redução das horas de trabalho e o consequente aumento dos tempos livres criaram as condições para que as pessoas encarassem a vida de outra forma: já não trabalhavam apenas para “ganhar o pão”, mas para desfrutar da vida. Esta nova atitude face ao quotidiano, acompanhada dos progressos técnicos nos domínios do som e da imagem, favoreceu o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, os chamados media Os novos centros de produção cinematográfica Durante os anos 50 e 60, o mercado mundial é dominado pelos filmes de Hollywood e pelas grandes empresas cinematográficas como a Twentieth Century-Fox, a MGM e a Paramount, contribuindo para a afirmação da hegemonia dos padrões culturais americanos no mundo ocidental. Mais de metade das receitas de Hollywood provinha do estrangeiro, com o mercado europeu a contribuir com uma parte muito substancial nesse total. Mas a Europa reagiu, ainda nos anos 50, através do Cinema Neorrealista italiano. Nos anos 60, a Nova Vaga francesa revelou notáveis realizadores, cujos filmes obtiveram grande sucesso sobretudo entre os jovens, as classes médias e os críticos. Fora do continente europeu, emergem: – o cinema japonês, centrado em temas históricos e contemporâneos associados ao milenar nacionalismo e espírito guerreiro nipónicos, – o Cinema Novo brasileiro, com abordagens críticas dos problemas sociais; No entanto, o desenvolvimento destes novos centros de produção fílmica não põe em causa a hegemonia norte-americana. O impacto da TV e da música no quotidiano A TV Durante os anos de 50 a televisão conhece na América do Norte e na Europa Ocidental uma expansão espetacular. Inicialmente olhada com ceticismo, a televisão conquista rapidamente um espaço importante no quotidiano quer do cidadão mais vulgar quer do mais notável. Os progressos técnicos, em particular o aparecimento da TV a cores em 1953, nos EUA, e a sua produção em massa fizeram baixar o preço dos aparelhos, tornando a sua aquisição acessível para um número crescente de famílias, ao mesmo tempo que eram alargadas as horas de emissão. Estas novas condições permitiram à televisão ganhar novos públicos e, consequentemente, mais importância no dia a dia das pessoas. As tarefas domésticas e as agendas dos políticos passam a estar condicionados pelo “pequeno écran”. Para um número cada vez maior de pessoas é a fonte principal de notícias, de entretenimento e de negócios (publicidade, marketing). O presidente dos EUA, John Kennedy, foi um dos primeiros políticos a explorar as vantagens das câmaras: realizou conferências de imprensa em direto e fez um ultimato a Krutchov através da televisão durante a crise dos mísseis de Cuba. A empatia que criou com a nação americana deve-a em grande parte ao hábil uso que fez da televisão. Em 1969, 350 milhões de telespetadores puderam seguir entusiasmados os primeiros passos do homem na superfície lunar. Mas também seguiram horrorizados a extrema violência da guerra do Vietname, a primeira guerra com imagens em direto A música Na segunda metade do século XX a música é, de todas as manifestações culturais, a mais difundida. Também neste domínio a influência anglo-saxónica é determinante. O nascimento do rock and roll, em meados da década de 50, constitui uma verdadeira revolução musical e do estilo de vida. O ritmo e a irreverência do rock atraem massivamente os jovens. Tocar, ouvir e dançar o rock torna-se uma forma de expressão da “revolta da juventude” contra as convenções sociais repressivas dos mais velhos. Elvis Presley, a superestrela do rock americano, e as bandas rock britânicas The Beatles e The Rolling Stones adquirem projeção mundial. Mas nos anos de 1970 e 1980 o rock torna-se mais artificial e comercial. Acomoda-se aos objetivos da sociedade de consumo. Como reação, alguns músicos norte-americanos começam a procurar algo mais “autêntico”, menos “comercial” a partir da tradição do folk rural (branco e negro). Deste renascimento do folk nascem novas correntes musicais inspiradas no jazz e nos blues, onde as letras ganham maior importância. Paralelamente ao renascimento da cultura popular americana, ocorre na Grã-Bretanha, no início da década de 60, algo semelhante. A atração pelos sons e ritmos do rock and roll americano esgota-se e o interesse dos jovens pela música popular britânica é cada vez maior. O aparecimento e a ascensão meteórica dos Beatles em 1962-1963 trazem para o primeiro plano a música pop. A hegemonia dos hábitos socioculturais norte-americanos No pós-guerra, os EUA afirmaram a sua liderança política, militar e económica do mundo ocidental, capitalista e democrático. A partir do início dos anos 60, essa hegemonia estendeu-se também aos domínios da cultura. Os extraordinários progressos científicos e tecnológicos nas áreas da informação e da comunicação nos anos 50 e 60 aceleraram o processo de aculturação à escala mundial, processo esse que funcionou em favor da cultura anglo-saxónica. A “aldeia planetária” que aqueles progressos potenciaram é uma aldeia claramente dominada pelo modelo civilizacional norte-americano. É ele que fornece o canal de comunicação internacional, a língua inglesa; impõe as suas músicas, os programas de televisão, os seus filmes e estrelas, os seus hábitos alimentares (fast-food, refrigerantes, etc.) e de vestuário (jeans). Esta situação de homogeneização cultural e civilizacional de matriz anglo-saxónica suscitaria movimentos de rejeição tanto na própria sociedade norte-americana como também na Europa e noutras partes do mundo Alterações na estrutura social e nos comportamentos A terciarização das sociedades No período que se seguiu ao termo da Segunda Guerra Mundial e até 1973, o mundo desfrutou, de um forte crescimento económico, ainda que não inteiramente uniforme, a um nível nunca antes atingido. Este boom económico a nível mundial, acompanhado pelo aumento dos rendimentos das pessoas, induziu naturalmente mudanças no tecido socioeconómico , algumas das quais já vinham a verificar-se e continuaram ou aceleraram durante este período: – redução do peso da agricultura no rendimento das economias nacionais, decorrente dos progressos da mecanização do trabalho agrícola e da biotecnologia; – incremento da urbanização em consequência do aumento do número e dimensão das cidades, cada vez mais o destino procurado pelas populações (crescimento demográfico e êxodo rural); – terciarização da economia em consequência do forte desenvolvimento das atividades do setor do comércio e serviços (saúde, educação, justiça, turismo, transportes, distribuição e venda, desporto e lazer, etc.) A progressiva terciarização da economia nas décadas de 40 a 70 do século XX teve naturalmente repercussões na estrutura social e nos comportamentos – favoreceu o crescimento em número e importância das classes médias; – o pleno emprego e o aumento da produtividade permitiram aos assalariados obter melhores salários e elevar o seu poder de compra; – a elevação dos rendimentos das classes médias e dos trabalhadores em geral provocou, por sua vez, alterações nos níveis e padrões de consumo estimulados pela publicidade e pelo marketing; – a abundância da sociedade de consumo criou e modelou um novo estilo de vida, expresso nos padrões da moda, que passou a estar ao alcance de um número crescente de pessoas, enfim, na intolerância com a tradição e o conservadorismo. Os anos 60 e a gestação de uma nova mentalidade Procura de novos referentes ideológicos A ânsia de modernidade encontrou eco sobretudo na juventude dos anos 60. Um pouco por todo o Mundo, mas especialmente na Europa e nos EUA, irromperam movimentos de contestação, sobretudo de jovens estudantes universitários que recusavam os referentes ideológicos impostos pelas duas superpotências e o clima de Guerra Fria, a sociedade de consumo e a moral convencional. Contestação juvenil Mas os anos 60 trouxeram, para além da vaga de contestação social e política, uma revolução de costumes e uma contracultura que se traduziram numa revolta incontida contra quase todos os padrões tradicionais de autoridade e de comportamento. Os problemas sociais e psicológicos decorrentes das contradições entre o stress competitivo de uma sociedade de consumo e o desejo de autorrealização e a guerra no Vietname abalaram a confiança da juventude nas instituições políticas. A América descobre com espanto e inquietação, primeiro, os beatniks, depois, os hippies. Rejeitam todas as convenções. Desafiam os hábitos sociais estabelecidos deixando crescer os cabelos, vestindo roupas de estilo oriental, apresentando um aspeto desleixado, refugiando-se no consumo de álcool e de drogas (LSD e marijuana), proclamando os méritos da Natureza e da Ecologia. A contestação alastrou-se à Europa, onde a massificação do ensino e os problemas daí decorrentes também não encontravam na política a resposta adequada. Em Portugal, apesar da natureza fascista do regime, os movimentos estudantis encontraram também espaço para se expressarem. Os estudantes universitários em Lisboa reagiram à proibição de Salazar das comemorações do Dia do Estudante (1962) e, sobretudo, na chamada “crise académica” de 1969, que aliou a luta “por uma Universidade nova, livre e democrática, num Portugal Novo” à oposição à guerra colonial. Os Movimentos hippies e o “Maio de 68” em França Os movimentos hippies têm origem em São Francisco (EUA) no início da década de 60. Trata- se de um movimento que proclama o pacifismo e o antirracismo com um caráter declaradamente idealista, caracterizando-se pela rejeição de tudo o que é convencional, dos valores da sociedade de consumo e pela apologia da Natureza, da vida comunitária e primitiva regida pelo amor e liberdade, objetivos expressos no slogan make love, not war! Em França, a agitação começa na Universidade de Nanterre, em março de 1968, através de pequenos grupos de extrema-esquerda que contestam a sociedade capitalista, sob a liderança de um estudante de Sociologia, Daniel Cohn-Bendit. No mês de maio de 1968, o surto de contestação mobiliza dezenas de milhar de estudantes que transformam as universidades paralisadas pela greve em parlamentos e as ruas num campo de contestação. A noite de 10 para 11 de maio, a primeira “noite das barricadas”, fica marcada por confrontos violentos entre os estudantes e as forças policiais no Quartier Latin, em Paris. A repressão policial e o descontentamento com o regime gaulista mobilizam os sindicatos operários e os trabalhadores para uma greve geral a 13 de maio. Em poucos dias, as greves generalizam-se e muitas das fábricas são ocupadas pelos operários. A crise torna-se também social. Face à dimensão da crise, De Gaulle viu-se obrigado a dissolver a Assembleia Nacional e a convocar eleições antecipadas. As eleições reforçam o poder dos gaulistas. O movimento estudantil esgota-se. Os operários regressam ao trabalho nas suas empresas. Que pretendiam os jovens? A sua vontade de mudar o mundo era evidente. O problema era que o seu programa esgotava-se em alguns slogans, sugestivos é certo, mas desprovidos de conteúdo como: “a imaginação ao poder!”, “sê realista, exige o impossível!”. A dimensão da crise política e social que o “Maio de 68” adquiriu dever-se-á ao facto de ao eixo conflitual juventude e liberdade contra adultos e autoridade se ter associado, por circunstâncias diversas, a oposição tradicional entre governantes e governados e o novo conflito entre revolução e conservadorismo. O que fica deste movimento? Apesar do seu impacto, “Maio de 68” não se transformou numa força de mudança social efetiva, tendo-se esgotado rapidamente. É nos domínios social e cultural que teve maior repercussão, pondo em causa o poder autoritário, a rigidez das relações familiares, o poder machista, a inadequação da escola à vida real, o caráter desumano do taylorismo. Paradoxalmente, é no meio académico que os seus efeitos são menores. Contestação à religião O declínio da crença religiosa e da influência da Igreja e do clero. O comunismo e os regimes socialistas ganham terreno e a prosperidade económica reforça a fé no progresso material, mas é discutível afirmar-se que as pessoas se terão tornado então menos religiosas. O que as estatísticas demonstram é que nas sociedades industrializadas o número de praticantes, os membros ativos das igrejas, diminuem, com exceção dos EUA. Em consequência, o papel de regulação moral da religião e das igrejas enfraquece. Indiferente à perda de influência, a Igreja Católica Romana continuava agarrada à ortodoxia dos seus princípios morais e religiosos, uma atitude conservadora que contrastava claramente com os novos tempos de mudança. Interpretando os sinais dos novos tempos, o Papa João XXIII convoca o Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-1965). Uma boa parte da doutrina social da Igreja é reformada, tal como a sua liturgia, dando passos decisivos em direção ao ecumenismo. A Igreja torna-se mais aberta e tolerante face a outros credos. Todavia, continua resistente a questões como o controlo da natalidade, o aborto e a homossexualidade. Afirmação dos direitos da mulher As imagens tradicionais da mulher limitada ao seu papel de esposa e mãe eram ainda muito comuns nos finais dos anos 60 nas sociedades ocidentais. Esse facto não obstou, porém, que as mulheres, estimuladas pelas campanhas em favor dos direitos cívicos das minorias étnicas e raciais e pela atmosfera de crítica social reinante, tomassem maior consciência do seu papel na vida social e familiar e reivindicassem a igualdade de direitos relativamente aos homens. Para as feministas radicais, a questão central era a rebelião contra a repressão sexual masculina. Neste domínio, as mulheres passavam a ter um aliado na “pílula” contracetiva que começara a ser comercializada no início da década de 50. A “segunda vaga feminista” dos anos 60 reivindicou também a igualdade e a independência em matérias de trabalho e da família. As mulheres já não viam o trabalho como uma fonte de rendimento complementar da família, mas como forma de realização pessoal e profissional, queriam ter, tal como os homens, as suas próprias carreiras profissionais. A questão da igualdade feminina incluía ainda a luta pelo direito a um salário igual ao dos homens e pelo controlo da natalidade (contraceção e aborto). Desta alteração de comportamentos resultaram consequências significativas para a estrutura e funcionamento da vida familiar: – o número de divórcios e separações cresceu vertiginosamente; – a taxa de natalidade dentro do casamento baixou; – o número de gravidezes de adolescentes, decorrente da utilização da pílula anticoncecional reduziu-se substancialmente.