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Governo do Estado do Pará

Procuradoria-Geral do Estado

EXMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE


ALTAMIRA

ESTADO DO PARÁ, pessoa jurídica de direito público interno, neste ato


representado pela Procuradoria-Geral do Estado e MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
representado pela Procuradora da República signatária vêm, respeitosamente, perante V. Exa.,
com fundamento nos arts. 2º e 5º da Lei 7347/1985 e art. 36 e parágrafos da Lei n. 9985/2000,
ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA


C/C PEDIDO LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, em
desfavor de:

1 – INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS


RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, autarquia federal
de regime especial, criada pela Lei nº. 7.735, de 22 de fevereiro de 1989,
alterada pelas Leis nºs. 7.804, de 18 de julho de 1989, 7.957, de 20 de
dezembro de 1989 e 8.028, de 12 de abril de 1990, inscrito no CNPJ/MF
sob o nº. 03.659.166/0001-02, com sede no Setor de Clubes Esportivo
Norte, Trecho 2, Edifício Sede do IBAMA, na cidade de Brasília/DF,
CEP: 70.818-900, e Superintendência Regional à Travessa Lomas
Valentinas, nº. 907, esquina com a Avenida Marquês de Herval, Bairro da
Pedreira, Belém – Pará. CEP 66087-441, contatos telefônicos (91) 3210-
4700, 3210-4705 e 3210-4709;

2 - INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA


BIODIVERSIDADE - ICMBio, autarquia federal vinculada ao
Ministério do Meio Ambiente, criada pela Lei nº 11.516/2007, inscrita no
CNPJ sob o nº 08.829.974/0001-94, com endereço na EQSW 103/104,
Bloco C, Complexo Administrativo, Setor Sudoeste, Brasília/DF,

1
podendo ser citada por sua Procuradoria Federal Especializada no Pará,
sito Av. Boulevard Castilhos França, nº 708, CEP 66010-020, Belém/PA;

3 – CONSÓRCIO NORTE ENERGIA S.A. companhia fechada, CNPJ


12.300.288/0001-07, com endereço no SCN Quadra 4 Bloco B Salas 904
e 1004, Centro empresarial Varig, CEP 70.714-900, Brasília – DF; com
filial em Altamira (Pará), sito no Mutirão Loteamento Jardim França,
Rua Boa Esperança - RUC Jatobá, CEP: 68.371-971 - Altamira – PA.

pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

1. SÍNTESE FÁTICA
A presente ação insurge-se contra a decisão proferida pelo Comitê de Compensação
Ambiental Federal que, em sua 29ª Reunião Ordinária, ocorrida em 31.07.2014, deliberou que o
recurso devido a título de compensação pelo empreendimento da UHE de Belo Monte no
montante de R$126.325.739,01 (cento e vinte e seis milhões trezentos e vinte e cinco mil
setecentos e trinta e nova reais e um centavo) seria distribuído da seguinte forma: R$
92.000.000,00 (noventa e dois milhões de reais) para o Parque Nacional da Juruena com sede do
Mato Grosso e R$ 34.325.739,01 (trinta e quatro milhões trezentos e vinte cinco mil setecentos e
trinta e nove reais e um centavo) para unidades de conservação localizadas na Bacia do Rio
Xingu, no Estado do Pará.
A decisão ora impugnada chama a atenção pela desproporcionalidade de aplicação
do recurso. Ora, 72,83% do total do recurso definido para pagamento de compensação pela
instalação do empreendimento está sendo destinado para uma única unidade de conservação
localizada no estado do Mato Grosso, a uma distância linear de simplesmente 814 km de onde
ocorrerá o impacto direto (ou seja sem qualquer influência) e apenas 27,17% do recurso será
destinado a unidades de conservação localizadas no estado do Pará, onde se está instalando o
empreendimento e os impactos não mitigáveis são brutalmente sentidos.
Frise-se, Excelência, que a ação em apreço busca a internalização da maior parte
do recurso dentro do Estado do Pará, que já sofre todas as “enfermidades” da instalação da
usina e encontra-se diretamente afetado pela construção da hidrelétrica de Belo Monte,
pleiteando-se, assim, a aplicação do recurso em unidades de conservação dentro do Estado
como um todo, independente se de esfera federal, estadual ou municipal.
Fundamental registrar que o Estado do Pará, através da Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) e do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da
Biodiversidade (Ideflor Bio) já manifestou, reiteradas vezes, junto à Coordenação de
Compensação Ambiental Federal/IBAMA, o interesse em participar das reuniões do Comitê de
Compensação Ambiental, como colaborador/convidado ou similar, com o objetivo de
acompanhar e garantir os interesses do Estado, conforme atestam as cópias dos ofícios de n.
35689/2015/NEL e n. 239/2015 – GAB/Ideflor- Bio, e tiveram seu pleito negado, como
demonstra cópia do ofício de n. 02001.011812/2015-91 CCOMP/IBAMA, pelo que se verifica o
total desprezo e desrespeito pelo povo paraense.
Vale ressaltar que a UHE Belo Monte terá o 2º lugar em produção energética no país e
o principal destino será o abastecimento de polos industriais no Sul e Sudeste do país, ou seja, em
última análise, o Estado do Pará está sendo duplamente sacrificado pela condução da gestão desse
processo, pois as UCs estaduais receberão menos de 10% do valor pago como compensação
ambiental (sem a liberdade de deliberar sobre a aplicação do recurso) e não será o principal
2
beneficiado com o funcionamento da hidrelétrica, seja na produção industrial, seja na arrecadação
do principal tributo incidente sobre a energia, que é o ICMS, cujo regime constitucional destina a
arrecadação ao local do consumo e, não, ao de sua produção.
Essencial aduzir, curiosamente, que parte significativa da população local ficará sem
o fornecimento correto e regular de energia elétrica, absorvendo apenas as mazelas provocadas
pelo fluxo migratório intenso e concentrando os impactos ambientais e sociais gerados
localmente.
Nesta esteira, independente da eventual necessidade de regularização fundiária do
Parque Nacional da Juruena, localizado no Estado do Mato Grosso, não há respaldo legal e
parâmetro de razoabilidade que sustente o desvio de 72% dos recursos da Compensação
Ambiental da UHE Belo Monte das Unidades de Conservação afetadas pelo empreendimento,
especialmente diante dos imensuráveis e incalculáveis problemas ambientais, fundiários e sociais
que o Estado do Pará possui, todos agravados pelos impactos da hidrelétrica.
Desta forma, por meio da presente ação pleiteia-se a anulação da decisão
administrativa que determinou a destinação de R$ 92.000.000,00 (noventa e dois milhões de
reais), equivalente a 72% dos recursos da Compensação Ambiental da UHE Belo Monte, para o
Parque Nacional da Juruena com sede no Estado do Mato Grosso.

2. DO HISTÓRICO CONTROVERTIDO DO EMPREENDIMENTO DA UHE DE BELO


MONTE. DA EXISTÊNCIA DE IMPACTOS NÃO CONTABILIZADOS NO EIA/RIMA.
DAS FALHAS DE DISGNÓSTICOS. INCOMPLETUDE DO ESTUDO.
Há muito se sabe que o processo de construção de hidrelétricas no Brasil tem
fundamentos técnicos questionáveis, inclusive relacionados ao desestímulo a uma matriz
energética que favoreça a exploração de recursos renováveis de baixo impacto no País, a exemplo
das modalidades solar e eólica. O que se tem, em contrapartida, é um número cada vez maior de
Usinas Hidrelétricas sendo construídas, em especial na Amazônia, por sua gigantesca malha
hídrica.
No bojo desta dinâmica avassaladora dos últimos anos, tem sido frequente o
questionamento da opinião pública acerca da qualidade dos Estudos de Impacto
Ambiental/Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) que subsidiam o rito de licenciamento
ambiental ao qual se submetem estes empreendimentos
Nesse sentido, foi bastante abordada na mídia, por seu porte e impacto, a instalação de
UHE Belo Monte, trazendo à tona fatos que levantaram a desconfiança quanto à validade dos
ritos de licenciamento ambiental da obra, a partir dos quais citamos, em ordem cronológica de
acontecimentos:
• “Índios no Pará atacam engenheiro da Eletrobrás com facão”:
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,indios-no-para-atacam-engenheiro-da-
eletrobras-com-facao,175688 (20/05/2008)
• “Índios agridem Diretor da Eletrobrás”:
http://www.orm.com.br/plantao/imprimir.asp?id_noticia=344044 (21/05/2008)
• “Belo Monte de Violências”: http://piseagrama.org/belo-monte-de-violencias/
(22/07/2009);
• “IBAMA demite diretor de licenciamento”:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI108106-15228,00.html
(02/12/2009);

3
• “Após demissão de Diretor, técnicos reclamam de sobrecarga”:
http://www.sintrafesc.org.br/pag/view_noticia.php?id=21365 (03/12/2009);
• “Ex-diretor do Ibama reclama da pressão para licenciar a usina de Belo Monte e
acusa o Ministro de Meio Ambiente de interferência – ‘O Estopim das demissões
foi o Minc’”: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,o-estopim-das-demissoes-
foi-o-minc,477449 (06/12/2009);
• “Sai Licença Prévia de Belo Monte com 40 condicionantes”:
http://www.ibama.gov.br/publicadas/sai-licenca-previa-de-belo-monte-com-40-
condicionantes (01/02/2010);
• “Analistas ambientais criticam a construção da hidrelétrica de Belo Monte”
(Matéria Jornal da Record): https://www.youtube.com/watch?v=dmj1KEM_z6I
(01/02/2010);
• “Roberto Messias deixa presidência do IBAMA”:
http://www.acritica.net/editorias/geral/roberto-messias-deixa-presidencia-do-
ibama/11198/ (05/04/2010);
• “MPF aponta falhas graves e pede anulação da licença de Belo Monte”:
http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2010/noticias/mpf-aponta-falhas-graves-e-pede-
anulacao-da-licenca-de-belo-monte (07/04/2010);
• “Documentos mostram pressão sobre o IBAMA”:
http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/documentos-mostram-pressao-
sobre-ibama-284439.html (16/04/2010)
• “Entenda a polêmica envolvendo a usina de Belo Monte”:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/04/100419_belomonte_qandanovo_
cq.shtml (20/04/2010);
• “MPF recomenda ao IBAMA que não fragmente licenças para Belo Monte”:
http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2010/noticias/mpf-recomenda-ao-ibama-que-
nao-fragmente-licencas-para-belo-monte (09/11/1010);
• “MPF recomenda ao IBAMA não emitir novas licenças para Belo Monte”:
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2010/11/09/mpf-recomenda-
ao-ibama-nao-emitir-novas-licencas-para-belo-monte.htm (10/11/2010);
• “Qualquer licença para início de obras de Belo Monte é ilegal, avisa MPF”:
http://www.xinguvivo.org.br/2010/11/11/qualquer-licenca-para-inicio-de-obras-de-
belo-monte-e-ilegal/ (11/11/2010);
• “Presidente do IBAMA é exonerado do cargo”:
http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2011/janeiro/presidente-do-ibama-
e-exonerado-do-cargo (12/01/2011)
• “Diário Oficial publica exoneração do presidente do IBAMA”:
http://www.nominuto.com/noticias/ciencia-e-saude/diario-oficial-publica-
exoneracao-do-presidente-do-ibama/67010/ (12/01/2011);
• “Para pesquisador, licença parcial para Belo Monte mostra discussão restrita à
‘papelada’”: http://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2011/01/para-
pesquisador-licenca-parcial-para-belo-monte-mostra-discussao-restrita-a-papelada/
(28/01/2011);
• “Licença para confundir”: http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-
leitao/post/licenca-para-confundir-359548.html (28/01/2011);
4
• “De Kararaô a Belo Monte – A história de uma polêmica”:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2011/11/06/de-kararao-a-belo-
monte-a-historia-de-uma-polemica/ (06/11/2011);
• “Licença de Instalações Iniciais de Belo Monte é emitida APESAR DE
PARECER CONTRÁRIO dos próprios técnicos do IBAMA”:
http://jornalggn.com.br/tag/blogs/licenca-inicial-ahe-belo-monte-contraria-
parecer-tecnico-do-ibama (22/11/2011);
• “ISA publica Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de
Operação”: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/isa-
publica-dossie-belo-monte-nao-ha-condicoes-para-a-licenca-de-operacao
(29/06/2015);
De todos os fatos ocorridos neste ínterim entre a análise para a Licença Prévia
(primeira) e a obtenção da Licença de Operação (última), é mister ressaltar que todo o processo
de apreciação é eivado de forte pressão sobre o corpo técnico do órgão licenciador.
O período mais emblemático desta conclusão, entre tantos, talvez seja o do final de
2009, quando os analistas da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA à época, durante
o rito de análise e elaboração do Parecer Técnico concernente à obra, emitiram, em conjunto, o
Parecer COHID/CGENE/DILIC/IBAMA nº. 114/2009, em 23 de novembro, que atesta
posicionamento técnico desfavorável à obra.
Na mencionada manifestação, os técnicos confirmam as alegações dos segmentos
sociais e de especialistas, de que nem todos os componentes devidos puderam ter condições de
ser devidamente considerados durante o processo. Naquele mesmo órgão, logo em seguida, nos
dias 1º e 02 de dezembro do mesmo ano, foram demitidos o Coordenador Geral de Infraestrutura
de Energia Elétrica e o Diretor de Licenciamento Ambiental, respectivamente, ambos chefes das
áreas de análise do projeto da UHE Belo Monte.
Esta reunião de fatores torna explícita, portanto, o açodamento do processo diante
uma demanda sabidamente complexa e, além disso, a consequente negligência às normas legais,
porquanto da inexistência de condições para a instalação da UHE, dado que o Parecer dos
analistas do IBAMA expressa a incompletude de informações devidas no respectivo EIA/RIMA,
notadamente as relativas às questões biológicas e sociais afeitas ao caso, prova inquestionável da
gravidade envolvida aos ritos da Administração Pública Federal.
Adicione-se a isto a contundente informação do Ministério Público Federal, à época,
a respeito da elaboração do EIA/RIMA:
“No início de 2007, um fato inusitado surpreendeu o Ministério Público
Federal. Os índios da Volta Grande do Xingu avisaram que o fluxo de vo-
adeiras subindo e descendo o rio estava acima do normal. Disseram que
brancos portando máquinas fotográficas, filmadoras e outros equipamen-
tos que não souberam identificar paravam nas margens do rio, entravam
pelos igarapés e recolhiam materiais do solo e da flora, sem pedir licença.
A suspeita era de que se tratava do início do Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) de Belo Monte. Até aí era previsível, embora muito rápido para o
processo de licitação da escolha de quem faria esse estudo. Ainda estava
recente a lembrança do que aconteceu em 2000, quando a Eletronorte gas-
tou R$ 4,8 milhões num EIA que não serviu para nada, pois o licencia-
mento ocorria através do órgão ambiental do Pará, e não no Ibama, como
manda a lei. Em fevereiro de 2007, os representantes da Eletrobras foram
chamados para uma reunião com procuradores da República. Informaram
que a Eletrobras fez uma “parceria” com três das maiores empreiteiras do
5
país – Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez – para
confeccionarem o EIA. Trocando em miúdos, “parceria” significava con-
tratação sem licitação, através de um “Acordo de Cooperação Técnica”.
Para quê? Para fazer consultoria ambiental. Quem? As empreiteiras. Mas
fazer estudos ambientais é a área de atuação das empreiteiras? A justifica-
tiva do acordo era surreal: exiguidade do prazo para a ultimação do EIA e
a reconhecida e comprovada competência dessas empresas na mobiliza-
ção, viabilização, condução e implantação de empreendimentos desse por-
te. As justificativas são falsas. Primeiro, porque não existia prazo para o
EIA. Segundo, a comprovada competência das empreiteiras jamais pode-
ria ser em consultoria ambiental. O pior ainda estava por vir. O acordo ti-
nha cláusula de confidencialidade. Ou seja, o resultado do EIA não pode-
ria ser divulgado até a expedição da Licença Prévia, apesar de ser um
acordo público e tratar de meio ambiente, assunto para o qual a publicida-
de é um dogma. Marcelo Ribeiro, um dos procuradores da República do
caso, resumiu a história: é um cenário de absoluta irregularidade. Trata-se
de uma dispensa de licitação ilegal, circundada por cláusulas estapafúrdi-
as e contrárias ao interesse público, com informações privilegiadas a de-
terminadas empresas em detrimento de concorrentes na eventual licitação
da obra.
(...)
O MPF entrou com Ação de Improbidade Administrativa e conseguiu pa-
rar a execução. Em seguida, a decisão foi suspensa pelo Tribunal Regio-
nal Federal, em Brasília, onde o caso não foi julgado”.
Ora, ao compreender-se a sucessão cronológica dos fatos, substanciadas não apenas
pelas notícias veiculadas, testemunhos obtidos como também por documentos oficiais, denota-se
que a Administração Pública Federal assumiu o risco de cometer imperícias nas definições
relativas aos impactos causados pela UHE Belo Monte, quer seja pela complexidade, magnitude e
potencial de impacto deste empreendimento, quer seja pela configuração regional da área na qual
está sendo inserida, porquanto de sua inestimável relevância biológica, física e consagrado apelo
sociocultural.
Destaque-se que não haveria como negar os impactos da UHE Belo Monte sobre as
Unidades de Conservação da região do médio Xingu, quando avaliamos os pronunciamentos da
FUNAI e o componente indígena deste licenciamento. O órgão indigenista, no Parecer Técnico
21/CMAM/CGPIMA de 2009 (p.28) definiu um primeiro grupo de terras, com áreas localizadas
muito próximas do empreendimento (Paquiçamba, Arara da Volta Grande, Juruna do Km 17 e
Trincheira Bacajá). E um segundo grupo “composto pelas Terras Indígenas que, embora
também sofram impactos diretos, estão geograficamente mais distantes do
empreendimento” (Apyterewa, Araweté, Koatinemo, Kararaô, Arara e Arara da Cachoeira Seca,
incluído ainda as Terras Xipaya e Kuruaya, p. 29). Para todas essas Terras Indígenas foi previsto,
além das ações emergenciais, um robusto Plano Básico Ambiental com programas previstos para
os 35 anos da concessão da UHE Belo Monte, como condição para o atestado de viabilidade da
hidrelétrica.
O mapa a seguir demonstra que as Terras Indígenas deste segundo grupo - cujos
impactos diretos do empreendimento foram oficialmente reconhecidos - compartilham com as
Unidades de Conservação as margens dos rios Xingu e Iriri. Porém os moradores dessas áreas e
as respectivas unidades foram invisíveis ao licenciamento ambiental da UHE Belo Monte.

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Para além disso, a Nota Técnica 01/2015, do Núcleo de Gestão Integrada do ICMbio
em Altamira apresenta amplo estudo sobre os impactos da UHE Belo Monte sobre os recursos
pesqueiros nas Unidades de Conservação da Terra do Meio (Ofício 190/2015-
RRX/NGI/CR3/ICMbio). E, para além disso, existem manifestações inequívocas dos gestores das
Unidades de Conservação Locais, da Diretoria de Ações Socioambientais do ICMbio, bem como
dos Conselhos Deliberativos das Resex da região quanto aos graves impactos que essas unidades
vêm sofrendo, sem mitigação (anexos). Leia-se da manifestação da Coordenação-geral de
Populações Tradicionais da DISAT-ICMbio:

“Quando do processo de licenciamento da UHE Belo Monte, as equipes


das Ucs que compõem o NGI de Altamira relataram os potenciais
impactos sobre as reservas extrativistas, mas ao final esses impactos não
foram considerados e consequentemente, não houve menção na licença
sobre os impactos nas unidades de conservação e para seus beneficiários.
[...]
Ocorre que decorridos cerca de 5 anos depois da licença prévia, os
impactos na biodiversidade, na atividade de pesca, e nas condições de
vida dos beneficiários são evidentes, e levaram os conselhos deliberativos
das Resex a emitir resolução sobre o assunto. Os documentos que
fazemos referência no processo trazem à luz uma série de questões que
necessitam de respostas aos conselhos das resex, antes da publicação da
licença de operação. […]
Solicito à DISAT que encaminhe junto à Presidência do ICMbio e à
DIBIO, providências para que, diante dos pontos aqui apresentados,
especialmente referentes à nota técnica, o ICMbio e o IBAMA retomem
as tratativas com o empreendedor para que ações voltadas à mitigação dos
impactos citados possam ser implementadas nas Resex da Terra do Meio”.

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A conjunção destes fatos permite, portanto, suscitar com clarividência a
existência de impactos não contabilizados pelos procedimentos de análise do licenciamento
ambiental federal e que, por esse motivo, é dever da Administração Pública, a qualquer
momento – ainda que os órgãos gestores de UC no Estado não tenham sido consultados à
época ou que os pronunciamentos dos gestores das UCs federais tenha sido ignorado –
exigir revisão dos Atos Administrativos que dão forma à Gestão Pública.
Assim, o Estado do Pará e o Parquet compreendem haver uma nítida
subestimação dos impactos ambientais da UHE Belo Monte, devendo para fins corretivos,
se considerar a real ocorrência de impacto não apenas nas áreas definidas em EIA/RIMA,
como fundamentalmente, ao longo de toda a extensão da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu,
porquanto da lógica sistêmica de funcionamento dos ecossistemas.

3. DO DIREITO
3.1. DA NATUREZA DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. DA REAL ÁREA DE
IMPACTO. ABRANGÊNCIA REGIONAL.
A modalidade de compensação ambiental prevista na Lei do SNUC está disciplinada
nos termos do seu artigo 36, com o seguinte teor:
Art 36: Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de
significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental
competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e
respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de
Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento
desta Lei.
§ 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta
finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais
previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual
fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto
ambiental causado pelo empreendimento.
§ 2o Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de
conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas
apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive
ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.
§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica
ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput
deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão
responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não
pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das
beneficiárias da compensação definida neste artigo.
Grifos opostos

Marcelo Abelha Rodrigues1 expõe o fundamento da compensação ambiental:

1 - “Aspectos jurídicos da compensação ambiental do art. 36, §1º da Lei Brasileira das Unidades de
Conservação (Lei nº. 9.985/2000)”. Marcelo Abelha Rodrigues.

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“Dentre os impactos negativos ao meio ambiente apontados pelo órgão
ambiental, existem aqueles que são mitigáveis (lenitivos, aplacáveis),
caso se cumpram algumas condicionantes impostas pelo referido órgão.
Por outro lado, existem certos impactos que não são contornáveis, porque
nenhuma atitude que se tome contra eles irá conseguir neutralizar o efeito
negativo sobre o meio ambiente. Assim, a perda de um ecossistema, a
destruição de um monumento, a privação de uma cobertura florestal por
determinado período de tempo, etc. São impactos não mitigáveis (sempre
comuns nos casos de licenciamento com eia-rima). Por isso, não podem e
nem devem ser olvidados, devendo ser reparados mediante a técnica da
compensação, cujo escopo é oferecer à coletividade, um resultado que
restabeleça ou a recompense pelos prejuízos que ela suportou
Em extrato, trata-se da necessidade de o empreendedor apoiar a implantação e
manutenção de unidade de conservação do grupo de Proteção Integral, nos casos de
licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Destaca-se que, quando
se trata de área diretamente impactada, as unidades de conservação alcançadas pelo
empreendimento, ainda que não pertencentes ao grupo de proteção integral, deverão ser
contempladas.
Para se entender com maior profundidade, recorremos à Resolução do Conselho
Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº. 001/1986, em vigor, que versa acerca do impacto
ambiental e de como os empreendimentos em solo brasileiro devem proceder, se enquadrados
como “significativo impacto ambiental”. O artigo 1º desta Resolução é claro e objetivo quanto ao
conceito de impacto ambiental:
“Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do
meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resul-
tante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II – as atividades sociais e econômicas;
III – a biota;
IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V – a qualidade dos recursos ambientais.
Ora, ao considerar que impacto ambiental é configurado por “qualquer alteração das
propriedades físicas, químicas e biológicas”, é notório que o regramento em tela abarca em com-
pleto as alterações promovidas a montante e a jusante do Rio Xingu, por toda a sua Bacia Hidro-
gráfica, trazendo ao caso da UHE Belo Monte o que no meio científico se convenciona denomi-
nar impacto sistêmico.
Pela lógica sistêmica, é absolutamente impossível enquadrar o impacto a uma faixa
exígua, como a que, por repetidas vezes, sugere o EIA/RIMA. Ao contrário, demonstra que uma
vez afetando um ponto chave do sistema (local das obras), todos os demais componentes do siste-
ma (Bacia do Rio Xingu) são, mesmo que em diferentes proporções, negativamente impactados.
A Teoria Sistêmica é um paradigma atual, que suplanta a lógica mecanicista e cartesi-
ana de compreensão dos fatos, mostrando que não é possível compreender que uma perturbação
de grandes proporções em um ponto do sistema não influencie mudanças nas demais partes do
Sistema:
“Na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a
relação entre as partes e o todo foi invertida. A ciência cartesiana acredita-
9
va que em qualquer sistema complexo o comportamento do todo podia ser
analisado em termos das propriedades de suas partes. A ciência sistêmica
mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio
dessa análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínse-
cas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior. Des-
se modo, o pensamento sistêmico é pensamento ‘contextual’; e, uma vez
que explicar coisas considerando o seu contexto significa explicá-las con-
siderando o seu meio ambiente, também podemos dizer que todo pensa-
mento sistêmico é pensamento ambientalista”. (CAPRA, F., “A Teia da
Vida”, 1997, p. 46-47).
Outrossim, assevera-se que, pela própria natureza do empreendimento, verifica-se que
o impacto é regional, não podendo o EIA/RIMA ser considerado suficiente e absoluto. O artigo
de Luciana Martins Freire, denominado IMPACTOS AMBIENTAIS NO RIO XINGU DIANTE
DA IMPLANTAÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE NO ESTADO DO
PARÁ: SUBSÍDIOS PARA O PLANEJAMENTO AMBIENTAL. 493 publicado na REVISTA
GEONORTE, Edição Especial 4, V.10, N.1, p.490-493, 2014. (ISSN 2237-1419), é taxativo ao
expor a proporção dos impactos ocasionados pela UHE na região. In verbis:
A região paraense sob a influência da implantação da Usina Hidrelétrica
de Belo Monte, no baixo curso do rio Xingu, integra alguns municípios do
Estado do Pará, que segundo o EIA AHE Belo Monte (ELETRONORTE,
2009) compreende: Altamira, Senador José Porfírio, Anapu, Vitória do
Xingu, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo, Gurupá e
Medicilândia (Fig. 01). Sabe-se que a partir desse momento o município
de Altamira vem apresentando grande aumento do fluxo migratório, onde
em sua sede contém infraestrutura que atende como referência aquela
região. De acordo com o EIA já se previa um acréscimo de mais de 90 mil
habitantes em toda a área afetada. Dentre os principais impactos
constatados citam-se aumento: do uso e ocupação desordenado do solo;
da demanda por serviços e equipamentos públicos; especulação
imobiliária; do custo de vida da população; da pressão sobre os recursos
minerais, florestais e pesqueiros; e de problemas sociais relacionados à
segurança e saúde pública. Diante do acelerado processo de construção de
edificações e pavimentação das ruas, são constatados impactos como a
impermeabilização do solo, derruba de vegetação, além da construção de
fossas sépticas sem rigor, contaminando o lençol freático. É sabido que os
impactos em bacias hidrográficas, por tratar-se de sistemas complexos,
podem ocasionar problemas relativos tanto à sua configuração físico-
geográfica bem como também nos modos de vida e organização da
população atingida. No caso do rio Xingu, as implicações ambientais
oriundas pela construção do AHE de Belo Monte apresentam-se pelo
conjunto de barragem, reservatório, tomada d’água e casa de força. Na
abordagem dos impactos físico ambientais, o principal problema
apontado está relacionado com o represamento e desvio de parte das
águas do rio Xingu. Assim, o impacto maior se evidenciará pela
mudança no nível das águas, seja pela elevação a montante da
barragem, seja pelo rebaixamento a jusante do canal para o desvio
das águas. Isso implicará diretamente na dinâmica do relevo fluvial,
em que o aporte de sedimentos será modificado. Cita-se, também, a
existência da Província Espeleológica Altamira Itaituba, no qual os
sistemas cársticos estão na área de influência da usina, uma vez que
algumas cavernas encontram-se sujeitas à inundação após o
10
enchimento do reservatório. Com os desmatamentos as margens do
rio e remoção de estruturas geológicas na área do represamento,
ocorre a desconstrução da estrutura geomorfológica do canal fluvial,
uma vez que novas ilhas fluviais surjam e outras desapareçam.
Somam-se ainda os impactos negativos na biodiversidade local, que
terá que adaptar-se às novas áreas estabelecidas, ou mesmo
desaparecerão sem habitat adequado. Nesse contexto, voltando aos
aspectos sociais, uma vez que existem mudanças na dinâmica fluvial,
necessário se fez realizar a remoção de algumas comunidades
tradicionais, das quais incluem ribeirinhos e tribos indígenas,
evidenciados pela certeza de inundação dessas áreas pela elevação do
nível das águas do rio e igarapés a montante do represamento. A
situação tem ocasionado tensões sociais desde a sua proposta de
implantação até os momentos atuais, onde a obra já está em andamento. A
remoção dessa população é inaceitável, uma vez que é naquele espaço
que esses atores sociais estabeleceram relações culturais e
econômicas, implicando em mudanças no hábito de vida, desemprego,
além de problemas psicológicos por conta da perda de identidade e
desestruturação das redes de relações sociais. No caso mais específico
do desvio das águas, com a canalização até a barragem, o problema
será a diminuição do aporte das águas à jusante do canal que seguiria
pela chamada “Volta Grande do Xingu”, caracterizada por uma área
onde o curso do rio apresenta baixa profundidade, com a presença de
afloramentos rochosos acima do nível fluvial. Há, portanto, receio de
mortandade de espécies fluviais, acreditando-se no ressecamento da
Volta Grande do Xingu. CONSIDERAÕES FINAIS: Já foram inúmeras
as paralisações da obra, uma vez que o ministério público tem defendido
ações contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Estado
Pará. Tais ações são resultado do apelo social tanto pelos problemas de
deslocamento de populações tradicionais, como também dos impactos à
biodiversidade e paisagem geomorfológica natural. Diante do exposto, o
presente artigo tem o objetivo de demonstrar como uma obra da
magnitude como o Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte pode
interferir de maneira principalmente negativa no que diz respeito aos
impactos ambientais físicos e sociais evidenciados. O uso da
metodologia geossistêmica permite, assim, uma visão integrada da
relação entre seus componentes físicos e antrópicos, subsidiando para
a aplicação de planejamento ambiental adequado. Em meio a tantos
transtornos ambientais, é evidente que haja a discussão em torno
dessa conjunção de problemas, procurando, pois, formas de
equilibrar o meio ambiente.
Grifos opostos
Dessa forma, questiona-se como não contemplar de forma justa as unidades de
conservação presentes na região (localizadas na mesma bacia hidrográfica) diante de tantos
impactos negativos sofridos? Como destinar o recurso em sua maior parte para unidade de
conservação em uma região que não sente a pressão socioambiental evidenciada pelo
empreendimento?
Edis Milaré em sua obra Direito do Ambiente. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p.394. assinala que os recursos devidos pelo empreendedor terão relação com a
área onde os prejuízos ambientais poderão ser sentidos, devendo o órgão licenciador ser sensível

11
para essa questão, procurando contemplar as unidades de conservação existentes na área de
influência do projeto.
Para José Rubens Morato Leite (LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do
individual ao coletivo extrapatrimonial. 2ª Ed. rev., atual., ampl.. Rio de Janeiro: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 214.):

“o valor obtido com a compensação deve ser destinado


primordialmente ao local afetado, pois é neste onde ocorrem os
impactos negativos à natureza. As medidas compensatórias aplicadas
no local afetado beneficiam tanto o meio ambiente como toda a
comunidade prejudicada”
Grifos

Nesse mesmo viés, vale lembrar que a Resolução CONAMA 02/96 indicava que os
investimentos deveriam ser aplicados preferencialmente junto à área prejudicada.
Ora, o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação – CNUC, base de informações
criada por meio da Lei Federal nº 9985/2000, art. 50, aponta as Unidades de Conservação
municipais, estaduais e federais situadas tanto no próprio Município de Altamira/PA, como nas
áreas de influência direta e indireta do empreendimento. Ao considerarmos tão-somente o
município de Altamira, tem-se a existência de 11 UCs, a saber: Área de Proteção Ambiental
Triunfo do Xingu; Estação Ecológica da Terra do Meio; Floresta Estadual do Iriri; Floresta
Nacional de Altamira; Floresta Nacional do Trairão; Parque Nacional Serra do Pardo; Parque
Nacional do Jamanxim; Reserva Biológica Nascentes Serra do Cachimbo; Reserva Extrativista
Rio Iriri; Reserva Extrativista Rio Xingu; Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio.
Destarte, verifica-se a existência de um número considerável de unidades de
conservação que deveriam ser contempladas com o recurso por se situarem em área diretamente
afetada. Note-se que a desproporcionalidade é dantesca ao direcionar mais de 70% da verba para
uma única unidade de conservação que ainda se localiza fora do Estado do Pará e em nada é
influenciada ou impactada pela obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, contrariando totalmente
normativos legais, doutrina robusta e jurisprudência pacífica.

3.2. - DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 36 E PARÁGRAFOS, DA LEI N° 9.985/00 E AO


ARTIGO 90, INCISO I DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 371, DE 05/04/2006.
O Art. 36 da Lei do SNUC, Lei n 9.985/2000, estabelece critérios genéricos sobre a
destinação do recurso. Vejamos:
Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de
significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental
competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respecti-
vo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implanta-
ção e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Inte-
gral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
(Regulamento)
§ 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta
finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previs-
tos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado

12
pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambi-
ental causado pelo empreendimento. (Vide ADIN nº 3.378-6, de 2008)
§ 2o Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de con-
servação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no
EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada
a criação de novas unidades de conservação.
§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica
ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o ca-
put deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão
responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não
pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiá-
rias da compensação definida neste artigo.

Por sua vez, o Decreto n.º 4.340/2002 regulamentou a lei supramencionada,


destacando nos arts. 32 e 33 a forma de utilização dos recursos provenientes de empreendimentos
que causem significativo impacto ambiental. Vejamos:
Art. 32. Será instituída câmara de compensação ambiental no âmbito do
Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: (Redação dada pelo
Decreto nº 6.848, de 2009)
I - estabelecer prioridades e diretrizes para aplicação da compensação
ambiental; (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009)
II - avaliar e auditar, periodicamente, a metodologia e os procedimentos
de cálculo da compensação ambiental, de acordo com estudos ambientais
realizados e percentuais definidos; (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de
2009)
III - propor diretrizes necessárias para agilizar a regularização fundiária
das unidades de conservação; e (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009)
IV - estabelecer diretrizes para elaboração e implantação dos planos de
manejo das unidades de conservação. (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de
2009)
Art. 33. A aplicação dos recursos da compensação ambiental de que tra-
ta o art. 36 da Lei no 9.985, de 2000, nas unidades de conservação, exis-
tentes ou a serem criadas, deve obedecer à seguinte ordem de prioridade:
I - regularização fundiária e demarcação das terras;
II - elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo;
III - aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, moni-
toramento e proteção da unidade, compreendendo sua área de amorteci-
mento;
IV - desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova unidade
de conservação; e
V - desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade
de conservação e área de amortecimento.
Ainda, registre-se a Resolução 371/2006 do CONAMA prescreve que:

13
Art. 9o O órgão ambiental licenciador, ao definir as unidades de
conservação a serem beneficiadas pelos recursos oriundos da
compensação ambiental, respeitados os critérios previstos no art. 36 da
Lei no 9.985, de 2000 e a ordem de prioridades estabelecida no art. 33 do
Decreto no 4.340 de 2002, deverá observar:
I - existindo uma ou mais unidades de conservação ou zonas de
amortecimento afetadas diretamente pelo empreendimento ou atividade a
ser licenciada, independentemente do grupo a que pertençam, deverão
estas ser beneficiárias com recursos da compensação ambiental,
considerando, entre outros, os critérios de proximidade, dimensão,
vulnerabilidade e infraestrutura existente; e
II - inexistindo unidade de conservação ou zona de amortecimento
afetada, parte dos recursos oriundos da compensação ambiental deverá ser
destinada à criação, implantação ou manutenção de unidade de
conservação do Grupo de Proteção Integral localizada preferencialmente
no mesmo bioma e na mesma bacia hidrográfica do empreendimento ou
atividade licenciada, considerando as Áreas Prioritárias para a
Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da
Biodiversidade, identificadas conforme o disposto no Decreto nº 5.092, de
21 de maio de 2004, bem como as propostas apresentadas no EIA/RIMA.
Parágrafo único. O montante de recursos que não forem destinados na
forma dos incisos I e II deste artigo deverá ser empregado na criação,
implantação ou manutenção de outras unidades de conservação do Grupo
de Proteção Integral em observância ao disposto no SNUC.

A norma ambiental que regula o caso, em consonância com a lei, traz a seguinte
lógica: a) quando houver unidade diretamente afetada, impõe-se seja arrolada entre as unidades
beneficiárias, ainda que não integrante do grupo de proteção integral; b) caso não haja unidade
afetada, deverá ser criada unidade de conservação, do grupo de proteção integral, em área
determinada pelo critério do mesmo bioma ou da mesma bacia hidrográfica do empreendimento;
c) o restante dos recursos será aplicada, com base no juízo discricionário do órgão licenciador,
também nas unidades de proteção integral, nos termos do parágrafo único do artigo 9º da
resolução, mas entende-se que, caso venha a destinar recursos compensatórios a outras regiões
(atendendo ao critério preferencial de mesmo bioma ou bacia hidrográfica) deverá,
necessariamente, justificar sua opção de forma razoável e proporcional, o que não ocorreu com a
decisão administrativa ora guerreada.
Destarte, devido à possibilidade de não existir unidades de conservação ou zonas de
amortecimento afetadas pelo empreendimento, inviabilizando o atendimento do princípio da
conexão espacial, a legislação passa a priorizar áreas que possuam as mesmas funções ou os
mesmos componentes ambientais afetados, obedecendo ao princípio da conexão funcional.
Tal justificativa deve ser tecnicamente e juridicamente fundamentada e ainda deve ser
comprovada a inexistência de unidade afetada ou respectiva zona de amortecimento, uma vez
que, embora haja previsão para margem de discricionariedade na eleição da unidade de
conservação a ser contemplada quanto ao restante dos recursos, tem-se que o órgão
licenciador ainda segue adstrito às limitações de priorização da área diretamente
impactada, pois a necessária interpretação sistemática leva a crer que os recursos
provenientes da compensação ambiental devem ser aplicados nas unidades de conservação
existentes no entorno da obra e na criação de novas unidades de conservação na região
diretamente impactada.
14
Nesse sentido, importante trazer à baila apontamentos contidos na decisão proferida
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento de nº
2007.04.00.003316-4/SC, na qual a Relatora, Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, assevera em
seu bojo que:
“Fazendo uma breve leitura sobre a Resolução nº 371/2006, verifico que
procede a interpretação do Juízo monocrático quando diz que: ' não
obstante as áreas beneficiadas pelos recursos da compensação, em regra,
devam estar localizadas na região do empreendimento, o órgão
ambiental conta com certa margem de escolha, mas, caso venha a
destinar recursos compensatórios a outras regiões deverá,
necessariamente, justificar sua opção.'(fl.17)”
Grifos opostos
Conforme consta do próprio Estudo de Impacto Ambiental, ainda que falho , não
há dúvida quanto à existência de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, localizadas
dentro da área de impacto regional do empreendimento, que sofrem sim diretamente os
impactos negativos da obra. Consequentemente, devem ser (ainda que não
exclusivamente) beneficiárias da compensação ambiental prevista no artigo 36, da Lei n°
9.985/00, nos termos do seu parágrafo 3° e artigo 9 º, inciso I, da Resolução CONAMA nº
371/06, de forma preferencial e proporcional.
Mister ainda ressaltar que houve violação direta ao §3º do art. 36 da Lei de
Snuc, haja vista que o ente público nem sequer foi ouvido na fase de licenciamento,
mesmo possuindo unidades de conservação diretamente afetadas e pleiteando tal oitiva.
Ora, há expressa previsão de que o licenciamento só poderia ser concedido mediante
autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não
pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deveria ser uma das beneficiárias da compensação.
Entretanto, o IBAMA embora provocado, em momento algum ouviu o Estado do Pará
no processo de licenciamento, bem como no momento de destinação de recurso, razão pela qual
se suscita a ilegalidade praticada e requer-se a anulação da decisão administrativa ora
impugnada.
E, no que diz respeito às Unidades de Conservação Federais, a decisão do Comitê de
Compensação Ambiental ignorou manifestação do Núcleo de Gestão Integrada de Altamira, que
destacando previsão do EIA/RIMA sobre a pressão sobre as áreas protegidas da região e
afirmou que:
7. Considerando que apesar dessas constatações do EIA não existem
ações previstas no Plano Básico Ambiental para mitigar tais impactos nas
unidades de conservação afetadas, ao contrário das terras indígenas, que
contam com instrumento próprio, o PBA Indígenas, que beneficia, além
de outras, todas as TIs da Terra do Meio, limítrofes às unidades de
conservação.
8. Considerando que esses impactos reunidos tem demandado do ICMbio
significativos esforços com relação a proteção, monitoramento e
fortalecimento das cadeias produtivas e qye esses não tem sido
suficientes, devido principalmente à deficiente estrutura de recursos
humanos e materiais do NGI de Altamira.
9. Considerando que o art. 36, §3º, da Lei 9.985/2000 define que quando
o empreendimento afetar unidades de conservação, essas devem ser
beneficiárias dos recursos de compensação ambiental, seja de proteção
integral, seja de uso susrentável.
15
10. Considerando que as Unidades de conservação do NGI de Altamira
estão em fase inicial de implementação e sob imensa pressão de grandes
obras e do avanço da fronteira agropecuária, sendo suas principais
demandas atualmente a realização de regularização fundiária,
demarcação, sinalização, elaboração de Plano de Manejo de três dessas
unidades de conservação e a efetivação de ações de proteção e
monitoramento, atividades essas previstas como prioritárias para a
destinação dos recursos da compensação ambiental, conforme o art. 33
do Decreto Federal 4340/2002.
As Unidades de Conservação Federais do NGI de Altamira realizam as
seguintes manifestações:
- Defendem o entendimento de que as Unidades de Conservação da Terra
do Meio são afetadas pela UHE Belo Monte, conforme contido no seu
EIA, e que seriam, portanto, beneficiárias dos recursos de compensação
ambiental desse empreendimento, com base na lei do SNUC e demais
normativas;
- Defendem o entendimento de que o restante do recurso da compensação
que não for direcionado às Umidades de Conservação afetadas deve ter
como base de aplicação a bacia hidrográfica do Rio Xingu, com base na
extensão dessa bacia, na área de abrangência do empreendimento e no
significativo número de unidades de conservação existentes na mesma;
- Solicitam a participação efetiva dos gestores das Unidades de
Conservação do NGI de Altamira nas discussões do Comitê de
Compensação Ambiental Federal relaticas à UHE Belo Monte, a fim de
aportar informações do contexto local dessas unidades e levar as
demandas das populações tradicionais e instituições locais. (Memorando
90/2013/NGIAltamira/CR3/ICMbio)
Se resta inequívoco que o fundamento da compensação ambiental é a
impossibilidade de neutralização dos impactos ambientais negativos e que, para tanto, no caso
em tela, foram destinados R$126.325.739,01; se é certo que há efeitos ambientais negativos que
incidem nas áreas de influência direta e indireta do empreendimento, a ponto de lhes ser
destinado o montante de R$126.325.739,01, para fins de compensação dos danos; se é certo,
ainda, que nessas unidades de conservação há impactos não neutralizáveis, como justificar
uma decisão que não lhes destine verbas significativas de compensação?
Em síntese, verificam-se as seguintes questões: a) não houve priorização da área
afetada, muito menos a preferência pelas unidades situadas na mesma bacia hidrográfica do
empreendimento, a Bacia do Rio Xingu, b) não houve a oitiva do ente público estadual no
processo de licenciamento da usina, assim como no processo de destinação do recurso em
total afronta ao art. 36, §3º, da Lei de Snuc e, c) foi desconsiderada a manifestação do NGI
do ICMbio em Altamira, que afirmou a necessidade do aporte dos recursos da compensação
ambiental da UHE Belo Monte para as áreas protegidas da região.
Não resta dúvida, Excelência, quanto à necessidade de revisão da decisão
administrativa pelo poder judiciário.

16
3.3. JUSTIFICATIVA TÉCNICA PARA CONTEMPLAÇÃO DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO SITUADAS NO ESTADO DO PARÁ.
Uma das condições sine qua non à compreensão de qualquer temática no que tange às
questões ambientais é a observância ao conceito de ecossistema. Um conceito consagrado pela
comunidade científica estabelece que:
“Ecossistema é qualquer unidade que inclua a totalidade dos
organismos de uma determinada área, interagindo com o
ambiente físico de forma que o fluxo de energia entre seus
elementos conduza a uma estrutura trófica, a uma diversidade
biótica e a uma ciclagem de matérias entre componentes vivos
e não-vivos” (Fundamentos de Ecologia2, Eugene ODUM,
2004).
Apenas para se ter uma ideia da complexidade inerente a um ecossistema, Odum
(1969) descreveu 24 atributos para determinar o estágio de amadurecimento dos ecossistemas.
Com o aperfeiçoamento das análises das chamadas redes tróficas, outras formas de pensamento
sobre amadurecimento de ecossistemas surgiram, sendo possível atualmente quantificar o estágio
de evolução de um ecossistema através das chamadas propriedades emergentes, que não podem
ser determinadas quando estudamos os compartimentos em separado. As propriedades
emergentes só adquirem sentido, isto é, só "emergem" quando os componentes estão
interligados (ANGELINI, R. 2010)3.
O que toda esta fundamentação teórica demonstra é que o funcionamento dos
componentes que garantem a vida em um dado espaço está fortemente interligado por leis
naturais, não permitindo qualquer compreensão lógica, senão pela via da sinergia e, sobretudo, da
interdependência entre estes componentes.
Dessa forma, a concepção e a análise de licenciamento de um empreendimento de
tamanha magnitude, cujos impactos ocorrem no decurso de um Rio de 3ª Ordem, não podem
assumir a negligência/displicência de se fazer compreender com olhar apenas local ou periférico
ao local.
Antes, é dever se fazer compreender com base numa escala regional, cujo recorte de
Bacia Hidrográfica é, do ponto de vista técnico, indubitavelmente o mais adequado. Logo, ao se
haver constatado a existência de nada menos do que 11 (onze) Unidades de Conservação no
decurso desta Bacia Hidrográfica, não apenas se torna ainda mais clara a
desproporcionalidade na distribuição dos recursos de Compensação Ambiental da UHE
Belo Monte, como também tem-se que sua destinação não levou em conta a compreensão de
que estas UCs são diretamente afetadas pelo empreendimento, motivando esta ação judicial.

2 Disponível em: https://intranet.ifs.ifsuldeminas.edu.br/~luiza.martins/Ecologia%20Geral/fundamentos


%20de%20ecologia%20odum.pdf

3 Artigo "Ecossistemas e Modelagem Ecológica” (Universidade de São Paulo – USP, 2011), disponível em:
http://www.ib.usp.br/limnologia/Perspectivas/arquivo%20pdf/Capitulo%201.pdf

17
Em se considerando a natureza do empreendimento e a intensa variabilidade na
vazão do Rio Xingu ao longo do ano (atestada pelo próprio EIA/RIMA), tem-se que a área
impactada pelo empreendimento está muito além do que tão-somente pode se considerar
como impacto local. Isto porque a extensão da Bacia Hidrográfica do Xingu (mapa acima),
cuja dinâmica tanto a montante (em especial, por alagamentos de área) quanto a jusante
(contenção do fluxo natural) dos barramentos da UHE Belo Monte está na iminência de ser
claramente alterada, provocando impactos de toda ordem na população de fauna e flora –
bem como nos afluentes e suas respectivas biotas – ao longo do Rio Xingu. A abrangência
regional dos impactos se torna mais nítida quando se avalia o próprio EIA/RIMA, no volu-
me que trata da Avaliação de Impactos Ambientais da obra. Por exemplo, o impacto “Perda
de Espécies pela Conversão de Hábitat-chave para a Ictiofauna”, volume 31, página 64,
quadro 10.4.3-18, já demonstra que caracterização do impacto no quesito “Abrangência” é
classificado como “Regional”.
Assim como este, os impactos “14. Alteração de Comunidades Faunísticas”, “16. Per-
da de Diversidade de Fauna”, “20. Fragmentação de Populações – metapopulações ou eliminação
de espécies intolerantes à Perda de Conectividade Lateral ou Longitudinal entre Hábitats-Chave”,
“22. Alterações nos Padrões de Pesca Devido às Mudanças nas Comunidades de Peixes Decor-
rentes de Perturbações Diretas ou Indiretas nos Habitats”, “23. Alterações nas Repartições de Be-
nefícios da Explotação Pesqueira”, “39. Possibilidade de Ocorrência de Sismicidade Induzida”,
“42. Alteração na Paisagem”, “43. Inundação Permanente dos Abrigos Da Gravura e Assurini”,
“45. Perda de Referências Socioespaciais e Culturais”, “50. Possibilidade de Fuga D’Água”, “53.
Perda de Praias e Áreas de Lazer”, “Erosão à Jusante da Casa de Força Principal” (vol. 31, p.
160) também são caracterizados como “Regionais”, o que reforça a tese de que os impactos ambi-
entais causados pela obra transcendem o caráter local.
Outro ponto crucial a evidenciar que o impacto extrapola o definido em EIA/RIMA é
a descomunal variação na vazão do rio Xingu ao longo do ano e, portanto, o risco da geração con-
tínua de energia. O fato de o Rio Xingu, em determinado momento do ano, ter vazão quase 20 ve-
zes menor do que no período de cheia, evidencia que são necessários reservatórios ainda maiores
e mais impactantes do que rios com menor variação de vazão, como forma de evitar a desconti-
nuidade. Isso também reforça a tese de que o impacto apontado no EIA/RIMA é subestimado em
relação à realidade do que ocorre.

“No período seco, a quantidade de água que corre no rio é bem


menor do que na cheia (em média é menos do que 5 por cento da
quantidade de água que normalmente corre pelo rio Xingu no
período chuvoso).”
18
O Instituto Socioambiental - ISA 4, organismo não-governamental que publicou
dossiê sobre os efeitos da instalação da UHE Belo Monte, o qual segue em anexo, elencou vários
impactos negativos da implantação da UHE na região, dentre os quais destacam-se: a supressão
de aproximadamente 20.160 ha de vegetação para implementação da UHE; ausência de
diagnóstico adequado que levou a não definição de medidas mitigáveis às populações ribeirinhas;
a usina praticamente seca o Rio Xingu ao desviar até 80% da vazão hídrica para o reservatório de
geração de energia; ausência de estudos sobre as UCs da Terra do Meio entre outros. Ou seja,
tudo leva a crer a total deficiência do EIA/RIMA que deixou de analisar áreas totalmente
influenciadas pelo empreendimento por sua própria natureza.
Assim, ao se considerar o caráter que motiva a existência do mecanismo de
Compensação Ambiental, e diante de tantos danos ocasionados para região que não foram
mitigados, é coerente e proporcional que maior parcela do recurso precisa ser aportada para
Unidades de Conservação de Proteção Integral (Lei Federal nº. 9985/2000, art. 36, caput) e de
Uso Sustentável (Lei Federal nº. 9985/2000, art. 36, §3º) existentes naquela região, conforme
exaustivamente exposto.
Veiculou-se na imprensa nacional que a justificativa técnica da Câmara de
Compensação Federal para aportar recursos para o parque situado no Mato Grosso seria a
intenção de conter o agronegócio na região, proteger espécies em extinção e promover a
regularização fundiária na região mato-grossense.
Ocorre que tais justificativas técnicas não fazem frente as fundamentações técnicas
para contemplação das unidades de conservação presentes na região do empreendimento. Para
além do já demonstrado, destaque-se:
Primeiramente, faz-se referência à Floresta Estadual do Iriri e a Área de Proteção
Ambiental Triunfo do Xingu, ambas sob a gestão do Estado do Pará, localizadas nos municípios
de Altamira e São Felix do Xingu, consideradas diretamente afetadas pelo empreendimento (e
ainda estão na mesma bacia hidrográfica).
Tais UCs ainda não possuem seus planos de gestão por carência de recursos para esse
fim, sofrem pressão diária de desmatamento e exploração de madeira ilegal. A APA Triunfo do
Xingu é a unidade de conservação que mais padece com o desmatamento no Brasil, o que
por si só já ampara o pleito para maior alocação de recurso.
Necessitam de infraestrutura para realização de fiscalização e monitoramento, não
possuem base física para gestão e monitoramento local, além de funcionarem como zona de
amortecimento/proteção de UCs de Proteção Integral como a Estação Ecológica Terra do Meio e
Parque Nacional Serra do Pardo, ambas de gestão da União e que também foram contempladas
com pouco recurso pela decisão ora impugnada.
Destaque-se que a Estação Ecológica da Terra do Meio é a segunda maior unidade de
conservação do Brasil, com área superior a 3 milhões de hectares. Trata-se da área da mais alta
proteção conferida pelo SNUC e localizada no coração de um mosaico de áreas preservadas, que
somam terras indígenas, reservas extrativistas, floresta nacional e estadual, área de proteção
ambiental e um parque nacional. Mas, não obstante isso, essa unidade ainda não teve sua
regularização fundiária concluída, mantendo-se intactas vastas áreas de fazendas, com colonos e
grileiros, absolutamente incompatíveis com os objetivos da Unidade. A desintrusão completa dos
moradores não tradicionais da Estação Ecológica da Terra do Meio deveria ter sido a ação
prioritária para os recursos de Compensação Ambiental da UHE Belo Monte. E, segundo dados

4 - MPF apresenta resultado de inspeção em Belo Monte ao governo federal – Instituto Socioambiental –
ISA. Notícia publicada no sítio da internet na terça-feira, 16 de Junho de 2015. Endereço:
(https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-xingu/mpf-apresenta-resultado-de-inspecao-em-belo-monte-ao-
governo-federal)

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apresentados pelo conselho gestor da Estação Ecológica da Terra do Meio, em “Moção de
Repúdio à distribuição dos recursos da Compensação Ambiental da UHE Belo Monte” (anexa),
para ação efetiva de regularização fundiária, demarcação física e fiscalização da ESEC da Terra
do Meio seriam necessários cerca de R$ 93 milhões. Não obstante isso, essa unidade estaria
sendo contemplada com R$ 4milhões, tão somente.
Vale a leitura do Ofício 114/2015/EETM/NGI, no qual o chefe da Estação Ecológica
da Terra do Meio comunica as demandas da unidade e pede apoio ao Ministério Público Federal:
“A situação fundiária da Estação Ecológica da Terra do Meio é uma das
mais complexas envolvendo populações tradicionais e pequenos
agricultores e merece atenção especial desse Instituto e conta com o apoio
de sua instituição para solução de problemas que se arrastas a mais de
uma década”
Ademais, pelo que se verificou da decisão, R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de
reais) serão destinados para regularização fundiária do Parque da Juruena, em total desvantagem
da área impactada que recebeu escasso recurso para sanar incalculáveis problemas de ordem
fundiária, ambiental e social!
O fato de o PARNA Juruena ter sido escolhido para ser contemplado com tamanha
monta de recurso por ter quase 20 mil Km² de extensão não o torna mais especial ou relevante do
que o conjunto de unidades de conservação que está a apenas 143 Km de distância do
empreendimento. A própria Estação Ecológica Terra do Meio, que é uma unidade de conservação
de proteção integral gerida pelo governo federal, possui mais de 30 mil km² de extensão, é
refúgio de espécies ameaçadas como a coata da testa branca e constantemente pressionada, não
apenas pelo desmatamento e exploração ilegal de madeira, mas pelas novas frentes de
desmatamento criadas a reboque da construção da UHE Belo Monte.
O mesmo ocorre com a onça pintada, que muito embora citada no caso do PARNA
Juruena (fonte: site ICMBio), é também encontrada no interior do PARNA Serra do Pardo,
situado ao lado da ESEC Terra do Meio, frente à Terra Indígena Apyterwea, em área afetada, a
140 km de Belo Monte, devendo portanto, merecer tratamento prioritário, inclusive por se tratar
de unidade de proteção integral.
Para além disso, há a previsão no EIA-RIMA de criação de novas Unidades de
Conservação na região de impacto da UHE Belo Monte, inclusive de um corredor ecológico
ligando as áreas protegidas da Volta Grande do Xingu, ação que poderia ser viabilizada com os
recursos da Compensação Ambiental ora questionada.
Cumpre destacar que, ao final da Avaliação de Impactos Ambientais empreendida
pelo EIA/RIMA da UHE Belo Monte, reconhece-se entre as páginas 10 e 14 do Capítulo
“Prognóstico Global” que a área de ocorrência do mosaico configurado por Unidades de
Conservação e Terras Indígenas sofre forte e crescente pressão de frentes de ocupação, em
geral relacionadas à exploração madeireira ilegal e atividades de pecuária e agricultura
extensiva, apontando que inclusive, este conjunto de Áreas Protegidas é responsável por
frear o ímpeto das atividades irregulares.
Ressalte-se, por fim, que nem mesmo a eventual alegação de que o PARNA Juruena
tem função vital na formação da bacia do rio Tapajós, mais propriamente do Alto Tapajós, teria
qualquer efeito concreto justificador da decisão administrativa e isto por dois motivos essenciais:
o primeiro em razão de tratar-se de bacia e ecossistema que não sofrem impacto da UHE Belo
Monte e, sob o aspecto financeiro, por se saber que vários empreendimentos hidrelétricos, de
portes diversos, estão em implantação ou planejados para a região, o que garante recursos de
compensação ambiental decorrentes de outros licenciamentos.

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Isto corrobora fielmente com o apresentado nesta peça, acerca do essencial aporte de
recursos de Compensação Ambiental nessas áreas, como ferramenta à melhoria do grau de
implementação de áreas protegidas e manutenção das condições ambientais que não apenas
mantém a existência das populações humanas na região, como também resguardam a qualidade
dos corpos hídricos que sustentam a matéria-prima de empreendimentos hidrelétricos, nesse caso,
a UHE Belo Monte.

3.4. DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E


PROPORCIONALIDADE COMO META NORMA. DA NECESSÁRIA REVISÃO DA
DECISÃO ADMINISTRATIVA IMPUGNADA. DA DESPROPORCIONALIDADE NA
DESTINAÇÃO DOS RECURSOS. PRECEDENTE DO TCU.
Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos na obra O começo da história: a nova in-
terpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro, in Virgílio Afonso da Sil-
va (org.), Interpretação Constitucional, p.314 ensinam que:
“A nova interpretação constitucional assenta-se em um modelo de princí-
pios, aplicáveis mediante ponderação, cabendo ao intérprete proceder à
interação entre fato e norma e realizar escolhas fundamentadas, dentro das
possibilidades e limites oferecidos pelo sistema jurídico, visando à solu-
ção justa para o caso concreto. Nessa perspectiva pós-positivista1 do Di-
reito, são ideias essenciais a normatividade dos princípios, a ponderação
de valores e a teoria da argumentação”.
Grifado
A regra da proporcionalidade, desenvolvida, a partir da década de 1950, pelo Tribunal
Constitucional Alemão, foi instituída como um método de interpretação e aplicação dos direitos
fundamentais, empregada particularmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover
a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outros
direitos fundamentais.
De acordo com a doutrina alemã defendida por Robert Alexy, ela seria composta por
três sub-regras, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Adequada
seria a medida capaz de fomentar, e não obrigatoriamente atingir determinado fim; necessária,
aquela que, quando comparada a outras tão eficazes quanto, restringisse em menor escala o direi-
to fundamental violado; e proporcional em sentido estrito a medida que promovesse a realização
de um direito fundamental mais importante que o que com ele colide. 5
A partir disso, a proporcionalidade passou a ser utilizada por diversos países.
A importância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade mostram-se
ainda mais evidente quando se põe em pauta atos que possuem margem de discricionariedade da
administração pública diante de dispositivos abertos e abstratos, mas que devem estar adstritos as
necessidades coletivas.
Antônio José Calhau Resende, em sua obra O princípio da Razoabilidade dos Atos do
Poder Público, Revista do Legislativo, Abril, 2009, afirma que, se remanescer na norma certa

5 “Segundo a definição básica da teoria dos princípios, princípios são normas que permitem que algo seja
realizado, da maneira mais completa possível, tanto no que diz respeito à possibilidade jurídica, quanto fática.
Princípios são nesses termos mandatos de otimização (Optimierungsgebote). Assim eles podem ser satisfeitos em
diferentes graus. (...) As colisões de direitos fundamentais devem ser consideradas segundo a teoria dos princípios,
como uma colisão de princípios”. Alexy, Robert. Colisão e ponderação como problema fundamental da dogmática
dos direitos fundamentais. Palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, traduzida por Gilmar Ferreira
Mendes, em 10.12.98. p.11.

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margem de opção para o agente efetivar a vontade abstrata da lei, a autoridade deverá adotar a
melhor medida para o atendimento da finalidade pública.
Mencionado autor prossegue seus ensinamentos afirmando que, apesar da margem de
escolha, esta discricionariedade por parte do agente não pode resultar em atitudes incoerentes,
desconexas e desprovidas de fundamentação. Devendo, portanto, haver adequação ou proporcio-
nalidade entre o motivo e a finalidade, sob pena do ato administrativo ser objeto de invalidação
pela própria administração ou pelo Judiciário.
E é justamente nesta intenção que a presente ação encontra respaldo jurídico.
Veja, não se questiona a destinação do recurso em si para unidade de conservação localiza-
da no Estado do Mato Grosso. O que se insurge é o valor desproporcional e desarrazoado
da destinação do recurso! É totalmente descabido, sem justificativa de ordem técnica, jurídica,
socioambiental o direcionamento para a UC de Juruena, ao passo que as unidades de conservação
localizadas no Estado do Pará, situadas na zona de influência do empreendimento, possuem todas
as razões para percepção do recurso e ainda sofreram diretamente os impactos não mitigáveis e as
mazelas da UHE Belo Monte.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem utilizado o crivo da proporcionalidade e
da razoabilidade em alguns de seus julgados, sendo emblemática a apreciação da Adin n. 855-
2/PR, em 1993. Na ocasião, esses critérios foram cabalmente aplicados, inaugurando-se, naquela
Corte, o expresso reconhecimento dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade em nosso
Direito Constitucional.
Ainda, o TCU em Relatório de nº TC 014.293/2012-9 aduziu a prevalência ao
princípio da razoabilidade, que consiste em agir com bom senso, prudência, moderação, tomar
atitudes adequadas e coerentes, levando-se em conta a relação de proporcionalidade entre os
meios empregados e a finalidade a ser alcançada quando da destinação de tais recursos. In verbis:
“Consoante estipulado na Lei do Snuc e nos decretos que a
regulamentam, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e a
manutenção de UC do grupo de proteção integral e quando o
empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de
amortecimento, mesmo que não seja do grupo de proteção integral, esta
deverá ser contemplada. Em observância ao princípio da
razoabilidade, que consiste em agir com bom senso, prudência,
moderação, tomar atitudes adequadas e coerentes, levando-se em
conta a relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a
finalidade a ser alcançada, bem como as circunstâncias que envolvem
a prática do ato (RESENDE), os recursos deveriam ser aplicados em
região próxima de onde ocorreu o impacto.
Grifos opostos
Por todo exposto, demonstra-se a total desproporcionalidade da destinação do recurso
oriundo da compensação ambiental, motivo pelo qual merece ser anulada a decisão
administrativa impugnada.
Considerando que a UHE Belo Monte acarretou modificações brutais no rio
Xingu, com a perda definitiva de ecossistemas e incerteza de condições para permanência
de grupos tradicionais centenários - é evidente e não apenas razoável - que a magnitude dos
impactos da hidrelétrica, ainda não completamente mensurados, indicam que os recursos de
compensação ambiental deste empreendimento deveriam ser na sua integralidade utilizados
para compensar os impactos negativos não mitigáveis da própria hidrelétrica.

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4 . DA NECESSIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA
De acordo com o artigo 300 e seguintes do Novo Código de Processo Civil:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir
caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a
sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente
não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação
prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

No que se refere à probabilidade do direito, restou amplamente demonstrada as


violações aos dispositivos legais e ao princípio da proporcionalidade, mediante provas
documentais e manifestações oficiais do processo de licenciamento ambiental da UHE Belo
Monte.
No que se refere ao perigo de dano, os recursos destinados à compensação
ambiental da hidrelétrica, de R$ 126.325.739,01, atualizados em R$ 135.088.387,06 estão
previstos para serem depositados até o dia 28 de abril de 2016, segundo cláusula 5ª do Termo
de compromisso para o Cumprimento de Compensação Ambiental n. 10/2015 celebrado entre
ICMbio e a Norte Energia, cuja cópia segue em anexo. É evidente que, uma vez
disponibilizados os valores de compensação em favor do ICMbio e iniciada a destinação
prevista, torna-se impossível a reversão dos recursos em favor das Unidades impactadas
localizadas no Estado do Pará.
De outro lado, o risco do resultado útil do processo está presente no fato de que
se a verba de compensação ambiental foi integralmente utilizada em localidade diversa,
frustrada restará sua aplicação, ainda que parcial, em programas de recuperação do meio
ambiente das unidades de conservação afetadas na região onde o empreendimento está
localizado.
No tocante às medidas de urgência, Marcus Vinicius Rios Gonçalves bem define:
“Tem sido grande a preocupação do legislador com as chamadas
tutelas de urgência, imprescindíveis para a efetividade do processo.
Elas preservam o resultado e evitam que o réu possa aproveitar-se da
demora para auferir vantagens indevidas. A ampliação das hipóteses
de cabimento é prova inequívoca dessa preocupação do legislador. As
cautelares são fundamentais para afastar o risco decorrente da
demora; incluem-se com as antecipadas, entre as espécies do gênero
‘tutelas de urgência’” (GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo
Curso de Direito Processual Civil – Volume 3. Páginas 241- 272.)
Grifos opostos
Considerando que já houve manifestação da Concessionária Norte Energia no
sentido de que fará o depósito dos valores da Compensação Ambiental da UHE Belo
Monte em meados de abril, assim como toda a demonstração documental que se acostou à
petição inicial, requer-se a concessão da tutela de urgência no sentido de determinar a
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suspensão da destinação das verbas da compensação ambiental , na parcela aqui
tornada controvertida (a aplicação fora dos limites do Estado do Pará, desvinculada da
demonstração de impacto decorrente do empreendimento), orde nando aos réus que não
deem seguimento a qualquer procedimento que resulte no dispêndio de valores decorrentes
da compensação ambiental.
Portanto quer pela ótica da urgência, quer pelo prisma da ausência de prejuízo,
necessária a concessão liminar de tutela de urgência no sentido de obstar a imediata aplicação
dos recursos da compensação ambiental .
Ademais, tendo em vista a magnitude e a velocidade dos impactos da UHE Belo
Monte, que já obteve licença para operar, o resultado útil do processo depende de imediata
revisão da destinação dos recursos , que não pode aguardar o provimento final.
Vale destacar que inexiste no presente caso perigo de irreversibilidade dos efeitos
da decisão, uma vez que apenas se visa de imediato a evitar disponibilização dos valores para
uso indevido, este sim irreparável.

5. DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, uma vez demonstrada a violação às normas legais
aplicáveis e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o perigo de dano
irreparável e risco ao resultado útil do processo, o Estado do Pará e o Ministério Público Federal
requerem:
1. Tutela de Urgência, com base no art. 300 e seguintes do Novo
Código de Processo Civil e no art. 12 da Lei 7347/1985, para que:
1.a. seja concedida limi narmente, independente de justificação
prévia, base no art. 9º, parágrafo único, I, do Novo Código de Processo
Civil, ordem para a suspensão da destinação das verbas da
compensação ambiental da UHE Belo Monte , na parcela aqui
tornada controvertida, de R$ 92.000.000,00 destinados ao Parque
Nacional da Juruena, determinando-se à concessionária Norte
Energia o depósito em juízo do recurso em apreço, com o fito de
garantir a utilidade do processo.
1.b. caso a concessionária Norte Energia já tenha efetuado o pagamento
da compensação ambiental, seja concedida limi narmente,
independente de justificação prévia , com base no art. 9º, parágrafo
único, I, do Novo Código de Processo Civil, ordem para que o
ICMbio não destine os valores de R$ 92.000.000,00 ao Parque
Nacional da Juruena e promova o imediato depósito em juízo dos
referidos recursos.
c) seja determinado aos réus a elaboração de novo Plano de Destinação
dos Recursos de Compensação da UHE Belo Monte, para o montante
de R$ 92.000.000,00, no prazo de 120 dias, o qual deverá, em respeito
às normas legais aplicáveis e ao princípio da razoabilidade, priorizar a
região impactada pela hidrelétrica e a bacia hidrográfica do rio Xingu.
2. Sejam citados os requeridos, para que apresentem defesa no prazo
legal.
3. No mérito, seja julgada totalmente procedente a ação, com
fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil de
2015, para que, confirmadas as tutelas de urgência concedidas:
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3.1. Seja anulada parcialmente a decisão do Comitê de
Compensação Federal - CCAF, proferida na 29ª Reunião, em
31/07/2014, no que se refere à destinação de R$ 92.000.000,00 da
Compensação Ambiental da UHE Belo Monte ao Parque Nacional
de Juruena, localizado no Estado do Mato Grosso, a fim de que a
integralidade dos valores da Compensação Ambiental da
hidrelétrica sejam aplicados em unidades de conservação
impactadas localizadas no Estado do Pará, segundo novo Plano de
Destinação de Recursos, a ser elaborado em respeito às normas legais e
ao princípio da razoabilidade.
3.2. Em não sendo acolhido o pedido anterior, requer,
subsidiariamente, seja parcialmente anulada a decisão do Comitê
de Compensação Federal - CCAF, proferida na 29ª Reunião, em
31/07/2014, no que se refere à destinação de R$ 92.000.000,00 da
Compensação Ambiental da UHE Belo Monte ao Parque Nacional
de Juruena, localizado no Estado do Mato Grosso, a fim de que a
maior parte dos valores da Compensação Ambiental da
hidrelétrica sejam aplicados nas unidades de conservação
impactadas localizadas no Estado do Pará, mediante novo Plano
de Destinação de Recursos a ser elaborado em respeito às normas
legais e ao princípio da razoabilidade, priorizando a região impactada
pela hidrelétrica e a Bacia Hidrográfica do rio Xingu.
f. A condenação dos demandados ao pagamento das custas processuais,
honorários advocatícios e demais verbas de sucumbência;
g. Dispensa de pagamento de custas e outros encargos, em
vista do artigo 18, da lei nº 7.347/85.

Protesta pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em


especial da oitiva das testemunhas, ressalvando a possibilidade de apresentação de outros
documentos que se fizerem necessários no transcorrer do processo, caso estes venham a
surgir após a propositura da presente ação.
Dá-se à causa o valor de R$ R$ 92.000.000,00.

Altamira, 04 de abril de 2016.

CRISTINA MAGRIN MADALENA THAIS SANTI CARDOSO DA SILVA


Procuradora do Estado do Pará Procuradora da República

Anexos:
a) Cópia da reportagem publicada na Revista Época edição 02/2016;
b) Manifesto popular em face da UHE Belo Monte;
c) Cópia Ofício n. 35689/2015 /NEL;
d) Cópia Ofício IDEFLOR- Bio n. 239/2015;
e) Cópia Ofício 02001.011812/2015-91 CCOMP/IBAMA;
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f) Cópia Ofício 02001.012176/2014 -33 CCOMP/IBAMA;
g) Ata da Reunião Ordinária CCAF de 31.07.2014;
h) Termo de Compromisso para Cumprimento de Compensação Ambiental de n. 10/2015;
i) Relatório de Impacto Ambiental da UHE Belo Monte;
j) CD com o Estudo de Impacto Ambiental da UHE Belo Monte;
k) Mapas cartográficos da região e da área de impacto do empreendimento;
l) 4 Pareces com manifestações técnicas sobre a UHE Belo Monte
m) Nota Técnica 01/2015-NGI Altamira/CR3/ICMbio
n) Memorando 90/2013/NGI Altamira/CR3/ICMbio
o) Ofício 190/2015-RRX/NGI/CR3/ICMbio
p) Parecer Técnico 21/CMAM/CGPIMA de 2009 (mídia digital)

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