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MÁTIlESIS 5 1996 293-323
PENAS DE ÍNDIO:
A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE
PORTUGUESA
2Vítor Serrão foi o primeiro a fazer esta leitura (1991: 51), corroborada por alguns
e questionada por outros (Cf. Dias, 1992: 26 e Rodrigues, 1992: 68).
3Embora a relação entre o chapéu profusamente emplumado do ocupante do
barco, o cocar do índio-Baltasar de Grão Vasco e a roupa coberta de penas do figurante
da cena do Inferno seja bastante subjectiva, é possível que as penas "a mais" na
iluminura tenham a ver com o entusiasmo dos europeus de Quinhentos pelos canitares
do Novo Mundo. Achamos, no entanto, exagerado chamar índio à figurado bas de page:
"Na iluminura 'em estudo, esse homem [o tradicional homem silvestre] é, pois,
substituído pelo índio timoneiro do barco, numa viva demonstração da novidade sentida
pelos portugueses em contacto recente com os ameríndios" (Markl1983: 90).
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 295
9nPains qu' ils sont ainsi, encor se parent ils deduvet, sçavoir du plus petit et fin
plumage d ' oyseau, qu 'ils appliquent sur ladite gomme, depuis la teste jusque aux pieds:
lors c ' est un plaisir de contempler ces gentils Perroquets de Sauvages, que vous diriez
estre tous revestus de fine escalatte rouge: et ont aussi de plus grands plumes, dont ils
s'en ceignent et environnent les testes" (Thevet, 1953: 10l). Léry faz descrição
parecida: "Além disso criam os nossos americanos grande quantidade de galinhas
comuns, cuja raça foi imroduzida pelos portugueses. Depenam as brancas e com
instrumentos de feITo (antes de os terem com peças aguçadas) picam bem miúdo o
frouxel e as penas pequenas; depois fervem e tingem de vermelho com pau-brasil e,
esfregando o corpo com certa resina apropriada, grudam-nas em cima, ficando assim
vermelhos e emplumados como pombos recém-nascidos". (Léry, 1980: 114-115).
10"[ ... ] depois com pó vermelho aspergem a cabeleira, na fronte porém aplicam
penas brancas; finalmente pintam a face com várias cores assim como o resto do corpo;
mas nas costas atam uma faixa feita de folhas semelhante à cauda e nos braços asas de
um pássaro que chamam Koselug, e do mesmo modo amaITam em tomo da cabeça penas
vermelhas (Marcgrave, 1942: 282).
Iler também Gómara, 1568: cap. 76.
300 MARIA APARECIDA RIBEIRO
pés, enfeites que os índios brasi-leiros não usavam. E a figura não está
sequer descalça como um dos crí-ticos comenta: usa sandálias. Apenas o
enfeite da cabeça e a flecha têm a ver com um cocar dos índios brasileiros,
descritos não só por Caminha, mas por Hans Staden, por Léry, Marcgrave
ou por Simão de Vasconcelos 12 • Hibridismo resultante de informações
cruzadas?
Talvez sim, talvez não. No painel de azulejos referido em nota anterior,
pertencente à igreja de Nossa Senhora do Rosário, possivelmente uma da
primeiras produções da Fábrica do Rato (Lisboa) para ser montado no
Brasil, a figura que substitui Baltasar também possui cocar indígena, vem
sem barbas, é mais escuro que os outros dois reis, mas está inteiramente
vestido à oriental. E são os três camelos que fazem fundo à Adoração. No
entanto, quase dois séculos separam este painel do de Viseu. Seria o índio
brasileiro ainda tão desconhecido dos pintores portugueses? Que contacto
teria o criador destes azulejos com o Evangelho Arménio da Infância? Que
confusões faria entre índios e Índias? Conheceria ele a Adoração de Grão
Vasco? O problema da presença de um Baltasar diferente no painel de Viseu
parece poder ter seguido outros caminhos relacionados ou não com D.
Diogo Ortiz.
12Diz Staden, 1988: 172: "Têm mais um ornato feito de penas vennelhas, a que
chamam Kannitare e que amarram em volta da cabeça". O mesmo ornamento é assim
descrito por Léry: "Quanto ao ornato da cabeça, além da coroa de frade e da guedelha
na nuca a que me referi, os tupinambás amarram penas de aves encarnadas ou de outras
cores, tiradas das asas de certas aves, em frontais muito semelhantes aos que costumam
usar as senhoras em França, parecendo até que se tenham inspirado nesta invenção cujo
nome entre os selvagens é jempenambi" (Léry, 1980: 115).
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 301
precisar: bastava que se opusesse ao eu, mesmo numa pintura realista como
a de Vasco Fernandes \3 •
O frontispício da Notícia dosfeitos recentes dos portugueses na Índia,
Etiópia e outras terras do Oriente, enviada pelo sereníssimo D. Manuel ao
reverendíssimo Gonçalo, bispo do Porto, cardeal de Portugal e da Igreja
Romana, e por mandado do mesmo cardeal publicada na cidade de Roma,
depois de zelosamente corrigida pelo capelão do referido senhor cardeal,
o digno senhor Pedro Afonso Malheiros 14 , dá conta dessa confusão: vem
ilustrado com um casal de índios brasileiros, quando trata apenas do
Oriente. O índio, de barba e cabelos compridos, apresenta-se de cocar e
tanga de penas, além de adereços de penas pouco abaixo dos joelhos. Nas
mãos, um arco. A figura feminina vem nua, tem cabelos compridos e
esvoaçantes, segura uma flor com que encobre o sexo. Bem poderia ser a
Vénus de Botticelli, não fosse o seu companheiro ornado de penas. De data
próxima é uma série de três gravuras em que o "brasileiro" substitui o
indiano: fazem parte do cortejo do imperador Maximiliano I, representado
no Arco do Triunfo e foram produzidas entre 1517/1519, por Hans
Burgkmair, o Velho, que as denominou "Povos de Calecute", mas desenhou
índios.
O mesmo reverso da medalha pode ser visto no século XVIII, na
Capela de São Francisco de Assis (Perre, Viana do Castelo): os azulejos
mostram São Francisco Xavier pregando a índios com penas na cabeça (cf.
Simões, 1979: 91). A razão desta troca pode ser, como algumas das
anteriores, a confusão entre imagem e origem. Mas pode também expressar
um exemplo e um desejo. Na Relação da Missão da Serra da Ibiapaba, o
padre António Vieira, ao contar que São Francisco Xavier foi tomado como
padroeiro da missão evangelizadora a ser desenvolvida, anota:
13É curioso a esse respeito ver a oposição entre Cristandade (= Europa) e Índias
(= Outro) feita por Goneville, normando que esteve no Brasil em 1504 e de quem
voltaremos a falar, na sua Relação, cujo manuscrito foi estudado e traduzido por Leyla
Perrone-Moisés: "E porque era costume daqueles que chegam às novas terras das Índias
levarem delas à Cristandade alguns índios ... " (Perrone-Moisés, 1992: 60) A partir de 3
de Julho de 1504, quando Goneville deixa o Brasil, passa a chamar a parte em que esteve
Índias Meridionais (possivelmente Santa Catarina).
14'frata-se da Gesta proxime p Portugalefí in lndia. Ethiopia & alijs oriytealibus
terris, a serenissimo Emanuele portugalie rege ad R. d. d. G. epm portuefí. sacroscteRo.
eccl'ie {. .. ], publicada em Nuremberga, em 1507, por João Weyssenburger.
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arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros
delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que - eu creio - o
Capitão a Ela há-de enviar" (Cortesão, s.d.: 169).
19 "Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar
na costa. Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava
na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave,
compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de
papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem
parecer de aljaveira, as quais peças creio que o capitão manda a Vossa Alteza, e çom isso
se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar."
(Cortesão, s.d.: 158-159).
"Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam,
papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças
de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso,
segundo Vossa Alteza todas estas cousas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar,
segundo ele disse." (Cortesão, s.d.: 168). São esses mesmos enfeites que impressionam,
anos depois, André de Thevet e Jean de Léry, como atrás já foi referido.
304 MARIA APARECIDA RIBEIRO
um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E
andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como
cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui
basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
(Cortesão, s.d.: 159).
2°Haja vista o trecho atrás citado, em que o índio, com penas pregadas no corpo,
ou envolvido em manto de penas, era comparado por Caminha a S. Sebastião. Também
são de considerar os inúmeros trechos em que o escrivão fala da pintura dos corpos de
índios e índias, chegando mesmo a descrever o urucum, um dos frutos que lhes fornecia
a tinta.
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 305
2.4. Se o índio "em pessoa", com os seus adereços, pôde ser visto por
letrados e iletrados, um número possivelmente maior de europeus contactou
com o selvagem do Novo Mundo através da literatura e das suas ilustrações.
A carta de Colombo aos reis de Espanha, cujo original parece ter-se perdido,
foi traduzida e apareceu sucessivamente, a partir do próprio ano de 1493,
em muitas edições que incluíam xilogravuras. Em todas elas os índios
aparecem nus, ou quase, apesar de haver algumas informações iconográ-
ficas imprecisas motivadas pela ignorância do artista. É o caso da tradu-
ção para o Latim feita em Basileia, na oficina de Jacobo Wolff Pforzeim
(1493), onde se vêem barcos com remos, próprios do Mediterrâneo. Ou da
portada da Storia della inventione delle nuove insule di Chanaria indiane
traete duna pistola di Xpofano Colombo, datada de Roma, 1493, na qual às
folhas com que se cobrem algumas mulheres e às palmeiras de que fala a
carta de Colombo, o ilustrador acrescenta as casas dos indígenas, não
mencionadas pelo navegador. Os cabelos dos índios variam de forma e
tamanho: curtos e não totalmente lisos na edição de Basilea, lisos e longos
na de Roma assim como na de Florença (1493), longos e ondeados na de
Florença (1495)25 .
Nestas informações, que circularam pela Europa e podem ter chegado
aos pintores portugueses através dos seus mestres, são também de considerar
24
0 poeta Santa Rita Durão consagra-a no poema Caramuru (1781). Os franceses
Boucher e Gavet evocam-na em Jakaré-Ouassou ou Les Toupinambas (1850). J. O'
Kelly e J. Villeneuve, editor francês que viveu no Brasil, dedicaram-lhe, em 1855, uma
ópera que chegou a ser encenada em Paris. O mais curioso, no entanto, é um painel do
séc. XVI, pintado na Abadia da Graça (Salvador, Bahia), onde se evoca a visão de
Paraguaçu descrita por Durão no canto X do seu poema: Paraguaçu aparece total-
mente vestida, mas mantém na cabeça as três penas de um cocar (Cf. Falcão, 1940: 59).
O painel é, aliás, mencionado a pelo poeta nas "Reflexões Prévias e Argumento" do
Caramuru.
25Trata-se respectivamente de La Lettera dellisole che a trovato novamente ii Re
dispagna e de Isole trovate nuovamente per ii Re di Spagna (Cf. Sebastián, 1992: 27
e 29).
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 307
[... ] andão nús, sem vergonha, têm os seus cabellos grandes e barba
pelada; as palpebras e sobrancelhas são pintadas de branco, negro azulou
vermelho; trazem o beiço debaixo furado, e metem-lhe hum osso grande
como hum prégo; outros trazem uma pedra azulou verde. [... ] [A terra] tem
muitas aves de diversas castas, especialmente papagaios de muitas cores, e
entre elles alguns do tamanho de gallinhas, e outros passaros muito bellos,
das pennas dos quaes fazem os chapeos e barretes de que uzão (Cortesão,
1967.230)
27De 1503 a 1508, em nove cidades (Paris, Veneza, Augsburgo, Roma, Nuremberga,
Estrasburgo, Rostock, Colónia, Antuérpia) fizeram-se doze edições latinas da Mundus
Novus e em sete cidades alemãs (Basiléia, Augsburgo, Munique, Nuremberga, Leipzig,
Magdeburgo) doze edições em língua germânica. Na Antuérpia saiu uma edição em
holandês e outros arranjos nessa língua e em inglês. Em Lorena, em 1507, a sua última
carta, a Lettera, traduzida para o latim com o título Quattuor Navegationis, apareceu na
Cosmo graphia Introductio do Ginásio Vosgiano, que conheceu sete edições em um ano.
Além disso, o relato de Mundus Novus foi incluído em Paesi Novamente Ritrovati, que
alcançou dezasseis edições entre 1507 e 1528, não só em italiano, mas também em latim,
alemão e francês.(Cf. Levillier, 1958: 104-105, 115-118 e 147).
28 0 que mostra terem outras notícias informado a gravura.
29Há outras edições ilustradas: uma holandesa, de 1508, publicada em Amberes,
por Jan Doesborch, com o título Van der nieuwer jt landstscap... , onde aparecem índios
e índias nuas, com longas cabeleiras, empunhando arcos e em que, em uma das
xilogravuras, aparece um selvagem tendo incrustada na face a metara de que vários
cronistas dão notícia; datadas de 1509, há duas edições ilustradas com cenas de
antropofagia: uma do mesmo editor holandês e outra de Estrasburgo.
PENAS DE íNDlO:A REPRESENTAÇÃO DO " BRASILEIRO" NA ARTE 309
JOAproveitamos para lranscrever Gândavo, uma vez que a palavra dos outros j á
fi gura neste tex to : "E aqucll e que está deputado pera ho matar he hum dos mais valentes
e honrados da terra, a quem por favor e premi ncncia de honra concedem este officio. O
qual se empena primeiro per todo o corpo com pcnna de papagaios e de outras aves de
várias cores." (Gândavo, 1964: 63]. Léry re fere ainda a mesma roupagem também para
a guerra.
310 MARIA APARECIDA RIBEIRO
Por outro lado, não vemos propriamente demónios nas figuras vestidas
de penas deste retábulo. Lembram antes a Morte: assim induzem o rosto da
que está de frente, a trompa que tem nas mãos para chamar os que devem
comparecer à sua presença, o material de escrita posto ao seu lado direito,
insinuando uma listagem das culpas a expiar e reflexo, porventura, do
"livro-caixa" do Juízo Final de que fala o famoso hino medieval Dies [rae,
ao qual não faltam a figura da morte e a tuba. 31 • Na Morte acaba o humano,
o que coloca, aparentemente, na mesma condição todos aqueles que não
habitam este mund032 •
Ora anjos e demónios não têm natureza humana nem divina: são
intermediários, separados em funções pela sua obediência ou a sua rebeldia
aDeus. Os índios nem sempre foram tomados como homens pelos europeus:
houve quem falasse em monstros, e à observação de Damião de Góis, já
citada, poderiam ser acrescentadas algumas outras. Durante todo o século
XVI muitas foram as discussões e teorias sobre a origem dos índios,
algumas das quais podem ter tido ressonância na concepção do painel do
MNAA. Paracelso, em 1520, pensava nos índios como pertencentes à
classe das criaturas semelhantes aos homens, como as ninfas e os gnomos,
mas não dotados de alma. Em 1517, Johannes Reuchlin (De arte cabalística)
31Recordemos o trecho:
Dia de ira, aquele dia
que tudo em cinzas fará,
diz David e a Sibila.
Que temor há-de então ser
Quando o Juiz vier
Julgar tudo com rigor?
O som forte da trombeta
Entre os jazigos dos mortos
Junto ao trono os levará.
Todo o mundo há-de pasmar
Quando a criatura se erguer
Para responder ao Juiz.
Um livro será trazido
No qual tudo está contido
Por onde há-de ser julgado o mundo. (Lefebvre, 1951: 1180-1181)
32Markl (1993: 26) chama a atenção para essa igualdade, embora identifique a
figura também como diabo e ligue essa noção de igualdade aos Descobrimentos, uma
vez que, perante o mar insondado e os outros perigos, os homens se nivelam social-
mente.
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 311
praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa
simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes
quiserem dar. [... ]
Alguns deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando,
levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinquenta
ou cinquenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse,
estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros.
E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e
depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de
bem; e nós assim o tomámos. (Cortesão, s.d.: 170-172).
33Importa lembrar que a sereia, ser fantástico cujo sentido pode ser positivo e
negativo, aparece como motivo de um outro retábulo de Coimbra: o da Sé Velha, em
estilo manuelino, onde também figuram homens silvestres com arcos e flechas, macacos
e porcos músicos. Neste contexto, apesar de poder ter sido motivada pelos
Descobrimentos, a sereia ainda não está ligada à ideia de domínio, mas pertence à série
do maravilhoso e do fantástico que os novos mundos podem proporcionar.
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 317
36Há ainda que referir as miniaturas que adornam o poema francês referente à
chamada "festa brasileira em Ruão" e da qual participaram cinquenta índios tupinambás,
quando Henrique II e sua recente esposa visitaram a capital da Normandia, em Outubro
de 1550. Datado dos meados do século XVI, ele foi divulgado em 1850, por Ferdinand
Denis, no seu Une Fête Brésililienne célébrée à Rouen. Apesar de mostrar os índios
numa situação real - a festa - tanto o bibliotecário que influiu na aquisição do
pergaminho para a Biblioteca de Ruão (André Pottier) como o próprio Denis lamen-
tam que não tenha sido dedicada uma "especial estampa aos tipos brasílicos". Estes,
apesar de aparecerem como "figurinhas inteiramente nuas, pintadas a vermelho carminado
vivíssimo", simulando a defesa de uma chalupa, aparecem misturados a outras
representações, como o arco do triunfo, encimado por Apolo e pelas Musas, o rio com
o deus Neptuno e a sua corte, a passagem de Henrique II pela ponte e vista da cidade.
Denis prefere o baixo-relevo em madeira a que acima referimos. (cf. Denis, 1879:
87-89).
PENAS DE ÍNDIO:A REPRESENTAÇÃO DO "BRASILEIRO" NA ARTE 321
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