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Novas Palavras 2

ENSINO MÉDIO

COMPONENTE CURRICULAR

LÍNGUA PORTUGUESA

Emília Amaral

Doutora em Educação (área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte)


pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

Mestre em Letras (área de Teoria Literária) pelo Instituto de Estudos da


Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.

Professora do Ensino Médio e do Ensino Superior.

Consultora nas áreas de literatura, leitura e produção de textos há mais de 30


anos.

Mauro Ferreira do Patrocínio

Especialização em Metodologia do Ensino pela Faculdade de Educação da


Universidade Estadual de Campinas.

Professor do Ensino Fundamental, Ensino Médio e de cursos pré-vestibulares


durante 22 anos.

Dedica-se à realização de palestras para professores e estudantes


universitários e à criação de obras didáticas.

Ricardo Silva Leite

Mestre em Letras (área de Teoria Literária) pelo Instituto de Estudos da


Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.

Licenciado em Letras (Português/Francês) pela Faculdade de Filosofia,


Ciências e Letras "Oswaldo Cruz".

Professor do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e de cursos pré-


vestibulares há mais de 30 anos.

Severino Antônio Moreira Barbosa


Doutor em Educação (área de Filosofia e História da Educação) pela
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

Professor do Ensino Médio e do Ensino Superior há 40 anos e autor de vários


livros.

3ª edição

São Paulo - 2016

FTD

MANUAL DO PROFESSOR

FTD

Copyright © Emília Amaral, Mauro Ferreira do Patrocínio, Ricardo Silva Leite,


Severino Antônio Moreira Barbosa, 2016

Diretor editorial Lauri Cericato

Gerente editorial Flávia Renata P. A. Fugita

Editora Angela C. D. C. M. Marques

Editoras assistentes Ana Paula Figueiredo, Irene Catarina Nigro, Maria Aiko
Nishijima, Nathalia de Oliveira Matsumoto, Roberta Vaiano

Assessoria Suelen Rocha M. Marques

Gerente de produção editorial Mariana Milani

Coordenador de produção editorial Marcelo Henrique Ferreira Fontes

Coordenadora de arte Daniela Máximo

Projeto gráfico Juliana Oliveira

Projeto de capa Bruno Attili

Foto de capa Falcão/Olho do Falcão

1Modelos da capa: Andrei Lopes, Angélica Souza, Beatriz Raielle, Bruna


Soares, Bruno Guedes, Caio Freitas, Denis Wiltemburg, Eloá Souza, Jardo
Gomes, Karina Farias, Karoline Vicente, Letícia Silva, Lilith Moreira, Maria
Eduarda Ferreira, Rafael Souza, Tarik Abdo, Thaís Souza
Edição de arte Sonia Alencar e Suzana Massini

Diagramação Essencial design, Bruna Nunes, Débora Jóia, José Aparecido


Amorim, Salvador Consales, Wlamir Miasiro

Tratamento de imagens Ana Isabela Pithan Maraschin

Coordenadora de ilustrações e cartografia Marcia Berne

Ilustrações André Ducci, Felipe Nunes, Marcos Guilherme

Coordenadora de preparação e revisão Lilian Semenichin

Supervisora de preparação e revisão Viviam Moreira

Revisão Amanda di Santis, Carina de Luca, Célia Regina Camargo, Juliana


Rochetto, Marcella Arruda, Veridiana Maenaka

Coordenador de iconografia e licenciamento de textos Expedito Arantes

Supervisora de licenciamento de textos Elaine Bueno

Iconografia Elizete Moura Santos, Enio Lopes, Gabriela Araújo, Márcia


Trindade

Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Novas palavras 2º ano / Emília Amaral...[et al.]. - 3ª ed. - São Paulo : FTD,
2016. - (Coleção novas palavras)

Outros autores: Mauro Ferreira do Patrocínio, Ricardo Silva Leite, Severino


Antônio Moreira Barbosa

Componente curricular: Língua portuguesa

ISBN 978-85-96-00368-1 (aluno)

ISBN 978-85-96-00369-8 (professor)

1. Português (Ensino médio) I. Amaral, Emília. II. Patrocínio, Mauro Ferreira do.
III. Leite, Ricardo Silva. IV. Barbosa, Severino Antônio Moreira. V. Série.

16-03484

CDD-469.07
Índices para catálogo sistemático:

1. Português : Ensino médio 469.07

Reprodução proibida: Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro


de 1998.

Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A.

Rua Rui Barbosa, 156 - Bela Vista - São Paulo-SP

CEP 01326-010 - Tel. (0-XX-11) 3598-6000

Caixa Postal 65149 - CEP da Caixa Postal 01390-970

www.ftd.com.br

E-mail: central.atendimento@ftd.com.br

Em respeito ao meio ambiente, as folhas deste livro foram produzidas com


fibras obtidas de árvores de florestas plantadas, com origem certificada.

Impresso no Parque Gráfico da Editora FTD S.A.

CNPJ 61.186.490/0016-33

Avenida Antonio Bardella, 300

Guarulhos-SP - CEP 07220-020

Tel. (11) 3545-8600 e Fax (11) 2412-5375

Apresentação

Caro aluno,

Neste livro, você será continuamente convidado a refletir sobre as habilidades


fundamentais associadas ao desenvolvimento da linguagem: falar, ler e
escrever.

Juntos, tomaremos contato com uma grande variedade de textos, de diferentes


gêneros, para nos inspirarmos na criação e no aprimoramento de nossa própria
produção; vamos ler, reler e avaliar com nossos interlocutores - o(a)
professor(a), os colegas, os amigos... - os textos lidos e produzidos, os
conceitos aprendidos e incorporados. Assim, texto a texto, aula a aula, iremos
nos aperfeiçoando como seres capazes de linguagem e como participantes
ativos do nosso mundo.

A leitura e a escrita são, sem dúvida, um modo privilegiado de interferirmos na


realidade, de interagirmos com os outros; no entanto, será importante também
refletirmos a respeito da linguagem falada, conhecê-la melhor, ter consciência
de que a fala e a escrita se complementam, não se opõem, e de que ela, a fala,
constitui uma modalidade de expressão com características específicas e
regras próprias.

Em Literatura, nosso estudo estará sempre associado às artes plásticas e


privilegiará os gêneros literários fundamentais: poesia lírica e épica, crônica,
conto, romance, teatro etc. Vamos comparar a produção de autores clássicos
com a de escritores e poetas contemporâneos, sobretudo quando tratamos das
grandes escolas literárias, cujos autores e textos alimentam nosso imaginário,
ampliam nossos horizontes e aprofundam nossas formas de ver o mundo e a
nós mesmos.

Em Gramática, as reflexões sobre as diferentes maneiras de falar e de


escrever se desenvolverão com o estudo das estruturas que estabelecem a
organização e o sentido dos textos que constituem o nosso "mundo da leitura":
charges, tirinhas, piadas, anúncios publicitários, letras de música, textos
jornalísticos, poemas...

Nas aulas de Literatura, de Gramática e de Leitura e produção de textos,


desafios serão propostos e conteúdos específicos serão desenvolvidos, porém
próximos entre si, pois falaremos de como se estrutura e como funciona a
linguagem e dos caminhos que ela percorre na diversidade de suas
possibilidades expressivas e comunicativas. Afinal, ela é o principal recurso de
que dispomos para sermos de fato quem somos.

Este é o objetivo maior deste livro: que você, ao transformá-lo em seu parceiro
de aprendizagens, tenha um posicionamento ativo: leia, goste, não goste; ache
fácil, ache difícil; mas sempre releia, repense, reformule, persista, pois assim é
que gradativamente conquistará novas habilidades de usos da linguagem, que
certamente contribuirão para seu sucesso escolar, profissional e humano.

Vamos começar?
Os autores

SUMÁRIO

Literatura

Capítulo 1 - As grandes escolas literárias, p. 10

Primeira leitura

Mãos dadas, de Carlos Drummond de Andrade, p. 11

E mais..., p. 11

A história da literatura, p. 12

Leitura de imagem

Tentação na montanha, de Duccio di Buoninsegna, p. 13

Pietà, de Pietro Perugino, p. 14

Deposição da cruz, de Caravaggio, p. 15

Pietà, de Vicente do Rego Monteiro, p. 16

As grandes escolas literárias, p. 17

Leitura

Auto da Lusitânia (fragmento), de Gil Vicente, p. 18

Leitura

No dia de quarta-feira de cinzas (fragmento), de Gregório de Matos, p. 19

Leitura

O cortiço (fragmento), de Aluísio Azevedo, p. 21

Resumindo o que você estudou, p. 22

Atividades, p. 23

Capítulo 2 - Camões e o Renascimento, p. 30

Primeira leitura

Sonetos, de Luís de Camões, p. 31


O Renascimento, p. 33

O dolce stil nuovo, p. 33

Medida velha (versos redondilhos), p. 34

Medida nova (versos decassílabos), p. 34

Leitura

Comigo me desavim, de Francisco de Sá de Miranda, p. 34

Dispersão (fragmento), de Mário de Sá-Carneiro, p. 35

Luís Vaz de Camões, p. 36

Leitura

Soneto, de Luís Vaz de Camões, p. 37

E mais..., p. 38

A épica camoniana - Os Lusíadas, p. 38

Leitura

Proposição e Epílogo (fragmentos de Os Lusíadas), de Luís Vaz de Camões, p.


40

Paráfrases, p. 40

Leitura

Canto IV (fragmento), de Luís Vaz de Camões, p. 42

O Velho do Restelo (fragmento de Os Lusíadas), p. 43

Leitura

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta, de José Saramago, p. 45

Resumindo o que você estudou, p. 46

Atividades, p. 46

Capítulo 3 - Literatura colonial brasileira, p. 49

Primeira leitura

Sermão do bom ladrão (fragmento), de Antônio Vieira, p. 50


E mais..., p. 52

A produção literária colonial, p. 52

O Quinhentismo, p. 53

Leitura

Carta (fragmento), de Pero Vaz de Caminha, p. 54

Carta de Pero Vaz, de Murilo Mendes, p. 54

O Barroco, p. 55

Leitura

À cidade da Bahia, de Gregório de Matos, p. 57

Leitura

Boca do inferno (fragmento), de Ana Miranda, p. 59

O Neoclassicismo, p. 60

Leitura

Aleijadinho, de Fernando Paixão, p. 62

E mais..., p. 62

Leitura

Lira XXXIV (fragmento) e Lira LXXXI, de Tomás Antônio Gongaza, p. 64

Resumindo o que você estudou, p. 65

Atividades, p. 66

Capítulo 4 - A poesia romântica, p. 71

Primeira leitura

Canção do exílio, de Gonçalves Dias, p. 72

E mais..., p. 74

O Romantismo, p. 74

Leitura

Do grotesco e do sublime (fragmento do prefácio), de Victor Hugo, p. 75


Características do Romantismo, p. 76

Leitura

Grande cascata da Tijuca, de Araújo Porto-Alegre, p. 77

Mata reduzida a carvão, de Félix-Émile Taunay, p. 77

Leitura

Leito de folhas verdes, de Gonçalves Dias, p. 78

Leitura

Meu sonho, de Álvares de Azevedo, p. 81

E mais..., p. 81

Leitura

O navio negreiro (fragmento), de Castro Alves, p. 82

Resumindo o que você estudou, p. 84

Atividades, p. 85

Capítulo 5 - O romance romântico, p. 89

Primeira leitura

Iracema e Senhora (fragmentos), de José de Alencar; Luizinha (fragmento), de


Manuel Antônio Almeida, p. 90

A prosa romântica, p. 93

Leitura

Pedilúvio sentimental (fragmento), de Joaquim Manuel de Macedo, p. 95

O nascimento do herói (fragmento), de Manuel Antônio de Almeida, p. 96

E mais..., p. 97

Leitura

Seixas (fragmento), de José de Alencar, p. 98

E mais..., p. 100
Resumindo o que você estudou, p. 100

Atividades, p. 100

Capítulo 6 - O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo, p. 104

Primeira leitura

O enterro de Atala, de Anne-Louis Girodet, p. 105

Enterro em Ornans, de Gustave Courbet, p. 105

Leitura

Mais luz!, de Antero de Quental, p. 107

A geração materialista, p. 108

O suporte intelectual da Geração Materialista ou Geração de 70, p.108

O surgimento das Escolas Realistas, p. 109

E mais..., p. 110

O Realismo-Naturalismo em Portugal, p. 111

Leitura

O crime do padre Amaro [...] (fragmento), de Machado de Assis, p. 112

O crime do padre Amaro (fragmento), de Eça de Queirós, p. 113

O Realismo e o Naturalismo no Brasil, p. 114

Leitura

Vagão de terceira classe, de Honoré Daumier, p. 116

Leitura

O cortiço (fragmento), de Aluísio Azevedo, p. 117

Leitura

O mulato (fragmentos), de Aluísio Azevedo 119

Leitura

O cortiço (fragmentos), de Aluísio Azevedo, p. 121

E mais..., p. 123
Leitura

O Ateneu (fragmento 1), de Raul Pompeia, p. 124

O Ateneu (fragmento 2), de Raul Pompeia, p. 125

As Escolas Realistas e o Parnasianismo, p. 126

Leitura

Nel mezzo del camin..., de Olavo Bilac, p. 126

A estética parnasiana, p. 129

A arte acadêmica, p. 129

Leitura de imagem

Pigmalião e Galateia, de Jean-Léon Gérôme, p. 130

Arte e Literatura, de William-Adolphe Bouguereau, p. 130

O violeiro, de Almeida Júnior, p. 131

Moema, de Victor Meirelles, p. 131

Paz e Concórdia, de Pedro Américo, p. 131

E mais..., p. 132

Resumindo o que você estudou, p. 132

Atividades, p. 133

Capítulo 7 - O Realismo psicológico de Machado de Assis, p. 135

Primeira leitura

Olhos de Ressaca, de Machado de Assis, p. 136

O penteado, de Machado de Assis, p. 137

O Realismo machadiano, p. 140

Estudo dos principais romances machadianos, p. 141

Leitura

Virgília?, de Machado de Assis, p. 142

Leitura
Quincas Borba (fragmento), de Machado de Assis, p. 145

Os contos de Machado de Assis, p. 147

E mais..., p. 147

Os recursos estilísticos, p. 148

E mais..., p. 149

Resumindo o que você estudou, p. 149

Atividades, p. 150

CRÉDITO: Felipe Nunes

Gramática

Capítulo 1 - Pronome, p. 154

Introdução, p. 155

Pronome, p. 155

Conceito e classificação geral, p. 155

Estudo dos pronomes (1ª parte), p. 156

Pronomes pessoais, p. 156

Pronomes possessivos, p. 163

Resumindo o que você estudou, p. 164

Atividades, p. 165

Estudo dos pronomes (2ª parte), p. 168

Pronomes demonstrativos, p. 168

Pronomes indefinidos, p. 171

Pronomes relativos, p. 173

Pronomes interrogativos, p. 177

Resumindo o que você estudou, p. 177

Atividades, p. 178
Da teoria à prática, p. 180

Ponto de partida, p. 180

Agora é sua vez, p. 180

E mais..., p. 183

Capítulo 2 - Verbo, p. 185

Introdução, p. 186

Verbo, p. 187

Conceito, p. 187

Estudo do verbo (1ª parte), p. 187

As conjugações verbais, p. 188

As flexões do verbo, p. 188

Os tempos verbais na composição dos modos, p. 191

Resumindo o que você estudou, p. 199

Atividades, p. 199

Estudo do verbo (2ª parte), p. 202

Classificações dos verbos, p. 202

A flexão de "voz verbal", p. 204

Aspecto verbal - as diferentes durações do tempo, p. 207

Correlações entre tempos verbais, p. 208

Conjugação de alguns verbos, p. 209

Resumindo o que você estudou, p. 211

Atividades, p. 212

Da teoria à prática, p. 214

Ponto de partida, p. 214

Agora é sua vez, p. 214

E mais..., p. 216
Capítulo 3 - Palavras invariáveis, p. 217

Introdução, p. 218

Estudo das palavras invariáveis (1ª parte), p. 218

Advérbio, p. 218

Resumindo o que você estudou, p. 222

Atividades, p. 223

Estudo das palavras invariáveis (2ª parte), p. 225

Preposição, p. 225

Conjunção, p. 227

Interjeição, p. 229

Resumindo o que você estudou, p. 230

Atividades, p. 230

Da teoria à prática, p. 233

Ponto de partida, p. 233

Agora é sua vez, p. 233

Capítulo 4 - A sintaxe - conceitos gerais Sujeito e predicado, p. 236

Introdução, p. 237

A sintaxe - conceitos gerais, p. 237

A organização dos enunciados: seleção, ordenação e combinação das


palavras, p. 237

Análise sintática, p. 238

Sujeito e predicado, p. 240

Estudo do sujeito (1ª parte), p. 241

A relação morfossintática "sujeito-substantivo", p. 241

Características do sujeito, p. 243

Resumindo o que você estudou, p. 245


Atividades, p. 245

Estudo do sujeito (2ª parte), p. 246

As classificações do sujeito, p. 246

Oração sem sujeito, p. 248

Resumindo o que você estudou, p. 249

Atividades, p. 250

Da teoria à prática, p. 252

Ponto de partida, p. 252

Agora é sua vez, p. 253

E mais..., p. 255

CRÉDITO: Ilustrações: Felipe Nunes

Capítulo 5 - Os verbos no predicado Termos associados ao verbo, p. 256

Introdução, p. 257

Tipos de verbo no predicado, p. 257

Verbo de ligação, p. 257

Verbo significativo, p. 259

Resumindo o que você estudou, p. 260

Atividades, p. 261

Termos associados ao verbo (1ª parte), p. 262

Objeto direto e objeto indireto, p. 262

Resumindo o que você estudou, p. 265

Atividades, p. 265

Termos associados ao verbo (2ª parte), p. 267

Agente da passiva, p. 267

Adjunto adverbial, p. 270


Resumindo o que você estudou, p. 271

Atividades, p. 271

Da teoria à prática, p. 273

Ponto de partida, p. 273

Agora é sua vez, p. 274

CRÉDITO: Felipe Nunes

Capítulo 6 - Termos associados a nomes Vocativo, p. 276

Introdução, p. 277

Termos associados a nomes (1ª parte), p. 277

Adjunto adnominal, p. 277

Predicativo, p. 279

Resumindo o que você estudou, p. 282

Atividades, p. 282

Termos associados a nomes (2ª parte), p. 284

Complemento nominal, p. 284

Aposto, p. 286

Vocativo, p. 287

Relação morfossintática do vocativo, p. 287

Resumindo o que você estudou, p. 288

Atividades, p. 288

Da teoria à prática, p. 290

Ponto de partida, p. 290

Agora é sua vez, p. 290

Leitura e produção de textos

Capítulo 1 - Resumo e resenha, p. 294

Primeira leitura
A noiva cadáver, resenha de H. P. A., aluno do Ensino Médio, p. 295

Em tom de conversa, p. 296

Releitura, p. 296

Resumo e resenha, p. 297

E mais..., p. 297

Resenha de crônicas, p. 297

Leitura

Viajantes e apaixonados em transe, de Milton Hatoum, p. 297

O que será que será?, de Danuza Leão, p. 298

Atividades: Produção, p. 299

Leitura

Relato subjetivo, de S. G. S., aluna do Ensino Médio, p. 300

Em tom de conversa, p. 300

Atividades: Produção, p. 301

Critérios de avaliação e reelaboração, p. 301

Resumindo o que você estudou, p. 301

Atividade, p. 301

Capítulo 2 - Diário pessoal, p. 302

Primeira leitura

Sábado, 18 de fevereiro (fragmento de Minha vida de menina), de Helena


Morley, p. 303

Releitura, p. 303

Diário pessoal, p. 304

O predomínio da narração, p. 304

Atividade, p. 304

A presença de elementos descritivos, p. 304


Atividades, p. 304

A presença de elementos dissertativo-argumentativos, p. 305

Atividade, p. 305

Em tom de conversa, p. 305

E mais..., p. 306

Atividades: Produção, p. 307

Critérios de avaliação e reelaboração, p. 308

Resumindo o que você estudou, p. 309

Atividade: Produção, p. 309

Capítulo 3 - Relatório, p. 310

Primeira leitura

Relatório ao Governo do Estado de Alagoas, de Graciliano Ramos, p. 311

Em tom de conversa, p. 312

Os recursos expressivos do relatório, p. 313

A relação texto-contexto, p. 313

Leitura

Relatório sobre estudo do meio na cidade litorânea de Iguape, T., L., R., alunos
do Ensino Médio, p. 314

Em tom de conversa, p. 315

E mais..., p. 315

Atividades: Leitura e produção, p. 315

Critérios de avaliação e reelaboração, p. 317

Resumindo o que você estudou, p. 317

Atividades: Leitura e produção, p. 318

Capítulo 4 - Do relato à narrativa ficcional, p. 321


Primeira leitura

A volta do Messias, de Fernando Bonassi, p. 322

Em tom de conversa, p. 322

Releitura, p. 322

O relato: objetivo e ponto de vista, p. 323

E mais..., p. 323

Os elementos fundamentais da narrativa ficcional, p. 323

Atividade: Produção, p. 325

Caracterização dos personagens, p. 325

Atividades: Produção, p. 326

Os personagens falam, p. 326

Atividades: Leitura e produção, p. 329

Critérios de avaliação e reelaboração, p. 329

Resumindo o que você estudou, p. 330

Atividades: Leitura e produção, p. 330

Capítulo 5 - Enredo linear, p. 331

Primeira leitura

Fábulas italianas (fragmento), de Italo Calvino, p. 332

Enredo, p. 332

O enredo linear, p. 332

Leitura

Uma vida ao lado, de Marina Colasanti, p. 333

Em tom de conversa, p. 333

Atividades, p. 334

Atividades: Leitura e produção, p. 336

E mais..., p. 338
Critérios de avaliação e reelaboração, p. 338

Resumindo o que você estudou, p. 339

Atividades: Leitura e produção, p. 339

Capítulo 6 - Enredo não linear e tipos de narrador, p. 340

Primeira leitura

Tantas mulheres, de Dalton Trevisan, p. 341

Em tom de conversa, p. 342

Releitura, p. 342

O conto, p. 343

Atividades, p. 343

O enredo não linear, p. 343

Principais tipos de narrador, p. 343

Atividades, p. 344

O uso do pretérito mais-que-perfeito e a verossimilhança da narrativa, p.


344

Atividades, p. 344

O efeito lírico e a condensação da linguagem, p. 345

Atividades: Leitura e produção, p. 345

Atividades: Leitura e produção, p. 346

E mais..., p. 347

Critérios de avaliação e reelaboração, p. 348

Resumindo o que você estudou, p. 348

Atividades: Leitura e produção, p. 348

Referências e lista de siglas, p. 350

CRÉDITO: Felipe Nunes

9
LITERATURA

CAPÍTULO 1 | As grandes escolas literárias

CAPÍTULO 2 | Camões e o Renascimento

CAPÍTULO 3 | Literatura colonial brasileira

CAPÍTULO 4 | A poesia romântica

CAPÍTULO 5 | O romance romântico

CAPÍTULO 6 | O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo

CAPÍTULO 7 | O Realismo psicológico de Machado de Assis

CRÉDITO: Felipe Nunes

10

capítulo 1 - As grandes escolas literárias

Este capítulo é um painel das grandes escolas literárias em língua portuguesa.


Lembrando desde já que a sucessão dos movimentos não constitui um
processo evolutivo no sentido de aperfeiçoamento, esse quadro pretende dar
uma visão geral da história da literatura. Você poderá consultá-lo sempre, à
medida que estude os textos, os autores e os estilos de cada época,
apresentados ao longo do curso.

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· CALCANHOTTO, Adriana (Org.). Antologia ilustrada da poesia brasileira:


para crianças de qualquer idade. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.

· GULLAR, Ferreira. O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de


Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.

· MORICONI, Italo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século.


Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

· MORICONI, Italo (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século.


Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Sites
· DOMÍNIO PÚBLICO. Disponível em: http://tub.im/8m4sua. Acesso em: 27 abr.
2016.

· JORNAL DE POESIA. Disponível em: http://tub.im/5uw3cw. Acesso em: 27


abr. 2016.

· LITERATURA DIGITAL. Disponível em: http://tub.im/jt3w7u. Acesso em: 27


abr. 2016.

11

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais...", desta página, requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.

MÃOS DADAS - In: Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade,


Companhia das Letras, São Paulo; Carlos Drummond de Andrade © Graña
Drummond www.carlosdrummond.com.br

Em tom de conversa
Exponha para os colegas suas impressões sobre o poema e discuta com eles
as seguintes questões:

1. Muitas vezes a literatura é instrumento de evasão, de fuga da realidade.


Como o eu lírico se posiciona em relação à poesia escapista? É possível dizer
que ele formula um projeto de poesia?

Resposta: Ele recusa a poesia escapista de todas as formas. Em seu projeto


não cabe a fuga no tempo- tanto para o passado (o "mundo caduco") como
para o futuro - ou no espaço (para "as ilhas", para a "paisagem vista da
janela"); não cabem a entrega aos sentimentos (a mulher, os "suspiros ao
anoitecer"), a evasão para o sonho (os "entorpecentes", o rapto por "serafins"),
a alienação no desejo da morte ("cartas de suicida"). Essas recusas configuram
um projeto pelo uso dos verbos no futuro do presente.

2. Qual é o tema mais frequente da poesia lírica em todos os tempos? Como o


eu lírico se manifesta em relação a esse tema?

Resposta: O tema é o amor. O eu lírico também o recusa, ao afirmar que não


será "o cantor de uma mulher", "de uma história (de amor)" e que não dirá
"suspiros ao anoitecer" (a interpretação de "história" e de "suspiros ao
anoitecer" como parte da temática amorosa é possível, mas não única).

3. O livro Sentimento do mundo foi publicado em 1940. Que acontecimento


importante dominava os noticiários e o pensamento das pessoas naquela
época? Que relação você estabelece entre os títulos do livro e do poema e
esse acontecimento histórico?

Resposta: O acontecimento é a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), iniciada


no ano anterior. Espera-se que os alunos relacionem o título do livro
(Sentimento do mundo) com a perplexidade diante da situação mundial; esse
sentimento, necessariamente dominado pela preocupação e pelo pessimismo,
explica a recusa dos temas considerados escapistas pelo eu lírico e a fixação
do presente como matéria da poesia. A angústia do presente, por outro lado,
não permite o isolamento; a necessidade da solidariedade motiva o convite,
título do poema: "[vamos de] mãos dadas".

E MAIS...
Pesquisa e apresentação

No primeiro ano você leu alguns textos de Carlos Drummond de Andrade, em


prosa e em verso. Ele é considerado pela crítica como um dos maiores poetas
brasileiros. E essa aprovação dos especialistas é compartilhada com os leitores
comuns: apesar de seus poemas nem sempre serem fáceis, ele se tornou um
autor muito popular e muito citado.

Organize com seus colegas de grupo uma pesquisa de poemas de Drummond.

Procedimentos

· Utilize a internet, antologias e livros do autor e copie os poemas de que você


mais gostar.

· Leve os textos para a reunião do grupo. Juntos, leiam os poemas e


selecionem três ou quatro de que mais gostarem.

· Preparem a apresentação desses textos, que pode ser, conforme a


orientação do(a) professor(a):

· uma sessão de leitura e declamação, compartilhada com os outros grupos.


Utilizem recursos que tornem a apresentação mais viva e mais expressiva,
como acompanhamento musical, caracterização dos leitores com trajes
sugestivos, alternância de vozes no mesmo poema etc.;

· um painel de poemas, também compartilhado com outros grupos, em local


de grande visibilidade na escola. Os poemas, copiados em cartazes coloridos e
ilustrados, podem ter pequenos comentários.

Exemplos de sites que você pode visitar:

http://tub.im/yvh7us

http://tub.im/vj577n

12

Comentário

O poema de Drummond serve de epígrafe para nossas reflexões sobre as


escolas literárias.
O poeta deseja que sua poesia seja profundamente comprometida com seu
tempo. O presente é sua matéria: os problemas, os anseios, as dúvidas, as
esperanças do ser humano contemporâneo.

De algum modo, esse é o projeto de todo autor: falar sobre sua época -
exprimir o seu tempo. Até mesmo a obra evasiva, que foge para um passado
remoto, exprime, pela negação ou pela recusa, uma atitude em relação ao
mundo contemporâneo do autor. Os autores românticos do século XIX, por
exemplo, frequentemente situavam seus personagens na época medieval,
misteriosa e distante, repleta de aventuras. Pode-se interpretar essa tendência
de fuga como uma recusa dos valores excessivamente pragmáticos da era
burguesa, como expressão da nostalgia de valores morais abandonados pela
sociedade moderna. Do mesmo modo, uma obra cuja ação é ambientada no
futuro pode ser expressão da esperança ou, contrariamente, dos temores em
relação aos desdobramentos e às consequências do tempo presente.

A HISTÓRIA DA LITERATURA

Como todas as outras artes, a literatura reflete as relações do ser humano com
o mundo e com seus semelhantes. À medida que essas relações se
transformam historicamente, a literatura também se transforma. Ela é o registro
mais sensível das peculiaridades de cada época: dos modos de encarar a vida,
de problematizar a existência, de questionar a realidade, de exprimir os
sentimentos coletivos...

Por isso, as obras de determinado período histórico, ainda que se diferenciem


umas das outras, possuem certas características comuns que as identificam.
Essas características dizem respeito tanto à mentalidade predominante na
época quanto às formas, às convenções e às técnicas expressivas utilizadas
pelos autores.

Chamamos de escolas (períodos, movimentos) literárias ou estilos de época


os grandes conjuntos em que costumamos segmentar a história da literatura.
Essa divisão tem uma função sobretudo didática, ajudando-nos a compreender
as transformações da arte literária ao longo do tempo.

Cabem aqui algumas observações muito importantes:


· A literatura e a arte não evoluem, no sentido de aprimorar-se, aperfeiçoar-se,
progredir. A arte moderna não é melhor que a arte romântica, nem a arte
renascentista mais perfeita que a arte medieval.

· Nem todo estilo de época constitui um movimento organizado. Muitas vezes


os próprios autores não têm consciência de compartilhar o estilo em que serão
incluídos pela posteridade.

· As características que definem um estilo de época são predominantes, mas


não são únicas. Há obras que não se encaixam na descrição geral de sua
época ou que até mesmo são opostas a ela. Essa singularidade não desabona
essas obras. Pelo contrário, com frequência constitui sua grande qualidade.

· As observações anteriores não invalidam o estudo das escolas literárias.


Muitas vezes é o conhecimento das características predominantes em uma
época que nos permite dimensionar a originalidade de um autor ou de uma
obra. Em arte, a ruptura é mais importante que a obediência.

· As obras literárias compartilham com as outras artes as características


marcantes de sua época.

13

Leitura de imagem

As pinturas reproduzidas a seguir são de quatro estilos de época, cobrindo um


período de mais de seiscentos anos na história da pintura.

Observe a pintura Tentação na montanha (1308-1311), de Duccio di


Buoninsegna.

PINTURA 1

LEGENDA: Painel narrativo: o observador deve passear o olhar pela pintura.


Tema religioso: episódio do Novo Testamento.

CRÉDITO: Duccio di Buoninsegna. c. 1308-11. Afresco. Museo dell'Opera del


Duomo, Siena. Foto: Francis G. Mayer/Corbis/Latinstock

· Características da pintura medieval

A Representação de um tema que deve ser "lido", interpretado: A tentação - o


Bem x o Mal.
B Figuras hieráticas, simbólicas.

C Desproporções: o pintor desconhece as regras da perspectiva, que serão


desenvolvidas no Classicismo. O tamanho de cada figura não é determinado
por sua relação espacial com o conjunto, mas por sua posição na hierarquia
dos valores representados.

· Características que já prenunciam a pintura renascentista

1 Certa profundidade espacial.

2 e 3 Contrastes de luz e cor, gradação de tonalidades.

4 Volumes mais acentuados.

5 As figuras humanas tornam-se menos hieráticas, ganham certo movimento e


graça.

Duccio di Buoninsegna (1250?-1319)

Fundador da escola de Siena, Duccio di Buoninsegna é considerado um dos


artistas italianos mais notáveis da Idade Média. Seu estilo desenvolveu-se a
partir da tradição bizantina, mas evoluiu para uma representação um pouco
mais realista, marcada pelas linhas suaves das figuras humanas,
principalmente dos rostos, e pelo maior refinamento das cores. A Maestà
(1308-1311), um retábulo de madeira composto de diversas pinturas
individuais, é considerada a sua obra-prima.

Vocabulário:

retábulo: estrutura ornamental, feita de madeira ou de mármore, que fica na


parte posterior do altar de uma igreja.

Fim do vocabulário.

PARA VER NA REDE

Para conhecer outras obras de Duccio di Buoninsegna, visite o site:


http://tub.im/gqyvdk (acesso em: 27 abr. 2016).

14

Agora observe as duas pinturas a seguir, que representam um tema


semelhante: os amigos e parentes de Cristo velam seu corpo (Pietà) e realizam
seu sepultamento (Deposição da cruz). A primeira é renascentista (clássica);
a segunda, barroca.

PINTURA 2

LEGENDA: Na Pietà (1494-1495), de Pietro Perugino, apesar do tema da


morte, o sentimento é contido pela imobilidade e pelo silêncio respeitoso. As
colunas do templo, que circundam a cena, refletem a dignidade hierática e
solene das figuras.

CRÉDITO: Pietro Perugino. Pietà. 1494-95. Óleo sobre painel, 168 × 176 cm.
Galleria degli Uffizi, Florença

Características clássicas

CRÉDITO: Editoria de arte

· Clareza: nitidez das formas e contornos, visibilidade absoluta.

· Equilíbrio: simetria (a cada elemento da esquerda corresponde um da direita -


observe os retângulos verdes).

· Predomínio das linhas verticais e horizontais (linhas verdes).

· Perspectiva explícita, convergindo para um ponto de fuga situado nas figuras


de Cristo e Maria (linhas vermelhas).

· Forma fechada: todos os elementos convergem para o eixo central da pintura.

· Figuras estáticas e solenes, em repouso e contemplação.

CRÉDITO: Pietro Perugino. c. 1497-1500. Afresco, 40 × 31 cm. Collegio del


Cambio, Perugia

Pietro di Cristoforo Vanucci (1450-1523)

Conhecido como Pietro Perugino, em referência à sua cidade natal, Perugia,


foi discípulo de Piero della Francesca, com quem aprendeu perspectiva, e foi
professor do pintor Rafael. Entre suas obras mais conhecidas estão A
adoração dos magos, A entrega das chaves a São Pedro (Capela Sistina) e
O casamento da Virgem.

15

PINTURA 3
LEGENDA: Em Deposição da cruz (1602-1604), de Caravaggio, a solenidade
é quebrada pela expressão da dor, que explode nos gestos dramáticos e
incontidos dos personagens.

CRÉDITO: Caravaggio. 1602-1604. Óleo sobre tela, 300 × 203 cm. Museu do
Vaticano, Cidade do Vaticano

Características barrocas

· Fortes contrastes entre claro e escuro.

· As formas perdem o contorno (partes das figuras são vultos na escuridão) e


ganham volume.

· Desequilíbrio: assimetria.

· Predomínio das linhas inclinadas.

· A perspectiva não é nítida.

· Forma aberta (a pedra do túmulo, colocada transversalmente, ultrapassa os


limites da moldura; o homem que segura as pernas de Cristo olha para o
espectador da pintura).

· Figuras em movimento, dramaticidade.

CRÉDITO: Ottavio Maria Leoni. c. 1621. Pastel. Biblioteca Marucelliana,


Florença

Michelangelo Merisi (1571-1610)

Conhecido como Caravaggio, em referência à cidade em que nasceu, foi o


primeiro grande artista barroco e influenciou profundamente essa escola de
pintura. Suas obras são dotadas de grande realismo e causaram muita
polêmica em sua época. Mesmo na representação de temas bíblicos,
Caravaggio utilizava mendigos e prostitutas como modelos. Os efeitos realistas
e dramáticos são acentuados pelo forte contraste entre os tons escuros,
sobretudo no fundo das cenas, e claros, com a intensa iluminação de detalhes
das figuras. O pintor teve vida turbulenta e morreu muito jovem, em
circunstâncias desconhecidas.

PARA VER NA REDE

Para conhecer outras obras de Pietro Perugino e Caravaggio, visite os sites:


· http://tub.im/vihhfu (acesso em: 27 abr. 2016);

· http://tub.im/cqcdvp (acesso em: 27 abr. 2016).

16

Observe agora esta pintura modernista, do século XX. Ela representa a mesma
cena ou motivo tradicional da deposição de Cristo, ou seja, da retirada do corpo
de Cristo da cruz em que foi martirizado.

PINTURA 4

LEGENDA: Pietà (1924), de Vicente do Rego Monteiro.

CRÉDITO: Vicente do Rego Monteiro. 1924. Óleo sobre tela, 80 × 90 cm.


Coleção Gilberto Chateaubriand - MAM RJ

Características modernistas

· Figuras esquemáticas; abstração em formas geométricas; o conjunto


formando um bloco como uma escultura (influência da arte marajoara); a
posição das cabeças enfileiradas; as gotas de sangue e as patelas estilizadas.

· Simbolismo: contraste entre olhos fechados (os vivos) e abertos (o Cristo


morto).

· Pouca profundidade espacial: as figuras são "chapadas" no primeiro plano.

· Pintura quase monocromática (pequena variação de cores e tons,


predominância de tons terrosos).

CRÉDITO: ARQUIVO/ESTADÃO

Vicente do Rego Monteiro (1899-1970)

Pintor, escultor e poeta pernambucano, participou da Semana de Arte Moderna


com a exposição de oito obras. Sua pintura, frequentemente de temática
religiosa, combina influências do Cubismo e das artes indigenistas, sobretudo
da cerâmica marajoara, e primitivistas. "Minha pintura não poderia existir antes
do Cubismo, que me legou as noções de construção, luz e forma" (citado por
Walmir Ayala em Vicente, inventor. Rio de Janeiro: Record, 1980. p. 62).

PARA VER NA REDE


Para conhecer outras obras de Vicente do Rego Monteiro, visite o site:
http://tub.im/mge8fh (acesso em: 27 abr. 2016).

Em tom de conversa

Exponha suas observações sobre as pinturas e discuta com os colegas as


seguintes questões.

1. As quatro pinturas estão dispostas em ordem cronológica, da mais antiga


para a mais recente. Como você as reordenaria, considerando o realismo no
modo de representação das cenas e figuras? Justifique.

Resposta: Espera-se que os alunos agrupem as pinturas de Buoninsegna e


Rego Monteiro como as menos realistas e as de Perugino e Caravaggio como
as mais realistas. Na progressão da menos para a mais realista, a ordem entre
as duas primeiras seria Rego Monteiro e Buoninsegna. A justificação deve ser
sustentada nas descrições, levando-se em conta o simbolismo das figuras (que
determina o tamanho relativo de cada uma na pintura medieval), a ausência de
profundidade (figuras mais "chapadas" na medieval e na modernista), o
esquematismo e a abstração em formas geométricas (na modernista) em
oposição à maior profundidade, obtida pela perspectiva linear (Perugino) e pela
perspectiva aérea (contraste entre claro e escuro, em Caravaggio). O maior
realismo de Caravaggio em relação a Perugino pode ser relacionado tanto ao
claro-escuro quanto à oposição entre o movimento e a dramaticidade das
figuras da primeira e o hieratismo ou a solenidade - um quase "congelamento"
ou pose - das figuras da segunda.

2. Releia as observações sobre estilos de época, feitas na página 12. Qual


dessas observações pode ser exemplificada pelo reagrupamento e pela
ordenação das pinturas que você e seus colegas propuseram? Explique.

Resposta: O reagrupamento e a ordenação exemplificam a primeira


observação, ou seja, que não há evolução (progresso, aperfeiçoamento,
aumento de qualidade) na história das artes. Se houve um aperfeiçoamento do
realismo na representação, na passagem da arte medieval para a
renascentista, e desta para a barroca, isso não significa ganhos de qualidade
artística. Se fosse assim, a arte moderna representaria um retrocesso, uma
involução e uma perda de qualidade, pois a pintura de Rego Monteiro é menos
realista que as obras renascentista e barroca. Cada época e cada artista usam
seus meios expressivos, e a qualidade deve ser avaliada, em cada caso, pela
capacidade de representar ou expressar os valores humanos pretendidos.

17

As grandes escolas literárias

A história da literatura portuguesa divide-se em três grandes períodos:

· Era Medieval: do final do século XII ao final do século XV;

· Era Clássica: do século XVI ao século XVIII;

· Era Romântica: do século XIX até hoje.

A literatura brasileira possui apenas os dois últimos, mais especificamente


denominados:

· Era Colonial;

· Era Nacional.

LEGENDA: Iluminura do códice Manesse, que reúne canções de amor


medievais, 1340.

CRÉDITO: 1340. Iluminura. Biblioteca da Universidade de Heidelberg

Era Medieval

A Era Medieval da literatura portuguesa estende-se por mais de três séculos,


do final do século XII ao final do século XV.

Costuma-se dividi-la em dois períodos: Trovadorismo e Humanismo.

Trovadorismo (do final do século XII ao século XIV)

É o período literário que reúne basicamente os poemas feitos pelos trovadores


para serem cantados em feiras, festas e nos castelos durante os últimos
séculos da Idade Média. É contemporâneo às lutas pela independência e ao
surgimento do Estado português.

As obras refletem a mentalidade religiosa (teocentrismo) e feudal. Leia este


trecho.

Sedia-m'eu na ermida de San Simion


e cercaron-mi-as ondas que grandes son.

Eu estandend'o meu amigo! E verrá?

Estando na ermida, ant'o altar,

cercaron-mi-as ondas grandes do mar.

Eu estandend'o meu amigo! E verrá?

E cercaron-mi-as ondas que grandes son:

non ei i barqueiro nen sei remar.

Eu estandend'o meu amigo! E verrá?

E cercaron-mi-as ondas do alto mar:

non ei i barqueiro ni remador.

Eu estandend'o meu amigo! E verrá?

[...]

Estava eu na ermida de São Simeão

e cercaram-me as ondas tão grandes.

Eu esperando o meu amigo! E ele virá?

Estando na ermida ante o altar

Cercaram-me as ondas grandes do mar.

Eu esperando o meu amigo! E ele virá?

E cercaram-me as ondas tão grandes:

Lá não tenho barqueiro nem remador.

Eu esperando o meu amigo! E ele virá?

E cercaram-me as ondas do alto-mar:

Lá não tenho barqueiro nem sei remar.

Eu esperando o meu amigo! E ele virá?

[...]
MENDINHO. In: MONGELLI, Lênia Márcia (Org.). Fremosos cantares:
antologia da lírica medieval galego-portuguesa. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009. p. 134.

Observe que a língua que se falava na época ainda era o galego-português,


que daria origem, mais tarde, ao português moderno.

No fragmento, uma jovem está em uma ermida (pequena igreja) à beira-mar e


se sente envolvida pelas ondas. O tumulto das ondas sugere a inquietação da
alma: a moça preocupa-se com a demora do namorado (amigo) e sente-se
naufragar na dúvida e no sofrimento.

Humanismo (século XV)

É o período de transição entre o pensamento teocentrista e as ideias


antropocêntricas do Renascimento. Corresponde à época da expansão
marítima e ao início do mercantilismo europeu.

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LEITURA

Você já conhece a cena do teatro de Gil Vicente, autor do período humanista,


de que foi retirado o fragmento abaixo.

Ninguém Como hás nome, cavaleiro?

Todo o Mundo Eu hei nome Todo o Mundo,

e meu tempo todo inteiro

sempre é buscar dinheiro,

e sempre nisto me fundo.

VICENTE, Gil. Auto da Lusitânia. In: SPINA, Segismundo. Obras-primas do


teatro vicentino. São Paulo: Difel: Edusp, 1970. p. 317.

Em tom de conversa

Discuta com seus colegas a seguinte questão sobre o poema: Qual é a


característica histórica dos séculos XV e XVI que motiva as críticas do autor ao
comportamento de "Todo o Mundo"?
Resposta: Os séculos XV e XVI são a época do mercantilismo. O autor critica a
avidez das pessoas pelo dinheiro e pelo lucro.

Era Clássica | Era Colonial

A segunda era da literatura portuguesa estende-se do século XVI ao XVIII e


compreende três escolas: Renascimento, Barroco e Neoclassicismo.

Renascimento (século XVI)

O Renascimento é um dos mais importantes movimentos culturais e artísticos


da história moderna. Originário da Itália, procura reviver os ideais da civilização
greco-latina: equilíbrio, sobriedade, naturalidade, perfeição.

Orientada por uma visão de mundo antropocêntrica, a literatura renascentista


procura exprimir os valores absolutos e eternos por meio da Razão.

No canto VI de Os Lusíadas, poema épico que narra a viagem de Vasco da


Gama, lemos a seguinte estrofe, em que Baco se queixa da ousadia dos
portugueses, temeroso de que eles se tornem deuses do mar e do céu.

Vistes que, com grandíssima ousadia,

Foram já cometer o Céu supremo;

Vistes aquela insana fantasia

De tentarem o mar com vela e remo;

Vistes, e ainda vemos cada dia,

Soberbas e insolências tais, que temo

Que do Mar e do Céu, em poucos anos,

Venham Deuses a ser, e nós, humanos.

CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto: Porto Editora, 1978. p. 224.

O ciúme de Baco exemplifica a valorização do homem no Renascimento - o


antropocentrismo.

19

Quinhentismo brasileiro (século XVI)


Enquanto ocorria o Renascimento na Europa, no Brasil apenas se iniciava o
longo processo de transplante cultural. As poucas manifestações literárias da
nova terra estão ligadas à catequese jesuítica, refletindo uma visão teocêntrica
davida e seguindo atradição medieval. Apalavra "Quinhentismo", por referir-se
apenas aos anos quinhentos, tem um sentido genérico, talvez mais apropriado
para denominar o conjunto dessas primeiras manifestações.

Diabo Ai de mim, desventurado!

(Acolhe-se Satanás)

Anjo Ó traidor, aqui jarás

de pés e mãos amarrado,

pois que perturbas a paz

deste puebro sossegado!

Diabo Ó anjo, deixa-me já,

Que tremo desta senhora!

Anjo Contanto que te vás fora

e nunca mais tornes cá.

Diabo Ora seja na má hora!

ANCHIETA, José de. Poesias. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954.


p. 391.

Esse fragmento pertence a um auto (peça teatral) representado no Espírito


Santo, quando a Vila de Vitória recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens.
Observe a semelhança com os autos de Gil Vicente.

Barroco (século XVII a meados do século XVIII)

O Barroco corresponde ao período da Contrarreforma (movimento da Igreja


Católica em reação à Reforma protestante). Os valores do antropocentrismo
entram em crise e em conflito com os valores religiosos. O equilíbrio clássico é
substituído por uma angustiada expressão da pequenez humana diante de
Deus.
Leia, a seguir, uma estrofe do poema "No dia de quarta-feira de cinzas" de
Gregório de Matos.

LEITURA

Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,

Te lembra hoje Deus por sua Igreja;

De pó te faz espelho em que se veja

A vil matéria, de que quis formar-te.

MATOS, Gregório de. Obra poética. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1992. v. 1.
p. 78.

Em tom de conversa

Exponha sua opinião sobre a seguinte questão e discuta-a com seus colegas:
Qual é o tema tipicamente barroco dessa estrofe de Gregório de Matos?

Resposta: O tema da estrofe é o ensinamento da Igreja Católica de que o


corpo, mortal e impuro, deve ser desprezado como "vil matéria". Professor(a),
explicar que o tema do soneto é a liturgia da Quarta-feira de Cinzas, em que o
sacerdote faz o sinal da cruz na testa do penitente, " pronunciando o versículo:
"Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris ("Lembra-te, homem,
de que és pó e ao pó retornarás").

20

Neoclassicismo (segunda metade do século XVIII)

Reagindo aos exageros do Barroco, os autores neoclássicos pretendem


restaurar o equilíbrio e o otimismo. Predomina nesse período a poesia pastoril
e bucólica, como representação ideal da vida simples e natural.

Logo, entretanto, a arte neoclássicavai adquirindo tons emocionais e


pessimistas que prenunciam o Romantismo (Pré-Romantismo).

Leia, a seguir, o poema de Bocage e observe como a natureza serve de


cenário para os sentimentos.

Olha, Marília, as flautas dos pastores

Que bem que soam, como estão cadentes!


Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes

Os Zéfiros brincar por entre flores?

Vê como ali beijando-se os Amores

Incitam nossos ósculos ardentes!

Ei-las de planta em planta as inocentes,

As vagas borboletas de mil cores.

Naquele arbusto o rouxinol suspira,

Ora nas folhas a abelhinha para,

Ora nos ares sussurrando gira:

Que alegre campo! Que manhã tão clara!

Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,

Mais tristeza que a morte me causara.

BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Os amores: poemas escolhidos. Seleção


Álvaro Cardoso Gomes. São Paulo: Círculo do Livro, [19--]. p. 24.

Era Romântica / Era Nacional

À Era Romântica da literatura portuguesa corresponde a Era Nacional da


literatura brasileira. Em ambas sucedem-se seis escolas: Romantismo,
Realismo/Naturalismo/Parnasianismo, Simbolismo, Modernismo e, na
atualidade, o que se convencionou chamar de literatura Pós-Moderna ou
Contemporânea.

Romantismo (primeira metade do século XIX)

É a escola literária que representa a mentalidade burguesa, predominante a


partir do final do século XVIII. A literatura torna-se extremamente subjetiva e
exageradamente emocional.

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nenhuma lágrima

Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

Não quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. In: SILVA, Domingos Carvalho et
al. Grandes poetas românticos do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Discubra, 1978.
t. I. p. 252.

Álvares de Azevedo, autor dessas estrofes, é representante do


Ultrarromantismo brasileiro. Observe o tom emocional e a expressão da
autopiedade do eu lírico.

21

Escolas realistas - Realismo, Naturalismo, Parnasianismo (segunda


metade do século XIX)

Reagindo contra os exageros da subjetividade e do emocionalismo romântico,


surgem, na segunda metade do século, tendências literárias que pretendem
representar a realidade com o máximo de objetividade. A escola naturalista, por
exemplo, pretendia utilizar efetivamente os métodos das ciências naturais e
experimentais. Os poetas parnasianos, além de se dedicarem ao realismo
descritivo, realizaram um verdadeiro culto à perfeição formal.

LEITURA

João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro
que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos
refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara
nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em
pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro,
como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.

Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda


com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava
resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda,
em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de
palha. A comida arranjava-lhe, mediante quatrocentos réis por dia, uma
quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego
residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça
de mão e fazia fretes na cidade.

Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem


afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite peixe frito e iscas de
fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e, apesar disso,
tinha de parte quase que o necessário para a alforria. Um dia, porém, o seu
homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas
forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta.

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. In: LEVIN, Orna M. (Org.). Ficção completa em


dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. v. 2. p. 441.

Em tom de conversa

Nesse trecho, Aluísio Azevedo apresenta os personagens principais do


romance O cortiço. Discuta com seus colegas a linguagem utilizada pelo autor,
sobretudo a seleção dos vocábulos (adjetivos, substantivos e verbos) e o efeito
de sentido que essa escolha provoca nas impressões do leitor.

Atenção Professor(a), os alunos devem fazer um rápido levantamento do


léxico, por exemplo - adjetivos: suja, obscura, crioula, trintona, amigada;
substantivos: labutação, ardor; verbos: enriquecer, economizar; expressões:
nos refolhos, delírio de enriquecer, mais duras privações, seu homem,
estrompado como uma besta- e observar que a linguagem se refere aos
personagens sem qualquer idealização ou mesmo amenização das
características. O efeito é o rebaixamento do personagem João Romão a um
nível bastante grosseiro de sujeira, privações, excesso de trabalho, ganância,
avareza, e a quase animalização dos outros dois, Bertoleza e o marido. Fim da
observação.

Simbolismo (final do século XIX)

Com a lâmpada do Sonho desce aflito

E sobe aos mundos mais imponderáveis,

Vai abafando as queixas implacáveis,


Da alma o profundo e soluçado grito.

CRUZ E SOUSA. Poesia completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de


Cultura, 1981. p. 146.

Essa é a primeira estrofe de um soneto intitulado "O cavador do infinito". O


poeta empreende a "escavação da alma", iluminando a descida com "a
lâmpada do Sonho" - os símbolos oníricos (dos sonhos).

Assim como o Realismo foi uma reação ao subjetivismo romântico, o


Simbolismo reage contra os excessos da pretensa objetividade realista.
Influenciados pela psicanálise de Freud e porfilosofias espiritualistas, os
autores buscam captar a realidade por meio da intuição. Interessa-lhes
principalmente representar as camadas mais profundas do ser humano. Por
isso cultivam uma linguagem extremamente musical, mas imprecisa, sugestiva,
que frequentemente nos remete para o mundo onírico.

22

Modernismo (século XX)

O século XX inaugura uma "revolução permanente" nas artes e na literatura,


sintonizando-as com um novo ritmo de vida. A velocidade, a tecnologia, a
euforia e o desencanto do ser humano com transformações inusitadas em
todos os setores da existência deflagram novos conceitos e novos
procedimentos artísticos. Eles vêm se renovando desde as chamadas
"vanguardas" do início do século.

A paródia, a quebra da linearidade da linguagem, os cortes e flashes


cinematográficos, a valorização da cultura popular e do inconsciente
constituem algumas das principais características da pluralidade de estilos que
se reúnem no Modernismo.

O capoeira

- Qué apanhá sordado?

- O quê?

- Qué apanhá?

Pernas e cabeças na calçada.


O CAPOEIRA - In: Pau Brasil, de Oswald de Andrade, Editora Globo, São
Paulo, © Oswald de Andrade.

Observe que no poema a ideia de luta é apenas sugerida por um diálogo


relâmpago, tipicamente popular, criado em linguagem sintética, telegráfica,
metonímica. Exemplo de linguagem literária como montagem de cenas, numa
tentativa de apreender a simultaneidade.

A literatura contemporânea

A partir da década de 1970, as artes e a literatura passaram por


transformações cada vez mais aceleradas, refletindo as mudanças políticas
internacionais e nacionais, a irrupção da indústria cultural de massa, a
revolução eletrônica e digital. Os movimentos são muitos e contraditórios, e
nenhum ganhou relevância sobre os outros a ponto de tornar-se denominação
da época. Mesmo o Pós-Modernismo, que nos anos 1980 parecia dominar o
cenário artístico internacional, ficou longe de se tornar unanimidade. Os termos
arte contemporânea ou literatura contemporânea são necessariamente
provisórios, pois o adjetivo "contemporâneo" refere-se atudo o que é atual em
qualquer época. Passado o nosso tempo, a arte que se faz hoje não poderá ser
chamada de contemporânea. A grande riqueza de manifestações artísticas e
literárias de hoje, portanto, aguarda a criação de um nome que possa sugerir
essa extrema variedade.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

· A história da literatura agrupa os autores e obras em escolas (períodos,


movimentos) literárias ou estilos de época.

· Os grandes movimentos artísticos englobam manifestações de diferentes


artes, e é possível perceber semelhanças entre elas e a literatura.

· Conhecer a história literária e as características das escolas é um modo de


organizar os conhecimentos de literatura e dimensionar a originalidade de um
autor ou de uma obra. Portanto, é um modo de criar repertório de leitura.

· As características que permitem a inclusão de uma obra singular em uma


escola literária não são critérios para o julgamento da qualidade artística e
literária. Em arte, a diferença, a ruptura, a originalidade são mais importantes
que a conformidade.

· A descrição das escolas literárias realizada neste capítulo deve ser


considerada um guia para consulta ao longo dos estudos literários de todo o 2º
ano.

23

Atividades

Escreva no caderno

1. (PUCCamp-SP) Considere a foto abaixo.

LEGENDA: Catedral de Notre-Dame, construída em Paris entre 1163 e 1250.

CRÉDITO: Corel Stock Photo

As catedrais medievais em estilo gótico têm como característica:

a) apresentarem, em sua construção, uma estrutura monumental apoiada em


paredes largas, de pedra, com poucas aberturas, alguns arcos e grossos
pilares.

b) ilustrarem aquele que foi o primeiro dos estilos arquitetônicos que marcaram
a arte medieval, baseado na ideia da verticalidade e da grandiosidade divina.

c) representarem o tipo de igreja ostentatória implantado pelos papas, na Alta


Idade Média, em regiões da Europa onde persistiam cultos pagãos.

d) servirem de refúgio para a população contra ataques inesperados de árabes


e hereges, razão pela qual eram chamadas de "fortalezas de Deus".

e) refletirem o florescimento da vida urbana e portarem elementos que


sugeriam leveza, como os vitrais, muitas vezes presenteados por corporações
de ofício.

Resposta: Alternativa e.

24

Leia o poema e responda às questões de 2 a 5.

Esparsa
D'esperança em esperança

pouco a pouco me levou

grand'engano ou confiança,

que me tão longe leixou.

Se m'isto tomara outrora,

cuidara de ver-lhe fim;

mas qu'hei-de cuidar já'gora,

sem esperança e sem mim?

RIBEIRO, Bernardim. In: RESENDE, Garcia de. Antologia do Cancioneiro


geral. Sel., org., intr. e notas por Maria Ema Tarracha Ferreira. Lisboa:
Ulisseia, 1994. p. 142. (Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses.)

CRÉDITO: Rogério Borges

Bernardim Ribeiro

Nada se sabe da biografia desse poeta. É autor de cinco éclogas (composições


dialogadas de temática pastoril).

Sua obra mais conhecida é a novela sentimental, em prosa, denominada


Menina e moça. O Cancioneiro geral (coleção de poemas do século XV
publicada no século XVI) reúne 12 poemas seus.

Vocabulário:

leixar: deixar;

se m'isto tomara outrora: se tivesse tomado consciência disto outrora;

cuidara de ver-lhe fim: procuraria ver-lhe o fim (ver o fim disso);

qu'hei-de cuidar: que hei de fazer.

Fim do vocabulário.

2. Faça a escansão do primeiro verso do poema. Em relação à métrica, como


são chamados os versos utilizados por Bernardim Ribeiro?

Resposta: D'es/pe/ran/ça em/ es/pe/ran/ça - Versos redondilhas maiores (7


sílabas).
3. Utilizando letras, faça o esquema de rimas do poema.

ABABCDCD

4. Retome os quatro primeiros versos do poema e coloque-os na ordem


sintática direta. Depois responda:

Resposta: Grand'engano ou confiança, que me tão longe leixou, me levou


pouco a pouco d'esperança em esperança.

Caso esses versos fossem escritos nessa nova ordem, a leitura também seria
atraente e melodiosa? Por quê?

Resposta pessoal. Professor(a), peça aos alunos que façam a leitura oral das
duas estruturas comparando as mudanças sonoras de cada uma.

5. A poesia do Humanismo é marcada pela requintada elaboração formal -


recursos sonoros e rítmicos expressivos, jogos de palavras sofisticados,
imagens sutis, engenhosa construção conceitual.

a) Observe as repetições de palavras nos quatro primeiros versos do poema.


Explique o efeito expressivo dessas repetições, relacionando-as à palavra
"longe", do quarto verso.

Resposta: As repetições ("esperança em esperança", "pouco a pouco")


produzem um efeito amplificador, cumulativo e progressivo, que culmina na
expressão "me tão longe leixou".

b) Comente o último verso, relacionando-o à palavra "longe" e aos versos


anteriores.

Resposta: A interrogação traduz a perplexidade do eu lírico, que, tendo se


enganado por tanto tempo, só agora toma consciência de que tudo está
perdido: não existe mais esperança e ele não pode mais contar nem consigo
mesmo ("sem mim").

6. (PUC-PR) Identifique nos versos finais do poema "O assinalado", de Cruz e


Sousa, os elementos que caracterizam a poesia simbolista do autor. Depois
assinale a alternativa correta.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado

que povoas o mundo despovoado,


de belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica

Toda a audácia dos nervos justifica

Os teus espasmos imortais de louco!

a) A poesia é criação de belezas eternas.

b) A poesia é a linguagem que provoca a loucura do poeta.

c) O poeta se distingue dos mortais comuns porque é louco.

d) A natureza oculta a loucura do poeta.

e) O poeta é "assinalado" porque contribui para povoar o mundo.

Resposta: Alternativa a.

25

As quatro reproduções a seguir representam a mesma cena religiosa, inspirada


em uma passagem do Evangelho. Depois de tê-las observado atentamente,
responda às questões 7 e 8.

PINTURA 1

LEGENDA: A última ceia (1520-1525), de Andrea del Sarto.

CRÉDITO: Andrea del Sarto. 1520-1525. Afresco, 871 × 525 cm. Convento San
Salvi, Florença

PINTURA 2

LEGENDA: A última ceia (1498), de Leonardo Da Vinci.

CRÉDITO: Leonardo da Vinci. 1498. Afresco, 4,6 × 8,8 m. Convento Santa


Maria delle Grazie, Milão

26

PINTURA 3

LEGENDA: A última ceia (c. 1308-1311), de Duccio di Buoninsegna.

CRÉDITO: Duccio di Buoninsegna. c. 1308-11. Têmpera e ouro sobre madeira,


53 × 50 cm. Museo dell'Opera de Duomo, Siena
PINTURA 4

LEGENDA: A última ceia (1594), de Tintoretto.

CRÉDITO: Tintoretto, 1594. Óleo sobre tela. 3,65 × 5,68 m. San Giorgio
Maggiore, Veneza

27

7. Relacione cada uma das características abaixo às pinturas, indicando o seu


número.

a) Busca da fidelidade na representação do cenário e das figuras humanas.

Resposta: Pinturas 1, 2 e 4.

b) Representação esquemática, deformada e simbólica da realidade.

Resposta: Pintura 3.

c) Deformação da perspectiva.

Resposta: Pintura 3.

d) Perspectiva rigorosa; senso de proporção; tridimensionalidade; a distância


do detalhe determina seu tamanho e sua nitidez.

Resposta: Pinturas 1, 2 e 4.

e) Figuras rígidas e solenes para representar o sagrado.

Resposta: Pintura 3.

f) Rigor da composição, da organização espacial e da simetria.

Resposta: Pinturas 1 e 2.

g) Ausência de simetria, tensão dramática dos contrastes, do claro-escuro;


saturação da imagem, movimento, agitação.

Resposta: Pintura 4.

8. Lembrando as características do Renascimento e de acordo com as


observações feitas no exercício anterior, indique as figuras correspondentes à:

a) pintura renascentista maneirista.

Resposta: Pintura 4.
b) pintura medieval.

Resposta: Pintura 3.

c) pintura renascentista clássica.

Resposta: Pinturas 1 e 2.

Leia o poema e responda às questões 9 e 10.

Este inferno de amar

Este inferno de amar - como eu amo! -

Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?

Esta chama que alenta e consome,

Que é a vida - e que a vida destrói -

Como é que se veio a atear,

Quando - ai quando se há de apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,

A outra vida que dantes vivi

Era um sonho talvez... - foi um sonho -

Em que paz tão serena a dormi!

Oh! que doce era aquele sonhar...

Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso

Eu passei... dava o Sol tanta luz!

E os meus olhos, que vagos giravam,

Em seus olhos ardentes os pus.

Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;

Mas nessa hora a viver comecei...

GARRETT, Almeida. Este inferno de amar. In: MOISÉS, Massaud. A literatura


portuguesa através dos textos. 14ª ed. São Paulo: Cultrix, 1985. p. 219.
Vocabulário:

Maneirismo: entendido às vezes como antirrenascimento, o Maneirismo,


surgido na Itália após 1520, é a fase de transição entre o Renascimento e o
Barroco. Certas obras, em razão de características como o jogo intenso de
claro-escuro, o alongamento e a contorção das figuras e a dramaticidade das
cenas, podem facilmente ser tomadas por obras barrocas.

Fim do vocabulário.

Almeida Garrett (1799-1854)

Introdutor do Romantismo em Portugal, foi uma das figuras públicas mais


notáveis e atuantes de sua época. Além de participar ativamente na política
(revolucionário liberal, deputado em várias legislaturas, ministro de Estado),
João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett foi um grande agitador cultural.
Dedicou-se ao jornalismo, à crítica e à história literária, à poesia, à prosa de
ficção e ao teatro.

Em sua vasta obra destacam-se: Viagens na minha terra (prosa), Folhas


caídas (poesia) e Frei Luís de Sousa (teatro).

28

9. O poema exprime a confusão dos sentimentos do amante.

a) Comente, a esse respeito, o título do poema.

Resposta: O título já exprime as contradições do sentimento, que são o tema


do poema: o amor, condição da felicidade, é causa de sofrimentos, é um
verdadeiro inferno para o sujeito lírico.

b) Localize na primeira estrofe dois oximoros (paradoxos) que exprimem a


confusão dos sentimentos.

Resposta: "Esta chama que alenta e consome," e "Que é a vida - e que a vida
destrói -".

10. O sujeito lírico evoca o tempo em que o amor era apenas um sonho. Os
olhos de uma mulher despertaram-no, tornando o sonho realidade.

a) Qual é a diferença entre o sonho e a realidade do amor?


Resposta: O sonho era doce e nele havia a paz; a realidade é o sofrimento, o
"inferno".

b) Apesar dessa diferença, o poema termina com uma defesa do amor.


Explique.

Resposta: Apesar dos sofrimentos que causa, o amor é a condição da vida; o


sujeito lírico afirma que só começou a viver quando o amor o despertou.

11. (Enem/MEC)

Soneto

Já da morte o palor me cobre o rosto,

Nos lábios meus o alento desfalece,

Surda agonia o coração fenece,

E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto

Tento o sono reter!... já esmorece

O corpo exausto que o repouso esquece...

Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,

Fazem que insano do viver me prive

E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!

Volve ao amante os olhos por piedade,

Olhos por quem viveu quem já não vive!

AZEVEDO, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.

O núcleo temático do soneto citado é típico da segunda geração romântica,


porém configura um lirismo que o projeta para além desse momento específico.
O fundamento desse lirismo é:

a) a angústia alimentada pela constatação da irreversibilidade da morte.


b) a melancolia que frustra a possibilidade de reação diante da perda.

c) o descontrole das emoções provocado pela autopiedade.

d) o desejo de morrer como alívio para a desilusão amorosa.

e) o gosto pela escuridão como solução para o sofrimento.

Resposta: Alternativa b.

12. (UFRJ)

HAPPY END

O meu amor e eu

nascemos um para o outro

agora só falta quem nos apresente.

Cacaso

29

O texto "Happy end" - cujo título ("final feliz") faz uso de um lugar-comum dos
filmes de amorconstrói-se na relação entre desejo e realidade, e pode ser
considerado uma paródia de certo imaginário romântico.

Justifique a afirmativa, levando em conta elementos textuais.

Resposta: No imaginário romântico há sempre um conflito entre o desejo e a


realidade, adversa à sua realização. O amor e a felicidade são idealizados e
ocorreriam na perfeita e impossível identidade dos amantes. O poema parodia
essa idealização, pois o título é irônico: o final feliz é negado pelo fato de os
amantes nem mesmo ainda se conhecerem.

13. (ITA-SP) O poema abaixo é de José Paulo Paes:

Bucólica

O camponês sem terra

Detém a charrua

E pensa em colheitas

Que nunca serão suas.

In: Um por todos: poesia reunida. São Paulo: Brasiliense, 1986.


O texto apresenta:

a) uma oposição campo/cidade, de filiação árcade-romântica.

b) um bucolismo típico da tradição árcade, indicado pelo título.

c) uma representação tipicamente romântica do homem do campo.

d) um contraste entre o arcadismo do título e o realismo social dos versos.

e) uma total ruptura com a representação realista do homem do campo.

Resposta: Alternativa d.

14. (Mack-SP)

A Musa de collant faz ginástica vamp.

Inteiramente pública, áspera, ofegante,

os olhos flamejantes, a boca free-lancer.

Arde barroca e fere o sol, concomitante.

Felipe Fortuna (poeta brasileiro da atualidade)

Assinale a alternativa correta sobre o texto.

a) Constrói um ideal de Musa a partir de referências que se opõem às do


discurso poético clássico.

b) Explicita um juízo de valor negativo com relação à mulher, reforçado pelo


uso de estrangeirismos (collant, vamp, free-lancer).

c) Critica, pelos adjetivos utilizados (pública, áspera, ofegante, entre outros), a


atitude antifeminina da mulher moderna.

d) Refere-se exclusivamente à mulher que se prostitui, como comprova o uso


da expressão "boca free-lancer" (verso 3).

e) Denuncia, com a metáfora "fere o sol" (verso 4), a atitude agressiva e hostil
das mulheres que frequentam academias.

Resposta: Alternativa a.

15. (PUC-RS)

Minhas mãos ainda estão molhadas


do azul das ondas entreabertas

e a cor que escorre dos meus dedos

colore as areias desertas

A estrofe acima revela um dos tópicos dominantes na poesia de Cecília


Meireles, que é a percepção _____ do mundo.

a) sentimental.

b) racional.

c) emotiva.

d) sensorial.

e) onírica.

Resposta: Alternativa d.

16. (PUC-RS)

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

Um dos traços da poesia de Carlos Drummond de Andrade, como demonstram


os versos acima, é a _____ entre as estrofes, o que nos oferece uma ideia de
fragmentação da realidade.

a) disponibilidade.

b) carência.

c) descontinuidade.

d) indagação.

e) dissolução.
Resposta: Alternativa c.

30

capítulo 2 - Camões e o Renascimento

Neste capítulo você vai estudar as principais características do Renascimento e


o principal autor desse período, Camões, um dos maiores poetas das
literaturas em língua portuguesa.

LEGENDA: Filme de Ridley Scott. 1492 A Conquista do Paraiso. 1992.


Espanha e França.

CRÉDITO: Fotografia de RDA/Rue des Archives/Latinstock

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2008. Edição
comentada.

· NESTI, Fido. Os Lusíadas em quadrinhos. São Paulo: Peirópolis, 2006.

· SONETOS de Camões. 5ª ed. São Paulo: Ateliê, 2011.

Vídeos

· 1492, A CONQUISTA do paraíso. Dirigido por: Ridley Scott. França/Espanha,


1992.

· QUEM ÉS TU, Luís Vaz?. Produção: RTP2. Portugal, 2002. (Especial


Grandes Escritores Portugueses.) Disponível em: tub.im/sp4v85. Acesso em:
27 abr. 2016.

Sites

· BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Obras de Camões. 2016.


Disponível em: http://tub.im/esk32n. Acesso em: 27 abr. 2016.

· INSTITUTO CAMÕES. [2015?]. Disponível em: http://tub.im/2g4qdo. Acesso


em: 27 abr. 2016. (Na aba Conhecer, selecione Biblioteca Digital Camões ou
Bases Temáticas/Literatura portuguesa).

· OBRAS DE ALTO RENASCIMENTO. 2014. Disponível em:


http://tub.im/e23byw. Acesso em: 27 abr. 2016.
31

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais...", da página 38, requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

TEXTO 1

Soneto

Amor é um fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor?

CAMÕES, Luís de. Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro
J. da Costa Pimpão. Coimbra: Atlântida, 1973. p. 110.

TEXTO 2

Soneto

Tanto de meu estado me acho incerto,

que, em vivo ardor, tremendo estou de frio;

sem causa, juntamente choro e rio,


o mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;

da alma um fogo me sai, da vista um rio;

agora espero, agora desconfio,

agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando,

num'hora acho mil anos, e é de jeito

que em mil anos não posso achar um'hora.

Se me pergunta alguém porque assi ando,

respondo que não sei; porém suspeito

que só porque vos vi, minha Senhora.

CAMÕES, Luís de. Lírica completa. Prefácio e notas de Maria de Lurdes


Saraiva. Coimbra: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1980. p. 40, v. II -
Sonetos.

CRÉDITO: Ignaz Fertig. Séc. XIX. Litografia. Biblioteca Nacional de Portugal,


Lisboa

Luís Vaz de Camões (1524?-1580)

A biografia do maior vulto da literatura portuguesa é envolta em lendas: a perda


do olho direito na batalha de Ceuta (Marrocos), a vida boêmia, as brigas, a
prisão e o desterro na Índia e em Macau, a paixão por uma chinesa
(Dinamene), o retorno, o naufrágio, o final da vida na miséria - nada foi jamais
reconstituído por falta de documentação.

FIQUE SABENDO

Versos 10 e 11: jogo sobre a palavra hora que, no verso 10, significa unidade
de tempo e, no verso 11, oportunidade favorável. (Nota de Maria de Lurdes
Saraiva, op. cit. p. 40.)

Vocabulário:
soneto: composição poética de quatorze versos, distribuídos em quatro
estrofes - dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (três
versos). Esse modelo foi fixado pelo poeta humanista italiano Francesco
Petrarca.

Fim do vocabulário.

Em tom de conversa

A palavra soneto, em sua origem, é o diminutivo de "som". Essa observação


nos remete para a importância da estrutura sonora e rítmica nessa composição
poética. Ler bem um soneto não é apenas entendê-lo. É também senti-lo -
sentir sua musicalidade e seu ritmo.

32

1. Releia os poemas, em silêncio e em voz alta, experimentando diferentes


modos de acentuar sua sonoridade.

2. Ouça a leitura de um colega. Compare-a com a sua. Em seguida, participe


da conversa sobre o texto, que será organizada pelo(a) professor(a).

3. Exponha para os colegas suas impressões sobre os sonetos. De qual você


mais gostou? Por quê? Qual deles você considera mais difícil?

Respostas pessoais.

4. Camões é um poeta muito citado. Qual trecho (verso ou estrofe) você


memorizaria para citar em alguma ocasião oportuna? Por quê?

Respostas pessoais.

5. Tente traduzir em uma frase a ideia mais geral sobre o amor desenvolvida
no soneto. Ouça as frases de seus colegas e discuta com eles para que,
juntos, escolham a que consideram a melhor. Um bom ponto de partida:

· O que o eu lírico pensa sobre o amor.

· Ele sabe definir esse sentimento?

Resposta: Frases possíveis: O amor é contraditório, incompreensível e


inexprimível em palavras. / O amor é um sentimento ambíguo, que ilumina e
queima, mas se esquiva a qualquer definição. / Sente-se intensamente o amor,
mas não se consegue traduzi-lo em palavras.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

[...] o poeta atenua os impulsos do seu "eu", quer dizer, de sua vida subjetiva
particular, em favor de uma visão impessoal ou objetiva e universal, que
pressupõe absolutos de beleza, de bem e de verdade. Por isso, interessa-lhe
mais a Mulher que a mulher (ou esta como reflexo daquela), mais o Amor que o
amor (ou este como reflexo daquele) e assim por diante.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através dos textos. 7ª ed. São


Paulo: Cultrix, 1976, p. 78.

Releitura

Escreva no caderno

1. Para responder às perguntas a seguir, leia o comentário de Massaud Moisés


no boxe de cima.

a) Considerando o tema do primeiro soneto, explique por que o substantivo


amor foi grafado com inicial maiúscula.

Resposta: O tema do soneto é a busca de uma definição do amor, e não a


expressão de um sentimento individual ou o relato de um caso particular de
amor. A letra maiúscula é um modo de sublinhar que o eu lírico fala do amor
como ideia, como conceito universal.

b) Conforme a explicação dada no item anterior, como deveria ser grafado o


mesmo substantivo no segundo soneto, se o poeta o tivesse utilizado? Por
quê?

Resposta: No segundo soneto o substantivo amor deveria ser grafado com


letra minúscula, pois ele se referiria a um sentimento ou um caso particular de
amor, despertado pela visão de uma mulher.

2. Leia a definição de oximoro no quadro acima e responda às questões.

a) Explique por que "um fogo que arde sem se ver" é um oximoro.

Resposta: Porque o substantivo fogo, fenômeno natural, é o desprendimento


de calor e de luz na combustão de um corpo. Ora, o que desprende luz é
visível por definição. Portanto, a segunda parte da metáfora, "sem se ver"
(invisível) contradiz a primeira, "fogo". O primeiro soneto já se inicia com um
oximoro e apresenta uma lista de outros ao longo do poema.

b) Na sua opinião, qual é o oximoro mais expressivo no soneto?

Resposta pessoal.

c) De todas as definições dadas pelo eu lírico, qual é a mais ampla, que


resume todas as outras? Justifique sua resposta.

Resposta: A mais ampla é "tão contrário a si é o mesmo Amor". As outras


definições são exemplos de contradições entre o que se espera do amor e os
seus efeitos. No último verso, o eu lírico define o amor como contraditório em si
mesmo, ou seja, como essencialmente contraditório: o amor é o contrário do
amor.

3. Retorne ao soneto 2 e responda.

a) O verso "que em vivo ardor, tremendo estou de frio" constitui oximoro?


Justifique sua resposta.

Resposta: Espera-se que os alunos respondam negativamente. O ardor (calor)


e o frio são duas sensações que podem ocorrer ao mesmo tempo, em estado
de febre. A palavra calafrio nomeia precisamente essa dupla sensação.
Professor(a), explicar que calafrio é composto de cale (de calere: estar quente)
+ frige (de frigere: sentir frio). Portanto, embora opostas, antitéticas, uma
sensação não nega a outra, criando um paradoxo. Comente outras antíteses
do soneto 2, mostrando que elas exprimem a incerteza, a confusão do eu lírico,
mas não constituem oximoros.

b) O significado da metáfora fogo, no 6º verso, é igual ao do primeiro soneto?

Resposta: Não; no primeiro soneto, fogo é metáfora do Amor, da ideia do


amor; no segundo, é metáfora das sensações e reações do eu lírico.

c) Escolha as duas antíteses que você considera mais expressivas do estado


emocional do eu lírico.

Resposta pessoal. Antíteses: ardor/frio; choro/rio; mundo todo/nada; fogo/rio;


espero/desconfio; desvario/acerto; terra/céu.
Atenção Professor(a), verifique se os alunos compreendem o sentido
metafórico de rio e o significado do verbo desvariar (fazer desatinos, alucinar).
Fim da observação.

d) Escolha uma palavra do segundo soneto que resuma o conjunto das


reações do eu lírico à visão da mulher amada. Dê alguns sinônimos dessa
palavra.

Resposta: A palavra que melhor resume o conjunto das reações do sujeito


lírico é o substantivo abstrato desconcerto. Sinônimos: perturbação,
transtorno, desatino, desordem.

4. Você estudará neste capítulo que uma das características do Renascimento


é o predomínio da razão sobre a emoção, ou melhor, a racionalização da
emoção. Qual dos dois sonetos é um melhor exemplo dessa característica?
Justifique sua resposta.

Resposta: O melhor exemplo é o primeiro soneto. Nele o eu lírico procura


compreender e definir o amor e suas contradições. Não há um eu explícito que
confessa seus sentimentos (eu amo, eu sofro...); estes ficam encobertos por
uma linguagem aparentemente objetiva e assertiva: "amor é". Já o segundo eu
lírico, presente desde o primeiro verso (meu estado) confessa sua confusão
emocional, provocada pela simples visão da mulher amada.

Vocabulário:

oximoro: figura de linguagem que justapõe dois termos que se contradizem.


Pode-se afirmar que o oximoro "representa uma intensificação especial da
antítese" (Wolfgang Kayser). Exemplo: "Mas que [o amor] seja infinito enquanto
dure" (Vinicius de Moraes). Nesse verso, a expressão "enquanto dure"
contradiz a outra, "seja infinito", pois o que é infinito não acaba, não tem prazo
de duração;

antítese: figura de linguagem que se caracteriza pelo emprego de palavras ou


expressões de significados opostos.

Fim do vocabulário.

33

Comentário
A leitura dos dois sonetos nos dá uma pequena amostra da maestria de
Camões. Ideias aparentemente banais, como as contradições do amor e a
confusão dos sentimentos de quem ama, são expostas numa impressionante
torrente de imagens - metáforas, antíteses, oximoros. Embora algumas já
fossem lugares-comuns em sua época (como a metáfora do fogo ou o
hiperbólico rio de lágrimas), elas ganham vida na perfeita construtura do texto:
as imagens se sucedem e se acumulam até o final da terceira estrofe, para, na
quarta, ponto culminante, fechar-se o poema com o maior e mais categórico
dos paradoxos (primeiro soneto) ou com a causa do grande desconcerto
confessado pelo eu lírico (segundo soneto).

Atravessando os séculos, sempre viva e renovada, essa poesia influenciou


poetas de todas as épocas, e influencia até hoje, em Portugal, no Brasil e nos
países africanos que falam a língua portuguesa.

Por isso é tão importante ler a poesia de Camões.

O RENASCIMENTO

Os ideais clássicos renascentistas, cultivados na Itália desde o século XIV,


tornaram-se novidade em Portugal a partir da terceira década do século XVI,
divulgados pelo poeta Francisco de Sá de Miranda.

Características do Classicismo

A principal tendência do Renascimento na literatura e nas artes é o


Classicismo, que se define pelas seguintes características:

· imitação dos autores gregos e latinos, tomados como modelos de perfeição


estética;

· obediência a regras, estabelecidas com base na leitura de textos teóricos


clássicos, como os de Aristóteles (filósofo grego) e de Horácio (poeta latino), e
na análise de obras clássicas;

· busca da perfeição formal das obras;

· diferenciação clara e independência dos gêneros;

· racionalismo; equilíbrio entre razão e emoção, entre razão e imaginação;

· impessoalidade;
· identificação com os valores ideais do Bem e da Verdade e o ideal da Beleza.

O Renascimento português é multiforme, como ocorreu, aliás, em todos os


países. As características do Classicismo (veja acima) conviveram com a
influência da última época medieval, às vezes nos mesmos autores e até nas
mesmas obras. No entanto, muito cedo há uma evolução para o Maneirismo,
em que se podem sentir os prenúncios do Barroco: a expressão poética de
conflitos interiores, cada vez mais tensa, torna precário o equilíbrio clássico
entre razão e emoção.

FIQUE SABENDO

Entendido às vezes como antirrenascimento, o Maneirismo, surgido na Itália


após 1520, é a fase de transição entre o Renascimento e o Barroco. Certas
obras, em razão de características como o jogo intenso de claro-escuro, o
alongamento e a contorção das figuras e a dramaticidade das cenas podem
facilmente ser tomadas por obras barrocas.

O dolce stil nuovo

Essa expressão foi utilizada por Dante Alighieri (1265-1321), em referência à


nova lírica amorosa cultivada por ele e um grupo de poetas florentinos. Nessa
nova poesia, a mulher é idealizada como um ser puro, angelical; o amor, de
concepção platônica, provoca a elevação espiritual e moral no ser humano. O
estilo (stil) deve ser doce (dolce), suave, sem ornamentos, e de delicada
musicalidade.

Essas ideias, mescladas ao petrarquismo - de Francesco Petrarca (1304-


1374), poeta e humanista italiano -, exerceram grande influência sobre os
renascentistas portugueses. Sá de Miranda divulgou a métrica preferida dos
poetas italianos, a chamada medida nova (versos decassílabos), em
substituição à medida velha (versos redondilhos). Cumpre dizer, entretanto,
que a medida velha nunca deixou de ser cultivada, ao lado da medida nova,
pelos autores renascentistas.

34

Medida velha (versos redondilhos)

Os versos redondilhos apresentam-se em duas extensões:


· redondilha menor (cinco sílabas)

Ri / bei / ras / do / mar,

que / ten / des / mu / dan / ças,

as / mi / nhas / lem / bran / ças

dei / xai- / as / pa / ssar.

SOUSA, Francisco de. In: SPlNA, Segismundo. Era Medieval. São Paulo:
Difel, 1966. p. 137. (Presença da Literatura Portuguesa, v. 1).

· redondilha maior (sete sílabas)

Se / nho / ra, / par / tem / tão / tris / tes

meus / o / lhos / por / vós, / meu / bem,

que / nun / ca / tão / tris / tes / vis / tes

ou / tros / ne / nhuns / por / nin / guém.

CASTELO-BRANCO, João Ruiz de. In: SPlNA, Segismundo. Era Medieval.


São Paulo: Difel, 1966. p. 12. (Presença da Literatura Portuguesa, v. 1).

Medida nova (versos decassílabos)

Os versos decassílabos clássicos podem ser:

· heroicos - com acento obrigatório (cesura) na sexta e décima sílabas.

A / mor / é um / fo / go / que ar / de / sem / se / ver (Soneto)


6 10

· sáficos - com acento na quarta, oitava e décima sílabas.

E / não / do / can / to, / mas / de / ver / que / ve / nho (Os Lusíadas)


4 8 10

LEITURA

TEXTO 1

Comigo me desavim,

sou posto em todo perigo;

não posso viver comigo


nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,

antes que esta assi crescesse;

agora já fugiria

de mim, se de mim pudesse.

Que meio espero ou que fim

de vão trabalho que sigo,

pois que trago a mim comigo,

tamanho imigo de mim?

MIRANDA, Francisco de Sá de. In: _____. Poesia e teatro. Seleção de Silvério


Augusto Benedito. Lisboa: Verbo, 2006. p. 57. (Coleção Biblioteca Ulisseia de
Autores Portugueses).

CRÉDITO: Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

Francisco de Sá de Miranda (1481?-1558)

Sá de Miranda já era poeta quando fez uma longa viagem pela Itália, berço do
Renascimento. Depois de seu retorno, em 1527, além de divulgar os novos
ideais estéticos, foi um dos primeiros a utilizar as formas poéticas clássicas. A
constante busca da perfeição torna sua poesia muito elíptica e bastante difícil.
Além da produção poética, escreveu duas peças de teatro.

35

TEXTO 2

Dispersão (fragmento)

Perdi-me dentro de mim

Porque eu era labirinto,

E hoje, quando me sinto,

É com saudades de mim.

Passei pela minha vida

Um astro doido a sonhar.


Na ânsia de ultrapassar,

Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,

Não tenho amanhã nem hoje:

O tempo que aos outros foge

Cai sobre mim feito ontem.

[...]

Como se chora um amante,

Assim me choro a mim mesmo:

Eu fui amante inconstante

Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro

Nem as linhas que projeto:

Se me olho a um espelho, erro -

Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim

Mas nada me fala, nada!

Tenho a alma amortalhada,

Sequinha, dentro de mim.

[...]

SÁ-CARNEIRO, Mário de. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1995. p. 61.

CRÉDITO: Coleção Particular

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)

Poeta, contista e ficcionista da primeira geração modernista portuguesa. Aos


22 anos abandona a faculdade de Direito, em Coimbra, e muda-se para Paris,
onde participa da agitação literária das vanguardas. Em 1915, lança, com
Fernando Pessoa, a revista Orpheu, dando início ao Modernismo português.
Crises sentimentais e financeiras levam-no ao suicídio, em 29 de abril de 1916.
Principais obras: Dispersão, Indícios de ouro (poesia), A confissão de Lúcio
(novela), Amizade (teatro).

Releitura

Escreva no caderno

1. Na antologia de que foi copiado, o poema de Sá de Miranda está em uma


seção intitulada "Trovas à maneira antiga". Considerando o que você estudou
no tópico "O dolce stil nuovo" (p. 33), como se justifica a inclusão do poema
nessa seção do livro?

Resposta: O dolce stil nuovofoi uma novidade introduzida por Sá de Miranda na


literatura portuguesa, e nesse novo estilo dá-se preferência ao verso
decassílabo. Ora, os versos desse poema são redondilhos maiores (7 sílabas),
seguindo a tradição anterior ao Renascimento (maneira antiga). (Pode-se
solicitar aos alunos que façam a escansão de alguns versos dos dois poemas,
verificando que o poeta moderno também compôs versos redondilhos.)

2. A maioria dos poemas líricos que estudamos até agora falam do amor. O
conflito, embora se desenvolvesse no interior do sujeito lírico, relacionava-se
sempre com o mundo exterior (isto é, com o outro, com a pessoa amada).

a) Considerando o conflito, qual é a semelhança entre os poemas de Sá de


Miranda e Mário de Sá-Carneiro? Explique.

Resposta: Nos dois poemas, o sujeito lírico exprime um conflito interior, uma
desavença consigo mesmo. No primeiro, o sujeito está preso em si, devendo
viver consigo, sendo seu próprio inimigo; no segundo, o sujeito está perdido no
labirinto de seus sentimentos e, incapaz de encontrar-se ou de reconhecer-se,
sente saudades do que era porque temia que sua dor aumentasse.

b) O sujeito lírico do texto 1 afirma que fugia das pessoas. A solidão era capaz
de aplacar a sua dor? Por quê?

Resposta: Não. Porque a causa de sua dor estava nele mesmo, não nos
outros. Portanto, mesmo na solidão, permanecia a presença incômoda de um
outro, que era ele mesmo e do qual era impossível fugir.
Comentário

Como já foi observado, a tradição medieval não foi totalmente abandonada


durante o Renascimento. Mesmo Sá de Miranda, o principal propagador da
moda clássica renascentista em Portugal, utilizou frequentemente os versos
redondilhos medievais, como no poema que acabamos de ler.

Por sua temática, porém, a trova ilustra perfeitamente o espírito da nova época.
O Antropocentrismo é a autoafirmação do ser humano em sua relação com o
mundo. Voltado para si mesmo, ele torna-se individualista e quebra a harmonia
dessa relação. Os conflitos entre o eu e o mundo são interiorizados e chegam a
tal intensidade que o indivíduo se sente, contraditoriamente, dividido: "não
posso viver comigo".

Vocabulário:

Antropocentrismo: concepção horizontal da vida, em que o ser humano


(ánthropos) é o centro e a medida do Universo. A vida e o Universo explicam-
se pelos valores humanos. Opõe-se ao Teocentrismo;

Teocentrismo: concepção vertical da vida, em que Deus (Théos) é o centro de


todas as coisas. A vida na Terra é apenas um exílio que prepara para a vida
após a morte, quando o ser humano poderá ser salvo ou condenado;

indivíduo: palavra introduzida na língua portuguesa justamente no século XVI,


oriunda do latim individˇuus (indivisível).

Fim do vocabulário.

36

O individualismo iniciado no século XVI terá uma longa evolução. O


Romantismo do século XIX parecia ser a sua expressão mais intensa. Mas no
século XX o ser humano não é menos individualista, nem é menor a sua
ruptura com o mundo e consigo mesmo, como vimos no poema "Dispersão".

O poema de Mário de Sá-Carneiro atesta a atualidade do poema de Sá de


Miranda.

Luís Vaz de Camões


Luís Vaz de Camões é o maior poeta renascentista português. Tornou-se
referência obrigatória para as épocas posteriores e sua influência continua a
ser exercida, com a mesma intensidade, nos dias atuais.

Das obras de Camões, estudaremos a lírica e a épica, deixando de lado sua


obra dramática (três autos), que não tem a mesma grandeza e importância.

A lírica camoniana

A poesia lírica de Camões foi reunida no livro Rimas, organizado e publicado


15 anos após a morte do autor (edições de 1595 e de 1598). A recolha
póstuma de seus versos torna a questão da autoria um problema talvez
insolúvel: muitos poemas tidos como de Camões são apócrifos, isto é, de falsa
ou duvidosa atribuição autoral.

Camões escreveu na medida velha (versos redondilhos) e na medida nova


(versos decassílabos). Nesta, os poemas mais famosos e admirados são os
sonetos.

A medida velha

Em suas redondilhas, Camões dá continuidade à poesia medieval. Com ele, a


tradição poética eleva-se a um nível nunca alcançado pelos autores do
Cancioneiro geral, de Garcia de Resende.

E vi que todos os danos

se causavam das mudanças

e as mudanças dos anos;

onde vi quantos enganos

faz o tempo às esperanças.

Ali vi o maior bem

quão pouco espaço que dura,

o mal quão depressa vem,

e quão triste estado tem

quem se fia da ventura.


CAMÕES, Luís Vaz de. Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por
Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra: Atlântida, 1973. p. 105.

A medida nova

A poesia composta na medida nova constitui o ponto mais alto não apenas da
lírica camoniana, mas de todo o Renascimento português. Camões não seguiu
apenas uma moda. A nova métrica, as formas fixas, como a do soneto, os
temas, a imitação (sobretudo de Petrarca), enfim, todos os preceitos e todos os
lugares-comuns da lírica renascentista são apenas instrumentos expressivos
de uma vivência profunda e intensa.

O culto da razão não elimina a emoção. A reflexão sobre os dramas pessoais


vividos pelo autor eleva a emoção a um nível superior. A partir de sua vivência,
Camões busca o sentido da vida. A partir do particular, o universal.

Sua poesia não evita as contradições da época. Pelo contrário, dá a elas uma
expressão tensa e dramática. Aos ideais buscados pelo homem renascentista
contrapõe a dura realidade humana: ao Bem, nossa fragilidade; à Beleza,
nossas imperfeições; ao Amor, nossa infelicidade; à Mulher idealizada, a
mulher real... Da contraposição tensa entre o ideal e a realidade resulta uma
visão trágica e pessimista da vida, que prenuncia o Barroco.

Seus temas prediletos são o amor, a mutabilidade e o desconcerto do mundo.

37

LEITURA

Soneto

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

muda-se o ser, muda-se a confiança;

todo o mundo é composto de mudança,

tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

diferentes em tudo da esperança;

do mal ficam as mágoas na lembrança,


e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

que já coberto foi de neve fria,

e, em mim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

outra mudança faz, de mor espanto,

que não se muda já como soía.

CAMÕES, Luís Vaz de. Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por
Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra: Atlântida, 1973. p. 162.

Vocabulário:

soer (último verso: soía): verbo pouco utilizado atualmente em português,


significa costumar, ser comum, ser frequente.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

1. Divida o soneto em duas partes, indicando as estrofes que pertencem a cada


uma delas.

a) Primeira parte: postulado (afirmação geral e categórica).

Resposta: As duas primeiras estrofes (quartetos).

b) Segunda parte: afirmação particular (exceção à afirmação geral).

Resposta: As duas últimas estrofes (tercetos).

2. Que verso da primeira estrofe resume o postulado geral feito pelo sujeito
poético?

Resposta: "todo o mundo é composto de mudança"

3. Releia a segunda estrofe e explique por que, para o sujeito lírico, as


novidades são sempre negativas.
Resposta: Para ele, as mudanças são sempre para pior. O Mal se acaba, deixa
sua marca na lembrança e não é substituído necessariamente pelo Bem. O
Bem deixa a saudade, que é também um sofrimento.

4. Releia a terceira estrofe.

a) Explique a metáfora "verde manto" e a metonímia "neve fria".

Resposta: São imagens de estações do ano. "Verde manto" é metáfora da


primavera, que sucede ao inverno, representado pela metonímia "neve fria".

b) É comum a associação das estações do ano aos nossos estados de espírito.


A qual estação podemos associar o substantivo "choro"? E a expressão "doce
canto"?

Resposta: "Choro" deve ser associado ao inverno, pois é considerada a


estação mais triste; "doce canto" deve ser associado à primavera, considerada
a estação do amor e da alegria.

5. Observe o esquema.

neve fria → verde manto

doce canto → choro

Com base nas respostas anteriores, explique por que a conjunção aditiva e que
inicia o 11º verso possui uma conotação adversativa e pode ser entendida
como um mas.

Resposta: Na natureza, o inverno, estação da tristeza, transforma-se na


primavera, estação da alegria. Com os sentimentos do sujeito lírico acontece o
oposto: é a alegria ("doce canto" - primavera) que se converte em tristeza
("choro" - inverno). Assim o etem um valor adversativo: na natureza é assim,
mas, em mim, é o contrário.

Vocabulário:

postulado: o que se admite como ponto de partida de uma argumentação; fato


ou afirmação aceita sem que haja necessidade de demonstração anterior.

Fim do vocabulário.

PARA NÃO ESQUECER


Metonímia - Emprego de uma palavra por outra, com base numa relação de
dependência ou contiguidade de sentidos (a parte pelo todo, o efeito pela
causa, o continente pelo conteúdo, o autor pela obra etc.).

Metáfora - Emprego de uma palavra ou expressão com um sentido diferente


do usual, com base em uma comparação subentendida entre dois elementos.

38

6. O tema da última estrofe é o desconcerto do mundo. Releia-a e responda.

a) Qual é o sujeito do verbo fazer, no 13º verso?

Resposta: É o tempo, mesmo sujeito das orações da estrofe anterior.

b) Com base no postulado sobre a mutabilidade do mundo, apresentado nas


primeiras estrofes, explique por que o sujeito lírico considera espantosa a
mudança ocorrida atualmente em sua vida.

Resposta: A mudança atual é espantosa porque ela nega o postulado de que,


pela ação do tempo, todas as coisas se transformam sempre em seu contrário.
A novidade agora é que, para o sujeito lírico, o próprio tempo mudou, deixando
de mudar as coisas como costumava fazer.

c) Relacionando a última estrofe ao 11º verso - "e, em mim, converte em choro


o doce canto." -, explique o pessimismo do sujeito lírico na conclusão do
poema.

Resposta: No 11º verso, o sujeito lírico afirma que, nele, o doce canto converte-
se em choro. Como o tempo cessou de mudar as coisas em seu contrário, ele
não pode mais esperar o retorno da alegria, ficando condenado ao choro
perpétuo e à infelicidade.

Comentário

Este soneto desenvolve o tema da mutabilidade e desconcerto do mundo, o


mesmo que você já encontrou na redondilha citada na página 36 ("E vi que
todos os danos").

Em Camões a idealização platônica não suprime a realidade imperfeita do


mundo e dos homens. A tensão entre o ideal desejado e as contingências a
que devemos nos submeter gera uma visão extremamente pessimista da vida:
o mundo está em constante transformação, mas não necessariamente em
direção ao Bem e à perfeição. Pelo contrário, parece estar sempre em grande
desconcerto (desordem, desarmonia).

E MAIS...

Leitura de poemas

Junte-se a um colega a fim de preparar a apresentação de um soneto de


Camões para a classe.

· Escolham um ou dois sonetos (há uma edição digital dos sonetos disponível
no site Domínio Público: http://tub.im/4h8ad6. Acesso em: 31 mar. 2016).

· Escrevam um pequeno comentário, indicando o tema do soneto.

· Ensaiem a leitura expressiva, marcando bem o ritmo e modulando a voz.

· Para a apresentação, podem preparar slides com os sonetos e os


comentários, ilustrando-os com reproduções de obras de arte renascentistas
(na internet, há muitos sites com boas reproduções).

A épica camoniana - Os Lusíadas

As primeiras décadas do século XVI foram o tempo mais brilhante da história


literária de Portugal. Camões escreveu o grande poema épico que celebra esse
período - Os Lusíadas -, uma das principais obras literárias do Renascimento
europeu.

Não deixa de ser irônico que a obra destinada a imortalizar os feitos do povo
português e a exaltar a maior glória da nação tenha sido publicada em 1572,
apenas oito anos antes de Portugal perder sua independência, passando ao
domínio espanhol.

Camões segue os modelos clássicos de Homero (autor da Ilíada e da


Odisseia) e, sobretudo, de Virgílio (autor da Eneida). Mas, como epopeia
renascentista, seu poema reflete perfeitamente os ideais, a mentalidade e as
contradições do século XVI.

Vocabulário:

epopeia: poema narrativo de estrutura clássica que exalta as ações, os feitos


memoráveis, grandiosos de um herói em prol do interesse nacional.
Fim do vocabulário.

Características formais

· Métrica: versos decassílabos heroicos (8816 versos).

· Estrofação: estrofes em oitava-rima (oito versos - 1102 estrofes).

· Rima: seguem sempre o esquema ABABABCC.

· Cantos: o poema divide-se em dez cantos, de extensão irregular.

39

Características temáticas

· Assunto: a história de Portugal e os grandes feitos de seu povo.

· Núcleo da narração: a viagem empreendida em 1497 por Vasco da Gama,


descobrindo o caminho marítimo para as Índias.

· Herói: diferentemente de seus modelos clássicos, Os Lusíadas celebram um


herói coletivo. Vasco da Gama é o símbolo e o porta-voz do verdadeiro herói
do poema, o povo português.

Características estruturais

O poema, como seus modelos clássicos, desdobra-se em três partes:

I. Introdução (estrofes 1 a 18 do Canto I)

A introdução subdivide-se em três partes:

a) Proposição (estrofes 1 a 3): o poeta anuncia o tema de seu canto épico - os


grandes feitos dos heróis portugueses.

b) Invocação (estrofes 4 e 5): os épicos gregos e latinos pediam inspiração às


Musas. Camões invoca as Tágides (ninfas do Tejo - o termo Tágide foi criado
pelo humanista André de Resende, 1500-1573).

c) Dedicatória (estrofes 6 a 18): o poema é dedicado a D. Sebastião, rei de


Portugal na época da publicação do poema.

II. Narração (da estrofe 19 do Canto I à 144 do Canto X)

Camões segue o preceito clássico, iniciando a narração in medias res


(expressão latina que significa "no meio dos acontecimentos"): na estrofe 19 do
Canto I, os navegantes já estão no oceano Índico, próximos a Moçambique. Os
deuses reúnem-se em concílio no Olimpo e, apesar da oposição de Baco,
aprovam a viagem de Vasco da Gama, com os votos favoráveis de Júpiter,
Vênus e Marte. Em Moçambique e no trajeto até Melinde, os portugueses
sofrem várias traições dos mouros, todas inspiradas por Baco. Vênus, a deusa
do amor, socorre seus protegidos.

No final do Canto II, o rei de Melinde pede a Vasco da Gama que lhe conte a
História de Portugal; os Cantos III e IV são dedicados a essa narração. No
Canto V, ainda pela voz de Gama, a primeira parte da viagem é relatada.

Já o Canto VI narra, novamente pela voz épica, a viagem entre Melinde e


Calicute, repleta de incidentes provocados por Baco. Entre o Canto VII e o
início do IX, descrevem-se a estadia na Índia, as negociações com as
autoridades locais e as traições (sempre promovidas por Baco).

Na viagem de regresso, exposta nos Cantos IX e X, Vênus prepara um prêmio


aos navegantes: a recepção por Tétis e pelas outras ninfas na Ilha dos Amores.
Na estrofe 144 do Canto X, os navios chegam a Portugal.

III. Epílogo (estrofes 145 a 156 do Canto X)

No epílogo, Camões abandona o tom heroico do poema, passando a lamentar


a situação a que chegara Portugal após o período mais grandioso de sua
história.

CRÉDITO: Os Lusíadas. Luís de Camões. Portugal, 1572. Biblioteca Nacional,


Rio de Janeiro

Estrutura de Os Lusíadas

I. Introdução:

a. Proposição;

b. Invocação;

c. Dedicatória;

II . Narração;

III . Epílogo.

40
LEITURA

Leia duas estrofes de Os Lusíadas, valendo-se da transcrição em ordem direta


(ao lado do poema), do vocabulário e das paráfrases.

Proposição (estrofe 3 do Canto I)

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Cessem [de ser cantadas] do sábio Grego e do [sábio]

Troiano as grandes navegações que fizeram;

Cale-se a fama das vitórias de Alexandro e de Trajano

que tiveram;

que (= porque) eu canto o peito ilustre Lusitano,

a quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

que (= porque) outro valor mais alto se alevanta.

Epílogo (estrofe 145 do Canto X)

No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho


Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

D'ũa austera, apagada e vil tristeza.

Não mais (= não posso cantar mais), Musa, não mais,

que (= porque) tenho a Lira destemperada e a voz

enrouquecida,

e não [por causa] do canto, mas de ver que venho

cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

não o dá a pátria, não, que está metida

no gosto da cobiça e na rudeza

duma tristeza austera, apagada e vil.

CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Ed. de Emanuel Paulo Ramos. Porto:
Porto Editora, 1978. p. 69 e 351.

Vocabulário:

sábio Grego: Ulisses (Odisseu), herói da Odisseia, de Homero. Sábio Grego é


uma antonomásia (figura de linguagem que consiste em substituir o nome por
uma característica que identifique a pessoa referida);

Troiano: Eneias, herói da Eneida, de Virgílio (também antonomásia);

Alexandro: Alexandre Magno;

Trajano: imperador romano de origem espanhola;

Netuno: deus do mar;

Marte: deus da guerra;

Musa: nome dado às nove filhas de Zeus que habitavam o monte Hélicon e
presidiam as artes liberais. O poema refere-se a uma delas: Calíope, musa da
epopeia e da eloquência;

Musa antiga: poesia antiga (metonímia);


destemperado: desafinado;

favor: aplauso;

acender: inflamar;

austero: sombrio.

Fim do vocabulário.

Paráfrases

Proposição (estrofe 3 do Canto I)

Deixem de ser cantadas as grandes navegações realizadas pelos heróis das


antigas epopeias, Ulisses (grego) e Eneias (latino); cale-se o louvor às vitórias
que Alexandre (rei da Macedônia) e Trajano (imperador romano) tiveram;
porque eu tenho um assunto superior: eu canto a famosa bravura lusitana, que
venceu o mar e as guerras. Cessem todas as grandes façanhas cantadas pelas
epopeias antigas, porque se levanta um valor superior a elas.

Epílogo (estrofe 145 do Canto X)

Não posso cantar mais, Musa, não posso, porque tenho a lira desafinada e a
voz enrouquecida, e não por causa do longo canto, mas por perceber que
estou cantando a uma gente surda e indiferente. A pátria não me dá o aplauso,
com que mais se inflama a inspiração, porque ela está mergulhada no gosto da
cobiça e no mau humor de uma tristeza austera, desanimada e vil.

41

Releitura

Escreva no caderno

1. Na terceira estrofe da Proposição, a voz épica compara o assunto do poema


com o das narrativas e epopeias antigas. Por que, segundo o poema, os heróis
lusitanos são superiores aos heróis antigos?

Resposta: Porque os heróis portugueses realizaram a maior aventura marítima


até então. Foram maiores tanto na navegação (Netuno) como na guerra
(Marte), conquistando terras longínquas e fundando um grande império.
2. Antes de responder às perguntas a seguir, releia as características de Os
Lusíadas.

a) Qual é a diferença de tom da voz épica entre as duas estrofes?

Resposta: Na primeira, a voz épica tem um tom exaltado, vibrante, glorificando


os heróis e seus feitos, como é próprio de um poema heroico. Na segunda, o
tom é de desânimo e tristeza.

b) Qual é a expressão usada pelo poeta na estrofe 3 do Canto I que indica o


verdadeiro herói do poema? Explique.

Resposta: É a expressão "peito ilustre Lusitano". O poeta propõe-se a cantar a


bravura (peito) do povo lusitano, herói coletivo do poema.

Principais episódios

Ao longo do poema, alguns episódios se destacam, tanto por sua extensão


como pelo tom lírico que Camões imprime à narrativa. Estes são alguns dos
momentos mais belos de Os Lusíadas:

· "Inês de Castro" (no Canto III): conta a história da amante de D. Pedro I (rei
português dos meados do século XIV), assassinada em 1355. A história dos
amores de Pedro e Inês tornou-se tema recorrente na literatura portuguesa (foi
tratado por Fernão Lopes, Garcia de Resende, Antônio Ferreira, Camões, entre
outros).

· "O Velho do Restelo" (no Canto IV): quando as naus vão zarpar, um velho
maltrapilho, de aspecto impressionante, faz um discurso contra a aventura
marítima, predizendo futuros resultados desastrosos e a decadência da pátria.

· "O gigante Adamastor" (no Canto V, exatamente no meio da epopeia): o


gigante Adamastor, que, segundo o mito, foi transformado em rochedo como
castigo por seu amor pela ninfa Tétis, é identificado com o cabo das
Tormentas, no sul da África. Episódio de grande força lírica e impregnado de
sentidos simbólicos.

· "A Ilha dos Amores" (nos Cantos IX e X): no final da viagem, os navegantes
são recebidos por Tétis na Ilha dos Amores.

Os Lusíadas
I. Introdução (estrofes 1 a 18)

· Proposição: o poeta anuncia o tema de seu Canto - os grandes feitos dos


heróis lusitanos

· Invocação: às Tágides (ninfas do Tejo)

· Dedicatória: ao rei D. Sebastião

II. Narração (da estrofe 19 do Canto I à 144 do Canto X) Canto I

· Concílio dos deuses

· No meio da viagem: oceano Índico

· Acidentes atribuídos a Baco/intervenções salvadoras de Vênus

· Chegada a Mombaça

Canto II

· Traição do rei de Mombaça

· Intervenção de Vênus

· Profecia de Júpiter

Em Melinde:

· O rei de Melinde pede a Vasco da Gama que lhe conte a História de Portugal

Canto III

Início do discurso de Vasco da Gama

· História dos reis de Portugal: do conde D. Henrique a D. Fernando

· "Batalha do Salado" (episódio)

· "Inês de Castro" (episódio)

Canto IV

· História dos reis de Portugal: de D. João I a D. Manuel

- "Batalha de Aljubarrota" (episódio)

· Conquista de Ceuta

· Sonho profético de D. Manuel


· Preparativos da viagem (Belém)

· "O Velho do Restelo" (episódio)

42

CRÉDITO: Allmaps

Canto V

· Partida de Lisboa

· Incidentes da viagem (costa ocidental da África)

· Cabo das Tormentas:

· "O gigante Adamastor" (episódio)

· Em Melinde

Canto VI

· Partida de Melinde

· 2º Concílio dos deuses

· Histórias a bordo:

· "Os Doze de Inglaterra" (episódio)

· Tempestade marítima

Canto VII

· Chegada a Calicute

· Descrição da Índia

· Visita do Catual

Canto VIII

· Diálogo entre o Catual e Paulo da Gama: as bandeiras

· Baco instiga os indianos contra os portugueses

· Prisão de Vasco da Gama

· Resgate

Canto IX
· Viagem de regresso:

· "A Ilha dos Amores" (episódio)

Canto X

· ("A Ilha dos Amores" - continuação)

· O banquete das ninfas

· Profecia de uma ninfa: os futuros feitos dos portugueses

· Tétis mostra a Vasco da Gama a "Máquina do Mundo"

· Regresso a Portugal

III. Epílogo (final do Canto X)

· Lamentações e exortações do poeta

LEITURA

O Canto IV faz parte da longa narração de Vasco da Gama ao rei de Melinde.


No final desse canto, depois de já ter narrado toda a história de Portugal, o
comandante conta como foi a preparação da viagem e a partida de Lisboa.

Uma multidão de curiosos e de parentes dos navegantes aglomerou-se na


praia de Belém para se despedir dos viajantes.

43

Em tão longo caminho e duvidoso

Por perdidos as gentes nos julgavam;

As mulheres c'um choro piedoso,

Os homens com suspiros que arrancavam;

Mães, esposas, irmãs, que o temeroso

Amor mais desconfia, acrescentavam

A desesperação, e frio medo

De já nos não tornar a ver tão cedo.

Qual vai dizendo: - 'Ó filho, a quem eu tinha

Só para refrigério, e doce amparo


Desta cansada já velhice minha,

Que em choro acabará, penoso e amaro,

Por que me deixas, mísera e mesquinha?

Por que de mim te vais, ó filho caro,

A fazer o funéreo enterramento,

Onde sejas de peixes mantimento?"

(Estrofes 89 e 90)

Em meio a essas manifestações de desespero, destaca-se, então, um velho,


que vivia na praia do Restelo, e pronuncia um discurso de condenação ao
empreendimento marítimo.

Com a ajuda do(a) professor(a) e dos colegas, leia o discurso do Velho do


Restelo.

A maior dificuldade durante a leitura de Os Lusíadas talvez seja a sintaxe -


períodos longos em ordem indireta, com frequência constituindo hipérbatos.
Observe que, ao lado de cada estrofe, apresentamos a versão do texto em
ordem direta, para auxiliá-lo(a) na compreensão. Entre colchetes encontram-se
traduções de palavras e expressões que caíram em desuso.

PARA NÃO ESQUECER

Ordem direta é a ordem mais usual dos termos nas orações ou das orações
nos períodos. Na língua portuguesa, a ordem direta é esta: sujeito - verbo -
complemento(s). Se essa ordem for alterada, a oração estará na ordem
indireta.

FIQUE SABENDO

Hipérbato consiste na transposição ou inversão da ordem dos termos de uma


oração, tendo como consequência a separação dos elementos de um mesmo
grupo sintático. Exemplo:

Em tão longo caminho e duvidoso / Por perdidos as gentes nos julgavam


(hipérbato)
As gentes nos julgavam por perdidos / Em caminho tão longo e duvidoso
(ordem direta)

O Velho do Restelo

94

Mas um velho d'aspeito venerando,

Que ficava nas praias, entre a gente,

Postos em nós os olhos, meneando

Três vezes a cabeça, descontente,

A voz pesada um pouco alevantando,

Que nós no mar ouvimos claramente,

C'um saber só d'experiências feito,

Tais palavras tirou do experto peito:

Mas um velho despeito [de aspecto] venerando, que ficava entre a gente nas
praias, os olhos postos em nós, meneando, descontente, três vezes a cabeça,
alevantando um pouco a voz pesada, que nós ouvimos claramente no mar,
com um saber feito só de experiências, tirou tais palavras do peito experto
[experiente]:

95

- Ó glória de mandar! Ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

Ó fraudulento gosto, que se atiça

C'uma aura popular, que honra se chama!

Que castigo tamanho e que justiça

Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas,

Que crueldades neles experimentas!

- Ó glória de mandar! Ó cobiça vã [feita] desta vaidade, a quem chamamos


Fama! Ó gosto fraudulento, que se atiça [estimula] com uma aura [prestígio]
popular, que se chama honra! Que tamanho castigo e que justiça fazes no
[impões ao] peito vão [coração vaidoso] que te ama muito! Que mortes, que
perigos, que tormentas, que crueldades experimentas neles [nos corações
vaidosos]!

44

96

- Dura inquietação d'alma e da vida,

Fonte de desamparos e adultérios,

Sagaz consumidora conhecida

De fazendas, de reinos e de impérios!

Chamam-te ilustre, chamam-te subida,

Sendo dina de infames vitupérios;

Chamam-te Fama e Glória soberana,

Nomes com quem se o povo néscio engana!

- Dura inquietação da alma e da vida, fonte de desamparos e adultérios,


conhecida consumidora sagaz de fazendas [riquezas], de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida [nobre, grandiosa], sendo dina [digna] de
vitupérios infames; chamam-te Fama e Glória soberana, nomes com quem [os
quais] se engana o povo néscio!

97

- A que novos desastres determinas

De levar estes reinos e esta gente?

Que perigos, que mortes lhe destinas

Debaixo dalgum nome preminente?

Que promessas de reinos, e de minas

D'ouro, que lhe farás tão facilmente?

Que famas lhe prometerás? que histórias?

Que triunfos, que palmas, que vitórias?


[...]

- A que desastres novos determinas [decides] de levar estes reinos e esta


gente? Que perigos, que mortes lhe destinas debaixo de algum nome
preminente [com palavra difícil, elevada]? Que promessas de reinos, e de
minas de ouro, que lhe farás tão facilmente? Que famas lhe prometerás? que
histórias? que triunfos, que palmas, que vitórias?

102

- Oh! Maldito o primeiro que no mundo

Nas ondas velas pôs em seco lenho,

Dino da eterna pena do profundo,

Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!

Nunca juízo algum alto e profundo,

Nem cítara sonora, ou vivo engenho,

Te dê por isso fama nem memória,

Mas contigo se acabe o nome e glória.

- Oh! Maldito [seja] o primeiro que no mundo pôs nas ondas velas em lenho
seco [i. e., fez o primeiro barco a vela], [seja] dino [digno] da pena eterna do
[inferno] profundo, se a lei justa que sigo e tenho é [realmente] justa! [Que]
nunca algum juízo [opinião] alto e profundo, nem cítara sonora, ou engenho
[talento] vivo, te dê fama nem memória por isso [pela invenção do barco a
vela], mas [que] o nome e glória se acabe contigo [i. e.; sejas esquecido].

(Os Lusíadas. Canto IV)

Releitura

Escreva no caderno

1. Na estrofe 94, o narrador (Vasco da Gama) apresenta o personagem do


episódio. Destaque e explique duas características desse personagem.

Respostas possíveis: "aspeito venerando" - o personagem era digno de


veneração por ser bastante velho; "ficava nas praias" - pode-se entender que
ele era muito pobre e morava nas praias, como, atualmente, os moradores de
rua; "saber só d'experiências feito" e "experto peito" - o ancião é um sábio, mas
sua sabedoria não é feita de estudos e sim de vivências, de experiência, de
conhecimento do mundo.

2. Na estrofe 95, o Velho do Restelo inicia uma longa apóstrofe. Considere os


versos:

Que castigo tamanho e que justiça

Fazes no peito vão que muito te ama!

a) A quem ou a que se dirige o velho, utilizando a 2·ª pessoa do discurso (tu


fazes)?

Resposta: O velho dirige-se a uma ideia abstrata, que ele nomeia como glória
de mandar, vã cobiça, vaidade ou Fama.

b) A quem pertence o peito vão (coração vaidoso) que muito te ama, ou seja,
que ama o interlocutor abstrato do Velho do Restelo? Explique.

Resposta: O peito, ou coração, pertence ao navegante, ou seja, aos


aventureiros que partem para as Índias, comandados por Vasco da Gama.
Professor(a), leve os alunos a compreender que, ao dirigir-se à "glória de
mandar", à "vã cobiça", à vaidade, o velho está na verdade dirigindo-se aos
que possuem ou amam esses defeitos, ou seja, com esse deslocamento ele
está acusando os navegadores de cobiçosos e vaidosos.

3. A partir do final da estrofe 95, o Velho do Restelo enumera as


consequências funestas - que ele chama de castigo e justiça - do
empreendimento marítimo. Quais são elas?

Resposta: Mortes, perigos, tormentas, crueldades (estrofe 95); inquietação


d'alma e da vida, desamparo (dos familiares que ficaram em Portugal),
adultérios (das esposas abandonadas), destruição de riquezas (fazendas) de
reinos e de impérios (estrofe 96); desastres (e novamente perigos e mortes -
estrofe 97).

4. A quem o Velho do Restelo amaldiçoa na estrofe 102?

Resposta: Ele amaldiçoa o inventor do barco a vela, desejando-lhe as penas do


inferno e o esquecimento dele pela posteridade.
Vocabulário:

apóstrofe: consiste em uma exclamação com a qual o emissor interrompe o


discurso para dirigir-se a alguém - real ou fictício - ou a algo - concreto ou
abstrato.

Fim do vocabulário.

45

Em tom de conversa

Discuta com seus colegas a seguinte questão:

· Ao criar o discurso do Velho do Restelo, Camões estaria expondo seu próprio


pensamento em relação ao grande empreendimento marítimo realizado
naquela época pelos portugueses?

· Com que argumentos você defende seu ponto de vista a respeito?

Para formular seus argumentos, releia as estrofes 3, do Canto I, e 145, do


Canto X, na página 40.

Resposta: Espera-se que os alunos concluam que dificilmente o modo de


pensar do Velho do Restelo seria o de Camões. Afinal, ele escreveu um
grandioso e trabalhoso poema para exaltar o empreendimento marítimo como
um todo e, em especial, a viagem de Vasco da Gama. No entanto, é possível
argumentar que, mesmo aprovando e louvando a viagem, Camões poderia ter
críticas aos comportamentos e às motivações de muitos membros da nobreza
e dos empresários da viagem - sobretudo a cobiça. Por outro lado, no epílogo
(estrofe 145 do Canto X), a voz épica (ou seja, Camões) reafirma a crítica do
Velho do Restelo e acusa a pátria de perder-se na cobiça.

Atenção Professor(a), informar os alunos de que, na época em que Camões


compôs o poema, várias décadas após a viagem de Gama, o império
português já estava em decadência, e portanto, o discurso do Velho já seria um
modo de anunciar "profeticamente" o desânimo e a condenação do epílogo.
Fim da observação.

LEITURA

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta


Aqui, na Terra, a fome continua,

A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme

E dizemos amor sem saber o que seja.

Mas fizemos de ti a prova da riqueza,

E também da pobreza, e da fome outra vez.

E pusemos em ti, sei lá bem que desejo

De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos

As vertigens do espaço e maravilhas:

Oceanos salgados que circundam

Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa

Onde come, brincando, só a fome,

Só a fome, astronauta, só a fome,

E são brinquedos as bombas de napalme.

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta by José Saramago. Copyright © José


Saramago 1966, used by permission of The Wylie Agency (UK) Limited.

CRÉDITO: Auad/Alamy/Latinstock

José Saramago (1922-2010)

Romancista, teatrólogo, poeta e tradutor português, foi o primeiro autor de


língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. Recebeu
também, em 1995, o Prêmio Camões, a mais importante distinção concedida a
um escritor em língua portuguesa.

Suas obras são publicadas também no Brasil, onde é muito lido. Livros mais
conhecidos: Levantado do chão, Memorial do convento, O ano da morte de
Ricardo Reis, A jangada de pedra. Ensaio sobre a cegueira foi filmado em
2008 (produção do Brasil, Japão e Canadá; direção de Fernando Meirelles).
Releitura

Escreva no caderno

1. Considerando o que você sabe sobre o episódio do Velho do Restelo,


explique o paralelo que o poema de Saramago estabelece entre a viagem
marítima do século XVI e as viagens dos astronautas do século XX,
motivadoras das falas do personagem nos dois textos.

Resposta possível: No poema de Camões, o Velho comparece à partida das


naus de Vasco da Gama e faz um discurso contra a aventura marítima. Essa
viagem de descobertas é comparável às primeiras viagens dos astronautas, na
segunda metade do século XX. Assim, Saramago põe na boca desse
personagem "experiente" uma nova condenação, agora à aventura espacial,
caríssima, que se realiza a despeito da fome em que vive grande parte dos
seres humanos.

2. Estabeleça as diferenças entre a epopeia de Camões e o poema de


Saramago, considerando:

a) a métrica.

Resposta: A epopeia Os Lusíadas é constituída de versos decassílabos; no


poema de Saramago predominam os versos decassílabos, mas os da segunda
estrofe são de doze sílabas.

b) a estrofação.

Resposta: Em Os Lusíadas, todas as estrofes possuem oito versos; no poema


de Saramago, o tamanho das estrofes varia de dois a seis versos.

c) a rima.

Resposta: A epopeia possui um esquema de rimas invariável: ABABABCC; o


poema de Saramago é constituído de versos brancos (sem rimas) ou de rimas
imperfeitas (seja / desejo).

46

Comentário

Você leu e interpretou algumas estrofes do Velho do Restelo e certamente


percebeu que a leitura de Os Lusíadas é bastante trabalhosa. Mas terá
percebido também como ela é compensadora, pela beleza do poema e pela
percepção da atualidade de seus temas? Essa atualidade foi evidenciada pela
comparação com a "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta", de José
Saramago. Esse poema exemplifica também a permanente influência de
Camões sobre os autores de nossa literatura até hoje.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, estudamos o Renascimento e Camões, um dos autores mais


importantes da literatura em língua portuguesa.

· O Renascimento foi um movimento cultural amplo, que se iniciou na Itália no


século XIV e se difundiu em Portugal no século XVI.

· No Renascimento há várias tendências. A mais conhecida é o Classicismo,


caracterizado pela imitação dos autores gregos e latinos, pelo ideal de
perfeição formal, pela formulação de regras e pela busca de um equilíbrio entre
razão e emoção. No Maneirismo já se quebra esse pretendido equilíbrio e se
prenuncia a escola seguinte, o Barroco.

· Interpretamos um poema do iniciador do Renascimento em Portugal,


Francisco Sá de Miranda. Sua atualidade evidenciou-se na comparação com
um poema de Mário de Sá-Carneiro, poeta do Modernismo.

· O principal autor renascentista português é Luís Vaz de Camões, também


considerado um dos maiores poetas da literatura em língua portuguesa.

· Além de obras dramáticas, de menor importância, Camões escreveu:

· poesia lírica - reunida no livro Rimas -, composta em medida velha (versos


redondilhos, de 5 e de 7 sílabas) e em medida nova (versos decassílabos).

· poesia épica - o poema épico Os Lusíadas, que exalta os grandes feitos do


povo português e narra a viagem de Vasco da Gama às Índias, é escrito em
versos decassílabos predominantemente heroicos (acentos na 6ª e 10ª
sílabas), reunidos em estrofes em oitava-rima (8 versos). Os principais
episódios do poema, que possui 10 cantos, são a história trágica de Inês de
Castro, o discurso do Velho do Restelo no momento da partida, o diálogo entre
Vasco da Gama e o gigante Adamastor na passagem pelo Cabo das
Tormentas, e a estadia dos navegantes na Ilha dos Amores como prêmio pelo
sucesso da viagem.

Atividades

Escreva no caderno

1. (Enem/MEC) Oximoro (ou paradoxo) é uma construção textual que agrupa


significados que se excluem mutuamente. Para Garfield, a frase de saudação
de Jon (tirinha abaixo) expressa o maior de todos os oximoros.

FONTE: DAVIS, Jim. Folha de S.Paulo, 31 jul. 2000.

CRÉDITO: © 2000 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist. Universal Uclick

Nas alternativas a seguir, estão transcritos versos retirados do poema "O


operário em construção". Pode-se afirmar que ocorre um oximoro em:

47

a) "Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão."

b) "... a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão."

c) "Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De
que sequer suspeitava."

d) "... o operário faz a coisa E a coisa faz o operário."

e) "Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão."

MORAES, Vinicius de. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras,
1992.

Resposta: Alternativa b.

Antes de responder às questões de 2 a 4, leia a cantiga e observe a sua


musicalidade e a graça de seus trocadilhos.

Cantiga

A este mote alheio:

Menina dos olhos verdes,

por que me não vedes?

Voltas
Eles verdes são,

e têm por usança

na cor, esperança

e nas obras, não.

Vossa condição

não é d'olhos verdes,

porque me não vedes.

[...]

Haviam de ser,

por que possa vê-los,

que uns olhos tão belos

não se hão de esconder;

mas fazeis-me crer

que já não são verdes,

porque me não vedes.

Verdes não o são

no que alcanço deles;

verdes são aqueles

que esperança dão.

Se na condição

está serem verdes

por que me não vedes?

CAMÕES, Luís Vaz de. Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por
Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra: Atlântida, 1973. p. 17-18.

2. Faça a escansão dos versos do mote e dos dois primeiros das voltas.
Classifique-os quanto à métrica.
Resposta: Mote: Me / ni / na / dos / o / lhos / ver / des, - redondilha maior
(heptassílabo); por / que / me / não / ve / des? - redondilha menor
(pentassílabo); E / les / ver / des / são, / e / têm / por / u / san / ça, -
redondilhas menores (pentassílabos).

3. Nos versos "Vossa condição / não é d'olhos verdes" há um trocadilho, pois a


palavra "verdes" pode ser lida com dois significados diferentes. Explique o
trocadilho.

Resposta: A palavra verdes pode ser entendida como adjetivo, explicitando a


cor, e como o verbo ver, no infinitivo flexionado, 2ª pessoa do plural: Vossa
condição não é de verdes os olhos. Pelo segundo sentido, a menina não vê os
olhos apaixonados do eu lírico, como ele explica no último verso: "por que me
não vedes?".

4. Tradicionalmente, as cores possuem significados simbólicos. Por exemplo, a


cor preta pode representar tristeza e luto; a amarela, desespero, medo; a azul,
em certos contextos, representa o sonho, a felicidade; noutros, a tristeza.

a) O valor simbólico da cor verde nos versos de Camões é o mesmo que o de


hoje? Qual é o valor simbólico?

Resposta: Sim; esperança.

b) Que versos explicitam esse sentido simbólico?

Resposta: "na cor, esperança"; "verdes são aqueles / que esperança dão."

Leia o poema para responder às questões 5 e 6.

Olhos verdes

Eles verdes são:

e têm por usança

na cor, esperança

e nas obras, não.

Camões, Rimas.

São uns olhos verdes, verdes,

Uns olhos de verde-mar,


Quando o tempo vai bonança;

Uns olhos cor de esperança,

Uns olhos por que morri;

Que ai de mi!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

Como duas esmeraldas,

Iguais na forma e na cor,

Têm luz mais branda e mais forte,

Diz uma - vida, outra - morte;

Uma - loucura, outra - amor.

Mas ai de mi!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

[...]

Dizei vós, ó meus amigos,

Se vos perguntam por mi,

Que eu vivo só da lembrança

De uns olhos cor de esperança,

De uns olhos verdes que vi!

Que ai de mi!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!

Deixou-se de amor finar!

Viu uns olhos verdes, verdes,


Uns olhos da cor do mar:

Eram verdes sem esp'rança,

Davam amor sem amar!

Dizei-o vós, meus amigos,

Que ai de mi!

Não pertenço mais à vida

Depois que os vi!

DIAS, Gonçalves. In: Grandes poetas românticos do Brasil. 5ª ed. São


Paulo: Discubra, 1978. t. 1. p. 135.

Vocabulário:

intertexto: texto preexistente a outro texto, ao qual este se reporta e recorre


em sua elaboração.

Fim do vocabulário.

48

5. Gonçalves Dias indicou o intertexto de seu poema, colocando uma estrofe


de Camões como epígrafe.

a) O poeta romântico seguiu o renascentista na escolha da métrica? Explique e


comprove sua resposta, fazendo a escansão do primeiro verso.

Resposta: Não seguiu. Camões utilizou versos redondilhos menores (5


sílabas); Gonçalves Dias, redondilhos maiores (7 sílabas): "São / uns / o / lhos /
ver / des, / ver / des".

b) Em ambos os poemas, a figura da amada é representada,


metonimicamente, por seus olhos verdes. Que efeito de sentido produz a
duplicação do adjetivo verde no primeiro verso do poema de Gonçalves Dias?

Resposta: A duplicação produz um efeito de intensificação da cor (verdes,


verdes = muito verdes, verdíssimos).

PARA NÃO ESQUECER


Sinédoque - é um tipo particular de metonímia, em que a palavra que indica o
todo de um ser é substituída por outra que indica apenas uma parte dele. No
poema, os olhos representam a parte e a amada, o todo.

6. No poema de Camões, o eu lírico se queixa da contradição entre a


simbologia da cor dos olhos e o comportamento da menina ("na cor, esperança
/ e nas obras, não"). Identifique, no poema de Gonçalves Dias, um exemplo de
contradição dos olhos, na interpretação do eu lírico. Explique o exemplo.

Resposta: O(A) aluno(a) pode apontar a segunda estrofe, em que o eu lírico


compara os olhos a duas esmeraldas que, embora idênticas, produzem efeitos
e significados contraditórios: luz mais branda/mais forte; vida/morte;
loucura/amor. Pode também apontar a última estrofe, em que, como no poema
de Camões, a ausência de esperança contradiz a simbologia da cor verde. Os
olhos provocavam o amor ("davam amor"), mas não amavam ("sem amar).

Leia o soneto de Camões para responder às questões 7 e 8.

Soneto

Alma minha gentil, que te partiste

tão cedo desta vida descontente,

repousa lá no Céu eternamente,

e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

memória desta vida se consente,

não te esqueças daquele amor ardente

que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

alguma cousa a dor que me ficou

da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,

que tão cedo de cá me leve a ver-te,


quão cedo de meus olhos te levou.

CAMÕES, Luís Vaz de. Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por
Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra: Atlântida, 1973. p. 119.

7. Esse texto é um exemplo da concepção neoplatônica do amor na obra lírica


de Camões.

a) A utilização de dois advérbios antitéticos estabelece uma oposição essencial


para o entendimento do poema. Localize esses advérbios e explique a
oposição que eles estabelecem.

Resposta: Advérbios: cá e lá. Estabelecem a oposição entre a vida terrena (cá)


e a vida após a morte, no Céu (lá).

b) A qual elemento dessa oposição corresponde o lugar da felicidade e da


realização do Amor, idealizado como o Bem supremo?

Resposta: Corresponde ao lá, isto é, ao Céu, onde a amada agora vive,


eternamente.

c) Destaque da primeira estrofe dois adjetivos que traduzem uma visão


negativa em relação ao outro elemento da oposição. Explique.

Resposta: Descontente e triste. O primeiro traduz os sentimentos da amada


em relação à vida terrena; o segundo, o sentimento do amante, vivo, mas
impedido de realizar o amor.

8. Para Platão, o ser humano é um ser decaído, mas que anseia por retornar
ao mundo ideal e perfeito que ele um dia conheceu. Os neoplatônicos
identificam esse mundo ideal ao Céu cristão. Releia as duas últimas estrofes
do soneto e explique como o sujeito lírico exprime esse anseio por atingir a
plena realização da felicidade e do amor.

Resposta: Ele pede à amada que interceda diante de Deus para que também
morra e suas almas possam realizar, no Céu, o amor que foi impossível na
Terra.

9. (Fuvest-SP)

Já vai andando a récua dos homens de Arganil, acompanham-nos até fora da


vila as infelizes, que vão clamando, qual em cabelo, Ó doce e amado esposo, e
outra protestando, Ó filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo
desta cansada já velhice minha, não se acabavam as lamentações, tanto que
os montes de mais perto respondiam, quase movidos de alta piedade [...].

SARAMAGO, J. Memorial do convento.

Em muitas passagens do trecho transcrito, o narrador cita textualmente


palavras de um episódio de Os Lusíadas, visando a criticar o mesmo aspecto
da vida de Portugal que Camões, nesse episódio, já criticava. O episódio
camoniano citado e o aspecto criticado são, respectivamente,

a) O Velho do Restelo; a posição subalterna da mulher na sociedade tradicional


portuguesa.

b) Aljubarrota; a sangria populacional provocada pelos empreendimentos


coloniais portugueses.

c) Aljubarrota; o abandono dos idosos decorrente dos empreendimentos


bélicos, marítimos e santuários.

d) O Velho do Restelo; o sofrimento popular decorrente dos empreendimentos


dos nobres.

e) Inês de Castro; o sofrimento feminino causado pelas perseguições da


Inquisição.

Resposta: Alternativa d.

Resposta: Comentário: As mulheres se desesperam ao ver maridos e filhos


sendo levados para a construção do convento. A partir da expressão "Ó filho",
Saramago reproduz, literalmente, os versos de Camões já citados aqui, na p.
43.

49

capítulo 3 - Literatura colonial brasileira

Embora seja ainda apenas uma extensão da literatura portuguesa, a literatura


que se fez no Brasil, durante três séculos, está intimamente ligada à vida, aos
costumes e aos problemas da colônia. Neste capítulo você estudará as
manifestações literárias do século XVI, os ecos do Barroco, dos séculos XVII e
XVIII, e o Neoclassicismo, das décadas finais do século XVIII, além dos
principais autores desses períodos.

CRÉDITO: João Prudente/Pulsar

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao Rei D. Manuel: versão moderna de Rubem
Braga. Rio de Janeiro: BestBolso, 2015.

· MIRANDA, Ana. Boca do Inferno. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,


1989.

· MIRANDA, Ana. Desmundo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.

50

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais...", das páginas 52 e 62,


requer preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Sermão do bom ladrão

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a


Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava
roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau
ofício; porém ele que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: "Basta,
Senhor, que eu porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós porque roubais
em uma armada, sois imperador?". Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar
muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com
muito, os Alexandres.

[...]

Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a
quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida,
porque a mesma miséria ou escusa ou alivia o seu pecado, como diz Salomão:
Non grandis est culpa, cum quis juratus juerit: juratur enim ut esurientem
impleat animam*. (Prov., VI, 30.) O ladrão que furta para comer, não vai nem
leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões
de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do
mesmo predicamento distingue muito bem S. Basílio Magno: Non est
intelligendum jures esse solum bursarum incisores, vellatrocinantes in balneis,
sed et qui duces legionum statuti, vel qui commisso sibi regimine civitatum, aut
gentium, hoc quidem jurtim tollunt, hoc vera vi, et publice exigunt. Não são só
ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar,
para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem
este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou
o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com
manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam
um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu
risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes
furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros
homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a
enforcar uns ladrões, e começou a bradar: "Lá vão os ladrões grandes enforcar
os pequenos". Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras
nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes
se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no
mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador por ter roubado uma
província! E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões
triunfantes? De um chamado Seronato disse com discreta contraposição
Sidônio Apolinar: Non cessat simul furta, vel punire, vel facere. Seronato está
sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não
era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar
ele só.

* Observe que todas as citações latinas são imediatamente traduzidas por


Vieira.

VIEIRA, Antônio. Sermão do bom ladrão. São Paulo: Princípio, 1993. p. 21-
22.

Vocabulário:

Alexandre: refere-se a Alexandre, o Grande (356- 323 a.C.), rei da Macedônia.


Grande conquistador, fundou um império que se estendia da Grécia ao Egito e
à Ásia Menor;
S. Basílio Magno: (329-379) - escritor e orador sacro da Igreja oriental;

Diógenes: (séc. II a.C.) - filósofo estoico (estoicismo é uma doutrina filosófica


que se caracteriza pela rigidez moral e prega a extirpação das paixões e a
resignação diante do destino);

vara: antiga insígnia representando o poder dos juízes e vereadores; aqui, por
extensão, os próprios juízes;

Sidônio Apolinar: (430-487) - escritor, senador, prefeito de Roma e bispo de


Clermont -Ferrand (cidade francesa) e santo católico. Suas cartas são
importantes para a reconstituição da história do final do Império Romano.

Fim do vocabulário.

51

Antônio Vieira (1608-1697)

Antônio Vieira nasceu em Lisboa, mas já em 1614 mudava-se com a família


para a Bahia. Estreou no púlpito um ano antes de sua ordenação sacerdotal.
Passou grande parte de sua vida no Brasil, mas morou também em Lisboa
como Pregador Real. Foi incumbido de missões secretas na França e na
Holanda. No Maranhão, chefiou a missão jesuítica e sua ação foi decisiva para
a promulgação da Lei da Liberdade dos Índios, de 1655. A um homem tão
brilhante e politicamente eficiente não poderiam faltar perseguições: preso pela
Inquisição, permaneceu recluso entre 1665 e 1668. Partiu então para Roma,
onde ficou durante seis anos, conseguindo afinal que o papa Clemente X o
isentasse da Inquisição. Os últimos 16 anos de sua vida passou-os na Bahia,
organizando suas obras para publicação. Morreu em Salvador, em 18 de julho
de 1697.

CRÉDITO: Antonio Jose Nunes Junio. 1868. Óleo sobre tela, 146 × 118 cm.
Coleção Biblioteca Nacional de Portugal

Em tom de conversa

Discuta com os colegas e com o(a) professor(a) as questões propostas a


seguir.
Sendo parte de um sermão, esses fragmentos apresentam uma estrutura
argumentativa: uma afirmação central e argumentos com que o pregador
procura convencer os ouvintes. A afirmação central foi expressa na forma de
um paradoxo.

a) Releia o primeiro parágrafo e localize a frase que formula o paradoxo.

Resposta: "O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com
pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres."

b) Comente o paradoxo. Ele traduz o pensamento do autor sobre o roubo?

Atenção Professor(a), conduza a discussão para que o(a) aluno(a) perceba


que, ao exprimir-se por paradoxo, o autor está sendo irônico. Não é o
pensamento do autor que é paradoxal, absurdo, mas a própria realidade social
a que ele se refere. Fim da observação.

Vocabulário:

paradoxo: é o raciocínio que aparenta coerência, mas que esconde


contradições, ou, ao contrário, uma contradição aparente que esconde uma
verdade; absurdo, contrassenso. A figura de linguagem denominada oximoro
justapõe termos que se contradizem, produzindo um paradoxo.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

1. Consulte um dicionário e encontre o significado das seguintes palavras


usadas no texto de Vieira:

a) vileza.

b) fortuna.

c) escusar.

d) predicamento.

e) manha.

Resposta: a) Atributo do que é vil (sem valor, miserável); miséria, pobreza,


origem plebeia (não nobre); b) sorte, destino, fado; c) perdoar, desculpar,
justificar, isentar; d) categoria, conjunto que tem características comuns; e)
astúcia, esperteza, habilidade de enganar, malícia.

Atenção Professor(a), comente com os(as) alunos(as) que a consulta ao


dicionário não é a única forma de descobrir significados; os sentidos podem ser
inferidos no próprio texto. Fim da observação.

2. Pense nas diferenças de significado entre as seguintes frases:

· Eles não são só ladrões.

· Não só eles são ladrões.

a) A qual delas corresponde a frase do sermão "Não são só ladrões, diz o


Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes
colher a roupa [...]"? Para responder, releia todo o trecho em que ela aparece.

Corresponde à segunda frase. Professor(a), observar que a posição da palavra


só nos levaria a relacioná-Ia com o sentido da primeira frase, mas o contexto
nos revela o sentido da segunda: Não só eles são ladrões... também o são
aqueles a quem os reis encomendam exércitos e legiões [...].

b) Reescreva a frase de Vieira, deslocando a palavra só, de modo que não


haja ambiguidade.

Resposta: Não são ladrões, diz o Santo, só os que cortam bolsas [...].

3. Para Vieira, a culpa pelo crime de roubo deve ser considerada de modo
absoluto ou deve ser relativizada? Explique.

Resposta: Deve ser relativizada. Há para ele dois tipos de ladrões: os


miseráveis, desculpados pela própria miséria, que os constrangeu ao crime, e
os de maior calibre, os poderosos, ligados aos governos, cujo crime é maior e
afeta um grande número de vítimas, e para os quais não pode haver perdão.

4. Identifique no texto um jogo de palavras em que o autor, ironicamente,


mostra a diferença com que a sociedade trata os dois tipos de ladrões.

Resposta: "[...] os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam."

5. Explique a ironia com que Vieira comenta os atos de Seronato.


Resposta: Vieira diz que Seronato era rigoroso na condenação de ladrões, não
porque estivesse preocupado com o rigor da justiça, mas porque, condenando-
os à morte, eliminava seus concorrentes no ofício de ladrão.

52

Comentário

Talvez o que mais impressione o leitor desse texto seja a coragem do


pregador, ou seu poder moral, ao falar em tais termos contra a corrupção dos
governantes e poderosos, numa igreja de Lisboa e em plena monarquia
absolutista.

Outras características, no entanto, devem chamar nossa atenção: a beleza e a


força expressiva do texto. Padre Antônio Vieira dominou as plateias de seu
tempo, inclusive a exigente nobreza da corte, utilizando magistralmente todos
os recursos da retórica e da teatralidade da linguagem barroca: a estrutura e o
ritmo sinuosos da frase, a argumentação engenhosa, o raciocínio e as imagens
surpreendentes, o paradoxo, a ironia, os jogos de palavras...

E MAIS...

Debate

O texto que você acabou de ler é o registro de um sermão pronunciado numa


igreja - Capela da Misericórdia de Lisboa - há mais de 350 anos.

O(A) professor(a) estabelecerá as regras e organizará um debate sobre os


seguintes temas:

· Atualidade do texto.

· O tema do "Sermão do bom ladrão" ainda é atual? Por quê?

· A argumentação do autor seria válida para o Brasil do século XXI? Que fatos
noticiados ultimamente pela imprensa podem justificar a opinião do grupo?

· "[...] a mesma miséria ou escusa ou alivia o seu pecado"

· O roubo motivado por necessidade (fome, miséria, exclusão social) é


justificável?

· O roubo e a corrupção dos ladrões de "maior calibre" (políticos, empresários)


justificam o roubo dos ladrões de "menor calibre"?
· "Ditosa Grécia, que tinha tal pregador!"

· As denúncias da imprensa e de outras instituições são eficazes no combate à


corrupção? O cidadão comum tem algum papel no combate à corrupção? Se
tem, que ações ele pode desenvolver?

Preparação

Cada grupo deverá:

· preparar os argumentos para defender a posição, afirmativa ou negativa, em


relação às questões propostas sobre o tema;

· escolher um debatedor, que representará os colegas e receberá a assistência


deles durante a discussão.

A PRODUÇÃO LITERÁRIA COLONIAL

Durante os três séculos em que o Brasil foi colônia de Portugal, a produção


literária evoluiu vagarosamente, assim como toda a organização social,
cultural, econômica e política que se constituía. Numa ampla perspectiva,
podemos dizer que ela se inicia como "literatura sobre o Brasil", na visão e na
voz do colonizador. A partir dos meados do segundo século, muito lentamente,
brotam as primeiras manifestações nativistas, que pouco distinguem nossas
letras dos modelos barrocos e neoclássicos europeus. Apenas a partir do final
do século XVIII, já às vésperas da independência política, começam a se
manifestar as primeiras reivindicações de originalidade.

Neste capítulo, estudaremos os três grandes momentos da literatura colonial:

· o Quinhentismo (século XVI);

· o Barroco (século XVII a meados do XVIII);

· o Neoclassicismo (segunda metade do séculoXVIII).

53

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

A terra, conhecida por ilhas culturais (Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, São
Paulo), é inicialmente apenas objeto de literatura: vista de fora, com os olhos
dos viajantes que dela descrevem as grandezas e diversidades. Depois, pouco
a pouco, ocorre o processo de enraizamento. À descrição diarista do
estrangeiro sucede a tentativa poética do colono, o qual, ao mesmo tempo em
que ainda toma do país de origem as estruturas literárias, emprega a matéria
local, temática e lexical, como pincelada exótica ou substitui a exaltação épica
da pátria europeia pela prosopopeia do novo continente.

Até 1808, contudo, o Brasil vive em singulares condições de isolamento


cultural, alimentado artificialmente através do cordão umbilical que o liga a
Portugal, separado de todo convívio com os povos vizinhos cujo contato
poderia sugerir pruridos separatistas e ideais nacionalistas. Dentro dessa linha,
Lisboa, do mesmo modo que fecha os portos brasileiros a toda espécie de livre
intercâmbio, proíbe inflexivelmente à colônia todo direito de associação e veta
uma imprensa autônoma, hipotética suscitadora de uma opinião pública
animada por interesses localistas [...].

Embora condicionado pelo novo ambiente e projetado para o futuro, o colono


arrasta consigo todo o seu passado: tanto isso é verdade que no Brasil a
literatura nasce adulta, barroca. Um barroco diferente, que haure sua linfa
particular do novo ambiente, mas canalizado por toda a sabedoria literária
destilada durante séculos de cultura portuguesa.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro:


Nova Aguilar, 1997. p. 29 e 30.

Vocabulário:

prosopopeia: personificação;

prurido: desejo, tentação;

haurir: extrair, colher;

linfa: água (no sentido de fonte, alimento).

Fim do vocabulário.

O Quinhentismo

As manifestações literárias do Quinhentismo fazem parte da literatura de


viagens do Renascimento português, originada pelas descobertas oceânicas a
partir do século XV.
Incluem-se nessas manifestações a literatura informativa dos viajantes e a
literatura catequética do padre José de Anchieta.

Literatura informativa

As obras que constituem a literatura informativa são importantes fontes


documentais para o estudo do primeiro século da colonização e serviram
muitas vezes de sugestão temática para autores do Romantismo e do
Modernismo.

· Documentos, cartas e relatórios de navegantes, de administradores e de


missionários e autoridades eclesiásticas, como: A Carta, de Pero Vaz de
Caminha (1500); o Diário de navegação, de Pero Lopes de Sousa, escrivão
da frota de Martim Afonso de Sousa (1530); ou as cartas e os relatórios dos
missionários jesuítas.

· Obras que se ocupam da descrição da nova terra e de seus habitantes,


traduzindo sempre a perplexidade diante da natureza tropical e dos costumes
exóticos dos índios. Entre elas: o Tratado da terra do Brasil e a História da
Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, ambas do
humanista português Pero de Magalhães Gândavo (1576), e os Tratados da
terra e da gente do Brasil, do padre Fernão Cardim (c. 1580).

Literatura catequética - Pe. José de Anchieta

A chamada literatura informativa dos viajantes não possui um caráter


propriamente literário. Por isso a obra de José de Anchieta diferencia-se do
conjunto dos escritos do século XVI, pois, além de cartas e relatórios de valor
documental e histórico, o jesuíta também escreveu poesia e teatro.

A literatura de Anchieta foi condicionada por sua finalidade catequética, sua


função pedagógica e didática. Não se deve, portanto, procurar na obra de
Anchieta as características da literatura clássica renascentista. Ela se insere na
tradição medieval, expressando, em versos redondilhos (medida velha), uma
concepção teocêntrica do mundo. Seu teatro é alegórico, à maneira dos autos
de Gil Vicente.

54

LE ITURA
Muitos autores dos séculos XIX e XX buscaram sugestões para suas obras nos
cronistas do século XVI. Os autores modernistas, sobretudo, fizeram uma
releitura das obras dos viajantes, frequentemente com intenções satíricas.
Murilo Mendes, em sua obra História do Brasil (1932), foi um deles.

TEXTO 1

Carta (fragmento)

Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até
outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista,
será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa.

[...]

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem o vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares, assim frios e temperados como os de Entre-Doiro e Minho, porque neste
tempo de agora os achávamos como os de lá.

As águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a


aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta
gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve
lançar.

CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta. In: RONCARI, Luiz. Literatura brasileira:
dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 2002. p. 40.

TEXTO 2

Carta de Pero Vaz

A terra é mui graciosa,

Tão fértil eu nunca vi.

A gente vai passear,

No chão espeta um caniço,

No dia seguinte nasce

Bengala de castão de oiro.


Tem goiabas, melancias.

Banana que nem chuchu.

Quanto aos bichos, tem-nos muitos.

De plumagens mui vistosas.

Tem macaco até demais.

Diamantes tem à vontade,

Esmeralda é para os trouxas.

Reforçai, Senhor, a arca.

Cruzados não faltarão,

Vossa perna encanareis,

Salvo o devido respeito.

Ficarei muito saudoso

Se for embora d'aqui.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,


1994. p. 145. © Maria da Saudade Cortesão Mendes.

CRÉDITO: Acervo Iconographia

Murilo Mendes (1901-1975)

Poeta da segunda geração modernista brasileira. Os poemas de História do


Brasil (1932) subvertem, de modo irônico, a história oficial do país. Os poemas
iniciais do livro são paródias dos textos escritos por cronistas do século XVI.

Vocabulário:

castão: remate superior de uma bengala;

cruzado: antiga moeda portuguesa;

vossa perna encanareis: engordareis. O rei "estava mal das pernas", isto é,
sem dinheiro, "quebrado". As riquezas do Brasil poderiam tirá-Io dessa
situação.

Fim do vocabulário.
55

Releitura

Escreva no caderno

1. O adjetivo graciosa possui vários sentidos: bonita, jovial; que tem graça,
encanto, delicadeza; engraçada, divertida; que tem generosidade, liberalidade;
que concede graças, favores. Com que sentido esse adjetivo é empregado por
Pero Vaz de Caminha?

Resposta: No sentido de generosa, que concede graças, ou seja, que produz


muito por sua fertilidade.

2. Como Murilo Mendes satiriza a famosa expressão de Caminha "dar-se-á


nela tudo"?

Resposta: Ele a traduz satiricamente, por meio do exagero, dizendo que a terra
é tão fértil que de um caniço espetado no chão nasce uma bengala com castão
de ouro.

3. Parodiando a linguagem de Caminha, Murilo utiliza formas arcaicas como o


advérbio mui (contração de muito) antes dos adjetivos, o pronome enclítico em
tem-nos e o tratamento na segunda pessoa do plural, vós. Entretanto, a essa
linguagem solene e arcaica ele mistura expressões coloquiais e modernas,
impróprias numa carta dirigida a um rei. Dê alguns exemplos.

Resposta: "A gente", "que nem chuchu" (= em grande quantidade), "trouxas".

4. Que recomendação Caminha faz ao rei em sua carta?

Resposta: Recomenda que a maior preocupação do rei seja com a salvação


das almas dos indígenas.

5. E que recomendação o personagem Pero Vaz, do poema de Murilo Mendes,


faz ao rei?

Resposta: Recomenda que ele reforce a arca para receber os lucros da


exploração da nova terra. As riquezas dessa terra salvarão as finanças do reino
(encanarão as pernas do rei, sugerindo, portanto, que a economia "ia mal das
pernas").

NAVEGAR É PRECISO
· A música "A Carta de Pero Vaz de Caminha", de Arnaud Rodrigues, gravada
em 1978 (disco Redescobrimento), é considerada o primeiro reggae
brasileiro. Você pode encontrá-la na internet e ouvir.

· A Carta de Pero Vaz de Caminha nunca sai da Torre do Tombo, em Lisboa,


onde está guardada. Mas, em 2000, ela foi trazida ao Brasil para a exposição
comemorativa dos 500 anos do Descobrimento. Procure na internet os vídeos
da TV Senado realizados para aquela ocasião.

O Barroco

O Barroco, já prenunciado no Maneirismo renascentista, é a expressão artística


das contradições que convulsionaram a vida europeia a partir do século XVI:
por um lado, as mudanças de valores morais, de estilo de vida e de ordenação
social, consequências da vitória do capitalismo mercantil e da fundação das
colônias ultramarinas; por outro lado, os conflitos religiosos, cuja expressão
maior foram a Reforma protestante e a Contrarreforma católica.

Contrastando com o Classicismo renascentista, a arte barroca é pessimista,


instável, contraditória e dramática como foi a sua época.

Vocabulário:

Reforma: movimento religioso do século XVI que deu origem ao


Protestantismo. Iniciada na Alemanha por Martinho Lutero na segunda década,
espalhou-se logo por vários países da Europa e desenvolveu-se em três
principais correntes: a luterana (Alemanha), a calvinista (Suíça e França) e a
anglicana (Inglaterra);

Contrarreforma: movimento de reforma empreendido pela Igreja Católica, em


reação à Reforma protestante. Visava a corrigir os abusos que denegriam a
Igreja e a firmar as posições doutrinárias do Catolicismo. Os ideais
contrarreformistas foram estabelecidos pelo Concílio de Trento (1545-1563) e
difundidos principalmente pela Companhia de Jesus (jesuítas).

Fim do vocabulário.

Características do Barroco
A irregularidade, em contraposição à simetria e à regularidade do Classicismo,
é a marca do novo estilo, que expressa o pessimismo, o conflito, o
desequilíbrio entre a razão e a emoção.

Literariamente, seus grandes recursos estilísticos são a metáfora, revelando a


tendência do Barroco à alusão e à descrição indireta; a antítese e o paradoxo,
exprimindo a coexistência angustiada de ideias e sentimentos opostos e
contraditórios; a hipérbole, expressando a perplexidade diante do mundo e da
vida; e o hipérbato, refletindo, na inversão da frase, as contorções da alma.

São duas as tendências básicas do Barroco: o cultismo e o conceptismo.


Embora constituam estilos diferentes, podem coexistir num mesmo autor ou até
numa mesma obra. Há casos em que a distinção entre eles é muito difícil, se
não impossível.

· Cultismo ou culteranismo (costuma ser chamado também de gongorismo,


às vezes depreciativamente, em referência ao poeta espanhol D. Luis de
Góngora, seu maiorrepresentante): consiste no exagero da dimensão sensorial
(sonoridade e imagens) da obra literária. O autorcultista recorre
exageradamente a metáforas, sinestesias de toda ordem, aliterações,
hipérbatos, antíteses, trocadilhos, enfim, a um descritivismo rebuscado, tão rico
quanto tortuoso.

56

· Conceptismo: consiste na hipertrofia da dimensão conceitual da obra


literária. Utilizando-se mais da razão que dos sentidos, o autor conceptista cria
raciocínios engenhosos, num refinado jogo intelectual de paradoxos e sutilezas
lógicas. Enquanto o cultismo é essencialmente descritivo, o conceptismo é
analítico. Considera-se o espanhol D. Francisco de Quevedo - o mais
representativo e influente autor desse estilo.

O Barroco brasileiro

No Brasil, a escola barroca é frequentemente chamada de Escola Baiana. Isso


se deve ao fato de o centro de irradiação cultural e de produção literária do
século XVII ter sido Salvador, capital da Colônia.
Na Bahia, encontramos dois autores da maior importância na história de nossa
literatura: o padre Antônio Vieira, fortemente ligado à vida da Colônia, e o poeta
Gregório de Matos.

PARA NÃO ESQUECER

Metáfora - Consiste no emprego de uma palavra ou expressão com um sentido


diferente do usual, com base em uma comparação subentendida entre dois
elementos.

Antítese - Caracteriza-se pelo emprego de palavras ou expressões de


significados opostos.

Hipérbole - Consiste na ênfase expressiva dada pelo exagero do significado.

Hipérbato - Consiste na transposição ou inversão da ordem dos termos de


uma oração, tendo como consequência a separação dos elementos de um
mesmo grupo sintático.

Padre Antônio Vieira

Orador sacro, pertencente às duas literaturas, portuguesa e brasileira, suas


principais obras são os Sermões (perto de 200, organizados em 16 volumes) e
as Cartas (cerca de 500, organizadas em três volumes).

Embora utilizasse muitas vezes os procedimentos estilísticos do cultismo,


Vieira é um autor conceptista.

Tem sido considerado, durante estes três séculos, um gênio da língua.


Impressiona sua capacidade de obter efeitos extraordinários, sem lançar mão
de exageros sintáticos ou de rebuscamentos metafóricos. Seu discurso é
extremamente "engenhoso" (no sentido seiscentista: muito inventivo e original),
sem, contudo, ser pedante e obscuro.

Principais sermões de Vieira

· "Sermão pelo bom sucesso dasArmas de Portugal contra as


deHolanda"(1640). Retrata o cerco à cidade de Salvador pelos holandeses.
Vieira, com apenas 32 anos, prega o quetalvez seja o seu mais ousado e
impressionante sermão, diante de uma população amedrontada, na Igreja de
Nossa Senhora da Ajuda. E o pregador, em vez de se dirigir à plateia, fala ao
próprio Deus, exigindo dele a proteção para o seu povo: "Acordai, Senhor, por
que dormis?" (Salmo 43).

· "Sermão do mandato" (1650). Sobre o amor místico de Cristo, é um de seus


mais belos e perfeitos sermões.

· "Sermão de Santo Antônio aos peixes" (1654). Pronunciado no Maranhão, no


auge da luta dos jesuítas contra a escravização dos indígenas pelos
colonizadores. Vieira demonstra sua veia satírica, representando os vícios dos
colonos nos comportamentos das diversas espécies de peixes.

· "Sermão da Sexagésima" (1655). Quando Vieira estava no Maranhão, fez


uma breve viagem a Portugal, onde obteve a Lei da Liberdade dos Índios e
pronunciou, na Capela Real, esse que é considerado o seu mais importante
sermão: uma crítica monumental ao estilo Barroco, sobretudo ao cultismo.
(Sexagésima era, no calendário da Igreja Católica, o segundo domingo antes
do primeiro da Quaresma, ou seja, aproximadamente 60 dias antes da
Páscoa.)

57

Gregório de Matos

Considerado por muitos historiadores o iniciador da literatura brasileira, é o


principal poeta de todo o período colonial, juntamente com o neoclássico
Tomás Antônio Gonzaga. Sua volumosa obra foi conservada em cópias
manuscritas do século XVIII. Compreende-se, portanto, que a sua autoria seja
controversa, uma vez que muitos poemas lhe foram indevidamente atribuídos.

Influenciado tanto pelo cultismo de Góngora quanto pelo conceptismo de


Quevedo, ficou conhecido na história da literatura como o Boca do Inferno,
por causa de suas sátiras e de sua poesia erótica. Contudo, sua obra é múltipla
e surpreendente. Seu espírito profundamente barroco pode ser percebido na
paradoxal diversidade dos temas que desenvolveu:

· poesia sacra (temática religiosa);

· poesia lírico-amorosa;

· poesia satírica;
· poesia burlesca, cujo tom brincalhão frequentemente se torna obsceno.

LEITURA

À cidade da Bahia

Soneto

Pondo os olhos primeiramente na sua cidade, conhece que os mercadores são


o primeiro móvel da ruína em que arde, pelas mercadorias inúteis e enganosas.

Triste Bahia! Oh quão dessemelhante

Estás, e estou do nosso antigo estado!

Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,

Que em tua larga barra tem entrado,

A mim foi-me trocando, e tem trocado,

Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente

Pelas drogas inúteis, que abelhuda

Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus, que de repente

Um dia amanheceras tão sisuda

Que fora de algodão o teu capote!

MATOS, Gregório de. Obra poética. Edição James Amado. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Record, 1992. v. 1. p. 333.

Vocabulário:

Bahia: cidade de Salvador;

estado: situação, condição de vida;

empenhado: endividado;

trocar: nos dois sentidos: comerciar e mudar;


máquina mercante: as naus do comércio;

deste em dar: principiaste, começaste a dar;

simples: droga, remédio;

brichote: estrangeiro (pejorativo);

sisuda: ajuizada;

capote: capa larga e longa.

Fim do vocabulário.

CRÉDITO: Laudelino Freire. 1913. Desenho. Biblioteca Nacional, Rio de


Janeiro

Gregório de Matos Guerra (1636-1695)

Como filho de senhor de engenho, Gregório de Matos pôde estudar em


Portugal, para onde se mudou aos 14 anos de idade. Lá passou 32 anos,
prósperos e tranquilos. Retornou ao Brasil em 1682, nomeado para funções na
burocracia eclesiástica da Sé da Bahia. Durou pouco no cargo, do qual foi
destituído em 1683. Iniciou-se, então, a última fase de sua vida. O casamento
com Maria dos Povos, a quem dedicou belíssimos sonetos, não impediu a
decadência, social e profissional, do Dr. Gregório. Ficou famoso por suas
andanças e pândegas pelos engenhos do Recôncavo. Mais famosas ainda
eram suas sátiras. Talvez por causa delas, foi deportado para Angola, em
1694. Pôde retornar ao Brasil no ano seguinte, para o Recife, onde morreu aos
59 anos de idade.

58

Em tom de conversa

Sendo uma obra conceptista, esse soneto desenvolve o pensamento de modo


engenhoso, num refinado jogo intelectual de paradoxos e sutilezas lógicas que
exige, para a compreensão, um maior esforço do leitor. Um bom modo de
facilitar o entendimento, em casos como esse, é parafrasear o texto.

Com o auxílio de seu(sua) professor(a), ajude seus colegas a redigir uma


paráfrase do poema. Veja um exemplo da terceira estrofe.
Tu te puseste a trocar o açúcar excelente por drogas inúteis, que, por seres
curiosa e fútil, aceitas do estrangeiro esperto, como se elas fossem bons
remédios.

Procedimentos

1. Discutam a primeira estrofe, procurando compreender o pensamento que


nela se desenvolve, solucionando dúvidas de vocabulário e recompondo a
ordem direta das frases.

2. Após chegarem a uma compreensão da estrofe, produzam coletivamente a


paráfrase, sob a orientação do(a) professor(a).

3. Repitam os procedimentos para as outras estrofes.

4. Ao final, comparem os textos - soneto e paráfrase - e avaliem se esta


manteve a construção engenhosa e a expressividade do poema.

Resposta: Sugestão de resposta: 1ª estrofe: Triste Bahia! Oh como tu e eu


estamos diferentes em relação à nossa antiga situação de vida! Eu já te vi rica,
tu já me viste abastado (endinheirado). Mas agora te vejo pobre e tu me vês
endividado. - 2ª estrofe: Tua situação foi mudada por causa do intenso
comércio realizado pelos navios que entram no teu porto. A minha situação foi
mudada, e continua mudando, pelos muitos negócios e negociantes com que
me envolvi. - 4ª estrofe: Oh quisera Deus que um dia, de repente,
amanhecesses tão ajuizada, que usasses um simples capote de algodão (em
lugar das roupas ricas com que desperdiças tuas riquezas). Professor(a), leve
os alunos a perceber que a paráfrase auxilia a compreensão dos sentidos do
texto, mas empobrece a construção engenhosa.

Releitura

Escreva no caderno

No soneto, a cidade, personificada, é objeto das recriminações do poeta, como


frequentemente ocorre nos poemas satíricos do autor.

1. Nas duas primeiras estrofes, ele faz um paralelo entre a sua vida e a da
cidade, descrevendo as transformações que ambas sofreram.

a) Qual era a antiga situação da cidade e de sua vida?


Resposta: Antigamente a cidade era rica, e ele, possuidor de muitos bens.

b) E a situação atual?

Resposta: O poeta vê a cidade empobrecida e se diz "empenhado", isto é,


endividado ou com seus bens penhorados para pagamento de dívidas.

2. A antítese é uma das figuras de linguagem mais utilizadas pela literatura


barroca.

a) Liste as antíteses utilizadas por Gregório de Matos e indique a que tempo


(passado ou presente) cada palavra se refere.

Resposta: Pobre (presente) e rica (passado); vejo (presente) e vi (passado);


empenhado (presente) e abundante (passado).

b) O que revela o uso intenso da antítese no poema?

Resposta: No poema, o uso intenso da antítese revela as mudanças, ou


"dessemelhanças de estado", sofridas pelo poeta e pela cidade.

3. A vida do poeta foi mudada pelos maus negócios e por negociantes mais
espertos que ele. A que ele atribui as mudanças de condições da cidade?

Resposta: Para ele, a culpa do empobrecimento da cidade deve ser atribuída à


"máquina mercante", ou seja, às naus que aportavam na cidade para
comerciar, e, por extensão, ao próprio comércio internacional do açúcar.

4. Releia a terceira estrofe e responda: segundo o poeta, por que a Bahia, na


época a maior exportadora mundial de açúcar, tinha tanto prejuízo no comércio
internacional?

Resposta: Segundo ele, a Bahia trocava o excelente açúcar que produzia por
"drogas" inúteis. Em outras palavras, o capital estrangeiro que recebia pela
exportação do açúcar era utilizado na importação de futilidades e artigos de
luxo.

5. Na última estrofe, ele formula um desejo, exprimindo-se por meio da


metáfora do "capote de algodão". Explique o desejo do poeta e a importância
da metáfora na composição do poema.

Resposta: O poeta deseja que a Bahia seja "sisuda", isto é, que ela tenha siso,
juízo, e abandone o estilo de vida luxuoso e de gastos inúteis que vinha
levando. O "capote de algodão" representa a roupa do povo, barata (de
algodão) e despretensiosa, e simboliza a vida simples.

59

Comentário

O soneto de Gregório de Matos pode ser incluído na tendência conceptista do


Barroco. Observe sua estrutura:

· Nos dois quartetos, o poeta compara as transformações de sua vida com as


da vida da cidade. O paralelismo dos versos e das construções sintáticas, os
jogos de palavras e as antíteses intensificam a expressividade da comparação.

· Nos tercetos, o poeta ocupa-se apenas da cidade. No primeiro, formula uma


explicação para o atual estado em que ela se encontra. No segundo, indica
uma solução, exprimindo o desejo de que ela passe a ter um estilo de vida
mais simples.

A estruturação conceptista do poema não impede, entretanto, os recursos


expressivos próprios do cultismo, como o uso intensivo de aliterações.

Veja a seguir uma reconstituição da cidade de Salvador da época de Gregório


de Matos em um romance do século XX.

PARA NÃO ESQUECER

Aliteração - Repetição de fonemas visando a um efeito expressivo eufônico


(positivo) ou cacofônico (negativo). Exemplo: Estás, e estou do nosso antigo
estado! (Os fonemas linguodentais /t/ e /d/ repercutem, como numa batida
insistente, ao longo dos dois quartetos.)

LEITURA

Em 1989, a escritora Ana Miranda lançou o romance Boca do inferno, que fez
grande sucesso. A obra reconstitui ficcionalmente a Bahia do século XVII e as
desavenças políticas entre o governador-geral, Antônio de Sousa Meneses, e a
família do padre Antônio Vieira. O poeta Gregório de Matos, personagem do
romance, toma partido contra o tirânico governador, satirizando-o em vários
poemas. No trecho a seguir, ele observa o burburinho da cidade.

Boca do inferno (fragmento)


As pessoas que caminhavam pela praça naquele momento eram, na maioria,
negros escravos ou mestiços trabalhadores. Muitos iam para as igrejas. Os
sinos chamavam, repicando.

Da janela, Gregório de Matos acompanhou com os olhos a passagem do


governador entre pessoas de diversos mundos e reinos distintos. Reinóis, que
chamavam de maganos, fugidos de seus pais ou degredados de seus reinos
por terem cometido crimes, pobres que não tinham o que comer em sua terra,
ambiciosos, aventureiros, ingênuos, desonestos, desesperançados, saltavam
sem cessar no cais da colônia. Alguns chegavam em extrema miséria,
descalços, rotos, despidos, e pouco tempo depois retornavam, ricos, com
casas alugadas, dinheiro e navios. Mesmo os que não tinham eira nem beira,
nem engenho, nem amiga, vestiam seda, punham polvilhos. [...] Eram esses os
cristãos que vinham, na maior parte, e esses os que caminhavam por ali,
tirando o chapéu e curvando-se à passagem do governador. Eram também
persas, magores, armênios, gregos, infiéis e outros gentios. Mermidônios,
judeus e assírios, turcos e moabitos. A todos, a cidade dava entrada.

[...]

MIRANDA, Ana. Boca do inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.
14.

Vocabulário:

reinol: natural do reino, ou seja, de Portugal;

magano: velhaco, trapaceiro, negociante de animais ou escravos;

polvilho: pó utilizado para branquear os cabelos;

gentio: pagão, idólatra, estrangeiro.

Fim do vocabulário.

60

Ana Miranda com frequência incorpora, em suas descrições, trechos da poesia


de Gregório de Matos. Veja um exemplo.

Pode haver maior portento,

nem milagre encarecido,


como de ver um mazombo

destes cá do meu pavio,

que sem ter eira nem beira,

engenho, o juro sabido,

tem amiga, e joga largo,

veste sedas, põe polvilhos?

MATOS, Gregório de. Obra poética. Edição James Amado. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Record, 1992. v. 1. p. 52.

Releitura

Escreva no caderno

1. Que característica da cidade de Salvador, no século XVII, é ressaltada tanto


no soneto de Gregório de Matos, "À cidade da Bahia", quanto nessa descrição
de Ana Miranda?

Resposta: Salvador aparece nos dois textos como um grande porto de


comércio internacional, movimentado por comerciantes vindos de todas as
partes do mundo - a "máquina mercante" de que fala Gregório de Matos.

2. Encontre no texto de Ana Miranda uma passagem que possa ilustrar a vida
de luxo e desperdício dos habitantes de Salvador, também descrita por
Gregório em seu soneto.

Resposta: "Mesmo os que não tinham eira nem beira, nem engenho, nem
amiga, vestiam seda, punham polvilhos."

O Neoclassicismo

Na segunda metade do século XVIII, inicia-se uma forte reação contra o


Barroco e ao panorama ideológico que ele representava.

A arte setecentista cultiva a graciosidade e a leveza, utilizando linhas


suavemente curvas e tons esbatidos. Na pintura, as cenas são sempre
estilizadas em ambientes campestres, onde pastoras e pastores, ninfas e
sátiros representam a superficialidade e a alegria maliciosa dos salões
aristocráticos.
Na literatura podemos observar as seguintes tendências:

· Arcadismo - Em sentido amplo, é a produção poética ligada às arcádias; em


sentido mais específico, refere-se ao ideal de simplicidade e de naturalidade
que se buscou nos temas bucólicos e pastoris convencionais, pela imitação de
poetas latinos e renascentistas.

· Neoclassicismo - Em sentido amplo, o termo é usado em referência ao


conjunto da produção artística da segunda metade do século XVIII. Em sentido
estrito, refere-se a uma tendência artística das últimas décadas do século XVIII
e primeiras do XIX. A arte neoclássica caracteriza-se pelo retorno ao equilíbrio
clássico e pela imitação dos autores greco-Iatinos e renascentistas. Valoriza a
perfeição formal, cultua a grandiosidade, repudia a decoração supérflua e
desenvolve temas mitológicos e históricos.

· Pré-Romantismo- Concomitantemente ao florescimento do Neoclassicismo,


o progressivo desgaste dos valores aristocráticos leva muitos artistas e
escritores a abandonarem as convenções classicizantes, imprimindo em suas
obras certas características que prenunciam o Romantismo do século XIX,
como o emocionalismo e o pessimismo.

Vocabulário:

Arcádia: desde a fundação da Arcádia de Roma (1690), as agremiações


literárias (academias) passaram a receber esse nome: Arcádia Lusitana e Nova
Arcádia (Portugal), Arcádia Ultramarina (Brasil).

Fim do vocabulário.

61

Principais convenções da poesia arcádica

1. Personagens mitológicos utilizados alegoricamente.

2. Bucolismo e pastoralismo: a vida campestre idealizada e estilizada; o


sujeito lírico sempre caracterizado como um pastor; a mulher amada, como
uma pastora.
3. Ambientação no locus amoenus ("lugar ameno"): idealização da natureza,
estilizada em cenário perfeito e aprazível (o prado, as flores, os pássaros, a
brisa, o riacho murmurante etc.).

4. Tema do fugere urbem ("fugir da cidade"): a cidade é vista como o lugar do


sofrimento e da corrupção dos homens.

5. Elogio da aurea mediocritas ("mediania de ouro"): expressão de Horácio


(poeta da Roma antiga) para dizer que uma situação de equilíbrio deve ser
preferível a qualquer extremo.

6. Carpe diem ("colha o dia"), tema clássico greco-Iatino: recomendação para


que se aproveite o momento presente. Na poesia lírico-amorosa, o amante
procura convencer a amada de que devem viver plenamente o amor, antes que
venham a velhice e a morte.

O Neoclassicismo brasileiro

O Neoclassicismo é chamado também de Escola Mineira pelos historiadores da


literatura, pois ele se desenvolveu sobretudo na cidade de Vila Rica, capital da
província de Minas Gerais, e no Rio de Janeiro. Foi contemporâneo à chamada
Inconfidência Mineira, movimento político de que participaram vários autores.

Principais autores neoclássicos brasileiros

· Cláudio Manuel da Costa - Obras poéticas (poesia lírica, 1768) e Vila Rica
(poema épico, 1773).

· Tomás Antônio Gonzaga - Marília de Dirceu (liras - poesia lírica) e Cartas


chilenas (poesia satírica).

· Basílio da Gama - O Uraguai (poema épico, 1769).

· Frei José de Santa Rita Durão - Caramuru (poema épico, 1781).

O Barroco mineiro

Você já deve ter ouvido muitas vezes a expressão "Barroco mineiro". E se você
sabe que esse barroco está ligado ao ciclo do ouro, do século XVIII, pode estar
um pouco confuso: afinal, esse período é barroco ou neoclássico? A resposta a
essa pergunta exemplifica muito bem a observação de que, quando estudamos
História da Arte, não podemos confiar ingenuamente nas periodizações e
classificações. Elas são muito úteis, mas construídas apenas com finalidades
didáticas, para dar uma organização racional e compreensível ao conjunto das
produções artísticas. Com essa finalidade, exigem grandes abstrações,
generalizações e simplificações.

A Escola Mineira (literatura neoclássica, em sentido amplo) convive com as


artes plásticas e a arquitetura do chamado Barroco mineiro.

Trata-se de um barroco tardio, eclético (mistura dos estilos Barroco, Rococó e,


por vezes, Neoclássico), adaptado aos materiais disponíveis, como o
itacolomito e a pedra-sabão, e resultante de novas técnicas desenvolvidas
pelos artesãos.

Os principais artistas do Barroco mineiro foram, na pintura, Manuel da Costa


Ataíde e, na escultura e arquitetura, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Vocabulário:

Rococó: estilo tipicamente francês, na decoração, arquitetura e pintura,


desenvolvido principalmente no reinado de Luís XV (1715-1774). É a última
fase do Barroco, em transição para o Neoclassicismo. Caracteriza-se pelo
grande apelo sensual e pelos excessos decorativos, exprimindo o gosto frívolo
das cortes. Como o Arcadismo, utiliza frequentemente os temas pastoris e
bucólicos, numa representação requintada e artificial da simplicidade.

Fim do vocabulário.

62

LEITURA

Aleijadinho

Na pausa do cinzel e das ferramentas

declinas perguntas à pedra.

Teus profetas elegem o ar

conhecem o volteio dos dias

pisam

o pergaminho das parábolas.


Doze vezes a pedra humanizada

respira

o silêncio das colinas.

Tuas mãos em descanso emocionam

o tempo fixado.

PAIXÃO, Fernando. 25 azulejos. São Paulo: Iluminuras, 1984. p. 17.

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730?-1814)

Considerado o artista mais importante do chamado Barroco mineiro. Por falta


de documentação, sua biografia é muito imprecisa. Sabe-se que era mulato,
filho de um famoso mestre de obras e de uma escrava. Ainda muito jovem foi
acometido por uma doença que causava deformação em seu corpo (não se
conhece a natureza dessa doença, talvez a sífilis, o reumatismo ou mesmo a
hanseníase) que lhe valeu o apelido de Aleijadinho. As principais obras
atribuídas a ele encontram-se nas cidades de Ouro Preto, Congonhas do
Campo, Sabará e São João del Rei.

E MAIS...

Interpretação de texto e de imagens

O poema de Fernando Paixão, que você acaba de ler, foi publicado no final do
século XX.

Reúna-se com seu grupo para realizar esta atividade, de acordo com o roteiro
a seguir:

1. Pesquisa

Utilizando a internet e enciclopédias, procurem dados que os auxiliem a


responder a estas perguntas:

a) Quais foram as principais artes a que se dedicou Aleijadinho? O poema de


Fernando Paixão faz referências a essas artes?

Resposta: Aleijadinho dedicou-se à arquitetura e à escultura. O poema faz


referências à escultura: "pausa do cinzel e das ferramentas"; "perguntas à
pedra"; "a pedra humanizada".
b) A que obra o poeta se refere nos versos "Doze vezes a pedra humanizada /
respira / o silêncio das colinas."?

Resposta: O poeta refere-se à obra Os Doze Profetas, um conjunto de doze


esculturas em pedra-sabão localizadas no adro do santuário do Bom Jesus de
Matosinhos, em Congonhas do Campo (MG). É uma das obras mais
importantes do escultor.

c) Que características dessa obra de Aleijadinho são sugeridas pelos versos


"Teus profetas elegem o ar", "o pergaminho das parábolas" e "o silêncio das
colinas"?

Resposta: · "Teus profetas elegem o ar": as esculturas estão colocadas sobre


os muros da escadaria que conduz ao adro da igreja. Os observadores as
veem de baixo, projetadas contra o céu. Dois profetas (Abdias e Habacuque)
apontam o céu, em gesto dramático; Jonas tem a cabeça voltada para o alto.
· "o pergaminho das parábolas": cada profeta do conjunto de esculturas porta
um pergaminho com uma citação bíblica, em latim, que o identifica.
· "o silêncio das colinas": referência à topografia da cidade de Congonhas do
Campo; o santuário do Bom Jesus de Matosinhos localiza-se em uma colina
(Morro do Maranhão).

2. Comentário

Utilizando as informações obtidas e as respostas dadas às perguntas, redijam


um comentário sobre o poema de Fernando Paixão.

3. Apresentação

Ao apresentar o comentário para a classe, utilizem recursos visuais (slides ou


cartazes) para exibir imagens ilustrativas das referências do poema às
esculturas de Aleijadinho. O representante escolhido pelo grupo deve ensaiar a
apresentação para realizá-la sem se prender à leitura do comentário.

4. Painel

Em cooperação com os outros grupos, montem um painel, no mural da sala ou


de outro local da escola, com os textos dos comentários e as imagens.

63
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810)

Embora português de nascimento, Tomás Antônio Gonzaga viveu no Brasil


parte de sua infância. De volta a Portugal, formou-se em Coimbra, mas a partir
de 1782 passou a exercer, em Vila Rica (MG), o cargo de ouvidor. Aos 40 anos
de idade, Gonzaga apaixonou-se por uma adolescente de 17 - Maria Doroteia
Joaquina de Seixas. Afamília da moça opunha-se ao namoro. Quando o poeta
já vencia a resistência dos familiares dela, foi preso (1789) e enviado para a
Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, acusado de participar da Inconfidência
Mineira. Os últimos dezessete anos de sua vida passou-os no degredo em
Moçambique, casado com a filha de um comerciante de escravos. Gonzaga
nunca se casou com Maria Doroteia, mas esse namoro tornou-se o primeiro
mito amoroso de nossa literatura e inspirou uma de nossas mais belas obras
líricas.

Marília de Dirceu

As liras de Tomás Antônio Gonzaga popularizaram-se com o título de Marília


de Dirceu e constituem a obra poética mais importante do século XVIII e uma
das mais expressivas do Neoclassicismo em língua portuguesa.

Duas tendências coexistem nas liras de Gonzaga:

· a contenção e o equilíbrio neoclássicos, com a utilização de todos os lugares-


comuns do Arcadismo: um pastor, uma pastora, o campo, a serenidade da
paisagem primaveril etc.;

· o emocionalismo pré-romântico, na expressão pungente da crise amorosa e,


posteriormente à prisão, da crise existencial do poeta.

O sujeito lírico é o pastor Dirceu, que confessa seu amor pela pastora Marília.
Contudo, é evidente que no casal de pastores se projeta o drama amoroso
vivido por Gonzaga e Maria Doroteia. A todo momento a emoção rompe o véu
da estilização arcádica, brotando, dessa tensão, uma poesia de alta qualidade:

Eu tenho um coração maior que o mundo,

tu, formosa Marília, bem o sabes;

um coração, e basta,
onde tu mesma cabes.

A obra divide-se em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é


contestada por alguns críticos):

· 1ª parte: contém os poemas escritos na época anterior à prisão de Gonzaga.


Nela, predominam as composições convencionais: o pastor Dirceu celebra a
beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas. Em alguns poemas,
entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do autor: a
ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade
de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de
uma sossegada vida futura, rodeado de filhos e bem cuidado por sua mulher;

· 2ª parte: escrita na prisão da Ilha das Cobras. Os poemas exprimem a solidão


de Dirceu, saudoso de Marília. Nesta segunda parte, encontramos a melhor
poesia de Gonzaga. As convenções ainda estão presentes, mas o tom
confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico.

Vocabulário:

ode anacreôntica: pequeno poema lírico que imita os temas e o tom das
composições do poeta grego Anacreonte (segunda metade do século VI a.C.).
Caracteriza-se pela singeleza e naturalidade afetada, pela graça e pela
ingenuidade engenhosa, disfarçando elegantemente temas sensuais.

Fim do vocabulário.

64

LEITURA

Lira XXXIV (fragmento)

Minha bela Marília, tudo passa;

a sorte deste mundo é mal segura;

se vem depois dos males a ventura,

vem depois dos prazeres a desgraça.

Estão os mesmos deuses

sujeitos ao poder do ímpio fado:


Apolo já fugiu do céu brilhante,

já foi pastor de gado.

[...]

Com os anos, Marília, o gosto falta,

e se entorpece o corpo já cansado;

triste, o velho cordeiro está deitado,

e o leve filho sempre alegre salta.

A mesma formosura

é dote que só goza a mocidade:

rugam-se as faces, o cabelo alveja,

mal chega a longa idade.

Que havemos de esperar, Marília bela?

que vão passando os florescentes dias?

As glórias que vêm tarde, já vêm frias,

e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.

Ah! não, minha Marília,

aproveite-se o tempo, antes que faça

o estrago de roubar ao corpo as forças,

e ao semblante a graça.

GONZAGA, Tomás Antônio. In: GRÜNEWALD, José Lino. Os poetas da


Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 70.

Lira LXXXI

Nesta triste masmorra,

de um semivivo corpo sepultura,

inda, Marília, adoro

a tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;

busca, extremoso, que eu assim resista

à dor imensa, que me cerca e mata.

Quando em meu mal pondero,

então mais vivamente te diviso:

vejo o teu rosto e escuto

a tua voz e riso.

Movo ligeiro para o vulto os passos:

eu beijo a tíbia luz em vez de face,

e aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;

a violência da mágoa não suporto;

foge-me a vista e caio,

não sei se vivo ou morto.

Enternece-se Amor de estrago tanto;

reclina-me no peito, e com mão terna

me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento

por largo espaço a imagem de um defunto,

movo os membros, suspiro,

e onde estou pergunto.

Conheço então que Amor me tem consigo;

ergo a cabeça, que inda mal sustento,

e com doente voz assim lhe digo:

- Se queres ser piedoso,

procura o sítio em que Marília mora,


pinta-lhe o meu estrago,

e vê, Amor, se chora.

Se a lágrima verter a dor a arrasta,

uma delas me traze sobre as penas,

e para alívio meu só isto basta.

GONZAGA, Tomás Antônio. In: GRÜNEWALD, José Lino. Os poetas da


Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 39.

Vocabulário:

Apolo: deus do Sol (na mitologia, Apolo, por ter conspirado contra Zeus, foi
exilado nas encostas do monte Ida, onde apascentou, durante um ano, o gado
do rei Laomedonte; num outro episódio, Zeus condenou-o a ser pastor das
ovelhas do rei Admeto);

estrela: destino;

ponderar: refletir;

divisar: distinguir, enxergar;

tíbio: fraco;

penas: o amor era representado como um menino alado (Cupido).

Fim do vocabulário.

65

Releitura

Escreva no caderno

As questões de 1 a 3 são relativas à "Lira XXXIV".

1. Que semelhança existe entre o tema da primeira estrofe da lira e o do soneto


de Camões que você interpretou na página 37, do capítulo 2?

Resposta: Assim como o soneto de Camões, a primeira estrofe da lira


desenvolve o tema da passagem do tempo e das mudanças que ocorrem na
vida. Em Camões, as mudanças são simbolizadas pelas estações do ano: o
inverno, representando o sofrimento; a primavera, a felicidade. Na lira, os
males e a ventura (ou a desgraça e os prazeres) alternam-se constantemente.

2. Que tema convencional do Arcadismo Gonzaga desenvolve a partir do sexto


verso da última estrofe? Transcreva o verso que traduz o nome latino desse
tema.

Resposta: Gonzaga desenvolve o tema do carpe diem. Verso: "aproveite-se o


tempo, antes que faça".

3. Voltando à comparação entre a lira de Gonzaga e o soneto de Camões, qual


deles é mais pessimista? Por quê? As questões de 4 a 7 referem-se à "Lira
LXXXI".

Resposta: O soneto de Camões é mais pessimista, pois o eu lírico termina


dizendo que o choro não se transformará mais em doce canto, ou seja, o
tempo fixou-se na infelicidade. Já o eu lírico do poema de Gonzaga, embora
reconheça a inevitabilidade da velhice, não se encerra no lamento mas se
propõe a aproveitar bem o tempo da felicidade.

4. Por que o autor grafa a palavra amor com inicial maiúscula?

Resposta: A inicial maiúscula indica a personificação do amor; o Amor é uma


entidade mitológica, o Cupido.

5. Com que artifício o Amor procura dar forças a Dirceu, para que resista à dor
da ausência de Marília?

Resposta: O Amor faz Dirceu ter uma alucinação e ver a imagem de Marília.

6. Qual é a reação de Dirceu ao tomar consciência da ilusão?

Resposta: Não suportando a "violência da mágoa", Dirceu desmaia ("foge-me a


vista e caio").

7. O que Dirceu pede ao Amor, como único meio de aliviar seu sofrimento?

Resposta: Dirceu pede ao Amor uma lágrima de Marília, como prova de que ela
o ama e sofre por ele.

8. A obra Marília de Dirceu divide-se em duas partes. A qual delas pertence


cada um dos poemas? Justifique.
Resposta: O primeiro pertence à primeira parte. Nele o poeta prende-se mais
às convenções neoclássicas do que no segundo. Pelo conteúdo, percebe-se
que foi escrito anteriormente à prisão do autor, quando ainda cortejava Maria
Doroteia. O segundo pertence à segunda parte. Dirceu está na prisão. Embora
ainda utilize algumas convenções neoclássicas (o nome Marília, a referência a
Cupido), predominam o tom confessional, o pessimismo, a expressão de
emoções fortes, como a solidão, o desespero, o delírio, a saudade.

Comentário

As convenções neoclássicas ainda estão presentes nos poemas: o


pastoralismo, o bucolismo e a personificação alegórica do amor. Entretanto, a
confissão dos problemas pessoais do autor, mal disfarçada sob o tema do
carpe diem, na "Lira XXXIV", irrompe com toda força dos sentimentos na "Lira
LXXXI". A convenção pastoril resta apenas como uma vaga sugestão, por meio
do nome da pastora "Marília", diante do pessimismo e da autopiedade,
expressos em versos como:

Nesta triste masmorra,

de um semivivo corpo sepultura

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Este capítulo foi dedicado ao estudo da produção literária do período colonial


brasileiro.

· O Quinhentismo deve ser considerado como parte da literatura de viagens


do Renascimento português. É mais apropriado falar de uma "literatura sobre o
Brasil" que de "literatura brasileira".

Principais manifestações literárias:

· a literatura informativa - cartas, relatórios, diários de navegação, tratados e


relatos históricos sobre a nova terra;

· a literatura catequética do padre José de Anchieta - peças de teatro e


poemas - ligada à tradição medieval (medida velha, teatro vicentino, concepção
teocêntrica do mundo).
· O Barroco é um estilo literário que reflete um momento conturbado da
história europeia e os ideais da Contrarreforma. As características do Barroco
opõem-se às do Classicismo renascentista: pessimismo; desequilíbrio entre
razão e emoção; jogo de contrastes, como expressão da dualidade e da
contradição; linguagem rebuscada e contorcida, repleta de figuras de
linguagem.

Duas tendências no Barroco literário:

· o cultismo - hipertrofia da dimensão sensorial do texto, pelo jogo formal e


pelo uso excessivo de figuras de linguagem;

· o conceptismo - intensa elaboração da dimensão conceitual do texto, do


pensamento engenhoso e sutil.

66

Principais autores:

· Pe. Antônio Vieira - orador sacro luso-brasileiro, de estilo conceptista.

· Gregório de Matos - autor de volumosa produção poética, que revela o


espírito barroco já na escolha de temas conflitantes: poesia religiosa (sacra),
poesia lírico-amorosa, poesia satírica. Em razão de suas sátiras e de sua
poesia erótico-pornográfica, o poeta é conhecido pelo apelido de Boca do
Inferno.

· No Neoclassicismo, da segunda metade do século XVIII, há uma


revalorização das características da arte clássica (Classicismo greco-Iatino e
renascentista), como reação aos exageros do Barroco. Os termos
Neoclassicismo e Arcadismo são utilizados frequentemente para denominar,
de modo abrangente, o conjunto das tendências da época. Em sentido
específico, no entanto, devemos distinguir essas denominações, entendendo:

· por Arcadismo a poesia convencional das "arcádias" (academias):


pastoralismo, bucolismo;

· por Neoclassicismo o movimento artístico surgido na Europa nas últimas


décadas do século XVIII (busca do equilíbrio clássico e da perfeição formal,
repúdio aos elementos decorativos, exploração de temas históricos e
mitológicos).
Na passagem para o século XIX, o Neoclassicismo evolui para o Pré-
Romantismo.

A poesia neoclássica brasileira desenvolveu-se sobretudo na região aurífera de


Minas Gerais e na nova capital da Colônia (Rio de Janeiro). Vários autores
envolveram-se no movimento político denominado Inconfidência Mineira.

Concomitantemente ao Neoclassicismo literário, desenvolveu-se um barroco


tardio na arquitetura e nas artes plásticas, conhecido como Barroco mineiro.
Seus principais representantes são, na escultura e na arquitetura, Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e, na pintura, Manuel da Costa Ataíde. Tomás
Antônio Gonzaga, autor de Marília de Dirceu, é o principal poeta lírico. Os
poemas da segunda parte dessa obra são pré-românticos.

Atividades

Escreva no caderno

Para resolver esta questão do Enem, releia o poema de Murilo Mendes, na


página 54.

1. (Enem/MEC) Arcaísmos e termos coloquiais misturam-se nesse poema,


criando um efeito de contraste, como ocorre em:

a) A terra é mui graciosa / Tem macaco até demais

b) Salvo o devido respeito / Reforçai, Senhor, a arca

c) A gente vai passear / Ficarei muito saudoso

d) De plumagens mui vistosas / Bengala de castão de oiro

e) No chão espeta um caniço / Diamantes tem à vontade

Resposta: Alternativa a.

2. (Enem/MEC)

A feição deles é serem pardos, maneira d'avermelhados, de bons rostos e bons


narizes, benfeitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam
nenhuma cousa cobrir, nem mostrar suas vergonhas. E estão acerca disso com
tanta inocência como têm em mostrar o rosto.
CAMINHA, P. V. A Carta. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br.
Acesso em: 12 ago. 2009.

67

Ao se estabelecer uma relação entre a obra de Eckhout e o trecho do texto de


Caminha, conclui-se que:

a) ambos se identificam pelas características estéticas marcantes, como


tristeza e melancolia, do movimento romântico das artes plásticas.

b) o artista, na pintura, foi fiel ao seu objeto, representando-o de maneira


realista, ao passo que o texto é apenas fantasioso.

c) a pintura e o texto têm uma característica em comum, que é representar o


habitante das terras que sofreriam processo colonizador.

d) o texto e a pintura são baseados no contraste entre a cultura europeia e a


cultura indígena.

e) há forte direcionamento religioso no texto e na pintura, uma vez que o índio


representado é objeto da catequização jesuítica.

Resposta: Alternativa c.

LEGENDA: Índio Tapuia, pintura de Albert Eckhout, 1641.

CRÉDITO: Albert Eckhout. 1641. Óleo sobre tela, 272 × 161 cm. Museu
Nacional da Dinamarca, Copenhague

Antes de responder às questões de 3 a 5, observe, a seguir, no fragmento de


um sermão do Pe. Antônio Vieira e nas pinturas dos espanhóis Juan de Valdés
Leal e Francisco de Zurbarán, a mentalidade medieval reafirmada na pregação
da Contrarreforma. A vida eterna só será conquistada por quem desprezar a
vida terrena - por quem souber morrer antes de morrer.

A morte

[...]

De quantos quebrantamentos, de quantas moléstias, de quantas sem-razões


se livra quem está já morto? O epitáfio que eu pusera a um morto destes, é
aquele verso de Davi: Inter mortuos liber. (Sl, 87,6.)
Entre os mortos livre. Livre dos cuidados do mundo, porque já está fora do
mundo. Livre de emulações e invejas, porque a ninguém faz oposição. Livre de
esperanças e temores, porque nenhuma coisa deseja. Livre de contingências e
mudanças, porque se isentou da jurisdição da fortuna. Livre dos homens, que é
a mais dificultosa liberdade, porque se descativou de si mesmo.

Livre, finalmente, de todos os pesares, moléstias e inquietações da vida,


porque já é morto.

A todos os mortos se canta piamente por costume: Requiescant in pace. Mas


esta paz e este descanso só o logram seguramente os que morreram antes de
morrer. [...]

VIEIRA, Antônio. A arte de morrer: os sermões de Quarta-Feira de Cinza de


Antônio Vieira. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Nova Alexandria,
1994. p. 98.

A obra do pintor sevilhano Valdés Leal (1622-1690) exemplifica o extremo a


que chegou a mentalidade contrarreformista. Esta pintura forma com uma outra
(Finis Gloriae Mundi) um conjunto intitulado Hieróglifos do fim da vida. O
título desta, em latim In Ictu Oculi, significa "num piscar de olhos".

68

LEGENDA: In Ictu Oculi (1672), de Juan de Valdés Leal.

CRÉDITO: Juan de Valdés Leal. 1672. Óleo sobre tela, 220 × 216 cm. Hospital
de la Santa Caridad, Sevilha

Nas pinturas do espanhol Francisco de Zurbarán (1598-1664), percebemos a


intensidade mística característica da Contrarreforma. O realismo da imagem e
o céu escuro e tempestuoso acentuam a dramaticidade da cena e o tema da
meditação: a vida e a morte.

LEGENDA: São Francisco em êxtase (c. 1660), de Francisco de Zurbarán.

CRÉDITO: Francisco de Zurbarán. c. 1660. Óleo sobre tela, 65 × 53 cm. Alta


Pinacoteca, Munique

LEGENDA: São Francisco meditando (c. 1632), de Francisco de Zurbarán.


CRÉDITO: Francisco de Zurbarán. c. 1632. Óleo sobre tela, 114 × 78 cm. Alta
Pinacoteca, Munique

69

3. Observe atentamente a pintura de Valdés.

a) Descreva os detalhes que chamam a sua atenção.

Resposta pessoal.

b) Faça uma interpretação dos significados alegóricos desses detalhes e


considere o título da pintura, In Ictu Oculi - "Num piscar de olhos".

Resposta possível: A figura central, o esqueleto apagando uma vela com os


dedos, tem um significado claro: a morte extinguindo a vida, inesperadamente
e sem aviso, "num piscar de olhos" (observe que a vela, que representa o
tempo, ainda é longa). A profusão de objetos espalhados confusamente pelo
chão representa os valores da vida terrena: os tecidos, as joias, a coroa, a
espada representam a classe social, a riqueza e o poder; os livros, a cultura; o
globo terrestre, pisado pela morte, a ideia de que ninguém, independentemente
de nacionalidade, raça ou classe social, pode escapar a ela.

4. Que relação há entre a pintura de Valdés e a seguinte frase de Vieira?

Mas esta paz e este descanso só o logram seguramente os que morreram


antes de morrer.

Resposta: Na pintura de Valdés, fica clara a mensagem contrarreformista de


que os bens terrenos são pura vaidade e perdem todo o valor no momento da
morte. Para Vieira, esses bens não só não têm valor, como impedem a
felicidade na outra vida. Por isso, segundo ele, devemos "morrer antes", ou
seja, abandonar os valores terrenos antes de sermos surpreendidos pela
morte.

5. Que relação podemos estabelecer entre as pinturas de Zurbarán e o texto de


Vieira?

Resposta possível: Os quadros representam São Francisco em hábito religioso


e retirado do mundo, em lugares ermos. A vida religiosa requer a renúncia da
vida mundana ("fora do mundo"), da convivência humana ("livre dos homens").
Na pintura São Francisco em êxtase, o olhar do santo está perdido na
distância, como se contemplasse a outra vida, em contraste com a caveira,
cujas cavidades oculares estão voltadas para a terra. Na pintura São
Francisco meditando, as pedras e a bilha de água representam a pobreza, a
libertação dos cuidados e das contingências da vida ("jurisdição da fortuna",
"pesares, moléstias e inquietações").

Para responder às questões de 6 a 8, leia um fragmento do sermão mais


conhecido de Vieira.

O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja.
Ordenado, mas como as estrelas: Stellae manentes in ordine suo. Todas as
estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem
que faça lavor. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores
fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra
há de estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de
uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem
desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num
sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o
seu contrário?

Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como


hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas são muito distintas e
muito claras. Assim há de ser o estilo da pregação: muito distinto e muito claro.
E nem por isso temais que pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas
e muito claras e altíssimas [...].

Sim, Padre. Porém esse estilo de pregar não é pregar culto.

Mas fosse! Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar,
chamam-lhe culto; os que o condenam, chamam-lhe escuro, mas ainda lhe
fazem muita honra. O estilo culto não é escuro; é negro, e negro boçal, e muito
cerrado. É possível que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador
em português, e não havemos de entender o que diz?

VIEIRA, Antônio. Sermões. Rio de Janeiro: Agir, 1980. p. 103-106.

6. Para Vieira, como deve ser a linguagem do sermão: ornamentada ou


eficiente? Explique.
Resposta: Deve ser eficiente. Ele condena a ornamentação; a ordem
complicada das palavras. A linguagem deve ser compreensível (distinta) e
clara.

7. Releia o primeiro parágrafo do fragmento. Com as imagens do "xadrez de


palavras", do "ladrilhar" e do "azulejar", Vieira condena o abuso de certa figura
de linguagem, que não deixa as "palavras em paz", cada uma estando "sempre
em fronteira com o seu contrário". Que figura de linguagem é essa? Dê um
exemplo retirado desse mesmo parágrafo.

Resposta: Ele condena o abuso das antíteses nos sermões. Exemplos: branco
e negro, dia e noite, luz e sombra, descer e subir.

8. No final do fragmento, Vieira nomeia o estilo que condena.

a) Qual é esse estilo?

Resposta: É o cultismo.

b) Qual é o grande defeito desse estilo, segundo o último parágrafo?

Resposta: Além da falta de conteúdo, seu grande defeito é a obscuridade, a


falta de clareza.

Leia este soneto para responder às questões de 9 a 12.

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque, quanto mais tenho delinquido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido;

Que a mesma culpa, que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino


Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,

Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

MATOS, Gregório de. Obra poética 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 69.

Vocabulário:

despido (despeço): forma regular de despedir-se: apartar-se, afastar-se;


renunciar;

delinquir: cometer delito; pecar;

empenhar: forçar, obrigar, compelir;

sobejar: ser por demais; ser mais que suficiente;

cobrada: recobrada, recuperada.

Fim do vocabulário.

70

Esse soneto de contrição é um dos mais conhecidos poemas de Gregório de


Matos e segue o modelo conceptista de Quevedo. Nas questões a seguir,
procuraremos acompanhar os meandros do raciocínio engenhoso de um
pecador que advoga sua causa, procurando convencer a Deus de que merece
o seu perdão.

9. Que justificativa utiliza o pecador para não desistir da piedade divina,


embora tenha pecado tanto?

Resposta: O pecador diz que não desiste da clemência divina porque quanto
mais ele peca mais Deus fica obrigado a perdoá-lo.

10. Traduza em outras palavras o argumento apresentado nos versos 5 e 6.

Resposta: Um pecado é bastante para provocar a ira divina, mas, em


compensação, a mínima demonstração de arrependimento, como um simples
gemido, é mais que suficiente para acalmá-la.

11. Que explicação paradoxal o sujeito lírico dá nos versos 7 e 8?


Resposta: Ele diz que a ofensa a Deus já é, por si mesma, um agrado para
conseguir o perdão.

12. O pecador exibe, nos tercetos, suas qualidades de advogado, procurando


provar os argumentos paradoxais utilizados nos quartetos. Para isso, ele cita,
em seu favor, as palavras do próprio Cristo, a quem procura convencer.

a) Qual é a afirmação de Cristo utilizada por ele?

Resposta: É a afirmação de que uma ovelha perdida (o pecador) dá grande


glória ao pastor (a Deus) quando é recuperada.

b) Qual é o argumento final do pecador?

Resposta: Deus deve perdoá-lo, se não quiser ter prejuízo em sua glória.

Leia o soneto a seguir e responda às questões de 13 a 15.

Soneto

Destes penhascos fez a natureza

o berço, em que nasci: oh quem cuidara,

Que entre penhas tão duras se criara

Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigres, por empresa

Tomou logo render-me; ele declara

Contra o meu coração guerra tão rara,

Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,

A que dava ocasião minha brandura,

Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,

Temei, penhas, temei; que Amor tirano,

onde há mais resistência, mais se apura.


COSTA, Cláudio Manuel da. In: RONCARI, Luiz. Literatura brasileira: dos
primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 2002. p. 251.

13. Qual é a causa da perplexidade do sujeito lírico, expressa na primeira


estrofe?

Resposta: A causa de sua perplexidade é a constatação da diferença entre a


ternura de sua alma e a dureza da paisagem de pedra, onde ele se criou.

14. Cláudio Manuel da Costa utilizou os elementos convencionais da paisagem


neoclássica (locus amoenus)? Justifique sua resposta.

Resposta: Não. Os elementos que compõem a paisagem neoclássica são


suaves, idealizados e artificiais, como um jardim; os elementos utilizados pelo
poeta são duros, grosseiros e realistas - a paisagem rochosa de Minas Gerais.

15. Utilizando uma convenção literária neoclássica, o poeta personifica o Amor.

a) Qual foi a decisão tomada pelo Amor em relação ao sujeito lírico?

Resposta: O Amor decidiu dominá-lo.

b) Segundo a última estrofe, a dureza da pedra seria defesa suficiente contra o


Amor? Por quê?

Resposta: Não. Porque o Amor se torna mais forte em quem mais resiste a ele.

16. (UFSCar-SP) Leia os seguintes fragmentos de Marília de Dirceu, de


Tomás Antônio Gonzaga.

TEXTO 1

Verás em cima de espaçosa mesa

Altos volumes de enredados feitos;

Ver-me-ás folhear os grandes livros,

E decidir os pleitos.

TEXTO 2

Os Pastores, que habitam este monte,

Respeitam o poder do meu cajado;

Com tal destreza toco a sanfoninha,


Que inveja me tem o próprio Alceste.

Responda.

a) Em qual dos fragmentos o sujeito lírico é caracterizado de acordo com a


convenção arcádica?

Resposta: O sujeito lírico é caracterizado de acordo com a convenção arcádica


no texto 2.

b) Explique.

Resposta: No texto 1, o sujeito lírico é caracterizado como um advogado


trabalhando nos processos jurídicos. No texto 2, utilizando as convenções do
bucolismo pastoril, ele é um pastor, cujos amigos o respeitam por sua força e o
invejam por seu talento musical quando toca a sanfoninha.

Vocabulário:

penha: rocha;

render-se: sujeitar-se, dominar, vencer;

apurar-se: esmerar-se, esforçar-se, aplicar-se.

Fim do vocabulário.

71

capítulo 4 - A poesia romântica

Neste capítulo você estudará as características do Romantismo e a poesia dos


três principais autores, representantes das três gerações: o forte apelo
nacionalista de Gonçalves Dias; o pessimismo e extremo emocionalismo de
Álvares de Azevedo; o engajamento de Castro Alves nas grandes questões
nacionais em debate na época.

LEGENDA: Johann Moritz Rugendas. Paisagem na selva tropical brasileira.


1830. Óleo sobre tela, 62 × 49,5 cm. Fundação Prussiana de Palácios e
Jardins, Berlim-Brandemburgo

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· DIAS, Gonçalves. Antologia poética. Rio de Janeiro: Agir, 1969.


· IVO, Ledo (Org.). Melhores poemas de Castro Alves. São Paulo: Global,
2000.

· SECCHIN, Antônio Carlos (Org.). Roteiro da poesia brasileira: Romantismo.


São Paulo: Global, 2007.

Vídeos

· CARLOTA Joaquina, princesa do Brasil. Direção: Carla Camurati. Brasil,


1995.

· CASTRO Alves: retrato falado do poeta. Direção: Silvio Tendler. Brasil, 1999.

Site

· ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASILEIRAS.


São Paulo, 2016. Disponível em: http://tub.im/58mt8n. Acesso em: 27 abr.
2016.

72

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais...", da página 81, requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Canção do exílio

Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn,

Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühn?

Kennst du es wohl?

- Dahin, dahin!

Möcht' ich... ziehn.*

(Goethe)

*Conheces o país onde florescem as laranjeiras, Ardem na escura fronde os


frutos de ouro? Conhecê-lo? Para lá, para lá quisera eu ir.

BANDEIRA, Manuel. Poesia e vida de Gonçalves Dias. São Paulo: Editora


das Américas, 1962. p. 25.

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá;

Em cismar - sozinho, à noite -

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu'inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

DIAS, Gonçalves. In: RONCARI, Luiz. Literatura Brasileira: dos primeiros


cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 2002. p. 320.

CRÉDITO: S. C. L. Darodes. Século XIX. Gravura. Fundação Biblioteca


Nacional, Rio de Janeiro
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864)

Nascido do Maranhão, era filho de um comerciante português e de uma cafuza


(mestiça de negro com índio). Essa origem mestiça foi a causa da grande
frustração de sua vida: a família da jovem Ana Amélia não aceitou seu pedido
de casamento e, aparentemente, o poeta nunca se recuperou dessa recusa.
Seus principais poemas amorosos têm origem nesse episódio.

Estudou em Coimbra, onde produziu os poemas de seu primeiro livro,


publicado em 1846. O sucesso foi imediato, e Gonçalves Dias gozou em vida a
fama de maior poeta brasileiro.

A tuberculose levou-o mais uma vez à Europa, em busca de cura.


Desenganado, voltou ao Brasil, em 1864, mas morreu no naufrágio do navio
Ville de Boulogne, já na costa do Maranhão.

73

Em tom de conversa

A "Canção do exílio", desde sua publicação, em 1846, tornou-se um dos


poemas mais populares de nossa literatura. Contribuíram para isso o ritmo e a
musicalidade do texto, que facilitam a memorização, e o tema do amor à pátria,
expresso com uma simplicidade comovente, de grande apelo popular.

1. Leia ao lado a definição de ufanismo e discuta com seus colegas as


questões seguintes.

a) Que diferença se pode estabelecer entre patriotismo e ufanismo?

Resposta: Espera-se que os alunos concluam que o patriotismo é um


sentimento positivo, que se manifesta em atitudes construtivas e abnegadas, e
não exclui o senso crítico (ou será falso patriotismo). O ufanismo, embora
possa ser considerado uma forma de patriotismo, é um sentimento ingênuo,
parcial, que impede a visão crítica necessária à superação dos problemas do
país.

b) Em sua opinião, o sentimento expresso pelo eu lírico da "Canção do exílio"


deve ser classificado como patriotismo ou como ufanismo? Por quê?
Resposta: O amor à pátria manifesta-se no poema pela afirmação de que a
natureza é mais bela e mais rica no Brasil que na terra do exílio e, por
extensão, mais que em todos os outros países. Trata-se, portanto, de
sentimento ufanista. Deve-se, entretanto, observar que esse ufanismo é
expressão da saudade, que tende a exagerar e a idealizar as qualidades das
coisas distantes.

2. Por força de sua popularidade, a "Canção do exílio" tornou-se emblema do


amor à pátria. Um dos símbolos oficiais do Brasil reconhece esse fato, citando
parcialmente uma estrofe do poema. Procure lembrar, com seus colegas, qual
é a estrofe citada e qual o símbolo nacional que faz a citação.

Resposta: Parte da segunda estrofe é citada no "Hino Nacional Brasileiro":


"[Teus risonhos, lindos campos] têm mais flores, / Nossos bosques têm mais
vida, / Nossa vida [no teu seio] mais amores".

Vocabulário:

ufanismo: orgulho exagerado pelas riquezas e belezas naturais do país;


patriotismo excessivo. Substantivo criado em alusão ao livro Por que me
ufano de meu país (1900), de Afonso Celso.

Fim do vocabulário.

Símbolos nacionais

· Bandeira Nacional

· Hino Nacional

· Armas Nacionais

· Selo Nacional

Releitura

Escreva no caderno

1. No poema de Gonçalves Dias, a distância e a saudade provocam a distorção


da imagem da terra natal, cuja natureza é minuciosamente comparada com a
da terra do exílio.

a) A oposição e a distância são marcadas por dois advérbios. Quais são eles?
A que lugar cada um se refere?
Resposta: Os advérbios são cá (no 3º verso, aqui) e lá. O primeiro refere-se à
terra do exílio; o segundo, à terra natal.

b) Esses advérbios têm grande destaque no poema. Que recursos o autor


utilizou para destacá-los?

Resposta: A repetição (lá: quatro vezes; cá: duas vezes, além do sinônimo
aqui, do 3º verso) e o posicionamento em final de verso, rimando entre si e
com o substantivo Sabiá.

c) Entre os diversos elementos da natureza, dois se destacam e se tornam


símbolos da pátria distante. Quais são eles?

Resposta: O Sabiá e a palmeira.

2. Os críticos literários atribuem a extraordinária beleza da canção à


simplicidade dos recursos expressivos utilizados. Analisemos alguns deles:

a) Métrica.

· Faça a escansão dos dois primeiros versos. Identifique as sílabas tônicas.

Resposta: Mi / nha / te / rra / tem / pal / mei / ras; On / de / can / ta o / Sa / bi /


á.

· Os versos redondilhos dão ao poema um ritmo bem marcado e de gosto


popular. Procure lembrar uma quadrinha popular ou infantil que tenha a mesma
métrica e o mesmo ritmo dos versos da "Canção do exílio". Faça a escansão
de um verso.

Resposta: Exemplo: Ba / ta / ti / nha / quan / do / na / sce (observar que o


verso tem o mesmo ritmo binário da "Canção do exílio").

b) Rimas: alternância de versos rimados (versos ímpares) com versos brancos


(versos pares). Quais são as três palavras que se repetem em posição de rima,
ao longo de quase todo o poema?

Resposta: São as palavras Sabiá, cá e lá.

c) Paralelismo: um terço da canção compõe-se de versos repetidos.

· Identifique os versos repetidos. Dois deles funcionam como um refrão. Quais


são?
Resposta: "Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá"

· Em seguida, leia o poema, pulando todas as repetições. Em sua opinião, o


poema manteve sua força expressiva nessa leitura? Justifique sua resposta.

Resposta: Espera-se que a resposta do(a) aluno(a) seja negativa. Com a


supressão dos versos repetidos, o poema perde grande parte da ênfase dada à
comparação entre os elementos da natureza brasileira e estrangeira. As
dimensões melódica e rítmica do poema também são prejudicadas.

Vocabulário:

paralelismo: repetição integral ou modificada de versos, ou de estruturas


sintáticas, ao longo de um texto.

Fim do vocabulário.

74

Comentário

Criar uma expressão poética nacional era uma das maiores preocupações dos
primeiros autores românticos brasileiros. Como veremos neste capítulo, essa
preocupação ganhariaforma sobretudo no indianismo e na utilização da "cor
local", isto é, da caracterização de um ambiente tipicamente brasileiro por meio
da descrição da natureza.

Segundo Manuel Bandeira, a "Canção do exílio" foi o primeiro grande momento


de inspiração do poeta Gonçalves Dias: "Ainda que não tivesse escrito mais
nada, ficaria, por ela, o seu nome gravado para sempre no coração e na
memória da sua gente". De fato, é um dos poemas mais conhecidos
popularmente no Brasil. É incontável o número de paródias e de apropriações
temáticas desse poema feitas por poetas dos séculos XIX e XX, sobretudo
pelos poetas do Modernismo.

E MAIS...

Atenção Professor(a), é importante que os alunos percebam o caráter


emblemático da "Canção do exílio", explorando a intertextualidade que vem
mantendo com obras de autores como Casimiro de Abreu, Juó Bananére,
Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Mario
Quintana, Ferreira Gullar, José Paulo Paes, Cacaso, Affonso Romano de
Sant'Anna, Chico Buarque, Tom Jobim, Taiguara, e tantos outros. Fim da
observação.

Pesquisa

A "Canção do exílio" inspirou numerosos poemas e músicas, desde a sua


criação até os dias de hoje. Algumas dessas obras são releituras no mesmo
tom dos versos de Gonçalves Dias, outras são paródias bem-humoradas e
críticas.

Pesquise em livros e na internet para encontrar algumas dessas recriações.


Escolha a que achar mais interessante para ler em classe. Procure saber
também em que época foi escrita e em que contexto, para explicar aos colegas
suas diferenças e semelhanças com relação ao poema original.

NAVEGAR É PRECISO

A canção "Sabiá", de Chico Buarque e Tom Jobim, venceu o Festival


Internacional da Canção de 1968. A letra dessa música recria, de maneira
crítica, o tema da "Canção do exílio", de Gonçalves Dias: "Vou deitar à sombra
de uma palmeira que já não há".

Procure, na internet, versões interpretadas pelos grupos MPB4 e Quarteto em


Cy e pelo próprio Jobim.

O ROMANTISMO

No capítulo anteriorvimos que muitos autores abandonaram parcialmente as


convenções do Arcadismo e imprimiram em suas obras um tom mais pessoal e
emocional. Essa tendência pré-romântica mostra que o Romantismo não surgiu
repentinamente, no início do século XIX. Suas origens estão ligadas às
grandes transformações políticas, sociais e ideológicas ocorridas na Europa ao
longo do século XVIII.

O Classicismo, em sentido amplo, era a arte do mundo aristocrático; o


Romantismo, lentamente gestado no século XVIII e amadurecido no século
XIX, foi a primeira manifestação artística do mundo burguês.

Acontecimentos marcantes
· Revolução Gloriosa (Inglaterra, 1688-1689) e instituição da Declaração de
Direitos (Bill of Rights, 1689), que limitava os poderes do rei, submetendo-os
ao Parlamento.

· Revolução Industrial (Inglaterra, a partir de 1750), que se alastraria pela


Europa ao longo do século XIX. A substituição da produção artesanal pela
industrial teve como consequência, além daformação de uma nova classe - o
proletariado -, a radical mudança do estilo de vida nos núcleos urbanos.

· Revolução Francesa (1789-1799), que representa atomada do poder político


pela burguesia. Os ideais revolucionários de liberdade espalharam-se pela
Europa e pelas Américas, inspirando outros movimentos.

75

LEITURA

Victor Hugo é um dos maiores autores do Romantismo francês. O texto a


seguir é um fragmento do prefácio escrito para a edição de Cromwell, drama
publicado em 1827. Leia-o atentamente e responda às questões.

Digamo-lo, pois, ousadamente. Chegou o tempo disso, e seria estranho que


nesta época, a liberdade, como a luz, penetrasse por toda a parte, exceto no
que há de mais nativamente livre no mundo, nas coisas do pensamento.
Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho
gesso que mascara a fachada da arte! Não há regras nem modelos; ou antes,
não há outras regras senão as leis gerais da natureza que plainam sobre toda
a arte, e as leis especiais que, para cada composição, resultam das condições
de existência próprias para cada assunto. Umas são eternas, interiores, e
permanecem; as outras, variáveis, exteriores, e não servem senão uma vez. As
primeiras são o madeiramento que sustenta a casa; as segundas, os andaimes
que servem para construí-la e que se refazem para cada edifício. [...] O gênio,
que adivinha antes de aprender, extrai, para cada obra, as primeiras da ordem
geral das coisas, as segundas do conjunto isolado do assunto que trata. Não à
maneira do químico que acende seu fogareiro, sopra seu fogo, esquenta seu
cadinho, analisa e destrói; mas à maneira da abelha, que voa com suas asas
de ouro, pousa sobre cada flor, e tira o mel, sem que o cálice nada perca de
seu brilho, a corola nada de seu perfume.
O poeta, insistamos neste ponto, não deve, pois, pedir conselho senão à
natureza, à verdade, e à inspiração, que é também uma verdade e uma
natureza. Diz Lope de Vega*:

* Lope de Vega (1562-1635) - dramaturgo barroco espanhol. Tradução dos


versos de Lope de Vega: "Quando tenho de escrever uma comédia / Tranco os
preceitos (as regras) com seis chaves".

Cuando he de escribir una comedia,

Encierro los preceptos con seis llaves.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell.


Trad. Celia Berretini. São Paulo: Perspectiva, [19--]. p. 56-57.

Releitura

Escreva no caderno

1. Considerando a relação entre o Romantismo e a história europeia dos


séculos XVIII e XIX, explique a frase "[...] seria estranho que nesta época, a
liberdade, como a luz, penetrasse por toda a parte, exceto no que há de mais
nativamente livre no mundo, nas coisas do pensamento".

Resposta: Com as revoluções do século XVIII, a burguesia substituiu a


aristocracia no poder político e tornou-se a classe hegemônica. O liberalismo
burguês passou a ser a ideologia dominante, penetrando em todos os setores
da vida social e política. Victor Hugo afirma que seria contraditório se as
"coisas do pensamento" - a literatura - não fossem também penetradas pelo
ideal burguês de liberdade. O Romantismo seria a realização desse ideal.

2. Quais são as duas características do Classicismo contra as quais um autor


romântico deve se insurgir?

Resposta: As duas características são a obediência às regras e a imitação dos


modelos clássicos.

3. Mesmo assim, Victor Hugo reconhece dois tipos de leis que devem presidir a
criação artística.

a) Quais são essas leis?


Resposta: São as leis gerais da natureza e as leis especiais para cada
composição.

b) A que se referem, no texto, os pronomes indefinidos umas/outras e os


numerais ordinais primeiras/segundas?

Resposta: Umas e primeiras referem-se às leis gerais da natureza. Outras e


segundas, às leis especiais para cada composição.

76

Características do Romantismo

A afirmação de Victor Hugo de que, em sua época, a liberdade, como a luz,


penetrava portoda a parte, traduz a crença do século XIX nas doutrinas liberais
da burguesia: o liberalismo econômico (livre concorrência entre os indivíduos,
sem a intervenção do Estado) e o liberalismo político (oportunidades iguais
para todos, independentemente da classe social; garantia dos direitos do
indivíduo em relação ao Estado). Refletindo essas doutrinas, o Romantismo
proclama a liberdade de criação e de expressão: "Não há regras nem
modelos", diz Victor Hugo.

Vejamos as principais características e tendências do Romantismo:

· Subjetivismo, emocionalismo, confessionalismo - Os autores clássicos


procuram refletir sobre os sentimentos (generalização, idealização,
racionalização) ou exprimi-los indiretamente, recorrendo às alegorias
mitológicas; os românticos, ao contrário, buscam a expressão direta das
emoções. Camões diz "Amor é..."; os românticos, "eu amo...". Rompendo o
decoro clássico, pretendem que a poesia seja a confissão sincera de estados
de alma do poeta.

· Pessimismo - O individualismo e o egocentrismo adquirem traços doentios


de inadaptação. O spleen (melancolia) do poeta inglês Lord Byron fez escola
em todas as literaturas, sobretudo na segunda geração romântica.

· Escapismo - O tédio de viver, também chamado de "mal do século", conduz


às diversas formas de fuga da realidade - no tempo e no espaço, no culto da
imaginação (fantasia, sonho, delírio) e mesmo no desejo da morte.
Mas o Romantismo não se limitou a essas características negativas e
escapistas. Há também posições afirmativas e mesmo engajadas nas grandes
questões sociais e políticas do século XIX:

· Nacionalismo, historicismo, indianismo - Exaltação dos valores e dos


heróis nacionais.

· Valorização da cultura popular - o folclore - Além das pesquisas e do


trabalho de registro das narrativas orais e das canções populares, os autores
buscam nessas fontes inspiração para suas próprias obras.

· Crítica social - Muitos autores românticos assumem uma posição combativa,


denunciando as injustiças sociais. Esse engajamento ocorre principalmente na
última fase do Romantismo.

As gerações românticas

No Brasil, o Romantismo foi a escola literária do Império e reflete, de modo


direto ou indireto, as expectativas, os projetos, as contradições e os conflitos
que envolveram as elites brasileiras nos processos de consolidação da
independência e de construção do novo país. Isso explica certas características
marcantes que, embora influenciadas pelo Romantismo europeu, aqui
ganharam feição especial.

Os historiadores apontam uma nítida evolução representada por três gerações


de autores, cada uma marcada pela predominância de certos traços e temas.

Primeira geração

Os primeiros autores românticos ainda conservam características clássicas,


sobretudo no que se refere às regras da criação literária. Os temas que
marcam essa fase estão ligados ao nacionalismo: o romance histórico e o
medievalismo.

No Brasil, cujo Romantismo se iniciou apenas na década de 1830, ou seja,


pouco mais de uma década após a proclamação da independência, o
nacionalismo é efetivamente o tema predominante e se expressa sobretudo
pela descrição da natureza (cor local) e pelo indianismo.

Apenas na década de 1840 surgiria o primeiro grande poeta do nosso


Romantismo: Antônio Gonçalves Dias.
Vocabulário:

cor local: conjunto de traços característicos que evocam um lugar. Na


literatura romântica, a preocupação com a cor local leva à descrição minuciosa,
idealizada e frequentemente empolgada da natureza brasileira, em reação a
convenções clássicas, como o locus amoenus (veja p. 61), que evocava a
natureza europeia;

indianismo: tendência literária tipicamente romântica que idealiza a figura do


indígena como elemento formador do povo brasileiro. O indianismo pode ser
entendido como um sucedâneo do medievalismo romântico europeu: na falta
de uma Idade Média, os autores inventaram, no indígena e em sua cultura, as
origens heroicas e míticas da nação. Assim, muitas vezes, esse "homem
natural" é caracterizado como um verdadeiro cavaleiro medieval, forte,
destemido, íntegro e, sobretudo, nobre nas atitudes e nos sentimentos.

Fim do vocabulário.

77

LEITURA

Observe as paisagens brasileiras pintadas no início do Romantismo no Brasil.

LEGENDA: Grande cascata da Tijuca (1833), de Araújo Porto-Alegre.

CRÉDITO: Manuel de Araújo Porto-Alegre. 1833. Óleo sobre tela, 65 × 81,2


cm. Coleção particular

CRÉDITO: Ferdinand Krumholz. 1848. Óleo sobre tela, 128,5 × 98 cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Manuel José de Araújo Porto-Alegre (1806-1879)

Um dos iniciadores do Romantismo brasileiro, era pintor, arquiteto, poeta e


jornalista.

LEGENDA: Mata reduzida a carvão (1843), de Félix-Émile Taunay.

CRÉDITO: Félix Taunay. 1843. Óleo sobre tela, 134 × 195 cm. Museu Nacional
de Belas Artes, Rio de Janeiro

CRÉDITO: Nicolas-Antoine Taunay. 1811. Óleo sobre tela, 44,5 × 36,5 cm.
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Félix-Émile Taunay (1795-1881)

Pintor e poeta francês, veio para o Brasil com seu pai, membro da Missão
Artística Francesa. Foi professor e diretor da Academia Imperial de Belas Artes.
Era pai do escritor Alfredo d'Escragnolle Taunay, autor do romance Inocência.

78

Em tom de conversa

1. Descreva com seus colegas as duas pinturas, ressaltando a disposição dos


elementos na composição de cada uma.

Resposta: Pintura de Araújo Porto-Alegre: A composição é feita em vários


blocos retangulares, sendo o maior o retângulo branco, central, da cachoeira.
Predominam os tons escuros e alaranjados, que circundam e ressaltam o
branco da cascata e lhe conferem uma grande luminosidade. Proveniente do
céu, na parte superior, a luz se difunde na diagonal da tela, da direita para a
esquerda, conduzindo o olhar pelos reflexos de vermelho e laranja até os
grandes blocos de pedra. Na base da tela, diluídas na sombra da contraluz, há
algumas pequenas figuras humanas. Pintura de Taunay: A tela é nitidamente
dividida em duas partes - à esquerda, a floresta "reduzida a carvão"; à direita, a
floresta luxuriante, em variados tons de verde. Os tons ocre da árvore central,
no primeiro plano, fazem a transição entre os dois lados da pintura, num
processo "narrativo", como se anunciassem o que pode vir a acontecer com a
vegetação do lado direito. Observe-se também o processo narrativo que se
estabelece na relação entre a árvore isolada na parte esquerda e a fumaça,
que tem praticamente o mesmo formato, representando simbolicamente o
espectro das árvores destruídas. Na base da tela, no centro e à direita, há
diminutas figuras humanas e algumas cascatas.

2. Comente a relação entre as figuras humanas e a paisagem nas duas


pinturas. Que efeitos essa relação provoca no observador?

Resposta: As figuras humanas, nas duas pinturas, são diminutas e


praticamente se perdem na paisagem. Essa pequenez acentua a impressão de
grandiosidade dos elementos da natureza - as rochas, as cascatas, as árvores
no primeiro e a floresta no segundo.
Atenção Professor(a), comente com os alunos que, na pintura de Porto-Alegre,
as figuras humanas, provavelmente naturalistas em estudos de campo, estão
imersas na sombra, na parte inferior esquerda, ou seja, estão praticamente
"apagadas" no conjunto da paisagem. Na pintura de Taunay, por sua vez, as
figuras humanas reduzidas acrescentam um comentário irônico à tela, pois,
sem dúvida, esses seres tão pequenos são os causadores da destruição. Fim
da observação.

3. Explique em que sentido a pintura de Félix-Émile Taunay ultrapassa as


motivações nacionalistas dos autores da primeira geração romântica.

Resposta: A tela não se limita a idealizar a exuberante natureza tropical, de


modo ufanista, mas apresenta uma visão crítica sobre a ação do ser humano,
que, por meio da técnica da coivara (derrubada e queima da mata para a
agricultura), destrói as florestas. Pode-se falar de uma temática ecológica avant
la lettre (à frente do seu tempo). A pintura possui uma clareza quase didática
na apresentação desse tema.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Pode-se até mesmo dizer que a mensagem dada pela tela [Mata reduzida a
carvão, de Félix-Émile Taunay,] adquire, de certa maneira, tons "ecológicos".
O Catálogo da Exposição de 1843, em que ela aparece pela primeira vez,
alerta sobre os perigos dessa técnica na natureza: "A desaparição dos mais
belos exemplares do reino vegetal nos arredores da cidade ameaça a esta,
segundo cálculos irrefragáveis, com diminuição das águas-vivas e elevação do
grau médio de calor, dois males reciprocamente ativos".

DIAS, Elaine. Arte e academia entre política e natureza (1816 a 1857). In:
BARCINSKI, Fabiana Werneck (Org.). Sobre a arte brasileira: da Pré-história
aos anos 1960. São Paulo: WMF Martins Fontes: Sesc-SP, 2014. p. 170.

Vocabulário:

irrefragável: irrecusável, incontestável.

Fim do vocabulário.

Gonçalves Dias
O maranhense Antônio Gonçalves Dias não foi superado pelos poetas das
gerações seguintes e, ainda hoje, é considerado um dos maiores poetas de
nossa literatura. Seu primeiro livro (Primeiros cantos, 1846) realiza, em nível
superior, as propostas temáticas da primeira geração: o nacionalismo, o
indianismo, a cor local.

Os estudiosos destacam a versatilidade de versificação do poeta e a


sonoridade e variedade de ritmos de sua poesia.

O indianismo de Gonçalves Dias estabelece as características básicas dessa


tendência literária. O índio é o "homem natural", o "bom selvagem", não
corrompido pela civilização, vivendo em perfeita harmonia com a natureza, e,
ao mesmo tempo, uma encarnação do ideal cavalheiresco do Romantismo
medievalista europeu. Espírito nobre, seus valores são sobretudo a honra, a
honestidade, a franqueza, a lealdade. Às forças morais da coragem e do senso
do dever alia-se uma força física imbatível.

Principais obras de Gonçalves Dias

· Poemas indianistas: "O canto do Piaga", "I-Juca Pirama", "Marabá", "Leito de


folhas verdes" e "Canção do tamoio".

· Poema épico: "Os timbiras", sua obra mais ambiciosa, permaneceu inacabada
(o autor publicou apenas os quatro primeiros cantos; os outros, se foram
escritos, perderam-se).

· Poesia lírica: "Seus olhos", "Olhos verdes", "Ainda uma vez, Adeus!", "Como!
és tu?" e "Se se morre de amor" contam-se entre as mais belas realizações do
Romantismo em língua portuguesa.

NAVEGAR É PRECISO

A Missão Artística Francesa

Em 1816, um grupo de artistas e artífices franceses instalou-se no Brasil para


fundar a primeira Academia Real de Arte. O pintor Félix-Émile Taunay
acompanhou seu pai, Nicolas Taunay, membro da missão e, mais tarde, o
substituiu na Academia. Araújo Porto-Alegre foi aluno da Academia. A
presença e a ação pedagógica desses artistas deu grande impulso às artes
plásticas no Brasil.
Faça uma pesquisa na internet para conhecer os principais artistas da Missão
Francesa e suas principais obras.

· Missão Artística Francesa. Disponível em: http://tub.im/uxd3go. Acesso em:


27 abr. 2016.

· Debret - Biblioteca Nacional. Disponível em: http://tub.im/wmzv8o. Acesso


em: 27 abr. 2016.

· Documentário sobre Debret. Disponível em: http://tub.im/yusyz2. Acesso


em: 27 abr. 2016.

LEITURA

O poema "Leito de folhas verdes", publicado em Últimos cantos, em 1849, é


considerado um dos melhores poemas indianistas de Gonçalves Dias. Em sua
leitura, observe a delicadeza dos sentimentos amorosos da moça indígena, que
espera inutilmente o namorado Jatir para o encontro amoroso. Depois
responda às questões.

79

Leito de folhas verdes

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo

À voz do meu amor moves teus passos?

Da noite a viração, movendo as folhas,

Já nos cimos do bosque rumoreja.

Eu sob a copa da mangueira altiva

Nosso leito gentil cobri zelosa

Com mimoso tapiz de folhas brandas,

Onde o frouxo luar brinca entre flores.

Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,

Já solta o bogari mais doce aroma!

Como prece de amor, como estas preces,

No silêncio da noite o bosque exala.


Brilha a lua no céu, brilham estrelas,

Correm perfumes no correr da brisa,

A cujo influxo mágico respira-se

Um quebranto de amor, melhor que a vida!

A flor que desabrocha ao romper d'alva

Um só giro do sol, não mais, vegeta:

Eu sou aquela flor que espero ainda

Doce raio do sol que me dê vida.

Sejam vales ou montes, lago ou terra,

Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,

Vai seguindo após ti meu pensamento;

Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

Meus olhos outros olhos nunca viram,

Não sentiram meus lábios outros lábios,

Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas

A arazoia na cinta me apertaram.

Do tamarindo a flor jaz entreaberta,

Já solta o bogari mais doce aroma;

Também meu coração, como estas flores,

Melhor perfume ao pé da noite exala!

Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes

À voz do meu amor, que em vão te chama!

Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil

A brisa da manhã sacuda as folhas!

DIAS, Gonçalves. Últimos cantos. In: GRANDES poetas românticos do Brasil.


5ª ed. Prefácio e notas biográficas de Antônio Soares Amora. São Paulo:
Discubra - Distribuidora Cultural Brasileira Ltda., 1978. t. I. p. 126.
Vocabulário:

viração: vento brando e fresco que, à tarde, sopra do mar para a terra;

tapiz: tapete;

exalar: soltar perfume;

quebranto: desfalecimento, fraqueza, provocado, segundo a crendice popular,


pelo olhar de certas pessoas;

um só giro do sol: um só dia;

arazoia: saiote, feito de penas, usado por mulheres indígenas.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

1. O poema exprime a expectativa e a decepção da jovem indígena, evoluindo


em três momentos nitidamente demarcados. Releia-o e divida-o em três
segmentos consecutivos, conforme o esquema a seguir. Que estrofes formam
cada segmento?

1° segmento: Preparativos para o encontro, ao anoitecer.

Resposta: 1º segmento: estrofes de 1 a 3.

2° segmento: A longa espera, no correr da noite.

Resposta: 2º segmento: estrofes de 4 a 7.

3° segmento: A decepção, ao amanhecer.

Resposta: 3º segmento: estrofes 8 e 9.

2. No Romantismo a paisagem não é apenas um cenário convencional, como


no Arcadismo.

a) Qual é a função expressiva da natureza no poema de Gonçalves Dias?

Resposta: A natureza exprime as variações dos sentimentos da jovem


indígena. Essa forma indireta dá um tom delicado e sutil à expressão dos fortes
sentimentos de expectativa e de decepção amorosa.
b) Quais são os elementos da natureza que participam da preparação do
encontro amoroso, no primeiro segmento do poema?

Resposta: A viração, o luar, as folhas verdes com que se fez o leito do amor e,
sobretudo, as flores, que exalam o aroma como prece de amor.

c) Na longa espera, durante toda a noite, "respira-se um quebranto de amor",


ao "influxo mágico" dos "perfumes no correr da brisa". A que se compara a
moça nessa longa espera? A que se refere a imagem "doce raio do sol" da
quinta estrofe?

Resposta: Ela se compara à flor que, desabrochando de manhã, vive apenas


um dia, mas que espera ainda o sol para desabrochar. A imagem refere-se ao
namorado Jatir, que ela espera.

d) Ao amanhecer, a flor do tamarindo jaz entreaberta; foram inúteis os


perfumes das flores e do coração da amante, pois Jatir não compareceu ao
encontro amoroso. Qual é o pedido da moça para que a natureza participe de
sua desilusão?

Resposta: Ela pede que a brisa da manhã desmanche o leito de folhas


inutilmente preparado para o amor.

80

Segunda geração

Chamada de Ultrarromantismo, caracteriza-se pelo exagero do subjetivismo e


do emocionalismo: o tédio, a melancolia (spleen), o devaneio, o sonho, o
desejo da morte - um mal-estar profundo, que reflete a impossibilidade de viver
dignamente em um mundo corrompido pelos valores burgueses. Essa atitude
pessimista generalizada - muitas vezes piegas; outras, francamente cínica - foi
considerada o mal do século pelo ultrarromântico francês Alfred de Musset,
cuja obra, com a do poeta inglês Lord Byron, exerceu grande influência sobre
os autores dessa geração, também chamada de "geração byroniana".

No Brasil, os principais autores foram três jovens poetas que morreram muito
prematuramente: Junqueira Freire, Casimiro de Abreu e Álvares de Azevedo.

PARA LER NA REDE


"I-Juca Pirama"

Publicado em 1851 no livro Últimos cantos, esse é o mais famoso e o mais


importante poema indianista de Gonçalves Dias. Composto em dez pequenos
cantos, nele o autor obtém o máximo de seus recursos expressivos, sobretudo
pela força das imagens e pela riqueza e variedade dos ritmos. A concepção
épico-dramática do poema nos oferece todos os elementos do indianismo:
lutas, coragem, defesa da honra, merecimentos pelo valor pessoal, enfim, o
heroísmo cavalheiresco revivido no selvagem idealizado. "I-Juca Pirama",
segundo o autor, significa "o que há de ser morto, e que é digno de ser morto".

O poema, em versão pdf, pode ser baixado de diversos sites da internet:

· http://tub.im/y5jsrv (acesso em: 27 abr. 2016);

· http://tub.im/s4qept (acesso em: 27 abr. 2016).

Álvares de Azevedo

Manuel Antônio Álvares de Azevedo produziu a literatura mais consistente do


Ultrarromantismo, embora tenha tido, como seus colegas de geração, uma vida
muito curta.

Obras de Álvares de Azevedo

Toda a sua obra, escrita entre 1848 e 1852, foi publicada postumamente.

· Poesia: Lira dos vinte anos, Poema do frade, Conde Lopo, Livro de Fra
Gonticário.

· Contos: Noite na taverna.

· Teatro: Macário.

Lira dos vinte anos

A principal obra de Álvares de Azevedo reflete em seu título uma característica


comum atoda a geração ultrarromântica: ajuventude e a imaturidade do autor.
Ele mesmo afirma no prefácio: "São os primeiros cantos de um pobre poeta.
Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos
de amor".

O livro divide-se em três partes. Na primeira e na terceira encontramos o


sentimentalismo típico do Ultrarromantismo: misturam-se os temas do amor e
da morte; a frustração amorosa é sublimada no sonho e na fantasia; o amor
oscila entre a idealização de uma virgem pura, etérea, e uma ardente
sensualidade. A segunda parte contrapõe-se às outras duas, substituindo o
escapismo visionário pelo realismo irônico - " o poeta acorda na terra",
conforme suas próprias palavras no prefácio. A poesia ocupa-se agora das
pequenas coisas da vida cotidiana: o quarto, o leito, o charuto..., exprimindo o
tédio e a melancolia (spleen) tipicamente byronianos. Alguns poemas são
paródias da poesia ultrarromântica.

CRÉDITO: Alfred Martinet. Séc. XIX. Gravura. Fundação Biblioteca Nacional,


Rio de Janeiro

Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852)

Poeta paulistano, passou a infância no Rio de Janeiro, mas retornou para São
Paulo para fazer o curso de Direito. Vitimado pela tuberculose e por um tumor
na fossa ilíaca, causado por uma queda de cavalo, faleceu aos 21 anos de
idade.

81

LEITURA

Meu sonho

Eu

Cavaleiro das armas escuras,

Onde vais pelas trevas impuras

Com a espada sanguenta na mão?

Por que brilham teus olhos ardentes

E gemidos nos lábios frementes

Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?

Do corcel te debruças no dorso...

E galopas do vale através...

Oh! da estrada acordando as poeiras


Não escutas gritar as caveiras

E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,

Cavaleiro das armas escuras,

Macilento qual morto na tumba?...

Tu escutas... Na longa montanha

Um tropel teu galope acompanha?

E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? - que mistério,

Quem te força da morte no império

Pela noite assombrada a vagar?

O fantasma

Sou o sonho de tua esperança,

Tua febre que nunca descansa,

O delírio que te há de matar!...

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. Rio de Janeiro: Garnier, 1994. p.
153.

Releitura

Escreva no caderno

1. Frequentemente o individualismo romântico torna-se um egocentrismo


doentio, que provoca a recusa e a fuga da realidade. Em qual dimensão da
vivência do sujeito lírico ocorre o diálogo com o misterioso cavaleiro?

Resposta: Ocorre na dimensão do sonho, da fantasia ou do delírio.

2. O que a figura do cavaleiro representa?

Resposta: Representa a morte, motivada pelos sonhos de esperança e pelos


delírios do sujeito lírico.
3. No Romantismo, a descrição da natureza tem função expressiva, ecoando
os estados de espírito do sujeito lírico: a noite, os ventos, a tempestade
refletem as angústias, o desespero, o medo, o terror; o luar emoldura a
melancolia, a saudade, os suspiros amorosos; os lugares ermos, as
montanhas, os vales, os desertos são os ambientes da solidão e da
desesperança.

a) Faça uma lista das expressões que descrevem o ambiente fantasmagórico


do poema.

Resposta: "trevas impuras", "galopas do vale através", "da estrada acordando


as poeiras", "gritar as caveiras", "morder-te o fantasma nos pés?", "longa
montanha", "noite assombrada" etc.

b) Que sentimentos esse ambiente reflete?

Resposta: Reflete os sentimentos pessimistas do sujeito lírico: solidão,


remorso, desespero de viver, fatalismo.

4. Como você estudou, o livro Lira dos vinte anos divide-se em três partes.
Identifique, por hipótese, a parte do livro a que o poema deve pertencer.
Fundamente sua hipótese.

Resposta: Hipótese: deve pertencer à primeira ou à terceira parte


(efetivamente, pertence à terceira parte). Características do poema que
fundamentam a hipótese: o tom sombrio, o pessimismo, o fantasma, os temas
do sonho, do delírio, da desesperança, da morte.

E MAIS...

Leitura

Álvares de Azevedo escreveu um livro de contos macabros, Noite na taverna.


Reunidos em uma taverna, cinco amigos narram suas estranhas aventuras
amorosas. Cada conto constitui uma dessas narrações; o primeiro e o último
podem se considerados como uma espécie de moldura que situa os outros
num mesmo contexto narrativo-ficcional.

Combine a leitura com seu grupo, distribuindo entre os membros os sete


contos que compõem a obra. Preparem, posteriormente, uma apresentação
para a turma, desenvolvendo os seguintes tópicos:
· estrutura do livro - o espaço, o tempo, os narradores (primeiro conto);

· resumo do enredo, o narrador, os personagens (do segundo ao quinto conto);

· resumo do enredo (o desenlace surpreendente), o narrador, o espaço, o


tempo (sexto e sétimo contos).

A obra está disponível em pdf em alguns acervos na internet, como a Biblioteca


Virtual do Estudante Brasileiro, a Fundação Biblioteca Nacional e o portal
Domínio Público, do MEC.

82

Terceira geração

É caracterizada principalmente pelo envolvimento dos autores nas questões


sociais e políticas da época. Esses temas serão também uma das marcas do
Realismo e do Naturalismo da segunda metade do século XIX. Mas,
diferentemente dessas escolas, a terceira geração romântica manteve o
sentimentalismo e o tom emocional exaltado, por vezes grandiloquente,
característicos do Romantismo. A obra do francês Victor Hugo foi a que maior
influência exerceu sobre os autores dessa geração.

No Brasil, os poetas das décadas de 1860 e 1870 engajam sua poesia nas
polêmicas campanhas da época: a campanha republicana e, sobretudo, a
campanha abolicionista. O grande tema dessa geração é a liberdade. A águia e
o condor são os símbolos de seus ideais - o alto voo da imaginação a serviço
da liberdade. Por isso ela é chamada "condoreirismo". O tom exaltado e
retórico de sua poesia é próprio para a leitura em público, para emocionar e
convencer.

Castro Alves

Autor de uma das obras mais importantes do nosso Romantismo, tornou-se


também um dos mais populares e dos mais queridos poetas do Brasil.

Três temas básicos - a natureza, o amor e a problemática social - dominam o


conjunto de sua produção:

· O gosto pelos passeios a cavalo e pelas caçadas nas matas reflete-se na


poesia descritiva da natureza.
· As aventuras amorosas, algumas imaginárias, outras verdadeiras - como com
Idalina, sua primeira amante, ou com Eugênia Câmara, atriz portuguesa,
grande paixão do poeta -, inspiraram o lirismo de fortes tons eróticos.

· A participação na campanha abolicionista forneceu ao poeta o principal tema


de sua obra e o transformou no "poeta dos escravos". Seus poemas
detemática social são caracterizados pela exaltação e pelo tom retórico,
destinados à leitura em voz alta para emocionar e convencer as plateias.
Destacam-se, nessa temática, os poemas "O navio negreiro" e "Vozes
d'África".

Principais obras de Castro Alves

· Espumas flutuantes (única obra publicada emvida, 1870); Gonzaga ou a


revolução de Minas (drama histórico, 1875); Os escravos; Cachoeira de
Paulo Afonso (poemeto narrativo).

CRÉDITO: Séc. XIX. Gravura. Coleção particular

Antônio de Castro Alves (1847-1871)

Teve vida tão efêmera quanto intensa e brilhante. Nasceu na Bahia e estudou
Direito em Recife e São Paulo. Já era famoso quando, aos 22 anos (1869),
precisou amputar um pé, em consequência de um acidente de caça. Em 1871
voltou à Bahia, onde morreu, vitimado pela tuberculose.

LEITURA

O navio negreiro (fragmento)

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noite! tempestades!


Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados

Que não se encontram em vós,

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos...

Hoje míseros escravos

Sem luz, sem ar, sem razão...

83

São mulheres desgraçadas,

Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas,


De longe... bem longe vêm...

Trazendo, com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N'alma - lágrimas e fel...

Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto

Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram - crianças lindas,

Viveram - moças gentis...

Passa um dia a caravana

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus...

... Adeus, ó choça do monte,

... Adeus, palmeiras da fonte!...

... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó.

Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai, p'ra não mais s'erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia


Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa.

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cum'lo de maldade,

Nem são livres p'ra morrer...

Prende-os a mesma corrente

- Férrea, lúgubre serpente -

Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre corte

Ao som do açoite... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas


Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?

Astros! noite! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!...

[...]

ALVES, Castro. O navio negreiro. In: GRANDES poetas românticos do Brasil.


5ª ed. Prefácio e notas biográficas de Antônio Soares Amora. São Paulo:
Discubra - Distribuidora Cultural Brasileira Ltda., 1978. t. II. p. 362.

LEGENDA: Negros no fundo do porão (1835), de Johann Moritz Rugendas.

FONTE: Johann Moritz Rugendas. 1835. Gravura. Biblioteca Municipal Mário


de Andrade, São Paulo

CRÉDITO: Album/Latinstock

Johann Moritz Rugendas (1802-1858)

Pintor, desenhista e gravador alemão, fez duas viagens ao Brasil. Na primeira,


permaneceu de 1821 a 1825, tendo participado da Expedição Langsdorff, como
desenhista documentarista. O registro de paisagens, fauna e flora, assim como
de tipos humanos e costumes brasileiros serviu de material para o livro Voyage
pittoresque dans le Brésil (Viagem pitoresca através do Brasil).

84

Releitura

Escreva no caderno

1. Que elementos desse poema podem justificar o nome de poeta condoreiro


que é dado a Castro Alves? Explique.

Resposta: O condor, para os poetas da terceira geração, era símbolo do voo


alto e livre. Esse nome, condoreiro, pode ser justificado pela temática - a
indignação diante do sofrimento dos escravos, a defesa da liberdade - e o tom
de exaltação, de discurso feito para uma grande plateia. Tudo nele concorre
para a obtenção do efeito de exaltação: a pontuação excessiva - exclamações,
interrogações, reticências -, reforça a dicção dramática.

2. Alguns recursos retóricos, típicos da poesia de Castro Alves, podem ser


observados no fragmento. Localize e transcreva um exemplo de cada uma
destas figuras de linguagem ou recursos retóricos: apóstrofe - metáfora -
interrogação - amplificação - antítese - comparação.

Resposta: Apóstrofe: Toda a primeira estrofe é feita de apóstrofes: a Deus, ao


mar, aos astros, às noites, às tempestades. Metáfora: "por que não apagas /
Co'a esponja de tuas vagas / De teu manto este borrão?"; ou: "leite de pranto";
"oceano de pó"; "tendas d'amplidão". Interrogação: "Quem são estes
desgraçados [...]?". Amplificação: "Sem luz, sem ar, sem razão...". Antítese:
"Ontem simples, fortes, bravos... / Hoje míseros escravos"; "Ontem a Serra
Leoa. / [...] / Hoje... o porão negro, fundo"; "Ontem plena liberdade, / [...] /
Hoje... cum'lo de maldade, / Nem são livres pr'a morrer...". Comparação: "São
mulheres desgraçadas, / Como Agar o foi também.".

3. Escolha no fragmento do poema um trecho que poderia servir de legenda


para a gravura de Rugendas.

Resposta: Exemplos: "Quem são esses desgraçados"; "Ontem simples, fortes,


bravos... / Hoje míseros escravos / Sem luz, sem ar, sem razão..."; "Hoje... o
porão negro, fundo, / Infecto, apertado, imundo, / Tendo a peste por jaguar...";
"Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se eu deliro... ou se é verdade / Tanto horror
perante os céus?!...".

4. (Unifesp-SP) Considere as seguintes afirmações [sobre o fragmento]:

I. O texto é um exemplo de poesia carregada de dramaticidade, própria de um


poeta-condor, que mostra conhecer bem as lições do "mestre" Victor Hugo.

II. Trata-se de um poema típico da terceira fase romântica, voltado para


auditórios numerosos, em que se destacam a preocupação social e o tom
hiperbólico.

III. É possível reconhecer nesse fragmento de um longo poema de teor


abolicionista o gosto romântico por uma poesia de recursos sonoros.

Está correto o que se afirma em:


a) I, apenas.

b) II, apenas.

c) III, apenas.

d) I e II, apenas.

e) I, II e III.

Resposta: Alternativa e.

5. (Unifesp-SP) Considerando as últimas estrofes do fragmento:

a) o poeta se vale do recurso do paralelismo de construção apenas na


antepenúltima estrofe.

b) o eu poemático aborda o problema da escravidão segundo um jogo de


intensas oposições.

c) os animais evocados - leão, jaguar e serpente - têm, respectivamente,


sentidos denotativo, denotativo e metafórico.

d) o tom geral assumido pelo poeta revela um misto de emoção, vigor e


resignação diante da escravidão.

e) os versos são constituídos alternadamente por sete e oito sílabas poéticas.

Resposta: Alternativa b.

Vocabulário:

amplificação: consiste no desdobramento de uma palavra ou de uma ideia,


desenvolvendo todos os seus aspectos. As técnicas mais utilizadas para a
amplificação são a enumeração (quando os elementos não se organizam
hierarquicamente) e a gradação (quando os elementos se organizam numa
ordem crescente ou decrescente);

comparação ou símile: é a relação de semelhança que se estabelece entre


dois termos de sentidos diferentes por meio de uma conjunção.

Fim do vocabulário.

Retome os conceitos de metáfora e apóstrofe no capítulo 2 deste volume; e o


conceito de antítese no capítulo 3.
NAVEGAR É PRECISO

Procure na internet a leitura do poema "O navio negreiro" na voz do grande


ator brasileiro Paulo Autran (1922-2007).

Caetano Veloso (1942-), em seu álbum Livro (Universal, 1997, faixa 9),
musicou um trecho do poema, com participação de Maria Bethânia (1946-), e
Carlinhos Brown (1962-). Você também poderá encontrá-lo na internet.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

As origens do Romantismo estão ligadas às transformações econômicas,


políticas, sociais e ideológicas, ocorridas ao longo do século XVIII, que levaram
a burguesia ao poder. Refletindo os ideais do liberalismo, a nova escola recusa
a imitação dos modelos clássicos e proclama a liberdade de criação. O
individualismo burguês exprime-se, nas artes e na literatura, pelo subjetivismo
e pelo emocionalismo exacerbados.

No Brasil, o Romantismo iniciou-se na segunda década após a independência


e vigorou até as vésperas da República. Sua história está intimamente ligada
às transformações políticas e sociais desse período.

85

A poesia romântica

A evolução da poesia romântica foi marcada pela sucessão de três gerações


de poetas.

· Primeira geração: dedicada aostemas nacionalistas- indianismo, corlocal.


Principal autor: Gonçalves Dias.

· Segunda geração: por causa dos excessos do subjetivismo e do


emocionalismo, é chamada de geração ultrarromântica. O pessimismo, o
escapismo, o culto da morte seriam os sintomas do "mal do século" (doença do
século), expressão comumente utilizada para descrever as características
dessa geração. Principais autores: Junqueira Freire, Casimiro de Abreu e
Álvares de Azevedo.

· Terceira geração: seu principal tema é a liberdade. Engajada na discussão


de ideias sociais e políticas, participou intensamente das grandes campanhas
de sua época, a republicana e a abolicionista. Em razão do tom exaltado e
retórico que utiliza, é chamada de "geração condoreira" - o condor simboliza o
alto voo da imaginação a serviço da liberdade. Principal autor: Castro Alves.

Atividades

Escreva no caderno

1. A pintura de Friedrich representa uma paisagem noturna e lúgubre. Observe-


a.

LEGENDA: Casal contemplando a lua (1822), de Caspar David Friedrich.

FONTE: Caspar David Friedrich. 1822. Óleo sobre tela. Galeria Nacional,
Berlim

CRÉDITO: Caspar David Friedrich. c. 1810-1820. Óleo sobre tela, 67 × 52,4


cm. Hamburger Kunsthalle, Hamburgo

Caspar David Friedrich (1774-1840)

É um dos principais pintores românticos alemães. A inquietação religiosa e as


tragédias familiares (ainda criança perdeu a mãe e duas irmãs adolescentes;
seu irmão Christoffer afogou-se quando patinava no mar Báltico congelado)
transparecem insistentemente em suas paisagens. Seus últimos anos foram
atormentados por um delírio de perseguição que o afastou de seus amigos.

a) Qual das três gerações românticas poderia ter sua descrição ilustrada por
essa pintura?

Resposta: A segunda geração, ultrarromântica.

b) "O pintor não deve pintar apenas o que vê diante de si, mas também o que
vê dentro de si." (Caspar David Friedrich). Comente a pintura com base nessa
frase do pintor.

Resposta pessoal. Comentários possíveis: A pintura traduz um estado de


espírito pessimista e melancólico. O ambiente noturno e ermo, as sombras, o
luar representam a solidão, o ensimesmamento, a reflexão. A árvore velha e
fantasmagórica pode simbolizar a decadência e a morte; a lua pode significar o
anseio pelo impossível, pelo inatingível, o escapismo por meio do sonho.
2. (Enem/MEC) No trecho abaixo, o narrador, ao descrever o personagem,
critica sutilmente um outro estilo de época: o Romantismo.

Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a
mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não
digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo,
porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os
olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto
nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da
natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro
indivíduo, para os fins secretos da criação.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro:


Jackson, 1957.

86

A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao romantismo está


transcrita na alternativa:

a) "[...] o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas


[...]"

b) "[...] era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça [...]"

c) "Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço,
precário e eterno, [...]"

d) "Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos [...]"

e) "[...] o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação".

Resposta: Alternativa a.

Leia os textos a seguir para responder às questões de 3 a 5. No poema "O


canto do piaga", o feiticeiro de uma tribo relata aos guerreiros um sonho
premonitório. O texto 1 é a terceira e última parte desse poema. O texto 2 tem
como base informações da Funai (Fundação Nacional do Índio).

TEXTO 1

O canto do piaga

[...]
Pelas ondas do mar sem limites

Basta selva, sem folhas, i vem;

Hartos troncos, robustos, gigantes;

Vossas matas tais monstros contêm.

Traz embira dos cimos pendente

- Brenha espessa de vário cipó -

Dessas brenhas contêm vossas matas,

Tais e quais, mas com folhas; e só!

Negro monstro os sustenta por baixo,

Brancas asas abrindo ao tufão,

Como um bando de cândidas garças,

Que nos ares pairando - lá vão.

Oh! quem foi das entranhas das águas,

O marinho arcabouço arrancar?

Nossas terras demanda, fareja...

Esse monstro... - o que vem cá buscar?

Não sabeis o que o monstro procura?

Não sabeis a que vem, o que quer?

Vem matar vossos bravos guerreiros,

Vem roubar-vos a filha, a mulher!

Vem trazer-vos crueza, impiedade -

Dons cruéis do cruel Anhangá;

Vem quebrar-vos a maça valente,

Profanar Manitôs, Maracás.

Vem trazer-vos algemas pesadas,

Com que a tribo Tupi vai gemer;


Hão de os velhos servirem de escravos,

Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!

Fugireis procurando um asilo,

Triste asilo por ínvio sertão;

Anhangá de prazer há de rir-se,

Vendo os vossos quão poucos serão.

Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,

Susta as iras do fero Anhangá.

Manitôs já fugiram da Taba,

Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!

DIAS, Gonçalves. Primeiros cantos. In: GRANDES poetas românticos do Brasil.


Prefácio e notas biográficas de Antônio Soares Amora. São Paulo: Discubra -
Distribuidora Cultural Brasileira Ltda., 1978. t. I. p. 49.

Vocabulário:

piaga: ou pajé; "era ao mesmo tempo o sacerdote e o médico, o áugure e


cantor dos indígenas do Brasil" (nota de Gonçalves Dias, Grandes poetas
românticos do Brasil, p. 393);

Anhangá: gênio do mal;

maça: clava; pau pesado e mais grosso em uma das extremidades, que se
usava como arma;

Manitôs: gênios tutelares ou demônios entre os índios da América do Norte.


Gonçalves Dias explica em nota ao poema: "O seu desaparecimento augurava
grandes calamidades às tribos de que eles houvessem desertado" (op. cit., p.
393);

maracá: chocalho, instrumento musical usado em cerimônias religiosas e


guerreiras;

ínvio: intransitável.

Fim do vocabulário.
TEXTO 2

O deslocamento da população

[...]

Quando se observa o mapa da distribuição das populações indígenas no


território brasileiro de hoje, podem-se ver claramente os reflexos do movimento
de expansão político-econômica ocorrido historicamente.

Os povos que habitavam a costa leste, na maioria falantes de línguas do


Tronco Tupi,

87

foram dizimados, dominados ou refugiaram-se nas terras interioranas para


evitar o contato.

Hoje, somente os Fulni-ô (de Pernambuco), os Maxakali (de Minas Gerais) e os


Xokleng (de Santa Catarina) conservam suas línguas. Curiosamente, suas
línguas não são Tupi, mas pertencentes a três famílias diferentes ligadas ao
Tronco Macro-Jê.

Os Guarani, que vivem em diversos estados do Sul e Sudeste brasileiro e que


também conservam a sua língua, migraram do Oeste em direção ao litoral em
anos relativamente recentes.

As demais sociedades indígenas que vivem no Nordeste e Sudeste do país


perderam suas línguas e só falam o português, mantendo apenas, em alguns
casos, palavras esparsas, utilizadas em rituais e outras expressões culturais.

A maior parte das sociedades indígenas que conseguiram preservar suas


línguas vive, atualmente, no Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Nas outras
regiões, elas foram sendo expulsas à medida que a urbanização avançava.

POVOS indígenas no Brasil. Ensino superior indígena. Disponível em:


https://ensinosuperiorindigena.wordpress.com/index/povos-indigenas-no-brasil.
Acesso em: 18 abr. 2016.

LEGENDA: Indígenas Fulni-ô, da aldeia Águas Belas, PE, 2007.

CRÉDITO: Helio Nobre/IDETI


3. O que o piaga descreve nas três primeiras estrofes do poema? Interprete as
imagens que ele emprega nessa descrição.

Resposta: O piaga descreve um monstro que chega pelas ondas do mar. Esse
monstro sustenta uma selva de troncos e cipós, semelhantes aos das matas,
mas tendo asas brancas, como um bando de garças, no lugar das folhas. O
monstro é a imagem do casco de um navio; os troncos representam os
mastros; os cipós, o cordame; e as asas brancas, as velas. Essas imagens
constituem uma alegoria da chegada dos navios portugueses ao Brasil.

4. "Os povos que habitavam a costa leste, na maioria falantes de línguas do


Tronco Tupi, foram dizimados, dominados ou refugiaram-se nas terras
interioranas para evitar o contato." Escolha, para cada trecho destacado
nesse fragmento do texto da Funai, um verso do poema que possa ser
considerado a "premonição" do fato histórico.

Resposta: Escolhas possíveis: para foram dizimados: "Vem matar vossos


bravos guerreiros,", "Vendo os vossos quão poucos serão."; para dominados:
"Vem quebrar-vos a maça valente,", "Vem trazer-vos algemas pesadas,", "Hão
de os velhos servirem de escravos,"; para refugiaram-se nas terras
interioranas: "Fugireis procurando um asilo, / Triste asilo por ínvio sertão;".

5. Pode-se dizer que, em "O canto do piaga", o indígena é idealizado como em


outras obras românticas, inclusive a do próprio Gonçalves Dias?

Resposta: No Romantismo, os indígenas são idealizados como grandes


guerreiros que, vivendo em harmonia com a natureza, possuem uma grande
inteireza moral e uma força física imbatível. Com a profecia dramática do piaga,
Gonçalves Dias faz uma denúncia do holocausto que ocorreu ao longo da
colonização portuguesa. O indígena, portanto, está mais próximo da realidade,
é visto como um povo mais fraco e mesmo impotente diante do colonizador
branco. A resposta, ainda assim, pode ser afirmativa, se considerar que o
contato com a civilização teria quebrado aquela harmonia com a natureza, fator
da força física e moral do indígena na idealização romântica.

6. (Enem/MEC) O trecho a seguir é parte do poema "Mocidade e morte", do


poeta romântico Castro Alves:

Oh! eu quero viver, beber perfumes


Na flor silvestre, que embalsama os ares;

Ver minh'alma adejar pelo infinito,

Qual branca vela n'amplidão dos mares.

No seio da mulher há tanto aroma...

Nos seus beijos de fogo há tanta vida...

- Árabe errante, vou dormir à tarde

À sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:

Terás o sono sob a lájea fria.

ALVES, Castro. Os melhores poemas de Castro Alves. Seleção de Lêdo Ivo.


São Paulo: Global, 1983.

Esse poema, como o próprio título sugere, aborda o inconformismo do poeta


com a antevisão da morte prematura, ainda na juventude.

A imagem da morte aparece na palavra

a) embalsama.

b) infinito.

c) amplidão.

d) dormir.

e) sono.

Resposta: Alternativa e.

7. (Enem/MEC)

O canto do guerreiro

Aqui na floresta

Dos ventos batida,

Façanhas de bravos

Não geram escravos,


Que estimem a vida

Sem guerra e lidar.

- Ouvi-me, Guerreiros,

- Ouvi meu cantar.

88

II

Valente na guerra,

Quem há, como eu sou?

Quem vibra o tacape

Com mais valentia?

Quem golpes daria

Fatais, como eu dou?

- Guerreiros, ouvi-me;

- Quem há, como eu sou?

[...]

(Gonçalves Dias)

Macunaíma (Epílogo)

Acabou-se a história e morreu a vitória.

Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomângolo na tribo Tapanhumas e os


filhos dela se acabaram de um em um. Não havia mais ninguém lá. Aqueles
lugares, aqueles campos, furos puxadouros arrastadouros meios-barrancos,
aqueles matos misteriosos, tudo era solidão do deserto... Um silêncio imenso
dormia à beira do rio Uraricoera. Nenhum conhecido sobre a terra não sabia
nem falar da tribo nem contar aqueles casos tão pançudos. Quem podia saber
do Herói?

(Mário de Andrade)

A leitura comparativa dos dois textos anteriores indica que


a) ambos têm como tema a figura do indígena brasileiro apresentada de forma
realista e heroica, como símbolo máximo do nacionalismo romântico.

b) a abordagem da temática adotada no texto escrito em versos é


discriminatória em relação aos povos indígenas do Brasil.

c) as perguntas "- Quem há, como eu sou?" (1º texto) e "Quem podia saber do
Herói?" (2º texto) expressam diferentes visões da realidade indígena brasileira.

d) o texto romântico, assim como o modernista, abordam o extermínio dos


povos indígenas como resultado do processo de colonização no Brasil.

e) os versos em primeira pessoa revelam que os indígenas podiam expressar-


se poeticamente, mas foram silenciados pela colonização, como demonstra a
presença do narrador, no segundo texto.

Resposta: Alternativa c.

8. (Enem/MEC)

TEXTO 1

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! não seja já;

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e bem vês que eu morro

Respirando esse ar;

Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo

Os gozos do meu lar!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava

Lá na quadra infantil;

Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,

O céu de meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! Não seja já!


Eu quero ouvir cantar na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!

ABREU, C. Poetas românticos brasileiros. São Paulo: Scipione, 1993.

TEXTO 2

A ideologia romântica, argamassada ao longo do século XVIII e primeira


metade do século XIX, introduziu-se em 1836. Durante quatro decênios,
imperaram o "eu", a anarquia, o liberalismo, o sentimentalismo, o nacionalismo,
através da poesia, do romance, do teatro e do jornalismo (que fazia sua
aparição nessa época).

MOISÉS, M. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix,


1971 (fragmento).

De acordo com as considerações de Massaud Moisés no texto 2, o texto 1


centra-se

a) no imperativo do "eu", reforçando a ideia de que estar longe do Brasil é uma


forma de estar bem, já que o país sufoca o eu lírico.

b) no nacionalismo, reforçado pela distância da pátria e pelo saudosismo em


relação à paisagem agradável onde o eu lírico vivera a infância.

c) na liberdade formal, que se manifesta na opção por versos sem métrica


rigorosa e temática voltada para o nacionalismo.

d) no fazer anárquico, entendida a poesia como negação do passado e da vida,


seja pelas opções formais, seja pelos temas.

e) no sentimentalismo, por meio do qual se reforça a alegria presente em


oposição à infância, marcada pela tristeza.

Resposta: Alternativa b.

89

capítulo 5 - O romance romântico

Neste capítulo você continuará estudando o Romantismo brasileiro, focalizando


exclusivamente a produção literária em prosa, ou, mais especificamente, o
romance. Você perceberá que o conjunto dessa produção faz parte de um
verdadeiro projeto de representação simbólico-literária da realidade da nova
nação. Esse projeto é sobretudo perceptível na obra do principal autor
romântico, José de Alencar.

CRÉDITO: 1852-1854. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Várias editoras.

· GOETHE, Johann Wolfgang von. Os sofrimentos do jovem Werther. Porto


Alegre: L&PM, 2004.

Vídeos

· INOCÊNCIA. Dirigido por Walter Lima Jr. Brasil, 1983.

· IRACEMA: a construção da heroína indígena. Dirigido por Paulo Franchetti.


Brasil, 2005.

· O GUARANI. Dirigido por Norma Bengell. Brasil, 2009.

Site

· PORTAL DOMÍNIO PÚBLICO. Obras de José de Alencar. [20--] Disponível


em: http://tub.im/m9bgpd. Acesso em: 28 abr. 2016.

90

Atenção Professor(a), as atividades da seção "E mais...", das páginas 97 e


100, requerem preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

TEXTO 1

Iracema: lenda do Ceará

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu
Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a
asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no
bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas
do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé
grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com
as primeiras águas.

[...]

ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. M. Cavalcanti Proença (edição


crítica). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Edusp, 1979.
p. 12.

CRÉDITO: André Ducci

TEXTO 2

Senhora

Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.

Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi


proclamada a rainha dos salões.

Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em
disponibilidade.

Era rica e formosa.

Duas opulências, que se realçavam como a flor em vaso de alabastro; dois


esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.

Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da


corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do
deslumbramento que produzira seu fulgor?

Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a
conheciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da grande
novidade do dia.

Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a
verdade, sem os comentários malévolos de que usam vesti-la os noveleiros.
Aurélia era órfã; e tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D.
Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade.

Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender


com os escrúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha
admitido ainda certa emancipação feminina.

Guardando com a viúva as deferências devidas à idade, a moça não declinava


um instante do firme propósito de governar sua casa e dirigir suas ações como
entendesse.

Constava também que Aurélia tinha tutor; mas essa entidade desconhecida, a
julgar pelo caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua
vontade do que a velha parenta.

A convicção geral era que o futuro da moça dependia exclusivamente de suas


inclinações ou de seu capricho e por isso todas as adorações se iam prostrar
aos próprios pés do ídolo.

Assaltada por uma turba de pretendentes que a disputavam com o prêmio da


vitória, Aurélia, com sagacidade admirável em sua idade, avaliou da situação
difícil em que se achava, e dos perigos que a ameaçavam.

Daí provinha talvez a expressão cheia de desdém e um certo ar provocador,


que eriçavam a sua beleza aliás tão correta e cinzelada para a meiga e serena
expansão d'alma.

[...]

ALENCAR, José de. Senhora. Edição crítica de José Carlos Garbuglio. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979. p. 5.

91

TEXTO 3

Luizinha

Em uma das últimas vezes que foram à casa de D. Maria, esta, assim que os
viu entrar, dirigiu-se ao compadre e disse-lhe muito contente:

- Ora, afinal venci a minha campanha... veio ontem para o meu poder a
menina... O tal velhaco do compadre de meu irmão não levou a sua avante.
- Muitos parabéns, muitos parabéns! respondeu o compadre. Leonardo deu
pouca atenção a isso; há muito tempo que ouvia falar da tal sobrinha; sentou-
se a um canto, e começou a bocejar como de costume.

Depois de mais algumas palavras trocadas entre os dous, D. Maria chamou por
sua sobrinha, e esta apareceu. Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo
conteve o riso. Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que,
tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de
moça: era alta, magra, pálida; andava com o queixo enterrado no peito, trazia
as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e
compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava
mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía
sobre a testa e olhos, como uma viseira. Trajava nesse dia um vestido de chita
roxa muito comprido, quase sem roda, e de cintura muito curta; tinha ao
pescoço um lenço encarnado de Alcobaça.

Por mais que o compadre a questionasse, apenas murmurou algumas frases


ininteligíveis com voz rouca e sumida. Mal a deixaram livre, desapareceu sem
olhar para ninguém. Vendo-a ir-se, Leonardo tornou a rir-se interiormente.

Quando se retiraram, riu-se ele pelo caminho à sua vontade. O padrinho


indagou a causa da sua hilaridade; respondeu-lhe que não se podia lembrar da
menina sem rir-se.

- Então lembras-te dela muito a miúdo, porque muito a miúdo te ris.

Leonardo viu que esta observação era verdadeira.

Durante alguns dias umas poucas de vezes falou na sobrinha da D. Maria; e


apenas o padrinho lhe anunciou que teriam de fazer a visita do costume, sem
saber por que, pulou de contente, e, ao contrário dos outros dias, foi o primeiro
a vestir-se e dar-se por pronto.

Saíram e encaminharam-se para o seu destino.

[...]

ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Edição


crítica de Cecília de Lara. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.
p. 82.
CRÉDITO: André Ducci

Observação: os asteriscos indicam que o significado é dado pelo próprio José


de Alencar, em nota à primeira edição de Iracema.

Vocabulário:

Iracema: *em guarani significa lábios de mel - de ira, mel e tembe - lábios.
Tembe na composição altera-se em ceme. Alencar costuma traduzir os nomes
indígenas por apostos: "Iracema, a virgem dos lábios de mel", "tabajaras,
senhores das aldeias", "potiguara, comedor de camarão", "Tu és Moacir, o
nascido de meu sofrimento";

graúna: *pássaro conhecido de cor negra luzidia;

jati: *pequena abelha que fabrica delicioso mel;

Ipu: *certa qualidade de terra muito fértil, que forma grandes coroas ou ilhas no
meio dos tabuleiros e sertões, e é de preferência procurada para a cultura;

campear: estar ou viver no campo; correr pelos campos;

Alcobaça: cidade portuguesa, famosa por seu convento de estilo gótico e pelo
artesanato, principalmente pelos lenços.

Fim do vocabulário.

92

Em tom de conversa

1. O texto 1 reproduz os primeiros parágrafos do segundo capítulo do romance


Iracema, de José de Alencar. Releia o texto em voz alta e comente as
impressões causadas pelo tom da linguagem do narrador, relacionando-o ao
subtítulo do livro, "Lenda do Ceará".

Resposta: Espera-se que os alunos se refiram ao tom solene da linguagem,


dado pelo ritmo bem marcado das frases e pelas imagens (leve os alunos a
perceberem as repetições - "além, muito além" - e os paralelismos sintáticos
dos parágrafos 2 e 3 - "mais negros que [...] mais longos que"; "não era doce
como [...] nem recendia [...] como"). A solenidade do tom é uma característica
das lendas de heróis e das epopeias. Faça os alunos observarem que o
primeiro parágrafo lembra o modo vago e misterioso de se localizarem os
acontecimentos nos contos maravilhosos populares (exemplos: "Era uma vez,
num país distante..."; "Num país distante, longe, muito longe daqui..." - cf.
JOLLES, André. Formas simples. São Paulo: Cultrix, 1976. p. 202).

2. Comente com seus colegas as características românticas mais evidentes no


texto 1.

Resposta: Espera-se que os alunos reconheçam o nacionalismo (a intenção de


criar mitos literários das origens do povo brasileiro, representado aqui no povo
cearense, pelo intercurso das etnias formadoras, o indígena e o branco), a
idealização do indígena, um ser forte, belo e puro, vivendo em perfeita
harmonia com a natureza (toda a descrição de Iracema se faz por
comparações com elementos da natureza, da qual ela faz parte e é a
representante mais perfeita), a preocupação com a cor local e a idealização da
natureza tropical.

3. Que semelhanças e diferenças você percebe entre o texto 1 e o texto 2?

Resposta: As possíveis semelhanças são a solenidade do tom narrativo e a


idealização da mulher, bela e perfeita, por meio de imagens (comparações e
metáforas). Já as possíveis diferenças são: predomínio das comparações
(texto 1) e das metáforas (texto 2); tempo remoto (texto 1) e passado próximo
(texto 2: "Há anos [...]"; "Quem não se recorda [...]?"); ambiente natural, matas
(texto 1) e ambiente urbano, a corte (texto 2).

4. O texto 3 também apresenta uma figura feminina. Que diferenças se


percebem entre a descrição de Luizinha e as descrições de Iracema e Aurélia?

Resposta: Espera-se que os alunos percebam a ausência de idealização na


descrição de Luizinha. Trata-se agora de uma adolescente, ainda bastante
desajeitada, muito tímida, vestida com simplicidade. Órfã como Aurélia, não
possui sua altivez e domínio. Aurélia possui uma corte de pretendentes e
desdenha deles; Luizinha provoca o riso de Leonardo. Até os nomes refletem a
diferença entre a idealização e o realismo: Iracema é um nome simbólico,
adequado a uma personagem lendária; Aurélia Camargo é apresentada
solenemente com nome e sobrenome; para Luizinha reservou-se um diminutivo
familiar.

Releitura
Escreva no caderno

Nos três textos o narrador faz a apresentação direta das personagens


femininas.

1. Nos textos de Alencar, o uso intenso de símiles (comparações) e metáforas


nas descrições faz que as personagens já surjam idealizadas desde essa
primeira apresentação. Releia os textos e faça o que se pede.

a) Qual figura de linguagem predomina no texto 1? Dê dois exemplos.

Resposta: Predomina o símile, ou comparação. Os exemplos são escolhas


pessoais.

Atenção Professor(a), na correção, observar que a única metáfora utilizada na


descrição de Iracema é o aposto "virgem dos lábios de mel", que traduz o
significado do nome: ira - mel e tembe (cema) - lábios, segundo explicação de
Alencar nas notas à primeira edição. Fim da observação.

b) Qual é a primeira metáfora utilizada pelo narrador na apresentação de


Aurélia Camargo? Copie a frase, passando-a para a ordem sintática direta.

Resposta: Há anos raiou uma nova estrela no céu fluminense.

c) A primeira metáfora da descrição de Aurélia desdobra-se, nos dois


parágrafos seguintes, em novas metáforas. Quais são esses desdobramentos?

Resposta: "momento de sua ascensão"; "ninguém lhe disputou o cetro"; "rainha


dos salões"; "deusa dos bailes"; "musa dos poetas"; "ídolo dos noivos em
disponibilidade".

d) Observando os desdobramentos, interprete o significado metafórico da


expressão "céu fluminense" e encontre, no parágrafo 6, uma metáfora que
confirme sua interpretação.

Resposta: "Céu fluminense" desdobra-se em salões, bailes, poetas, noivos em


disponibilidade. Portanto é metáfora da alta sociedade (céu) do Rio de Janeiro
(fluminense). Poderíamos "traduzir" a frase do seguinte modo: Há anos uma
nova personalidade surgiu na alta sociedade fluminense. A metáfora do
parágrafo 6 é "atravessou o firmamento da corte".
2. No último parágrafo do fragmento de Senhora, o narrador assim descreve
Aurélia: "Daí provinha talvez a expressão cheia de desdém e um certo ar
provocador, que eriçavam a sua beleza [...]".

Se você utilizasse esse trecho para descrever Luizinha, por quais palavras ou
expressões substituiria as que estão destacadas?

Resposta: Substituições possíveis: cheia de temor (cheia de timidez); ar tímido


(ar temeroso, amedrontado); aumentavam sua desgraciosidade (sua feiura, sua
deselegância).

FIQUE SABENDO

Modos de apresentação de personagem

Há basicamente dois modos de apresentação dos personagens em uma


narrativa:

· apresentação direta - o narrador descreve o personagem, explicitando suas


características físicas e psicológicas;

· apresentação indireta - o narrador não descreve o personagem. As


características devem ser interpretadas com base em índices presentes nas
falas, nos pensamentos, nas reações e nos comportamentos.

Retome no capítulo 2 o conceito de metáfora e no capítulo 4 o conceito de


símile (ou comparação).

93

Comentário

Os três livros foram escritos num intervalo de pouco mais de duas décadas,
durante o Segundo Reinado. Em Iracema, de 1865, temos a recorrência da
temática indianista, já estudada na poesia da primeira geração; aqui, a mulher
é idealizada como símbolo lendário de uma das origens do povo brasileiro. Em
Senhora, de 1875, a mulher, bela e fatal, é idealizada como um ser superior,
que precisa usar a arrogância para vencer o jogo de interesses e os
preconceitos característicos da alta sociedade da corte. Já em Memórias de
um sargento de milícias (entre 1852 e 1853), o autor mergulha nos costumes
das camadas populares da cidade, e nos apresenta uma menina desajeitada e
tímida, em tudo oposta à heroína do romance de Alencar.

Não se pode aplicar à prosa a mesma divisão em três gerações que se fez no
estudo da poesia romântica. Mas, pelas descrições das personagens feitas nos
fragmentos desses três livros, podemos já vislumbrar a variedade dos temas e
dos enfoques da prosa romântica brasileira.

A PROSA ROMÂNTICA

O romance europeu desenvolveu-se ao longo do século XVIII e tornou-se a


principal forma narrativa a partir do Romantismo.

No Brasil, a prosa de ficção praticamente inexistiu durante o período colonial.


Os prosadores românticos, a partir da década de 1840, viram-se imbuídos do
mesmo espírito nacionalista que os poetas, mas acrescido da missão de criar
as bases de uma tradição. Essa consciência de missão é sobretudo
perceptível, como veremos, na obra do principal romancista romântico
brasileiro, José de Alencar.

Assim, não é de estranhar que o desenvolvimento da poesia romântica tenha


precedido o da prosa de ficção. Quando esta fazia suas primeiras tentativas
mais consistentes, na década de 1840, aquela já tinha o seu primeiro grande
autor - Gonçalves Dias.

Primeiros romances brasileiros

· O filho do pescador (1843), de Teixeira e Sousa.

· A Moreninha (1844), de Joaquim Manuel de Macedo.

Se considerarmos as deficiências do meio cultural, a inexistência de


precursores e o início tão tardio, não podemos negar que a literatura romântica
avançou a passos largos na criação de uma tradição ficcional brasileira. Já nas
décadas de 1850 e 1860, verifica-se o florescimento da prosa de ficção, que se
torna uma verdadeira mania, visto o afã com que eram acompanhados os
romances de folhetim. Autores como Teixeira e Sousa, Joaquim Manuel de
Macedo, Manuel Antônio de Almeida, Bernardo Guimarães e, principalmente,
José de Alencar povoaram a imaginação e os sonhos dos brasileiros,
exercendo uma função semelhante à das atuais novelas de televisão.
Quanto aos temas, os prosadores românticos, engajados desde o princípio no
projeto de criar uma literatura nacional, procuraram cobrir diversos aspectos da
vida brasileira, idealizando-os quase sempre: a vida da corte, a análise
psicológica e comportamental, os ambientes típicos regionais, o indígena (o
mesmo indígena mitificado na poesia), a natureza tropical (com o mesmo
ufanismo que vimos na poesia nacionalista), o escravo, aspectos e episódios
da história do Brasil...

Todos esses temas são sempre, mais ou menos intensamente, envolvidos por
histórias de amor. O Romantismo criou uma galeria de casais apaixonados,
que se tornaram verdadeiros mitos literários referidos até hoje, tanto na cultura
erudita quanto na popular.

Vocabulário:

romance de folhetim: longa narrativa de caráter popular, cujos capítulos eram


publicados semanalmente nos jornais. Para manter o interesse do leitor e
garantir a venda das edições seguintes, lançava-se mão de técnicas especiais
de narrar, como a interrupção do capítulo em momentos decisivos da ação.

Fim do vocabulário.

94

Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Apesar da grande aceitação que teve entre os leitores contemporâneos, a obra


de Macedo foi, posteriormente, alvo de crítica severa por causa de seu
condicionamento ao gosto popular, ao sentimentalismo dos personagens e das
histórias, e, sobretudo, por não ter evoluído tecnicamente, repetindo sempre os
mesmos esquemas que lhe garantiram o sucesso da obra inicial. A repetição
da receita já se pode observar no título do segundo livro do autor: a A
Moreninha seguiu-se, em 1845, O moço loiro.

Parte da crítica, entretanto, aponta Macedo como um bom cronista do Rio de


Janeiro do Segundo Reinado, capaz de descrever a vida social e familiar com
fino senso de observação. Seu estilo despretensioso e ligeiro é impregnado de
um humor leve e sutil.
CRÉDITO: J. Mill. Séc. XIX. Litografia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro

Manuel Antônio de Almeida (1831-1861)

Considerado uma "voz de exceção" em nosso Romantismo, pela originalidade


da obra que criou, Manuel Antônio de Almeida publicou Memórias de um
sargento de milícias entre 1852 e 1853, em forma de folhetim, no suplemento
"A Pacotilha", do Jornal do Comércio, sob o pseudônimo de "Um Brasileiro".

Essa obra contrasta com os romances românticos por várias razões. Primeiro,
por ter como protagonista um herói malandro, ou um "anti-herói", na opinião de
alguns críticos. Suas virtudes compensam seus defeitos. Situa-se, portanto,
fora das categorias maniqueístas (o bem x o mal; heróis x vilões) com as quais
geralmente são criados os personagens do Romantismo.

Além de se distanciarem do maniqueísmo romântico, os personagens de


Manuel Antônio de Almeida distanciam-se também do modelo europeizado
característico desse estilo literário em nosso país, mesmo quando inseridos
num projeto nacionalista, como o de José de Alencar.

Segundo, pelo tipo especial de nacionalismo que a caracteriza, ao documentar


traços específicos da sociedade brasileira do tempo do rei D. João VI (1808-
1821), com os costumes, os comportamentos e os tipos sociais de um estrato
médio da sociedade, até então ignorado pela literatura.

Terceiro, pelo tom de crônica que dá leveza e aproxima da fala a sua


linguagem direta, coloquial e irônica. O despojamento, a precisão, a
coloquialidade, as marcas de oralidade e o constante tom de crônica de jornal
constituem algumas características que afastam a linguagem de Memórias de
um sargento de milícias do idealismo às vezes açucarado do estilo romântico.
Em vez dele, a obra combina constantemente ironia e espírito crítico, bom
humor e registro jocoso de costumes populares, incluindo o linguajar da época.
Nesse sentido, podemos inseri-la no quadro da construção de uma literatura
brasileira moderna, já que o Modernismo pregaria, 70 anos depois, a
aproximação entre a literatura e a vida, por vários modos, inclusive pela
incorporação da linguagem popular, coloquial, do dia a dia.

CRÉDITO: Acervo Iconographia


95

LEITURA

Nesta passagem do romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo,


Carolina cuida de Paula, sua ama, aplicando-lhe um pedilúvio (escalda-pés). A
cena é espreitada por Augusto, que admira como a menina resiste,
heroicamente, à dor causada pela água fervente.

TEXTO 1

Pedilúvio sentimental

[...]

Três pessoas havia nesse quarto: Paula, deitada e abatida sob o peso de sua
sofrível mona, era um objeto triste e talvez ridículo, se não padecesse; a
segunda era uma escrava que acabava de depor, junto do leito, a bacia em que
Paula deveria tomar o pedilúvio recomendado, objeto indiferente; a terceira era
uma menina de quinze anos, que desprezava a sala, em que borbulhava o
prazer, pelo quarto em que padecia uma pobre mulher; este objeto era nobre...

D. Carolina e a escrava tinham as costas voltadas para a porta e por isso não
viam Augusto: Paula olhava, mas não via, ou antes não sabia o que via.

[...]

O sensível estudante viu as mãozinhas tão delicadas da piedosa menina já


roxas, e adivinhou que ela estava engolindo suas dores para não gemer; por
isso não pôde suster-se e, adiantando-se, disse:

- Perdoe, minha senhora.

- Oh!... o senhor estava aí?

- E tenho testemunhado tudo!

A menina abaixou os olhos, confusa, e apontando para a doente, disse:

- Ela me deu de mamar...

- Mas nem por isso deve a senhora condenar suas lindas mãos a serem
queimadas, quando algum dos muitos escravos que a cercam poderia
encarregar-se do trabalho em que a vi tão piedosamente ocupada.
- Nenhum o fará com jeito.

- Experimente.

- Mas a quem encarregarei?

- A mim, minha senhora.

- O senhor falava de meus escravos...

- Pois nem para escravo eu presto?

- Senhor!...

- Veja se eu sei dar um pedilúvio!

- E nisto o estudante abaixou-se e tomou os pés de Paula, enquanto D.


Carolina, junto dele, o olhava com ternura.

Quando Augusto julgou que era tempo de terminar, a jovenzinha recebeu os


pés de sua ama e os envolveu na toalha que tinha nos braços.

- Agora deixemo-la descansar, disse o moço.

- Ela corre algum risco?... perguntou a menina.

- Afirmo que acordará amanhã perfeitamente boa.

- Obrigada!

- Quer dar-me a honra de acompanhá-la até à sala? disse Augusto, oferecendo


a sua mão direita à bela Moreninha.

Ela não respondeu, mas olhou-o com gratidão, e aceitando o braço do


mancebo, deixou o quarto de Paula.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. Edição digital em PDF da


Biblioteca Nacional. p. 57. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/a_moreninha.pdf. Acesso
em: 21 abr. 2016.

Vocabulário:

mona: pileque, bebedeira.

Fim do vocabulário.

96
Neste fragmento de Memórias de um sargento de milícias, o assunto é
também um namoro.

TEXTO 2

O nascimento do herói

[...]

Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa,
sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando,
não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos
empossado*, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera
com ele no mesmo navio, não sei fazer o que, uma certa Maria da hortaliça,
quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O Leonardo,
fazendo-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal-apessoado, e
sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda
do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o
ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria,
como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e
deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão
esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra:
levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma
cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco
mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e
familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.

* Leonardo conseguira o emprego de meirinho, oficial de justiça.

Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos: foram os


dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da
pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável
menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo,
esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas
seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que
temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o
herói desta história.

[...]
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Edição
crítica de Cecília de Lara. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1973.
p. 6.

Vocabulário:

algibebe: mascate; vendedor ambulante de roupas;

saloio: camponês dos arredores de Lisboa;

maganão: malandro, maroto, trocista, brincalhão;

usos da terra: o substantivo terra refere-se a Portugal: costumes de Portugal;

enojo: enjoo.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

1. Compare os modos de apresentação dos personagens nos dois textos e


explique quais são as grandes diferenças observadas.

Resposta: Espera-se que os alunos observem a diferença do tom na


apresentação dos personagens (a solenidade da linguagem do narrador do
texto 1 e o tom descontraído e ligeiro do narrador do texto 2); a idealização dos
personagens no texto 1 (a delicadeza e a bondade de Carolina; o cavalheirismo
respeitoso de Augusto; o tratamento que utilizam um para o outro: Senhora,
Senhor) e a descrição realista e irônica, ressaltando traços caricaturais, no
texto 2.

2. As duas obras em questão apresentam quadros de costumes - A


Moreninha, situando a ação nos meados do século, durante o Segundo
Reinado, e Memórias de um sargento de milícias na segunda década, época
de D. João VI.

a) Quais são as diferenças entre o namoro de Augusto e Carolina e o de


Leonardo e Maria?

Resposta: Em A Moreninha, o namoro é cercado de convenções e interdições


(observe-se, ao final da cena, o respeitoso pedido de Augusto para
acompanhar Carolina até a sala); nas Memórias, é livre: ao descerem do
navio, Maria já estava grávida de Leonardo. A linguagem amorosa também é
muito diferente: cerimoniosa, para marcar a distância respeitosa entre os
namorados, em A Moreninha; franca, gestual e até agressiva nas Memórias.

b) Uma vez que os dois livros foram escritos na mesma época, com o intervalo
de menos de dez anos, quais seriam as razões dessas diferenças?

Resposta: Os alunos poderão apontar o fato de que, embora escritos na


mesma época, retratam tempos diferentes: nas Memórias, a história passa-se
no tempo de D. João VI, portanto entre 1808 e 1821; em A Moreninha, na
época do Segundo Reinado, mais de vinte anos depois. No entanto, a principal
razão é que os livros apresentam quadros de costumes de classes sociais
diferentes: as Memórias focalizam as camadas populares; A Moreninha, a
classe média alta.

97

Em tom de conversa

Discuta com seus colegas as seguintes questões:

1. A Moreninha foi uma das obras mais lidas no século XIX e sua popularidade
continuou no século seguinte. Foi adaptada para o cinema em 1915 (filme
mudo) e em 1970, e para telenovelas em 1965 e 1975. Considerando as
características do enredo e o trecho que você leu, como se pode explicar o
grande sucesso desse romance, sobretudo entre o público feminino do século
XIX? Por que suas adaptações para a televisão, nas décadas de 1960 e 1970,
foram destinadas ao horário das sete e das seis?

Resposta: Espera-se que os alunos levantem a hipótese de que o romance de


Macedo atendia ao gosto médio de leitores menos exigentes, sobretudo das
leitoras da época. Esse público buscava um entretenimento leve, em histórias
emocionantes que refletissem seus ideais de vida, seus sonhos e anseios. O
mesmo ocorre com o mundo cor-de-rosa das atuais novelas de televisão. O
horário das seis e o das sete são geralmente destinados a um público mais
jovem e feminino, na suposição de que ele se vê refletido nos personagens,
nos seus pequenos dramas de vida e nos seus casos amorosos.
2. No fragmento de Memórias de um sargento de milícias, o narrador afirma
que a "declaração em forma" entre os namorados ocorrera "segundo os usos
da terra". Ao descer do navio, Maria já apresentava os primeiros sintomas da
gravidez. Descontando os exageros - da idealização ou da sátira - dos textos,
qual dos dois tipos de "paquera" está mais próximo dos costumes de nosso
tempo? Exponha e explique sua opinião.

Resposta pessoal. Professor(a), o tema pode motivar uma boa discussão sobre
questões candentes como a liberdade sexual, a sexualidade responsável e a
gravidez indesejada.

NAVEGAR É PRECISO

Em 1966, a escola de samba Portela foi campeã do Carnaval carioca com o


enredo "Memórias de um sargento de milícias". O samba-enredo foi composto
por Paulinho daViola.

Era o tempo do rei

Quando aqui chegou

Um modesto casal

Feliz pelo recente amor

Leonardo, tornando-se meirinho

Deu a Maria Hortaliça um novo lar

Um pouco de conforto e de carinho

Dessa união, nasceu um lindo varão

Que recebeu o mesmo nome do seu pai

Personagem central da história

Que contamos neste carnaval

[...]

VIOLA, Paulinho da. Memórias de um sargento de milícias. Intérprete: Martinho


da Vila. In: MARTINHO DA VILA. Memórias de um sargento de milícias.
[S.l.]: RCA Victor, 1971. 1 disco sonoro. Faixa 11.

E MAIS...
Apresentação

Sob a orientação do(a) professor(a), participe de um dos quatro grupos de


leitura:

Grupo 1 - A Moreninha;

Grupo 2 - Memórias de um sargento de milícias;

Grupo 3 - Iracema: lenda do Ceará;

Grupo 4 - Lucíola.

Após a leitura, cada grupo deve preparar uma apresentação sobre a obra
abordando os seguintes tópicos:

· Temática principal.

· Tempo: época focalizada pela obra.

· Importância do espaço (físico e social).

· Personagens: protagonistas, antagonistas e secundários.

· Enredo: resumo, especificando o(s) conflito(s) principal(is), o ponto


culminante, a solução ou desenlace.

José de Alencar

Se, na década de 1840, coube a Joaquim Manuel de Macedo o papel de


pioneiro, nas décadas seguintes foi José de Alencar quem fixou e ampliou os
modelos do romance romântico brasileiro, diversificando seus temas e dando-
lhe uma qualidade literária superior.

Observando o conjunto de sua produção literária, temos a impressão de que


Alencar obedece a um sentimento de dever patriótico, como se cumprisse a
missão cívica de compor, num grande painel romanesco, o retrato da nova
nação. No prefácio "Bênção paterna" ao romance Sonhos d'ouro (1872), ele
faz um balanço de sua obra, procurando mostrar que ela abrange todas as
fases da vida brasileira.

Tradicionalmente, a crítica estabelece uma classificação para os romances de


José de Alencar, que pode ser vista na página seguinte:

98
1. Romances indianistas - dão continuidade à idealização do indígena,
iniciada na poesia. Exemplos: O guarani e Iracema.

2. Romances regionalistas - procuram apresentar as características mais


típicas das diversas regiões culturais do país. Exemplos: O gaúcho e O
sertanejo.

3. Romances históricos - seguindo os modelos do romance romântico


europeu, Alencar também busca temas para sua ficção em episódios de nossa
história colonial. Exemplo: As minas de prata.

4. Romances urbanos - ambientam-se na época do autor e retratam os


costumes da sociedade carioca do Segundo Reinado. Exemplos: Lucíola e
Senhora.

Obras de José de Alencar

Sua obra completa reúne vinte romances de desigual qualidade, entre os quais
duas obras-primas, Iracema e Senhora; seis peças de teatro; crônicas e
artigos de jornal; polêmicas literárias e políticas; discursos; pareceres jurídicos
e uma pequena autobiografia (Como e por que sou romancista).

LEITURA

Seixas

A um canto do aposento notava-se um sortimento de guarda-chuvas e


bengalas, algumas de muito preço. Parte destas naturalmente provinha de
mimos, como outras curiosidades artísticas, em bronze e jaspe, atiradas para
baixo da mesa, e cujo valor excedia de certo ao custo de toda a mobília da
casa.

Um observador reconheceria nesse disparate a prova material de completa


divergência entre a vida exterior e a vida doméstica da pessoa que ocupava
esta parte da casa.

Se o edifício e os móveis estacionários e de uso particular denotavam


escassez de meios, senão extrema pobreza, a roupa e os objetos de
representação anunciavam um trato de sociedade, como só tinham cavalheiros
dos mais ricos e francos da corte.
Esta feição característica do aposento repetia-se em seu morador, o Seixas,
derreado neste momento no sofá da sala, a ler uma das folhas diárias,
estendidas sobre os joelhos erguidos, que assim lhe servem de cômoda
estante.

É um moço que ainda não chegou aos trinta anos. Tem uma fisionomia tão
nobre quanto sedutora; belos traços, tez finíssima, cuja alvura realça a macia
barba castanha. Os olhos rasgados e luminosos às vezes coalham-se em um
enlevo de ternura, mas natural e estreme de afetação, que há de torná-los
irresistíveis, quando o amor os acende. A boca vestida por um bigode elegante
mostra o seu molde gracioso, sem contudo perder a expressão grave e sóbria,
que deve ter o órgão da palavra viril.

[...]

Apareceu à porta da escada uma pessoa, que deitou a cabeça a espiar,


dizendo:

- Mano, já acordou?

- Entra, Mariquinhas, respondeu o moço, do sofá.

CRÉDITO: Sebastião Augusto Sisson. Séc. XIX. Gravura. Fundação Biblioteca


Nacional, Rio de Janeiro

José Martiniano de Alencar (1829-1877)

José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará. Formado em


Direito em São Paulo, dividiu suas atividades entre a advocacia, o jornalismo e
a política, tendo sido deputado pela Província do Ceará e ministro da Justiça.
Candidato ao cargo de senador, foi o primeiro colocado numa lista sêxtupla, da
qual o Imperador deveria selecionar dois nomes. Não sendo escolhido,
desgostou-se da política e retirou-se da vida pública.

Como escritor, foi o principal prosador do Romantismo brasileiro, destacando-


se sobretudo pela fecundidade de sua imaginação.

99
A moça aproximou-se do sofá, reclinou-se para o irmão, que sem mudar de
posição cingiu-lhe o colo com o braço esquerdo atraindo-a a jeito de pousar-lhe
um beijo na face.

- Quer o seu café? perguntou Mariquinhas.

- Traze, menina.

Momentos depois voltou a moça com a xícara de café. Enquanto o irmão,


soerguendo o busto, sorvia aos goles a aromática bebida dos poetas sibaritas,
ela ia à alcova buscar um charuto de marca Pérola, e acendia um fósforo.

Todos estes pormenores praticava-os como quem tinha perfeito conhecimento


dos hábitos do irmão, e sabia por experiência que regalia não era o charuto
para fumar-se logo pela manhã, e depois do café.

Aceitava o indolente estes serviços como um sultão os receberia de sua almeia


favorita; de tão acostumado que estava, já não os agradecia, convencido de
que para a moça era uma fineza consentir que lhos prestasse.

ALENCAR, José de. Senhora. Edição crítica de José Carlos Garbuglio. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979. p. 25.

Vocabulário:

jaspe: pedra preciosa, variedade opaca de quartzo;

estreme: puro, não contaminado;

sibarita: que ou quem é dado aos prazeres físicos, à voluptuosidade e à


indolência, a exemplo dos antigos habitantes da cidade de Síbaris, na Magna
Grécia;

almeia: dançarina oriental; [figurado] diz-se da dançarina que se requebra com


indolência agradável.

Fim do vocabulário.

Em tom de conversa

1. Segundo Antonio Candido, "Alencar tem um golpe de vista infalível para o


detalhe expressivo" (leia o boxe "O que dizem os especialistas"). Faça um
levantamento dos detalhes observados pelo narrador na descrição do quarto
de Fernando Seixas e discuta com seus colegas o significado metonímico
desses detalhes.

Resposta: Detalhes significativos: a enumeração de objetos caros (guarda-


chuvas, bengalas, curiosidades artísticas em bronze e jaspe); o contraste entre
esses objetos e o valor da mobília da casa; a desarrumação (os objetos estão
atirados para baixo da mesa). Com essa descrição, o autor pretende mostrar a
duplicidade (o "disparate") do personagem, a "divergência entre a vida exterior
e a vida doméstica", ou seja, entre o estilo de vida esnobe que ele exibe na
sociedade e sua situação real, só observável na pobreza e desarrumação do
quarto.

2. Releia a apresentação da personagem Aurélia na página 90 ("Primeira


leitura", texto 2). Discuta com seus colegas as principais diferenças entre as
duas personagens - Aurélia e Mariquinhas.

Resposta: Espera-se que os alunos observem desde as diferenças mais


evidentes, como as sugeridas pelos nomes (o nome latino, sofisticado de
Aurélia e o apelido popular e doméstico do diminutivo Mariquinhas), a riqueza,
o requinte e a simplicidade etc., até as que exigem interpretação mais acurada,
como a altivez e a independência de Aurélia em relação aos homens, e a
quase anulação, submissão e subserviência de Mariquinhas.

3. Você já pode prever que Aurélia e Seixas formarão o casal em conflito ao


longo do romance. Com base no título do livro e na apresentação dos dois
personagens que você leu nos fragmentos do livro, discuta com seus colegas
como poderá ser esse conflito.

Resposta: A discussão poderá tomar diversos rumos e servirá para motivar a


leitura do livro. As hipóteses, com base nos índices das descrições lidas,
poderão girar em torno da quebra da altivez de Aurélia e de sua submissão a
Seixas, ou, ao contrário, da submissão deste, um dos "noivos em
disponibilidade", aos caprichos de Aurélia. Uma hipótese relevante é a de que,
por se tratar de uma obra romântica, esses conflitos, ao final, se resolvam na
harmonia do amor. Professor(a), aproveite o ensejo de todas essas discussões
para sugerir a leitura do livro.

PARA NÃO ESQUECER


Metonímia - É o emprego de uma palavra por outra, com base numa relação
de dependência ou contiguidade de sentidos (a parte pelo todo, o efeito pela
causa, o continente pelo conteúdo, o autor pela obra etc.). Assim, pela
expressão significado metonímico, queremos referir a intenção do autor de
representar as características da personalidade de Seixas por meio dos
detalhes descritivos do quarto.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Alencar tem um golpe de vista infalível para o detalhe expressivo, desde o


charuto aceso e a mão que apanha a cauda, até os frutos de um prato ou os
gestos comerciais do corretor. Em Sonhos d'Ouro, toda a acanhada modéstia
de Dona Joaquina se contém numa inesquecível manteigueira azul, cujo
conteúdo, nunca renovado, vai-se esvaindo até os lambiscos das bordas.

Mas é na atenção com a moda feminina que podemos avaliar todo o senso de
detalhes exteriores, que iluminam a personalidade ou os lances da vida. Balzac
foi porventura o inventor da moda no romance, o primeiro a perceber a sua
íntima associação com o próprio ritmo da vida social e a caracterização
psicológica. Alencar não denota a influência marcada do mestre francês
apenas na criação de mulheres cujo porte espiritual domina os homens, ou na
mistura do romanesco e da realidade. Denota-a principalmente na intuição da
vestimenta feminina, que aborda como elemento de revelação da vida interior
[...]. Em Senhora, um peignoir de veludo verde marca o âmbito máximo da
tensão entre os dois esposos.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos.


Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975. v. 2. p. 234.

100

E MAIS...

Roteiro de leitura coletiva

Prepare-se para participar de uma leitura coletiva. Sob a orientação do(a)


professor(a), os temas serão distribuídos entre os grupos de leitura.

Etapas:

1. Leitura individual do romance, fazendo anotações para a discussão do tema.


2. Discussão do tema atribuído ao grupo e preparo da apresentação das
conclusões em seminário.

3. Seminário - apresentação dos grupos e discussões.

4. A critério do(a) professor(a), produção de um trabalho escrito.

· Tema 1 - Organização do romance Senhora - significado dos títulos das


quatro partes, ordenação temporal, resumo do enredo.

· Tema 2 - Personagens de Senhora - personagens centrais: caracterização e


complexidade (contradições); personagens secundários: caracterização e
tipificação; antagonismos: personagens centrais x sociedade.

· Tema 3 - Aspectos realistas da obra - definição da temática; elementos de


crítica social; relação entre valores morais e valores mercadológicos.

· Tema 4 - Aspectos românticos da obra - idealização; análise da solução do


enredo (quarta parte: "Resgate").

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Na literatura brasileira, a prosa de ficção só tem início no Romantismo. Assim,


A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, é
considerado o primeiro romance não só dessa escola literária como também de
nossa literatura.

Compreende-se, então, que os prosadores românticos tenham assumido sua


produção literária com uma missão: preencher os vazios da representação
simbólica da identidade nacional. José de Alencar foi quem levou mais longe e
com maior qualidade estética esse "projeto". Seus romances indianistas,
regionalistas, históricos e urbanos exerceram grande influência em sua época e
são ainda referência obrigatória em nossa tradição.

Uma obra destaca-se no conjunto de nossa prosa romântica: as Memórias de


um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. O autor fugiu aos
padrões e chavões românticos, focalizando as classes populares e criando um
herói malandro que se tornou um modelo em nossa literatura.

Atividades

Escreva no caderno
Leia o texto e consulte o glossário à página 102 para responder às questões de
1 a 7.

Iracema: lenda do Ceará

Nasceu o dia e expirou.

Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Correm lentas e


silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da Lua, que esperam a volta da
mãe ausente.

Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua vontade
oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem loura dos castos
afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes amores.

Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos,


ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro e lhe entram n'alma. O cristão
sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o
lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro.

101

Já o estrangeiro a preme ao seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera,


para celebrar nesse ádito d'alma, o himeneu do amor.

No recanto escuro o velho Pajé, imerso em funda contemplação e alheio às


coisas deste mundo, soltou um gemido doloroso. Pressentira o coração o que
não viram os olhos? Ou foi algum funesto presságio para a raça de seus filhos,
que assim ecoou n'alma de Araquém?

Ninguém o soube.

O cristão repeliu do seio a virgem indiana. Ele não deixará o rasto da desgraça
na cabana hospedeira. Cerra os olhos para não ver; e enche sua alma com o
nome e a veneração de seu Deus:

- Cristo!... Cristo!...

Volta a serenidade ao seio do guerreiro branco, mas todas as vezes que seu
olhar pousa sobre a virgem tabajara, ele sente correr-lhe pelas veias uma onda
de ardente chama. Assim quando a criança imprudente revolve o brasido de
intenso fogo, saltam as faúlhas inflamadas que lhe queimam as faces.
Fecha os olhos o cristão, mas na sombra de seu pensamento surge a imagem
da virgem, talvez mais bela. Embalde chama o sono às pálpebras fatigadas;
abrem-se, malgrado seu.

Desce-lhe do céu ao atribulado pensamento uma inspiração:

- Virgem formosa do sertão, esta é a última noite que teu hóspede dorme na
cabana de Araquém, onde nunca viera, para teu bem e seu. Faze que seu
sono seja alegre e feliz.

- Manda; Iracema te obedece. Que pode ela para tua alegria?

O cristão falou submisso, para que não o ouvisse o velho Pajé:

- A virgem de Tupã guarda os sonhos da jurema que são doces e saborosos!

Um triste sorriso pungiu os lábios de Iracema:

- O estrangeiro vai viver para sempre à cintura da virgem branca; nunca mais
seus olhos verão a filha de Araquém, e ele já quer que o sono feche suas
pálpebras, e que o sonho o leve à terra de seus irmãos!

- O sono é o descanso do guerreiro, disse Martim; e o sonho a alegria d'alma.


O estrangeiro não quer levar consigo a tristeza da terra hospedeira, nem deixá-
la no coração de Iracema!

A virgem ficou imóvel.

- Vai, e torna com o vinho de Tupã.

Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem do
seio o vaso que ali trazia oculto sob a carioba de algodão entretecida de penas.
Martim lho arrebatou das mãos, e libou as gotas do verde e amargo licor.

Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava
entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar desse
amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.

O gozo era vida, pois o sentia mais forte e intenso; o mal era sonho e ilusão,
que da virgem não possuía senão a imagem.

Iracema afastara-se opressa e suspirosa.


Abriram-se os braços do guerreiro adormecido e seus lábios; o nome da virgem
ressoou docemente.

A juruti, que divaga pela floresta, ouve o terno arrulho do companheiro; bate as
asas, e voa a conchegar-se ao tépido ninho. Assim a virgem do sertão aninhou-
se nos braços do guerreiro.

Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que
dormiu no seio do formoso cacto. Em seu lindo semblante acendia o pejo vivos
rubores; e como entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio do sol, em
suas faces incendidas rutilava o primeiro sorriso da esposa, aurora de fruído
amor.

A jandaia fugira ao romper d'alva e para não tornar mais à cabana.

Vendo Martim a virgem unida ao seu coração, cuidou que o sonho continuava;
cerrou os olhos para torná-los a abrir.

A pocema dos guerreiros, troando pelo vale, o arrancou ao doce engano: sentiu
que já não sonhava, mas vivia. Sua mão cruel abafou no lábio da virgem o
beijo que ali se espanejava.

- Os beijos de Iracema são doces no sonho; o guerreiro branco encheu deles


sua alma. Na vida, os lábios da virgem de Tupã amargam e doem como o
espinho da jurema.

A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura. Ficou tímida e


inquieta, como a ave que pressente a borrasca no horizonte. Afastou-se rápida,
e partiu.

As águas do rio banharam o corpo casto da recente esposa.

Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.

ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Edição crítica de M. Cavalcanti


Proença. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Edusp,
1979. p. 12.

102

Vocabulário:

langue: lânguida, sensual;


saí: "lindo pássaro, do qual há várias espécies, sendo a mais graciosa a do
saixê, tanto pela plumagem como pelo canto" (nota do autor);

talhe: tronco, torso;

ádito: câmara secreta, lugar recôndito;

himeneu: casamento, festa de núpcias;

virgem tabajara; virgem de Tupã: Iracema era uma espécie de sacerdotisa, a


virgem sagrada de sua tribo;

sonhos da jurema: "com as folhas e outros ingredientes [da jurema]


preparavam os selvagens uma bebida, que tinha o efeito do haxixe, de produzir
sonhos tão vivos e intensos, que a pessoa sentia com delícias e como se
fossem realidade as alucinações agradáveis da fantasia excitada pelo
narcótico. A fabricação desse licor era um segredo, explorado pelos pajés, em
proveito de sua influência" (nota do autor);

à cintura da virgem: "os indígenas chamavam a amante possuída aguaçaba;


de aba - homem, cua - cintura, çaba - coisa própria; a mulher que o homem
cinge ou traz à cintura. Fica, pois, claro o pensamento de Iracema" (nota do
autor);

carioba: camisa de algodão;

libar: beber;

jandaia: periquito ou maritaca amarela, de dorso verde e asas azuladas;

pocema: grito de guerra, grande alarido.

Fim do vocabulário.

1. Como na "Canção do exílio", de Gonçalves Dias, encontramos no terceiro


parágrafo do texto a oposição entre os advérbios aqui e lá. Como se
diferenciam as situações vividas pelo personagem Martim e o sujeito lírico da
"Canção do exílio"?

Resposta: O sujeito lírico da canção exprime suas saudades do Brasil por estar
"exilado" do país; Martim tem saudades de Portugal por estar no Brasil, mas
sente-se dividido entre o amor que deixou na terra natal e o amor que
encontrou na terra do exílio.
2. Ainda no mesmo parágrafo, a oposição completa-se pela caracterização de
dois ideais românticos de mulher. Em que se assemelham e em que se
diferenciam esses estereótipos?

Resposta: Eles correspondem à mulher europeia e à mulher americana. Ambas


são virgens, mas a primeira é loura e casta, ao passo que a segunda é morena,
de "ardentes amores".

3. A preocupação com a cor local constitui uma das principais manifestações


do nacionalismo romântico. Em Iracema, a linguagem poética é um verdadeiro
canto de exaltação à paisagem tropical. Mesmo a caracterização dos
personagens se faz sempre por meio de analogias que idealizam uma perfeita
harmonia entre o homem e a natureza. Transcreva do texto três analogias
entre o comportamento ou as características dos personagens e os elementos
da natureza tropical.

Resposta: Alguns exemplos: "ternos olhos de sabiá"; "como o saí, fascinado


pela serpente, vai declinando o lascivo talhe"; "o beijo, que ali viçava entre
sorrisos, como o fruto na corola da flor"; "A juruti, que divaga pela floresta, ouve
o terno arrulho do companheiro; bate as asas, e voa a conchegar-se ao tépido
ninho. Assim a virgem do sertão aninhou-se nos braços do guerreiro"; "ainda
achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso
cacto"; "Na vida, os lábios da virgem de Tupã amargam e doem como o
espinho da jurema".

4. Ao narrar o beijo de Iracema e Martim, o narrador pergunta se Araquém teria


tido algum "presságio para a raça de seus filhos". Explique que presságio seria
esse.

Resposta: O pajé poderia estar antevendo o futuro dos índios, dominados,


aculturados ou mesmo exterminados pela ação colonizadora dos europeus.

5. Iracema segue as convenções românticas das novelas de psicologia


amorosa: os amantes são postos à prova e devem lutar contra os interditos que
se colocam à sua união.

a) Releia os parágrafos de 8 a 11 e explique o conflito vivido por Martim.


Resposta: Martim vive o conflito entre a realização do impulso amoroso e a
conservação de sua honra. Ele deseja Iracema ardentemente, mas sua
condição de hóspede de Araquém o obriga a respeitá-la.

b) Por que Iracema não pode unir-se a Martim?

Resposta: Ela é a "virgem de Tupã", guardiã do segredo da jurema; sua


condição de virgem era sagrada. Além disso, Martim é aliado dos pitiguaras e,
portanto, inimigo dos tabajaras. Unindo-se a ele, ela trairia duplamente o seu
povo.

6. Para fugir ao seu dilema, Martim pede que ela lhe dê os "sonhos da jurema".
Explique a decepção de Iracema.

Resposta: Ela também o ama e deseja. Enciumada, pensa que Martim quer
transportar-se em sonho a Portugal, onde está a virgem branca.

7. A jandaia era a companheira inseparável de Iracema. Explique o significado


simbólico de sua fuga, considerando o contexto em que ela ocorre.

Resposta: A fuga da jandaia representa a ruptura da harmonia entre Iracema e


a natureza, pois a virgem de Tupã traiu sua função sagrada ao entregar-se a
Martim.

Leia o texto a seguir para responder às questões 8 e 9. Trata-se de um


fragmento de um dos capítulos iniciais de O guarani, de José de Alencar. Peri,
o herói do romance, empreende a caçada de uma onça, apenas para satisfazer
a curiosidade de sua amada Cecília, que nunca vira de perto esse animal ainda
vivo.

Caçada

[...]

O tigre tinha-se voltado ameaçador e terrível, aguçando os dentes uns nos


outros, rugindo de fúria e vingança: de dois saltos aproximou-se novamente.

Era uma luta de morte a que ia se travar; o índio o sabia, e esperou


tranquilamente, como da primeira vez; a inquietação que sentira um momento
de que a presa lhe escapasse, desaparecera: estava satisfeito.
Assim, estes dois selvagens das matas do Brasil, cada um com as suas armas,
cada um com a consciência de sua força e de sua coragem, consideravam-se
mutuamente como vítimas que iam ser imoladas.

O tigre desta vez não se demorou; apenas se achou a coisa de quinze passos
do inimigo, retraiu-se com uma força de elasticidade extraordinária e atirou-se
como um estilhaço de rocha, cortada pelo raio.

Foi cair sobre o índio, apoiado nas largas patas de detrás, com o corpo direito,
as garras estendidas para degolar a sua vítima, e os dentes prontos a cortar-
lhe a jugular.

A velocidade deste salto monstruoso foi tal que, no mesmo instante em que
viram brilhar entre as folhas os reflexos negros de sua pele azevichada, já a
fera tocava o chão com as patas.

Mas tinha em frente um inimigo digno dela, pela força e agilidade.

103

Como a princípio, o índio havia dobrado um pouco os joelhos, e segurava na


esquerda a longa forquilha, sua única defesa; os olhos sempre fixos
magnetizavam o animal. No momento em que o tigre se lançava, curvou-se
ainda mais, e fugindo com o corpo apresentou o gancho. A fera, caindo com a
força do peso e a ligeireza do pulo, sentiu o forcado cerrar-lhe o colo, e vacilou.

Então, o selvagem distendeu-se com a flexibilidade da cascavel ao lançar o


bote: fincando os pés e as costas no tronco, arremessou-se e foi cair sobre o
ventre da onça, que, subjugada, prostrada de costas, com a cabeça presa ao
chão pelo gancho, debatia-se contra o seu vencedor, procurando debalde
alcançá-lo com as garras.

Esta luta durou minutos; o índio, com os pés apoiados fortemente nas pernas
da onça, e o corpo inclinado sobre a forquilha, mantinha assim imóvel a fera,
que há pouco corria a mata não encontrando obstáculos à sua passagem.

Quando o animal, quase asfixiado pela estrangulação, já não fazia senão uma
fraca resistência, o selvagem, segurando sempre a forquilha, meteu a mão
debaixo da túnica e tirou uma corda de ticum que tinha enrolada à cintura em
muitas voltas.
Nas pontas desta corda havia dois laços que ele abriu com os dentes e passou
nas patas dianteiras ligando-as fortemente uma à outra; depois fez o mesmo às
pernas, e acabou por amarrar as duas mandíbulas, de modo que a onça não
pudesse abrir a boca.

ALENCAR, José de. O guarani. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 28. Edição
digital.

8. Compare as atitudes da onça e do selvagem enquanto se preparam para a


luta.

Resposta: As atitudes são opostas. O narrador estabelece um contraste entre a


excitação feroz da onça, sua terrível e impaciente disposição para o ataque, e a
tranquilidade do índio, cujo único temor era que a presa lhe escapasse.

9. Releia o terceiro parágrafo do texto. Com base nele e no desfecho da luta


travada entre Peri e a onça, explique a idealização do índio realizada por
Alencar e pelos indianistas românticos.

Resposta: No terceiro parágrafo o índio e a onça são igualados como


manifestações da natureza selvagem. Mas ele não age apenas por instinto; à
sua força, coragem e agilidade soma-se a inteligência humana. Por isso ele
sobrepuja a natureza e se torna uma espécie de invencível super-homem.

10. Ao criticar a idealização romântica do índio brasileiro, Monteiro Lobato toma


Peri como exemplo:

Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava


Rousseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a
ombro com altos tipos civilizados, a todos sobreleva em beleza d'alma e corpo.

Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real,


feio e brutesco, anguloso e desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de
arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.

LOBATO, Monteiro. Urupês. In: _____. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1985.
p. 145.

Você concorda com a crítica de Lobato? Justifique sua resposta.


Resposta pessoal. Espera-se que o aluno perceba que, se de um lado é
correta a crítica à idealização romântica do índio, a descrição do "selvagem
real" por Lobato é preconceituosa. Essa descrição está longe de ser científica,
etnológica, por estar vincada por um padrão estético de beleza europeu e por
desconsiderar a ação destruidora do homem branco no processo de
aculturação imposto ao índio ao longo da história.

11. (Enem/MEC)

"Ele era o inimigo do rei", nas palavras de seu biógrafo, Lira Neto. Ou, ainda,
"um romancista que colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou
inventando o Brasil". Assim era José de Alencar (1829- 1877), o conhecido
autor de O guarani e Iracema, tido como o pai do romance no Brasil. Além de
criar clássicos da literatura brasileira com temas nativistas, indianistas e
históricos, ele foi também folhetinista, diretor de jornal, autor de peças de
teatro, advogado, deputado federal e até ministro da Justiça. Para ajudar na
descoberta das múltiplas facetas desse personagem do século XIX, parte de
seu acervo inédito será digitalizada.

História Viva, n. 99, 2011.

Com base no texto, que trata do papel do escritor José de Alencar e da futura
digitalização de sua obra, depreende-se que:

a) a digitalização dos textos é importante para que os leitores possam


compreender seus romances.

b) o conhecido autor de O guarani e Iracema foi importante porque deixou


uma vasta obra literária com temática atemporal.

c) a divulgação das obras de José de Alencar, por meio da digitalização,


demonstra sua importância para a história do Brasil Imperial.

d) a digitalização dos textos de José de Alencar terá importante papel na


preservação da memória linguística e da identidade nacional.

e) o grande romancista José de Alencar é importante porque se destacou por


sua temática indianista.

Resposta: Alternativa d.
104

capítulo 6 - O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo

Neste capítulo, vamos nos dedicar às Escolas Realistas da segunda metade do


século XIX, comparando-as com o Romantismo, mostrando as diferenças e
semelhanças entre elas, apontando seu surgimento na Europa, sua passagem
por Portugal e, enfim, o que representaram para a ainda jovem literatura
brasileira de então.

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

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· CASTRO, Rui. Bilac vê estrelas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

· SANTOS, Joel Rufino dos. Claros sussurros de celestes ventos. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

Vídeo

· O REALISMO - movimento literário artístico no Brasil. Produção: Vou lhe


dizer. Videoclipe de rap (3min5s). Disponível em: http://tub.im/v5tfk4. Acesso
em: 21 abr. 2016.

Música

· ROSA, Noel; BARBOSA, Orestes. Positivismo. Intérprete: Noel Rosa. In:


_____. Noel pela primeira vez. São Paulo: Galeão Novodisc, 2002. 14 CDs.
Vol. 7. Faixa 12. Disponível em: http://tub.im/ebs5in. Acesso em: 21 abr. 2016.

105

Atenção Professor(a), a atividade da seção "É mais...", da página 110, requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

Você vai realizar um exercício de leitura comparativa de obras pictóricas


bastante representativas do estilo que acabou de estudar - o Romantismo - e
do estilo que será abordado neste capítulo - o Realismo. Relembre o que
aprendeu sobre o Romantismo, a fim de conseguir antecipar conclusões sobre
o Realismo, considerando que ambos se relacionam por meio de oposição.

PINTURA 1

LEGENDA: O enterro de Atala (1808), de Anne-Louis Girodet.

CRÉDITO: Anne-Louis Girodet. 1808. Óleo sobre tela, 210 × 267 cm. Museu do
Louvre, Paris

PINTURA 2

LEGENDA: Enterro em Ornans (1850), de Gustave Courbet.

CRÉDITO: Gustave Courbet. 1850. Óleo sobre tela, 314 × 663 cm. Museu
d'Orsay, Paris

106

Em tom de conversa

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

Observe detalhadamente as reproduções das telas e comente com seus


colegas:

1. Qual delas lhe parece mais expressiva? Por quê?

Resposta pessoal.

2. Embora sejam bastante diferentes, as pinturas apresentam uma temática


semelhante. Qual é essa temática?

Resposta: A temática da morte, do sepultamento.

3. Compare os títulos de ambas as pinturas e relacione-os aos elementos nelas


retratados. Em que aspecto eles se diferenciam?

Resposta: Enquanto o título da pintura 1 se refere a um enterro em especial (O


enterro de Atala), o título da pintura 2 indetermina de quem é o enterro,
mencionando apenas o lugar onde ele ocorre (Enterro em Ornans), o que o
torna, assim, mais corriqueiro.

4. Uma das pinturas é romântica e a outra realista. Em sua opinião, qual delas
é romântica? Dê uma justificativa para a sua resposta.
Resposta: A primeira pintura é romântica, pois apresenta Atala, a heroína
morta, de maneira individualizada, centralizada e repleta de dramaticidade.

5. E quanto à pintura realista, quais são os elementos contrastantes com os


verificados na pintura romântica?

Resposta: A cena da pintura 2 é representada como um acontecimento que faz


parte da vida cotidiana e coletiva, pois vários personagens exemplificam o
comparecimento, no enterro, de uma comunidade, com suas diversas classes e
funções sociais.

Releitura

Escreva no caderno

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

1. A pintura 1 foi elaborada com base em uma cena do romance Atala, do


escritor romântico Chateaubriand, enquanto a pintura 2, segundo palavras do
próprio autor, representa ironicamente o enterro do Romantismo.

a) Relacionando tema e forma, explique por que podemos considerar a pintura


1 um exemplo de idealização romântica.

Resposta: Ao dar à cena da amada morta um tom solene, que se aproxima do


sublime, a pintura exemplifica a idealização romântica do amor, em geral
marcada pela impossibilidade de realização concreta.

b) A pintura 2 caracteriza-se por um tipo de representação que podemos


chamar de verista. Entre os elementos indicados a seguir, identifique aquele
que não contribui para construir esse "efeito de realidade".

· Tema extraído da realidade.

· Cenário da pintura: cidade natal de Courbet (Ornans).

· Intenção documental.

· Presença de personagens verídicos, que posaram como modelos.

· Ausência de representação das diversas classes sociais.

Resposta: Ausência de representação das diversas classes sociais.


c) Em sua opinião, o verismo da pintura torna-a feia, vulgar? Por quê?

Resposta pessoal.

Verismo - [...] 1. teoria segundo a qual a rígida representação da verdade e da


realidade é essencial à arte e à literatura, as quais devem, portanto, incluir
também o feio e o vulgar; 2. o uso do dia a dia em obras artísticas.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.


Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1 CD-ROM.

2. A pintura 1 apresenta um cenário sombrio, uma caverna fechada e escura,


que contrasta com uma luz intensa, mas distante, dirigindo o olhar do
observador para o personagem morto. A presença marcante de contrastes e
oposições, como escuro/claro, interior/exterior, morte/vida acentua qual
característica a seguir, tipicamente romântica?

a) Exotismo.

b) Emocionalismo.

c) Nacionalismo.

Resposta: Alternativa b.

107

LEITURA

Em companhia de seus colegas, leia e releia o soneto "Mais luz!", de Antero de


Quental, relacionando-o com as pinturas estudadas e aprofundando as suas
descobertas sobre o Realismo.

Mais luz!

Amem a noite os magros crapulosos,

E os que sonham com virgens impossíveis,

E os que se inclinam, mudos e impassíveis,

À borda dos abismos silenciosos...

Tu, Lua, com teus raios vaporosos,

Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,


Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis

Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,

E o meio-dia, em vida refervendo,

E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,

Seja-me dado ainda ver, morrendo,

O claro Sol, amigo dos heróis!

QUENTAL, Antero de. In: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através


dos textos. São Paulo: Cultrix, 1998. p. 351-352.

Vocabulário:

crapuloso: libertino, devasso;

inextinguível: que não pode desaparecer, que não pode esgotar-se, acabar.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

1. Na pintura de Courbet, há uma luminosidade que vem do céu, parecendo


anunciar a chegada da luz do sol, em oposição às "trevas românticas". Que
passagens do poema podem ser relacionadas com essa luminosidade?
Explique.

Resposta: Tanto o título quanto os dois tercetos do poema fazem a apologia à


luz do sol, do dia, que simboliza o racionalismo defendido pelos realistas, em
oposição ao emocionalismo romântico, simbolizado pela noite.

2. No poema há figuras de linguagem e outros procedimentos retóricos que lhe


garantem beleza e expressividade. Seguindo o modelo apresentado, explique o
efeito que produzem os recursos indicados nos itens a seguir. Exemplo:
· Antítese

"Amem a noite os magros crapulosos,"

"Eu amarei a santa madrugada,"

Efeito expressivo: realçar o contraste entre o Romantismo e o Realismo, em


defesa do segundo contra o primeiro.

Resposta: "Tu, Lua, com teus raios vaporosos, / Cobre-os, tapa-os e torna-os
insensíveis, / Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis / Como aos longos
cuidados dolorosos!" Efeito expressivo: a personificação da Lua permite que se
torne interlocutora do eu lírico.

a) Prosopopeia ou personificação.

b) Função conativa da linguagem (expressa ordem, pedido, conselho).

Resposta pessoal.

Atenção Professor(a), os alunos poderão citar como exemplo a segunda


estrofe. Efeito expressivo: ao pedir à Lua que proteja os poetas românticos de
seus vícios e sofrimentos, o eu lírico os trata de modo irônico, pois torna a Lua
- uma das principais confidentes dos românticos - aliada dos interesses dos
realistas. Fim da observação.

108

Antero de Quental (1842-1891)

Nasceu nos Açores (Ponta Delgada). Estudou Direito em Coimbra, onde cedo
se tornou o líder dos estudantes que constituiriam a chamada Geração
Materialista ou Geração de 70, que implantou o Realismo em Portugal. Em
1865, com Teófilo Braga e outros escritores, deflagrou a Questão Coimbrã e
publicou Odes modernas, considerada a principal obra da poesia realista
portuguesa. Mais tarde, ligou-se a membros avançados do Movimento
Proletário Internacional e procurou incansavelmente instaurar o pensamento
socialista em seu país, decepcionando-se a cada tentativa. A última delas foi
em 1890, quando se filiou à liga patriótica do Norte, na ocasião do Ultimatum
inglês. Com mais esse malogro, e já doente, entregou-se a um pessimismo
doentio que o levou ao suicídio.
LEGENDA: Antero de Quental

CRÉDITO: Columbano Bordalo Pinheiro. 1889. Óleo sobre tela. Museu


Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, Lisboa

Comentário

As pinturas e o texto que você interpretou evidenciam alguns contrastes


significativos entre a visão realista e a visão romântica da realidade. Para os
românticos, o heroísmo, a dramaticidade e o escapismo são reações de
pessoas originais, complexas e profundas à superficialidade prosaica da vida
cotidiana. Para os realistas, essas mesmas características revelam
temperamentos fracos, vidas excessivamente idealistas.

O Romantismo e o Realismo são grandes correntes estético-literárias que se


desenvolveram ao longo do século XIX. Enquanto o Romantismo ocorreu
durante a primeira metade desse século, o Realismo surgiu na segunda, como
vimos, em oposição ao Romantismo.

Vamos estudar o Realismo e sua vertente denominada Naturalismo,


começando nosso trabalho com a apresentação da Geração Materialista.

A GERAÇÃO MATERIA LISTA

Desenvolvida entre 1870 e 1900, a chamada Geração Materialista é formada


por um grupo de intelectuais que domina todos os campos do saber,
desencadeando um forte movimento científico e filosófico, de cunho
marcadamente racionalista.

A influência dessa geração domina o cenário intelectual da segunda metade do


século XIX. Suas descobertas centralizam-se nos avanços das ciências
biológicas e físico-químicas, as quais passam a constituir os grandes
parâmetros de explicação da realidade e do comportamento humano.

Nesse contexto, as ciências sociais, que assumem uma posição de liderança,


utilizam métodos e princípios provenientes das ciências naturais.

O suporte intelectual da Geração Materialista ou Geração de 70

· O positivismo de Auguste Comte (Sistema de filosofia positiva, 1850)


Só devem ser considerados relevantes os fatos positivos, ou seja, aqueles
passíveis de análise científica.

· O determinismo histórico e geográfico de Hippolyte Adolphe Taine

O comportamento humano, a ser representado pela obra de arte, é


determinado por três fatores: meio, raça e momento histórico.

· O evolucionismo de Charles Darwin (A origem das espécies, 1859)

No processo de evolução das espécies, há uma seleção natural que leva os


mais aptos a terem maior chance de sobreviver.

109

· O socialismo utópico de Pierre-Joseph Proudhon e o socialismo


científico de Karl Marx e Friedrich Engels

Na luta de classes, o poder burguês tende a ser superado pela revolução


proletária.

· A negação do Cristianismo de Ernest Renan

A crença nas explicações científicas sobre a origem do Universo substitui as


crenças religiosas, sobretudo em relação ao Cristianismo.

O SURGIMENTO DAS ESCOLAS REALISTAS

As Escolas Realistas constituem as tendências estéticas que correspondem às


novas ideias. Elas compreendem três estilos essencialmente antirromânticos e
antiburgueses: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. Embora
apresentem traços específicos, que os diferenciam, esses estilos aproximam-
se por constituírem uma reação contra o Romantismo, cujas formas estavam
desgastadas.

A França, que concentrou as grandes revoluções europeias do século XIX, foi


também o palco onde surgiram as Escolas Realistas, anunciadas desde a fase
final do Romantismo, marcadas por uma postura de intervenção crítica, de
caráter social.

O processo de passagem do Romantismo ao Realismo tem como fio condutor


as "narrativas de costumes burgueses", realizadas por romancistas do porte de
Honoré de Balzac (1799-1850), criador de A comédia humana, e Stendhal,
pseudônimo literário de Henri Beyle (1783-1842), que escreveu, entre outros
trabalhos, O vermelho e o negro e A cartuxa de Parma.

Em sentido estrito, Romantismo e Realismo são, como vimos, as grandes


correntes estético-literárias que se desenvolveram ao longo do século XIX.

LEGENDA: Música no Jardim das Tulherias (1862), de Édouard Manet.

CRÉDITO: Édouard Manet. 1862. Óleo sobre tela, 76,2 × 118,1 cm. Galeria
Nacional, Londres

FIQUE SABENDO

A Europa na segunda metade do século XIX

Na segunda metade do século XIX, a Europa apresenta como principal


característica sociopolítica e econômica a consolidação do poder burguês,
tanto em termos ideológicos (o liberalismo político) quanto em termos
produtivos (o liberalismo econômico).

Esse quadro significa, na prática, a aceleração vertiginosa do sistema


capitalista, fundamentalmente decorrente do avanço industrial, impulsionado
pelo desenvolvimento da ciência. Destacam-se as descobertas que garantiram
o expressivo aumento da velocidade das comunicações: máquinas a vapor
imprimem novos ritmos ao sistema de locomoção; novas formas de impressão
tornam mais ágeis a circulação de livros e jornais.

Esboçam-se assim os alicerces da sociedade moderna: a mecanização do


mundo e da vida, intensificada pela aceleração das disputas internacionais em
torno dos mercados consumidores.

Contrariando antigos ideais revolucionários, o domínio burguês marginaliza a


maior parte da população, o que exacerba tensões sociais e políticas,
representadas sobretudo pelo surgimento do proletariado urbano como nova
classe que se organiza contra os abusos do modelo burguês-capitalista.

A década de 1860 é marcada por movimentos reivindicativos contra o excesso


de trabalho e a precariedade de salários. As manifestações se alastram por
toda a Europa, culminando com a Comuna de Paris, de 1871, uma sangrenta
tentativa de a classe proletária tomar o poder político.
110

Você já sabe que o Romantismo se caracteriza fundamentalmente pela ideia


de liberdade, entendida como libertação da subjetividade, dos sentimentos, da
imaginação criadora, da fantasia, e, consequentemente, de libertação das
regras clássicas que condicionavam a criação literária.

Já o Realismo baseia-se nas ideias de racionalidade e objetividade, propondo


retratar fielmente a vida contemporânea (a sociedade burguesa e seus
valores), para desnudá-la, criticá-la, transformá-la.

As propostas realistas exigem um tipo de representação fotográfica da


realidade, que se dá por meio de descrições detalhistas, baseadas em
impressões sensíveis. Por isso, a nova escola domina, sobretudo, as artes
plásticas - pintura e escultura - e a literatura.

Veja os principais representantes das Escolas Realistas:

· Nas artes plásticas, destaca-se a pintura de Gustave Courbet e de Edouard


Manet.

· Na literatura, escandalizam o público a prosa de Champfleury, Gustave


Flaubert, Jules e Edmond de Goncourt, Guy de Maupassant e Émile Zola; e a
poesia de Théophile Gautier, Charles Baudelaire, Leconte de Lisle e Théodore
de Banville.

O surgimento das Escolas Realistas na Europa

CRÉDITO: Capa do livro Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Séc. XIX

· Realismo (1857) - publicação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, obra


que tematiza o adultério feminino e questiona os males do casamento, visto
como instituição burguesa. Sua publicação provoca uma sucessão de
escândalos que culmina com um processo judicial contra o autor.

· Naturalismo (1880) - publicação de O romance experimental, de Émile


Zola, obra em que o autor defende a aproximação entre o método do escritor e
o método do cientista, trazendo o rigor e a experimentação da ciência
positivista e determinista para o campo da literatura.
· Parnasianismo (1866, 1871, 1876) - publicação de três antologias poéticas
denominadas Le Parnasse contemporain com poemas representativos do
estilo parnasiano, que se desenvolveu especialmente no campo da poesia e
pregava um ideal de perfeição formal e estilística.

E MAIS...

Discussão

Leia atentamente os conceitos genéricos de Romantismo e Realismo


apresentados a seguir.

Romantismo versus Realismo

Os termos Realismo e Romantismo são usados, na literatura e nas artes em


geral, com dois sentidos.

Em sentido amplo, podemos considerar o Romantismo (ênfase na fantasia) e o


Realismo (ênfase no mundo real) como as duas tendências básicas do fazer
estético que sempre coexistem numa obra, já que a tensão entre fantasia e
realidade caracteriza esse fazer. No entanto, uma das tendências
invariavelmente predomina sobre a outra, de acordo com o momento histórico-
cultural e literário em que a obra foi produzida.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

A designação de Realismo, dada a esse movimento, é inadequada, pois o


realismo ocorre em todos os tempos como um dos polos da criação literária,
sendo a tendência para reproduzir nas obras os traços observados no mundo
real - seja nas coisas, seja nas pessoas e nos sentimentos. Outro polo é a
fantasia, isto é, a tendência para inventar um mundo novo, diferente e muitas
vezes oposto ao mundo real.

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura


brasileira: do Romantismo ao Simbolismo. São Paulo: Difel, 1978. p. 94.

111

Com base nessa leitura, discuta com seus colegas:

1. Com qual dos dois polos da criação literária e artística você sente maior
afinidade? Por quais razões? Exemplifique sua resposta com músicas, filmes,
revistas em quadrinhos, programas de TV ou outros tipos de manifestação
cultural de que goste.

Resposta pessoal.

2. Você acha que as posições romântica e realista diante da vida são


necessariamente excludentes ou, como na arte, podem ser complementares,
desde que se mobilize o conceito de predominância? Justifique.

Resposta pessoal.

O Realismo-Naturalismo em Portugal

A Questão Coimbrã (1865) e as Conferências do Cassino Lisbonense (1871)


são os principais eventos que desencadearam o Realismo-Naturalismo em
Portugal.

A Questão Coimbrã foi uma polêmica que se estabeleceu entre os românticos,


que defendiam o status quo literário, e os jovens revolucionários de Coimbra,
entre os quais se destacam Antero de Quental, Teófilo Braga e Eça de Queirós.

Em 1871, as Conferências do Cassino Lisbonense consolidam o projeto


literário, filosófico e político proposto pelos jovens coimbrãos de 1870, que
queriam modernizar o país, ligando-o aos objetivos e projetos da Geração
Materialista.

Nesse contexto, a poesia e a prosa convertem-se em armas de ação, em


formas de engajar o escritor na luta social de seu tempo, em modos
privilegiados de tentar superar o provincianismo da mentalidade portuguesa.

A preocupação com a reforma da sociedade portuguesa, por meio da


concepção da literatura como um "espelho" que deveria refletir as contradições
sociais, sintetiza a inserção do Realismo naturalista no país. Trata-se, enfim, do
retrato, da análise e da crítica das principais instituições sociais representativas
da sociedade burguesa, com a finalidade de demonstrar que essa classe
estava fracassada como regime político-social, e se encontrava, por isso, em
declínio.

Enquanto a escolha do casamento, visto como estrutura básica do sistema


burguês, torna-se um dos temas preferenciais do Realismo, a insistência no
adultério feminino manifesta alguns elementos típicos do Naturalismo,
presentes no movimento. Trata-se da visão determinista segundo a qual a
mulher reduz-se à condição de fêmea, submissa aos instintos e às influências
ambientais.

Além da família em decomposição, outros pilares da ordem social então


vigentes, tais como o clero e a aristocracia, são escolhidos como alvos e
dissecados em seus vícios e hipocrisias.

Eça de Queirós (1845-1900)

Nascido em Póvoa do Varzim, Eça de Queirós formou-se em Direito pela


Universidade de Coimbra. Participou ativamente do processo de criação do
Realismo português. Além de suas obras pragmáticas sobre o novo estilo,
como Prosas bárbaras (1905), fez parte do grupo O Cenáculo (1869) e foi um
dos membros responsáveis pelas Conferências do Cassino Lisbonense (1871).
Em Leiria, onde se preparou para a carreira diplomática, escreveu O crime do
padre Amaro, obra que inaugura oficialmente o Realismo-Naturalismo em
Portugal.

Principais obras de Eça de Queirós

Considerado um dos maiores prosadores em língua portuguesa, Eça de


Queirós é o criador de uma vasta obra que pode ser dividida em três fases:

112

· Primeira fase: literatura impregnada de romantismo social, com forte


influência de Victor Hugo.

Obras: O mistério da estrada de Sintra (1871 - espécie de romance policial


realizado em parceria com Ramalho Ortigão); As farpas (colaborações num
jornal satírico dirigido por Ramalho Ortigão, e mais tarde reunidas no título
Uma campanha alegre - 1890-1891); Prosas bárbaras (1905).

· Segunda fase: adesão ao Naturalismo, preservando a densidade artística do


escritor, na precisão com que cria retratos da sociedade portuguesa e também
na originalidade, fluência e vigor narrativo.

Obras: os famosos "romances de tese", de "inquérito da vida portuguesa", por


meio do combate às suas principais instituições: a Igreja - O crime do padre
Amaro (1875); a burguesia - O primo Basílio (1878); e a aristocracia - Os
Maias (1888).

· Terceira fase: meditação filosófica e esperançosa em valores humanos e


espirituais. Plena maturidade artística.

Obras: A ilustre casa de Ramires (1900); Correspondência de Fradique


Mendes (1900); e A cidade e as serras (1901).

LEITURA

Leia atentamente a opinião de Machado de Assis, o principal representante do


Realismo brasileiro, sobre O crime do padre Amaro, de Eça de Queirós (texto
1). Em seguida, leia um trecho desse romance (texto 2) e responda às
questões propostas.

TEXTO 1

[...] O crime do padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do


Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de
Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do
L'Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem
defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é
homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu,
que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que
penso [...].

Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação d'O crime do padre Amaro. [...]
Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações,
sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que
aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição
acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e
servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro [...]
em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e
relacionados com uma exação de inventário. [...] Porque a nova poética é isto,
e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de
que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. [...]
ASSIS, Machado de. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar,
1962. v. 3. p. 903-904.

Vocabulário:

L'Assommoir: A taverna, romance naturalista de Émile Zola;

camartelo: instrumento semelhante ao martelo; qualquer instrumento ou objeto


usado para quebrar, demolir, bater repetidamente;

escuso: suspeito, ilícito;

torpe: que contraria ou fere os bons costumes, a decência, a moral;

exação: exigência.

Fim do vocabulário.

113

TEXTO 2

O crime do padre Amaro (fragmento)

[...] Ela concordou logo - como em tudo que saía dos seus lábios. Desde a
primeira manhã, na casa do tio Esguelhas, ela abandonara-se-lhe
absolutamente, toda inteira, corpo, alma, vontade e sentimento: não havia na
sua pele um cabelinho, não corria no seu cérebro uma ideia, a mais pequenina,
que não pertencesse ao senhor pároco. Aquela possessão de todo o seu ser
não a invadira gradualmente; fora completa, no momento em que os seus
fortes braços se tinham fechado sobre ela. Parecia que os beijos dele lhe
tinham sorvido, esgotado a alma: agora era como uma dependência inerte da
sua pessoa. E não lho ocultava: gozava em se humilhar, oferecer-se sempre,
sentir-se toda dele, toda escrava; queria que ele pensasse por ela e vivesse
por ela; descarregara-se-lhe nele, com satisfação, daquele fardo da
responsabilidade que sempre lhe pesara na vida; os seus juízos agora vinham-
lhe formados do cérebro do pároco, tão naturalmente como se saísse do
coração dele o sangue que lhe corria nas veias. [...] Vivia com os olhos nele,
numa obediência de animal: tinha só a curvar-se quando ele falava, e quando
vinha o momento de desapertar o vestido.
Amaro gozava prodigiosamente esta dominação; ela desforrava-o de todo um
passado de dependências - a casa do tio, o seminário, a sala branca do senhor
Conde de Ribamar... A sua existência de padre era uma curvatura humilde que
lhe fatigava a alma; vivia da obediência ao senhor bispo, à câmara eclesiástica,
aos cânones, à Regra que nem lhe permitia ter uma vontade própria nas suas
relações com o sacristão. E agora, enfim, tinha ali aos seus pés aquele corpo,
aquela alma, aquele ser vivo sobre quem reinava com despotismo. Se passava
os seus dias, por profissão, louvando, adorando e incensando Deus - era ele
também agora o Deus de uma criatura que o temia e lhe dava uma devoção
pontual. Para ela ao menos, era belo, superior aos condes e aos duques, tão
digno da mitra como os mais sábios. [...]

QUEIRÓS, Eça de. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1986. p. 443-444.

LEGENDA: Capa do DVD do filme O crime do padre Amaro, direção de


Carlos Carrera, 2002.

CRÉDITO: Filme de Carlos Carrera, O crime do Padre Amaro.


México/Espanha/Argentina/França, 2002

Releitura

Escreva no caderno

1. No texto 1, Machado de Assis comenta o romance O crime do padre


Amaro, criticando severamente a filiação de Eça de Queirós ao Naturalismo de
Émile Zola, autor do romance L'Assommoir.

a) Explique o que este trecho do texto 1 indica sobre a posição de Machado de


Assis a respeito da adesão de Eça de Queirós ao Naturalismo.

Resposta: O fragmento indica que, embora considere Eça de Queirós um


grande escritor, Machado de Assis discorda de sua filiação ao Naturalismo,
como mostra a passagem "entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo".

Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos
do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento,
transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a
minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso [...].
114

b) A que característica do Naturalismo a frase a seguir se refere?

Resposta: A frase refere-se à exploração demasiada da submissão dos


personagens dos romances naturalistas aos instintos, isto é, à sua
animalização.

Pela primeira vez, aparecia um livro [...] em que o escuso e o torpe eram
tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de
inventário.

2. Releia este trecho do texto 1.

Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações,


sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que
aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição
acabada.

a) A que estilo literário Machado de Assis se refere, por meio da expressão


"outra escola"?

Resposta: Machado de Assis se refere ao Romantismo.

b) Identifique o trecho da passagem que revela o tom irônico de Machado de


Assis ao tratar:

· a crueza com que o Naturalismo pretende "dissecar o real".

Resposta: "[...] um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres".

· a violência com que Eça de Queirós pretende demolir a tradição romântica.

Resposta: "[...] resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que


aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição
acabada".

c) Transcreva outro trecho do texto de Machado de Assis em que o autor


ironiza o Naturalismo.

Resposta: "Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em


que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de
cambraia ou um esfregão de cozinha."
3. Releia o fragmento de O crime do padre Amaro (texto 2) e transcreva a
primeira passagem que revela ao leitor a motivação sensual do domínio que
Amaro exerce sobre a personagem Amélia.

Resposta: "Aquela possessão de todo o seu ser não a invadira gradualmente;


fora completa, no momento em que os seus fortes braços se tinham fechado
sobre ela. Parecia que os beijos dele lhe tinham sorvido, esgotado a alma: [...]".

4. Por que a descrição de Amélia exemplifica o caráter minucioso com que,


segundo Machado de Assis, Eça de Queirós faz a "reprodução fotográfica e
servil das coisas mínimas e ignóbeis"? Exemplifique.

Resposta: A descrição de Amélia exemplifica esse caráter por ser realizada de


maneira determinista, mostrando reiteradamente a tendência naturalista de
redução da mulher à condição de fêmea, escravizada pelos instintos, como se
percebe em "Vivia com os olhos nele, numa obediência de animal: tinha só a
curvar-se quando ele falava, e quando vinha o momento de desapertar o
vestido".

5. Na sua opinião, a descrição de Amaro confirma ou contradiz a opinião que


Machado de Assis expressa na questão anterior? Utilize uma passagem do
texto 2 para exemplificar sua resposta.

Resposta: A descrição de Amaro confirma a opinião de Machado de Assis, pois


mostra que um personagem gosta de dominar o outro, desforrando-se, dessa
forma, de seu passado de dependências. Exemplo: "E agora, enfim, tinha ali
aos seus pés aquele corpo, aquela alma, aquele ser vivo sobre quem reinava
com despotismo".

NAVEGAR É PRECISO

Há filmes e minisséries produzidos com base nos famosos "romances de tese"


de Eça de Queirós: O primo Basílio, O crime do padre Amaro e Os Maias.

Pesquise na internet as versões dessas obras. Algumas foram realizadas com


muito rigor e qualidade.

Pesquise também as versões em pdf de A cidade e as serras e


Correspondência de Fradique Mendes.

O Realismo e o Naturalismo no Brasil


Em 1881, iniciam-se oficialmente o Realismo e o Naturalismo na literatura
brasileira, com a publicação de dois romances fundamentais: Memórias
póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (marco do surgimento do
Realismo), e O mulato, de Aluísio Azevedo (marco do surgimento do
Naturalismo).

Trata-se de obras modelares no panorama de nossa literatura, pois, apesar de


serem muito diferentes, apresentam um traço comum: o triunfo da observação
da realidade. Por meio delas, o romance brasileiro ultrapassa a função de
entretenimento para assumir mais explicitamente a vocação de desvendar as
contradições sociais do país.

FIQUE SABENDO

Por volta de 1870, um conjunto de fatos intensifica o movimento de luta contra


as tradições monárquicas e oligárquicas que já existiam no Brasil, graças à
extinção do tráfico de escravos, em 1850. Tal fato acelera a decadência da
economia açucareira e desloca o eixo de prestígio para o Sul: o tráfico negreiro
é proibido; aumenta a mão de obra imigrante; desenvolve-se a indústria
cafeeira no interior de São Paulo; constroem-se ferrovias; funda-se o Partido
Republicano, interessado em substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre.

Esse contexto, que vai de 1870 a 1890, favorece a entrada no país do


pensamento europeu, centrado na filosofia positivista e no evolucionismo.

A proclamação da República (1889) frustrou as ambições políticas das classes


médias urbanas e seus pares, pois os representantes das oligarquias de São
Paulo e Minas Gerais passam a controlar o Estado brasileiro, por meio de uma
aliança conhecida como política do café com leite.

Esse fato mostra que, embora a época estudada seja de avanço


socioeconômico e cultural, os conflitos básicos do país não se resolvem: por
um lado o Brasil acolhe ideias liberais, republicanas, "modernas", mas, por
outro, convive com uma estrutura oligárquica, agrária, coronelista e
latifundiária.

115

Aluísio Azevedo (1857-1913)


Nascido em São Luís do Maranhão, em 14 de abril de 1857, o romancista
Aluísio Azevedo foi o principal representante do Naturalismo no Brasil.

Na juventude, fazia caricaturas, pinturas e poesias para jornais e revistas no


Rio de Janeiro. Seu primeiro romance publicado foi Uma lágrima de mulher,
em 1880.

Escritor profícuo, que queria profissionalizar-se na área, publicou inúmeros


romances, entre os quais sobressaem O mulato (1881), que provocou
escândalo na época de seu lançamento; Casa de pensão (1884), que o
consagrou; e O cortiço (1890), considerado sua obra mais importante.

Aluísio não escondia seu inconformismo com a sociedade brasileira e suas


regras, o que transparece em outros títulos: A condessa Vésper (1882),
Girândola de amores (1882), Filomena Borges (1884), O Coruja (1890), O
homem (1887), O Esqueleto (1890), A Mortalha de Alzira (1894), O livro de
uma sogra (1895) e contos, como "Demônios" (1895).

Fundador da cadeira número quatro da Academia Brasileira de Letras, durante


grande parte de sua vida Aluísio de Azevedo viveu do que ganhava como
escritor, mas, ao entrar para a vida diplomática, abandonou a produção
literária.

Faleceu em Buenos Aires, Argentina, no dia 21 de janeiro de 1913.

O mulato

Obra muito bem recebida pela crítica e pelo público, já que, em plena
campanha abolicionista, tratava do preconceito racial, além de inaugurar a
narrativa propriamente naturalista no Brasil.

No entanto, conserva elementos românticos, que atravessam a trama amorosa


entre o protagonista Raimundo, filho bastardo de um imigrante português e ex-
traficante de escravos, e a prima Ana Rosa, filha de Manuel Pescada, tio de
Raimundo.

O cortiço

Não há dúvida de que O cortiço supera os outros trabalhos do escritor, por


vários motivos. Trata-se de uma obra que fixa, com precisão documental e
vivacidade descritiva, o cotidiano dos personagens coletivos de um Rio de
Janeiro em crescimento, marcado pela pobreza e pelas aglomerações urbanas,
nas quais trabalho e lazer se confundem, tanto quanto mulatos, negros e
imigrantes.

Nesse excelente exemplar da presença do Naturalismo em nossa literatura,


podemos perceber generalizações que se afastam do sumarismo, percepções
sobre o país que se sobrepõem a teorias prontas, preconcebidas, e um
enfoque ideológico, de clara denúncia social, que se equilibra com a qualidade
literária, sem que a obra se torne panfletária e propagandística.

João Romão, o protagonista, é uma versão carioca do self-made man, o


capitalista típico. O autor focaliza a ascensão do personagem, cuja brutalidade
se impõe em sua trajetória em direção ao alto da pirâmide social, desnudando
para o leitor como se dá tal processo, por meio da ênfase em detalhes sórdidos
e cruéis.

Tais detalhes estão ligados à exploração dos pobres, como as lavadeiras, os


trabalhadores da pedreira de João Romão, os fregueses que dependem de seu
armazém de secos e molhados, os inquilinos que moram em sua estalagem.
Esses personagens, de acordo com a visão determinista dominante no
romance, fundem-se num ambiente coletivo, sendo dominados pelas leis da
natureza. Entre eles, podemos destacar Bertoleza, a escrava negra e
concubina de João Romão, a quem o comerciante explora na condução dos
negócios até o momento em que a enxota, a fim de casar-se com Zulmira, a
filha de Miranda, o comendador do sobrado vizinho, que consegue o título de
barão.

116

LEITURA

Aprecie detalhadamente a tela reproduzida e depois discuta com seus colegas.

LEGENDA: Vagão de terceira classe (1863-1865), de Honoré Daumier.

CRÉDITO: Honoré Daumier. 1863-65. Óleo sobre tela, 65 × 90 cm. Museu


Metropolitano, Nova York

Em tom de conversa
1. Que tipo de impacto ela causa? Por quê? Tente perceber as semelhanças
que possui com Enterro em Ornans, de Gustave Courbet, que você
interpretou no início do capítulo.

Resposta pessoal.

2. Qual é o tema da pintura? Enumere os elementos nela presentes que


justifiquem sua resposta.

Resposta pessoal.

3. Você já sabe que os autores do Realismo pretendem mostrar os seres


humanos como são: sem heroísmos e sem transposição para tempos
idealizados, como faziam os românticos. Em sua opinião, essa característica
empobrece o valor estético da pintura? Justifique.

Resposta pessoal.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

Releitura

Escreva no caderno

Note que a pintura compõe-se de dois planos, formados por personagens que
se contrapõem socialmente: os de "terceira classe", ou seja, os trabalhadores,
e aqueles que representam a classe média.

a) Em que medida a disposição dos personagens no espaço da obra revela a


intenção de denúncia social que caracteriza o Realismo?

Resposta: Essa intenção é revelada pelo fato de a pintura focalizar os


personagens populares, colocando-os no primeiro plano, de frente para o
observador, enquanto aqueles que representam a classe média encontram-se
no segundo plano, à esquerda, de costas, formando um círculo que os separa
dos demais.

b) Aprimore sua resposta à questão anterior, descrevendo como os


personagens que se contrapõem socialmente aparecem na pintura.

Resposta: Enquanto os personagens do primeiro plano estão malvestidos,


cansados, silenciosos e de olhos baixos, os do segundo plano apresentam-se
de modo oposto: ostentam elegância (vestem-se com formalidade, de preto e
tons sóbrios, os homens usam cartolas) e conversam.

117

LEITURA

Leia o trecho a seguir de O cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda às


questões propostas.

O cortiço

O Miranda mandou logo levantar o muro.

Nada! aquele demônio era capaz de invadir-lhe a casa até a sala de visitas!

E os quartos do cortiço pararam enfim de encontro ao muro do negociante,


formando com a continuação da casa deste um grande quadrilongo, espécie de
pátio de quartel, onde podia formar um batalhão.

Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem.

Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que
separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de
altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão
no centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima
de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte escrito a tinta encarnada e
sem ortografia:

"Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras".

As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia; tudo pago adiantado. O
preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis; sabão à parte. As
moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar. [...]

E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com


as suas cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos
de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a
negrura das limosas tinas transbordantes e o revérbero das claras barracas de
algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E os gotejantes
jiraus, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal
branco.
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa,
começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma
geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e
multiplicar-se como larvas no esterco.

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. In: LEVIN, Orna Messer (Org.). Aluísio


Azevedo: ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2005. v. 2. p. 451-452.

Vocabulário:

cortiço: habitação coletiva das classes pobres;

revérbero: luz, ou efeito de luz refletida, reflexo;

jirau: estrado de varas sobre forquilhas cravadas no chão;

fumegante: que fumega (lança fumaça);

esfervilhar: remexer-se muito, revolver-se com rapidez, fervilhar.

Fim do vocabulário.

LEGENDA: Estalagem do Rio de Janeiro, c. 1905.

CRÉDITO: Augusto Malta. Coleção particular

118

Releitura

Escreva no caderno

1. No fragmento, o leitor acompanha detalhadamente o surgimento de um


cortiço. Trata-se de um relato objetivo ou subjetivo? Por quê? Relacione sua
resposta com o foco narrativo do texto.

Resposta: O relato é objetivo, pois se trata de um narrador em 3ª pessoa, que


não participa do fato narrado, mantendo uma postura racional e objetiva em
relação a ele.

2. O fragmento incorpora o modo pelo qual os personagens se expressam,


como se vê em "Nada! aquele demônio era capaz de invadir-lhe a casa até a
sala de visitas!".
a) Reconheça o tipo de discurso empregado nessa passagem e utilize a
informação para concluir: o narrador é observador ou onisciente? Por quê?

Resposta: Trata-se do discurso indireto livre. Por meio dele, a voz do narrador
incorpora a do personagem e revela seus pensamentos e sentimentos, o que
nos permite concluir que o narrador é onisciente.

b) Nesse trecho, o narrador mostra o ponto de vista de qual personagem? Em


que tom? Justifique.

Resposta: Trata-se do personagem Miranda, cuja cólera se justifica pelo fato


de ver seu sobrado ser invadido pelo cortiço de João Romão. O tom é
coloquial, informal.

3. Leia o seguinte trecho e aponte o que é pedido nos itens a seguir.

[...] um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e


fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou
uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em
que se lia o seguinte escrito a tinta encarnada e sem ortografia:

"Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras".

a) Uma característica do Realismo.

Resposta: A descrição detalhista e fotográfica.

b) Uma característica de João Romão e discuta se ela o aproxima ou o


distancia do narrador, justificando sua resposta.

Resposta: O desconhecimento da linguagem escrita. Essa característica o


distancia do narrador, como se percebe pelo fato de ele transcrever
corretamente o "escrito a tinta encarnada e sem ortografia" de João Romão:
"Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras".

4. Uma característica naturalista do fragmento é a tentativa de explicar


biologicamente o processo de surgimento do cortiço, por meio de palavras e
expressões que aproximam o cortiço do mundo animal. Que parágrafo melhor
ilustra essa afirmação?

Resposta: O último parágrafo: "E naquela terra encharcada e fumegante,


naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a
crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar
espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no
esterco.".

5. Identifique no parágrafo indicado na resposta da questão anterior:

a) os verbos que indicam tratar-se de uma proliferação promíscua, bestial de


pessoas;

Resposta: Os verbos são minhocar, esfervilhar, crescer, brotar, multiplicar-


se.

b) os substantivos e adjetivos que nomeiam e caracterizam esse ambiente;

Resposta: Os substantivos e adjetivos são "terra encharcada e fumegante";


"umidade quente e lodosa"; lameiro; larvas; esterco; geração [...] espontânea.

c) as reiterações, que enfatizam as características do cortiço, dando ritmo e


vitalidade à descrição. Exemplo: "E naquela terra encharcada e fumegante,
naquela umidade quente e lodosa".

· começou a minhocar

Resposta: começou a esfervilhar, a crescer; brotar espontânea

· um mundo

Resposta: uma coisa viva, uma geração; ali mesmo, daquele lameiro

6. A fusão entre os seres e o ambiente a que pertencem, os primeiros sendo


vistos como produtos do segundo, é outro traço naturalista fortemente presente
no trecho. Que comparação pode ser utilizada para justificar tanto a
animalização do ser humano quanto a sua redução às condições ambientais?

Resposta: A comparação é "[...] um mundo, uma coisa viva, uma geração, que
parecia [...] multiplicar-se como larvas no esterco.".

Leitura comparativa

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

Apoiado(a) no quadro da página a seguir, que aponta as principais diferenças


entre o Realismo e o Naturalismo, compare a pintura e o texto estudados,
indicando qual lhe parece ser predominantemente realista e qual lhe parece ser
predominantemente naturalista. Escreva um pequeno texto dissertativo, no qual
você possa defender a sua opinião com os melhores argumentos que
encontrar.

Em seguida, leia seu texto para os colegas e ouça os deles. Após trocarem
opiniões, aprimore sua percepção sobre o tema focalizado e, se necessário,
reescreva seu argumento.

119

Realismo Naturalismo

Investigação da sociedade e dos Investigação da sociedade e dos


caracteres individuais feita "de dentro caracteres individuais "de fora para
para fora", isto é, por uma análise dentro"; tendência à simplificação dos
psicológica capaz de abranger toda a personagens, vistos como joguetes,
sua complexidade, utilizando, entre títeres dos fatores biológicos e
outros recursos, a ironia, que sugere e ambientais que determinam suas
aponta em vez de afirmar. ações, pensamentos e sentimentos.

Ênfase nas relações entre o ser


Ênfase na descrição das coletividades,
humano e a sociedade burguesa,
dos tipos humanos que encarnam os
atacando suas instituições e seus
vícios, as taras, as patologias e as
fundamentos ideológicos: o
anormalidades reveladoras do
casamento, o clero, a escravização ao
parentesco entre o humano e o animal;
trabalho como meio de "vencer na
no ser humano descendo à condição
vida"; as contradições entre ricos e
animalesca em sua situação de mero
pobres, vistas pela ótica dos
produto das circunstâncias externas,
"vencidos" (marginais, operários,
como a hereditariedade e o meio
prostitutas etc.) e não dos
ambiente.
"vencedores" etc.

Tratamento imparcial e objetivo dos Tratamento dos temas com base em


temas, que garante ao leitor um uma visão determinista que conduz e
espaço de interpretação, de direciona as conclusões do leitor e
elaboração de suas conclusões a empobrece literariamente os textos.
respeito das obras.

Comentário

A pintura de Honoré Daumier, grande pintor e caricaturista do Realismo, e o


trecho de um romance fundamental da prosa naturalista brasileira, O cortiço,
de Aluísio Azevedo, constituem exemplos modelares de ambos os estilos.
Embora apresentem diferenças, eles se aproximam em sua postura
antimonárquica, anticlerical, antiburguesa e sobretudo antirromântica.

O Realismo e o Naturalismo são profundamente engajados no compromisso


com a grande reviravolta política, social, econômica e cultural que dá o tom
dessa época: a denúncia da falência dos ideais burgueses e da exploração do
proletariado.

Considerado nosso mais bem-acabado romance naturalista, vimos que O


cortiço baseia-se na rivalidade entre João Romão - comerciante português que
representa a ganância, a vontade de vencer na vida a qualquer custo - e o
comendador Miranda - burguês bem-sucedido, cuja posição João Romão
admira e inveja simultaneamente.

A força do livro vem da magistral caracterização dos tipos e espaços sociais,


que se sobrepõem às individualidades. Focalizando a convivência entre
exploradores e explorados, no Rio de Janeiro popular e urbano da segunda
metade do século XIX, percebemos o quanto Aluísio Azevedo usou sua
experiência com o teatro e sobretudo seu talento como desenhista e pintor
para, como ele mesmo descreve, desenhar mentalmente seus romances e
depois redigi-los.

LEITURA

Leia algumas descrições de personagens da obra O mulato, de Aluísio


Azevedo.

TEXTO 1

Ao abrir o livro, Ana Rosa soltou logo uma vergonhosa exclamação: dera com
um desenho, em que o autor da obra, com a fria sem-cerimônia da ciência,
expunha aos seus leitores uma mulher no momento de dar à luz o filho. [...]
Observou-o com profunda atenção, enquanto dentro dela se travava a batalha
dos

120

desejos. Todo o seu ser se lhe revolucionou; o sangue gritava-lhe, reclamando


o pão do amor; seu organismo inteiro protestava contra a ociosidade. E ela
então sentiu bem nítida a responsabilidade dos seus deveres de mulher
perante a natureza, compreendeu o seu destino de ternura e de sacrifícios,
percebeu que viera ao mundo para ser mãe; concluiu que a própria vida lhe
impunha, como lei indefectível, a missão sagrada de procriar muitos filhos,
sãos, bonitos, alimentados com seu leite, que seria bom e abundante [...].

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. In: LEVIN, Orna Messer (Org.). Aluísio


Azevedo: ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2005. v. 1. p. 345-346.

Vocabulário:

indefectível: que não falha, infalível, certo.

Fim do vocabulário.

LEGENDA: Maternidade (século XIX), pintura de Eugène Carrière.

CRÉDITO: Eugène Carrière. Séc. XIX. Óleo sobre tela, 61 × 46 cm. Museu
d'Orsay, Paris

TEXTO 2

[Raimundo] seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os grandes olhos


azuis que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena
e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode;
estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte
mais característica de sua fisionomia eram os olhos - grandes, ramalhudos,
cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo
vagaroso e úmido; as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a
nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba
raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre
papel de arroz.
Tinha os gestos bem-educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz
baixa, distintamente, sem armar ao efeito; vestia-se com seriedade e bom
gosto; amava as artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política.

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. In: LEVIN, Orna Messer (Org.). Aluísio


Azevedo: ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2005. v. 1. p. 451-452,

Vocabulário:

tez: epiderme do rosto, cútis, pele;

ramalhudo: olho que tem grandes pestanas;

eriçado: arrepiado, ouriçado.

Fim do vocabulário.

CRÉDITO: Aluisio Azevedo. O mulato. 1ª ed. São Paulo: L&PM, 1998.

121

Releitura

Escreva no caderno

1. No texto 1, dedicado a Ana Rosa, prima de Raimundo (o mulato) que se


apaixona por ele, defrontamo-nos com uma "imagem" de mulher tipicamente
naturalista. Transcreva as passagens do fragmento que melhor ilustrem essa
afirmação, mostrando:

a) a submissão da personagem aos instintos.

Resposta: "[...] enquanto dentro dela se travava a batalha dos desejos. Todo o
seu ser se lhe revolucionou; o sangue gritava-lhe, reclamando o pão do amor;
seu organismo protestava contra a ociosidade."

b) as conclusões a que chega, quanto ao seu destino de mulher.

Resposta: "E ela então sentiu bem nítida a responsabilidade dos seus deveres
de mulher perante a natureza, compreendeu o seu destino de ternura e de
sacrifícios, percebeu que viera ao mundo para ser mãe [...]."
2. Que expressão do texto 1 nos faz compreender o caráter determinista, isto é,
de irrevogável determinação pela força da natureza, da concepção naturalista
sobre a mulher?

Resposta: "[...] concluiu que a própria vida lhe impunha, como lei indefectível, a
missão sagrada de procriar muitos filhos [...]."

3. No texto 2, dedicado a descrever Raimundo, temos uma descrição que se


aproxima do idealismo romântico.

a) Que características do personagem permitem-nos vê-lo como objeto de


idealização? Por quê?

Resposta: Os olhos azuis, os cabelos muito pretos e brilhantes, a tez fina, os


dentes claros, a estatura alta e elegante, o nariz direito, a fronte espaçosa, as
sobrancelhas muito desenhadas no rosto, a frescura da epiderme, os gestos
sóbrios, a fala em voz baixa, o vestir-se com bom gosto, o amor pelas artes,
ciência, literatura etc. Trata-se de um personagem idealizado, porque
corresponde a um estereótipo de beleza, educação e virtude.

b) Identifique a única passagem do fragmento que se refere ao fato de


Raimundo ser mulato.

Resposta: "[...] tez morena e amulatada [...]."

c) Como essa característica é relativizada ao longo da mesma passagem?

Resposta: Essa característica é relativizada por meio da conjunção mas, que


parece corrigir a afirmação anterior, destacando a finura da tez de Raimundo.

LEITURA

Leia agora algumas descrições de personagens da obra O cortiço, de Aluísio


Azevedo.

TEXTO 1

Maldita preta dos diabos! Era ela o único defeito, o senão, de um homem tão
importante e tão digno!

Agora, não se passava um domingo sem que o amigo de Bertoleza fosse jantar
à casa do Miranda. Iam juntos ao teatro. João Romão dava o braço à Zulmira,
e, procurando galanteá-la e mais ao resto da família, desfazia-se em obséquios
brutais e dispendiosos, com uma franqueza exagerada que não olhava gastos.
Se tinham de tomar alguma coisa, ele fazia vir logo três, quatro garrafas ao
mesmo tempo, pedindo sempre o triplo do necessário e acumulando compras
inúteis de doces, flores e tudo o que aparecia. Nos leilões das festas de arraial
era tão feroz a sua febre de obsequiar a gente do Miranda, que nunca voltava
para casa sem um homem atrás, carregado com os mimos que o vendeiro
arrematava.

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 199.

CRÉDITO: Editora Garnier

TEXTO 2

E Bertoleza bem que compreendia tudo isso e bem que estranhava a


transformação do amigo. Ele ultimamente mal se chegava para ela e, quando o
fazia, era com tal repugnância, que antes não o fizesse. A desgraçada muita
vez sentia-lhe cheiro de outras mulheres, perfumes de cocotes estrangeiras, e
chorava em segredo, sem ânimo de reclamar os seus direitos.

122

Na sua obscura condição de animal de trabalho, já não era amor o que a


mísera desejava, era somente confiança no amparo da sua velhice, quando de
todo lhe faltassem as forças para ganhar a vida. E contentava-se em suspirar
no meio de grandes silêncios durante o serviço de todo o dia, covarde e
resignada, como seus pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro.
Escondia-se de todos, mesmo da gentalha do frege e da estalagem,
envergonhada de si própria, amaldiçoando-se por ser quem era, triste de sentir-
se a mancha negra, a indecorosa nódoa daquela prosperidade brilhante e
clara.

E, no entanto, adorava o amigo; tinha por ele o fanatismo irracional das


caboclas do Amazonas pelo branco a que se escravizam, dessas que morrem
de ciúmes, mas que também são capazes de matar-se para poupar ao seu
ídolo a vergonha do seu amor. O que custava aquele homem consentir que ela,
uma vez por outra, se chegasse para junto dele? Todo o dono, nos momentos
de bom humor, afaga o seu cão...
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 199.

Releitura

Escreva no caderno

1. Os textos 1 e 2 aproximam-se do desfecho de O cortiço, quando João


Romão já "refinou" a própria aparência, além de ampliar e modernizar a sua
estalagem. Entre outras reformas, nela construiu um sobrado para uso pessoal,
"mais alto e mais vistoso" que o do Miranda, com quem agora quer se aliar, a
fim de adquirir um título de nobreza e consolidar sua ascensão. No entanto, há
um empecilho a ser suprimido: Bertoleza.

a) O texto 1 começa mostrando o ponto de vista de João Romão a respeito de


Bertoleza e o modo como o narrador o caracteriza, agora que sua ascensão
consolidou-se. Comente o período inicial e aponte a razão pela qual podemos
considerá-lo irônico.

Resposta: O período é irônico porque a expressão "Maldita preta dos diabos!",


dita ou pensada enfaticamente por João Romão, não permite uma leitura
"séria" dos atributos conferidos pelo narrador ao personagem: "um homem tão
importante e tão digno".

b) No segundo parágrafo do texto 1, há passagens que denunciam a farsa do


suposto refinamento de João Romão, em sua convivência com a noiva Zulmira
e a família dela. Identifique as palavras ou expressões que realçam a grosseria
do personagem nessas passagens.

Resposta: "João Romão [...] desfazia-se em obséquios brutais e


dispendiosos, com uma franqueza exagerada que não olhava gastos. [...]
Nos leilões das festas de arraial era tão feroz a sua febre de obsequiar a
gente do Miranda, que nunca voltava para casa sem um homem atrás,
carregado com os mimos que o vendeiro arrematava".

2. O texto 2 é dedicado ao ponto de vista de Bertoleza diante da transformação


de João Romão. Observe que o narrador analisa os sentimentos e
pensamentos da personagem por meio de duas vertentes: uma de caráter
naturalista, marcada pelo determinismo biológico, e outra de caráter social, que
remete a características específicas da História do Brasil.
a) Explique por que as duas passagens a seguir concernem à vertente
naturalista, justificando sua escolha.

· "Na sua obscura condição de animal de trabalho [...]"

Resposta: O trecho exemplifica a redução do humano à condição animalesca,


própria do Naturalismo.

· "E, no entanto, adorava o amigo; tinha por ele o fanatismo irracional das
caboclas do Amazonas pelo branco a que se escravizam, dessas que morrem
de ciúmes, mas que também são capazes de matar-se para poupar ao seu
ídolo a vergonha do seu amor."

Resposta: O trecho exemplifica a submissão sexual da mulher ao homem,


nesse caso acentuada pela teoria da superioridade da raça ariana em relação
às raças mestiças.

b) Em "E contentava-se em suspirar no meio de grandes silêncios durante o


serviço de todo o dia, covarde e resignada, como seus pais que a deixaram
nascer e crescer no cativeiro", que característica da personagem pode ser
explicada socialmente, tendo em vista a História do Brasil?

Resposta: A característica é a condição de escrava da personagem.

c) Comente por que podemos considerar irônica a antítese apresentada a


seguir, tendo em vista a temática desenvolvida no livro.

Resposta: A antítese é irônica porque as imagens "mancha negra" e


"indecorosa nódoa", utilizadas para expressar o sentimento de Bertoleza de ser
um objeto e não um sujeito, na verdade caracterizam a suposta "prosperidade
brilhante e clara" de João Romão.

[...] triste de sentir-se a mancha negra, a indecorosa nódoa daquela


prosperidade brilhante e clara.

123

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

E MAIS...

Discussão
Com base nos fragmentos lidos, discuta com seus colegas:

1. Como os naturalistas veem a mulher e como justificam essa visão?

Atenção Professor(a), discuta com os alunos a tendência naturalista de


animalizar a mulher, reduzindo-a à condição de fêmea, destinada à procriação,
e de atribuir às leis da natureza essa concepção. Fim da observação.

2. Nos trechos de O mulato, qual dos personagens é caracterizado de forma


mais verossímil, na sua opinião?

Resposta pessoal.

3. Considerando os trechos de O cortiço, discuta a opinião do crítico literário


Antonio Candido sobre a atualidade dos temas tratados.

Resposta pessoal.

[...] O cortiço de Botafogo, estendendo-se rumo à pedreira [...], é uma


habitação coletiva que penetrou em todas as imaginações e sempre tirou o seu
prestígio do fato de parecer uma imagem poderosa e direta da realidade. Mas
em outro nível, não será também antinaturalisticamente uma alegoria do Brasil,
com sua mistura de raças, o choque entre elas, a natureza fascinadora e difícil,
o capitalista estrangeiro postado na entrada, vigiando, extorquindo, mandando,
desprezando e participando?

Talvez a força do livro venha em parte da contaminação do plano real e do


plano alegórico [...].

CANDIDO, Antonio. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993.


p. 137.

4. Em sua opinião, é possível afirmar que existem traços do escravismo no


Brasil contemporâneo?

Resposta pessoal.

NAVEGAR É PRECISO

Assista com seus colegas ao curta-metragem Couro de gato, de 1960, dirigido


por Joaquim Pedro de Andrade e que faz parte do longa Cinco vezes favela,
do Centro Popular de Cultura/UNE (1963). Nesse curta, às vésperas do
Carnaval, garotos de uma favela roubam gatos para fabricantes de tamborim.
Síntese de ficção e documentário, o filme narra o amor de um menino por um
angorá e sua dor por ter de vender o gato. É possível encontrá-lo na internet.

Discuta com seus colegas a representação do cortiço estudada em O cortiço,


de Aluísio Azevedo, e a apresentada neste filme, procurando explicar por quais
razões ele é considerado um "poema visual".

Outros autores e obras naturalistas

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

Além de Aluísio Azevedo, mas com menor importância literária, há outros


autores e obras representativos do estilo naturalista em nossa ficção, como
Júlio Ribeiro (A carne), Inglês de Sousa (O coronel Sangrado) e Adolfo
Caminha (A normalista e O bom crioulo). Raul Pompeia, como veremos, é
um caso à parte, pois assimila e ao mesmo tempo transcende a tradição
naturalista.

Raul Pompeia (1863-1895)

Advogado, jornalista e artista de múltiplos talentos, Raul Pompeia, autor do


romance memorialista O Ateneu (1888), é considerado o único escritor de seu
tempo que seguiu alguns dos caminhos abertos pelo Realismo psicológico de
Machado de Assis, além de conjugá-los com procedimentos naturalistas,
impressionistas, expressionistas e simbolistas.

O Ateneu

A dimensão autobiográfica de O Ateneu está ligada a um episódio traumático


vivido por Raul Pompeia. Aos 10 anos tornou-se aluno de um famoso internato
carioca, o Colégio Abílio, dirigido pelo Barão de Macaúbas, personalidade
famosa na época por sua severidade e prepotência.

LEGENDA: Ilustração de Raul Pompeia para a obra O Ateneu.

CRÉDITO: Séc. XIX. Coleção particular

124

Chamado pelo autor de "crônica de saudades", O Ateneu ultrapassa essa


dimensão autobiográfica, graças à qualidade literária da obra. Ela apresenta
como mola propulsora do enredo a memória de Sérgio, o narrador-
personagem, que relata, em tom caricatural e não raro próximo do Naturalismo,
os episódios emocionalmente mais marcantes, ocorridos ao longo dos dois
anos em que foi aluno do colégio.

Dessa forma, O Ateneu tematiza as atrocidades cometidas nos bastidores de


uma instituição educativa considerada modelar e frequentada pela "fina flor" da
sociedade brasileira. Uma das faces da obra consiste em denunciar o regime
autoritário e hipócrita instituído pelo diretor, que se transfigura literariamente
em Aristarco, o "homem-sanduíche da educação brasileira".

A outra face centraliza-se em Sérgio, o adulto que narra em 1ª pessoa sua


própria história, desvendando as raízes de seu sentimento de solidão, de
inadaptação, de incomunicabilidade com os seres humanos. Nela predomina a
interiorização, a percepção psicológica fina, manifestada por procedimentos
impressionistas, expressionistas e anunciadores do Simbolismo.

FIQUE SABENDO

Impressionismo, Expressionismo, Simbolismo - Movimentos artísticos


europeus, nascidos nas artes plásticas, no final do século XIX, que são
considerados fundadores da modernidade artística.

Enquanto o Impressionismo consiste em realçar "não as coisas, mas a


impressão que elas causam" (Claude Monet) na interioridade do artista, o
Expressionismo enfoca o grotesco, o bizarro, o estranho de que os objetos se
revestem, deformados pela visão do criador. Já o Simbolismo caracteriza-se
por uma visão simbólica, subjetiva e mística do mundo.

LEITURA

Leia atentamente dois fragmentos de O Ateneu, notando a diversidade e a


qualidade dos recursos expressivos presentes no romance.

O Ateneu (fragmento 1)

Os olhos riam destilando uma lágrima de desejo; as narinas ofegavam;


adejavam trêmulas por intervalos, com a vivacidade espasmódica do amor das
aves; os lábios, animados de convulsões tetânicas, balbuciavam desafios,
prometendo submissão de cadela e a doçura dos sonhos orientais. Dominada
então pela oferta abusiva, de repente abatia-se à derradeira humilhação, para
atrair de baixo, como as vertigens. Ali estava, por terra, a prostituição da vestal,
o himeneu da donzela, a deturpação da inocente, três servilismos reclamando
um dono; apetite, apetite para esta orgia rara sem convivas!

POMPEIA, Raul. O Ateneu. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 67.

Vocabulário:

adejar: agitar; mover;

espasmódico: que se manifesta por espasmos (contrações súbitas e


involuntárias dos músculos; convulsões);

tetânico: da natureza do tétano; tirânico;

vestal: sacerdotisa de Vesta, deusa do fogo dos romanos; no trecho, por


extensão, significa mulher casta ou virgem;

himeneu: casamento, matrimônio;

conviva: convidado de banquete, festa etc.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

Nesta cena de volúpia, a descrição dos olhos, das narinas e dos lábios de uma
mulher, que se entrega ao desejo sexual, possui fortes traços naturalistas.

a) Exemplifique-os.

Resposta: "Os olhos riam, destilando uma lágrima de desejo; as narinas


ofegavam; adejavam trêmulas por intervalos [...]; os lábios, animados de
convulsões tetânicas, balbuciavam desafios, prometendo submissão de cadela
e a doçura dos sonhos orientais."

b) Explique em que consiste o Naturalismo da descrição.

Resposta: O Naturalismo da descrição está na ênfase dada à entrega da


personagem ao mundo dos sentidos, deixando-se possuir por ele.
c) As expressões "prostituição da vestal", "himeneu da donzela" e "deturpação
da inocente" referem-se a que contradição presente na personagem assim
caracterizada?

Resposta: A contradição está no fato de a virgindade da personagem, sugerida


por "vestal", "donzela" e "inocente", destoar de sua entrega ao desejo,
percebida por meio de termos como "prostituição", "por terra [...] o himeneu" e
"deturpação".

125

O Ateneu (fragmento 2)

O sol vinha também à capela e colava de fora a fronte às vidraças, brando


ainda do despertar recente, fresco da toillete da aurora, com medo de entrar,
corado de vergonha de não rezar, pobre astro ateu. Pelas janelas, abertas,
esgalhavam-se para dentro frondosas ramas de jasmineiro, como uma invasão
de floresta; e os jasmins de véspera, cansados, debulhavam-se em conchinhas
de nácar pelo soalho, mortos, expirando no ambiente a alma livre do aroma.

[...] A neblina de melancolia, baixada sobre o colégio da altura da cordilheira,


repercussão da tristeza verde das matas, pesava-me aos ombros como a loba
de um seminarista, como o voto de um frade; eu passeava na circunscrição do
recreio como num claustro, olhando as paredes, brancas como túmulos
caiados, limitando as preocupações do espírito à minha humilhação diante de
Deus, sem olhar para cima, na modéstia curvada dos brutos - anulando-me a
mim mesmo na angústia do pensamento religioso, como no saco de pano
bicudo, preto do farricoco.

O céu, que a imaginação buscara dantes como os cânticos buscam os


zimbórios, caía agora sobre mim como um solidéu de bronze.

Triste e feliz.

POMPEIA, Raul. O Ateneu. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 72.

Vocabulário:

esgalhar-se: desgalhar-se, perder os galhos;

frondoso: copado, cerrado, espesso;


rama: conjunto dos ramos de uma planta; ramada; ramagem;

debulhar-se: desatar-se, desfazer-se;

nácar: substância branca, brilhante, com reflexos coloridos, que se encontra no


interior das conchas;

loba: batina;

farricoco: encapuzado que acompanhava as procissões de penitência,


tocando trombeta de vez em quando;

zimbório: cúpula de igrejas;

solidéu: pequeno barrete, em forma de calota, com que bispos e alguns


padres cobrem a cabeça.

Fim do vocabulário.

Releitura

Escreva no caderno

1. Transcreva um exemplo de personificação de seres inanimados, a que se


atribuem sentimentos humanos, presente no fragmento.

Resposta pessoal. Sugestão: "O sol vinha também à capela e colava de fora a
fronte às vidraças, brando ainda do despertar recente, fresco da toillete da
aurora, com medo de entrar, corado de vergonha de não rezar, pobre astro
ateu".

2. Releia este trecho:

[...] A neblina da melancolia, baixada sobre o colégio da altura da cordilheira,


repercussão da tristeza verde das matas, pesava-me aos ombros [...].

a) O que se percebe sobre o estado de espírito do narrador-personagem?

Resposta: Percebe-se que ele está melancólico e triste.

b) Que recurso o narrador-personagem utiliza para expressar os seus


sentimentos, nesse trecho em particular e ao longo de todo o texto?

Resposta: O narrador-personagem atribui aos elementos da paisagem os seus


sentimentos.
c) Chama-se Impressionismo a tendência de subjetivizar o objeto,
descrevendo-o com base nas impressões que causam ao observador. Que
estilo literário já estudado utiliza o mesmo recurso?

Resposta: O Romantismo.

d) Por que razão podemos afirmar que se trata de um recurso antirrealista?

Resposta: Pela intensa subjetividade que o caracteriza.

3. Outro recurso estilístico utilizado para contribuir com a riqueza expressiva do


texto é a comparação. Encontre no fragmento exemplos de comparações que
envolvam os elementos indicados, típicos do estilo simbolista.

a) Religiosidade.

Resposta: "como a loba de um seminarista"; "como o voto de um frade"; "como


num claustro"; "como no saco de pano bicudo, preto do farricoco".

b) Morte.

Resposta: "como túmulos caiados".

c) Musicalidade.

Resposta: "como os cânticos buscam os zimbórios".

126

AS ESCOLAS REA LISTAS E O PARNASIANISMO

Assim como o Realismo e o Naturalismo, o Parnasianismo faz parte das


Escolas Realistas, que surgiram na França com o objetivo de superar o velho
modelo romântico, desgastado em seu culto à emoção, ao subjetivismo e à
tendência de privilegiar a fantasia criadora, no processo de criação artística.

Tais preferências não condiziam mais com a evolução cientificista e tecnicista


que caracterizou a segunda metade do século XIX. Em sintonia com os novos
valores dessa época, as Escolas Realistas elegeram critérios opostos para o
fazer artístico: a racionalidade, a objetividade, a precisão arquitetônica.

Em consequência, a valorização da inspiração foi substituída pela valorização


da ideia de criação literária como trabalho, essencialmente marcado pelo
cuidado com a linguagem, a preocupação com a forma, a lapidação e o
refinamento do texto.

Para percebermos as características específicas dos movimentos literários


denominados Escolas Realistas, podemos afirmar que o Realismo e o
Naturalismo voltaram-se para a crítica social, a contestação dos valores
burgueses enquanto o Parnasianismo fechou-se, desligou-se da vida, por meio
de uma proposta esteticista e regressiva, voltada para as referências da poesia
clássica (greco-romana).

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 132 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

LEITURA

Nel mezzo del camin...

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada

E triste, e triste e fatigado eu vinha,

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada

Da vida: longos anos, presa à minha

A tua mão, a vista deslumbrada

Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida

Nem o pranto os teus olhos umedece,

Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,

Vendo o teu vulto que desaparece

Na extrema curva do caminho extremo.

BILAC, Olavo. In: _____. Poesias. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985. p. 92.

CRÉDITO: Revista Careta. 1910. Coleção particular


Olavo Bilac (1865-1918)

Olavo Bilac nasceu no Rio de Janeiro, onde também faleceu. Estudou Medicina
e Direito, mas não concluiu nenhum dos dois cursos. Trabalhou como
jornalista, funcionário público e inspetor escolar, dedicando-se amplamente ao
ensino: traduziu e escreveu versos infantis, foi autor de livros didáticos,
organizou antologias escolares, fez campanhas pela instrução primária, pela
cultura física, pelo serviço militar obrigatório e outras de caráter nacionalista.
Autor da letra do "Hino à Bandeira", a vida toda escreveu, em prosa e verso,
para a imprensa, tendo sido um dos cronistas mais expressivos e polêmicos de
seu tempo.

127

Releitura

Escreva no caderno

O poema "Nel mezzo del camin..." retoma um trecho significativo do verso


inicial de A divina comédia, obra-prima da literatura italiana clássica, de
autoria de Dante Alighieri, que se inicia com a seguinte estrofe: "Nel mezzo del
camin di nostra vita / mi ritrovai per una selva oscura, / chè la diritta via era
smarrita". Leia uma tradução desta estrofe para o português: "A meio caminhar
de nossa vida / fui me encontrar em uma selva escura: / estava a reta minha
via perdida" (ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. São Paulo: Editora 34,
1999. p. 25).

1. A referência a Dante traz para o contexto do poema a primeira estrofe de A


divina comédia. Nessa estrofe de abertura, a obra de Dante se refere a um
momento da vida em que o ser humano "se perde", ou seja, se desvia do "reto"
procedimento.

a) De acordo com a primeira estrofe do poema de Olavo Bilac, que fato


deflagra esse momento de perdição?

Resposta: Um encontro amoroso.

b) Leia atentamente as outras estrofes e identifique a que fase cada uma se


refere.
Resposta: Segunda estrofe: fase da convivência; terceira estrofe: fase da
separação; quarta estrofe: fase da solidão do sujeito poético.

c) Tendo em vista a resposta ao item anterior, explique por que no poema o


encontro amoroso é identificado com o momento da vida em que se dá o
desvio do "reto" procedimento.

Resposta: Essa identificação ocorre em virtude do triste desfecho do encontro


amoroso: a volta à solidão.

2. O estilo parnasiano, ao qual pertence o poema, tem como principal


característica a busca da perfeição formal, de acordo com as regras clássicas
da criação poética. Além da referência explícita ao texto de Dante, que outro
elemento formal do poema comprova sua procedência parnasiana? Justifique.

Resposta: O fato de se tratar de um soneto, ou seja, uma forma poética fixa,


com métrica e rimas regulares. Os versos são decassílabos e as rimas,
alternadas.

3. Ainda de acordo com o Parnasianismo, o poema apresenta uma construção


sintática refinada, visando à máxima precisão e objetividade. A primeira estrofe,
por exemplo, organiza-se a partir das formas verbais cheguei e chegaste.

a) A quem se referem tais verbos?

Resposta: Os verbos referem-se, respectivamente, ao eu lírico e à sua amada.

b) Podemos afirmar que os enunciados construídos a partir desses verbos


apresentam paralelismo, pois enfocam simetricamente ora o eu lírico, ora sua
amada, repetindo-se por meio de hipérbatos ou inversões sintáticas.
Exemplifique essa afirmação.

Resposta: Os enunciados "vinhas fatigada e triste" e "tinhas a alma de sonhos


povoada", referentes à amada, repetem-se nos enunciados referentes ao eu
lírico, por meio das seguintes inversões: "e triste e fatigado eu vinha", "e a alma
de sonhos povoada eu tinha".

c) Em termos de construção sintática, a primeira estrofe apresenta apenas um


enunciado em ordem direta, já que os demais se caracterizam pela presença
de hipérbatos. Identifique esse enunciado.
Resposta: Trata-se do primeiro enunciado ("vinhas fatigada e triste" - verbo +
complemento).

4. A construção que você acabou de analisar na questão 3 exemplifica o


refinamento sintático do poema. Na primeira estrofe, são utilizados o
paralelismo e o hipérbato para mostrar, de modo simétrico, preciso e objetivo, o
encontro dos amantes.

a) Que versos da terceira estrofe, dedicada à separação dos amantes,


reforçam tanto o racionalismo quanto a contenção emocional que caracterizam
o poema? A quem eles se referem?

Resposta: Os versos são "Nem o pranto os teus olhos umedece, / Nem te


comove a dor da despedida". Eles se referem à mulher amada pelo eu lírico.

Retome nos capítulos 2 e 4 deste volume, respectivamente, as explicações


sobre hipérbato e paralelismo.

128

b) A quarta estrofe mostra a reação do eu lírico diante da separação. Destaque


duas palavras dessa estrofe que possam exemplificar os sentimentos do eu
lírico, explicando o contexto em que aparecem.

Resposta: As palavras são solitário e tremo. Elas aparecem para explicar o


que o eu lírico sente quando vê o vulto da amada desaparecer.

c) O último verso expressa a intensidade do sentimento amoroso, sem,


entretanto, trair a contenção emocional, o racionalismo, a busca de equilíbrio,
presentes em todo o poema. Como se consegue realizar esse desafio?

Resposta: Consegue-se realizar o desafio por meio da repetição de um mesmo


adjetivo - "Na extrema curva do caminho extremo" -, que inicia e termina o
verso, intensificando o sentido tanto do substantivo "curva'', ao qual se
antepõe, quanto de seu oposto, o substantivo "caminho'', ao qual esse adjetivo
se pospõe. Assim, "curva'' (metáfora do sentimento amoroso) e "caminho''
(metáfora da vida) equilibram-se em sua intensidade, como em todo o poema,
por meio de paralelismo e hipérbato.

d) Que grande poeta da literatura portuguesa fala do amor de maneira clara,


objetiva e racional, podendo ser considerado influenciador de Olavo Bilac?
Resposta: Luís Vaz de Camões.

Leitura comparativa

O poema "Amore co amore si paga", escrito por Juó Bananére (pseudônimo de


Alexandre Ribeiro Marcondes Machado), apresenta uma relação de
intertextualidade com "Nel mezzo del camin...". Leia-o com atenção e
compare-o com o texto estudado.

Intertextualidade - Diálogo entre textos; criação de um texto a partir de outro;


processo de elaboração de um texto literário por meio da absorção e da
transformação de outros textos.

Amore co amore si paga

Pra Migna Anamurada

Xinguê, xigaste! Vigna afatigada i triste

I triste i afatigado io vigna;

Tu tigna a arma povolada di sogno,

I a arma povolada di sogno io tigna.

Ti amê, m'amasti! Bunitigno io éra

I tu tambê era bunitigna;

Tu tigna una garigna di féra

E io di féra tigna una garigna.

Una veiz ti begiê a linda mó,

I a migna tambê vucê begió.

Vucê mi apisô nu pé, e io non pisé no da signora.

Moltos abbraccio mi deu vucê,

Moltos abbraccio io tambê ti dê.

U fóra vucê mi deu, e io tambê ti dê u fóra.

BANANÉRE, Juó. La divina increnca. São Paulo: Folco Masucci, 1966. p. 17.

FIQUE SABENDO
Escrita entre 1307 e 1321, em italiano, A divina comédia é a obra-prima de
Dante Alighieri, grande poeta florentino do século XIV. Trata-se de um poema
épico, que narra uma odisseia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, utilizando-se
de detalhes rítmicos e visuais de intensa expressividade artística. Dante, o
protagonista da história, atravessa o Inferno e o Purgatório guiado pelo poeta
romano Virgílio, ao passo que chega ao Paraíso conduzido por Beatriz, sua
musa na maioria das obras que escreveu.

LEGENDA: O abismo do Inferno (c. 1480), ilustração de Sandro Botticelli.


Desenho sobre pergaminho.

CRÉDITO: Biblioteca Apostólica Vaticana, Roma

Elementos a serem comparados: "Nel mezzo del camin..." e "Amore co amore


si paga".

a) A diferença de tom.

Resposta: Enquanto o primeiro texto apresenta um tom sério, melancólico, o


tom do segundo texto é humorístico, jocoso, leva ao riso.

b) A diferença de linguagem.

Resposta: A linguagem do primeiro texto, incluindo a citação do verso em


italiano, pertence à variante de prestígio, é formal e sofisticada; a linguagem do
segundo texto caracteriza-se por uma mistura da fala popular dos dois idiomas,
o português e o italiano, reproduzindo uma variante presente em certos bairros
de São Paulo à época.

c) A relação que essas diferenças estabelecem entre os textos.

Resposta: O segundo texto é paródia do primeiro.

Atenção Professor(a), se necessário, explique que paródia é uma obra que


imita satiricamente o tema e/ou a linguagem de uma outra obra. Fim da
observação.

129

Comentário

Eleito, em 1907, num concurso realizado pela revista Fon-Fon, "o príncipe dos
poetas brasileiros", Olavo Bilac foi o mais popular de nossos poetas
parnasianos, vindo a se tornar um dos principais alvos da crítica dos jovens
artistas que implantaram o Modernismo no Brasil, nas duas primeiras décadas
do século XX. Por meio da leitura de "Nel mezzo del camin...", você conheceu
algumas das características principais do Parnasianismo, estilo poético
praticamente inexistente em Portugal e que se tornou bastante expressivo no
Brasil.

NAVEGAR É PRECISO

Reúna-se com seu grupo e procure na internet outros poemas de Juó


Bananére, publicados em La divina increnca. Leia e encene os textos que
considerar mais interessantes, comparando-os com aqueles que os inspiraram.
Descubra, assim, a importância desse escritor de estilo paródico e discuta-a
com a classe.

A estética parnasiana

A estética parnasiana - que se desenvolveu exclusivamente na poesia - tem


como características a valorização do ideal da arte pela arte, a priorização da
forma em detrimento do conteúdo, a supervalorização dos procedimentos
expressivos em detrimento da significação, do mundo da arte em detrimento da
realidade exterior.

Impressionados com o ideal parnasiano de busca de perfeição técnica da obra


de arte, os escritores modernistas herdaram desse estilo a ideia de que
literatura é, em primeiro lugar, trabalho com a linguagem.

Entretanto, a excessiva ênfase formalista do Parnasianismo fez os


representantes do movimento desprezarem o tema e supervalorizarem a
técnica, distanciando o sujeito criador do objeto criado, num exemplo de
esteticismo alienante sem precedentes em toda a história da literatura.

Essa extrema concentração na forma da prática literária parnasiana levou-a a


se afastar da vida, a se refugiar no mundo clássico, cujos critérios artísticos
adotou, e consequentemente a se tornar academicista, elitista, fechada em si
mesma.

Características do Parnasianismo

· Formas poéticas fixas e regulares, como o soneto.


· Purismo e preciosismo vocabular e linguístico.

· Tendência descritivista, buscando a objetividade.

· Erotismo.

· Referências à mitologia greco-latina.

· Esteticismo.

· Rigor técnico.

A arte acadêmica

No século XIX, paralelamente às grandes correntes artísticas que


revolucionavam as artes plásticas na Europa - Romantismo, Realismo,
Simbolismo, Impressionismo -, predominava uma arte oficial e conservadora,
chancelada pelas Academias. Na França, as exposições bienais (Salons),
organizadas pela Real Academia Francesa, premiavam os artistas acadêmicos
e promoviam seu sucesso público.

LEGENDA: O Parnaso (1630-1631), de Nicolas Poussin.

CRÉDITO: Nicolas Poussin. c. 1630. Óleo sobre tela, 145 × 197 cm. Museu do
Prado, Madri

130

Leitura de imagem

Observe duas pinturas exemplares do academicismo francês oitocentista e veja


como suas características se assemelham às da poesia parnasiana.

Motivos mitológicos: Pigmalião, um escultor da ilha de Chipre, apaixonou-se


por uma de suas obras, a estátua Galateia. Afrodite atendeu a seu pedido e
deu vida à estátua. Pigmalião e Galateia casaram-se e tiveram um filho, Pafos.

LEGENDA: Pigmalião e Galateia (c. 1890), de Jean-Léon Gérôme.

CRÉDITO: Jean-Léon Gérôme. c. 1890. Óleo sobre tela, 81 × 63 cm. Coleção


particular. Foto: Christie's Images/Corbis/Latinstock

Gosto pela alegoria: figuras representando ideias abstratas - a mulher sentada


é a Literatura; a de pé é a Arte.

Referências à cultura clássica greco-romana.


LEGENDA: Arte e Literatura (1867), de William-Adolphe Bouguereau.

CRÉDITO: William-Adolphe Bouguereau. 1867. Óleo sobre tela, 200 × 108 cm.
Arnot Art Museum-Elmira, Nova York

· Perfeição técnica.

· Perfeição de acabamento.

· Realismo fotográfico.

· Predomínio do desenho sobre a cor.

· Perfeição anatômica.

Culto do nu. Erotismo disfarçado sob o motivo convencional.

Temas universais: a Arte e a Literatura, o Amor.

Pose e gestos convencionais. Austeridade e grandiosidade.

Arte pela arte

O tema de Pigmalião é significativo: o artista apaixonado por sua própria arte.

Arte pela arte

O tema da segunda obra é a própria arte.

131

LEGENDA: O violeiro (1899), de Almeida Júnior.

CRÉDITO: Almeida Júnior. 1899. Óleo sobre tela, 145 × 97 cm. Pinacoteca do
Estado de São Paulo, São Paulo

No Brasil, os artistas não se ativeram aos temas convencionais da pintura


acadêmica europeia. Cenas históricas, a paisagem brasileira, as pessoas
simples, do campo e da cidade, e o indígena são motivos frequentes de artistas
como Almeida Júnior, Victor Meirelles e Pedro Américo.

LEGENDA: Moema (1903), de Victor Meirelles.

CRÉDITO: Víctor Meirelles. 1903. Óleo sobre tela, 129 × 199 cm. Museu de
Arte de São Paulo, São Paulo

LEGENDA: Paz e Concórdia (1895), de Pedro Américo.


CRÉDITO: Pedro Américo. 1895. Óleo sobre tela, 300 × 431 cm. Museu de
Arte de São Paulo, São Paulo

132

Atenção Professor(a), vale mostrar aos alunos como este fragmento de poema
testemunha o legado do Parnasianismo ao Modernismo, movimento em que
Carlos Drummond de Andrade se insere, sobretudo no que diz respeito à
importância atribuída pelo poeta ao trabalho com a linguagem. Professor(a),
ver em Conversa com o professor, nas Orientações específicas do capítulo
6, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

E MAIS...

Discussão e pesquisa

Estudamos o Realismo e o Naturalismo, movimentos estéticos que, somados


ao Parnasianismo, constituem as chamadas Escolas Realistas. Vimos que,
apesar de pertencerem ao mesmo contexto histórico e de apresentarem
notáveis semelhanças, esses movimentos também apresentam diferenças.

Um aspecto em que a poesia parnasiana opõe-se diametralmente às demais


Escolas Realistas é o fato de que cultiva a "arte pela arte", enquanto as obras
realistas e naturalistas comprometem-se com a tentativa de transformar a
sociedade.

Tendo em vista essas observações, discuta com seus colegas as questões a


seguir.

1. O debate que opõe a arte engajada nas lutas sociais à arte voltada para si
própria é atual ou foi superado? Por quê? Encontre exemplos concretos de
manifestações artísticas contemporâneas que justifiquem sua resposta.

2. Em sua opinião, qual das concepções de arte envolvidas neste debate é


mais interessante? Escolha aquela com a qual você se identifica e defenda-a
com os melhores argumentos que encontrar.

3. Você acha que essas concepções sobre o fazer artístico são


necessariamente conflitantes ou podem complementar-se? Justifique.
4. Relacione o trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade apresentado
a seguir ao que você aprendeu sobre o Parnasianismo.

[...]

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te

provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

como ele aceitará sua forma definitiva e

concentrada

no espaço.

[...]

ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da poesia. In: _____. Carlos


Drummond de Andrade: poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988.
p. 96-97.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU


Neste capítulo, você estudou as três Escolas Realistas que se desenvolveram
na segunda metade do século XIX - o Realismo, o Naturalismo e o
Parnasianismo -, percebendo suas semelhanças e diferenças.

O Realismo e o Naturalismo utilizaram os valores em voga na época


(racionalismo, objetivismo, verismo) em prol de uma arte engajada, que
desnudasse e demolisse as desigualdades sociais provocadas pelo domínio
burguês, cujos avanços, industrial e científico, foram vertiginosos.

O Naturalismo distinguiu-se do Realismo pelo seu caráter cientificista


extremado, em que o ser humano perde o livre-arbítrio e se torna produto de
pressões genéticas e ambientais.

O Parnasianismo, por sua vez, a expressão poética dessa fase, ampliou de tal
modo sua preocupação com a perfeição formal que se afastou da vida
contemporânea, voltando-se para temas mitológicos, para a ideia de arte como
expressão de beleza, com base nos padrões clássicos.

Se, por um lado, a ideia de "arte pela arte" parnasiana é considerada escapista,
por outro ensina a lição antirromântica, que será bem aproveitada pelos
modernistas do século XX, de que a literatura não é confissão de sentimentos
pessoais, mas, antes de tudo, árduo trabalho com a linguagem.

133

Olavo Bilac, o "príncipe dos poetas brasileiros", foi a figura mais conhecida do
academicismo que caracterizou a "literatura oficial" daquele momento.

Já Aluísio Azevedo e Raul Pompeia, o primeiro naturalista e o segundo


eclético, isto é, articulador de vários estilos, representam, com Machado de
Assis (que estudaremos no próximo capítulo), um Brasil entre o avanço e o
retrocesso. Numa ponta, as ideias avançadas do liberalismo europeu (extinção
do tráfico negreiro, início da industrialização, Proclamação da República). Na
outra, a velha mentalidade oligárquica, agrária, representada por formas brutais
de pobreza, desigualdade, discriminação.

Atividades

Escreva no caderno
1. (Unicamp-SP) Leia o seguinte comentário a respeito de O cortiço, de Aluísio
Azevedo:

Com efeito, o que há n'O cortiço são formas primitivas de amealhamento*, a


partir de muito pouco ou quase nada, exigindo uma espécie de rigoroso
ascetismo inicial e a aceitação de modalidades diretas e brutais de exploração,
incluindo o furto [...] como forma de ganho e a transformação da mulher
escrava em companheira-máquina. [...] Aluísio foi, salvo erro meu, o primeiro
dos nossos romancistas a descrever minuciosamente o mecanismo de
formação da riqueza individual. [...] N'O cortiço [o dinheiro] se torna
implicitamente objeto central da narrativa, cujo ritmo acaba se ajustando ao
ritmo da sua acumulação, tomada pela primeira vez no Brasil como eixo da
composição ficcional.

CANDIDO, Antonio. De cortiço a cortiço. In: _____. O discurso e a cidade.


São Paulo: Duas Cidades, 1993. p. 129-133.

* amealhar - acumular (riqueza), juntar (dinheiro) aos poucos.

a) Explique a que se referem o rigoroso ascetismo inicial do personagem em


questão e as modalidades diretas e brutais de exploração que ele emprega.

Resposta: O ascetismo rigoroso - esforço austero - a que se refere o autor


caracteriza a personalidade e a forma de vida a que se submete João Romão
para ascender socialmente. Suportando todo tipo de privação, pensava
somente em enriquecer a qualquer custo. Para isso, não se importava em
roubar, mentir ou explorar os outros, obrigando os trabalhadores a consumirem
na sua venda ou aproveitando-se da gratidão de Bertoleza enquanto esta lhe
era conveniente.

b) Identifique a "mulher escrava" e o modo como se dá sua transformação "em


companheira-máquina".

Resposta: Bertoleza entrega a João Romão as poupanças para pagar sua


alforria, trabalha para ele como uma escrava e vive como amante dele. Quando
já não é mais conveniente aos planos de João Romão (que deseja um
casamento de conveniência com a filha de Miranda), passa a ser desprezada,
transformando-se assim em "companheira-máquina", "mulher-objeto".
Finalmente, ao descobrir que a carta de alforria era falsa e que João Romão
tencionava entregá-la à polícia, opta pelo suicídio.

2. (Enem/MEC)

Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam todos, até
mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente,
o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam
vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes
da música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo,
como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se
outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram
dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em
torrente, a correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada;
eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e
soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar de gozo.

AZEVEDO, A. O cortiço. São Paulo: Ática, 1983 (fragmento).

No romance O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, os personagens são


observados como elementos coletivos caracterizados por condicionantes de
origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre
brasileiros e portugueses revela prevalência do elemento brasileiro, pois:

a) destaca o nome de personagens brasileiros e omite o de personagens


portugueses.

b) exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do português


inexpressivo.

c) mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado português.

d) destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos portugueses.

e) atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais.

Resposta: Alternativa c.

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3. Leia atentamente o texto a seguir e responda às questões propostas.

Invejo o ourives quando escrevo:


Imito o amor

Com que ele, em ouro, o alto-relevo

Faz de uma flor.

BILAC, Olavo. Profissão de fé. In: MOISÉS, Massaud. História da literatura


brasileira: Realismo e Simbolismo. São Paulo: Cultrix. p. 154, v. II.

a) A estrofe desenvolve uma comparação que nos permite perceber a extrema


importância da forma para a poesia parnasiana. De que comparação se trata?

Resposta: Trata-se da comparação entre o trabalho poético e o do ourives ou


joalheiro.

b) Que passagem da estrofe pode ser relacionada com a precisão, a minúcia, a


preocupação com os detalhes, típicas desse estilo? A passagem é "Com que
ele, em ouro, o alto-relevo / Faz de uma flor".

Resposta: A passagem é "Com que ele, em ouro, o alto-relevo / Faz de uma


flor".

4. (UFPE) O Arcadismo (no século XVIII) e o Parnasianismo (em fins do século


XIX) apresentam, em sua caracterização, pontos em comum. Identifique quais
são eles.

a) bucolismo e busca da simplicidade de expressão.

b) amor galante e temas pastoris.

c) ausência de subjetividade e presença da temática e da mitologia greco-


latina.

d) preferência pelas formas poéticas fixas, como o soneto, e pelas rimas ricas.

e) a arte pela arte e o retorno à natureza.

Resposta: Alternativa c.

Retome no capítulo 3 deste volume as explicações sobre Arcadismo.

5. (UFRGS-RS) Leia as afirmações abaixo sobre o romance O Ateneu, de Raul


Pompeia.

I. Sérgio, em seu relato memorialista, revela a outra face da fachada moralista


e virtuosa que circundava o Ateneu, a face em que se incluem a corrupção, o
interesse econômico, a bajulação, as intrigas e a homossexualidade entre os
adolescentes.

II. A narrativa, ainda que feita na primeira pessoa, evita o comentário subjetivo
e as impressões individuais, uma vez que o narrador adota uma postura
rigorosa, condizente com o cientificismo da época.

III. Através da figura do Dr. Aristarco, diretor do colégio, com sua retórica
pomposa e vazia, Raul Pompeia critica o sistema educacional da época e a
hipocrisia da sociedade.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas I e III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

Resposta: Alternativa c.

6. (Enem/MEC)

A pátria

Ama, com fé e orgulho, a terra em que

nasceste!

Criança! não verás nenhum país como este!

Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!

A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,

É um seio de mãe a transbordar carinhos.

Vê que vida há no chão! vê que vida há nos

ninhos,

Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!

Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!


Vê que grande extensão de matas, onde impera,

Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

Boa terra! jamais negou a quem trabalha

O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com o seu suor a fecunda e umedece,

Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!

Criança! não verás país nenhum como este:

Imita na grandeza a terra em que nasceste!

BILAC, O. Poesias infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929.

Publicado em 1904, o poema "A pátria" harmoniza-se com um projeto


ideológico em construção na Primeira República. O discurso poético de Olavo
Bilac ecoa esse projeto, na medida em que

a) a paisagem natural ganha contornos surreais, como o projeto brasileiro de


grandeza.

b) a prosperidade individual, como a exuberância da terra, independe de


políticas de governo.

c) os valores afetivos atribuídos à família devem ser aplicados também aos


ícones nacionais.

d) a capacidade produtiva da terra garante ao país a riqueza que se verifica


naquele momento.

e) a valorização do trabalhador passa a integrar o conceito de bem-estar social


experimentado.

Resposta: Alternativa b.

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capítulo 7 - O Realismo psicológico de Machado de Assis

Estudar Machado de Assis é fundamental para a formação literária e humana


de qualquer jovem, qualquer pessoa em busca de conhecimento. Neste
capítulo, nosso alvo é contemplar essa necessidade da maneira mais ampla e
ao mesmo tempo mais detalhada. Ou seja, vamos fazer uma travessia por um
universo único de sofisticação, inteligência e sensibilidade da literatura
brasileira.

CRÉDITO: José Ferraz de Almeida Júnior. 1892. Óleo sobre tela, 95 × 141 cm.
Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo.

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· ABDALA JÚNIOR, Benjamin; MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Personae:


grandes personagens da literatura brasileira. São Paulo: Senac, 2001.

· BAGNO, Marcos. Machado de Assis para principiantes. São Paulo: Ática,


1998.

Minissérie

CAPITU. Direção: Luiz Fernando Carvalho. Produção: TV Globo, 2008. 5


capítulos. 2 DVDs.

Filme

MEMÓRIAS póstumas de Brás Cubas. Direção: André Klotzel. Produção:


Cinematográfica Superfilmes, 2000.

136

Atenção Professor(a), as atividades da seção "E mais...", das páginas 147 e


149, requerem preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Leia dois capítulos de Dom Casmurro, de Machado de Assis.

TEXTO 1

Capítulo XXXII

Olhos de ressaca

1 Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não
sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É o que
contarei no outro capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do
ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da manhã. D.
Fortunata, que estava no quintal, nem esperou que eu lhe perguntasse pela
filha.

2 - Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe


pregar um susto.

3 Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não
fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um
mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre
as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas
entrei na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta
pergunta:

4 - Há alguma cousa?

5 - Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue para
a lição. Como passou a noite?

6 - Eu bem. José Dias ainda não falou?

7 - Parece que não.

8 - Mas então quando fala?

9 - Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de
pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em
matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita...

10 - Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para
vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá
influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser
padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto!
Você teime com ele, Bentinho.

11 - Teimo; hoje mesmo ele há de falar.

12 - Você jura?

13 - Juro. Deixe ver os olhos, Capitu.

14 Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana
oblíqua e dissimulada". Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia,
e queria ver se se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só
me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor
e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe
deu outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los
mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto
atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal
expressão que...

15 Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para


dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de
dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos
de ressaca? Vá, de ressaca.

Vocabulário:

pataca: moeda antiga de prata;

oblíquo: malicioso; dissimulado, ardiloso; sinuoso.

Fim do vocabulário.

137

É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso
e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da
praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes
vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas
tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava
e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos
gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo
infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca
deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar
o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já
terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das
delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos
condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu
não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um
tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitu, mas
então com as mãos, e disse-lhe, - para dizer alguma cousa, - que era capaz de
os pentear, se quisesse.
16 - Você?

17 - Eu mesmo.

18 - Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.

19 - Se embaraçar, você desembaraça depois.

20 - Vamos ver.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Novo Século, 2001. p. 57-
59.

Vocabulário:

cavo: fundo, profundo;

pêndula: relógio de pêndulo;

Dante Alighieri: maior poeta clássico italiano do século XIV. Autor de A divina
comédia.

Fim do vocabulário.

TEXTO 2

Capítulo XXXIII

O penteado

Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos


cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as
últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito: não
esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da
mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse.

- Senta aqui, é melhor.

Sentou-se. "Vamos ver o grande cabeleireiro", disse-me rindo. Continuei a


alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para
compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem
supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo
tacto aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às
vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os
dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a
sensação era um deleite.

Vocabulário:

desazo: falta de zelo; descuido, desleixo;

espádua: a omoplata e as partes moles que a revestem; espalda.

Fim do vocabulário.

138

Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse


intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora,
porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me
apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos
séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número
inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que
nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na
jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há
pouco, falando dos seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis; risquei
Tétis, risquemos ninfa; digamos somente uma criatura amada, palavra que
envolve todas as potências cristãs e pagãs. Enfim, acabei as duas tranças.
Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste
pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço,
retoquei a obra, alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:

- Pronto!

- Estará bom?

- Veja no espelho.

Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que
estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que
me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era
baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de
uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar
tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta
razão a moveu.
- Levanta, Capitu!

Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até
que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e...

Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à


parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles
me clarearam, vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada;
ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto
nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil
palavras cálidas e mimosas... Não mofes dos meus quinze anos, leitor precoce.
Com dezessete, Des Grieux (e mais era Des Grieux) não pensava ainda na
diferença dos sexos.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Novo Século, 2001. p. 59-
60.

Vocabulário:

Aurora: deusa da mitologia greco-romana, anunciadora do Sol;

ninfa: divindade que, segundo a mitologia grega, habitava os rios, os bosques,


os campos e os montes; em sentido figurado, mulher jovem e formosa;

Tétis: uma das divindades primordiais das teogonias helênicas, que personifica
a fecundidade feminina do mar;

enxovalhado: sujo, manchado, amarrotado;

derrear: vergar, curvar, inclinar;

espaldar: parte da cadeira onde a pessoa apoia as costas; respaldo, espalda;

abrochar: unir, apertar, franzir;

mofar: zombar, debochar, troçar;

Des Grieux: personagem da novela História do Cavaleiro Des Grieux e de


Manon Lescaut, de Abade Prévost, 1731. Grieux era um jovem
desinteressado do amor até conhecer uma jovem cortesã (que dá título à
novela), apaixonar-se por ela e transformar-se em um libertino. Conclui-se,
assim, que, no trecho lido, Bentinho quis dizer, para justificar sua inocência,
que até um devasso como Des Grieux já fora uma vez inocente.
Fim do vocabulário.

139

Releitura

Escreva no caderno

1. Dom Casmurro é o título do romance e o apelido do narrador-personagem,


que se chama Bento, ou Bentinho. Nesses dois capítulos, ele relata o início de
seu envolvimento amoroso com a vizinha e amiga Capitu. Na ocasião,
estudava num seminário, preparando-se para ser padre, o que torna o romance
proibido.

a) Tendo em vista os dois textos, que momento pode ser interpretado como o
clímax da narrativa?

Resposta: O momento do beijo entre Bentinho e Capitu, no final do capítulo


XXXIII.

b) Que frase do primeiro parágrafo do texto 1 indica a presença de suspense?


Nessa frase, o que fica em dúvida, ou seja, o que causa suspense?

Resposta: Trata-se da frase "É o que contarei no outro capítulo". Ela deixa
dúvida e curiosidade no leitor, que quer saber se Capitu ensina ou aprende
com Bentinho. Essa dúvida será dirimida no texto 2, quando Capitu provoca o
beijo entre eles.

2. A dúvida a que se refere o item b da questão anterior é desmentida ou


confirmada com a leitura do texto? Exemplifique.

Resposta: A leitura do texto desmente a dúvida, pois nele há indícios que


demonstram que Capitu foi a autora da iniciativa. Exemplos: "Capitu derreou a
cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la [...]";
"Não quis, não levantou a cabeça, [...] até que ela abrochou os lábios [...]".

3. Bentinho, o menino de 15 anos, é o autor dessa dúvida; no entanto, quem


conta a história é Dom Casmurro, o velho teimoso e ensimesmado em que
Bentinho se transformou.

a) Destaque um trecho do texto 2 que se refere ao ponto de vista de Bentinho e


logo em seguida ao de Dom Casmurro.
Resposta: Ponto de vista de Bentinho: "Preso, atordoado, não achava gesto
nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil
palavras cálidas e mimosas...". Ponto de vista de Dom Casmurro: "Não
mofes dos meus quinze anos, leitor precoce. Com dezessete, Des Grieux (e
mais era Des Grieux) não pensava ainda na diferença dos sexos."

b) Qual é a diferença essencial entre os dois pontos de vista, considerando os


estilos em jogo nos fragmentos: o Romantismo e o Realismo? Como esses
estilos são tratados ao longo da narrativa?

Resposta: Enquanto o ponto de vista de Bentinho é romântico, o de Dom


Casmurro é realista. Ao longo da narrativa, o Realismo de Dom Casmurro
sistematicamente ironiza o Romantismo de Bentinho.

4. Os textos machadianos são marcados por interpolações (comentários que


aparecem no texto, geralmente entre parênteses), muitas vezes em tom
irônico, sarcástico.

a) Identifique uma interpolação presente no parágrafo 3 do texto 1 e comente:


por que podemos chamá-la de irônica? Em seguida, transcreva elementos do
trecho que comprovem sua resposta.

Resposta: Trata-se da expressão "perdoai a barateza". Ela é irônica porque


denuncia ao leitor, pedindo-lhe desculpas, a condição social humilde de Capitu.
Os elementos do trecho que comprovam essa resposta referem-se à modéstia
do espelho: "espelhinho de pataca", "moldura tosca", "argolinha de latão" etc.

b) Outro elemento típico do estilo machadiano presente nessa interpolação é a


conversa com o leitor. Identifique o modo verbal que possibilita percebê-la.

Resposta: A conversa com o leitor é percebida por meio do verbo no modo


imperativo, na 2ª pessoa do plural (vós): "perdoai".

5. Considerando que a linguagem de Machado é sutil e ambígua, de múltiplos


sentidos, identifique no parágrafo 3 do texto 1 a frase que sugere que na
verdade Capitu espera por Bentinho, e/ou que a chegada dele causa a ela
grande comoção.

Resposta: A passagem é: "Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na


sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares [...]".
6. Ainda no texto 1, Bentinho e Capitu conversam sobre José Dias, o agregado
da família de Bentinho, que promete ao rapaz convencer a mãe dele, D. Glória,
a desistir de torná-lo padre.

a) Qual dos dois interlocutores insiste mais na necessidade de José Dias


realizar o que prometera? Dê dois argumentos que justifiquem sua resposta.

Resposta: Capitu; é ela quem "puxa" a conversa, insiste nela e faz Bentinho
prometer que fará José Dias conversar com D. Glória.

b) Que frase de Bentinho remete o leitor ao título do capítulo, "Olhos de


ressaca"? O que essa frase indica a respeito dos sentimentos de Bentinho?

Resposta: A frase é: "Deixe ver os olhos, Capitu". Essa frase indica que a
atenção de Bentinho se concentra nos olhos de Capitu.

7. Qual é a semelhança entre a metáfora de José Dias a respeito dos olhos de


Capitu (no parágrafo 14) e a comparação criada por Bentinho ao referir-se a
eles (parágrafo 15)? Justifique.

Resposta: A metáfora de José Dias e a comparação de Bentinho destacam a


malícia dos olhos de Capitu, pois, além de serem de "cigana oblíqua e
dissimulada", eles atraem perigosamente, "como a vaga que se retira da praia,
nos dias de ressaca".

8. O parágrafo 15 do texto 1 é uma longa digressão que substitui o andamento


do enredo por comentários do narrador, constituindo um elemento estilístico
fundamental do texto machadiano. Outros elementos presentes nesse
fragmento digressivo são a metalinguagem e a citação de fontes literárias.
Exemplifique-as com elementos do parágrafo.

Resposta: Metalinguagem: "Retórica dos namorados, dá-me uma comparação


exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu." Citação:
"Este outro suplício escapou ao divino Dante [...]".

9. O elemento central do estilo machadiano presente em todo o trecho da


questão anterior é a ironia. Que estilo literário é ironizado? Por quê?

Resposta: O estilo literário ironizado é o Romantismo, como se percebe pela


expressão "retórica dos namorados".
FIQUE SABENDO

Metalinguagem

Linguagem que tem seu foco no próprio código linguístico, ou seja, tem como
referente a própria linguagem.

140

Machado de Assis (1839-1908)

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, Rio de


Janeiro, e faleceu, também no Rio, aos 69 anos. Filho de um pintor e de uma
lavadeira, ambos muito pobres, ficou órfão muito cedo.

Mulato, tímido, gago e epilético, fez carreira como funcionário público e escritor.
Autodidata, conquistou vasta cultura literária e, embora escrevesse críticas
teatrais e literárias, crônicas, artigos políticos, contos e peças de teatro, a
princípio ganhou nome como poeta.

Aos 30 anos, casou-se com Carolina Xavier de Novais e desde então fez
carreira burocrática, na qual ascendeu e permaneceu até a morte. Foi um dos
fundadores e presidente da Academia Brasileira de Letras; ao longo de mais de
50 anos de vida literária, colaborou em inúmeros jornais e revistas.

LEGENDA: Machado de Assis.

CRÉDITO: 1893. Coleção particular

Principais obras de Machado de Assis

· Poesia (em que desenvolveu o estilo parnasiano): Crisálidas (1864); Falenas


(1869); Americanas (1875); Poesias completas (1901).

· Romance

· Fase romântica: Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874); Helena


(1876); Iaiá Garcia (1878).

· Fase realista: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba


(1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires
(1908).
· Conto: Contos fluminenses (1869); Histórias da meia-noite (1873); Papéis
avulsos (1882); Histórias sem data (1884); Várias histórias (1896); Páginas
recolhidas (1899); Relíquias da casa velha (1906).

· Teatro: Desencantos (1863); Quase ministro (1866); Os deuses de casaca


(1870); Tu, só tu, puro amor (1896).

O REALISMO MACHADIANO

É unânime o reconhecimento de Machado de Assis como um dos maiores


escritores brasileiros de todos os tempos. Além de inaugurar em nosso país um
realismo psicológico sem precedentes nem continuadores, anunciou a
modernidade literária, por meio de obras que até hoje se mantêm novas e
desafiadoras.

Essas obras instigam, provocam e estimulam tanto o leitor comum quanto a


crítica literária, seja pela riqueza de seus procedimentos expressivos, seja pela
densidade de sua temática.

As principais características do estilo machadiano são a combinação irônica


entre riso e melancolia; a criação de enredos não lineares, com a matéria
narrada atravessada por digressões de vários tipos; os diálogos com o leitor e
a tradição literária nacional e internacional; a ironia sarcástica, fina e corrosiva;
o humor sóbrio e desencantado; a penetração nos recônditos mais profundos
da alma humana universal e intemporal.

Escritor múltiplo, inventivo e desconcertante, Machado de Assis exercitou todos


os gêneros literários (poesia, conto, romance, teatro), produziu crônicas
jornalísticas e ensaios teóricos, dialogou criticamente com o Romantismo e
também com as doutrinas positivistas e deterministas, sempre numa
perspectiva adiantada em relação a sua época.

A visão metafísica relativista de todos os valores - e por isso considerada


pessimista -, a linguagem repleta de ambivalências e de ambiguidades e a
compreensão aguda das contradições sociais do país constituem outras
marcas do escritor, cuja produção mais amadurecida passaremos a analisar.

141
Além de Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom
Casmurro, pertencentes à chamada fase realista de Machado de Assis, outros
romances, como Esaú e Jacó e Memorial de Aires, completam a galeria de
obras representativas da maturidade literária do escritor.

Principais características literárias de Machado de Assis

· Antecipação da modernidade literária.

· Enredo não linear.

· Presença constante de digressões.

· Metalinguagem.

· Diálogos com o leitor e com as tradições literárias.

· Análise psicológica/psicanalítica dos personagens.

· Humor sutil e permanente.

· Ironia fina e corrosiva.

· Visão metafísica relativista dos valores humanos (pessimismo).

NAVEGAR É PRECISO

· Procure releituras e adaptações da obra machadiana na internet. Além de


exemplos da grande mídia, busque também trabalhos escolares,
representações teatrais, leitura dramática de trechos, aulas - enfim, toda sorte
de comentários críticos, interpretações etc.

· Mostre para os colegas a releitura que tenha, especialmente, chamado a sua


atenção, permitindo à classe discuti-la criticamente.

Estudo dos principais romances machadianos

Memórias póstumas de Brás Cubas

Supostamente escrito por um narrador-personagem que resolve contar a sua


vida "de além-túmulo", o romance Memórias póstumas de Brás Cubas
apresenta foco narrativo em 1ª pessoa, o que faz com que a palavra do
protagonista o monopolize.

Além disso, trata-se de um relato aparentemente caracterizado pela isenção e


pela imparcialidade, pois quem o realiza se autodenomina um "defunto autor",
isto é, alguém que já não tem necessidade de mentir, pois deixou o mundo e
todas as suas ilusões.

Entretanto, por meio dessa "armadilha", o escritor dialoga criticamente com o


Realismo, seja criando uma situação narrativa fantástica, seja questionando o
mito da isenção e da imparcialidade, na medida em que se trata de um
narrador não confiável.

A principal característica da travessia de Brás Cubas, que pode sintetizar a


história narrada ao longo do livro, é o fracasso, como veremos sobre os
principais acontecimentos de sua vida.

A narração desses acontecimentos e de outros que compõem o livro realiza-se,


como já foi dito, a partir do ponto de vista não confiável de Brás Cubas.
Egocêntrico, prepotente, voluntarioso, insensível, volúvel, inconsequente e
exibicionista, ele sistematicamente comenta os fatos relatados, distorcendo-os
de forma a converter em superioridades os aspectos negativos de sua
personalidade.

Ao mesmo tempo, Brás Cubas constitui uma espécie de símbolo da classe


dominante brasileira de então, em seu descompasso entre ter uma mentalidade
escravocrata e latifundiária e adotar um comportamento ideológico liberal,
"moderno" e "civilizado", recém-importado da Europa.

LEGENDA: Capa do DVD do filme Memórias póstumas de Brás Cubas,


direção de André Klotzel, 2000.

CRÉDITO: Filme de André Klotzel. Memórias póstumas de Brás Cubas. Brasil,


2000

142

Enfim, Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas, ao


travestir-se em um defunto autor, substituiu o realismo fotográfico de sua época
por um realismo radiográfico, ou seja, que disseca o que está além das
aparências, dada a densidade psicológica do romance, que, como outras obras
do autor, antecipa elementos que seriam abordados por Sigmund Freud ao
formular a teoria psicanalítica.

Elementos do enredo
Nascido em berço de ouro, Brás foi um menino malvado e mimado; na
juventude, envolveu-se com Marcela, uma cortesã que o amou "durante quinze
meses e onze contos de réis". Para impedi-lo de dissipar a fortuna dafamília, o
pai o mandou cursar Direito em Coimbra, de ondevoltou "um fiel compêndio de
trivialidade e presunção". Ao retornar, quis casar-se com Virgília e tornar-se
deputado, em outro negócio arranjado pelo pai, mas perdeu a noiva e o cargo
para Lobo Neves. Mais tarde, pretendendo ser ministro, conseguiu o amor
adúltero de Virgília e o cargo de deputado. Nhá Loló, outra possibilidade de
casamento, arranjada pela irmã, morreu vitimada por uma epidemia; Quincas
Borba, um colega de infância que se dizia filósofo, ensinou-lhe o Humanitismo
e depois enlouqueceu. Por fim, Brás dedicou-se a um último projeto, a
invenção de um emplastro contra a hipocondria, que curaria miraculosamente
os males da humanidade. Ao sair de casa para patenteá-lo, contraiu
pneumonia e faleceu.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

[...] Quando o romancista assumiu, naquele livro capital, o foco narrativo, na


verdade passou ao defunto autor Machado-Brás Cubas delegação para exibir,
com o despejo dos que já nada mais temem, as peças de cinismo e indiferença
com que via montada a história dos homens. A revolução dessa obra [...] foi
uma revolução ideológica e formal: aprofundando o desprezo às idealizações
românticas e ferindo no cerne o mito do narrador-onisciente, que tudo vê e tudo
julga, deixou emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente. O que
restou foram as memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e
desfrutador Brás Cubas. [...]

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix,


2006. p. 197.

LEITURA

Capítulo XXVII

Virgília?

Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois?... A
mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus
últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais
íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis
anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais
voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as
mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a
realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe
maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía
das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo
passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era
clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos;
muita preguiça e alguma devoção, - devoção, ou talvez medo; creio que medo.

Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pessoa que devia
influir mais tarde na minha vida; era aquilo com dezesseis anos. Tu que me lês,
se ainda fores viva, quando estas páginas vierem à luz, - tu que me lês, Virgília
amada, não reparas na diferença entre a linguagem de hoje e a que primeiro
empreguei quando te vi? Crê que era tão sincero então como agora; a morte
não me tornou rabugento, nem injusto.

143

- Mas, dirás tu, como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e
exprimi-la depois de tantos anos?

Ah! indiscreta! ah! ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da
Terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das
nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o
homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada
estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida
também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: _____. Machado
de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1962. p. 547, v. 1.

LEGENDA: O primeiro beijo (1943), gravura de Portinari para Memórias


póstumas de Brás Cubas.

CRÉDITO: Cândido Portinari. 1943. Água-forte sobre papel. Coleção Castro


Maya. Museu de Arte Moderna, São Paulo. Reprodução autorizada por João
Cândido Portinari
Releitura

Escreva no caderno

1. Neste capítulo, Brás Cubas descreve Virgília, a mulher com quem quis se
casar e de quem se tornou amante.

Resposta: [...] era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus
últimos dias [...]"; "[...] a morte não me tornou rabugento, nem injusto."

Identifique dois trechos que exemplificam a situação fantástica com que o


romance é construído: o ponto de vista de um defunto autor.

2. Leia esta passagem do texto:

Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do


tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e
fecha os olhos às sardas e espinhas [...]

O que revela a metalinguagem empregada nesse trecho?

Resposta: A metalinguagem revela uma crítica irônica ao Romantismo.

3. Em "Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pessoa que
devia influir mais tarde na minha vida", que recurso bastante frequente do estilo
machadiano pode ser reconhecido?

Resposta: A conversa com o leitor.

4. Quanto à descrição feita pelo narrador de Virgília adolescente, responda:

a) Quais são as principais características físicas da personagem? Utilize um


trecho do texto para justificar sua resposta.

Resposta: Ela era bonita e sensual, como se percebe pelo trecho: "Era bonita,
fresca [...] cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a
outro indivíduo, para os fins secretos da criação".

b) Que adjetivos indicam as características psicológicas de Virgília?

Resposta: "Atrevida", "voluntariosa", "faceira", "ignorante", "pueril".

5. Note que o narrador comenta ironicamente com Virgília o modo como a


descreveu, como se estivesse conversando com ela.
a) Em sua opinião, esse tom de conversa entre narrador e personagem é
desconcertante para o leitor? Justifique.

Resposta: Sim, pois o narrador, que já está morto, transforma a personagem


em leitora do romance, misturando elementos de ficção e elementos de
realidade, o que vai de encontro às expectativas do leitor.

b) Identifique o tema desse comentário e explique o ponto de vista do narrador


a respeito dele.

Resposta: O tema é a diferença entre a linguagem do passado e a do presente;


o ponto de vista é que ambas são sinceras.

144

6. Segundo o narrador, o poder de restaurar o passado nos faz senhores da


Terra.

a) De acordo com o texto, o que acontece quando exercemos esse poder?

Resposta: O que acontece é que adquirimos consciência da "instabilidade das


nossas impressões" e da "vaidade dos nossos afetos".

b) Identifique as palavras desse capítulo que acentuam uma característica da


obra de Machado de Assis: o ponto de vista negativo sobre o ser humano.

Resposta: As palavras instabilidade e vaidade, referentes aos seres


humanos, mostram a negatividade que caracteriza a obra de Machado de
Assis.

7. O capítulo termina com uma digressão filosófica que reafirma a ironia


pessimista do narrador sobre a espécie humana. Explique o procedimento pelo
qual essa digressão é construída.

Resposta: O narrador constrói a digressão por meio da comparação entre as


etapas da vida humana e as da edição de livros.

Quincas Borba

Quincas Borba é um romance cujo título alude ao autor da filosofia do


Humanitismo, Quincas Borba, o filósofo maluco que conhecemos em
Memórias póstumas de Brás Cubas.
Em Memórias póstumas, Quincas Borba, que fora colega de infância de Brás
Cubas, faz a ele uma visita, durante a qual lhe rouba um relógio e desaparece.
Tempos depois retorna rico graças a uma herança.

Em Quincas Borba, o personagem reaparece à beira da morte e


completamente tomado pela demência, que se expressa por meio de uma
violenta "mania de grandeza", ironizada ao longo de todo o romance por meio
da figura de Rubião, o protagonista, que, como veremos, se converte em
discípulo de Quincas Borba.

Elementos do enredo

A história é contada em 3ª pessoa e centraliza-se em Rubião, um professor


mineiro, pobre e simplório, que no início do romance trabalha como enfermeiro
de Quincas Borba, o qual o converte em discípulo.

Com a morte do "filósofo", Rubião herda sua fortuna, sua doutrina filosófica e
seu cão, cujo nome ironicamente também é Quincas Borba.

O enredo de Quincas Borba traz acontecimentos reveladores da ingenuidade


de Rubião, que se muda para o Rio de Janeiro a fim de gozar a herança
deixada por Quincas Borba. Lá experimenta a vida na Corte e dissipa todo o
dinheiro, que é usurpado por aproveitadores. Ao longo desse processo, vai
sendo tomado pela mesma demência - a "mania de grandeza" - de Quincas
Borba. Rubião imita Napoleão III, herói de quem tem um busto em casa.

Quando retorna à cidade natal, Barbacena, sem dinheiro, faminto e passando


frio, uma comadre de Rubião o recolhe. Ele morre nesse lugar, ironicamente
acompanhado do cão e da memória dos dizeres de Quincas Borba - "Ao
vencedor, as batatas" -, que só agora julga compreender de fato.

LEGENDA: Ilustração de Poty para Quincas Borba, de Machado de Assis,


1988.

CRÉDITO: Poty

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

O tema central de Quincas Borba é a transformação do homem em objeto do


homem, a coisificação. O capitalista Cristiano Palha usa a esposa Sofia para
usurpar a fortuna de Rubião, que, no entanto, enlouquece de amor. A ruína de
Rubião (econômica, moral e física) prova a ideia de que "ser fraco é ser
culpado". Esse princípio fora aplicado por Charles Darwin ao descrever a
seleção natural das espécies. Em Quincas Borba, Machado de Assis faz uma
paródia desse processo, mostrando que na sociedade a luta é tão voraz quanto
na natureza.

TEIXEIRA, Ivan. Apresentação de Machado de Assis. São Paulo: Martins


Fontes, 1987. p. 110.

145

LEITURA

Leia um fragmento do capítulo V do romance Quincas Borba e responda às


questões.

Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.

- Queres ser meu discípulo?

- Quero.

- Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres
penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não
há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate
das cousas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês
como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é
Humanitas...

- Mas que Humanitas é esse?

- Humanitas é o princípio. Há nas cousas todas certa substância recôndita e


idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível
[...]. Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é
Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o
homem. Vais entendendo?

- Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...

- Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas


formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não
há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência
da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter
conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos
famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim
adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas
em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo,
não chegam a nutrir-se perfeitamente e morrem de inanição. A paz, nesse
caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a
outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações,
recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo
real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso,
e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que
virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as
batatas.

ASSIS, Machado de. Quincas Borba. In: _____. Machado de Assis: obra
completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1962. v. 1. p. 646.

Releitura

Escreva no caderno

Nesse trecho da obra, Quincas Borba, pouco tempo antes de morrer e já


tomado pela loucura, convida Rubião para ser seu "discípulo" e lhe transmite
alguns rudimentos do Humanitismo: a "doutrina filosófica" por meio da qual
Machado de Assis ironiza o raciocínio evolucionista, positivista e determinista
de sua época.

1. Em sua opinião, o que há de enganoso na argumentação de Quincas Borba


em prol do caráter conservador e benéfico da guerra?

Resposta pessoal. Sugestão: A defesa da tese de Quincas Borba deixa de lado


as criaturas, cuja existência se reduz à necessidade de justificar os conflitos.

2. O que há em comum entre as afirmações e argumentações de Quincas


Borba e o cientificismo da segunda metade do século XIX, presente, por
exemplo, na construção de certos personagens naturalistas?
Resposta: O elemento comum é a tendência mecanicista de utilizar a vida
humana para demonstrar teses que pretendem explicá-la de forma redutora.

3. Relendo o trecho, e considerando o caráter irônico de que se reveste a


presença do Humanitismo na obra, comente o que lhe parece irônico na frase:
"ao vencedor, as batatas".

Resposta pessoal.

Atenção Professor(a), seria interessante uma discussão com a classe sobre a


ironia diante da figura do vencedor, a quem "batatas" não parece constituir uma
recompensa condigna. Fim da observação.

146

Dom Casmurro

Elementos do enredo

Narrado em 1ª pessoa por um narrador-personagem que se autointitula Dom


Casmurro e que conta a vida de Bentinho, o apelido que tinha quando jovem,
esse romance foi lido por muito tempo como mais um exemplo de adultério
feminino explorado pelo realismo naturalista.

Nele se conta a paixão de Bentinho, um menino representante das elites


nacionais, por sua vizinha Capitu, de condição socioeconômica inferior.

Graças à interferência de José Dias, agregado da família de Bentinho, o


personagem sai do seminário, forma-se em Direito, estreita sua amizade com
Escobar, ex-colega de seminário, e se casa com Capitu, cuja amiga Sancha se
casa com Escobar.

O conflito central do romance explicita-se quando Escobar morre num acidente.


Julgando estranha a forma pela qual Capitu contempla o cadáver e lembrando-
se da referência de José Dias aos seus "olhos de cigana oblíqua e
dissimulada", Bentinho entrega-se ao ciúme a ponto de planejar a morte da
esposa e do filho, Ezequiel, que julga cada vez mais parecido com Escobar.

O casal se separa, Capitu e Ezequiel morrem anos depois, e Bentinho, cada


vez mais fechado em si mesmo e atormentado pelas dúvidas, passa a ser
chamado de Dom Casmurro.
FIQUE SABENDO

O enigma de Dom Casmurro

Em Dom Casmurro, quanto mais os tormentos do narrador-personagem


Bentinho transparecem ao leitor, mais a dúvida em relação ao adultério e,
consequentemente, à culpa de Capitu é levantada. Essa dúvida aventa a
possibilidade de não ter havido a traição e, portanto, de a responsabilidade
pela separação caber a Bentinho, que nunca se sentiu seguro diante da
desenvoltura e da vivacidade de Capitu, nem diante da inteligência e da
simpatia de Escobar.

Em 1960, uma estudiosa estadunidense propôs uma releitura do romance que


aponta Bentinho, e não Capitu, como o problema central a ser desvendado.
Desde então, Dom Casmurro vem sendo lido e relido, com novas chaves que
cada vez mais comprovam o caráter enigmático da obra. Entre tais chaves,
destaca-se aquela que comentamos a propósito de Memórias póstumas de
Brás Cubas: a não confiabilidade do narrador, cuja personalidade ciumenta,
invejosa, cruel e prepotente transforma o livro num verdadeiro processo de
acusação contra a esposa.

Assim, em Dom Casmurro, Machado de Assis aborda um tema familiar típico


dos romances de sua época, como O primo Basílio, de Eça de Queirós, e
Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Entretanto, ao mesmo tempo, dá a
esse tema um tratamento tão novo e diferenciado que torna o romance
incompreensível para seus contemporâneos. Essas e outras ambiguidades
desafiam os leitores e a crítica a cada nova leitura, que aprofunda e questiona
as anteriores, sem esgotar, entretanto, as possibilidades interpretativas da obra
- romance modelar do mestre Machado de Assis.

Em tom de conversa

O texto "O penteado", da página 137, é bastante significativo para


compreender as ambiguidades que caracterizam a personagem Capitu, uma
das mais misteriosas da literatura brasileira. Agora, leia e discuta com seus
colegas o seguinte ponto de vista da atriz Fernanda Montenegro a respeito
dela.

LEGENDA: Fernanda Montenegro.


CRÉDITO: Hélvio Romero/Conteúdo Estadão

Ouso falar sobre Capitu como atriz. Como se estivesse analisando um texto de
dramaturgia, juntamente com um elenco, ao redor de uma mesa. Não estou
aqui me arvorando em crítica literária. E como mulher de palco digo que, se eu
tivesse tido na minha vida a oportunidade de tentar interpretar Capitu, partiria
do ponto de vista de sua clara, profunda e inconfundível brasilidade.

Não estou circunscrevendo Capitu à nossa aldeia. Ela é universal como


literatura e como perfil de mulher. Indo além do que já ousei e me arrisquei
nestes parágrafos, intuo que, embora Brasil seja nome masculino, nosso país,
por nossa complexidade oblíqua, energética, misteriosa, pela nossa história
contada sempre de uma forma tão dissimulada e pelo fascínio tão decantado
de nossos trópicos, é, no fundo, uma nação Capitu.

MONTENEGRO, Fernanda apud SCHPREJER, Alberto (Org.). Quem é


Capitu? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 14-15.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 7, comentários sobre esta seção. Fim da observação.

147

Os contos de Machado de Assis

A despeito da grandeza de seus romances da fase realista, muitos críticos


consideram os contos machadianos o melhor do que ele escreveu. Leia o boxe
a seguir para conhecer as razões desse parecer.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Embora qualquer de seus melhores romances - Memórias póstumas de Brás


Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro - seja superior a tudo o que em seu
tempo se escreveu e à imensa maioria dos livros que depois se publicaram,
possa e deva perdurar em nossa literatura como modelo em seu gênero, foi
incontestavelmente como contista que Machado de Assis fez as suas obras-
primas. [...] em Papéis avulsos, Histórias sem data, Páginas recolhidas,
Várias histórias e Relíquias da casa velha [...] quase tudo é de primeira
ordem, e a maior parte é de páginas perfeitas. "O alienista", "O empréstimo",
"O espelho", "Verba testamentária", "A igreja do diabo", "Último capítulo",
"Cantiga de esponsais", "Singular ocorrência", "Fulano", "Galeria póstuma",
"Anedota pecuniária", "Noite de almirante", "O caso da vara", "Eterno!", "Missa
do galo", "Um erradio", "Ideias de canário", "Papéis velhos", "A cartomante",
"Uns braços", "Um homem célebre", "A causa secreta", "O enfermeiro", "O
diplomático", "Conto de escola", "Marcha fúnebre", "Um capitão de voluntários",
"Suje-se gordo!", "Umas férias", "Evolução", "Anedota do Cabriolet", "Só!", "O
escrivão Coimbra", "Um quarto de século", "Valério", "A mágoa do infeliz
Cosme", "Sem olhos", "Um almoço", "O programa" - e talvez alguns tenham
sido esquecidos - representam, não só a culminância da obra de Machado de
Assis, como um conjunto cuja harmonia foi raramente atingida.

Harmonia que resulta, já da coerência e da constância dos pontos de vista de


Machado de Assis em relação ao homem e à vida, já da límpida simplicidade
da sua narrativa, já e sobretudo da adequação da sua linguagem e do seu
estilo às suas ideias. Há uma singular unidade na obra toda - contos, romances
e crônicas [...] - desse homem que escreveu tanto e durante tanto tempo,
sempre fiel a si mesmo, à sua descrença no destino e na natureza humana, à
sua crença na arte. A escolha dos temas como a das palavras parece ter nele
obedecido sempre o mesmo desejo de buscar as nuanças, de fixar as
sutilezas, de descobrir secretas relações. A tendência que o fazia notar um
movimento recôndito da alma de uma personagem era, em essência, a mesma
que o levava a colar a um substantivo um adjetivo inesperado, mas que lhe
conferia maior significação.

PEREIRA, Lúcia Miguel. História da literatura brasileira: prosa de ficção (de


1870 a 1920). Rio de Janeiro: José Olympio: MEC, INL, 1973. p. 100-101.

LEGENDA: A Estação, 15 de maio de 1884. Vários contos de Machado de


Assis foram publicados no suplemento literário dessa revista feminina.

CRÉDITO: A Estação. 1884. Coleção particular

E MAIS...

Apresentação

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 7, comentários sobre esta seção. Fim da observação.
Leia e releia o conto "Uns braços", verdadeira obra-prima da contística
machadiana, e faça um estudo do texto para apresentá-lo aos colegas e ao (à)
professor(a). O conto pode ser baixado no site Domínio Público
(http://tub.im/ymmfu8. Acesso em: 12 maio 2016). Utilize como roteiro as
questões propostas a seguir.

1. O narrador do conto é onisciente, isto é, domina o universo mental dos


personagens, sabendo a respeito deles mais do que eles mesmos podem
compreender. Ao mesmo tempo, fornece a nós, leitores, indícios, pistas sobre a
história que vai contar: trata-se de uma história de amor e sedução.

148

a) Em qual parágrafo percebemos a paixão de Inácio por D. Severina?

Resposta: No sétimo parágrafo.

b) Que relação há entre esse parágrafo e o título do conto?

Resposta: Nesse parágrafo, ficamos sabendo que o título do conto refere-se


aos braços de D. Severina, para os quais Inácio olha apaixonadamente.

c) Como você explicaria a atenção que Inácio dedica aos braços de D.


Severina?

Resposta: Inácio não ousa mirar D. Severina nos olhos: acostuma-se então a
espreitá-la à mesa de olhos baixos. Assim, só consegue ver seus braços. Além
disso, não era comum as mulheres trazerem os braços nus. Daí chamarem
tanto a atenção do rapaz.

2. Na sua opinião, é verdadeira a afirmação de que D. Severina é culpada da


paixão de Inácio? Por quê?

Resposta pessoal. Professor(a), espera-se que os alunos percebam que não.


D. Severina é simples, sem adornos, nem bonita nem feia, "antes grossa que
fina", seus braços andam nus não por faceirice, mas por falta de vestidos de
manga comprida.

3. Chama-se interpolação um comentário à margem do texto, geralmente


colocado entre parênteses. No conto, um exemplo de interpolação é a
expressão "capciosa natureza!", com a qual o narrador se refere a D. Severina.
Na sua opinião, o que há de irônico nessa interpolação?

Resposta: Essa interpolação é irônica porque se refere à malícia de D.


Severina ao lidar com a própria consciência, fingindo algo que não sentia para
se eximir de denunciar o rapaz ao marido.

4. Ao longo do desenvolvimento do enredo, vamos percebendo indícios de que


D. Severina ao mesmo tempo rejeita e compartilha o desejo de que é objeto.

a) Com que atitudes ela revela essa relação ambígua?

Resposta: D. Severina revela essa reação ambígua ora sendo áspera, ora
sendo meiga com Inácio; ora esquivando-lhe os olhos, ora demorando-os nele.

b) Dentre as atitudes contraditórias de D. Severina, predominam as de


proximidade ou de afastamento? Justifique.

Resposta: Predominam as atitudes de proximidade, que assumem um modo


maternal de expressão.

5. O clímax ou ponto culminante da história acontece num "imenso domingo


universal".

a) Que passagem do parágrafo 27 indica que nesse conto há uma


rememoração do passado no presente?

Resposta: A passagem é "nunca ele esqueceu esse domingo".

b) Como você interpreta a expressão "um imenso domingo universal", tendo


em vista os acontecimentos que se desencadeiam?

Resposta: Domingo universal pode significar um tempo "fora do tempo", um


feriado, um momento absoluto em que um sonho de um rapaz se transforma
em realidade.

6. Para qual dos protagonistas o encontro foi real e para qual foi imaginário?
Por quê?

Resposta: O encontro foi imaginário para Inácio, porque ele beijou D. Severina
em sonho. Para ela, no entanto, foi um encontro real, já que beijou de fato o
rapaz enquanto ele dormia.
7. Na sua opinião, por que se trata de um texto realista, e não romântico,
considerando que explora a temática amorosa, tão preciosa ao Romantismo?

Resposta: Percebem-se as características realistas do conto no modo pelo qual


a temática amorosa é apresentada: a análise psicológica dos protagonistas,
destituída de maniqueísmos, o clímax e o desfecho verossímeis (sem
revelações surpreendentes, lances trágicos ou happy endings) etc.

Os recursos estilísticos

Vamos ler fragmentos de textos de Machado de Assis e neles reconhecer os


principais procedimentos estilísticos utilizados pelo escritor. Dessa forma,
poderemos perceber aspectos não apenas modernos, mas que podemos
considerar contemporâneos de sua escritura, entendendo as razões pelas
quais ela se mantém viva e atuante em pleno século XXI.

1
Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que
fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre
é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a
sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o
maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro
anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e
este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda,
andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam
e caem...

Metalinguagem irônica e digressiva.


Humor corrosivo, demolidor das ilusões românticas.
Conversa provocativa com o leitor, fazendo parecer sem importância o que é
fundamental e vice-versa.
Comparação insólita, que ironiza o leitor acostumado com o folhetim romântico
e dá pistas de leitura do romance.

Memórias póstumas de Brás Cubas


149

2
Aqui é que eu quisera ter dado a este livro o método de tantos outros, - velhos
todos, - em que a matéria do capítulo era posta no sumário: "De como
aconteceu isto assim, e mais assim". Aí está Bernardim Ribeiro; aí estão outros
livros gloriosos. Das línguas estranhas, sem querer subir a Cervantes nem a
Rabelais, bastavam-me Fielding e Smollet, muitos capítulos dos quais só pelo
sumário estão lidos. Pegai em Tom Jones, livro IV, cap. I, lede este título:
Contendo cinco folhas de papel. É claro, é simples, não engana a ninguém; são
cinco folhas, mais nada, quem não quer não lê, e quem quer lê, para os últimos
é que o autor conclui obsequiosamente: "E agora, sem mais prefácio, vamos ao
seguinte capítulo".

Digressão metalinguística.
Citação irônica de fontes literárias.
Conversa com o leitor, questionando o processo de criação literária.
Microcapítulo metalinguístico.

Quincas Borba

3
A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e
remorsos; mas Fortunato ouviu-a com singular interesse. Nos lances dolorosos,
a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um personagem a
outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça reminiscências
pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas Fortunato não
esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi pelo Beco do
Cotovelo, Rua de S. José, até o Largo da Carioca. Ia devagar, cabisbaixo,
parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que dormia; o cão
ficava ganindo e ele ia andando.
Imagens irônicas, inesperadas.
Caracterização substantiva e refinada de um tipo sádico.

"A causa secreta"

E MAIS...

Documentário

Reúna-se com seus colegas e procure conhecer detalhes da vida de Machado


de Assis. Como - sendo mulato, pobre, órfão - se transformou num dos maiores
escritores brasileiros de todos os tempos?

Use a internet e outros recursos para recuperar a travessia desse escritor,


reunindo o material coletado num documentário que seja mostrado em classe e
divulgado em um site de hospedagem de vídeos, após avaliação da classe.

Um excelente exemplo de documentário, para servir como ponto de partida do


trabalho, é Machado de Assis, um mestre na periferia, que você pode
encontrar na internet.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, estudamos Machado de Assis, um dos maiores escritores


brasileiros de todos os tempos, que cultivou prosa de ficção (romance, conto),
poesia, teatro, crítica, polêmica, crônica etc.

Criador de um Realismo psicológico sem precedentes nem continuadores, que


antecipa a modernidade literária, seu estilo é marcado sobretudo por: enredo
não linear, presença constante de digressões metalinguísticas, diálogos com o
leitor e com as tradições literárias, humor sutil e permanente e análise
psicológica/ psicanalítica dos personagens, por meio de ironia fina e corrosiva.

A visão machadiana sobre o ser humano é chamada de pessimista por


relativizar sistematicamente todos os valores instituídos, entre os quais se
destacam o Romantismo e as ideias positivistas e deterministas vigentes na
época.

150

Atividades

Escreva no caderno
1. (UnB-DF)

O emplasto

Um dia de manhã, estando a passear na chácara, 3pendurou-se-me uma ideia


no trapézio que eu tinha no cérebro.

Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais 1arrojadas


cambalhotas. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto,
estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou
devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um


emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica
humanidade.

Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para


esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as
vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de
tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da
vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver
impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e, enfim, nas caixinhas
do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu
tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os
modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de
reconhecer os hábeis. Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as
medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e
lucro; de outro, 2sede de nomeada. Digamos: - amor da glória.

Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória
temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao
que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o
amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem e,
consequentemente, a sua mais genuína feição.

Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Obra completa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 514-515, v. I (com adaptações).
Com relação ao texto acima, à obra Memórias póstumas de Brás Cubas e a
aspectos por eles suscitados, julgue os itens subsequentes.

a) O compromisso do narrador com a verdade dos fatos, honestidade


decorrente da vida além-túmulo, e o seu interesse pela ciência e pela filosofia
aproximam a narrativa de Memórias póstumas de Brás Cubas da forma de
narrar do Naturalismo, ou seja, da descrição objetiva da realidade.

Resposta: incorreto

b) As "arrojadas cambalhotas" (ref. 1) da ideia inventiva de Brás Cubas


relacionam-se à forma como Machado de Assis compôs esse romance, no qual
o narrador intercala a narrativa de suas memórias com divagações acerca de
temas diversos, o que produz constante vaivém na condução do enredo.

Resposta: correto

c) A narrativa das diferentes faces de uma mesma ideia expressa a


singularidade do realismo machadiano, que ultrapassa as convenções realistas
- focadas em desvelar as razões econômicas das causas humanitárias - e
alcança dimensão mais profunda: a de desnudar o cinismo com que filantropia
e lucro são reduzidos a caprichos do defunto autor em sua "sede de nomeada"
(ref. 2).

Resposta: correto

d) A partir de Memórias póstumas de Brás Cubas, o conjunto da obra


machadiana divide-se em duas fases: a primeira é constituída por obras em
que o foco narrativo é em terceira pessoa e o tema revela interesse pela sorte
dos pobres, como em Helena, por exemplo; a segunda é formada de obras
construídas a partir da perspectiva do narrador-personagem associado à classe
dominante local, a exemplo de Dom Casmurro.

Resposta: correto

151

e) No trecho "pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro"


(ref. 3), a combinação dos pronomes "se" e "me" exemplifica a variante padrão
da língua portuguesa à época do texto. No que se refere ao português
contemporâneo, uma estrutura equivalente que manteria a ênfase no sujeito da
oração e a correção gramatical seria a seguinte: uma ideia pendurou-se no
trapézio que eu tinha em meu cérebro.

Resposta: correto

2. (UFRN) A passagem transcrita abaixo faz parte do capítulo IX ("Transição"),


de Memórias póstumas de Brás Cubas:

E vejam agora com que destreza, com que arte faço eu a maior transição deste
livro. Vejam: o meu delírio começou em presença de Virgília; Virgília foi meu
grão pecado da juventude; não há juventude sem meninice; meninice supõe
nascimento; e eis aqui como chegamos nós, sem esforço, ao dia 20 de outubro
de 1805, em que nasci. Viram? Nenhuma juntura aparente, nada que divirta a
atenção pausada do leitor: nada.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática,
2000.

Este fragmento ilustra bem o estilo narrativo da obra, que é marcada pela:

a) liberdade técnica com que se encadeiam os eventos da história.

b) rigidez da técnica narrativa, indispensável à Escola Realista.

c) fidelidade à ordem cronológica linear dos acontecimentos.

d) negação da cientificidade narrativa típica da Escola Romântica.

Resposta: Alternativa a.

3. (UPF-RS) Acerca de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de


Assis, não se pode afirmar:

a) O protagonista e narrador do romance é um personagem que vive de


aparências, sempre rondando a periferia do poder.

b) Por meio da construção do personagem Brás Cubas acontece uma inversão


da trajetória típica dos heróis do mundo burguês.

c) A irreverência e desrespeito a tudo e a todos que se observam na técnica de


narrar são uma representação da desfaçatez da classe dominante.
d) No enredo desenha-se uma relação de favor entre proprietários e seus
dependentes, imitando claramente o tipo de relacionamento de classe que
estruturava a sociedade brasileira do período em que se passa a história.

e) Aborda a complexidade dos indivíduos, retratada com idealização romântica,


como se observa na análise que Brás Cubas faz dos sentimentos que Marcela
alimentava por ele.

Resposta: Alternativa e.

4. (Enem/MEC)

Capítulo III

Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava


açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata,
ouro, eram os metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o
amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica este par de
figuras que aqui está na sala: um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de
escolher, escolheria a bandeja, - primor de argentaria, execução fina e
acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e não foi sem
resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que lhe
dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e não queria
línguas estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe a
necessidade de ter criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom
pajem, que ele queria pôr na sala, como um pedaço da província, nem o pode
deixar na cozinha, onde reinava um francês, Jean; foi degradado a outros
serviços.

ASSIS, M. Quincas Borba. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1993. v. 1 (fragmento).

152

Quincas Borba situa-se entre as obras-primas do autor e da literatura


brasileira. No fragmento apresentado, a peculiaridade do texto que garante a
universalização de sua abordagem reside:

a) no conflito entre o passado pobre e o presente rico, que simboliza o triunfo


da aparência sobre a essência.
b) no sentimento de nostalgia do passado devido à substituição da mão de
obra escrava pela dos imigrantes.

c) na referência a Fausto e Mefistófeles, que representam o desejo de


eternização de Rubião.

d) na admiração dos metais por parte de Rubião, que metaforicamente


representam a durabilidade dos bens produzidos pelo trabalho.

e) na resistência de Rubião aos criados estrangeiros, que reproduz o


sentimento de xenofobia.

Resposta: Alternativa a.

5. (Enem/MEC)

Quincas Borba mal podia encobrir a satisfação do triunfo. Tinha uma asa de
frango no prato, e trincava-a com filosófica serenidade. Eu fiz-lhe ainda
algumas objeções, mas tão frouxas, que ele não gastou muito tempo em
destruí-las.

- Para entender bem o meu sistema, concluiu ele, importa não esquecer nunca
o princípio universal, repartido e resumido em cada homem. Olha: a guerra,
que parece uma calamidade, é uma operação conveniente, como se
disséssemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome (e ele chupava
filosoficamente a asa de frango), a fome é uma prova a que a Humanitas
submete a própria víscera. Mas eu não quero outro documento da sublimidade
do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi
plantado por um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu esse
africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de
madeira cortada no mato por dez ou doze homens, levado por velas, que oito
ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho
náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de
uma multidão de esforços e lutas, executadas com o único fim de dar mate ao
meu apetite.

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Civilização


Brasiliense, 1975.
A filosofia de Quincas Borba - a Humanitas - contém princípios que, conforme a
explanação da personagem, consideram a cooperação entre as pessoas uma
forma de:

a) lutar pelo bem da coletividade.

b) atender a interesses pessoais.

c) erradicar a desigualdade social.

d) minimizar as diferenças individuais.

e) estabelecer vínculos sociais profundos.

Resposta: Alternativa b.

6. (Unicamp-SP) Os trechos abaixo foram extraídos de Dom Casmurro, de


Machado de Assis.

Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela
verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se
casa bem à definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um
quatuor...

Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros
omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que
faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as cousas que não
achei nele. Quantas ideias finas me acodem então! Que de reflexões
profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos
me aparecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os
generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam
as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista.

É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as
lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008. p. 213.

a) Como a narrativa de Bento Santiago pode ser relacionada com a afirmação


de que a verossimilhança é "muita vez toda a verdade"?

Resposta: Segundo Bento Santiago, a verossimilhança, harmonia entre


elementos fantasiosos que garantem a coerência da narrativa, é vista, muitas
vezes, como verdade inquestionável. Isso significa que o ponto de vista de
quem escreve pode ser tomado como verdadeiro, sem levar em conta a
subjetividade do narrador, como ocorre com Bento Santiago, que, convencido
da traição de Capitu, induz o leitor a aceitar a sua tese.

b) Considerando essa relação, explicite o desafio que o segundo trecho propõe


ao leitor.

Resposta: No segundo trecho, o narrador desafia o leitor a descobrir nas


entrelinhas da narrativa as verdadeiras intenções dos personagens ou a
ambiguidade das suas ações, de maneira a completar tudo aquilo que não foi
dito.

153

GRAMÁTICA

CAPÍTULO 1 | Pronome

CAPÍTULO 2 | Verbo

CAPÍTULO 3 | Palavras invariáveis

CAPÍTULO 4 | A sintaxe - conceitos gerais · Sujeito e predicado

CAPÍTULO 5 | Os verbos no predicado · Termos associados ao verbo

CAPÍTULO 6 | Termos associados a nomes · Vocativo

CRÉDITO: Felipe Nunes

154

capítulo 1 - Pronome

Classes gramaticais

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Artigos

· BIZZOCCHI, Aldo. O nome de quem? Revista Língua Portuguesa, ed. 116,


jun. 2015. Disponível em: http://tub.im/kasqhh. Acesso em: 3 mar. 2016.

· BIZZOCCHI, Aldo. O pronome milenar. Revista Língua Portuguesa, ed. 116,


jun. 2015. Disponível em: http://tub.im/26bgre. Acesso em: 3 mar. 2016.
Ensaio

· MORENO, Cláudio. Retos e oblíquos. In: _____. O prazer das palavras.


Porto Alegre: L&PM, 2007.

155

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 183 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

INTRODUÇÃO

No volume 1 desta coleção, vimos que classe gramatical (ou classe


morfológica) é o conjunto formado por todas as palavras que têm a mesma
finalidade (dar nomes, atribuir características etc.). Vimos também que as
palavras da língua portuguesa se distribuem em dez classes gramaticais.

O substantivo, o adjetivo, o artigo e o numeral já foram estudados no


volume 1. A partir deste capítulo, vamos dar continuidade ao estudo das
classes gramaticais, tratando inicialmente do pronome.

PARA NÃO ESQUECER

Classes gramaticais

· substantivo

· adjetivo

· artigo

· numeral

· pronome

· verbo

· advérbio

· preposição

· conjunção

· interjeição

PRONOME

Conceito e classificação geral


Compare estas duas formas de construção de uma mesma frase:

QUADRO 1

O homem supõe que é superior à natureza, por isso o homem destrói a


natureza, sem pensar que a natureza é essencial para a vida do homem.

QUADRO 2

O homem supõe que é superior à natureza, por isso ele a destrói, sem pensar
que ela é essencial para a sua vida.

LEGENDA: O maior desastre ambiental do Brasil: Bento Rodrigues, distrito de


Mariana (MG), destruído por lama tóxica após rompimento de uma barragem
de rejeitos de mineração, em novembro de 2015.

CRÉDITO: Christophe Simon/AFP Photo/Getty Images

Na frase do quadro 1, dois substantivos aparecem desnecessariamente


repetidos. Já no quadro 2 , os substantivos repetidos de 1 foram substituídos
pelas palavras destacadas. Assim:

· ele - substitui o nome "[o] homem".

· a e ela - substituem o nome "[a] natureza".

· sua

substitui "[d]o homem"

determina/limita o sentido de "vida" (sua vida = vida do homem)

Essas quatro palavras - ele, a, ela e sua - funcionam como pronomes.

Agora observe, no enunciado a seguir, o papel textual da palavra destacada:

· Tirar notas altas nas provas, sem assistir às aulas e sem estudar em casa?!
Ah... É muito difícil! Só quem é meio "gênio" consegue isso.
Palavra que, funcionando como pronome, substitui toda a frase "Tirar notas
altas nas provas, sem assistir às aulas e sem estudar em casa".

156
Atenção Professor(a), sob a designação de pronomes reúne-se um grupo de
palavras bastante heterogêneo quanto às características sintáticas e
semânticas, razão pela qual é impraticável, em um curso escolar, discutir todos
os seus aspectos. Caso haja interesse em aprofundar o estudo, sugere-se
recorrer às obras Gramática descritiva do português, de Mário A. Perini
(Editora Ática) e Gramática de usos do português, de Maria Helena de
Moura Neves (Editora Unesp). Fim da observação.

Os exemplos da página anterior possibilitam conceituar assim essa classe


gramatical:

Pronome é a palavra que:

· Substitui um nome (substantivo).

· Acompanha um nome, determinando/limitando o sentido dele.

· Substitui segmentos textuais: parte(s) de frase, frase(s) inteira(s) ou


conjunto(s) de frases.

Os pronomes constituem uma das classes morfológicas mais importantes do


idioma, tanto na perspectiva de seu emprego funcional nos atos de
comunicação quanto na perspectiva do estudo didático dos diferentes
subgrupos de palavras que integram essa classe.

As palavras que fazem parte da classe dos pronomes apresentam, como


veremos, diferentes empregos: algumas têm a função principal de fazer
referência ao emissor e ao receptor e, assim, estabelecer entre eles certos
vínculos do ato de comunicação; outras são empregadas pelo emissor para
fazer referência a pessoas, coisas, ideias etc. citadas por ele; outras, ainda,
exprimem ideia de posse, e assim por diante.

As múltiplas funções dos pronomes possibilitam subdividi-los em seis grupos,


cada um deles constituído por um conjunto de palavras de características e
empregos semelhantes. Veja o quadro:

Classificação geral dos pronomes

· Pronomes pessoais

· Pronomes possessivos
· Pronomes demonstrativos

· Pronomes indefinidos

· Pronomes relativos

· Pronomes interrogativos

Atenção Professor(a), como já ficou esclarecido no volume 1, as relações


morfossintáticas serão tratadas nos capítulos de 4 a 6, que são destinados ao
estudo da sintaxe da oração. Fim da observação.

Vamos estudar, inicialmente, os pronomes pessoais e os possessivos;


depois, na segunda parte deste capítulo, trataremos dos outros quatro grupos.

PARA QUE SABER?

Os pronomes exercem um importante papel na estruturação das frases e, em


consequência, na estruturação dos textos. Conhecer-lhes as características e
possibilidades de usos ajudará você a:

· Utilizá-los de forma adequada à modalidade culta do idioma, ao escrever ou


falar empregando essa variedade linguística.

· Compreender melhor o que lê (os pronomes são essenciais para a articulação


entre as partes do texto, isto é, para a coesão textual).

· Produzir enunciados bem construídos quanto à estrutura gramatical, coesão e


clareza.

ESTUDO DOS PRONOMES (1ª PARTE)

Pronomes pessoais

Um discurso - ato linguístico de comunicação - realiza-se por meio de relações


que se estabelecem entre um emissor, um receptor e o assunto (alguém ou
alguma coisa a que o emissor se refere). Esses três componentes denominam-
se, pela ordem: 1ª pessoa, 2ª pessoa e 3ª pessoa do discurso.

Leia, como exemplo, este diálogo entre o garotinho Calvin e Susie, colega de
escola dele.

FONTE: WATTERSON, Bill. Os dez anos de Calvin e Haroldo. São Paulo:


Best News, 1996.
CRÉDITO: © 1989 Watterson/Dist. by Universal Uclick

157

Vamos identificar, no primeiro quadrinho, as três pessoas do discurso.

"Oi, Susie! Você escreveu o seu trabalho?"

· Emissor: Calvin → 1ª pessoa

· Receptor: Susie → 2ª pessoa

· Assunto: o trabalho → 3ª pessoa

"É, eu levei a tarde toda nele. E você?"

· Emissor: Susie → 1ª pessoa

· Receptor: Calvin → 2ª pessoa

· Assunto: o trabalho → 3ª pessoa

Agora observe, nas duas falas, estes pronomes empregados pelos dois
interlocutores:

· Na fala de Calvin:

você → representa Susie (2ª pessoa).

· Na fala de Susie:

eu → representa a própria Susie (1ª pessoa).

[n]ele → representa "o trabalho" (3ª pessoa).

você → representa Calvin (2ª pessoa).

Os pronomes você, eu e ele são exemplos de pronomes pessoais.

Pronomes pessoais são pronomes que, num ato de comunicação,


representam as três pessoas do discurso.

As três pessoas do discurso podem ocorrer no singular ou no plural e,


dependendo do enunciado, elas são representadas por diferentes formas de
pronomes pessoais. Veja o quadro:

1ª pessoa do singular eu, me, mim, comigo


do plural nós, nos, conosco

tu, te, ti, contigo


2ª pessoa do singular
você, o/a, se, si, consigo, lhe

vós, vos, convosco


do plural
vocês, os/as, se, si, consigo, lhes

3ª pessoa do singular ele/ela, o/a, se, si, consigo, lhe

do plural eles/elas, os/as, se, si, consigo, lhes

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "O sistema pronominal", na seção "Complementação
teórica". Fim da observação.

Note, no quadro acima, que cada grupo é constituído por diferentes formas de
um mesmo pronome pessoal. O emprego de uma ou de outra forma de um
determinado pronome depende, como veremos mais à frente, da estrutura da
frase em que ele é utilizado.

Complementos teóricos

1. As formas "tu" e "você" são equivalentes, ou seja, designam a 2ª pessoa


(pessoa com quem se fala), mas exigem que, na variedade culta do idioma, o
verbo a elas associado se flexione de formas diferentes. Compare:

· Tu falaste com ela ontem?


verbo na 2ª pessoa do singular
· Você falou com ela ontem?
verbo na 3ª pessoa do singular

Na variedade coloquial-popular, no entanto, essa diferenciação na forma verbal


desaparece, porque a maioria dos falantes que usa a forma tu emprega o
verbo na 3ª pessoa. Compare mais estes exemplos:

· Sei que tu pesquisaste bem esse assunto. → variedade culta

· Sei que tu pesquisou bem esse assunto. → variedade coloquial-popular


· Sei que você pesquisou bem esse assunto. → variedades culta e coloquial-
popular

2. A forma vós, de raríssimo uso, restringe-se atualmente a situações de


comunicação solenes e muito formais, como em textos religiosos, por exemplo.

158

O emprego da expressão "a gente" como pronome pessoal

A expressão "a gente", há muitos (muitos!) anos vem sendo usada como
pronome pessoal. Ela, no entanto, pelo menos "oficialmente" ainda não integra
a classe dos pronomes, embora seja empregada cotidianamente por todos os
brasileiros. A respeito desse uso, leia este texto:

As línguas mudam com o tempo e as mudanças ocorrem paulatinamente sem


os usuários perceberem. Uma mudança "dramática" na língua portuguesa [...] é
o uso da expressão "a gente" como pronome. [...]

Ana Maria Zilles, numa pesquisa de vulto sobre o tema [...] comenta que o
substantivo "a gente" em português adquiriu no curso de seu desenvolvimento
a função gramatical de pronome. Ana Maria informa que existe um paralelo
com o pronome "você", que se originou da forma de tratamento "vossa mercê",
utilizada inicialmente para se dirigir ao rei, mais tarde usada por entre a
nobreza na corte e mais recentemente pela burguesia portuguesa e brasileira.

No seu desenvolvimento histórico, "vossa mercê" sofreu várias reduções


fonológicas: vossamecê, vosmicê, você. A diferença entre os dois pronomes é
que "você" se originou da elite, ao passo que "a gente" tem origem na fala
popular. "A gente" ocorre hoje em dia na fala de todas as classes sociais e de
diferentes graus de instrução, principalmente em textos informais e, nos últimos
anos, em textos semiformais.

O uso de "a gente" ainda não tem prestígio oficial, sendo considerado pouco
apropriado em textos formais [...].

Na fala, no entanto, impera. Ouve-se "a gente" em sermões (especialmente os


improvisados, não escritos), reuniões de condomínio, encontros entre pais e
mestres, comícios e interações entre professores e alunos em sala de aula,
conversas ou bate-papos virtuais.
Em vez de excluir (como o uso excessivo do pronome "nós" pode fazer), "a
gente" é democrático, pois inclui as pessoas presentes na conversa, nivela
diferenças sociais e aproxima os participantes no discurso. [...]

SCHMITZ, John Robert. Coisa da gente. Revista Língua Portuguesa. São


Paulo: Segmento. n. 11, p. 44-45, set. 2006.

Subdivisão dos pronomes pessoais: retos e oblíquos sujeito

Uma palavra, quando participa da estrutura de uma oração, além de integrar


uma determinada classe gramatical (substantivo, adjetivo, pronome etc.),
exerce também outra função, chamada de função sintática. A função sintática
de uma palavra depende das associações que ela estabelece com as demais
palavras com as quais se combina para formar a oração.

Os pronomes pessoais, dependendo de como são empregados nas orações,


podem exercer a função sintática de sujeito ou de complemento. Essa dupla
possibilidade de função leva a uma subdivisão desses pronomes em
pronomes pessoais retos e pronomes pessoais oblíquos. Assim:

Se o pronome pessoal exerce a função de sujeito ⇒ pronome pessoal reto.

Se o pronome pessoal exerce a função de complemento ⇒ pronome pessoal


oblíquo.

Veja nestes exemplos:

· Nós tivemos só uma oportunidade de conversar com ele.


pronome reto (porque é o sujeito)
pronome oblíquo (não é o sujeito; é complemento)

· Ele deixou muito claro que jamais desconfiaria de nós.


pronome reto (porque é o sujeito)
pronome oblíquo (não é o sujeito; é complemento)

FIQUE SABENDO

1. Oração - qualquer frase ou parte de frase construída em torno de um verbo.

2. Sujeito* - termo (palavra ou expressão) com o qual o verbo estabelece


relação de concordância. Exs.:
*Atenção Professor(a), a respeito do conceito de sujeito aqui antecipado, ver
em Conversa com o professor, nas Orientações específicas, o item "O
conceito sintático de sujeito" na seção "Complementação teórica". Fim da
observação.

· Dois aviões cruzaram o céu.

· Caiu um temporal.

3. Complemento - termo que, na oração, completa o sentido de um verbo ou


de um nome. Exs.:

· Dois aviões cruzaram o céu.

· Eles confiam em nós.

Nota: Os conceitos de sujeito e complemento serão detidamente estudados


em análise sintática (capítulos de 4 a 6).

159

Note, pelos exemplos, que a classificação de uma forma pronominal como


pronome reto ou pronome oblíquo não é fixa; ela depende da função
sintática que o pronome exerce no enunciado.

O quadro a seguir apresenta, para consulta, as diferentes formas de pronomes


pessoais e as funções - sujeito ou complemento - que elas podem exercer.

Pronome pessoal oblíquo


(função de complemento)

Pronome pessoal
Grupo 1 (não precedidos de Grupo 2 (precedidos
reto (função de
preposição) de preposição)
sujeito)

Singular eu me mim, comigo

tu te ti, contigo
você você, se, o/a, lhe você, si, consigo

ele/ela se, o/a, lhe si, ele/ela, consigo


Plural nós nos nós, conosco

vós vos vós, convosco


vocês vocês, se, os/as, lhes vocês, si, consigo

si, eles/elas,
eles/elas se, os/as, lhes
consigo

Atenção Professor(a), se julgar necessário, comentar que: 1) tradicionalmente,


chamam-se oblíquos átonos os pronomes do grupo 1 e oblíquos tônicos os
do grupo 2 - embora a classificação átono/tônico não se aplique a palavras de
mais de uma sílaba (ele, você etc.); 2) na função de predicativo, também se
empregam os pronomes retos. Ex.: O culpado pela confusão foi ele. Fim da
observação.

Complemento teórico

Existem determinadas palavras e expressões chamadas de pronomes de


tratamento que equivalem a pronomes pessoais e são empregadas quando o
falante se dirige a alguém de maneira respeitosa e formal, ou quando, também
formalmente, faz referência a essa pessoa. Exemplos:

· Vossa Majestade (V. M.) - para reis/rainhas e imperadores/imperatrizes.

· VossaAlteza (V. A.) - para príncipes/princesas.

· Vossa Excelência (V. Exª) - para altas autoridades.

Principais empregos dos pronomes pessoais

Algumas das formas dos pronomes pessoais têm usos diferentes na variedade
culta e na variedade coloquial-popular do idioma. Vamos conhecer as principais
diferenças entre esses usos.

a. Empregos das formas eu e mim, tu e ti

Consultando o quadro geral dos pronomes acima, podemos observar o


seguinte em relação a essas quatro formas:

eu e tu
Só aparecem na coluna de pronome pessoal reto; ou seja, exercem a função
de sujeito.

mim e ti

Só aparecem na coluna de pronome pessoal oblíquo; ou seja, funcionam


como complemento.

Esses empregos diferenciados, no entanto, só têm ocorrência regular na


variedade culta da língua; na variedade coloquial-popular às vezes há
diferenças. Observe as indicações de uso nos exemplos de 1 a 4.

1. Fernanda ainda trouxe a moto nova para mim. → variedade culta e


variedade coloquial-popular
sujeito do verbo trouxe
complemento do verbo trouxe

160

2. a) Fernanda ainda trouxe a moto nova para eu vender. → variedade culta


sujeito do verbo trouxe
sujeito do verbo vender

b) Fernanda ainda trouxe a moto nova para mim vender. → variedade


coloquial-popular
sujeito do verbo trouxe
sujeito do verbo vender

Observe que, nessa última frase, a forma oblíqua mim está desempenhando o
papel de sujeito de vender. Empregar o pronome oblíquo na função de sujeito é
válido na variedade coloquial-popular; a variedade culta, no entanto, não
admite esse emprego.

3. Para mim, vender a moto nova será muito fácil. → variedade culta e
variedade coloquial-popular

Nesse exemplo, o pronome mim não é sujeito de vender. O que ocorre é que
essa frase está invertida; sua ordem normal seria esta:

· Vender a moto será muito fácil para mim.


4. a) Algumas discussões acontecem, de vez em quando, entre mim e
ti/você/ele/ela. → variedade culta
sujeito do verbo acontecem
formas oblíquas que não estão funcionando como sujeito

b) Algumas discussões acontecem, de vez em quando, entre eu e


tu/ti/você/ele/ela. → variedade coloquial-popular
sujeito do verbo acontecem
Nesse exemplo, as formas eu e tu estão fora de sua função específica (a de
sujeito). Essa construção é comum na variedade coloquial-popular e também
na variedade culta informal, mas não ocorre na língua culta formal.

b. Empregos das formas ele(s)/ela(s) e o(s)/a(s)

No quadro geral dos pronomes pessoais da página anterior, podemos observar


o seguinte a respeito dessas formas:

ele(s), ela(s)

Como pronomes oblíquos, fazem parte do grupo 2, ou seja, são formas


sempre precedidas de preposição.

o(s), a(s)

São formas do grupo 1 e, portanto, na variedade culta, nunca aparecem


precedidas de preposição.

Compare, nos exemplos a seguir, as semelhanças e diferenças no emprego


dessas formas na variedade culta e na variedade coloquial-popular.

preposição
· Você nunca concordou com elas quando fazia parte do grupo. → variedade
culta e variedade coloquial-popular
Precedidas de preposição, as formas ele(s)/ela(s) não apresentam diferença
de uso entre a variedade culta e a coloquial-popular.

· Ontem de manhã, convidei-as para a festa de Natal em nossa casa. →


variedade culta
As formas a(s)/o(s) são típicas da variedade culta; raramente ocorrem na
língua popular.
· Ontem de manhã, convidei elas para a festa de Natal em nossa casa. →
variedade coloquial-popular
Esse emprego é típico da variedade coloquial-popular; ocorre também na
língua culta menos formal (principalmente na fala), mas nunca na língua culta
formal.

161

c. Uniformidade de tratamento

Na variedade culta da língua, para indicar, mais de uma vez, uma determinada
pessoa gramatical, é necessário manter a uniformidade gramatical, ou seja,
devem-se empregar de maneira uniforme os pronomes referentes a essa
pessoa. Assim, por exemplo:

tu → te → ti → contigo

você → o/a → lhe → se → si → consigo

Observe, nestes enunciados, a ocorrência da uniformidade de tratamento:

· Se te encontrarmos lá na festa, falaremos novamente contigo.


tratamento uniforme: tu

· Há muitos anos, você é minha amiga, por isso sempre a apoiarei.


tratamento uniforme: você

Diferentemente do que acontece na variedade culta, na língua coloquial - e


também na língua culta menos formal - os falantes usualmente misturam as
formas de tratamento. Veja neste exemplo:

· Você é minha amiga, por isso sempre te apoiarei.


você
tratamento não uniforme
tu

d. Formas reflexivas e reflexivas recíprocas

Algumas formas de pronomes oblíquos podem se associar a determinados


verbos que exprimem ideia de ação, com a finalidade de indicar ação reflexiva
(a ação volta para seu próprio agente) ou ação reflexiva recíproca (a ação é
trocada entre dois ou mais agentes).
Os pronomes oblíquos que, nos enunciados, exercem essa função são
classificados, conforme o caso, como pronomes reflexivos ou pronomes
reflexivos recíprocos.

Observe estes exemplos:

· Felipe é egoísta; quertudo para si .


pronome reflexivo (si = ele mesmo)

· Ela leva consigo uma foto dos filhos.


pronome reflexivo (consigo = com ela mesma)

· O técnico e o juiz do jogo se cumprimentaram friamente.


pronome reflexivo recíproco (se = um ao outro)

Os pronomes pessoais e a coesão textual

Nos atos de comunicação, os pronomes pessoais funcionam como elementos


linguísticos que fazem referência às pessoas do discurso. Essas referências
podem ser de dois tipos:

a. Referência aos interlocutores

Atenção Professor(a), essa função dos pronomes é chamada função exofórica


ou dêitica. Fim da observação.

Esse papel é exercido pelas formas de pronomes pessoais que identificam


quem fala/escreve (1ª pessoa) e quem ouve/lê (2ª pessoa).

Veja estes exemplos:

· É importante ficar claro que eu não participarei da reunião sem ser convidado.
Faz referência ao emissor (quem fala/escreve).

· Naquele tempo, tu vivias muito apegado a teus irrealizáveis sonhos de


adolescente.
Faz referência ao destinatário (quem ouve/lê).

162

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Coesão e coerência" na seção "Complementação teórica".
Fim da observação.
b. Referência a elementos do próprio texto

Existem formas de pronomes pessoais - as de 3ª pessoa - que fazem


referência a elementos textuais (nomes de pessoas, coisas, fatos, ideias etc.)
já citados dentro do próprio texto ou que nele serão citados mais à frente. Essa
característica dos pronomes pessoais de 3ª pessoa possibilita estabelecer dois
tipos de coesão textual: coesão por anáfora e coesão por catáfora.

PARA NÃO ESQUECER

Coesão textual

Você estudou, no ano anterior, que coesão textual é a articulação que se


estabelece entre os componentes de um enunciado ou de um conjunto de
enunciados, ligando-os de forma a criar a estrutura do texto e possibilitar seu
andamento, isto é, sua continuidade.

1. Coesão por anáfora

Atenção Professor(a), [Anáfora, do grego anaphorá - "ação de repetir".] Fim da


observação.

Nesse tipo de coesão, o pronome faz referência a algum elemento citado


anteriormente no texto. Veja um exemplo:

LEGENDA: Sou fascinado pela beleza da milenar cidade espanhola de Toledo.


Nunca a visitei, por isso ela faz parte dos meus sonhos de turista.

CRÉDITO: Sean Pavone/Alamy/Latinstock

Note que, nesse enunciado, o leitor precisa recuar na leitura, ou seja, precisa
voltar ao que já havia lido, para associar aos pronomes a e ela o referente
"milenar cidade espanhola de Toledo". A esse tipo de referência textual damos
o nome de coesão por anáfora, ou coesão anafórica.

2. Coesão por catáfora

Atenção Professor(a), [Catáfora, do grego kataphorá - "ação de lançar de cima


para baixo".] Fim da observação.

Na coesão por catáfora, o pronome aponta para a frente, para adiante, ou seja,
ele se refere a um elemento que ainda vai aparecer no texto. Veja este
exemplo:
Este ano elas vieram impiedosas: arrasaram cidades, destruíram casas e
rodovias, tiraram vidas, mataram sonhos.

Foram as chuvas mais intensas dos últimos dez anos.

Observe que, nesse exemplo, não há, antes da forma elas, nenhum referente
desse pronome; a forma pronominal está apontando para adiante no texto,
sinalizando ao leitor que ele precisa dar prosseguimento à leitura até encontrar
o termo "as chuvas" e estabelecer, assim, a relação de sentido. A esse tipo de
referência textual dá-se o nome de coesão por catáfora ou coesão
catafórica.

Os dois exemplos analisados exemplificam a importância dos pronomes


pessoais para a criação das relações de coesão textual, mas é claro que, da
mesma forma que esses pronomes podem contribuir para a boa estruturação
textual, eles também podem, se usados inadequadamente, prejudicar a clareza
do texto e confundir a compreensão do leitor ou ouvinte. Veja este exemplo:

Em sua conversa com o pai, o rapaz fez questão de lembrar que o vizinho já o
havia insultado várias vezes. → Quem foi insultado?

163

Pronomes possessivos

Leia, na tira humorística abaixo, o diálogo entre Hagar e Helga, esposa dele:

FONTE: BROWNE, Chris. Hagar. Folha de S. Paulo, 7 set. 1996.

CRÉDITO: © 1996 King Features Syndicate/IPress

Nesse diálogo:

· nossas - refere-se a "necessidades básicas", indicando que se trata de


coisas pertencentes tanto a quem fala (Helga) quanto a quem ouve (Hagar).

· suas - refere-se a "necessidades básicas", indicando algo pertencente a


quem ouve (Helga).

· minhas - refere-se às "necessidades básicas" do próprio falante (Hagar).

Essas palavras - nossas, suas e minhas - são exemplos de pronomes


possessivos.
Pronomes possessivos são os pronomes que se referem a substantivos, para
indicar uma ideia de posse em relação às três pessoas do discurso (1ª, 2ª, 3ª).

O quadro a seguir apresenta a relação entre os pronomes pessoais e as


formas de pronomes possessivos associadas a cada um deles.

Pronomes pessoais Pronomes possessivos

Singular eu (1ª pessoa) meu/meus, minha/minhas

tu (2ª pessoa) teu/teus, tua/tuas


você (2ª pessoa) seu/seus, sua/suas

ele/ela (3ª pessoa) seu/seus, sua/suas

Plural nós (1ª pessoa) nosso/nossos, nossa/nossas

vós (2ª pessoa) vosso/vossos, vossa/vossas


vocês (2ª pessoa) seu/seus, sua/suas

eles/elas (3ª pessoa) seu/seus, sua/suas

Agora veja este cartum:

LEGENDA: O possessivo nossa associa-se à primeira pessoa do plural: nós.


Mas... a cena representada nesse cartum subentende uma irônica pergunta: a
quem se refere esse "nós", ou seja, a quem realmente pertence a floresta?

CRÉDITO: Amarildo - www.amarildo.com.br

164

Principais empregos dos pronomes possessivos

a. Os possessivos seu, sua, seus e suas e o duplo sentido

Quando falamos (ou escrevemos), podemos tratar nosso ouvinte (ou leitor) por
tu ou por você. O quadro da página anterior mostra que ao pronome tu
associam-se os possessivos teu, tua, teus e tuas e ao pronome você
associam-se seu, sua, seus e suas. Assim, por exemplo:

· Tu não estás preocupado com teu futuro.


· Você não está preocupado com seu futuro.

No entanto, os possessivos seu, sua, seus e suas também são usados em


relação à 3ª pessoa do discurso. Esse fato pode provocar ambiguidade em
certos enunciados. Veja, por exemplo:

· Márcia, eu disse claramente a Paulo que aceito sua proposta.


proposta de quem: de Márcia ou de Paulo?

Para eliminar o duplo sentido, pode-se usar, nesse caso:

· Márcia, eu disse claramente a Paulo que aceito tua proposta.


proposta de Márcia

ou

· Márcia, eu disse claramente a Paulo que aceito a proposta dele.


proposta de Paulo

b. Pronomes oblíquos com valor de possessivos

Em determinados contextos, os possessivos podem ser substituídos por


pronomes oblíquos de sentido equivalente.

Veja essa equivalência nos pronomes destacados nas frases de cada par:

· O sono atrapalhava o meu raciocínio.


pronome possessivo
⇒ O sono atrapalhava-me o raciocínio.
pronome oblíquo com valor de possessivo

· Dói o seu coração pensar na ex-namorada?


pronome possessivo
⇒ Dói-lhe o coração pensar na ex-namorada?
pronome oblíquo com valor de possessivo

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Pronome

É a palavra que, em um enunciado, é empregada para:

a) substituir um substantivo (nome), uma expressão, uma parte de uma frase,


uma frase inteira (ou mesmo um segmento textual ainda maior).
Exs.: Convidamos Fernando para a festa, mas ele não veio.

Convidamos suas três melhores amigas para a festa, mas elas não vieram.

Preciso conferir os valores e refazer as contas, mas deixarei isso para


amanhã.

b) substituir um substantivo e, ao mesmo tempo, delimitar a significação de


outro ao qual se associa.

Ex.: Mariana, tu sabes que sempre confiei em tuas palavras.


tuas palavras = palavras de Mariana

165

· Subdivisão dos pronomes

1. Pessoais

2. Possessivos

3. Demonstrativos

4. Indefinidos

5. Relativos

6. Interrogativos

Estudo dos pronomes (1ª parte)

1. Pronomes pessoais - são formas pronominais que representam as três


pessoas do discurso.

Exs.: Eu me decepcionei contigo, porque tu traíste a confiança que depositei


em ti.

· eu, me → pronomes pessoais que representam a 1ª pessoa do discurso (o


falante).

· contigo, tu, ti → pronomes pessoais que representam a 2ª pessoa do discurso


(o ouvinte).

Você e Isabel precisam conversar, pois ela quer lhe explicar o que aconteceu.

· você, lhe → pronomes pessoais que representam a 2ª pessoa do discurso.


· ela → pronome pessoal que representa a 3ª pessoa do discurso (a respeito
de quem se fala).

Subdivisão dos pronomes pessoais:

a) Pronomes pessoais retos - funcionam como sujeito da oração.

b) Pronomes pessoais oblíquos - não funcionam como sujeito, e sim como


complemento.

Ex.: Eles certamente desconfiariam de nós.


pronome pessoal reto
pronome pessoal oblíquo

2. Pronomes possessivos - são pronomes que indicam que algo cabe ou


pertence a uma das três pessoas do discurso.

Exs.: Certamente teu desempenho no exame superou as minhas expectativas.

· teu → indica que o "desempenho" é do ouvinte (2ª pessoa do discurso).

· minhas → indica que as "expectativas" são do falante (1ª pessoa do discurso).

Atividades

Escreva no caderno

1. Os pronomes, por sua função de substituir outros elementos textuais


(nomes, expressões, enunciados etc.), constituem uma classe de palavras
fundamental para o estabelecimento das relações de coesão textual e,
consequentemente, de sentido de um texto. Isso significa que, para
compreender um texto, é necessário, entre outras coisas, identificar
adequadamente as relações de referência estabelecidas pelos pronomes.
Considerando tal característica das palavras dessa classe gramatical, leia esta
tirinha humorística:

FONTE: DAVIS, Jim. Folha de S.Paulo, 7 jan. 2007.

CRÉDITO: © 1991 Paws, Inc. All Rights Reserved/ Dist. Universal Uclick

Chama-se referente o elemento textual (palavra, expressão, frase etc.) ao qual


o pronome se refere.
a) O referente do pronome oblíquo do segundo quadrinho é o mesmo para Jon
e para Garfield?

Resposta: Não. Para Jon, o referente de lo é "rato" (Vá pegar o rato.); para
Garfield, é "biscoito" (Vá pegar o biscoito.).

b) Antes de ler e observar o terceiro quadrinho, que substantivo o leitor toma


como referente do pronome lo? Com base em que informação do mundo real
ele é induzido a pensar assim?

Resposta: Tal como Jon, o leitor toma como referente do lo o substantivo


"rato"; uma vez que o conhecimento pragmático do leitor lhe diz que os gatos
geralmente costumam pegar ratos, e não biscoitos.

166

2. Na crônica "Cordialidade familionário", o escritor Contardo Calligaris analisa


o comportamento pretensamente cordial de determinadas pessoas que
frequentam restaurantes. Leia dois fragmentos desse texto:

Atenção Professor(a), se julgar oportuno, comentar com os alunos que


Contardo Calligaris (1948-), nascido na Itália, é um psicanalista que também
atua como colunista no jornal Folha de S.Paulo desde o fim da década de
1990. É autor de livros que tratam de assuntos culturais e contemporâneos, tais
como O conto do amor, A adolescência, Cartas a um jovem terapeuta,
dentre outros. Fim da observação.

I. [...] por que diabos, nesse restaurante paulista, sigo achando que uma parte
dos meus vizinhos são vulgares a ponto de me causar mal-estar? [...] Meu mal-
estar tem a ver com a maneira amigável como eles tratam os garçons. Na
verdade, quanto mais eles parecem cordiais, mais eu acho eles vulgares.

II. Já foi notado várias vezes que a cordialidade nacional é uma pantomima*
comunitária que quer esconder a crueldade das diferenças sociais. Uma
maneira de amenizar a contradição social para deixá-la por mais tempo
irresoluta.**

Atenção Professor(a), * mentira ardilosa; logro. Fim da observação.

Atenção Professor(a), ** sem solução. Fim da observação.


CALLIGARIS, Contardo. Folha de S.Paulo, 8 jun. 1999. Ilustrada. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq08079929.htm. Acesso em: 2
mar. 2016.

Relativamente a algumas formas de pronomes pessoais presentes nesses


trechos, responda aos itens a e b:

a) No trecho I, o pronome eles é empregado três vezes. Nessas três


ocorrências, o referente desse pronome é o mesmo? Justifique.

Resposta: Sim. Nas três ocorrências a forma eles retoma o termo "uma parte
dos meus vizinhos".

b) Comparando os trechos I e II, observa-se que o cronista, no que diz respeito


às formas pronominais, não teve a preocupação de manter o mesmo nível de
linguagem: ora emprega a variedade coloquial-popular, ora a variedade culta.

· Transcreva os dois fragmentos que, se comparados, comprovam essa


afirmação.

Resposta: "mais eu acho eles vulgares" (variedade coloquial-popular) e


"amenizar a contradição social para deixá-la por mais tempo" (variedade culta).

· Como seria redigido, na língua coloquial, o fragmento em que o cronista


empregou a norma culta?

Resposta: "amenizar a contradição social para deixar ela por mais tempo".

· Como seria redigido, na norma culta, o fragmento em que ele optou pela
variedade coloquial?

Resposta: "mais eu os acho vulgares" (ou: mais eu acho-os vulgares).

3. (Enem/MEC) Leia esta tira humorística.

FONTE: VERISSIMO, Luis Fernando. As cobras: se Deus existe que eu seja


atingido por um raio. Porto Alegre: L&PM, 1997.

CRÉDITO: © by Luis Fernando Verissimo

O humor da tira decorre da reação de uma das cobras com relação ao uso de
pronome pessoal reto, em vez de pronome oblíquo. De acordo com a norma-
padrão da língua, esse uso é inadequado, pois:
a) contraria o uso previsto para o registro oral da língua.

b) contraria a marcação das funções sintáticas de sujeito e objeto.

c) gera inadequação na concordância com o verbo.

d) gera ambiguidade na leitura do texto.

e) apresenta dupla marcação de sujeito.

Resposta: Alternativa b.

167

4. O trecho a seguir foi extraído do artigo "Justiça às formigas", publicado em


uma revista.

[...] Algumas árvores, como a do pequi, típica do cerrado, atraem as formigas


por conta do néctar das flores. Ali eles exercem o papel de defensores, ao
atacar outros insetos nada benéficos, como as lagartas. [...]

JUSTIÇA às formigas. Globo Rural, São Paulo: Globo, n. 288, p. 16, out. 2009.

Considerando o sentido geral do trecho, é correto afirmar, relativamente ao


pronome destacado, que:

a) O pronome estabelece uma relação de coesão por catáfora, uma vez que
tem como referente um nome posterior: defensores.

b) Estabelece uma relação de coesão catafórica, pois tem como referente um


nome posterior: insetos.

c) Deveria ser empregado na forma elas, já que se refere ao nome anterior


flores, estabelecendo com essa palavra uma relação de coesão por anáfora.

d) Funciona como um anafórico, pois se refere ao termo anterior formigas e,


no caso, pode ser empregado no masculino, pois formigas é hipônimo da
palavra masculina insetos.

e) Na preparação do texto, houve um pequeno erro de digitação, pois o


pronome estabelece coesão anafórica com formigas, o que exigiria a forma
feminina elas.

Resposta: Alternativa e.

5. Leia o texto:
Eles são 200 mil brasileiros. A maioria tem mais de quatro anos de idade.
Todos têm menos de 19. Nenhum mora em casa. Nenhum mora na rua. Estão
escondidos em orfanatos espalhados por todo o país. Ninguém os conhece
porque não incomodam. Não fazem rebelião nem suplicam esmolas. São
personagens invisíveis de uma história jamais contada.

Os órfãos brasileiros são órfãos de pais vivos. Homens e mulheres que


maltratam os filhos porque também já foram maltratados. Pela miséria, pelo
desemprego e pela doença. Deixam seus meninos com a promessa de voltar,
mas nunca retornam. Cerca de 40% das famílias jamais apareceu na
instituição.

MAGNO, Ana Beatriz; MONTENEGRO, Érica. Os órfãos do Brasil. Correio


Braziliense, Brasília, 9 jan. 2002. Suplemento especial.

Considere os pronomes pessoais destacados no primeiro parágrafo e responda


aos itens de a a c.

a) As duas formas estabelecem coesão catafórica, isto é, elas têm como


referente um elemento textual que vai aparecer mais à frente no texto.
Transcreva esse referente.

Resposta: O referente dos pronomes "eles/os" é a expressão "os órfãos


brasileiros" (no início do segundo parágrafo).

b) Que tipo de reação as autoras do texto procuram criar no leitor com a


antecipação dos pronomes?

Resposta: Esse recurso (empregar o pronome pessoal como elemento


catafórico) é eficiente para criar maior expectativa e aguçar a curiosidade do
leitor em relação ao que se vai dizer, prendendo assim sua atenção. Isso ajuda
a motivá-lo a prosseguir na leitura, para localizar, mais à frente, o referente do
pronome.

c) Por que, embora o referente das formas destacadas seja o mesmo, as


autoras precisaram empregar duas formas pronominais distintas para
estabelecer a relação de referência?

Resposta: Porque as funções sintáticas são diferentes. No primeiro caso, o


pronome funciona como sujeito, por isso empregou-se a forma reta "eles"; no
segundo, o pronome funciona como complemento do verbo "conhecer", por
isso foi necessário empregar a forma oblíqua "os".

6. Leia este pequeno texto:

O grande diário

Seu autor é o coronel Ernest Loftus. Ele começou a escrevê-lo em 4 de maio


de 1896, com a idade de 12 anos [...]. Terminou-o aos 103 anos, em 7 de julho
de 1987, dia de sua morte.

O GRANDE diário. Isto É, São Paulo: Editora Três, n. 1225, p. 70.

A respeito de alguns aspectos da organização textual desse trecho, assinale a


afirmação incorreta.

a) No título, a mudança de posicionamento do adjetivo alteraria o valor


semântico dessa palavra.

b) Em suas duas ocorrências, o oblíquo "o" estabelece coesão anafórica com


um mesmo referente.

Resposta: ["o" e "lo" → retomam "o grande diário".]

c) A substituição do segmento "a escrevê-lo" por "a ser escrito" mudaria o


referente do pronome "ele", além de exigir alterações na redação do trecho.

d) A substituição de "morte" por "publicação" alteraria o referente do


possessivo "sua".

e) Os possessivos "seu" e "sua" têm um mesmo referente.

Resposta: Alternativa e.

168

ESTUDO DOS PRONOMES (2ª PARTE)

Na primeira parte deste capítulo, vimos que os pronomes, dependendo do


papel que exercem nos enunciados, subdividem-se em seis grupos:

· pessoais

· possessivos

· demonstrativos
· indefinidos

· relativos

· interrogativos

Também na primeira parte deste capítulo, estudamos os pronomes pessoais


e os possessivos. Vamos agora conhecer as características e empregos dos
outros quatro grupos.

Pronomes demonstrativos

Leia esta tira humorística:

FONTE: WALKER, Mort. Recruta Zero. O Globo, Rio de Janeiro, 16 abr. 2009.

CRÉDITO: Recruta Zero

No primeiro quadrinho, o falante usa "este livro" para indicar o livro que está
perto dele próprio; no último quadrinho, o outro falante usa "isso" para
localizar, no espaço, um objeto que não está perto dele, e sim perto de seu
interlocutor.

Agora observe os destaques neste trecho de diálogo entre dois colegas de


escola:

- Serginho, tá sabendo que a prova de Química foi adiada?


- Uau! Ainda bem, Lu! Quem te disse isso?

Nesse caso, a palavra isso foi empregada para retomar e, ao mesmo tempo,
substituir elementos textuais que fazem parte da própria fala de um dos
interlocutores.

Considere mais esta frase:

Do alto da ponte, o velhinho olha com tristeza as águas agora poluídas do belo
rio de sua infância. Naquela época, o Tietê atravessava São Paulo limpo e
cheio de vida.

Nesse trecho, ao empregar a palavra "[n]aquela", o emissor localiza no tempo


passado a época a que ele se refere.

LEGENDA: Rio Tietê (SP), em 1930.

CRÉDITO: Clóvis Ferreira/Estadão Conteúdo


LEGENDA: Rio Tietê (SP), em 2015.

CRÉDITO: Marcelo D. Santis/Estadão Conteúdo

169

As palavras analisadas nos textos da página anterior - este, isso e aquela -


são exemplos de pronomes demonstrativos.

Pronomes demonstrativos são pronomes que têm por função:

· Situar a posição de um ser no espaço, relativamente ao emissor (1ª pessoa


do discurso).

· Posicionar, no próprio discurso, elementos textuais já referidos ou que serão


referidos mais adiante.

· Situar, no tempo, um fato ou uma informação.

Dependendo das características do elemento a ser indicado, o demonstrativo


assume uma determinada forma. Veja o quadro:

Formas variáveis Formas invariáveis

este, esta, estes, estas isto

esse, essa, esses, essas isso

aquele, aquela, aqueles, aquelas aquilo

Empregos dos pronomes demonstrativos

Vimos, na definição acima, que os demonstrativos podem ser empregados para


fazer três tipos de indicações:

· no espaço físico

· no próprio texto

· no tempo

Vamos, então, especificar, nos itens de a a c, como as diferentes formas de


demonstrativos exprimem essas indicações.

a. Este(s), esta(s), isto


· No espaço - Indicam o que está próximo de quem fala/escreve.

Ex.: Esta cicatriz que tenho na perna é dos tempos em que eu jogava futebol.

· No texto - Referem-se, geralmente, a algo que ainda irá ser dito/escrito.

Ex.: Ela se despediu com estas palavras: a vida é longa; a gente se vê por aí.

Observação: É comum, mesmo nalíngua culta, asubstituição de "este/esta" por


"esse/essa" para indicar elementos textuais que ainda serão referidos no texto.
Ex.: Ouça esse conselho: sonhe alto e conquiste seus objetivos.

· No tempo - Indicam tempo atual/presente (em relação ao momento da


fala/escrita).

Ex.: Finalmente este dia chegou! Hoje vou conhecer o maravilhoso rio
Araguaia.

b. Esse(s), essa(s), isso

· No espaço - Indicam o que está próximo de quem ouve/lê.

Ex.: Por favor, posso dar uma olhada nessa revista que está com você?

· No texto - Referem-se, geralmente, a algo que já foi dito/escrito.

Ex.: Dinheiro e fama. Nada mais que isso parece dar sentido à vida dele.

Observação: É comum, mesmo na língua culta, o emprego de "este/esta", em


vez de "esse/essa", para indicar elementos textuais já referidos. Ex.: A
educação precisa melhorar; esta deve ser uma meta do governo.

· No tempo - Marcam um tempo (anterior ou posterior) próximo em relação ao


momento da fala/escrita.

Exs.: Choveu muito nesse fim de semana, mas a segunda-feira está linda.

As aulas estão terminando; nessas férias vou fazer um curso de agricultura


orgânica.

170

c. Aquele(s), aquela(s), aquilo

· No espaço - Indicam o que está longe de quem fala/escreve e também de


quem ouve/lê.
Ex.: Está vendo aquela casa branca lá no alto da serra? É lá que eu moro.

· No texto - Indicam um elemento textual referido anteriormente a outro.

Exs.: César e Raul são irmãos. Aquele é ator; este é músico.

César e Raul são irmãos. Este é músico; aquele é ator.

Note, pelos exemplos, que, para retomar dois elementos já citados, usa-se
"aquele/aquela/aquilo" para o referido em primeiro lugar e "este/esta/isto" para
o referido em segundo lugar. Veja outro exemplo:

A batata e o tomate são dois importantes alimentos; embora popularmente


conhecidos como legumes, na verdade, aquela é um tubérculo e este é um
fruto.

· aquela → batata (citada em primeiro lugar)

· este → tomate (citado em segundo lugar)

· No tempo - Indicam tempo distante, bem anterior ou posterior ao momento da


fala/escrita.

Ex.: Meu avô não teve oportunidade de estudar; naquela época, não havia
escolas onde ele morava.

Outros pronomes demonstrativos

Além dos demonstrativos já estudados, existem outras palavras que,


dependendo do enunciado em que ocorrem, também podem exercer esse
papel. Veja o quadro:

· o(s), a(s)

· tal/tais

· mesmo(s)/mesma(s)

· próprio(s)/própria(s)

· semelhante(s)

Alguns exemplos:

· Ela gastou rapidamente tudo o que ganhou; não faça você semelhante
besteira.
= aquilo
= esta

· Os próprios funcionários afirmam que a empresa lhes propôs tal acordo.


= eles mesmos
= este

Os demonstrativos e a coesão textual

Vimos, na primeira parte deste capítulo, que os pronomes pessoais são


importantes elementos de coesão, pois contribuem para a articulação das
partes do texto e, consequentemente, para a organização de sua estrutura.

Os pronomes demonstrativos também são fundamentais para a coesão


textual, uma vez que um de seus papéis, como também já vimos, é justamente
fazer referência a elementos do próprio texto.

Quando os demonstrativos são empregados para indicar elementos do texto, a


referência pode ocorrer por retomada (anáfora) ou por antecipação (catáfora).
Assim, esses pronomes subdividem-se em dois grupos:

Demonstrativos anafóricos

Referem-se a elementos textuais (pessoa, coisa, ideia, fato etc.) citados, no


texto, antes do demonstrativo.

Demonstrativos catafóricos

Referem-se a elementos textuais posicionados depois do próprio


demonstrativo.

171

Veja, nos enunciados a seguir, alguns exemplos de demonstrativos anafóricos


e catafóricos:

· "Seu" Gilberto foi nosso professor de História no Ensino Médio. Esse, sim, era
um mestre!
demonstrativo anafórico

· A ciência e a religião conviviam conflituosamente nele. Esta lhe dava


serenidade; aquela o angustiava.
demonstrativo anafórico
demonstrativo anafórico

· Muitas vezes lhe ocorria esta ideia: largar tudo e ir viver numa praia deserta
do litoral brasileiro.
demonstrativo catafórico

· Nunca mais, depois que começamos a trabalhar, fizemos viagens como


aquelas de nossa juventude.
demonstrativo catafórico

Pronomes indefinidos

Leia o diálogo entre os dois personagens deste cartum.

FONTE: Duke. Disponível em: http://dukechargista.com.br/cartum/. Acesso em:


3 jun. 2016.

CRÉDITO: Duke

Nas falas dos personagens ocorrem expressões nas quais os substantivos


ganham sentido vago, genérico. Observe:

· No segundo quadrinho: "algumas horas" - não é possível saber com exatidão


quantas horas faltam para o meteoro chocar-se com a Terra.

· No terceiro quadrinho: "toda vida" - a expressão não permite identificar,


especificar de que vida se trata; a palavra "toda" associada ao substantivo
"vida" atribui a ele um sentido amplo, indefinido.

· No quarto quadrinho: "qualquer ocasião" - a palavra "qualquer" torna


indefinido (geral) o sentido da palavra "ocasião".

Nas três expressões analisadas, as palavras "algumas", "toda" e "qualquer" são


exemplos de pronomes indefinidos.

Pronome indefinido é um tipo de pronome que se emprega para fazer uma


referência vaga , geral e indeterminada à 3ª pessoa do discurso (pessoa, coisa
ou ideia a respeito de quem/que se fala).

172

Às vezes o papel de tornar genérica a referência à 3ª pessoa é desempenhado


não por uma única palavra, e sim por um conjunto de palavras, que se
denomina, então, locução pronominal indefinida. Veja dois exemplos neste
enunciado:

Tudo aquilo que o homem ignora não existe para ele. Por isso o universo de
cada um se resume ao tamanho do seu saber.

Frase atribuída a Albert Einstein.

O quadro a seguir apresenta, para consulta, os pronomes indefinidos e


algumas locuções pronominais indefinidas.

Variáveis Invariáveis Locuções pronominais

algum(uns), alguma(s) alguém cada um

nenhum(uns), nenhuma(s) ninguém qualquer um

todo(s), toda(s) tudo todo aquele que

outro(s), outra(s) outrem um ou outro

muito(s), muita(s) nada quem quer que

pouco(s), pouca(s) cada

certo(s), certa(s) algo

vário(s), vária(s) mais

qualquer, quaisquer demais

bastante(s) menos

um(uns), uma(s)

Principais empregos dos pronomes indefinidos

Algumas palavras que funcionam como pronomes indefinidos apresentam


variação de sentido e, às vezes, de classe gramatical, dependendo de como
são empregadas nos enunciados. Veja, a seguir, os casos mais importantes:
a. Algum(uns), alguma(s)

· Posicionados antes do substantivo ⇒ têm valor afirmativo.

Ex.: Meu sonho é, algum dia, fazer uma longa viagem pelo maravilhoso rio
Amazonas.

· Posicionados depois do substantivo ⇒ têm valor negativo.

Ex.: Dificuldade alguma nos impediria de terminar aquele projeto.

b. Certo(s), certa(s)

· Posicionados antes do substantivo ⇒ funcionam como pronomes indefinidos.

· Posicionados depois do substantivo ⇒ funcionam como adjetivos.

Ex.: Existem certas coisas que só devem ser ditas no momento certo.
pronome indefinido
adjetivo

c. Todo(s), toda(s)

· No plural ⇒ exprimem ideia de totalidade.

Exs.: Parece mágica: todos os ipês da serra florescem ao mesmo tempo.

No verão, as praias todas ficam tomadas pelos turistas.

· No singular e sem artigo ⇒ significam qualquer/cada um(a)

Ex.: "Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal."

(Declaração Universal dos Direitos Humanos)

173

· No singular e seguido de artigo

· No singular e depois do substantivo

são adjetivos e significam inteiro(a).

Ex.: Toda a comunidade participa da festa. =


a comunidade inteira

A comunidade toda participa da festa.


a comunidade inteira
Pronomes relativos

Considere as duas orações abaixo, a respeito de uma importante pintora


brasileira e de seu trabalho mais conhecido.

1. Muitos conhecem a obra de Tarsila do Amaral.

2. Tarsila do Amaral pintou o Abaporu.

LEGENDA: Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral.

CRÉDITO: Tarsila do Amaral. 1928. Óleo sobre tela, 85 cm × 72 cm. Coleção


particular. © Tarsila do Amaral Empreendimentos

Note que a oração 2 repete o nome (substantivo) Tarsila do Amaral, já citado


na oração 1 .

Vimos que é possível evitar a repetição de um nome substituindo-o por um


pronome. Se, no caso dessas orações, quisermos fazer a substituição e
manter separadas as orações, usaremos um pronome pessoal. Assim:

· Muitos conhecem a obra de Tarsila do Amaral. Ela pintou o Abaporu.


pronome pessoal

Se, no entanto, quisermos reunir as duas orações em uma única frase,


empregaremos outro tipo de pronome. Veja:

· Muitos conhecem a obra de Tarsila do Amaral, que pintou o Abaporu.


1ª oração
2ª oração
uma única frase

Nessa frase, o substantivo Tarsila do Amaral aparece explicitamente apenas


na primeira oração; na segunda ele passou a ser representado pela palavra
que. Essa palavra é, nessa frase, um pronome relativo.

Pronome relativo é o pronome que retoma um substantivo (ou outro pronome)


já citado numa oração, substituindo-o no início da oração seguinte.

NAVEGAR É PRECISO

A palavra abaporu, de origem tupi, significa "homem que come gente"


(antropófago). O escritor Oswald de Andrade tomou o quadro como ponto de
partida para a criação do Movimento Antropofágico, cuja proposta era deglutir,
"devorar" aspectos da cultura estrangeira para fundi-los a uma nova cultura
moderna brasileira. Para conhecer um pouco mais a respeito da obra e da
artista, visite o site http://tub.im/ri4rmq e navegue pelos menus "obras" e
"biografia".

174

Veja, no quadro, as palavras que podem funcionar como pronomes relativos.

Pronomes relativos

Invariáveis Variáveis

que o/a qual; os/as quais

quem cujo(s), cuja(s)

onde, aonde quanto(s), quanta(s)

Agora veja mais um exemplo em que o pronome relativo passa a estabelecer a


articulação entre duas orações inicialmente isoladas entre si:

· É necessário compreender os colegas.


· Convivemos diariamente com os colegas.
⇒ É necessário compreender os colegas, com os quais convivemos
diariamente.

Principais características e empregos dos pronomes relativos

a. O duplo papel dos relativos

Os pronomes relativos caracterizam-se pelo duplo papel que, simultaneamente,


desempenham na estrutura dos enunciados:

· substituem um termo antecedente;

· iniciam sempre uma nova oração.

Veja estes exemplos:

pronome relativo
· Muitos imigrantes sonhavam com o regresso ao país onde haviam nascido.
1ª oração
2ª oração

pronome relativo
· Meu amigo, que sempre faz turismo no exterior, pouco conhece do próprio
Brasil.
2ª oração
1 ª oração

Note que, nesse exemplo, a segunda oração se encaixa entre duas partes da
primeira.

b. A presença/ausência de preposição antes dos relativos

Em certos enunciados, dependendo da estrutura da oração em que aparece o


pronome relativo, pode ser que, antes dele, seja necessário introduzir uma
preposição (de, em, contra, sobre, a etc.). Veja estes exemplos:

pronome relativo
· O irmão mais velho foi a única pessoa em quem ele sempre confiou
plenamente.
Preposição exigida pelo verbo confiar (confiarem algo/alguém).

pronome relativo
· A única coisa com a qual tínhamos preocupação eram os recursos para
finalizar a obra.
Preposição exigida pelo substantivo preocupação (ter preocupaçãocom
algo/alguém).

175

A presença da preposição precedendo o pronome relativo é, no entanto, uma


característica exclusiva da variedade culta formal; na variedade coloquial-
popular, os falantes nunca a empregam na construção dos enunciados.
Compare:

· Nesta rua ficava a casa que morei vários anos.


variedade coloquial-popular
Não aparece a preposição exigida pelo verbo morar.
· Nesta rua ficava a casa em que morei vários anos.
variedade culta
Preposição exigida pelo verbo morar (morar em algum lugar).

Também na língua coloquial-popular, é comum o deslocamento da preposição


mais para frente na oração e imediatamente seguida de um pronome pessoal
que "repete" o antecedente do relativo. Compare o exemplo anterior com este:

· Nesta rua ficava a casa que morei nela vários anos.


variedade coloquial-popular
preposição
pronome pessoal [refere-se a "casa"]

c. Os pronomes relativos que e quem

A forma que é o relativo de uso mais amplo e pode ter, como antecedente,
palavras que nomeiam pessoas ou coisas. Veja estes exemplos:

· Conheço o aluno que ganhou o prêmio de Ciências.

· Os romanos criaram edificações que até hoje impressionam.

LEGENDA: Aqueduto romano construído na França há mais de dois mil anos.

CRÉDITO: Eye Ubiquitous/Rex Features/Keystone

O relativo quem é usado exclusivamente para retomar antecedentes que


designam pessoas (ou seres personificados). Exemplos:

· O funcionário a quem entreguei o documento não foi aquele.


pessoa

· O jaguar, a quem os povos andinos temiam, era considerado um deus.


ser personificado

d. Os pronomes relativos cujo(s), cuja(s)

Esses relativos são empregados entre dois substantivos, estabelecendo entre


eles uma ideia de posse. Veja neste exemplo:

· O Iguaçu é um rio cujas cataratas dão um espetáculo de impressionante


beleza.

[Observe: rio cujas cataratas = cataratas do rio.]


LEGENDA: Cataratas do rio Iguaçu, no Paraná, uma das mais impressionantes
maravilhas naturais do planeta.

CRÉDITO: Luciana Whitaker/Pulsar

176

e. Os pronomes relativos onde, aonde

Essas duas formas, que na variedade culta formal da língua só podem ser
empregadas para indicar lugar, têm empregos diferentes. Assim:

onde → indica "lugar em que"

aonde → indica "lugar a que"

Veja estes exemplos:

· A polícia isolou a região onde havia garimpos clandestinos e extração ilegal


de madeira.
em que

[Nesse exemplo, em vez de onde, também poderíamos usar em que ou na


qual.]

· A cidade aonde você irá nas próximas férias fica no litoral de Alagoas?

[Nesse exemplo, em vez de aonde, também poderíamos usar a que ou à


qual.]

Os pronomes relativos e a coesão

Vimos, no item a da seção anterior, que os pronomes relativos têm um duplo


papel nos enunciados: eles iniciam uma nova oração e introduzem, nessa nova
oração, um elemento textual que retomam (recuperam) da oração anterior.

Considere, por exemplo, estes versos iniciais do poema "Eros e Psiquê":

Conta a lenda que dormia

Uma princesa encantada

A quem só despertaria

Um infante que viria

De além do muro da estrada.


PESSOA, Fernando. Eros e Psiquê. In: _____. Obra poética. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1986. p. 115.

LEGENDA: O rapto de Psiquê (1895), de William-Adolphe Bouguereau (1825-


1905).

CRÉDITO: William-Adolphe Bouguereau. 1895. Óleo sobre tela, 209 cm × 120


cm. Coleção particular.

Vocabulário:

infante: príncipe.

Fim do vocabulário.

Atenção Professor(a), se julgar oportuno, esclarecer aos alunos que Psiquê e


Eros são personagens da mitologia grega. Psiquê era uma jovem lindíssima,
filha de um rei, pela qual Eros, o deus do amor, se apaixonou. Fim da
observação.

Observe que, no terceiro verso, o emprego do relativo quem orienta o leitor a


recuar na leitura até o verso anterior e associar a esse relativo o termo "uma
princesa encantada". Por sua vez, o relativo que conduz a atenção do leitor até
o termo anterior "um infante". Essas duas relações de coesão contribuem para
organizar a estrutura textual dos versos e criar a progressão de sentido
pretendida pelo autor. Assim:

Um infante viria de além do muro da estrada e despertaria uma princesa


encantada.

Esse exemplo permite concluir que a função dos pronomes relativos - retomar
e repor elementos numa sequência de frases - é essencial para a estruturação
textual, uma vez que, contribuindo para a coesão, esses pronomes,
adequadamente empregados, possibilitam a progressão (sequencialidade) do
texto e a organização do sentido dele.

177

Pronomes interrogativos

Pronomes interrogativos são determinadas formas pronominais empregadas


em perguntas diretas ou indiretas. Observe estes exemplos:
· Quantos alunos participam efetivamente do projeto? ⇒ interrogativa direta

· Diga-me quantos alunos participam do projeto. ⇒ interrogativa indireta

Note que as perguntas diretas são iniciadas pela palavra interrogativa e


terminadas por ponto de interrogação; as indiretas apresentam a palavra
interrogativa posicionada internamente e terminam por ponto-final.

São poucas as palavras que podem exercer o papel de pronome interrogativo.


Veja:

· que

· quem

· qual/quais

· quanto(s)/quanta(s)

Veja outros exemplos:

· Que pensa você a respeito do futuro da humanidade? ⇒ interrogativa direta

· Gostaria que me dissesse o que pensa a respeito do futuro da humanidade.


⇒ interrogativa indireta

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Estudo dos pronomes (2ª parte)

1. Pronomes demonstrativos - indicam para o leitor/ouvinte:

· a localização de algo ou de alguém no espaço físico ou no tempo.

Exs.: Este livro que está comigo é mais interessante que esse que está com
você.

Ela nasceu em 1971; naquele ano, seus pais se mudaram para o Brasil.

· o posicionamento de elementos textuais que já foram citados ou que serão


citados no discurso.

Ex.: Letícia não foi aprovada no exame, mas isso não a desanimou de estudar.

2. Pronomes indefinidos - referem-se à 3ª pessoa do discurso de modo vago,


geral, indeterminado.

Ex.: De alguma forma, alguém deverá arcar com todas as despesas da festa.
3. Pronomes relativos - referem-se a um elemento textual (substantivo ou
pronome) já citado em uma oração, retomando-o e introduzindo-o no início da
oração seguinte da mesma frase.

Ex.: O livro que li relata uma história real cujo desfecho é inacreditável.

4. Pronomes interrogativos - são as palavras que, quem, qual/quais,


quanto(s), quanta(s), usadas em frases interrogativas (diretas ou indiretas).

Exs.: Quem teria coragem de enfrentar aquela fera?

Diga-me quantas vezes precisarei voltar aqui.

178

Atividades

Escreva no caderno

1. (UPE-PE) Leia o texto:

FONTE: Disponível em: http://biaquario/wordpress.com/2010/04/01/hello-word.

CRÉDITO: Em vestibular da UPE-PE, 2009

Quantas pessoas em sua casa não economizam porque pensam que o que
eles gastam não é suficiente para acabar com a água do mundo? Agora
multiplique pelo número de casas da sua rua, seu bairro, sua cidade, seu país,
do mundo todo, pensando da mesma maneira.

Acerca de alguns recursos linguísticos utilizados no texto, analise as


proposições a seguir.

I. O enunciado "Quer levar a culpa por isso?" se configura como uma pergunta
dirigida a qualquer leitor do texto.

II. No enunciado "Quer levar a culpa por isso?", o pronome "aponta" para a
imagem que está retratada no texto.

III. No texto que é apresentado abaixo da imagem, os pronomes possessivos


em "sua rua, seu bairro, sua cidade, seu país" fazem referência ao termo
"pessoas", no trecho: "Quantas pessoas em sua casa [...]".

Resposta: sua/seu → referências do leitor


IV. O segmento "do mundo todo" é semanticamente equivalente a "de todo o
mundo".

Estão corretas:

a) I e III, apenas.

b) II e III, apenas.

c) I, II e IV, apenas.

d) III e IV, apenas.

e) I, II, III e IV.

Resposta: Alternativa c.

2. Leia este fragmento de texto:

Durante muito tempo a nacionalidade viveu da mescla de três raças que os


poetas xingaram de tristes: as três raças tristes.

A primeira as caravelas descobridoras encontraram aqui comendo gente e


desdenhosa de "mostrar suas vergonhas". A segunda veio nas caravelas. Logo
os machos sacudidos desta se enamoraram das moças "bem gentis" daquela,
que tinham cabelos "mui pretos, compridos pelas espádoas".

E nasceram os primeiros mamalucos.

MACHADO, Antônio de Alcântara. Artigo de fundo. In: _____. Brás, Bexiga e


Barra Funda. São Paulo: Klick, 1997. p. 19.

Vocabulário:

mamaluco/mameluco: filho de mãe indígena e pai branco (ou vice-versa).

Fim do vocabulário.

Atenção Professor(a), Antônio de Alcântara Machado (1901-1935) nasceu em


São Paulo. Formou-se em Direito, mas optou pelo jornalismo como profissão.
Seu mais famoso livro é Brás, Bexiga e Barra Funda, uma reunião de onze
contos que têm como cenário os bairros da cidade de São Paulo. A
característica mais marcante de suas obras é a linguagem coloquial-popular
que ele empregava em seus textos. Fim da observação.
Nesse texto ocorrem dois pronomes demonstrativos que contribuem para as
relações de coesão.

a) Identifique-os e indique a que elementos textuais eles fazem referência.

Resposta: No segundo parágrafo: (d)esta - refere-se à "segunda (raça)", ou


seja, aos portugueses; (d)aquela - refere-se à "primeira (raça)", ou seja, aos
indígenas.

b) Os dois demonstrativos funcionam, nesse texto, como anafóricos ou como


catafóricos? Justifique.

Resposta: Ambos funcionam como anafóricos, uma vez que se referem a


elementos textuais já citados no texto. Seriam catafóricos se fossem
empregados para se referir a elementos que, no texto, aparecessem depois
deles.

PARA LER NA REDE

Se você quiser ler, na íntegra, a obra Brás, Bexiga e Barra Funda, acesse o
seguinte link: http://tub.im/dsyqrp. Acesso em: 18 fev. 2016.

179

3. O trecho a seguir é o início de uma crônica do escritor Moacyr Scliar. Leia-o.

Para ele, o fim do ano era sempre uma época dura, difícil de suportar. Sofria
daquele tipo de tristeza mórbida que acomete algumas pessoas nos festejos
de Natal e de Ano-Novo. No seu caso havia uma razão óbvia para isso: aos 70
anos, solteirão, sem parentes, sem amigos, não tinha com quem celebrar,
ninguém o convidava para festa alguma. O jeito era tomar um porre, e era o
que fazia, mas o resultado era melancólico: além da solidão, tinha de suportar
a ressaca. [...]

SCLIAR, Moacyr. Mensagem de Natal. Folha de S.Paulo, São Paulo, 24 dez.


2007.

Atenção Professor(a), Moacyr Scliar (1937-2011), gaúcho de Porto Alegre


(RS), era médico de formação e desenvolveu a carreira de escritor em paralelo
ao exercício da medicina. Contista, romancista e ensaísta, conquistou grande
popularidade, principalmente com suas crônicas publicadas em importantes
jornais brasileiros. Fim da observação.

NAVEGAR É PRECISO

Para conhecer um pouco sobre a vida do escritor gaúcho Moacyr Scliar, que,
além de contista, romancista e ensaísta, era também médico, visite o site
http://tub.im/8cb2mq. Acesso em: 28 maio 2016.

Relativamente aos valores semânticos e aos mecanismos de referência e


coesão estabelecidos pelos pronomes nesse trecho, assinale a afirmação
incorreta.

a) "ele", empregado no início da crônica, não tem um referente explícito, o que


generaliza (torna mais vaga) a caracterização do personagem.

b) Em "daquele tipo de tristeza" o demonstrativo evidencia que o cronista se


refere a um tipo de tristeza que já é do conhecimento de mundo do leitor.

c) "isso" é um anafórico que retoma a ideia expressa em ser acometido pela


"tristeza mórbida [...] nos festejos de Natal e Ano-Novo".

d) Nas expressões "algumas pessoas" e "festa alguma" o indefinido tem, nos


dois casos, valor de negação.

Resposta: [só em "festa alguma"]

e) Em "e era o que fazia", o o funciona como demonstrativo anafórico e tem


como referente a expressão "tomar um porre".

Resposta: ["era o que fazia" = era isso que fazia, isso = tomar um porre]

Resposta: Alternativa d.

4. As frases a seguir apresentam estruturas gramaticais em que ocorrem


pronomes empregados conforme a variedade coloquial-popular da língua.
Reescreva-as fazendo a adequação à variedade culta formal.

a) Existem assuntos que eu prefiro não dar opinião a respeito deles.

Resposta: Existem assuntos a respeito dos quais eu prefiro não dar opiniões.

b) Durante a negociação para renovar o contrato, o jovem goleiro não aceitou a


proposta da diretoria, onde ele resolveu transferir-se para outro clube.
Resposta: Sugestões: 1. [...] proposta da diretoria, por isso ele resolveu [...]; 2.
[...] proposta da diretoria, motivo pelo qual ele resolveu [...] [Há outras
possibilidades.]

c) Estão sob investigação duas entidades sociais que foram transferidos para
elas recursos públicos destinados às vítimas da tragédia que atingiu a cidade.

Resposta: [...] duas entidades sociais para as quais foram transferidos


recursos [...]

d) Foi publicado, há alguns anos, um preocupante relatório que, no futuro,


poderão acontecer graves conflitos sociais causados pelas alterações
climáticas.

Resposta: [...] um preocupante relatório, segundo o qual, no futuro, poderão


[...]

5. Considere estas duas frases:

1. O empreendimento faliu.

2. A realização de nossos sonhos dependia do sucesso do


empreendimento.

Indique a alternativa em que elas estão adequadamente reunidas em um só


período, sem alteração de sentido.

a) O empreendimento que o sucesso dependia da realização de nossos sonhos


faliu.

b) A realização de nossos sonhos dependia do empreendimento cujo sucesso


faliu.

c) O sucesso do empreendimento de que a realização dependia faliu nossos


sonhos.

d) O empreendimento cujo sucesso dependia da realização de nossos sonhos


faliu.

e) O empreendimento de cujo sucesso dependia a realização de nossos


sonhos faliu.

Resposta: Alternativa e.
180

DA TEORIA À PRÁTICA

Ponto de partida

Muitas piadas se apoiam em interessantes jogos linguísticos para criar o efeito


de humor. Leia, por exemplo, esta historinha:

Duas pessoas conversando:

- Não deixe sua cadela entrar na minha casa de novo. Ela está cheia de
pulgas.

- Diana, não entre nessa casa de novo. Ela está cheia de pulgas.

POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas.


Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 130.

O humor dessa piada explora a dupla relação de referência estabelecida pelo


pronome ela.

Vale notar, de início, que, do ponto de vista puramente gramatical, nada


garante que, na fala da primeira pessoa, o ela esteja se referindo a "cadela".
Isso porque o falante emprega dois substantivos: "cadela" (feminino e singular)
e "casa" (feminino e singular); gramaticalmente, o ela, por também ser feminino
e singular, pode retomar qualquer um desses dois nomes.

No entanto, qualquer pessoa, baseada em seu conhecimento pragmático*


(experiência, conhecimento de mundo), sabe que geralmente quem tem pulgas
são os cães, e não as casas. Assim, qualquer falante - incluindo o tutor da
Diana - facilmente interpretaria "ela está cheia de pulgas" como "a cadela está
cheia de pulgas", e não como "a casa está cheia de pulgas".

*Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Pragmática" na seção "Complementação teórica". Fim da
observação.

O tutor da Diana, portanto, fingiu não entender a frase. Ele se ofendeu com a
acusação de que sua cadela era pulguenta e aproveitou a brecha linguística - a
dupla referência do ela - para devolver a ofensa. Subentendida na fala dele
está a seguinte mensagem: "Nem me passou pela cabeça interpretar a palavra
ela como minha cadela, porque a Diana não tem pulgas; se alguma coisa aqui
é pulguenta, obviamente só pode ser sua casa".

Bem, a Diana pode até ter algumas pulguinhas, mas, sem dúvida, o tutor dela
mostrou que é um hábil usuário do idioma. Você concorda?

Agora é sua vez

Escreva no caderno

1. Na tirinha a seguir, os dois personagens estão contemplando a imensidão do


Universo e admirando a beleza de uma noite estrelada.

FONTE: VERISSIMO, Luis Fernando. As cobras: se Deus existe que eu seja


atingido por um raio. Porto Alegre: L&PM, 1997.

CRÉDITO: © by Luis Fernando Verissimo

Em relação a esse breve - e surpreendente - diálogo, responda:

a) O que o primeiro falante quis dizer com nós?

Resposta: Os personagens contemplam, em uma noite estrelada, a beleza e a


imensidão do Universo. No segundo quadro, o falante faz uma reflexão
filosófica: ele usa o pronome nós em sentido genérico, significando "os
habitantes da Terra", ou seja, todos os seres vivos (inclusive ele e seu
interlocutor). Sua fala deve, então, ser entendida como "Todos nós, que
habitamos a Terra, somos insignificantes diante da imensidão/grandiosidade do
Universo".

b) O que o outro personagem dá a entender ao trocar nós por vocês?

Resposta: Ele dá a entender que ele não faz parte do conjunto designado pelo
pronome nós, ou seja, que ele não se julga insignificante diante da grandeza
do Universo.

181

2. Leia o texto:

Águas: abundância e escassez

12 de abril de 1961. O Major Yuri A. Gagarin dá a volta completa em torno da


Terra em 1 hora e 40 minutos. "A Terra é azul!".
A mensagem remete-nos à preeminência da água. Ela recobre 3/4 da
superfície do nosso planeta e constitui também 3/4 do nosso organismo. Entre
todos os elementos que compõem o Universo, a água é talvez aquele que
melhor simboliza a essência do homem, desempenhando um papel
fundamental no nosso equilíbrio. [...]

ÁGUAS [...]. ComCiência, 10 set. 2000. Disponível em:


http://www.comciencia.br/reportagens/aguas/aguas02.htm. Acesso em: 17 fev.
2016.

O autor faz uso de determinadas formas pronominais como recurso para


despertar no leitor uma reação de maior interesse e comprometimento
relativamente à problemática analisada. Explique de que recurso se trata e
identifique as palavras por meio das quais ele se evidencia no texto.

Resposta: O autor emprega a 1ª pessoa do plural. Dessa forma, ele procura


mostrar que o assunto diz respeito a todos, inclusive ao autor e ao leitor, uma
vez que todos são afetados/envolvidos por ele. As formas pronominais são:
"remete-nos", "nosso planeta", "nosso organismo" e "nosso equilíbrio".

3. Suponha que, de um diálogo entre um rapaz e uma amiga dele, tenha sido
extraído este trecho de fala:

Gabriela, ontem lá no shopping, vi uma foto sua.

Para os dois interlocutores, essa frase não apresentaria problema de sentido,


uma vez que, por fazer parte do diálogo, estaria contextualizada. No entanto,
outra pessoa que ouvisse apenas essa parte da conversa poderia interpretá-la
de três maneiras diferentes.

Atenção Professor(a), as respostas apresentadas são sugestões. Fim da


observação.

Iniciando pela palavra Você, crie diferentes continuações para a frase, a fim de
ficar claro, em cada uma, que o possessivo sua evidencia que Gabriela é:

a) modelo fotográfico.

Resposta: Você está linda no pôster, um arraso! Todo cara que passava ficava
babando!
b) fotógrafa.

Resposta: Você está cada dia melhor, hein?! Já pode se tornar fotógrafa
profissional.

c) proprietária/colecionadora de fotos.

Resposta: Você é louca de emprestar para a exposição aquela foto raríssima!

4. Transcreve-se a seguir um texto humorístico que circulou na internet.

Quando o primeiro-ministro inglês Winston Churchill* fez 80 anos, um repórter


de aproximadamente 30 anos foi entrevistá-lo. Ao final da entrevista, o repórter
disse:

Atenção Professor(a), * Winston Churchill - primeiro-ministro britânico que,


durante a Segunda Guerra Mundial, governou a Grã-Bretanha. Foi um dos
responsáveis pela vitória dos exércitos aliados sobre Hitler. Fim da observação.

- Sir Winston, espero entrevistá-lo novamente nos seus 90 anos.

Resposta de Churchill:

- Por que não? Você me parece bastante saudável.

Autoria desconhecida.

Se a fala do repórter fosse "Sir Winston, espero entrevistá-lo novamente aos 90


anos", o efeito de humor gerado pela resposta de Churchill seria atenuado ou
intensificado? Justifique.

Resposta: Seria intensificado, pois "aos 90 anos" teria duplo sentido (90 anos
de Churchill ou do repórter?). Isso possibilitaria que Churchill, intencionalmente,
interpretasse esse trecho como "aos seus (do repórter) 90 anos". Assim,
Churchill estaria subentendendo que o repórter viveria mais uns 60 anos e
insinuando, em tom de brincadeira, que ele próprio, Churchill, que já tinha 80
anos, também viveria mais 60, ou seja, até os 140.

5. Observe este cartum:

CRÉDITO: Claudios. Antologia brasileira do humor. Porto Alegre: L&PM, 1976.


v. 1. p. 128.

Relativamente à fala do condenado, responda aos itens a e b.


a) Explique, no contexto do cartum, como a fala do personagem cria o efeito de
humor.

Resposta: "Corta essa" apresenta uma superposição de sentidos: pode ser


uma gíria, significando "deixe isso pra lá", "não faça isso"; pode também ser
interpretado como um pedido que o condenado faz ao carrasco para que este
lhe corte a cabeça. Obviamente, o condenado emprega "corta essa" no
primeiro sentido referido, mas, por escolher uma forma infeliz de fazer o pedido
ao carrasco, pode ser interpretado de maneira diferente e ter sua cabeça
cortada.

b) Se o carrasco fosse um bom conhecedor do emprego dos pronomes


demonstrativos e resolvesse atender ao pedido do condenado, este seria
executado ou não?

Resposta: Não. Ele só seria executado se dissesse "Corta esta", pois nesse
caso, "esta" indicaria a cabeça dele (corta esta cabeça). Como ele diz "Corta
essa!", o carrasco, se conhecesse os diferentes usos de essa e esta,
entenderia que o condenado lhe pede que pare com o que está fazendo, ou
seja, interrompa a execução.

182

6. (Unicamp-SP) Os textos abaixo integram uma matéria de divulgação


científica sobre o tamanho das criaturas marinhas, ilustrada com fotos dos
animais mencionados.

TEXTO 1

Eles nascem com milímetros e alcançam metros de comprimento, nadam das


praias rasas às águas abissais. Em fotos únicas, produzidas em tanques
especiais, conheça as medidas dos animais do fundo do mar.

CRÉDITO: Doug Perr/Nature PL/Diomedia

TEXTO 2

Escala milimétrica
Enquanto este cavalo-marinho pode chegar a 30 cm, os filhotes medem poucos
milímetros ao nascer. Eles surgem depois que a fêmea deposita óvulos em
uma bolsa na barriga do macho, que é responsável pela fertilização.

"Escalas marinhas", em Superinteressante, São Paulo, jun. 2012, p. 72-73.

LEGENDA: 10 cm

CRÉDITO: Juan Carlos Muñoz/Age Fotostock/Easypix

a) Pode-se afirmar que a compreensão do texto 2 depende da imagem que o


acompanha. Destaque do texto a expressão responsável por essa dependência
e explique por que seu funcionamento causa esse efeito.

Resposta: Trata-se da expressão "este cavalo-marinho". O demonstrativo este


tem, no caso, a função de apontar, mostrar um elemento que integra a
matéria jornalística, mas está fora do texto verbal: a imagem do cavalo-
marinho. Por conta desse papel (função dêitica) do demonstrativo é que a
compreensão plena do texto depende dessa correlação entre ele e a imagem.

b) No que diz respeito à organização textual, que diferença se pode apontar


entre os dois textos, quanto ao modo como o pronome eles se relaciona com
os termos a que se refere?

Resposta: No texto 1, o pronome eles funciona como catafórico, pois aponta


para uma expressão que vai ser citada mais à frente - "animais do fundo do
mar" - antecipando assim a presença dela no texto. No texto2, o mesmo
pronome retoma um elemento já citado - "os filhotes" - estabelecendo uma
relação de referência anafórica.

7. Em um bar de uma cidadezinha, o proprietário afixou uma placa semelhante


à reproduzida abaixo. Leia-a e responda aos itens de a e c.

CRÉDITO: Marcos Guilherme

a) A mensagem, nesse contexto, deve ser interpretada como uma afirmação


crítica ("séria") ou humorística? Justifique.

Resposta: O sentido é nitidamente humorístico. O proprietário, aproveitando o


fato de que, popularmente, caçadores e pescadores são considerados
mentirosos, faz uma brincadeira com os caçadores e pescadores que
frequentam o bar.

b) Que palavra é responsável pela criação do sentido pretendido pelo autor da


frase? Explique.

Resposta: Outros (pronome indefinido). Essa palavra, ao ser associada a


mentirosos, deixa implícito que, entre os que mentem, incluem-se os
caçadores e os pescadores.

c) Se a palavra referida no item b fosse eliminada, o que a frase da placa


possibilitaria entender a respeito dos pescadores e dos caçadores? Explique.

Resposta: A frase deixaria implícito que os caçadores e pescadores não são


mentirosos; ela estaria afirmando que ali se reuniriam três "tipos" de pessoas:
os caçadores, os pescadores e os mentirosos.

183

8. Leia estes dois enunciados.

Naquela ocasião, o maestro ironizou o talento musical da filha da famosa atriz,


que, anos mais tarde, viria a ser mulher dele.

Passarei as férias na casa de praia de minha amiga, cujo aluguel está cotado
em mil reais por semana.

a) Esclareça os dois sentidos que podem ser atribuídos a cada um deles e


explique, do ponto de vista da estrutura do enunciado, por que ocorre a
ambiguidade.

Resposta: Em 1, pode-se entender que a filha da atriz ou a própria atriz viria a


ser mulher do maestro. A ambiguidade é causada pelo relativo que, que pode
retomar a expressão "filha da famosa atriz" (núcleo: filha) ou a expressão "a
famosa atriz". Em 2, pode-se supor que a casa ou a amiga tem o aluguel
cotado em mil reais por semana. O relativo cujo pode ter como referente a
expressão "casa de praia de minha amiga" (núcleo: casa) ou a expressão
"minha amiga".
b) Reveja, no quadro acima, o conceito de tolerância pragmática, já
apresentado no volume 1, e responda: em qual dos dois enunciados nossa
tolerância pragmática permite-nos facilmente desfazer a ambiguidade? Por
quê?

Resposta: Em 2. Pelo nosso conhecimento de mundo, sabemos que pessoas


não são alugadas, mas casas sim. Assim, descartamos a interpretação "minha
amiga é alugada" e ficamos com "a casa de minha amiga é alugada". No
enunciado 1, não é possível desfazer a ambiguidade porque os dois sentidos
são possíveis.

PARA NÃO ESQUECER

Tolerância pragmática

Nossa capacidade de compreender adequadamente um enunciado não se


apoia apenas em seus elementos linguísticos (palavras, expressões, frases) e
na organização deles; apoia-se também, em parte, em fatores extralinguísticos
(a situação de comunicação, quem é nosso interlocutor, nossa experiência de
mundo etc.).

Quando a combinação de elementos linguísticos e extralinguísticos produz, no


enunciado, um sentido absurdo ou que não combina com a situação de
comunicação, nós o "descartamos", pois concluímos, com certa facilidade, que
tal sentido não foi o pretendido pelo enunciador. A essa nossa capacidade
linguística damos o nome de tolerância pragmática.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, os subsídios/sugestões relativos(as) a esta atividade e também
uma proposta de atividade alternativa. Fim da observação.

E MAIS ...

"Ninguém conhecia ele" × "Ninguém o conhecia"

Na seção teórica "Principais empregos dos pronomes pessoais", vimos que, na


função de complemento do verbo, as formas pronominais o(s)/a(s) e
ele(s)/ela(s) ocorrem em variedades linguísticas diferentes.

Mas será que, na língua falada, essas diferenças de uso realmente existem?
Para tentar responder a essa pergunta, vamos desenvolver uma atividade de
pesquisa.

1ª parte - Leitura inicial

Veja o que diz o linguista Marcos Bagno:

[...] Os pronomes o/a, de construções como "eu o vi" e "eu a conheço", estão
praticamente extintos no português falado no Brasil [...]. Esses pronomes
nunca aparecem na fala das crianças brasileiras nem na dos adultos brasileiros
não alfabetizados e têm baixa ocorrência na fala dos indivíduos cultos, o que
demonstra que são exclusivos da língua ensinada na escola, sobretudo da
língua escrita, não fazendo parte, então, do repertório da língua materna dos
brasileiros. Nossas crianças usam sem problema me e te - "Ela me bateu", "Eu
vou te pegar" -, mas o/a jamais, que são substituídos por ele/ela: "Eu vou pegar
ele", "Eu vi ela". As formas lo e la - pegá-lo, vê-la -, então, nem pensar. Se as
crianças não usam é porque não ouvem os adultos usar, e se os adultos não
usam é porque não precisam desses pronomes. E mesmo na língua dos
adultos escolarizados, esses pronomes só aparecem como um recurso
estilístico, em situações de uso mais formais, quando o falante quer deixar
claro que domina as regras impostas pela gramática escolar. [...]

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo:


Loyola, 1999. p. 24-25.

184

2ª parte - Atividade de pesquisa

1. Objetivo

Analisar, na língua falada, a ocorrência das formas o(s)/a(s), lo(s)/la(s) e das


formas ele(s)/ ela(s) na função de complemento verbal.

2. Orientações para a realização da atividade

a) A turma será dividida em grupos para gravar e selecionar trechos de textos


em que as formas o(s)/a(s), lo(s)/la(s) e ele(s)/ela(s) atendam ao objetivo da
pesquisa.
b) O(A) professor(a) apresentará os critérios de acordo com os quais a coleta
dos dados deverá ser feita.

3. Tabulação dos dados

Realizadas as gravações, cada grupo deverá identificar, em cada uma delas,


os casos que interessem à pesquisa, transcrever os trechos, reproduzir a
tabela abaixo em uma folha sulfite e, a partir das transcrições, preenchê-la com
os dados coletados.

Em desacordo
De acordo com
com a norma
a norma culta
culta

Nível de ensino Total de


(escolaridade) dos ocorrências Quantidade % Quantidade %
informantes analisadas

Fundamental Resposta: 15*

Médio Resposta: 15*

Superior Resposta: 15*

Total Resposta: 45*

Atenção Professor(a), * Conforme sugestão em Conversa com o professor,


nas Orientações específicas, itens 1.a e 1.b das "Sugestões/orientações para
a coleta dos dados (gravação das falas)". Fim da observação.

4. Apresentação dos resultados e discussão coletiva

a) Em data a ser definida, os grupos entregarão ao(à) professor(a) as


transcrições dos trechos selecionados. Oralmente, responderão aos demais
colegas os dois itens da pergunta a seguir, apresentando, quando for o caso, o
fragmento em que a ocorrência foi registrada:

Foi documentado algum caso em que, por conta das características


socioculturais do falante e da situação de comunicação:
· o emprego de ele/a, em lugar de o/a, ficou inadequado? Por quê?

· o emprego de o/a soou meio "artificial", pedante? Por quê?

b) Com a orientação do(a) professor(a), será preparada, então, uma tabela


geral dos dados. A turma poderá analisar coletivamente se, nos limites da
pesquisa, esses dados confirmam o que diz o professor Marcos Bagno no texto
da primeira parte desta atividade.

5. Atividade complementar

A critério do(a) professor(a), poderá ser desenvolvida uma atividade


complementar baseada na tabela geral dos resultados da pesquisa.

185

capítulo 2 - Verbo

Classes gramaticais

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Artigos

· BIZZOCCHI, Aldo. Passado subjuntivo. Revista Língua Portuguesa, maio


2012. Disponível em: http://tub.im/2o26ud. Acesso em: 10 mar. 2016.

· POSSENTI, Sírio. Gerundismo. In: _____. Língua na mídia. São Paulo:


Parábola, 2009.

Crônicas

· CALLIGARIS, Contardo. Amores silenciosos. Folha de São Paulo, São


Paulo, 26 jun. 2008. Disponível em: http://tub.im/qsepw4. Acesso em: 10 mar.
2016.

· PASSOS, Clarissa. Sabe o português? Divulgueconteudo.com, [20-?].


Disponível em: http://tub.im/uvwt2a. Acesso em: 10 mar. 2016.

· RIBEIRO, João Ubaldo. O verbo for. Jornal Grande Bahia, Feira de Santana,
12 jun. 2013. Disponível em: http://tub.im/4nsanz. Acesso em: 10 mar. 2016.

· SCLIAR, Moacyr. Um verbo para começar o ano. Academia Brasileira de


Letras, [2007?]. Disponível em: http://tub.im/x9mkk6. Acesso em: 10 mar.
2016.
186

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais...", da página 216, requer


preparação antecipada. Fim da observação.

INTRODUÇÃO

Leia atentamente o conteúdo deste quadro.

40 anos, as mulheres islandesas em greve e se a, e das crianças por um dia. O


momento a forma como as mulheres no país e a Islândia na vanguarda da luta
pela igualdade.

O movimento também espaço para que, cinco anos depois, em 1980, Vigdis
Finnbogadottir, uma mãe solteira divorciada, a Presidência do país, a primeira
mulher presidente da Europa e a primeira mulher no mundo a
democraticamente como chefe de Estado.

LEGENDA: Manifestação de mulheres islandesas por igualdade de direitos em


1975.

CRÉDITO: Olafur K. Magnusson

Certamente você estranhou um pouco esse "texto" e não conseguiu


compreendê-lo muito bem. Isso aconteceu porque algumas palavras
indispensáveis para o sentido geral dele foram propositadamente omitidas.

Leia abaixo esse mesmo trecho, agora acrescido das palavras que haviam sido
excluídas.

Há 40 anos, as mulheres islandesas entraram em greve e se recusaram a


trabalhar, cozinhar e cuidar das crianças por um dia. O momento mudou a
forma como as mulheres eram vistas no país e ajudou a colocar a Islândia na
vanguarda da luta pela igualdade.

O movimento também abriu espaço para que, cinco anos depois, em 1980,
Vigdis Finnbogadottir, uma mãe solteira divorciada, conquistasse a
Presidência do país, tornando-se a primeira mulher presidente da Europa e a
primeira mulher no mundo a ser eleita democraticamente como chefe de
Estado.

[...]
BREWER, Kirstie. A greve geral de mulheres que tornou a Islândia o país "mais
feminista do mundo". G1, 2 nov. 2015. Disponível em:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/11/a-greve-geral-de-mulheres-que-
tornou-islandia-o-pais-mais-feminista-do-mundo.html. Acesso em: 10 mar.
2016.

Como você pôde perceber, as palavras destacadas são fundamentais para dar
sentido ao texto e possibilitar a compreensão adequada de seu conteúdo.
Essas palavras fazem parte da mais importante classe gramatical do idioma: o
verbo.

É essa classe gramatical que estudaremos neste capítulo.

PARA QUE SABER?

O verbo é a palavra mais importante da língua porque funciona, quase sempre,


como elemento nuclear dos atos de comunicação. Em torno do verbo se
agregam outras palavras para constituir a estrutura dos enunciados.

É claro que, desde que aprendemos a falar, usamos os verbos com


naturalidade (como também as demais palavras), mas dispor de um domínio
mais amplo sobre as características, formas e possibilidades de uso dos
verbos é indispensável a quem, em situações específicas de fala ou escrita,
precisa utilizar a variedade culta formal da língua.

187

VERBO

Conceito

Considere as palavras destacadas nestes enunciados:

1. O ser humano conquistará outros planetas?


Palavra que exprime uma ação e a localiza no tempo futuro.

2. Nosso planeta está cada vez mais quente.


Palavra que exprime um estado (modo de estar) localizado no tempo presente.

3. Durante este verão choveu pouquíssimo.


Palavra que exprime um fenômeno da natureza ocorrido num tempo passado.

As palavras conquistará, está e choveu são exemplos de verbos.


Verbo é a palavra que, por si só, exprime um fato (em geral, uma ação, um
estado ou um fenômeno) e que pode variar sua forma para situar esse fato no
tempo.

LEGENDA: Astronauta realiza caminhada espacial durante a construção da


Estação Espacial Internacional, em 2002.

CRÉDITO: NASA/SPL/Latinstock

Complemento teórico

Quando dizemos que os verbos exprimem ação, estado ou fenômeno,


estamos fazendo uma simplificação didática, pois existem verbos que
exprimem outros tipos de "fatos", diferentes desses três. Verbos como sofrer,
sentir e saber, por exemplo, não exprimem "ação", no sentido exato dessa
palavra.

ESTUDO DO VERBO (1ª PARTE)

Nesta primeira parte do capítulo, trataremos dos seguintes aspectos das


palavras que integram a classe dos verbos:

· Conjugações verbais

· Flexões do verbo

· Tempos verbais na composição dos modos

· Principais empregos dos tempos simples

Depois, na segunda parte do capítulo, estudaremos outras características e


empregos das palavras dessa classe gramatical.

188

As conjugações verbais

A língua portuguesa tem aproximadamente 11 mil verbos, que podem ser


subdivididos, de acordo com suas terminações, em três grandes grupos,
chamados conjugações.

Veja o quadro:

Conjugação Terminação Exemplos


1ª -ar falar, divulgar

2ª -er saber, perceber

3ª -ir sair, dividir

Observação: Os poucos verbos terminados em -or (pôr, compor, sobrepor


etc.) são considerados de 2ª conjugação, pois têm origem no antigo verbo
poer.

As flexões do verbo

Os verbos são palavras variáveis que se flexionam em:

· pessoa: 1ª, 2ª e 3ª.

· número: singular e plural.

· tempo: presente, passado, futuro.

· modo: indicativo, subjuntivo, imperativo.

· voz: ativa, passiva, reflexiva.

Vamos conhecer, a seguir, os principais aspectos relativos às flexões de


pessoa, número, tempo e modo. A flexão de voz será estudada na segunda
parte deste capítulo.

FIQUE SABENDO

Flexão são variações que podem ocorrer na forma de uma palavra e que
desempenham determinadas funções gramaticais. [...]

O português é uma língua rica em flexões. [...] Um verbo típico como escrever
tem quase uma centena de formas: escrevo, escreve, escrevemos,
escreveríeis, escrevendo, escrito etc. E o número fica maior se contarmos
como flexão formas como tem escrito, está escrito e vai escrever, isto é, as
perífrases verbais. [...]

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. e adap. Rodolfo


Ilari. São Paulo: Contexto, 2004. p. 113.
Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações
específicas, o item "Paradigmas de usos das formas verbais" na seção
"Complementação teórica". Fim da observação.

Pessoa e número

Um ato de comunicação envolve três elementos: as pessoas do discurso, que


são representadas pelas pessoas gramaticais: 1ª, 2ª e 3ª. Associado ao
conceito de pessoa gramatical está o conceito de número (singular e plural),
que expressa a quantidade de seres referente a cada uma das três pessoas.

As relações entre as três pessoas gramaticais e os dois números resultam em


seis combinações: três para o singular; três para o plural. O quadro abaixo
apresenta essas combinações e um exemplo de forma verbal de cada caso.

Números

Pessoa gramatical Singular Plural

1ª pessoa Eu beijo Nós beijamos

Tu beijas Vós beijais


2ª pessoa
Você beija Vocês beijam

3ª pessoa Ele/ela beija Eles/elas beijam

Note, pelos exemplos desse quadro, que as formas você/ vocês indicam a 2ª
pessoa do discurso - quem ouve/lê - e exigem a forma verbal na 3ª pessoa:
você beija; vocês beijam.

LEGENDA: O beijo, obra do pintor austríaco Gustav Klimt.

CRÉDITO: Gustav Klimt. 1918. Óleo sobre tela, 180 × 189 cm. Museu
Kunsthistorisches, Viena

NAVEGAR É PRECISO

Gustav Klimt (1862-1918) foi um pintor austríaco da art nouveau (arte nova),
estilo artístico muito apreciado no final do século XIX e início do XX.
Para conhecer mais obras desse artista, visite os sites https://tub.im/gsxtkf e
http://tub.im/kt8dbj (acessos em: 10 mar. 2016) e discuta com seus colegas
sobre as características das pinturas encontradas nessas visitas virtuais.

189

As formas verbais relativas ao pronome vós são de uso raríssimo no português


brasileiro; ocorrem apenas em situações de comunicação extremamente
formais, cerimoniosas e solenes. Veja um exemplo nesta tirinha.

FONTE: LAERTE. Piratas do Tietê. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. E16, 28


ago. 2010.

CRÉDITO: Laerte

Bem... Essa conversa do casal real é toda cerimoniosa, mas o subentendido na


última fala da rainha nem tanto, não é mesmo?

Tempo verbal

Se tomarmos como ponto de referência o momento em que falamos (ou


escrevemos), podemos subdividir o transcorrer do tempo em três partes e
localizar nelas as ocorrências expressas pelos fatos verbais. Assim:

Tempo anterior ao momento Momento da Tempo posterior ao momento


da fala/escrita fala/escrita da fala/escrita

passado presente futuro

Essa divisão geral do tempo dá origem aos três tempos verbais básicos:
passado (ou pretérito), presente e futuro. Veja, por exemplo, os tempos
expressos pelas formas verbais na sugestiva troca de mensagens entre os dois
personagens deste cartum:

CRÉDITO: Amarildo

· chegarei
Fato posterior ao momento da escrita → futuro.

· sei
Fato simultâneo ao momento da escrita → presente.
· estou aguardando
Fato simultâneo ao momento da escrita → presente.

O presente não tem subdivisões, mas o pretérito admite três segmentações


de tempos; o futuro, por sua vez, admite duas segmentações.

190

Veja, nestes quadros, a composição geral dos tempos verbais:

Presente

[Não tem subdivisões.]

Pretérito

Pretérito perfeito

Pretérito imperfeito

Pretérito mais-que-perfeito

Futuro

Futuro do presente

Futuro do pretérito

Esses tempos serão exemplificados em todas as suas formas nas duas


próximas páginas na seção Os tempos verbais na composição dos modos
(página 191).

Modo verbal

Modo é a flexão verbal que possibilita ao falante revelar sua própria atitude em
relação ao fato expresso pelo verbo. São três os modos verbais:

Modo indicativo

Fazem parte desse modo as formas verbais que exprimem atitudes de certeza
do falante.

Ex.: Viajaremos para Recife.

Modo subjuntivo

Constituído pelas formas verbais que exprimem atitudes de hipótese,


suposição, dúvida etc.
Ex.: Se você estiver aqui, poderá nos ajudar nos trabalhos.

Modo imperativo

Fazem parte desse modo as formas que exprimem ordem, pedido, conselho,
convite etc.

Ex.: Por favor, feche a porta da sala.

Cada um desses três modos é constituído, como veremos logo à frente, por um
conjunto específico de tempos verbais.

Formas nominais

Um verbo, além de apresentar as inúmeras formas que constituem os seus


diferentes tempos, dispõe também de três formas particulares, denominadas
formas nominais. São elas: infinitivo, gerúndio e particípio.

Veja o quadro:

· Caracteriza-se pela terminação -r.


· Exprime o fato verbal em si, sem demarcar, no tempo, seu início e
Infinitivo
seu fim.
Ex.: Comer e coçar é só começar.

· Caracteriza-se pela terminação -ndo.


· Exprime o fato verbal em desenvolvimento, isto é, enquanto ele
Gerúndio ocorre ao longo do tempo.
Ex.: O helicóptero passou a tarde toda sobrevoando a área do
incêndio.

· Caracteriza-se pela terminação -ado (na 1ª conjugação) e -ido (na


2ª e 3ª conjugações).
Particípio
· Exprime o resultado, a conclusão plena do processo verbal.
Ex.: À noite, o fogo havia avançado muito e destruído a mata.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "O conceito de 'gerundismo'" na seção "Complementação
teórica". Fim da observação.

LEGENDA: apontar ⇒ infinitivo - matar ⇒ infinitivo


CRÉDITO: CENIPA. Disponível em: http://www.cenipa.aer.mil.br. Acesso em: 2
jun. 2016.

191

Complemento teórico

De onde vem a denominação "formas nominais"?

O infinitivo, o gerúndio e o particípio são chamados de formas nominais


porque, em certos casos, não desempenham o papel de formas verbais, e sim
de nomes (substantivos e adjetivos). Compare as formas destacadas em cada
par de frases a seguir:

· Você vai sofrer com nossa ausência? ⇐⇒ Esse seu falso sofrer não nos
comove.
infinitivo funcionando como forma verbal
infinitivo funcionando como substantivo (forma nominal)

· A águavai ficar fervendo meia hora. ⇐⇒ Usamos água fervendo para lavar
os frascos.
gerúndio funcionando como forma verbal
gerúndio funcionando como adjetivo (forma nominal)

· O vilarejo ficou isolado pelas chuvas. ⇐⇒ Ele vive num sítio isolado, longe
da cidade.
particípio funcionando como forma verbal
particípio funcionando como adjetivo (forma nominal)

Os tempos verbais na composição dos modos

As formas verbais, dependendo do tempo do qual fazem parte, subdividem-se


em formas simples (constituídas por uma única palavra) e compostas
(constituídas por mais de uma palavra).

Veja neste exemplo:

Atenção Professor(a), quanto às formas compostas por três verbos, ver


sugestão de comentário na seção "Classificações dos verbos" na segunda
parte deste capítulo (página 202). Fim da observação.
· Eu sei que, se não houvesse chovido, você não teria faltado à reunião. forma
composta
forma simples
forma composta

Os tempos verbais constituídos por esses dois tipos de formas recebem as


denominações de tempo simples ou tempo composto.

Vamos sistematizar, a seguir, a composição geral dos três modos verbais -


indicativo, subjuntivo e imperativo - e conhecer os principais empregos de
suas formas simples na indicação dos diferentes sentidos de tempo.

Composição do modo indicativo

O modo indicativo, como já vimos, é constituído por um conjunto de formas


verbais empregadas pelo falante para evidenciar sua atitude de certeza em
relação ao fato expresso pelo verbo. O quadro a seguir apresenta, para
consulta, os seis tempos simples e os quatro compostos que integram esse
modo verbal.

Tempos verbais do indicativo Exemplos

Presente Eu falo

Pretérito imperfeito Eu falava

Pretérito perfeito simples Eu falei

Pretérito perfeito composto Eu tenho falado

Pretérito mais-que-perfeito simples Eu falara

Pretérito mais-que-perfeito composto Eu tinha falado

Futuro do presente simples Eu falarei

Futuro do presente composto Eu terei falado

Futuro do pretérito simples Eu falaria


Futuro do pretérito composto Eu teria falado

FIQUE SABENDO

Os quadros com os tempos verbais apresentados nesta seção constituem


material teórico de consulta. Não se preocupe, portanto, em memorizá-los de
forma sistemática.

192

Conjugação dos tempos simples do modo indicativo

Os quadros a seguir apresentam, como exemplo, a conjugação do verbo viajar


nos seis tempos simples que compõem o modo indicativo.

Presente

Eu viajo

Tu viajas

Ele/você viaja

Nós viajamos

Vós viajais

Eles/vocês viajam

Pretérito perfeito

Eu viajei

Tu viajaste

Ele/você viajou

Nós viajamos

Vós viajastes

Eles/vocês viajaram

Pretérito imperfeito

Eu viajava

Tu viajavas
Ele/você viajava

Nós viajávamos

Vós viajáveis

Eles/vocês viajavam

Pretérito mais-que-perfeito

Eu viajara

Tu viajaras

Ele/você viajara

Nós viajáramos

Vós viajáreis

Eles/vocês viajaram

Futuro do presente

Eu viajarei

Tu viajarás

Ele/você viajará

Nós viajaremos

Vós viajareis

Eles/vocês viajarão

Futuro do pretérito

Eu viajaria

Tu viajarias

Ele/você viajaria

Nós viajaríamos

Vós viajaríeis

Eles/vocês viajariam

Principais empregos dos tempos simples do indicativo


Empregos do tempo presente

As formas do presente do indicativo exprimem fatos que ocorrem no mesmo


momento em que o falante os observa ou faz referência a eles.

Veja este exemplo:

· São cinco horas da manhã, lá fora já passam os barulhentos ônibus urbanos.

O presente do indicativo pode também ser usado para:

1. Exprimir fatos de ocorrência costumeira, habitual.

Ex.: Em janeiro, sempre chove à tarde; o rio enche e inunda a avenida.

2. Exprimir fatos atemporais, isto é, sem começo nem fim.

Ex.: Nosso planeta viaja solitário pela imensidão da Via Láctea.

3. Fazer referência a fatos passados ou futuros, mostrando-os como se


estivessem acontecendo no momento da fala/escrita.

Exemplos:

· Em 1988, o Congresso Nacional promulga a nova Constituição.


Forma do presente com sentido de passado (promulga = promulgou).

· Daqui a um mês, volto para minha querida cidade natal.


Forma do presente com sentido de futuro (volto = voltarei).

LEGENDA: Ulysses Guimarães apresenta a Constituição Brasileira promulgada


em 1988.

CRÉDITO: Arquivo Agência Brasil

193

Complementos teóricos

1. O tempo presente, quando empregado com sentido de passado, denomina-


se presente histórico. Veja outro exemplo desse uso:

· Em 1532, os portugueses fundam São Vicente, a primeira cidade brasileira.

2. O emprego do presente com sentido de futuro é um recurso que possibilita


ao falante assegurar que o fato expresso pelo verbo vai realmente acontecer.

Ex.: Não se preocupe; na semana que vem eu pago o que lhe devo.
3. A noção de tempo presente pode ser expressa também por determinadas
estruturas constituídas de duas ou mais formas verbais.

Ex.: A falta de chuvas está prejudicando as plantações de milho em todo o


estado.

Empregos dos tempos pretéritos

Pretérito perfeito

Pretérito é sinônimo de "passado", e perfeito significa, no nome do tempo,


"terminado, concluído". Esse tempo é, portanto, usualmente empregado para
exprimir fatos que começaram e já chegaram ao seu final, ou seja, estão
perfeitamente (inteiramente) concluídos.

Observe este exemplo:

[...] Tudo quieto; o primeiro cururu surgiu na margem, molhado, reluzente na


semiescuridão. Engoliu um mosquito; baixou a cabeçorra; tragou um
cascudinho, mergulhou de novo [...]

LIMA, Jorge de. Calunga. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p.
125.

Como vimos no item anterior, o sentido de tempo passado (pretérito) pode ser
expresso por formas do presente. Essa substituição, usual em narrativas
históricas e manchetes jornalísticas, constitui um eficiente recurso para tornar
mais vivos os fatos, mostrando-os como se estivessem acontecendo no
momento da fala/escrita.

Veja as formas destacadas neste exemplo:

· Em 1º de setembro de 1939, o exército alemão invade a Polônia e tem início


a Segunda Guerra Mundial.

Pretérito imperfeito

Pretérito é sinônimo de "passado", e imperfeito significa "não concluído, que


não chegou ao final". Empregam-se as formas desse tempo principalmente
para:

1. Exprimir fatos que começaram, mas não chegaram ao seu final.

Ex.: O ônibus atravessava a avenida, quando foi atingido pelo carro.


2. Exprimir fatos de ocorrência habitual/contínua no passado.

Ex.: Quando era jovem, ele trabalhava como vendedor em uma loja de móveis.

Pretérito mais-que-perfeito

No nome desse tempo, a expressão "mais-que-perfeito" tem sentido de "mais


que terminada, mais que concluída". Suas formas verbais são empregadas
para:

1. Fazer referência a um fato já ocorrido, anterior a outro também passado.

Ex.: Entregou para a mãe o presente que comprara na última viagem.


fato anterior a "entregou"

Note, nesse exemplo, que comprar é um fato mais "antigo", "mais concluído"
que entregar.

194

As formas simples do pretérito mais-que-perfeito são pouco usadas na língua


portuguesa atual; na maioria absoluta das vezes, empregam-se as formas
compostas. Compare os exemplos:

· Quando começou o temporal, eu já chegara da escola.


forma simples [pouco usada]

· Quando começou o temporal, eu já tinha chegado da escola.


forma composta

2. Exprimir desejos. Veja o exemplo:

Quem dera

Pudesse todo homem compreender, oh, mãe, quem dera

Ser o verão o apogeu da primavera.

GIL, Gilberto. Super-homem, a canção. In: _____. Realce. [Rio de Janeiro]:


Wea/Elektra, 1979.

Empregos dos tempos futuros

Futuro do presente

As formas desse tempo são empregadas para:


1. Indicar fatos de ocorrência posterior ao momento da fala.

Ex.: "Olho por olho e o mundo acabará cego." (Mahatma Gandhi)

2. Exprimir dúvida relativamente a um fato futuro.

Ex.: Conseguirão os humanos habitar outros planetas?

3. Substituir formas do imperativo.

Ex.: Não matarás. (= Não mates.)

LEGENDA: Gandhi - (na fotografia, com o microfone) ativista político indiano e


adepto do princípio da não violência, inspirou outros líderes pacifistas, como
Martin Luther King e Nelson Mandela.

CRÉDITO: Dinodia Photo/Alamy/Latinstock

Futuro do pretérito

Esse tempo é empregado principalmente para:

1. Indicar que a ocorrência de um fato depende da ocorrência de outro.

Ex.: Eles voltariam de avião, se o tempo estivesse bom.

2. Exprimir, de forma polida, educada, um desejo ou um pedido.

Ex.: O documento ainda não está pronto; você poderia pegá-lo amanhã?

3. Fazer referência a fatos hipotéticos ou duvidosos.

Ex.: Segundo os jornais, um clube italiano faria uma proposta milionária pelo
jovem atacante.

Composição do modo subjuntivo

O modo subjuntivo, como já vimos, é constituído por tempos verbais cujas


formas exprimem suposição, dúvida, hipótese etc. em relação ao fato expresso
pelo verbo.

O quadro a seguir apresenta, para consulta, os três tempos simples e os três


tempos compostos que constituem esse modo verbal.

Tempos verbais do subjuntivo Exemplos


Presente Que eu fale

Pretérito imperfeito Se eu falasse

Pretérito perfeito composto Que eu tenha falado

Pretérito mais-que-perfeito composto Se eu tivesse falado

Futuro simples Quando eu falar

Futuro composto Quando eu tiver falado

195

Conjugação dos tempos simples do modo subjuntivo

Os quadros a seguir apresentam, como exemplo, o verbo conhecer, conjugado


nos três tempos simples do subjuntivo.

Presente

Que eu conheça

Que tu conheças

Que ele/você conheça

Que nós conheçamos

Que vós conheçais

Que eles/vocês conheçam

Pretérito imperfeito

Se eu conhecesse

Se tu conhecesses

Se ele/você conhecesse

Se nós conhecêssemos

Se vós conhecêsseis

Se eles/vocês conhecessem
Futuro

Quando eu conhecer

Quando tu conheceres

Quando ele/você conhecer

Quando nós conhecermos

Quando vós conhecerdes

Quando eles/vocês conhecerem

Principais empregos dos tempos simples do subjuntivo

Empregos do tempo presente

As formas do presente do subjuntivo são mais comumente empregadas:

1. Em frases que exprimem hipótese, suposição, desejo etc.

Veja estes exemplos:

· Talvez você mude de opinião, volte aqui e ajude a terminar o trabalho.

FONTE: VERISSIMO, Luis Fernando. As cobras. São Paulo: L&PM, 1997.

CRÉDITO: © by Luis Fernando Verissimo

2. Em associação com determinadas formas de outros tempos verbais também


presentes no enunciado.

Exemplos:

· É muito perigoso que ele viaje sozinho para aquela região tão remota.

· Ninguém admitirá que vocês dividam a culpa pelo erro que ele cometeu.

Empregos do tempo futuro

As formas do futuro do subjuntivo são empregadas para indicar a ocorrência


de fatos hipotéticos no futuro e, geralmente, ocorrem em orações que
exprimem determinadas circunstâncias, tais como tempo e condição.

Veja estes exemplos:

· Só voltaremos para casa quando fizermos todo o trabalho.


oração que exprime tempo
· Se eles souberem a verdade, ficarão muito decepcionados com você.
oração que exprime condição

196

Empregos do pretérito imperfeito

As formas do pretérito imperfeito do subjuntivo são principalmente


empregadas em correlação com formas do pretérito imperfeito do indicativo e
do futuro do pretérito do indicativo para exprimir circunstâncias como causa,
concessão e condição.

Veja estes exemplos:

· Como estivesse constantemente adoentado, sempre evitava fazer viagens


longas.
pretérito imperfeito do subjuntivo exprimindo causa
pretérito imperfeito do indicativo

· Embora fizessem parte de uma família rica e muito tradicional, viviam de


forma modesta.
pretérito imperfeito do subjuntivo exprimindo concessão
pretérito imperfeito do indicativo

FONTE: THAVES, Bob. Frank & Ernest. Correio Popular, Campinas, 21 ago.
1994.

CRÉDITO: 2014 United Media/Ipress

· quisesse: pretérito imperfeito do subjuntivo exprimindo condição.

· teria: futuro do pretérito do indicativo.

Composição do modo imperativo

Leia este cartaz:

CRÉDITO: Ziraldo

Observe, nesse texto, a finalidade com que foram empregadas as formas


verbais proteja, participe e liga:

· proteja ⇒ faz uma recomendação ao leitor.

· participe ⇒ convida o leitor a fazer algo.


· [se] liga ⇒ faz outra recomendação ao leitor.

Essas três formas integram o modo imperativo.

As diferentes formas desse modo verbal, que, além de recomendação e


convite, exprimem também ordem, conselho, pedido, alerta etc., podem ocorrer
em frases afirmativas ou negativas, constituindo, assim, dois grupos:

· Imperativo afirmativo

· Imperativo negativo

Veja, na próxima página, mais alguns exemplos de formas do imperativo.

197

Imperativo Exemplos

· Crê em tuas capacidades, planeja teu futuro e prepara-te para


conquistá-lo.
Afirmativo
· Creia em suas capacidades, planeje seu futuro e prepare-se para
conquistá-lo.

· Não creias que tu vencerás sozinho; não sejas soberbo, nem


desprezes apoios.
Negativo
· Não creia que você vencerá sozinho; não seja soberbo, nem
despreze apoios.

O imperativo afirmativo e o negativo têm cinco formas verbais cada um;


algumas dessas formas originam-se do presente do indicativo, outras, do
presente do subjuntivo, conforme veremos a seguir.

Formação do imperativo

Imperativo afirmativo

Esse imperativo é constituído por duas formas provenientes do presente do


indicativo e por três provenientes do presente do subjuntivo. Veja os
quadros:

tu e vós
Formas derivadas de suas correspondentes no presente do indicativo, sem o
s final que essas formas sempre apresentam.

você, nós e vocês

Formas derivadas de suas correspondentes no presente do subjuntivo, sem


nenhuma alteração.

Observando com atenção o sentido das setas entre os quadros a seguir, veja,
como exemplo, a formação do imperativo afirmativo do verbo viajar.

Presente do indicativo Imperativo afirmativo Presente do subjuntivo

eu viajo ***** que eu viaje

tu viajas -s viaja (tu) que tu viajes

ele/você viaja viaje (você) = que ele/você viaje

nós viajamos viajemos (nós) = que nós viajemos

vós viajais -s viajai (vós) que vós viajeis

eles/vocês viajam viajem (vocês) = que eles/vocês viajem

Complementos teóricos

1. Esse esquema de formação do imperativo afirmativo só não é válido para as


pessoas tu e vós do verbo ser. Esse verbo tem, no imperativo afirmativo, as
seguintes formas:

· sê tu (e não "é tu")

· seja você

· sejamos nós

· sede vós (e não "soi vós")

· sejam vocês
2. Uma ordem, um pedido, um conselho etc. só se aplicam diretamente ao
interlocutor (pessoa com quem se fala); por isso, no imperativo, não existe a 1ª
pessoa do singular. Pelo mesmo motivo, as formas verbais referentes às 3 as
pessoas (ele/eles) são utilizadas para tratar por você/vocês a(s) pessoa(s)
com quem se fala.

3. Admitem duas formas na 2ª pessoa do singular do imperativo afirmativo os


verbos dizer (dize tu/diz tu), fazer (faze tu/faz tu) e trazer (traze tu/traz tu) e os
verbos terminados em -uzir (exemplo: conduzir - conduze tu/conduz tu).

198

Imperativo negativo

As cinco formas que constituem esse imperativo originam-se, sem nenhuma


alteração, de suas formas correspondentes do presente do subjuntivo. Veja
este exemplo:

Presente do subjuntivo Imperativo negativo

que eu viaje *****

que tu viajes = não viajes (tu)

que ele/você viaje = não viaje (você)

que nós viajemos = não viajemos (nós)

que vós viajeis = não viajeis (vós)

que eles/vocês viajem = não viajem (vocês)

Empregos das formas do imperativo

As formas do imperativo, como vimos, são empregadas para exprimir ordens,


orientações, conselhos, pedidos, convites, recomendações etc.

Veja mais dois exemplos nesta tirinha:

FONTE: BROWNE, Dik. Hagar. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 jul. 1996.
CRÉDITO: © 1996 King Features Syndicate /Ipress

Nesse diálogo, Helga está aconselhando sua jovem filha Hony. Com o
imperativo negativo "nunca esqueça", ela faz uma recomendação à filha; com
o imperativo afirmativo jogue, mostra que a jovem deve fazer essa exigência
ao futuro marido.

Agora leia este cartum:

FONTE: Disponível em: http://www.juniao.com.br. Acesso em: 3 jun. 2016.

CRÉDITO: Junião

As formas do imperativo ocorrem com frequência em textos instrucionais


(receitas culinárias, regras de jogo, placas de aviso, manuais de instalação de
eletrodomésticos etc.) e em anúncios publicitários. No cartum ao lado, o
imperativo compre exprime uma sugestão (ou seria uma "ordem"?); por sua
vez, resista é uma forma do imperativo que a mulher emprega para fazer um
pedido, um apelo ao marido.

199

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Verbo - palavra que exprime um fato (geralmente, uma ação, estado ou


fenômeno) e que, por meio de flexões (variações de forma) pode localizar esse
fato no tempo.

Estudo do verbo (1ª parte)

1. Flexões do verbo

Pessoa

Número

singular

plural
Tempo

presente

pretérito

futuro

Modo

indicativo

subjuntivo

imperativo

Voz

ativa

passiva

reflexiva

2. Modos verbais e seus tempos simples

Modo Tempos simples e exemplos (verbo "cantar")

Presente - Eu canto, tu cantas, ele canta etc.


Pretérito perfeito - Eu cantei, tu cantaste, ele cantou etc.
Pretérito imperfeito - Eu cantava, tu cantavas, ele cantava etc.
Indicativo
Pretérito mais-que-perfeito - Eu cantara, tu cantaras, ele cantara etc.
Futuro do presente - Eu cantarei, tu cantarás, ele cantará etc.
Futuro do pretérito - Eu cantaria, tu cantarias, ele cantaria etc.

Presente - Que eu cante, que tu cantes, que ele cante etc.


Pretérito imperfeito - Se eu cantasse, se tu cantasses, se ele
Subjuntivo cantasse etc.
Futuro - Quando eu cantar, quando tu cantares, quando ele cantar
etc.

Afirmativo - Canta (tu), cante (você), cantemos (nós) etc.


Imperativo
Negativo - Não cantes (tu), não cante (você), não cantemos (nós)
etc.

3. Formação do imperativo

· Imperativo afirmativo

· tu e vós - vêm do presente do indicativo, sem o s final.

· você, nós, vocês - vêm, sem alteração, do presente do subjuntivo.

Ex.: fala (tu), fale (você), falemos (nós), falai (vós), falem (vocês)

· Imperativo negativo - Suas cinco formas são as mesmas do presente do


subjuntivo.

Ex.: não fales (tu), não fale (você), não falemos (nós), não faleis (vós), não
falem (vocês)

Atividades

Escreva no caderno

1. O trecho de texto a seguir faz referência a uma possível chegada dos


espanhóis ao Brasil, em janeiro de 1500.

A praia estava deserta. Não havia ninguém ao longo da enseada e nem nas
matas que a cercavam. A areia, porém, se encontrava repleta de pegadas, num
claro sinal de que a terra era habitada. Tal evidência não impediu que os
marujos recém-desembarcados gravassem seus nomes e o de seus navios nas
árvores e nas rochas costeiras e, a seguir, imprimissem o dia, o mês e o ano
de seu desembarque, tomando conta daquele território em nome da Coroa de
Castela.

Era 26 de janeiro de 1500 [...].

BUENO, Eduardo. Náufragos, traficantes e degredados. Rio de Janeiro:


Objetiva, 1998. p. 11.

Imagine que você seja um dos marujos referidos no texto e, fazendo todas as
adaptações necessárias, reescreva-o como se você estivesse vendo e vivendo
neste momento os fatos relatados.

Resposta: As palavras sublinhadas passam a: está, há, cercam, encontra, é,


impede, nós, gravemos, nossos, nossos, imprimamos, nosso, deste, é/são.
Atenção Professor(a), convém comentar que, nesse tipo de narrativa, o
presente é chamado de presente histórico e é um recurso comumente
empregado para tornar mais vivos, mais atuais fatos ocorridos no passado. Fim
da observação.

200

2. (Enem/MEC) Leia este texto:

FONTE: Disponível em: www.behance.net. Acesso em: 21 fev. 2013


(adaptado).

CRÉDITO: Disponível em: www.behance.net

A rapidez é destacada como uma das qualidades do serviço anunciado,


funcionando como estratégia de persuasão em relação ao consumidor do
mercado gráfico. O recurso da linguagem verbal que contribui para esse
destaque é o emprego:

a) do termo "fácil" no início do anúncio, com foco no processo.

b) de adjetivos que valorizam a nitidez da impressão.

c) das formas verbais no futuro e no pretérito, em sequência.

d) da expressão intensificadora "menos do que" associada à qualidade.

e) da elocução "do mundo" associada a "melhor", que quantifica a ação.

Resposta: Alternativa c.

3. (UERN) Leia este trecho de texto:

[...]

Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum canto
da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, 1 milhão de anos
antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada.

Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar com


máquinas. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos
energéticos no espaço.

Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades. Poderiam, por


exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como parte de
um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando, como nós
observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas entidades
imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam eles deuses,
mesmo se não sobrenaturais?

GLEISER, Marcelo. Astroteologia: breve introdução. São Paulo: Folha de


S.Paulo, 25 nov. 2012. Ciência. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/1190348-astroteologia-
breve-introducao.shtml. Adaptado.

A compreensão dos mecanismos gramaticais presentes em um texto é


primordial para uma (re)construção pertinente do sentido sugerido pelo seu
autor. Dentre as categorias gramaticais que mais contribuem na revelação de
informação implícita estão os mecanismos de atribuição de tempo e modo
verbais. A predominância de uso do tempo futuro do pretérito nos dois
últimos parágrafos do texto revela, sobre o conteúdo apresentado em tal
trecho, o(a):

a) valor atemporal do que é afirmado.

b) indicação de certeza dos fatos exibidos.

c) valor hipotético das informações apresentadas.

d) ideia de temporalidade futura dos eventos descritos.

Resposta: Alternativa c.

201

Atenção Professor(a), se julgar oportuno, comentar com os alunos que as


obras do gaúcho Erico Verissimo (1905-1975) tratam do ambiente de algumas
cidades do Rio Grande do Sul, do qual o escritor elabora um panorama
histórico e poético, com uma prosa límpida, tendendo ao Impressionismo.
Dentre outras obras desse autor, além de O tempo e o vento, destacam-se
Clarissa, Olhai os lírios do campo, Incidente em Antares. Fim da
observação.

4. Leia este trecho de romance:


Rodrigo lembrou do discurso que pronunciara o ano passado, na qualidade de
paraninfo das meninas que terminavam o curso. Fizera o elogio da virtude, da
religião, da pureza. Nas vossas mãos, meninas de hoje e mães de amanhã,
está o destino do Brasil. Os homens que dareis ao mundo, os homens cujo
caráter haveis de moldar (como era horrenda a segunda pessoa do plural!),
governarão este país, serão os construtores de nosso futuro. Sede, pois,
castas. Sede, pois, virgens. Sede, pois, puras! Hipocrisia? Talvez. [...]

VERISSIMO, Erico. O arquipélago. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


p. 68. (O tempo e o vento, 3).

a) O trecho "como era horrenda a segunda pessoa do plural!" reproduz um


pensamento de Rodrigo, que, ao discursar, empregou uma forma de
tratamento que ele próprio considerou "horrorosa". Por que, então, ele a teria
utilizado?

Resposta: Rodrigo se viu forçado a adequar a linguagem de seu discurso à


situação de comunicação: uma solenidade de formatura, que usualmente se
desenvolve em tom pomposo e formal. O tratamento vós é tradicionalmente
empregado em situações desse tipo.

b) Como ficaria o discurso de Rodrigo, caso ele quisesse evitar a 2ª· pessoa do
plural?

Resposta: Nas suas mãos, meninas de hoje e mães de amanhã, está o destino
do Brasil. Os homens que darão ao mundo, os homens cujo caráter hão de
moldar [...] governarão este país [...]. Sejam, pois, castas. Sejam, pois, virgens.
Sejam, pois, puras!

c) Em que tempo verbal estão as formas "pronunciara" e "fizera"? Como se


justifica, nesse contexto, o emprego desse tempo?

Resposta: Pretérito mais-que-perfeito do indicativo. No caso, as formas


pronunciara e fizera indicam fatos anteriores ao expresso por lembrou, que é
do pretérito perfeito. Pronunciara e fizera indicam, então, fatos mais antigos
que o expresso por lembrou.

5. Considere este enunciado:


_____ teus planos, _____ em ti mesmo novas forças e _____-te para os
tempos difíceis que virão.

Os pronomes teus, ti e te, como sabemos, são da 2ª· pessoa do singular, o


que, nessa frase, indica que o emissor trata seu interlocutor por tu. Se a
pessoa que fala optasse pela variedade culta formal para dar um conselho ao
ouvinte, ela deveria empregar as formas de imperativo da alternativa:

a) reveja - descubra - prepare

b) revê - descubra - prepara

c) reveja - descobre - prepare

d) revê - descobre - prepara

e) revê - descubra - prepare

Resposta: [Tu revês (eliminando o "s") → revê; tu descobres (eliminado o "s")


→ descobre; tu preparas (eliminado o "s") → prepara.]

Resposta: Alternativa d.

6. Leia estes versos do poeta barroco Gregório de Matos:

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;

Cobrai-a e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

MATOS, Gregório de. Poesias selecionadas. São Paulo: FTD, 1993. p. 18.

Atenção Professor(a), se julgar oportuno, comentar que Gregório de Matos,


principal poeta do período colonial, passou a ser considerado tardiamente o
iniciador da literatura brasileira. Seus poemas permaneceram inéditos até
meados do século XIX. Atualmente, os estudos sobre ele se avolumaram, e
aguarda-se ainda que pesquisas mais rigorosas separem os poemas realmente
de sua autoria dos que lhe foram atribuídos, erroneamente, pelos copistas. Fim
da observação.

O poeta dirige-se a Deus, usando um tratamento gramatical que denota


distanciamento reverente, respeitoso.
a) Que pessoa gramatical o poeta emprega? Transcreva as palavras que se
apresentam nessa pessoa.

Resposta: 2ª pessoa do plural (cobrai, [imperativo afirmativo], não queirais


[imperativo negativo], vossa/vossa).

b) Se o poeta se dirigisse a Deus empregando o tratamento tu, que alterações


deveria fazer nesses versos?

Resposta: cobra (tu cobras, sem o "s"), [não] queiras, tua/tua.

c) E se ele empregasse o tratamento você?

Resposta: cobre [da 3ª pessoa do singular do presente do subjuntivo], queira,


sua/sua.

202

7. Em um muro foi escrita com tinta spray a seguinte frase:

CRÉDITO: Photodisc/Getty Images

Relativamente aos recursos gramaticais e expressivos dessa mensagem,


assinale a afirmação incorreta:

a) Passando o tratamento para a 2ª pessoa do singular, a nova redação da


frase passaria a ser assim: "Curte a vida curta".

Resposta: Tu curtes [pres. indic.] → curte (tu) [imperativo].

b) A mudança para a 2ª pessoa do singular prejudicaria o efeito expressivo da


homonímia presente na frase original.

Resposta: [curta/curta → homônimas.]

c) Uma vírgula depois de vida mudaria a classe gramatical da palavra curta


em sua segunda ocorrência.

Resposta: [É adjetivo; passaria a ser verbo.]

d) Alterando a ordenação dos termos da frase original para "Curta a curta


vida", a palavra curta, em sua segunda ocorrência, não mudaria de classe
gramatical.

Resposta: [Continuaria sendo adjetivo.]


e) Tal como está redigida a frase, o jogo semântico nela presente possibilita
interpretar a palavra curta, em qualquer uma de suas duas ocorrências, como
uma forma verbal do imperativo afirmativo.

Resposta: [1ª ocorrência: forma do imperativo (3ª pessoa do singular); 2ª


ocorrência: adjetivo.]

Resposta: Alternativa e.

ESTUDO DO V ERBO (2ª PARTE)

Na primeira parte deste capítulo, estudamos alguns aspectos e características


do verbo. Vimos que, dependendo de sua terminação no infinitivo (-ar, -er ou -
ir), ele integra a 1ª, a 2ª ou a 3ª conjugação. Analisamos também algumas
flexões verbais - pessoa, número, tempo e modo -; vimos os conjuntos de
tempos que integram cada um dos três modos - indicativo, subjuntivo e
imperativo - e os diferentes empregos que podem ter as formas simples desses
tempos verbais.

Para concluir o estudo dessa classe gramatical, vamos agora tratar dos
seguintes itens:

· Classificações dos verbos

· A flexão de voz verbal

· Aspecto verbal

· Correlações entre tempos verbais

· Conjugação de alguns verbos

Classificações dos verbos

Um verbo pode ser classificado quanto ao seu papel na estruturação formal


das frases e quanto às possibilidades de flexão de suas inúmeras formas.

Tipos de verbo na locução verbal

Nas frases, os verbos podem se apresentar sozinhos ou combinados entre si,


formando estruturas compostas, que se denominam locuções verbais. Os
verbos formadores de uma locução desempenham diferentes papéis
gramaticais, classificando-se, por isso, em dois tipos: verbo auxiliar e verbo
principal . Veja o exemplo da página seguinte.
203

· As mudanças climáticas irão alterar drasticamente o futuro da vida em nosso


planeta.

Atenção Professor(a), [locução verbal.] Fim da observação.

irão

Verbo auxiliar - exprime certeza de ocorrência do fato expresso por alterar e


indica o tempo (futuro) e a pessoa gramatical (3ª do plural).

alterar

Verbo principal - exprime o fato verbal em si; a informação principal


transmitida pela frase.

LEGENDA: Leito de um rio durante seca na Amazônia e uma advertência


irônica e assustadora.

CRÉDITO: Greenpeace Brasil

Então:

Verbo auxiliar é aquele que se junta a um verbo principal para formar as


estruturas verbais compostas e exprimir determinadas informações, como o
modo, o tempo verbal e a pessoa gramatical.

Verbo principal é aquele que, exprimindo seu significado próprio, contém a


informação nuclear da frase. Pode apresentar-se sozinho ou combinado com
verbo(s) auxiliar(es).

Outro exemplo:

· Essas notícias já haviam sido publicadas na internet inúmeras vezes.


Atenção Professor(a), [tempo composto.] Fim da observação.
v. auxiliar
v. principal
v. auxiliar

Atenção Professor(a), se julgar necessário, aproveitar os exemplos para


diferenciar locução verbal (verbo auxiliar + gerúndio ou infinitivo) de tempo
composto (tipo particular de locução verbal formada por "verbo auxiliar +
particípio" ou "verbo auxiliar + verbo auxiliar + particípio"). Fim da observação.

Tipos de verbo quanto à flexão

Se considerarmos as flexões (variações de forma) que os verbos podem


apresentar quando são conjugados, podemos subdividi-los em quatro tipos,
conforme mostra este quadro:

Tipos de
Características e exemplos
verbo

Ao ser conjugado, não sofre alteração no radical.


Regular
Ex.: viver → eu vivo, eles viviam, se todos vivessem

Ao ser conjugado, apresenta alteração no radical em algumas


Irregular de suas formas.
Ex.: fazer → eu faço, ele fará, se você fizesse

Não tem determinadas formas em alguns de seus tempos.


Defectivo
Exs.: falir (não existe "eu falo"); demolir (não existe "eu demulo")

Apresenta duas formas de mesmo valor (geralmente dois


Abundante* particípios).
Exs.: aceitar (aceitado/aceito), eleger (elegido/eleito)

*Atenção Professor(a), a respeito dos verbos abundantes, ver em Conversa


com o professor, nas Orientações específicas, o item "Tendência de uso
dos particípios duplos" na seção "Complementação teórica". Fim da
observação.

Regularização de verbos irregulares

Você certamente já ouviu crianças pequenas falando frases como estas:

Eu fazi um desenho.

Eu sabo desenhar.
As crianças, quando estão aprendendo a falar, frequentemente usam formas
de verbos irregulares como se fossem regulares. É comum, por exemplo, elas
dizerem "eu fazi" (em lugar de "eu fiz"), "eu sabo" (em lugar de "eu sei"), "ele
fazeu" (em lugar de "ele fez"), "eu trazo" (em lugar de "eu trago"). E por que as
crianças falam assim?

204

Observe as comparações entre estas formas verbais:

· beber (verbo regular) → eu bebi


· comer (verbo regular) → eu comi
⇒ formas regulares

· fazer (verbo irregular) → eu fazi ⇒ forma regularizada

Ou seja, as crianças "inventam" as formas por meio de analogias, isto é, de


comparações com formas de verbos regulares que elas já conhecem.

A regularização de formas irregulares também é comum na linguagem dos


adultos; não é raro as pessoas dizerem "se ele trazer" (em lugar de "se ele
trouxer"), "se você pôr" (em lugar de "se você puser"), "ele manteu" (em lugar
de "ele manteve") e outras semelhantes.

Veja um exemplo nesta tirinha:

LEGENDA: No primeiro quadrinho, a mulher emprega a forma regularizada


"Outra vez que você trazer...", em lugar da forma irregular "Outra vez que você
trouxer...".

FONTE: Disponível em: http://www2.uol.com.br/glauco/geraldinho.shtml.


Acesso em: 3 jun. 2016.

CRÉDITO: Glauco. Geraldinho.

As formas regularizadas ("se você trazer", "quando ele pôr", "se você fazesse"
etc.) são válidas em situações informais de comunicação, mas não cabem em
situações em que se faça necessário empregar a variedade culta formal da
língua.

A flexão de "voz verbal"

No início deste capítulo, vimos que são cinco as flexões do verbo:


· pessoa - 1ª, 2ª e 3ª

· número - singular e plural

· tempo - presente, passado e futuro

· modo - indicativo, subjuntivo e imperativo

· voz - ativa, passiva e reflexiva

Em seções anteriores, já estudamos as quatro primeiras flexões. Vamos agora


tratar da classificação, das características e dos empregos das vozes verbais.

Observando as indicações nos quadros e as diferenças nas formas verbais


destacadas, compare estas duas frases:

1. O temporal afundou os velhos barcos.


Este termo indica ao mesmo tempo:
· o sujeito (elemento com o qual o verbo concorda);
· o agente, isto é, aquele que pratica a ação expressa pelo verbo afundar.

2. Os velhos barcos foram afundados pelo temporal.


Este termo indica ao mesmo tempo:
· o sujeito (elemento com o qual o verbo concorda);
· o paciente, isto é, aquele que recebe a ação expressa pelo verbo afundar.

Note que, na frase 1 , o verbo se apresenta numa determinada forma para


indicar quem praticou a ação; na frase 2, ele se apresenta em outra forma
(outra flexão) para indicar quem recebeu a ação verbal. A essa variação da
forma do verbo damos o nome de voz verbal.

PARA NÃO ESQUECER

Sujeito é o termo (palavra ou expressão) com o qual o verbo estabelece


relação de concordância.

Veja estes exemplos:

· O jogo acontecerá à noite.


[sing.]
[sing.]
· Os jogos acontecerão à noite.
[plural]
[plural]

· Ainda não chegaram as férias?


[plural]
[plural]

205

Voz verbal é a flexão que, nos verbos de ação, estabelece uma relação entre o
fato verbal e o sujeito, indicando se este pratica ou recebe a ação expressa
pelo verbo.

A voz verbal relaciona-se, portanto, ao comportamento do sujeito e pode ser,


basicamente, de dois tipos: ativa ou passiva. Veja este quadro:

Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o conceito de voz


verbal diz respeito a verbos de ação; no entanto, ele se aplica também a
determinados verbos referentes a fatos que, a rigor, não exprimem "ações", no
sentido exato dessa palavra. Exs.: "No início da noite, a lua cheia aparecia no
céu." → voz ativa; "Um leve tremor de terra foi sentido em várias cidades da
região." → voz passiva. Fim da observação.

Voz
Comportamento do sujeito Exemplos
verbal

O temporal afundou os velhos barcos.


ativa agente (faz a ação verbal)
sujeito agente

Os velhos barcos foram afundados pelo


paciente (recebe a ação
passiva temporal.
verbal)
sujeito paciente

Além da voz ativa e da voz passiva, existe uma terceira voz verbal, chamada
reflexiva, a qual, por meio de um pronome oblíquo (me, nos, se etc.) associado
ao verbo, indica que o sujeito pratica e também recebe a ação verbal.
Veja este exemplo de uma frase na voz reflexiva:

· Do alto da ponte, os meninos atiravam-se nas águas escuras do rio.


sujeito agente e paciente (pratica e recebe a ação verbal)

Atenção Professor(a), se julgar oportuno/necessário, cabe comentar: 1. Nesse


tipo frase, o se denomina-se pronome reflexivo; 2. Quando a voz reflexiva
indica que a ação é "trocada" entre os componentes do sujeito, denomina-se
reflexiva recíproca (Ex.: Depois do jogo, o juiz e o técnico cumprimentaram-
se friamente.). Fim da observação.

Tipos de voz passiva

Dependendo da estrutura verbal presente na frase, a voz passiva subdivide-se


em analítica e sintética (ou pronominal).

a. Voz passiva analítica

Estrutura verbal

verbo auxiliar (ser/estar/ficar) + particípio do verbo principal (ação)

Veja este exemplo:

· As pesquisas eleitorais serão divulgadas diariamente pelos meios de


comunicação.
sujeito paciente
verbo auxiliar
ação (verbo principal no particípio)

b. Voz passiva sintética (ou pronominal)

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "A construção verbo + se" na seção "Complementação
teórica". Fim da observação.

Estrutura verbal

verbo indicador de ação (concordando com o sujeito) + se (pronome


apassivador)

Observe este exemplo:


· Alugam-se, no novo centro comercial, escritórios de alto padrão.
ação
sujeito paciente
pronome apassivador

206

Em relação à voz passiva pronominal, é importante observar que existe uma


equivalência entre esse tipo de passiva e a passiva analítica. Assim:

voz passiva pronominal


voz passiva analítica
· Não se divulgaram tais notícias. ⇐⇒ Tais notícias não foram divulgadas.
v. no plural
suj. no plural
suj. no plural
v. no plural

Compare essas duas construções e observe que, nos dois casos, o verbo foi
empregado no plural para concordar com o sujeito, que é o mesmo nas duas
frases.

Complemento teórico

Na voz passiva pronominal, a concordância entre o verbo [+se] e o sujeito só


acontece nos enunciados da variedade culta formal da língua; na variedade
culta informal e na coloquial, o verbo é comumente usado no singular, mesmo
que o sujeito seja plural.

CRÉDITO: Luzia Ferreira/Folhapress

Observe esse uso na foto ao lado e compare também os exemplos abaixo.

Atenção Professor(a), consultar em Conversa com o professor, nas


Orientações específicas, o item "Voz passiva analítica e passiva pronominal"
na seção "Complementação teórica". Fim da observação.

Variedade culta formal Variedade coloquial

Aqui se realizam muitas festas. Aqui se realiza muitas festas.


Plastificam-se documentos. Plastifica-se documentos.

Na revisão, eliminaram-se alguns erros. Na revisão, eliminou-se alguns erros.

Transposição da voz ativa para a passiva analítica

A passagem da voz ativa para a voz passiva analítica, embora provoque


alterações na estrutura formal da frase, não modifica o sentido geral da
informação. Compare:

voz ativa
voz passiva analítica
O tempo destruiu os belos casarões. ⇐⇒ Os belos casarões foram destruídos
pelo tempo.

Quem pratica a ação de "destruir"?

· Na voz ativa: o tempo.

· Na voz passiva: o tempo.

Quem recebe a ação de "destruir"?

· Na voz ativa: os belos casarões.

· Na voz passiva: os belos casarões.

Note que o sentido geral das duas construções é o mesmo porque, em ambas,
o termo "o tempo" exprime o agente da ação e, também nas duas, o termo "os
belos casarões" indica o paciente da ação.

LEGENDA: Casarões em ruínas na região central de São Paulo. Foto de 2011.

CRÉDITO: Joel Silva/Folhapress

207

Complemento teórico

Toda frase admite voz passiva?

Não. Para que uma frase tenha voz passiva é necessário haver, na voz ativa,
um elemento que funcione como paciente/destinatário da ação verbal praticada
pelo sujeito. Compare os exemplos a e b.
a) Voz ativa: Os rios do Pantanal inundam muitas fazendas.
sujeito agente
paciente da ação verbal

Essa frase, como apresenta um paciente da ação, admite voz passiva. Assim:

· Muitas fazendas são inundadas pelos rios do Pantanal.

b) Voz ativa: Os rios do Pantanal fluem muito lentamente.


sujeito agente
não é o paciente da ação

Essa frase não apresenta um paciente da ação verbal, por isso não admite voz
passiva.

Para que servem, na prática do idioma, as vozes verbais?

Vimos, na página anterior, que a transposição de uma frase da voz ativa para a
voz passiva analítica (ou vice-versa) não muda o "sentido geral" da informação.
Então qual seria a utilidade prática desse mecanismo no idioma?

Suponha que tenha ocorrido um acidente envolvendo um caminhão sem freios


e o muro de uma escola e que o resultado da batida tenha sido a derrubada do
muro. Para relatar esse acontecimento, um falante poderá escolher como
sujeito da frase o caminhão ou o muro, dependendo de qual desses
elementos ele queira realçar ou enfatizar, ou seja, dar mais destaque. Assim:

1. Para realçar o elemento o caminhão, que foi o agente da ação de derrubar,


o falante construirá a frase na voz ativa:

· Um caminhão sem freios derrubou o muro da escola.


realce para o sujeito agente

2. Se o falante preferir realçar o elemento o muro, que foi o paciente da ação


de derrubar, ele construirá a frase na voz passiva:

· O muro da escola foi derrubado por um caminhão sem freios.


realce para o sujeito paciente

Esses exemplos mostram que, embora a voz ativa e a voz passiva


transmitam a mesma "informação geral", não é indiferente usar uma ou outra
forma para construir a frase. Assim, temos:
A voz ativa realça o sujeito quando ele é o agente da ação.

A voz passiva realça o sujeito quando ele é o paciente da ação.

Aspecto verbal - as diferentes durações do tempo

Vimos, na primeira parte deste capítulo, a composição dos modos indicativo,


subjuntivo e imperativo e os principais valores temporais que as formas verbais
de seus diferentes tempos podem exprimir.

Outra característica do verbo relacionada à ideia de tempo é o aspecto verbal,


que consiste num conjunto de subdivisões da estrutura temporal destinadas a
exprimir as diferentes durações de um fato verbal .

Atenção Professor(a), os conceitos teóricos relativos ao aspecto verbal são


amplos e, muitos deles, complexos. Considerando a faixa etária dos alunos aos
quais se destina este livro, apresentaremos apenas uma breve noção do
assunto. Caso o(a) professor(a) tenha interesse em se aprofundar no tema,
sugerimos consultar a obra Nova gramática do português brasileiro, de
Ataliba T. de Castilho, da Editora Contexto. Fim da observação.

208

O aspecto verbal pode ser expresso por uma única forma verbal ou por uma
combinação de formas verbais e apresenta diferentes classificações,
dependendo do momento inicial, do momento final e da duração do fato no
tempo.

Os principais aspectos verbais são:

· Perfectivo - o fato é visto como concluso; completo.

Ex.: No finalzinho da tarde, caiu sobre toda a cidade um temporal assustador.

· Contínuo - o processo prolonga-se no tempo.

Ex.: A falta de boas chuvas está prejudicando muito os agricultores da região.

FIQUE SABENDO

A palavra aspecto formou-se a partir da raiz latina spek /spec, que significa
"olhar com atenção, observar". Essa raiz ocorre também em várias outras
palavras, como, por exemplo, espectador e espectro.
O aspecto verbal está, portanto, relacionado à ideia de "observar", no tempo,
o desenvolvimento e/ ou os limites do fato verbal e constitui um recurso de que
a língua dispõe para exprimir com mais refinamento de sentido, com maior
exatidão, certas possibilidades de ocorrência de um fato no tempo.

Veja, nas falas dos personagens desta tirinha, outros exemplos de aspecto
contínuo:

FONTE: THAVES, Bob. Frank & Ernest.

CRÉDITO: © 2005 Thaves / Dist. by Universal Uclick for UFS

· Habitual - o evento é caracterizado como rotineiro.

Exs.: Para assistir aos jogos sem pagar ingresso, os meninos pulavam o muro
do estádio.

Quando ela era jovem, vivia passeando pelo mundo sem preocupações com o
futuro.

· Incoativo - o processo está em seu início.

Ex.: A prefeitura começou a reformar algumas salas da biblioteca municipal.

· Conclusivo - o fato é observado em sua fase final.

Ex.: Meus amigos acabaram de voltar da praia onde passaram o feriadão.

Correlações entre tempos verbais

Na estrutura dos enunciados, os verbos em geral estabelecem entre si certas


correlações, a fim de se ajustarem adequadamente às variadas possibilidades
de uso e de combinação dos diferentes tempos dos três modos verbais.

Observe, por exemplo, este enunciado:

· Se o nosso time ganhasse o campeonato brasileiro, faríamos uma grande


festa.
imperfeito do subjuntivo
futuro do pretérito do indicativo
correlação
Nesse exemplo, a forma ganhasse exprime uma hipótese e exige o emprego
da forma faríamos para exprimir um acontecimento possível, mas
condicionado à ocorrência do fato expresso em ganhasse.

A esse tipo de articulação temporal entre duas (ou mais) formas verbais damos
o nome de correlação temporal.

209

Note como a correlação ficaria inadequada se, no exemplo anterior, em lugar


de faríamos, usássemos, por exemplo, faremos:

· Se o nosso time ganhasse o campeonato brasileiro, faremos uma grande


festa.
correlação inadequada

A forma faremos (que indica futuro) estabeleceria correlação adequada com a


forma ganhar, que exprime uma hipótese também futura. Assim:

· Se o nosso time ganhar o campeonato brasileiro, faremos uma grande festa.


futuro do subjuntivo
futuro do presente do indicativo
correlação adequada

Nas narrativas, principalmente nas literárias, é comum que o autor, buscando


criar um determinado efeito expressivo, não estabeleça entre certas formas
verbais a correlação que usualmente ocorre entre elas.

Leia, por exemplo, este trecho e observe as formas realçadas:

Afinal conseguiram chegar. Mas, ah! quando a pobre Magdá, toda trêmula e
exausta de forças já no tope da pedreira, defrontou com o pavoroso abismo
que se precipitava debaixo de seus pés, soltou um grito rápido, fechou os
olhos, e teria caído para trás, se o Conselheiro não lhe acode tão a tempo.

- Magdá, minha filha! Então! então!

[...]

AZEVEDO, Aluísio. O homem. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1970. p. 94.

Note que as formas teria (futuro do pretérito) e acode (presente do indicativo)


não estabelecem uma correlação temporal usual, comum. O emprego de uma
forma como teria implica, na continuidade, o emprego do imperfeito do
subjuntivo: acudisse. O narrador, no entanto, desmonta a correlação usual,
buscando obter um efeito narrativo: realçar a ação de acudir e mostrá-la como
um fato que ocorre no presente, ou seja, no momento da leitura. Com esse
recurso linguístico, ele procura levar o leitor a se sentir presenciando a cena,
como se fosse um espectador "ao vivo" da ação praticada pelo personagem.

Conjugação de alguns verbos

Os verbos apresentados a seguir são alguns dos que podem oferecer


dificuldades quanto à conjugação de determinados tempos. Ao consultar a
listagem, leve em consideração o seguinte:

· São apresentados os tempos mais importantes e/ou problemáticos dos modos


indicativo e subjuntivo.

· Os verbos listados podem servir de modelo para outros (alguns dos quais são
apresentados, em cada caso, abaixo dos respectivos quadros).

· O sinal # indica que a forma verbal relativa àquela pessoa gramatical não
existe (tratando-se de um verbo defectivo, isto é, que não possui determinadas
formas).

· A listagem deve ser utilizada como material de consulta; não se preocupe,


portanto, em memorizá-la.

1. Haver

Indicativo

· Presente: hei, hás, há, havemos, haveis, hão.

· Pretérito perfeito: houve, houveste, houve, houvemos, houvestes, houveram.

Subjuntivo

· Presente: (que eu) haja, hajas, haja, hajamos, hajais, hajam.

· Futuro: (quando eu) houver, houveres, houver, houvermos, houverdes,


houverem.

210

2. Pôr
Indicativo

· Presente: ponho, pões, põe, pomos, pondes, põem.

· Pretérito perfeito: pus, puseste, pôs, pusemos, pusestes, puseram.

Subjuntivo

· Futuro: (quando eu) puser, puseres, puser, pusermos, puserdes, puserem.

Todos os derivados de pôr seguem sua conjugação: repor, compor, supor,


dispor, expor etc.

· Ex.: Se a fábrica repuser os estoques, poderá vender mais.

3. Reaver

Esse verbo é conjugado da mesma maneira que haver, mas só apresenta as


formas em que o verbo haver tem a letra v.

Indicativo

· Presente: (eu) #, (tu) #, (ele) #, reavemos, reaveis, (eles) #.

· Pretérito perfeito: reouve, reouveste, reouve, reouvemos, reouvestes,


reouveram.

[E não: eu "reavi", tu "reaveste", ele "reaveu", nós "reavemos", vós "reavestes",


eles "reaveram".]

Subjuntivo

· Presente: não tem nenhuma das seis formas. São incorretas, portanto,
formas como: que eu "reaveja", que tu "reavejas" etc.

· Futuro: (quando eu) reouver, reouveres, reouver, reouvermos, reouverdes,


reouverem.

[E não: quando eu "reaver", quando tu "reaveres" etc.]

· Pretérito imperfeito: (se eu) reouvesse, reouvesses, reouvesse,


reouvéssemos, reouvésseis, reouvessem.

[E não: se eu "reavesse", se tu "reavesses" etc.]

4. Requerer

Indicativo
· Presente: requeiro, requeres, requer, requeremos, requereis, requerem.

· Pretérito perfeito: requeri, requereste, requereu, requeremos, requerestes,


requereram.

[E não: eu "requis", tu "requiseste", ele "requis" etc.]

Subjuntivo

· Presente: (que eu) requeira, requeiras, requeira, requeiramos, requeirais,


requeiram.

· Pretérito imperfeito: (se eu) requeresse, requeresses, requeresse,


requerêssemos, requerêsseis, requeressem.

[E não: se eu "requisesse", se tu "requisesses" etc.]

5. Ter

Indicativo

· Presente: tenho, tens, tem, temos, tendes, têm.

· Pretérito perfeito: tive, tiveste, teve, tivemos, tivestes, tiveram.

Subjuntivo

· Futuro: (quando eu) tiver, tiveres, tiver, tivermos, tiverdes, tiverem.

· Pretérito imperfeito: (se eu) tivesse, tivesses, tivesse, tivéssemos, tivésseis,


tivessem.

Todos os derivados de ter seguem sua conjugação: manter, conter, deter,


reter, entreter etc.

· Ex.: Se você mantiver o ritmo, terminará logo o trabalho.

6. Ver

Indicativo

· Presente: vejo, vês, vê, vemos, vedes, veem.

· Pretérito perfeito: vi, viste, viu, vimos, vistes, viram.

Subjuntivo

· Futuro: (quando eu) vir, vires, vir, virmos, virdes, virem.


[E não: quando eu "ver", quando tu "veres", quando ele "ver", quando nós
"vermos" etc.]

· Pretérito imperfeito: (se eu) visse, visses, visse, víssemos, vísseis, vissem.

Todos os derivados de ver seguem sua conjugação: rever, prever, antever


etc.

· Exs.: Quando você revir o manual, certamente entenderá o funcionamento da


máquina.

Se eles previssem o problema, teriam avisado a todos.

211

7. Vir

Indicativo

· Presente: venho, vens, vem, vimos, vindes, vêm.

· Pretérito perfeito: vim, vieste, veio, viemos, viestes, vieram.

Subjuntivo

· Futuro: (quando eu) vier, vieres, vier, viermos, vierdes, vierem.

[E não: quando eu "vir", quando tu "vires", quando ele "vir", quando nós
"virmos" etc.].

· Pretérito imperfeito: (se eu) viesse, viesses, viesse, viéssemos, viésseis,


viessem.

Todos os derivados de vir seguem sua conjugação: intervir, convir, provir


etc.

· Exs.: Se você não interviesse, eles acabariam discutindo e brigando.

Enviaremos os documentos para ele quando isso nos convier.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Estudo do verbo (2ª parte)

1. Classificações dos verbos

· Quanto ao papel na locução verbal


- Verbo principal - exprime, por sua significação, a informação principal,
nuclear da frase.

Ex.: Ele reclamou muito, por isso foi expulso pelo árbitro.

- Verbo auxiliar - junta-se ao principal para exprimir o tempo, o modo, a


pessoa gramatical etc.

Ex.: Ele foi expulso pelo árbitro porque já havia reclamado várias vezes.

· Quanto à flexão

- Regular - ao ser conjugado, não altera o radical.

Exs.: vender, cantar.

- Irregular - ao ser conjugado, sofre alteração (em geral, no radical).

Ex.: dizer [radical: diz-] → disse, diga, dirão etc.

- Defectivo - não tem determinadas formas verbais.

Exs.: falir (não existe [eu] "falo"), abolir (não existe [eu] "abulo").

- Abundante - tem dois particípios.

Exs.: eleger - elegido e eleito; pagar - pagado e pago.

2. Vozes verbais

· Ativa - sujeito agente: Ex.: Dezenas de pássaros dormem na velha


mangueira.

· Passiva - sujeito paciente: Ex.: As ruas do vilarejo foram tomadas pelos


turistas.

· Reflexiva - sujeito agente e paciente: Ex.: A garota se penteava diante do


espelho.

3. Aspecto verbal

Característica das formas verbais que exprime as diferentes durações de um


fato e os diferentes "momentos" em que ele pode ser observado no tempo.

Ex.: A internet mudou nossas vidas.

[mudou → aspecto perfectivo - exprime um fato totalmente concluído.]

4. Correlações temporais
Ajuste entre formas dos diferentes verbos presentes na frase para exprimir
adequadamente as relações de sentido de tempo entre eles.

Exs.: Se estivermos de férias, iremos à festa. [estivermos → iremos]

Se estivéssemos de férias, iríamos à festa. [estivéssemos → iríamos]

212

Atividades

Escreva no caderno

1. Leia este trecho do romance O tempo e o vento, de Erico Verissimo:

Às oito horas os índios que trabalhavam nas plantações e na estância


reuniram-se como de costume na frente da igreja e Pe. Alonzo fez-lhes uma
pequena preleção. Disse-lhes que, se colhessem muito trigo, teriam muita
farinha; se tivessem muita farinha dariam serviço ao moinho; se o moinho
trabalhasse, os padeiros poderiam fazer muito pão; e se todos tivessem muito
pão, ficariam bem alimentados; e se ficassem bem alimentados, Deus se
sentiria feliz.

VERISSIMO, Erico. O continente. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.


53. (O tempo e o vento, 1).

Relativamente ao emprego e valores semânticos das formas verbais nesse


texto, assinale a afirmação incorreta:

a) O pretérito imperfeito trabalhavam exprime, nesse contexto, um fato de


ocorrência rotineira.

b) As formas reuniram e fez, embora sejam de um mesmo tempo verbal


(pretérito perfeito), localizam os dois fatos em diferentes momentos do
passado.

Resposta: [Reuniram é anterior a fez.]

c) O raciocínio argumentativo de padre Alonzo baseia-se em pares de formas


verbais que se correlacionam assim: a primeira forma é do pretérito imperfeito
do subjuntivo e a segunda é do futuro do pretérito do indicativo.
d) Na argumentação de padre Alonzo, as formas de futuro do pretérito
exprimem fatos cuja ocorrência depende da ocorrência dos fatos expressos
pelas formas do imperfeito do subjuntivo.

e) A fala do padre é reproduzida pelo narrador em discurso indireto ("Disse-lhes


que..."); caso ele optasse pelo discurso direto ("Disse-lhes: - Se..."), não
haveria alteração nas formas verbais seguintes.

Resposta: [Disse-lhes: - Se colherem... terão; se tiverem... darão etc.]

Resposta: Alternativa e.

2. Leia este texto e responda aos itens a e b.

A Amazônia, antes conhecida como um paraíso tropical, começou, a partir dos


anos 1980, a ser famosa também por uma qualidade oposta: o inferno que
seria produzido por suas queimadas. Estimava-se que o carbono das árvores
da sua grande floresta representava algo como 20% de todo o carbono
existente no ar do planeta em forma de gás. E que a queima dessas árvores
[...] causaria, em função do grande papel do carbono no chamado efeito estufa,
um aquecimento da atmosfera de tal ordem que provocaria perturbações
gigantescas no clima global.

RETRATO do Brasil. Belo Horizonte: Manifesto, 2006. p. 441.

a) No texto, as consequências da queima das árvores da floresta amazônica


são apresentadas como fatos, ou seja, acontecimentos reais ou como
hipóteses? Identifique as formas verbais que justifiquem sua resposta.

Resposta: Os fatos são apresentados como suposições, hipóteses, expressas


por formas verbais do futuro do pretérito: seria, causaria e provocaria.

b) Se, na segunda frase, a forma "Estimava-se" for substituída por "Estima-se",


que forma o outro verbo da frase assumirá? Justifique.

Resposta: Como a forma estima exprimiria uma suposição/hipótese no tempo


presente, o outro verbo assumiria a forma represente, que, sendo do presente
do subjuntivo, também exprimiria uma hipótese/suposição no tempo
presente/atual.
3. A respeito do resultado de uma partida de futebol entre o Náutico, de Recife,
e o Botafogo, do Rio de Janeiro, dois jornais esportivos dessas duas cidades
publicaram estas manchetes:

A. Náutico goleia o Botafogo no Maracanã.

B. Botafogo é goleado pelo Náutico no Maracanã.

Considerando a organização textual das duas frases, as intenções discursivas


de seus redatores e o público leitor a que elas se destinaram, assinale a
afirmação incorreta:

a) Embora utilizem estruturas frasais diferentes, a informação básica que


ambas veiculam é a mesma.

213

b) O redator da frase A julgou conveniente empregar a voz ativa; o da frase B


preferiu a voz passiva.

c) Como a manchete A põe em evidência o time de Recife, é mais provável


que ela tenha sido publicada no jornal dessa cidade, na qual, certamente, o
público leitor se interessa mais pelo Náutico do que pelo Botafogo.

d) A manchete B põe em evidência o Botafogo, por isso ela foi, mais


provavelmente, utilizada pelo jornal que circula no Rio de Janeiro, onde o time
carioca tem mais torcedores que o pernambucano.

e) As duas manchetes veiculam a mesma informação geral, portanto não é


possível inferir qual delas tenha, mais provavelmente, circulado no jornal de
Recife ou no do Rio de Janeiro.

Resposta: Alternativa e.

4. Considere a frase da foto abaixo e assinale a afirmação incorreta quanto à


análise gramatical ou linguística proposta a respeito dela:

LEGENDA: Artesã tecendo renda de bilro. Florianópolis, 2010.

CRÉDITO: Fotomontagem a paritr de Cris Berger e Rubens Chaves/Pulsar

a) Se a frase for transposta para a passiva analítica, fica evidente que, na


perspectiva da gramática normativa, ela apresenta erro de concordância:
"Rendas de bilro é vendida".
b) Na variedade culta formal da língua, vender deveria ser flexionado no plural,
para concordar com sujeito passivo rendas de bilro (plural).

c) Na frase não se estabelece a concordância do verbo com o sujeito paciente,


mas esse fato gramatical é irrelevante no contexto em que ela está empregada.

d) Esse tipo de frase, embora apresente estrutura de voz passiva, não é usado
pelos falantes para evidenciar o sujeito passivo, e sim para indeterminar o
agente. Assim, o sentido pretendido, nesse caso, é: "Alguém vende rendas de
bilro".

e) A frase, segundo a gramática normativa, apresenta um problema de


concordância, mas, por exemplificar uma tendência de uso na língua atual,
pode ser empregada em qualquer situação de comunicação formal ou informal.

Resposta: Alternativa e.

5. Como vimos na exposição teórica, chama-se aspecto verbal o conjunto de


subdivisões da estrutura temporal destinadas a especificar as diferentes
durações de um fato expresso por um verbo. Relativamente a essa
característica das formas verbais, observe os destaques neste trecho de texto.

Certo dia a terra fofa magicamente se partiu, as sementinhas começaram a


brotar e os dois pés de feijão foram crescendo rapidamente. O garotinho
regava-os todo dia e, quando a mãe chegava do trabalho, ele contava,
maravilhado, o que tinha acontecido em sua "plantação".

Avalie como C (certa) ou E (errada) cada uma das afirmações:

I. partiu e tinha acontecido indicam aspecto perfectivo, uma vez que exprimem
fatos inteiramente concluídos.

Resposta: C

II. começaram a brotar indica aspecto incoativo, isto é, exprime um processo


que está em seu início.

Resposta: C

III. foram crescendo indica aspecto contínuo, ou seja, exprime um fato que se
prolonga no tempo.

Resposta: C
IV. regava, chegava e contava indicam aspecto habitual, já que exprimem fatos
de ocorrência repetitiva, rotineira.

Resposta: C

6. Considerando a informação relativa ao verbo de cada item, flexione-o, nas


respectivas frases, de acordo com a variedade culta formal.

a) Refazer conjuga-se como fazer. - Quando eles [refazer] as contas, acharão


o erro.

Resposta: refizerem

b) Prever conjuga-se como ver. - Todos esperavam que os economistas


[prever] a crise econômica.

Resposta: previssem

c) Intervir conjuga-se como vir. - Se ele [intervir] na discussão, nós nos


retiraremos da sala.

Resposta: intervier

d) Conter conjuga-se como ter. - Os acionistas exigiram que a empresa


[conter] os gastos excessivos.

Resposta: contivesse/contenha

e) Reaver conjuga-se como haver, mas apenas nas formas em que esse verbo
apresenta a letra v. - Até agora eles ainda não [reaver] o dinheiro, mas,
futuramente, se o [reaver], quitarão todas as dívidas.

Resposta: reouveram (tal como "houveram"); reouverem (tal como "houverem")

214

DA TEORIA À PRÁTICA

Ponto de partida

Há muitos anos, uma indústria têxtil desenvolveu uma campanha publicitária


para o lançamento de um novo tecido, chamado tergal. A estratégia da
campanha consistiu em apresentar o tergal como um tecido revolucionário, pois
era leve, resistente e não amassava. O título do anúncio dizia apenas:

TERGALIZE-SE
O objetivo da campanha publicitária era, evidentemente, persuadir o leitor a
comprar o tecido.

Vejamos, então, como esse título contribuía para esse objetivo.

O verbo tergalize-se foi empregado no imperativo. As formas desse modo


verbal são muito frequentes nos textos publicitários, e seu emprego tem por
finalidade influir no comportamento do leitor, sugerindo ou recomendando que
ele compre o que está sendo anunciado.

O interessante, no caso desse anúncio, é que o imperativo escolhido não é o


de um verbo comumente empregado nessas situações, como "use",
"experimente", "compre", "conheça", e sim o imperativo de um verbo
surpreendentemente incomum: tergalizar-se. Trata-se de um neologismo, uma
palavra nova, inventada a partir do próprio nome do tecido.

Como você sabe, os neologismos são criações linguísticas geralmente


associadas à ideia de "novidade". O emprego do neologismo tergalizar-se
buscava, sem dúvida, insinuar a ideia de modernidade, inovação, vanguarda,
conceitos que os criadores do anúncio esperavam que o leitor, de maneira
inconsciente, associasse ao produto em lançamento.

Observe ainda que o verbo foi empregado com o pronome se, que exprime a
ideia de ação reflexiva, ou seja, uma atitude a ser tomada pelo destinatário da
mensagem e da qual ele próprio seria o beneficiário: tergalize-se equivale,
então, a atualize-se, renove-se, modernize-se, fique na moda (usando uma
roupa feita com tergal, evidentemente...).

Como você sabe, a linguagem dos bons textos publicitários é inteligente,


criativa e sutil e, por isso mesmo, muito poderosa. O leitor que é competente
para "ler" as propagandas e perceber suas estratégias tem, sem dúvida,
condições de analisar com mais senso crítico a intensa carga de apelos
consumistas a que se vê diariamente submetido pelos meios de comunicação.

Por isso, convém ficar bem atento(a) às propagandas que você vê por aí!

Agora é sua vez

Escreva no caderno

1. Leia o trecho a seguir e observe as palavras em destaque:


Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os

besouros pensam que estão no incêndio.

Quando o rio está começando um peixe,

Ele me coisa

Ele me rã

Ele me árvore.

De tarde um velho tocará sua flauta para inverter

os ocasos.

BARROS, Manoel de. Mundo pequeno - I. In: _____. Poesia completa. São
Paulo: Leya, 2010. p. 315.

Se fossem tomadas isoladamente, as palavras destacadas - coisa, rã e árvore


- seriam classificadas como substantivos; o eu lírico, no entanto, emprega-as
como formas verbais. Comente o efeito expressivo criado no texto pela
inusitada mudança de classe gramatical dessas palavras.

Resposta: Sugestão de resposta: O eu lírico emprega os substantivos como


formas verbais para sugerir que tais seres têm a capacidade de transformá-lo,
de modificá-lo, tornando-o uma "coisa" e integrando-o à natureza, como se ele
fosse parte dela. O rio, quando "está começando um peixe", aproxima o eu
lírico do estado animal de "rã" e da condição vegetal de "árvore".

Atenção Professor(a), sugere-se considerar válidas outras respostas, desde


que coerentes e bem justificadas. Fim da observação.

215

2. Leia esta "definição":

Louco - sujeito que cisma que é Napoleão, desde os tempos de Napoleão, que
foi o único verdadeiro; vai dizer que não fui?

ELIACHAR, Leon. O homem ao quadrado. São Paulo: Círculo do Livro,


[1985?]. p. 53.

Explique a finalidade desse texto e aponte o principal recurso linguístico


empregado pelo autor para atingir seu objetivo. Justifique.
Resposta: O texto tem a finalidade de divertir o leitor. O autor cria o efeito de
humor empregando, no final, o verbo ser na 1ª pessoa do singular: fui (em vez
de foi, como era de se esperar, no caso). Essa mudança da pessoa gramatical
dá a entender que ele se considera o verdadeiro Napoleão, ficando
subentendido que ele próprio se encaixa na definição de "louco" que está
apresentando.

3. Em uma crônica, o jornalista português João Pereira Coutinho rememora o


ambiente religioso em que se desenvolviam, quando ele era criança, as
celebrações da Semana Santa.

E [na Sexta-Feira Santa], às três da tarde, um minuto de silêncio. Na rádio. Na


televisão. Em casa. No mundo. Tudo parava. Jesus morria na Cruz, dizia-se. O
tempo do verbo era tudo: "morria", não "morreu". Era presente, não passado.
Era notícia, não história. [...]

COUTINHO, João Pereira. Lisboa amanhece. Folha de S.Paulo, São Paulo,


14 abr. 2009. p. 10.

Apoiando-se no sentido de tempo expresso pelas formas verbais morria e


morreu, explique a diferença que o cronista estabelece entre notícia e
história.

Resposta: Segundo o cronista, o sentido de tempo presente expresso por


morria presentificava o fato, indicando um acontecimento daquele exato
momento, ou seja, tratava-se de uma notícia, um fato a respeito do qual as
pessoas tomavam conhecimento no mesmo instante em que ele ocorria. Esse
sentido de tempo enfatizava a tragédia, a dor pela morte de Cristo. Por sua
vez, o passado morreu indica um fato já acontecido, superado e que, por já ser
do conhecimento das pessoas, faz parte da história e causa menos espanto,
surpresa e consternação.

4. No poema "Infância", Carlos Drummond de Andrade relembra o tempo em


que era criança e vivia com a família na fazenda. Leia a primeira estrofe desse
poema:

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.


Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé,

comprida história que não acaba mais.

[...]

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova


Aguilar, 1988. p. 5.

a) Nos cinco primeiros versos, as formas verbais são do pretérito imperfeito.


Que aspecto relativo ao tempo essas formas exprimem no contexto do poema
e que característica da vida na fazenda elas procuram sugerir?

Resposta: O pretérito imperfeito sugere, no caso, ações continuadas e/ou


repetitivas ao longo do tempo. Esse emprego cria, no poema, uma atmosfera
de monotonia, de marasmo na rotina da vida familiar do eu lírico.

b) Comente o efeito de sentido criado pelo emprego do presente do indicativo


no último verso.

Resposta: A forma acaba (do presente) sugere um fato que, na perspectiva do


eu lírico, é contínuo até o momento presente, ou seja, a história de Robinson
Crusoé se prolonga indefinidamente no tempo; não tem fim.

5. Leia este trecho de conto:

Mal meu tio saiu, e Maria Irma aparecia. Veio vindo, com o ondular de pombo e
o deslizar de bailarina, porque o dorso alto dos seus pezinhos é uma das dez
mil belezas de Maria Irma.

ROSA, João Guimarães. Minha gente. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2006.

Nesse fragmento, o narrador-personagem está se referindo a uma prima dele,


pela qual ele cultivava uma paixão secreta.

a) Explique a falta de correlação temporal entre as formas verbais da primeira


frase.
Resposta: A forma saiu (pretérito perfeito) exigiria, caso a correlação fosse
obedecida, a forma apareceu (também do pretérito perfeito). A forma aparecia
(pretérito imperfeito) só estaria adequadamente correlacionada à anterior caso
esta fosse saía.

b) Considerando o sentimento que o narrador-personagem nutria pela prima,


comente a opção dele pela forma aparecia.

Resposta: A forma aparecia, nesse contexto, expressa não um fato


pontual/momentâneo, e sim um fato em processo, que se prolonga no tempo.
Tem-se a impressão de que o narrador-personagem vê Maria Irma entrando
em cena em "câmera lenta" e ele, embevecido/apaixonado, fica admirando
toda a sensualidade (ondular de pombo e o deslizar de bailarina) da jovem.

c) A forma veio vindo reforça ou atenua o efeito de sentido criado por


aparecia? Por quê?

Resposta: A expressão veio vindo reforça o efeito de sentido de aparecia,


porque também expressa, pela presença do gerúndio vindo, um fato em
desenvolvimento e, assim, contribui para descrever o movimento suave do
caminhar de Maria Irma.

216

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, na seção "E


mais..." das Orientações específicas, os subsídios/sugestões referentes a
esta atividade. Fim da observação.

E MAIS...

Regularização de formas verbais irregulares

Neste capítulo, vimos que se classifica como irregular todo verbo que, ao ser
conjugado, sofre alteração em seu radical. Depois, também neste capítulo, foi
apresentada, para consulta, uma listagem com alguns dos verbos irregulares
mais usuais.

Vamos, agora, desenvolver uma atividade para analisar uma característica


interessante dos verbos irregulares que se evidencia principalmente na língua
falada: a regularização de formas verbais irregulares.
Atividade de pesquisa

1. Objetivo

Atenção Professor(a), se necessário, retomar com a turma a seção teórica


"Regularização de verbos irregulares", neste capítulo, na página 203. Fim da
observação.

Comparar, na língua falada, a frequência de emprego de formas verbais


regularizadas em oposição às respectivas formas irregulares.

2. Orientações para a realização da atividade

a) A turma será dividida em grupos de trabalho, que deverão realizar "testes"


com 12 informantes (4 falantes de cada nível de escolaridade).

b) O(A) professor(a) apresentará um conjunto de frases que constituirão a base


da pesquisa e que deverão ser anotadas por todos os grupos.

Atenção Professor(a), consultar o item 2 das Orientações específicas. Fim da


observação.

c) O(A) professor(a) definirá também os critérios para a coleta dos dados com
os informantes.

Atenção Professor(a), consultar o item 3 das Orientações específicas. Fim da


observação.

3. Tabulação dos resultados

Com base nas respostas apresentadas pelos informantes, cada grupo deverá
reproduzir, em uma folha de papel sulfite, a tabela a seguir:

Respostas com a Respostas com a


forma regularizada forma irregular

Nível de
Número de
escolaridade dos Quantidade % Quantidade %
informantes
informantes

Fundamental Resposta: 4
Médio Resposta: 4

Superior Resposta: 4

Total Resposta: 12

4. Apresentação dos resultados e consolidação dos dados

a) Em data a ser definida, cada grupo entregará ao(à) professor(a) o resultado


do trabalho (tabela preenchida).

b) Com base nas tabelas dos grupos, será preparada, em classe e sob a
coordenação do(a) professor(a), uma tabela geral, para consolidar os dados
obtidos.

5. Análise da tabela geral

Por meio da tabela geral, será desenvolvida, coletivamente, uma breve


discussão a respeito dos resultados da pesquisa.

217

capítulo 3 - Palavras invariáveis

Classes gramaticais

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livro

· BOMFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988. (Princípios).

Artigos

· BIZZOCCHI, Aldo. Como é mesmo que se usa "mesmo"? Revista Língua


Portuguesa, [2015?]. Blog Aldo Bizzocchi. Disponível em: http://tub.im/oewffk.
Acesso em: 18 mar. 2016.

· VIANA, Chico. Acréscimos indevidos. Revista Língua Portuguesa, [2015?].


Blog Na ponta do lápis. Disponível em: http://tub.im/6n9pq5. Acesso em: 18
mar. 2016.

218

INTRODUÇÃO
Na língua portuguesa existem palavras que não admitem alteração em sua
forma. Tais palavras, denominadas invariáveis, constituem quatro grupos:

1. Advérbio

2. Preposição

3. Conjunção

4. Interjeição

Neste capítulo, vamos estudar as características e empregos das palavras que


integram essas quatro classes.

PARA NÃO ESQUECER

Já estudamos as seis classes de palavras variáveis, ou seja, as classes


formadas por palavras que podem alterar a forma para indicar, por exemplo,
gênero (gato/gata), número (fácil/fáceis), tempo (ando/andei) etc.

Relembre-as:

· substantivo

· numeral

· adjetivo

· pronome

· artigo

· verbo

ESTUDO DAS PALAVRAS INVARIÁVEIS (1ª PARTE)

O estudo das palavras invariáveis será subdividido em duas partes:


inicialmente trataremos do advérbio; depois, na segunda parte do capítulo,
vamos estudar a preposição, a conjunção e a interjeição.

Advérbio

Atenção Professor(a), os advérbios constituem uma classe gramatical


heterogênea e complexa, o que torna impraticável, em um curso escolar,
discutir todos os seus aspectos. Para um estudo mais aprofundado dessa
classe, sugere-se recorrer às obras Gramática de usos do português, de
Maria Helena de Moura Neves (Editora da Unesp) e Gramática descritiva do
português, de Mário A. Perini (Editora Ática). Fim da observação.

Conceito

O pesquisador francês Louis Pasteur (1822-1895), por suas notáveis


descobertas das causas das doenças contagiosas e das formas de preveni-las,
é considerado um dos maiores cientistas da humanidade. Saiba um pouco a
respeito dele:

Pasteur certamente redescobriu coisas que alguns cientistas anteriores a ele


haviam descoberto. Mas foi mais longe: confirmou velhos fatos sobre micróbios
e desvendou outros novos, percebendo também a conexão entre eles.
Realizou aquela viagem visionária pelo conhecimento: não dos micróbios
apenas como seres fascinantes, mas como a raiz de muitos processos de vida
no mundo. [...]

Vendo como os micróbios vivem e morrem, Pasteur deu seu inspirado passo
ao perceber que aí estava a chave para se entender as doenças. Ele acabou
por se transformar no profeta cuja visão empurrou os cientistas da época para
uma percepção revolucionária do nascimento, da decadência e da morte da
matéria.

Armados com esse conhecimento, foram capazes de desvendar os segredos


das doenças. Os médicos deixaram de ser apenas aqueles que ajudavam as
pessoas a suportar e a talvez sobreviver à doença para se transformar
naqueles que curavam e preveniam males que haviam castigado a
humanidade por milhares de anos.

BIRCH, Beverley. Louis Pasteur. São Paulo: Globo, 1993. (Personagens que
mudaram o mundo: os grandes cientistas). p. 7-8.

LEGENDA: Louis Pasteur - pesquisador cujas descobertas mudaram a


medicina e a forma de tratar as doenças.

CRÉDITO: A. Edelfeldt. 1885. Óleo sobre tela. Coleção particular

219

Agora compare estes dois enunciados, observando a palavra em destaque:


a) Pasteur redescobriu coisas que alguns cientistas anteriores a ele haviam
descoberto.

b) "Pasteur certamente redescobriu coisas que alguns cientistas anteriores a


ele haviam descoberto."

Em b, a palavra "certamente" associa-se a "redescobriu", exprimindo uma ideia


de convicção, de afirmação quanto à ocorrência do fato verbal. Dizemos, por
isso, que "certamente" é um advérbio.

Compare este outro par de enunciados:

a) Os médicos deixaram de ser apenas aqueles que ajudavam as pessoas a


suportar e a sobreviver à doença.

b) "Os médicos deixaram de ser apenas aqueles que ajudavam as pessoas a


suportar e a talvez sobreviver à doença [...]"

Nesse caso, a palavra "talvez" associa-se à forma verbal "sobreviver",


exprimindo uma ideia de possibilidade, de dúvida. A palavra destacada em b é
um advérbio.

Compare mais uma vez:

a) As pesquisas de Pasteur contribuíram para o nascimento da microbiologia.

b) As pesquisas de Pasteur contribuíram muito para o nascimento da


microbiologia.

Em b, a palavra "muito" intensifica a forma verbal "contribuíram", modificando,


em parte, o sentido dela: "contribuir" é diferente de "contribuir muito". A palavra
"muito" funciona, em b, como advérbio.

Esses três exemplos possibilitam conceituar assim as palavras que integram


essa classe gramatical:

Advérbio é uma palavra invariável que se relaciona ao verbo para indicar


diferentes circunstâncias (de tempo, de modo, de intensidade, de lugar etc.)
relativas ao fato verbal.

Veja outros exemplos:

· Pasteur sempre foi meticuloso; não se descuidava de suas pesquisas e


refazia cuidadosamente todos os experimentos que realizava.
sempre: advérbio de tempo

não: advérbio de negação

cuidadosamente: advérbio de modo

Complementos teóricos

1. Locução adverbial

É toda expressão (conjunto de duas ou mais palavras) que funciona como


advérbio.

Ex.: Nos dias de hoje, seria impossível viver sem as descobertas de Pasteur.
locução adverbial (de tempo)
locução adverbial (de modo)

2. Os advérbios de intensidade têm uma característica particular: além de


intensificar o verbo, eles podem também intensificar o sentido de adjetivos e de
outros advérbios. Veja estes exemplos:

· A pasteurização é extremamente importante na conservação de certos


alimentos.
advérbio
adjetivo

· Pasteur contribuiu muito decisivamente para importantes avanços na área


médica.
advérbio
advérbio

220

3. Existem alguns advérbios que podem modificar uma frase inteira. Veja este
exemplo:

· Certamente poucos conhecem a importância de Pasteur para suas vidas.


O advérbio, referindo-se à frase toda, exprime um posicionamento do
emissor: a sua convicção de que o fato expresso pelo enunciado é válido,
verdadeiro.
4. Os advérbios são palavras invariáveis; no entanto, na variedade coloquial e
na culta informal, é comum o emprego do sufixo -inho para intensificar o
sentido de determinados advérbios. Veja estes exemplos:

· Acordou cedinho, pegou a mochila com o material e saiu rapidinho pro


colégio.

Classificação do advérbio

Os advérbios e as locuções adverbiais são classificados de acordo com seu


valor semântico, ou seja, de acordo com a circunstância que expressam.

O quadro abaixo apresenta, para consulta, as classificações e algumas


palavras e locuções que desempenham o papel de advérbio.

Classificação Advérbios e locuções

sim, realmente, com certeza, sem dúvida etc.


Afirmação
Ex.: A chuva realmente atrapalhou o trabalho dos operários.

talvez, possivelmente, acaso, porventura etc.


Dúvida
Ex.: Este ano, talvez nosso time seja campeão novamente.

muito, demais, pouco, tão, menos, em excesso etc.


Intensidade
Ex.: Nós estudamos muito o projeto da nova casa.

lá, aqui, acima, longe, perto, por fora etc.


Lugar
Ex.: O velho armazém ficava em frente à praça principal.

bem, mal, assim, devagar, às pressas, pacientemente etc.


Modo
Ex.: Ela reagia com calma às provocações dos colegas.

não, de modo algum, de forma nenhuma etc.


Negação
Ex.: De maneira alguma eu entraria em conflito com eles.

agora, hoje, sempre, logo, de manhã, às vezes etc.


Tempo
Ex.: Durante a tarde, os alunos não participam das atividades.

Complemento teórico
O que são dêiticos?

A palavra dêitico vem do grego dêixis, que significa "mostrar, apontar por meio
de elementos linguísticos". Os dêiticos são palavras de algumas classes
gramaticais que possibilitam ao falante indicar, por meio da linguagem,
tempos, lugares e indivíduos específicos. Funcionam como dêiticos:

1. Os pronomes pessoais:

· de 1ª pessoa: eu/nós;

· de 2ª pessoa: tu/você/vós/vocês;

· de 3ª pessoa: ele/eles indicando um elemento presente no ato de fala.

Ex.: Ele ali, o Zequinha, será o guia de nossa caminhada pela mata.

2. Os demonstrativos (este, aquele, estas...) indicando diferentes distâncias


em relação ao falante.

3. Os advérbios de lugar (aqui, ali, lá...) indicando diferentes posições


espaciais em relação ao falante.

4. Os advérbios de tempo (ontem, hoje, agora...) indicando diferentes tempos


em relação ao momento do ato de comunicação.

221

Distinção entre advérbio e adjetivo

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "A conversão adjetivo/advérbio" na seção
"Complementação teórica". Fim da observação.

Considere este enunciado e observe a palavra destacada:

Ao final do jogo, o experiente goleiro saiu irritado de campo.

irritado
é um adjetivo?
ou
é um advérbio de modo?

Para fazer essa diferenciação, é necessário considerar as características


básicas desses dois tipos de palavras. Compare os dois quadros:
Adjetivo

· Associa-se a substantivo.

· É variável (pode ser masculino/feminino e singular/plural).

Advérbio

· Associa-se ao verbo.

· É invariável (não admite masculino/ feminino, nem singular/plural).

Assim, para determinar a classe gramatical de irritado na frase proposta, basta


observar que, se trocarmos "o experiente goleiro" por "a experiente goleira", a
palavra em estudo vai variar. Observe:

Ao final do jogo, a experiente goleira saiu irritada de campo.

Como houve a mudança (irritado → irritada), fica claro que essa palavra é
variável e associa-se ao substantivo, funcionando, portanto, como adjetivo.

Considere agora este outro caso:

Ao final do jogo, o experiente goleiro reclamou alto com o juiz.

E agora? A palavra alto é adjetivo ou advérbio?

Note que, se fizermos a mesma troca da frase anterior, a palavra em estudo


não varia:

Ao final do jogo, a experiente goleira reclamou alto com o juiz.

Isso mostra que alto é, nesse enunciado, um advérbio.

Veja mais um caso, neste pequeno texto:

Deitada no gramado do quintal, a garotinha admirava, curiosa, a enorme


nuvem branca que flutuava maci... no céu azul de setembro.

E agora: macio ou macia? Ou será que cabem as duas formas? Pense no


assunto...

Atenção Professor(a), espera-se que os alunos concluam que seria válido


empregar tanto "macia" (adjetivo concordando com "nuvem": ... nuvem que
flutuava e era/estava macia) como "macio" (advérbio indicando o modo de
"flutuar" e equivalendo a "maciamente" ou "de modo macio"). Fim da
observação.

Palavras e locuções denotativas

Existem, no idioma, certas palavras e expressões que, embora se assemelhem


a advérbios, não se incluem nessa classe gramatical. Trata-se das palavras e
locuções denotativas, que são classificadas pelo sentido que exprimem. Veja
as mais comuns:

· Inclusão: também, inclusive, até.

· Exclusão: apenas, só, unicamente.

· Realce: é que, lá, cá.

· Retificação: aliás, ou melhor, isto é.

· Explanação: isto é, por exemplo.

· Designação: eis.

222

Agora leia esta tirinha:

FONTE: GONSALES, Fernando. Níquel Náusea. Folha de S.Paulo, 1995.

CRÉDITO: Fernando Gonsales

Você percebeu, no segundo quadro, a sutileza do sentido criado pela palavra


denotativa "até"?

CRÉDITO: Arquivo pessoal

Fernando Gonsales (1961-)

É um criativo quadrinista brasileiro. Formado em veterinária e biologia, uma


das características de suas tiras é a maneira como trata, de forma curiosa, de
questões ligadas aos animais e à ciência. Não à toa, seu personagem mais
famoso é Níquel Náusea, um ratinho que foi inspirado no personagem Mickey
Mouse, de Walt Disney. Fernando Gonsales já recebeu inúmeros prêmios por
seus trabalhos e tem suas tiras publicadas em diversos jornais brasileiros.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU


Estudo das palavras invariáveis (1ª parte)

Palavras invariáveis são aquelas que não admitem flexão (variação de forma).
As palavras que apresentam essa característica constituem quatro classes:
advérbio, preposição, conjunção e interjeição.

Advérbio

Palavra invariável que se associa ao verbo, acrescentando ao seu sentido


determinadas circunstâncias (tempo, modo, lugar etc.).

Classificação geral dos advérbios e exemplos

afirmação

sim

certamente

dúvida

talvez

porventura

intensidade

pouco

demais

lugar

aqui

longe

modo

assim

depressa

negação

não

tempo

hoje
sempre

Locução adverbial

Expressão equivalente a um advérbio.

Ex.: Depois das aulas, ele voltava sem muita pressa para a loja do pai.
tempo
modo
lugar

Observação: Os advérbios de intensidade, além de intensificar o verbo, podem


também intensificar o adjetivo (Ex.: A prova foi bem fácil.) ou outro advérbio
(Ex.: A festa acabou muito tarde.).

223

Atividades

Escreva no caderno

1. (Enem/MEC) Leia o texto.

O sedutor médio

Vamos juntar

Nossas rendas e

expectativas de vida

querida,

o que me dizes?

Ter 2, 3 filhos

e ser meio felizes?

VERISSIMO, L. F. Poesia numa hora dessas?! Rio de Janeiro: Objetiva,


2002.

No poema "O sedutor médio", é possível reconhecer a presença de posições


críticas:
a) nos três primeiros versos, em que "juntar expectativas de vida" significa que,
juntos, os cônjuges poderiam viver mais, o que faz do casamento uma
convenção benéfica.

b) na mensagem veiculada pelo poema, em que os valores da sociedade são


ironizados, o que é acentuado pelo uso do adjetivo "médio" no título e do
advérbio "meio" no verso final.

c) no verso "e ser meio felizes?", em que "meio" é sinônimo de metade, ou


seja, no casamento, apenas um dos cônjuges se sentiria realizado.

d) nos dois primeiros versos, em que "juntar rendas" indica que o sujeito
poético passa por dificuldades financeiras e almeja os rendimentos da mulher.

e) no título, em que o adjetivo "médio" qualifica o sujeito poético como


desinteressante ao sexo oposto e inábil em termos de conquistas amorosas.

Resposta: Alternativa b.

2. Leia estes versos do poema "Infância", de Carlos Drummond de Andrade.

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé,

comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu

a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu

chamava para o café. [...]

Lá longe meu pai campeava

no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história

era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Infância. In: _____. Alguma Poesia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2013. Carlos Drummond de Andrade © Graña
Drummond. www.carlosdrummond.com.br

CRÉDITO: Superstock/Glowimages

Considere os elementos textuais destacados no poema e responda aos itens


de a a d.

a) Os advérbios mais (verso 6) e mais (último verso) exprimem a mesma


circunstância, ou seja, têm a mesma classificação? Justifique.

Resposta: Não. No verso 6, mais associa-se ao verbo acaba e exprime tempo;


no último verso, associa-se ao adjetivo bonita e exprime intensidade.

224

b) Sozinho (verso 4) funciona como adjetivo ou como advérbio de modo?


Justifique sua resposta baseando-se na possível flexão (variação de forma)
dessa palavra.

Resposta: Sozinho concorda, no masculino, com o gênero do eu lírico


masculino; se o eu lírico fosse uma mulher, a concordância seria: Eu sozinha
menina.... Trata-se, portanto, de um adjetivo, e não de um advérbio, que é
uma palavra invariável.

c) A que verbo associa-se a locução adverbial no meio-dia branco de luz


(verso 7) e que circunstância ela exprime no texto?

Resposta: No meio-dia branco de luz associa-se ao verbo chamava e


exprime circunstância de tempo.

d) Considere as palavras longes (verso 8) e longe (verso 10) e aponte a


diferença de classe gramatical e de sentido entre elas.

Resposta: Longes: substantivo (palavra substantivada); significa, nesse


contexto, "tempos antigos, que fazem parte de um passado distante"; longe:
advérbio de lugar; significa "distanciado no espaço físico", "separado por uma
grande distância".

3. (Insper-SP) Leia este trecho de uma entrevista do cantor e compositor


Djavan.
Folha de S.Paulo: Em "Pecado", canção de "Rua dos Amores", você canta
"Mesmo que o amor avance/perde-se em nuance/quase um Chile
inteiro/quando você fala, fala, fala". O que é o Chile neste caso?

Djavan: Usei o Chile como advérbio de quantidade. São ousadias, não tenho
satisfação a dar a ninguém. O Chile é aquela coisa comprida. É uma metáfora
interessante. É preciso que você tenha alma para senti-la ou não. As pessoas
da mídia têm que parar de achar que isso me atinge.

Folha de S.Paulo, 11 abr. 2014.

Nessa entrevista, ao elucidar o sentido dos versos de sua canção, o músico


Djavan refere-se ao advérbio. Do ponto de vista morfológico, essa explicação:

a) está adequada, pois, no contexto em que foi empregado, o termo "Chile"


modifica o sentido do verbo "falar", acrescentando-lhe uma circunstância.

b) contém uma imprecisão, pois, no contexto da canção, ao vir acompanhado


pelo artigo indefinido "um", o vocábulo "Chile" assume a função de substantivo.

c) é pertinente, pois a função dos advérbios e das palavras denotativas é


conferir subjetividade ao texto, como ocorre na construção de figuras de
linguagem como a metáfora.

d) apresenta falhas, pois, levando em conta o contexto da canção, a palavra


representa um adjetivo que caracteriza a relação amorosa mencionada nos
versos.

e) é inadequada, pois, no contexto da canção, equivale a um numeral, classe


gramatical que expressa quantidade.

Resposta: Alternativa b.

4. Os advérbios geralmente se associam ao verbo, acrescentando ao seu


sentido determinadas circunstâncias. Existem, no entanto, advérbios que
podem modificar um adjetivo ou outro advérbio, ou mesmo o conteúdo de todo
o enunciado. Considerando tais possibilidades, compare os três enunciados e
responda aos itens de a a d.

1. Evidentemente a Terra não é curva.

2. A Terra não é evidentemente curva.


3. A Terra não é, evidentemente, curva.

a) Dois desses enunciados têm o mesmo sentido. Quais são eles?

Resposta: 1 e 3.

b) Sem alteração de sentido, que advérbio poderia substituir o advérbio


destacado nos dois enunciados que você identificou no item a? E no outro, que
advérbio poderia ser usado?

Resposta: Em 1 e 3: "obviamente", "indiscutivelmente", "certamente". Em 2:


"nitidamente", "visivelmente", "perceptivelmente". (Em 1 e 3, o advérbio refere-
se a "A Terra não é curva"; em 2, refere-se apenas ao adjetivo "curva".)

c) Em que caso(s) o advérbio exprime uma crença (ou opinião) do emissor?

Resposta: Nas frases 1 e 3.

d) Que enunciado(s) faz(em) uma afirmação que não condiz com a realidade?
Explique.

Resposta: 1 e 3. A afirmação "Evidentemente/obviamente a Terra não é curva"


não condiz com a realidade, porque, como se sabe, a Terra é curva. Em 2, a
afirmação condiz com a realidade: a Terra é curva, embora essa característica
do planeta não seja facilmente observável.

225

5. Considere, no enunciado abaixo, as palavras em destaque e identifique a


afirmação incorreta:

Fernanda é, indiscutivelmente, vaidosa e consumista; imagine então o que


ela não faria para ter um vestido assim, diferente, bonito e tão caro.

a) "Indiscutivelmente" é um advérbio que exprime um julgamento (uma


avaliação) do falante em relação ao que ele mesmo está afirmando.

b) "tão" é um advérbio que intensifica o sentido de um adjetivo.

Resposta: [Intensifica o adjetivo "caro".]

c) Nesse contexto, a palavra "não" está esvaziada de seu sentido negativo, já


que o falante propõe que seu interlocutor imagine justamente o que Fernanda
faria para ter o vestido.
d) Nesse contexto, "assim", por estar associado a um nome - "vestido" -,
funciona como um qualificador desse nome, e não como um advérbio de modo.

e) Nesse enunciado, "assim" exprime a mesma circunstância que em "Ela age


assim porque é muito vaidosa e consumista".

Resposta: [Vestido assim = vestido igual a esse; age assim = age desse
modo/dessa maneira.]

Resposta: Alternativa e.

ESTUDO DAS PALAVRAS INVARIÁVEIS (2ª PARTE)

Em continuidade ao estudo das palavras invariáveis, vamos tratar agora das


outras três classes que, juntamente com os advérbios, constituem as classes
cujas palavras não admitem variação de forma. São elas: preposição,
conjunção e interjeição.

Preposição

Conceito

Considere o conteúdo do quadro:

A sonda Curiosity partiu Marte 2011.

É claro que aí está faltando alguma coisa, não é mesmo? Então veja:

A sonda Curiosity partiu para Marte em 2011.

As palavras para e em contribuem para a estruturação da frase, estabelecendo


certas relações de sentido entre outras palavras. Assim:

· partiu para Marte


Palavra que relaciona "partiu" e "Marte", exprimindo, por meio dessa relação,
uma ideia de lugar.

· partiu em 2011
Palavra que relaciona "partiu" e "2011", exprimindo, por meio dessa relação,
uma ideia de tempo.

As duas palavras analisadas - para e em - são exemplos de preposição.

LEGENDA: Selfie da sonda Curiosity - jipe-robô criado pela NASA - em solo


marciano.
CRÉDITO: JPL-Caltech/MSSS/NASA

226

Agora observe o destaque neste outro enunciado:

· A humanidade acredita em seu próprio futuro?


A preposição em não cria uma relação de sentido; ela estabelece uma relação
de dependência entre dois elementos textuais, ou seja, o elemento "seu próprio
futuro", por meio do vínculo criado pela palavra em, complementa o sentido do
verbo "acredita".

Os exemplos analisados possibilitam conceituar essa classe gramatical:

Preposição é uma palavra invariável que relaciona duas outras palavras,


estabelecendo entre elas determinadas relações de sentido e/ou de
dependência.

Os dois quadros a seguir apresentam, para consulta, as preposições mais


comuns.

Atenção Professor(a), no quadro de cima estão todas as preposições


essenciais (palavras que funcionam exclusivamente como preposição) e, no
de baixo, algumas acidentais (palavras que eventualmente exercem o papel
de preposição). Se julgar necessário, comentar essa subdivisão. Fim da
observação.

a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por [per],
sem, sob, sobre, trás

conforme, como, durante, exceto, fora, mediante, segundo, senão, salvo

A preposição, ao relacionar duas palavras, estabelece entre elas um vínculo


tal que uma delas funciona como palavra principal (mais importante) e a
outra, como secundária. Veja:

· Comprei de um colecionador um livro antigo sobre lendas brasileiras.


palavra principal
palavra secundária
palavra principal
palavra secundária
O QUE DIZEM OS LINGUISTAS

Algumas classes de palavras são amplas e aceitam facilmente novos


membros: elas são chamadas classes abertas. Outras são pequenas e só
aceitam novos membros com muita dificuldade: são classes fechadas.

Em português, o substantivo, o verbo e o adjetivo são classes abertas, ao


passo que o pronome e a preposição são classes fechadas. [...]

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. e adap. Rodolfo


Ilari. São Paulo: Contexto, 2004. p. 226.

Relações semânticas das preposições

Isoladamente, as preposições são vazias de sentido; não têm significado


algum. Nos enunciados, no entanto, elas são fundamentais para expressar
uma ampla variedade de relações semânticas.

Os quadros a seguir apresentam, para consulta, as preposições mais comuns,


as relações de sentido que mais usualmente elas estabelecem e alguns
exemplos.

· Distância - Nossa escola ficava a mais de cinco quilômetros de onde


morávamos.

· Lugar - Naquela noite, muitos desabrigados tiveram de dormir ao relento.

· Modo - Passavam na rua algumas pessoas conversando a meia-voz.

· Tempo - Um conhecido ditado popular diz que à noite todos os gatos são
pardos.

227

COM

· Causa - Com a forte chuva, os dois lados da avenida ficaram inundados.

· Companhia - Os exploradores desceram com um guia o perigoso rio.

· Instrumento - Com uma pequena chave de fenda, foi muito fácil abrir a porta.

· Modo - O porteiro respondeu à pergunta do rapaz com desconfiança.


· Oposição - O jovem judoca brasileiro lutará com adversários bem mais
experientes.

DE

· Assunto - Em nossas longas conversas, ele muito raramente falava da


família.

· Causa - Durante a prolongada seca, muitos animais morreram de fome.

· Especificação - Roupas de passeio é o que ela mais gosta de comprar.

· Lugar - Ficou até à meia-noite esperando o ônibus que viria de Belo


Horizonte.

· Posse - Íamos pescar com o velho carro de meu irmão quase toda semana.

EM

· Lugar - Por que antigamente muitas igrejas eram construídas no alto dos
morros?

· Modo - Sentadas sob a árvore, as crianças ouviam em silêncio o que o velho


dizia.

· Tempo - Segundo a previsão, a nova estrada para o litoral estará pronta em


dez meses.

PARA

· Finalidade - O clube foi cuidadosamente preparado para a festa da formatura.

· Lugar - Seu sonho sempre foi mudar-se para uma pequena cidade à beira-
mar.

· Tempo - O despachante disse que, para a semana, a documentação do carro


estará pronta.

POR

· Causa - Marcelo, por ser o menorzinho da turma, sempre tinha que jogar no
gol.

· Lugar - O maravilhoso rio São Francisco passa por inúmeras cidades.


· Substituição - Edu ficou furioso quando eu lhe disse que ele havia comprado
gato por lebre.

· Tempo - Por mais de duas horas, ele tentou inutilmente consertar a velha
bicicleta.

SOBRE

· Assunto - Amanhã haverá em nossa escola uma palestra sobre alimentos


transgênicos.

· Lugar - De tão cansada, ela acabava dormindo sobre os livros durante as


aulas.

Conjunção

Conceito

Suponha que um repórter de TV desse as seguintes informações a respeito da


preparação da seleção brasileira para um determinado jogo:

· A seleção foi para o campo de treinamento.

· Os jogadores não participaram de nenhuma atividade.

· A chuva e um vento forte frustraram os planos do técnico.

228

Cada uma dessas informações constitui uma oração (frase com verbo). É bem
provável, no entanto, que o repórter, em vez de usar três orações
separadamente, reunisse-as em uma única frase. Assim:

A seleção foi para o campo de treinamento, mas os jogadores não participaram


de nenhuma atividade, porque a chuva e um vento forte frustraram os planos
do técnico.

Observe, nessa frase, a função das palavras destacadas:

A seleção foi para o campo de treinamento, mas os jogadores não participaram


de nenhuma atividade, porque a chuva e um vento forte frustraram os planos
do técnico.
palavra que liga as orações 1 e 2
palavra que liga as orações 2 e 3
As palavras mas e porque são conjunções.

Considere agora a palavra destacada nesta oração:

sujeito
· A chuva e um vento forte frustraram os planos do técnico.
palavras de mesma função (núcleos do sujeito)

Note que, nesse caso, a palavra e não liga orações, e sim duas palavras de
mesma função. A palavra e também é conjunção.

Então:

Conjunção é a palavra invariável que liga:

· duas orações;

· duas palavras de mesma função em uma oração.

FIQUE SABENDO

O estudo das conjunções está diretamente relacionado ao das orações. A


classificação de uma determinada conjunção só pode ser feita levando-se em
conta a classificação das orações por ela ligadas. Por isso, essa classe
gramatical será retomada detalhadamente no estudo das orações (volume 3).

Complementos teóricos

1. As conjunções, por estabelecerem uma conexão, um vínculo entre duas


palavras de mesma função ou entre duas orações, são chamadas também de
conectivos ou nexos conjuntivos.

2. Em muitos casos, a conjunção que liga duas orações é constituída por mais
de uma palavra. Nesse caso, a expressão denomina-se locução conjuntiva.

oração 1
oração 2
Exs.: As chuvas foram boas este ano, no entanto a produtividade não
entusiasmou os agricultores.
locução conjuntiva

oração 1
oração 2
Todas as árvores da avenida ficam floridas logo que começa a primavera.
locução conjuntiva

229

Interjeição

Conceito

Leia esta tira humorística:

FONTE: BROWNE, Dik. Melhor de Hagar, o Horrível. Porto Alegre: L&PM


Editores, 1996.

CRÉDITO: BROWNE, Dik. Melhor de Hagar, o horrível. Porto Alegre, L&PM


Editoras, 1996

No segundo quadro dessa tirinha, Hagar não empregou uma frase logicamente
organizada para expressar sua surpresa e alegria. Ele poderia ter se
expressado assim: "Estou muito feliz com isso que você está me dizendo."; no
entanto, ele sintetizou na palavra oba! tudo o que sentia naquele momento.
Essa palavra é um exemplo de interjeição.

Interjeição é uma palavra (ou expressão) que, de forma intensa e instantânea,


exprime determinados sentimentos, emoções ou reações psicológicas do
falante.

São inúmeras as reações emotivas que podem ser expressas por meio de
interjeições e locuções interjetivas (expressões que funcionam como
interjeição). Veja alguns exemplos nos quadros:

admiração puxa!, meu Deus!

alegria ah!, oba!, viva!, uau!

alívio ufa!, uf!

chamamento ei!, oi!, olá!, psiu!

dor ai!, ui!, au!


nojo/aversão credo!, eca!, urgh!

satisfação oba!, beleza!, que bom!

surpresa ué!, nossa!, epa!, oh!

Veja mais estes exemplos de interjeição:

FONTE: GONSALES, Fernando. Níquel Náusea. Folha de S.Paulo, 8 jan.


2005.

CRÉDITO: Fernando Gonsales. Níquel Náusea. Folha de S.Paulo, 8 jan. 2005

Nessa tirinha, a interjeição oba! exprime o entusiasmo das ovelhas, que acham
que vão "ficar na moda"; o fazendeiro, por sua vez, usa ué! para exprimir
surpresa, estranhamento em relação ao comportamento delas, que geralmente
não gostam de ser tosquiadas.

230

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Estudo das palavras invariáveis (2ª parte)

Preposição

Palavra invariável que liga duas outras, estabelecendo entre elas determinadas
relações de sentido e/ou de dependência. Das duas palavras ligadas pela
preposição, uma delas é a principal (mais importante) e a outra é a
secundária.

Ex.: Novamente floriram na primavera os dois enormes pés de ipê.


palavra principal
palavra secundária
palavra principal
palavra secundária

· Relações semânticas - As preposições podem estabelecer inúmeras


relações semânticas entre a palavra principal e a secundária.
Ex.: Novamente floriram na primavera os dois enormes pés de ipê.
Liga "floriram" e "primavera", indicando tempo
Liga "pés" e "ipê", indicando especificação

Conjunção

Palavra invariável que relaciona dois termos de mesmo valor (função) em


uma oração, ou duas orações.

Exs.: Chuva ou frio não me fazem desistir de festas nem de passeios.


termos de mesma função (núcleos do sujeito)
termos de mesma função (núcleos do sujeito)

Você já me disse que era amigo dela quando moravam em Maceió.


oração 1
oração 2
oração 3

Interjeição

Palavra ou expressão que possibilita ao falante revelar, de forma instantânea,


seus sentimentos, estados de espírito ou emoções súbitas.

Ex.: Oba! Amanhã começa o feriadão! Beleza!

Atividades

Escreva no caderno

1. No romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, o


narrador-personagem, rememorando um de seus relacionamentos amorosos,
declara:

Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.

Nesse fragmento, a preposição durante estabelece uma dupla relação


semântica que indica:

a) tempo e causa, exprimindo uma contradição do amor do narrador-


personagem por Marcela.

b) tempo e causa, realçando o amor sincero de Marcela em relação ao


narrador-personagem.
231

c) tempo e modo, revelando, por meio de uma hipérbole, a saudade que o


narrador-personagem sente de Marcela.

d) tempo e preço, evidenciando a ironia por meio da qual o narrador-


personagem se refere a seu relacionamento com Marcela.

e) tempo e preço, exprimindo, sob a forma de uma metáfora, a indignação do


narrador-personagem em relação a Marcela.

Resposta: Alternativa d.

2. Nos enunciados a seguir, a preposição por ocorre isoladamente e também


combinada com o artigo o (pelo = por[per] + o]. Leia-os e responda aos itens
de a a c.

1. Ele viajou pelo mundo inteiro defendendo a paz.

2. Ele ficou conhecido pelo mundo inteiro por defender a paz.

a) Que relação semântica a preposição estabelece no enunciado 1?

Resposta: "pelo" estabelece uma relação de lugar ("o mundo inteiro" é o lugar
por onde ele viajou)

b) A forma "por" (enunciado 2) estabelece que tipo de relação semântica?

Resposta: Relação de causa (Ele ficar conhecido tem como causa o fato de ele
defender a paz)

c) É válido dizer que, em 2, a forma "pelo" estabelece uma relação semântica


ambígua? Justifique.

Resposta: Sim. Ela pode exprimir uma relação de agente ("mundo inteiro"
significando "povos/pessoas do mundo de todo o mundo"); pode também
exprimir a mesma relação semântica que ocorre em 1 ("mundo todo"
significando "[em] todos os lugares do mundo")

3. (UFMG) Leia estes textos:

TEXTO 1
FONTE: GONSALES, Fernando. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/quadrin/f30609201005.htm. Acesso em: 20
jun. 2011.

CRÉDITO: Fernando Gonsales

TEXTO 2

A moça do tempo anunciou na emissora de TV: "Ao norte do Brasil, haverá


chuva intensa e muito calor no período". A região norte do Brasil é composta
pelos estados de Roraima, Amapá, Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e
Tocantins. Só que ao apontar a vasta região amazônica, ela se enganou de
preposição. Não é "ao norte", e sim "no norte" do país que desabaria a
procela*. São diferentes. Não só formalmente.

Atenção Professor(a), *Procela = tempestade no mar, temporal. Fim da


observação.

Revista Língua Portuguesa, ano 5, n. 54, p. 19, abr. 2010. Disponível em:
http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12001. Acesso em: 20 jun.
2011.

A precisão no uso dos termos é fundamental para definir com clareza o que se
quer expressar. Nos textos 1 e 2, o emprego da preposição, seguida, ou não,
de artigo e o uso de diferentes preposições remetem a sentidos diferentes nos
contextos em que ocorrem.

Explicite o efeito de sentido resultante do uso de:

a) De/do no texto 1.

Resposta: Em "cadeira de balanço", a preposição de expressa uma relação de


especificação; trata-se de uma "cadeira que balança"; em "cadeira do
balanço", a preposição, combinada com o artigo, exprime uma relação de
posse/pertinência, significando "cadeira que faz parte do balanço".

b) No/ao no texto 2.

Resposta: Em "no norte", a preposição em exprime ideia de "lugar em que", ou


seja, se usada pela moça do tempo, indicaria que o norte do Brasil é o lugar em
que choveria; em "ao norte", a preposição a exprime ideia de
proximidade/vizinhança, isto é, "perto/próximo/nas vizinhanças do norte do
Brasil", mas fora do território brasileiro.

232

4. Leia este trecho de poema e observe a palavra destacada:

Tio

Meu tio está velho

e não entende

o que se fala

(ouve menos)

mas está aqui,

ali, sentadinho,

sem camisa,

magro,

os pelos do peito

esbranquiçados.

O meu velho tio olha ao redor,

às vezes trocamos ideias

(tentamos) [...]

CARMO, Ruth do. Sobre vidas. São Paulo: Mageart, 1998. p. 36.

Considere as afirmações a seguir, a respeito do vínculo estabelecido pelo


conectivo mas:

I. Ele estabelece uma relação de sentido que exprime a contrariedade do eu


lírico em relação à presença do tio.

II. A substituição do mas por por isso enfatizaria a ideia de que o fato de o tio
estar velho é o motivo que leva o eu lírico a mantê-lo perto de si.

III. O mas deixa claro que, ao contrário do que muitas vezes costuma
acontecer numa situação como essa, o fato de o tio estar velho não levou o eu
lírico a abandoná-lo ou a afastá-lo de si.
Estão corretas:

a) I, II e III.

b) Apenas I e II.

c) Apenas I e III.

d) Apenas II e III.

e) Apenas II.

Resposta: Alternativa d.

5. Suponha que, num debate sobre o sistema de governo - presidencialismo ou


parlamentarismo - a ser adotado no país, dois deputados façam estas
afirmações:

· Deputado A:

Nosso partido reafirma a decisão de só apoiar o presidencialismo com mandato


de cinco anos.

· Deputado B:

Nosso partido está inflexível nesta posição: só apoia o presidencialismo e o


mandato de cinco anos.

Esses dois deputados são do mesmo partido ou não? Explique.

Resposta: Não. O deputado A é de um partido que impõe uma condição para


apoiar o presidencialismo: o mandato do presidente precisa ter
necessariamente cinco anos. Subentende-se que o partido retiraria o apoio ao
presidencialismo caso se definisse que o mandato do presidente teria duração
de, por exemplo, quatro anos. O deputado B é de um partido que apoia o
presidencialismo (sem a menor possibilidade de apoiar o parlamentarismo) e
que, além disso, não aceita outra duração para o mandato, a não ser cinco
anos.

6. Leia esta tirinha humorística:

FONTE: www.orlandeli.com.br

CRÉDITO: Orlandeli

a) Identifique as interjeições empregadas pelos personagens.


Resposta: "Puts!" (primeiro quadrinho) e "Ei!" (terceiro quadrinho).

b) Considerando os fatos que ocorrem na historinha, explique que reação(ões)


dos personagens as interjeições evidenciam.

Resposta: A interjeição "Puts!" exprime a decepção, o desalento ou o


constrangimento do personagem em relação à estratégia empregada pelo outro
para dar a cantada; "Ei!" exprime a surpresa, o entusiasmo do personagem por
receber uma resposta favorável à cantada.

c) Para cada uma das interjeições referidas no item a, indique pelo menos duas
outras que também poderiam ter sido empregadas por eles para exprimir as
mesmas reações referidas em b.

Resposta: A interjeição "Puts!" poderia ser substituída por "Nossa!", "Puxa!",


"Ai, ai, ai!". Já "Ei!" poderia ser trocada por "Oba!", "Beleza!", "Uau!", "Urru!",
"Yes!".

233

DA TEORIA À PRÁTICA

Ponto de partida

Nesta mesma seção, no capítulo anterior, analisamos as sutilezas da


linguagem de um texto publicitário. Vamos analisar agora mais um texto desse
tipo.

Uma campanha publicitária de um filme fotográfico apresentava fotos feitas


com o produto anunciado e comparava-as a fotos produzidas com filmes de
outras marcas. No anúncio, aparecia a seguinte frase:

CRÉDITO: Marcos Guilherme

Vamos começar com uma pergunta: "melhorar até 25% das fotos" significa
dizer que, de cada 100 fotos feitas com o filme anunciado, exatamente 25
ficam melhores do que se feitas com filmes de outras marcas?

Observe a presença da palavrinha até. Essa palavra exprime, no caso, um


limite, ou seja, deve-se entender que, no máximo, 25 de cada 100 ficarão
melhores. Note, portanto, que, mesmo que apenas 1 em 100 fotos fique
melhor com o filme anunciado que com outro, a afirmação não pode ser
considerada enganosa, embora seja meio capciosa, isto é, ardilosa.

Talvez a intenção do anúncio tenha sido informar que o filme "melhora em até
25% as suas fotos". Nesse caso, a frase estaria afirmando que todas as fotos
feitas com o filme têm qualidade até 25% superior à das fotos feitas com outro
filme. Repare que, mesmo assim, a afirmação continuaria capciosa: se todas
as fotos ficassem apenas 1% melhores (mais nítidas) que as feitas com outro
filme, a frase também não poderia ser considerada enganosa.

Aí está: para um leitor atento, o elemento fundamental desse texto publicitário


é, sem dúvida, a aparentemente "inocente" palavrinha até. Então, a partir de
agora, quando você ler, em uma vitrine de loja, ou ouvir em uma propaganda
de TV frases como "Descontos de até 90%", lembre-se de que o "até" está aí
para confundir quem não presta muita atenção no que ouve ou lê.

Agora é sua vez

Escreva no caderno

1. Leia este aviso afixado em uma bomba de combustível em um posto de


abastecimento de veículos:

Para preservar o veículo e o meio ambiente, o tanque de combustível dos


veículos deve ser preenchido até que ocorra o travamento automático de
segurança da bomba de abastecimento.

(Lei estadual nº 4.574 de 24 de setembro de 2014)

a) Tal como está redigido, esse texto possibilita uma interpretação diferente da
informação que se pretende transmitir. Qual é essa interpretação?

Resposta: Pode-se entender que, quando o usuário abastece seu veículo, ele
não deve colocar pouco combustível (cinco ou dez litros, ou meio tanque, por
exemplo); ele precisa sempre encher completamente o tanque, até o
travamento automático da bomba.

b) Acrescente ao texto uma única palavra, de maneira a ficar clara a


informação pretendida pelo aviso.
Resposta: [...] o tanque de combustível dos veículos deve ser preenchido
só/somente/apenas até que ocorra o travamento automático [...]

c) Explique por que a palavra que você acrescentou em b torna o texto


coerente com a referência que nele se faz ao meio ambiente.

Resposta: O texto pretende informar que se deve evitar encher


demasiadamente o tanque (pondo combustível além do ponto de travamento
automático da bomba), porque a parte em excesso pode extravasar e
contaminar o solo (prejudicar o ambiente). O acréscimo de
só/somente/apenas passa a indicar um limite máximo de enchimento do
tanque.

234

2. Uma empresa construtora publicou em alguns jornais um anúncio a respeito


de um novo prédio de apartamentos que estavam sendo colocados à venda.
Veja, abaixo, parte do texto:

CRÉDITO: Marcos Guilherme

Considere a frase "De longe, o melhor negócio do ano!" e responda aos


itens a seguir.

a) Nesse contexto, qual o valor semântico da locução adverbial de longe?

Resposta: De longe exprime ideia de afirmação, significando "sem dúvida",


"certamente", "incontestavelmente".

b) Suponha que uma pessoa, referindo-se à afirmação dessa frase, dissesse o


seguinte:

Bem... É preciso ver se, de perto, o negócio é mesmo o melhor.

Esse falante estaria atribuindo à expressão de longe (da frase original) um


valor semântico diferente do que você identificou no item a. Explique qual é
esse sentido e que posicionamento desse falante em relação ao produto
anunciado ele revela.

Resposta: A locução de longe pode exprimir ideia de afirmação (como no


anúncio) ou de lugar (ex.: Ele chegou de longe.). O falante, no caso, opõe a
expressão de longe (do anúncio) à expressão de perto, que sempre exprime
ideia de lugar. Portanto, ele estaria atribuindo à expressão de longe o sentido
de lugar (não de afirmação) e revelando, assim, sua desconfiança (ceticismo)
quanto ao grau de verdade da afirmação feita no anúncio.

3. Leia este trecho de artigo pub licado em uma revista científica:

O buraco mais fundo que os humanos já cavaram atingiu 12 km de


profundidade, na península de Kola (Rússia). Embora tenhamos, nesse
momento, uma espaçonave se dirigindo a Plutão - afastado cerca de 6 bilhões
de quilômetros do Sol -, ainda não conseguimos enviar uma sonda para as
profundezas da Terra. Desse modo, o centro do planeta, 6 380 km abaixo de
nós, é na prática uma região mais remota que os confins de nosso Sistema
Solar. Realmente, Plutão foi descoberto em 1930, mas só se comprovou a
existência no núcleo interno terrestre - por meio de dados sismológicos - seis
anos depois. [...]

HIROSE, Kei. O ingrediente perdido. Scientific American Brasil, São Paulo,


n. 98, p. 62, jul. 2010.

Nesse trecho, algumas marcas textuais evidenciam a insatisfação do autor com


o ritmo das pesquisas a respeito do núcleo da Terra.

a) De que maneira os advérbios já e ainda e a partícula só contribuem para


reforçar o posicionamento do autor relativamente ao assunto tratado?

Resposta: O já indica que "cavar 12 km" foi o limite máximo alcançado pelos
humanos e subentende que essa profundidade é insignificante, insatisfatória; o
ainda exprime tempo em relação a um fato em potencial (não realizado) e
evidencia a frustração, a impaciência do autor quanto a enviar uma sonda às
profundezas da Terra; o só exprime restrição, evidenciando que o autor
considera que foi tardia demais a descoberta do núcleo interno da Terra.

b) Identifique o advérbio por meio do qual o autor expressa uma apreciação


(um "julgamento") de uma afirmação que ele faz no texto. Explique.

Resposta: Trata-se do advérbio realmente, que exprime uma confirmação


enfática em relação à constatação de que o centro da Terra é mais
desconhecido/remoto que os confins do Sistema Solar. Essa confirmação se
faz, na sequência do texto, pela comparação entre o ano do descobrimento de
Plutão (1936) e o ano em que se comprovou a existência do núcleo da Terra
(seis anos depois).

4. Numa pizzaria, ao lado da porta de entrada, um cartaz informava aos


frequentadores:

CRÉDITO: Marcos Guilherme

Um rapaz lê o cartaz, entra, senta-se a uma mesa e pede ao garçom:

- Por favor, um suco de laranja.

O garçom esclarece:

- Se você não for comer alguma coisa, não poderei servir-lhe o suco. Você leu
o aviso?

- Li - responde o rapaz. - Ele é óbvio e, por isso, inútil.

- Desculpe - argumenta o garçom -, mas você não leu corretamente o cartaz.

- Li, sim - diz o rapaz -, vocês é que não o escreveram corretamente.

235

A respeito desse diálogo entre o rapaz e o garçom, responda aos itens abaixo:

a) Como o rapaz interpretou a informação do aviso, para considerá-lo óbvio?

Resposta: Ele entendeu assim: "Não servimos só/apenas bebidas, mas


também outras coisas". Em se tratando de uma pizzaria, obviamente ela
deveria servir pizzas (e não unicamente bebidas).

b) Como a pizzaria esperava que os fregueses interpretassem a frase?

Resposta: A pizzaria pretendia informar que, se a pessoa pedisse apenas algo


para beber, ela não seria atendida. Seria obrigatório pedir também algum tipo
de comida.

c) É válido afirmar que, nesse contexto, o rapaz, certamente de propósito,


deixou de lado sua tolerância pragmática, ou seja, sua capacidade de
relacionar as informações expressas pela linguagem e as situações concretas
de comunicação em que tais informações são empregadas? Justifique.

Resposta: Sim. Qualquer pessoa, ao ler o aviso, saberia que o objetivo da


pizzaria era justamente evitar que as pessoas ocupassem as mesas
disponíveis apenas para beber alguma coisa, sem consumir qualquer tipo de
comida (pizza, por exemplo).

d) Fazendo as alterações necessárias (até mesmo acrescentando outras


palavras), reescreva a frase do cartaz, de maneira que ela informe com clareza
aos fregueses a norma adotada pela pizzaria.

Resposta pessoal. Sugestões: 1. Não servimos bebidas desacompanhadas de


pizza. 2. Os pedidos de bebidas somente serão atendidos se acompanhados
de um pedido de pizza. 3. Só bebidas, não servimos.

5. Leia esta tira humorística:

FONTE: ADAMS, Scott. Dilbert. Folha de S.Paulo, 29 jun. 1998.

CRÉDITO: © 1998 Scott Adams/Dist. by Universal Uclick

O humor crítico dessa historinha baseia-se num jogo de sentidos obtido pelo
emprego de duas preposições.

a) Explique o que o funcionário de gravata entendeu com a primeira fala do


outro personagem e o que esse, na verdade, pretendeu dizer.

Resposta: O funcionário de gravata supôs que a vacina tinha a finalidade de


evitar que ele (e os demais funcionários da empresa) contraísse(m) gripe. Com
"vacinas para gripe", o outro quis dizer que as vacinas tinham a finalidade de
provocar gripe nos funcionários.

b) No segundo quadro, o personagem esclarece quem aplicará as vacinas.


Levando em conta essa informação e observando o outro personagem que
aparece também no segundo quadro, explique a crítica veiculada por essa
tirinha.

Resposta: A tira critica o menosprezo que a empresa (e, por extensão, as


empresas) tem(têm) pelos empregados. No caso, o funcionário servirá de
diversão para ricos acionistas, que realizarão um safári (observar as roupas do
acionista) para caçar o funcionário como se ele fosse um bicho e acertá-lo com
dardos que causam gripe.

6. Leia este trecho de um texto do Lar Escola São Francisco, entidade


filantrópica sediada em São Paulo.
Neste ano, o Lar Escola São Francisco está completando 50 anos de
existência. [...]. Crianças e adultos carentes com problemas físicos
encontraram na nossa entidade talvez sua única chance de se reabilitar para a
vida. Nosso trabalho é voluntário, mas extremamente profissional. [...]

LAR ESCOLA SÃO FRANCISCO. Revista da Folha, São Paulo, n. 63, p.


GR11, 4 jul. 1993.

Considere a última frase do trecho e responda aos itens a e b:

"Nosso trabalho é voluntário, mas extremamente profissional."

a) A relação de sentido entre as duas afirmações dessa frase subentende que


os trabalhos voluntários têm, em geral, uma característica que não se aplica a
essa instituição. Qual seria essa característica?

Resposta: O trecho subentende que os trabalhos voluntários são, geralmente,


amadores, no sentido negativo da palavra, ou seja, seriam feitos sem
comprometimento, empenho, organização ou consistência.

b) Que recurso linguístico dessa frase foi empregado para argumentar que o
trabalho dessa instituição se diferencia dos outros? Explique.

Resposta: A conjunção mas. Esse operador linguístico introduz uma afirmação


que se opõe à anterior, alterando assim a linha de raciocínio do início da frase
e deixando claro que o trabalho da instituição não é amador, descomprometido,
malfeito.

7. Em um debate na TV, a respeito do futuro da água potável, um dos


participantes fez a seguinte afirmação:

Vários estudos comprovam que os estoques de água potável, principalmente


os que abastecem as grandes metrópoles, estão se degenerando rapidamente.
Então, um aumento significativo no preço da água para o consumidor não é
mais uma questão de "se", mas de "quando" vai começar a acontecer.

Comente, nesse trecho, o efeito argumentativo decorrente da articulação das


conjunções se, quando e mas.

Resposta: O falante, ao fazer referência a duas situações - uma hipotética,


expressa pelo se, e outra temporal, expressa pelo quando - e, por meio da
conjunção mas, colocá-las em oposição, deixa claro que o aumento no preço
da água já não está mais no campo da especulação, da hipótese; trata-se de
um fato inevitável/ irreversível, cuja ocorrência certamente se dará no futuro.
Ou seja, o aumento no preço da água é apenas uma questão de tempo.

236

capítulo 4 - ▶ A sintaxe - conceitos gerais ▶ Sujeito e predicado

Sintaxe da oração

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livro

· KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. São Paulo:


Ática, 2004.

Artigos

· MACHADO, Josué. Um pra cá, outro pra lá. Revista Língua Portuguesa,
[201-]. Blog Josué Machado. Disponível em: http://tub.im/bgf8xk. Acesso em:
18 mar. 2016.

· POSSENTI, Sírio. Tópico ou sujeito. In: _____. A cor da língua e outras


croniquinhas de linguística. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

Vídeo

· MAGRAMÁTICA. Produção: O Teatro Mágico. 28 mar. 2013. Vídeo (3 min).


Disponível em: http://tub.im/hxdo4g. Acesso em: 18 mar. 2016.

237

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 255 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

INTRODUÇÃO

Os capítulos anteriores foram dedicados ao estudo de aspectos formais e de


empregos das diferentes classes gramaticais; ou seja, estudamos a palavra
na perspectiva de sua morfologia.
A partir deste capítulo, vamos estudar como as palavras se combinam para
constituir as orações e que funções elas podem desempenhar, dependendo do
enunciado do qual fazem parte.

A SINTAXE - CONCEITOS GERAIS

A organização dos enunciados: seleção, ordenação e combinação das


palavras

Suponha que alguém, falando a respeito de um determinado assunto,


selecionasse, entre as inúmeras palavras disponíveis no idioma, as seguintes:

do - eles - livro - para - estão - meia - perceber - de - certos - ler - despontando


- que - o - basta - anonimato - para - página - escritores

Todas essas palavras fazem parte do nosso idioma, mas como não foram
ordenadas, posicionadas em uma sequência válida no português, não criam
um "sentido", ou seja, não constituem um texto. O emissor, no entanto,
obviamente não usaria essas palavras assim; ele as organizaria em uma
sequência para criar o sentido pretendido. Assim:

Bastar ler meia página do livro de certos escritores para perceber que eles
estão despontando para o anonimato.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Sintaxe" na seção "Complementação teórica". Fim da
observação.

PONTE PRETA, Stanislaw apud CASTRO, Ruy. O melhor do mau humor.


São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 78.

CRÉDITO: Marcos Guilherme

Essa nova ordenação estabelece determinadas relações de sentido e de


complementaridade entre as palavras e evidencia também que entre elas se
estabelecem determinadas adaptações formais. Assim, por exemplo:

· meia página - o numeral "meia" concorda, no feminino e no singular, com o


substantivo "página".

· do livro - o artigo "o" concorda, no masculino e no singular, com o substantivo


"livro".
· certos escritores - o pronome "certos" concorda, no masculino e no plural,
com o substantivo "escritores".

· eles estão - o verbo "estão" concorda, em pessoa e em número, com o


sujeito "eles".

Dizemos, então, que esse texto está adequado à sintaxe da língua portuguesa.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Sintaxe" na seção "Complementação teórica". Fim da
observação.

Sintaxe é o conjunto das relações de combinação (ordenação, dependência e


concordância) que se estabelecem entre as palavras e entre as orações que
constituem um enunciado.

Chama-se também sintaxe a parte da gramática que estuda essas relações de


combinação.

238

A sintaxe, para finalidade de estudos, subdivide-se em quatro partes:

· Análise sintática (sintaxe da oração e do período).

· Sintaxe de concordância.

· Sintaxe de regência.

· Sintaxe de colocação.

Neste e nos dois próximos capítulos, estudaremos a primeira parte da sintaxe:


a análise sintática. As outras partes serão estudadas no volume 3 desta
coleção.

Análise sintática

A análise sintática (sintaxe da oração e do período) é a parte da sintaxe que


tem por objetivos:

· analisar as relações que se estabelecem entre as palavras de uma oração


para determinar suas funções sintáticas;

· analisar as relações entre as orações de um período para, de acordo com


essas relações, classificar as orações.
O estudo da análise sintática pressupõe o conhecimento de alguns conceitos
básicos, que veremos a seguir.

PARA QUE SABER?

A análise sintática auxilia-nos a compreender melhor as possibilidades de


estruturação dos enunciados em nosso idioma. Esse conhecimento permite-
nos organizar adequadamente nossos textos e compreender melhor aquilo que
ouvimos e lemos.

Além disso, alguns assuntos que estudaremos no volume 3 desta coleção


(concordância e regência, por exemplo) dependem do domínio de alguns
conceitos básicos de análise sintática.

Conceitos preliminares

Frase, oração e período

Os conceitos de frase, oração e período são frequentemente empregados no


estudo da análise sintática. Veja o quadro e relembre:

Frase Oração Período

É toda unidade É a frase (ou parte de É a frase formada por


linguística (com ou frase) constituída em torno oração(ões). Pode ser
sem verbo) de sentido de um verbo ou locução simples (formado por uma
completo e por meio verbal. O verbo é sempre a só oração) ou composto
da qual se transmite palavra nuclear, principal (constituído por mais de
uma ideia. da oração. uma oração).

Veja alguns exemplos de frase, oração e período:

CRÉDITO: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

· É frase - transmite uma ideia/informação.

· Não é oração - porque não tem verbo.

· Não é período - não é formado por oração(ões).


· Esta rodovia estará em obras nos próximos meses.
É frase e é também oração (porque tem verbo: estará).
É um período simples (formado por apenas uma oração).

oração 1
oração 2
· Já faz quase dois anos que esta rodovia está em obras.
É frase (transmite ideias).
É um período composto (formado por mais de uma oração).

239

Os termos da oração e as funções sintáticas

Vimos que o sentido de um enunciado é o resultado conjunto das palavras que


selecionamos para formá-lo e da organização sintática (ordenação e
combinação) que damos a essas palavras. Na estruturação das orações, as
palavras se combinam para formar pequenos conjuntos denominados
unidades sintáticas ou termos da oração.

Para analisar um exemplo dessas combinações, vamos partir desta oração:

Incêndios matam.
A
B

LEGENDA: Incêndio na Floresta Estadual de Batatais, no interior de São Paulo


(2011).

CRÉDITO: Marcia Ribeiro/Folhapress

Nessa oração, o termo A é formado por uma única palavra; o termo B também.
O mais comum, no entanto, é que elementos secundários se agrupem em torno
de um núcleo - palavra principal - para formar termos maiores, criando assim
uma escala de importância, isto é, uma hierarquia sintática.

Vamos, então, ampliar a oração em estudo, encaixando um novo termo C


dentro do termo B:

C
· Incêndios matam animais.
A
B
Agora o termo B é formado por dois componentes:
· o núcleo (palavra principal): matam.
· o termo secundário C: animais.

Poderíamos ampliar ainda mais a oração, encaixando nela novos termos


secundários. Veja:

C
· Os incêndios florestais matam muitos animais silvestres.
A
B

Observe, então, a nova estrutura sintática dos termos A, B e C:

A
núcleo
Os incêndios florestais
termo secundário
termo secundário

B
núcleo
matam muitos animais silvestres.
C (termo secundário de B)

C
núcleo
muitos animais silvestres.
termo secundário
termo secundário

Dependendo da organização sintática da oração, cada termo terá um


determinado papel nessa organização, ou seja, ele terá uma função sintática.
Existem dez possíveis funções sintáticas. Veja o quadro:

1. Sujeito

2. Predicado
3. Objeto (direto/indireto)

4. Agente da passiva

5. Adjunto adverbial

6. Adjunto adnominal

7. Predicativo

8. Complemento nominal

9. Aposto

10. Vocativo

Vamos iniciar, a seguir, o estudo dessas funções sintáticas. Esse estudo terá
continuidade nos dois próximos capítulos.

240

SUJEITO E PREDICADO

Suponha que, a respeito da tradicional festa de São João da cidade


pernambucana de Caruaru, um jornal publicasse esta manchete:

Grande show de forró abre a festa de São João em Caruaru.

LEGENDA: Festa de São João em Caruaru (PE), em 2015.

CRÉDITO: Thays Estarque/ G1

Se houvesse acontecido mais de um show, essa manchete seria assim:

Grandes shows de forró abrem a festa de São João em Caruaru.

Compare as duas orações e observe as diferenças formais entre elas:

· Grande show de forró abre a festa de São João em Caruaru.


Termo na 3ª pessoa do singular (ele)
Verbo na 3ª pessoa do singular

· Grandes shows de forró abrem a festa de São João em Caruaru.


Termo na 3ª pessoa do plural (eles)
Verbo na 3ª pessoa do plural

É fácil notar que o termo "grande(s) show(s) de forró" estabelece com o


verbo uma relação que determina a flexão/variação da forma verbal. Esse
ajuste formal é chamado de concordância verbal e o termo que "comanda" a
concordância exerce a função sintática de sujeito.

Nas duas orações em estudo, temos, portanto:

· Grande show de forró abre a festa de São João em Caruaru.


sujeito [3ª pessoa do singular]
verbo [3ª pessoa do singular]
.
concordância

· Grandes shows de forró abrem a festa de São João em Caruaru.


sujeito [3ª pessoa do plural]
verbo [3ª pessoa do plural]
concordância

241

Veja, neste outro exemplo, a relação de concordância do verbo com o sujeito.

· Fomos muito criticados naquela ocasião eu e os outros funcionários.


verbo [1ª pessoa do plural]
sujeito [1ª pessoa do plural: nós]
concordância

Vamos, agora, retomar um dos exemplos anteriores e identificar nele o outro


termo que, articulado ao sujeito, constitui a estrutura geral da oração.

· Grande show de forró abre a festa de São João em Caruaru.


sujeito

Nessa oração, o que se declara a respeito do sujeito "grande show de forró"?

Declara-se que [ele] "abre a festa de São João em Caruaru".

O termo "abre a festa de São João em Caruaru" constitui o predicado da


oração analisada. Observe que dentro do predicado sempre aparece o verbo,
que é o elemento sintático mais importante da oração.

A análise dos exemplos anteriores possibilita conceituar os dois termos que,


combinados, constituem a estrutura geral característica das orações da língua
portuguesa:
Sujeito

É o termo da oração com o qual o verbo concorda em pessoa (1ª, 2ª, 3ª) e
número (singular, plural).

O sujeito comanda a concordância verbal.

Predicado

É o termo da oração que apresenta uma declaração a respeito do sujeito.

O predicado sempre contém o verbo.

Então, no exemplo anterior, temos:

· Grande show de forró abre a festa de São João em Caruaru.


sujeito
predicado

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "As estruturas dos enunciados" na seção
"Complementação teórica". Fim da observação.

Complementos teóricos

1. Dizer que a estrutura geral (típica) das orações se caracteriza pela


articulação sujeito-predicado não significa dizer que toda oração apresenta,
obrigatoriamente, sujeito e predicado. Como veremos na segunda parte deste
capítulo, existem orações formadas unicamente pelo predicado.

2. A ordem da oração: direta e indireta

Dependendo da posição do sujeito em relação ao verbo, uma oração pode ser


construída na:

· Ordem direta: sujeito antes do verbo. Ex.: Uma linda lua cheia clareava a
vastidão da fazenda.

· Ordem indireta: sujeito depois do verbo. Ex.: Clareava a vastidão da fazenda


uma linda lua cheia.

ESTUDO DO SUJEITO (1ª PARTE)

O estudo do sujeito será subdividido em duas partes. Inicialmente vamos


analisar a relação morfossintática sujeito-substantivo e também
sistematizar as principais características desse termo; depois, na segunda
parte, trataremos das classificações que ele pode ter dependendo de suas
diferentes formas de ocorrência nas orações.

A relação morfossintática "sujeito-substantivo"

Na estruturação dos enunciados, estabelecem-se determinadas


correspondências entre o papel morfológico (classe gramatical) e as funções
sintáticas das palavras.

242

Para exemplificar uma dessas relações, vamos identificar as classes


morfológicas das palavras que formam o sujeito da seguinte oração:

sujeito [função sintática]


· Dois multicoloridos balões atravessaram o céu de setembro.
· Classe gramatical da palavra dois → numeral
· Classe gramatical da palavra multicoloridos → adjetivo
· Classe gramatical da palavra balões → substantivo

Note que, nesse sujeito, o substantivo "balões" é a palavra principal, ou seja,


ela é o núcleo do sujeito.

Agora, vamos trocar o sujeito "dois multicoloridos balões" por outros grupos de
palavras e, assim, criar novos enunciados:

Sujeito

Um ruidoso aviãozinho vermelho e branco atravessou o céu de setembro.

O estrondo assustador de um forte trovão atravessou o céu de setembro.

Algumas elegantes garças brancas atravessaram o céu de setembro.

Os núcleos desses três sujeitos são, respectivamente, "aviãozinho", "estrondo"


e "garças", e essas três palavras têm uma característica em comum: todas são
substantivos.
Experimente agora trocar, na oração inicial, o sujeito "dois multicoloridos
balões" por outras expressões e você verá que o núcleo do novo sujeito será,
inevitavelmente, um substantivo.

E por que isso acontece?

O idioma, como você já sabe, tem suas próprias regras internas de


funcionamento. Entre essas regras, estão as que estabelecem as relações
morfossintáticas, isto é, as relações entre a classe morfológica e a função
sintática das palavras. Veja, no quadro a seguir, uma das várias regras desse
tipo.

Relação morfossintática do sujeito

Somente substantivos (ou palavras equivalentes a substantivos* : pronomes


e palavras substantivadas) podem ocupar, na oração, a posição de núcleo
do sujeito.

*Atenção Professor(a), se julgar necessário, cabe comentar que a função de


sujeito pode ser também exercida por orações subordinadas (substantivas)
subjetivas (que serão estudadas no volume 3). Ex.: Não convém que você
volte. = Sua volta não convém. Fim da observação.

Confira a ocorrência dessa regra neste outro exemplo:

sujeito
· Seu amigo e você deram ótimas sugestões para o nosso trabalho.
substantivo
pronome
núcleos do sujeito

Essa característica morfossintática do sujeito é imutável: todo núcleo do


sujeito é sempre um substantivo (ou pronome ou palavra substantivada). É
por isso que, ao construir um enunciado, todo falante, mesmo sem perceber,
acaba encaixando no núcleo do sujeito um substantivo (ou uma palavra
equivalente).

O substantivo, além de funcionar como núcleo do sujeito, pode também ocupar


a função de núcleo de vários outros termos da oração. Nos próximos capítulos,
quando estudarmos os demais termos, veremos como se estabelecem essas
relações morfossintáticas.

243

Complemento teórico

Sintagma nominal

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Sintagma nominal" na seção "Complementação teórica".
Fim da observação.

Dá-se o nome de sintagma nominal a todo elemento sintático (palavra ou


grupo de palavras) que, na estrutura da oração, constitui uma unidade
sintática completa, podendo funcionar como sujeito ou como complemento.

Quando o sintagma nominal é formado por mais de uma palavra, seu núcleo é
sempre um nome (substantivo). Veja estes exemplos:

· Grande show de forró abre a festa de São João em Caruaru.


sintagma nominal
sintagma nominal

· No ano que vem, vamos reformar o pequeno sítio que compramos em Minas.
sintagma nominal

Note que, nesse último exemplo, o sintagma nominal, cujo núcleo é "sítio", é
constituído por um segmento dentro do qual ocorre uma oração inteira ("que
compramos em Minas").

Características do sujeito

a. O núcleo do sujeito

O sujeito é um termo que, na estrutura sintática da oração, é independente


dos demais, ou seja, não é subordinado a nenhum outro termo; por isso, o
substantivo que funciona como seu núcleo nunca é vinculado a um elemento
anterior por meio de preposição.

Compare estes exemplos:


sujeito
· Os resultados das pesquisas eleitorais já previam a vitória da oposição.
núcleo do sujeito (substantivo não precedido de preposição)

sujeito
· A grande diferença nos resultados das pesquisas eleitorais causou polêmica.
núcleo do sujeito (substantivo não precedido de preposição)

Observe, nos dois exemplos, que, independentemente da forma - singular ou


plural - dos demais elementos que integram o sujeito, a concordância do
verbo se faz com o núcleo dele.

b. A substituição do sujeito por "ele(s)/ela(s)"

A maioria das orações tem como sujeito uma palavra ou expressão que
designa a 3.ª pessoa do discurso; por isso, geralmente o sujeito pode ser
substituído por ele(s)/ela(s), que são pronomes de 3ª pessoa. Observe:

· Os resultados das pesquisas eleitorais já previam a vitória da oposição.


Eles já previam a vitória da oposição

244

Esse recurso possibilita identificar, com mais facilidade, sujeitos de estrutura


sintática maior e mais complexa. Compare atentamente a identificação do
sujeito nesta sequência de exemplos:

· Espécies de peixes estão em risco.


Elas estão em risco.

· Algumas espécies de peixes estão em risco.


Elas estão se tornando mais raras.

· Algumas espécies de peixes que vivem em corais estão em risco.


Elas estão em risco.

Note que, nesse último exemplo, o sujeito de "estão se tornando" não é apenas
o segmento "Algumas espécies de peixes", e sim todo o sintagma "Algumas
espécies de peixes que vivem em corais"; note também que um dos elementos
formadores desse sujeito é uma oração inteira: "que vivem em corais".

CRÉDITO: André Seale/Pulsar


c. O "comportamento" do sujeito e as vozes verbais

Nas orações em que o verbo exprime ação, é possível estabelecer entre ele e
o sujeito certas correlações que determinam a classificação das vozes
verbais. Veja o quadro:

"Comportamento" do Classificação da voz


Exemplo
sujeito verbal

Sujeito agente ativa Um incêndio destruiu o navio.

A praça foi tomada pelos


Sujeito paciente passiva
manifestantes.

Sujeito agente e
reflexiva Ele sempre se julgou um herói.
paciente

Complemento teórico

O quadro acima apresenta correlações entre verbos de ação e o


"comportamento" do sujeito. Essas correlações, no entanto, não acontecem em
toda e qualquer oração, uma vez que "sujeito" e "agente" são conceitos
independentes; eles não têm entre si qualquer vínculo obrigatório. O sujeito é
um elemento sintático, ou seja, é um dos constituintes da estrutura formal da
oração; o "agente", por sua vez, é um elemento semântico da oração, isto é,
um constituinte que diz respeito ao sentido do enunciado. Compare, então,
estes três exemplos:

1. O juiz, depois da partida, foi muito criticado pelos técnicos dos dois times.
· Função sintática → sujeito (termo com o qual o verbo concorda).
· Papel semântico → paciente (recebe a ação expressa pelo verbo "criticar").
[Note que, nesse caso, as funções de "sujeito" e de "agente" não coincidiram.]

2. Os moradores da região estão plantando centenas de árvores nas margens


do rio.
· Função sintática → sujeito (termo com o qual o verbo concorda).
· Papel semântico → agente (pratica a ação expressa pelo verbo "plantar").
[Note que, nesse caso, as funções de "sujeito" e de "agente" coincidiram.]
3. Aqui, as manhãs de setembro são maravilhosamente azuis e tranquilas.
· Função sintática → sujeito (termo com o qual o verbo concorda).
· Papel semântico → não é nem agente nem paciente, pois a forma verbal
"são" (verbo ser) não exprime ação.

245

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Conceitos básicos

· Sintaxe - conjunto de relações (ordenação, dependência e concordância) que


se estabelecem entre as palavras das orações e entre as orações dos
períodos.

· Análise sintática - parte da sintaxe que estuda e determina a função das


palavras nas orações e a função das orações nos períodos.

· Termo da oração - palavra ou conjunto de palavras que, na estrutura da


oração, exerce uma determinada função sintática.

Sujeito e predicado

São os dois termos básicos que constituem a estrutura sintática da maioria


absoluta das orações.

Ex.: As próximas pesquisas em Marte talvez desvendem alguns segredos do


Universo.
Sujeito
Termo da oração com o qual o verbo concorda em pessoa (1ª, 2ª, 3ª) e número
(singular, plural). O sujeito comanda a concordância verbal.
Predicado
Termo da oração que contém o verbo e que, nas orações que têm sujeito
(determinado ou indeterminado), expressa uma declaração a respeito dele.

Atividades

Escreva no caderno

1. O texto a seguir se assemelha a pequenos textos usualmente publicados em


colunas sociais dos jornais. Leia-o e responda aos itens de a a d.

Enlace
No convento da Senhorita Sandra Carvalho e cirurgião plástico Nóbrega
Pernotta, contraíram carmelitas ontem as próprias testemunhas sendo seus
pais os laços matrimoniais.

ENLACE, de Millôr Fernandes, publicado na revista IstoÉ, em 24 de abril de


1992: © Ivan Rubino Fernandes.

a) Todo texto tem um determinado objetivo, uma finalidade comunicativa. Qual


é o objetivo desse texto, considerando a forma como o autor o redigiu?

Resposta: O objetivo do texto é criar uma situação humorística; levar o leitor a


rir, a achar graça na "confusão" criada no texto.

b) Explique concisamente de que recursos Millôr Fernandes se valeu para


atingir o objetivo pretendido.

Resposta: O autor desarticula a sintaxe usual, esperável/previsível em um texto


desse tipo, criando, por meio dessa incomum estruturação textual, associações
de sentido inesperadas e/ou absurdas que surpreendem o leitor e produzem o
efeito humorístico.

c) Como seria a redação desse texto, supondo que ele realmente tivesse sido
publicado na coluna social de um jornal?

Resposta: Enlace - A senhorita Sandra Carvalho e o cirurgião plástico Nóbrega


Pernotta contraíram laços matrimoniais ontem, no convento das carmelitas,
sendo as testemunhas os seus próprios pais. [Há outras possibilidades de
reordenação dos termos.]

d) Considerando suas respostas aos itens a e b, comente o duplo sentido da


palavra enlace.

Resposta: Associada ao conteúdo informativo do texto (notícia de um


casamento), enlace significa "união, vínculo" (enlace matrimonial); associada à
inusitada organização sintática do texto, enlace refere-se à maneira como o
autor misturou/trançou/enlaçou as palavras para criar relações incomuns de
sentido entre elas.

2. (UFRN) Leia este trecho de romance:


Atenção Professor(a), Trapiche: armazém localizado junto aos cais de portos e
destinado ao depósito de mercadorias que são embarcadas/desembarcadas.
Fim da observação.

O trapiche

[...]

Hoje a noite é alva em frente ao trapiche. É que na sua frente se estende agora
o areal do cais do porto. Por baixo da ponte não há mais rumor de ondas. A
areia invadiu tudo, fez o mar recuar de muitos metros. Aos poucos, lentamente,
a areia foi conquistando a frente do trapiche. Não mais atracaram na sua ponte
os veleiros que iam partir carregados. Não mais trabalharam ali os negros
musculosos que vieram da escravatura. Não mais cantou na velha ponte uma
canção um marinheiro nostálgico. A areia se estendeu muito alva em frente ao
trapiche. E nunca mais encheram de fardos, de sacos, de caixões, o imenso
casarão. Ficou abandonado em meio ao areal, mancha negra na brancura do
cais.

AMADO, Jorge. Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
p. 25.

Atenção Professor(a), se julgar oportuno, comentar com os alunos que Jorge


Amado (1912-2001) foi um importante autor neorrealista brasileiro. Dentre suas
obras mais conhecidas, destacam-se, da primeira fase (de engajamento social
e político), Capitães da areia e Os subterrâneos da liberdade, e da segunda
fase (voltada para romances regionalistas e de costumes), Gabriela, cravo e
canela, Dona Flor e seus dois maridos e Tieta do agreste, dentre outras.
Fim da observação.

Atenção Professor(a), se julgar oportuno/necessário, cabe comentar que o


sujeito de "encheram", que está em elipse, é, a rigor, o sintagma "os negros
musculosos que vieram da escravatura". Esse sintagma equivaleria a "eles" - E
nunca mais [eles] encheram de fardos [...]. Fim da observação.

246

Para fazer uma leitura proficiente do fragmento da página anterior, é


necessário que o leitor, entre outros procedimentos, recupere as relações
sintático-semânticas ali estabelecidas. Assim, os sujeitos dos quatro últimos
períodos do fragmento, considerando-se a ordem de ocorrência, são:

a) um marinheiro nostálgico - a areia - os negros musculosos - o imenso


casarão

b) uma canção - a areia - os negros musculosos - um marinheiro nostálgico

c) um marinheiro nostálgico - a areia - o imenso casarão - o imenso casarão

d) uma canção - a areia - o imenso casarão - um marinheiro nostálgico

Resposta: Alternativa a.

3. No texto abaixo, foi propositadamente omitida uma forma do verbo


aumentar que fazia parte do texto original.

O Ministério do Meio Ambiente diminuiu em 86% os incêndios florestais do


Brasil. E _____ significativamente os anos de vida dos nossos pulmões.

a) A forma omitida foi aumentou, aumentaram ou pode ter sido qualquer uma
dessas duas? Justifique sua resposta, baseando-se no conceito de sujeito.

Resposta: Poderia ser qualquer uma delas. A forma aumentou levaria o leitor a
interpretar como sujeito (elíptico) o termo "O Ministério do Meio Ambiente"; o
emprego de aumentaram teria como sujeito (simples) o termo "os anos de vida
de nossos pulmões".

b) Supondo que esse texto tenha feito parte de um anúncio do Ministério do


Meio Ambiente, qual forma foi, mais provavelmente, empregada? Por quê?

Resposta: A forma aumentou, pois, assim, o sujeito desse verbo é,


necessariamente, o termo "O Ministério do Meio Ambiente". Tal termo, ao ser
empregado na função de sujeito, realça, no texto, esse órgão público,
enfatizando sua atuação para aumentar os anos de vida dos pulmões das
pessoas.

c) Se o "E" que inicia a segunda oração fosse substituído por "isso", o verbo
aumentar deveria ser empregado no singular ou no plural? Justifique.

Resposta: A forma "isso" faria referência a toda a oração anterior e, como é


uma palavra no singular, levaria o verbo a concordar no singular: Isso
aumentou...
ESTUDO DO SUJEITO (2ª PARTE)

Na primeira parte deste capítulo, conceituamos sujeito, analisamos a relação


morfossintática que ele estabelece com o substantivo e sistematizamos suas
principais características. Vamos, agora, conhecer as diferentes
classificações que ele pode apresentar; depois, trataremos das orações sem
sujeito.

As classificações do sujeito

O sujeito, dependendo de como se apresenta na estrutura da oração, admite


duas classificações gerais:

sujeito determinado

sujeito indeterminado

Vamos, então, conhecer as características desses dois tipos de sujeito.

Sujeito determinado

Sujeito determinado é aquele que, na oração, aparece materialmente


representado por uma palavra ou expressão ou que, no contexto do ato de
comunicação, pode ser identificado pelo ouvinte/leitor. O sujeito determinado
subdivide-se em três tipos, conforme mostra o quadro.

Sujeito
determinado

Simples Composto Elíptico/Desinencial/Oculto

Apresenta apenas um
Apresenta dois Não aparece explícito, mas pode ser
núcleo, isto é, uma
ou mais núcleos. identificado pelo ouvinte/leitor.
única palavra principal.

PARA QUE SABER?

A identificação dos diferentes tipos de sujeito não deve ser vista como uma
simples nomenclatura, utilizada apenas para "dar nome" a um termo da oração.
A importância dessa identificação está no fato de que o sujeito é o termo que
comanda a concordância verbal e, dependendo de como ele se apresenta, o
verbo se flexionará de uma determinada maneira. Sem identificar claramente o
sujeito, é impossível estabelecer adequadamente a concordância na variedade
culta da língua.

247

Veja, nestas orações, exemplos de três tipos de sujeito determinado:

· No verão, as ruas estreitas do antigo vilarejo ficam repletas de turistas.


sujeito simples (núcleo: ruas)

· Lagoas azuis e dunas brancas compõem o belo cenário da região.


sujeito composto (núcleo: lagoas, dunas)

· Amanhã, discutiremos os projetos para o próximo ano.


sujeito elíptico: nós (identificável pela desinência do verbo: -mos)

Sujeito indeterminado

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Distinção entre 'sujeito determinado representado por
pronomes indefinidos' e 'sujeito indeterminado' da seção "Complementação
teórica". Fim da observação.

A indeterminação do sujeito é um recurso linguístico de que o falante dispõe


quando não pode ou não quer identificar o sujeito da oração. Existem duas
estruturas por meio das quais é possível indeterminar o sujeito:

· Oração com verbo na 3ª pessoa do plural.

· Oração com verbo na 3ª pessoa do singular + "se".

a. Oração com verbo na 3ª pessoa do plural

Empregar o verbo na 3ª pessoa do plural, sem associá-lo a um elemento que


funcione como sujeito, é o recurso mais usual para indeterminar o sujeito.
Como exemplos, veja os verbos em destaque nesta conversa entre duas
amigas:

- Lu, sabe o que me disseram? Que você está namorando o Fabinho! É


verdade?!

- Psiiiu!! Isso é segredo, Bia! Quem te contou?


- Ah... Não importa, apenas me contaram... Só isso... Mas então é verdade
mesmo?!

Veja mais um exemplo de sujeito indeterminado na fala deste "levemente"


estressado personagem:

FONTE: Laerte. Piratas do Tietê. Folha de S.Paulo, 24 jun. 2000.

CRÉDITO: Laerte

Complemento teórico

O fato de o verbo apresentar-se na 3ª pessoa do plural não implica,


necessariamente, que o sujeito seja indeterminado. Muitas vezes, o verbo está
na 3ª pessoa do plural, mas o contexto possibilita identificar o sujeito. Veja a
segunda oração deste período:

1ª oração
2ª oração
· Os pais dos alunos se reuniram e exigiram a substituição do coordenador.
sujeito determinado simples
sujeito: eles (sujeito determinado elíptico/oculto

248

b. Oração com verbo na 3ª pessoa do singular + "se"

Em estruturas constituídas por verbo na 3ª pessoa do singular + "se",


quando empregadas para indeterminar o sujeito, a palavra se é denominada
índice de indeterminação do sujeito.

Veja alguns exemplos:

índice de indeterminação do sujeito


· Depois de muita discussão, concordou-se com as propostas do arquiteto.
verbo na 3ª p. sing. + se
sujeito indeterminado

índice de indeterminação do sujeito


· Falava-se de todos os assuntos naquelas compridas conversas de domingo.
verbo na 3ª p. sing. + se
sujeito indeterminado
índice de indeterminação do sujeito
· Não se é feliz sem um grande amor.
verbo na 3ª p. sing. + se
sujeito indeterminado

Atenção Professor(a), dependendo da turma, a discussão da estrutura "verbo +


se" para indeterminar o sujeito poderá ser ampliada com a retomada da análise
apresentada em Conversa com o professor, na seção "Complementação
teórica" das Orientações específicas do capítulo 2 (Verbo). Fim da
observação.

Funções da palavra "se"

Vimos que a palavra se pode ser associada a um verbo na 3ª pessoa do


singular para constituir uma estrutura que indetermina o sujeito. No estudo
das vozes verbais (capítulo 2), vimos que a palavra se pode também ser
associada a um verbo para formar a voz passiva pronominal, funcionando,
nesse caso, como pronome apassivador.

O quadro a seguir sistematiza, para eventuais consultas, as diferenças básicas


entre essas duas funções da palavra se.

SE (índice de indeterminação do sujeito) SE (pronome apassivador)

Só ocorre associado a verbo na 3ª pessoa Pode ser associado a verbo na 3ª


do singular. pessoa do singular ou do plural.

A oração não admite transposição para a A oração geralmente admite a


voz passiva analítica (com locução transposição para a voz passiva
verbal). analítica.

O sujeito é determinado (está


O sujeito da oração é indeterminado.
explícito na oração).

O verbo se mantém sempre na 3ª pessoa O verbo concorda (no singular ou


do singular. no plural) com o seu sujeito.

Compare a análise destes dois exemplos:


Não se confiou nas pesquisas eleitorais.
· "confiou" - 3ª pessoa do singular.
· passiva analítica: não é possível.
· se: índice de indeterminação do sujeito.
· sujeito: indeterminado.

Não se publicaram as pesquisas eleitorais.


· "publicaram" - 3ª pessoa do plural.
· passiva analítica: As pesquisas eleitorais não foram publicadas.
· se: pronome apassivador.
· sujeito: as pesquisas eleitorais.

Oração sem sujeito

Dizemos que uma oração é sem sujeito quando ela não apresenta nenhum
elemento ao qual o predicado possa ser atribuído. O que importa, nesse tipo de
oração, é o fato verbal em si.

Orações sem sujeito só ocorrem com um pequeno grupo de verbos que têm
uma particularidade sintática: eles não admitem sujeito, por isso não
estabelecem concordância verbal e, consequentemente, apresentam-se
sempre na 3ª pessoa do singular. Esses verbos são denominados
impessoais.

249

a. Verbo haver

Quando empregado:

· Como sinônimo de "existir". Ex.: Certamente havia falhas no contrato.

· Como sinônimo de "acontecer". Ex.: Não haverá discussões entre nós.

· Indicando tempo passado. Ex.: Seu irmão esteve aqui há poucos dias.

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, o item "Os diferentes empregos do verbo 'haver'" na seção
"Complementação teórica". Fim da observação.

b. Verbo fazer
Quando indica passagem do tempo, ou seja, tempo decorrido ou a decorrer,
como nestes exemplos:

· Não visitamos nossos amigos já faz uns seis meses.

· Amanhã, fará dez dias que os funcionários estão em greve.

c. Verbos indicativos de fenômenos da natureza

Verbos como ventar, chover, fazer frio/calor etc. são impessoais. Veja estes
exemplos:

· No verão, amanhece mais cedo, escurece mais tarde e faz dias muito
quentes.

Complementos teóricos

1. O verbo haver (= existir) é impessoal, mas o próprio verbo existir é


pessoal, ou seja, tem sujeito, com o qual concorda normalmente. Compare:

· Havia muitas árvores nesta praça. ⇐⇒ Existiam muitas árvores nesta praça.
oração sem sujeito
sujeito

2. Nas locuções verbais, os verbos impessoais transferem o singular para


seus verbos auxiliares. Veja os exemplos nesta frase:

· Pode haver dificuldades de abastecimento de água na região, porque já vai


fazer três meses que não chove.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Classificações do sujeito

Sujeito determinado

· Simples (um só núcleo). Ex.: A enorme fazenda é cortada por uma ferrovia.

· Composto (mais de um núcleo). Ex.: Quando você e seus pais viajarão?

· Elíptico/oculto (identificável pela desinência verbal ou pelo contexto).

Ex.: Com certeza, ficarás feliz com as boas notícias. [sujeito: tu]

Sujeito indeterminado

· Com verbo na 3ª pessoa do plural.


Ex.: Ainda não descobriram um remédio para essa doença.

· Com verbo na 3ª pessoa do singular + se [índice de indeterminação do


sujeito].

Ex.: Na vida, erra-se muito; mas às vezes se acerta.

Oração sem sujeito

Estrutura-se em torno de um verbo impessoal, que se mantém sempre na 3ª


pessoa do singular.

verbo impessoal
verbo impessoal
Ex.: Já fazia uns três anos que não mais havia festas juninas aqui no bairro.
oração sem sujeito
oração sem sujeito

250

Atividades

Escreva no caderno

1. (Enem/MEC) Leia este texto.

Gripado, penso entre espirros em como a palavra gripe nos chegou após uma
série de contágios entre línguas.

Partiu da Itália em 1743 a epidemia de gripe que disseminou pela Europa, além
do vírus propriamente dito, dois vocábulos virais: o italiano influenza e o
francês grippe. O primeiro era um termo derivado do latim medieval influentia,
que significava "influência dos astros sobre os homens". O segundo era apenas
a forma nominal do verbo gripper, isto é, "agarrar". Supõe-se que fizesse
referência ao modo violento como o vírus se apossa do organismo infectado.

Sérgio Rodrigues. Sobre palavras. Veja, São Paulo, 30 nov. 2011.

Para se entender o trecho anterior como uma unidade de sentido, é preciso


que o leitor reconheça a ligação entre seus elementos. Nesse texto, a coesão é
construída predominantemente pela retomada de um termo por outro e pelo
uso da elipse. O fragmento do texto em que há coesão por elipse do sujeito é:

a) "[...] a palavra gripe nos chegou após uma série de contágios entre línguas."
b) "Partiu da Itália em 1743 a epidemia de gripe [...]".

c) "O primeiro era um termo derivado do latim medieval influentia, que


significava 'influência dos astros sobre os homens'."

d) "O segundo era apenas a forma nominal do verbo gripper [...]".

e) "Supõe-se que fizesse referência ao modo violento como o vírus se apossa


do organismo infectado."

Resposta: Alternativa e.

2. Leia esta tira humorística:

FONTE: Disponível em: http://www2.uol.com.br/laerte/tiras. Acesso em: 3 jun.


2016.

CRÉDITO: Laerte

Relativamente aos recursos sintáticos e semânticos identificáveis nas falas dos


dois personagens, aponte a afirmativa incorreta:

a) Os sujeitos de sabe (1º quadro) e ficou (3º ) têm a mesma classificação.

b) Os sujeitos de observe (1º quadro) e fala (2º ) têm a mesma classificação.

c) O sujeito de importaram é, no contexto, indeterminado.

d) Mexer tem, para os dois interlocutores, o mesmo sentido.

e) No contexto, uma arara é uma expressão coloquial que significa "furioso,


irritadíssimo".

Resposta: Alternativa d.

Atenção Professor(a), esclarecer aos alunos que a resposta é a alternativa d


porque: para o primeiro interlocutor: mexer = usar/trabalhar com ou
consertar/fazer manutenção; para o segundo: mexer =
provocar/importunar/irritar. Fim da observação.

251

3. O trecho a seguir é a parte final de uma crônica que relata o reencontro de


dois velhos amigos em uma praia. Leia-o, observando os verbos em destaque:
[...] E de súbito corremos para a água e mergulhamos, com o vago sentimento
de que essa água sempre salgada, impetuosa e pura não limpa somente a
areia do nosso corpo: tira também um pouco a poeira que na alma vai
deixando a passagem das coisas e do longo tempo.

BRAGA, Rubem. Do Carmo. In: _____. 200 crônicas escolhidas : as


melhores de Rubem Braga. Rio de Janeiro: Record, 1978. p. 155.

Relativamente aos sujeitos dos verbos destacados, identifique a afirmação


incorreta.

a) O sujeito de "corremos" classifica-se como elíptico/oculto e inclui o narrador.

b) O sujeito de "limpa" é expresso pelo sintagma nominal "essa água sempre


salgada, impetuosa e pura", que tem como núcleo o nome "água".

c) O sujeito de "tira", que é elíptico/oculto, retoma, semanticamente, o sujeito


de "limpa".

d) O sujeito de "vai deixando" é representado pelo sintagma nominal "a


passagem das coisas e do longo tempo", cujo núcleo é "passagem".

e) O sujeito de "vai deixando" tem como núcleo o substantivo "poeira".

Resposta: Alternativa e.

4. Leia este trecho de uma hipotética notícia de jornal:

[...] Depois de tomar, sem saber, a bebida contendo o sonífero, Oswaldo


Silveira ficou atordoado. O vendedor ambulante Luciano Ribeiro e a
cabeleireira Denise Cunha, ambos frequentadores do lugar, levou-o para fora
da boate. Nesse momento, algumas pessoas [...].

Agora considere esta informação gramatical:

Concordância do verbo com o sujeito composto

O verbo concordará no plural se estiver depois do sujeito; se estiver antes do


sujeito, poderá concordar no plural, ou concordar somente com o primeiro
núcleo.

a) Um verbo da notícia não está adequado à regra referida. Identifique-o e


justifique essa afirmação.
Resposta: Forma "levou", que, por se posicionar depois do sujeito composto (O
vendedor ambulante Luciano Ribeiro e a cabeleireira Denise Cunha), deveria
ser empregada no plural, conforme explicita a regra.

b) Reescreva o trecho, adequando o verbo à regra.

Resposta: O vendedor ambulante Luciano Ribeiro e a cabeleireira Denise


Cunha, ambos frequentadores do lugar, levaram-no (ou: o levaram) para fora
da boate.

c) Se quiséssemos manter esse verbo tal como ele se apresenta no texto, que
mudança seria necessária para tornar o trecho adequado à regra?

Resposta: Bastaria deslocar o verbo para antes do sujeito, e, para uma melhor
organização da frase, antepor também a expressão "para fora da boate":
Levou-o para fora da boate o vendedor ambulante Luciano Ribeiro e a
cabeleireira Denise Cunha [...]. Assim, o verbo concordaria com o primeiro
núcleo: "vendedor".

5. Considere este período:

Nas instruções destinadas ao consumidor, não aparecerão, por determinação


do fabricante do produto, termos científicos.

a) Por que o verbo está flexionado no plural?

Resposta: O verbo está no plural para concordar com o sujeito "termos


científicos", que está no plural.

b) Mantendo o tempo verbal, reescreva o trecho substituindo o verbo aparecer


por:

· constar

· restar

· existir

· haver

Resposta: ... não constarão/restarão/ existirão/haverá...

c) Na resposta ao item b, qual verbo não foi flexionado como os demais? Por
quê?
Resposta: O verbo haver, pois é impessoal (sem sujeito) e, por isso, deve ser
empregado no singular.

Atenção Professor(a), sugere-se propor à turma, complementarmente, o


exercício 6 da seção "Exercícios complementares" (nas Orientações
específicas do capítulo 4 de Conversa com o professor), que analisa,
didaticamente, o emprego do pronome relativo na função de sujeito. Fim da
observação.

252

DA TEORIA À PRÁTICA

Ponto de partida

A identificação do sujeito da oração, como vimos, é fundamental para a


compreensão adequada do conteúdo de um enunciado. Considere, por
exemplo, estes famosos versos:

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas

De um povo heroico o brado retumbante.

ESTRADA, Osório Duque; SILVA, Francisco Manuel da. Hino Nacional.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/hino.htm.
Acesso em: 18 mar. 2016.

Vocabulário:

plácido: tranquilo;

retumbante: que faz grande barulho.

Fim do vocabulário.

LEGENDA: Proclamação da Independência (1844), de François-René


Moreaux, pintor francês, radicado no Brasil.

CRÉDITO: François-René Moureaux - Proclamação da Independência. 1844.


Óleo sobre tela. Museu Imperial, Petrópolis

Será que, ao cantá-los, você sabe exatamente o que eles estão dizendo?

Esse trecho é constituído por uma única oração, que está na ordem indireta.
Mas, afinal, qual é o sujeito de ouviram?
O fato de o verbo iniciar a oração e apresentar-se na 3ª pessoa do plural pode
induzir o leitor a supor que o sujeito seja indeterminado, ou seja, pensar assim:

Quem ouviu? Sei lá! Ouviram (e pronto!).

Mas... Será que o sujeito não seria "um povo heroico"? Essa hipótese será
facilmente descartada se observarmos que esse termo está precedido por
preposição "de" e se levarmos em conta que o sujeito, por ser um elemento
sintático independente na estrutura da oração, não pode ter seu núcleo
precedido de preposição. Além disso, se "um povo heroico" (termo no singular)
fosse o sujeito, obviamente exigiria o verbo no singular, e não no plural.

O que dificulta o entendimento dessa oração é a forte inversão de seus termos.


Inversões como a desse trecho são constantes ao longo de toda a letra do Hino
Nacional e eram características do Parnasianismo quando, em 1909, Osório
Duque Estrada começou a compor o poema.

Se reordenarmos os termos dos dois versos, transpondo a oração para a


ordem direta, teremos:

As margens plácidas do Ipiranga ouviram

o brado retumbante de um povo heroico.

Assim fica fácil, não é mesmo? O sujeito é "as margens plácidas do Ipiranga", o
que exige a concordância verbal no plural: elas ouviram o brado retumbante
de um povo heroico.

O autor empregou, nesse trecho, uma personificação, figura de linguagem por


meio da qual atribuiu a um ser inanimado (as margens do riacho Ipiranga) uma
característica de seres vivos: a capacidade de ouvir.

Para concluir essa análise, responda: se o "as" apresentasse o acento


indicativo de crase, o que mudaria na estrutura sintática e no sentido desses
versos?

Atenção Professor(a), explicar para os alunos que "às margens plácidas do


Ipiranga" indicaria um lugar (seria adjunto adverbial de lugar = nas margens
plácidas do Ipiranga), e o sujeito seria indeterminado, com o verbo na 3ª
pessoa do plural. O sentido seria: "Alguém [não identificado] ouviu, nas
margens plácidas do Ipiranga, o brado retumbante de um povo heroico". Fim da
observação.

NAVEGAR É PRECISO

A Independência do Brasil, acontecimento retratado na tela acima, é um dos


fatos mais importantes da nossa história. Pesquise mais sobre esse assunto
em sites de museus, como o do Museu do Ipiranga (Museu Paulista da
Universidade de São Paulo): http://tub.im/2488go e o da Prefeitura de São
Paulo: http://tub.im/orjkt5 (acessos em: 18 mar. 2016). Depois, converse com
seus colegas a respeito de fatos interessantes que vocês identificarem na
pesquisa.

253

Agora é sua vez

1. Leia estes dois textos:

Escreva no caderno

TEXTO 1

Carta publicada na seção "Opinião do leitor" de um jornal

Em São Paulo, implantaram uma indústria da multa que fica cada vez mais
faminta. Agora, em um trecho de uma avenida, o limite é 70 km/h e, duas
quadras mais à frente, cai para 60. E o motorista, além de ficar atento à
confusão do trânsito, tem que se prevenir contra essas armadilhas.

TEXTO 2

Trecho de uma entrevista

Entrevistador: Você começou no teatro. Como foi o início?

Ator: Ah, isso foi meio por acaso, eu era desligado dessas coisas de futuro...
profissão... mas chega uma hora, né... que você se sente pressionado... Você
tem que achar o seu caminho. Aí, um dia, botei na cabeça que ia ser ator.

a) No texto 1, o que teria levado o redator do texto a empregar o verbo


"implantar" na 3ª pessoa do plural?
Resposta: O redator do texto, por não saber ou não querer especificar quem
implantou a indústria de multas, usa o verbo na 3ª pessoa do plural para
indeterminar o sujeito.

b) O pronome pessoal você normalmente é empregado pelo falante para se


referir ao interlocutor, identificando-o individualmente. No texto 2, o
entrevistador e o ator usaram esse pronome com essa finalidade? Justifique.

Resposta: O entrevistador, sim; ele emprega o você para designar seu


interlocutor (o ator entrevistado). O ator, não, pois na fala dele o você tem
sentido genérico, significando "qualquer pessoa, as pessoas em geral, todos".

c) Existe um ponto em comum entre a opção do produtor do texto 1 pelo verbo


na 3ª pessoa do plural e a opção do ator pelo pronome você. Qual é esse
ponto em comum?

Resposta: Tanto um como o outro buscam criar um sentido de indeterminação


do sujeito das orações de que esses elementos textuais fazem parte.
[Observação: Em 1, a indeterminação é sintático-semântica; em 2, é apenas
semântica, já que, sintaticamente, o sujeito é representado pela palavra você.]

d) Os recursos linguísticos referidos no item c são indiferentemente


empregados na língua escrita e na língua falada? Explique.

Resposta: Não. Indeterminar o sujeito, empregando o verbo na 3ª pessoa do


plural, é usual tanto na língua escrita quanto na língua oral, em situações
formais e informais de comunicação. O emprego do pronome você com a
mesma finalidade é típico da linguagem oral e ocorre mais frequentemente em
situações informais (ou pouco formais).

2. Leia este trecho de reportagem.

Gerações de renda

Toda menina do Pontal da Barra, em Maceió, cresce fazendo o filé, o


artesanato que passa de mãe para filha.

Carolina Vianna de Sá só faz renda de filé quando está inspirada. "Tem uma
hora que dá aquela vontade de fazer, mas quando cansa, eu paro", diz a
menina de 13 anos. [...]
GERAÇÕES de renda. TAM nas Nuvens, n. 13, p. 63-64, jan. 2009.

CRÉDITO: Gentil Barreira/Imagem Brasil

Os computadores têm um sistema de correção nos programas de edição de


texto que auxilia o usuário a evitar erros de português (acentuação, ortografia,
concordância etc.). Esse sistema, ao identificar alguma falha no texto, introduz
automaticamente um sublinhado em ziguezague no trecho problemático e
sugere a alteração necessária.

254

No texto apresentado na página anterior, o sistema de correção gramatical


apontaria um eventual problema neste trecho:

Tem uma hora que dá aquela vontade de fazer, mas quando cansa, eu
paro

Se o usuário clicasse sobre a palavra indicada, e depois em "Gramática" e, em


seguida, em "Explicar", o sistema abriria uma janela com esta orientação:

Se "cansa" estiver se referindo a "eu", verifique a concordância de pessoa.

Se você estivesse digitando o texto, manteria o verbo como está ou levaria em


conta a orientação apresentada pelo sistema de correção? Justifique.

Resposta: Espera-se que os alunos observem que a alteração sugerida pelo


sistema de correção é desnecessária, pois "cansa" não se refere a "eu", e sim
a um sujeito elíptico: "mas quando [o trabalho/o serviço/fazer filé/trabalhar]
cansa, eu paro". No entanto, se a forma empregada fosse "canso", a
concordância também estaria adequada; nesse caso, "canso" estaria se
referindo ao sujeito oculto "eu": "mas quando [eu] canso, eu paro".

3. Leia este cartum.

FONTE: Disponível em: http://newtonsilva.blogspot.com.br. Acesso em: 3 jun.


2016.

CRÉDITO: Newton Silva

a) Considerando o contexto visual (a cena), que sentido o leitor é induzido a


atribuir à pergunta "Onde está o sujeito?"?
Resposta: A cena mostra uma aula, o que induz o leitor a supor que o
professor esteja perguntando qual é o sujeito (termo da oração) da frase escrita
no quadro.

b) Associada à frase escrita no quadro, a pergunta sofre um deslizamento de


sentido, ou seja, ela passa a fazer outro questionamento. Qual é ele?

Resposta: Com a associação, a palavra sujeito ganha outro sentido, passando


a significar "indivíduo, pessoa", ou seja, a pergunta passa a questionar onde
estaria o aluno/o estudante, já que ele não mais veio assistir às aulas.

c) O cartum é um gênero textual que, por meio do humor, tem por objetivo
criticar determinados aspectos da realidade social. Qual é a crítica veiculada
por esse cartum?

Resposta: Trata-se de uma crítica ao fato de o aluno não ter motivação para
continuar frequentando a escola, ou seja, uma crítica ao sistema educacional e
à incapacidade da escola (e da família) de impedir a evasão escolar.
[Observação: O Brasil tem um índice de 24,3% de abandono escolar, sendo a
terceira maior taxa entre os 100 países com maior IDH, só atrás da Bósnia e
Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristóvão e Névis, no Caribe (26,5%),
de acordo com dados de 2012. (Fonte: BRASIL tem 3ª maior taxa de evasão
escolar entre 100 países, diz Pnud. Uol, 2012. Disponível em:
http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/03/14/brasil-tem-3-maior-taxa-de-
evasao-escolar-entre-100-paises-diz-pnud.htm. Acesso em: 18 mar. 2016.)]

4. Leia este trecho.

Lógica & linguagem

Alguém já se lembrou de fazer um estudo sobre a estilística dos provérbios?


Este, por exemplo, "Quem cospe para o céu, na cara lhe cai". Tal desarranjo
sintático faria a antiga análise lógica perder de súbito a razão.

Mas que movimento, que vida, que economia de músculos: a gente chega a
acompanhar com a cabeça a trajetória da frase!

LÓGICA & LINGUAGEM - In: Caderno H, de Mario Quintana, Alfaguara, Rio de


Janeiro; © by Elena Quintana.

Vocabulário:
análise lógica: era o nome do que hoje chamamos de "análise sintática".

Fim do vocabulário.

a) O que Mario Quintana quis dizer ao exclamar que "a gente chega a
acompanhar com a cabeça a trajetória da frase!"?

Resposta: O provérbio citado descreve o movimento de subida e descida do


cuspe. Assim, o autor, ao dizer que "a gente chega a acompanhar a trajetória
da frase" está se referindo ao fato de ela ser tão adequada para descrever a
trajetória do cuspe, que é como se estivéssemos assistindo a seu movimento
de subir e descer no ar.

b) Segundo o autor, no provérbio ocorre um desarranjo sintático. Explique


concisamente esse desarranjo.

Resposta: O segmento "quem cospe para o céu" equivale a "o cuspidor" e


funciona como sujeito, mas não tem associado a ele nenhum predicado; por
sua vez, o verbo cai não tem sujeito sintático; ele fica implícito no sentido geral
do provérbio e só se torna identificável pelo contexto: o cuspe. Assim: "Quem
cospe para o céu, [o cuspe] na cara lhe cai".

255

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, na seção "E


mais..." (Orientações específicas do capítulo 4), as orientações/sugestões
para desenvolver esta atividade. Fim da observação.

E MAIS...

Será que a maioria das orações é "bem-comportadinha"?

Neste capítulo, ao estudarmos o sujeito, vimos que, na oração, ele pode se


posicionar antes ou depois do verbo, dando origem, assim, a duas ordenações
sintáticas:

· ordem direta (sujeito-verbo);

· ordem indireta (verbo-sujeito).

Mas será que, quando falamos, usamos mais a ordem direta ou a indireta? E
será que, quando escrevemos, temos preferência por uma dessas
ordenações?
Para tentar responder a essas perguntas, vamos desenvolver uma atividade
composta por duas etapas.

1ª etapa - Análise coletiva de alguns enunciados

O(A) professor(a) irá propor alguns enunciados a respeito dos quais será
desenvolvida, oralmente, uma breve análise coletiva.

Atenção Professor(a), [Item 1 das Orientações específicas.] Fim da


observação.

2ª etapa - Atividade de pesquisa

1. Objetivo

Analisar a frequência de emprego das ordens sujeito-verbo e verbo-sujeito


nas modalidades falada e escrita da língua.

2. Orientações para a realização da atividade

a) A turma será dividida em grupos de trabalho.

b) A critério dos integrantes de cada grupo, ele será subdivido em dois grupos
menores.

c) Um dos subgrupos ficará responsável por selecionar cinco textos orais para
a realização da pesquisa; o outro subgrupo selecionará cinco textos escritos.

d) Orientações complementares serão apresentadas pelo(a) professor(a).

3. Contagem e tabulação das ocorrências

a) Cada subgrupo fará a contagem das ocorrências em cada um dos textos


selecionados e, numa folha (após cada texto), acrescentará, para futura
entrega ao(à) professor(a), um quadrinho assim:

Quantidade total de casos Casos na ordem Casos na ordem


analisados nesse texto sujeito-verbo verbo-sujeito

Quantidade % Quantidade %

b) Concluído o levantamento em cada texto, cada subgrupo deverá totalizar os


dados dos seus cinco textos e, com eles, preencherá o quadro seguinte.
Quantidade total de
Casos na ordem Casos na ordem
Modalidade casos analisados na
sujeito-verbo verbo-sujeito
modalidade

Quantidade % Quantidade %

Textos orais

Textos
escritos

4. Apresentação dos resultados e discussão coletiva

a) O(A) professor(a) definirá os critérios a respeito desse item.

b) Será feita uma breve análise coletiva dos resultados obtidos na pesquisa.

256

capítulo 5 - ▶ Os verbos no predicado ▶ Termos associados ao verbo

Sintaxe da oração

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Entrevista

· MURANO, Edgar. A linguagem no divã: Entrevista de Contardo Calligaris.


Achados & Escritos, 20 jan. 2010. Disponível em: http://tub.im/ip4o93. Acesso
em: 18 mar. 2016.

Artigos

· CAMARGO, Thaís Nicoleti de. Resumão/Português: Objeto direto


preposicionado. Folha de S.Paulo, 8 nov. 2011. Disponível em:
http://tub.im/nz2wkh. Acesso em: 18 mar. 2016.

· VIANA, Chico. Problemas com a voz passiva. Revista Língua Portuguesa,


12 mar. 2015. Blog Na ponta do lápis. Disponível em: http://tub.im/7pbm95.
Acesso em: 18 mar. 2016.

257

INTRODUÇÃO
O trecho abaixo foi transcrito do livro A fantástica história do cérebro. Leia-o
dando atenção aos termos que foram destacados:

Hoje, quando olhamos um cérebro, vemos uma intrincada rede de bilhões de


neurônios em permanente e faiscante comunicação: um labirinto químico que
sente o mundo exterior e interior, produz amor e dor, mantém nosso coração
batendo e os pulmões respirando, organiza nossos pensamentos e estrutura
nossa consciência. Para a maioria das pessoas em 1662, porém, tudo isso
parecia um absurdo. O filósofo inglês contemporâneo Henry More,
escrevendo sobre o cérebro, declara que "esse miolo ou tutano lasso na
cabeça do homem não demonstra mais capacidade para pensar do que uma
barra de sebo ou um pote de coalhada". Segundo More, o cérebro era uma
substância úmida e desestruturada incapaz de abrigar o complexo
funcionamento da alma.

ZIMMER, Carl. A fantástica história do cérebro: o funcionamento do cérebro


humano. Tradução: Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 19.

LEGENDA: Imagem de ressonância magnética da cabeça de uma mulher,


mostrando as estruturas dos tecidos do cérebro.

CRÉDITO: SPL/Latinstock

Você já aprendeu que toda frase ou parte de frase construída em torno de um


verbo (ou de uma locução verbal) recebe o nome de oração. O texto acima,
por exemplo, é constituído de uma sequência de orações, distribuídas em
quatro frases que se articulam entre si, criando uma progressão textual da qual
resulta o sentido geral pretendido pelo autor. O verbo é o principal componente
sintático de uma oração e aparece sempre no predicado.

Neste capítulo, vamos, inicialmente, caracterizar os tipos de verbos que


podem ocorrer no predicado; depois, na segunda parte, estudaremos os termos
que, na organização sintática da oração, podem se associar a eles.

TIPOS DE VERBO NO PREDICADO

O verbo, dependendo das relações sintático-semânticas que estabelece com


os demais termos da oração, tem uma destas duas classificações gerais:

verbo de ligação
verbo significativo

Vamos, então, conhecer as características desses dois tipos de verbo.

Verbo de ligação

Atenção Professor(a), se julgar necessário/oportuno tratar da classificação do


predicado, sugere-se aproveitar os exemplos desta seção para introduzir o
conceito de predicado nominal. Consultar também, em Conversa com o
professor, nas Orientações específicas, na seção "Complementação
teórica", o item "Tipos de predicado". Fim da observação.

Verbo de ligação é um tipo de verbo cuja função é, exclusivamente,


estabelecer um vínculo entre o sujeito e uma característica do sujeito; a
característica atribuída ao sujeito exerce, por sua vez, a função sintática de
predicativo do sujeito.

Veja este exemplo:

· "Segundo More, o cérebro era uma substância úmida e desestruturada [...]."


sujeito
v. de ligação
predicativo do sujeito

258

O verbo de ligação tem apenas a função de "ligar" o predicativo ao sujeito;


ele não acrescenta à oração nenhuma informação, uma vez que não tem
conteúdo semântico, ou seja, não apresenta, por si mesmo, um significado
próprio. Podemos, então, sistematizar assim os dois conceitos apresentados no
exemplo anterior:

Verbo de ligação

É todo verbo que, por si mesmo, nada informa a respeito do sujeito; ele apenas
liga o sujeito ao predicativo.

Predicativo do sujeito

Termo que exprime uma característica - um "modo de ser ou estar" - atribuída


ao sujeito por intermédio de um verbo de ligação.
É fácil perceber, por essas definições, que o verbo de ligação e o predicativo
do sujeito são interdependentes, ou seja, um não ocorre sem o outro. Assim,
orações com verbo de ligação podem ter sua estrutura geral representada pelo
seguinte esquema:

sujeito
verbo de ligação
predicativo do sujeito

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas, na seção "Complementação teórica", o item "Relações sintático-
semânticas estabelecidas pelos verbos de ligação". Fim da observação.

Veja outro exemplo:

· Ainda ficam intrigados com os mistérios do cérebro os neurologistas


modernos.
verbo de ligação
predicativo do sujeito
sujeito

Observe, nesse exemplo, que ao núcleo do predicativo - intrigados - associam-


se outros termos "menores", constituindo uma expressão de maior extensão.
Esses termos menores, que podem ocorrer também dentro de qualquer outro
termo da oração, serão estudados no próximo capítulo.

Muitas vezes, para que a frase tenha uma estruturação mais concisa, o verbo
de ligação pode ficar em elipse, ou seja, subentendido. Compare:

· As professoras chegaram para a reunião e estavam apressadas.


verbo de ligação
predicativo

· As professoras chegaram para a reunião apressadas.


verbo de ligação elíptico
predicativo

Complemento teórico

A classificação de um verbo pode variar


Em algum momento de suavida escolar, você já deve ter visto esta "famosa"
lista de verbos: ser, estar, ficar, viver, continuar, parecer, permanecer e virar.
Pois é... Esses não são verbos de ligação; eles podem ser de ligação. Isso
porque a classificação de um verbo depende sempre das relações sintáticas e
semânticas que ele estabelece com outros elementos da oração. Compare
estes dois exemplos:

· A grande final do campeonato brasileiro será emocionante.


Funciona como verbo de ligação, porque "liga" um predicativo ao seu sujeito.
predicativo

· A grande final do campeonato brasileiro será em Recife.


Não funciona como verbo de ligação porque não "liga" um predicativo ao
sujeito.
não é predicativo (indica lugar)

Então, da mesma forma que não faz sentido memorizar uma "lista de sujeitos"
(ou de qualquer outro termo), não faz sentido memorizar uma "lista de verbos
de ligação".

259

Verbo significativo

Atenção Professor(a), os exemplos desta seção podem ser aproveitados para


introduzir o conceito de predicado verbal. Consultar também, em Conversa
com o professor, nas Orientações específicas, na seção "Complementação
teórica", o item "Tipos de predicado". Fim da observação.

Diferentemente dos verbos de ligação, os verbos significativos (ou


nocionais) expressam, por si mesmos, uma informação, ou seja, têm um
sentido próprio, característico. Veja alguns exemplos destacados neste trecho
do texto apresentado no início deste capítulo:

[O cérebro é] um labirinto químico que sente o mundo exterior e interior,


produz amor e dor, mantém nosso coração batendo e os pulmões
respirando, organiza nossos pensamentos e estrutura nossa consciência.

Classificação dos verbos significativos


Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações
específicas da seção "Complementação teórica", o item "Verbo intransitivo,
verbo transitivo e complemento". Fim da observação.

Dependendo das relações sintáticas e semânticas que um verbo significativo


estabelece com outros elementos da oração, ele pode ter sentido completo por
si mesmo ou pode precisar de um objeto (palavra ou expressão) para
complementá-lo. Em função disso, ele será classificado como verbo
intransitivo ou transitivo. Veja estes exemplos:

· Na tarde azul, alguns meninos brincavam.


sujeito
verbo intransitivo

· Na tarde azul, alguns meninos empinavam pipas.


sujeito
verbo transitivo
objeto

LEGENDA: Meninos soltando pipas (1941), do pintor brasileiro Candido


Portinari (1903-1962).

CRÉDITO: Candido Portinari. 1941. Óleo sobre tela, 60x73 cm. Coleção
particular - Direito de reprodução gentilmente cedido por João Candido
Portinari

Nos verbos transitivos, o processo verbal parte de um agente e transita, isto


é, vai até o objeto, que, além de representar o paciente do fato verbal, pode
também representar o destinatário, o beneficiário ou ainda o produto/resultado
desse fato verbal. O objeto é, portanto, o "ponto de chegada" de um processo
verbal transitivo.

Sistematizando, então, esses três conceitos, temos:

Verbo intransitivo

É aquele que, em uma determinada oração, exprime, por si só, uma ideia
completa e, por isso, não requer outro termo que complete seu sentido.

Verbo transitivo
É aquele que, em uma determinada oração, não tendo sentido completo por si
mesmo, requer um objeto, isto é, um termo que complete seu sentido.

Objeto

Termo (palavra ou expressão) que, funcionando como paciente, alvo, receptor,


destinatário ou resultado do fato verbal, completa o sentido de um verbo
transitivo.

260

Veja, neste tocante cartum, outros exemplos dos conceitos apresentados na


página anterior:

CRÉDITO: Dalcio. Correio Popular, 2003

· Preciso dessa caixa bem grande...


verbo transitivo
objeto

·-...pra entregar o presente do meu pai.


verbo transitivo
objeto

Os verbos de sentido incompleto, ou seja, os transitivos, dependendo do


enunciado em que ocorrem e da forma como o objeto se articula a eles,
subdividem-se em três tipos: transitivo direto, transitivo indireto e transitivo
direto e indireto. As subdivisões dos verbos transitivos serão estudadas na
segunda parte deste capítulo.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

1. Tipos de verbo no predicado

Verbo de ligação

Verbo sem conteúdo semântico próprio; funciona como um vínculo entre o


sujeito e o predicativo (característica do sujeito).

Verbo significativo

Verbo que, por si mesmo, apresenta um significado, um sentido, que pode ser
completo ou incompleto.
Exemplos:

· Poucos minutos antes do início da peça, o teatro ainda estava meio vazio.
verbo de ligação
predicativo

· Assim que terminou a peça, a plateia aplaudiu entusiasticamente os atores.


verbo significativo
verbo significativo

2. Subdivisão dos verbos significativos

· Verbo intransitivo - tem sentido completo; não requer complemento (objeto).

Ex.: Escurecia vagarosamente; no céu, brilhavam as primeiras estrelas.


verbo intransitivo
verbo intransitivo

· Verbo transitivo - tem sentido incompleto; exige uma palavra ou expressão


(objeto) para completar-lhe o sentido.

Exemplos:

· O piloto experimentou o novo carro, mas não gostou de seu desempenho.


verbo transitivo
verbo transitivo

· O cérebro é um labirinto químico que sente o mundo exterior e interior, produz


amor e dor [...]
verbo transitivo
verbo transitivo

261

Atividades

Escreva no caderno

1. Certos verbos, dependendo das relações sintáticas e semânticas que


estabelecem na oração, podem funcionar como verbo significativo (verbo
com conteúdo semântico próprio) ou como verbo de ligação (relacionando o
sujeito ao predicativo). Usando os códigos VS (verbo significativo) e VL (verbo
de ligação), faça, nos verbos destacados nos pares de frases abaixo, essa
diferenciação.

a) 1. Enquanto ouviam as explicações do guia do museu, as crianças


permaneciam atentas e admiradas.

Resposta: VL ("atentas e admiradas" - predicativo)

2. Com o fim da safra da cana, poucos trabalhadores permanecem nas


regiões das usinas.

Resposta: VS (permanecem = ficam, continuam e "nas regiões das usinas" -


indica lugar)

b) 1. Diz a lenda que, nas noites de lua cheia, o lobisomem anda pelas
estradinhas das fazendas assustando as pessoas.

Resposta: VS (anda = caminha, vaga)

2. Fernando disse que o pai dele anda preocupado com a situação financeira
da loj a.

Resposta: VL (anda = está)

c) 1. Vítimas do violento incêndio, as árvores rapidamente viravam esqueletos


queimados.

Resposta: VL ("esqueletos queimados" - predicativo)

2. O assustador tsunami atingiu as praias, virou enormes navios e destruiu


milhares de casas.

Resposta: VS (virou = tombou, emborcou)

d) 1. Muitos adolescentes ficam inquietos quando ficam muito tempo em casa.

Resposta: VL ("inquietos" - predicativo)

2. Muitos adolescentes ficam inquietos quando ficam muito tempo em casa.

Resposta: VS ("muito tempo" - indica tempo)

2. Considere esta bem-humorada declaração de uma escritora estadunidense:


"Estou uma fera com as feministas. Elas saem por aí pregando que as
mulheres são superiores aos homens. Claro que são. Mas é perigoso espalhar
isso. Pode estragar tudo."

LOOS, Anita. In: CASTRO, Ruy. O melhor do mau humor. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p. 51.

Relativamente às relações sintáticas estabelecidas pelos verbos destacados,


assinale a afirmação incorreta.

a) "Estou" funciona como verbo de ligação, pois relaciona o sujeito elíptico "eu"
ao predicativo "uma fera com as feministas".

b) "Saem" é um verbo significativo que, nesse contexto, classifica-se como


intransitivo.

c) "São", na primeira ocorrência, vincula o sujeito "as mulheres" ao predicativo


"superiores aos homens", funcionando, portanto, como verbo de ligação.

d) "Estragar" é um verbo significativo que, nesse contexto, classifica-se como


transitivo.

Resposta: "tudo" - objeto direto

e) "São", na segunda ocorrência, por não apresentar predicativo, não funciona


como verbo de ligação, e sim como verbo intransitivo.

Resposta: O predicativo "superiores aos homens" está em elipse.

Resposta: Alternativa e.

3. Leia este texto e observe os verbos destacados:

O que não falta na História do Brasil são heróis: Cabral, o que descobriu;
Martim Afonso, o que colonizou; Anchieta, o que catequizou; Paes Leme, o
que desbravou; Calabar, o que traiu; Tiradentes, o que antecipou; D. Pedro I,
o que gritou; D. Pedro II, o que dançou; princesa Isabel, a que redentou;
Caxias, o que espadou; Deodoro, o que proclamou; Oswaldo Cruz, o que
saneou; Santos Dumont, o que voou; Bilac, o que obrigou; Getúlio, o que se
matou; Pelé, o que marcou.

FEIJÓ, Martin Cezar. O que é herói. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 45.
Atenção Professor(a), Martim Afonso: primeiro colonizador do Brasil; Paes
Leme: um bandeirante; Calabar: proprietário de terras que, na guerra dos
portugueses contra os holandeses em Pernambuco, em 1632, mudou para o
lado dos holandeses, ajudando-os a combater os portugueses; Oswaldo Cruz:
médico sanitarista que, a partir de 1903, promoveu a extinção da febre amarela
no Rio de Janeiro; Olavo Bilac: poeta que foi defensor convicto da
obrigatoriedade do serviço militar pelos jovens. A princesa Isabel é conhecida
como a redentora [= libertadora] dos escravos. Fim da observação.

Relativamente aos verbos destacados, responda aos itens de a a d.

a) Quais deles são neologismos, isto é, palavras inventadas pelo autor do


texto?

Resposta: Redentou, espadou (os verbos redentar e espadar não existem no


idioma).

b) A três verbos destacados podemos associar o mesmo complemento verbal


(objeto). Indique-os e explicite esse complemento.

Resposta: Descobriu, colonizou, desbravou. O complemento é "o Brasil".

c) Apenas um dos verbos destacados não está empregado em seu sentido


literal. Identifique-o e justifique.

Resposta: "Dançou". Literalmente, "dançar" significa "movimentar-se ao som de


uma música". No texto, "dançou" significa "foi prejudicado, perdeu" (no caso,
perdeu o trono, pois a República foi proclamada).

d) Baseando-se em informações históricas e sociais de que você dispõe,


aponte possíveis complementos para os seguintes verbos do texto:

· catequizou

· gritou

· espadou

· marcou

· antecipou

· redentou
· proclamou

Resposta: Sugestões de resposta: catequizou os indígenas; antecipou a


Independência; gritou "Independência ou morte!"; redentou os escravos;
espadou os revoltosos/exércitos inimigos; proclamou a República; marcou
gols/mil gols.

262

TERMOS ASSOCIADOS AO VERBO (1ª PARTE)

O verbo é o principal componente sintático da oração e a ele podem associar-


se termos que exercem quatro funções sintáticas. Veja o esquema:

objeto direto
objeto indireto
VERBO
agente da passiva
adjunto adverbial

Vamos, nesta seção, definir os papéis sintáticos de dois desses termos -


objeto direto e objeto indireto - e conhecer suas características principais; os
outros dois termos serão estudados mais à frente, ainda neste capítulo.

Objeto direto e objeto indireto

Compare estas duas orações, observando o termo destacado em b:

a) O sociólogo Betinho criou [???]

b) O sociólogo Betinho criou a campanha "Natal sem fome".

a campanha "Natal sem fome".

termo que
· completa o sentido do verbo "criar";
· nomeia o resultado da ação do sujeito;
· não é iniciado por preposição (de, em, com etc.).

LEGENDA: Logotipo da campanha "Natal sem fome".

CRÉDITO: Reprodução
Essas características do termo a campanha "Natal sem fome" determinam, em
b, sua função sintática: objeto direto do verbo "criar", que, por sua vez,
classifica se como verbo transitivo direto. Assim, em b, temos:

· O sociólogo Betinho criou a campanha "Natal sem fome".


sujeito
VTD
objeto direto

Veja outros exemplos de objeto direto neste anúncio de uma campanha de


preservação ambiental da Fundação Mata Atlântica:

LEGENDA: Quem destrói florestas não mata apenas árvores.

CRÉDITO: Anúncio da Fundação SOS Mata Atlântica. Criação: F/Nazca. Foto:


João Caetano

· Quem destrói florestas não mata apenas árvores.


Objeto direto - completa o sentido do verbo "destrói" e representa o
alvo/paciente do fato verbal.
Objeto direto - completa a transitividade do verbo "mata" e representa o
paciente do fato verbal.

263

Agora vamos comparar mais estas duas orações:

a) Todos os seus amigos sempre confiaram [???].

b) Todos os seus amigos sempre confiaram em você.

em você
termo que
· completa o sentido do verbo "confiar";
· nomeia o "destinatário" do processo verbal;
· é iniciado por preposição [em] exigida pelo verbo.

Por apresentar esse conjunto de características, o termo "em você" tem, na


oração b, a função sintática de objeto indireto do verbo "confiar", que, por sua
vez, classifica-se como verbo transitivo indireto. Temos, portanto, em b:
· Todos os seus amigos sempre confiaram em você.
sujeito
VTI
objeto indireto

Podemos, então, conceituar assim os dois termos em estudo:

Objeto direto

Termo que, sem ser iniciado por preposição, associa-se a um verbo transitivo,
completando-lhe o sentido e representando o alvo, o paciente ou o
resultado/produto do processo verbal.

Objeto indireto

Termo que, por meio de uma preposição, vincula-se a um verbo transitivo, para
complementar-lhe o sentido e representar o receptor, o beneficiário ou o
destinatário do processo verbal.

PARA QUE SABER?

Identificar a transitividade de um verbo e o(s) seu(s) complemento(s) é


importante tanto para apreender com clareza as informações expressas pelos
enunciados, como também para estudar outro aspecto fundamental da
estrutura sintática das orações: a regência verbal.

Existem verbos que, em determinadas orações, podem apresentar os dois


objetos: o direto e o indireto. Nesses casos, o verbo classifica-se como
transitivo direto e indireto. Por exemplo:

· O anatomista inglês Thomas Willis revelou ao mundo os primeiros segredos


do cérebro.
VTDI
OI
OD

· O estudo propicia melhores oportunidades de trabalho para os jovens.


VTDI
OD
OI
Complemento teórico

Um verbo pode apresentar diferentes transitividades?

Sim. A transitividade não é uma característica fixa dos verbos; ou seja, ela
pode variar dependendo das relações sintático-semânticas estabelecidas na
oração em que o verbo é empregado. Compare, nestas três orações, as
diferentes classificações do verbo ler:

· Paulinha ainda é criança, por isso lê com dificuldades.


VI
Não é objeto (indica apenas o modo de ler).

· Paulinha ainda é criança, por isso lê historinhas infantis.


VTD
OD

· Paulinha já é alfabetizada e sempre lê historinhas para suas bonecas.


VTDI
OD
OI

264

Relação morfossintática do objeto

Vimos, no capítulo anterior, que, entre as inúmeras regras de organização e


funcionamento do idioma, existem aquelas que vinculam a classe gramatical
das palavras e suas possíveis funções sintáticas. Essas regras denominam-se
relações morfossintáticas.

Quanto ao objeto (direto/indireto), termo da oração que estamos estudando,


veja, no quadro, como se dá a correspondência função-classe gramatical.

Relação morfossintática do objeto

O núcleo do objeto é sempre representado por um substantivo* (ou por um


equivalente dele: pronome ou palavra substantivada).

*Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o objeto pode


também ser representado por orações substantivas. Exs.: 1. O prefeito já
declarou que não tentará a reeleição. (objetiva direta); 2. Não discordo de que
você esteja com a razão. (objetiva indireta) Fim da observação.

Observe essa relação neste exemplo:

substantivo
pronome
· Ela enviarátodas as cópias do contrato para vocês.
OD
OI

Características do objeto direto e do objeto indireto

1. Vínculo entre o objeto e o verbo

Em relação ao vínculo formal entre o verbo e seu complemento, a diferença


entre os dois tipos de objeto é, como vimos, a seguinte:

· Objeto direto inicia-se sem preposição.

· Objeto indireto inicia-se com preposição.

Ex.: Compreendo seu ponto de vista, mas não concordo com sua decisão.
VTD
OD
VTI
OI
Preposição exigida pelo verbo: concordarcom...

2. O objeto direto e a voz passiva

A transposição de uma oração da voz ativa para a voz passiva geralmente só é


possível quando ela, na voz ativa, apresenta objeto direto. Observe este
exemplo:

voz ativa
· Um incêndio destruiu os pastos.
VTD
OD
voz passiva
Os pastos foram destruídos por um incêndio.
sujeito paciente

Note, pelo exemplo, que o objeto direto da voz ativa passa a funcionar, na voz
passiva, como sujeito paciente.

3. Pronomes oblíquos na função de objeto

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas na seção "Complementaçãoteórica", o item "Os pronomes
complementos no português brasileiro". Fim da observação.

Os pronomes oblíquos, quando exercem o papel de objeto, têm a seguinte


distribuição de funções:

· o(s), a(s) - sempre objeto direto. Ex.: O rio inundou toda a planície. ⇒ O rio
inundou-a.

· lhe(s) - sempre objeto indireto. Ex.: Os alunos obedecem ao coordenador? ⇒


Os alunos obedecem-lhe?

· Demais oblíquos (me, mim, te etc.) - objeto direto ou objeto indireto,


dependendo do verbo ao qual se associam.

- Todos aqui te conhecem muito bem. ("conhecer" é VTD ⇒ te - objeto direto)

- Eles já te enviaram o documento? ("enviar" éVTDI ⇒ te - objeto indireto; "o


documento" - objeto direto)

265

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Termos associados ao verbo (1a. parte)

objeto direto

objeto indireto

agente da passiva

adjunto adverbial

Tipos de verbo transitivo e seus objetos (complementos)


· Verbo transitivo direto (VTD) - tem sentido incompleto; apresenta
complemento sem preposição inicial (objeto direto).

Ex.: Ele sempre visita nossa região, por isso conhece muita gente por aqui.
VTD
OD
VTD
OD

· Verbo transitivo indireto (VTI) - tem sentido incompleto; apresenta


complemento iniciado por preposição (objeto indireto).

Ex.: Desconfiei da conversa do vendedor e não concordei com a proposta.


VTI
OI
VTI
OI

· Verbo transitivo direto e indireto (VTDI) - tem sentido incompleto;


apresenta dois complementos: um sem preposição inicial (objeto direto) e
outro com preposição inicial (objeto indireto).

Ex.: Enviamos o documento ao prefeito para que ele libere a verba para a
escola.
VTDI
OD
OI
VTDI
OD
OI

Atividades

Escreva no caderno

1. Leia este cartum:

FONTE: Disponível em: http://www.sinovaldo.com.br. Acesso em: 18 mar.


2016.

CRÉDITO: Sinovaldo
Considere as relações sintáticas e semânticas da oração "Fiz uma retirada
sustentável" e identifique a afirmação incorreta:

a) O alvo/destinatário do fato verbal é o termo "uma retirada sustentável", que


funciona, portanto, como objeto direto.

b) No sintagma "uma retirada sustentável" evidencia-se a seguinte regra


morfossintática do português: o núcleo do objeto direto é sempre um
substantivo.

c) No sintagma "uma retirada sustentável", a palavra "sustentável", embora


seja sintaticamente um elemento secundário, tem um papel semântico
fundamental para a criação do efeito de humor crítico veiculado pelo cartum.

d) O sujeito da oração é o personagem que fala ao celular.

Resposta: "Sujeito" é um termo da oração, não o ser nomeado por esse termo.

e) Embora o sujeito não esteja explícito na oração, ele é identificável pela


flexão do verbo.

Resposta: Sujeito: "eu" - (Eu) fiz uma retirada sustentável.

Resposta: Alternativa d.

266

2. (UFSC) A poesia pode ser encontrada nas formas e lugares mais inusitados,
como nesta inscrição em um para-choque de caminhão:

O TEU ORGULHO A TERRA COBRE

O texto, como aparece acima (todo em maiúsculas e sem sinais de pontuação),


apresentado a diferentes leitores, teve as seguintes interpretações:

I. Um dia o interlocutor (a quem o texto é dirigido) estará morto e enterrado, e


de nada valerá o seu orgulho, que será coberto pela terra.

II. O orgulho do interlocutor é tão grande que cobre o planeta Terra.

Considerando essas duas possibilidades de interpretação, é correto afirmar


que:
01. a presença de sinais de pontuação e a diferenciação entre maiúsculas e
minúsculas contribuiriam para tornar o texto mais polissêmico, abrindo
possibilidades para mais interpretações.

02. a interpretação I é descabida, porque o verbo está conjugado no presente


do indicativo, então não pode referir-se a um evento futuro.

04. a interpretação I implica uma metonímia: a terra cobrir o orgulho significa


cobrir a pessoa orgulhosa.

08. a interpretação II implica uma hipérbole: o orgulho de alguém é tão grande


a ponto de cobrir a Terra.

16. para que ocorra a interpretação I, é necessário que o termo "a terra" seja
tomado como objeto direto do verbo e que o termo "o teu orgulho" seja
entendido como sujeito.

Resposta: 12 (04 + 08).

3. Leia esta piadinha:

Duas pessoas conversando:

- Sua mãe está aí. Você não vai receber?

- Receber por quê? Por acaso ela me deve alguma coisa?

POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas.


Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 32.

O humor desse texto baseia-se em alterações sintático-semânticas ocorridas


com um dos verbos do diálogo.

a) Identifique esse verbo e determine o sentido e a transitividade que o primeiro


interlocutor atribui a ele.

Resposta: Verbo "receber". O primeiro interlocutor emprega "receber" com


sentido de "recepcionar", "atender", "dar boas-vindas". Nesse sentido, esse
verbo é transitivo direto (receber alguém).

b) Que sentido e que transitividade esse verbo passa a ter na fala do segundo
interlocutor?
Resposta: "Receber" passa a ter sentido de "pegar", "aceitar" e funciona como
transitivo direto e indireto (receber alguma coisa [OD] de alguém [OI]).

4. Leia estes versos e, relativamente à sua organização sintática, identifique a


afirmação incorreta.

Atenção Professor(a), Percy Bysshe Shelley (1792-1822) foi um dos mais


importantes poetas românticos ingleses. Fim da observação.

A semente que tu semeias, outro colhe;

A riqueza que tu achas, outro guarda;

As roupas que tu teces, outro veste;

As armas que tu forjas, outro empunha.

SHELLEY, Percy Bysshe. A máscara da anarquia. Lisboa: Ed. & Etc, 2008.

a) Nesses versos, evidencia-se, como recurso estilístico, o emprego de


paralelismo sintático.

b) Nos quatro versos, o sujeito do segundo verbo é o pronome "outro".

c) Nos quatro versos, o sujeito do primeiro verbo é o pronome "tu".

d) Nos quatro versos, o primeiro verbo é transitivo direto e tem como objeto o
pronome relativo "que".

e) Nos quatro versos, o segundo verbo é intransitivo.

Resposta: São verbos transitivos diretos. Seus objetos são, pela ordem, os
sintagmas: "a semente que tu semeias"; "a riqueza que tu achas"; "as roupas
que tu teces"; "as armas que tu forjas".

Resposta: Alternativa e.

FIQUE SABENDO

Paralelismo sintático

É um recurso de organização dos enunciados que se caracteriza por uma


sequência de termos (ou orações) de mesma função sintática e constituídos
por um mesmo tipo de estrutura gramatical ou por estruturas gramaticais
semelhantes.
O paralelismo não é uma "regra gramatical", e sim um recurso que contribui
para o estilo, para o ritmo, para a harmonia e para a coesão do texto.

267

TERMOS ASSOCIADOS AO VERBO (2ª PARTE)

Além do objeto direto e do objeto indireto, estudados na seção teórica


anterior, podem se associar ao verbo outros dois termos:

agente da passiva

adjunto adverbial

Vamos, então, conhecer suas características e empregos.

Agente da passiva

No estudo dos verbos (capítulo 2), vimos que, se o verbo exprime ação,
estabelecem-se entre ele e o sujeito certas relações sintático-semânticas que
caracterizam as diferentes vozes verbais. Relembre duas dessas relações:

sujeito agente (pratica a ação) ⇒ oração na voz ativa

sujeito paciente (recebe a ação) ⇒ oração na voz passiva

Relativamente à transposição de uma oração da voz ativa para a passiva


analítica (voz passiva como locução verbal), já estudamos que:

· Oração que, na ativa, apresenta objeto direto geralmente pode ser


transposta para a voz passiva analítica.

· Na transposição, o objeto direto passa a funcionar como sujeito paciente.

Observe este par de orações:

· Oscar Niemeyer projetou a belíssima catedral de Brasília. ⇒ voz ativa


sujeito agente
objeto direto
· A catedral de Brasília foi projetada por Oscar Niemeyer. ⇒ voz passiva
sujeito paciente
agente

Note que, na voz passiva, o termo "(por) Oscar Niemeyer" deixou de funcionar
sintaticamente como sujeito da oração, mas continua sendo o agente da ação
expressa por "projetar". Esse termo é, então, o agente de uma oração na voz
passiva, ou, simplesmente, o agente da passiva.

Podemos, então, conceituar assim esse termo da oração:

Agente da passiva é o termo que, em uma oração na voz passiva, representa


quem pratica a ação verbal recebida pelo sujeito.

268

Na oração passiva exemplificada, temos, portanto:

· A belíssima catedral de Brasília foi projetada por Oscar Niemeyer.


sujeito paciente
agente da passiva

LEGENDA: Catedral Metropolitana de Brasília. Foto de 2013.

CRÉDITO: Rubens Chaves/Pulsar

NAVEGAR É PRECISO

A Catedral Metropolitana de Brasília é um dos monumentos mais visitados


da capital federal. Projetada por Oscar Niemeyer, a construção da catedral
levou doze anos para ser concluída. Dentre os muitos detalhes dessa
grandiosa edificação, destacam-se os vitrais, obra da artista plástica francesa
Marianne Peretti.

Se você quiser saber mais a respeito dessa belíssima obra arquitetônica,


consulte o site http://tub.im/xkii78. Se quiser saber mais sobre as criações do
brasileiro Oscar Niemeyer, um dos mais respeitados e importantes arquitetos
de sua geração, visite o site http://tub.im/waa4v7 (acessos em: 18 mar. 2016).

O agente da passiva geralmente é iniciado pela preposição


por/pelo(s)/pela(s), como no exemplo anterior; mais raramente, é iniciado pela
preposição de. Veja neste exemplo:

· Já há muitos anos, nossa cidade é cercada de um mar de canaviais.


agente da passiva

Relação morfossintática do agente da passiva


A relação morfossintática que se aplica ao sujeito e ao objeto (direto/indireto),
termos anteriormente estudados, vale também para o agente da passiva. Veja
o quadro:

Relação morfossintática do agente da passiva

O núcleo do agente da passiva é sempre representado por um substantivo


(ou por um equivalente dele: pronome ou palavra substantivada).

Veja estes exemplos:

substantivo
· O velho cemitério do vilarejo era vigiado por alguns fantasmas brincalhões.
agente da passiva

pronome
· Essa proposta absurda e inútil teria sido apoiada por vocês?
agente da passiva

Transposição "voz ativa ↔ voz passiva analítica"

Esquematicamente, a transposição voz ativa ↔ voz passiva pode ser assim


representada:

Voz ativa ⇒ sujeito agente


VTD
objeto direto
Voz passiva ⇒ sujeito paciente
locução verbal
agente da passiva

269

Veja um exemplo:

· A luz clara da manhã ilumina a paisagem do lago.


sujeito agente
VTD
objeto direto
sujeito paciente
locução verbal
agente da passiva

· A paisagem do lago é iluminada pela luz clara da manhã.

LEGENDA: O esquife (1875), tela do pintor impressionista francês Pierre-


Auguste Renoir (1841-1919).

Atenção Professor(a), esquife - pequeno barco; canoa Fim da observação.

CRÉDITO: Renoir. 1875. Óleo sobre tela, 71x92 cm. Coleção particular. Foto:
World History Archive/Alamy/Latinstock

NAVEGAR É PRECISO

O esquife é uma das muitas obras de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919),


pintor francês que é considerado um dos grandes nomes do Impressionismo.
De origem humilde, com muito esforço estudou na Escola de Belas Artes de
Paris. Tal como seus colegas impressionistas, Renoir pintou paisagens, mas
especializou-se em retratar o cotidiano da sociedade urbana de sua época.

Se você tiver curiosidade de apreciar outras obras desse importante artista,


acesse o site http://tub.im/3zs2jh (acesso em: 18 mar. 2016).

É importante, no entanto, levar sempre em conta que a passagem da voz ativa


para a passiva não se resume a um procedimento "mecânico", de simples
inversão de termos, pois não é indiferente usar uma ou outra forma de
construção da frase. Isso porque, como vimos no capítulo 2 , a voz ativa
possibilita realçar o sujeito agente; a passiva, o sujeito paciente.

Além disso, muitas vezes, a transformação requer a reorganização da estrutura


textual da frase e a reordenação de seus termos. Veja este exemplo:

Voz ativa ⇒ Em 1521, os espanhóis, sedentos dos tesouros dos astecas,


massacraram esse antigo povo mexicano.

Voz passiva ⇒ Em 1521, esse antigo povo mexicano foi massacrado pelos
espanhóis, sedentos dos tesouinadequada ros dos astecas.

Voz passiva adequada ⇒ Em 1521, os astecas foram massacrados pelos


espanhóis, sedentos dos tesouros daquele antigo povo mexicano.
Há também muitos casos em que, mesmo havendo objeto direto na voz ativa, a
transposição para a passiva não é viável, pois origina uma construção
agramatical, que não é aceita pelos falantes. Observe este exemplo:

· Voz ativa: Meu irmão tinha uma bicicleta velha.

"Voz passiva": Uma bicicleta velha era tida por meu irmão. → construção
agramatical

FIQUE SABENDO

A condição básica para que uma oração admita voz passiva é que, na ativa, ela
apresente objeto sem preposição (objeto direto). Essa condição se impõe
porque o objeto direto da ativa passa a funcionar, na passiva, como sujeito,
termo que, como você já aprendeu, não pode ter o núcleo precedido de
preposição.

270

Adjunto adverbial

Leia este cartum:

CRÉDITO: Lute

Agora observe o sentido das circunstâncias (ideias) expressas por estes


termos:

· pela Terra - indica o lugar de ocorrência do fato expresso pelo verbo


"passará";

· no dia 26 - indica o tempo de ocorrência do fato expresso por "passará";

· rápido - indica o modo de ocorrência do fato expresso pelo verbo "vou


passar";

· por aqui - indica o lugar onde "ficar" está perigoso.

Todos esses termos são adjuntos adverbiais.

Adjunto adverbial é o termo que se junta ao verbo para exprimir determinadas


circunstâncias (tempo, modo, lugar etc.) em relação ao fato verbal.

Relação morfossintática do adjunto adverbial


Veja, no quadro, a relação entre o adjunto adverbial e a classe gramatical a
que ele se vincula.

Relação morfossintática do adjunto adverbial

Todo adjunto adverbial é sempre representando por palavras (ou* locuções)


que integram a classe gramatical dos advérbios.

*Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o adjunto


adverbial pode também ser representado por orações adverbiais. Ex.: A festa
começaria assim que a chuva parasse. (tempo) Fim da observação.

Veja um exemplo dessa correlação:

· Acontecerá aqui um grande show de rock no próximo sábado.


· classe gramatical: advérbio de lugar
· função sintática: adjunto adverbial de lugar
· classe gramatical: advérbio (loc. adverbial) de tempo
· função sintática: adjunto adverbial de tempo

Classificação dos adjuntos adverbiais

Os adjuntos adverbiais são classificados pelo seu conteúdo semântico - isto


é, pelo sentido que apresentam na oração - e podem exprimir inúmeras
circunstâncias. Veja, nos exemplos a seguir, alguns dos tipos mais comuns de
adjuntos adverbiais.

· Talvez eles não saibam que, nas próximas férias, terão de ir de ônibus à
praia.
dúvida
negação
tempo
meio
lugar

· O casal certamente pretendia se hospedar com os filhos em um pequeno


hotel rural.
afirmação
companhia
lugar
271

Complemento teórico

Os adjuntos adverbiais que exprimem intensidade, além de se associar a


verbos, podem também se associar a adjetivos e a outros advérbios. Compare
a primeira frase de cada par com a segunda, reproduzida do cartum da página
anterior.

· Tá perigoso ficar por aqui. ⇒ Tá perigoso demais ficar aqui.


adjetivo
adjunto adverbial de intensidade (associado ao adjetivo "perigoso").

· Vou passar rápido. ⇒ Vou passar bem rápido.


advérbio
adjunto adverbial de intensidade (associado ao advérbio "rápido").

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Termos associados ao verbo (2ª parte)

Além do objeto direto e do objeto indireto - termos anteriormente estudados


neste capítulo -, podem se associar ao verbo da oração outros dois termos:

· Agente da passiva - termo que, nas orações passivas, representa o


praticante da ação verbal recebida pelo sujeito.

Ex.: A sala de informática está sendo administrada pelos próprios alunos.


sujeito
agente da passiva

· Adjunto adverbial - termo que se associa ao verbo para indicar diferentes


circunstâncias (tempo, modo, causa, intensidade etc.) referentes ao fato verbal.

Ex.: No outro dia, os pedreiros derrubaram facilmente a parede com uma


marreta.
tempo
modo
instrumento

Atividades

Escreva no caderno
1. Em relação às orações dos itens de a a c, faça o que se propõe.

a) O velho barco leva para as populações ribeirinhas alimentos e remédios.

· Por que, nessa oração, o termo "alimentos e remédios" não influi na


concordância verbal?

Resposta: · Porque esse termo não funciona como sujeito, e sim como objeto
direto. O sujeito, termo que comanda a concordância verbal, é "o velho barco".

· Passe a oração para a voz passiva e explique por que, na passiva, o termo
"alimentos e remédios" influi na concordância verbal.

Resposta: · Alimentos e remédios são levados pelo velho barco para as


populações ribeirinhas (ou: Alimentos e remédios são levados para a
população ribeirinha pelo velho barco.). O termo "alimentos e remédios"
funciona, na passiva, como sujeito e, como se trata de uma expressão de
sentido plural, é necessário flexionar o verbo no plural.

b) Nós sempre os criticamos injustamente.

· Passe a frase para a voz passiva.

Resposta: Eles sempre foram injustamente criticados por nós.

· Explique por que, na transposição para a passiva, foi necessário alterar a


forma do pronome de 3ª . pessoa.

Resposta: Na oração original (voz ativa), o pronome de 3ª pessoa funciona


como objeto direto, daí o emprego da forma oblíqua "o" (sempre objeto
direto). Na passiva, o pronome de 3ª pessoa assume a função de sujeito e
passa a ser representado pela forma "ele" (pronome pessoal reto).

c) Muitos economistas discordam das estatísticas do governo.

· Por que não é possível transpor essa oração para a voz passiva?

Resposta: Porque o termo "das estatísticas do governo", sendo objeto


indireto, não pode, na passiva, funcionar como sujeito, uma vez que esse
termo não admite preposição. Só admitem transposição para a passiva orações
que apresentam objeto direto.

272
2. (Insper-SP) Leia estas manchetes:

I - Câncer mata Hugo Chávez, líder populista da Venezuela


(Folha de S.Paulo, 6 mar. 2013.)

II - Chorão é achado morto em apartamento de Pinheiros


(Folha de S.Paulo, 7 mar. 2013.)

Atenção Professor(a), Hugo Chávez (1954-2013): presidente da Venezuela de


1999 a 2013; Chorão - Alexandre Magno Abrão (1970-2013): cantor e
compositor, integrante da banda Charlie Brown Jr. Fim da observação.

Considerando que as vozes verbais abrem um leque de possibilidades


expressivas, é correto afirmar que:

a) em I, a opção pela voz ativa assume caráter de deboche ao enfatizar que o


poderoso líder foi vencido por uma doença.

b) em II, a construção na voz passiva analítica tem o intuito de colocar em


evidência quem é o agente da ação expressa pelo verbo.

c) em I, a predicação do verbo "matar" não permite, segundo a norma-padrão,


a transposição para a voz passiva analítica.

Resposta: Hugo Chávez, líder populista da Venezuela, é morto por câncer.

d) em II, a omissão do agente da passiva acentua o mistério em torno da morte


do cantor; já em I, o sujeito agente esclarece a causa da morte.

e) em I, a opção pela voz ativa produz marcas de subjetividade que revelam


um enunciador simpatizante do chavismo.

Resposta: Alternativa d.

3. Em uma prova de gramática de final de ano, um professor, para "dar uma


força" aos alunos, propôs apenas duas questões e informou a eles que quem
acertasse qualquer uma delas já estaria aprovado. Veja as questões:

1. Identifique a função sintática do termo destacado nesta oração:

· Os torcedores saíram do estádio decepcionados com a atuação da seleção


brasileira.

2. Identifique a função sintática do termo destacado nesta oração:


· No feriado, as crianças viajaram com os pais para a casa dos avós.

Um dos alunos respondeu desta maneira:

1. "decepcionados" é adjunto adverbial de modo, pois indica o modo como os


torcedores saíram do estádio.

2. "com os pais" é objeto indireto, pois quem viaja viaja com alguém.

Pergunta-se: esse aluno foi aprovado? Justifique.

Resposta: Não, pois não acertou nenhuma das duas questões. Em 1,


"decepcionados" relaciona-se a "torcedores", portanto, como não se relaciona
ao verbo, não pode ser adjunto adverbial (é predicativo: Os torcedores
estavam decepcionados).

4. As duas frases a seguir, em decorrência de sua organização sintática e por


se apresentarem fora de contexto, são ambíguas. Leia-as com atenção.

Resposta: Em 2, "com os pais" não é objeto porque não representa o alvo (ou
paciente/ destinatário/beneficiário) do processo verbal (é adjunto adverbial de
companhia: as crianças viajaram em companhia dos pais; junto com os pais).

I. Durante a noite, alguns animais foram levados pelo rio.

II. Estou com vontade de ir ao Egito de novo.

Em relação a aspectos sintáticos e ao sentido de ambas, identifique a


afirmação incorreta.

a) Em I, se "pelo rio" for interpretado como adjunto adverbial de lugar, o


verbo levar significará "conduzir, transportar"; se "pelo rio" for interpretado
como agente da passiva, levar significará "arrastar".

b) A frase I, que está na voz passiva, admite duas formas de voz ativa:
"Durante a noite, levaram alguns animais pelo rio" e "Durante a noite, o rio
levou alguns animais".

c) Em II, a ambiguidade decorre do posicionamento inadequado do adjunto


adverbial "de novo".

d) Se uma pessoa que nunca foi ao Egito usasse a frase II, ela não
necessariamente estaria mentindo.
Resposta: Em d, pode-se atribuir à fala da pessoa o sentido "Estou, de novo,
com vontade de ir ao Egito", ou seja, ela não estaria afirmando que já foi ao
Egito, e sim que já teve, anteriormente, vontade de ir lá.

e) Somente quem já foi ao Egito poderia usar a frase II.

Resposta: Alternativa e.

273

DA TEORIA À PRÁTICA

Ponto de partida

Leia este fragmento do romance Lucíola, de José de Alencar:

[...] Íamos, se não me engano, pela Rua das Mangueiras, quando, voltando-
nos, vimos um carro elegante que levavam a trote largo dois fogosos cavalos.
[...]

ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: FTD, 2011. p. 14.

CRÉDITO: William Seaman. c. 1800-1830. Óleo sobre tela. Coleção particular.


Foto: The Granger Collection/Otherimages

Uma leitura pouco atenta desse período pode dar a impressão de que na
passagem a seguir ocorre um erro de concordância:

[...] vimos um carro elegante que levavam a trote largo dois fogosos cavalos [...]

Repare que, nesse trecho, o pronome relativo "que" aparece depois de um


termo no singular - um carro elegante - e antes de um verbo no plural -
levavam. Essa ordenação pode induzir o leitor a pensar que o relativo retoma o
termo singular "um carro elegante" e reintroduz esse termo na oração seguinte
como sujeito do verbo no plural. Assim: Um carro elegante levavam... Essa
ordenação resultaria num erro de concordância verbal.

Além disso, a antecipação do adjunto adverbial "a trote largo" para o meio da
oração dificulta um pouco a leitura. No entanto, se considerarmos o conteúdo
lógico do trecho, perceberemos que não há erro algum. Qualquer pessoa sabe
que não é a carruagem que leva (puxa) os cavalos, e sim o contrário. Então, na
oração iniciada no relativo que, temos:

· dois fogosos cavalos - sujeito de "levavam";


· levavam - verbo transitivo direto;

· que [= um carro elegante] - objeto direto de "levavam".

Numa ordenação mais simples do trecho teríamos:

"vimos um carro elegante que dois fogosos cavalos levavam a trote largo"

Como se vê, a impressão de erro se dá porque, no texto original, essa


passagem apresenta uma inversão na ordem dos termos que constituem sua
estrutura sintática, o que exige um pouco mais de atenção no momento da
leitura.

274

Agora é sua vez

Escreva no caderno

1. Considere estes dois textos e responda aos itens de a a d.

Se beber, não dirija;


se dirigir, não beba.
(Placa à margem de uma rodovia)

Se o carro beber, não dirija.


(Campanha publicitária de uma montadora de automóveis.)

a) O texto 1 não explicita os complementos dos verbos "beber" e "dirigir", mas


nosso conhecimento de mundo e o contexto permitem identificá-los. Quais são
esses complementos?

Resposta: O complemento de "beber" é "bebida alcoólica"; o de "dirigir" é


"automóvel" (ou carro, veículo etc.).

b) Em 2, é válido afirmar que o termo que funciona como sujeito da primeira


oração repete-se implicitamente na segunda, funcionando, aí, como
complemento verbal? Justifique.

Resposta: Sim. "Carro" é sujeito de "beber" e, na segunda oração, é objeto de


"dirigir". "Se o carro beber, não dirija o carro."
c) O texto 2 é uma paráfrase do 1, com uma mudança no complemento de
"beber". Descreva essa mudança.

Resposta: Em 1, o complemento de "beber" é "bebida alcoólica" (cerveja,


cachaça, uísque etc.); em 2, como o agente da ação é "o carro", evidentemente
o complemento de "beber" não pode ser "bebida alcoólica". Assim, em 2, o
receptor da mensagem é levado a interpretar "beber" no sentido de
"consumir/gastar muito combustível".

d) O carro a que se refere o texto 2 é produzido pela montadora que promoveu


a campanha publicitária ou por outra, concorrente dela? Justifique.

Resposta: O carro é produzido pela concorrente. O enunciado recomenda que


não se compre um carro que consuma muito combustível e, assim,
subentende-se que é melhor comprar o carro produzido pela montadora que
fez a campanha, porque ele é mais econômico, ou seja, gasta menos
combustível.

2. Leia esta breve narrativa, uma piada citada por Sigmund Freud, o pai da
psicanálise:

Um conhecido especulador da bolsa, também banqueiro, caminhava com um


amigo na principal avenida de Viena. Quando passaram por um café, disse:

- Vamos entrar e tomar alguma coisa? Seu amigo o conteve:

- Mas, Herr Hofrat, o lugar está cheio de gente!

POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas.


Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 30.

Vocabulário:

Herr: senhor (em alemão).

Fim do vocabulário.

a) Para achar graça dessa piada, o leitor precisa estabelecer adequadamente


as diferentes relações de transitividade e de sentido de um dos verbos no
diálogo. Identifique esse verbo e explique essas relações.

Resposta: O verbo é "tomar". O primeiro falante, o banqueiro, emprega esse


verbo como transitivo direto e com o sentido de "beber, ingerir" (Ex.: tomar
um café); o segundo falante, o amigo do banqueiro, "interpreta" esse verbo
como transitivo direto e indireto, significando "tirar, apossar-se" (tomar
alguma coisa de alguém).

b) O que essa piada dá a entender a respeito de determinados banqueiros?

Resposta: A piada é uma crítica ao comportamento de certos banqueiros, pois


sugere que eles vivem tentando tomar os bens (dinheiro) das demais pessoas,
isto é, dedicam-se exclusivamente a apossar-se do que não é deles.

3. As duas frases a seguir foram manchetes de duas notícias veiculadas pela


internet. Leia-as.

1. Colômbia faz maior apreensão de cocaína de sua história.


Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/04/30/ult1807u36487.jhtm. Acesso em:
18 mar. 2016.

2. Araras ameaçadas de extinção são furtadas em Ribeirão Preto.


Disponível em:
http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2004/not20041113p33114.htm.
Acesso em: 18 mar. 2016.

CRÉDITO: Editoria de Arte

Agora responda aos itens a e b da próxima página.

275

a) Passe a frase 1 para a voz passiva e explique por que, na manchete, não
seria recomendável usar a construção passiva.

Resposta: Passiva: Maior apreensão de cocaína de sua história é feita pela


Colômbia. Faltaria clareza; no original, "sua" refere-se a um nome já citado
(Colômbia), assim o leitor interpreta "sua história" como "história da Colômbia".
Na passiva, o referente de "sua" viria depois e causaria dúvida ("sua" de
quem?). Se o "sua" for excluído da passiva, altera-se o sentido geral da
informação expressa pela manchete original.

b) Em que voz verbal está a manchete 2? Faça uma hipótese para explicar a
opção do redator por essa construção sintática.
Resposta: Voz passiva. Ao apresentar o termo "araras ameaçadas de extinção"
na função de sujeito, a passiva possibilita enfatizar esse termo. A voz ativa
("Furtam em Ribeirão Preto araras ameaçadas de extinção") não teria o mesmo
apelo expressivo que tem a manchete original.

4. (Unicamp-SP) Os enunciados abaixo são parte de uma peça publicitária que


anuncia um carro produzido por uma conhecida montadora de automóveis.

UM CARRO QUE

ATÉ A ORGANIZAÇÃO

MUNDIAL DA SAÚDE

APROVARIA:

ANDA MAIS

E BEBE MENOS.

ELE CABE NA SUA VIDA. SUA VIDA CABE NELE.

(Adaptado de Superinteressante, jun. 2009, p. 9.)

a) A menção à Organização Mundial da Saúde na peça publicitária é justificada


pela apresentação de uma das características do produto anunciado. Qual é
essa característica? Explique por que o modo como a característica é
apresentada sustenta a referência à Organização Mundial da Saúde.

Resposta: A característica é expressa por "anda mais e bebe menos", que


remete à ideia de que andar/fazer caminhadas e não consumir bebida alcoólica
é algo saudável. Em relação ao carro, "andar mais" sugere que ele atinge boas
velocidades (ou responde bem à aceleração) e "beber menos" indica que ele
tem baixo consumo de combustível.

b) A peça publicitária apresenta duas orações com o verbo "caber". Contraste


essas orações quanto à organização sintática. Que efeito é produzido por meio
delas?

Resposta: As duas são "simétricas": na primeira, "ele" funciona como sujeito e


"na sua vida" funciona como adjunto adverbial (de lugar); na segunda, "sua
vida" ocupa a posição de sujeito e "(n)ele" passa a funcionar como adjunto
adverbial de lugar. Esse jogo sintático procura sugerir que o carro pode vir a
fazer parte da vida do comprador porque não custa caro e também que o
veículo será adequado aos diferentes usos que o proprietário precisará fazer
dele.

5. Leia este trecho de texto sobre uma descoberta feita por um astrônomo:

Mike Brown descobriu [...] um planetoide gelado, quase do tamanho de Plutão,


numa região do espaço vazia [...]. Em si mesmo, o planetoide não causou
surpresa. Há mais de uma década, os astrônomos já previam que corpos
gelados e menores do que planetas seriam vistos no chamado Cinturão de
Kuiper, situado entre a órbita de Netuno e uma região do espaço além da órbita
de Plutão. Em 1992, astrônomos localizaram no Havaí o primeiro de um
conjunto que hoje conta com um milhar de objetos gelados nessa região.

REVISTA NATIONAL GEOGRAPHIC. São Paulo, ed. 56, 1º dez. 2004.

LEGENDA: Mapa em 3D do Sistema Solar. (Representação sem escala, com


cores-fantasia)

CRÉDITO: Mark Garlick/SPL/Latinstock

a) Nesse texto são empregadas cinco expressões indicativas de lugar.


Identifique-as.

Resposta: 1. "numa região do espaço vazia"; 2. "no chamado Cinturão de


Kuiper"; 3. "entre a órbita de Netuno e uma região do espaço além da órbita de
Plutão"; 4. "no Havaí"; 5. "nessa região".

b) Explique por que o trecho "localizaram no Havaí" gera certa dificuldade para
compreender adequadamente o que se pretendeu dizer na última frase.

Resposta: A expressão "no Havaí" dá a impressão de que nesse local é que


estava posicionado o primeiro objeto gelado descoberto. O trecho pretendeu
dizer que os astrônomos estavam no Havaí (arquipélago do oceano Pacífico) e
de lá (usando um telescópio) localizaram no espaço (e não no próprio Havaí) o
primeiro objeto gelado.

c) A que lugar se refere a expressão "nessa região"? O que o leitor precisa


considerar para interpretar adequadamente o sentido dessa expressão?
Resposta: "Nessa região" refere-se ao Cinturão de Kuiper. O leitor precisa
considerar que a expressão, embora gramaticalmente possa se referir a "no
Havaí", indica, na verdade, o lugar do espaço onde estão os objetos gelados,
cuja localização os astrônomos já previam ser o Cinturão de Kuiper.

276

capítulo 6 - ▶ Termos associados a nomes ▶ Vocativo

Sintaxe da oração

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Artigos

· BIZZOCCHI, Aldo. Predicativos, adjuntos e os dois modos de estar. Revista


Língua Portuguesa, [2015?]. Blog Aldo Bizzochi. Disponível em:
http://tub.im/rjofj8. Acesso em: 18 mar. 2016.

· CAMARGO, Thaís Nicoleti de. Paralelismo gramatical e clareza. Uol


Educação, [2015?]. Dicas de Português. Disponível em: http://tub.im/qkj58q.
Acesso em: 18 mar. 2016.

277

INTRODUÇÃO

Em análise sintática, emprega-se o vocábulo nome para marcar uma


diferença em relação a verbo. São chamadas genericamente de nomes as
palavras que fazem parte das seguintes classes gramaticais: substantivo,
adjetivo e advérbio.

No capítulo anterior, vimos que existem quatro termos associados ao verbo; da


mesma forma, existem também quatro termos que, na estrutura sintática da
oração, relacionam-se a nomes. Veja o quadro geral dessas relações:

adjunto adnominal
predicativo
NOME
complemento nominal
aposto
Esses quatro termos, que recebem a designação geral de termos associados
a nomes, constituem o assunto deste capítulo.

TERMOS ASSOCIADOS A NOMES (1ª PARTE)

Nesta seção, vamos estudar os papéis sintáticos e as características do


adjunto adnominal e do predicativo; os outros dois termos também
associados a nomes serão estudados na segunda parte deste capítulo.

LEGENDA: Serra da Canastra (MG), um paraíso de cachoeiras. Foto de 2013.

CRÉDITO: Andre Dib/Pulsar

Adjunto adnominal

Vamos considerar, inicialmente, uma oração constituída apenas por seus


elementos sintáticos nucleares:

· Cachoeiras atraem visitantes.

sujeito
verbo
objeto

O sentido dessa oração é compreensível, mas bastante amplo, vago, uma vez
que não traz qualquer informação a respeito do nome "cachoeiras", nem a
respeito do nome "visitantes". Para especificar, caracterizar melhor esses dois
nomes, podemos acrescentar-lhes outros termos. Assim, por exemplo:

· As belas cachoeiras da Serra da Canastra atraem muitos visitantes de todas


as idades.
Termos que se juntam ao nome "cachoeiras" para melhor caracterizá-lo.
Termos que se juntam ao nome "visitantes" para melhor caracterizá-lo.

Os termos que acrescentamos aos nomes "cachoeiras" e "visitantes"


funcionam, nessa oração, como adjuntos adnominais.

Então:

Adjunto adnominal é o termo (palavra ou expressão) que se junta a um nome


(de qualquer função sintática) para melhor especificar, detalhar ou caracterizar
o sentido desse nome.

278
Relação morfossintática do adjunto adnominal

Veja, no quadro, a relação morfossintática que caracteriza o adjunto


adnominal.

Relação morfossintática do adjunto adnominal

O adjunto adnominal é sempre um elemento secundário que se associa a um


elemento principal - núcleo de termo - representado por um substantivo.
Assim sendo, o adjunto adnominal é sempre expresso por palavras das classes
gramaticais que se associam ao substantivo* : artigo, adjetivo/locução
adjetiva, numeral e pronome.

*Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o adjunto


adnominal pode também ser representado por orações adjetivas. Ex.: Aquela
foi uma época que não se pode esquecer. [Oração adjetiva; equivale ao
adjetivo "inesquecível".] Fim da observação.

Veja, por exemplo, as classes gramaticais das palavras que, na oração abaixo,
expressam os adjuntos adnominais sublinhados:

· A nossa boa vida de turista só durou quinze dias inesquecíveis.


artigo
adjetivo
numeral
adjetivo
pronome
locução adjetiva

Características do adjunto adnominal

A relação entre o nome e o adjunto adnominal a ele associado evidencia-se


por meio das duas características típicas desse termo. Veja os quadros e,
depois deles, os exemplos:

1ª característica

O adjunto adnominal associa-se unicamente a substantivos (que funcionam


como núcleo de qualquer termo da oração: sujeito, objeto, agente da passiva
etc.).
2ª característica

Entre um adjunto adnominal e o substantivo a que ele se associa não se


interpõe nenhum outro termo, com exceção de outro(s) adjunto(s)
adnominal(is).

sujeito
objeto direto
· Alguns poucos guardas ambientais protegem a deslumbrante beleza da
Serra da Canastra.
adjuntos adnominais dentro do sujeito
adjuntos adnominais dentro do objeto direto

Observe, pelo exemplo, que os adjuntos adnominais são termos secundários


na hierarquia sintática da oração, ou seja, eles são termos "menores"
posicionados dentro de termos "maiores".

Agora reveja, acima, a segunda característica do adjunto adnominal e


compare os termos destacados nestas orações:

· O lutador arrogante ironizou as declarações do adversário.


adjunto adnominal

· O lutador ironizou, arrogante, as declarações do adversário.


termo interposto
Não é adjunto adnominal, pois entre ele e o substantivo "lutador" há um termo
interposto.

Atenção Professor(a), na seção teórica "Diferença entre predicativo e adjunto


adnominal" será feita a distinção de sentido entre essas duas orações. Fim da
observação.

279

Predicativo

No capítulo anterior, foi feita uma breve referência ao predicativo do sujeito e


ao predicativo do objeto. Vamos agora conhecer melhor as características
desses dois termos da oração.

Predicativo do sujeito
Vamos considerar estas orações observando os termos destacados:

1. Nosso pequeno planeta é uma frágil ilha espacial.

2. Num futuro distante, a Terra virará poeira cósmica.

LEGENDA: Onde estamos na imensidão do Universo?

CRÉDITO: Mark Garlick/SPL/Latinstock

Note que, em 1, a forma verbal "é" estabelece um vínculo sintático-semântico


entre o sujeito "Nosso pequeno planeta" e a característica a ele atribuída: uma
frágil ilha espacial . Essa característica expressa um "modo de ser" do sujeito.

Na oração 2, o verbo "virará" relaciona o sujeito "a Terra" e o termo "poeira


cósmica", exprimindo, por meio dessa relação, uma característica nova, uma
"mudança de estado" do sujeito.

Os termos "uma frágil ilha espacial" e "poeira cósmica" funcionam como


predicativo do sujeito; por sua vez, os verbos "é" e "virará" classificam-se
como verbos de ligação. Então, nos dois exemplos, temos:

· Nosso pequeno planeta é uma frágil ilha espacial.


sujeito
predicativo do sujeito
verbo de ligação

· Num futuro distante, a Terra virará poeira cósmica.


sujeito
predicativo do sujeito
verbo de ligação

Às vezes, por conta da organização sintática da oração, o verbo de ligação fica


em elipse (subentendido). Veja este exemplo:

· A civilização humana viaja solitária pela imensidão do cosmo.


predicativo do sujeito

[Desdobrando essa frase: A civilização humana é solitária e viaja pela


imensidão do cosmo.]

Os três exemplos que analisamos possibilitam conceituar assim o termo em


estudo:
Predicativo do sujeito é o termo que, por meio de um verbo de ligação
(explícito ou elíptico), relaciona-se ao sujeito, atribuindo-lhe uma característica,
um modo de ser, um estado ou uma mudança de estado.

280

Predicativo do objeto

O predicativo, além de caracterizar o sujeito, pode também exprimir uma


característica atribuída ao objeto. Considere, por exemplo, a frase da notícia
deste cartum:

FONTE: Disponível em: http://blogdolute.blogspot.com.br. Acesso em: 3 jun.


2016.

CRÉDITO: Lute

Estudiosos britânicos já consideram o sedentarismo uma epidemia!

A estrutura sintática dessa oração é assim constituída:

· Estudiosos britânicos - sujeito agente;

· [já] consideram - verbo transitivo direto;

· o sedentarismo - objeto direto de "consideram";

· uma epidemia - característica que os estudiosos atribuem ao sedentarismo.

Note, pelo sentido geral da notícia, que ser "uma epidemia" é uma
característica nova atribuída ao "sedentarismo"; entende-se que ele não era
considerado uma epidemia, mas passou a ser. A essa característica nova que,
no contexto do ato de comunicação, é atribuída ao objeto damos o nome de
predicativo do objeto.

Na oração em estudo, temos, portanto:

· Estudiosos britânicos já consideram o sedentarismo uma epidemia!


sujeito
VTD
OD
predicativo do objeto

Veja outros exemplos de orações com predicativo do objeto:


· Um navio da marinha encontrou vivos os pescadores do barco atingido pelo
temporal.
sujeito
predicativo do objeto
OD

Nesse exemplo, "vivos" funciona como predicativo do objeto porque exprime,


no contexto da frase, uma característica circunstancial atribuída aos
pescadores; ou seja, antes de o navio os encontrar, não se sabia se eles
estavam "vivos" ou não.

· A tecnologia das futuras viagens espaciais tornará habitáveis outros


planetas.
sujeito
predicativo do objeto
OD

Note que "habitáveis" é uma característica nova, circunstancial atribuída ao


objeto "outros planetas"; entende-se que, por enquanto, eles não são
habitáveis.

281

Relação morfossintática do predicativo

O quadro a seguir mostra as relações que vinculam o predicativo - do sujeito e


do objeto - e as classes gramaticais que podem representá-lo.

Relação morfossintática do predicativo

O predicativo do sujeito pode ter seu núcleo representado por substantivo*


(ou palavra substantivada), adjetivo/locução adjetiva, pronome e numeral.

*Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o predicativo


do sujeito pode também ser representado por orações substantivas. Ex.:
Nosso medo era que a chuva não parasse. Fim da observação.

Veja neste exemplo:


substantivo
· Cortando o céu, o avião parecia um imenso pássaro brilhante.
predicativo do sujeito

O predicativo do objeto pode ter seu núcleo representado apenas por


substantivo (ou palavra substantivada) e por adjetivo/locução adjetiva.

Veja este exemplo: A seca tornava completamente sem sentido o esforço dos
lavradores.
predicativo do objeto
locução adjetiva
objeto

Diferença entre predicativo e adjunto adnominal

Às vezes, devido à ordenação sintática da oração, é necessário um pouco mais


de cuidado para determinar se um termo é predicativo ou adjunto adnominal.
Nesses casos, convém empregar, como critério auxiliar de diferenciação, as
seguintes características de cada um desses dois termos:

Predicativo

· Exprime uma característica nova, circunstancial, atribuída ao nome.

· Associa-se apenas ao sujeito e ao objeto.

Adjunto adnominal

· Exprime uma característica constante, fixa, já conhecida do nome.

· Associa-se a qualquer termo da oração.

Para exemplificar essas diferenças, vamos retomar as duas orações já


comparadas na página 278.

1. O lutador arrogante ironizou as declarações do adversário.

2. O lutador ironizou, arrogante, as declarações do adversário.

Em 1, faz-se referência a um lutador constantemente arrogante; subentende-se


que "ser arrogante" é algo próprio da personalidade dele. Então, nessa frase,
"arrogante" funciona como adjunto adnominal.
Em 2, faz-se referência a um lutador que, no momento em que ironizou as
opiniões do adversário, estava (mostrou-se) arrogante. Entende-se, portanto,
que "arrogante" é uma característica ocasional, circunstancial do lutador; ou
seja, nem sempre ele se mostra assim. O termo "arrogante" é, então,
predicativo do sujeito.

Observação: Esse critério de diferenciação entre adjunto adnominal e


predicativo não se aplica a orações com os verbos de ligação ser e viver,
porque esses verbos relacionam o sujeito ao predicativo, exprimindo um estado
permanente. Veja estes exemplos:

· Todos sabemos que o Universo é infinito.


predicativo do sujeito

· Marina vive feliz porque tem fé na vida.


predicativo do sujeito

282

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Termos associados a nomes

São quatro os termos que, na organização sintática das orações, podem se


associar a nomes:

Adjunto adnominal

Predicativo

Complemento nominal

Aposto

Termos associados a nomes (1ª parte)

Adjunto adnominal

· Pode se associar ao nome-núcleo de qualquer termo da oração.

· Determina, caracteriza, especifica/qualifica o nome ao qual se associa.

· Quando expresso por adjetivo, indica uma característica constante do nome a


que se relaciona.
Exemplo: Esses raros livros de arte foram adquiridos por um
colecionadoritaliano.
adj. adn.
adj. adn.
adj. adn. adj. adn.
adj. adn.

Predicativo

· Associa-se apenas ao sujeito e ao objeto.

· Quando expresso por adjetivo, indica uma característica circunstancial,


ocasional do nome a que se associa (exceto quando relacionado ao sujeito por
meio dos verbos de ligação ser ou viver).

Exs.: As grandes viagens de descobertas sempre foram fascinantes.


predicativo do sujeito

Esperançosos, os astrônomos buscam sinais de vida na imensidão do cosmo.


predicativo do sujeito

Quando as viagens espaciais tornarão real o mais antigo sonho humano?


predicativo do objeto
OD

Atividades

Escreva no caderno

1. O jornal de uma pequena cidade publicou, certa vez, uma notícia com a
seguinte manchete:

Guarda de trânsito é atropelado na Avenida das Flores

Se, alguns dias depois, como consequência do acidente, o guarda falecesse,


qual(is) das manchetes abaixo seria(m) mais adequada(s) para noticiar esse
fato? Justifique.

a) Guarda de trânsito morre atropelado.

b) Morre atropelado guarda de trânsito.

c) Morre guarda de trânsito atropelado.


d) Guarda de trânsito atropelado morre.

Resposta: As manchetes c e d. Em a e b, "atropelado" é uma informação nova,


que só se justificaria se elas fossem usadas pela primeira vez em relação ao
fato. Essas duas manchetes informariam que o guarda morreu no momento em
que foi atropelado. Nas manchetes c e d, "atropelado" é uma informação já
conhecida pelos leitores; ou seja, eles já sabiam o que, alguns dias antes,
havia acontecido ao guarda.

283

2. Leia esta piadinha:

Um homem entra meio cambaleante num consultório médico e diz para a


recepcionista:

- Eu quero ser consultado pelo médico.

A moça nota que o homem está embriagado e diz rispidamente:

- O doutor não atende bêbado!

- Tuuuuuudo bem - diz o homem, sentando-se em uma poltrona. - Eu... eu...


(hic!) espero ele melhorar...

Texto de domínio público.

a) O que a recepcionista quis dizer ao afirmar "O doutor não atende bêbado!"?

Resposta: Ela quis dizer que o médico se recusava a atender pessoas


embriagadas.

b) Como o homem interpretou a fala da moça?

Resposta: Ele supôs que o médico, por estar bêbado, não poderia atendê-lo
naquele momento.

c) A palavra "bêbado" tem, na fala da moça e na interpretação do homem, a


mesma função sintática? Justifique.

Resposta: Não. Na fala da moça, "bêbado" é objeto direto (completa o sentido


do verbo "atender"). O homem interpreta "bêbado" como uma característica
circunstancial (momentânea) do médico; nesse sentido, o termo funciona como
predicativo do sujeito.
3. Considere este enunciado e responda aos itens de a a c.

O governador recebeu os manifestantes nervoso.

a) O termo nervoso exerce a função sintática de adjunto adverbial de modo ou


de predicativo do sujeito? Justifique.

Resposta: Predicativo do sujeito. Se o sujeito fosse "a governadora" (feminino),


o termo em estudo assumiria a forma "nervosa" (feminino), evidenciando a
relação de concordância entre eles.

b) As três orações a seguir apresentam-se na voz passiva. Identifique a que


mantém inalterada a informação expressa pela oração acima.

Resposta: Frase 3.

1. Os manifestantes foram recebidos pelo nervoso governador.

2. Os manifestantes foram recebidos pelo governador nervoso.

3. Os manifestantes foram recebidos pelo governador, nervoso.

c) Na oração que você identificou no item anterior, o termo nervoso exerce


uma função sintática não prevista pela nomenclatura gramatical tradicional.
Qual é essa função sintática?

Resposta: Nervoso - característica circunstancial (predicativo) do termo "pelo


governador", que é o agente da passiva de "receber"; portanto, "nervoso"
funciona como predicativo do agente da passiva.

4. Leia este trecho de crônica e responda aos itens de a a d.

É horrível levar as coisas a fundo: a vida é de sua própria natureza leviana e


tonta. O amigo que procura manter suas amizades distantes e manda longas
cartas sentimentais tem sempre um ar de náufrago fazendo um apelo.

BRAGA, Rubem. Sobre o Amor, etc. In: _____. 200 crônicas escolhidas: as
melhores de Rubem Braga. Rio de Janeiro: Record, 1978. p. 88.

a) Indique a função sintática do termo "leviana e tonta".

Resposta: Predicativo do sujeito "(a) vida".

b) Qual é a função sintática de "suas amizades distantes"? Dentro desse


termo, qual é a função dos termos secundários "suas" e "distantes"?
Resposta: "suas amizades distantes" - objeto direto de "manter"; "suas" e
"distantes" - adjuntos adnominais de "amizades".

c) Qual seria a nova função sintática de "distantes", se essa palavra fosse


posicionada imediatamente após "manter"?

Resposta: Em "manter distantes suas amizades", "distantes" passaria a


predicativo do objeto (manter distantes suas amizades = fazer as amizades
ficar distantes).

d) A alteração sugerida em c tornaria incoerente a segunda frase do trecho.


Por quê?

Resposta: Com "manter distantes suas amizades", entende-se que a pessoa


age propositadamente para que as amizades permaneçam longe, afastadas.
Obviamente, quem deseja que as amizades se mantenham afastadas não
escreve para os amigos longas cartas sentimentais.

284

TERMOS ASSOCIADOS A NOMES (2ª PARTE)

Na primeira parte deste capítulo, estudamos dois dos termos associados a


nomes: o adjunto adnominal e o predicativo. Vamos, agora, conhecer o
papel sintático e as características dos outros dois termos também associados
a nomes: complemento nominal e aposto.

Complemento nominal

Aposto

Complemento nominal

Da mesma forma que existem verbos incompletos, existem também nomes de


sentido incompleto, que exigem um termo que lhes complete o sentido. Veja,
por exemplo, esta tira humorística:

FONTE: LAERTE. Piratas do Tietê. Folha de S.Paulo, São Paulo, 19 maio


1994.

CRÉDITO: Laerte

No segundo quadrinho, o personagem emprega o nome (adjetivo) "cheio", mas


até aí não fica claro o que ele quer dizer, porque a palavra "cheio" não tem
sentido completo. Só no terceiro quadrinho é que o sentido geral da fala do
personagem fica claro (e bem claro...), porque o termo "piranhas", por meio da
preposição "de", relaciona-se a "cheio", completando essa palavra e
funcionando, assim, como seu complemento nominal .

Então, na fala do azarado personagem, temos:

· Um aquário! E cheio de piranhas!


nome de sentido incompleto
complemento nominal

O exemplo acima leva-nos ao seguinte conceito:

Complemento nominal é o termo que, por meio de uma preposição, relaciona-


se a um nome de sentido incompleto para completar-lhe a significação.

Veja outro exemplo:

· Os bancários, descontentes com o reajuste salarial, entrarão em greve.


nome de sentido incompleto
complemento nominal

285

Relação morfossintática do complemento nominal

Na estrutura da oração, o complemento nominal estabelece correlações com


palavras de três classes gramaticais. Veja o quadro:

Relação morfossintática do complemento nominal

O núcleo do complemento nominal pode ser expresso por palavras das


seguintes classes: substantivo* (ou palavra substantivada), pronome e
numeral.

*Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o complemento


nominal pode também ser representado por orações substantivas. Ex.:
Todos estão certosde que ela voltará. (completiva nominal). Fim da
observação.

Veja exemplos nesta frase:

substantivo
pronome
· Ela está preocupada com o projeto porque não tem confiança em nós.
complemento nominal de "preocupada"
complemento nominal de "confiança"

Características do complemento nominal

1. O complemento nominal completa o sentido de somente três tipos de


palavras: substantivo abstrato, adjetivo ou advérbio.

Ex.: Arthur tem tanta paixão pelo mar, que se mudou para perto de uma praia.
subst. abstrato
compl. nominal
advérbio
complemento nominal

2. O complemento nominal sempre se associa ao nome-núcleo de outro


termo, por isso faz parte da estrutura sintática de um termo "maior". Reveja a
oração do exemplo anterior:

objeto direto
adj. adverbial (lugar)
Ex.: Arthur tem tanta paixão pelo mar, que se mudou para perto de uma praia.
complemento nominal dentro do objeto direto
complemento nominal dentro do adjunto adverbial

3. Associado a substantivo abstrato indicador de ação, o complemento


nominal se assemelha formalmente a certos adjuntos adnominais
introduzidos por preposição. Para fazer essa distinção, podem ser usados
estes critérios:

Se o termo iniciado na preposição recebe a ação do nome, ele é


complemento nominal.

Se o termo iniciado na preposição pratica a ação do nome, ele é adjunto


adnominal.

Compare os exemplos:

· Durante a aula, a discussão do assunto virou um infindável bate-boca.


ação
complemento nominal (recebe a ação do nome)
· Durante a aula, a discussão dos alunos virou um infindável bate-boca.
ação
adjunto adnominal (pratica a ação do nome)

286

Aposto

Leia esta frase:

Nova Iorque tem 5 mil habitantes.

E então? Parece haver algo errado com o número de habitantes de Nova


Iorque, não é?

Mas... Veja a foto ao lado e, depois, a frase a respeito dela:

Nova Iorque, acolhedora cidadezinha maranhense, tem 5 mil habitantes.

Ah... Agora ficou claro, não é mesmo?

Você observou que o termo "acolhedora cidadezinha maranhense" esclareceu,


explicou o sentido do nome "Nova Iorque"? É essa, nas orações, a função
básica do aposto.

CRÉDITO: Agamenon Pedrosa Ribeiro da Costa

Então:

Aposto é o termo que se associa a um nome anterior para esclarecer, explicar


melhor o sentido desse nome.

O aposto, além de explicar melhor o sentido do nome ao qual se associa, pode


também ser empregado para enumerar, resumir ou especificar esse nome.
Veja estes exemplos:

· No próximo mês viajaremos para duas cidades: Maceió e Aracaju.


aposto (enumera as cidades)

· Móveis, roupas, eletrodomésticos, tudo pode ser doado às entidades


assistenciais.
aposto (resume o termo anterior)

· O rio São Francisco é carinhosamente chamado de "Velho Chico".


aposto (especifica o nome "rio")
Observação: O aposto especificador é sempre representado por um nome
próprio que se refere a um nome comum.

Relação morfossintática do aposto

O núcleo do aposto pode ser expresso por substantivo* (ou palavra


substantivada) e por pronome.

*Atenção Professor(a), se julgar oportuno, cabe comentar que o aposto pode


também ser representado por orações substantivas. Ex.: Esse é nosso
desejo: que todos tenham sucesso. (apositiva) Fim da observação.

Veja este exemplo:

pronome
substantivo
· Os responsáveis pelo projeto, tu e o engenheiro, não podem faltar à reunião.
aposto

287

VOCATIVO

Leia estes dois cartuns:

FONTE: IVAN CABRAL. Disponível em: http://www. ivancabral.com. Acesso


em: 23 mar. 2016.

CRÉDITO: Ivam Cabral

FONTE: WESTERMANN, Ronaldo. Antologia Brasileira de Humor. Porto


Alegre: L&PM, 1976. v. 2.

CRÉDITO: Ronaldo Westerman

O garotinho, ao falar diretamente com a mulher que passa, emprega, para


chamá-la, a palavra "tia".

Na outra cena, o primeiro falante emprega o próprio nome de seu interlocutor -


"Holmes" - ao chamá-lo diretamente; o detetive, por sua vez, trata diretamente
seu interlocutor usando a expressão afetiva "meu caro".

Nessas falas desses personagens, as palavras "tia", "Holmes" e "meu caro"


funcionam, sintaticamente, como vocativos.
Vocativo é o termo que, exprimindo um nome, um apelido ou uma
característica, é empregado pelo falante para chamar diretamente seu
interlocutor.

Na estrutura sintática da oração, o vocativo é um termo à parte; ele não


integra nem o sujeito, nem o predicado e, na escrita, aparece isolado por
vírgula(s). Observe neste exemplo:

· A juventude, meus amigos, é movida pela pressa e pela paixão.


sujeito
vocativo
predicado

Relação morfossintática do vocativo

O quadro a seguir apresenta a relação que se estabelece entre a função


sintática de vocativo e a classe gramatical que o representa.

Relação morfossintática do vocativo

O núcleo do vocativo, por ser o nome que o falante utiliza para chamar
diretamente seu interlocutor, é sempre representado por substantivo (ou por
um equivalente: palavra substantivada ou pronome).

Veja este exemplo:

substantivo
· Até quando, meu generoso planeta, vão desperdiçar tanto do que
gratuitamente você nos dá?
vocativo

288

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Termos associados a nomes (2ª parte)

Complemento nominal - termo que, por meio de uma preposição, relaciona-se


a determinados nomes (substantivos abstratos, adjetivos ou advérbios) para
completar-lhes o sentido.
Ex.: A crescente necessidade de água potável é uma ameaça à paz mundial.
compl. nominal de "necessidade"
compl. nominal de "ameaça"

Ela fica muito preocupada com o filho quando ele está longe de casa.
compl. nominal de "preocupada"
compl. nominal de "longe"

Aposto - termo que explica, resume, enumera ou especifica o nome ao qual se


refere.

Ex.: Vincent van Gogh, um dos gênios da pintura mundial, morreu


absolutamente pobre.
aposto

Vocativo

Termo que o falante emprega para chamar diretamente o interlocutor por meio
de seu nome, apelido, característica, profissão etc.

Ex.: Pois é, meu amigo, você deixou para trás os sonhos da nossa juventude.
vocativo

Atividades

Escreva no caderno

1. Considere esta frase, redigida sem as necessárias vírgulas:

O professor Carlos o motorista e o mecânico empurraram o carro quebrado.

Acrescente a(s) vírgula(s) necessária(s), de maneira a ficar claro que:

a) Quatro pessoas empurraram o carro.

Resposta: O professor, Carlos, o motorista e o mecânico empurraram o carro


quebrado.

b) O nome do professor era Carlos.

Resposta: O professor Carlos, o motorista e o mecânico empurraram o carro


quebrado.

c) O nome do motorista era Carlos.


Resposta: O professor, Carlos, o motorista, e o mecânico empurraram o carro
quebrado.

d) Três pessoas empurraram o carro.

Resposta: O professor Carlos, o motorista e o mecânico empurraram o carro


quebrado. O professor, Carlos, o motorista, e o mecânico empurraram o carro
quebrado.

e) Apenas duas pessoas empurraram o carro.

Resposta: O professor Carlos, o motorista, e o mecânico empurraram o carro


quebrado.

2. Suponha esta manchete de jornal:

Prefeitos de vários municípios pedem ajuda para o governador.

Fora de um contexto, tal como aí se apresenta, ela é ambígua.

a) Esclareça os dois sentidos que podem ser atribuídos a ela.

Resposta: 1. Os prefeitos pedem que o governador os ajude (Nesse sentido, os


prefeitos seriam os beneficiários da ajuda.); 2. Os prefeitos pedem que o
governador seja ajudado. (Nesse sentido, o beneficiário da ajuda seria o
governador.)

b) Identifique a dupla função sintática do termo que gera a ambiguidade.

Resposta: O termo "para o governador" pode funcionar como objeto indireto


de "pedem" (pedir alguma coisa a/para alguém), ou complemento nominal de
"ajuda" (ajuda para alguém).

289

3. Leia esta tira humorística e identifique a afirmação incorreta.

FONTE: VERISSIMO, Luis Fernando. As cobras. Rio de Janeiro: Salamandra,


1987. v. 2. Não paginado.

CRÉDITO: Luis Fernando Verissimo. As cobras. vol. 2. Rio de Janeiro:


Salamandra, 1987

a) O primeiro quadrinho, se considerado isoladamente, parece sugerir que o


personagem é um patriota.
b) A relação entre "momento que vive o país" e "cota de sacrifício" sugere que
o país estaria atravessando uma situação de dificuldades.

c) Se o predicativo do primeiro quadrinho for trocado por seu antônimo, a tira


perde seu efeito humorístico.

Resposta: ["insensíveis" → sensíveis]

d) O aposto do primeiro quadrinho é essencial para criar o efeito de humor


crítico da tira; caso esse termo fosse excluído, as duas falas do personagem
seriam contraditórias.

Resposta: [Aposto: "corruptos".]

e) A forma verbal "vender" (segundo quadrinho) é pouco relevante para a


criação do efeito de humor; ela poderia ser substituída, por exemplo, por
"doar".

Resposta: Alternativa e.

4. Leia esta notícia, publicada na internet:

Morre Ahmed al Chalabi, político que apoiou invasão dos EUA

[...] O controvertido dirigente político iraquiano Ahmed al Chalabi, cujas


informações favoreceram a invasão americana do Iraque em 2003, morreu
nesta terça-feira [...] informou o parlamento iraquiano.

MORRE [...]. Uol, 3 nov. 2015. Disponível em:


http://noticias.terra.com.br/mundo/asia. Acesso em: 18 mar. 2016.

a) O título dessa notícia, se considerado isoladamente, admite duas


interpretações. Explicite-as e aponte, para cada uma, a função sintática do
termo que produz o duplo sentido.

Resposta: Pode-se entender: 1. Ahmed apoiou uma invasão que seria


realizada contra os EUA, ou seja, os EUA seriam invadidos e ele deu apoio a
essa ação. Nesse sentido, "dos EUA" indica o termo que recebe a ação
expressa pelo nome e funciona, portanto, como complemento nominal de
"invasão". 2. Os EUA iriam realizar uma invasão e Ahmed deu seu apoio ao
país. Nesse sentido, "dos EUA" indica o praticante da ação, funcionando,
portanto, como adjunto adnominal (especificador) de "invasão".
b) Considerando a informação apresentada no texto, faça, no título da notícia,
a menor alteração necessária para evitar o duplo sentido.

Resposta: Morre Ahmed al Chalabi, político que apoiou a invasão dos EUA ao
Iraque. Ou: [...] apoiou a invasão do Iraque pelos EUA.

5. (UEAP) Leia este texto:

- Desculpe, querida, mas eu tenho a impressão de que você quer casar comigo
só porque eu herdei uma fortuna do meu tio.

- Imagina, meu bem! Eu me casaria com você mesmo que tivesse herdado a
fortuna de outro parente qualquer!

Sírio Possenti. Os humores da língua. Campinas, Mercado de Letras, 1998. p.


53

No texto, a partir da fala da mulher, o leitor pode ser levado a deduzir que ela
quer se casar, não por interesse, mas por amor. Essa dedução, no entanto, é
desconstruída quando:

a) tanto o homem quanto a mulher utilizam pronomes carinhosos, mas irônicos,


para tratarem um ao outro.

b) o autor utiliza o conector mas, iniciando a ideia expressa em "... mas eu


tenho a impressão de que você quer casar comigo só porque eu herdei uma
fortuna do meu tio.".

c) ela afirma que casaria mesmo com ele; enfatizando assim que a situação
financeira em si não é o mais importante na relação.

d) a expressão nominal "fortuna de outro parente qualquer" vem substituir a


expressão "fortuna do meu tio", dando a entender que a riqueza dele é a causa
do desejo de casar da mulher, ratificando, assim, parcialmente, a sua suspeita.

e) ela afirma o seguinte: "- Imagina, meu bem!", pois o uso de frase
exclamativa, no texto, vem confirmar o quanto há mal entendido entre homem e
mulher.

Resposta: Alternativa d.

290

DA TEORIA À PRÁTICA
Ponto de partida

Leia esta tirinha humorística:

FONTE: WALKER, Mort. Recruta Zero. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24


abr. 1994.

CRÉDITO: © 2011 King Features Syndicate/Ipress

Os três personagens que participam desse diálogo integram a conhecida série


de tiras humorísticas do Recruta Zero. São eles: o general Dureza, dona Tetê,
a secretária do general, e Dentinho, um recruta meio "atrapalhado".

No primeiro quadrinho, dona Tetê emprega o adjetivo "antiga" para caracterizar


a palavra "mesa". No contexto do diálogo, esse adjetivo atribui à mesa uma
característica constante, funcionando, portanto, como adjunto adnominal e
exprimindo a ideia de que a mesa já era antiga quando o general a comprou,
ou seja, ele a teria comprado, por exemplo, em uma loja de móveis usados.

No segundo quadro, Dentinho, ao fazer a pergunta ao general, emprega o


adjetivo "nova" na função sintática de predicativo do objeto, uma vez que tal
adjetivo serve para qualificar o objeto direto "a", atribuindo à mesa uma
característica circunstancial, ocasional, que se aplicaria a ela no passado, à
época em que o general a havia comprado.

É dessa diferença de funções sintáticas entre os termos empregados pelos


dois personagens para caracterizar o nome "mesa" que emerge o humor sutil
da tirinha: Dentinho, ao fazer sua pergunta, acabou "dando um fora" com o
general, pois, como o tempo passa tanto para os objetos como para as
pessoas, fica implícito, na fala do recruta, que o general também é tão velho
quanto a própria mesa.

Agora é sua vez

Escreva no caderno

1. Considere este aviso afixado em um açougue da cidade de Três Corações


(MG):

FONTE: ILARI, Rodolfo. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as


palavras. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2011. p. 71.
CRÉDITO: Marcos Guilherme

a) A organização sintática dessa frase admite duas interpretações. Quais são


elas?

Resposta: O leitor poderia associar "sem pelancas" (adjunto adnominal) ao


substantivo "carne" (carne sem pelancas) ou ao substantivo "fregueses"
(fregueses sem pelancas).

b) Um dos dois sentidos referidos em a seria inadequado para o anúncio. Por


quê?

Resposta: Espera-se que os alunos observem a inconveniência (e o efeito


humorístico) da relação entre "sem pelancas" e o substantivo "fregueses", uma
vez que considerar a existência de "fregueses sem pelancas" (aos quais seria
vendida a carne) implica supor a existência de "fregueses com pelancas",
expressão constrangedora/inusitada e potencialmente ofensiva.

c) Reordene a estrutura sintática da frase de forma a evitar o sentido não


pretendido pelo enunciador.

Resposta: "Vendo carne sem pelancas aos fregueses." ou "Vendo aos


fregueses carne sem pelancas.".

Atenção Professor(a), considerar a possibilidade de omissão do objeto indireto


("aos fregueses"), dada a obviedade de tal termo no contexto do anúncio. Fim
da observação.

291

2. (Unicamp-SP) A experiência que comprovou a existência da partícula


conhecida como bóson de Higgs teve ampla repercussão na imprensa de todo
o mundo, pelo papel fundamental que tal partícula teria no funcionamento do
Universo. Leia o comentário abaixo, retirado de um texto jornalístico, e
responda às questões a e b.

Por alguma razão, em língua portuguesa convencionou-se traduzir o apelido do


bóson como "partícula de Deus" e não "partícula Deus", que seria a forma
correta.

Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 jul. 2012, Caderno Ciência, p. 10.


a) Explique a diferença sintática que se pode identificar entre as duas
expressões mencionadas no trecho reproduzido: "partícula de Deus" e
"partícula Deus".

Resposta: Em "partícula de Deus", a locução "de Deus" determina/caracteriza o


nome "partícula", funcionando como adjunto adnominal; em "partícula Deus",
o termo "Deus" (nome próprio) especifica o nome comum "partícula",
funcionando, portanto, como um aposto especificador.

b) Explique a diferença de sentido entre uma e outra expressão em português.

Resposta: Partícula de Deus significa "partícula de origem divina", ou


"partícula pertencente a Deus ou proveniente Dele" (nesse sentido, a partícula
teria sido criada por Deus). Partícula Deus significa "partícula que é Deus" ou
"que equivale a Deus", sugerindo a ideia de que o bóson de Higgs, pelo seu
papel no funcionamento do Universo, seria, ele próprio, uma espécie de
"Deus".

3. Leia este resumo de biografia:

Hugo Chávez tentou, pela primeira vez, tornar-se presidente da Venezuela em


1992, por meio de um golpe militar, que fracassou. Em 1998 foi eleito
presidente; reeleito em 2000 e, novamente, reeleito em 2006 e 2012. Durante
seus 14 anos de governo, o país, por um lado, obteve avanços sociais, com
uma notável redução nos índices de pobreza, e, por outro, enfrentou sérios
conflitos políticos. Os adversários de Chávez o acusavam de perseguir os que
discordavam de sua linha política e de manipular as leis constitucionais para se
manter no poder.

Vítima de um câncer na região pélvica, Chávez morreu aos 58 anos, no dia 5


de março de 2013.

HUGO Chávez. Uol, [201-]. Disponível em:


http://educacao.uol.com.br/biografias/hugo-chavez.htm. Acesso em: 18 mar.
2016.

A linguagem, em seus múltiplos empregos nos atos discursivos, pode


evidenciar diferentes intenções, interesses e posicionamentos, sejam eles
sociais, políticos ou ideológicos. Considerando essa característica fundamental
da linguagem, leia as manchetes jornalísticas abaixo e responda aos itens
propostos.

1. Câncer mata Hugo Chávez, 58, líder populista da Venezuela


CÂNCER [...]. Folha de S.Paulo, 6 mar. 2013. Disponível em:
http://acervo.folha.com.br. Acesso em: 18 mar. 2016.

2. Morre Hugo Chávez, presidente da Venezuela, aos 58 anos


MORRE [...]. Uol, mar. 2013. Disponível em: http://noticias.uol.com.br. Acesso
em: 18 mar. 2016.

a) Qual dessas duas manchetes é ideologicamente neutra em relação ao fato


noticiado?

Resposta: A manchete 2. A informação atém-se estritamente aos aspectos


factuais: o nome e a idade da pessoa, o cargo que ela ocupava e o que
aconteceu a ela.

b) Na outra manchete, a opção por uma determinada estrutura sintática e por


certos constituintes lexicais evidencia que a linha editorial do veículo de
comunicação que a publicou divergia de Hugo Chávez e de seu estilo de
governo. Identifique essa característica sintática e os elementos lexicais que
ratificam essa afirmação.

Resposta: Característica sintática: uso da voz ativa ("Câncer mata Hugo


Chávez") - o termo "câncer", que foi causa da morte, por funcionar como
sujeito, é mais realçado do que a própria pessoa. Elementos lexicais: 1. A
escolha de "matar", verbo de forte carga semântica e que se intensifica por ser
usado na forma ativa. 2. No aposto, o uso dos termos "líder", que evita afirmar
que Chávez era o presidente do país, e "populista", usualmente empregado em
sentido negativo para designar governantes que, com determinadas intenções
políticas, tomam medidas que agradam às camadas mais pobres da
população.

c) Se você fosse o editor de um jornal explicitamente favorável a Chávez, que


manchete usaria para anunciar a morte dele?
Resposta pessoal. Sugestões: 1. Venezuela perde Hugo Chávez, o grande
presidente. 2. Perda irreparável: o presidente Hugo Chávez morre. 3. América
Latina de luto: Hugo Chávez morre.

292

4. Leia esta pequena "peça teatral" e responda aos itens de a a c:

TEATRO CORISCO

O Capitalismo Mais Reacionário

Tragédia em um ato

Personagens: o patrão e o empregado

Época: atual

ATO ÚNICO

Empregado: Patrão, eu queria lhe falar seriamente. Há quarenta anos que


trabalho na empresa e até hoje só cometi um erro.

Patrão: Está bem, meu filho, está bem. Mas de agora em diante toma mais
cuidado.

(Pano bem rápido)

FERNANDES, Millôr. 30 anos de mim mesmo. Rio de Janeiro: Desiderata,


2006. p. 19.

a) Com que intenção, provavelmente, o empregado teria exposto seu histórico


profissional ao patrão?

Resposta: Ele quis lembrar ao patrão que era um excelente empregado. Com
esse argumento, ele provavelmente pretendia reivindicar um aumento de
salário ou uma promoção.

b) Transcreva os vocativos empregados pelos dois personagens.

Resposta: O empregado usa o vocativo "patrão"; o patrão usa "meu filho".

c) Com base nesses vocativos, interprete a atitude de cada um dos


personagens em relação a seu interlocutor.
Resposta: O empregado, ao usar "patrão", revela uma atitude respeitosa,
reverente, submissa em relação ao outro e, assim, explicita sua aceitação de
que o outro é socialmente mais importante que ele. O patrão, ao empregar
"meu filho", faz uso de uma falsa afetividade paternalista por meio da qual
chantageia emocionalmente o empregado, ao mesmo tempo que ameaça puni-
lo com sua autoridade de "pai-patrão".

5. Leia este poema:

Congresso internacional do medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio, porque esse não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,

depois morremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO. In: Sentimento do mundo, de


Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 20.
Carlos Drummond de Andrade. © Graña Drummond -
www.carlosdrummond.com.br.

LEGENDA: A morte e o homem (1911), do pintor austríaco Egon Schiele.

CRÉDITO: Egon Schiele, 1911. Óleo sobre tela, 80,5 x 80 cm. Erich
Lessing/Album Art/Latinstock

Agora responda aos itens a seguir:


a) Nos versos de 6 a 9, o poeta emprega, de propósito, várias expressões de
sentido ambíguo. Escolha três delas e explique os dois sentidos que elas
podem ter.

Resposta: Podem ser resposta todas as expressões formadas por "medo +


[prep. + substantivo]". Nelas, o substantivo pode indicar quem sente ou quem
provoca o medo (ex.: "medo dos soldados" pode significar "medo que os
soldados sentem" ou "medo que eles provocam nas pessoas").

b) Considerando a resposta anterior, o título do poema e a reiteração


(repetição) intensiva da palavra "medo", interprete o sentido geral do poema.

Resposta: A expressão "Congresso internacional" remete à ideia de


reunião/aglutinação do (ou no) mundo todo. Essa expressão, associada à
repetição do nome "medo" e das ambiguidades, sugere que o medo é um
sentimento difuso, generalizado, disseminado, que permeia todo o mundo e
toma conta de tudo e de todos.

NAVEGAR É PRECISO

Egon Schiele (1890-1918) foi um pintor austríaco que retratou os dramas e a


complexidade da natureza humana. Ainda adolescente, ficou órfão e passou a
ser criado por um tio, que, ao perceber o talento artístico do jovem, apoiou a
carreira dele. Logo no início de sua trajetória artística, foi apadrinhado por
Gustav Klimt, que, como ele, fez parte do movimento expressionista. Schiele
faleceu com apenas 28 anos, vítima de gripe espanhola. Se você tiver
interesse em conhecer outras obras desse artista, acesse o site:
http://tub.im/iytebo (acesso em: 18 mar. 2016).

293

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS

CAPÍTULO 1 | Resumo e resenha

CAPÍTULO 2 | Diário pessoal

CAPÍTULO 3 | Relatório

CAPÍTULO 4 | Do relato à narrativa ficcional

CAPÍTULO 5 | Enredo linear


CAPÍTULO 6 | Enredo não linear e tipos de narrador

CRÉDITO: Felipe Nunes

294

capítulo 1 - Resumo e resenha

Neste capítulo, daremos um passo importante no desenvolvimento de nossa


capacidade de ler e compreender textos: vamos partir do gênero resumo para
trabalhar mais detidamente o gênero resenha.

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 297 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

CRÉDITO: Filme de Mike Johnson e Tim Burton. A Noiva Cadáver. EUA e


Reino Unido. 2005. Fotografia: Album Cinema/Latinstock

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livro

· LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

Sites

· A NOIVA CADÁVER. Disponível em: http://tub.im/77y27z. Acesso em: 29 abr.


2016.

· ADORO CINEMA. Tim Burton. [2016?]. Disponível em: http://tub.im/hbkkwz.


Acesso em: 29 abr. 2016.

295

PRIMEIRA LEITURA

Vamos estudar um exemplo de resenha.

A noiva cadáver

CRÉDITO: Filme de Mike Johnson e Tim Burton. A noiva cadáver. EUA e Reino
Unido, 2005

1 A dupla formada pelo conceituado ator norte-americano Johnny Depp e por


um dos mais notáveis cineastas da atualidade, Tim Burton, é responsável por
clássicos como A lenda do cavaleiro sem cabeça e Edward Mãos de
Tesoura.

2 Na produção de 2005, A noiva cadáver, o estilo inconfundível e a


sensibilidade artística de ambos reaparecem, desta vez na forma de uma
original animação.

3 A história do filme inicia-se quando Victor van Dort (dublado por Johnny
Depp), filho de um casal novo-rico, torna-se noivo de Victoria Everglot, uma
recatada jovem que deveria contrair matrimônio para salvar a nobre família da
ruína financeira. Durante o ensaio às vésperas do casamento, os noivos
apaixonam-se inesperadamente, mas o rapaz, extremamente tímido, não
consegue pronunciar seus votos com clareza.

4 Victor vaga pelas imediações de um bosque, a fim de organizar seus


pensamentos. Eis então que se lembra da bela imagem de sua noiva, e,
inspirado, pronuncia perfeitamente seus votos de casamento. Porém, ao inserir
a aliança em um suposto galho seco, o rapaz casa-se com Emily (dublada por
Helena Bonham Carter), uma romântica noiva que, desde o dia em que fora
assassinada pelo namorado, esperava por um cavalheiro que a fosse libertar.

5 A noiva-cadáver leva Victor para o mundo dos mortos, do qual ele tenta fugir,
enganando-a com estratagemas para convencê-la a deixá-lo retornar ao
mundo dos vivos e rever a sua noiva. Emily o impede e ambos permanecem na
habitação dos defuntos.

6 Desenvolve-se assim uma agradável trama na qual Victor tenta


delicadamente redimir-se com Emily, enquanto Victoria, pressionada pelos
pais, prepara-se para desposar o recém-chegado lorde Barkis.

7 Ocorre o casamento de Victoria com o lorde. Enquanto isso, no mundo dos


mortos, Victor e sua noiva-cadáver preparam uma cerimônia na igreja dos
vivos, onde o rapaz deverá sacrificar sua vida para consumar a união incomum
e fazer a passagem definitiva para o mundo de Emily.

8 Os dois casais se encontram e Emily reconhece no esposo de Victoria o seu


namorado homicida. Trava-se uma batalha entre o jovem Van Dort e o
arrogante lorde, mas este bebe por acidente o veneno destinado ao sacrifício
do outro. Uma vez morto o seu assassino, Emily sente-se liberta e, num ato de
generosidade, oferece a mão de seu noivo à outra jovem. Apaixonados,
casam-se Victor e Victoria.

9 O filme, produzido inteiramente a partir da luxuosa técnica stop-motion, é


repleto de humor negro e delicadeza visual. Os bonecos foram fotografados
com todo o esmero de artistas preocupados em levar para as telas, de forma
sensível, o brilhante roteiro produzido por Tim Burton.

PARA NÃO ESQUECER

Já sabemos que, por meio da leitura, enriquecemos nosso universo pessoal,


descobrimos recursos expressivos interessantes e inesperados, entendemos e
incorporamos formas e temas que nos vão ajudando a crescer, na conquista de
nossa própria linguagem.

A leitura é, portanto, uma atividade indispensável ao nosso amadurecimento,


em todos os sentidos. Ela deve abranger uma multiplicidade de textos e
linguagens, verbais e não verbais: propagandas, reportagens, ensaios,
biografias, jornais, revistas, charges, histórias em quadrinhos, filmes, peças de
teatro, poemas, romances, pinturas, esculturas, música popular e erudita etc.

296

10 O âmbito sonoro é ainda mais exuberante: os bonecos foram dublados por


grandes astros e atrizes, como o veterano Christopher Lee e a suave Emily
Watson; além disso, a trilha sonora, composta principalmente por Danny
Elfman, é brilhante - narra histórias, configura temas musicais para
personagens e emociona os ouvintes.

11 É nessa interseção entre roteiro, elementos visuais e sonoridade refinados


que A noiva cadáver se encontra. E é justamente por essa anticonvencional
beleza que o filme encanta - e merece ser visto.

H. P. A., aluno do Ensino Médio.

Em tom de conversa

1. Você já assistiu ao filme A noiva cadáver? O que achou dele? E quanto aos
outros trabalhos de Johnny Depp e Tim Burton mencionados no texto? Conte
aos colegas tudo o que sabe a respeito da produção dessa dupla.
Resposta pessoal.

2. Agora sugerimos a quem assistiu ao filme que diga, utilizando argumentos


convincentes, se sua opinião coincide com a do resenhista.

Resposta pessoal.

3. Para você, qual é o significado do adjetivo clássico? Ele pode ser atribuído
a um filme de animação, como A noiva cadáver? Por quê?

Resposta pessoal. Professor(a), ver comentários sobre as questões 3 e 4 em


Conversa com o professor, nas Orientações específicas deste capítulo.

4. O texto lido é uma resenha escolar. Na sua opinião, qual é a finalidade


desse tipo de resenha? Em que suporte (livro, jornal, CD, revista etc.) ela
costuma ser produzida? Qual é o seu destinatário?

Resposta pessoal. Professor(a), o objetivo dessa questão é mobilizar os


conhecimentos dos alunos sobre resumo e resenha, enfatizando que a
finalidade da resenha escolar é sintetizar e comentar criticamente qualquer
conteúdo, de qualquer disciplina. Nesse sentido, ambos servem como
ferramentas de estudo. O suporte dos doistextos é o caderno de anotações
escolares ou uma folha apropriada para a divulgação dos textos, e seu
destinatário são os colegas de classe ou da escola em ambiente de ensino/
aprendizagem, coordenados pelo(a) professor(a).

5. Além da resenha escolar, há outros tipos de resenha, como a


propagandística. Seu objetivo é ressaltar a qualidade de objetos culturais,
como livros, CDs e filmes, com a finalidade de despertar o interesse das
pessoas pela compra desses produtos. Tais resenhas costumam aparecer em
jornais, revistas, internet, orelhas de livros etc.

a) Quais parágrafos você tiraria dessa resenha escolar, a fim de dar a ela um
tom de resenha propagandística?

Resposta: Parágrafos 7 e 8.

b) Justifique sua escolha.

Resposta: Esses parágrafos sintetizam o desenvolvimento e o desfecho do


enredo do filme, podendo desestimular os leitores a comprar o produto.
Releitura

Escreva no caderno

1. A resenha sobre o filme de animação apresenta a dupla Depp-Burton e seus


trabalhos anteriores.

a) Em que parágrafos ocorre essa apresentação?

Resposta: Parágrafos 1 e 2.

b) Que adjetivos antecipam as qualidades do filme A noiva cadáver?

Resposta: Os adjetivos são: conceituado ("conceituado ator norte-americano");


notáveis ("um dos mais notáveis cineastas da atualidade"); inconfundível
("estilo inconfundível"); artística ("sensibilidade artística").

2. Reconheça os parágrafos que:

a) resumem o enredo do filme.

Resposta: Parágrafos de 3 a 8.

b) tecem comentários a respeito do filme.

Resposta: Parágrafo 2 e parágrafos de 9 a 11.

3. Identifique dois elementos tipicamente descritivos - verbos de ligação e


adjetivos - presentes nos seguintes trechos do comentário:

1º - "O filme [...] é repleto de humor negro e delicadeza visual."

Resposta: é, repleto, negro, visual.

2º - "O âmbito sonoro é ainda mais exuberante: os bonecos foram dublados por
grandes astros e atrizes [...]".

Resposta: é, exuberante, foram, dublados, grandes.

4. Agora, compare os trechos citados na questão anterior e responda: em qual


deles os adjetivos de sentido positivo são reforçados argumentativamente?
Justifique.

Resposta: Trata-se do 2º trecho, pois nele há um argumento de causalidade,


que justifica a exuberância sonora do filme: o fato de os bonecos terem sido
dublados por grandes atores e atrizes.
297

RESUMO E RESENHA

Um dos melhores exercícios para desenvolver a capacidade de entender o que


se lê e as habilidades básicas requeridas pela leitura é fazer um resumo, ou
seja, reproduzir as ideias principais do texto em algumas linhas, com as nossas
próprias palavras.

Um dos procedimentos que devem ser seguidos para fazer um bom resumo é o
de ler e reler o texto, quantas vezes for necessário, para:

· identificar as ideias principais;

· perceber o gênero de texto, o modo como foi organizado e o contexto a que


pertence;

· estabelecer relações entre o texto e o que pensamos sobre o assunto nele


apresentado;

· tirar conclusões sobre a leitura.

Esse último item é o ponto de partida para transformar o resumo em uma


resenha.

Produzir uma resenha sobre um texto, um filme, um CD ou qualquer outro


produto cultural consiste em sintetizar o que lemos, vemos, ouvimos, dar nossa
opinião e realizar um comentário crítico.

Enquanto a principal característica do resumo é fazer a síntese do texto,


apresentando suas informações fundamentais, a da resenha é , com base
nessas informações, fazer uma análise crítica do texto ou de qualquer outro
produto cultural, tendo em vista uma determinada finalidade.

E MAIS...

Produção e apresentação de resenha

Produza uma resenha propagandística a respeito de um filme a que você tenha


assistido e de que tenha gostado. Em seguida, apresente-a a seus colegas e
ouça as que eles elaboraram. Não se esqueça de que é preciso convencê-los a
ver o filme.

Resposta pessoal.
Resenha de crônicas

A crônica é um dos gêneros de textos mais frequentes em jornais, revistas e


até em programas de rádio e televisão. Como o diário pessoal, ela mistura
livremente as modalidades: descrição - apresenta características; narração -
conta casos; dissertação - expõe ideias.

O assunto de uma crônica pode ser uma experiência pessoal do cronista, uma
informação obtida por ele ou um caso imaginário. O modo de apresentar o
assunto também varia: pode ser uma descrição (subjetiva ou objetiva), uma
narrativa sugestiva, uma exposição argumentativa, entre outros. Quanto à
finalidade pretendida, é possível promover uma reflexão, definir um sentimento,
provocar o riso etc.

Na maioria das vezes, há um predomínio narrativo: a partir do que e do como


é contado, o cronista revela sua visão de mundo, sua concepção de vida.

Vamos trabalhar com algumas crônicas, utilizando o resumo e a resenha como


ferramentas de leitura.

Leitura

Leia atentamente as crônicas a seguir.

TEXTO 1

Viajantes e apaixonados em transe

Bem-aventurados os apaixonados, que se esquecem por algum tempo das


mazelas do mundo. Deitam-se numa rede de fios bem trançados, numa cama
estreita, num tapete persa ou numa esteira de palha e se entregam às malícias
do amor. Ou deitam-se no piso de tábuas de uma casa modesta e se
esquecem

298

dos magistrados, dos burocratas, das chuvas destruidoras, dos políticos


inativos, dos impostores e dos pássaros agourentos. Já não se lembram da
segunda-feira árdua e rotineira, do chefe ranzinza ou do subalterno distraído,
do trânsito e seus motoristas alucinados, nem daquele casamento que se
reduziu a bocas engessadas e momentos de silêncio que insinuam sentenças
hostis.

Apaixonados: seres sonhadores antes do primeiro duelo, que só às vezes rima


com inverno. Ali, sentado na praça, vi um velho conhecido que perdeu sua
amada há seis anos. Ele dorme em calçadas e praças do meu bairro, nas
vésperas do Natal eu o encontrava triste e lacônico: artesão pobre e solitário
que vende violas sem cordas, construídas com dejetos fisgados nas ruas da
metrópole, esse vasto museu contemporâneo do consumo. Mas agora esse
artesão encontrou uma amada:

"Minha outra música", ele disse.

Eu, distraído ou perdido em algum devaneio, ouvi "musa" em vez de "música",


e logo comprei uma viola desse artista errante que lembra certos viajantes,
esses outros bem-aventurados.

Muitos partem sem bússola e se lançam a uma aventura. Ou partem em busca


de uma paisagem insólita, de um sabor estranho, de rostos mais ainda
estranhos, de lugares sonhados desde sempre, de noites que se emendam ao
dia e novamente à noite, como se houvesse só espaço nesse mundo regido
pelo tempo. Viajantes com pouca bagagem, movidos pelo desejo de conhecer
o que amanhã será esquecido, ou de esquecer o que irremediavelmente será
lembrado além da nossa fronteira. Alguém te envia uma mensagem do deserto
do Atacama, de uma mesquita de Istambul, de um pueblo de Missiones, de
uma praça de Teresina, Belém ou Sabará, do pátio de um convento de Olinda;
alguém escreve à mão no verso de um postal palavras sobre o assombro e a
beleza da ilha de Creta, onde um mito antigo resiste aos descalabros do nosso
tempo.

Quantas mensagens via satélite... E só uns poucos postais com a fotografia de


um lugar visitado e cinco frases escritas por calígrafos anacrônicos.

Invejo a energia quase cósmica desses viajantes e apaixonados, que celebram


suas façanhas com uma comoção incomum. Posso imaginá-los em transe, e
de algum modo eles me inspiram para escrever estas linhas num quarto úmido,
depois da tempestade. Admiro a beleza das romãs rosadas no pequeno jardim,
sinto o cheiro dessas frutas desventradas por pássaros famintos, e logo me
vêm à mente os versos do poeta que escreveu A falta que ama:

"Uma viagem é imóvel, sem rigidez./ Invisível, preside/ ao primeiro encontro.


Todo encontro,/ escala que se ignora".

HATOUM, Milton. Viajantes e apaixonados em transe. O Estado de S. Paulo,


São Paulo, 3 fev. 2012. Caderno 2, p. D10.

Vocabulário:

mazela: aborrecimento;

dejeto: resíduo que vai para o lixo;

insólito: não usual, incomum;

calígrafo: especialista em caligrafia;

anacrônico: avesso aos costumes atuais;

comoção: agitação, alvoroço.

Fim do vocabulário.

TEXTO 2

O que será que será?

Quando uma mulher e um homem se veem pela primeira vez, pode acontecer
uma faísca; é quando bate.

Ela surge de uma imediata e inconsciente avaliação de parte a parte; pode ser
com o cunhado, o feirante, o padre, o marido da maior amiga, e independe de
beleza, charme ou classe social.

Essa estranha sensação pode não dar em nada, mas quanto mais intimidade
você tiver com você mesma - e com seus pensamentos -, mais rapidamente vai
perceber o que está acontecendo, o que, aliás, é raro; a maioria das pessoas
não identifica o que sente, até porque essa avaliação passa por uma fina
peneira de censuras mentais - morais e sociais.

Desde que a pessoa seja do outro sexo - ou do sexo que lhe interessa -, perigo
existe. É difícil botar em palavras sensações, mas tudo parte dessa faísca ser
positiva ou não.
Se ela não acontece, nem se pensa no assunto; mas se é positiva e se tem
tempo e coragem para brincar, a fantasia pode ir longe. [...]

Algum dia você largou seu freio de mão mental e deixou sua imaginação livre,
como devem ser as imaginações? Vamos admitir: é difícil.

E as convenções sociais, e os preconceitos, e o medo? Como aprendemos que


se peca até em pensamento, brecamos a maioria deles e depois não sabemos
por que nossa cabeça é um nó. Mas se deixarmos eles correrem soltos, será
que as coisas ficam mais fáceis? Há quem diga que sim.

Logo no primeiro olhar fica definido se o outro é ou não possível. A sensação


não precisa ser recíproca, mas quando acontece, é imediatamente percebida
pelos dois. Estabelece-se então uma energia que faz

299

com que esse momento seja diferente, especial; o corpo fica tenso, o olho
brilha, e você sente o prazer supremo, que é o de se saber viva.

Para alguns isso nunca acontece, e existe quem nunca soube, nem nunca vai
saber, do que se trata.

[...]

Atenção: essa eletricidade é contagiosa, por isso tantos passam a vida sendo
desejados, enquanto outros sofrem de um incurável desinteresse do sexo
oposto.

Os mais corajosos, quando têm consciência do que está acontecendo, se


deixam levar; aí começa o perigo, que para a mulher é sempre maior. Um
homem que segue seu impulso e arrasta com ele alguém de classe inferior,
digamos, é sempre compreendido - até porque eles sabem até onde podem ir.

Já se a mulher tiver um caso com um motorista de caminhão, será um


escândalo (fora que elas têm a mania de se apaixonar, o que faz toda a
diferença).

Aliás, pense nas coisas que devem acontecer na vida de nossos amigos mais
íntimos e que nem podemos imaginar.
O tema é interessante, aliás, interessantíssimo, e vale sempre a pena saber a
quantas se anda; se está viva ou se respira ligada nos aparelhos, que são a
educação, a moral, a religião e os bons costumes.

Sendo assim, por mais que uma mulher seja um poço de virtudes, é temerário
que ela fique perto de qualquer homem, porque homem e mulher, quando se
juntam, ninguém sabe o que pode acontecer.

Esse é o perigo, e a graça. É a pulsão da vida.

LEÃO, Danuza. O que será que será? Folha de S.Paulo, São Paulo, 4 dez.
2011. Cotidiano, p. C2. Folhapress.

Atividades

Escreva no caderno

Produção

1. Após a leitura das crônicas:

a) Faça o resumo de cada uma delas, procurando destacar as ideias principais


e o modo como são apresentadas (a pessoa verbal em que se estruturam, o
tom, os recursos expressivos, os argumentos etc.).

Atenção Professor(a), ver encaminhamento em Conversa com o professor,


nas Orientações específicas deste capítulo. Fim da observação.

Texto 1 Resposta pessoal. Sugestão: Trata-se de uma crônica escrita em 1ª


pessoa, em tom lírico e linguagem poética, sobre a "bem-aventurança", ou
seja, a felicidade vivenciada pelos apaixonados e pelos viajantes. A
enumeração de lugares românticos onde os amantes podem se encontrar e de
lugares exóticos que os viajantes podem visitar constituem alguns de seus
elementos estruturais. Nela, os temas do amor e da viagem são vistos
poeticamente, como uma espécie de "transe" em que a vida transborda. Texto
2 Resposta pessoal. Sugestão: O texto é uma crônica sobre o instante em que
um homem e uma mulher se apaixonam. Em tom de informalidade e até
mesmo de oralidade, a cronista "conversa" com a leitora, ponderando, por um
lado, a força da atração, da "faísca" que ocorre nesse primeiro encontro, e, por
outro, as convenções sociais, os preconceitos, o medo que podem prejudicá-la.
Outros elementos estruturantes são o tom de aconselhamento; a perspectiva
feminina sobre as diferenças de comportamento entre homem e mulher e as
perguntas retóricas, que reforçam o efeito persuasivo do texto.

b) Escreva um pequeno comentário, opinando e justificando as razões de seu


ponto de vista sobre cada crônica.

Resposta pessoal. Professor(a), comentar com os alunos que ambos os textos


citam outros autores, ou seja, usam intertextualidade com Carlos Drummond de
Andrade, autor dos versos transcritos no texto 1, e Chico Buarque de Hollanda,
que tem uma canção com o mesmo título do texto 2. Seria interessante solicitar
aos alunos que tragam outros textos, de gêneros diversos, que os auxiliem a
mostrar os próprios pontos de vista a respeito dos temas tratados.

2. Inspirado(a) no exemplo a seguir, produza uma resenha propagandística


sobre um CD (ou DVD) de que você goste e que adoraria que seus colegas
conhecessem.

Não se esqueça da importância de um bom título para a resenha e de que nela


pode haver críticas, em vez de elogios apenas.

Resposta pessoal.

Para a América dançar

No mundo da música, um bom álbum de estreia dá algum fôlego ao novo


artista, mas é nos trabalhos posteriores que se vê se ele fracassa ou segue
adiante.

Depois de Samba esporte fino e Cru, Seu Jorge lança América Brasil, álbum
carregado de seu peculiar e inovador samba-rock e de boas letras, mostrando
que diversão pode ser feita com inteligência.

É estimulante podermos apreciar a consolidação de mais um artista, não


apenas brasileiro, mas mundial, que consegue fazer a América e o resto do
planeta dançarem no mesmo compasso.

F. S. N., aluno do Ensino Médio.

CRÉDITO: Capa do disco América Brasil, de Seu Jorge, 2007

300

Leitura
O trabalho de resenhar pode começar com um relato subjetivo, como no texto a
seguir.

Uma, 10, 20, 30... 50 páginas. Limite! Não estou gostando... Que livro chato!
Será? Seria cômodo abandonar a leitura. Motivos não me faltavam. De Clarice
conhecia apenas alguns contos, e, claro, A hora da estrela
(brilhaaaaaaaaaaante!!!!). Mas a convivência com um apaixonado "doentio"
(que ele não me ouça) por Clarice me aguçou a curiosidade. Ganhei de
presente... é assim que ele seduz: escolhe, presenteia... e vai alimentando a
presa. Eis-me, então, com A paixão segundo G.H. Comecei e parei várias
vezes. No início não conseguia entender/descobrir o motivo de a leitura não
fluir... Isso durou mais ou menos um mês. Muito tempo! À medida que ia lendo,
uma espécie de torpor me invadia, travava e impedia o avanço... a reflexão, sei
lá. Com o tempo e a insistência, descobri que o torpor era a minha arma contra
a luta que a leitura daquele livro me propunha. Aquela barata estava mais
próxima de mim (da minha realidade) do que eu podia imaginar ou suportar, o
que era bem pior. Em cada página um espelho... e minha imagem só não seria
refletida se eu fechasse o livro... e foi o que fiz muitas e muitas vezes.
Confesso que Clarice ainda me assusta. Isso: assusta. Mas essa é outra
história, né?

S. G. S., aluna do Ensino Médio.

CRÉDITO: Editora Rocco

FIQUE SABENDO

Resenha de livros

Produzir a resenha de um livro é um trabalho difícil, mas prazeroso e muito


produtivo, pois nos ajuda concretamente a aprofundar o exercício de nossas
habilidades de resumir e de tecer comentários críticos, sempre relacionando
texto e contexto.

Em tom de conversa

1. Inspirado(a) no relato apresentado, conte a seus colegas uma experiência de


leitura de um livro (não necessariamente de ficção) que você considera
especial e inesquecível.
Resposta pessoal.

2. Leia o texto a seguir e explique por que podemos considerá-lo uma resenha.

Resposta pessoal.

Publicado em 1964, A paixão segundo G.H. é a quinta obra de Clarice


Lispector, uma das grandes representantes da literatura brasileira produzida no
século XX, como Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto.

Neste romance, uma mulher, nomeada apenas pelas iniciais (G.H.), vivencia
uma experiência de desvendamento interior, provocada por um banal incidente
doméstico: ao arrumar o quarto da empregada recém-demitida, abre o armário
e defronta-se com uma barata.

Trata-se de uma obra em que o enredo fica em segundo plano, para dar lugar a
agudas reflexões sobre o percurso existencial da humanidade, visto "de
dentro", ou seja, de um plano que podemos denominar metafísico.

H. F., aluna do Ensino Médio.

Resposta: O texto é uma resenha porque utiliza a linguagem objetiva e o tom


formal para contextualizar o romance, além de sintetizar e comentar seus
elementos textuais (enredo e tema).

301

Atividades

Escreva no caderno

Produção

1. Produza um relato informal a respeito de como aconteceu e do que


significou, em sua vida, a leitura de um livro que você considera especial e
inesquecível.

Resposta pessoal.

2. Transforme seu relato em resenha escolar, selecionando, de tudo o que


falou e escreveu, a síntese dos aspectos que compõem o livro, seus elementos
contextuais e os comentários críticos a respeito dele.

Resposta pessoal.
3. Agora, transforme a resenha escolar que você produziu em resenha
propagandística para colocar num mural e seduzir outros leitores.

Resposta pessoal.

Critérios de avaliação e reelaboração

Neste capítulo, você leu e analisou resenhas - a resenha propagandística e a


resenha escolar. Dessa forma, você vivenciou a experiência da adequação
entre texto e contexto, ou seja, entre o que é produzido linguisticamente e a
situação comunicativa que define como fazê-lo.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, você aprendeu as principais características de uma resenha.


Assim, descobriu que:

· a resenha é um gênero textual que reúne duas características essenciais: a


forma de resumo e a expressão de comentários críticos do autor, tendo em
vista uma determinada finalidade;

· em geral, os objetos da resenha são produtos culturais como livros, filmes,


peças de teatro, novelas de TV, exposições de quadros, fotografias, concertos,
shows musicais etc.;

· as resenhas estudadas, a escolar e a propagandística, variam por causa dos


objetivos do resenhista e de outros elementos contextuais, como os materiais
em que os textos são publicados (suportes) e os enunciatários.

Além disso, você percebeu que as resenhas nascem de relatos e práticas


informais de anotações, como os relatos subjetivos.

Atividade

Escreva no caderno

· (Fuvest-SP) Leia este texto.

1 O ano nem sempre foi como nós o conhecemos agora. Por exemplo: no
antigo calendário 2 romano, abril era o segundo mês do ano. E na França, até
meados do século XVI, abril 3 era o primeiro mês. Como havia o hábito de dar
presentes no começo de cada ano, o primei 4 ro dia de abril era, para os
franceses da época, o que o Natal é para nós hoje, um dia de ale 5 grias, salvo
para quem ganhava meias ou uma água-de-colônia barata. Com a introdução
do 6 calendário gregoriano, no século XVI, primeiro de janeiro passou a ser o
primeiro dia do ano 7 e, portanto, o dia dos presentes. E primeiro de abril
passou a ser um falso Natal, o dia de não se 8 ganhar mais nada. Por
extensão, o dia de ser iludido. Por extensão, o Dia da Mentira.

Luis F. Verissimo, As mentiras que os homens contam. Adaptado.

a) Tendo em vista o contexto, é correto afirmar que o trecho "meias ou uma


água-de-colônia barata" deve ser entendido apenas em seu sentido literal?
Justifique sua resposta.

Resposta: Não, o trecho deve ser entendido também em sentido conotativo,


pois ironiza os maus presentes (banais e baratos).

b) Crie uma frase que contenha um sinônimo da palavra "salvo" (linha 5),
mantendo o sentido que ela tem no texto.

Resposta pessoal.

302

capítulo 2 - Diário pessoal

Neste capítulo, vamos estudar um gênero de texto marcado por um tom


informal e cotidiano: o diário pessoal.

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 306 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

CRÉDITO: Ryan McVay/Getty Images

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Record, 2008.

· VERISSIMO, Erico. Do diário de Silvia. São Paulo: Companhia das Letras,


2005.

Vídeos

· A COR púrpura. Direção: Steven Spielberg. EUA, 1985.

· DIÁRIOS de motocicleta. Direção: Walter Salles. Argentina, 2004.


· O DIÁRIO de Anne Frank. Direção: George Stevens. EUA, 1959.

· VIDA de menina. Direção: Helena Solberg. Brasil, 2003.

303

PRIMEIRA LEITURA

Leia um trecho de um diário.

Sábado, 18 de fevereiro

Faz hoje três dias que eu entrei para a Escola Normal. Comprei meus livros e
vou começar vida nova. O professor de Português aconselhou todas as
meninas a irem se acostumando a escrever, todo dia, uma carta ou qualquer
coisa que lhes acontecer.

Passei na casa de minhas tias inglesas e encontrei lá Mariana. Ela foi a aluna
mais afamada da Escola e sempre ouvi minhas tias falarem dela com
admiração. Ela esteve me animando e disse que o segredo de ser boa aluna é
prestar atenção, tomando notas de tudo.

Tia Madge disse que Mestra Joaquininha lhe falou que eu fui a aluna mais
inteligente da escola dela, mas era vadia e falhava dias seguidos. Isto é
verdade, porque o ano passado fomos, muitas vezes, passar dias com meu pai
na Boa Vista. Não sei se sou inteligente. Vovó, meu pai e tia Madge acham;
mas só sei que não gosto de estudar, nem de ficar parada prestando atenção.
Em todo caso eu gosto que digam que sou inteligente. É melhor do que
dizerem que sou burra, como vai acontecer na certa, quando virem que não
vou ser, na Escola Normal, o que eles esperam. Hoje já vi o jeito. Achei tudo
difícil e complicado. O que me vale é que eu tenho facilidade de decorar.
Quando eu não puder compreender, decoro tudo. Mas no Português como é
que eu vou decorar? Análise, eu nem sei onde se pode estudar. Só daqui a
dias poderei saber como as coisas vão sair. Escrever não me vai ser difícil,
pelo costume em que meu pai me pôs de escrever quase todo dia. Duas coisas
eu gosto de fazer, escrever e ler histórias, quando encontro. Meu pai já
consumiu tudo quanto é livro de histórias e romance. Diz ele que agora só nas
férias.
Ainda não comecei a estudar e já estou pensando nas férias. Que bom vai ser
quando eu estiver na Boa Vista, livre da escola, sem ter que estudar. Mas um
ano custa tanto a passar!

Vou deitar-me e pedir a Nossa Senhora que me ajude a estudar e abra mesmo
minha inteligência, para não desapontar meu pai, vovó e tia Madge. [...]

MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras,
1998. p. 26-27.

PARA QUE SABER?

Por meio do gênero diário, é possível descobrir por quais razões é tão
interessante ser enunciador e enunciatário do próprio texto.

PARA NÃO ESQUECER

Você já sabe que a qualidade da leitura de um texto depende de se considerar


a situação de comunicação, o contexto. Sabe também que percebemos os
elementos contextuais por meio da identificação de determinados fatores como
objetivo, enunciador, enunciatário e suporte do texto.

Releitura

Escreva no caderno

· Identifique:

a) o enunciador e o suporte do texto;

Resposta: O enunciador do texto é uma adolescente chamada Helena, como


se percebe em seu suporte, citado no final do fragmento lido: o livro Minha
vida de menina, de Helena Morley.

b) o objetivo do texto;

Resposta: Registro de acontecimentos cotidianos como a entrada da menina


para a Escola Normal.

c) o enunciatário do texto.

Resposta: O enunciatário é a própria enunciadora, pois se trata de um diário


pessoal.

304
DIÁRIO PESSOAL

O diário pessoal é um gênero de texto subjetivo e confessional, pois nele o


sujeito se expõe, revelando, sem censura, impressões, sentimentos e
pensamentos íntimos.

Por essa razão, podemos afirmar que escrever um diário é uma forma de
conviver consigo próprio, de se conhecer melhor, exercitando a linguagem
escrita de modo livre e informal.

FIQUE SABENDO

Esse gênero textual em que as pessoas contam acontecimentos e vivências


chama-se relato. Há grande diversidade de relatos: a biografia, a autobiografia,
os relatos de viagem, as notícias de jornal, os relatórios escolares ou de
trabalho etc.

O predomínio da narração

Repare que a frase que inicia o diário focaliza o acontecimento em torno do


qual o trecho se organiza: "Faz hoje três dias que eu entrei para a Escola
Normal".

Nessa frase, aparecem dois verbos, um no presente (faz) e outro no passado


(entrei); o primeiro indicando o momento da escrita (Hoje faz três dias...) e o
segundo, o acontecimento a que a escrita se refere (... que eu entrei para a
Escola Normal).

Atividade

Escreva no caderno

· Exemplifique com uma passagem narrativa do 2º parágrafo outros


acontecimentos vividos por Helena, destacando os verbos que indicam ações
transcorridas no passado.

Note que os parágrafos 1 e 2 são narrativos, isto é, baseiam-se em


acontecimentos que se subordinam para que o texto tenha sentido.

Resposta: "Passei na casa de minhas tias inglesas e encontrei lá Mariana."


"[...] sempre ouvi minhas tias falarem dela com admiração."

A presença de elementos descritivos


Observe que no 2º parágrafo, cujos verbos indicadores de ação você já
reconheceu, há um fragmento descritivo, que revela uma característica de
Mariana, uma conhecida de Helena.

Atividades

Escreva no caderno

1. Identifique no referido fragmento "Ela foi a aluna mais afamada da Escola


[...]":

a) o adjetivo que caracteriza Mariana.

Resposta: afamada

b) o verbo de ligação, outro elemento típico do texto descritivo.

Resposta: foi

2. Há uma passagem no 3º parágrafo em que Helena se autodescreve.

a) Identifique-a.

Resposta: "Não sei se sou inteligente. Vovó, meu pai e tia Madge acham; mas
só sei que não gosto de estudar, nem de ficar parada prestando atenção. Em
todo caso eu gosto que digam que sou inteligente. É melhor do que dizerem
que sou burra, como vai acontecer na certa, quando virem que não vou ser, na
Escola Normal, o que eles esperam."

b) Que característica de Helena, não descrita por ela, é possível perceber no


trecho lido? Justifique.

Resposta pessoal. Sugestão: Helena se sente insegura quanto à opinião dos


adultos a respeito dela, o que exemplifica o exercício de liberdade envolvido na
produção de um diário.

305

A presença de elementos dissertativo-argumentativos

Uma das definições de diário é "obra em que se registram, diária ou quase


diariamente, acontecimentos, impressões, confissões". (FERREIRA, Aurélio
Buarque de Hollanda. Novo dicionário eletrônico Aurélio. 5ª ed. Curitiba:
Positivo, 2010. 1 CD-ROM.)
A partir dessa definição, concluímos que, enquanto no 1º e 2º parágrafos do
diário predomina o registro de acontecimentos, no 3º ganham destaque
impressões, confissões e opiniões de quem o escreve.

Atividade

Escreva no caderno

· Veja, por exemplo, o seguinte trecho do 3º parágrafo.

Tia Madge disse que Mestra Joaquininha lhe falou que eu fui a aluna mais
inteligente da escola dela, mas era vadia e falhava dias seguidos. Isto é
verdade, porque o ano passado fomos, muitas vezes, passar dias com meu pai
na Boa Vista.

Nesse trecho, por meio de um discurso duplamente citado ("Tia Madge disse
que Mestra Joaquininha falou..."), Helena destaca uma opinião de sua antiga
professora. Repare que é a própria Helena que fornece um argumento para
justificar essa opinião, numa construção típica das dissertações.

a) Explique a função das palavras mais e mas na construção do período,


mostrando como essas palavras nos permitem perceber que Helena relata uma
opinião.

Resposta: Enquanto a palavra mais é utilizada para construir uma opinião


favorável da professora em relação a Helena (ela foi a aluna mais inteligente da
escola), a palavra mas apresenta uma restrição ao comportamento dela, pois
indica que, apesar dessa qualidade, ela não aproveitava a própria inteligência.

b) Ao concordar com a opinião da professora, podemos afirmar que Helena


insere mais uma frase dissertativa em seu relato? Justifique.

Resposta: Sim, pois Helena justifica a concordância com a opinião da


professora por meio de um argumento que explica a causa, o motivo dessa
opinião: "Isto é verdade, porque [...]".

Comentário

Lendo e analisando trechos de Minha vida de menina, você viu que se trata
de um texto marcado pela predominância do relato de acontecimentos vividos
pela menina.
Entretanto o relato se combina com expressões de sentimentos, sensações e
também de opiniões, por meio de passagens descritivas e dissertativas. Esse
fato mostra concretamente que, em geral, os principais tipos de estruturação
textual tendem a se entrelaçar num mesmo gênero textual.

O que importa é sempre termos em mente o conceito de predominância e


identificar o gênero lido - no caso, diário.

CRÉDITO: Filme de Helena Solberg. Vida de menina. Brasil. 2005

Em tom de conversa

1. Você acha interessante escrever para si próprio(a)? Em que a prática desse


gênero textual pode contribuir para a formação de uma pessoa? Por quais
razões?

Respostas pessoais.

2. É possível dizer que os atuais blogs, presentes na internet, são os diários


(virtuais) contemporâneos?

Resposta pessoal.

306

E MAIS...

Você e seus colegas podem, agora, dividir-se em grupos para realizar um


trabalho multidisciplinar, coordenado pelo(a) professor(a) de Língua
Portuguesa. Ele deve ocorrer em dois momentos:

1. Comparação do filme com o livro ou trechos dele. A seguir, uma sugestão de


roteiro:

Na introdução de Minha vida de menina ("Livro que nasceu clássico". In:


MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras,
1998. p. 7-8), Alexandre Eulálio afirma que a obra "ocupa uma posição especial
entre os livros escritos no Brasil", por alguns motivos, entre os quais:

· a reconquista lírica do cotidiano;

· a fluência da narradora;

· a proximidade dessa prosa coloquial com sua fonte popular.


Na sua opinião, essas características do livro se mantêm no filme? Que outro
elemento do filme você achou interessante, sedutor? Por quais razões?

Respostas pessoais.

2. Debate sobre o momento histórico em que o livro foi escrito.

No mesmo texto, Alexandre Eulálio diz:

Minha vida de menina tem por cenário um meio definido e culturalmente muito
determinado. A cidadezinha do Brasil em que viveu a Helena do livro, com a
mesma vida pacata de qualquer pequena cidade do mundo, possuía, no
entanto, características deveras marcadas. Em terra de mineração, entre
urbana e rural, a Diamantina do fim do século [XIX] começava a atravessar um
período de decadência econômica bastante grave. [...] Sonhava com o caminho
de ferro. [...] Ainda viva, a recordação romanesca do Arraial velho parecia
então pertencer a uma remota idade do ouro, muito e muito distante. A
descoberta do diamante na África do Sul e cem anos de uma exploração
primária, contínua e caótica haviam esgotado as jazidas nativas e afetado
seriamente os recursos da cidade, quase toda ela dirigida para as lavras.

Esse comentário mostra o quanto o depoimento de Helena Morley, na verdade


pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant (1890-1970), transcende o plano
apenas biográfico para valorizar-se de um ponto de vista histórico, geográfico,
psicológico e social.

Com o apoio de seus professores de Filosofia, História e Geografia, participe


de um debate sobre a importância do período de grande exploração
mineradora no Brasil, que ocorreu ao longo do século XVIII. Considere,
inclusive, a Inconfidência Mineira e nossos poetas árcades, como Tomás
Antônio Gonzaga (Marília de Dirceu) e Cláudio Manuel da Costa (Vila Rica).

NAVEGAR É PRECISO

Com seus colegas, assista a Vida de menina, um filme brasileiro de 2004, do


gênero drama, dirigido por Helena Solberg, com direção de fotografia de Pedro
Farkas e trilha sonora de Wagner Tiso. É uma adaptação do livro Minha vida
de menina, de Helena Morley.

Leia a sinopse:
"Tendo como pano de fundo um Brasil que acaba de abolir a escravatura e
proclamar a República, Helena Morley começa a escrever o seu diário, que nos
revela seu universo e um país que adolesce com a menina. É nesse diário que
Helena [...] desmascara as pretensas virtudes alheias. Adolescente de
ascendência inglesa, Helena vive na remota cidade de Diamantina em Minas
Gerais, símbolo da era de mineração agora em franca decadência. Em um
momento crítico de sua vida, ela briga para estabelecer sua liberdade e
individualidade. Procurando com sofreguidão não perder uma infantil alegria de
viver, e reinventando o mundo à sua maneira, Helena Morley é o diamante
mais raro de Diamantina."

"VIDA DE menina", de Helena Solberg, tem lançamento previsto para


setembro. Radiante filmes, 2005. Disponível em:
http://www.radiantefilmes.com/vidademenina_filme.htm. Acesso em: 9 maio
2016.

307

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. Inspirado(a) nos dois textos a seguir, escreva como seria o 1º parágrafo de


seu diário pessoal, se você decidisse começá-lo.

Resposta pessoal.

TEXTO 1

28 de fevereiro

Diário precisa ser escrito todos os dias? Se precisa, babau, porque às vezes
não dá. E não é sempre que acontecem coisas. Há dias em que a gente não
vive, apenas espera, fica vendo as pessoas e os carros passarem. Quando
chove, a gente apenas cuida de não se molhar. Se eu fosse pôr minha vida no
papel, teria apenas três ou quatro páginas. Mas, mesmo acontecendo pouco,
vou manter o diário. É um jeito de segurar as pernas do tempo. Descrevendo
tudo, tim-tim por tim-tim, ele corre menos. Pode ser bobagem, mas é a minha
impressão. [...]
REY, Marcos. Diário de Raquel. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.
35.

CRÉDITO: Editora Companhia das Letras

TEXTO 2

2 de janeiro

Um diário, como o nome indica, é um registro cotidiano de experiências,


observações, sentimentos e atitudes do seu autor e das suas interações com
aqueles que o cercam. Pode ser que fique algum dia sem nada escrever aqui,
lacunas cronológicas certamente existirão. Na maioria dos dias nada acontece
de interessante comigo. Olhar, então, para o meu passado? [...] Anotar tudo o
que acontece comigo no dia a dia? Registrar as frieiras que descobri entre os
dedos do pé direito e o antimicótico que estou usando? Dizer o que comi no
almoço, mencionando minha disposição de tornar-me vegetariano [...]?
Descrever minha ida ao barbeiro e reproduzir as conversas que ouvi no salão?
[...]

FONSECA, Rubem. Diário de um fescenino. São Paulo: Companhia das


Letras, 2003. p. 14.

CRÉDITO: Editora Companhia das Letras

2. Escreva um parágrafo argumentativo dando sua opinião sobre a seguinte


passagem do diário de Helena Morley: "O que me vale é que eu tenho
facilidade de decorar. Quando eu não puder compreender, decoro tudo".

Resposta pessoal.

3. (Enem/MEC)

TEXTO 1

Sob o olhar do Twitter

Vivemos a era da exposição e do compartilhamento. Público e privado


começam a se confundir. A ideia de privacidade vai mudar ou desaparecer.

O trecho acima tem 140 caracteres exatos. É uma mensagem curta que tenta
encapsular uma ideia complexa. Não é fácil esse tipo de síntese, mas dezenas
de milhões de pessoas o praticam diariamente. No mundo todo, são disparados
2,4 trilhões de SMS por mês, e neles cabem 140 toques, ou pouco mais.
Também é comum enviar e-mails, deixar recados no Orkut, falar com as
pessoas pelo MSN, tagarelar no celular, receber chamados em qualquer parte,
a qualquer hora. Estamos conectados. Superconectados, na verdade, de várias
formas.

308

[...] O mais recente exemplo de demanda por total conexão e de uma nova
sintaxe social é o Twitter, o novo serviço de troca de mensagens pela internet.
O Twitter pode ser entendido como uma mistura de blog e celular.

As mensagens são de 140 toques, como os torpedos dos celulares, mas


circulam pela internet, como os textos de blogs. Em vez de seguir para apenas
uma pessoa, como no celular ou no MSN, a mensagem do Twitter vai para
todos os "seguidores" - gente que acompanha o emissor. Podem ser 30, 300
ou 409 mil seguidores.

MARTINS, I.; LEAL, R. Época. 16 mar. 2009 (fragmento adaptado).

Da comparação entre os textos, depreende-se que o texto 2 constitui um passo


a passo para interferir no comportamento dos usuários, dirigindo-se
diretamente aos leitores, e o texto 1

TEXTO 2

FONTE: MARTINS, I.; LEAL, R. Época. 16 mar. 2009.

CRÉDITO: Editoria de Arte

a) adverte os leitores de que a internet pode transformar-se em um problema


porque expõe a vida dos usuários e, por isso, precisa ser investigada.

b) ensina aos leitores os procedimentos necessários para que as pessoas


conheçam, em profundidade, os principais meios de comunicação da
atualidade.

c) exemplifica e explica o novo serviço global de mensagens rápidas que


desafia os hábitos de comunicação e reinventa o conceito de privacidade.

d) procura esclarecer os leitores a respeito dos perigos que o uso do Twitter


pode representar nas relações de trabalho e também no plano pessoal.
e) apresenta uma enquete sobre as redes sociais mais usadas na atualidade e
mostra que o Twitter é preferido entre a maioria dos internautas.

Resposta: Alternativa c.

Critérios de avaliação e reelaboração

Coerência e coesão

Um fator indispensável para a coerência de uma narração é que ela apresente


progressão de ações. Pense nisso na hora de organizar os acontecimentos dos
relatos que tem escrito. Pense também se tem utilizado, de forma satisfatória,
os elementos de coesão. Ao realizar as propostas, fique atento aos elementos
coesivos que dão a ideia de progressão temporal, como desde, agora,
finalmente e quando.

309

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, você estudou um gênero de texto de grande importância em


nossa vida: o diário pessoal. Por meio dele, aprendemos a fazer registros de
vivências e experiências, percebendo melhor quem somos, como sentimos,
pensamos e agimos, as mudanças em nossos pontos de vista, em nossa
personalidade. Nesse sentido, a leitura do diário é tão rica quanto a produção,
pois alimenta a prática de nosso processo de autoconhecimento.

No trecho de Minha vida de menina, você pôde perceber a predominância do


relato, conjugado com sequências descritivas e argumentativas.

Atividade

Escreva no caderno

Produção

· Leia atentamente os parágrafos apresentados a seguir e reescreva-os, a fim


de torná-los mais adequados ao universo da linguagem escrita. Para isso:

a) Crie uma sequência lógica e organizada de ideias, alterando a ordem das


frases dos parágrafos e neles inserindo, quando necessário, elementos de
coesão: sinais de pontuação, conjunções, sinônimos, elipses etc.

b) Suprima as expressões de oralidade e as repetições desnecessárias.


c) Acrescente palavras ou expressões que julgar mais adequadas à clareza
das mensagens transmitidas.

TEXTO 1

O ambiente é todo colorido, tem uma ponta de mesa no canto direito, em cima
dela tem uma cesta de frutas, um galo, uma jarra de água e uma menina lendo
atentamente um livro. Ela está sentada nesta mesa, com as mãos na cabeça,
seus cabelos são longos e estão presos com um lenço, também colorido. Tudo
tem muita cor, suas roupas, a toalha da mesa, os quadros na parede, são
vários tons existentes, porém a menina está envolvida com outras tonalidades,
no mundo da escrita. Nada altera o estado de concentração daquela menina.

M. L. A., aluna do Ensino Médio.

Resposta pessoal. Sugestão: O ambiente é todo colorido. Nele uma menina lê


atentamente um livro, sentada a uma mesa, onde há uma cesta de frutas, um
galo e uma jarra de água. A menina, de cabelos longos e presos com um lenço,
está com as mãos na cabeça. Embora haja vários tons no mundo real que a
circundam, ela se deixa envolver por outras tonalidades, aquelas do mundo da
leitura. Nada altera o estado de concentração daquela menina.

TEXTO 2

Ana é uma menina quase moça, sonhadora, distraída, calma, de bem com a
vida. Estava de férias escolares, e este era um bom motivo para serem
atribuídas muitas tarefas no seu dia, para ela pôr o pé na realidade, segundo
sua tutora. Naquela manhã, todos saíram de casa, ela ficou com a incumbência
de pôr tudo em ordem. Logo que se viu sozinha, "achou" um livro e começou a
folhear. Esqueceu de tudo à sua volta, sentou na mesa com o livro e se ocupou
de outro prazer. Começou a ler histórias. Esqueceu do tempo. Quando todos
voltaram para casa encontraram tudo como estava, por fazer...

M. L. A., aluna do Ensino Médio.

Resposta pessoal. Sugestão: Ana é uma menina quase moça, sonhadora,


distraída, calma, de bem com a vida. Como estava em férias escolares, sua
tutora atribuiu-lhe muitas tarefas cotidianas, para ela pôr o pé na realidade.
Naquela manhã, todos saíram de casa e ela ficou com a incumbência dedeixar
a casa em ordem. Logo que se viu sozinha, "achou" um livro e começou a
folhear. Desde então, esqueceu tudo à sua volta, sentou-se à mesa com o livro
e se ocupou do prazer de ler histórias, esquecida do tempo. Quando todos
voltaram para casa, encontraram tudo por fazer, como haviam deixado...

TEXTO 3

As pessoas têm um comportamento que varia. São valores, prioridades


pessoais, circunstâncias sociais? Tem um tipo de pessoa que entra num lugar
bagunçado e começa a arrumar até chegar ao fim, isso lhe dá prazer. Por outro
lado existem outras pessoas que chegam a desprezar o mundo do lar, da
limpeza, do tudo em ordem. Enfim, o seu olhar para migalhas não existe.

M. L. A., aluna do Ensino Médio.

Resposta pessoal. Sugestão: O comportamento das pessoas varia bastante.


Existem tipos opostos de indivíduos: os que entram num lugar em desordem e
encontram prazer em arrumá-lo e os que chegam a desprezar o mundo do lar,
da limpeza, da organização. Enfim, seu olhar para migalhas não existe. Será
que essa diversidade advém de valores pessoais ou de circunstâncias sociais?

310

capítulo 3 - Relatório

No capítulo anterior, você realizou atividades com o gênero diário pessoal, um


relato subjetivo, caracterizado pelas impressões, sensações, sentimentos e
opiniões do enunciador do texto a respeito dos acontecimentos que vivenciou
ou daqueles que foram marcantes.

Neste capítulo, vamos estudar o relatório, que se caracteriza pela exposição ou


informação objetiva de fatos.

CRÉDITO: Phil Boorman/EasyPix

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livro

· RAMOS, Graciliano. Viventes das Alagoas. Rio de Janeiro: Record, 2007.

Sites
· GRACILIANO RAMOS. Obra: Viventes das Alagoas (1962). 2016.
Disponível em: http://tub.im/6r54w3. Acesso em: 29 abr. 2016.

· ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Publicações da OMS. 2016.


Disponível em: http://tub.im/p28qzg. Acesso em: 29 de abr. 2016.

311

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 315 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Leia um exemplo, a seguir, do gênero relatório.

Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios

Relatório ao Governo do Estado de Alagoas

Ex.mo Sr. Governador:

Trago a V. Exª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira


dos Índios em 1928.

Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados,
entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as
condições em que o Município se achava, muito me custaram.

Começos

O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros,


segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na administração.

Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o


Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem
administrar. Cada pedaço do Município tinha a sua administração particular,
com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses,
resolviam questões de polícia e advogavam.

Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e


encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela - dentro, uma resistência
mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua,
carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso
Senhor, que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses
para levar um tiro.

Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos:


saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais
não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e,
sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles.

Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser


pior.

[...]

Conclusão

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há


curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.

Evitei emaranhar-me em teias de aranha.

Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados;
outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não
paguem impostos.

Não me entendi com esses.

Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas,


e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada
canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela
se servem como assunto invariável; há quem não compreenda que um ato
administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-
me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.

Vocabulário:

anomalia: irregularidade, anormalidade;

em rama: a matéria-prima têxtil natural, em estado bruto, antes de ser


preparada para fiar. Exemplo: algodão em rama, seda em rama;

sorna: indolente, preguiçosa;

oblíquo: malicioso, dissimulado;


bílis/bile: líquido esverdeado, amargo e viscoso, segregado pelo fígado e que,
por meio de sistema próprio de canais, é levado ao duodeno, participando, de
modo importante, da digestão; mau humor, irritabilidade;

maroteira: ato próprio de maroto, patifaria, velhacaria, malandrice.

Fim do vocabulário.

PARA QUE SABER?

Antes de se tornar um dos maiores romancistas brasileiros do século XX,


Graciliano Ramos foi prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, localizada no
estado de Alagoas. Quando ocupou esse cargo, produziu relatórios
administrativos que foram entregues a um editor. Esse editor identificou neles o
talento literário de Graciliano Ramos, e assim se iniciou a carreira do escritor.

312

Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.

Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os


meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.

Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.

Não me fizeram falta.

Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por esses dois anos


dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e
prosperidade.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

Graciliano Ramos

RAMOS, Graciliano. Viventes das Alagoas: quadros e costumes do Nordeste.


São Paulo: Martins, 1972. p. 165-172.

LEGENDA: Palmeira dos Índios (AL), 1933.

CRÉDITO: 1933. Coleção particular

LEGENDA: Graciliano Ramos em 1950.

CRÉDITO: Arquivo/Estadão Conteúdo


Em tom de conversa

Atenção Professor(a), as respostas são apenas sugestões. Fim da observação.

A partir de uma leitura do relatório de Graciliano Ramos em sala de aula,


vamos reconhecer alguns recursos expressivos presentes no texto, para
compreender mais detalhadamente como se constrói sua força persuasiva.

O objetivo desta atividade é identificar os trechos do texto estruturados com os


recursos expressivos enumerados a seguir, procurando mostrar que efeitos
eles produzem.

1. A referência ao leitor.

Resposta: "Assim minguados [os trabalhos realizados pela Prefeitura],


entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as
condições em que o Município se achava, muito me custaram.". Professor(a),
comentar com os alunos a referência sutil do autor ao leitor do texto, aludindo
ao afastamento deste, a fim de sensibilizá-lo para a leitura do relatório.

2. As repetições enfáticas.

Resposta: "O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os
outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na administração."

3. A presença de enumeração e de polissíndeto (repetição da conjunção e).

Resposta: "Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas
anônimas, e adoeça, e se morda [...] há até quem pretenda embaraçar-me em
coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.". Esses
recursos de linguagem enfatizam as contínuas dificuldades encontradas para
administrar o município.

4. A ironia.

Resposta: "Havia em Palmeira inúmeros prefeitos [...] Os fiscais, esses,


resolviam questões de polícia e advogavam.". A afirmação irônica de que
existem inúmeros prefeitos na cidade denuncia a corrupção ali existente. O
pronome demonstrativo do final desse fragmento ("esses") é utilizado com
intenção ao mesmo tempo enfática e irônica.

5. Os elementos descritivos, com uso de metáforas.


Resposta: "[...] encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela - dentro,
uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha
sorna, oblíqua, carregada de bílis.". Neste trecho, para denunciar a oposição
que enfrentou na Prefeitura, o autor cria metáforas descritivas que exploram o
tato e o paladar.

6. As marcas da presença do enunciador no texto.

Resposta: "Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez


pudesse ser pior."; "Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos
disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.";
"Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome. Não me
fizeram falta.". Essas marcas contribuem para a força persuasiva do relatório,
pois revelam posturas de humildade e de seriedade do enunciador.

313

OS RECURSOS EXPRESSIVOS DO RELATÓRIO

No relatório lido, Graciliano Ramos quebra o tom burocrático de muitos textos


desse tipo pela forma como escreve. Ele concilia a objetividade, a concisão e o
caráter formal do relatório técnico com um estilo próprio, capaz de dar vida à
mensagem transmitida e, dessa forma, despertar o interesse do leitor.

A relação texto-contexto

Repare que o enunciador do texto, de acordo com o objetivo a que se propôs,


fez um relatório ao governador do estado de Alagoas sobre os trabalhos que
efetuou como prefeito da cidade de Palmeira dos Índios em 1928. Para
produzir o texto, combinou o relato com sequências descritivas e sequências
dissertativas.

Esse fato mostra que, em geral, no relato objetivo e no subjetivo, predominam


fatos ou acontecimentos que podem se combinar e se enriquecer com a
presença de outros tipos de estruturação textual: a descrição e a dissertação.

Entretanto, enquanto o conteúdo do relato subjetivo é pessoal, o conteúdo do


relato objetivo é marcado pela ênfase não no sujeito, mas no objeto, ou seja,
naquilo que é relatado.
Embora apresente elementos literários que o enriquecem, o texto lido é um
exemplo de relatório técnico, utilizado numa situação formal de comunicação.
Existe uma grande variedade de relatórios técnicos que são publicados em
jornais e revistas especializados e circulam em repartições públicas ou
empresas privadas, como resultados de pesquisas científicas, inquéritos,
sindicâncias etc.

As escolas também trabalham com relatórios técnicos, que são solicitados por
professores de diferentes disciplinas. Em geral, esses relatórios aproximam-se
do tom mais informal de relatos de experiências de leitura, de estudos do meio,
de resultados de experimentos em Química, Física, Biologia etc., enfim, de
atividades de pesquisas, nas diferentes áreas de estudo. Trata-se, portanto, de
um gênero que abrange todas as disciplinas, podendo, em alguns casos, ser
interdisciplinar.

Comentário

Ao estudar os principais recursos expressivos do texto, você pôde observar


que Graciliano Ramos o escreveu utilizando as convenções formais do relatório
técnico, mas, ao mesmo tempo, as ultrapassou, por meio de uma linguagem
viva, contundente, significativa.

Esse exemplo de relatório mostra como um texto, mesmo que técnico, pode se
distinguir dos outros, conquistando a adesão do leitor.

LEGENDA: Detalhe da fachada da Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios


(AL).

CRÉDITO: Flávio Florido/Folhapress

314

Leitura

Leia um exemplo de relatório solicitado por um professor da disciplina de


História.

Relatório sobre estudo do meio na cidade litorânea de Iguape

1 No dia 16 de maio de 2009, nós, do 2º ano do Instituto de Educação AA, nos


dirigimos a Iguape, território que faz parte da estação Ecológica Jureia-Itatins,
uma das áreas mais preservadas da Mata Atlântica, localizada no estado de
São Paulo, para fazer um estudo das características da cidade.

2 Nos dirigimos a uma praça onde se situa a igreja principal da cidade e, no


caminho, observamos a presença de hotéis e pousadas, restaurantes e
comércio em geral, que atraem turistas para a região. Há casas muito antigas
construídas em estilo colonial, que, descobrimos, foram tombadas pelo
patrimônio histórico, e outros tipos também, na maioria sobrados geminados.
As casas se diferenciam pelas cores, bem fortes e chamativas, e pelo formato
das janelas e portas, em geral da mesma altura e com a parte superior
arredondada.

3 Em relação à estrutura das construções, descobrimos que antigamente as


casas eram feitas de taipa, blocos de pedra e sambaquis triturados. Também
descobrimos que a fundação de Iguape ocorreu no ano de 1538 e é atribuída a
um degredado português e a um aventureiro castelhano.

4 Mais tarde, fomos à Base do Lagamar visitar a Fundação SOS Mata


Atlântica, onde são desenvolvidas as atividades da Fundação na região. Trata-
se de um edifício histórico com biblioteca, videoteca, mapoteca e um banco de
dados turísticos para consulta dos visitantes. Lá vimos vários painéis
explicativos sobre a Mata Atlântica e um específico sobre a área onde se situa
a Base do Lagamar. Um guia do local nos contou que no município tinha muito
ouro e que havia plantação de arroz como lavoura de subsistência.

5 Hoje a cidade conta com intensa atividade pesqueira, principalmente


artesanal, e tem cerca de 3 mil pescadores. Como vimos nos painéis que
reproduzem a linha do tempo e a ocupação do lugar desde o início da fundação
da cidade, durante o século XVI só havia casas térreas e foi a partir do século
XVII que começaram a surgir os sobrados que hoje lá existem.

6 No dia seguinte, após uma demorada viagem de escuna, conhecemos


Marujá, que fica na Ilha de Cardoso, um parque estadual situado próximo a
Iguape. Lá vimos que a comunidade vive sem energia elétrica e as casas não
têm sistema de esgoto. Nossa primeira atividade foi entrevistar três moradores.
7 O primeiro foi o senhor Ezequiel, um líder da comunidade que nos contou
que em Marujá os pescadores praticam o cerco, uma armadilha para peixes
feita de forma artesanal, com estacas de madeira e corda.

8 Outro entrevistado foi o senhor Laurentino, um caiçara que é mestre em fazer


remos. Ele nos contou que o remo deve ser feito com uma madeira especial e
que aprendeu a arte com seu pai. Disse que na comunidade o ofício de fazer
objetos e artesanatos em geral passa de geração para geração, constituindo
uma tradição local.

9 E por último falamos com o senhor Laurinei, um tocador de rabeca,


instrumento parecido com o violino. Ele nos contou que aprendeu a tocar com
um certo Seu José e que também ensina o ofício para seus filhos e para
pessoas que querem aprender.

10 No último dia, nossa atividade foi visitar uma praia e conhecer um


manguezal para saber como ele realmente é: trata-se de um tipo de floresta
que possui muita lama. As areias da praia eram muito brancas e apresentavam
três marcas de camadas da maré em direção às dunas que delineavam os
avanços e os recuos do mar.

11 Pudemos verificar que as pressões seletivas ou pressões ambientais,


elementos que a natureza coloca para selecionar as espécies mais adaptadas,
eram a maré e o vento, o calor excessivo, o solo arenoso e movediço. Na
região havia insetos e aves marinhas, assim como siris, moluscos e grande
variedade de peixes.

12 Com o estudo que fizemos nos três dias que permanecemos em Iguape,
podemos dizer que a cidade apresenta características especiais: é rica em
belezas naturais, possui um valioso patrimônio histórico e conta com o apoio da
população para manter a tradição da cultura local, sem colocar em risco o
ecossistema.

T., L., R., alunos do Ensino Médio.

315

Em tom de conversa

1. Identifique:
a) o enunciador e o enunciatário do texto.

Resposta: O texto foi escrito por estudantes do Ensino Médio (2º ano) do
Instituto de Educação AA. O enunciatário é o professor que o solicitou.

b) o objetivo pelo qual o texto foi produzido.

Resposta: O objetivo é relatar um estudo do meio realizado na cidade de


Iguape (SP).

2. Note que, embora a disciplina responsável pelo estudo realizado e relatado


seja História, nele há elementos que podem ser alvo do interesse de outras
disciplinas, como Geografia, Biologia e Artes.

Discuta com seus colegas onde encontramos a presença no relato de:

a) elementos relativos à História.

Resposta pessoal. Sugestão: O texto é repleto de elementos históricos, como


se vê, principalmente, nos parágrafos 3, 4 e 5.

b) elementos relativos à Geografia.

Resposta pessoal. Sugestão: As principais informações a respeito das


particularidades da região, como sua localização, sua organização topográfica,
suas condições e seu modo de subsistência, constituem elementos que
interessam à Geografia.

c) elementos relativos à Biologia.

Resposta pessoal. Sugestão: Principalmente nos parágrafos 10 e 11.

d) elementos relativos à Arte.

Resposta pessoal. Sugestão: a descrição das casas em estilo colonial e,


especialmente, a preservação de uma cultura artesanal, percebida nos
depoimentos dos entrevistados.

3. A que conclusão podemos chegar sobre o relatório, tendo em vista o que


percebemos respondendo à questão anterior?

Resposta: A conclusão é que se trata de um relatório interdisciplinar.

4. Embora o relatório escrito pressuponha o emprego da variedade padrão da


língua, nele encontramos o registro característico da oralidade, mais coloquial.
Cite dois desses elementos e comente seu efeito para a avaliação do relatório
do ponto de vista de nosso curso: o da leitura e o da produção de textos.

Resposta: Exemplo 1 - início de frase com pronome anteposto ao verbo: "Nos


dirigimos a uma praça [...]". Exemplo 2 - escolha do verbo ter em vez do haver:
"Um guia do local nos contou que no município tinha muito ouro [...]". Resposta
pessoal. Sugestão: Os elementos coloquiais dão vivacidade ao texto,
aproximando-o do leitor e tornando a leitura mais acessível e agradável.

FIQUE SABENDO

Quando nos propomos a fazer um relatório, é importante atentarmos para a


finalidade desse gênero de texto: apresentar informações sobre a execução de
determinada tarefa, fato, ocorrência ou experiência. Além disso, precisamos
considerar seus elementos contextuais: a quem o texto se destina, o objetivo
pelo qual é produzido, o contexto em que deve circular, a linguagem que
precisa ser utilizada etc.

O importante é perceber as características essenciais do relatório: em geral,


predomínio do relato de acontecimentos, presença de elementos descritivos e
dissertativos, linguagem objetiva e concisa.

E MAIS...

Relatório com tema livre

Atenção Professor(a), a mediação dessa atividade interdisciplinar deve partir


de interesses e motivações dos alunos,mas, para iluminar o campo de
possibilidades de trabalho, vale sugerir como temas de estudo aspectos da
cidade (história da ocupação, habitantes, atividades econômicas e culturais
etc.); um museu e seu acervo; um centro cultural e suas propostas etc. Fim da
observação.

Reúna-se com um grupo de colegas e, com a orientação de seu(sua)


professor(a), proponha uma atividade cultural que seja interdisciplinar. Essa
atividade deverá gerar um relatório. Para isso, sugerimos que o grupo percorra
as seguintes etapas:

· encontrar um tema interessante e que envolva professores das diferentes


áreas do conhecimento;
· estabelecer os objetivos da experiência e fazer um roteiro das atividades a ser
desenvolvidas;

· discutir e determinar os procedimentos necessários para uma convivência


produtiva e compromissada de todos os estudantes do grupo;

· avaliar o tempo necessário para a elaboração do relatório e estabelecer uma


data para a apresentação oral e escrita de seus resultados, o que envolve a
análise de pontos positivos e negativos do desenvolvimento do trabalho,
primeiro no próprio grupo e, num segundo momento, com a classe.

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. Leia atentamente o relatório a seguir e identifique os elementos estruturais,


baseando-se neste modelo.

Abertura

· Título

· Vocativo

Introdução

· Enunciação do propósito do relatório

Desenvolvimento

· Apresentação do núcleo ou corpo do relatório

316

No desenvolvimento ocorre o predomínio do relato objetivo, acrescentado,


quando necessário, de sequências descritivas (que caracterizem os
elementos mais relevantes a serem destacados) e sequências dissertativas
(que apresentem os pontos de vista do enunciador e os argumentos ou
justificativas que os fundamentam).

Conclusão

· Reafirmação sintética do conteúdo apresentado


Fecho

· Saudação

· Local e data

· Assinatura

Relatório interno estrutural e organizacional

Resposta: Abertura
Título

Ao Sr. Alípio Beltrão Souza - Diretor de recursos e estruturação

Resposta: Vocativo

Conforme reunião de 15 de julho de 2008, levo ao seu conhecimento o


resultado da análise efetuada na unidade externa 254-Ibiacaba, recentemente
adquirida pelo Grupo Utópica.

Resposta: Introdução

A unidade precisa emergencialmente da contratação de, no mínimo, mais dois


funcionários para complementação do quadro (três seria o recomendável).
Estes, de acordo com reunião com o gerente da unidade, serão incorporados,
num primeiro momento, na retaguarda do atendimento operacional, para que
se efetue a devida organização do espaço (estrutura, limpeza e arquivos
físicos) e dos dados (atualização e transposição do meio físico para o
computacional).

Será preciso, ainda, enviar mobiliário e equipamentos para dar suporte a essas
contratações e realizar substituições que se fazem necessárias à unidade,
garantindo segurança e conforto a clientes e funcionários.

Tendo em vista minha observação e o poder de decisão que me foi concedido,


requisitei antecipadamente alguns serviços de reparo e manutenção do prédio.

Além disso, elaborei dois programas: um de acompanhamento e


aperfeiçoamento dos funcionários e outro de melhoria de qualidade de vida dos
mesmos. Ambos serão discutidos nas próximas semanas, a fim de que se
realize sua pronta implementação.

Resposta: Desenvolvimento
É preciso que se considere a urgência dos itens mencionados, para a
adequação da unidade às normas e políticas internas do Grupo Utópica.

Resposta: Conclusão

Atenciosamente,

Resposta: Fecho
Saudação

Grupo Utópica Serviços e Tecnologia. São Paulo, 4 de agosto de 2008.

Resposta: Local (identificação da empresa)


Data

Carlos Augusto Roubini (Gerente-geral de unidades)

Resposta: assinatura

F. S. N., aluno do Ensino Médio.

2. Releia com atenção o relatório e responda.

a) A que contexto pertence?

Resposta: Ao contexto empresarial.

b) Identifique seu enunciador e seu enunciatário.

Resposta: O enunciador é o gerente-geral de unidades do Grupo Utópica


Serviços e Tecnologia. O enunciatário é o Sr. Alípio Beltrão Souza, diretor de
recursos e estruturação da mesma empresa.

c) De acordo com a introdução do relatório, qual é o seu objetivo?

Resposta: Levar ao conhecimento do diretor de recursos e estruturação da


empresa os resultados de uma análise da situação de uma nova unidade,
recentemente adquirida.

3. Considerando que o desenvolvimento do relatório divide-se em quatro


parágrafos, reconheça:

a) os parágrafos que descrevem as necessidades da nova unidade e quais são


elas.
Resposta: 1º e 2º parágrafos do desenvolvimento. As necessidades são
contratação de novos funcionários e envio de suportes e equipamentos.

b) os parágrafos que relatam as ações praticadas pelo autor do relatório e


quais são elas.

Resposta: 3º e 4º parágrafos do desenvolvimento. As ações são requisição de


serviços de reparo de instalações do prédio e elaboração de dois programas
para os funcionários: um referente ao acompanhamento e aperfeiçoamento e
outro, à melhoria de qualidade de vida.

4. Releia a parte relativa ao desenvolvimento e enumere as principais


sugestões do relatório e argumentos que as justificam.

Resposta: A contratação de dois ou três funcionários para a organização do


espaço e dos dados; envio de mobiliário e equipamentos, para dar suporte às
contratações, além de segurança e conforto a clientes e funcionários;
requisição de serviços para o reparo e manutenção do prédio; programas de
capacitação e assistência para melhoria dos serviços e da qualidade de vida
dos funcionários.

5. Dê sua opinião.

a) Qual é a principal diferença entre os relatórios estudados neste capítulo?

Resposta: Diferentemente do relatório de Graciliano Ramos, os demais não


apresentam elementos literários.

b) Você acredita que todos os relatórios obedecem ao mesmo modelo? Por


quê?

Resposta pessoal. Sugestão: Não, os modelos mudam de acordo com as


variações dos elementos contextuais (quem escreve, para quem, com qual
objetivo etc.).

317

6. Relate a seus colegas um trabalho escolar que você tenha realizado, de


qualquer disciplina, apresentando e comentando as razões dos bons ou maus
resultados. Em seguida, ouça os relatos de seus colegas e tente, com eles,
enumerar algumas dessas razões.
Resposta pessoal.

7. Relate um fato marcante de sua vida que o(a) tenha auxiliado a pensar numa
carreira profissional que gostaria de seguir, em dois contextos diferentes:

Respostas pessoais.

a) o contexto de um diário pessoal;

b) o contexto de um relatório a ser enviado a alguém que pode, por meio do


fato narrado, ajudá-lo(a) a conseguir o trabalho que deseja.

8. Escreva um relatório sobre sua escola, focalizando aspectos positivos e


negativos. O enuciatário de seu texto pode ser qualquer autoridade em quem
você confie, e seu objetivo, ao escrevê-lo, é participar de um projeto de
revalorização da escola como lugar privilegiado de formação e informação.

Sugestões de temas para ser abordados:

· as condições da biblioteca e dos computadores;

· o andamento das práticas desportivas;

· o interesse dos estudantes pelas aulas;

· as relações de sociabilidade e convivência entre os estudantes, dos


estudantes com os professores, direção, funcionários etc.

Resposta pessoal.

PARA NÃO ESQUECER

No diário pessoal predominam a subjetividade, a linguagem informal e o tom


confessional; no relatório, predominam a objetividade, a linguagem formal e a
presença de um enunciatário determinado.

PARA QUE SABER?

Escrever é um processo de idas e vindas, que implica planejamento, rascunho


e revisão. É importante mostrar o seu texto aos colegas e ao(à) professor(a).
Do mesmo modo, é preciso ter disponibilidade para ler os textos dos colegas,
opinando a respeito deles e, assim, contribuindo com seu aprimoramento.

Critérios de avaliação e reelaboração


Neste capítulo, vamos retomar os dois critérios essenciais de organização
textual: a coerência e a coesão.

Você já aprendeu que um texto é coerente quando o leitor ou o ouvinte


consegue interpretá-lo, compreender o que ele diz. Sendo assim, o critério da
coerência tem a ver com a adequação do texto ao contexto em que está
inserido. Por exemplo: enquanto o contexto do diário pessoal é informal, pois
nele o autor coincide com o leitor, o contexto do relatório será mais formal ou
menos formal, dependendo do tipo de leitor e da situação comunicativa que
estiverem em jogo.

No entanto, em ambos os casos, é preciso atentar para a coesão, pois não se


consegue escrever sem organizar as palavras em frases e as frases em texto,
formando uma sequência lógica e ordenada de ideias.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

[...] [Podemos concluir que] "a função da coesão é exatamente a de promover a


continuidade do texto, a sequência interligada de suas partes, para que não se
perca o fio de unidade que garante a sua interpretabilidade", [isto é, a sua
coerência] [...].

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo:


Parábola Editorial, 2005. p. 47.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, você estudou e praticou a escrita de relatórios, percebendo


seus elementos essenciais: a objetividade, a linguagem formal, a presença de
um enunciatário determinado e, sobretudo, a importância do contexto na
escolha do grau de formalidade/informalidade na realização desse gênero
textual.

318

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção
1. Leia atentamente os textos apresentados a seguir e identifique os contextos
em que se inserem: contexto de informalidade ou contexto de formalidade.

TEXTO 1

São Paulo, 20 de março de 2007.

Meu nome é M. L. A., sou estudante e tenho bastante experiência em


magistério.

Gostaria de me dirigir à Senhora Sílvia M., representante desta instituição,


porque tive oportunidade de ler o anúncio de vocês no início deste mês no
jornal do meu bairro. Gostei muito do trabalho desenvolvido pela ONG com os
meninos de rua. Chamou muito a minha atenção a preocupação e o cuidado de
vocês com estas pessoas que vivem numa situação de tanta carência.

Estou fazendo no momento o curso de Magistério no período noturno, numa


escola perto da minha casa. Este fato faz com que eu possa disponibilizar de
tempo para trabalhar. Gostaria muito de ter a oportunidade de me apresentar e
desenvolver um trabalho educacional com estas crianças. Já tive oportunidade
de trabalhar em acampamentos de férias, como monitora, e dar algumas aulas
para pessoas de baixa renda. Desde muito nova, com aproximadamente 10
anos, eu já cuido de crianças e tenho dado aulas para amigos ou pessoas
conhecidas desde que estava na 6ª série do Ensino Fundamental. Gosto muito
desse trabalho com crianças e sempre que surge oportunidade de atuar em
organização e execução de eventos eu me apresento para trabalhos diversos.

Conto com o interesse de vocês em possibilitar uma entrevista para maiores


esclarecimentos sobre as possibilidades de ação.

Muita grata pela atenção.

M. L. A., aluna do Ensino Médio.

Resposta: Contexto de formalidade.


Além disso, desde muito nova cuido de crianças: fui monitora em
acampamentos de férias escolares e dei aulas para pessoas de baixa renda.
Trata-se, portanto, de um tipo de trabalho de que gosto e ao qual gostaria de
continuar me dedicando.
Sendo assim, gostaria muito de ter a oportunidade de me apresentar como
voluntária para desenvolver atividades educacionais com as crianças dessa
instituição.
Conto com o interesse de vocês em marcar uma entrevista para mais
esclarecimentos sobre as possibilidades de ação. Muito grata pela atenção.

TEXTO 2

Hoje acordei pensando nos motivos da minha opção profissional. Isso me faz
recordar de fatos muito marcantes. Situações pessoais e especiais que me
agradavam muito quando aconteciam. Desde aproximadamente meus 10 anos
de idade, me recordo de cuidar de crianças mais novas do que eu. No clube da
cidade, em festas, na própria escola em que estudava, lá estava eu com
algumas crianças a minha volta.

Quando estava na 6ª série, comecei a dar aulas de Matemática para meus


colegas, porque ia muito bem na matéria e adorava o professor. Também tinha
a minha mãe que foi diretora de escola. Ela brincava, nas nossas rodas de
convivência, de desafios com a língua portuguesa. Meu pai era o próprio poeta
dentro de casa, com suas histórias fantásticas. Meus irmãos eram um sucesso
na escola. Estudei anos com um lindo irmão na mesma sala. Trabalhei numa
escolinha de criancinhas bem pequenas. Enfim, os motivos são muitos e as
lembranças são várias. Relembrando esses fatos, entendo o porquê de eu
querer trabalhar em escola. Ser professora. A minha história de vida conta uma
relação muito feliz com o mundo escolar.

M. L. A., aluna do Ensino Médio.

Resposta: 1. Contexto de informalidade.


2. Esse texto está de acordo com o contexto de informalidade a que pertence.

2. Faça um trabalho de revisão de ambos os textos, tendo em vista a


coerência com os contextos em que se inserem. Se, e quando necessário,
reorganize os elementos de coesão presentes nos textos, por meio de:

· supressão de repetições desnecessárias.

· acréscimo de palavras ou expressões que auxiliem a clareza das mensagens


transmitidas.

· alteração da sequência de frases, tendo em vista a progressão de ideias.


· revisão de sinais de pontuação, conjunções, colocação de pronomes etc.

Resposta pessoal. Sugestão:


São Paulo, 20 de março de 2007.
À Senhora Sílvia M., da ONG ...
Meu nome é M. L. A. e gostaria de me dirigir à senhora Sílvia M., representante
desta instituição, porque tive oportunidade de ler o anúncio colocado, no início
deste mês, no jornal do meu bairro, a respeito do trabalho desenvolvido com os
meninos de rua.
A preocupação e o cuidado desta ONG com as crianças que vivem numa
situação de tanta carência me motivaram a escrever este texto.
Como estou fazendo o curso de Magistério no período noturno, numa escola
perto de minha casa, tenho tempo disponível.

319

3. (PUC-PR)

Um arriscado esporte nacional

Os leigos sempre se medicaram por conta própria, já que de médico e louco


todos temos um pouco, mas esse problema jamais adquiriu contornos tão
preocupantes no Brasil como atualmente. Qualquer farmácia conta hoje com
um arsenal de armas de guerra para combater doenças de fazer inveja à
própria indústria de material bélico nacional. Cerca de 40% das vendas
realizadas pelas farmácias nas metrópoles brasileiras destinam-se a pessoas
que se automedicam. A indústria farmacêutica de menor porte e importância
retira 80% de seu faturamento da venda "livre" de seus produtos, isto é, das
vendas realizadas sem receita médica.

Diante desse quadro, o médico tem o dever de alertar a população para os


perigos ocultos em cada remédio, sem que, necessariamente, faça junto com
essas advertências uma sugestão para que os entusiastas da automedicação
passem a gastar mais com consultas médicas. Acredito que a maioria das
pessoas se automedica por sugestão de amigos, leitura, fascinação pelo
mundo maravilhoso das drogas "novas" ou simplesmente para tentar manter a
juventude. Qualquer que seja a causa, os resultados podem ser danosos.
É comum, por exemplo, que um simples resfriado ou uma gripe banal leve um
brasileiro a ingerir doses insuficientes ou inadequadas de antibióticos
fortíssimos, reservados para infecções graves e com indicação precisa. Quem
age assim está ensinando bactérias a se tornarem resistentes a antibióticos.
Um dia, quando realmente precisar de remédio, este não funcionará. E quem
não conhece aquele tipo de gripado que chega a uma farmácia e pede ao
rapaz do balcão que lhe aplique uma "bomba" na veia, para cortar a gripe pela
raiz? Com isso, poderá receber na corrente sanguínea soluções de glicose,
cálcio, vitamina C, produtos aromáticos - tudo sem saber dos riscos que corre
pela entrada súbita destes produtos na sua circulação.

Fonte: Dr. Geraldo Medeiros. Veja, 18 dez. 1985.

· Indique o que for FALSO sobre o texto de Geraldo Medeiros.

a) Apesar de tratar de um tema sério, o texto apresenta um certo tom de


humor.

b) Os dados estatísticos apresentados no primeiro parágrafo são argumentos


convincentes que o autor utiliza para defesa de seu ponto de vista.

c) No segundo parágrafo, o uso do verbo acreditar, para introduzir as causas


da automedicação, anulou a força argumentativa do enunciado, o que acabou
desqualificando todo o texto.

d) O fato de o autor assinar seu nome precedido do título de doutor (Dr.) é uma
forma de dar credibilidade tanto à posição defendida como aos argumentos
apresentados.

e) A automedicação é o tema central do texto.

Resposta: Alternativa c.

· Analise as afirmações sobre os elementos que estabelecem relações entre os


segmentos do texto de Medeiros.

Marque a alternativa FALSA.

a) Diante desse quadro (2º parág.) equivale a "entretanto", porque ambos


estabelecem relação de conclusão.
b) Já que (1º parág.) introduz uma justificativa para a afirmação contida na
frase anterior.

c) Sem que (2º parág.) exclui um fato que poderia constituir um argumento
contrário à afirmação anterior.

d) Ou (2º parág.) marca relação de alternância (e/ou).

e) Com isso (3º parág.) retoma a palavra bomba, evitando sua repetição.

Resposta: Alternativa a.

320

4. (PUC-PR) Ordene coerentemente o conjunto de enunciados a seguir, de


forma a recompor o texto "Fumo passivo também mata", publicado na Gazeta
do Povo (17/09/09).

I. Nem os animais de estimação estão livres dos males causados pelo vício de
seus donos: a Faculdade de Medicina Veterinária da USP pesquisou a relação
entre tabagismo e doenças respiratórias de cães e gatos e concluiu que eles
sofrem das mesmas doenças decorrentes do fumo passivo - como câncer,
bronquite, asma e crise alérgica - que acometem seres humanos.

II. A faixa etária mais atingida, tanto em homens quanto em mulheres, é de 65


anos ou mais.

III. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam a exposição à


fumaça do cigarro alheio como a terceira causa de morte evitável no mundo,
atrás apenas do próprio tabagismo e do alcoolismo.

IV. A pesquisa do Inca revela que 2,9% das mortes cerebrovasculares podem
ser atribuídas à exposição passiva à fumaça do tabaco.

V. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), sete pessoas morrem


por dia no Brasil por estarem expostas ao fumo passivo.

VI. Nas doenças isquêmicas, a taxa é de 2,5%. O fumo passivo é apontado


como causa de 0,7% das mortes por câncer de pulmão. Entre os fumantes
passivos, as mulheres morrem até três vezes mais que os homens.

a) V, I, IV, II, III, VI

b) III, V, IV, VI, II, I


c) V, III, I, VI, IV, II

d) III, I, V, VI, IV, II

e) N. d. a.

Resposta: Alternativa b.

5. (Enem/MEC)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de


Palmeira dos Índios em 1928.

[...]

ADMINISTRAÇÃO

Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário


vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que
prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por
ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa
disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a
Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque
o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

GRACILIANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de


Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De
natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para
esse gênero, pois o autor

a) emprega sinais de pontuação em excesso.

b) recorre a termos e expressões em desuso no português.

c) apresenta-se na primeira pessoa do singular, para conotar intimidade com o


destinatário.
d) privilegia o uso de termos técnicos, para demonstrar conhecimento
especializado.

e) expressa-se em linguagem mais subjetiva, com forte carga emocional.

Resposta: Alternativa e.

321

capítulo 4 - Do relato à narrativa ficcional

Neste capítulo, vamos perceber algumas diferenças importantes entre os


relatos de fatos e as narrativas ficcionais.

Para ser bons leitores e bons contadores de histórias, é preciso obter


familiaridade com esses elementos, percebendo as diversas combinações
possíveis entre eles.

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livros

· LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 1991.

· OZ, Amós. E a história começa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

· PELLEGRINI, Tânia (Org.). Literatura, cinema e televisão. São Paulo:


Senac, 2003.

Site

· PUCRS. Personagens da Literatura. [20--]. Disponível em:


http://tub.im/a5kxcd. Acesso em: 29 de abr. 2016.

322

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 323 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Leia um exemplo de narrativa de ficção.

A volta do Messias

João Batista, 42 anos, desempregado, foi detido na tarde de ontem sob a ponte
do Limão. Dizendo-se personagem bíblico, entre preces e balidos, submergia
diversas pessoas no Tietê, provocando-lhes graves queimaduras de pele. Por
ter ficado mais de seis horas exposto aos produtos químicos lançados no rio,
os pés do próprio acusado sofrem risco de amputação. Quanto à notícia de um
certo Jesus ter andado sobre as águas, os PMs afirmam que, embora pareça
alucinação coletiva, o fato é possível, dada a alta concentração de poluentes
no local, tornando a superfície praticamente sólida.

BONASSI, Fernando. 100 coisas. São Paulo: Angra, 2000. p. 103.

FIQUE SABENDO

Paródia é uma releitura crítica de alguma composição literária, marcada pela


utilização da ironia e, não raro, pelo deboche.

Em tom de conversa

Vamos comentar como o texto lido utiliza a aparência de neutralidade e


objetividade da notícia de jornal para denunciar problemas sociais típicos de
grandes centros urbanos, representados pela cidade de São Paulo.

1. Observe que o texto começa apresentando o personagem principal ou


protagonista e, em seguida, o desfecho da história: "João Batista [...] foi detido
[...]".

Que ação João Batista praticava quando foi preso? Com quais consequências?

Resposta: Ele submergia diversas pessoas no Tietê, provocando-lhes graves


queimaduras na pele e sofrendo, o próprio Batista, risco de amputação dos
pés.

2. Considerando que a ação praticada por João Batista remete ao personagem


bíblico, que batizava pessoas no Rio Jordão na época de Cristo, opine: por que
podemos considerar paródico o relato?

Resposta pessoal. Sugestão: O relato parodia a passagem bíblica de João


Batista por mostrar a contradição entre a intenção do personagem do texto
(batizar as pessoas) e as consequências concretas de suas ações (provocar
queimaduras na pele delas).

3. Que tipo de expectativa o título do texto cria no leitor? Por quê?


Resposta pessoal. Sugestão: Entre outras possibilidades, o título pode criar
uma expectativa de leitura de um texto religioso, pois se refere a um tema
bíblico: "a volta do Messias".

Releitura

Escreva no caderno

1. Relacione o título e o conteúdo do texto.

a) Transcreva a passagem que se refere diretamente ao título.

Resposta: "Quanto à notícia de um certo Jesus ter andado sobre as águas, os


PMs afirmam que, embora pareça alucinação coletiva, o fato é possível, dada a
alta concentração de poluentes no local, tornando a superfície praticamente
sólida."

b) Que expressão, presente na passagem, converte Jesus num homem


comum?

Resposta: A expressão "um certo Jesus".

c) Segundo os PMs, o milagre de Jesus caminhar sobre as águas converte-se


em fato possível. Identifique a causa e a consequência desse fato.

Resposta: Causa: "a alta concentração de poluentes no local"; consequência:


"tornando a superfície praticamente sólida".

2. Os dois fatos que aparecem no texto denunciam um problema atual, típico


de grandes centros urbanos, como a cidade de São Paulo. De que problema se
trata?

Resposta: Trata-se da poluição dos rios; no caso, o Rio Tietê.

3. Identifique qual das afirmações a seguir é correta quanto ao objetivo pelo


qual o texto foi escrito.

I. O texto foi escrito com o objetivo de informar o leitor sobre acontecimentos


verídicos.

II. O texto foi escrito com o objetivo de ironizar uma determinada situação
social, por meio de paródia de acontecimentos bíblicos.

Resposta: A afirmação II.


323

O RELATO: OBJETIVO E PONTO DE VISTA

Como você já pôde perceber, o relato de histórias pode ter vários objetivos.

No diário pessoal, quem conta dialoga consigo mesmo, registrando e


comentando o que viveu, o que está vivendo, o que vai e/ou gostaria de viver,
de modo informal e subjetivo.

No relatório, quem conta apresenta a um determinado leitor os resultados de


ocorrências dos mais diversos tipos, com as mais diversas finalidades, de
modo formal e objetivo.

E MAIS...

Apresentação

Observe que, em todos os contextos apresentados, os mesmos fatos são


contados de formas diferentes, de acordo com os objetivos e pontos de vista
escolhidos.

O ato de contar pode se realizar de inúmeras maneiras, que dependem dos


diversos contextos, objetivos e pontos de vista que cada sujeito elege em sua
aventura como autor.

Propostas de produção

Escolha uma das propostas a seguir e, depois de escrever seu texto, leia-o
para os colegas.

Proposta 1

Imagine que você é João Batista e que, depois de preso, resolveu relatar, em
forma de diário pessoal, o que aconteceu em "A volta do Messias". Utilize a 1ª
pessoa e o tom informal desse gênero textual para incorporar, como se fosse
seu, o ponto de vista do personagem.

Proposta 2

Você estava passando pela ponte do Limão e viu o que aconteceu. Dessa
perspectiva, faça um relato oral a seus colegas, assumindo o papel de
testemunha ocular da cena.
Proposta 3

Suponha que você é o policial que prendeu João Batista e precisa fazer um
relatório a seu chefe, contando exatamente o que aconteceu.

OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA NARRATIVA FICCIONAL

Como você sabe, o narrador, os personagens, o enredo, o tempo, o espaço e a


linguagem constituem os elementos fundamentais da narrativa de ficção.

Vamos recordar esses elementos lendo atentamente a notícia apresentada a


seguir.

324

Mulher dá à luz no banheiro de avião francês durante voo

[...] Uma passageira de um voo da companhia francesa Air Austral deu à luz
uma criança [...] no banheiro do avião em que voava da cidade de Lyon para a
ilha francesa de Reunião, no oceano Índico.

[...] a passageira [...] entrou no banheiro do aparelho sem avisar ninguém.

Uma aeromoça percebeu que a mulher, de 25 anos, não saía e foi perguntar o
que estava acontecendo. Só então soube que um bebê estava nascendo
enquanto o avião - com 170 passageiros - sobrevoava o território etíope.

[...] Um médico que estava a bordo se encarregou de cortar o cordão umbilical


e comprovar que a mãe e o recém-nascido estavam em perfeito estado de
saúde. [...]

FOLHA DE S.PAULO, São Paulo, 1º jan. 2006. Disponível em:


http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u91099.shtml. Acesso em: 9
abr. 2016. Folhapress.

Observe a correspondência entre os elementos estruturais dos relatos e das


narrativas ficcionais. Depois, escreva uma narrativa conforme a proposta a
seguir.

Elementos
estruturais
Relato Narrativa

O que
Ação ou enredo
aconteceu?

Com quem? Personagens

Como? Como a ação se deu

Quando? Momento ou época da ação

Onde? Espaço ou lugar da ação

Em 1ª ou 3ª Em 1ª (narrador-personagem) ou em 3ª pessoa (narrador


pessoa observador ou narrador onisciente)

Além desses elementos, as narrações costumam apresentar relações de causa


(por quê?) e conse quência (por isso...). Entretanto, nem todos esses
elementos estão presentes explicitamente nesse tipo de texto; eles constituem
o "esqueleto" a partir do qual criamos nossas histórias.

Você já sabe que esse "esqueleto" da narração se complementa com o


narrador, a voz que conta a história. Fundamentalmente, a história pode ser
contada de dois modos: aquele em que o narrador também é personagem
(narrativas em 1ª pessoa) e aquele em que o narrador não se confunde com os
personagens (narrativas em 3ª pessoa).

Comentário

Enquanto os relatos de fatos contam o que realmente ocorreu, envolvendo


acontecimentos e seres do mundo à nossa volta, as narrativas ficcionais criam
histórias imaginárias, que se organizam esteticamente.

Em "A volta do Messias", emprega-se o modo de organização dos relatos de


fatos (como a notícia de jornal) com o objetivo de parodiar crítica e
satiricamente um episódio. Esse procedimento frustra as expectativas do leitor
e assim o leva a uma leitura mais atenta, possibilitando a percepção de
elementos grotescos do texto. Note a importância do reconhecimento de
características contextuais, como o suporte (inserção do texto num livro de
ficção) e a autoria (trata-se do escritor brasileiro Fernando Bonassi), na
consolidação do processo de leitura.

325

Atividade

Escreva no caderno

Produção

Leia as previsões de Moacyr Scliar a respeito das possíveis características e


destinos do "menino que nasceu nas alturas". Escolha aquela que achar mais
inspiradora e, a partir dela, crie uma crônica, em 1ª ou 3ª pessoa, em que o
menino seja o personagem principal ou o protagonista.

Resposta pessoal.

Previsões sobre o menino que nasceu na altura

[...] Este menino sempre terá um motivo de orgulho. Seus amiguinhos,


ingenuamente, dirão que foram trazidos por uma cegonha, ave que, como se
sabe, tem limitada capacidade de voo e de transporte de carga. Mas o menino
poderá dizer que foi trazido por um potente avião, que, além dele, levava 170
passageiros, todos maravilhados com seu nascimento.

[...] Este menino sempre se considerará superior a outros mortais. Na verdade,


ele nasceu a meio caminho entre o céu e a terra, o que teoricamente o situaria
em uma peculiar posição hierárquica, entre os seres humanos e os anjos. Por
causa disso, ele terá um ar angelical. Muito cedo aprenderá a tocar harpa. E
procurará uma bela moça a quem possa servir de anjo da guarda.

[...] Este menino sempre inspirará inveja a outros meninos. Que debocharão
dele, dizendo "você é um avoado, você está sempre no ar, trate de pisar em
terra firme". A isso ele responderá com desprezo: não falo com criaturas
inferiores, eu já tinha milhagem desde o meu primeiro segundo de vida.

[...]
PREVISÕES SOBRE O MENINO QUE NASCEU NA ALTURA, de Moacyr
Scliar, publicado na Folha de S.Paulo, em 9 de janeiro de 2006; © herdeiros
de Moacyr Scliar.

CRÉDITO: Photodisc/Getty Images

Caracterização dos personagens

Os personagens são elementos vitais de uma narrativa. Muitas vezes, a


relação entre leitor e personagem constitui o principal motivador da leitura.

É preciso criar o personagem de modo vivo, para permitir que o leitor o recrie
em sua imaginação.

Os personagens são principais ou auxiliares, conforme o papel que


desempenham no enredo, e podem ser apresentados direta ou indiretamente.

A apresentação é indireta quando o personagem aparece aos poucos, e o leitor


vai construindo sua imagem com o desenrolar do enredo, ou seja, a partir de
suas ações, do que vai fazendo e do modo como vai fazendo. Um exemplo:

Tentando se segurar numa alça lilás

Entrou no elevador.

A um canto, outra mulher segurava firme debaixo do braço uma enorme bolsa
de couro lilás.

- Que ousadia, uma bolsa lilás - sorriu ela.

- Acabei de dizer a um homem que o amo - respondeu a outra. - Então entrei


numa loja e, entre todas, escolhi essa bolsa. Eu precisava sentir nas mãos a
minha audácia.

Não sorriu. Agarrou-se náufraga na alça.

TENTANDO SE SEGURAR NUMA ALÇA LILÁS. In: _____. Contos de amor


rasgados, de Marina Colasanti, Record, Rio de Janeiro, © by Marina Colasanti.

326

Atividades

Escreva no caderno

Produção
1. Escolha uma das duas propostas a seguir e, a partir da caracterização do
personagem, crie um pequeno relato protagonizado por ele.

Resposta pessoal.

· Era um homem alto, magro, sempre vestido com cores escuras. Andava meio
de lado. Tocava as coisas levemente.

· Sua nuca era gorda e macilenta, e sobre ela se espalhavam cabelos


esparsos. Movia-se pesadamente na cadeira de balanço.

2. Agora, leia com atenção texto e imagem para realizar uma proposta de
vestibular. (UEL-PR)

Gente venenosa: os sabotadores

Não há como afirmar que existe alguém totalmente bom ou totalmente mau
como nas maniqueístas histórias infantis. Mas em determinadas situações há
pessoas de personalidade difícil, que potencializam as fragilidades de quem
está a sua volta, semeando frustrações e desestruturando sonhos alheios.
Atitudes que, em resumo, envenenam. O terapeuta familiar argentino Bernardo
Stamateas identificou essas pessoas, cunhou o termo "gente tóxica" e falou
sobre elas no livro Gente tóxica - como lidar com pessoas difíceis e não ser
dominado por elas. Assim como uma maçã estragada em uma fruteira é
capaz de contaminar as outras frutas boas, as pessoas tóxicas, segundo
Stamateas, tendem a envenenar a vida, plantar dúvidas e colocar uma pulga
atrás da orelha de qualquer um. A vilania da situação reside no fato de que
gente tóxica está sempre à espera da queda ou da frustração de alguém
próximo para, então, assumir o papel de protagonista. "Eles (os tóxicos) se
sentem intocáveis e com capacidade de ver a palha no olho do outro e não no
seu", comenta o autor.

Adaptado de: BRAVOS, M. Gente venenosa: os sabotadores. Gazeta do Povo


- Suplemento Viver Bem, 19 set. 2010, p. 6.

FONTE: Jornal de Londrina, 19 out. 2010, p. 22.

CRÉDITO: Benett
Com base no texto e na tira, redija uma narrativa, envolvendo personagens
cujo comportamento desconsidera os sentimentos das pessoas, bem como
"intoxicam" as relações interpessoais.

Resposta pessoal.

Os personagens falam

Além da descrição física e psicológica (que caracteriza a apresentacão direta),


além do que fazem e do modo como fazem, os personagens também são
apresentados pelo que falam e pelo modo como falam.

327

O discurso - ou fala - pode ser apresentado, basicamente, de três modos:

DIRETO

INDIRETO

INDIRETO LIVRE

Discurso direto

No discurso direto, não há interferência do narrador, isto é, o narrador


apresenta o personagem falando diretamente. É a voz do próprio personagem
que ouvimos. Ele fala em 1ª pessoa.

Geralmente, o narrador anuncia o discurso direto do personagem com o uso de


verbos de elocução (dizer, falar, exclamar, perguntar, responder e gritar,
por exemplo) acompanhados de dois-pontos e de travessão, como no exemplo
seguinte:

Largaram à noite, porque o começo da viagem teria de ser uma verdadeira


escapada. E, ao sair, Nhô Augusto se ajoelhou, no meio da estrada, abriu os
braços em cruz, e jurou:

- Eu vou p'ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de
chegar... P'ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!...

E os negros aplaudiram, e a turminha pegou o passo, a caminho do sertão.

ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. In: _____.


Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. p. 249.
Há várias formas de apresentar o discurso direto:

O narrador apresenta a fala do personagem e só depois explica quem é e em


que circunstâncias falou. Veja o exemplo:

- Só duzentos réis de morangos? - pergunta o homem do balcão, estranhando.

VERISSIMO, Erico. Clarissa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1966. p. 111.

O narrador utiliza apenas o travessão inicial, mas isola suas intervenções com
vírgulas. Observe:

- Nem um instante mais, insistiu Helena. Minhas reflexões são lentas ou


súbitas: ou cinco minutos ou um ano; escolha.

- Pois reflita cinco minutos, replicou o padre sorrindo.

ASSIS, Machado de. Helena. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1962. p. 335.

O narrador omite-se, apresentando a sucessão de várias falas. O leitor


identifica o personagem que está falando graças ao parágrafo e ao travessão
introduzindo cada fala. Repare:

- O jantar estará pronto, Laura?

- Quer jantar já?

- Estou com fome. Você?

- Tanaka, pode botar o jantar na mesa.

- Sissenhora.

- Olhem: se aprontem logo que o jantar vai já pra mesa. Felisberto, você
telefona pro Doutor Horton.

- Telefono.

- Peça pra ele vir logo.

ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p.
99-100.

328
Pode-se também destacar a fala com aspas em vez de travessões, como neste
exemplo:

Movendo lentamente sua cadeira de balanço, meu pai lhe dava um cigarro de
palha, e perguntava: "Então, Quinca?".

BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 1978. p.


150.

O narrador ainda pode apresentar a fala do personagem misturada ao seu


próprio discurso.

Quem deu a ideia de trazer prima Biela para a cidade foi Constança. Deixa,
Conrado, traz ela cá para casa, disse. Biela fica morando com a gente, pode
até me ajudar com as meninas, fazer companhia. Olha, quando você vai para a
roça, tem dias que eu sinto uma falta danada de alguém para conversar. De
noite, então... Tem Mazília, se limitou Conrado na resposta. Mazília, disse ela,
ainda é menina. Já é mocinha, disse Conrado, de pouca conversa.

DOURADO, Autran. Uma vida em segredo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p.


21.

Discurso indireto

No discurso indireto, o narrador interfere na fala do personagem. Ele conta


aos leitores o que o personagem disse, mas conta em 3ª pessoa. As palavras
do personagem não são reproduzidas, mas traduzidas na linguagem do
narrador.

O narrador incorpora a fala do personagem ao seu próprio discurso. Veja um


exemplo:

[...] Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o
joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história
de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se
eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu
desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma
explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava
novamente na palavra. [...]
ASSIS, Machado de. Missa do galo. In: _____. Páginas recolhidas. São
Paulo: FTD, 2012. p. 69.

Discurso indireto livre

O discurso indireto livre é mais complexo. Muitas vezes, não sabemos quem
está falando, se o narrador ou se o personagem. Como se dá o processo do
discurso indireto livre? Como o próprio nome revela, trata-se de um discurso
indireto: o narrador está traduzindo, com suas palavras, em 3ª pessoa, a fala
do personagem. Porém, sem anúncio prévio, aparecem as palavras do
personagem, em 1ª pessoa, no meio do discurso do narrador, como se a
própria voz do personagem permeasse a fala do narrador, ou como se
pudéssemos ouvir o que ele está pensando ou o fluxo de sua linguagem
interior. Exemplo:

Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais
louros. A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a
carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou
enjubado e tranquilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas
estendidas a cabeça de uma esfinge. "Mas isso é amor, é amor de novo",
revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era
primavera e dois leões se tinham amado. Com os punhos nos bolsos do
casaco, olhou em torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas
fechadas. Continuou a andar. Os olhos estavam tão concentrados na procura
que sua vista às vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia como na
frescura de uma cova.

LISPECTOR, Clarice. O búfalo. In: _____. Laços de família. Rio de Janeiro:


Rocco, 1998. p. 126.

329

Atividades

Escreva no caderno

Atenção Professor(a), ver em Conversa com o professor, nas Orientações


específicas do capítulo 4, comentários sobres estas atividades. Fim da
observação.
Leitura e produção

1. Reconheça o tipo de discurso que cada um dos textos a seguir apresenta.

TEXTO 1

[...]

Holmes não estudava medicina. Ele próprio, em resposta a uma pergunta,


confirmara a opinião de Stamford a esse respeito. Tampouco parecia ter
frequentado qualquer curso que lhe tivesse dado um título em ciência ou
qualquer outro crédito que garantisse sua entrada no mundo acadêmico. No
entanto sua dedicação a certos estudos era notável e, embora limitado a temas
excêntricos, seu conhecimento era de extensão e minúcias extraordinárias.
Suas observações me deixavam impressionado.

Sem dúvida, ninguém trabalharia de forma tão devotada nem acumularia


informações tão precisas sem ter algum objetivo em vista. Leitores fortuitos
dificilmente se destacam pela exatidão de seus conhecimentos. Homem
nenhum sobrecarregaria a mente com minúcias, sem ter uma boa razão para
isso.

A ignorância de Holmes era tão notável quanto seu conhecimento. O que sabia
de literatura, filosofia e política contemporâneas era praticamente nada.
Quando citei Thomas Carlyle, ele me perguntou, da forma mais ingênua, de
quem se tratava e o que havia feito. Minha surpresa maior, porém, foi
descobrir, incidentalmente, que ele desconhecia a Teoria de Copérnico e a
composição do sistema solar.

[...]

DOYLE, Arthur Conan. Um estudo em vermelho. São Paulo: Melhoramentos,


2008. p. 26-27.

Resposta: Discurso indireto.

TEXTO 2

[...] Estava alegre nesse dia, bonita também. Um pouco de febre também. Por
que esse romantismo: um pouco de febre? Mas a verdade é que tenho mesmo:
olhos brilhantes, essa força e essa fraqueza, batidas desordenadas do
coração. Quando a brisa leve, a brisa de verão, batia no seu corpo, todo ele
estremecia de frio e calor. [...]

LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1984. p. 19-20.

Resposta: Discurso indireto livre.

2. Inúmeras situações da vida repetem-se a ponto de serem típicas. Assim, há


diálogos que revelam cenas típicas. Escolha uma das propostas a seguir e crie
um diálogo representativo da situação.

Resposta pessoal.

· início de namoro

· sala de espera de médico

· casamento

· fim de namoro

· aniversário

· velório

· formatura da escola

· final de novela

· entrevista com jogador de futebol, ao final da partida

Critérios de avaliação e reelaboração

Neste capítulo, atentamos para o valor expressivo dos tipos de discurso


estudados na elaboração de uma narrativa.

No discurso indireto, o narrador reproduz as falas dos personagens e, dessa


forma, as incorpora à narrativa. Assim, cabem ao narrador os recursos
linguísticos que, nessas falas, orientarão as interpretações do leitor.

Quanto ao discurso direto, leia atentamente as observações do boxe ao lado.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

O diálogo (discurso direto) [...] é um recurso dramático de grande importância.


Reconhecemos e definimos uma pessoa-personagem pelo que faz e pelo que
diz ou não diz, [...] pelas palavras ou ausência delas. Um diálogo bem escrito
pode ser suficiente para a descrição, a caracterização de um tipo. [...]

O diálogo deve ser [...] natural e significativo. Natural não pressupõe que se
tenha de reproduzir tudo o que foi dito, mas segundo o modo como foi dito,
sem exageros, sem rebuscamentos, sem pedantismos. [...] Significativo, por
sua vez, implica que as palavras não sejam gratuitas, colocadas apenas [...]
para instaurar e facilitar a comunicação. Fugir ao clichê, às frases feitas, por
exemplo, é fundamental, a menos que sejam propositados e tenham
contextualização pertinente. [...]

MARCONDES, M. P.; TOLEDO, F. de. O ato de redigir. São Paulo: Nankin,


2003. p. 20.

330

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, você aprendeu a diferenciar relatos de fatos e narrativas


ficcionais. Além disso, começou a estudá-los por meio de um de seus
elementos vitais: os personagens.

Você percebeu na prática que os personagens podem ser caracterizados pela


descrição física e psicológica (apresentação direta) e também pelo que fazem e
pelos modos como falam (apresentação indireta), representados pelos três
tipos básicos de discurso: direto, indireto e indireto livre.

Não esqueça: é importante criar o(s) personagem(ns) com imaginação e


sensibilidade, a fim de motivar o leitor de suas narrativas.

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. (UFRJ)

Lídio Corró, um sentimental, sente um aperto no peito, ainda há de morrer


numa hora dessas, de emoção. Pedro Arcanjo mantém-se sério por um
momento; distante, grave, quase solene. De repente se transforma e ri, seu riso
alto, claro e bom, sua infinita e livre gargalhada: pensa na cara do professor
Argolo, na do doutor Fontes, dois luminares, dois sabidórios que da vida nada
sabem. São mestiças a nossa face e a vossa face: é mestiça a nossa cultura,
mas a vossa é importada, [...]. Iam morrer de congestão. Seu riso acendeu a
aurora e iluminou a terra da Bahia.

AMADO, Jorge. Tenda dos milagres. São Paulo: Martins, 1969. p. 163.

a) Reescreva em discurso direto o trecho em que um dos personagens faz a


defesa da cultura mestiça, identificando esse personagem.

Resposta: Pedro Arcanjo diz/disse "São mestiças a nossa face e a vossa face:
é mestiça a nossa cultura, mas a vossa é importada [...]".

b) Identifique a ideia expressa pelo termo sublinhado e o substitua por outro, de


tal forma que o resultado dessa substituição não altere o sentido do fragmento
original.

Resposta: Ideia de oposição, de contraste. Porém, no entanto etc.

2. (Fuvest-SP) Leia o seguinte texto:

Um músico ambulante toca sua sanfoninha no viaduto do Chá, em São Paulo.

Chega o "rapa" e o interrompe:

- Você tem licença?

- Não, senhor.

- Então me acompanhe.

- Sim, senhor. E que música o senhor vai cantar?

Vocabulário:

rapa: carro de prefeitura municipal que conduz fiscais e policiais para


apreender mercadorias de vendedores ambulantes não licenciados. Por
extensão, o fiscal ou o policial do rapa.

Fim do vocabulário.

a) Para o efeito de humor dessa anedota, contribui, de maneira decisiva, um


dos verbos do texto. De que verbo se trata? Justifique sua resposta.

Resposta: Trata-se do verbo acompanhar, pois ele é compreendido de modos


diferentes pelos interlocutores da anedota.
b) Reescreva o diálogo que compõe o texto, usando o discurso indireto.
Comece com: O fiscal do "rapa" perguntou ao músico...

Resposta: O fiscal do "rapa" perguntou ao músico se ele tinha licença para


tocar. O músico respondeu que não. O fiscal pediu, então, que o músico o
acompanhasse. O músico perguntou ao fiscal que música este iria cantar.

331

capítulo 5 - Enredo linear

No capítulo anterior, você estudou os personagens, verificando como são


descritos e a forma como se expressam. Neste capítulo, vai conhecer melhor a
organização do enredo: o conjunto de ações vivenciadas pelos personagens.
Vamos nos concentrar nos dois tipos principais de enredo: o linear e o não
linear.

CRÉDITO: Fox Photos/Getty Images

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livro

· COLASANTI, Marina. Hora de alimentar serpentes. São Paulo: Global,


2015.

Sites

· CONTO fantástico. Toda Matéria. 26 fev. 2016. Disponível em:


http://tub.im/rwvjxq. Acesso em: 29 abr. 2016.

· MARINA COLASANTI. Disponível em: http://tub.im/daovmv. Acesso em: 29


abr. 2016.

332

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 338 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Leia o seguinte texto.

Yufá, tonto como era, não lograva obter nenhum convite ou um gesto de
acolhida. Certa vez foi até uma fazenda para ver se lhe davam alguma coisa,
mas como o viram tão mal-ajambrado, soltaram os cães atrás dele. Então sua
mãe arranjou para ele um lindo casacão, uma calça e um jaleco de veludo.
Vestido como um cavaleiro, Yufá retornou à mesma propriedade. Acolheram-no
muito bem e o convidaram para comer com eles, e ali cobriram-no de elogios.
Quando lhe trouxeram a comida, Yufá com uma das mãos a levava à boca e
com a outra a punha nos bolsos, bolsinhos, no chapéu e dizia: - Comam,
comam, minhas roupinhas, pois vocês é que foram convidadas, não eu!

CALVINO, Italo. Fábulas italianas. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.
411.

CRÉDITO: National Magazines/Mary Evans/Diomedia

ENREDO

Note que a história apresenta um conflito entre o personagem e os outros


participantes. A partir do conflito se organiza o enredo.

Como você sabe, enredo é a sequência de acontecimentos da história, a rede


de situações que os personagens vivem, a trama das ações que eles realizam
ou sofrem. Toda narrativa apresenta enredo: o que aconteceu e como
aconteceu.

Observe que o desenvolvimento do enredo é organizado por causa do conflito


entre o personagem principal e forças adversárias a ele, pela luta do
personagem para realizar seus desejos, projetos, sonhos, objetivos.

As narrativas apresentam um conflito entre o protagonista (ou protagonistas) e


os elementos opositores, entre os quais encontramos, muitas vezes, os
personagens adversários ou antagonistas. Reconhecemos um exemplo típico
desse embate nos enredos românticos do tipo herói x vilão, mocinho x bandido;
no entanto, há inumeráveis formas de conflito, muito mais complexas e sutis.

De um modo geral, o personagem está em luta com antagonistas, ou com o


mundo, ou com o seu destino, ou consigo mesmo. O desenrolar do enredo dá-
se pela apresentação e desenvolvimento desse conflito, que se intensifica até o
clímax, para se solucionar apenas no desfecho da história.

O enredo linear
Podemos identificar quatro partes mais ou menos distintas em um enredo
linear, isto é, aquele formado por uma sequência lógica e progressiva de
ações.

1. Exposição: situa-se no começo da história, quando em geral se apresentam


os personagens, o conflito, o espaço e o tempo em que ocorre a ação.

2. Complicação: corresponde à parte do enredo em que se desenvolve(m) o(s)


conflito(s).

3. Clímax: é o ponto culminante do enredo, o momento de maior tensão do(s)


conflito(s).

4. Desfecho: é a solução do(s) conflito(s).

Se não houver conflito, a narrativa fica reduzida a uma sequência de fatos que,
provavelmente, não despertarão o interesse dos leitores. Grande parte da
paixão de contar está no jogo dos conflitos, que tecem o desenvolvimento da
trama até o clímax e o desfecho, com o triunfo ou a derrota do personagem
principal.

333

Leitura

Vamos ler um conto que apresenta enredo linear.

Uma vida ao lado

1 Fina, a parede. E além dela, a vida do vizinho.

2 Irritante a princípio. Ruídos, pancadas, tosse, tudo interferindo, infiltrando-se.


Depois, aos poucos, familiar.

3 Sabia-lhe o banho, as refeições, as horas de repouso. A cada gesto, um som.


E no som, recriado, o via mover-se em geometrias idênticas às suas. A sala, o
quarto, o corredor.

4 Cada vez mais ligava-se ao vizinho, absorvendo seus hábitos. Ouvia bater de
louças e se apressava à cozinha, vinham vozes moduladas e ligava a televisão.
À noite só conseguia dormir depois do baque dos sapatos do outro, o ranger da
cama assinalando que se metera em lençóis.
5 Perdia-o, porém, quando saía porta afora. Passos, tinir de chaves, lá se ia o
vizinho. Sem ele, vazios a sala e o quarto, a parede emudecia, separando
silêncios.

6 Voltava ao fim do dia, pontual. Passos, tinir de chaves. Ele então acendia a
luz ao estalar do interruptor do outro, e juntos punham a casa em andamento.

7 Tentava, às vezes, seguir-lhe as andanças. Espiava pelo olho mágico


estudando a paciência com que esperava o elevador, postava-se à janela para
ver que direção tomava, em que ônibus subia.

8 E justamente numa tarde em que o espreitava, viu o outro atravessar em má


hora a rua movimentada, hesitar, correr, e ser atropelado por um furgão.

9 Percebeu que precisava trabalhar rápido. Sem hesitar, arrancou as portas


dos armários, as cortinas, pegou a caixa de ferramentas, e começou a serrar,
lixar, bater, colar.

10 Tudo estava pronto quando ouviu o caixão do outro chegar para o velório.
Sobre a mesa da sala, na exata posição em que o do vizinho deveria estar,
colocou seu próprio caixão. Depois abriu a porta de par em par e, vestido no
terno azul-marinho, deitou-se cruzando as mãos sobre o peito.

11 Ainda teve tempo de pensar que tinha esquecido de engraxar os sapatos. E


já os primeiros visitantes começavam a chegar, entrando com a mesma tristeza
nos dois apartamentos, para prantear defuntos tão iguais.

UMA VIDAAO LADO - In: Contos de amor rasgados, de Marina Colasanti,


Record, Rio de Janeiro; © Marina Colasanti.

Em tom de conversa

1. Relacione os acontecimentos do conto, apresentados a seguir, às partes do


enredo, procurando reconhecer os parágrafos correspondentes a cada uma
delas.

a) A presença do vizinho incomoda o personagem principal da história.


Entretanto esse incômodo torna-se familiar e motivo de cópia, pois o
protagonista passa a imitar todos os gestos do vizinho.

Resposta: Exposição, parágrafos 1 a 3.


b) A vida do protagonista se cola à do vizinho, revelando um estranho
comportamento de dependência do primeiro em relação ao segundo.

Resposta: Complicação, parágrafos 4 a 7.

c) O atropelamento do vizinho leva ao limite a tensão da história, pois aguça a


curiosidade do leitor sobre que reação causará ao protagonista.

Resposta: Clímax, parágrafo 8.

d) O protagonista consolida a atitude de assumir a identidade do vizinho, pois


encena a própria morte, a partir da morte dele.

Resposta: Desfecho, parágrafos 9 a 11.

2. Comente com seus colegas: você achou o texto lido interessante? Por quê?

Resposta pessoal.

334

Atividades

Escreva no caderno

Vamos retomar cada uma das partes que você identificou para observar
detalhadamente o modo como o enredo desse conto se organiza.

1. Situação inicial: a presença de elementos descritivos

Você sabe que a descrição costuma estar presente na narração,


caracterizando personagens e cenários e auxiliando a construção do enredo.

A funcionalidade da descrição no texto narrativo decorre dos detalhes


utilizados para dar informações ao leitor e também para criar a atmosfera, o
tom do texto.

a) Observe que o conto "Uma vida ao lado" começa com ênfase nos elementos
descritivos. Reconheça tais elementos no trecho a seguir:

Fina, a parede. E além dela, a vida do vizinho. Irritante a princípio. Ruídos,


pancadas, tosse, tudo interferindo, infiltrando-se. Depois, aos poucos, familiar.

Resposta: O texto inicia-se com uma construção pouco usual em português,


pois o adjetivo fina é anteposto ao substantivo e é enfatizado por meio de uma
vírgula.
Esse procedimento destaca a precariedade da fronteira entre os espaços onde
habitam os vizinhos, em dois sentidos: o primeiro, denotativo ("Fina, a parede"),
e o segundo, metafórico ("E além dela, [fina] a vida do vizinho"). A partir dele, o
leitor vai percebendo o processo de espelhamento de uma vida na outra,
intensificado por meio de enumeração de estímulos auditivos: "ruídos,
pancadas, tosse".

b) Identifique as palavras e expressões presentes nos três parágrafos da


situação inicial (exposição) que indicam a ideia de progressão temporal,
anunciando as ações que se sucedem ao longo da história.

Resposta: As palavras e expressões são: a princípio, interferindo, infiltrando-se,


depois, aos poucos.

c) Que fragmento do terceiro parágrafo deixa claro ao leitor o surgimento da


complicação, isto é, o início da quebra de fronteira entre as duas vidas?

Resposta: O fragmento é "E no som, recriado, o via mover-se em geometrias


idênticas às suas.".

2. Complicação: os verbos no pretérito imperfeito do modo indicativo

No trecho referente à complicação (parágrafos quarto a sétimo), podemos


afirmar que o protagonista mimetiza ou copia a vida do vizinho de uma forma
ao mesmo tempo intensa e rotineira.

A frase "Cada vez mais ligava-se ao vizinho, absorvendo seus hábitos." mostra
ambas as coisas, pois, enquanto a expressão "cada vez mais" expressa a ideia
de progressão, o uso de verbos no pretérito imperfeito do modo indicativo
denota ações passadas que se repetem indefinidamente, servindo como pano
de fundo da narrativa.

a) Identifique os verbos no pretérito imperfeito presentes no fragmento a seguir.

[...] Ouvia bater de louças e se apressava à cozinha, vinham vozes moduladas


e ligava a televisão. À noite só conseguia dormir depois do baque dos sapatos
do outro, o ranger da cama assinalando que se metera em lençóis.

Perdia-o, porém, quando saía porta afora. Passos, tinir de chaves, lá se ia o


vizinho. Sem ele, vazios a sala e o quarto, a parede emudecia, separando
silêncios.
Voltava ao fim do dia, pontual. Passos, tinir de chaves. Ele então acendia a luz
ao estalar do interruptor do outro, e juntos punham a casa em andamento.

Resposta: Ouvia; se apressava; vinham; ligava; conseguia; Perdia-o; saía; ia;


emudecia; Voltava; acendia; punham.

b) Através de qual sentido o protagonista percebe a rotina do vizinho?

Resposta: O sentido da audição.

335

3. Clímax: a excitação da curiosidade do leitor

a) O sétimo parágrafo anuncia o clímax, que se dá no oitavo, por meio de


verbos que indicam uma mudança de tipo de percepção. Identifique esses
verbos e explique de que mudança se trata.

Resposta: Os verbos são espiava e ver. Eles indicam a mudança da


percepção auditiva para a visual.

b) Na cena descrita no oitavo parágrafo, o protagonista, que espreitava o


vizinho, viu-o ser atropelado.

Em relação aos tempos verbais, qual alteração ocorre e permite ao leitor


compreender o andamento da narrativa?

Veja ao lado opinião de Ingedore G. Villaça Koch sobre o uso do pretérito


perfeito ou passado simples e do pretérito imperfeito nas narrativas.

Resposta: A alteração é o emprego de verbo no pretérito imperfeito


(espreitava) e no pretérito perfeito (viu).

Atenção Professor(a), conversar com os alunos sobre o emprego destes dois


tempos do indicativo: o verbo no pretérito imperfeito (espreitava) retoma o
pano de fundo da narrativa, por seu caráter de ação não concluída, e o verbo
no pretérito perfeito (viu) acelera os acontecimentos, pois indica um ato
realizado, uma ação que provoca reação. Fim da observação.

4. Desfecho: o pretérito perfeito do modo indicativo

Note que, desde o atropelamento do vizinho, o desfecho do conto se precipita,


por meio de ações narradas no pretérito perfeito.
· Transcreva os verbos do desfecho do conto que estão no pretérito perfeito.

Percebeu que precisava trabalhar rápido. Sem hesitar, arrancou as portas dos
armários, as cortinas, pegou a caixa de ferramentas, e começou a serrar, lixar,
bater, colar.

Tudo estava pronto quando ouviu o caixão do outro chegar para o velório.
Sobre a mesa da sala, na exata posição em que o do vizinho deveria estar,
colocou seu próprio caixão. Depois abriu a porta de par em par e, vestido no
terno azul-marinho, deitou-se cruzando as mãos sobre o peito.

Ainda teve tempo de pensar que tinha esquecido de engraxar os sapatos. E já


os primeiros visitantes começavam a chegar, entrando com a mesma tristeza
nos dois apartamentos, para prantear defuntos tão iguais.

Resposta: Percebeu, arrancou, pegou, começou, ouviu, colocou, abriu, deitou-


se, teve.

FIQUE SABENDO

A mudança que você percebeu tem a função de deflagrar a progressão da


narrativa, pois indica que o protagonista, que até então ouvia, passa a ver o
vizinho. Assim, ele pôde testemunhar a cena do atropelamento, que
corresponde ao clímax.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

[...] A diferenciação entre imperfeito e passado simples [...] se estabelece com


base na noção de relevo narrativo: o passado simples é [...] o tempo do
primeiro plano, constituindo o imperfeito o tempo do segundo plano. Enquanto
o perfeito marca todas as unidades de ação da narrativa, o imperfeito fornece o
pano de fundo, aparecendo, também, com frequência, na introdução e na
conclusão. [...]

KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez,


1984. p. 41.

Comentário

Os acontecimentos narrados no conto "Uma vida ao lado" foram organizados


em etapas que se relacionam de forma lógica e progressiva. Assim, a
exposição pressupõe o conflito, que impele a narrativa para adiante, podendo
ser considerado seu elemento propulsor. A complicação, por sua vez, amplia
a tensão da narrativa até a chegada do clímax ou ápice. A função do clímax é
aumentar a expectativa do leitor, excitar a curiosidade dele em relação ao
desfecho, que soluciona o conflito ou a complicação de um modo que não
deve ser previsível, mas inesperado, surpreendente, e, ao mesmo tempo,
coerente com o conteúdo da narrativa.

Trata-se, portanto, de um conto com enredo linear, pois nele os personagens, o


tempo e o espaço são apresentados de maneira lógica e as ações e situações
desenvolvem-se cronologicamente, atribuindo à narrativa um começo, um meio
e um fim.

336

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. Conte a história narrada em "Uma vida ao lado", dando-lhe a forma de uma


notícia de jornal.

Resposta pessoal.

2. Escolha uma das cenas sugeridas para desenvolver um enredo. Em


seguida, você irá propor um ou vários conflitos que despertem e instiguem a
imaginação dos leitores e sua curiosidade sobre o desfecho da história.

Resposta pessoal.

Cena A: Você acorda, de madrugada, com sede. Levanta-se para ir até a


cozinha e...

Cena B: Você chega apressado ao prédio, toma rapidamente o elevador e...

3. (Unicamp-SP)

Ser ou não ser, eis a questão.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.


Situações-limite são uma constante, tendo sido retomadas tanto pela literatura
como pela sabedoria popular.

Pensando nisso, escreva uma narrativa em primeira pessoa, na qual o


narrador não seja o protagonista da ação. Considere os aspectos abaixo, que
constituirão um roteiro para sua narrativa, a qual pode corresponder a
diferentes situações, como um drama familiar, uma questão de ordem
psicológica, uma aventura etc.:

· uma situação problemática, de cuja solução depende algo muito importante;

· uma tentativa de solução do problema, pela escolha de um dos caminhos


possíveis, todos arriscados: ultrapassar ou não ultrapassar uma fronteira;

· uma solução para o problema, mesmo que origine uma nova situação
problemática.

Resposta pessoal.

PARA NÃO ESQUECER

Não existe texto sem leitor

Quando seu texto estiver pronto, mostre-o aos colegas, aos amigos e ao(à)
professor(a). Ouça e considere diversas opiniões a respeito dele. Não tenha
medo da leitura alheia, pois sem ela não há sentido no ato de escrever. Essa
prática é muito enriquecedora; devagar ela vai transformando o medo que
todos temos da censura em consciência da necessidade de diálogo, de troca,
de interação.

4. (Enem/MEC)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres,


principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais
maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família,
dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançando
em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso
clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite
negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em
frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do
dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia
Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria
homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o
convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. "E tem mais coisas ainda,
minha queridinha", anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo.
Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça.
Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

337

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles


configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo
familiar descortina um(a)

a) convivência frágil ligando pessoas financeiramente dependentes.

b) tensa hierarquia familiar equilibrada graças à presença da matriarca.

c) pacto de atitudes e valores mantidos à custa de ocultações e hipocrisias.

d) tradicional conflito de gerações protagonizado pela narradora e seus tios.

e) velada discriminação racial refletida na procura de casamentos com


europeus.

Resposta: Alternativa c.

5. Leia o texto a seguir e responda ao que se pede.

A beleza total

1 A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os


espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da
casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de
Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se
atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.

2 A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos
condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda capacidade de ação. Houve um
engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse
voltado logo para casa.

3 O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à


janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o
mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.

4 Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal:
a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro,
acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre. Sua
beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O corpo já então enfezado de
Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de Gertrudes continuou cintilando
no salão fechado a sete chaves.

A BELEZA TOTAL - In: Contos plausíveis de Carlos Drummond de Andrade,


Campanhia das Letras, São Paulo, Carlos Drummond de Andrade © Graña
Drummond - www.carlosdrummond.com.br

a) Relacione as partes do enredo linear com os parágrafos do conto.

· Exposição (situação inicial)

Resposta: parágrafo 1

· Complicação

Resposta: parágrafos 2 e 3

· Desfecho

Resposta: parágrafo 4

b) Na sua opinião, em que momento do 4º parágrafo ocorre o clímax da


narrativa? Justifique sua resposta.

Resposta pessoal. Sugestão: O trecho: "Por falta de ar puro, acabou sem


condições de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre." parece
corresponder ao clímax, pois a morte de Gertrudes leva ao limite a complicação
desenvolvida no texto.

c) Na sua opinião, o desfecho da narrativa é previsível ou inesperado? Por


quê?
Resposta pessoal. Sugestão: Trata-se de um desfecho inesperado, pois,
contrariando a expectativa do leitor, a beleza de Gertrudes acaba sobrevivendo
a ela própria.

FIQUE SABENDO

Para produzir uma boa história, é necessário criar e manter a expectativa do


leitor, por meio de uma complicação ou um conflito que se desenvolva de forma
progressiva e desperte interesse durante o ato de ler, a cada momento de seu
contato com o que está sendo contado.

338

E MAIS...

Construção de múltiplos enredos

Reúna-se com seu grupo para inventar e contar uma história coletivamente, a
partir do início dado:

Mário, de pijama, escrevia um e-mail mais longo que os de costume quando...

· Sugestões de tipos de enredo

· de amor;

· de terror;

· fantástico;

· de ficção científica;

· de suspense.

· Sugestões de procedimentos narrativos

· narrador-personagem; narrador em 3ª pessoa;

· enredo linear;

· personagens apresentados de modo direto e/ou indireto;

· tempo cronológico, psicológico; espaço exterior, interior etc.

Observação:
Ao escolher os procedimentos narrativos, pensem na funcionalidade deles para
tornar a história a ser contada mais interessante, considerando o tipo de
enredo, os efeitos pretendidos etc.

Essa história deve ser apresentada para a classe em duas etapas:

· 1ª etapa - oralmente

Caprichem na escolha dos recursos disponíveis para a apresentação oral da


história: leitura expressiva, dramatização, uso de figurinos, criação de cenários,
dentre outros. Também pode ser interessante filmar a contação da história para
que ela seja vista e discutida pela classe ou postada em um site de
hospedagem de vídeos.

· 2ª etapa - por escrito

Após a leitura e os comentários da classe sobre as histórias contadas, elas


devem ser escritas, reescritas e organizadas numa antologia, a ser publicada
em um suporte que o grupo julgue conveniente (digital ou impresso).

Critérios de avaliação e reelaboração

Vamos pensar no principal fator da coerência de um texto narrativo: a


progressão temporal, expressa por meio de verbos, que, por indicar ações,
são o suporte de qualquer narração.

Você já sabe que narrar é criar uma realidade dinâmica, que parte de uma
situação inicial e chega a um desfecho.

Portanto, quando narramos, precisamos atentar para a progressão temporal,


ou seja, para o desenvolvimento progressivo das ações ou dos acontecimentos
que compõem a história.

339

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU

Neste capítulo, você estudou o enredo, aprofundando-se nos modos como as


partes se organizam, nas formas como se encadeiam, quando uma
determinada história é contada. Pôde verificar que o enredo linear apresenta
sequência lógica e cronológica. Esses conteúdos aprimoram nossos
instrumentos como leitores e contadores de histórias. Por meio delas, vamos
desenvolvendo a nossa imaginação, a nossa sensibilidade, a nossa
capacidade de criar.

De acordo com um sábio ditado popular, "quem conta um conto aumenta um


ponto", isto é, quem começa a contar algo que viveu, ouviu ou de que se
lembra tende a acrescentar uma marca pessoal à história, enriquecendo-a.

Nesse sentido, somos contadores de histórias, ao menos em potencial, pois


vivemos com a cabeça cheia de histórias que vêm de nossa memória e,
quando contadas, sempre nos ensinam algo sobre a nossa vida, a nossa
identidade.

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. Leia os parágrafos a seguir:

Quando pensei que as coisas estavam chegando aos seus devidos lugares, me
acontece uma coisa extraordinária.

Conheci um rapaz pelo qual o meu coração bateu bem mais forte e a partir daí
houve uma reviravolta em minha vida.

a) Identifique o problema de progressão temporal existente neles.

Resposta: O problema é a mistura de tempos verbais, pois o trecho começa


com um verbo no passado (pensei), prossegue com um verbo no presente
(acontece) e depois retorna ao passado (conheci, houve).

b) Reescreva os parágrafos a partir de dois critérios dados a seguir. Depois


crie um título coerente com o texto reescrito.

Resposta pessoal.

· Coerência narrativa ou progressão temporal.

· Coesão (evitar repetições desnecessárias de palavras e expressões de


oralidade; inserir elementos coesivos: pronomes, conjunções, sinônimos etc.).

2. (PUCCamp-SP) Observe a foto.

CRÉDITO: Fox Photos/Getty Images


Redija uma narração em que o narrador, de sua livre escolha, conte uma
história em que ocorra a cena retratada na foto. No texto, deverá ter especial
importância o gesto da moça.

Resposta pessoal.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

[...] Uma história não será reconhecida como tal se recontar meramente os
eventos, como em uma reportagem, e se estiver desprovida de um problema
(complicação) seguido de uma resolução qualquer. [...]

CHANDRASEGARAN, Antonia. A intervenção como recurso no processo


de escrita. São Paulo: Special Book Services Livraria, 2003. p. 17.

340

capítulo 6 - Enredo não linear e tipos de narrador

Cada uma das histórias que lemos, ouvimos ou escrevemos é contada por um
narrador. A maneira de apresentar o enredo e os personagens e o processo
narrativo como um todo depende do autor da história. Cada autor conta de um
modo diferente, de acordo com sua perspectiva, sua emoção, seus valores,
sua percepção, suas referências e relações com o mundo narrado.

Nos exercícios de leitura, assim como nas experiências de escrita, é


fundamental a preocupação com o narrador.

CRÉDITO: Filme de Franco Zeffirelli. Romeu e Julieta. Reino Unido e Itália.


1968. Fotografia: Paramount Pictures/Album/Latinstock

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Livro

· CONTOS brasileiros 1. São Paulo: Ática, 2012. (Coleção Para gostar de ler, v.
8). Contos de Graciliano Ramos, Ignácio de Loyola Brandão, Lima Barreto, Luiz
Vilela, José J. Veiga, Marcos Rey e Stanislaw Ponte Preta.

Sites

· L&PM POCKET. Dalton Trevisan. São Paulo, 2003-2016. Disponível em:


http://tub.im/nk9cwk. Acesso em: 7 jun. 2016.
· NETTO, Irineo Baptista. Dalton Trevisan, 90 anos. Gazeta do Povo. Curitiba,
13 jun. 2015. Caderno G. Disponível em: http://tub.im/kzxav6. Acesso em: 8
jun. 2016.

341

Atenção Professor(a), a atividade da seção "E mais..." da página 347 requer


preparação antecipada. Fim da observação.

PRIMEIRA LEITURA

Vamos ler um conto e saber melhor como o narrador arquiteta a história, cujo
enredo você perceberá que não é linear.

Tantas mulheres

1 Descobrisse ela que a amava com tal fúria, estava perdido. A salvação era
fugir e, com a desculpa da mãe doente, afastou-se alguns dias da cidade.

2 - Há tanto tempo, João!

3 - Pois é, mãe.

4 - Deixe-me vê-lo, meu filho. Você está um homem.

5 Encontrou o quarto arrumado, como no dia em que partira, havia quantos


anos? Bebia sozinho nos bares, voltava de madrugada para casa.

6 - É você, meu filho?

7 - Durma bem, mãezinha.

8 Ganhar a paz na renúncia do amor. Ele, que era de gesto violento, não tinha
coragem de arrancar a faca do coração? Ah, quanta vergonha na partida, em
que havia ido às duas da manhã, debaixo de chuva, espiar a janela fechada.
Nem sequer chovia - ele que chorava. Não enxugava a lágrima quente no olho,
fria no canto da boca. Bem sabia por que dissera consigo quando o avião
pousou: "Não se alegre, cara feia, você foi poupado para morte pior".

9 A mãe ali na porta:

10 - Meu filho, soube de uma coisa muito triste.

11 - Que é, mãe?

12 - Você gosta da mulher de outro. Verdade, João? São tristes os seus olhos.
13 - Iguais aos seus, mãe.

14 Bebia no gargalo, jogava paciência no quarto, lembrou-se de comprar


escova de dente. Antes de vestir o paletó, enxergou a mosca sobre as cartas:
"Há que matar essa bichinha". Depois de matá-la, poderia sair. Gentilmente a
perseguiu: "mosca pelo nariz, a lágrima correu do olho," repetia com seus
botões, "nariz da mosca é olho da lágrima" - e com o jornal dobrado esmagou a
mosca.

15 "Era outra bichinha, não a mesma." Remoendo a dúvida, das dez da noite
às duas da manhã, ainda sem paletó, quando passou pelo sono. "Que foi que
me aconteceu" - interrogava-se, as mãos na cabeça - "a que ponto me
degradei?".

16 Chegara a sua vez, fora apanhado. Pensava na amada, o olho perdido num
objeto qualquer, deixava de vê-lo e o coração latia no peito. Não havia perigo;
que é o ato gracioso de beijar uma boca, qual a lembrança de uma noite? Sou
um homem, com experiência da vida. Depois, encurralado no velho sofá de
veludo, sem fugir dos olhos acesos a cada fósforo - e nunca mais beijar o
pequeno seio como quem bebe água na concha da mão.

17 Chovia, ela aninhava-se nos seus braços, a face trêmula das gotas na
vidraça. Cada gesto uma descoberta: a maneira de erguer o rosto para o beijo
e de sorrir, aplacada, depois do beijo. Estendida nua entre as flores desbotadas
do sofá: Eu não gostei de outro... Mentia, bem que ela mentia! Doente de amor.
Quero você. Venha por cima de mim. Nunca mais livre do teu peso.

18 - Tenho de voltar, mãe.

19 - Não disse que ficaria uma semana?

20 - Pois é, mãezinha.

21 - Por causa do emprego, meu filho?

22 - Assunto urgente. Um amigo me chama. Caso de vida ou morte. Não sei o


que se passa comigo. Estou em aflição, tremo sem saber por quê. A senhora
me ajude, mãe. Um mau-olhado estragou minha vida. Estranho e misterioso,
não sei o que é. Sem ânimo para nada. Não durmo, não como, pouco falo.
Quem sofre é a senhora. Sei que ficará preocupada, mas não deve. Que será
isso, mãezinha? Desespero tão grande que tenho medo. Bem pode ser alguma
mulher. Tantas passaram pela minha vida.

TREVISAN, Dalton. Desastres do amor. Rio de Janeiro: Record, 2015. p. 43.

NAVEGAR É PRECISO

Como no conto "Tantas mulheres", o tema do filme Romeu e Julieta, cujo


enredo é uma adaptação da tragédia do autor inglês William Shakespeare, é o
amor entre um homem e uma mulher. Se quiser conhecer a história de que
participam esses dois personagens, há várias versões cinematográficas, como
esta de 2013, do diretor italiano Carlos Carlei, disponível em:
http://tub.im/7wikcw. Acesso em: 2 maio 2016.

LEGENDA: Cena de Romeu e Julieta, na versão clássica, de 1968, dirigida


por Franco Zeffirelli.

342

Em tom de conversa

1. De acordo com o texto:

a) Que tipo de homem é João?

Resposta: João é um homem solitário, paralisado pelo medo da paixão.

b) Ao longo da história, João oscila entre sentimentos intensos e contraditórios.


Identifique tais sentimentos, utilizando um trecho para justificar sua resposta.

Resposta: João oscila entre recusar e aceitar a situação passional em que se


encontra, como se lê no trecho: "Chegara a sua vez, fora apanhado. [...] Não
havia perigo; que é o ato gracioso de beijar uma boca, qual a lembrança de
uma noite? Sou um homem, com experiência da vida".

2. Há passagens líricas que revelam a intensidade do sentimento amoroso


vivenciado por João. Escolha a que achar mais expressiva.

Resposta pessoal. Sugestão: "Depois, encurralado no velho sofá de veludo,


sem poder fugir dos olhos acesos a cada fósforo - e nunca mais beijar o
pequeno seio como quem bebe água na concha da mão".

3. Na sua opinião, por que podemos considerar irônico o título do texto?


Associe título e desfecho, a fim de justificar sua resposta.
Resposta pessoal. Sugestão: O título é irônico por sugerir que a diversidade de
mulheres que passaram pela vida de João não o protege de se submeter
àquela pela qual está apaixonado, apesar de não confiar na fidelidade dela.

Releitura

Escreva no caderno

1. O narrador conhece os pensamentos, os sentimentos e as motivações do


protagonista ou do personagem principal.

a) Identifique o protagonista e transcreva o primeiro trecho em que o narrador


revela a situação passional em que o personagem se encontra.

Resposta: O protagonista é João. No parágrafo inicial do conto, o narrador


revela a situação passional em que se encontra: "Descobrisse ela que a amava
com tal fúria, estava perdido. A salvação era fugir e, com a desculpa da mãe
doente, afastou-se alguns dias da cidade".

b) De acordo com o texto, o protagonista foge da mulher amada.

Identifique dois trechos em que se utiliza o discurso direto para mostrar dois
pontos de vista sobre a causa do comportamento do personagem.

Resposta: Trecho 1 - ponto de vista da mãe de João: "- Você gosta da mulher
de outro. [...]" (parágrafo 12); trecho 2 - ponto de vista de João: "Mentia, bem
que ela mentia!" (parágrafo 17).

c) Agora, identifique o trecho em que o mesmo tipo de discurso apresenta o


ponto de vista da mulher de quem o protagonista fugiu.

Resposta: "Eu não gostei de outro..."; "Doente de amor. Quero você."


(parágrafo 17)

2. O conto apresenta enredo não linear, intercalando o presente da narração e


flashbacks, voltas a um passado recente.

a) No presente da narração, o discurso direto é utilizado em duas situações de


interlocução. Identifique-as.

Resposta: As situações são as conversas de João com sua mãe e os


momentos em que o protagonista fala consigo mesmo, pensando na mulher
amada.
b) Que momentos são rememorados no oitavo e no décimo sétimo parágrafos?

Resposta: No 8º parágrafo, João relembra que, antes de partir, fora, na


madrugada, espiar a janela fechada do quarto da amada; no 17º parágrafo, ele
relembra a última cena amorosa vivida entre ambos.

3. O texto destaca as oscilações emocionais de João, alternando a voz do


narrador e a voz do protagonista. Identifique qual das vozes se sobressai em:

a) "Bebia sozinho nos bares, voltava de madrugada para casa." (5º parágrafo)

Resposta: Voz do narrador.

b) " 'Que foi que me aconteceu' [...] 'a que ponto me degradei?' " (15º
parágrafo)

Resposta: Voz do protagonista.

4. Há momentos do conto em que a voz do narrador mistura-se com a do


protagonista, sem que notemos marcas da presença do discurso direto (aspas,
travessão) e do discurso indireto (verbos dicendi seguidos das conjunções que
e se, por exemplo). Como você sabe, tais momentos caracterizam o discurso
indireto livre.

a) Em que parte do trecho "Encontrou o quarto arrumado, como no dia em que


partira, havia quantos anos?" um pensamento do protagonista parece substituir
a voz do narrador?

Resposta: "havia quantos anos?"

b) Reescreva, em seu caderno, a frase que inicia o oitavo parágrafo - "Ganhar


a paz na renúncia do amor.":

· utilizando o discurso indireto.

Resposta pessoal. Sugestão: João decidiu que ganharia a paz, renunciando ao


amor.

· utilizando o discurso direto.

Resposta pessoal. Sugestão: João decidiu: "- Vou ganhar a paz na renúncia do
amor."

FIQUE SABENDO
O enredo não linear, como o próprio nome revela, desenvolve-se
descontinuamente, com saltos, cortes, vaivéns na sequência da história,
retrospectivas e/ou antecipações e rupturas do tempo e do espaço em que se
desenvolve a ação. O tempo cronológico dos relógios mistura-se ao tempo
psicológico da duração das vivências dos personagens. O espaço objetivo,
exterior, também se mistura aos espaços interiores da memória e da
imaginação.

PARA NÃO ESQUECER

Flashback é um fato acontecido no passado, retomado em um momento atual


por meio da lembrança dos personagens de um livro ou filme. Trata-se de uma
palavra inglesa que significa "retrospecto, narração de fatos precedentes".

343

O CONTO

Comparando os gêneros romance e conto, o escritor argentino Julio Cortázar


afirmou "[em um] combate travado entre um texto apaixonante e seu leitor, o
romance sempre ganha por pontos, enquanto o conto deve ganhar por
nocaute".

Essa comparação mostra que o impacto provocado pelo conto é explicado por
se tratar de um gênero em que a narrativa caracteriza-se pela brevidade,
concisão, economia, concentração.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

O conto [...] contém um só drama, um só conflito [...], uma só história [...].


Todas as demais características decorrem dessa unidade originária: rejeitando
as digressões e as extrapolações, o conto flui para um único objetivo, um único
efeito.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004.


p. 88.

Atividades

Escreva no caderno
1. Para entender melhor a definição de conto apresentada por Massaud
Moisés, procure no dicionário o significado das palavras digressão e
extrapolação. Em seguida, explique por que é recomendável evitá-las ao
produzir um texto breve como o conto.

Resposta pessoal. Sugestão: Digressão é desvio de rumo ou assunto,


enquanto extrapolação se refere ao ato de ir além de, exceder, ultrapassar. É
recomendável evitá-las na produção de textos breves, para que não percam a
unidade, uma vez que a construção desses textos baseia-se na economia, na
busca de um objetivo único, um efeito único.

2. Ainda segundo Massaud Moisés, "perpassa o conto uma vibração poética


que advém de o ficcionista nele detectar um aspecto do cotidiano, portador de
emoção ou de sentimento. Evidente no tom da narrativa, a poesia emana da
impressão que aquela deixa no espírito do leitor" (MOISÉS, Massaud.
Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004. p. 89.).

Identifique o aspecto do cotidiano tematizado em "Tantas mulheres" e explique


por que razão o tratamento dado a esse aspecto no conto resulta em
sentimento ou emoção.

Resposta pessoal. Sugestão: O aspecto do cotidiano tematizado no conto é o


fato de um homem fugir da mulher amada por receio de que ela descobrisse o
quanto a amava. O tratamento dado ao tema resulta em emoção pelo lirismo
com que mostra a tortura que esse homem vivencia ao reconhecer-se
subjugado pelo sentimento amoroso.

O enredo não linear

Você percebeu, ao longo da leitura do conto, que nele há vaivéns temporais. O


tempo psicológico ou interior invade o tempo cronológico, dando mais
complexidade à narrativa. É possível, nesse tipo de enredo, muito utilizado no
cinema, tanto os flashbacks (ou voltas ao passado) quanto os flashforwards
(que mostram o futuro, o que irá acontecer). Exemplos disso são as séries Lost
e Heroes, entre outras.

Principais tipos de narrador


O narrador de um texto ficcional não é o autor. É uma voz imaginária,
escolhida pelo autor de acordo com o tipo de história a ser elaborado.

Grosso modo, podemos distinguir três tipos de narrador, isto é, três tipos de
foco narrativo: narrador-personagem, narrador observador e narrador
onisciente.

Chama-se foco narrativo o estudo das posições do narrador perante a


história, o ângulo de visão por meio do qual ele narra fatos ou pensamentos.

Foco narrativo em primeira pessoa

Narrador-personagem

A maneira de contar do narrador-personagem é fortemente marcada por


características subjetivas, emocionais. Por um lado, essa proximidade com o
mundo narrado revela dimensões que um narrador de fora não poderia
conhecer; por outro lado, essa proximidade faz a narrativa ser profundamente
parcial, impregnada pelo ponto de vista do narrador.

Foco narrativo em terceira pessoa

Narrador observador

O narrador observador, também chamado narrador objetivo, conta a história de


fora dela, na 3ª pessoa, sem participar das ações; conta como quem observa
objetivamente os acontecimentos. Tem, assim, distanciamento e neutralidade
para narrar as situações e apresentar os personagens com imparcialidade.
Conta o que viu, o que vê. Por outro lado, não tem conhecimento mais íntimo
de nenhum dos personagens, nem das ações vivenciadas. Seu olhar é feito de
distâncias. Releia o texto "Uma vida ao lado", do capítulo anterior, para
conhecer, na prática, esse tipo de narrador.

344

Narrador onisciente

O narrador onisciente é mais complexo. Conta a história em terceira pessoa,


mas, às vezes, permite-se certas intromissões falando em primeira pessoa.
Como o próprio nome revela, ele sabe tudo sobre os personagens e sobre o
enredo. Sabe o que se passa no interior dos personagens, conhece suas
emoções e seus pensamentos mais íntimos; revela muitas vezes suas
dimensões inconscientes: sabe mais deles do que eles mesmos. Pode,
inclusive, revelar suas vozes interiores, seu fluxo de consciência, em primeira
pessoa. Nesse caso, o narrador onisciente faz uso do discurso indireto livre.
Assim também o enredo é conhecido plenamente: os antecedentes das ações,
seus pressupostos, suas entrelinhas, seu futuro e suas consequências.

Vamos reler o oitavo parágrafo do conto "Tantas mulheres", para rever como
se constrói esse tipo de discurso.

Ganhar a paz na renúncia do amor. Ele, que era de gesto violento, não tinha
coragem de arrancar a faca do coração? Ah, quanta vergonha na partida, em
que havia ido às duas da manhã, debaixo de chuva, espiar a janela fechada.
Nem sequer chovia - ele que chorava. Não enxugava a lágrima quente no olho,
fria no canto da boca. Bem sabia por que dissera consigo quando o avião
pousou: "Não se alegre, cara feia, você foi poupado para morte pior".

Note que a frase que inicia o parágrafo é bastante sucinta, sintética. Nela, o
narrador onisciente parece decifrar um desejo ou uma decisão do protagonista,
por meio de discurso indireto explícito (João decidiu que). Entretanto, o fato de
começar com um verbo no infinitivo torna a frase ambígua. Sendo assim,
também podemos interpretá-la como um pensamento do personagem, que
aparece sem as marcas do discurso direto.

Atividades

Escreva no caderno

1. Em "Ele, que era de gesto violento, não tinha coragem de arrancar a faca do
coração?", que trecho indica claramente a presença do narrador em terceira
pessoa e qual exemplifica a presença do discurso indireto livre?

Resposta: "Ele, que era de gesto violento" (narrador em 3ª pessoa); "não tinha
coragem de arrancar a faca do coração?" (discurso indireto livre).

2. Identifique outro trecho do parágrafo em que há discurso indireto livre.

Resposta: "Ah, quanta vergonha na partida [...]".

O uso do pretérito mais-que-perfeito e a verossimilhança da narrativa


Os verbos no pretérito mais-que-perfeito do modo indicativo indicam um tempo
verbal que remete a fatos totalmente concluídos, que se deram antes de outros
fatos, também concluídos.

É importante perceber que o uso desse tempo verbal pode ser considerado um
fator de coerência do texto narrativo, pois torna os personagens mais
verossímeis, ao apresentar ao leitor fatos de seu passado que justificam a
situação em que se encontram no presente da narração.

Atividades

Escreva no caderno

1. O 8º parágrafo do texto "Tantas mulheres" refere-se a um fato ocorrido antes


do presente da narração. Transcreva o trecho que diz respeito a esse fato e
identifique o tempo verbal utilizado para narrá-lo.

Resposta: "[...] em que havia ido às duas da manhã, debaixo de chuva, espiar a
janela fechada." O tempo verbal utilizado para narrar o fato é o pretérito mais-
que-perfeito composto do modo indicativo.

2. Procure no dicionário o significado das palavras verossímil e


verossimilhança e, em seguida, dê sua opinião sobre a importância da
verossimilhança na produção de um texto narrativo.

Resposta pessoal. Sugestão: verossímil significa "semelhante à verdade; que


parece verdadeiro"; verossimilhança é a "coerência interna da obra literária no
tocante ao mundo imaginário dos personagens e situações recriadas". Uma
narrativa é verossímil quando se assemelha à verdade, ou seja, quando parece
verdadeira. Esse fator é importante na produção do texto narrativo por dar-lhe
credibilidade e, assim, conquistar a atenção do leitor.

3. Encontre outro trecho da narrativa em que é utilizado o pretérito mais-que-


perfeito do modo indicativo, interpretando o sentido que transmite para que o
leitor possa compreender a história que está sendo narrada.

Resposta: "Chegara a sua vez, fora apanhado." Nesse exemplo, o uso do


pretérito mais-que-perfeito do modo indicativo antecipa o desfecho da história,
pois toma a paixão de João como fato concluído antes da tentativa que o
protagonista realiza para libertar-se desse sentimento.
345

O efeito lírico e a condensação da linguagem

Para estudar como se constrói o efeito lírico do conto, vamos retomar o 17º
parágrafo, que remete à principal lembrança do protagonista.

Chovia, ela aninhava-se nos seus braços, a face trêmula das gotas na vidraça.
Cada gesto uma descoberta: a maneira de erguer o rosto para o beijo e de
sorrir, aplacada, depois do beijo. Estendida nua entre as flores desbotadas do
sofá: Eu não gostei de outro... Mentia, bem que ela mentia! Doente de amor.
Quero você. Venha por cima de mim. Nunca mais livre do teu peso.

Note que a imagem da chuva é antecipada no 8º parágrafo, anunciando a


rememoração da cena do encontro amoroso: "Nem sequer chovia - ele que
chorava. Não enxugava a lágrima quente no olho, fria no canto da boca.".

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. Por que razão a associação entre a imagem da chuva e as lágrimas do


protagonista intensifica o tom lírico presente no trecho?

Resposta: Porque tal associação faz as lágrimas do protagonista evocarem a


chuva que marcou o último encontro com a amada, expressando liricamente a
saudade que ele sente.

2. Identifique a antítese existente no fragmento e explique por que ela pode


representar a oscilação do protagonista entre sentir-se preso pelo sentimento
amoroso e conseguir libertar-se dele.

Resposta: A antítese refere-se à lágrima quente no olho (indicando predomínio


de emoção) e fria no canto da boca (indicando distanciamento racionalizador).

3. No 14º parágrafo lê-se:

"[...] a lágrima correu do olho," repetia com seus botões, "nariz da mosca é olho
da lágrima" [...].

a) Que imagem é retomada?


Resposta: A imagem do movimento da lágrima escorrendo pelo rosto do
protagonista.

b) Observando a comparação entre o movimento da lágrima e o movimento da


mosca no rosto do protagonista, conclua: qual é o significado conotativo de
mosca?

Resposta: A mosca representa conotativamente a causa do sofrimento do


protagonista, pois ele decide matá-la e depois descobre que "Era outra
bichinha, não a mesma".

4. Releia atentamente a fala do protagonista de "Tantas mulheres" no desfecho


do conto e reescreva-a em terceira pessoa, utilizando narrador onisciente e
discurso indireto livre.

- Assunto urgente. Um amigo me chama. Caso de vida ou morte. Não sei o que
se passa comigo. Estou em aflição, tremo sem saber por quê. A senhora me
ajude, mãe. Um mau-olhado estragou minha vida. Estranho e misterioso, não
sei o que é. Sem ânimo para nada. Não durmo, não como, pouco falo. Quem
sofre é a senhora. Sei que ficará preocupada, mas não deve. Que será isso,
mãezinha? Desespero tão grande que tenho medo. Bem pode ser alguma
mulher. Tantas passaram pela minha vida.

Resposta pessoal. Sugestão: João respondeu à mãe que o assunto era


urgente, um amigo o chamava, era caso de vida ou morte. Depois confessou
não saber o que se passava com ele. Por que tanta aflição? Tremer sem saber
o motivo? Pediu ajuda à mãe, pois um mau-olhado lhe estragara a vida. Não
sabia o que era: estranho e misterioso. Sem ânimo para nada. Não dormir, não
comer, pouco falar. Sabia do sofrimento da mãe, mas não conseguia poupá-la.
Que será isso? Bem poderia ser alguma mulher. Tantas passaram pela vida
dele.

Comentário

Como vimos, o lirismo do conto "Tantas mulheres" resulta de sua linguagem


rica em recursos expressivos, como as repetições de certas imagens, as
comparações e a pluralidade de vozes: a voz do narrador onisciente, que se
mistura com a do protagonista e assim privilegia o ponto de vista dele; a voz da
mãe e a voz da mulher amada.
É importante ressaltar a presença da ambiguidade como fator fundamental da
estruturação do enredo. O fato de o leitor ignorar tanto o que aconteceu
quanto o que acontecerá, depois da partida do protagonista da casa da mãe,
ressalta a densidade psicológica do conto.

346

Em suma, trata-se de um texto que trabalha com a elipse, ou seja, a concisão,


a condensação, a economia da expressão. Sua linguagem ao mesmo tempo
intensamente lírica e quase telegráfica aproxima-se da linguagem poética,
dizendo o indizível e definindo o indefinível: "[...] Caso de vida ou morte. Não
sei o que se passa comigo. Estou em aflição, tremo sem saber por quê. [...]
Sem ânimo para nada. Não durmo, não como, pouco falo. [...]".

Concluímos, assim, que o núcleo temático do conto, o aspecto do cotidiano que


ele ilumina, é a humanidade de um homem violento e experiente, que foge da
mulher que ama e hesita entre racionalizar o sentimento amoroso e
reconhecer-se inexoravelmente possuído por ele.

Embora o protagonista de "Tantas mulheres" não consiga nomear com


precisão o que sente em nenhum momento da narrativa, a voz dele chega até
o leitor mais pelo que fica em silêncio do que pelo que efetivamente é dito.

NAVEGAR É PRECISO

Veja e comente com seus colegas um filme muito original, entre outras razões
pela força do papel do narrador em sua estruturação.

· O fabuloso destino de Amélie Poulain (França/Alemanha, 2001, direção de


Jean-Pierre Jeunet). Essa comédia mostra como a descoberta de uma caixa
com objetos infantis muda a vida de Amélie, garçonete em um pequeno café de
Paris.

CRÉDITO: Filme de Jean-Pierre Jeunet. O fabuloso destino de Amélie


Poulain. França/Alemanha, 2001

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção
1. (Unicamp-SP) Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temático:

Hoje, mais do que nunca, podemos afirmar que "a cidade não dorme". Além de
frequentarem bares, clubes, cinemas e bailes, há um crescente número de
pessoas que circulam à noite pela cidade, física ou virtualmente, trabalhando,
consumindo, estudando, divertindo-se.

Instruções:

- Imagine a história de um personagem que encontre um grupo que vivencia a


noite e, identificando-se com ele, passe a ver a cidade a partir de uma nova
perspectiva;

- Narre o encontro, o processo de descoberta e a transformação que o


personagem experimentou;

- Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.

Resposta pessoal.

2. Leia o texto.

Romeu e Julieta

Romeu nasceu em Aparecida. Julieta em Lorena, mas foi pagar promessa de


pólio curada e casou com ele. Romeu era padeiro, porque dava salário mais
pão e leite. De Julieta, só saía menino. Romeu sonhava com menina e
tentavam sempre mais. Na última vez Romeu pagou caro pra ver a criança na
barriga de Julieta. Faltava uma coisinha e ele fez festa. Só que quando a
menina cresceu, a cara era de outro. Romeu pôs Julieta na parede. Como
Romeu passava as noites na padaria, ela tinha feito a filha dele por fora.
Romeu perguntou se ela se perdoava. Julieta disse que não e parece que foi
por isso que se mataram.

BONASSI, Fernando. 100 coisas. São Paulo: Angra, 2000. p. 8.

a) Identifique o foco narrativo do texto lido, justificando sua resposta.

Resposta: O texto tem como foco narrativo um narrador observador, pois ele
conta a história se limitando aos fatos, sem comentá-los nem explorar o mundo
interior dos personagens.
b) Na sua opinião, por que razão podemos classificar esse texto como
paródico? Qual é o alvo da paródia nele presente?

Resposta pessoal. Sugestão: O texto lido é uma paródia por ser contado em
forma de relato jornalístico, a maior história de amor romântico de todos os
tempos - Romeu e Julieta -, transformando-a num caso de caráter banal e
corriqueiro.

c) Reescreva o texto, alterando o foco narrativo, com base nas seguintes


possibilidades:

Respostas pessoais.

· narrador-personagem

· narrador onisciente

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Quando se escreve um conto, é importante estar atento ao fato de que o


desfecho ou desenlace é determinado desde o começo. Por essa razão,
podemos afirmar que "a pedra de toque" do bom contista reside não no
epílogo, mas na introdução. Em outras palavras, "o saber principiar condiciona
o andamento da intriga e seu arremate. [Portanto] todo o cuidado se deve pôr
nas primeiras linhas, inclusive para servir de chamariz ao leitor".

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004.


p. 89.

347

3. (UFES)

TEXTO 1

Alguém parte, daqui,

Alguém parte, daqui,

e o ônibus acende a saída.

O olhar espreita o insuspeito;

o caminho é farto, o ponto deserto.

Teu nome nebuloso se espalha


pelos escaninhos da estrada

entre o que se conhece e o que,

longe e desconhecido, se entrevê.

Alguém parte, sim, de alhures.

(Paulo Roberto Sodré)

TEXTO 2

Campainhada

As duas ou três vezes que me abriram

A porta do salão onde está gente,

Eu entrei, triste de mim, contente -

E à entrada sempre me sorriram...

(Mário de Sá-Carneiro)

O poema de Paulo Roberto Sodré trata de partida - de alguém de algum lugar


("alhures"). Já o de Mário de Sá-Carneiro trata de chegada, do abrir a porta
depois de uma "campainhada".

Abordando a temática Partida e Chegada, elabore um texto narrativo de ficção,


em que o narrador descreva o transcorrer de uma viagem de ônibus e a
recepção ao(s) viajante(s).

Resposta pessoal.

E MAIS...

Pesquisa e apresentação

· 1º momento

A classe divide-se em grupos. Cada grupo pesquisa e escolhe um conto que


aborde algum aspecto do cotidiano para realizar um trabalho de análise e
apresentação para os colegas.

Observação

A fim de que a atividade seja realizada de modo produtivo, seria interessante


que os vários grupos combinassem um modo de contemplar a maior
diversidade de tipos de enredo (amoroso, de aventura, de suspense, de terror
etc.), de tipos de estrutura (enredo linear e não linear), de tipos de narrador e
focos narrativos (narrador observador, onisciente, narrador-personagem etc.),
de tipos de discurso (direto, indireto e indireto livre), de temas que sejam
relevantes etc.

· 2º momento

Cada grupo apresenta o conto escolhido, por meio de leitura dramática e/ou
encenação, com possibilidade de utilizar fundo musical, criar cenários,
apresentar figurinos, maquilagens etc.

· 3º momento

Auxiliados por roteiros (que podem ser colocados na lousa, apresentados em


slides ou por meio de outro recurso didático), os grupos analisam os contos
para os colegas, a fim de provocar o interesse da classe e assim justificar as
razões da escolha.

Atividade de produção

Agora, é hora de recontar o conto de outro ponto de vista, de outro ângulo de


visão. Cada aluno escolhe aquele que lhe pareça mais significativo, reescreve-
o e apresenta sua versão para seu grupo. Em seguida, alguns contos de cada
grupo serão lidos para a classe e colocados no mural, ao lado do conto
inspirador do trabalho.

348

Critérios de avaliação e reelaboração

Neste capítulo, estudamos dois importantes aspectos responsáveis pela


coerência narrativa:

· evitar digressões e extrapolações que desviam o leitor do que está sendo


contado;

· tornar a história verossímil, isto é, fazer que pareça verdadeira e, assim,


conquiste a atenção e o envolvimento do leitor.

RESUMINDO O QUE VOCÊ ESTUDOU


Neste capítulo você viu que o gênero conto caracteriza-se pela brevidade e
pela concisão. Dessa forma, uma de suas características é a presença de um
único conflito. Viu também como o narrador possibilita o desenvolvimento da
história no conto e como o emprego do pretérito mais-que-perfeito pode
conferir coesão e verossimilhança à narrativa. Por fim, pôde ver que outra
característica deste gênero é a presença de elementos que conferem ao texto
um determinado tom (no caso, lírico).

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Uma história contada de forma coerente tem uma veracidade que nos faz
desejar a verdade, buscá-la mais além do próprio texto, nos desperta para
avaliar o que está sendo contado desde o ponto de vista de um outro, que
ocupa a cena. [...]

Ela é importante, antes de mais nada, para habituar a um exercício de se


colocar no lugar do outro - coisas que as obras de ficção narrativa fazem
admiravelmente, [...] permitindo que o leitor compreenda ideias alheias, se
solidarize com personagens completamente diferentes de si, tenha compaixão
por quem é diferente, perceba que existem pontos de vista variados para
encarar qualquer assunto. A narrativa de ficção rompe a indiferença
individualista e acostuma o leitor a sair de si mesmo e viver outras vidas - e
isso lhe deixa a bagagem de uma experiência emocional riquíssima de abertura
para o outro. Afinal de contas, é esse o fundamento de qualquer
comportamento ético - ser capaz de pensar nos outros ao fazer as coisas ou
deixar de fazê-las e medir as consequências das próprias ações sobre outras
vidas.

MACHADO, Ana Maria. Balaio: livros e leituras. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2007. p. 56-58.

Atividades

Escreva no caderno

Leitura e produção

1. Reconheça o tipo de foco narrativo e o tipo de narrador dos textos a seguir.

TEXTO 1
Estremeci. Por minha causa o pobre ia ficar às escuras, receber um pires de
feijão por dia, sem conseguir estirar-se no cubículo molhado e exíguo, de um
metro e pouco. Achava-me na obrigação de responsabilizar-me, dizer ao
homem de beiço rachado que a culpa era minha: sem as pilhérias bestas, não
teria havido o riso. [...] Iria denunciar-me? Ou deixaria outro ser punido em meu
lugar? Na verdade a minha falta não era grande: apenas me distraíra a lançar
observações a respeito da eloquência do padre e da literatura da citação,
usada sem propósito. O infeliz tivera o desplante de zombar disso claramente,
às barbas da autoridade. Pior para ele. Assim falava no íntimo, e ainda me
conservara indeciso, a condenar-me, a inocentar-me. O rapaz fora leviano por
me haver escutado. Evidente. A culpa era minha.

Teria coragem de revelar-me, tentar eximi-lo? Uma ideia fúnebre me ocorreu:


na desgraçada situação em que me achava encerrar-me por gosto na ratoeira
medonha era um suicídio. O meu companheiro, homem robusto, poderia
aguentar-se ali uma semana; depois recobraria as forças. Não me seria
possível resistir. A perna entanguida, as dores no pé da barriga, o torpor no
estômago vazio, a tosse, arrepios de febre tornavam irrealizável a honestidade.
É estranho um indivíduo perceber que não tem meio de ser digno.

RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro/São Paulo: Record,


1996. p. 101.

Resposta: Foco narrativo em 1ª pessoa; narrador-personagem.

CRÉDITO: Editora Record

349

TEXTO 2

Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua


pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada
que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio
desvaneciam-se no seu espírito.

Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de trempe.


Antes de se deitar, Sinha Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com
um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para
cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E,
findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de
preás invadia a cozinha.

A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para


trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se
arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela
doença.

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria,


certamente Sinha Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordaria feliz num mundo cheio de preás. E lamberia as
mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela,
rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria
todo cheio de preás, gordos, enormes.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo: Record, 1977. p. 91.

Resposta: Foco narrativo em 3ª pessoa; narrador onisciente.

CRÉDITO: Editora Record

2. Leia atentamente a narrativa apresentada a seguir e reescreva-a,


procurando torná-la mais "enxuta" e verossímil. Para realizar o exercício, utilize
o discurso indireto livre.

Antônio sempre caminhava pela noite e pensava se daria conta de tantos


compromissos. Eram noites e mais noites. O peso da vida adulta tinha ficado
grande demais para as suas costas. Ele constantemente se perguntava como
poderia dar conta de tudo? Eh! agora um filho... Aquela carta lida tantas vezes,
"aquele nosso sonho aconteceu", não podia ser verdade. Ele é que queria colo.
Queria se sentir o filho que ia nascer. Ainda sentia saudades do carinho da avó
que foi embora como a sua mãe, que nem conheceu. Tinha 19 anos e estava
sozinho na cidade grande. Deixou para trás sua terra e amigos. Sua namorada,
Anita, não podia estar grávida. Perguntava-se constantemente o que dizer para
ela?

Perdido, entrou na padaria e sentiu o cheiro da canela. Esse cheiro levou


Antônio ao encontro da avó. Sentou no balcão e nem reparou na moça que
estava ao seu lado. Era Gabriela. Ela estava se preparando para começar a
noite. O cheiro de canela vinha dela e ele nem se deu conta disto. Os olhares
se encontraram na hora de pegar o açúcar e nunca mais se largaram. Ela
convidou Antônio para ir assistir a um espetáculo. Ele foi sem entender por que
estava indo, mas foi. Ela lhe apresentou um mundo que ele nem sonhava
existir. Era dançarina e atriz. Gabriela também veio de uma cidade pequena de
Alagoas. A partir daquele encontro, Antônio começou a ver a noite, que antes
era só descanso para a labuta do dia seguinte. As luzes, os sons, alegrias,
tristezas, emoções à flor da pele. Dois dias depois estava ele na porta do teatro
novamente. Não conseguia mais apagar a noite e dormir. Foi devagarinho se
abrindo para tanta gente diferente. E as pessoas que conhecia nem achavam
estranheza nele. Ele vivia se perguntando como pode? Era um mundaréu de
histórias tão inusitadas para o seu mundo. Aqueles moços cabeludos, de
chinelos com meias de dedinhos e roupas moles tinham histórias que
alimentavam a sua alma. Antônio nunca imaginou ser amigo daquele povo
esquisito. E Anita... Pensava muitas vezes no meio de tantas novidades.

Um dia tomou coragem e ligou para sua já antiga terra. Durante a ligação
soube que Anita não estava mais grávida. Tinha perdido o filho quando entrou
no mar e quase se afogou. Também soube naquele telefonema que ela estava
namorando o rapaz da praça que escrevia as cartas. Respirou fundo. "Agora
posso ter paz e me entregar a minha nova vida." Saiu da pensão e foi morar
com Gabriela, que dividia o apartamento com outro casal. Deixou o trabalho e
se tornou iluminador dos shows. Iluminar aquilo tudo era sua maior satisfação.

Antônio agora caminha pela noite com leveza, pois não sente mais o peso
daquela culpa e, sempre que sente o cheiro da canela, respira fundo e sorri.
Finalmente, ele se tornara uma pessoa feliz.

M. L. A., aluna do Ensino Médio

Atenção Professor(a), ver sugestão de resposta em Conversa com o


professor, nas Orientações específicas deste capítulo. Fim da observação.

350

REFERÊNCIAS E LISTA DE SIGLAS

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Lista de siglas

Enem/MEC - Exame Nacional do Ensino Médio

Fuvest-SP - Fundação Universitária para o Vestibular

Insper-SP - Instituto de Ensino e Pesquisa

ITA-SP - Instituto Tecnológico de Aeronáutica

Mack-SP - Universidade Presbiteriana Mackenzie

PUCCamp-SP - Pontifícia Universidade Católica de Campinas

PUC-PR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná

PUC-RS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

UEAP - Universidade do Estado do Amapá

UEL-PR - Universidade Estadual de Londrina

UERN - Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais


UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

UFRGS-RS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

UFSCar-SP - Universidade Federal de São Carlos

UnB-DF - Universidade de Brasília

Unicamp-SP - Universidade Estadual de Campinas

Unifesp-SP - Universidade Federal de São Paulo

UPE-PE - Universidade de Pernambuco

UPF-RS - Universidade de Passo Fundo

353

Conversa com o professor

354

Sumário

Parte comum

Apresentação.........................................................................., p. 355

Estrutura geral da coleção....................................................., p. 356

Literatura

· Introdução ......................................................................., p. 357

· Progressão horizontal, ao longo do Ensino Médio ............, p. 358

· Progressão vertical - o capítulo ...................................., p. 358

· Procedimentos e estratégias de leitura ............................, p. 359

Gramática

· Introdução ......................................................................., p. 361

· Objetivos ........................................................................, p. 361


· Pressupostos teóricos e metodologia .............................., p. 361

· Uma breve reflexão ........................................................., p. 363

Leitura e produção de textos

· Introdução ......................................................................., p. 364

· Como o trabalho se organiza ..........................................., p. 364

Sugestões de projetos interdisciplinares .............................., p. 366

Orientações específicas

· Literatura ........................................................................, p. 372

· Gramática ......................................................................., p. 401

· Leitura e produção de textos ..........................................., p. 438

355

APRESENTAÇÃO

A proposta de encaminhamento didático dos conteúdos deste livro e sua


eficiente utilização baseiam-se no pressuposto de que ele é um dos diferentes
instrumentos de ensino-aprendizagem a que o(a) professor(a) e os alunos
podem recorrer para um estudo proveitoso de Língua Portuguesa no Ensino
Médio. Procuramos, por isso, preservar a autonomia do(a) professor(a),
possibilitando um uso flexível do livro tanto no planejamento geral do curso
quanto na preparação e no desenvolvimento das aulas.

A organização em três grandes setores - Literatura, Gramática e Leitura e


produção de textos - visa a essa flexibilidade, uma vez que desobriga o uso
linear do livro didático, possibilitando a construção de programas adequados às
condições específicas de cada unidade escolar, de cada turno e mesmo de
cada turma. Isso implica, como ponto de partida, não fazer do Sumário o
programa.

Ao elaborar o planejamento, seria interessante que o(a) professor(a) utilizasse


o livro adequando-o a seus objetivos e às características de seus alunos, ou
seja, contextualizando os conteúdos conforme os diversos perfis de
estudantes, distribuindo as aulas e atividades referentes a cada parte para um
andamento agradável, articulado e eficaz. É oportuno enfatizar que o momento
do planejamento é também ocasião fecunda para trabalhar a relação com os
outros componentes curriculares, propiciando atividades interdisciplinares e
dando sentido prático e vivacidade ao trabalho pedagógico.

A realização desse andamento é favorecida pela conexão entre os setores do


livro, via propostas de intersecções de conteúdos, para que haja diálogo
constante e processo contínuo de coesão entre eles. Destacamos, nesse
propósito, a existência de uma seção, comum a todos os setores, denominada
E mais..., com atividades de bastante interesse, tendo em vista as demandas
educacionais em destaque em nosso tempo. Salientamos, por exemplo, as
atividades de debate, de apresentação e de representação teatral,
caracterizadas pelo desenvolvimento de um trabalho sistemático com a
oralidade, em diversos contextos comunicativos, exigindo que os alunos
recorram a informações das demais áreas do conhecimento para integrá-las
aos conceitos que está construindo. Já o boxe Navegar é preciso tem por
finalidade estimular a experimentação de práticas culturais - filmes,
documentários, entrevistas, espetáculos etc. - que permitem a
desescolarização dos conteúdos. Assim, o aluno poderá enriquecer seu
repertório de saberes por meio do contato com produções de relevante valor
cultural, disponíveis nas novas mídias.

Cabe ao(à) professor(a) optar por outras possibilidades de articulação,


atentando para o seguinte fato: assim como os pequenos textos - de
significativa multiplicidade de gêneros - propostos para o trabalho de análise
linguística podem e devem ser percebidos em seus traços estilísticos e
contextuais, os textos analisados do ponto de vista literário podem e devem ser
abordados na perspectiva de sua organização linguística. Além disso, a
quantidade de gêneros textuais abordados foi selecionada com a finalidade de
garantir sua utilização em várias situações: em sala de aula, como tarefa
extraclasse ou como um conjunto de procedimentos passíveis de avaliação
(autoavaliação, avaliação formal e informal, horizontal e vertical etc.).

Em outros termos: embora o livro tenha sido estruturado horizontalmente,


sugerimos que seja manuseado de forma verticalizada, favorecendo uma
gradativa combinação entre as partes, ampliando as possibilidades concretas
de aprofundamento e enriquecimento das aulas.
Nesse sentido, é indispensável que os alunos se familiarizem com a estrutura e
com os conteúdos gerais do livro, que aprendam a manuseá-lo, a utilizar
adequadamente o sumário, a fazer consultas, pesquisas e remissões, a rever
conteúdos estudados, recuperando-os em momentos posteriores e
relacionando-os aos novos conhecimentos. No setor de Leitura e produção de
textos, por exemplo, há um trabalho sistemático com uma variedade de
procedimentos de avaliação, capítulo a capítulo, que pode iluminar as outras
partes e, ao mesmo tempo, ser iluminada por elas.

Em síntese, acreditamos e investimos no diálogo: seja entre os setores, seja


entre as linguagens, seja entre as abordagens, que mesclam contribuições
tradicionais com recentes, simultaneamente reforçando e depurando saberes,
num esforço de conjunção cujo resultado almejado é o encontro entre o
estudante e o texto, com mediação do(a) professor(a), figura portadora da
garimpagem dos sentidos não apenas informativos, mas de fato formadores.

Nas Orientações específicas (página 372 e subsequentes desta Conversa com


o professor) são detalhados os conteúdos que, em cada ano, constituem os
capítulos de cada um dos três setores.

356

Tabela: equivalente textual a seguir.

Estrutura geral da coleção


1º ANO
Literatura
Cap. 1 - Literatura: a arte da palavra
Cap. 2 - Literatura e realidade: representação e invenção
Cap. 3 - O texto literário
Cap. 4 - Os gêneros literários
Cap. 5 - A poesia lírica
Cap. 6 - A crônica
Cap. 7 - O conto
Cap. 8 - O teatro
Gramática
Cap. 1 - Gramática... gramáticas...
Cap. 2 - Noções de variações linguísticas
Cap. 3 - Noções de semântica
Cap. 4 - Figuras de linguagem
Cap. 5 - Acentuação gráfica
Cap. 6 - Estrutura e formação de palavras
Cap. 7 - Substantivo Adjetivo
Cap. 8 - Artigo Numeral
Leitura e produção de textos
Cap. 1 - Gêneros textuais
Cap. 2 - Linguagens: entre textos, entre linhas
Cap. 3 - A enumeração e os gêneros textuais
Cap. 4 - Notícia
Cap. 5 - Crônica e poema em jornais
Cap. 6 - Linguagem e ponto de vista
2º ANO
Literatura
Cap. 1 - As grandes escolas literárias
Cap. 2 - Camões e o Renascimento
Cap. 3 - Literatura colonial brasileira
Cap. 4 - A poesia romântica
Cap. 5 - O romance romântico
Cap. 6 - O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo
Cap. 7 - O Realismo psicológico de Machado de Assis
Gramática
Cap. 1 - Pronome
Cap. 2 - Verbo
Cap. 3 - Palavras invariáveis
Cap. 4 - A sintaxe - conceitos gerais Sujeito e predicado
Cap. 5 - Os verbos no predicado Termos associados ao verbo
Cap. 6 - Termos associados a nomes Vocativo
Leitura e produção de textos
Cap. 1 - Resumo e resenha
Cap. 2 - Diário pessoal
Cap. 3 - Relatório
Cap. 4 - Do relato à narrativa ficcional
Cap. 5 - Enredo linear
Cap. 6 - Enredo não linear e os tipos de narrador
3º ANO
Literatura
Cap. 1 - O Simbolismo e o Pré-Modernismo no Brasil
Cap. 2 - As vanguardas artísticas europeias e a Semana de Arte Moderna
Cap. 3 - A primeira geração modernista brasileira
Cap. 4 - A segunda geração modernista brasileira: poesia
Cap. 5 - A segunda geração modernista brasileira: prosa
Cap. 6 - A terceira geração modernista brasileira
Cap. 7 - A poesia de Fernando Pessoa
Cap. 8 - Tendências contemporâneas das literaturas africanas de expressão
portuguesa
Cap. 9 - Tendências contemporâneas da literatura brasileira
Gramática
Cap. 1 - Período composto por subordinação Orações subordinadas
substantivas
Cap. 2 - Orações subordinadas adjetivas
Cap. 3 - Orações subordinadas adverbiais
Cap. 4 - Período composto por coordenação Período composto por
coordenação e subordinação
Cap. 5 - Concordância nominal
Cap. 6 - Concordância verbal
Cap. 7 - Regência Crase
Cap. 8 - Colocação pronominal
Leitura e produção de textos
Cap. 1 - Dissertação argumentativa
Cap. 2 - Dissertar e descrever: a delimitação do tema
Cap. 3 - Dissertar e narrar: assumindo um ponto de vista
Cap. 4 - Argumentação causal A importância dos exemplos Carta
Cap. 5 - Estratégias lógico-expositivas

357
Literatura

INTRODUÇÃO

É consensual que a grande preocupação dos(as) professores(as) de Literatura


deve ser com a proficiência na leitura do texto literário. Para isso, o ensino de
literatura não pode ser reduzido ao da história literária, importante, mas
subsidiário. É preciso insistir no processo de leitura, releitura, conversas sobre
os textos, análise, interpretação, crítica.

Mas os alunos que chegam ao Ensino Médio estarão preparados para a


complexidade da leitura literária? A literatura não seria uma manifestação
estética elitista, distante dos alunos atuais, sobretudo os das escolas públicas?
Leyla Perrone-Moisés, em seu texto "Literatura para todos", publicado na
revista Literatura e Sociedade (USP, v. 9, 2006), responde categoricamente a
essas perguntas: "Qualquer que seja a extração social do aluno, sua
inteligência lhe permite a aprendizagem da leitura literária".

Denunciando o que chamou de "sumiço da literatura" no Ensino Médio, a


ensaísta tece ponderações a partir de uma pergunta-chave:

[...] por que ensinar literatura? [...] 1) porque ensinar literatura é ensinar a ler, e
sem literatura não há cultura; 2) porque os textos literários são aqueles em que
a linguagem atinge seu mais alto grau de precisão e sua maior potência de
significação; 3) porque a significação, no texto literário, não se reduz ao
significado (como acontece nos textos científicos, jornalísticos, técnicos), mas
opera a interação de vários níveis semânticos e resulta numa possibilidade
teoricamente infinita de interpretações; 4) porque a literatura é um instrumento
de conhecimento e de autoconhecimento; 5) porque a ficção, ao mesmo tempo
que ilumina a realidade, mostra que outros mundos, outras histórias e outras
realidades são possíveis, libertando o leitor de seu contexto estreito e
desenvolvendo nele a capacidade de imaginar que é um motor das
transformações históricas; 6) porque a poesia capta níveis de percepção, de
fruição e de expressão da realidade que outros textos não alcançam.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura para todos. Literatura e Sociedade


(USP), v. 9, p. 27-28, 2006.

Avançando em suas reflexões, a ensaísta refina a referida pergunta-chave:


Sendo o texto literário um texto tão complexo, por que manter a literatura nos
currículos do Ensino Médio? 1) porque, exatamente por ser complexo, a leitura
do texto literário exige uma aprendizagem que deve ser iniciada na juventude;
2) porque os textos literários podem incluir todos os outros tipos de texto que o
aluno deve conhecer; 3) porque a literatura, quando o leitor dispõe de uma
capacidade de leitura que não é inata mas adquirida, dá prazer e autoestima
[...].

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura para todos. Literatura e Sociedade


(USP), v. 9, p. 28, 2006.

Em seguida, questiona a ideia segundo a qual democratizar o ensino equivale


a uma nivelação baseada na "realidade dos alunos", por meio da seguinte
afirmação:

Oferecer aos alunos apenas aquilo que já consta em seu repertório é


subestimar sua capacidade de ampliar esse repertório. Qualquer que seja a
extração social do aluno, sua inteligência lhe permite a aprendizagem da leitura
literária.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura para todos. Literatura e Sociedade


(USP), v. 9, p. 28, 2006.

A fim de exemplificar essa posição, Leyla Perrone-Moisés refere-se ao escritor


Ferréz, do bairro Capão Redondo, região muito problemática da periferia
paulistana. Recriado literariamente, o lugar transformou-se em Capão Pecado,
obra reconhecida pelo público e também pela crítica. Em uma entrevista, ele
relata que um romance - Madame Bovary, de Gustave Flaubert - foi o
responsável pela mudança radical que houve em sua vida, possibilitando, até
mesmo, que conseguisse "contaminar toda a comunidade".

Por meio desse exemplo, a ensaísta propõe que repensemos o repertório de


autores e obras presente nos currículos, relativizando a "excessiva
preocupação com o 'contexto social' e a 'identidade'". Na sua maneira de ver, o
resultado de tal postura é "o artificialismo dos estudos literários", vistos como
elitistas. Em oposição, ela defende que "o ensino da literatura, em qualquer
nacionalidade, não é elitista, mas democratizante", pois "[o] livro ainda é o
objeto cultural mais barato e acessível, e o texto de Dom Quixote ou de Dom
Casmurro é o mesmo, num volume encadernado em papel-bíblia ou num
exemplar de banca de jornal". E conclui: "[se] os leitores de literatura
constituem uma elite, esta é aberta a todos os alfabetizados, cabendo aos
professores apenas mostrar o objeto sob sua melhor luz".

Acreditamos haver sintonia entre tais ponderações iluminadoras e,


particularmente, uma demanda do EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA O
PROCESSO DE INSCRIÇÃO E AVALIAÇÃO DE OBRAS DIDÁTICAS PARA O
PNLD 2018, de acordo com a qual "a proposta [do ensino de literatura] deve
contribuir para uma prática de leitura focada na formação do leitor literário,
organizando diferentemente

358

o livro didático, no sentido de, no primeiro ano, propiciar o contato efetivo do


estudante com textos de gêneros variados, com foco na relação destes com o
mundo e na discussão dos temas, perspectivas e formas que caracterizam a
obra dos autores estudados".

Desde a primeira edição desta obra, o trabalho desenvolvido em Literatura


busca um equilíbrio entre o ensino tradicional de história literária e o estudo
interno da Literatura, elegendo as obras que constituem o cânone selecionado
pela tradição e dando ênfase ao trabalho com o texto: o centro inequívoco da
preparação das aulas do(a) professor(a). Isso posto, passemos à descrição de
como realizamos nossa proposta.

PROGRESSÃO HORIZONTAL, AO LONGO DO ENSINO MÉDIO

O primeiro volume propicia, no capítulo 1 , reflexões sobre a arte e a literatura;


o capítulo 2 trata das relações complexas entre a literatura e a realidade, entre
forma e conteúdo, e sobre as funções da literatura. O texto literário, suas
especificidades e os procedimentos necessários a uma boa leitura constituem o
tema do capítulo 3. Nesse lento caminho do mais geral ao mais particular, o
capítulo 4 abre a reflexão sobre os três gêneros literários clássicos,
apresentando as características dos gêneros puros, ideais, e verificando, na
leitura de textos singulares, a aproximação ou o distanciamento dessas
características. Cada um dos quatro capítulos seguintes focaliza um gênero ou
um subgênero: a poesia lírica e, mais especificamente, a lírica amorosa no
capítulo 5; os subgêneros narrativos, especificamente crônica, no capítulo 6,
conto no capítulo 7 e teatro no capítulo 8.

O volume 2 abre-se com um grande painel das escolas literárias no capítulo 1,


cujo estudo se desdobrará nos capítulos deste e do terceiro volume.
Sucessivamente são estudados o Renascimento e a obra de Luís de Camões
no capítulo 2; a literatura colonial brasileira, com ênfase nas obras de Vieira e
Gregório de Matos (Barroco) e de Tomás Antônio Gonzaga (Neoclassicismo),
no capítulo 3; o Romantismo brasileiro, nos capítulos 4 (poesia) e 5 (romance);
as escolas realistas - Realismo, Naturalismo e Parnasianismo no capítulo 6,
destacando-se em capítulo exclusivo (capítulo 7) a obra de Machado de Assis.

O volume 3 inicia com a primeira grande crise da literatura realista, o


Simbolismo, aproximando-o dos autores pré-modernistas, vozes que
garimparam questões pertinentes ao contexto histórico-político e cultural do
Brasil no capítulo 1; dos que aderiram às vanguardas artísticas europeias e
prepararam a Semana de Arte Moderna, no capítulo 2. Em seguida, serão
estudadas a primeira geração modernista no capítulo 3, a segunda, separada
em poesia, no capítulo 4, e prosa, no capítulo 5, e a terceira, no capítulo 6, de
modo a colocar em foco como se deu e se desenvolveu a literatura no século
XX em nosso país. Um estudo sobre a poesia de Fernando Pessoa no capítulo
7, outro sobre as literaturas africanas de expressão portuguesa no capítulo 8 e,
finalmente, um painel apresentando as principais tendências da literatura
contemporânea brasileira no capítulo 9 fecham a obra.

A maioria dos autores estudados pertence à literatura brasileira; entretanto,


autores seminais da literatura portuguesa, como Camões e Fernando Pessoa,
mereceram um capítulo à parte, tanto quanto os autores mais expressivos das
literaturas africanas de expressão portuguesa: Mia Couto, Luandino Vieira,
Paulina Chiziane e José Eduardo Agualusa.

PROGRESSÃO VERTICAL - O CAPÍTULO

Cada capítulo se abre com a seção Primeira leitura, que traz um texto
representativo do tema específico (volume 1) ou da escola literária a ser
focalizada (volumes 2 e 3). O estudo e a interpretação desse texto servem de
gatilho para o estudo do tema e, no caso das escolas literárias, anunciam as
principais características do estilo estudado.

O texto de abertura pode ser um poema, um fragmento de texto em prosa ou


mesmo uma pintura. Muitas vezes foram escolhidos os textos mais antológicos
do período. Em outros momentos, optou-se por textos de natureza
metalinguística, isto é, que exprimem as propostas estéticas de um movimento
literário.

Ao longo dos capítulos, outros textos e autores pontuam os tópicos de


desenvolvimento do tema ou as particularidades da escola focalizada. Os
comentários críticos a respeito de autores e obras mais representativos têm a
função de auxiliar a leitura dos textos, possibilitando a interpretação
contextualizada, além de familiarizar o estudante com a linguagem crítica e
analítica. Esses comentários, vale frisar, não devem substituir, e sim
complementar as impressões e percepções dos alunos. Desse modo, a leitura
constitui o ponto de partida e o ponto de chegada dos estudos literários, que se
utilizam de elementos históricos, políticos, sociais e estilísticos para a sua
compreensão prática.

Chamamos também a atenção para a aproximação frequente de textos de


temática semelhante, para que os alunos percebam o diálogo que se
estabelece continuamente entre épocas, entre autores e entre obras.
Utilizamos o trabalho com a intertextualidade como um modo de criar
ancoragens para a fruição de obras que, quer pela linguagem e pelo estilo,
quer pelos temas e pelo contexto histórico em que estão inseridas, ficam muito
distantes da vivência cultural dos alunos do Ensino Médio. Assim, por exemplo,
um poema de Saramago é contraposto a um texto antológico do século XV;
Murilo Mendes, como tantos modernistas, parodia a Carta de Caminha; Ana
Miranda reconstitui a Bahia Seiscentista pelo olhar de Gregório de Matos; e
Fernando Paixão contempla, emocionado, o tempo fixado pelas mãos de
Aleijadinho. Esses textos são um convite ao(à) professor(a) para que alimente
o diálogo entre o passado e o presente e auxilie seus alunos a criar um
repertório de leituras que sirva de substrato a um longo desenvolvimento
cultural.

359
Nos três livros a seção Leitura de imagem incentiva a comparação entre
linguagens artísticas do mesmo estilo, ou de estilos contrastantes.
Especificamente no terceiro volume, vários gêneros textuais são mobilizados
para introduzir a produção literária modernista. Assim, uma crônica de João do
Rio aproxima o Teatro Municipal às vésperas da Semana de Arte Moderna do
Covent Garden, teatro inglês que simboliza a "civilização e cultura
metropolitanas" a que os brasileiros tanto aspiravam, mesmo que por via
antropofágica; uma carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira mostra a
efervescência "futurista" que invade São Paulo naquela época, enquanto um
fragmento da peça Tarsila, de Maria Adelaide Amaral, põe em cena uma
reflexão entre entusiasta e melancólica dos principais protagonistas da geração
de 22. Ainda a respeito deles, um artigo de opinião sobre Joaquim Pedro de
Andrade, o diretor dos filmes Macunaíma e O homem do pau-brasil, faz a
abertura do estudo de suas obras e figuras mais emblemáticas, como os dois
Andrades (Mário e Oswald). Nelson Ascher, autor de um artigo de opinião
sobre o suposto fim da poesia, remete aos poetas de 30. Quanto à produção
em prosa dessa geração, ela é introduzida por meio de um depoimento
histórico de Leon Hirszman, dado ao crítico e escritor Paulo Emílio Salles
Gomes, sobre a adaptação que realizou de São Bernardo, em plena vigência
da ditadura militar.

PROCEDIMENTOS E ESTRATÉGIAS DE LEITURA

É fundamental ter sempre em vista a natural dificuldade da leitura literária,


principalmente de textos mais antigos, inseridos em contextos históricos e
sociais distantes. Se nossos objetivos são formar o leitor autônomo e crítico,
desenvolver seu gosto pela literatura e ampliar seu horizonte cultural, devemos
cuidar para que as aulas não produzam efeitos inversos.

A leitura literária - como a fruição de toda obra de arte - é uma atividade


complexa que exige do leitor um grande envolvimento, uma intensa disposição
anímica e a ativação do conjunto de seus saberes e vivências.

A esse propósito, convidamos o(a) professor(a) a ler e a apresentar aos alunos,


como uma espécie de epígrafe do curso, o seguinte texto de Fernando Pessoa,
que merece constante remissão, retomada, releitura, discussão.
O(A) professor(a) deve tomar o cuidado de não assumir uma atitude superior e
intransigente, lembrando sempre que os alunos são leitores-aprendizes.

Mensagem

Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum

Nota preliminar

O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que


possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para
ele mortos, e ele um morto para eles.

A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira


conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que
sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar. A atitude cauta, a
irônica, a deslocada - todas elas privam o intérprete da primeira condição para
poder interpretar.

A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não


criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se
sente o que está além do símbolo, sem que se veja.

A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro


nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que se usou de simpatia e da
intuição. Um dos fins da inteligência, no exame dos símbolos, é o de relacionar
no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá
fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não
tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se
tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.

A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de


outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes,
relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo.
Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem
direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim
certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no
mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a
outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o
Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada
uma destas coisas, que são a mesma, da maneira como as entendem aqueles
que delas usam, falando ou escrevendo.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 69.

360

Recomendamos ao(à) professor(a) alguns procedimentos essenciais na


abordagem dos textos, para que cada experiência seja parte da aquisição
cumulativa e progressiva de habilidades. Lembramos que toda leitura se realiza
em três etapas - antes, durante e depois -, que devem ser recriadas e
cumpridas também na sala de aula.

1. Antes da leitura. O modo e a qualidade da leitura são condicionados por


fatores que a antecedem: objetivos (lemos para obter informações, seguir
instruções para realizar uma ação, obter ou aprofundar conhecimentos,
desfrutar momentos de entretenimento, fruir o prazer estético etc.), disposições
anímicas do momento, ativação de conhecimentos prévios, expectativas em
relação ao texto, previsões. A prática de leitura escolar deve levar em conta
esses fatores. Sabemos que todo processo escolar é artificial e coercitivo (ou
não seriam necessárias as estratégias pedagógicas de motivação): os alunos
não escolhem o texto nem o momento de lê-lo; os objetivos da leitura não são
estabelecidos por eles e muitas vezes são deturpados (ler para tirar nota, ler
para não serem repreendidos etc.). Ora, se a situação coercitiva prejudica a
qualidade da leitura de textos didáticos, relacionados aos conteúdos dos
diversos componentes curriculares, mais complicada e prejudicial se torna no
caso dos textos literários, que exigem do leitor aquelas qualidades que
Fernando Pessoa chamou de simpatia e de intuição - além de algo indefinível,
que poderíamos chamar, com aspas, de inspiração. Por isso, a primeira etapa
é essencial. Os alunos devem ser preparados para a leitura, em conversas
dirigidas pelo(a) professor(a), em que se explicitem objetivos e se criem
ancoragens - temáticas, históricas, intertextuais - e em que se resgatem
conhecimentos e experiências anteriores, coletivas e individuais. Só assim
haverá predisposição à recepção ativa e sensível - compreensão crítica e
fruição - do texto.

2. Durante a leitura. As atividades de leitura não podem se resumir às


atividades escritas que acompanham os textos. Estas só devem ser
desenvolvidas após um trabalho oral de compreensão dirigido pelo(a)
professor(a). Para cada texto, dependendo da complexidade e das dificuldades
específicas, deve-se escolher o procedimento adequado de leitura.

· A primeira leitura do texto deve ser silenciosa ou em voz alta? Deve ser feita
pelo(a) professor(a) ou pelos alunos? Deve ser individual ou compartilhada? O
primeiro contato com um poema, por exemplo, deve ser feito, sobretudo na
fase inicial do curso, por meio da leitura do(a) professor(a) ou de um(a)
aluno(a) previamente preparado(a), para que a classe frua a expressão lírica e
a beleza do texto na inteireza de seu ritmo e musicalidade. Vale lembrar que a
escuta é também uma forma importante de recepção que deve ser trabalhada
em sala de aula.

· Se os alunos ainda não desenvolveram estratégias eficientes de leitura ou se


o texto oferece maiores dificuldades para a compreensão, recomenda-se uma
segunda leitura analítica e compartilhada, permeada de comentários, perguntas
dos alunos e do(a) professor(a), destaque de passagens especialmente
expressivas, desvelamento de sentidos subentendidos, hipóteses sobre os
significados de palavras e expressões, interpretação de imagens, retorno a
passagens anteriores, recuperação de significados de anafóricos, percepção
da estrutura do texto etc.

· Após a leitura analítica, deve-se repetir a leitura contínua, oral ou


silenciosamente, para a recuperação do texto como totalidade, agora em outro
nível de fruição e de intelecção.

3. Após a leitura. Para essas atividades, propomos a seção Releitura, frisando,


com essa denominação, seus principais objetivos: retomada do texto em outro
nível de compreensão e fruição após a leitura; observação e análise de
aspectos estilísticos, discursivos, estruturais e temáticos dos textos já lidos e
compreendidos; verbalização em linguagem escrita das observações efetuadas
nas leituras anteriores do texto, sob a orientação do(a) professor(a).
· As leituras extraclasse de obras literárias devem ser preparadas com cuidado.
Aqui também as estratégias serão importantes: leitura comentada de trechos
em aula, roteiros provocativos de leitura, discussão periódica de partes já lidas
da obra, elaboração de previsões etc. Ao término da leitura, realizar avaliação
dinâmica e construtiva, por meio da discussão de temas, de exposições orais,
de painéis, de estudo de trechos escolhidos pelos alunos, de recriação por
outros meios (desenhos, quadrinhos, murais, representações teatrais de cenas)
etc.

Sugestões de leitura para o professor

BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 7ª ed. Trad. Otávio


Mendes Cajado. São Paulo: Ática: Unesco, 2000.

COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad. Laura
Sandroni. São Paulo: Global, 2007.

COLOMER, Teresa; CAMPS, Ana. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Trad.


Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.

EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina;


MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org.). A escolarização da leitura literária: o
jogo do livro infantil e juvenil. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. 3ª ed. São Paulo:
Ática, 2003.

LARROSA, Jorge. La experiencia de la lectura: estudios sobre literatura y


formación. México: Fondo de Cultura Económica, 2003.

MOISÉS, Carlos Felipe. Poesia não é difícil. São Paulo: Biruta, 2012.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6ª ed. Trad. Cláudia Schilling. Porto


Alegre: Artmed, 1998.

361

Gramática

INTRODUÇÃO

Parte dos alunos que terminam o Ensino Médio tem, ao final desse ciclo
escolar, uma expectativa: ingressar em um curso superior e dedicar-se
exclusivamente aos estudos; outra parte pretende ter acesso ao curso superior
e conciliar estudo e trabalho. A uma terceira parte, entretanto, pelas
adversidades socioeconômicas, apresenta-se não uma opção, mas quase
sempre uma imposição: ingressar ou manter-se no mundo do trabalho,
desvinculando-se, assim, da vida escolar.

Um curso de Língua Portuguesa para esse alunado deve, portanto, adotar


estratégias metodológicas que busquem atender a essas diferentes demandas.
Assim, é fundamental que as aulas de linguagem não sejam apenas aulas de
Gramática - "gramática" tomada, aqui, no sentido de análises e reflexões
linguísticas. É indispensável que o curso articule gramática, leitura e escrita, de
maneira que os estudantes não só tenham oportunidade de refletir a respeito
da língua e de analisar sua estrutura e funcionamento, como também possam
aperfeiçoar sua capacidade de leitura e de escrita funcionais e, assim, ampliar
sua competência linguística.

A proposta deste livro, no setor de Gramática, é, portanto, desenvolver um


curso que, conciliando as diferentes abordagens de ensino de Língua
Portuguesa e considerando as diferentes formações acadêmicas dos
professores, contribua efetivamente para a ampliação da competência
linguística dos alunos e, simultaneamente, ofereça-lhes condições de
sistematizar e consolidar a base teórica dos conhecimentos linguísticos
necessários à continuidade de sua vida escolar.

OBJETIVOS

Na perspectiva delineada na seção anterior, são os seguintes os objetivos


gerais do curso:

· Retomar, sistematizar e aprofundar os conhecimentos linguísticos adquiridos


pelos alunos ao longo do Ensino Fundamental.

· Conscientizar os estudantes da importância de desenvolver certa


competência de análise gramatical, não como um fim em si, mas como uma
metalinguagem, inquestionavelmente útil para uma reflexão a respeito da
norma-padrão e para o emprego eficiente dela em situações diversificadas de
comunicação.
· Contribuir para que os alunos desenvolvam uma visão não preconceituosa em
relação às variedades linguísticas divergentes da variedade padrão.

· Possibilitar que os alunos ampliem gradativamente seu domínio de uso da


variedade padrão, modalidade linguística indispensável para sua participação
na vida social letrada e para sua futura vida profissional.

· Tornar os alunos aptos a analisar o papel dos diferentes recursos


(morfológicos, sintáticos e semânticos) na constituição formal e significativa dos
enunciados linguísticos.

· Desenvolver a habilidade de leitura funcional dos alunos, buscando torná-los


mais capazes de associar o conteúdo linguístico de um texto com o
conhecimento de mundo (conhecimento pragmático), para compreender
eficientemente textos de caráter prático (informativos, publicitários,
instrucionais etc.) que circulam no meio social do qual eles participam.

· Tornar os alunos mais aptos a identificar aspectos discursivos explorados


pelo texto, determinando os objetivos e as intencionalidades do enunciador.

· Desenvolver a habilidade de escrita funcional dos alunos, oferecendo-lhes


oportunidades de, nas respostas de grande parte dos exercícios propostos,
redigir pequenos textos, por meio dos quais eles comentam, justificam e/ou
levantam hipóteses a respeito de um dado fato linguístico.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA

Tipos de ensino de língua

Em uma de suas obras sobre ensino de língua portuguesa, o professor Luiz


Carlos Travaglia, citando os linguistas Halliday, McIntosh e Strevens, distingue
três tipos de ensino de língua: o prescritivo, o descritivo e o produtivo. A esse
respeito, diz esse autor:

O ensino prescritivo objetiva levar o aluno a substituir seus próprios padrões


de atividade linguística considerados errados/inaceitáveis por outros
considerados corretos/aceitáveis.

[...] Esse tipo de ensino está diretamente ligado [...] à gramática normativa e só
privilegia, em sala de aula, o trabalho com a variedade escrita culta, tendo
como um de seus objetivos básicos a correção formal da linguagem. [...] alguns
exemplos de elementos que são trabalhados em um ensino prescritivo [...]:

362

a - O plural de cidadão é cidadãos e não cidadões.

[...]

b - O subjuntivo do verbo ser é seja e não seje.

[...]

O ensino descritivo objetiva mostrar como a linguagem funciona e como


determinada língua em particular funciona. Fala de habilidades já adquiridas
sem procurar alterá-las, porém mostrando como podem ser utilizadas. [...] Sua
validade tem sido justificada afirmando-se que o falante precisa saber algo da
instituição linguística de que se utiliza, do mesmo modo que precisa saber de
outras instituições sociais, para melhor atuar em sociedade.

O ensino descritivo atende basicamente aos [seguintes] objetivos:

a) levar [o aluno] ao conhecimento da instituição social que a língua representa:


sua estrutura e funcionamento, sua forma e função;

b) ensinar o aluno a pensar, a raciocinar, a desenvolver o raciocínio científico, a


capacidade de análise sistemática dos fatos e fenômenos que encontra na
natureza e na sociedade.

O ensino descritivo objetiva ensinar novas habilidades linguísticas. Quer


ajudar o aluno a entender o uso de sua língua materna de maneira mais
eficiente; dessa forma, não quer "alterar padrões que o aluno já adquiriu, mas
aumentar os recursos que possui e fazer isso de modo tal que tenha a seu
dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades de sua
língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade delas"
(Halliday, McIntosh e Strevens. As ciências linguísticas e o ensino de
línguas. Petrópolis: Vozes, 1974).

O ensino produtivo é sem dúvida o mais adequado [...] a desenvolver a


competência comunicativa, já que tal desenvolvimento implica a aquisição de
novas habilidades de uso da língua [...]. [...] estariam incluídos aqui o
desenvolvimento do domínio da norma culta e o da variante escrita da língua.
[...]

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino


de gramática. São Paulo: Cortez, 2009. p. 38-40.

O encaminhamento didático dos conteúdos

Partindo do pressuposto de que as metodologias referidas na seção anterior


não se excluem mutuamente, optamos, tanto na exposição teórica como nos
exercícios, ora por uma, ora por outra abordagem, que, - consideradas as
especificidades do tópico gramatical tratado - nos pareceu didaticamente mais
adequada.

A exposição teórica, considerando a exiguidade do tempo de que o(a)


professor(a) dispõe para trabalhar cada tópico e as incontornáveis limitações
de espaço próprias de um livro didático, atém-se, em cada capítulo, ao que
julgamos essencial num curso básico de Língua Portuguesa para o Ensino
Médio.

Quanto aos exercícios, eles são subdivididos em duas seções - Atividades e


Da teoria à prática -, cada uma com objetivos bem distintos. A seção Atividades
é composta de exercícios que visam à fixação dos conceitos e da terminologia
apresentados na exposição teórica. Eventualmente, nos capítulos em que a
teoria é mais extensa, são propostos dois - às vezes três - pequenos blocos de
exercícios desse tipo, intercalando a exposição teórica, de maneira que, no
desenvolvimento do assunto, o(a) professor(a) possa alternar teoria e
exercícios.

Os exercícios que integram a seção Atividades são de resolução mais rápida e,


em boa medida, alinhados a uma abordagem mais tradicional do ensino de
gramática. Essa abordagem, por sua significativa representatividade em
processos de seleção aos cursos superiores, incluindo os de universidades
públicas, não pode deixar de ser contemplada em uma obra didática que tenha,
entre seus objetivos, contribuir para a continuidade da vida escolar do
estudante. Evidentemente, caberá ao(à) professor(a), considerando as
expectativas de seus alunos quanto ao curso, dar maior ou menor ênfase aos
exercícios dessa seção.
Subsequentemente à seção Atividades, é apresentada a seção Da teoria à
prática. Esse grupo de exercícios abre-se com a atividade Ponto de partida, na
qual é proposto um pequeno texto: tira humorística, texto publicitário, notícia de
jornal etc. Em seguida, faz-se uma breve análise de suas características
textuais e, quando oportuno, discursivas. Nessa análise, busca-se,
principalmente, evidenciar para os alunos como determinados elementos
gramaticais estudados naquele capítulo foram utilizados como recursos
linguísticos para que o texto atingisse a eficácia comunicativa pretendida pelo
enunciador.

Concluída a análise do texto do Ponto de partida, o subtítulo Agora é sua vez


introduz um pequeno grupo de exercícios fundamentados, sempre que
possível, em proposições de estudos linguísticos da atualidade, principalmente
da gramática textual, da semântica, da pragmática e da análise do discurso
(ver próximo item). Os exercícios propostos nessa seção buscam estabelecer
relações objetivas entre o tópico teórico estudado e aspectos
práticos/funcionais de textos de diferentes gêneros, prioritariamente literários,
publicitários, humorísticos e informativos, ou seja, aqueles com os quais os
estudantes têm mais contato em sua vida cotidiana.

363

Essa seção, de abordagem marcadamente prática, tem dois objetivos


específicos:

1º Conscientizar os alunos de que o estudo da gramática não é uma atividade


meramente escolar, teórica e descolada do cotidiano, e sim uma reflexão que,
por diferentes caminhos, estabelece vínculos diretos entre o universo da
linguagem e a realidade social concreta dos falantes.

2º Propiciar aos alunos oportunidades de articular conceitos gramaticais


básicos com a leitura e a escrita funcionais, exercitando sua capacidade de
reflexão e de emprego prático dos recursos linguísticos e ampliando, assim,
sua competência linguística como usuário do idioma.

Já a seção E mais... apresenta sempre uma proposta de trabalho em grupo e


objetiva oferecer aos alunos a oportunidade de realizar uma atividade prática,
geralmente de pesquisa, a respeito de um determinado aspecto do assunto
tratado no capítulo. Essas atividades, sempre que possível, são encaminhadas
de maneira interdisciplinar; ao seu final, os resultados são socializados a fim de
que a turma disponha de elementos para análise e discussão coletivas sobre o
tema da pesquisa.

Semântica, pragmática e análise do discurso

Semântica e pragmática

Na obra Gramática descritiva do português, diz o linguista Mário A. Perini:

[...] nossa compreensão dos enunciados não é função exclusiva de um


processamento das estruturas linguísticas contidas neles. É também
parcialmente função de nossa percepção da situação em que nos
encontramos, com quem nos estamos comunicando, aquilo que sabemos e
aquilo que acreditamos que nosso interlocutor também saiba. É como se o
processo de interpretação compreendesse duas etapas: primeiro, temos um
sistema que extrai do enunciado aquilo que é possível depreender a partir
somente da estrutura formal (morfossintática). O resultado é uma
representação semântica, que poderíamos chamar o significado literal do
enunciado. E num segundo momento, essa representação semântica se
associa a uma série de outros fatores, ligados ao contexto da comunicação e
ao conhecimento prévio existente (ou pressuposto como tal) na memória do
falante e do ouvinte. Resulta daí algo que, por falta de termo melhor, chamarei
o significado final. [...]

O primeiro componente da depreensão do significado (o que produz o


significado literal) denomina-se semântica; o segundo, que computa o
significado final com base no significado literal, mais fatores extralinguísticos,
chama-se pragmática.

PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 2000. p.


241-243.

Análise do discurso

A análise do discurso norteia o estudo da linguagem nas reflexões do pensador


russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), que, numa perspectiva marxista, concebe a
língua como um fato social concreto. Segundo Bakhtin, a linguagem, como
processo de interação verbal, não é neutra, sem intencionalidades, e sim um
espaço de confronto ideológico; os processos que a constituem são, portanto,
histórico-sociais.

Assim, a análise do discurso busca estudar a linguagem vinculando-a às


condições de produção (o contexto histórico-social, os interlocutores, a imagem
que cada interlocutor faz de si mesmo e do outro etc.).

Os estudos e as publicações relativos à análise do discurso são amplos e


variadíssimos; de qualquer forma, caso o(a) professor(a) tenha interesse em
tomar um pouco mais de contato com o assunto, sugere-se a leitura das obras
Introdução à análise do discurso (Helena H. Nagamine Brandão, Editora da
Unicamp), A análise do discurso: história e práticas (Francine Mazière,
Parábola Editorial), Cenas da enunciação (Dominique Maingueneau, Parábola
Editorial) e, como obra de consulta, o Dicionário de análise do discurso (Patrick
Charaudeau e Dominique Maingueneau, Editora Contexto).

UMA BREVE REFLEXÃO

Todos sabemos que as diferentes propostas metodológicas, a formação


acadêmica do(a) professor(a), sua maior ou menor prática docente, suas
condições de trabalho, o perfil socioeconômico dos alunos e as expectativas
deles quanto à escola são algumas das muitas variáveis que dão origem a
debates e controvérsias sobre o ensino de Língua Portuguesa.

Assim, as orientações e sugestões apresentadas, para cada capítulo, nas


Orientações específicas relativas à Gramática não pretendem tolher as
iniciativas pessoais do(a) professor(a). A prerrogativa de alterar, simplificar,
ampliar ou mesmo suprimir, num dado momento do curso, uma determinada
atividade - ou parte dela - deve sempre fazer parte do conjunto de estratégias
que norteiam e dão sustentação à atividade docente. Portanto, cabe ao(à)
professor(a) optar pela abordagem que lhe ofereça condições de realizar um
trabalho que seja, tanto em benefício dos alunos quanto de si próprio, o mais
dinâmico, produtivo e gratificante possível.

364

Leitura e produção de textos


INTRODUÇÃO

O objetivo deste livro, no setor de Leitura e produção de textos, é fornecer


subsídios para a continuidade do desenvolvimento do estudante em suas
capacidades de leitura e expressão oral e escrita, reconhecidamente
fundamentais ao exercício de seu direito à cidadania.

Sabemos que esse direito, que abrange a inserção no mundo do trabalho, a


continuação dos estudos, a obtenção de uma postura ativa e cooperativa nas
diversas práticas sociais envolvidas no cotidiano, não é dado; ao contrário,
precisa ser conquistado. Sabemos, também, que as ferramentas dessa
conquista estão umbilicalmente ligadas à progressão do processo de aquisição
de linguagem. É necessário aprimorar esse processo, em especial no Ensino
Médio, quando se conclui a formação básica dos estudantes.

Nossa proposta para a realização de tal desafio é conjugar metodologias e


estratégias diversas, de modo a enriquecer as possibilidades de aprendizagem,
por meio de revisão e revitalização de abordagens que acreditamos não se
excluírem, mas se complementarem.

No entanto, o estudo das tradicionais sequências tipológicas de textos -


descrição, narração, dissertação etc. - deve constituir parte de um conjunto de
ferramentas utilizadas na aprendizagem de competências e habilidades
específicas para o trabalho com gêneros textuais, entendidos como
materializações de domínios discursivos que expressam as mais diversas
práticas sociais.

Assim, os alunos aprendem a diferenciar a redação escolar, no sentido de


exercício artificial de escrita, do trabalho efetivo com a linguagem por meio de
gêneros textuais, formas concretas de desenvolvimento da fala, leitura e
escrita, necessárias ao amadurecimento da vida pessoal e escolar, do
exercício da cidadania e sobretudo da abertura para a escolha do caminho
profissional a seguir.

É importante ressaltar que os textos trabalhados são, atualmente, com os


avanços tecnológicos a que chegamos, multimodais, isto é, implicam oralidade,
escrita, elementos visuais e sonoros. Abordá-los demanda conhecer e
reconhecer sistematicamente seus elementos composicionais e contextuais.
Sabemos que os gêneros textuais estão disponíveis em nossa cultura e sua
mobilização depende dos elementos contextuais - quer dizer, da especificidade
da prática social ou da situação discursiva que leva à escolha de um ou de
outro - e cabe aos(às) professores(as) motivar os alunos a perceberem e a
exercerem, na prática, essa proposta de ligação entre escola e vida.

Em nosso trabalho, ela é o fio condutor, o aspecto central, a grande meta.


Dizendo de outro modo: é necessário que falar, escrever e ler, antes de
qualquer outro objetivo, faça sentido para aqueles que interagem no processo
pedagógico: os(as) professores(as), os estudantes, os atores sociais da escola
e de seu entorno.

Ao longo dos capítulos de cada volume, grande diversidade de textos, orais e


escritos, verbais e visuais, pragmáticos, informativos e literários, de autores
consagrados e de estudantes serão lidos, falados, escritos e comentados, para
deflagrar e desenvolver vivacidade nas interações entre alunos e textos, alunos
e colegas, alunos e professores(as), proporcionando condições de avanços
concretos nas aulas dedicadas à leitura e produção de textos.

Contando com a mediação do(a) professor(a), com sua vivência pedagógica e


sua liberdade de ação, procuramos priorizar textos viáveis no contexto de
preparação dos alunos para o mundo do trabalho e/ou para a continuação dos
estudos e também acompanhar o(a) professor(a) ao longo da conquista, pelos
alunos, de uma competência expressiva a um só tempo marcada pela eficácia
técnica e pelo aprofundamento da capacidade humana, nas várias práticas de
sociabilidade em que estão inseridos.

Para isso, as propostas de leitura e produção de textos, orais e escritos,


sistematicamente interdependentes, articulam-se a uma grande diversidade de
contextos, estratégias e sugestões de processos de avaliação. Reconhecer
recursos expressivos, construir sentidos, selecionar modos de dizer ou
escrever o que é preciso, tanto do ponto de vista pragmático quanto do ponto
de vista ético, constituem, então, os pilares nos quais nos apoiamos para
conciliar o que julgamos imprescindível ao processo de aprimoramento da
aquisição de linguagem(ns): gosto, adesão; acrescentado de trabalho,
seriedade, convicção.
COMO O TRABALHO SE ORGANIZA

Numa perspectiva horizontal

No primeiro ano, partimos do conceito de gênero textual e de algumas práticas


metalinguísticas e propomos trabalhos com autoapresentação (capítulo 1),
explorando a ideia de selfies e o desenvolvimento da imaginação, da
sensibilidade, pela (re)descoberta da necessidade e do gosto de conseguir
construir uma imagem positiva, nos vários contextos em que atuamos.
Acentuamos também a necessidade de fazer anotações, registros, sínteses e
comentários sistematicamente, dando ao caderno um status de guia de
estudos.

Para que este trabalho se desenvolva como estamos propondo, é necessário


assinalar a importância de os alunos terem um caderno de leitura e produção
de textos e se acostumarem a utilizá-lo com frequência, anotando tudo o que
julgarem relevante, inclusive rascunhos e versões dos textos produzidos.

Em seguida, ganha destaque, em vários textos a serem lidos e produzidos, a


relação entre texto e contexto (capítulo 2) e também a relação entre a técnica
de enumeração e os gêneros que podem ser desenvolvidos por meio dela
(capítulo 3).

365

A partir daí, entram em cena alguns gêneros de grande importância no


cotidiano dos alunos: notícia (capítulo 4), crônica e poema em jornais (capítulo
5) e como fecho deste primeiro conjunto, o tema linguagem e ponto de vista
(capítulo 6) retoma fundamentalmente a noção da importância de todas as
linguagens, sobretudo como formas de dizer a realidade, dar um ponto de vista
a respeito dela, nas inumeráveis situações em que precisamos nos colocar
como sujeitos, capazes de articulações discursivas de bom nível.

Ao longo do segundo ano, resumo e resenha retomam e aprofundam os


gêneros desde o primeiro ano considerados ferramentas de trabalho, em todas
as disciplinas (capítulo 1). Depois, passamos de relatos subjetivos, como o
diário pessoal (capítulo 2), para relatos objetivos, como os relatórios (capítulo
3), outra ferramenta fundamental a ser utilizada dentro e fora da escola. A partir
da metade deste curso específico, nossa proposta é mostrar semelhanças e
diferenças entre os vários tipos de relato e as narrativas ficcionais, além dos
tipos de discurso (direto, indireto, indireto livre) (capítulo 4) e, então, trabalhar
as variadas narrativas, das mais simples às mais complexas, com foco no
enredo linear (capítulo 5), e também os tipos de narrador e o enredo não linear
(capítulo 6).

No terceiro ano, as características principais do curso de Leitura e produção de


textos apresentam nuances relacionadas à conjunção
terminalidade/continuidade, necessária à formação dos alunos. Daí a opção por
privilegiar a relação linguagem/pensamento, que vem sendo cada vez mais
cobrada, nos principais vestibulares e nos exames para múltiplos cargos, de
nível técnico.

Assim, o capítulo 1 introduz o conteúdo de maior interesse do livro: o


conhecimento teórico e prático da dissertação, por meio de grande variedade
de gêneros textuais de caráter mais expositivo que opinativo, a serem lidos,
discutidos e incorporados pelos alunos. Já no capítulo 2, os gêneros que
pertencem ao campo da argumentação propriamente dita têm total prioridade.
As sequências descritivas são retomadas e desenvolvidas como subsídios para
a produção dissertativa nesse capítulo, apontando um movimento do concreto
e singular ao genérico e abstrato. Esse capítulo também é dedicado à questão
da delimitação do tema do texto dissertativo. No capítulo 3, em que a narração
aparece como subsídio dissertativo privilegiado, acrescenta-se a esse tema a
necessidade que o enunciador tem de assumir um ponto de vista, uma opinião,
quando disserta. Dessa forma, as sequências textuais se interpenetram mais
claramente, mostrando-se, em vez de estanques, em constante processo de
articulação, no sentido de poderem constituir parte estrutural da dissertação.

O capítulo 4, por sua vez, é dedicado exclusivamente aos tipos de argumentos


que consideramos mais adequados para a faixa etária de nossos estudantes: a
argumentação causal e a exemplificação. Nele, introduzimos o raciocínio
causal, por meio do método de questionar o tema e propor respostas que
constituem o(s) ponto(s) de vista a ser(em) desenvolvido(s) pelo enunciador,
concordando com o ponto de vista explicitado, discordando dele, ou
considerando a possibilidade de raciocinar com mais profundidade,
concordando e/ou discordando em parte, e assim trabalhando os dois lados da
questão, por meio de argumentos provocados por perguntas-chave. No estudo
dos exemplos, ampliamos as possibilidades argumentativas da dissertação,
ressaltando a importância da apresentação de fatos como elementos que dão
concretude e consistência à argumentação, o que acentua a dimensão
narrativa dessa modalidade de texto, atualizada ao longo dos capítulos em
vários gêneros, várias situações comunicativas, vários contextos, e,
consequentemente, várias práticas sociais.

O capítulo 5 ocupa-se das estratégias lógico-expositivas, isto é, de sugestões


de estratégias sobretudo para começar a dissertação-argumentativa, de modo
a antecipar uma sequência favorável a um desenvolvimento eficaz, em termos
racionais e estilísticos.

As atividades de fala, leitura e escrita, que são sistematicamente


complementares, concretizam nossa proposta aqui descrita, mobilizando a
ideia de ler como atribuir sentidos (colher, reter, adquirir) e articulando-a a
exercícios de produção. Tais exercícios intentam, a partir e através das
experiências de leitura, encontrar formas e motivações para os estudantes
poderem se expor, se abrir, se expressar, retomando e aprofundando seus
conhecimentos prévios, adquiridos ao longo do Ensino Fundamental e de sua
convivência com grande multiplicidade de práticas sociais e situações
discursivas.

É importante ressaltar que cabe ao(à) professor(a) manejar o livro com


liberdade, de acordo com seus objetivos e com as especificidades de seu
trabalho, em cada escola, cada sala de aula, cada situação pedagógica. Neste
sentido, algumas das propostas de leitura e produção de textos podem ser
enfatizadas, descartando-se outras; assim como podem ser escolhidas aquelas
que o(a) professor(a) julgar pertinentes à realização de avaliações e/ou demais
atividades.

O gosto de conviver com a linguagem como forma privilegiada de constituir-se


como sujeito, articulada à necessidade de aperfeiçoamento da qualidade dessa
convivência, constituem nossos empenhos maiores. Para concretizá-lo, além
dos procedimentos e conteúdos expostos, fazemos questão de não usar
nenhum texto, de nenhum capítulo, como modelo a ser mimetizado. Em vez
disso, privilegiamos a percepção de seus recursos expressivos, que, ao
construírem possibilidades de descobertas de efeitos de sentido, desvendam
aos alunos a um só tempo as dimensões mágica e arquitetônica da linguagem,
em especial a literária, por sua função humanizadora, ao "dar ordem ao caos"
de nossas mentes, por meio de um tipo peculiar de expressão e de uma
proposta sempre democrática, porque ambivalente, de construção de sentidos.

Os critérios de avaliação, mais unificados por retomada e acréscimo daqueles


desenvolvidos nos anos anteriores, estão presentes a cada capítulo, tanto
quanto situações provocadoras de exercícios de linguagem oral em vários
contextos diferentes e complementares.

Cabe ao(à) professor(a) escolher o que e como trabalhar, ao longo de todas as


atividades de leitura e produção de textos, buscando "contaminar" os alunos
com a paixão pelo exercício da liberdade de pensar, de respeitar as ideias dos
outros e de, ao mesmo tempo, lutar para conseguir se expressar, seja de forma
conciliadora, seja de forma contestadora. O importante é que eles se apropriem
de práticas de linguagem que lhes possibilitem desvendar, formular e realizar
projetos que contribuam para sua inserção na sociedade como pessoas
criativas, críticas e humanizadas, porque de posse de sua maior aliada: a
prática eficiente de uma linguagem própria que expresse, com competência, o
que precisam expressar, na variedade de situações de comunicação e de
acordo com sua singularidade.

366

Numa perspectiva vertical

Como em Literatura, iniciamos os capítulos apresentando sucintamente os


seus objetivos e, em seguida, um texto denominado Primeira leitura destaca o
tema principal a ser desenvolvido.

As seções Em tom de conversa e Atividades, a primeira focando abordagens


orais mais gerais e a segunda comprometida com o trabalho analítico dos
gêneros textuais abordados, aliam o processo de leitura ao de produção, o
primeiro dando subsídios para o segundo, enquanto a seção E mais... amplia o
universo de atividades, e o boxe Navegar é preciso sugere o acesso a outros
materiais de trabalho, como filmes, vídeos, elementos para pesquisas mais
aprofundadas etc. Eventualmente, a seção Comentário aparece para articular
conteúdos que merecem destaque, e os boxes Fique sabendo e Para não
esquecer destacam/retomam as informações mais pertinentes, no momento em
que estão sendo mobilizadas.

Por sua vez, a seção Resumindo o que você estudou organiza, para os alunos,
os conceitos e práticas estudados a cada capítulo. Em Critérios de avaliação e
reelaboração, que finaliza os capítulos, as orientações de reescrita dos textos
produzidos pelos alunos desenvolvem-se progressivamente, fornecendo-lhes
elementos para realizarem autoavaliação, avaliação horizontal (com os
colegas) e avaliação vertical - coordenada pelo(a) professor(a).

Tais atividades não são centradas no "erro", mas na discussão sobre as


melhores formas de expressão em cada contexto ou prática comunicativa, e de
acordo com os avanços dos alunos nas aulas de gramática. Nesse sentido, a
seção Critérios de avaliação e reelaboração, presente ao final de cada capítulo,
fornece orientações e exercícios de reescrita, para contribuir com o avanço da
qualidade dos textos produzidos, de modo progressivo e compatível com os
conteúdos das propostas e com o desenvolvimento do curso.

Sugestões de projetos interdisciplinares

Sabemos, como professores(as), que a divisão de conteúdos em disciplinas é


indispensável à organização do ensino, embora seja consenso entre os
educadores que essa segmentação pode desestimular muitos estudantes, pois
resulta numa visão, entre os alunos, de que a vivência escolar e as atividades
que nela se desenvolvem são desconectadas da vida "real", cotidiana.

A interdisciplinaridade, ao romper com a demarcação rígida dos saberes,


articulando e integrando determinados componentes curriculares, empresta
significado mais concreto, mais palpável ao processo ensino-aprendizagem.

Assim, visando oferecer ao(à) professor(a) algumas possibilidades de


ampliação de suas atividades e estratégias didático-pedagógicas, propomos, a
seguir, alguns temas de projetos interdisciplinares. O(A) professor(a) poderá
desenvolvê-los como for mais conveniente, levando em conta a
possibilidade/conveniência de integrá-los em seus objetivos didáticos e a
adequação deles às características e expectativas de seus alunos. Também
poderá tomá-los como parâmetros/referências para a elaboração de suas
próprias propostas.

Para o trabalho entre docentes de diferentes disciplinas, há algumas


possibilidades (que não são mutuamente excludentes e podem ser
estabelecidas conforme a necessidade):

· dois ou três docentes (um de cada disciplina envolvida), em conjunto,


conduzem as aulas;

· os(as) professores(as) preparam, juntos, as aulas do projeto, com divisão de


tarefas, e cada um desenvolve individualmente sua aula;

· o(a) professor(a) de Língua Portuguesa discute com os colegas das outras


disciplinas as informações necessárias para, sem a participação direta destes,
desenvolver o trabalho com a turma.

Quanto ao tempo que cada projeto demandará (se algumas aulas ou todo um
bimestre, por exemplo), isso deve ser definido levando em conta a maior ou
menor extensão do tema e a profundidade almejada na exploração de seus
diferentes aspectos.

LITERATURA / HISTÓRIA / GEOGRAFIA

Tema: Escritoras brasileiras e a condição feminina no Brasil

Para iniciar, fazer um levantamento da percepção dos alunos quanto à


condição da mulher no Brasil atual. Comentar que, embora as mulheres
tenham obtido muitas conquistas, principalmente no século XX, ainda não se
pode falar em completa igualdade de gênero. Citar, por exemplo, a violência
doméstica (a cada 5 minutos uma mulher é agredida no país, e em 70% dos
casos o agressor é o companheiro, segundo dados de 2012 do Ministério da
Justiça) e a diferença salarial entre os sexos (mulheres recebem cerca de 30%
menos do que os homens, segundo o Censo 2010 do IBGE).

Resgatar, com os alunos, alguns fatos históricos representativos da


emancipação feminina no Brasil, como o direito ao voto em 1932, o advento do
contraceptivo oral (pílula) na década de 1960, a Lei Maria da Penha em 2006, a
eleição da primeira mulher para a Presidência da República em 2010. Sugerir
que pesquisem na internet uma lista mais extensa de fatos. Aqui apresentamos
uma breve cronologia, arbitrária, de alguns desses acontecimentos no Brasil.

367

1827: Lei permitindo que mulheres frequentassem as escolas elementares.

1879: Autorização do governo para que mulheres cursassem o ensino superior.

1927: Eleição da primeira prefeita brasileira: Alzira Soriano de Souza, de Lages


(RN).

1932: Getúlio Vargas promulga o novo Código Eleitoral, que garante o direito
de voto às mulheres brasileiras.

1933: Eleição, para a Assembleia Constituinte, da primeira deputada, a paulista


Carlota Pereira de Queiroz.

1979: Eunice Michilles é a primeira senadora do Brasil, por falecimento do


titular da vaga.

1985: Primeira "Delegacia da Mulher" (Delegacia de Atendimento


Especializado à Mulher), no estado de São Paulo. Outros estados seguem o
exemplo.

1996: Nélida Piñon é a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de


Letras.

1997: Crescimento da presença feminina em cargos públicos legislativos e


executivos: 7% das cadeiras da Câmara dos Deputados; 7,4% do Senado; 6%
das prefeituras brasileiras.

2010: Eleição de Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil, 78 anos depois


da conquista do voto feminino.

Fonte dos dados: HISTÓRIA Digital. 25 conquistas das mulheres no Brasil.


Disponível em: http://www.historiadigital.org/curiosidades/25-conquistas-
historicas-das-mulheres-no-brasil. Acesso em: 12 maio 2016.

Levar os alunos a perceber que, simultaneamente aos acontecimentos


coletivos, dão-se as trajetórias dos indivíduos. Lembrar que muitas mulheres
lutaram e lutam por direitos iguais, entre elas as escritoras.
Mais uma vez, propor que façam uma pesquisa, dessa vez sobre escritoras
brasileiras. Comentar com eles que hoje em dia há muitas autoras famosas,
mas que em outros tempos a manifestação literária das mulheres sofreu
limitações e entraves, em razão do preconceito e da opressão.

Apresentamos, a seguir, uma lista, também arbitrária, de algumas escritoras


brasileiras, do século XIX até a atualidade. A primeira parte é composta de
autoras menos conhecidas, por isso fornecemos uma "minibiografia" de cada.
A segunda parte é composta de escritoras renomadas, algumas estudadas no
livro do terceiro ano.

Tabela: equivalente textual a seguir.

Escritoras brasileiras
SÉCULO XIX
· Nísia Floresta (1810-1885)
A norte-rio-grandense Dionísia Gonçalves Pinto, conhecida pelo pseudônimo
Nísia Floresta, foi precursora do feminismo no Brasil. Educadora, fundou uma
escola de moças que tinha no currículo disciplinas como Latim, História,
Geografia, Matemática e idiomas. Publicou, em 1832, a obra Direitos das
mulheres e injustiça dos homens.
· Maria Firmina dos Reis (1825-1917)
Maranhense e negra, teria sido a primeira brasileira a publicar um romance:
Úrsula (1859), de temática abolicionista. Foi educadora e colaborou com
jornais literários.
· Maria Benedita Bormann (Délia) (1852-1895)
Nasceu em Porto Alegre (RS) e mudou-se para o Rio de Janeiro. Lésbia é seu
romance mais famoso. Publicou crônicas e contos nos principais periódicos do
Rio de Janeiro.
· Narcisa Amália (1852-1924)
Nascida no Rio de Janeiro (RJ), é considerada a primeira jornalista profissional
do Brasil. Publicou, em 1872, Nebulosas, cujos poemas tiveram grande
acolhida da crítica, e em 1874, o volume de contos Nelúmbia.
· Júlia Lopes de Almeida (1862-1934)
Nascida no Rio de Janeiro (RJ), escreveu romances, contos, crônicas, peças
de teatro e obras didáticas, além de ter colaborado com diversos periódicos,
como a revista A Semana e o jornal O País (este por mais de 30 anos). Seu
romance A falência (1901) é tido pela crítica como uma de suas melhores
obras, e foi sucesso de público.
SÉCULOS XX E XXI
· Rachel de Queiroz (1910-2003)
· Patrícia Galvão (1910-1962)
· Clarice Lispector (1920-1977)
· Lygia Fagundes Telles (1923-)
· Hilda Hilst (1930-2004)
· Adélia Prado (1935-)
· Nélida Piñon (1937-)
· Ana Cristina Cesar (1952-1983)
· Patrícia Melo (1962-)

Propor aos alunos que escolham algumas das escritoras para aprofundamento,
pesquisando biografia e obras principais. É interessante que selecionem pelo
menos uma escritora do século XIX e uma dos séculos XX e XXI. Sugere-se
dividir a turma em grupos para um trabalho mais abrangente. Por exemplo:
definir cinco grupos, e cada grupo escolhe três autoras, para estudar suas
biografias e obras à luz dos momentos históricos nos quais se inserem.

368

Os grupos podem realizar uma apresentação para a turma, apoiada por uma
antologia (digital ou impressa).

Seguem alguns links que podem servir de ponto de partida tanto para o
planejamento do(a) professor(a) quanto para a pesquisa dos alunos.

· Dados sobre a condição da mulher no Brasil:

BBC BRASIL. Guia interativo mostra a desigualdade de gênero no mundo. 25


out. 2013. Disponível em: http://tub.im/ro4csf.

· Artigo da revista Nova Escola com subsídios para trabalhar em aula as lutas
femininas e o perfil da mulher brasileira:

MELO, Alexandre de. Os fatos históricos que marcaram as conquistas das


mulheres. Nova Escola, [201-]. Disponível em: http://tub.im/5kouo5.
· Artigo sobre Nísia Floresta:

DUARTE, Constância Lima. As sementes do feminismo no Brasil. Revista de


História, 19 set. 2007. Disponível em: http://tub.im/ick7ok.

· Artigo sobre Narcisa Amália:

MIRANDA, Gil. 162 anos de Narcisa Amália. Jornal Quotidiano, 3 abr. 2014.
Disponível em: http://tub.im/h5ydnu.

· Artigo sobre Júlia Lopes de Almeida:

MOREIRA, Nadilza M. de Barros. Júlia Lopes de Almeida: uma trajetória


feminina/feminista nas crônicas da belle èpoque brasileira. In: SEMINÁRIO
MULHER E LITERATURA, 11., 2007, Ilhéus. Anais... Ilhéus: Universidade de
Santa Cruz, 2007. Disponível em: http://tub.im/t5cpsd.

· Textos sobre escritoras brasileiras dos séculos XIX e XX:

ALÓS, Anselmo Peres. Um passo além: o resgate de escritoras brasileiras do


século XIX. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, ago. 2008.
Disponível em: http://tub.im/b6ekt5.

CASTANHEIRA, Cláudia. Escritoras brasileiras: momentos-chave de uma


trajetória. Revista Diadorim: Revista de Estudos Linguísticos e Literários do
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, v. 9, jul. 2011. Disponível em: http://tub.im/o7vtfw.

[Todos os acessos em: 18 maio 2016.]

LITERATURA / ARTE / HISTÓRIA

Tema: Escolas literárias × escolas artísticas

A comparação das produções artísticas de um mesmo período histórico


costuma revelar algumas semelhanças entre as obras, ainda que
individualizadas pelo estilo de cada artista. Ao conjunto desses traços
recorrentes chamamos "estilo de época".

A obra de arte, em qualquer modalidade, geralmente é uma manifestação do


pensamento de sua época, de seu contexto histórico. Dessa forma, a turma
deve ter em mente que as obras de um período, independentemente da
modalidade (literatura, pintura, escultura, música etc.) terão muito em comum,
ainda que suas linguagens sejam diferentes.

A proposta deste projeto interdisciplinar é que os alunos façam uma


comparação entre a arte literária e a arte visual em determinados períodos. A
reflexão acerca da influência dos acontecimentos históricos sobre a produção
artística também é oportuna, talvez até indissociável. Oriente os alunos a fazer
uma pesquisa das escolas artísticas que são contemporâneas às escolas
literárias. Sugerimos dividir a classe em grupos para abranger um número
maior de períodos.

É importante ressaltar que a periodização é uma forma de organizar o estudo,


mas que há continuidade na produção dos artistas, uma interpenetração de
estilos. Apesar de as datas servirem de marco, uma escola não termina
abruptamente para dar lugar a outra.

Pode ser interessante que os alunos organizem um mural com as imagens que
considerarem mais representativas durante a pesquisa.

Seguem alguns links que podem servir de ponto de partida tanto para o
planejamento do(a) professor(a) quanto para a pesquisa dos alunos.

· IMPORTANTES movimentos artísticos. Universia, 23 dez. 2011. Disponível


em: http://tub.im/ymnudt.

· MATOS, Carlos Eduardo. A relação entre História e Arte. Nova Escola, [201-].
Disponível em: http://tub.im/dprwsh.

· SELEÇÃO de acervos virtuais. Nova Escola, [201-]. Disponível em:


http://tub.im/faiz93.

[Todos os acessos em: 18 maio 2016.]

369

GRAMÁTICA / BIOLOGIA

Tema: A linguagem médico-científica e a formação de palavras

Eutanásia, hiperglicemia, pandemia, endotélio, adstringente, retroperitônio,


apendicite, transaminase, homeopatia etc. Sugerimos selecionar alguns termos
de Medicina e Biologia para instigar os alunos. Questionar se eles já refletiram
sobre como são formados esses vocábulos.

Comentar que são comumente formados com radicais, prefixos e sufixos


gregos e latinos. Isso ocorre porque esses termos devem ser precisos e
facilmente compreendidos pela comunidade científica mundial,
independentemente do idioma falado em cada país.

Embora se tenha a impressão de que são "palavras difíceis", a verdade é que


os elementos gregos e latinos ajudam a compor termos que substituem
extensas descrições.

Quando nos referimos, por exemplo, à colecistectomia laparoscópica,


enunciamos em duas palavras um procedimento complexo que, em linguagem
descritiva seria: "operação para retirada da vesícula biliar por um processo que
não necessita abrir a parede abdominal e que utiliza um equipamento de
videolaparoscopia". Se quiséssemos explicar em que consiste o equipamento
teríamos de escrever outro parágrafo ainda mais extenso.

REZENDE, Joffre M. de. Fundamentos da terminologia médica. Linguagem


médica. 3ª ed. Goiânia: AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2004.
Disponível em: http://www.jmrezende.com.br/terminologia.htm. Acesso em: 18
maio 2016.

Sugerimos fornecer à classe livros médicos e de Biologia para que os alunos


façam um levantamento de termos. Nesse projeto, o objetivo é revisar e
aprofundar conceitos de elementos estruturais da palavra (raiz, radical, tema,
prefixo, sufixo, desinência) e de processos de formação de palavras (derivação
e composição).

Para este projeto, é útil trabalhar com listas de radicais, prefixos e sufixos
gregos e latinos, que podem ser obtidas em gramáticas.

O(A) professor(a) também poderá, se julgar oportuno, articular esse projeto


com a atividade E mais... do capítulo 6 do volume 1, que propõe uma pesquisa
sobre neologismos e arcaísmos.

Seguem alguns links que podem servir de ponto de partida tanto para o
planejamento do(a) professor(a) quanto para a pesquisa dos alunos.
· DUARTE, Paulo Mosânio Teixeira. Influência dos padrões morfológicos
latinos na terminologia científica. Revista Philologus, ano 9, n. 26, maio/ago.
2004. Disponível em: http://tub.im/r62ztk.

· REZENDE, Joffre M. de. Fundamentos da terminologia médica. Linguagem


médica. 3ª ed. Goiânia: AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2004.
Disponível em: http://tub.im/tzpwzt.

[Todos os acessos em: 18 maio 2016.]

GRAMÁTICA / GEOGRAFIA / HISTÓRIA

Tema: Toponímia e aspectos históricos e geográficos

Quando os conteúdos trabalhados em classe dizem respeito ao dia a dia da


turma, costumam despertar muito mais interesse. Neste projeto, sugerimos
uma pesquisa sobre os topônimos da região em que os alunos vivem.

O primeiro passo é definir com os alunos uma lista de topônimos: bairros, vias
principais, praças, viadutos, edificações (escolas, hospitais, tribunais etc.). A
turma pode ser dividida em grupos para melhor organização do trabalho.

Definidos os topônimos, sugerimos que a pesquisa aborde:

· resgate dos topônimos primitivos;

· língua de origem (tupi, português etc.);

· estrutura morfossintática e composição semântica;

· motivação do nome original (acidentes geográficos, nomes de


personalidades, fatos históricos, elementos religiosos etc.) e das alterações
posteriores (atualização fonética ou ortográfica, homenagem etc.).

Este último item busca investigar a visão de mundo e os processos político-


culturais que envolvem a definição dos topônimos. Colonização, imigração,
conflitos, revoltas - muitos eventos e circunstâncias podem motivar a escolha
de um topônimo, seja espontânea, pela população, seja pelo poder público.
Sugere-se perguntar aos alunos se eles conhecem topônimos que foram
rebatizados pelas autoridades com intenções políticas, mas que informalmente
continuam sendo chamados pelo nome antigo.

370
Concluída a pesquisa, sugere-se transformá-la em um pequeno livro. Em cada
página apareceria um topônimo, com as informações levantadas pelos alunos e
uma foto do lugar (p. ex.: foto do rio da cidade, da avenida, da pessoa
homenageada etc.).

Seguem alguns links que podem servir de ponto de partida tanto para o
planejamento do(a) professor(a) quanto para a pesquisa dos alunos.

· SÁ, Edmilson José de. A cara do Brasil. Língua Portuguesa, [201-]. Disponível
em: http://tub.im/wqpv74.

· SEEMANN, Jörn. A toponímia como construção histórico-cultural: o exemplo


dos municípios do estado do Ceará. Vivência, n. 29, p. 207-224, 2005.
Disponível em: http://tub.im/en79qv.

· SOUSA, Antonio Ari Araújo. Atlas toponímico dos bairros Bahia, Bahia Nova e
João Eduardo, em Rio Branco/AC: uma contribuição aos estudos da EJA.
Revista Philologus, Rio de Janeiro: CiFEFiL, ano 14, n. 42, p. 29-31, set./dez.
2008. Disponível em: http://tub.im/eey9bb.

[Todos os acessos em: 18 maio 2016.]

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS / BIOLOGIA

Tema: Produção de revista sobre prática de atividades físicas

Neste projeto, a ideia é trabalhar o gênero jornalístico por meio da produção de


uma revista sobre a prática de atividades físicas, o que também vai propiciar o
trabalho com conteúdos de Biologia. Para Leitura e produção de textos, o
projeto é oportuno por trabalhar gêneros textuais próprios do jornalismo, como
artigo, reportagem, fotojornalismo.

Algumas decisões relacionadas à revista devem ser tomadas de antemão: será


impressa ou digital? Se impressa, será distribuída (em brochura) ou afixada
num mural? Qual é o público-alvo?

O(A) professor(a) deve orientar a turma quanto à compreensão do conceito de


projeto gráfico, a fim de que os alunos possam definir diferentes aspectos da
produção: o logotipo do nome da revista, tipologias, títulos, seções, boxes,
ilustrações/fotos, esquemas de cores etc.
É importante trabalhar com os alunos os conhecimentos sobre texto
jornalístico. Ressaltar que não deverão ser contemplados textos de teor
pessoal (exceto no caso de crônicas e artigos de opinião) ou poesias, uma vez
que a revista terá caráter informativo, portanto privilegiará reportagens,
entrevistas, notícias, artigos.

O objetivo da proposta é de que essa revista sirva como um veículo de


promoção da saúde, com ênfase na prática de atividades físicas. É uma boa
oportunidade para tratar de temas como obesidade na infância e adolescência,
hábitos alimentares e benefícios da atividade física. Para um aprofundamento
em temas da Biologia, sugerimos que se investiguem, por exemplo, o
metabolismo e a fisiologia do exercício (o que acontece no corpo humano
durante a prática de esportes?). Pode-se abordar a importância da reposição
energética e da hidratação, do aquecimento, do alongamento e do
condicionamento físico. Também se pode trabalhar a questão das lesões
recorrentes dos atletas de alto desempenho.

É provável que surjam alguns temas polêmicos, que requerem supervisão


atenta do(a) professor(a) para serem tratados de forma adequada, como dietas
"milagrosas", uso de suplementos alimentares e de drogas para
emagrecimento, para ganho de massa e para incrementar o desempenho - o
doping. (Como essas drogas agem no organismo e que consequências isso
pode ter?)

Para que a atividade não se disperse, a turma toda deverá se envolver na


produção coletiva de uma única revista. Dividindo a classe em grupos, o(a)
professor(a) poderá atribuir a cada equipe a produção de uma seção da revista.
Por exemplo: reportagens; notícias; entrevistas; ilustrações/fotos; diagramação;
edição; revisão. Sugere-se também definir um pequeno grupo que será a
"equipe editorial" responsável pela coordenação do trabalho.

Seguem alguns links que podem servir de ponto de partida tanto para o
planejamento do(a) professor(a) quanto para a pesquisa dos alunos.

· AMESTOY, Micheli Bordoli; OLIVEIRA, Cláudia Sirlene de. A ação das drogas
no organismo humano. Nova Escola, [201-]. Disponível em:
http://tub.im/v3zn4g.
· AUGUSTO, Agnes. Jornal na sala de aula: leitura e assunto novo todo dia.
Nova Escola, [201-]. Disponível em: http://tub.im/c7ictp.

· GOMES, Vilma Aparecida; PORTO, Aparecida Clemilda. Jornal escolar:


produção dos alunos. Portal do Professor, 25 nov. 2009. Disponível em:
http://tub.im/cf4a3k.

· PAIVA, Ricardo. Aproprie-se de seu corpo e prepare-se para o desafio


atlético. Nova Escola, [201-]. Disponível em: http://tub.im/kagxx4.

[Todos os acessos em: 18 maio 2016.]

371

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS / QUÍMICA

Tema: Relatório científico de experimento de Química

Neste projeto, os alunos poderão praticar a modalidade "relatório científico",


documento em que se descrevem fatos verificados durante experimentos e
pesquisas. A descrição do processo deve ser detalhada, possibilitando, assim,
que leitores interessados no assunto possam reproduzir o experimento.

Para elaborar esse relatório, propomos que os alunos executem experimentos


químicos simples, que possam ser realizados com segurança no laboratório da
escola ou em casa. Na internet há diversos sites com sugestões de
experimentos (ver lista no final deste projeto); convém também convidar os(as)
professores(as) de Química para contribuir com os experimentos, orientá-los e
supervisioná-los.

Sugere-se que a turma seja dividida em grupos e que cada grupo fique
responsável pela realização de um determinado experimento. Assim, haverá
maior diversidade tanto de temas quando de estilos dos relatórios.

A turma, durante o desenrolar dos experimentos, deverá fazer anotações dos


fenômenos observados, pois esses apontamentos serão a base do relatório.
Recomendamos também que se tirem fotos ao longo do processo: elas podem
ser incluídas no trabalho ou servir de modelo a ilustrações e esquemas.
O layout (aspecto visual do relatório) deve merecer atenção especial. O
relatório deve ser encadernado (grampeado ou espiralado) e não pode
apresentar rasuras, emendas, marcas de corretivo etc.

Uma sugestão para a estrutura do relatório científico é esta:

1. Capa (com autoria, título, local e data - nesta ordem)

2. Resumo

3. Sumário (com indicação das páginas)

4. Introdução

5. Desenvolvimento

6. Resultados

7. Conclusões

8. Bibliografia

O item Resumo (também chamado Abstract) traz de modo breve o objetivo do


trabalho, o método utilizado, os resultados e as conclusões. Embora apareça
no início, deve ser redigido no final, pois só então os alunos terão visão de todo
o processo.

Nas partes Introdução, Desenvolvimento e Resultados, é importante que sejam


criados subtítulos que orientem o leitor, antecipando a ele o conteúdo que será
ali discutido. O Desenvolvimento traz o experimento em si, com materiais,
procedimentos (passo a passo), métodos/técnicas, recomendações de
segurança etc.

O texto deve ser redigido em linguagem impessoal (p. ex.: "Conclui-se que a
saliva ajuda a..."), objetiva, clara e formal. Deve-se usar a variedade culta
formal e a terminologia da área de estudo.

Na Bibliografia devem ser arrolados os materiais usados e consultados pelo


autor (livros, revistas, vídeos, sites etc.). É um bom momento para que os
alunos se familiarizem com as normas da ABNT sobre como referenciar
documentos.

Bibliografia e referências
A primeira abrange todos os materiais que o autor tenha citado e consultado,
ainda que não mencionados no trabalho. Já as referências limitam-se ao que
foi mencionado (e só são "referências bibliográficas" se se tratar apenas de
livros). É mais comum que periódicos acadêmicos solicitem referências em vez
de bibliografia. Em qualquer dos casos, devem-se seguir as normas da ABNT.

Seguem alguns links que podem servir de ponto de partida tanto para o
planejamento do(a) professor(a) quanto para a pesquisa dos alunos.

· ABRÃO, Maria Silvia. Aprendendo a relatar um experimento científico. UOL


Educação, [201-]. Disponível em: http://tub.im/cj9hnn.

[Este plano de aula refere-se ao Ensino Fundamental, mas pode ser adaptado
para o Ensino Médio.]

· CAVALCANTE, Meire. A química que dá gosto aprender. Nova Escola, [201-].


Disponível em: http://tub.im/puzt2c.

· FERREIRA, António José M. A. Como elaborar um relatório científico.


Química na Web, 20 set. 2000. Disponível em: http://tub.im/jqio24.

· MANUAL DO MUNDO. Disponível em: http://tub.im/83pt4d.

[Todos os acessos em: 18 maio 2016.]

372

Literatura

ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS

Objetivos, sugestões de procedimentos e de atividades

Capítulo 1 - As grandes escolas literárias

Primeira leitura (p. 11)

"Mãos dadas", de Carlos Drummond de Andrade

Objetivos

1. Ler e interpretar poema moderno de temática metalinguística. 2. Introduzir a


reflexão sobre a relação entre a obra literária e sua época. 3. Desenvolver
habilidades de expressão oral, expondo e discutindo opiniões e impressões
sobre um texto poético.
Sugestões de procedimento

Propomos o seguinte andamento para estas aulas de leitura:

1. Antes da leitura: uma conversa coletiva em que, conduzidos e provocados


pelo(a) professor(a), os alunos comentem a lembrança que têm de alguns
textos lidos no primeiro ano, principalmente de Carlos Drummond de Andrade
("O entendimento dos contos", "Balada do amor através das idades",
"Cidadezinha qualquer"). Se julgar conveniente, o(a) professor(a) pode reler
algum desses textos para os alunos, ou ler outros poemas do autor.

2. Leitura silenciosa, pelos alunos, do poema "Mãos dadas".

3. Leitura expressiva do poema, pelo(a) professor(a).

4. Discussão aberta sobre o texto, tendo como ponto de partida as questões


propostas na seção Em tom de conversa (p. 11). Na discussão do item 2 dessa
seção, lembrar o quadro sobre poesia lírica amorosa trabalhado no capítulo 5
do volume 1 .

5. Ler e discutir com os alunos o Comentário (p. 12), salientando a ideia de que
todo autor procura, de algum modo, exprimir o seu tempo.

E mais... (p. 11)

Pesquisa e apresentação

Incentivar os alunos para a realização dessa atividade que inclui pesquisa,


seleção individual e compartilhada de textos, preparação e ensaios para
apresentação pública. A apresentação (oral ou escrita) dos poemas deve ser
apenas o arremate do trabalho, cujas fases de preparação e discussão devem
ser valorizadas pelas habilidades que requerem e promovem.

A história da literatura (p. 12)

Este tópico pode ser apresentado em aula expositiva. O(A) professor(a) deve
enfatizar algumas ideias que poderão influenciar o modo como os alunos verão
a literatura e a história da literatura nos estudos deste e do próximo ano: a
literatura (assim como qualquer outra arte) não evolui no sentido de um
aperfeiçoamento; uma época literária não é, necessariamente, melhor que a
anterior; as obras singulares não possuem, necessariamente, as características
predominantes na literatura de sua época; as diferenças entre a obra e as
marcas estilísticas da escola literária não significam defeito, sendo, muitas
vezes, a principal qualidade.

Leitura de imagem (p. 13)

Pinturas:

· Tentação na montanha, de Duccio di Buoninsegna

· Pietà, de Pietro Perugino

· Deposição da cruz, de Caravaggio

· Pietà, de Vicente do Rego Monteiro

Objetivos

1. Observar as características das escolas artísticas predominantes em quatro


pinturas. 2. Perceber concretamente que as características de uma época mais
recente não constituem qualidade superior em relação a características de
épocas anteriores.

Sugestão de procedimento

As pinturas podem ser projetadas em transparências ou slides para que se


realize uma observação coletiva. Solicitar aos alunos que comentem e
interpretem o conjunto e os detalhes de cada pintura. Explicar a diferença entre
a representação realista a que estamos habituados e a representação alegórica
da arte medieval. As diferenças mais evidentes para os alunos

373

serão, provavelmente, relativas à perspectiva e à proporção entre as figuras. A


seção Em tom de conversa (p. 16) só deve ser realizada após ter-se esgotado
a observação coletiva das pinturas.

As grandes escolas literárias (p. 17)

Este tópico é um grande painel das principais escolas literárias da literatura


luso-brasileira. O objetivo é dar uma ideia geral do conjunto e das mudanças
ocorridas ao longo da história. Os alunos não precisam memorizar pormenores
e características. Ao longo do ano, eles poderão retornar ao capítulo sempre
que considerarem necessário.
Sugestão de procedimento

Conduzir a aula de modo descontraído, auxiliando na leitura dos fragmentos de


texto que exemplificam cada história literária, levando os alunos a perceber as
características mais evidentes em cada uma.

Os alunos necessitarão da ajuda do(a) professor(a) na leitura da cantiga


medieval ("Sedia-m'eu na ermida de San Simion"). Relacionar essa cantiga
com a pintura medieval analisada (Tentação na montanha, de Buoninsegna),
mostrando o significado simbólico, alegórico, das "ondas tão grandes",
representação dos perigos da frustração amorosa e da fragilidade da mulher
("não tenho barqueiro nem sei remar").

O fragmento que exemplifica o Humanismo pertence a um texto já conhecido


dos alunos (capítulo 8 do volume 1); na discussão da questão proposta (Em
tom de conversa), pode-se rever esse texto, que está completo no volume 1.

Anunciar, na leitura do fragmento de Os Lusíadas (Renascimento), que esse


poema será objeto de estudo no próximo capítulo.

O fragmento do auto de Anchieta (Quinhentismo), em que se vê a vitória do


anjo sobre o diabo, deve ser comparado com os autos de Gil Vicente,
sobretudo com o quadro do Auto da barca do Inferno, analisado no capítulo 8
do volume 1 .

Na discussão do tema da estrofe de Gregório de Matos (Barroco - Em tom de


conversa), anunciar o estudo que farão desse autor no capítulo 3.

O soneto de Bocage (Neoclassicismo) exemplifica com perfeição o


pastoralismo e o bucolismo da poesia neoclássica. Explicar que as convenções
dessa escola literária serão estudadas no capítulo 3.

Sobre o Romantismo, explicar que Álvares de Azevedo pertence à segunda


geração (Ultrarromantismo), mas que nem todos os autores dessa escola
literária cultivaram esse pessimismo e escapismo exacerbados, como verão
nos capítulos 4 e 5.

Em Escolas realistas agrupamos três escolas - Realismo, Naturalismo e


Parnasianismo -, sem nos determos em suas particularidades. O texto
escolhido para exemplificação e discussão (Leitura), único em prosa no tópico,
pertence ao Naturalismo.

A poesia simbolista geralmente impressiona muito os leitores jovens. Se julgar


conveniente, ler para eles o soneto integral ("O cavador do infinito"), que pode
ser facilmente encontrado em antologias e na internet.

O Modernismo foi exemplificado apenas com um pequeno poema de Oswald


de Andrade, escolhido pelo contraste da dicção poética e da temática que ele
estabelece com as escolas anteriores. Explicar que o século XX é uma época
de rupturas, extremamente complexa e diversificada. A literatura
contemporânea, a partir da segunda metade do século, acentuou essas
rupturas. Essas escolas serão objeto de estudo no terceiro ano.

Atividades (p. 23)

Algumas das atividades propostas nesta seção podem ser trabalhadas


coletivamente em sala de aula. A sequência de pinturas (A última ceia) pode
motivar um trabalho conjunto com o(a) professor(a) de Arte.

Sugestões de bibliografia especializada

BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. São Paulo: Cosac &


Naify, 2009.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

CASTELO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade. São Paulo:


Edusp, 1999. 2 v.

MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo:


Cultrix, 2012.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2009.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo:


Cultrix, 2012.

NEJAR, Carlos. História da literatura brasileira. Florianópolis: Unisul, 2014.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro:


Nova Aguilar, 1997.

Capítulo 2 - Camões e o Renascimento


Primeira leitura (p. 31)

"Amor é um fogo que arde sem se ver" e "Tanto de meu estado me acho
incerto", de Camões

374

Objetivos

1. Ler e interpretar sonetos. 2. Exercitar leitura expressiva de poemas. 3.


Verbalizar oralmente impressões de leitura. 4. Conhecer as características
compositivas do soneto. 5. Analisar e interpretar recursos expressivos (oximoro
e antítese). 6. Realizar leituras comparativas de textos de um mesmo autor.

Sugestão de procedimento

Recomenda-se que a primeira leitura dos sonetos seja feita pelo(a)


professor(a). Em seguida os alunos podem se reunir em pequenos grupos para
lerem os sonetos (Em tom de conversa, itens 1 e 2). A exposição de
impressões deve ser incentivada, pois ela ajuda a formar o gosto e a exercitar
uma crítica literária viva (itens 3 e 4 de Em tom de conversa). O item 5 dessa
seção é muito importante. Nele, os alunos tentarão sintetizar a ideia geral que
depreenderam do poema. A discussão e a seleção dessas frases-síntese já
constituem um excelente exercício de compreensão e interpretação. O(A)
professor(a) pode encaminhar as atividades da seção Releitura (p. 32) de
vários modos: realização individual, seguida de um painel de discussão e
correção; realização em pequenos grupos, também seguida do painel;
realização coletiva, sob a regência do(a) professor(a).

Sugestões de atividade

· Ouvir e comentar a música "Monte Castelo", da banda Legião Urbana,


composição de Renato Russo (CD As quatro estações ao vivo, EMI Music,
2004, volume 1, faixa 10). O compositor mistura o soneto "Amor é um fogo...'',
de Camões, com trechos da "Segunda epístola de Paulo aos coríntios" (1Co,
13). A letra pode ser obtida em sites de letras de música como este:
http://tub.im/9xnjjm. Acesso em: 18 maio 2016.
· Realização de um sarau, com leitura de sonetos de Camões e de Vinicius de
Moraes ("Soneto de fidelidade", "Soneto de separação", "Soneto do maior
amor", "Soneto de carnaval" etc.). Onde encontrar os poemas:

· Camões: há muitas edições em PDF das obras de Camões. Sugerimos


Sonetos, disponível no site Domínio Público, do MEC (http://tub.im/4h8ad6,
acesso em: 18 maio 2016).

· Vinicius de Moraes: site da VM Cultural. Na aba Poesia podem ser


encontrados todos os poemas do autor (http://tub.im/fu7c5f , acesso em: 18
maio 2016).

O Renascimento (p. 33)

Sugestão de procedimento

Em substituição a uma aula expositiva, pode-se orientar a leitura e o


fichamento deste tópico, com o objetivo de aprimorar as habilidades
necessárias à boa leitura de textos didáticos. Se julgar conveniente, o(a)
professor(a) pode realizar a leitura com os alunos, fazendo, na lousa, com a
contribuição de todos, um resumo esquemático do tópico. A escansão dos
versos nos tópicos Medida velha e Medida nova (p. 34) deve ensejar uma
revisão das regras de metrificação estudadas no capítulo 4 do volume 1 .

Leitura (p. 34)

· "Comigo me desavim", de Sá de Miranda

· "Dispersão", de Mário de Sá-Carneiro

Objetivos

1. Conhecer um poema do introdutor do Renascimento em Portugal. 2. Fazer


uma leitura comparativa de um texto renascentista e de um texto modernista
claramente influenciado por ele.

A Iírica camoniana (p. 36)

Objetivos

1. Conhecer as características da produção lírica de Camões. 2. Conhecer as


duas vertentes da poesia lírica de Camões. 3. Conhecer, pela leitura e análise
de sonetos exemplares, os principais temas da lírica camoniana.
Leitura (p. 37)

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", de Camões

Objetivos

1. Ler e interpretar um soneto exemplar da lírica reflexiva camoniana (tema:


mutabilidade das coisas e desconcerto do mundo). 2. Analisar a estruturação
do pensamento (dimensão conceitual) em um soneto de Camões.

Sugestão de procedimento

A primeira leitura do texto deve ser feita pelo(a) professor(a), de modo bastante
expressivo. Em virtude da complexidade do texto, sugere-se que as atividades
referentes a ele sejam conduzidas como estudo dirigido ou em pequenos
grupos, com a assistência do(a) professor(a). Antes da realização dos
exercícios de Releitura (p. 37), o poema deve ser analisado e discutido pela
classe. É importante que os alunos compreendam a última estrofe do soneto: o
mundo é feito essencialmente de mudança; tudo se transforma, sempre, em
seu contrário. Portanto, depois que o canto do eu lírico se converte em choro,
essa tristeza de-

375

veria, pela lei do mundo, transformar-se novamente em alegria. Mas essa


transformação não acontece. Essa é a mudança mais espantosa: não mudar
mais o mundo do eu lírico, que se vê condenado à eterna tristeza.

E mais... (p. 38)

Leitura de poemas

Orientar as duplas de alunos para que desenvolvam todas as etapas do


trabalho - pesquisa/escolha do soneto; interpretação do texto e redação do
comentário; ensaio da leitura -, culminando na apresentação para a turma.
Insistir na importância dos recursos de apresentação (projeções, cartazes,
música de fundo etc.) e da preparação da leitura dos textos.

A épica camoniana - Os Lusíadas (p. 38)

Objetivos
1. Conhecer as características do poema épico de Camões. 2. Conhecer, em
linhas gerais, a estrutura narrativa de Os Lusíadas.

Sugestão de procedimento

Para o resumo de Os Lusíadas recomendamos a utilização do mapa da viagem


de Vasco da Gama (p. 42). Deve-se destacar a ordenação da narrativa: início
da narração no meio da viagem; narração de Vasco da Gama (história de
Portugal e primeira parte da viagem); continuação da narração em 3ª pessoa.

Leitura (p. 40)

Os Lusíadas, de Camões (Proposição e Epílogo)

Objetivos

1. Ler e interpretar duas estrofes de Os Lusíadas com o auxílio de paráfrases.


2. Interpretar detalhes de fragmentos com base nas características do poema
estudadas em aula.

Sugestão de procedimento

A leitura deve ser feita com o auxílio das paráfrases. As atividades de Releitura
(p. 41) podem ser realizadas coletivamente, em grupos ou individualmente.

Leitura (p. 42)

"O Velho do Restelo" (fragmento) - episódio de Os Lusíadas, de Camões

Objetivos

1. Ler e interpretar episódio de Os Lusíadas com o auxílio da versão do texto


em ordem direta. 2. Interpretar o significado do episódio em relação ao
conjunto do poema.

Sugestão de procedimento

A leitura e os exercícios de Releitura (p. 44) podem ser feitos em pequenos


grupos e corrigidos, posteriormente, com a turma. Pode-se realizar o Em tom
de conversa (p. 45) na sequência da correção.

Leitura (p. 45)

"Fala do Velho do Restelo ao Astronauta", de José Saramago

Objetivo
Ler e interpretar poema moderno comparando-o com seu intertexto do século
XVI.

Sugestão de procedimento

Orientar os alunos para que se auxiliem nas paráfrases da leitura do texto. As


atividades de Releitura (p. 45) podem ser realizadas coletivamente, em grupos
ou individualmente.

Atividades (p. 46)

Algumas das atividades propostas nesta seção dão continuidade à leitura


intertextual (Camões, Gonçalves Dias, José Saramago), atestando a presença
viva do poeta na cultura e nas literaturas em língua portuguesa. Algumas
questões podem ser utilizadas para avaliação.

Sugestões de bibliografia especializada

CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto: Porto Editora, 2015. Org. Emanuel
Paulo Ramos. [Edição didática, traz uma boa introdução e anotações que
facilitam a compreensão do texto e enriquecem a leitura].

MATOS, Maria Vitalina Leal de. Tópicos para a leitura de Os Lusíadas. Lisboa:
Verbo, 2004.

376

Capítulo 3 - Literatura colonial brasileira

Primeira leitura (p. 50)

"Sermão do bom ladrão", de Padre Antônio Vieira

Objetivos

1. Ler e interpretar texto do gênero epidíctico ou demonstrativo. 2. Introduzir os


estudos sobre o Barroco. 3. Desenvolver habilidades de expressão oral e de
participação em debates. 4. Identificar e interpretar recursos argumentativos
em um texto. 5. Identificar e interpretar recursos expressivos (oximoro, ironia).

Sugestão de procedimento

Acreditamos que a atualidade desse fragmento do "Sermão do bom ladrão"


possa tornar a leitura interessante para os alunos de primeiro ano.
Recomendamos que seja feita, sucessivamente, de três modos: 1. Leitura
bastante expressiva pelo(a) professor(a) ou por um(a) aluno(a) previamente
ensaiado. Lembramos que a escuta é também um modo de leitura e o mais
eficaz, em se tratando de textos antigos, para o leitor incipiente. 2. Leitura
compartilhada. O(A) professor(a) lê o texto em voz alta, parando a cada
momento para que ele(a) e os alunos façam comentários sobre passagens
interessantes e perguntas sobre vocabulário e trechos de difícil compreensão.
3. Leitura silenciosa pelos alunos. Só após essas leituras, desenvolver as
seções Em tom de conversa e Releitura.

Para um bom desenvolvimento das discussões (Em tom de conversa, p. 51)


seria interessante retomar as regras estabelecidas em aulas anteriores
(solicitar a palavra, ouvir os colegas com atenção, falar com clareza e em tom
audível, contrapor-se aos colegas com respeito). Insistir em que as opiniões
sejam acompanhadas de justificações e argumentos.

As atividades de Releitura (p. 51) podem ser desenvolvidas individual ou


coletivamente; alguns exercícios podem ser utilizados para avaliação.

E mais... (p. 52)

Debate

O principal objetivo desta atividade é o desenvolvimento de habilidades e


técnicas necessárias para a manifestação oral em público, e de procedimentos
eficazes, como organização, preparação, escolha de representante do grupo,
assistência a ele etc. Assim, devem-se valorizar todas as fases da atividade.

Para garantir que haja um debate vivo e entusiasmado, é importante que o(a)
professor(a):

a) defina antecipadamente a posição - afirmativa ou negativa, em relação às


questões propostas - que cada grupo deverá defender;

b) durante a preparação, assessore e oriente os alunos para que levantem


argumentos sólidos em defesa da posição do grupo.

A produção literária colonial (p. 52)

Este tópico pode ser objeto de uma explanação do(a) professor(a), com o
objetivo de organizar o desenvolvimento das aulas que trabalharão com este
capítulo. Os alunos devem entender que elas contemplarão três momentos
sucessivos da literatura colonial brasileira: o Quinhentismo, o Barroco e o
Neoclassicismo.

O Quinhentismo (p. 53)

Este tópico destaca a incipiência da produção literária do século XVI e seu


valor quase exclusivamente documental. Deve-se insistir sobre a inexistência
de um sistema de produção cultural e literária na colônia recém-fundada. Trata-
se, portanto, de "manifestações literárias". A literatura informativa é uma das
tendências do Renascimento em Portugal e exemplo da grande aventura
humana dos grandes descobrimentos. Já a literatura catequética tem
características tipicamente medievais e reflete o espírito religioso
(teocentrismo) da Contrarreforma, que dominará posteriormente o Barroco.

Leitura (p. 54)

· "Carta" (fragmento), de Pero Vaz de Caminha

· "Carta de Pero Vaz", de Murilo Mendes

Objetivos

1. Ler e compreender um fragmento da "Carta" de Pero Vaz de Caminha. 2. Ler


e interpretar, comparando-a com o texto-base, uma paródia da "Carta" de
Caminha.

Sugestão de procedimento

Na preparação da leitura, é necessário situar os textos historicamente e


explicar a importância simbólica da Carta. A primeira leitura dos textos pode ser
individual e silenciosa. As atividades de Releitura (p. 55) podem ser realizadas
individualmente, em grupos ou coletivamente. Na correção, pode-se ampliar a
discussão sobre os dois textos.

377

Sugestão de atividade interdisciplinar

Em cooperação com os(as) professores(as) de História, de Geografia e de


Arte, promover a leitura extraclasse da Carta de Caminha. Os alunos devem
escolher pequenos trechos e ilustrá-los com fotos, gráficos e mapas atuais,
enfocando Porto Seguro, a Mata Atlântica e sua destruição, a situação das
comunidades indígenas. As imagens devem ser acompanhadas de
comentários explicativos. Os cartazes podem ser expostos em um grande
painel no pátio da escola. O texto integral da Carta pode ser baixado, em PDF,
do portal Domínio Público: http://tub.im/9chrfc. Acesso em: 18 maio 2016.

O Barroco (p. 55)

Para que os alunos sejam introduzidos rapidamente no espírito do Barroco, a


melhor maneira é comparar o equilíbrio racional do Classicismo renascentista
com o desequilíbrio (palavra que não deve ser entendida em sentido negativo)
entre razão e emoção da nova escola. Todas as outras características estão,
de algum modo, relacionadas a esse desequilíbrio. Sugerimos que se retorne à
observação das pinturas renascentista (Pietà, de Perugino) e barroca
(Deposição da cruz, de Caravaggio) realizada no capítulo 1 e aos esquemas
das características das duas escolas lá apresentados.

Nas explicações sobre as características do Barroco literário, insistir sobre as


diferenças entre cultismo e conceptismo, mas explicar que com frequência as
duas tendências se misturam na mesma obra.

O Barroco brasileiro (p. 56)

Além do Pe. Antônio Vieira, de quem os alunos já leram um texto na abertura


deste capítulo, deve-se dar grande destaque à figura de Gregório de Matos. No
caso desse autor, o conhecimento da biografia (p. 57) é útil para a
compreensão da obra e certamente provocará o interesse dos alunos. É
importante ressaltar, desde o início, a dupla face de sua poesia: por um lado,
reproduz, na Colônia, todos os clichês da literatura barroca; por outro, é a
expressão mais viva e "orgânica" da sociedade que floresceu em torno da
produção e do comércio do açúcar, de onde resultam sua grande força e
originalidade.

Leitura (p. 57)

"À cidade da Bahia", de Gregório de Matos

Objetivos
1. Ler e interpretar poema conceptista do século XVII. 2. Desenvolver
habilidades de compreensão e interpretação de poemas. 3. Desenvolver a
capacidade de redigir paráfrase. 4. Responder a questões de interpretação de
texto.

Sugestão de procedimento

Como temos sugerido para outros poemas, a primeira leitura desse soneto
deve ser feita pelo(a) professor(a) - uma leitura expressiva, que valorize os
recursos retóricos utilizados pelo autor -, seguida da leitura individual e
silenciosa pelos alunos. Após as leituras, é importante conversar sobre o
poema e solicitar as impressões dos alunos. As dificuldades e dúvidas que
apresentarem podem funcionar como motivação para a seção Em tom de
conversa (p. 58).

Na discussão de cada estrofe: provocar a observação dos recursos


expressivos - por exemplo, as aliterações (as consoantes linguodentais /t/, /d/),
os jogos de palavras (estás/estou/estado), os paralelismos (ver 3º e 4º versos),
as antíteses (pobre/rica; empenhado/abundante), a metáfora da última estrofe
etc.; solucionar dúvidas de vocabulário e de entendimento do texto; reconstituir
a ordem direta de frases. As paráfrases devem ser discutidas e remodeladas, e
os textos finais anotados na lousa. Ao final, recomendamos uma nova leitura,
que pode ser feita silenciosamente por todos os alunos ou oralmente por
apenas um deles, preparado com antecedência.

As questões de Releitura (p. 58) podem ser respondidas em pequenos grupos,


realizando-se, ao final, uma plenária de correção.

Sugestão de atividade

Ouvir e discutir a música "Triste Bahia", de Caetano Veloso, gravada no disco


Transa (Polygram, 1972, faixa 3). O compositor utilizou as duas primeiras
estrofes do soneto de Gregório de Matos, exprimindo o desejo de viver uma
vida simples, longe de sua terra, tão mudada, tão "dessemeIhante".

Leitura (p. 59)

Boca do inferno (fragmento), de Ana Miranda

Objetivo
Ler e interpretar fragmento de texto ficcional (romance histórico),
estabelecendo relações intertextuais com um poema do século XVII.

Sugestão de procedimento

A leitura deste fragmento deve ser precedida de uma releitura do soneto de


Gregório de Matos, de modo a evidenciar a relação entre os dois textos.
Sugerimos os seguintes procedimentos: 1. Um(a) aluno(a), preparado(a)
pelo(a) professor(a), realiza a leitura

378

expressiva do soneto. 2. Os alunos fazem a leitura silenciosa do texto de Ana


Miranda. 3. O(a) professor(a) promove a discussão das dúvidas levantadas
pela classe sobre o texto e as questões formuladas na seção Releitura (p. 60).
Como atividade complementar ou tarefa de casa, pode-se solicitar a paráfrase
do fragmento.

Sugestão de leitura complementar

Ler o poema "À Ilha de Maré", de Manuel Botelho de Oliveira. Comentar o tom
ufanista do poema, precursor do nacionalismo ufanista romântico, que será
estudado nos capítulos 4 e 5, e contrastá-lo com o tom crítico de Gregório de
Matos. O texto pode ser encontrado na internet, por exemplo, no portal
Domínio Público: http://tub.im/99uwmt. Acesso em: 18 maio 2016.

Sugestão de leitura extraclasse

Boca do inferno, de Ana Miranda (ver indicação para os alunos na seção


Amplie seus conhecimentos, na p. 49). Sugerimos que a leitura seja
constantemente orientada e acompanhada pelo(a) professor(a), com sessões
periódicas de discussão de partes já lidas.

O Neoclassicismo (p. 60)

Uma boa estratégia para os alunos compreenderem as características de um


período literário é a comparação com os períodos anteriores, que ele já
estudou. O Neoclassicismo deve ser estudado em contraposição ao Barroco
(simplicidade × complicação e rebuscamento) e em aproximação ao
Renascimento (equilíbrio, racionalismo, simplicidade, imitação dos clássicos
antigos). Deve -se atentar, no entanto, para não utilizar essas palavras com
juízo valorativo; a descrição das características de época há de ser neutra, já
que a qualidade das obras independe delas.

O estudo do Neoclassicismo brasileiro deve insistir na relação entre a literatura


(como incipiente organização de um sistema) e o momento histórico
(elaboração da consciência nacional). Obviamente, no Ensino Médio, a ênfase
será dada aos aspectos mais evidentes dessa relação: a Inconfidência Mineira.

Sugestão de procedimento

Os tópicos expositivos O Neoclassicismo (p. 60), Principais convenções da


poesia arcádica (p. 61), O Neoclassicismo brasileiro (p. 61) e O Barroco
mineiro (p. 61) podem ser utilizados para ensino de procedimentos e
estratégias de leitura de texto didático. Chamamos a atenção para a
necessidade de ensinar os alunos a estudar. Sugerimos o seguinte
encaminhamento: 1. Primeira leitura dos tópicos, individual e silenciosa. 2.
Agrupamento dos alunos em duplas para releitura e anotação das ideias
principais. 3. Realização de resumo esquemático do conteúdo dos tópicos. 4.
Avaliação coletiva da compreensão do conteúdo, com explicações adicionais
do(a) professor(a). No tópico O Barroco mineiro, é importante desfazer as
confusões que se estabelecem com as terminologias da História da Arte e da
História da Literatura.

Leitura (p. 62)

"Aleijadinho", de Fernando Paixão

E mais... (p. 62)

Interpretação de texto e de imagens

Objetivos

1. Ler e interpretar um poema moderno, à luz de conhecimentos recém-


adquiridos de História da Arte. 2. Redigir uma pequena interpretação de texto
poético. 3. Aprender e aperfeiçoar procedimentos de pesquisa. 4. Desenvolver
habilidades de apresentação pública de resultados de pesquisa.

Sugestão de procedimento
O(A) professor(a) pode promover uma pequena discussão sobre o poema e,
em seguida, orientar a formação dos grupos e a organização do trabalho.

Sugerimos uma visita ao site do Museu Aleijadinho, em Ouro Preto:


http://tub.im/pi8ad9. Acesso em: 18 maio 2016.

Sugestão de atividade

Criação de um roteiro de viagem pelo Circuito Histórico de Minas Gerais: mapa,


roteiro, descrição dos principais pontos de visita (igrejas, museus,
monumentos) e ilustrações. Podem-se usar como fontes: guias de viagens,
como o Guia Mapograf Brasil, revistas de turismo, sites.

Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) (p. 63)

O estudo sobre Tomás Antônio Gonzaga pode fundar-se na relação vida/obra.


É preciso mostrar, por um lado, o apego do poeta às fórmulas do Arcadismo (o
bucolismo pastoril, o carpe diem, a aurea mediocritas, as referências à
mitologia) e, por outro, os aspectos biográficos que se disfarçam sob essas
convenções. A leveza e a graça da poesia de Gonzaga também merecem
referência.

Dirceu e Marília constituem o primeiro mito amoroso da literatura brasileira.


Deve-se resguardar a beleza do mito, ao mesmo tempo que se apresenta a
realidade dos fatos (o futuro casamento de Tomás Antônio Gonzaga, em
Moçambique, com Juliana Mascarenhas de Sousa, filha de um comerciante de
escravos).

379

Sugestão: O texto que apresenta a obra Marília de Dirceu (p. 63) cita uma
estrofe da Lira II (segunda parte). Seria interessante ler para os alunos o
poema "Mundo grande", de Carlos Drummond de Andrade, ou pelo menos a
primeira estrofe:

Não, meu coração não é maior que o mundo.

É muito menor.

Nele não cabem nem as minhas dores.

Por isso gosto tanto de me contar.


Por isso me dispo,

por isso me grito,

por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:

preciso de todos.

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: _____. Sentimento do mundo. São


Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 45.

O poema pode ser encontrado em diversos sites da internet. Se esta sugestão


for acatada, informar os alunos de que o poema de Drummond será estudado
no 3º volume.

Leitura (p. 64)

Liras XXXIV e LXXXI, de Tomás Antônio Gonzaga

Objetivos

1. Ler e interpretar dois poemas de Tomás Antônio Gonzaga. 2. Comparar


poemas de Gonzaga com um soneto de Camões, identificando e explicando
semelhanças e diferenças temáticas. 3. Observar traços estilísticos
neoclássicos da poesia gonzaguiana e recursos poéticos utilizados pelo autor.
4. Identificar, a partir da leitura analítica, a parte do livro Marília de Dirceu a que
pertence cada poema.

Sugestão de procedimento

A primeira leitura pode ser realizada individual e silenciosamente pelos alunos.


Os exercícios de Releitura (p. 65) podem ser trabalhados individualmente ou
em pequenos grupos e corrigidos em uma discussão plenária. As questões
finais podem também ser utilizadas para avaliação. Na última questão, os
alunos devem reconhecer, pelos temas, a que parte da obra Marília de Dirceu
cada poema pertence. Os textos da primeira parte utilizam com maior rigidez
as convenções do Arcadismo. Os da segunda, embora também as utilizem,
adquirem um tom emocional, geralmente pessimista, mais acentuado (Pré-
Romantismo).

Sugestões de leitura extraclasse

· Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.


Além das diversas edições para uso escolar, há também edições eletrônicas
integrais de domínio público. Consulte, por exemplo: http://tub.im/52bsox.
Acesso em: 18 maio 2016.

· Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Há várias edições no


mercado.

Nesse livro, publicado em 1953, Cecília Meireles, poeta da segunda geração


do Modernismo, recria poeticamente o drama dos inconfidentes. Alguns
romances (poemas) têm Dirceu e Marília como tema: LlV, LV, LXVIII, LXIX,
LXX, LXXI, LXXII, LXXIII.

Sugestões de atividade

· Sarau: selecionar algumas liras de Marília de Dirceu e alguns romances do


Romanceiro da Inconfidência. Distribuílos entre os alunos para que preparem a
apresentação no sarau. As leituras podem ser acompanhadas de músicas
executadas por alunos que toquem algum instrumento.

· Se o(a) professor(a) tiver acesso, reproduzir para os alunos as músicas do


CD-livro Marília de Dirceu: liras escritas no Brasil até 1792 (São Paulo: OESP
Gráfica/Akron Records, 2001, Projeto Memória Musical Brasileira). Trata-se de
12 liras do poeta, musicadas, à época, por compositor desconhecido. Anna
Maria Kieffer responde pela pesquisa e concepção da obra.

Atividades (p. 66)

As atividades podem ser realizadas em aula, como complementação e


aprofundamento, ou em casa, como tarefa. É importante trabalhar os testes
com os alunos, para que eles adquiram maior destreza na resolução desse tipo
de questão. Algumas atividades podem ser utilizadas em avaliações.

Sugestões de bibliografia especializada

Barroco

HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco. Trad. Célia Berretini. 2ª ed. São
Paulo: Perspectiva, 2002. [Recomendamos principalmente o capítulo "O
Barroco em seu aspecto cultural. Seus motivos artísticos"].
SANT'ANA, Affonso Romano de. O quadrado e a elipse. Rio de Janeiro: Rocco,
2000.

WÖLFFLLN, Heinrich. Conceitos fundamentais de história da arte: o problema


da evolução dos estilos na arte mais recente. Trad. João Azenha Jr. São Paulo:
Martins Editora, 2001.

380

Neoclassicismo

CANDIDO, Antonio. Na sala de aula: caderno de análise literária. São Paulo:


Ática, 1998. (Fundamentos). [O segundo capítulo, "Uma aldeia falsa", analisa a
Lira LXXVII, da segunda parte de Marília de Dirceu].

Capítulo 4 - A poesia romântica

Tabela: equivalente textual a seguir.

Cronologia do Romantismo no Brasil


Início: 1836
Niterói - Revista Brasiliense; Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves
de Magalhães
Término: 1881
Início do Realismo-Naturalismo
PRIMEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA BRASILEIRA (DÉCADAS DE 1830 E
1840)
· Nacionalismo
· Indianismo
· Cor local
Principais autores
· Gonçalves de Magalhães
· Porto-Alegre
· Gonçalves Dias
SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA BRASILEIRA (DÉCADAS DE 1840 E
1850)
Ultrarromantismo
· Mal do século
· Excessos do subjetivismo e do emocionalismo românticos
· Irracionalismo
· Escapismo; fantasia; culto da morte
· Pessimismo
Principais autores
· Junqueira Freire
· Casimiro de Abreu
· Álvares de Azevedo
TERCEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA BRASILEIRA (DÉCADAS DE 1860 E
1870)
Pré-realismo
Condoreirismo
· Temas sociais e políticos
· Liberdade
· Tom retórico e exaltado
Principais autores
· Fagundes Varela
· Castro Alves

Primeira leitura (p. 72)

"Canção do exílio", de Gonçalves Dias

Objetivos

1. Ler e interpretar um poema antológico do Romantismo brasileiro. 2.


Introduzir o estudo da poesia romântica brasileira. 3. Analisar e interpretar
recursos expressivos utilizados pelo autor da "Canção do exílio". 4. Ler textos
que dialogam com um poema romântico (intertextualidade, paródia).

Sugestão de procedimento

A primeira leitura do poema pode ser feita pelos alunos. Pode-se organizar
uma sessão de leituras em que se alternem diversas "canções do exílio" com o
poema de Gonçalves Dias (por exemplo, a paródia "Migna terra", de Juó
Bananére, a "Canção do exílio", de Casimiro de Abreu, ou mesmo a "Canção
do expedicionário", que tem letra de Guilherme de Almeida. Essas e outras
canções do exílio podem ser encontradas em sites e blogs).
A leitura e a interpretação da "Canção do exílio", de Gonçalves Dias, merecem
destaque especial por tratar-se de um texto fundador, o mais expressivo da
poesia nacionalista-ufanista do Romantismo brasileiro, e por suas qualidades
literárias a serem realçadas ao longo da realização das atividades. A
simplicidade dos recursos estilísticos, a intensa musicalidade, a presença da
palmeira e do sabiá simbolizando flora e fauna brasileiras (para alguns autores
o sabiá representaria o poeta nacional e a palmeira a natureza, sua aliada
distante, graças à condição de "exílio" em que se encontra), a contradição
entre lá (o Brasil, a natureza) e cá (a Europa, a cultura) etc. constituem alguns
dos tópicos a serem comentados com os alunos.

Reunidos todos esses elementos, será oportuno suscitar uma discussão sobre
a questão fundamental defrontada por nossos primeiros românticos: conciliar o
Romantismo europeu com a cor local, o cenário e os personagens brasileiros,
para criar uma literatura nacionalista, e assim implantar a ideia de pátria, de
nação, necessária à consolidação da almejada independência política.

381

E mais... (p. 74)

Pesquisa

Orientar os alunos sobre como realizar a pesquisa, que pode ser feita em livros
da biblioteca e na internet. Basta digitar "canção do exílio" em qualquer
buscador para surgirem inúmeros exemplos. Explicar que o mais importante,
portanto, é a leitura crítica e a seleção. Insistir que os alunos anotem os dados
do poema ou da letra de música que farão parte da apresentação. É também
importante orientar a leitura (postura, entonação, expressividade) e pedir que
ensaiem antes da aula.

Sugestões: Solicitar que cada aluno(a) copie seu poema em uma folha e
escreva um comentário, comparando-o com o texto-matriz. Essas folhas
podem ser recolhidas para avaliação. Pode-se também organizar um painel
com os textos e comentários.

Navegar é preciso (p. 74)


Comente com os alunos a "era dos festivais", o sucesso que essas músicas
faziam. No YouTube há gravações históricas desses festivais. Se houver
interesse, a música "Sabiá" pode ser ouvida em aula, seguida de uma
discussão sobre a intertextualidade com a "Canção do exílio".

O Romantismo (p. 74)

Com o objetivo de acentuar o elo entre texto e contexto, o(a) professor(a) pode
mostrar como as mudanças históricas influenciam as literárias.

O ideal libertário das revoluções burguesas constitui o fio condutor para a


assimilação do conceito de liberdade de criação e de expressão artística -
principais características do Romantismo. Para ficar mais interessante a
discussão, o(a) professor(a) deve mostrar aos alunos que o conceito de
liberdade da ideologia burguesa, que deflagrou a revolução romântica, tem um
sentido diverso no domínio estético. Enquanto politicamente liberdade constitui
uma noção de caráter racionalista - livre-iniciativa, maior mobilidade social,
direitos e garantias individuais etc. - , no campo artístico predomina a ideia de
liberdade de expressão das emoções, da subjetividade, da individualidade, em
detrimento de regras, normas e preceitos que determinavam secularmente
como e o que deveria ser feito, em termos estéticos.

Leitura (p. 75)

"Do grotesco e do sublime" (fragmento), de Victor Hugo

Objetivos

1. Ler e interpretar documento de época sobre a estética romântica. 2.


Relacionar fatos históricos com discurso estético-ideológico. 3. Introduzir as
características predominantes do Romantismo.

Sugestão de procedimento

A primeira leitura pode ser individual e silenciosa. Se o(a) professor(a) optar


por esse procedimento, deve solicitar que os alunos façam anotações das
dificuldades, das dúvidas e das ideias que considerarem mais importantes no
texto. As questões formuladas na Releitura (p. 75) podem servir de eixo para a
discussão coletiva do texto.

Características do Romantismo (p. 76)


Ao explicar as principais características do Romantismo, perguntar aos alunos
quais se manifestam na "Canção do exílio": o subjetivismo, o emocionalismo, o
nacionalismo.

Na discussão sobre o Romantismo no Brasil, é preciso ressaltar a função


civilizadora dos primeiros românticos, seu compromisso com a consolidação
cultural da Independência, transferindo de Portugal para a França a busca de
matrizes literárias e "traduzindo" a revolução romântica europeia para o
contexto da cor local, conforme se verificará no estudo da primeira geração.

As gerações românticas (p. 76)

Sugestão de procedimento

O(A) professor(a) pode introduzir esse tópico com uma explicação ampla e
esquemática das três gerações. É importante enfatizar que se trata de uma
classificação tradicional e didática, que deve ser relativizada. Nem sempre se
pode considerar a totalidade da produção de um autor como pertencente a uma
única geração. Assim, por exemplo, na lírica amorosa de Gonçalves Dias,
poeta da primeira geração, há poemas cujo pessimismo e excesso emocional
são típicos dos autores da segunda. Alguns poemas de Castro Alves o
colocariam entre os poetas do Ultrarromantismo.

Primeira geração (p. 76)

Sobre a primeira geração, o que mais importa é os alunos perceberem o


esforço dos autores para implantar um projeto literário nacionalista, via
"tradução" do romantismo europeu - mais especificamente francês - para a cor
local (com o indianismo, o naturismo etc.), desencadeando o patriotismo
ufanista e idealizador.

Leitura (p. 77)

· Grande cascata da Tijuca, de Araújo Porto-Alegre

· Mata reduzida a carvão, de Félix-Émile Taunay

382

Objetivos
1. Observar e descrever coletivamente duas pinturas do início do Romantismo
brasileiro. 2. Reconhecer as características românticas das pinturas. 3.
Interpretar as temáticas das pinturas, percebendo a diferença entre a exaltação
da natureza tropical e a crítica da ação destruidora do ser humano.

Sugestão de procedimento

As pinturas podem ser projetadas para facilitar a realização da atividade de


observação coletiva, assim como as questões de Releitura (p. 79). Destaque-
se a valorização da paisagem em detrimento das figuras humanas nas telas.
Pode-se introduzir aqui a noção de "cor local".

Gonçalves Dias (p. 78)

Primeiro grande poeta romântico brasileiro e um dos maiores de toda a nossa


literatura, deve-se atribuir tanta importância à sua produção indianista quanto à
lírico-amorosa. Retornar ao poema "Olhos verdes" trabalhado nas Atividades
do capítulo 2 (p. 47). No caso da poesia indianista, mostrar como o indígena é
idealizado a partir do estereótipo do cavalheiro medieval do Romantismo
europeu.

Leitura (p. 78)

"Leito de folhas verdes", de Gonçalves Dias

Objetivos

1. Ler e interpretar poema indianista de Gonçalves Dias. 2. Segmentar texto,


reconhecendo a progressão do entrecho líricodramático. 3. Reconhecer e
interpretar características da primeira geração romântica. 4. Reconhecer
recursos expressivos utilizados no poema.

Sugestão de procedimento

O(A) professor(a) pode preparar alguns alunos para realizarem a leitura do


poema. Após a audição, fazer a leitura silenciosa e discutir as dificuldades
encontradas pelos alunos e os detalhes do poema que eles considerem mais
interessantes e expressivos. As atividades de Releitura (p. 79) podem ser
utilizadas para avaliação.

Para ler na rede (p. 80)


"I-Juca Pirama", de Gonçalves Dias

Uma das características marcantes dessa obra é a mudança de ritmo e


andamento na passagem de um canto a outro. Recomenda-se, por isso, a
leitura de alguns trechos do poema em aula, a fim de que os alunos percebam
essas variações e fiquem mais motivados para a leitura do texto completo, em
casa. Posteriormente, o(a) professor(a) pode organizar uma conversa sobre o
texto e as impressões de leitura.

Outra sugestão é a leitura dramática, com a distribuição de papéis e vozes


entre diferentes leitores. Nesse caso, é importante promover ensaios para a
apresentação.

Resumo - "I-Juca Pirama"

Um indígena tupi conduz seu pai, um velho cego, pelas matas, e é aprisionado
pelos timbiras. Quando se inicia o festim em que seria morto e devorado, o
indígena, lembrando-se do pai abandonado na mata, pede, entre lágrimas, que
o libertem, com a promessa de retornar quando o velho não mais existisse. O
chefe timbira ordena então que o soltem, dizendo que não quer "com carne vil
enfraquecer os fortes", pois toma o pranto do tupi como covardia diante da
morte. O jovem é solto e reencontra o pai, mas este decide que devem ir à taba
timbira para que ele mesmo peça a morte do filho. O discurso do velho tupi, no
canto VIII, é a parte mais bela e mais impressionante do poema. Revoltado
com as palavras do pai, que o acusa de covarde, o moço atira-se à luta com tal
bravura que o chefe timbira reconhece sua coragem e seu direito a morrer
como um forte.

Segunda geração (p. 80)

A figura de Álvares de Azevedo merece ser destacada como a de maior


qualidade artística do período e uma das mais expressivas de toda a nossa
literatura.

Além da ênfase na poesia de Álvares de Azevedo, tanto em sua face lírica,


voltada para o amor e para a morte de uma forma exacerbadamente
egocêntrica, quanto em sua face irônica, em que parodia com sarcasmo a
própria geração, o(a) professor(a) pode mencionar as obras em prosa do
escritor. Os contos macabros e perversos de Noite na taverna e as cenas
igualmente satânicas do drama Macário, ambos exemplos da dimensão
noturna e maldita do Ultrarromantismo, constituem uma espécie de
compensação, de vingança do poeta contra a incompatibilidade entre o sonho
e a realidade, contra a inviabilidade prática de sua idealização radical do amor,
da poesia e da própria experiência criadora.

Leitura (p. 81)

"Meu sonho", de Álvares de Azevedo

383

Objetivos

1. Ler e interpretar poema de Álvares de Azevedo. 2. Interpretar a dimensão


simbólica das imagens em um poema ultrarromântico.

Sugestão de procedimento

Este é um bom poema para ser lido expressivamente em voz alta. Os alunos
que se apresentarem como voluntários para a leitura devem ser previamente
preparados pelo(a) professor(a). As questões de Releitura (p. 81) podem ser
realizadas coletivamente.

E mais... (p. 81)

Leitura

Noite na taverna, de Álvares de Azevedo

O(A) professor(a) deve orientar a distribuição dos contos-capítulos do livro e o


trabalho a ser realizado. Algumas explicações poderão auxiliar na
compreensão da obra: trata-se de "contos com moldura", ou seja, o primeiro e
o sétimo capítulos constituem a "moldura" que envolve os outros, situando-os
como relatos dos personagens na taverna. Assim, cada conto possui um
narrador diferente.

Posteriormente à apresentação dos grupos, os alunos devem ser convidados a


completar a leitura do livro. Há edições digitais no portal Domínio Público:
http://tub.im/9cpc6k. Acesso em: 18 maio 2016.

Terceira geração (p. 82)


Uma das maneiras mais didáticas de apresentar essa geração é contrapô-la à
anterior, evidenciando a oposição entre a radical fuga da realidade dos
ultrarromânticos e o engajamento dos poetas da terceira geração. Estes veem
na poesia um meio de denúncia das iniquidades sociais, podendo ser, por isso,
considerados pré-realistas. Entretanto, o subjetivismo e o tom emocional e
exaltado permanecem plenamente românticos.

Quanto à vertente poética lírico-amorosa, em vez da idealização da mulher


como um sonho, um anjo ou uma virgem inerte, em vez do medo do amor,
sempre sublimado e associado com a morte, que encontramos na poesia
ultrarromântica, em Castro Alves (p. 82) vemos a exaltação da mulher por sua
beleza e sensualidade. É a inauguração de um erotismo mais livre e direto em
nossa poesia, com fortes sugestões visuais e antropomórficas (sensualização
dos elementos da natureza).

Leitura (p. 82)

"O navio negreiro" (fragmento), de Castro Alves

Objetivos

1. Ler e interpretar fragmento do poema "O navio negreiro". 2. Reconhecer e


interpretar recursos retóricos utilizados no fragmento.

Sugestão de procedimento

O fragmento de "O navio negreiro" presta-se bem à leitura declamada. Os


alunos-leitores devem ser preparados previamente. As atividades de Releitura
(p. 84) podem ser realizadas individualmente ou em pequenos grupos.
Recomenda-se que, ao longo desta atividade, o(a) professor(a) retome as
explicações sobre as principais figuras de linguagem, além de discutir o
conceito de retórica, utilizando para isso a dramaticidade e a diversidade de
recursos expressivos das passagens que exemplificam o tom declamativo e
exaltado da poesia de Castro Alves. É importante retomar as explicações sobre
as funções da literatura e, principalmente, a discussão sobre literatura
engajada realizada no primeiro ano (capítulo 2).

Navegar é preciso (p. 84)


Reforçar as sugestões feitas nesta seção, principalmente a audição da leitura
de Paulo Autran. Se considerar interessante, a gravação pode ser ouvida,
coletivamente, em sala de aula.

Sugestão de leitura extraclasse

Poemas de Castro Alves: distribuir entre os alunos os poemas sobre a


escravidão (exemplos: "O navio negreiro", "Tragédia no lar", "Vozes d'África",
trechos de A cachoeira de Paulo Afonso).

Sugestões de bibliografia especializada

CANDIDO, Antonio. Na sala de aula: caderno de análise literária. São Paulo:


Ática, 1998. (Fundamentos). [Capítulo "Cavalgada ambígua", que analisa o
poema "Meu sonho", de Álvares de Azevedo].

CANDIDO, Antonio. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2004.


(Livro Pequeno).

CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 2007. (Série Princípios).

CUNHA, Maria de Lourdes da Conceição. Romantismo brasileiro: amor e


morte. São Paulo: Factash, 2005.

FRANCHETTI, Paulo. I-Juca Pirama. In: ______. Estudos de literatura


brasileira e portuguesa. Cotia: Ateliê, 2007. p. 49-74.

GOMES, Álvaro Cardoso; VECHI, Carlos Alberto. A estética romântica: textos


doutrinários comentados. São Paulo: Atlas, 1992.

384

GUINSBURG, Jacó. Romantismo. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

LOWY, Michael; SAYRE, Robert F. Romantismo e política. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1993.

SANTOS NETO, Artur Bispo dos. A filosofia do Romantismo. Maceió: Edufal,


2005.

SECCHIN, Antônio Carlos (Org.). Romantismo. São Paulo: Global, 2007.


(Roteiro da Poesia Brasileira).

Capítulo 5 - O romance romântico


Primeira leitura (p. 90)

· "Iracema: lenda do Ceará" (fragmento de Iracema: lenda do Ceará, de José


de Alencar)

· "Senhora" (fragmento de Senhora, de José de Alencar)

· "Luizinha" (fragmento de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel


Antônio de Almeida)

Objetivos

1. Ler e interpretar fragmentos exemplares de romances românticos brasileiros.


2. Introduzir o estudo do romance romântico e a leitura de obras fundamentais.
3. Comparar três textos românticos, considerando a caracterização (idealização
e realismo) das personagens e os recursos expressivos.

Sugestão de procedimentos

· Antes da leitura: Antes de ler os fragmentos, os alunos precisam obter


informações sobre os dois autores e suas obras, principalmente os romances
em questão. Pode-se, por exemplo, solicitar a leitura e o fichamento dos
tópicos José de Alencar (p. 97) e Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) (p.
94). Para que os alunos contextualizem os fragmentos, é importante que o(a)
professor(a) forneça alguns elementos do enredo de cada obra, tomando o
cuidado de não apresentar um "resumo dos enredos", mas provocando
expectativas que motivem a leitura integral dos romances.

· Leitura: Sugere-se que a leitura dos fragmentos seja individual e silenciosa.

· Depois da leitura: A discussão dos textos não deve se restringir às questões


apresentadas na seção Em tom de conversa. Pedir aos alunos que apresentem
as dificuldades que encontraram na leitura, os aspectos que mais os
impressionaram, positiva ou negativamente. A seção Releitura pode ser
desenvolvida em pequenos grupos, seguida de uma plenária de discussão e
correção.

Ao final do trabalho com esses fragmentos, é importante fazer os seguintes


comentários:
· O texto 1 mostra que a prosa romântica participa do mesmo projeto
nacionalista da poesia, estudado no capítulo anterior. São evidentes as
semelhanças entre Iracema e a poesia indianista de Gonçalves Dias: a
idealização do indígena como o "bom selvagem", vivendo em perfeita harmonia
com a natureza; a idealização da "raça americana", formada pelo intercurso
dos elementos indígena e europeu; a cor local, explorada nos mínimos
elementos da linguagem descritiva, por meio do uso contínuo da analogia.

· No texto 2, vemos como a idealização feita pelos românticos não impede a


visão crítica da realidade. Não se deve ver nisso uma contradição: a crítica (a
visão do que é) se faz a partir da idealização (o que deveria ser).

· No texto 3, a descrição de Luizinha, menina tímida, desprovida de graça e de


beleza, contrasta com a idealização de Aurélia. A leitura paralela dos dois
fragmentos ressalta as características de uma e de outra. O Romantismo não
criou somente seres sublimes, mulheres perfeitas e encantadoras, mas
também personagens comuns, como Luizinha, e mesmo feias e grotescas.

É importante observar as datas de publicação das obras: Memórias de um


sargento de milícias, entre 1852 e 1853; Iracema, 1865, e Senhora, 1875. Em
1852, vigorava o Ultrarromantismo na poesia e, em 1865, os poetas já
transitavam dos temas da segunda (Ultrarromantismo) para os da terceira
geração (Condoreirismo). Podemos então tirar as seguintes conclusões:

1. a temática nacionalista-indianista perdurou na literatura brasileira, não se


restringindo à primeira geração dos poetas românticos;

2. o esquema da evolução da poesia em três gerações não se aplica à


evolução da prosa romântica. O romance de Manuel Antônio de Almeida,
considerado por muitos como pré-realista, convive com a poesia
ultrarromântica. Mesmo na obra de Alencar não há uma evolução temática: O
guarani (indianista, 1857), Lucíola (urbano, de crítica social, 1862), Iracema
(indianista, 1865), Ubirajara (indianista, 1874), Senhora (urbano, de crítica
social, 1875).

Em suas três décadas de evolução, o romance brasileiro diversificou seus


temas, num grande esforço para criar uma tradição literária brasileira. Por mais
restrições que se façam à literatura romântica, não se pode negar que ela
logrou seus objetivos programáticos: todo o desenvolvimento posterior de
nossa literatura é devedor do empreendimento pioneiro dos ficcionistas
românticos.

385

A prosa romântica (p. 93)

Para os iniciadores do nosso Romantismo, era muito evidente a precariedade


da situação literária do Brasil em relação à Europa: não havia uma tradição no
terreno da prosa de ficção. Daí o caráter de mero entretenimento e ao mesmo
tempo de tentativa de imitação dos folhetins europeus que caracterizou nossos
primeiros romances. Apesar disso, é importante ressaltar o compromisso dos
romancistas pioneiros do país com o já referido projeto nacionalista. Em menor
ou maior grau - como em Joaquim Manuel de Macedo, e nos romances de
José de Alencar, não apenas nos indianistas - , os escritores do período
contribuíram com a criação de uma tradição para nossa prosa literária.

A obra Memórias de um sargento de milícias, cuja leitura consideramos


essencial, deve ser ressaltada por constituir uma "exceção" a tudo o que foi
visto sobre o Romantismo. Sua linguagem direta, coloquial, irônica, próxima da
crônica jornalística; a tematização não dos conflitos entre ricos e pobres (como
em Senhora, de Alencar), ou entre indígenas e brancos (em Iracema e O
guarani), mas daqueles pertinentes a uma classe média emergente, cujos
personagens típicos, essencialmente amorais, até então haviam sido ignorados
pela literatura; e a escolha de um "herói malandro", um "anti-herói", como
protagonista, entre outros fatores, tornam-na uma espécie de "desconcerto"
para a época. Assim, ao mesmo tempo que destoa de seu tempo, essa obra
revela-o em dimensões fundamentais para a compreensão de aspectos
estruturais da cultura nacional, como o famoso "jeitinho brasileiro", ou "uma
mão lava a outra" etc. Dessa forma, anuncia e antecipa elementos que só
reaparecerão setenta anos depois, com a emergência do Modernismo.

Sugestão de procedimento

Esse tópico pode ser objeto de uma breve exposição do(a) professor(a),
seguida da leitura e do fichamento pelos alunos.

Complementação teórica
A ficção [romântica brasileira]

[...]

O romance romântico brasileiro dirigia-se a um público mais restrito do que o


atual: eram moços e moças provindos das classes altas, e, excepcionalmente,
médias; eram os profissionais liberais da corte ou dispersos pelas províncias:
era, enfim, um tipo de leitor à procura de entretenimento, que não percebia
muito bem a diferença de grau entre um Macedo e um Alencar urbano. Para
esses devoradores de folhetins franceses, divulgados em massa a partir de
1830/40, uma trama rica de acidentes bastava como pedra de toque do bom
romance. À medida que os nossos narradores iam aclimando à paisagem e ao
meio nacional os esquemas de surpresa e de fim feliz dos modelos europeus, o
mesmo público acrescia ao prazer da urdidura o do reconhecimento ou da
autoidealização.

Vistos sob esse ângulo, são exemplares os romances de Macedo e de Alencar,


que respondem, cada um a seu modo, às exigências mais fortes de tais
leitores: reencontrar a própria e convencional realidade e projetar-se como
herói ou heroína em peripécias com que não se depara a média dos mortais. A
fusão de um pedestre e miúdo cotidiano (cimentado pela filosofia do bom
senso) com o exótico, o misterioso, o heroico, define bem o arco das tensões
de uma sociedade estável, cujo ritmo vegetativo não lhe consentia projeto
histórico ou modos de fuga além do ofertado por alguns tipos de ficção: a
passadista e colonial (O Guarani, As Minas de Prata, de Alencar; As
Mulheres de Mantilha, O Rio do Quarto, de Macedo; Maurício, O Bandido
do Rio das Mortes, de Bernardo Guimarães); a indianista (Iracema, Ubirajara,
de Alencar; O Índio Afonso, de Bernardo); a sertaneja (O Sertanejo, O
Gaúcho, de Alencar; O Garimpeiro, de Bernardo; Inocência, de Taunay; O
Cabeleira, O Matuto, de Franklin Távora). Ou, trazendo o leitor de volta para o
dia a dia das convenções, como em largos trechos de Macedo e do Alencar
fluminenses, centrados nos costumes da burguesia, e no saboroso documento
do Rio joanino que são as Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel
Antônio.

Até aqui aludiu-se à correspondência entre as expectativas dos leitores e as


respostas que lhes deram os ficcionistas: fato que explica quase sempre a
polaridade realismo-idealismo que acompanha o romance da época. Mas, se
reordenarmos em linha vertical o mesmo conjunto, veremos que não é tanto a
distribuição de temas quanto o nervo do seu tratamento literário que deve
oferecer o critério preferencial para ajuizar das obras enquanto obras.
Teremos, no plano mais baixo, os romances que nada acrescentam aos
desejos do leitor médio, antes, excitam-nos para que se reiterem ad infinitum: é
a produção de Macedo, de Bernardo, Távora, e alencariana menor (A
Viuvinha, Diva, A Pata da Gazela, Encarnação). Já Inocência de Taunay e
alguns romances de segundo plano de Alencar (O Sertanejo, O Gaúcho, O
Guarani) redimem-se das concessões à peripécia e ao inverossímil pelo fôlego
descritivo e pelo êxito na construção de personagens-símbolo:

386

Inocência, Arnaldo, Canho, Peri fazem aflorar arquétipos de pureza e coragem


que justificam a sua resistência às mudanças de gosto literário. Enfim, o nível
das intenções bem logradas cabe, como é de esperar, aos happy few: as
Memórias de um Sargento de Milícias, prodígio de humor pícaro em meio a
tanto disfarce banal, e as duas obras-primas de Alencar, Iracema e Senhora,
tão diversas entre si do ponto de vista ambiental, mas próximas pela
consecução do tom justo e pela economia de meios de que se valeu o
romancista. A escala de valores já ficou sugerida atrás: a obra será tanto mais
válida, esteticamente, quanto melhor souber o autor usar a margem de
liberdade que lhe permitem as pressões psicológicas e sociais. Estas, longe de
se esvaírem na "poesia pura" da obra perfeita, potenciam-se e deixam
transparecer a essência da matéria que o artista constrangeu a tomar forma.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2ª ed. São Paulo:


Cultrix, 1978. p. 141-143.

Sugestão de atividade

Assistir ao filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil (direção de Carla


Camurati. Brasil, 1994, 100 min.). O filme focaliza a mesma época em que se
passa a história de Leonardo, protagonista de Memórias de um sargento de
milícias - "o tempo do Rei" - , quando a corte portuguesa deslocou-se para o
Brasil, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte.
Leitura (p. 95)

· "Pedilúvio sentimental" (fragmento de A Moreninha, de Joaquim Manuel de


Macedo)

· "O nascimento do herói" (fragmento de Memórias de um sargento de milícias,


de Manuel Antônio de Almeida)

Objetivos

1. Ler e interpretar fragmentos de romances românticos brasileiros. 2.


Comparar dois modos antagônicos de construção de personagens e de
representação de costumes.

Sugestões de procedimento

Sugere-se que a primeira leitura dos textos seja realizada individualmente


pelos alunos. Para isso, antes da leitura, é necessário: 1. falar sobre o livro A
Moreninha, destacando sua condição de obra inaugural do romance brasileiro e
informando sobre alguns elementos do entrecho: o mundo estudantil do Rio de
Janeiro, a aposta entre Augusto e seu amigo; 2. retomar os comentários sobre
Memórias de um sargento de milícias feitos ao final da seção Primeira leitura;
3. alertar os alunos sobre a importância de observarem os detalhes do
comportamento amoroso dos personagens nos dois textos e as diferenças
entre eles. Durante a leitura os alunos devem anotar as dificuldades que
queiram discutir com a classe. A seção Em tom de conversa (p. 97) deve
orientar as discussões sobre os textos. As atividades de Releitura (p. 96)
podem ser respondidas individualmente, em grupo ou como tarefa de casa, ou
mesmo ser recolhidas para avaliação.

E mais... (p. 97)

Apresentação

Para esta atividade, a leitura das obras sugeridas deve ser orientada e
acompanhada pelo(a) professor(a). O estabelecimento de um cronograma
facilita o acompanhamento.

A apresentação precisa ser cuidadosamente preparada, sempre com a


assistência do(a) professor(a), que lerá os apontamentos dos grupos e o plano
da exposição oral. Recomenda-se o uso de cartazes ou a projeção de slides
eletrônicos.

A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo

Focos para interpretação e discussão

Os costumes dos estudantes; os costumes sociais; o caráter moralizante da


obra (a exemplaridade das virtudes necessárias para a felicidade); a tipificação
dos personagens; as características folhetinescas da organização do enredo
(mistérios, segredos, suspenses, peripécias, revelações, o final feliz).

Enredo

Augusto, estudante de Medicina, gaba-se de ser inconstante no amor e firma


uma aposta com Filipe: se, até o dia 20 de agosto, tiver amado uma só mulher
durante mais de 15 dias, será obrigado a escrever um romance sobre tal
acontecimento. É véspera de Sant'Ana. Filipe leva seus amigos, Augusto,
Leopoldo e Fabrício, para passar a festa na casa de sua avó, numa ilha da
Baía da Guanabara. Lá, dançando com Carolina, a Moreninha, o estudante
acaba se apaixonando, mas tanto ele quanto ela evitam render-se ao amor.
Cada um é impedido por um juramento amoroso feito na infância. Depois de
muitos desencontros e confusões, acabam por descobrir que eram as duas
crianças que um dia, na praia, haviam jurado amor eterno. Com o
reconhecimento, a felicidade... e Augusto paga a aposta escrevendo o romance
A Moreninha.

387

Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida

Focos para interpretação e discussão

A originalidade da obra (comparação com outros romances românticos que já


façam parte do repertório dos alunos); a caracterização dos personagens; o
anti-herói (o malandro); a comparação dos personagens típicos com os das
comédias de Martins Pena (volume 1 , capítulo 8); o humor; a estrutura
episódica da narrativa; o final feliz.

Enredo
Leonardo, o protagonista, é filho de "uma pisadela e um beliscão" ocorridos
entre um meirinho (oficial de justiça de nível inferior), Leonardo Pataca, e uma
saloia (camponesa), Maria da Hortaliça, quando vinham num navio, de Portugal
para cá.

Os pais separam-se, por causa da infidelidade da saloia, e o menino, aos 7


anos, é adotado por seu padrinho e vizinho, o barbeiro, que lhe dedica muito
amor e todos os cuidados, pretendendo torná-lo padre. Mas Leonardinho,
preguiçoso e desordeiro, faz estripulias na escola, que cedo abandona, e na
igreja, onde se torna coroinha, até ser enxotado pelo padre. Enfim, ele não se
interessa nem pelos estudos nem pelo trabalho, e cresce entregue a toda sorte
de malandragens.

Quando adulto, apaixona-se por Luisinha, que, no entanto, graças a intrigas e


fofocas contra o rapaz, casa-se com José Manuel, um renomado caça-dotes.
Leonardo perde o padrinho, que falece, e se envolve com Vidinha, uma mulata
de 20 anos. O major Vidigal, que o persegue desde a infância, tenta prendê-lo
por vadiagem, mas ele foge antes de chegar à cadeia e arranja emprego na
despensa real, de onde sai por arrumar novas encrencas. O major enfim o
agarra e o transforma em soldado, a fim de não perdê-lo de vista. Entretanto
Leonardo é de novo preso, por ajudar um jogador profissional a fugir, numa
batida em que deveria capturá-lo.

Nessa ocasião, em que se anuncia o desfecho folhetinesco da obra, a


comadre, personagem que protege o rapaz, pede a Maria Regalada, ex-
amante do major, que interceda a seu favor. Então Leonardinho não apenas é
solto como promovido a sargento de milícias, reencontrando Luisinha, que
enviuvara, e casando-se com ela, já empregado e de posse da herança que lhe
deixara o barbeiro.

Iracema, de José de Alencar

Focos para interpretação e discussão

A linguagem poética (sobretudo o metaforismo e as perífrases, pela tradução


de expressões indígenas), o tom de lenda, a caracterização simbólica dos
personagens, os elementos históricos do entrecho.

Enredo
Principal romance indianista de nosso Romantismo, Iracema tem como
subtítulo "Lenda do Ceará". Alencar utilizou um argumento histórico - a
colonização do Ceará no início do século XVII - e um argumento ficcional - o
caso amoroso entre a indígena tabajara Iracema e o guerreiro português
Martim. Franceses e portugueses disputam a posse do Ceará; aqueles se
aliaram aos Tabajara; estes, aos Pitiguara. Martim e Iracema são, portanto,
inimigos.

Caminhando pelas terras dos Tabajara, Martim é alvejado por Iracema e


recolhido por ela à cabana de seu pai Araquém. O amor que nasce entre os
dois esbarra em uma dupla proibição, pois, além de pertencerem a povos
inimigos, Iracema é a virgem sagrada de sua tribo. Quando o guerreiro parte,
ela o acompanha. Seu amor, feito de renúncia e de sacrifícios, a transforma em
pária: grávida, traiu sua função sagrada e não pode viver entre sua gente;
como indígena, não pode viver entre os brancos; como tabajara, não pode viver
entre os inimigos pitiguara. O casal passa a morar numa cabana às margens
da lagoa da Mecejana. Martim deve se ausentar, chamado por seus deveres de
guerra. A solidão, a saudade, a gravidez e, depois, o aleitamento exaurem as
forças de Iracema. Retornando, Martim toma nos braços o filho recém-nascido
e assiste à morte de Iracema. Essa criança - Moacir, o filho da dor - seria o
primeiro mameluco, representando a origem do povo brasileiro.

Lucíola, de José de Alencar

Focos para interpretação e discussão

A posição subalterna da mulher na sociedade patriarcal; a prostituição; a


duplicidade da caracterização da mulher na obra: anjo e mundana, vítima e
culpada; os limites da denúncia de uma questão moral e social na literatura
romântica (o desenlace, em que a redenção se dá pela morte da personagem).

Enredo

O narrador, Paulo Dias, escreve a história de sua relação amorosa com Lúcia e
a envia por carta a uma amiga, senhora G. M.

Vindo de Olinda, PE, para o Rio de Janeiro, quando tinha 25 anos, conheceu
Lúcia, uma famosa cortesã carioca, numa festa da Glória. Tornaram-se
amantes e se apaixonaram um pelo outro. Ela lhe contou sua história. Seu
verdadeiro nome era Maria da Glória. Para cuidar dos familiares doentes
durante a epidemia de febre amarela de 1850, entregara-se a um milionário, o
Sr. Couto. Quando soube do caso, seu pai expulsou-a de casa. Entregou-se,
então, à prostituição usando o nome de Lúcia. Toda a família morreu, ficando-
lhe apenas uma irmã, Ana, por quem ela se responsabilizou, colocando-a em
um colégio. Por amor a Paulo, Lúcia retomou o seu nome verdadeiro e retirou-
se da vida mundana. Mas a felicidade foi muito curta. Grávida de Paulo,
recusou-se a tomar um remédio que provocaria o aborto e salvaria sua vida.
Faleceu após obter de Paulo a promessa de que cuidaria sempre de sua irmã
Ana.

388

José de Alencar (p. 97)

O estudo dos romances de Alencar, em suas múltiplas vertentes, deve ser


priorizado pelo(a) professor(a), a fim de tornar claro para os alunos que se trata
do principal escritor brasileiro do período, não sem razão conhecido como o
"patriarca do romance nacional".

Empenhado na nacionalização de nossa literatura, na missão cívica de


descobrir culturalmente o Brasil, inclusive tentando criar uma "língua brasileira"
(como faria também Mário de Andrade, no século XX), José de Alencar buscou
mapear o país em todas as suas dimensões, utilizando, para isso, os recursos
do romance urbano, regionalista, indianista e histórico.

Como em quase todo romancista de certa envergadura, há em Alencar um


sociólogo implícito. Na maioria dos seus livros, o movimento narrativo ganha
força graças aos problemas de desnivelamento nas posições sociais, que vão
afetar a própria afetividade dos personagens. [...]

A sua arte literária é, portanto, mais consciente e bem armada do que


suporíamos à primeira vista. Parecendo um escritor de conjuntos, de largos
traços atirados com certa desordem, a leitura mais discriminada de sua obra
revela, pelo contrário, que a desenvoltura aparente recobre um trabalho
esclarecido dos detalhes, e a sua inspiração, longe de confirmar-se soberana,
é contrabalançada por boa reflexão crítica.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 5ª ed. São Paulo:
Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. v. 11, p. 226 e 235.

Leitura (p. 98)

"Seixas" (fragmento de Senhora, de José de Alencar)

Objetivos

1. Aprofundar a observação de aspectos importantes da obra de Alencar: a


linguagem, a descrição de detalhes, a caracterização dos personagens. 2.
Motivar a leitura do romance Senhora, pela previsão do desenlace.

Sugestão de procedimento

Antes de iniciar a seção Em tom de conversa (p. 99), ler com os alunos o
comentário de Antonio Candido no boxe O que dizem os especialistas (p. 99).
Incentive os alunos a formular as hipóteses solicitadas no item 3. Se for realizar
a atividade da seção E mais... (p. 100), esse é o momento adequado para
propor a leitura do romance aos alunos.

E mais... (p. 100)

Roteiro de leitura coletiva

Para a organização desta atividade, é essencial:

· estabelecer com os alunos as regras básicas para o trabalho;

· criar um cronograma. Se julgarem conveniente, marcar algumas aulas


destinadas à condução do trabalho, em que os grupos, reunidos, possam
receber a assistência do(a) professor(a);

· organizar os grupos e distribuir os temas;

· combinar como será a apresentação em seminário e os recursos que serão


utilizados.

Sugerimos ao(à) professor(a) a leitura do seguinte fragmento do texto "Crítica e


sociologia", de Antonio Candido:

Tomemos um exemplo simples: o do romance Senhora, de José de Alencar.


Como todo livro desse tipo, ele possui certas dimensões sociais evidentes, cuja
indicação faz parte de qualquer estudo, histórico ou crítico: referências a
lugares, modas, usos; manifestações de atitudes de grupo ou de classe;
expressão de um conceito de vida entre burguês e patriarcal. Apontá-las é
tarefa de rotina e não basta para definir o caráter sociológico de um estudo.

Mas acontece que, além disso, o próprio assunto repousa sobre condições
sociais que é preciso compreender e indicar, a fim de penetrar no significado.
Trata-se da compra de um marido; e teremos dado um passo adiante se
refletirmos que essa compra tem um sentido social simbólico, pois é ao mesmo
tempo representação e desmascaramento de costumes vigentes na época,
como o casamento por dinheiro. Ao inventar a situação crua do esposo que se
vende em contrato, mediante pagamento estipulado, o romancista desnuda as
raízes da relação, isto é, faz uma análise socialmente radical, reduzindo o ato
ao seu aspecto essencial de compra e venda. Mas, ao vermos isto, ainda não
estamos nas camadas mais fundas da análise, o que só ocorre quando este
traço social constatado é visto funcionando para formar a estrutura do livro.

Se, pensando nisto, atentarmos para a composição de Senhora, veremos que


repousa numa longa e complicada transação - com cenas de avanço e recuo,
diálogos construídos como pressões e concessões,

389

um enredo latente de manobras secretas - no decorrer da qual a posição dos


cônjuges se vai alterando. Vemos que o comportamento do protagonista
exprime, em cada episódio, uma obsessão com o ato de compra a que se
submeteu, e que as relações humanas se deterioram por causa dos motivos
econômicos. A heroína, endurecida no desejo de vingança, possibilitada pela
posse do dinheiro, inteiriça a alma como se fosse agente duma operação de
esmagamento do outro por meio do capital, que o reduz a coisa possuída. E as
próprias imagens do estilo manifestam a mineralização da personalidade,
tocada pela desumanização capitalista, até que a dialética romântica do amor
recupere a sua normalidade convencional. No conjunto, como no pormenor de
cada parte, os mesmos princípios estruturais enformam a matéria.

Referindo esta verificação às anteriores, feitas em nível mais simples,


constatamos que se o livro é ordenado em torno desse longo duelo, é porque o
duelo representa a transposição, no plano da estrutura do livro, do mecanismo
de compra e venda. E, neste caso de relações que deveriam pautar-se por uma
exigência moral mais alta, a compra e venda funciona como verdadeira
conspurcação. Esta não é afirmada abstratamente pelo romancista, nem
apenas ilustrada com exemplos, mas sugerida na própria composição do todo
e das partes, na maneira por que organiza a matéria, a fim de lhe dar uma
certa expressividade.

Quando fazemos uma análise deste tipo, podemos dizer que levamos em conta
o elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar,
na matéria do livro, a expressão de uma certa época ou de uma sociedade
determinada; nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente;
mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e
não ilustrativo.

CANDIDO, Antonio. Crítica e sociologia (tentativa de esclarecimento). In:


_____. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 7ª ed. São
Paulo: Nacional, 1985. p. 5-7.

Atividades (p. 100)

Estas atividades ampliam e aprofundam os estudos realizados ao longo do


capítulo. Sugerimos que algumas delas sejam feitas em grupo. Outras podem
ser utilizadas para avaliação.

Sugestões de bibliografia especializada

ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990.

ANDRADE, Mário de. Aspectos da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia,


2002.

CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. In: _____ . O discurso e a


cidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004.

FRANCHETTI, Paulo. O indianismo romântico revisitado: Iracema ou a poética


da etimologia. In: _____. Estudos de literatura brasileira e portuguesa. Cotia:
Ateliê, 2007. p. 75-86.

MACHADO, Ubiratan. Vida literária no Brasil durante o Romantismo. Rio de


Janeiro: Tinta Negra, 2010.
RICUPERO, Bernardo. O Romantismo e a ideia de nação no Brasil: 1830-1870.
São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Sugestão de leitura extraclasse

AZEVEDO, Álvares de et al. Histórias do Romantismo. São Paulo: Scipione,


2007. (Prazer da Prosa).

Capítulo 6 - O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo

Tabela: equivalente textual a seguir.

Cronologia do Realismo, do Naturalismo e do Parnasianismo no Brasil


Realismo - Início: 1881
Publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis
Naturalismo - Início: 1881
Publicação de O mulato, de Aluísio Azevedo
Parnasianismo - Início: 1882
Publicação de Fanfarras, de Teófilo Dias
Término: 1893
Publicação de Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa, obras que iniciam o
Simbolismo

390

Primeira leitura (p. 105)

· O enterro de Atala, de Anne-Louis Girodet

· Enterro em Ornans, de Gustave Courbet

Objetivos

1. Desenvolver a capacidade de leitura de imagens representativas do estilo


estudado no capítulo anterior (o Romantismo) e do que será estudado neste
capítulo (as Escolas Realistas), por meio de pinturas que apresentam
semelhança temática. 2. Mobilizar os conhecimentos adquiridos sobre o
Romantismo, utilizando-os como base para a formulação de hipóteses sobre o
Realismo e explorando os elementos contrastantes das imagens apresentadas.
3. Integrar à leitura de imagens a leitura de um poema, também na perspectiva
comparativa.
Em tom de conversa (p. 106)

Sugere-se que o(a) professor(a) inicie a leitura das pinturas conversando com
os alunos livremente a respeito delas, após observação individual e silenciosa
das características que apresentam, por meio de questões como a 1 e a 2, do
Em tom de conversa (p. 106). O debate contará com o(a) professor(a) como
mediador(a) e orientador(a).

Nesta abertura, observar sobretudo o fato de a pintura romântica representar


um tema literário, enquanto a realista retrata uma cena real, da vida cotidiana
da cidade de Ornans.

Na questão 3, espera-se que os alunos apontem na primeira pintura os


elementos responsáveis pela visão a um tempo heroica e dramática do binômio
temático amor-morte, romântico por excelência: a atitude pungente do homem
agarrado aos pés da amada morta, a sobriedade do padre que a ampara, a
serenidade dela; o cenário escuro, sombrio, em oposição à intensa luz que vem
do exterior da caverna etc. Os alunos certamente perceberão que em Enterro
em Ornans a cerimônia de sepultamento, em vez de solene e dramática, é
representada de modo realista, quase prosaico, dispondo em três grupos
distintos - eclesiásticos, homens e mulheres - um panorama das diversas
classes que compõem a sociedade da época.

Sugestão de atividade

Além dos elementos pictóricos, há outros que auxiliam o reconhecimento dos


estilos das pinturas: os nomes dos autores, os títulos dos trabalhos, as datas
em que foram produzidos.

Para ampliar as impressões e conclusões dos alunos, propor que realizem uma
pesquisa, na internet ou em livros de arte, de pinturas e autores que sejam
representativos dos estilos comparados. O resultado das descobertas dos
alunos deve ser apresentado para a classe.

Este item pode ficar como sugestão de atividade extraclasse ou pode ser
realizado na própria escola, caso os alunos tenham acesso à internet. Boas
reproduções podem ser encontradas em sites como: http://tub.im/fipefb. Acesso
em: 18 maio 2016.
O objetivo desta atividade é sensibilizar os alunos para os elementos que
compõem os suportes das obras pictóricas: títulos, identificação dos autores,
datas de elaboração dos trabalhos, estilos a que pertencem etc. A utilização
desses elementos para a realização de uma pesquisa comparativa entre obras
românticas e realistas possibilita uma ampliação de repertório bastante
enriquecedora das leituras interpretativas.

Releitura (p. 106)

Na questão 1, destacar o contraste entre idealização/emocionalismo e


"verismo", no sentido de "efeito de realidade", valorizando tais conceitos como
"chaves de leitura" de obras românticas e realistas.

Leitura (p. 107)

"Mais luz!", de Antero de Quental

Objetivos

1. Comparação entre linguagens artísticas (pinturas e poema) e, por meio dela,


aprofundamento de inferências dos alunos sobre as características
fundamentais do Realismo. 2. Ênfase na ideia de leitura de poema como
reconhecimento da presença de recursos expressivos, responsáveis por sua
singularidade.

Sugestão de procedimento

O conjunto de questões presentes na Releitura (p. 107) pode ser proposto após
leitura enfática, em voz alta, do soneto de Antero de Quental ("Mais luz!"),
pelo(a) professor(a) ou por alunos que se disponham a tal exercício, sobre cuja
importância nunca é demais insistir.

Merece destaque, na leitura e interpretação do soneto "Mais luz!", o didatismo


com que, sem diminuir a qualidade artística do texto, apresenta a recusa dos
valores românticos e sua substituição pelos realistas.

391

A Geração Materialista (p. 108)

Aqui nos parece fundamental relacionar contexto histórico-social e contexto


literário, mostrando as novas ideias dominantes, cujos pressupostos
influenciam decisivamente o surgimento de um novo estilo. Entretanto, para
evitar a visão mecanicista da literatura e da arte como meros "reflexos" da
sociedade, vale acentuar que o desgaste da escola romântica também se
deveu a seus próprios excessos, que culminaram no Ultrarromantismo e que
transformaram a última geração do movimento em precursora do Realismo; daí
ser denominada pré-realista.

Outra forma de aumentar o nível de compreensão dos alunos é comentar que o


estilo realista, por um lado, utiliza o racionalismo burguês, ideologicamente
dominante na época, mas, por outro, faz sistemática e minuciosamente a crítica
desse modelo social, econômico e político, defendendo valores antiburgueses,
anticlericais, antimonárquicos e antirromânticos.

O(A) professor(a) deve ressaltar os autores e as obras que iniciaram as


Escolas Realistas, tanto quanto o país em que surgiram, a França, uma das
mais poderosas matrizes da cultura europeia, na qual o Brasil passa a se
espelhar a partir da Independência de Portugal e do surgimento do
Romantismo.

Enfatizar para os alunos as semelhanças e diferenças entre os estilos das


Escolas Realistas (o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo), neste
momento de modo pouco aprofundado. O objetivo desse esclarecimento é
fornecer parâmetros para a leitura dos textos deste capítulo.

Fique sabendo (p. 109)

A Europa na segunda metade do século XIX

O(A) professor(a) deve destacar, ao longo da contextualização histórica do


Realismo, os fatores materiais (o aceleramento da industrialização e as
consequentes modernizações em diversos setores) e culturais (o racionalismo
e o cientificismo materialista) que desencadeiam uma nova mentalidade, em
contraposição aos ideais da fase romântica.

Seria interessante ressaltar, ainda, a relação entre desenvolvimento econômico


e intelectual (a proximidade entre as fábricas e os laboratórios): por um lado, a
ciência positivista, determinista e evolucionista a serviço da consolidação do
capitalismo; por outro, o surgimento das primeiras correntes do socialismo,
pregando a superação do modelo capitalista, via defesa do proletariado. Em
ambos os casos, apregoa-se uma visão racionalista e materialista da
existência.

E mais... (p. 110)

Discussão

Sugerimos que o(a) professor(a) ajude a depurar essa comparação teórica


entre os estilos, por meio da ênfase no sentido amplo dos termos Romantismo
(polo da fantasia) e Realismo (polo da realidade). Ao se referir ao sentido
estrito dos conceitos, sublinhar que se trata de correntes estéticas da primeira
e segunda metades do século XIX, a primeira privilegiando o polo da fantasia e
a postura subjetiva; a segunda, o polo da realidade e a postura objetiva.

É importante salientar, também nesta seção, que os alunos devem ter espaço
de manifestação de gosto, seja por identificação ou antipatia (questão 1). Ao
mesmo tempo, destacar a relatividade das oposições binárias e excludentes
tanto na arte quanto na vida (questão 2).

O Realismo-Naturalismo em Portugal (p. 111)

Neste tópico os alunos terão acesso a algumas informações básicas sobre o


Realismo em Portugal, com destaque para um autor: o romancista Eça de
Queirós.

Leitura (p. 112)

· Fragmento de crítica, de Machado de Assis, sobre O crime do padre Amaro,


de Eça de Queirós

· O crime do padre Amaro (fragmento), de Eça de Queirós

Objetivos

1. Perceber, por meio da leitura da crítica ao "romance de tese naturalista" O


crime do padre Amaro, de Eça de Queirós, realizada por Machado de Assis, a
diferença na concepção de realismo de ambos os autores. 2. Comparar e
desenvolver a própria opinião a respeito do Naturalismo com base na leitura do
texto crítico de Machado de Assis e, em seguida, de um fragmento do romance
de Eça de Queirós.

Sugestão de procedimento
Como o texto teórico apresenta dificuldade de leitura, seja por seu vocabulário,
seja por se tratar de um fragmento de ensaio crítico, seria oportuno que as
cinco questões da Releitura (p. 113) fossem divididas entre cinco grupos de
alunos. Num primeiro momento, eles as responderiam individualmente e por
escrito. Num segundo momento, os grupos se reuniriam para

392

discutir as respostas e melhorá-las, por meio de ajuda recíproca. Finalmente,


os melhores textos seriam lidos e discutidos pela classe, exemplificando um
tipo de avaliação bastante interessante, por seu caráter processual e
interpessoal: a avaliação entre os próprios alunos, coordenada pelo(a)
professor(a) (avaliação horizontal).

O Realismo e o Naturalismo no Brasil (p. 114)

Deve ser realçada aqui a questão da prosa de ficção, em especial do romance,


que passa a constituir um meio de busca da "verdade" ou conhecimento mais
profundo da realidade, a partir da observação.

Esse gênero literário foi discutido ao longo de todo o Realismo, mas já havia
sido proposto pelos autores românticos de maior envergadura, como entre nós
foram José de Alencar e, de forma muito específica, Manuel Antônio de
Almeida. Vale marcar a importância do ano de 1881 para a literatura brasileira,
consideradas essas reflexões.

Fique sabendo (p. 114)

É interessante ressaltar que, no Brasil do Segundo Reinado, os movimentos


abolicionista e republicano, bem como os esforços modernizadores (a
imigração, a urbanização, o desenvolvimento do comércio exterior, o início da
industrialização), acentuam a contradição entre atraso e modernidade. Como é
possível salientar por meio de uma pesquisa histórica sobre a época, a
soberania política da oligarquia agrária - mantida inclusive após a proibição do
tráfico negreiro e a proclamação da República - constitui um dos fundamentos
dessa contradição.

Aluísio Azevedo (1857-1913) (p. 115)


O esforço desse escritor para tornar-se um profissional da literatura deve ser
mencionado considerando, por um lado, o vanguardismo dessa postura no
Brasil e, por outro, os prejuízos literários causados pela produção em que
privilegiou a quantidade em detrimento da qualidade. Nesse sentido, seria
interessante relacionar o caso de Aluísio Azevedo ao de, por exemplo, Jorge
Amado, mostrando a atualidade dessa discussão. (A questão da indústria
cultural pode ser aventada: suas técnicas de produção em série, de reforço de
clichês desgastados, a fim de provocar um "consumismo" de obras - não
apenas literárias -, prejudicando-as e mesmo destruindo-lhes o valor artístico.)

Leitura (p. 116)

Vagão de terceira classe, de Honoré Daumier

Objetivos

1. Aprofundar o desenvolvimento da capacidade de leitura de imagem, agora


enfocando o Realismo-Naturalismo. 2. Mobilizar os conhecimentos adquiridos
sobre o Realismo, utilizando-os como base para uma leitura mais atenta e
detalhada da imagem. 3. Aprofundar a capacidade de relacionar linguagens
artísticas diversas - no caso, a pictórica e a prosa literária - representativas do
mesmo estilo. 4. Desenvolver habilidades de leitura da prosa naturalista,
ressaltando seus principais elementos constitutivos. 5. Introduzir o estudo do
Realismo-Naturalismo no Brasil.

Em tom de conversa (p. 116)

Na questão 1, seria interessante deixar os alunos interpretarem a pintura, a


partir do trabalho feito na abertura do capítulo, avaliando o grau de percepção
que apresentam tanto no processo de leitura de imagem quanto no
reconhecimento das características do Realismo e do Naturalismo, já
estudadas.

Na questão 2, sugerimos conduzir um debate sobre a pintura, valorizando os


aspectos percebidos pelos alunos. Exemplos: foco em personagens pobres,
cansados e silenciosos; atmosfera pesada, sombria; representação de uma
cena do cotidiano, marcada pela oposição entre personagens miseráveis
(primeiro plano) e personagens de classe média (segundo plano, à esquerda);
reconhecimento, com o auxílio do título da pintura, do lugar onde a cena se
passa: um vagão de trem de terceira classe etc. Seria interessante que a
percepção desses aspectos, além de outros levantados pela classe, levasse ao
reconhecimento de que o tema da pintura é a denúncia das desigualdades
sociais, cara aos autores do Realismo.

Na questão 3, o interesse é ressaltar a qualidade estética da pintura,


perceptível por seus recursos expressivos, como os contrastes de planos,
cores e luzes e as deformações no desenho dos personagens. Tais recursos,
entre outros, mostram que os realistas, embora defendessem uma arte
figurativa, não pretendiam rivalizar com a fotografia, cujas técnicas se
aprimoravam naquela época, mas dar relevo a aspectos pungentes da
realidade, centralizados nas desigualdades sociais. O destaque à atualidade
das questões tematizadas pelo Realismo constitui um elemento fundamental na
conquista do interesse dos alunos pelo estilo estudado.

Releitura (p. 116)

Nesta questão, é importante ressaltar a forte presença da crítica à ideologia


capitalista que marca a pintura, por meio da denúncia das diferenças entre as
classes sociais.

393

Leitura (p. 117)

O cortiço (fragmento), de Aluísio Azevedo

Após o trabalho de depuração da leitura da pintura da p. 116, sugerimos


conversar com os alunos sobre os temas desenvolvidos em O cortiço (favelas,
desigualdade social). Provocar a participação da classe e o interesse pela
leitura integral da obra. É fundamental destacar a atualidade do assunto,
sempre a partir de contribuições dos alunos.

Em seguida, o(a) professor(a) ou um(a) aluno(a) pode ler em voz alta o


fragmento de O cortiço apresentado, antes da realização das atividades da
Releitura (p. 118), que podem ser feitas individualmente ou em grupos. Em
ambos os casos, os alunos devem preparar por escrito as respostas, que serão
apresentadas para a classe.
Observação: As questões desta seção podem ser utilizadas, ao menos
parcialmente, para avaliação formal.

Sugestão de atividade

Sugerimos ler para os alunos o seguinte depoimento de Aluísio Azevedo:

Fiz-me romancista, não por pendor, mas por haver me convencido da


impossibilidade de seguir a minha vocação, que é a pintura. Quando escrevo,
pinto mentalmente. Primeiro desenho meus romances e depois redijo-os.

LEVIN, Orna Messer (Org.). Aluísio Azevedo: ficção completa em dois


volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. p. 16.

Solicitar à turma que explique por quais razões o fragmento lido de O cortiço (p.
117) confirma as palavras do autor. Pedir que exemplifiquem com trechos do
texto.

Nesta sugestão de atividade, recomendamos enfatizar o detalhismo descritivo


do texto, que de fato o aproxima da pintura figurativa, como se percebe pela
abundância de seus elementos sensoriais, predominando a visão. Veja-se, por
exemplo, a seguinte passagem: "[...] um grosso muro de dez palmos de altura,
coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no
centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de
uma tabuleta amarela [...]".

Leitura comparativa (p. 118)

Objetivos

1. Desenvolver as habilidades de sintetizar os conteúdos apreendidos por meio


dos exercícios de leitura. 2. Comparar Realismo (predominante na pintura
Vagão de terceira classe) e Naturalismo (predominante no trecho de O cortiço).
3. Elaborar um texto argumentativo, concatenando os vários elementos
estudados.

Sugestão de procedimento

É fundamental marcar com o máximo de precisão as semelhanças e as


diferenças entre os estilos, de modo que os alunos compreendam por que ora
se confundem numa mesma obra, ora se distanciam.
Semelhanças: Diferentemente do Romantismo, de postura escapista, tanto o
Realismo quanto o Naturalismo são engajados, isto é, acreditam na literatura
como forma de denunciar os problemas sociais, tendo em vista a
transformação da sociedade. Nesse sentido, sua atitude estética pretende ser
militante, política. No caso de ambos os estilos, trata-se de defender posições
antiburguesas, antimonárquicas, anticlericais e antirromânticas, em direção às
propostas socialistas emergentes. O cuidado com a elaboração verbal e a
preocupação com a estrutura formal também aproximam o Realismo do
Naturalismo. As duas escolas entendem o fazer estético como trabalho, como
resultado de "transpiração", opondo-se ao conceito do criador sobretudo
inspirado, "tomado pelas musas", do Romantismo.

Diferenças: A análise psicológica que amplia o espaço interpretativo é


característica das obras realistas. Já as obras naturalistas costumam recorrer à
análise cientificista - de caráter determinista - , que reduz o espaço
interpretativo, comprometendo-se sobretudo com a demonstração de teorias
redutoras ou mesmo anuladoras de nossa humanidade.

Apesar de esse comentário revelar uma visão crítica mais favorável ao


Realismo, em termos de riqueza literária é preciso ressalvar que as limitações
do Naturalismo não impediram o surgimento de grandes obras do estilo, como
O cortiço.

Valorizar a leitura comparativa entre a tela e o fragmento do romance,


ressaltando não apenas as diferenças de linguagem artística (pintura ×
romance), mas principalmente as diferenças nas características de estilo.
Valorizar a produção escrita dos alunos, relacionando-a com os conteúdos
estudados em "Leitura e produção de textos": a produção de resumos,
resenhas e textos argumentativos.

O Comentário (p. 119) sintetiza as conclusões dos processos de leitura


realizados e antecipa o estudo da obra mais representativa e de maior
qualidade estética do Naturalismo brasileiro: O cortiço, de Aluísio Azevedo. Por
essa razão, trata-se de uma seção que merece destaque. O(A) professor(a)
pode, por exemplo, sugerir que ela seja lida em voz alta por um dos alunos e
comentada pela classe.
Leitura (p. 119)

O mulato (fragmentos), de Aluísio Azevedo

394

Leitura (p. 121)

O cortiço (fragmentos), de Aluísio Azevedo

Objetivos

1. Perceber como são descritos os personagens naturalistas. 2. Reconhecer a


presença do Romantismo no romance naturalista de Aluísio Azevedo (O
mulato) e assim relativizar a adesão dos escritores aos estilos de que são
adeptos. 3. Aprofundar o desenvolvimento da capacidade de reconhecer
procedimentos expressivos e efeitos de sentido na prosa literária naturalista
brasileira.

Sugestão de procedimento

As leituras e os exercícios de releitura tanto de O mulato como de O cortiço


podem ser feitos em aula, em casa ou como avaliação formal de conteúdos
estudados, dependendo das intenções e necessidades do(a) professor(a).

Ressaltar a imagem de mulher tipicamente naturalista (texto 1 de O mulato) em


contraposição ao caráter idealizado e romântico da descrição de Raimundo
(texto 2 de O mulato). Quanto aos textos 1 e 2 de O cortiço, destacar a
contraposição entre o ponto de vista de João Romão (que se ridiculariza para
consolidar o sucesso financeiro com um casamento que lhe proporciona um
título honorífico) e o ponto de vista de Bertoleza, a escrava, cuja submissão ao
senhor pode ser relacionada à submissão da fêmea ao macho e à submissão
do negro ao ariano, de acordo com o determinismo que caracteriza o estilo.

E mais... (p. 123)

Discussão

Na questão 1 , sugerimos discutir com os alunos a tendência naturalista de


animalizar a mulher, reduzindo-a à condição de fêmea, destinada à procriação,
e de atribuir às leis da natureza tal concepção. Seria interessante que os
alunos refletissem se ocorreram mudanças quanto a essa questão nos dias de
hoje.

Na questão 2, encaminhar a discussão de modo que os alunos percebam que


tanto a caracterização naturalista quanto a romântica, quando exageradas,
tendem a equivaler-se e a ser pouco verossímeis, pois caem no maniqueísmo,
privilegiando os tipos artificializados em detrimento da humanidade dos
personagens.

Na questão 3, discutir com os alunos a ingenuidade da crença realista-


naturalista no romance como transposição direta da realidade. Por mais que os
escritores desses estilos pretendessem mostrá-la de forma nua e crua, sua
percepção é sempre mediada pela linguagem literária, cuja principal
característica é a plurissignificação, a ambiguidade, o caráter metafórico. Daí a
opinião de Antonio Candido de que O cortiço pode ser interpretado não apenas
como a estalagem de João Romão e seu meio de ascensão social, via
exploração dos mais pobres, no Rio de Janeiro do século XIX. Ele também
constitui uma alegoria, ou seja, uma interpretação simbólica do Brasil, que se
mantém viva em nossos dias.

Navegar é preciso (p. 123)

Aqui, interessa contrapor para os alunos a estética naturalista (que, contagiada


pelo cientificismo determinista do séculoXIX, reduz o ser humano às condições
ambientais e personagens-tipo) e o lirismo desse curta. Misto de documentário
e drama, é considerado um "poema visual" por conciliar veracidade e lirismo,
personagens coletivos e individuais e abordagem social capaz de captar sua
subjetividade. Enfatizar, ainda, a beleza da combinação entre imagens e
música, e sobretudo a atualidade do tema emblemático do cortiço, metonímia
das desigualdades sociais ainda vigentes do Brasil.

Outros autores e obras naturalistas (p. 123)

Este tópico compõe-se apenas de informações factuais, já que a análise mais


cuidadosa desses autores e obras não tem feito parte, principalmente por falta
de tempo e de espaço, do estudo de Literatura no Ensino Médio. Costumam-se
privilegiar, como sabemos, os escritores e os textos mais representativos dos
estilos estudados. Entretanto, sempre vale, a título de ilustração, mencionar as
obras e os autores que integram nossa história literária.

Raul Pompeia (1863-1895) - O Ateneu (p. 123)

A leitura integral de O Ateneu seria de grande proveito para os alunos. Nessa


obra estranha e atormentada, misto de memórias e romance, de Realismo
psicológico, Naturalismo e Impressionismo/Expressionismo/Simbolismo, temos
um raro exemplo de prosa com fortes elementos poéticos e, ao mesmo tempo,
de denúncia de todo um sistema educativo perverso e hipócrita. Temos, ainda,
um exercício artístico que concilia introspecção profunda, indagação existencial
do indivíduo a respeito de sua identidade, com caricaturas chocantes, bizarras,
grotescas, como a de Aristarco, personagem ao mesmo tempo histórico e
ficcional. O caráter de "romance de formação" de O Ateneu, sua riqueza
artística e densidade humana destacam-no no período estudado e em nossas
letras. Daí a necessidade de que os alunos enriqueçam seu repertório de
leitura com essa obra.

Leitura (p. 124)

O Ateneu (fragmentos), de Raul Pompeia

395

Objetivos

1. Introduzir o livro para os alunos. 2. Provocar o interesse dos alunos pela


leitura integral da obra. 3. Focalizar os requintados recursos estilísticos
presentes em ambos os fragmentos, mostrando a diversidade de elementos de
que se compõem e sua riqueza estética.

Sugestão de procedimento

Novamente, estamos diante de uma atividade que pode ser realizada em aula,
em casa ou como avaliação formal de conteúdos estudados, dependendo das
intenções e necessidades do(a) professor(a).

Resenhas - Orientações para leitura de obras

O cortiço, de Aluísio Azevedo

Focos para interpretação e discussão


Temas: A ascensão social do self-made man, o surgimento dos cortiços na
sociedade carioca da segunda metade do século XIX, a mestiçagem etc.

Procedimentos formais: Descritivismo, caricaturas, construção de tipos sociais,


animalização dos personagens etc.

Enredo: O cortiço é habitado por pessoas exploradas em três níveis por João
Romão, o proprietário: elas são seus inquilinos, trabalham em sua pedreira e
fazem compras em sua taverna.

À medida que vai enriquecendo, João Romão prepara-se para se casar com
Zulmira, filha de Miranda (o burguês dono do sobrado no qual sua ambição se
espelha), a fim de consolidar a própria ascensão social. No entanto, vive
amasiado com Bertoleza, uma escrava supostamente alforriada.

Jerônimo, um português sério e conservador, e sua mulher, Piedade, aparecem


no cortiço. Ele apaixona-se por Rita Baiana, a típica mulata bela e sensual, que
namora Firmo, um capoeirista, morador do Cabeça de Gato, outro cortiço,
próximo ao de João Romão. No enfrentamento entre os rivais, Jerônimo é
ferido com uma navalha; depois, numa emboscada, assassina Firmo.

Esse episódio desemboca num confronto entre os cortiços, do qual resulta um


incêndio que trará melhorias e prosperidade somente a João Romão.

Para livrar-se da amante negra, ele a delata aos antigos senhores. Quando
estes aparecem para capturá-la, Bertoleza suicida-se com uma faca de
cozinha.

O Ateneu, de Raul Pompeia

Focos para interpretação e discussão

Tema: O "romance de formação", de caráter memorialista, que mostra a


inadaptação do indivíduo ao meio social.

Procedimentos formais: Convivência complexa de múltiplos estilos:


Impressionismo, Expressionismo, Realismo psicológico, Naturalismo,
Simbolismo etc.

Enredo: Embora denominado "Crônica de saudades" pelo autor, O Ateneu


ultrapassa essa dimensão autobiográfica por sua qualidade literária. Classifica-
se como um "romance de formação", isto é, um romance que narra a
passagem da mente infantil para a adulta, e tem como mola propulsora, como
fio de meada, a memória de Sérgio, o narrador-personagem.

Já adulto, ele relata os episódios emocionalmente mais marcantes, mais


traumatizantes, ocorridos ao longo dos dois anos em que foi aluno do Ateneu.

Tendo por tema central o drama da solidão, o desajuste do indivíduo num


ambiente que lhe é hostil, O Ateneu compõe-se de 12 capítulos que se
assemelham a uma sucessão de quadros, não subordinados necessariamente
entre si. Mais do que relatar episódios, acontecimentos ou ações, tais quadros
relatam as impressões, as sensações que deixaram na alma de Sérgio, seja
em suas tentativas malsucedidas de encontrar amigos, seja no amor platônico
que dedica a Ema, a esposa de Aristarco, diretor do colégio.

Essas duas faces da obra - a de desvendamento do interior do narrador-


personagem e a de denúncia de todo um sistema educativo - são exemplos de
como reúne tendências literárias opostas, pode-se dizer conflitantes: de um
lado a tendência impressionista (e podemos acrescentar expressionista e
simbolista, na medida em que convivem) e, de outro, uma tese a ser defendida,
bem à moda naturalista.

As escolas realistas e o Parnasianismo (p. 126)

Essa retomada das Escolas Realistas, num momento em que se ampliou o


repertório dos alunos sobre os estilos estudados, objetiva propiciar uma visão
comparativa entre as escolas realistas da segunda metade do século XIX,
acentuando semelhanças e diferenças entre o Realismo/Naturalismo e o
Parnasianismo. Sugerimos que o(a) professor(a) enfatize dois aspectos:

· a relativização da concepção simplista do Parnasianismo como o "Realismo


na poesia", presente em muitos manuais (em Portugal se desenvolveu uma
poesia realista, totalmente distinta da parnasiana);

· a relativização da opinião apressada de nossos primeiros modernistas, que


viam o Parnasianismo como mero exercício de versificação tecnicista e
"passadista". A despeito dos exageros na procura da "arte pela arte", é
importante reconhecer a contribuição parnasiana para a concepção moderna
de arte, de acordo com a qual a criação envolve sempre produção, trabalho
constante

396

e pesquisa de linguagem. Mário de Andrade, o líder intelectual incontestável do


Modernismo, mostrou consciência da importância da poesia parnasiana,
inclusive no contexto da formação do Modernismo, numa série de artigos,
publicados em 1921, e denominados "Os mestres do passado".

Leitura (p. 126)

"Nel mezzo del camin...", de Olavo Bilac

Leitura comparativa (p. 128)

"Amore co amore si paga", de Juó Bananére

Objetivos

1. Introduzir os alunos no Parnasianismo brasileiro. 2. Analisar os recursos


expressivos do poema, destacando a intertextualidade e a conjunção entre
características românticas e características parnasianas. 3. Apresentar um dos
grandes nomes de nossa poesia parnasiana: Olavo Bilac. 4. Desenvolver a
leitura comparativa entre textos poéticos, cuja relação é paródica.

Sugestão de procedimento

Ao longo da leitura e releitura do poema "Nel mezzo del camin...", primeiro


silenciosa pelos alunos, depois em voz alta pelo(a) professor(a) ou algum(a)
aluno(a) devidamente preparado, sugerimos que o(a) professor(a) reforce a
mestria com que Olavo Bilac tematiza a relação amorosa - do momento
sonhador do encontro ao momento desalentado da separação - dentro do
contexto racionalista e refinado, do ponto de vista formal, do Parnasianismo.

O trabalho com esse texto - cujas respostas às questões propostas podem ser
discutidas pela classe, sob a orientação do(a) professor(a), e em seguida
redigidas pelos alunos (que poderiam formular outras perguntas, a partir de
dúvidas e inquietações pessoais) - ajuda a perceber a importância da
intertextualidade no desenvolvimento da literatura. A citação que Bilac faz de A
divina comédia, obra-prima da literatura italiana, de Dante Alighieri, e a citação
paródica que Juó Bananére faz do poema de Bilac constituem bons exemplos
desse diálogo de textos, cuja compreensão é fundamental num estudo histórico
dos estilos literários e numa abordagem preocupada em focalizar e enriquecer
o processo de leitura das obras.

Navegar é preciso (p. 129)

Ressaltar o caráter paródico do poema, aproveitando a ocasião para conversar


com os alunos sobre o clássico italiano A divina comédia, de Dante Alighieri.

Leitura de imagem (p. 130)

· Pigmalião e Galateia, de Jean-Léon Gérôme

· Arte e Literatura, de William-Adolphe Bouguereau

A observação desses quadros pode deixar mais claro para os alunos o


conceito de arte pela arte. O esteticismo manifesta-se tanto na preocupação do
artista com a perfeição técnica (mesma preocupação dos poetas parnasianos)
quanto na escolha de seus temas e motivos. Os alunos já estão familiarizados
com os motivos alegóricos retirados das artes clássicas (pode-se, neste
momento, rever as características do Neoclassicismo).

E mais... (p. 132)

Discussão e pesquisa

Sugerimos que a discussão das questões apresentadas seja orientada de


forma que os alunos possam perceber a atualidade do debate sobre as funções
da arte na sociedade (esteticismo versus engajamento) e sobre o fato de que a
preocupação com a depuração formal de uma obra não exclui,
necessariamente, seu possível caráter engajado. O importante é ressaltar os
riscos de posições extremadas: enquanto a arte voltada para si própria perde o
contato com a vida, tornando-se estéril, a arte excessivamente engajada pode
cair na panfletagem e, assim, perder em qualidade estética.

Ressaltar a beleza do fragmento do poema "Procura da poesia", de Carlos


Drummond de Andrade, no qual se percebe o legado do Parnasianismo para o
Modernismo.

Sugestão de atividade extraclasse


Como proposto na seção Navegar é preciso (p. 129), reforçamos a sugestão de
que os alunos pesquisem na internet sobre a produção de Juó Bananére, autor
de "Amore co amore si paga" e outros poemas em que faz paródia do
Parnasianismo e de estilos literários já estudados. Em seguida, seria
interessante pedir aos alunos que procurem os poemas parodiados e discutam
com seus colegas as semelhanças e diferenças entre os textos originais e suas
leituras paródicas, apresentando à classe os resultados do trabalho.

397

Sugerimos também que os alunos pesquisem outras obras representativas da


estética parnasiana. Além disso, seria interessante encontrar manifestações
artísticas de seu cotidiano que consideram esteticistas ou o contrário,
engajadas. Essa tensão entre ambos os polos da obra de arte - esteticismo e
engajamento - deve ser trabalhada com relativa constância com os alunos, já
que se trata de extremos que precisam ser repensados, relativizados, em
função de leituras de obras concretas.

Sugestões de bibliografia especializada

BARTHES, Roland. O efeito de real. In: _____. O rumor da língua. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.

BOSI, Alfredo. A intuição da passagem em um soneto de Raimundo Correia. In:


_____(Org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 2001.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 47ª ed. São Paulo:
Cultrix, 2006.

BRAYNER, Sonia. A reflexão do ser em sua linguagem interior. In: _____.


Labirinto do espaço romanesco: tradição e renovação da literatura brasileira,
1880-1920. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979. [Texto
sobre Raul Pompeia].

BROCA, Brito. Naturalistas, parnasianos e decadentistas: vida literária do


Realismo ao Pré-Modernismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira:


do Romantismo ao Simbolismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Difusão Editorial,
1979.
CANDIDO, Antonio. De cortiço a cortiço. In: _____. O discurso e a cidade. 5ª
ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2015.

CANDIDO, Antonio. No coração do silêncio. In: _____. Na sala de aula:


caderno de análise literária. São Paulo: Ática, 2007.

NEJAR, Carlos. História da literatura brasileira: da carta de Pero Vaz de


Caminha à contemporaneidade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007.

PAES, José Paulo. Para uma pedagogia da metáfora. In: _____. Os perigos da
poesia e outros ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.

PEREIRA, Lúcia Miguel. História da literatura brasileira: prosa de ficção, de


1870 a 1920. Rio de Janeiro: José Olympio/INL, 1973. [Sugerimos esta obra
para subsidiar a análise de romances do Realismo-Naturalismo - como O
cortiço e O Ateneu].

PERRONE-MOISÉS, Leyla. O Ateneu: retórica e paixão. São Paulo:


Brasiliense/Edusp, 1988.

REUTER, Yves. Introdução à análise do romance. São Paulo: Martins Fontes,


1995.

ZOLA, Émile. Do romance: Stendhal, Flaubert e os Goncourt. São Paulo:


Edusp: Imaginário, 1995.

Capítulo 7 - O Realismo psicológico de Machado de Assis

A opção de dedicar um capítulo a Machado de Assis justifica-se por se tratar de


um autor único em nossa literatura, autor que "vale por ela toda" e a resgata de
seu provincianismo, conforme a opinião de Antonio Candido, dentre outros
críticos.

Primeira leitura (p. 136)

Dom Casmurro (fragmentos), de Machado de Assis

Objetivos

1. Introduzir os alunos no universo machadiano. 2. Aprofundar a capacidade de


reconhecimento de recursos expressivos da prosa literária. 3. Favorecer a
percepção das peculiaridades do autor a ser estudado e despertar o interesse
dos alunos por ele.
Sugestão de procedimento

Primeiro, pedir aos alunos que leiam silenciosamente o texto, anotando


observações que gostariam de fazer e dificuldades apresentadas na leitura.
Num segundo momento, propor uma roda de leitura em voz alta e expressiva
(um parágrafo por aluno(a)), devidamente ensaiada e orientada pelo(a)
professor(a). Ou uma leitura dramatizada, e o(a) aluno(a) que fará o narrador-
personagem será eleito pela classe.

Sugerimos que o(a) professor(a) divida os alunos em quatro grupos para o


trabalho com os fragmentos do romance Dom Casmurro. O grupo 1 ficaria com
as questões 1 e 2; o grupo 2 com as questões 3 e 4; o grupo 3 com as
questões 5 e 6; o grupo 4 com as questões 7, 8 e 9.

Nessa atividade de leitura, escolhemos dois fragmentos de Dom Casmurro que


nos parecem oportunos no sentido de "seduzir" os alunos para a leitura do
romance: os protagonistas são jovens, o tema é amoroso, há um certo
suspense e os textos são literariamente riquíssimos.

Vejamos alguns elementos a serem destacados:

398

a) A alternância entre ação e digressões: reparar que as digressões retardam a


continuidade da ação, provocando suspense e dando um enfoque de realismo
psicológico/psicanalítico à cena romântica do primeiro beijo entre Capitu e
Bentinho, os adolescentes apaixonados. Enquanto o menino se deixa
embriagar pelos olhos da amada, o narrador-adulto desconfia deles,
acentuando-lhes a malícia e o poder de atração, reiterados pelo
comportamento astuto da menina.

b) A qualidade literária com que Machado de Assis criou essa bela cena,
relativizando os clichês românticos e, ao mesmo tempo, mantendo o suspense,
o clima de sedução, o encantamento proporcionado pela descoberta e pela
concretização do sentimento amoroso etc.

c) A crítica irônica à estética romântica: enfatizar o fato de o narrador, por meio


da constante recorrência à metalinguagem, criar e simultaneamente ironizar a
cena romântica, e também o contraponto entre a ingenuidade de Bentinho,
relativizada pelas interferências analíticas do narrador-adulto, e a sagacidade
de Capitu.

O Realismo machadiano (p. 140)

Neste tópico, estão sintetizadas as principais características literárias de


Machado de Assis e também sua posição única, singular, na literatura
brasileira. Por essa razão, seria interessante que o(a) professor(a) deixasse
claro para os alunos a necessidade de reconhecer essas características por
meio da leitura dos textos do autor. Em outras palavras, não adianta decorá-
las; elas só fazem sentido se forem percebidas via processo de leitura.

Navegar é preciso (p. 141)

Os objetivos deste trabalho são estimular uma visão panorâmica da obra


machadiana e despertar nos alunos o olhar crítico, a capacidade de escolha,
tendo em vista a qualidade muito diversa do material a que terão acesso.

Sugestões de bibliografia especializada

BOSI, Alfredo. Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.

GUIDIN, Márcia Lígia; GRANJA, Lúcia; RICIERI, Francine Weiss (Org.).


Machado de Assis: ensaios da crítica contemporânea. São Paulo: Editora
Unesp, 2008.

SCARPELLI, Marli Fantini. Narrar para não morrer: Memórias póstumas de


Brás Cubas. In: MOTA, Lourenço Dantas; ABDALA JUNIOR, Benjamin.
Personae: grandes personagens da literatura brasileira. São Paulo: Senac,
2001.

SCHPREJER, Alberto (Org.). Quem é Capitu? Rio de Janeiro: Nova Fronteira,


2008.

TEIXEIRA, Ivan. Apresentação de Machado de Assis. São Paulo: Martins


Fontes, 1988.

Estudo dos principais romances machadianos (p. 141)

Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro são


considerados os principais romances da maturidade literária de Machado de
Assis. Portanto, a leitura extraclasse desses textos é essencial. Pode-se, por
exemplo, dividir a turma em três grupos, cada qual responsável pelo estudo de
um dos livros, cuja realização deve ser feita por meio da análise dos principais
elementos da narrativa (narrador, personagens, enredo, tempo, espaço e
linguagem). Assim, os comentários presentes neste livro servirão apenas como
orientação inicial para a compreensão mais profunda e detalhada das obras.

É importante destacar um aspecto fundamental do Realismo machadiano, que


será explorado no estudo de seus principais romances - o caráter
absolutamente inovador do realismo psicológico que praticava, em relação ao
panorama ficcional da época, no Brasil, sob influência dos naturalistas, e
mesmo em relação ao contexto europeu, no qual predominava o realismo
"fotográfico".

É interessante o(a) professor(a) preparar os alunos para a realização deste


trabalho, mostrando como ele se desenvolve e pedindo a eles que leiam com
antecedência o roteiro a seguir, a fim de irem para a aula já "iniciados" no
assunto:

1. Observações gerais sobre o romance.

2. Síntese de elementos do enredo.

3. Citação da opinião de um especialista sobre o romance.

4. Atividades de leitura e releitura.

Destacar que todas as informações convergem para a "decifração" árdua, mas


prazerosa, dos textos.

Memórias póstumas de Brás Cubas (1881)

No estudo desta obra é preciso:

a) Ressaltar o caráter fantástico de sua estrutura compositiva (a escolha de um


"defunto-autor" como narrador-personagem), que ironicamente questiona a
famosa isenção do narrador realista, por meio de Brás Cubas, um narrador
mentiroso, com "mania de grandeza", arrogante e interesseiro.

399
b) Destacar seu caráter de universalidade, que "sela nossa independência
literária", ao negar tanto o romantismo idealizador quanto o nacionalismo
pitoresco, inaugurando outra concepção de literatura brasileira.

c) Mencionar o Humanitismo como paródia das doutrinas positivistas e


deterministas importadas pelo país, podendo-se desenvolver e exemplificar
melhor esse aspecto no estudo sobre Quincas Borba.

Leitura (p. 142)

"Virgília?" (capítulo XXVII de Memórias póstumas de Brás Cubas)

Objetivos

1. Introduzir o romance para os alunos. 2. Explorar a qualidade literária nele


presente. 3. Despertar o interesse pela leitura integral do romance. 4. Sofisticar
o nível de reconhecimento de recursos expressivos machadianos, como a
metalinguagem irônica e a desconstrução das expectativas da "leitora
romântica".

Sugestão de procedimento

Sugerimos que esta leitura seja feita em silêncio pelos alunos e posteriormente,
de forma expressiva, pelo(a) professor(a). As questões propostas nas
atividades de releitura podem ser utilizadas como um roteiro de compreensão
de importantes aspectos do romance. Ao respondê-las (oralmente em
discussão aberta com a classe, para que em seguida os alunos redijam as
respostas e proponham novas questões), seria interessante o(a) professor(a)
acentuar a situação fantástica explorada no romance: o ponto de vista de um
defunto-autor, além de outros procedimentos tipicamente machadianos, como o
uso da metalinguagem irônica para criticar o Romantismo, a conversa com o
leitor, tornando indistintas as fronteiras entre ficção e realidade, passado e
presente etc.

Quincas Borba (1891)

Com relação a esta obra, sugerimos que o(a) professor(a) enfatize a questão
do Humanitismo, já referida a propósito do romance anteriormente estudado e
desenvolvida nas atividades de leitura e releitura do fragmento de Quincas
Borba, presente no capítulo.
Leitura (p. 145)

Capítulo V (fragmento de Quincas Borba)

Objetivos

1. Introduzir o romance para os alunos. 2. Explorar a qualidade literária nele


presente. 3. Despertar o interesse pela leitura integral do romance. 4.
Favorecer o reconhecimento da ironia machadiana quanto ao cientificismo
determinista de sua época.

Sugestão de procedimento

Sugerimos que a leitura seja feita em silêncio pelos alunos e posteriormente,


de forma expressiva, pelo(a) professor(a). Ao responder às questões propostas
nas atividades de releitura (oralmente, em discussão aberta com a classe, para
que em seguida os alunos redijam as respostas e proponham novas questões),
seria interessante o(a) professor(a) acentuar a crítica ao determinismo
explorada no fragmento, onde aparecem exatamente os pressupostos teóricos
e "filosóficos" do Humanitismo. Também seria interessante frisar a semelhança
entre os personagens Rubião e Brás Cubas.

Alguns pontos levantados por Ivan Teixeira, estudioso da obra de Machado de


Assis, podem ser discutidos com os alunos:

· O tema central de Quincas Borba é a coisificação do homem pelo homem;

· Machado de Assis utiliza essa ideia para parodiar o darwinismo;

· A abordagem da loucura no romance aponta para a universalidade e a


intemporalidade do realismo psicológico machadiano.

Dom Casmurro (1899)

A leitura integral desta obra permitirá explorar mais profundamente algumas


das características essenciais do estilo machadiano: a metalinguagem, o
narrador não confiável, a ironia (fazer parecer importante o que não é, e vice-
versa), as digressões, as citações etc.

Ao estudar as características da obra machadiana, cabe ao(à) professor(a)


destacar ainda outra vez a dimensão psicológica universal e intemporal do
escritor, que investiga a alma humana por uma abordagem que transcende o
psicológico, anunciando os domínios da psicanálise, como se percebe por um
narrador-personagem complexo como Dom Casmurro.

Em tom de conversa (p. 146)

Seria muito interessante que o(a) professor(a) instigasse os alunos a discutir a


opinião de Fernanda Montenegro sobre Capitu como símbolo de nossa nação.
Após a discussão oral, o(a) professor(a) pode pedir aos alunos que redijam um
texto opinativo, expondo seu ponto de vista a respeito do assunto e
justificando-o com argumentos adequados e convincentes.

400

Para realizar essa discussão, estimular os alunos a conversar com os(as)


professores(as) de História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Arte sobre essa
hipótese de interpretação do país.

Os contos de Machado de Assis (p. 147)

O fragmento citado de Lúcia Miguel Pereira fornece uma visão geral não
apenas sobre os contos de Machado de Assis, mas também sobre o conjunto
de sua obra, razão pela qual o escolhemos para sintetizar o conteúdo teórico
do capítulo dedicado ao escritor. O(A) professor(a) pode aproveitar esse texto
de caráter sintético pedindo aos alunos que façam uma enumeração das
afirmações sobre Machado de Assis, exemplificando-as por meio de trechos
e/ou de comentários sobre as obras que leram. Assim, aprofundarão a prática
de realizar a leitura de textos literários, subsidiada por fragmentos teóricos ou
formulações críticas e teóricas.

E mais... (p. 147)

Apresentação

Este trabalho minucioso com o conto "Uns braços" pode ser utilizado pelo(a)
professor(a) tanto como exercício extraclasse quanto como atividade de
avaliação da apreensão dos conteúdos estudados ao longo do capítulo.

Os recursos estilísticos (p. 148)

A retomada dos recursos estilísticos que o autor mais utiliza, por meio de
exemplificações nos fragmentos apresentados, deve servir como elemento de
reforço e subsídio às atividades que se seguem. O(A) professor(a) pode
enriquecer esse trabalho solicitando aos alunos que encontrem outros
exemplos dos recursos mencionados e que descubram novos recursos nos
textos concretos que leram e analisaram. Não discutimos a fase romântica do
escritor nem sua produção poética, de caráter parnasiano, devido ao extenso
conteúdo da fase realista, sem dúvida a mais importante, a mais representativa
da maturidade literária de Machado de Assis.

Observação: Como as orientações para a leitura dos três principais romances


realistas de Machado de Assis estão no livro do aluno, tanto quanto os focos
para interpretá-los e discuti-los, incluindo elementos do enredo, julgamos que é
desnecessário recolocá-los no livro do professor.

E mais... (p. 149)

Documentário

Seria interessante dividir a classe em grupos que se responsabilizem por


pesquisar e apresentar fases da vida de Machado, nelas ressaltando, mais que
elementos biográficos, a variada produção do escritor, em todos os gêneros:
teatro, poesia, prosa (contos e romances da fase romântica e os da fase
realista).

Outro aspecto importante da pesquisa deve ser o contexto histórico e social do


lugar (o Rio de Janeiro) e da época (o Segundo Reinado) em que viveu o
escritor. Essa abordagem confere ao trabalho um caráter interdisciplinar, na
medida em que implica mobilizar conhecimentos históricos, geográficos,
políticos, culturais e artísticos de nosso país.

Sugestão de atividade extraclasse

Sugerimos que os alunos assistam ao filme Dom (2003), dirigido por Moacyr
Goes e baseado na obra Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Esta atividade pode ser uma forma interessante de levar os alunos a discutirem
aspectos de modernidade da obra machadiana, por meio da comparação entre
a linguagem literária do autor, de aparência "antiga", "acadêmica", e a
linguagem cinematográfica, em princípio mais moderna. É interessante que
o(a) professor(a) ajude os alunos a perceberem que o filme não dá conta das
ambiguidades e sutilezas do livro, o que reforça a compreensão de Machado
como um autor do século XIX que antecipa certas discussões sobre o
comportamento humano que só apareceriam na literatura do século XX. Os
problemas do ponto de vista a partir do qual algo é relatado (no caso, o ponto
de vista do ciumento) e da ambiguidade entre o fato real e o fato imaginado,
enfocados em Dom Casmurro, exemplificam bem o caráter vanguardista da
obra do escritor.

401

Gramática

ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS

Objetivos, sugestões de procedimentos e de atividades

As orientações apresentadas nesta seção referem-se a cada um dos capítulos


que compõem a parte de Gramática e estão subdivididas nos seguintes itens:

· Objetivos (do capítulo)

· Sugestão de procedimento

· Seção E mais... (subsídios e orientações)

· Complementação teórica

· Sugestões de bibliografia especializada

· Exercícios complementares

O conteúdo de cada um desses itens é, resumidamente, o seguinte:

Objetivos

Neste item é apresentado o tópico teórico desenvolvido no capítulo, sua


sequência expositiva e o(s) objetivo(s) do estudo do assunto.

Sugestão de procedimento

Aqui, são propostos - sempre a título de sugestão - alguns procedimentos


gerais que o(a) professor(a), caso julgue adequados/pertinentes, poderá adotar
ao desenvolver o assunto.

E mais...
Nos capítulos 1, 2, e 4 são propostas, no livro do aluno, atividades de pesquisa
e/ou experimentação que, eventualmente, necessitam de subsídios ou
orientações complementares às já indicadas. Esses subsídios e orientações
são, nesses casos, apresentados ao(à) professor(a) aqui neste item.

Complementação teórica

Este item oferece, quando oportuno, algumas informações, complementos da


teoria, conceitos mais aprofundados etc., que o(a) professor(a) poderá,
dependendo das características da turma, acrescentar à discussão teórica em
sala, ou, se for o caso, aproveitar para a ampliação dos seus próprios
conhecimentos a respeito do assunto desenvolvido no capítulo.

Sugestões de bibliografia especializada

São indicadas, neste item, obras teóricas - ou partes delas - que tratam
especificamente do assunto desenvolvido no capítulo. Algumas constituem
material teórico de maior densidade e/ou nível de aprofundamento; outras,
principalmente algumas a que o(a) professor(a) pode ter acesso pela internet,
são mais breves e/ou tratam o assunto de forma mais didática/resumida. O(A)
professor(a) tem, assim, a possibilidade de selecionar aquela(s) que possa(m)
atender às suas expectativas de aprofundamento do assunto tratado no
capítulo.

Exercícios complementares

Esta seção é constituída por pequenos conjuntos de exercícios que o(a)


professor(a) poderá utilizar para eventuais revisões, verificação de
aprendizagem, atividade extraclasse ou exemplificação de abordagem do
assunto tratado no capítulo.

Capítulo 1 - Classes gramaticais ▶ Pronome

Objetivos

· Primeira parte do capítulo: 1. Apresentar o conceito geral de pronome e de


duas de suas subclasses: pronome pessoal e pronome possessivo. 2.
Estabelecer as distinções básicas dos usos dos pronomes pessoais na
variedade culta formal e na variedade popular. 3. Enfatizar o papel dos
pronomes pessoais no estabelecimento das relações de coesão por referência
(anafórica, catafórica e dêitica). 4. Analisar casos de ambiguidade gerada pelo
emprego de pronomes pessoais e possessivos.

· Segunda parte do capítulo: 1. Conceituar e sistematizar o emprego das


demais subclasses de pronomes: demonstrativos, relativos, indefinidos e
interrogativos. 2. Evidenciar a importância dos demonstrativos e dos relativos
no processo de coesão e progressividade textual.

402

Sugestão de procedimento

Nos três primeiros capítulos deste volume, daremos continuidade ao trabalho


com as classes gramaticais ainda não abordadas no volume 1 - pronome,
verbo e palavras invariáveis (advérbio, preposição, conjunção e interjeição).
Concluiremos, assim, o estudo da morfologia.

Os pronomes - assunto do capítulo 1 - merecem destaque no estudo das


classes morfológicas, notadamente pelo papel fundamental que esse tipo de
palavra desempenha no estabelecimento das relações de sentido e de coesão
textual. A respeito de coesão, ver, adiante, na Complementação teórica, o item
"Coesão e coerência".

Na primeira parte do capítulo, em que são trabalhados os pronomes pessoais e


os possessivos, sugere-se que o(a) professor(a) dê ênfase ao conceito de
pronome e ao papel dos pronomes pessoais nos processos de interlocução. O
quadro geral dos pronomes pessoais (p. 157) deve ser tratado como material
de consulta; no entanto, as diferenças que se verificam no emprego desses
pronomes, quando se comparam as variedades culta e coloquial, devem ser
bem discutidas. Enfatizar sempre que essas diferenças caracterizam usos
distintos, adequados a distintas variedades e a distintas situações de
comunicação.

Ainda quanto ao emprego dos pronomes pessoais, é importante que o(a)


professor(a) enfatize a possibilidade de ambiguidade gerada por esses
pronomes. O conteúdo da seção Ponto de partida (p. 180) pode servir de apoio
para essa análise.
Ao tratar dos pronomes possessivos, é importante ressaltar a possibilidade de
ambiguidade que tais pronomes podem gerar em determinadas situações de
comunicação. Para isso, sugere-se propor a comparação destas frases: 1. A
garotinha olhava assustada para o pai, sem saber qual seria o seu destino. 2. A
garotinha, sem saber qual seria o seu destino, olhava assustada para o pai. Os
alunos deverão concluir que o "seu" é ambíguo em 1 (pois pode retomar tanto
"garotinha" [destino da garotinha/ dela] como "pai" [destino do pai/dele]), mas
não é ambíguo em 2, na qual só pode retomar "garotinha", uma vez que "pai"
ocorre na porção seguinte da frase. Convém também comentar que, num
contexto mais amplo, possivelmente a ambiguidade seria desfeita. Assim, por
exemplo: A garotinha olhava para o pai, sem saber qual seria o seu destino.
Não sabia se ficaria morando com ele ou iria embora para a casa dos avós.

Na segunda parte do capítulo, pela maior importância dos demonstrativos e


dos relativos no estabelecimento dos vínculos de coesão e progressão textuais,
convém que a eles seja dada maior ênfase.

Em relação aos demonstrativos, sugere-se que o(a) professor(a), ao discutir a


distribuição de usos das formas este (e variações) e esse (e variações) como
catafórica e anafórica, respectivamente, comente com os alunos que convém
que eles fiquem atentos a essa diferença muito mais por conta da possibilidade
de ela vir a ser explorada em questões de processos seletivos do que pela sua
efetiva utilização nos textos, uma vez que, mesmo na variedade culta formal do
idioma, a alternância/inversão no emprego dessas formas pronominais é
bastante recorrente.

Quanto aos relativos, sugere-se que o(a) professor(a) discuta detidamente os


diferentes empregos dessas formas pronominais, dando especial ênfase ao
item "A presença/ausência de preposição antes dos relativos" (p. 174), que
será tema da atividade da seção E mais... (p. 183). É também indispensável
que o(a) professor(a) realce a importância dos relativos como operadores de
coesão textual e, dentro desse aspecto, a possibilidade de essas formas
pronominais, quando usadas sem o necessário cuidado, gerarem problemas de
sentido. O exercício 8 da seção Agora é sua vez (p. 183) é propício para essa
análise.
A seção Ponto de partida apresenta um pequeno texto que convém ser
discutido detidamente, uma vez que possibilita explorar vários aspectos
relevantes: os conceitos de pronome, coesão textual, ambiguidade, intenção
discursiva e tolerância pragmática (a respeito desse conceito, consultar
adiante, na seção Complementação teórica, o item 4 "Pragmática").

E mais... (p. 183)

"Ninguém conhecia ele" × "Ninguém o conhecia"

1. Sugestões/orientações para a coleta dos dados (gravação das falas)

Relativamente ao desenvolvimento da atividade:

a) A quantidade de gravações que cada grupo deverá fazer fica a critério do(a)
professor(a) (sugerimos que sejam 9, no mínimo), mas importa que os
informantes sejam, em igual número, dos três diferentes níveis de
escolaridade. Assim: 3 informantes com nível fundamental (completo ou
incompleto, indiferentemente), 3 com nível médio (idem), 3 com nível superior
(idem).

b) O número de casos/ocorrências a ser considerado também fica a critério


do(a) professor(a), mas deve ser o mesmo em todas as falas (sugestão: 5
casos na fala de cada um dos informantes). Assim, na situação sugerida, tem-
se: 9 informantes (3 de cada nível de escolaridade) × 5 ocorrências (na fala de
cada um deles) = 45 ocorrências (no total).

c) É essencial que sejam selecionados:

· informantes bem distintos entre si (quanto a características socioculturais,


faixa etária, profissão etc.);

· contextos bem variados;

· situações de comunicação oral realizada por meio de textos de diferentes


gêneros (piada, entrevista, discurso político/religioso, canção, aula, debate,
notícia, anúncio publicitário, transmissão esportiva, oração, depoimento,
diálogo, discussão, bate-papo, relato de ocorrência pessoal etc.).

403
Enfatizar que, quanto mais variados forem esses três aspectos - e, obviamente,
a quantidade de informantes - , mais representativo será o resultado da
pesquisa.

d) Convém que o(a) professor(a) esclareça, com ênfase, o objetivo da


pesquisa: deverão ser colhidos somente casos em que as formas
o(s)/a(s)/lo(s)/la(s) e as formas ele(s)/ela(s) - estas sem preposição - ocorram
na função de complemento verbal. Assim, casos em que as formas ele(s)/ela(s)
funcionem como sujeito (ex.: Eles ficaram na festa) ou ocorram precedidas de
preposição (exs.: Fiz a pergunta para ele; Já estava acostumado com elas) não
deverão, evidentemente, ser considerados.

Convém também que o(a) professor(a), com os dados do item 4 (a seguir),


esclareça antecipadamente aos alunos que, na grande maioria das vezes, os
falantes omitem o objeto direto (ex.: Gostei da blusa, mas não comprei Ø); em
outros casos, eles o repetem (ex.: Gostei da blusa, mas não comprei a blusa).
Casos como esses não deverão ser levados em conta na pesquisa, pois isso
tornaria a tabulação dos dados demasiado complexa. É importante, no entanto,
que o(a) professor(a) não explicite os percentuais do item 4, a fim de evitar que
os alunos se confundam ao realizar o levantamento/tabulação dos dados.

e) As gravações deverão ser feitas, preferencialmente, "ao vivo"; se isso não


for viável, parte delas (a menor possível) poderá ser recolhida de programas de
rádio/TV, evitando-se, nesse caso, gravar falas de personagens de filmes e
novelas, uma vez que tais diálogos não são naturais, e sim simulações,
interlocuções artificializadas.

Quanto às falas gravadas "ao vivo", elas deverão ser recolhidas,


preferencialmente, em gravações "secretas" (sem o conhecimento do falante).
Isso porque o informante, quando sabe que está sendo gravado, pode tentar
alterar seu registro, controlando a fala, com o objetivo de aproximá-la da
variedade culta. A gravação "secreta", diferentemente, registrará a fala natural
e espontânea do informante.

Se a gravação precisar ser feita com o conhecimento do falante, ele não deve
ser informado sobre o real objetivo da pesquisa. A abordagem deve ser feita
com conversas genéricas, que, de preferência, envolvam algum assunto
emotivo (ex.: Já aconteceu, na sua vida, alguma situação em que você achou
que ia morrer? Como aconteceu isso? Ou: Fale um pouco da sua infância, das
brincadeiras e de seus amigos daquele tempo.). Essa estratégia induz o
informante a se soltar mais, diminuindo, assim, o controle sobre "como" fala. Se
for necessário perguntar ao informante seu nível de escolaridade, isso somente
deverá ser feito ao final da gravação. Se não for possível saber o grau de
escolaridade, isso deverá ser pressuposto.

f) As transcrições (passagem para a língua escrita) deverão reproduzir, de cada


gravação, somente recortes em que ocorram casos que interessem à pesquisa.
Deverão ser precedidas de uma breve identificação do falante e da situação de
comunicação (exs.: 1. Professor de História dando aula para nossa turma. 2.
Senhora de aproximadamente 45 anos, provavelmente de nível médio de
escolaridade, descrevendo para um repórter como aconteceu um acidente de
trânsito.).

2. Quanto aos itens 3 e 4 do livro do aluno

a) Definir uma data em que serão entregues as transcrições dos trechos


selecionados e a tabela preenchida.

b) Nessa ocasião, é essencial dar continuidade ao trabalho, desenvolvendo


uma atividade coletiva. Sugere-se esta sequência:

1. Reproduzir, na lousa, a mesma tabela de dados apresentada no livro do


aluno (a ser completada).

2. Pedir a um representante de cada grupo que vá à lousa e indique, nos


respectivos quadrinhos, os valores constantes na tabela que o grupo dele terá
elaborado.

3. Pedir a todos os alunos que consolidem, em seus cadernos, em uma nova


tabela geral, os dados das tabelas dos grupos. Para isso, deverão:

· Nas colunas de "total de ocorrências" e de "quantidade", simplesmente


somar, em cada quadrinho, os valores obtidos pelos diferentes grupos;

· Nas colunas de "porcentagem", calcular a média aritmética dos valores de


cada quadrinho.
4. Discutir os eventuais casos relativos ao perguntado no item 4.a do livro do
aluno.

5. Com base no texto apresentado, no livro do aluno, na primeira parte da


atividade, promover uma discussão coletiva sobre os percentuais da tabela
geral.

3. Sugestão de atividade complementar e interdisciplinar

Propor aos alunos que transformem a tabela geral em um gráfico de setores


(tipo "pizza") ou de colunas. Se necessário, os alunos deverão pedir
apoio/orientação ao(à) professor(a) de Matemática.

Se essa atividade for desenvolvida, os gráficos (acompanhados de legendas


explicativas) poderão ser expostos num local em que turmas possam ter
contato com os resultados da pesquisa.

4. Subsídios teóricos relativos ao tema da atividade

Relativamente ao percentual das classes de preenchimento do objeto direto na


língua falada, sugere-se que o(a) professor(a) consulte o artigo "Ensino de
língua portuguesa: os clíticos acusativos", de Marilza de Oliveira
(http://tub.im/j2yt6a, acesso em: 18 maio 2016) ou a obra A língua falada no
ensino de português (Contexto, 2009), do professor

404

Ataliba Teixeira de Castilho. Ambos os trabalhos fazem referência a uma


pesquisa - realizada com falantes de três faixas etárias e de três níveis de
escolaridade - que apontou, em valores aproximados, as seguintes formas de
preenchimento do OD:

· Clítico acusativo - 5% das ocorrências.

Ex.: Paula ganha muitos livros, mas raramente os lê.

· Pronome lexical ("ele" acusativo) - 15% das ocorrências.

Ex.: Paula ganha muitos livros, mas raramente lê eles.

· Sintagma nominal - 17% das ocorrências.

Ex.: Paula ganha muitos livros, mas raramente lê os livros.


· Elipse do objeto direto - 63% das ocorrências.

Ex.: Paula ganha muitos livros, mas raramente lê Ø.

Nesses dois trabalhos, são analisados outros aspectos relativos ao tema que
o(a) professor(a) poderá, se for de seu interesse, acrescentar à discussão
coletiva a ser realizada a partir da tabela geral produzida pelos alunos.

Sugestão de atividade alternativa

A atividade a seguir poderá substituir a proposta na seção E mais... ou poderá


ser realizada por alguns grupos de alunos, enquanto outros desenvolvem a
primeira atividade.

Tema: Presença/ausência da preposição antes dos pronomes relativos

1ª parte: Retomada das características dos pronomes relativos e enunciados


para comparação

As orações introduzidas por pronomes relativos - orações adjetivas - são


chamadas, em análise linguística, de construções/orações relativas.

Nessa primeira parte da atividade, sugere-se que o(a) professor(a) apresente,


na lousa, pelo menos dois grupos de enunciados (como os exemplificados nos
grupos 1 e 2 a seguir) e discuta-os com a turma, propondo, a respeito de cada
um deles, perguntas que possibilitem uma reflexão a respeito da adequação ou
inadequação desses enunciados a diferentes contextos, considerando a
presença da preposição (e seu posicionamento na construção relativa) ou a
ausência dela.

É conveniente que a apresentação/análise das frases seja feita uma a uma.


Assim: escrever na lousa a frase a e propor perguntas do tipo: O que vocês
acham da estrutura dessa frase? Está bem construída ou não? Como ficaria
essa frase se fosse separada em duas? Em uma situação formal de
comunicação ela estaria adequada? E em uma situação informal? Em função
das respostas dos alunos, o(a) professor(a) deverá orientar a reflexão,
enfatizando o papel do relativo (retomada do nome anterior) e comentando a
estrutura da oração relativa quanto à ocorrência/ausência da preposição.

Concluída a análise da frase a, escrever a frase b e propor outras perguntas


(Ex.: E agora, o que acham dessa estrutura? Está bem construída ou parece
estar faltando alguma coisa? O verbo "discutir", no sentido empregado nessa
frase, exige preposição? Quem poderia dar um exemplo de situação de
comunicação em que essa frase seria aceitável? etc.). Em seguida, propor a
frase c e assim sucessivamente.

Grupos de enunciados:

1. a) Conheço o vendedor que atendeu você na loja.

b) Conheço o vendedor que você discutiu na loja.

c) Conheço o vendedor que você discutiu com ele na loja.

d) Conheço o vendedor com quem você discutiu na loja.

e) É muito bom o projeto que discutimos na reunião de ontem.

2. a) A cidade que passamos as férias é muito sossegada.

b) A cidade que passamos as férias nela é muito sossegada.

c) A cidade em que passamos as férias é muito sossegada.

d) A cidade que visitamos nas férias é muito sossegada.

Concluída a análise das frases dos dois grupos, apresentar à turma a atividade
a ser realizada, conforme segue:

2ª parte: Atividade de pesquisa

1. Objetivo

Selecionar e comparar enunciados que exemplifiquem a presença/ausência de


preposição antes de relativos e analisar a adequação/inadequação desses
enunciados a seus contextos de comunicação.

2. Orientações para a realização da atividade

a) A turma será dividida em grupos para selecionar trechos de textos que


atendam ao objetivo da pesquisa.

b) O(A) professor(a) apresentará os critérios para a coleta dos dados.

3. Apresentação dos textos selecionados e discussão coletiva

a) Em data a ser definida, os grupos entregarão ao(à) professor(a) os trechos


selecionados. Cada um dos fragmentos deverá ser:
· precedido de uma breve caracterização do falante e da situação de
comunicação;

· seguido de uma breve análise quanto à adequação/inadequação da presença


(ou da ausência) da preposição antes do relativo.

b) O(A) professor(a) escolherá, então, entre todos os enunciados, alguns que


serão discutidos coletivamente pela turma.

405

Sugestões de critérios para a coleta de dados (seleção dos enunciados)

a) Os fragmentos deverão ser extraídos, preferencialmente, de textos orais


gravados "ao vivo"; se isso não for viável, parte deles (a menor possível)
poderá ser recolhida por meio de gravações de programas de rádio e TV.

b) Quanto às recomendações para gravações "ao vivo", sugere-se que o(a)


professor(a) reveja e reafirme os itens 1.e e 1 .f apresentados nas condições
da atividade anterior (p. 403 destas Orientações).

c) A quantidade de casos que cada grupo recolherá fica a critério do(a)


professor(a). Sugere-se que sejam pelo menos 9 enunciados, selecionados das
falas de 9 diferentes informantes, sendo 3 de cada nível de escolaridade.
Enfatizar a importância de variar o mais possível a escolha dos falantes
(quanto a características socioculturais, idade, profissão etc.), das situações de
comunicação e dos gêneros textuais.

d) Alguns dos enunciados selecionados deverão estar adequados à situação


de comunicação; outros deverão estar inadequados. É necessário, quanto a
esse aspecto, que os alunos sejam capazes de "relativizar" a adequação ou
inadequação e deduzir o grau de aceitabilidade de uma determinada
construção. Por exemplo, o enunciado "As pessoas que você está falando
estão vendo o programa", se usado por um(a) apresentador(a) de um programa
de variedades (músicas, brincadeiras etc.), deve ser considerado adequado.
No entanto, um enunciado como "As condições da economia que você falou
sobre elas vão melhorar?", se empregado por um jornalista em um debate
sobre economia, deve ser considerado inadequado, uma vez que, geralmente,
a audiência de um programa desse tipo tende a não aceitar tal construção
nessa situação de comunicação.

Discussão do material coletado (item 3.b desta proposta)

Sugere-se reunir todos os trabalhos de todos os grupos e desenvolver, nesta


sequência, um fechamento para a atividade:

a) Escolher, de um dos trabalhos, um dos fragmentos, reescrevê-lo na lousa e


explicitar oralmente para a turma as características do falante e a situação de
comunicação em que ele foi produzido (conforme indicações feitas pelo próprio
grupo).

b) Propor, em relação ao enunciado, algumas perguntas semelhantes às da 1ª


parte da atividade.

c) Após o posicionamento da turma, informar qual grupo coletou o enunciado e


a análise que seus integrantes apresentaram para ele, comentando se ela
coincide com a análise proposta coletivamente pela turma.

d) Escolher, no trabalho de outro grupo, mais um trecho, e assim


sucessivamente. Sugere-se que seja discutido pelo menos um dos enunciados
que cada grupo selecionou.

Complementação teórica

1. O sistema pronominal

Dependendo das características da turma, o(a) professor(a) poderá


acrescentar à discussão sobre os pronomes pessoais a seguinte análise:

[...] hoje em dia, a expressão a gente faz indiscutivelmente parte do paradigma


pronominal do português culto. Mas também é evidente que o português culto
não incorpora um certo número de características - fonético-fonológicas,
morfológicas, sintáticas etc. - que, em seu conjunto, definem a variedade sub-
standard [não padrão] falada correntemente pela maioria da população
brasileira. Ou seja: não se encontra no português brasileiro culto, tal como é
falado hoje, o paradigma de seis formas preconizado pelas gramáticas (eu vou,
tu vais, ele vai, nós vamos, vós ides, eles vão), mas também não se encontra
um paradigma reduzido a eu vou, tu/você/nóis/eles vai. Na maior parte do
território brasileiro prevalece um paradigma "intermediário": eu vou, ele/você/a
gente vai, nós vamos, vocês/eles vão.

É nesse português culto que se publicam no Brasil as revistas e jornais mais


lidos, que são compostas em sua maioria as letras de música popular, que se
dá aula nas universidades; é essa mesma a língua falada no rádio e na
televisão.

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. e adap. Rodolfo


Ilari. São Paulo: Contexto, 2004. p. 327.

2. O conceito sintático de sujeito

O conceito de sujeito como "o termo com o qual o verbo estabelece relação de
concordância" é proposto por inúmeros linguistas, dentre eles o professor Mário
A. Perini, que assim se posiciona em relação a essa definição:

[Essa] é uma definição formal e não diz nada a respeito do papel semântico ou
discursivo do termo em questão; em outras palavras, não estamos aqui
preocupados com o termo que exprime o agente de uma ação, nem com o
termo que exprime a entidade sobre a qual se faz uma declaração. Trata-se
simplesmente de um dos constituintes da oração, vinculado a ela através de
uma relação formal bem

406

definida. A função de sujeito é um dos aspectos da organização formal da


oração, e não um dos aspectos da mensagem veiculada pela oração.

PERINI, Mário. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 2000.


p. 77-78.

3. Coesão e coerência

Coesão e coerência são duas propriedades que se inter-relacionam de forma


profunda na constituição da textualidade de um texto. De forma bastante
simplificada, podem ser assim definidas:

· Coesão é o conjunto de articulações linguísticas que se estabelecem no texto


e que lhe conferem o caráter de sequencialidade, ou seja, de progressividade
linear. A coesão é a ligação entre os elementos de superfície (elementos
linguísticos) do texto, o modo como eles se relacionam, o modo como frases ou
parte delas se combinam para compor uma sequência na organização textual.

· Coerência é a propriedade que o texto tem de ser compreendido pelo


ouvinte/leitor como um conjunto em que as partes significantes estão
relacionadas entre si e relacionadas também com o contexto em que ocorre o
ato de comunicação. A coerência vincula-se, portanto, ao contexto
comunicativo.

Caso seja do interesse do(a) professor(a) aprofundar o estudo desses dois


aspectos da organização textual, sugerimos para leitura/consulta as seguintes
obras:

ANTUNES, Irandé. Lutar com as palavras: coesão e coerência. São Paulo:


Parábola, 2005.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1999.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. São
Paulo: Ática, 1991.

MATEUS, Maria H. Mira et al. Gramática da língua portuguesa. Lisboa:


Almedina, 1983. [capítulo "Mecanismos de estruturação textual"]

4. Pragmática

A pragmática é um ramo da Linguística que se propõe, basicamente, a analisar


como, num determinado contexto, os enunciados ganham significado. Uma
expressão (ou enunciado) pode conter dois aspectos diferentes de significado.
Um desses aspectos é próprio, intrínseco à expressão, e é o objeto de estudo
da semântica. O outro aspecto do significado não é próprio da expressão, e sim
o resultado do vínculo entre ela e o contexto de comunicação. Esse é o objeto
de estudo da pragmática.

Em inúmeras situações de comunicação, fazemos uso de nossa competência


pragmática para interpretar adequadamente os enunciados. Se, por exemplo,
em um posto de combustível lemos uma faixa assim: "Abasteça e ganhe um
carro", apoiamo-nos em nosso conhecimento extralinguístico para
compreender que se trata, com certeza, de um sorteio, não sendo suficiente
simplesmente abastecer o carro para ganhar outro. Ou seja, nessa situação,
interpretamos assim a frase: "Abasteça e participe do sorteio de um carro".

Também quando um enunciado tem mais de uma possibilidade de


interpretação, é nossa competência de ouvinte/leitor que nos permite descartar
uma delas (a que não se encaixa à situação) e adotar a outra como a
pretendida pelo enunciador. A essa habilidade linguística dá-se o nome de
tolerância pragmática. Vamos considerar, por exemplo, este enunciado: "O
pesquisador encontrou uma árvore rara andando na floresta". Essa frase
poderia ser, inicialmente, "interpretada" de duas maneiras:

1. A árvore estava andando na floresta e o pesquisador a encontrou.

2. O pesquisador estava andando na floresta e encontrou a árvore.

O que nos leva a "escolher" uma dessas interpretações é nossa capacidade de


relacionar a linguagem a fatos do mundo. Sabemos, por nosso conhecimento
da realidade, que a capacidade de "andar" pode ser atribuída ao pesquisador,
mas não à árvore. Assim, prontamente admitimos como adequada a segunda
interpretação e descartamos a primeira.

É muito importante que o(a) professor(a) converse com os alunos sobre essa
característica dos atos de interlocução e enfatize que, quanto mais
desenvolvemos nossa capacidade de combinar o conteúdo de um texto e o
conhecimento de mundo, mais ampliamos nossa competência para
compreender o que lemos e ouvimos.

Sugestões de bibliografia especializada

NEVES, Maria H. de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo:


Editora Unesp, 2000. [capítulos: "O pronome pessoal"; "O pronome
possessivo"; "Os pronomes relativos"; "As orações adjetivas"; "O pronome
demonstrativo"; "O pronome indefinido"]

PERINI, Mário A. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola,


2010. [capítulo "Pronomes oblíquos"]

407

Exercícios complementares
1. Leia este trecho de texto:

Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a


sociedade, e o pôs num inferno de tolices.

GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
p. 190.

Relativamente ao emprego dos pronomes nesse trecho, identifique a afirmação


correta.

a) Em "o pôs num inferno", o pronome não está adequado à variedade culta; a
forma correta seria "ele".

b) As formas masculinas "o", "-lo" e "o" estabelecem coesão anafórica com "o
homem"; a forma feminina "a" estabelece coesão catafórica com "a sociedade".

Resposta: ["a" não é pronome; é preposição.]

c) Em "o pôs num inferno", a forma adequada seria "a", uma vez que o
pronome retoma "a sociedade".

d) A primeira e a terceira formas pronominais estabelecem coesão anafórica


com "o homem"; a segunda, com "Deus".

e) Todos os pronomes da frase estabelecem coesão anafórica com "o homem".

Resposta: e [o, -lo, o→ o homem].

2. (Unifesp-SP) Leia esta tira humorística.

FONTE: (Folha de S.Paulo, 30.09.2014. Adaptado.)

CRÉDITO: Jim Davis © 2014 Paws, Inc. All Rights Reserved / Dist.Universal
Uclick

Considerando-se a situação de comunicação entre Garfield e seu dono, a


frase, em linguagem coloquial, que preenche o balão do último quadrinho é:

a) Tenho de saboreá-lo bem?

b) Devo saborear a ele muito bem?

c) Convém que eu o saboreie bem?

d) Saboreá-lo-ei muito bem?


e) Eu tenho de saborear bem ele?

Resposta: Alternativa e.

3. O cartaz ao lado fez parte de uma campanha de saúde pública promovida


pela prefeitura de Serrania (MG). Leia-o e associe a cada alternativa à
indicação C (certa) ou E (errada).

a) O texto, por ser de responsabilidade de uma instituição pública - no caso,


uma prefeitura municipal -, está adequadamente redigido conforme os padrões
da variedade culta da língua portuguesa.

b) A segunda parte da frase, ao mesmo tempo que alerta o leitor para a


possibilidade de ele vir a contrair dengue, remete, pela semelhança formal, à
expressão "o bicho vai pegar", que é popularmente usada para fazer uma
ameaça ou sugerir que algo ruim pode acontecer.

c) A relação entre as formas "você" e "te" evidencia que, na frase, não foi
respeitada a uniformidade de tratamento, o que constitui um descuido
gramatical reprovável em qualquer texto de responsabilidade de uma instituição
pública.

d) A opção pela linguagem coloquial tem o propósito de reproduzir, na frase, o


modo de falar cotidiano das pessoas. Esse recurso busca criar maior empatia
com o destinatário, isto é, procura tornar o leitor mais receptivo à mensagem
veiculada pelo texto.

e) Por se tratar de uma campanha de responsabilidade de uma instituição


pública, é inadmissível a opção pela variedade coloquial; o texto deveria
obedecer às regras da gramática normativa e ter uma destas redações: "Se
você não cuidar, o bicho vai pegá-lo" ou "Se tu não cuidares, o bicho vai te
pegar".

Respostas: a) E; b) C; c) E; d) C; e) E.

CRÉDITO: Cartaz de Combate à Dengue da Prefeitura de Serrania/MG.


Criação: Dutra Jr.

408

4. (Fuvest-SP) Examine a tirinha:


FONTE: GONSALES, Fernando. Níquel Náusea: Cadê o ratinho do titio? São
Paulo: Devir, 2011.

CRÉDITO: Fernando Gonsales

a) De acordo com o contexto, o que explica o modo de falar das duas


personagens representadas pelas duas traças?

Resposta: O linguajar das personagens se explica pelo fato de que elas,


conforme diz o rato, estão roendo a Bíblia. Os textos bíblicos se caracterizam
pelo tom formal, cerimonioso, em que geralmente se emprega o tratamento
gramatical na segunda pessoa do plural (vós). Também a frase "Em verdade
vos digo" é uma alusão a uma passagem bíblica. É claro que o humor decorre
do uso exageradamente desregrado da segunda pessoa do plural.

b) Mantendo o contexto em que se dá o diálogo, reescreva as duas falas do


primeiro quadrinho, empregando o português usual e gramaticalmente correto.

Resposta: Como foi o seu (ou: teu) dia? Queria que fosse (ou: tivesse sido)
melhor.

5. Leia estes versos do poema "História pátria", de Ascenso Ferreira:

O Rei, entretanto, não era da terra!

E gente pra Europa mandou-se estudar...

Gentinha idiota que trouxe a mania

de nos transformar

da noite pro dia [...]

A gente que tão

Negramente...

Caboclamente...

Portuguesamente...

vivia.

FERREIRA, Ascenso. História Pátria. Cana Caiana. Edição do autor: Recife,


1939.
a) Qual é a diferença de sentido e de classe gramatical entre "gente" (verso 2)
e "a gente" (verso 6)?

Resposta: "Gente" significa "pessoas, indivíduos" e, portanto, é substantivo; "a


gente" significa "nós" e, portanto, funciona como pronome pessoal.

b) No contexto do poema, com que intenção o poeta emprega a palavra


"gente" no diminutivo (verso 3)? Identifique duas palavras do texto que
justifiquem sua resposta.

Resposta: A palavra "gentinha" tem, nitidamente, sentido pejorativo; de


desprezo. Confirmam essa interpretação a palavra "idiota" e a palavra "mania",
que, nesse contexto, referem-se a uma característica negativa das pessoas
que voltavam da Europa trazendo outros hábitos e formas de pensar.

c) Se o pronome oblíquo "nos" (verso 4) fosse eliminado, a expressão "a gente"


passaria a ter sentido ambíguo. Explique por quê.

Resposta: O que possibilita interpretar "a gente" como "nós" é o pronome "nos".
Se ele fosse eliminado, "a gente" poderia continuar sendo uma expressão
pronominal (significando "nós"), ou poderia ter sentido de "o povo", "as
pessoas".

d) Se a expressão "a gente" fosse substituída pelo pronome "nós", que outra
palavra do texto precisaria ser alterada? Por quê?

Resposta: A forma verbal "vivia" (no singular) concorda com "a gente"
(singular); se o sujeito fosse "nós", o verbo deveria concordar no plural:
"vivíamos".

6. Nos enunciados a seguir ocorrem empregos de formas pronominais


característicos da variedade popular do idioma. Reescreva esses enunciados
adequando-os à variedade culta do idioma.

a) A Carol disse para mim ficar estudando em casa de manhã e ir encontrar ela
no colégio só depois do almoço.

Resposta: ... para eu ficar estudando... encontrá-la...

b) Puxa! Rafael! Estou muito decepcionado consigo; você não tem razão de
acusar eu de ser o responsável pelo problema que tanto te aflige.
Resposta: Opções: 1) ... decepcionado com você.../... de acusar-me (ou: de
me acusar).../... tanto o aflige. 2)... decepcionado contigo.../... de acusar-me
(ou: de me acusar).../... tanto te aflige...

c) Nós temos que se conscientizar de que os problemas ambientais estão


aumentando e precisamos resolver eles com inteligência.

Resposta: ... temos que nos conscientizar.../... resolvê-los...

409

d) Todos os atritos que aconteceram entre você e eu já fazem parte do


passado. A partir de agora, espero que meu relacionamento profissional
contigo seja baseado na lealdade e na colaboração.

Resposta: Opções: 1) ... entre você e mim .../... profissional com você...; 2) ...
entre ti e mim.../... profissional contigo...

7. Leia este trecho de uma crônica sobre as desventuras de um mágico


fracassado:

Depois de passar alguns dias na cadeia - onde se tornou popular entre os


presos pelo seu hábito de tirar cigarros acesos detrás de suas orelhas - o
mágico foi posto em liberdade.

VERISSIMO, Luis Fernando. O mágico. In: _____. Sexo na cabeça. Porto


Alegre: L&PM, 1980. p. 173.

a) O possessivo "seu" está substituindo que nome (substantivo)?

Resposta: "Seu" substitui "mágico" (seu hábito = hábito do mágico).

b) Uma leitura baseada exclusivamente nas relações gramaticais estabelecidas


na frase levaria a uma ambiguidade gerada pelo emprego do possessivo
"suas". Justifique essa afirmação.

Resposta: Com "suas orelhas", pode-se entender que o mágico tirava cigarros
das próprias orelhas ou das orelhas dos presos.

c) Uma outra forma de ler, que relacionasse as informações da frase e o que


usualmente acontece num show de mágicas, desfaria a ambiguidade referida
em b? Justifique.
Resposta: Sim. Num show de ilusionismo, o mágico tira pequenos objetos
(moedas, anéis etc.) das orelhas dos espectadores, e não das dele próprio.
Essa informação possibilitaria ao leitor concluir que o mágico tirava cigarros
detrás das orelhas dos presos.

8. Nos enunciados a seguir, o emprego inadequado das formas pronominais


em destaque provoca duplo sentido, exceto em:

a) Uma das características do estilo literário de Guimarães Rosa é a criação de


neologismos por meio dos quais se revelam aspectos peculiares do
personagem ou do que ele narra ou descreve.

b) "Motoqueiro: o capacete é sua segurança: ponha isso na cabeça." [Anúncio


publicitário]

c) Não sei onde deixei a cópia do documento que enviaremos ao advogado.

d) O acidente, que deixou duas crianças feridas, aconteceu em Olinda, perto


de Recife, onde a família pretendia passar o feriado prolongado.

e) Londrina e Ribeirão Preto são duas belas cidades; aquela fica no Paraná e
esta, em São Paulo.

Resposta: Alternativa e.

9. Leia estes versos do poeta romântico Álvares de Azevedo:

Os sonhos da ciência nada valem.

A vida é um escárnio sem sentido,

Comédia infame que ensanguenta o lodo.

Há talvez um segredo que ela esconde;

Mas esse a morte o sabe e o não revela.

Os túmulos são mudos como o vácuo.

AZEVEDO, Álvares de. Glória moribunda.

Relativamente aos quatro pronomes em destaque, identifique a afirmação


incorreta.

a) Eles se classificam, pela ordem, como: relativo, pessoal reto, demonstrativo,


pessoal oblíquo.
b) No verso 4, entende-se que "A vida esconde um segredo que talvez exista".

c) "Esse" e "o" associam-se a um mesmo referente: "um segredo (que ela


esconde)".

d) Todos estabelecem coesão anafórica, uma vez que se referem a elementos


textuais anteriores a cada um deles.

e) O pronome "que" gera ambiguidade, pois pode retomar tanto "a vida" como
"comédia infame".

Resposta: Alternativa e.

10. (Enem/MEC) Leia o texto:

Há qualquer coisa de especial nisso de botar a cara na janela em crônica de


jornal - eu não fazia isso há muitos anos, enquanto me escondia em poesia e
ficção. Crônica algumas vezes também é feita, intencionalmente, para
provocar. Além do mais, em certos dias mesmo o escritor mais escolado não
está lá grande coisa. Tem os que mostram sua cara escrevendo para reclamar:
moderna demais, antiquada demais. Alguns discorrem sobre o assunto, e é
gostoso compartilhar ideias. Há os textos que parecem passar despercebidos,
outros rendem um montão de recados: "Você escreveu exatamente o que eu
sinto", "Isso é exatamente o que falo com meus pacientes", "É isso que digo
para meus pais", "Comentei com minha namorada". Os estímulos são valiosos
pra quem nesses tempos andava meio

410

assim: é como me botarem no colo - também eu preciso. Na verdade, nunca


fui tão posta no colo por leitores como na janela do jornal. De modo que está
sendo ótima, essa brincadeira séria, com alguns textos que iam acabar neste
livro, outros espalhados por aí. Porque eu levo a sério ser sério... mesmo
quando parece que estou brincando: essa é uma das maravilhas de escrever.
Como escrevi há muitos anos e continua sendo a minha verdade: palavras são
meu jeito mais secreto de calar.

LUFT, L. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004.

Os textos fazem uso constante de recursos que permitem a articulação entre


suas partes. Quanto à construção do fragmento, o elemento:
a) "nisso" introduz o fragmento "botar a cara na janela em crônica de jornal".

b) "assim" é uma paráfrase de "é como me botarem no colo".

c) "isso" remete a "escondia em poesia e ficção".

d) "alguns" antecipa a informação "É isso que digo para meus pais".

e) "essa" recupera a informação anterior "janela do jornal".

Resposta: Alternativa a.

11. Os pronomes são fundamentais para estabelecer as relações de coesão


entre partes de um enunciado. No entanto, quando empregados de forma
descuidada, eles podem gerar sentidos diferentes do pretendido. Leia, por
exemplo, este trecho de notícia de jornal:

Em Valinhos, uma estudante na garupa de uma moto bateu na traseira de uma


Brasília, derrubando-a no solo que teve morte por fratura craniana.

a) Do ponto de vista estritamente gramatical, cada um dos pronomes


destacados pode ser associado a três referentes. Indique-os.

Resposta: O "a" pode retomar "estudante", "moto" e "Brasília"; o "que" pode


retomar "estudante", "Brasília" e "solo".

b) Relacionando o conteúdo da frase e o que você conhece da realidade,


aponte a que referente o redator pretendeu associar os dois pronomes.

Resposta: Ele quis empregar os dois pronomes para retomar "estudante".


Embora o a possa também retomar "moto" (já que é possível que uma moto
seja derrubada), ele pretendeu informar que a estudante é que foi derrubada e
morreu em consequência da queda.

c) Fazendo as alterações necessárias, reescreva a notícia de forma a impedir


as interpretações absurdas.

Resposta: Sugestões: 1. Em Valinhos, uma estudante que estava na garupa de


uma moto teve morte por fratura craniana ao cair do veículo quando ele se
chocou com uma Brasília. 2. Em Valinhos, um acidente envolvendo uma moto
e uma Brasília matou uma estudante. A jovem, que estava na garupa da moto,
caiu, bateu a cabeça no solo e teve morte por fratura craniana.

Capítulo 2 - Classes gramaticais ▶ Verbo


Objetivos

· Primeira parte do capítulo: 1. Conceituar verbo. 2. Distinguir as conjugações


verbais. 3. Caracterizar as flexões de pessoa, número, tempo e modo. (A flexão
de voz é tratada na segunda parte do capítulo.) 4. Apresentar, para consulta,
um quadro geral dos tempos (simples e compostos) do modo indicativo, um
exemplo de conjugação dos tempos simples desse modo e os principais
empregos desses tempos. 5. Apresentar, para consulta, um quadro geral dos
tempos (simples e compostos) do modo subjuntivo, um exemplo de conjugação
dos tempos simples desse modo e os principais empregos desses tempos. 6.
Apresentar o esquema de formação do imperativo e exemplificar os principais
empregos das formas verbais desse modo.

· Segunda parte do capítulo: 1. Classificar os verbos quanto ao papel nas


locuções verbais (verbo auxiliar e verbo principal) e quanto à flexão (regular,
irregular, defectivo e abundante). 2. Discutir o conceito de "regularização de
verbo irregular". 3. Conceituar a flexão de voz verbal, classificar suas
subdivisões e discutir o papel funcional/discursivo da transposição "voz
ativa/voz passiva analítica". 4. Analisar o conceito de aspecto verbal. 5.
Conceituar/exemplificar correlação temporal. 6. Apresentar, para consulta, uma
breve listagem de verbos irregulares mais usuais.

Sugestão de procedimento

Na primeira parte do capítulo, sugere-se priorizar os seguintes aspectos:

· A distinção básica entre os tempos verbais, enfatizando, inclusive, que certas


formas verbais de determinados tempos podem ser empregadas para indicar
outro (Ex.: Amanhã eu termino o trabalho. [termino = terminarei/vou terminar]);

· Os quadros com os tempos simples do indicativo e do subjuntivo devem servir


de material de consulta/apoio. Os nomes dos

411

tempos verbais constituem uma nomenclatura de referência, útil para


desenvolver uma breve análise do sentido temporal expresso pelas formas
verbais dos diferentes tempos; portanto, nesse sentido, não parece ser
necessário exigir que os alunos conheçam detalhes dessa nomenclatura.
· O esquema de formação e o emprego do imperativo costumam apresentar
dificuldades para os alunos, por isso esse item precisa ser trabalhado mais
detidamente e com uma boa quantidade de exemplos.

Na segunda parte, sugere-se levar em conta os seguintes aspectos da


exposição teórica:

· A regularização de verbos irregulares precisa ser apresentada com tato, de


maneira a contornar eventuais manifestações de preconceito; mostrar que a
regularização é um fato natural e comum na língua e que, na modalidade oral
é, muito frequentemente, identificável inclusive na fala de pessoas cultas.

· Quanto às vozes, além da caracterização de seus três tipos, é importante


enfatizar a seção "Para que servem, na prática do idioma, as vozes verbais?".

· O aspecto verbal pode ser tratado de forma breve; mais importante do que
classificar suas "subdivisões" (indicando-lhes os "nomes"), é que os alunos
tenham consciência dessa característica das estruturas verbais e consigam
perceber/identificar os diferentes "sentidos de tempo" que elas podem exprimir.

· A correlação dos tempos verbais é importante, uma vez que, quando não é
estabelecida adequadamente, prejudica a lógica temporal dos eventos
referidos pelos verbos, prejudicando assim a coesão textual e,
consequentemente, dificultando a compreensão do texto.

· Os principais verbos irregulares, cuja adequada flexão é indispensável na


variedade culta formal da língua, devem ser bem trabalhados. Comentar com
os alunos que tentar definir "de ouvido" a forma de um verbo irregular (ex.:
"interviu" ou "interveio"?) não é uma estratégia confiável, pois, no cotidiano,
ouvimos mais vezes a forma regularizada (que não é acolhida pela variedade
culta) que a forma preconizada por essa variedade linguística. Assim, para
contornar a possibilidade de flexão inadequada a situações formais de
comunicação, é necessário partir, sempre, do verbo primitivo. Sugere-se
exemplificar esse procedimento comparando formas como estas:

vir (primitivo) - intervir (derivado)

Ele veio → Ele interveio [e não "interviu"]

Se você viesse → Se você interviesse [e não "intervisse"]


Quando elas vierem → Quando elas intervierem [e não "intervirem"]

E mais... (p. 216)

Regularização de formas verbais irregulares

1. Composição dos grupos

Para que o universo pesquisado (total de informantes entrevistados) seja o


maior possível, é recomendável que os grupos sejam pequenos (no máximo
três alunos por grupo).

2. Sugestões de frases que os grupos apresentarão aos informantes

As frases dos conjuntos deverão ser transcritas na lousa para que os grupos as
copiem no caderno e, depois, preparem fichas individuais (uma ficha para cada
frase).

· Conjunto A [frases para informantes de nível fundamental]

1. Quando você _____ o serviço, receberá o pagamento.

a) fazer

b) fizer

2. Mesmo que ele _____ muito, não conseguiu acabar o serviço.

a) queresse

b) quisesse

3. Seria um problema se a mala não _____ no carro.

a) cabesse

b) coubesse

· Conjunto B [frases para informantes de nível médio]

1. Se nosso time _____ a sequência de vitórias, será campeão.

a) manter

b) mantiver

2. Ele será vaiado na reunião, quando _____ um novo acordo.

a) propor
b) propuser

412

3. O juiz _____ na confusão e expulsou dois jogadores de cada time.

a) interviu

b) interveio

· Conjunto C [frases para informantes de nível superior]

1. Era difícil que alguém _____ o que aconteceu naquele dia.

a) prevesse

b) previsse

2. Se você não _____ na administração da empresa, ela irá à falência.

a) intervir

b) intervier

3. Ficarei feliz se meu amigo _____ o carro que lhe roubaram.

a) reaver

b) reouver

3. Preparação e realização das entrevistas

Os grupos deverão ser orientados quanto a estes aspectos:

a) Cada uma das frases dos três conjuntos deverá ser reescrita separadamente
em uma ficha (sugestão: um terço de folha de caderno), acompanhada das
respectivas alternativas (formas verbais).

b) Dependendo do nível de escolaridade do informante, deverão ser


apresentadas a ele, uma de cada vez, as frases de um dos três conjuntos.

c) Enfatizar para os alunos que, em todas as frases, a forma da alternativa a é


a forma regularizada (portanto, incorreta na variedade padrão) e a da
alternativa b é a forma irregular (ou seja, é a forma exigida pela variedade
padrão).

d) Durante a realização da entrevista, um dos integrantes do grupo deverá


anotar, em relação a cada uma das três frases, se o informante escolheu a
forma regularizada/incorreta (alternativa a) ou a forma irregular/correta
(alternativa b). Para facilitar a contagem das respostas, convém que cada
grupo prepare três tabelas auxiliares, uma para cada conjunto de
fichas/informantes. Assim:

Respostas dos informantes de nível ___

Informante Frase 1 Frase 2 Frase 3

a ba ba b

À medida que o informante for apresentando oralmente suas respostas para


cada uma das frases, um dos integrantes do grupo vai marcando (com um X) o
quadrinho correspondente à resposta apresentada. Concluídas as quatro
entrevistas daquele grupo, somam-se (para as três frases) a quantidade de
respostas a (formas regularizadas/incorretas) e, em separado, a quantidade de
respostas b (formas irregulares/corretas). Depois, ao final das entrevistas com
os informantes dos três grupos, essas quantidades são transferidas para a
tabela de resultados.

4. Quanto aos itens 4 e 5 do livro do aluno

Por ocasião da entrega das tabelas preenchidas, é essencial dar continuidade


ao trabalho para consolidar os dados. Sugere-se esta sequência:

1. Reproduzir, na lousa, a mesma tabela utilizada pelos grupos, que será agora
uma tabela geral (completada com os dados obtidos por cada grupo).
2. Pedir a um(a) aluno(a) de cada grupo que vá à lousa e indique, nos
respectivos quadrinhos, os valores constantes na tabela que o grupo dele
elaborou.

3. Propor a todos os alunos que consolidem, nessa tabela geral, os dados


fornecidos por todos os grupos. Para isso, deverão:

· Nas colunas de "quantidade", simplesmente somar, em cada quadrinho, os


valores obtidos pelos diferentes grupos;

· Nas colunas de "porcentagem", calcular a média aritmética dos valores de


cada quadrinho.

4. Sugere-se fazer o fechamento da atividade propondo para a turma estas


perguntas:

a) Quando comparados os resultados dos três níveis de escolaridade, as


variações (em percentuais) quanto ao uso das formas regularizadas e das
formas irregulares são significativas ou não?

b) Que relação vocês estabelecem entre os valores obtidos e o nível de


escolaridade (e maior/menor contato com a leitura) dos diferentes "grupos" de
informantes?

413

c) Como sabemos, as formas verbais regularizadas que apareceram nas frases


propostas aos informantes são, na língua portuguesa atual, adequadas apenas
na variedade coloquial. Mas, como vocês já aprenderam, a língua é dinâmica;
vai mudando com o uso ao longo do tempo. Considerando tal fato e
observando a tabela geral, será que é possível dizer que, no futuro, as formas
verbais regularizadas, que hoje são consideradas incorretas pela norma culta,
tomarão o lugar das formas irregulares também nessa variedade linguística?

5. Sugestão de atividade complementar

Sugere-se propor aos alunos que transformem os resultados da tabela geral


em três gráficos de setores (tipo "pizza"), um para cada grupo de falantes,
indicando em cada um deles o percentual de uso das formas regularizadas e
das formas irregulares. Se necessário, os alunos deverão pedir
apoio/orientação ao(à) professor(a) de Matemática.
Se essa atividade vier a ser desenvolvida, os gráficos poderão ser expostos
num local em que os alunos das outras turmas possam ter contato com os
resultados da pesquisa. Será necessário, nesse caso, apresentar ao lado dos
gráficos uma breve explicação distinguindo "forma verbal regularizada" de
"forma verbal irregular" e a adequação/inadequação dessas formas aos
diferentes contextos de uso.

Complementação teórica

Dependendo das características e das expectativas da turma e também da


disponibilidade de tempo para desenvolver o assunto, o(a) professor(a) poderá,
oportunamente, incorporar ao estudo do verbo os itens de 1 a 5, a seguir.

1. Paradigmas de usos das formas verbais

No Brasil, com a expansão de você e de a gente como pronomes pessoais e


com a redução do uso do tu e do vós, a 3ª pessoa se generaliza. Temos hoje
em uso no português brasileiro três paradigmas, três padrões de uso das
formas verbais:

1. Paradigma de quatro posições.

Exemplo: eu falo;

ele/você/a gente fala;

nós falamos;

eles/vocês falam.

2. Paradigma de três posições.

Exemplo: eu falo;

ele/você/a gente fala;

eles/vocês falam.

3. Paradigma de duas posições.

Usado pelos falantes menos escolarizados, ou não escolarizados, sobretudo de


áreas rurais, mas não só, que não aplicam a regra de concordância verbo-
nominal.

Exemplo: eu falo;
ele/você/a gente/eles/vocês fala.

Em algumas regiões brasileiras, usa-se o tu na fala corrente com o verbo na 3ª


pessoa (tu fala) e, em reduzidas áreas - talvez a mais forte seja o litoral
catarinense e o sul-rio-grandense -, ao tu ainda se segue a flexão histórica (tu
falas).

Fonte de pesquisa: SILVA, Rosa V. Mattos e. Ensaios para uma sócio-


história do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2004. p. 143-144.

2. O conceito de "gerundismo"

O gerúndio é uma forma nominal que exprime um fato verbal em processo, ou


seja, um fato cuja ocorrência se prolonga no tempo. Geralmente, para exprimir
esse prolongamento temporal, o gerúndio é associado a outro verbo, como em:

· Quinze minutos após a decolagem, o avião já estará sobrevoando a floresta.

Dá-se o nome de gerundismo a uma estrutura verbal constituída pela


sequência "verbo flexionado + verbo estar (no infinitivo) + gerúndio" e
comumente empregada na língua coloquial para exprimir um fato futuro que
não comporta a ideia de prolongamento no tempo. Exemplos:

· Em breve, a empresa pretende estar lançando uma nova linha de produtos.

· Aos sábados, vamos estar fechando a loja mais tarde.

· Os espectadores poderão estar enviando suas perguntas pelo site de nosso


programa.

Essas construções, inadequadas à variedade culta, poderiam ser, nessa


variedade, reescritas assim:

· Em breve, a empresa pretende lançar uma nova linha de produtos.

· Aos sábados, fecharemos (ou: vamos fechar) a loja mais tarde.

· Os espectadores poderão enviar suas perguntas pelo site de nosso programa.

414

Ainda na variedade culta, sequências verbais formadas por "verbo flexionado +


verbo estar no infinitivo + gerúndio" podem ser adequadamente empregadas
para indicar um fato futuro simultâneo a outro também no futuro, como em: No
domingo, enquanto você estiver trabalhando, eu vou estar pescando na
represa.

3. Tendência de uso dos particípios duplos

Ao tratar dos verbos abundantes, o(a) professor(a) poderá distinguir os usos do


particípio regular e do particípio irregular. Assim:

Quando um verbo é abundante, suas duas formas de particípio são geralmente


empregadas segundo estas duas tendências de uso:

· Se o verbo antecedente é ter ou haver → usa-se o particípio regular (forma


com terminação -ado ou -ido).

Ex.: Eles tinham/haviam aceitado o convite.

· Se o verbo antecedente é ser ou estar → usa-se a forma irregular (com


terminação diferente de -ado/-ido).

Ex.: O convite foi aceito por todos os funcionários.

É importante, no entanto, ao expor esses diferentes empregos, enfatizar que se


trata de uma tendência de uso, não de uma "regra", uma vez que, tanto na
língua falada quanto na escrita, são comuns ocorrências em que essa
tendência não se verifica.

4. A construção "verbo + se"

Segue o posicionamento do linguista Marcos Bagno em relação à construção


"verbo + se".

A questão da partícula se em enunciados do tipo Vende-se casas vem sendo


investigada há muito tempo nos estudos gramaticais e linguísticos brasileiros.
O que todos os estudiosos concluem é que, na língua falada no Brasil, no
português brasileiro, ocorreu uma reanálise sintática nesse tipo de enunciado,
isto é, o falante brasileiro não considera mais esses enunciados como orações
passivas sintéticas.

O que a gramática normativa insiste em classificar como sujeito a gramática


intuitiva do brasileiro interpreta como objeto direto. Respeitados filólogos e
linguistas da primeira metade do século XX, como Manuel Said Ali, Antenor
Nascentes e Joaquim Mattoso Camara Jr., reconheceram o fenômeno. Muitas
pesquisas científicas, baseadas em coleta de dados da língua real, em
levantamentos estatísticos rigorosos e em teorias linguísticas consistentes,
mostram que a imensa maioria dos brasileiros - de todas as classes sociais,
cultos ou não, na língua falada e na língua escrita - usam verbos no singular
nos enunciados em que aparece o se com um verbo transitivo direto e um
substantivo no plural: Vende-se casas, Aluga-se salas, Joga-se búzios, Avia-se
receitas...

[...]

Falar é construir um texto, num dado momento, num determinado lugar, dentro
de um contexto de fala definido, visando um determinado efeito. Quando o
falante usa uma frase com a partícula se, ele quer se valer dos recursos que
esse tipo de construção sintática lhe oferece para chegar ao efeito que visa
provocar naquele determinado contexto. Trocar essa frase por outra é trocar,
também, ao mesmo tempo, o efeito visado.

Tem situações em que só as orações com se funcionam. Imagine um carro em


cujo vidro traseiro lemos um cartaz escrito: Vende-se. Se fôssemos aplicar o
"truque" [trocar a passiva sintética pela analítica] sugerido pelas gramáticas
normativas teríamos: É vendido. Que efeito pode ter uma frase assim, afixada
num carro? Como disse Manuel Said Ali, ela só serviria para fazer o leitor
duvidar da sanidade mental de quem a escreveu.

Em outras ocasiões, apenas as orações na voz passiva atingem o efeito


desejado: Animais mortos foram trazidos com a enchente. Aplicando o "truque":
Animais mortos se trouxeram com a enchente... Alguém diz isso assim?

[...]

O "truque" também falha porque, na obtenção do efeito desejado, a colocação


dos termos na oração é importantíssima:

(1) Com este método, mistura-se a água com a areia.

(2) Com este método, a água mistura-se com a areia.

Está claro que em (1) temos uma oração na voz ativa em que o sujeito é
indeterminado e o objeto de mistura-se é água. Já em (2) o sujeito passa a ser
água e a partícula se indica que se trata de um verbo reflexivo.
[...]

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo:


Loyola, 2008. p. 121-124.

415

5. Voz passiva analítica e passiva pronominal

Relativamente às diferenças na concordância verbal em frases na passiva


analítica e suas respectivas passivas pronominais, o(a) professor(a) poderá
comentar com os alunos o fato de que, de modo geral, os falantes
escolarizados estabelecem a concordância em passivas analíticas (ex.: Os
assuntos foram discutidos) porque interpretam adequadamente como sujeito o
termo "Os assuntos". No entanto, esses mesmos falantes tendem a não fazer a
concordância nas passivas pronominais (ex.: Discutiu-se os assuntos) porque
utilizam esse tipo de estrutura como uma forma de indeterminar o sujeito
agente (discutiu-se = alguém discutiu); ou seja, não interpretam "os assuntos"
como sujeito, mas sim como complemento (objeto) do verbo. A concordância
conforme propõe a norma-padrão (Discutiram-se os assuntos) tem, por seu
lado, frequência regular somente entre falantes altamente escolarizados e,
principalmente, em textos escritos que requerem o emprego do padrão formal,
como os editoriais de jornais, contratos, anúncios institucionais de empresas e
publicações oficiais.

Sugestões de bibliografia especializada

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português


contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. [capítulo "Verbo"]

KOCH, Ingedore V.; SILVA, M. Cecília P. de Souza. Linguística aplicada ao


português: morfologia. São Paulo: Cortez, 1997. [capítulo "Flexão verbal"]

MATEUS, Maria H. Mira et al. Gramática da língua portuguesa. Coimbra:


Almedina, 1983. [capítulo 5, seção "A categoria linguística 'aspecto'"]

NEVES, Maria H. de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo:


Editora Unesp, 2000. [capítulo "O verbo"]

Exercícios complementares
1. (UEL-PR) Leia o texto a seguir.

- Por que se demorou tanto na casa de banho?

- Demorei, eu? Despachei-me enquanto o diabo lhe esfregava o olho!

- Esteve a cortar a unhas, eu bem escutei.

[...]

- Diga-se de paisagem, Constança: eu estava me bonitando para si.

- Para mim?

COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
p. 229.

O trecho em negrito revela:

a) início da ação, uma vez que aponta para o estado da personagem, expresso
pelo verbo "estava".

b) continuidade da ação, pois apresenta um evento prolongado, expresso pela


palavra "bonitando".

c) momento da ação, já que ela é posterior ao momento da fala, revelado pelo


discurso direto.

d) simultaneidade de ações, pois, enquanto fala com Constança, a


personagem vai se "bonitando".

e) anterioridade de ações, visto que a personagem se dirige a Constança antes


de se bonitar.

Resposta: Alternativa b.

2. (Enem/MEC) Leia o texto:

Novas tecnologias

Atualmente, prevalece na mídia um discurso de exaltação das novas


tecnologias, principalmente aquelas ligadas às atividades de telecomunicações.
Expressões frequentes como "o futuro já chegou", "maravilhas tecnológicas" e
"conexão total com o mundo" "fetichizam" novos produtos, transformando-os
em objetos do desejo, de consumo obrigatório. Por esse motivo carregamos
hoje nos bolsos, bolsas e mochilas o "futuro" tão festejado.
Todavia, não podemos reduzir-nos a meras vítimas de um aparelho midiático
perverso, ou de um aparelho capitalista controlador. Há perversão, certamente,
e controle, sem sombra de dúvida. Entretanto, desenvolvemos uma relação
simbiótica de dependência mútua com os veículos de comunicação, que se
estreita a cada imagem compartilhada e a cada dossiê pessoal transformado
em objeto público de entretenimento.

416

Não mais como aqueles acorrentados na caverna de Platão, somos livres para
nos aprisionar, por espontânea vontade, a esta relação sadomasoquista com
as estruturas midiáticas, na qual tanto controlamos quanto somos controlados.

SAMPAIO, A. S. A microfísica do espetáculo. Disponível em:


http://observatoriodaimprensa.com.br. Acesso em: 1º mar. 2013 (adaptado).

Ao escrever um artigo de opinião, o produtor precisa criar uma base de


orientação linguística que permita alcançar os leitores e convencê-los com
relação ao ponto de vista defendido. Diante disso, nesse texto, a escolha das
formas verbais em destaque objetiva:

a) criar relação de subordinação entre leitor e autor, já que ambos usam as


novas tecnologias.

b) enfatizar a probabilidade de que toda a população brasileira esteja


aprisionada às novas tecnologias.

c) indicar, de forma clara, o ponto de vista de que hoje as pessoas são


controladas pelas novas tecnologias.

d) tornar o leitor copartícipe do ponto de vista de que ele manipula as novas


tecnologias e por elas é manipulado.

e) demonstrar ao leitor sua parcela de responsabilidade por deixar que as


novas tecnologias controlem as pessoas.

Resposta: As formas destacadas (1ª pessoa do plural) associam-se ao


pronome "nós", que, no caso, inclui tanto o emissor/autor como o receptor/leitor
do texto.

Resposta: Alternativa d.
3. (Unicamp-SP) Leia o texto:

Tenho pena dos astrônomos

Eles podem ver os objetos de sua afeição - estrelas, galáxias, quasares -


apenas remotamente: na forma de imagens e telas de computador ou como
ondas luminosas projetadas de espectrógrafos antipáticos.

Mas muitos de nós, que estudam planetas e asteroides, podem acariciar blocos
de nossos amados corpos celestes e induzi-los a revelar seus mais íntimos
segredos. Quando eu era aluno de graduação em astronomia, passei muitas
noites geladas observando por telescópios aglomerados de estrelas e
nebulosas e posso garantir que tocar um fragmento de asteroide é mais
gratificante emocionalmente: eles oferecem uma conexão tangível com o que,
de outra forma, pareceria distante e abstrato.

Os fragmentos de asteroides que mais me fascinam são os condritos. Esses


meteoritos, que compõem mais de 80% dos que se precipitam do espaço,
derivam seu nome dos côndrulos que praticamente todos contêm - minúsculas
esferas de material fundido, muitas vezes menores do que um grão de arroz.
[...] Quando examinamos finas fatias de condritos sob um microscópio, ficamos
sensibilizados da mesma maneira como quando contemplamos pinturas de
Wassily Kandinsky e outros artistas abstratos.

RUBIN, Alan E.* Segredos dos meteoritos primitivos. Scientific American


Brasil, março 2013, p. 49. *Alan E. Rubin é geofísico e leciona na Universidade
da Califórnia.

a) Esse trecho, que introduz um artigo científico sobre meteoritos primitivos,


apresenta um estilo pouco usual nessa espécie de texto. Indique duas
expressões nominais ou verbais do texto que identificam esse estilo.

Resposta: Geralmente os artigos científicos caracterizam-se pelo uso da


linguagem objetiva, impessoal. No texto proposto, diferentemente, há várias
marcas de subjetividade, tais como as expressões nominais "objetos de sua
afeição", "espectrógrafos antipáticos", "amados corpos celestes", "seus mais
íntimos segredos" e as expressões verbais "tenho pena", "acariciar blocos",
"induzi-los a revelar" e várias outras.
b) Nesse trecho, ocorre uma alternância entre o uso da 1ª pessoa do singular e
o da 1ª pessoa do plural. Dê uma justificativa para o uso dessa alternância na
passagem.

Resposta: O enunciador/autor emprega a 1ª pessoa do singular quando faz


referência à sua formação, às suas reações ou às suas experiências pessoais,
sugerindo com isso que ele não integraria o grupo dos astrônomos; quando faz
referência a fatos vividos por todos os astrônomos, ele usa a 1ª pessoa do
plural, criando o efeito de inclusão, ou seja, deixando claro que ele também é
astrônomo.

4. (Enem/MEC) Leia o texto:

E se a água potável acabar? O que aconteceria se a água potável do mundo


acabasse?

As teorias mais pessimistas dizem que a água potável deve acabar logo, em
2050. Nesse ano, ninguém mais tomará banho todo dia. Chuveiro com água só
duas vezes por semana. Se alguém exceder 55 litros de consumo (metade do
que a ONU recomenda), seu abastecimento será interrompido. Nos mercados,
não haveria carne, pois, se não há água para você, imagine para o gado.
Gastam-se 43 mil litros de água para produzir 1 kg de carne. Mas, não é só ela
que faltará. A Região Centro-Oeste do Brasil, maior produtor de grãos da
América Latina em 2012, não conseguiria manter a produção. Afinal, no país, a
agricultura e a pecuária são, hoje, as maiores consumidoras de água, com
mais de 70% do uso. Faltariam arroz, feijão, soja, milho e outros grãos.

Disponível em: http://super.abril.com.br. Acesso em: 30 jul. 2012.

417

A língua portuguesa dispõe de vários recursos para indicar a atitude do falante


em relação ao conteúdo de seu enunciado. No início do texto, o verbo "dever"
contribui para expressar:

a) uma constatação sobre como as pessoas administram os recursos hídricos.

b) a habilidade das comunidades em lidar com problemas ambientais


contemporâneos.

c) a capacidade humana de substituir recursos naturais renováveis.


d) uma previsão trágica a respeito das fontes de água potável.

e) uma situação ficcional com base na realidade brasileira.

Resposta: Alternativa d.

5. O trecho a seguir foi extraído de um diálogo entre Quitéria e Tibério,


personagens do romance Incidente em Antares. Leia-o.

- Tibé, tens fama de valente. Vives contando bravatas, proezas em revoluções


e duelos... patacoadas! No entanto, tens medo de pensar na tua morte, tens
horror a encarar a realidade.

Tirou os óculos, limpou-lhes as lentes com um lencinho, e depois prosseguiu:

- Que esperas da vida?

VERISSIMO, Erico. Incidente em Antares. Porto Alegre: Globo, 1974. p. 104.

Considere, quanto ao tempo, as formas verbais desse trecho e responda aos


itens a seguir.

a) Em que tempo estão as formas "tens" (1º parágrafo), "vives" (1º parágrafo) e
"esperas" (3º parágrafo)?

Resposta: Presente do indicativo.

b) E as formas "tirou", "limpou" e "prosseguiu" (2º parágrafo)?

Resposta: Pretérito perfeito do indicativo.

c) Como se explica, no trecho, essa alteração no tempo das formas verbais?

Resposta: As formas do 1º e 3º parágrafos integram as falas de Quitéria


(discurso direto) e fazem referência a fatos que ocorrem no próprio momento
em que ela fala (presente). No 2º parágrafo, as formas do passado (pretérito)
são empregadas pelo narrador para relatar fatos já ocorridos, ou seja, fatos
anteriores ao momento da narrativa.

6. (UFMG) Leia atentamente as passagens que seguem:

a) "A causa das causas do nosso desastre pedagógico não se acharia,


portanto, nem na falta de prédios e vagas, nem nas condições de saúde, nem
na extração cultural das crianças e adolescentes do país."

BOSI, Alfredo. Jornal do Brasil, Caderno Ideias, p. 7, 10 fev. 1996.


b) A causa das causas do nosso desastre pedagógico não se acha, portanto,
nem na falta de prédios e vagas, nem nas condições de saúde, nem na
extração cultural das crianças e adolescentes do país.

Redija um texto, explicando o efeito da alteração efetuada de uma passagem


para a outra.

Resposta: Em a, o autor apresenta o fato numa perspectiva de possibilidade,


de hipótese; ele não tem plena certeza do que afirma. Em b, faz-se uma
afirmação taxativa, que deixa claro que os problemas referidos certamente não
são a causa das causas do nosso desastre pedagógico.

7. Considere os seguintes elementos formadores de um possível enunciado.

destruir

o fogo

rapidamente

a loja

a) Usando todos esses elementos, construa um enunciado em que o termo "a


loja" funcione como sujeito e, assim, ganhe mais realce. Empregue o verbo no
pretérito perfeito.

Resposta: A loja foi rapidamente destruída pelo fogo

b) A frase que você criou em a está na voz ativa ou passiva? Justifique.

Resposta: Passiva; o sujeito recebe a ação de destruir.

c) Usando os mesmos elementos, relate o acontecido, dando mais realce ao


termo "o fogo".

Resposta: O fogo destruiu rapidamente a loja.

d) A frase que você construiu em c está na voz ativa ou passiva? Justifique.

Resposta: Ativa; o sujeito "o fogo" é o agente da ação.

e) Qual das frases que você criou seria, mais provavelmente, empregada por
um bombeiro e qual seria empregada pelo dono da loja? Justifique.
Resposta: O bombeiro empregaria a frase de c, porque a ele interessa
enfatizar o fogo (já que trabalha com isso); o dono da loja empregaria a frase
de a, porque, para ele, é mais importante falar da loja.

418

8. Considerando que, na variedade culta formal, é necessário manter uniforme


o tratamento gramatical, faça o que se propõe nos itens a e b.

[Vir] comigo por estas cordilheiras!

[Pôr] teu manto e bordão e [vir] comigo,

[Atravessar] as montanhas sobranceiras

E nada [temer] do mortal Perigo!

CRUZ E SOUSA. Clamor supremo. In: PRANDINI, Paola. Cruz e Sousa. São
Paulo: Selo Negro, 2011. p. 61.

a) Observe a palavra destacada no segundo verso e flexione, no imperativo, os


cinco infinitivos que ocorrem na estrofe.

Resposta: "teu" (2ª pessoa do singular) → vem, põe, vem, atravessa, [nada]
temas.

b) Substitua o pronome "teu" pelo equivalente de 3ª pessoa do singular e


flexione novamente os infinitivos.

Resposta: 3ª pessoa do singular: "seu" → venha, ponha, venha, atravesse,


[nada] tema.

9. A regularização de formas de verbos irregulares, como ocorre, por exemplo,


em "se ele pôr" (em substituição a "se ele puser"), é um fato linguístico muito
comum, tanto na língua oral como na escrita. Quando se trata de verbos
derivados de verbos irregulares, esse processo é ainda mais frequente e
acontece, inclusive, em textos de notícias, em que, geralmente, há maior
preocupação com a adequação à variedade culta do idioma.

Considerando tal fato, leia os dois trechos a seguir:

1. O usuário só pagará pelo serviço se obter informações sobre o carro


roubado.
(Trecho de reportagem de jornal impresso)

2. Como mostram nossas imagens, o protesto dos funcionários municipais


terminou em confusão que causou danos às instalações da subprefeitura, mas
a polícia militar não interviu na ação dos manifestantes. (Fala de um repórter
transmitindo ao vivo uma notícia em um telejornal)

a) Identifique, em cada trecho, a forma verbal que não está adequada à


variedade culta e apresente as formas que deveriam ter sido empregadas.

Resposta: Em 1, obter (forma correta: obtiver); em 2, interviu (forma correta:


interveio).

b) Faça uma hipótese para explicar, em cada caso, a ocorrência da forma


inadequada.

Resposta: Os jornalistas empregaram verbos irregulares (obter e intervir)


supondo que fossem regulares. Em 1, o redator não fez a associação com o
irregular ter, do qual obter é derivado: ter → se ele tiver → obter → se ele
obtiver. Em 2, o repórter flexionou intervir (não interviu) como regular (cf. partir
- partiu), sem se dar conta de que intervir é derivado do irregular vir (vir →
veio → intervir → interveio).

c) Em qual dos dois casos é mais compreensível o descuido do jornalista? Por


quê?

Resposta: No segundo caso, por se tratar de um texto oral. Na língua falada é


mais difícil "controlar" esse tipo de ocorrência. Na língua escrita, o redator pode
reler o que escreveu e fazer as correções necessárias para adequar o texto à
situação de comunicação.

10. (Insper-SP) Considere esta frase:

"Quando a encontrar, dê o seguinte recado a ela: seu marido acreditou que,


se prendesse o animal, este não desejaria mais ficar com a família."

Se os verbos destacados fossem substituídos, respectivamente, por "ver",


"crer", "deter" e "querer", mantendo o tempo verbal, teríamos:

a) Quando a ver, dê o seguinte recado a ela: seu marido creu que, se detesse
o animal, este não quereria mais ficar com a família.
b) Quando a ver, dê o seguinte recado a ela: seu marido creu que, se
detivesse o animal, este não quereria mais ficar com a família.

c) Quando a vir, dê o seguinte recado a ela: seu marido creu que, se


detivesse o animal, este não quereria mais ficar com a família.

d) Quando a ver, dê o seguinte recado a ela: seu marido creou que, se


detesse o animal, este não queria mais ficar com a família.

e) Quando a vir, dê o seguinte recado a ela: seu marido crêu que, se


detivesse o animal, este não queria mais ficar com a família.

Resposta: Alternativa c.

419

Capítulo 3 - Classes gramaticais ▶ Palavras invariáveis

Objetivos

· Primeira parte do capítulo: 1. Conceituar advérbio e locução adverbial e


apresentar suas classificações básicas; diferenciar advérbio de adjetivo.

· Segunda parte do capítulo: 1. Conceituar preposição e apresentar as


principais relações semânticas estabelecidas por palavras dessa classe; 2.
Conceituar conjunção. 3. Conceituar interjeição e mostrar a variação
expressiva de determinadas interjeições em função do contexto.

Sugestão de procedimento

Ao tratar das palavras invariáveis, sugere-se que o(a) professor(a) trabalhe, em


cada uma das classes, prioritariamente os seguintes aspectos:

Advérbio

· A função básica dos advérbios: modificador de verbos.

· O caráter de mobilidade posicional de muitos advérbios e locuções adverbiais


(Ontem ele leu o livro; Ele ontem leu o livro; Ele leu ontem o livro; Ele leu o livro
ontem.). Depois, propor a discussão do exercício 2 da seção Exercícios
complementares (ver adiante, p. 420)

Preposição
· O papel de vínculo de subordinação (palavra principal × palavra secundária)
exercido pela preposição.

· As relações semânticas estabelecidas pelas principais preposições.

Conjunção

· Enfatizar que a conjunção liga não só orações, mas também palavras de


mesmo valor sintático.

· Reafirmar a explicação do "Fique sabendo" da p. 228. (O estudo das


conjunções será aprofundado no próximo ano, no estudo das orações.)

Interjeição

· Uma mesma interjeição pode exprimir diferentes estados de espírito,


dependendo do contexto em que for empregada. Comparar, por exemplo:

1. Nossa! Que surpresa maravilhosa vocês prepararam para mim!

Exprime alegria, surpresa, admiração, contentamento e seria pronunciada de


forma mais prolongada (Nooooossa!).

2. Nossa! Aquele carro quase atropelou aquela velhinha.

Exprime susto e seria pronunciada de forma mais breve, rápida (Nossa!).

Complementação teórica

A conversão adjetivo/advérbio

A análise a seguir é baseada no artigo "Flutuação categorial de base adjetiva


no português falado", de Margarida Basílio (In: ILARI, Rodolfo (Org.).
Gramática do português falado. Campinas: Editora da Unicamp, 2002. v. 2).

A conversão adjetivo/advérbio é um processo de formação de advérbios a


partir de adjetivos, sem alteração na forma fonológica destes últimos (um
processo diferente, portanto, dos casos em que ao adjetivo acrescenta-se o
sufixo -mente, como em: novo → novamente).

Alguns casos de conversão adjetivo/advérbio são cristalizados:

· João falou alto/baixo.

· João anda rápido demais.


Na língua coloquial, os exemplos de conversão são abundantes e expressivos:

· Aí ele foi falando macio.

· João está namorando sério.

· Ele olhou enviesado para mim.

A oposição adjetivo/advérbio baseia-se nas características dessas duas


classes: o adjetivo qualifica o substantivo e é variável (concorda com o
substantivo); o advérbio qualifica o verbo e é invariável.

A concordância (ou a ausência dela) é uma marca distintiva importante em


casos como:

· João dorme sossegado. - adjetivo [função predicativa]

· Maria dorme sossegada. - adjetivo [função predicativa]

· João fala gostoso. - advérbio

420

· Maria fala gostoso. - advérbio

· *Maria fala gostosa. - construção agramatical

Às vezes, as duas construções são possíveis:

· Maria falou engasgado. - advérbio

· Maria falou engasgada. - adjetivo

· João falou engasgado. - adjetivo ou advérbio

Há, no entanto, em muitos enunciados, fatores que impedem ou favorecem a


atuação do adjetivo como advérbio:

· Maria falou baixo. (baixo - advérbio)

· *Maria decidiu baixo. (A relação de "baixo" com o verbo "decidir" gera uma
construção agramatical.)

Sugestões de bibliografia especializada

BOMFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988. (Princípios).

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português


contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. [capítulo "Preposição"]
ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Editora da
Unicamp, 2002. [capítulos "Sobre os advérbios focalizadores"; "Advérbios
modalizadores"]

NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo:


Editora Unesp, 2000. [capítulo "O advérbio"]

PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 2000.


[capítulo "Classe de palavras em português", seção "Advérbios"]

Exercícios complementares

Os exercícios apresentados a seguir estão subdivididos em quatro grupos,


referentes às quatro classes gramaticais estudadas neste capítulo: advérbio,
preposição, conjunção e interjeição.

Advérbio

1. (Enem/MEC) Leia o texto:

Em junho de 1913, embarquei para a Europa a fim de me tratar num sanatório


suíço. Escolhi o de Clavadel, perto de Davos-Platz, porque a respeito dele me
falara João Luso, que ali passara um inverno com a senhora. Mais tarde vim a
saber que antes de existir no lugar um sanatório, lá estivera por algum tempo
Antônio Nobre. "Ao cair das folhas", um de seus mais belos sonetos, talvez o
meu predileto, está datado de "Clavadel, outubro, 1895". Fiquei na Suíça até
outubro de 1914.

BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

No relato de memórias do autor, entre os recursos usados para organizar a


sequência dos eventos narrados, destaca-se a:

a) construção de frases curtas a fim de conferir dinamicidade ao texto.

b) presença de advérbios de lugar para indicar a progressão dos fatos.

c) alternância de tempos do pretérito para ordenar os acontecimentos.

d) inclusão de enunciados com comentários e avaliações pessoais.

e) alusão a pessoas marcantes na trajetória de vida do escritor.

Resposta: Alternativa c.
2. Compare estes dois enunciados:

1. Os funcionários trabalham normalmente à noite.

2. Os funcionários normalmente trabalham à noite.

Atentando para as possíveis relações semânticas estabelecidas pelo advérbio


destacado, responda aos itens abaixo.

a) Em qual dos enunciados o advérbio pode exprimir duas diferentes relações


semânticas? Justifique.

Resposta: Em 1. Nesse enunciado, "normalmente" pode exprimir ideia de


tempo (significando "usualmente, geralmente"), ou de modo (significando "sem
problemas, sem dificuldades").

b) Que relação o advérbio estabelece no outro enunciado?

Resposta: Em 2, "normalmente" exprime apenas tempo, significando


"usualmente, geralmente".

421

c) Reescreva uma das duas frases, isolando com vírgulas o advérbio, de


maneira que ela passe a ter o mesmo sentido que a outra. Justifique.

Resposta: As vírgulas devem ser acrescentadas na frase 1: "Os funcionários


trabalham, normalmente, à noite". Com as vírgulas, "normalmente" passa a
exprimir apenas o sentido de "tempo" (= usualmente, geralmente), que é o
mesmo sentido expresso na frase 2.

3. Os advérbios geralmente se associam ao verbo, acrescentando ao sentido


dele determinadas circunstâncias. Existem, no entanto, advérbios que podem
modificar um adjetivo ou um outro advérbio. Considerando tal fato, leia a frase
abaixo e responda aos itens de a a e.

A salada estava muito bem temperada!

a) Essa frase exprime um elogio ou uma crítica ao tempero da salada?


Explique.

Resposta: Um elogio; a frase afirma que a salada estava excelente quanto ao


tempero.
b) Classifique, quanto ao valor semântico ("sentido"), os dois advérbios.

Resposta: muito - advérbio de intensidade; bem - advérbio de modo.

c) A que palavra se associa o segundo advérbio? E o primeiro?

Resposta: Bem associa-se ao adjetivo "temperada"; muito associa-se ao


advérbio "bem".

d) Excluindo-se o segundo advérbio, que alteração de sentido ocorre na frase?

Resposta: A nova frase (A salada estava muito temperada!) passa a ser uma
crítica; entende-se que havia excesso de tempero na salada.

e) Se o primeiro advérbio fosse excluído, que recurso da linguagem oral seria


necessário empregar para que a frase tivesse o sentido referido no item d?

Resposta: Para dizer que havia excesso de tempero, seria necessário


prolongar a pronúncia da vogal e do advérbio bem: A salada estava
"beeeeeem" temperada!

4. Leia este trecho de notícia, extraído de um provedor da internet:

Um telefone móvel sozinho pode derrubar um avião, diz estudo

Um estudo confidencial da Associação Internacional de Transporte Aéreo


(IATA, na sigla em inglês) [...] revelou que somente um telefone móvel ou
dispositivo eletrônico ligado durante um voo pode desligar o sistema de um
avião. Um BlackBerry ou iPad podem desvirtuar o piloto automático e acender
luzes de alerta, revelam testes. [...]

Disponível em: http://m.terra.com.br. Acesso em: 3 jun. 2016.

a) O título dessa notícia, se lido isoladamente, possibilitaria uma interpretação


absurda. Qual seria ela?

Resposta: Seria possível imaginar que o telefone móvel teria "autonomia",


"vontade própria" para tomar a decisão de derrubar um avião.

b) No corpo do texto, a palavra "somente" também cria um sentido que,


certamente, não foi o pretendido pelo redator do texto. Explique qual é esse
sentido.
Resposta: Pode-se entender "somente" com sentido de "exclusivamente,
apenas"; ou seja, um telefone móvel ou dispositivo eletrônico seriam as únicas
coisas que poderiam provocar o desligamento do sistema de um avião.

c) Fazendo as adaptações necessárias, reescreva o trecho do texto,


substituindo a palavra "somente", de maneira que fique claro o sentido
pretendido pelo redator da notícia.

Resposta: Sugestões: 1. ... revelou que um telefone móvel ou dispositivo


eletrônico ligado durante um voo é o suficiente (ou: é o bastante) para
desligar o sistema de um avião.; 2. ... revelou que basta (ou: não é necessário
mais que) um telefone móvel ou dispositivo eletrônico ligado durante um voo
para desligar o sistema de um avião.

5. (Furg-RS) Leia este trecho de texto:

[...] Que a prática de esportes faz bem para o corpo, tonifica os músculos e
melhora a capacidade respiratória, todo mundo já sabe. Mas os cientistas
descobriram que, muito além dos benefícios para o corpo, os exercícios são
ótimos para a saúde do cérebro. Não é novidade, por exemplo, que fazer artes
marciais, dança, natação, esportes coletivos - e até jogar peteca - favorece o
bombeamento de sangue, o que indica mais oxigênio pelo corpo, inclusive
para as células da massa cinzenta. Isso significa que quem faz exercícios
físicos regularmente tem risco menor de sofrer pequenos e grandes AVCs
(acidentes vasculares cerebrais), que colocam a mente e a vida em perigo. [...]

TONON, Rafael. Vida Simples, julho de 2009, p. 51.

As palavras até e inclusive, destacadas no texto, pressupõem para o leitor


que:

a) jogar peteca é mais fácil que dançar; e que o oxigênio é importante para o
nosso cérebro.

b) jogar peteca é considerada uma atividade menos importante do que fazer


artes marciais, dança, natação e esportes coletivos e que praticar exercícios
também é importante para as células de massa cinzenta.

422
c) jogar peteca não favorece o bombeamento de sangue e as células de massa
cinzenta precisam de mais oxigênio.

d) jogar peteca indica mais oxigênio pelo corpo e praticar exercícios também é
importante para as células de massa cinzenta.

e) não é novidade o que os cientistas descobriram.

Resposta: Alternativa b.

Preposição

1. (Fuvest-SP) Leia o seguinte texto jornalístico:

PARA PARA

Numa de suas recentes críticas internas, a ombudsman desta Folha propôs


uma campanha para devolver o acento que a reforma ortográfica roubou do
verbo "parar". Faz todo sentido.

O que não faz nenhum sentido é ler "São Paulo para para ver o Corinthians
jogar". Pior ainda que ler é ter de escrever.

KFOURI, Juca. Folha de S.Paulo, 22/09/2014 (adaptado).

a) No primeiro período do texto, existe alguma palavra cujo emprego conota a


opinião do articulista sobre a reforma ortográfica? Justifique sua resposta.

Resposta: A opção do jornalista pela forma "roubou" (em vez de, por exemplo,
"excluiu" ou "eliminou") evidencia nitidamente o posicionamento contrário dele
à eliminação do acento da forma verbal "para", que, antes do acordo
ortográfico, era acentuada ("pára").

b) Para evitar o "para para" que desagradou ao jornalista, pode-se reescrever a


frase "São Paulo para para ver o Corinthians jogar", substituindo a preposição
que nela ocorre por outra de igual valor sintático-semântico ou alterando a
ordem dos termos que a compõem. Você concorda com essa afirmação?
Justifique sua resposta.

Resposta: Espera-se uma resposta afirmativa. As novas redações da frase


seriam: 1. São Paulo para a fim de ver o Corinthians jogar; 2. Para ver o
Corinthians jogar, São Paulo para.

2. Considere a preposição destacada nestes enunciados:


1. Os trabalhadores, com emoção, despedem-se dos familiares e partem em
busca de trabalho nas regiões canavieiras de São Paulo.

2. Em constante luta com a saudade, os trabalhadores permanecem longos


meses distantes de suas cidades.

3. Com o final da safra, muitos trabalhadores voltam para suas regiões de


origem.

4. Muitos trabalhadores retornam para suas regiões de origem apenas com


seus sonhos.

Nos enunciados propostos, a preposição com estabelece, pela ordem, as


seguintes relações semânticas:

a) modo - causa - tempo - modo

b) causa - oposição - causa - modo

c) modo - oposição - causa - companhia

d) causa - oposição - tempo - companhia

e) modo - oposição - tempo - causa

Resposta: Alternativa c.

3. Leia estas estrofes do poema "O açúcar", de Ferreira Gullar, e considere os


elementos textuais destacados:

1 O branco açúcar que adoçará meu café

Nesta manhã de Ipanema

Não foi produzido por mim

Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

[....]

5 Este açúcar era cana

E veio dos canaviais extensos

Que não nascem por acaso

8 No regaço do vale.
GULLAR, Ferreira. O açúcar. In: _____. Toda poesia (1950-1999). Rio de
Janeiro: José Olympio, 2000. p. 165.

Relativamente aos vínculos estabelecidos pelos elementos textuais em


destaque, assinale a afirmação incorreta:

a) A preposição "em" (versos 2 e 8) estabelece, nesses versos, relações


semânticas distintas: tempo e lugar, respectivamente.

b) A preposição "por" (verso 3) estabelece um vínculo entre uma ação verbal e


o agente dessa ação.

c) O "de" expressa, nos versos 2 e 8, uma relação de especificação.

423

d) A locução prepositiva "dentro d[o]" estabelece a mesma relação semântica


que a preposição "de" no verso 6.

Resposta: [ambas indicam lugar]

e) A preposição "por", no verso 4, estabelece a mesma relação semântica que


no verso 3.

Resposta: [no v. 3 - agente; no v. 4 - modo]

Resposta: Alternativa e.

4. O trecho abaixo, extraído de um telejornal, fazia parte de uma notícia sobre


um acidente de trânsito:

Em Juiz de Fora, Minas, 2 crianças morreram e 17 ficaram feridas no choque


do ônibus em que viajavam com uma locomotiva.

A ordenação dada às palavras desse enunciado possibilita interpretá-lo de


forma lógica e também de forma absurda.

a) Para que a notícia tenha o sentido lógico pretendido pelo redator, que valor
semântico (sentido) o leitor deve atribuir à preposição "com"? Explique.

Resposta: O leitor deve atribuir a "com" o sentido de oposição (com = contra).


O redator pretendeu dizer que o ônibus chocou-se contra a locomotiva.

b) Se o leitor não fosse pragmaticamente tolerante, que valor semântico ele


poderia atribuir a essa preposição? Explique.
Resposta: Valor de companhia. O sentido seria: as pessoas estavam no
ônibus em companhia de uma locomotiva. Como num ônibus não cabe uma
locomotiva, o sentido seria absurdo.

c) Fazendo as alterações necessárias, reescreva o enunciado eliminando a


possibilidade de interpretação absurda.

Resposta: Sugestões: 1. ... no choque entre o ônibus em que viajavam e uma


locomotiva; 2. ... no choque de uma locomotiva com o ônibus em que viajavam.

Conjunção

1. (UFMG) Leia estes trechos, atentando para os conectivos neles destacados:

Trecho 1

Ouvimos o ferrolho da porta que dava para o corredor interno; era a mãe que
abria. Eu, uma vez que digo tudo, digo aqui que não tive tempo de soltar as
mãos da minha amiga...

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Globo, 1997. p. 67.

Trecho 2

Fomos jantar com a minha velha. Já lhe podia chamar assim, posto que os
seus cabelos brancos não o fossem todos nem totalmente; e o rosto estivesse
comparativamente fresco...

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Globo, 1997. p. 165.

a) Reescreva cada um dos trechos, substituindo o conectivo destacado por


outro de igual valor e fazendo as adaptações necessárias.

Resposta: No trecho 1: porque/como/já que/visto que; no trecho 2: ainda


que/embora/mesmo que.

b) Explicite o tipo de relação que cada um desses conectivos estabelece entre


as orações, nos trechos em que estão empregados.

Resposta: No trecho 1: relação de causa; no trecho 2: relação de concessão.

2. (Enem/MEC) Leia o texto:

[...]

De tudo ao meu amor serei atento


Antes e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento

[...]

MORAES, Vinicius de. Antologia poética. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.

A palavra mesmo pode assumir diferentes significados, de acordo com sua


função na frase. Assinale a alternativa em que o sentido de mesmo equivale
ao do que se verifica no 3º verso da estrofe acima.

a) "Pai, para onde fores,/ irei também trilhando as mesmas ruas..." (Augusto
dos Anjos)

b) "Agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é


modesta, com a exterior, que é ruidosa." (Machado de Assis)

c) "Havia o mal, profundo e persistente, para o qual o remédio não surtiu efeito,
mesmo em doses variáveis." (Raimundo Faoro)

d) "Mas, olhe cá, Mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre?"


(Machado de Assis)

e) "Vamos de qualquer maneira, mas vamos mesmo." (Aurélio Buarque de


Holanda)

Resposta: Alternativa c.

424

3. (Unicamp-SP) Na sua coluna diária do jornal Folha de S.Paulo de 17 de


agosto de 2005, José Simão escreve:

"No Brasil nem a esquerda é direita!"

a) Nessa afirmação, a polissemia da língua produz ironia. Em que palavras


está ancorada essa ironia?

Resposta: Nas palavras "esquerda" e "direita".

b) Quais os sentidos de cada uma das palavras envolvidas na polissemia


acima referida?
Resposta: Direita pode significar tanto uma "posição política" como indicar que
algo/alguém é "correto, honesto, ético"; esquerda, por sua vez, indica uma
posição política oposta à "direita".

c) Comparando a afirmação "No Brasil nem a esquerda é direita" com "No


Brasil a esquerda não é direita", qual a diferença de sentido estabelecida pela
substituição de nem por não?

Resposta: Em "No Brasil nem a esquerda é direita", o nem dá a entender que


ambas as posições políticas - direita e esquerda - não são éticas/honestas; já
em "No Brasil a esquerda não é direita" faz-se uma afirmação que recai
apenas sobre a posição política de "esquerda", sem sugerir qualquer
comparação (ou referência) com a posição política de "direita".

Interjeição

1. Leia esta tira humorística:

FONTE: GLAUCO. Casal Neuras. Folha de S.Paulo,16 ago. 1996.

CRÉDITO: Glauco

Nesse contexto, compare "Urru!" e "Puxa, que pena!" e responda:

a) Qual dessas duas expressões linguísticas funciona realmente como


interjeição? Justifique.

Resposta: Somente "Urru!", pois revela realmente um estado de espírito da


personagem; ela fica eufórica, demonstrando uma alegria incontida, pelo fato
de poder ir à festa sem o marido.

b) Que sentimento (ou estado de espírito) a mulher parece revelar ao empregar


a outra expressão?

Resposta: Com "Puxa, que pena!", a mulher finge ter ficado decepcionada,
chateada com a notícia que o marido lhe deu. Da oposição entre a sinceridade
expressa pelo "Urru!" e do fingimento expresso por "Puxa, que pena!" emerge o
humor da tirinha.

Capítulo 4 - Sintaxe da oração ▶ A sintaxe - conceitos gerais ▶ Sujeito e


predicado

Objetivos
· Primeira parte do capítulo: 1 . Apresentar os conceitos dos mecanismos de
seleção e combinação para a construção dos enunciados; 2. Introduzir o
conceito de sintaxe. 3. Revisar os conceitos de frase, oração e período. 4.
Introduzir os conceitos de sintaxe, termo, núcleo e termo secundário. 5.
Conceituar sujeito e predicado e fazer referência à estrutura típica das orações;
6. Sistematizar as características do sujeito e, dentro desse item, conceituar
relação morfossintática e sintagma nominal.

· Segunda parte do capítulo: 1. Classificar os diferentes tipos de sujeito


(determinado simples/composto, oculto/elíptico; indeterminado). 2. Discutir as
diferenças da palavra "se", como pronome apassivador e índice de
indeterminação do sujeito; 3. Apresentar o conceito de oração sem sujeito e os
verbos impessoais mais comuns.

Sugestão de procedimento

Este capítulo é integralmente dedicado ao estudo do sujeito. Na primeira parte,


relativamente ao conceito de sujeito como "o termo com o qual o verbo
estabelece relação de concordância", sugere-se que, se necessário, o(a)
professor(a) reveja, na seção Complementação teórica do capítulo 1, o item "O
conceito sintático de sujeito", nestas Orientações.

Ao desenvolver o estudo desse termo, é importante que o(a) professor(a) dê


ênfase à relação de concordância do verbo com o núcleo do sujeito. É
recomendável sempre enfatizar que a identificação do sujeito é fundamental
para o adequado estabelecimento da concordância verbal na variedade
padrão.

Quanto ao conceito de relação morfossintática, o desenvolvimento de uma


discussão mais breve ou mais detida fica a critério do(a) professor(a), que, para
isso, precisará levar em conta suas preferências metodológicas, o nível e a
capacidade de

425

assimilação da turma, a disponibilidade de tempo etc. Essa opção do(a)


professor(a), evidentemente, será estendida também ao estudo de todas as
demais funções sintáticas, trabalhadas nos dois capítulos seguintes.
Na seção teórica "Características do sujeito", o item b - "A substituição do
sujeito por 'ele(s)/ela(s)'" - apresenta, a título de exemplo, um caso de sujeito
um pouco mais complexo ("Algumas espécies de peixes que vivem em corais
estão em risco."). Se julgar oportuno/necessário, o(a) professor(a) poderá
discutir esse caso fazendo uso do conceito de "sintagma nominal", que, no livro
do aluno, é apresentado no Complemento teórico da p. 244. Adiante, nestas
Orientações, na seção Complementação teórica deste capítulo, são
apresentadas outras informações a respeito do conceito de sintagma que
podem ser do interesse do(a) professor(a).

Na segunda parte do capítulo, dedicada à classificação do sujeito, é importante


enfatizar, ao tratar do sujeito composto, a possibilidade de variação da
concordância verbal dependendo do posicionamento do sujeito em relação ao
verbo. O exercício 4 da seção Atividades é propício para essa análise. Quanto
às classificações da palavra "se", fica a critério do(a) professor(a),
considerando as características e expectativas dos alunos, tratar o assunto de
forma mais detida ou mais ligeira.

No estudo das orações sem sujeito, o essencial é fixar bem a característica


básica desse tipo de oração: a presença do verbo impessoal e seu emprego na
3ª pessoa do singular.

E mais... (p. 255)

Será que a maioria das orações é "bem-comportadinha"?

1. Encaminhamento da análise coletiva (1ª parte da atividade)

Esta primeira parte da atividade objetiva oferecer aos alunos alguns


parâmetros que poderão servir de orientação para a realização da pesquisa (2ª
parte da atividade). Para tanto, sugere-se esta sequência:

· Retomar o fragmento do Hino Nacional apresentado, no livro do aluno, na


seção Ponto de partida (p. 252), e relembrar (conforme já explicitado no livro do
aluno) que, nele, a ordenação sintática, com o posicionamento dos termos
numa ordem incomum atualmente, está associada ao estilo literário da época
(Parnasianismo).
· Reproduzir, na lousa, a estrofe a seguir e fazer uma breve análise de sua
estrutura sintática, propondo os itens de a a c (um de cada vez e oralmente)
para que os alunos formulem (também oralmente) as respostas.

[...]

Hoje, entre os ramos, a canção sonora

Soltam festivamente os passarinhos.

Tinge o cimo* das árvores a aurora.

Palpitam flores, estremecem ninhos.

[...]

BILAC, Olavo. Via Láctea. In: _____. O caçador de esmeraldas e outros


poemas. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 11.

Vocabulário:

*cimo: ponta, parte de cima.

Fim do vocabulário.

a) Para compreender adequadamente esse trecho, é necessário,


primeiramente, identificar o sujeito de cada um dos quatro verbos que nele
ocorrem. Lembrando que "sujeito" é o elemento da oração com o qual o verbo
estabelece concordância, identificar:

· o sujeito de "soltam" (2º verso)

Resposta: [os passarinhos]

· o sujeito de "palpitam" (4º verso)

Resposta: [flores]

· o sujeito de "estremecem" (4º verso)

Resposta: [ninhos]

b) Em relação ao 3º verso:

· Por que, nessa oração, o critério da concordância é insuficiente para


identificar o sujeito?
Resposta: Os alunos deverão observar que os dois termos ("o cimo das
árvores" e "a aurora") estão no singular; como o verbo também está no singular
("tinge"), não é possível saber com qual desses dois termos o verbo está
concordando.

· Em que elementos semânticos dessa oração precisamos nos apoiar para


identificar seu sujeito?

Resposta: Os alunos deverão observar que "tingir" significa "colorir" e que a


"aurora" (o nascer do sol) geralmente tem cor avermelhada. Daí, conclui-se que
é a aurora que tinge o cimo das árvores. Se o verbo fosse, por exemplo,
"enfeita" (e não "tinge"), não seria possível identificar o sujeito, pois seria válido
considerar duas "imagens": "A aurora enfeita o cimo das árvores" ou "O cimo
das árvores enfeita a aurora".

c) Como ficaria essa estrofe se suas orações fossem transpostas para a ordem
direta? [Sugere-se reescrever a estrofe na lousa.] Essa alteração afetaria de
alguma forma a estrofe original?

Resposta: Os passarinhos soltam festivamente a canção sonora entre os


ramos hoje. A aurora tinge o cimo das árvores. Flores palpitam, ninhos
estremecem. A ordem direta afetaria a sonoridade (ritmo/posicionamento das
tônicas e rima).

· Reproduzir, na lousa, as seguintes manchetes jornalísticas, informando, se


julgar necessário, que elas fizeram parte de uma questão proposta em um dos
vestibulares da Fuvest (SP).

✓ Esperada, na Câmara, a mensagem pedindo a decretação do estado de


guerra (Jornal do Brasil, 7 out. 1937)

✓ Encerrou seus trabalhos a Conferência de Paris (Folha da Manhã, 16 jul.


1947)

✓ Quase metade dos médicos receita o que a indústria quer (Folha de


S.Paulo, 31 maio 2010)

✓ Novo terminal de Cumbica atenderá 19 milhões ao ano (Folha de S.Paulo,


26 jun. 2011)
✓ MEC divulga hoje resultados do Enem por escolas (Zero Hora, 22 nov.
2012)

✓ Causaram viva apreensão nos EUA os discos voadores (Folha da Manhã,


30 jul. 1952)

426

A respeito desses enunciados, propor que os alunos os separem em dois


grupos: enunciados na ordem sujeito-verbo e enunciados na ordem verbo-
sujeito. Depois, propor esta pergunta: Que relação é possível estabelecer entre
a ordenação sintática dessas frases e a época em que elas foram publicadas
nos jornais?

Resposta: Espera-se que os alunos concluam que as manchetes antigas (de


1937, 1947 e 1952) caracterizam-se pela ordem indireta; as recentes, pela
ordem direta.

Concluída essa análise, dar início, então, à preparação para a realização da


pesquisa (2ª parte da atividade).

2. Sugestões relativas à 2ª parte da atividade

2.1. Em relação ao item 2.d do livro do aluno

Os grupos deverão ser orientados quanto a estes aspectos:

a) A extensão dos textos/trechos fica a critério dos alunos; convém, no entanto,


que sejam selecionados textos ou recortes que tenham por volta de 15 linhas, a
fim de evitar que o material a ser analisado fique muito extenso.

b) Os textos (tanto os orais como os escritos) deverão ser da maior variedade


possível de gêneros.

c) Os textos orais deverão ser gravados, preferencialmente, de falas "ao vivo";


quando não for possível, podem ser gravados de transmissões de rádio e TV.

d) Para propiciar a discussão proposta no item 2.3.d (a seguir), definir que um


dos textos escritos seja o mais antigo possível (de preferência publicado nos
séculos XVIII ou XIX). Sugerir que esse texto seja selecionado por meio de
pesquisa na internet.

2.2. Em relação ao item 3 do livro do aluno


Se necessário, relembrar aos alunos as formas de totalização já utilizadas em
capítulos anteriores:

· colunas de "quantidade": somar os cinco valores (um relativo a cada texto);

· colunas de "porcentagem": fazer a média aritmética dos cinco valores


referentes àquela coluna.

2.3. Em relação ao item 4 do livro do aluno

Quanto a esse item, sugere-se:

a) Definir a data de entrega dos trabalhos.

b) Determinar que cada grupo deverá entregar a tabela devidamente


preenchida e os dois conjuntos de textos (transcrições dos textos orais e
fotocópias dos textos escritos), cada um deles acompanhado de seu respectivo
quadrinho individual.

c) Consolidar os dados em uma tabela geral.

d) Com base na tabela geral, propor algumas perguntas, tais como:

· A ordem direta é mais usada na modalidade escrita ou na falada? Por que


será que isso acontece?

· A tabela mostra, na língua falada, alguma diferença significativa quanto à


preferência pela ordem sujeito-verbo ou pela ordem verbo-sujeito? E na língua
escrita?

· Será que, se compararmos textos antigos com textos atuais, há alguma


diferença quanto à maior ou menor ocorrência da ordem direta ou indireta?
[Usar os textos antigos selecionados pelos alunos para discutir esse item.]

e) Se julgar oportuno, propor que alguns alunos elaborem dois gráficos - um


para cada modalidade - a partir dos resultados gerais da tabela.

3. Subsídios teóricos relativos à atividade

Seguem algumas informações que podem ser úteis ao(à) professor(a) para,
dependendo das características da turma, ampliar a discussão com os alunos.
Elas foram retiradas, resumidamente, da obra A língua falada no ensino de
português, do linguista Ataliba Teixeira de Castilho (Contexto, 2009), na qual
nos baseamos, em parte, para elaborar esta atividade.
Berlinck (1989) foi atrás da história da ordem VS [verbo-sujeito] no Português
Brasileiro, pesquisando em documentos dos séculos XVIII a XX. [...] Os dados
de Berlinck apontam para um decréscimo da ordem VS, com 42% de
ocorrências no séc. XVIII, 31% no séc. XIX, e apenas 21% no séc. XX.

CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português.


São Paulo: Contexto, 2009. p. 101-102.

Características do sintagma nominal que, no papel de sujeito, influenciam na


ordenação sujeito-verbo ou verbo-sujeito:

Fatores que favorecem a ordem Fatores que favorecem a ordem verbo-


sujeito-verbo sujeito

Sintagma nominal foneticamente Sintagma nominal foneticamente


"leve" (isto é, que contenha até sete "pesado" (isto é, que contenha mais de
sílabas). sete sílabas).

Sintaticamente construído por


Sintaticamente construído com
complementadores (sintagma adjetival,
especificadores à esquerda do
sintagma preposicional e orações
núcleo (artigos, demonstrativos,
relativas) e posicionado à direita do
possessivos, indefinidos).
núcleo.

Semanticamente não específico e Semanticamente específico e não


agentivo. agentivo.

Informacionalmente já conhecido. Informacionalmente novo.

Textualmente mencionado pela primeira


Textualmente já mencionado.
vez.

427

Ainda conforme Castilho, o segundo par de fatores

[...] revela uma interessante harmonia entre sintagmas e sentenças: quanto


'maior' o lado esquerdo do SN-sujeito, tanto mais ele 'corre para a esquerda da
sentença', gerando a ordem SV [sujeito-verbo]. Quanto mais ele tiver crescido
para o seu lado direito, tanto maior é a tendência a se dispor no lado direito da
sentença, isto é, VS [verbo-sujeito]. Isso quer dizer que as regras mentais de
geração de sintagmas e de sentenças são as mesmas.

CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português.


São Paulo: Contexto, 2009. p. 100-101.

Complementação teórica

1. Sintaxe

Sintaxe é a estrutura da sentença ou o ramo da linguística que a estuda. Os


primeiros passos da tradição europeia no estudo da sintaxe foram dados pelos
antigos gregos, começando com Aristóteles, que foi o primeiro a dividir a
sentença em sujeitos e predicados. Depois disso, o progresso foi lento [...]

Na década de 1940 [...] o linguista americano Zellig Harris começou a


desenvolver um novo modo de considerar a sintaxe. Uma década mais tarde,
seu aluno Noam Chomsky apresentou uma versão bastante modificada das
ideias de Harris, que incluía a introdução da gramática gerativa e da versão
particular de gramática gerativa chamada gramática transformacional.
Chomsky sustentava não só que é possível tratar de sintaxe, mas que a sintaxe
é nada mais nada menos que o cerne de toda investigação linguística séria, e
convenceu toda uma geração de linguistas de que ele estava certo. Como
resultado, o estudo da sintaxe passou a ter um destaque bem maior; ainda
hoje, muitos linguistas da linha chomskiana consideram a sintaxe como o cerne
da estrutura linguística, mas os linguistas não chomskianos [...] consideram
hoje a sintaxe como apenas uma área importante, entre outras.

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. Rodolfo Ilari. São


Paulo: Contexto, 2004. p. 272-273.

2. As estruturas dos enunciados

a) A relação sujeito-predicado

A respeito da relação sujeito-predicado na constituição da oração, os linguistas


Rodolfo Ilari e João Wanderlei Geraldi expõem, na obra Semântica, a seguinte
análise:
[...] apesar da aparente simplicidade, as noções de sujeito e predicado são
bastante difíceis de se definir: nos casos claros, o sujeito da oração reúne em
si uma série de características de forma e sentido: é uma forma nominal, que
precede o verbo e acarreta nele fenômenos de concordância; funciona como
expressão referencial, isto é, serve para transformar em objeto de discurso
uma pessoa ou objeto da realidade; identifica o assunto da oração e nomeia
quem faz a ação. Nem sempre, porém, essas características aparecem juntas
em uma mesma expressão. Decidir qual seja então o sujeito torna-se um
problema espinhoso, como em:

· A garantia de sucesso são as promessas do governo.

(O critério da concordância leva a apontar como sujeito "as promessas do


governo"; o critério da ordem leva a apontar como sujeito "a garantia de
sucesso".)

· Fanático pelo Flamengo é o Pedro Martins.

(O critério da ordem leva a apontar como sujeito "fanático pelo Flamengo"; o


critério da referencialidade leva a apontar como sujeito "o Pedro Martins".)

Por tudo isso, ao invés de pensar a oposição sujeito-predicado como uma


definição de oração, convém que a pensemos como um estereótipo, um molde:
esse molde corresponde de maneira satisfatória ao modo como a maioria das
orações são construídas, e os casos em que sua aplicação é problemática não
chegam a inutilizá-lo enquanto recurso para visualizar um dos principais
processos de montagem de orações.

ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderlei. Semântica. São Paulo: Ática,


1985. p. 9.

b) Enunciados estruturados na forma de "tópico-comentário"

A respeito dessa forma de estruturação dos enunciados, diz o linguista Mário


Perini:

Há um aspecto particularmente interessante da língua falada que é a maneira


como se organiza a informação a ser transmitida. Na escrita, as frases se
organizam de preferência através de orações formadas de sujeito + predicado,
como "As quatro portas do meu carro emperraram".
Essa é a estrutura típica da escrita. No entanto, quando falamos, em geral
organizamos a mesma informação de maneira muito diferente; dizemos coisas
como "Meu carro emperrou as quatro portas". Eu não

428

quero dizer que o carro praticou a ação de emperrar as portas, nem que o carro
emperrou, mas que as portas do carro emperraram. "Meu carro" não é o sujeito
dessa oração; trata-se de uma construção diferente, não composta de sujeito +
predicado, mas obedecendo a princípios diferentes de estruturação. Vamos ver
mais alguns exemplos para deixar isso mais claro:

Essa minha barriga, só jejum.

Essa blusa de lã aí, é tudo frio?

Sabemos que esses enunciados são perfeitamente normais na fala, mas que
nunca apareceriam na escrita. Se tentarmos estudá-los tomando como
referência a análise tradicional em sujeitos e predicados, acabaremos
chegando a becos sem saída. Por exemplo, qual seria o predicado da primeira
dessas duas frases? "Só jejum"?

Mas aí nem sequer há um verbo, logo não pode ser predicado. E o predicado
da segunda frase? Não pode ser "é tudo frio", porque, primeiro, um predicado
referente a "blusa de lã" teria que ter "fria", e não "frio"; e, depois, sabemos
muito bem que "frio" não se refere à blusa (não é a blusa que está fria), mas à
sensação de frio da pessoa com quem falamos.

Essas frases estão organizadas não como sequências de sujeito + predicado,


mas como sequências de tópico + comentário. A função comunicativa do
tópico é estabelecer um quadro de referência dentro do qual o comentário (que
é o resto da frase) será entendido. [...]

PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo:


Parábola, 2004. p. 63-64.

3. Sintagma nominal

Para fixar o conceito de sintagma nominal, o(a) professor(a) pode utilizar, além
dos exemplos apresentados no livro do aluno, os enunciados a seguir e
mostrar que o SN pode ser bem simples, como no primeiro exemplo, ou
bastante complexo, como no terceiro exemplo, no qual "dentro" do SN ocorre,
inclusive, uma oração adjetiva. Independentemente de ser simples ou
complexo, o SN sempre tem como núcleo um nome (substantivo).

· Seleção fará, no domingo, último jogo amistoso do ano.


SN
SN

· Todas as ruas do nosso bairro serão asfaltadas brevemente.


SN

· Guardou na estante o livro que havia comprado pela internet.


SN

Ainda relativamente ao conceito de sintagma, podem ser de interesse do(a)


professor(a) as seguintes considerações:

A palavra sintagma designa uma unidade gramatical que é menor do que uma
oração; ou seja, ela se caracteriza por não conter todos os elementos
encontrados em uma oração.

A partir de 1940, os linguistas identificaram uma variedade de unidades com


natureza de sintagmas [...], tais como o sintagma nominal (ex.: a menina
bonita), o sintagma verbal (ex.: estava cantando no chuveiro) e o sintagma
adjetival (ex.: bonita que nem uma figura de folhinha). Cada um desses tipos
de sintagmas representa uma categoria sintagmática diferente [...] isto é,
representa um dos blocos básicos que entram na construção das sentenças.
[...]

Com uma ou outra exceção, um sintagma nominal, em português, é sempre


construído com base em um substantivo comum, e esse substantivo comum é
o núcleo do sintagma nominal, o elemento que é o principal responsável pela
natureza desse SN. Um sintagma nominal, então, é assim chamado, porque é,
normalmente, construído com base em um substantivo, ou nome, e porque
constitui uma unidade sintática completa, isto é, um sintagma.

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. Rodolfo Ilari. São


Paulo: Contexto, 2004. p. 269-271.
4. Distinção entre "sujeito determinado representado por pronomes indefinidos"
e "sujeito indeterminado"

Muitas vezes, os alunos têm dificuldades para diferenciar esses dois tipos de
construção. Caso isso ocorra, sugere-se estabelecer uma comparação entre
enunciados como estes:

1. Acordei de manhã, abri a porta da frente e vi que tinham roubado minha


bicicleta.

2. Acordei de manhã, abri a porta da frente e vi que alguém tinha roubado


minha bicicleta.

Em 1, não é possível a recuperação semântica (identificação em posições


anteriores do enunciado) de um elemento ao qual a forma verbal tinham possa
se associar; também não há nenhum elemento ocupando a casa estrutural de
sujeito. O sistema da língua prevê, nesse caso, o uso da terceira pessoa do
plural sem o elemento sujeito (sujeito indeterminado).

Em 2, também não há recuperação semântica, mas existe um elemento que


ocupa a casa estrutural do sujeito: o indefinido alguém; trata-se, então, de um
caso de sujeito determinado. O efeito de sentido

429

de 2 é semelhante ao de 1, porque o pronome indefinido se caracteriza


nocionalmente pela indefinição do referente no mundo extralinguístico.

Fonte de pesquisa: NEVES, Maria H. de Moura. Gramática na escola. São


Paulo: Contexto, 2003. p. 64.

5. Os diferentes empregos do verbo "haver"

Ao discutir a oração sem sujeito construída com o verbo haver, o(a)


professor(a) poderá comentar que, quando esse verbo tem sentido diferente de
"existir/acontecer", ele é pessoal, isto é, tem sujeito, com o qual,
evidentemente, concorda. Esses empregos, observáveis quase exclusivamente
na língua padrão, são os seguintes:

· Haver significando "portar-se, agir".


Ex.: Mesmo sofrendo uma derrota humilhante, os jogadores se houveram com
dignidade.

· Haver(-se) significando "ajustar contas".

Ex.: Teus colegas se haverão comigo, se te maltratarem.

· Haver significando "julgar, considerar".

Ex.: Os professores houveram por bem aprovar o aluno.

· Haver empregado como verbo auxiliar.

Ex.: Já eram onze horas, e eles ainda não haviam chegado.

Sugestão de bibliografia especializada

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro:


Lucerna, 2004. [capítulo "Estrutura do enunciado ou período. A oração e a
frase", seção "A oração: funções oracionais"]

KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. São Paulo: Ática,
2004.

PERINI, Mário A. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola,


2010. [capítulos "Oração", "Orações sem sujeito" e "Sujeito indeterminado"]

Exercícios complementares

1. Os trechos a seguir foram extraídos de uma reportagem de jornal sobre


problemas relacionados à repetência escolar:

1. Segundo a pedagoga, a situação econômica também agrava o índice de


repetência entre as crianças.

2. Ainda segundo a pedagoga, a ocorrência de brigas em família também


prejudicam o aprendizado da criança.

a) Transcreva o sujeito de cada um dos enunciados e aponte seus respectivos


núcleos.

Resposta: 1. "a situação econômica" - núcleo: situação. 2. "a ocorrência de


brigas em família" - núcleo: ocorrência.
b) Considerando que, na norma-padrão, o verbo concorda com o sujeito,
aponte o enunciado em desacordo com essa variedade linguística. Reescreva
o trecho, fazendo a adequação necessária e justificando.

Resposta: Frase 2. ... a ocorrência de brigas em família também prejudica... . O


verbo deve ser flexionado no singular porque o núcleo do sujeito é singular
(ocorrência).

c) Observe atentamente a estrutura do sujeito da oração referida em b e faça


uma hipótese para explicar o que teria levado o redator a se confundir.

Resposta: Ele deve ter suposto que o núcleo fosse "brigas" (plural) e
concordou o verbo com essa palavra. (Professor(a), comentar que "brigas" é,
no caso, a palavra de maior carga semântica, isto é, que mais chama a
atenção, mas, por estar regida de preposição, não pode funcionar como núcleo
do sujeito.)

2. Considere estes versos do poema "Carta", de Carlos Drummond de


Andrade:

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.

Ficaram velhas todas as notícias.

Eu mesmo envelheci: [...]

DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Carta. In: _____. Lição de coisas. Rio


de Janeiro: José Olympio, 1962. p. 75.

Relativamente aos verbos destacados, identifique a afirmação incorreta:

a) Os verbos "escrevo" e "envelheci" remetem, semanticamente, ao eu lírico,


mas seus sujeitos têm classificações diferentes: o do primeiro é determinado
elíptico; o do segundo, determinado simples.

b) "Há muito tempo" exemplifica um tipo particular de oração em português: a


oração sem sujeito.

c) Se, no primeiro verso, trocarmos "tempo" por "meses", o verbo "há", por ser
impessoal, não alterará sua forma.
d) No segundo verso, "ficaram", forma de 3ª pessoa do plural, é o núcleo
sintático de uma oração com sujeito indeterminado. Resposta: [O sujeito de
"ficaram" é "todas as notícias".]

e) O sujeito de "ficaram" é o sintagma nominal "todas as notícias".

Resposta: Alternativa d.

430

3. O trecho a seguir, extraído de um romance, relata um encontro entre dois


personagens: Chico Bento e Conceição, comadre dele.

Por que a comoveu tanto o alvoroço triste com que foi recebida por Chico
Bento, quando chegou com as passagens?

QUEIROZ, Raquel de. O quinze. In: _____. Obra reunida. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1989. p. 70.

a) O sujeito de "chegou" não ocorre explicitamente na oração, mas é


identificável pelo contexto. Identifique-o e explique como você raciocinou para
fazer a identificação.

Resposta: O sujeito é "ela" (Conceição). Para identificar esse sujeito, basta


observar o sentido da locução "foi recebida", uma vez que, quando uma pessoa
é recebida, obviamente é ela quem chegou.

b) Se a forma "recebida" fosse substituída por "abraçada", que problema de


sentido ocorreria no período?

Resposta: Não seria possível identificar o sujeito de "chegou", que poderia ser
tanto "ele" (Chico Bento) quanto "ela" (Conceição).

c) Feita a substituição referida em b, qual seria a maneira mais simples de


evitar o problema? Reescreva o trecho, fazendo a troca indicada em b e
introduzindo a alteração que você propôs.

Resposta: Bastaria explicitar o sujeito de "chegou": ... com que foi abraçada por
Chico Bento quando ela chegou com as passagens.

4. Relembre duas das classificações das vozes verbais e responda aos itens a
e b.
Voz ativa Voz passiva

O sujeito é o agente da ação verbal. O sujeito é o paciente da ação verbal.

a) Nas duas orações a seguir, identifique:

1. o sujeito

2. o agente da ação

3. o paciente da ação

4. a voz verbal

I. A ONU divulgou um novo relatório sobre a fome no mundo.

II. Ainda não foram encontradas pelos cientistas evidências de vida em outro
planeta.

Resposta: I: 1. A ONU. 2. A ONU. 3. um novo relatório sobre a fome no mundo.


4. Voz ativa. II: 1. evidências de vida em outro planeta. 2. (pel)os cientistas. 3.
evidências de vida em outro planeta. 4. Voz passiva.

b) Agora, considere o seguinte fato: em uma prova escolar, uma das questões
pedia aos alunos que definissem sujeito.

Um deles respondeu que "sujeito é o elemento que pratica a ação verbal".

Baseando-se na análise das duas orações acima, responda: esse aluno


acertou ou errou a resposta? Justifique.

Resposta: Errou. Sujeito e agente são conceitos independentes. Sujeito é um


componente sintático da oração; é o termo com o qual o verbo concorda;
agente é um componente semântico; é quem pratica a ação verbal. Às vezes,
o sujeito coincide com o agente (como na frase 1); às vezes, não (como na
frase 2). Há também casos em que o sujeito não pratica nem recebe a ação
(ex.: A madrugada estava fria).

5. Considere o verbo destacado em cada uma das seguintes orações:

1. Não desconfiaram das reais intenções do esperto vendedor o velhinho e sua


mulher.
2. Não se desconfiou, naquela ocasião, das reais intenções do esperto
vendedor.

3. Não se perceberam, naquela ocasião, as reais intenções do esperto


vendedor.

a) Justifique a flexão - singular ou plural - dos verbos em destaque.

Resposta: 1. sujeito composto ("o velhinho e sua mulher") → verbo no plural; 2.


"das reais intenções do esperto vendedor", por ser regido de preposição, não
pode ser sujeito; trata-se de um sujeito indeterminado (verbo na 3ª pessoa do
singular + "se"); 3. Voz passiva pronominal com núcleo do sujeito no plural
("intenções") → verbo no plural.

b) Classifique o pronome "se" nos enunciados 2 e 3.

Resposta: Em 2, índice de indeterminação do sujeito; em 3, pronome


apassivador.

6. O sujeito, por ser um dos termos da oração, ocorre, evidentemente, dentro


dos limites dessa oração. Levando em conta esse fato, compare a organização
sintática dos três itens a seguir e faça o que se pede.

1. Ganhei de presente um belo livro. O livro relata a história do Paraná.

2. Ganhei de presente um belo livro. Ele relata a história do Paraná.

3. Ganhei de presente um belo livro que relata a história do Paraná.

a) Em 1, o núcleo do sujeito da segunda oração é representado por um


substantivo. Transcreva-o.

Resposta: livro

b) Em relação a 2:

· Que pronome funciona como sujeito da segunda oração?

Resposta: ele

· A que palavra da oração anterior esse pronome se refere?

Resposta: (um belo) livro

431
c) Em relação a 3:

· Por que a palavra "livro" não pode ser o núcleo do sujeito da segunda
oração?

Resposta: O sujeito é um termo que ocorre dentro da oração e, no caso, a


palavra "livro" não faz parte da segunda oração; portanto, não pode ser o
sujeito dela.

· Transcreva a palavra que funciona como sujeito da segunda oração e indique


a classe gramatical dessa palavra.

Resposta: que - pronome relativo

7. A banda de rock Ultraje a Rigor fez muito sucesso nos anos 1980 com
grandes hits radiofônicos, como a canção "Inútil", cuja letra inicia-se assim:

A gente não sabemos escolher presidente

A gente não sabemos tomar conta da gente

A gente não sabemos nem escovar os dente

ULTRAJE A RIGOR. Acústico MTV. Rio de Janeiro: Deckdisc, 2005.


Disponível em: www.vagalume.com.br/ultraje-a-rigor/inutil.html. Acesso em: 17
maio 2016.

Relativamente a esse trecho de música, responda aos itens a e b a seguir.

a) Que incorreção a norma culta gramatical apontaria nesse trecho?

Resposta: Um erro de concordância da forma verbal no plural ("sabemos") com


o sujeito no singular ("a gente"). Note-se, ainda, a ausência de concordância do
artigo definido masculino plural "os" com o substantivo "dente", flexionado no
singular (3º verso).

b) Elabore uma hipótese para explicar o que teria levado o compositor a


escolher uma forma de concordância divergente da norma culta gramatical.

Resposta: Espera-se que os alunos percebam a presença de certa ironia


autoindulgente do eu lírico, que parodia um discurso socialmente
desprestigiado, com o objetivo de expor uma crítica bem-humorada a uma
sociedade cujos integrantes não saberiam exercer as mais elementares
atividades cotidianas (como "escovar os dente"), nem deveres básicos da
cidadania (como "escolher presidente").

Capítulo 5 - Sintaxe da oração ▶ Os verbos no predicado ▶ Termos


associados ao verbo

Objetivos

· Primeira parte do capítulo: 1. Distinguir e classificar os tipos básicos de


verbos formadores do predicado: verbo de ligação e verbo significativo ou
nocional; 2. Classificar, quanto à transitividade, os verbos significativos.

· Segunda e terceira partes do capítulo: Apresentar e caracterizar os termos


associados ao verbo: objeto (direto e indireto), agente da passiva e adjunto
adverbial.

Sugestão de procedimento

Na primeira parte do capítulo, ao tratar do verbo de ligação, convém que o(a)


professor(a) enfatize a relação de "mão dupla" entre ele e o predicativo: a
presença de um implica a presença de outro. Se julgar necessário, o(a)
professor(a) poderá detalhar as características sintático-semânticas dos verbos
de ligação, apresentando à turma o quadro do item 2 da seção
Complementação teórica destas Orientações (ver na página seguinte).

Muitas vezes, os alunos trazem, dos anos anteriores, uma lista decorada dos
verbos de ligação (ser, estar, ficar etc.); por isso, é importante chamar a
atenção para o complemento teórico apresentado, no livro do aluno, no final da
seção teórica sobre o verbo de ligação: esses verbos - ser, estar, ficar,
permanecer etc. - nem sempre são de ligação; eles podem funcionar como
ligação.

O conceito de transitividade/intransitividade é bastante complexo, motivo de


divergências entre os estudiosos e também de muita insegurança para os
alunos. Assim, considerando os limites e os objetivos de um curso escolar de
gramática, sugere-se que o(a) professor(a) se atenha ao essencial, enfatizando
que a identificação do complemento de um verbo, num determinado texto, é
importante, do ponto de vista funcional, pelo conteúdo informativo que tal
elemento traz para o texto; já do ponto de vista teórico, constitui um pré-
requisito indispensável para o estudo de regência verbal, aspecto sintático
relevante quando se trata de utilizar a variedade culta formal e que será
trabalhado no terceiro ano.

O quadro apresentado no item 3 da Complementação teórica destas


Orientações (ver adiante) pode servir de apoio para o(a) professor(a) discutir os
conceitos de intransitividade, transitividade e complemento verbal.

Na segunda e terceira partes do capítulo, em que são trabalhados os termos


associados ao verbo - objeto direto/indireto, agente da passiva e adjunto
adverbial -, sugere-se que o(a) professor(a) leve em consideração estes
aspectos:

· Não é didaticamente recomendável utilizar o recurso de identificar o objeto


por meio da estrutura interrogativa "[sujeito] + [verbo] + [o quê/em quê/de
quem/com quem etc.]?", pois tal artifício, além de, em muitos casos, não
identificar adequadamente o complemento, mecaniza a análise e impede que
os alunos depreendam as reais relações sintático-semânticas que se
estabelecem entre o verbo e seu complemento. É necessário, por isso, que
o(a) professor(a) enfatize o aspecto lógicosemântico que caracteriza o objeto:
ele é o alvo/resultado/destinatário/beneficiário etc. do processo verbal.

· No estudo do agente da passiva, importa enfatizar: 1. Na passiva, o objeto


direto da ativa passa a funcionar como sujeito, razão pela qual, em princípio,
somente VTD ou VTDI admitem voz passiva. Relativamente a esse princípio
sintático, convém comentar que, na língua portuguesa atual, certos verbos
transitivos indiretos vêm sendo empregados, mesmo na variedade culta formal,
na voz passiva (ex.: Voz ativa: Dez mil torcedores assistiram ao jogo. → Voz
passiva: O jogo foi assistido por dez

432

mil torcedores.); 2. O papel funcional da transformação voz ativa → voz


passiva, que já foi discutido na seção "Para que servem, na prática do idioma,
as vozes verbais?" do capítulo 2 (verbo).

· Quanto aos adjuntos adverbiais, o mais relevante a destacar é que a


classificação é bastante ampla, uma vez que tal classificação se baseia no
conteúdo semântico (sentido) expresso pelo adjunto no enunciado.
Complementação teórica

1. Tipos de predicado

A tradicional classificação do predicado não é apresentada no livro do aluno


por se tratar de um item estritamente teórico, sem qualquer relevância para o
uso funcional do idioma e sem relevância também para a discussão de outros
assuntos posteriores. No entanto, se o(a) professor(a), considerando as
características e interesses de seus alunos, julgar necessário fazer referência
ao assunto, poderá apresentar à turma um quadro assim:

Classificação
Característica Exemplos
do predicado

Seu núcleo sintático e semântico é um [Os alunos]


Verbal verbo significativo (intransitivo ou comemoravam o fim do
transitivo). ano letivo.

Apresenta dois núcleos: um núcleo


sintático (o verbo de ligação) e um [Os alunos] estavam
Nominal
núcleo semântico (o predicativo do felizes.
sujeito).

[Os alunos]
Tem dois núcleos: um núcleo sintático comemoravam felizes o
e semântico (verbo significativo) e um fim do ano letivo.
Verbo-nominal
núcleo semântico (o predicativo do [As chuvas] tornaram
sujeito ou do objeto). intransitáveis as
estradas da região.

2. Relações sintático-semânticas estabelecidas pelos verbos de ligação

O verbo de ligação não tem, por si mesmo, um sentido próprio, mas pode
estabelecer diferentes relações entre o sujeito e o predicativo. As mais comuns
são as seguintes:

Verbos de ligação Relações de sentido Exemplos


ser estado permanente As crianças são curiosas.

estar estado ocasional Por que você estava triste?

parecer estado aparente A cidade parecia um deserto.

viver Nosso amigo vive doente.


continuar estado contínuo O tempo continua muito frio.
permanecer A situação permanecia indefinida.

ficar Sem você aqui, eu ficaria nervoso.


mudança de estado
virar O famoso piloto virou herói nacional.

3. Verbo intransitivo, verbo transitivo e complemento

Uma conceituação básica de verbo intransitivo e de verbo transitivo pode ser


estabelecida a partir da comparação a seguir:

O garoto chorou O garoto agrediu

O sentido da ação está inteiramente O sentido da ação não está inteiramente


contido na forma verbal chorou. contido na forma agrediu.

A ação de chorar exige apenas um A ação de agredir exige dois elementos:


elemento: o agente (no caso, o um agente (o agressor) e um
garoto). paciente/alvo (o agredido).

A ação de chorar não se estende, não


O sentido da ação de agredir é
transita até outro elemento da oração.
incompleto. Ele só se completa quando
Ela é uma ação completa em si
transita até um paciente, ou seja, é uma
mesma, ou seja, é uma ação
ação transitiva.
intransitiva.

O verbo que não requer um elemento Classifica-se como transitivo o verbo


sobre o qual recaia o fato verbal que requer um elemento (alguém ou
classifica-se como intransitivo. alguma coisa) sobre o qual recaia o fato
verbal. Esse elemento denomina-se
objeto.

O garoto chorou. O garoto agrediu o colega.


sujeito v. intransitivo sujeito v. trans. objeto

433

Nos verbos transitivos, o processo verbal parte de um agente e vai até o objeto,
que, além de representar o paciente (ou alvo do fato verbal), pode representar
o destinatário, o beneficiário ou o produto/resultado desse fato. O objeto é,
portanto, o "ponto de chegada" de um processo verbal transitivo.

4. Os pronomes complementos no português brasileiro

Os pronomes complementos - principalmente as formas o, a, os, as - estão


sendo eliminados no português brasileiro. Para evitá-los, os falantes tendem a
usar um destes recursos:

1. Repetir o termo que o pronome substituiria.

Ex.: Seu filho estava no show; eu vi seu filho lá.

2. Usar o pronome sujeito correspondente.

Ex.: Seu filho estava na festa; eu vi ele lá.

[Opção rejeitada por falantes altamente escolarizados.]

3. Omitir o pronome complemento.

Ex.: Seu filho estava na festa; eu vi lá.

Fonte de pesquisa: SILVA, Rosa V. Mattos e. Ensaios para uma sócio-


história do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2004. p. 144.

Sugestões de bibliografia especializada

GARCIA, Afrânio da Silva. Verbos tritransitivos no português. Disponível em:


http://tub.im/x4r5jo. Acesso em: 18 maio 2016.

ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Editora da


Unicamp, 2002. cap. 8 a 13.
MATEUS, Maria H. Mira et al. Gramática da língua portuguesa. Coimbra:
Almedina, 1983. cap. "Funções sintácticas e esquemas funcionais".

Exercícios complementares

1. Uma campanha de educação para o trânsito, veiculada na TV pelo Ministério


das Cidades, era finalizada pela seguinte recomendação:

Tire férias. Não tire vidas.

Resposta: (Obs.: Nos dicionários, o verbo tirar aparece com mais de 40


acepções.)

Comparando as duas ocorrências do verbo tirar, é correto afirmar que, nesse


contexto, ele apresenta:

a) o mesmo valor semântico, mas diferentes transitividades.

b) o mesmo valor semântico e a mesma transitividade.

c) diferentes valores semânticos, mas a mesma transitividade.

Resposta: c [ambos são VTD].

d) diferentes valores semânticos e diferentes transitividades.

Resposta: [tirar (férias) = usufruir; tirar (vidas) = eliminar]

e) em uma das duas ocorrências, o mesmo valor semântico que na frase "Essa
câmera digital tira excelentes fotografias".

Resposta: [tirar fotos = fazer/produzir].

2. Leia este trecho de crônica, atentando para os verbos que foram


destacados:

O camarada chegou assim com ar suspeito, olhou pros lados e - como não
parecia ter ninguém por perto - forçou a porta do apartamento e entrou. Eu
estava parado olhando, para ver no que ia dar aquilo. Na verdade eu estava
vendo nitidamente toda a cena e senti que o camarada era um mau-caráter.

PONTE PRETA, Stanislaw. Testemunha tranquila. In: _____. Garoto linha


dura. Rio de Janeiro: Agir, 2009. p. 73.

a) Classifique, quanto à transitividade, os quatro verbos significativos


destacados no primeiro período.
Resposta: Chegou/olhou/entrou - verbos intransitivos; forçou - transitivo
direto ("a porta do apartamento" - objeto direto).

b) No trecho, a forma "estava" ocorre duas vezes. Explique por que na primeira
ocorrência ela se classifica como verbo de ligação, mas na segunda não.

Resposta: Em "Eu estava parado", "parado" é uma característica (predicativo)


atribuída ao sujeito (eu) por meio da forma verbal "estava" (verbo de ligação);
em "eu estava vendo", não há predicativo; portanto, "estava" não funciona
como verbo de ligação (ele é o verbo auxiliar da locução "estava vendo").

c) O verbo "olhando" tem um complemento elíptico/oculto. Qual poderia ser,


em função do contexto, esse complemento? Quanto à transitividade, como se
classifica, nesse caso, o verbo "olhar"?

Resposta: O complemento poderia ser: "a cena", "o camarada", "as atitudes do
camarada", termos com função de objeto direto; portanto, "olhar" é transitivo
direto.

d) No último período, o verbo "senti" é transitivo. Que segmento textual


funciona como complemento (objeto) dele?

Resposta: O objeto é a oração "que o camarada era um mau-caráter".

434

3. Leia esta afirmação do poeta norte-americano T. S. Eliot:

Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam.

Para compreender essa crítica, o leitor precisa "completar" o sentido dos dois
verbos com termos que sejam adequados ao sentido geral da afirmação.
Explicite, para cada verbo, qual poderia ser esse complemento (objeto).

Resposta: Sugestões: 1. "imitam" poderia ser completado, por exemplo, com


"outros poetas", "poetas famosos", "o estilo de outros poetas"; 2. "roubam"
poderia ter como objeto "poemas", "temas", "assuntos", "ideias para seus
poemas".

4. Leia esta opinião de Mae West, famosa atriz de Hollywood, a respeito do


hábito de registrar em diário os fatos marcantes da vida cotidiana.

"Mantenha um diário, querida, e um dia ele a manterá."


Relativamente a esse período, assinale a alternativa incorreta.

a) O termo "ele" é um anafórico que retoma "um diário", funcionando, na


segunda oração, como sujeito de "manterá".

b) Os termos "um diário" e "a" exercem a mesma função sintática em relação


aos verbos aos quais se associam.

c) A forma verbal "mantenha" e o pronome "a" indicam que a atriz trata sua
interlocutora na 3ª pessoa do singular.

d) O verbo "manter" tem, nos dois casos, o mesmo valor semântico, isto é, o
mesmo sentido.

Resposta: ["mantenha" = produza, escreva continuamente; "manterá" =


sustentará, gerará recursos para a pessoa viver]

e) A atriz dá a entender que os fatos registrados em um diário podem, no


futuro, ser usados por quem os registra para obter vantagens financeiras.

Resposta: Alternativa d.

5. Considere a organização sintática destes itens:

1. Todos gostaram do livro. Eu comprei o livro.

2. Todos gostaram do livro. Eu o comprei.

3. Todos gostaram do livro. O livro eu comprei.

4. Todos gostaram do livro que eu comprei.

a) Qual é o objeto de "comprei" em 1 ? E em 2?

Resposta: Em 1, "o livro"; em 2, "o".

b) Qual é o objeto de "comprei", em 3?

Resposta: "o livro"

c) Por que, em 4, o termo "o livro" não pode funcionar como objeto de
"comprei"?

Resposta: Porque "o livro" não ocorre na oração em que está o verbo
"comprar".

d) Qual é, então, o objeto de "comprei", em 4?


Resposta: "que" (pronome relativo)

6. Vamos supor que os seguintes fatos tenham ocorrido em um pequeno porto,


onde estavam ancorados alguns barcos:

· Houve um violento temporal.

· Os barcos ficaram imprestáveis.

Para relatar esses fatos, duas pessoas construíram estes enunciados:

Falante 1: - O temporal destruiu os barcos.

Falante 2: - Os barcos foram destruídos pelo temporal.

Responda:

a) Quanto à voz verbal, qual é a diferença entre os dois enunciados?

Resposta: O primeiro está na voz ativa (o sujeito - "o temporal" - é agente); o


segundo, na voz passiva (o sujeito - "os barcos" - é paciente).

b) Qual dos dois falantes é, mais provavelmente, proprietário de um dos barcos


destruídos? Como a organização sintática dos enunciados possibilita essa
suposição?

Resposta: O falante 2. Ao relatar o fato, ele optou por construir a frase de


maneira que o termo "barcos" ocupasse a posição de sujeito. Dessa forma, o
falante dá maior ênfase a esse termo, evidenciando que tal elemento é, para
ele, de maior interesse que o temporal.

Capítulo 6 - Sintaxe da oração ▶ Termos associados a nomes ▶ Vocativo

Objetivos

· Primeira parte do capítulo: Apresentar dois termos associados ao nome e


caracterizar o papel sintático e as características deles: adjunto adnominal e
predicativo (do sujeito e do objeto).

· Segunda parte do capítulo: 1. Caracterizar o papel sintático e as


características dos outros dois termos associados a nomes: complemento
nominal e aposto; 2. Conceituar vocativo.

Sugestão de procedimento
Na introdução deste capítulo, convém que o(a) professor(a) volte a fazer
referência ao conceito de hierarquia sintática: dentro de um termo maior pode
haver outro(s) termo(s) menor(es).

435

Na primeira parte, ao tratar dos dois primeiros termos relacionados a nomes -


adjunto adnominal e predicativo - , convém enfatizar que eles têm função
descritiva (ambos são caracterizadores do nome) e trabalhar detidamente a
seção teórica "Diferença entre predicativo e adjunto adnominal", que apresenta
o critério de diferenciação entre esses dois termos a partir da oposição
"característica circunstancial" x "característica constante", lembrando sempre
que essa oposição é marcada nos limites do ato de comunicação. Assim, se o
locutor constrói o enunciado "Com um sorriso, a garotinha tímida agradeceu o
presente", ele está pressupondo que seu interlocutor sabe, de antemão, que a
garotinha referida tem uma característica que lhe é peculiar: ser tímida. Se, no
entanto, ele constrói "Com um sorriso, a garotinha agradeceu tímida o
presente", está apresentando um dado novo para o interlocutor; está
informando que, naquela situação, a garotinha mostrou-se tímida,
subentendendo que nem sempre ela é assim.

Na segunda parte, ao tratar do complemento nominal, não é necessário insistir


na (muitas vezes sutil) diferença entre esse termo e o adjunto adnominal. O
fundamental é que os alunos, com sua experiência como falantes, percebam
que, em um enunciado como "A invenção do avião mudou o mundo", o
elemento "do avião" é alvo da ação expressa pelo nome "invenção" e que em
"A invenção de Santos Dumont mudou o mundo", "de Santos Dumont" é o
agente da ação expressa pelo nome.

Ao tratar do aposto, é importante comentar que, muitas vezes, esse termo tem
uma função que vai além do simples papel informativo (de esclarecer melhor o
sentido do nome), pois o locutor pode empregá-lo com uma carga ideológica,
com a intenção de obter um efeito discursivo favorável ou desfavorável ao
elemento caracterizado. Para exemplificar esse fato, o(a) professor(a) pode
comparar enunciados como estes:
1. O ex-prefeito, um excelente administrador, anunciou sua candidatura a
governador.

2. O ex-prefeito, um corrupto descarado, anunciou sua candidatura a


governador.

O exercício 3 da seção Agora é sua vez possibilita discutir essa função


discursiva do aposto a partir da comparação de duas manchetes jornalísticas.

Quanto ao vocativo, o mais relevante é fazer referência à pontuação


(vírgula/as) do vocativo e enfatizar a função discursiva desse termo. O
exercício 4 da seção Agora é sua vez é bastante adequado para tratar desse
aspecto do vocativo.

Sugestões de bibliografia especializada

AGUIAR, Milena Torres de. Adjunto adnominal, adjunto adverbial e aposto:


termos acessórios? Disponível em: http://tub.im/mnsxjz. Acesso em: 18 maio
2016.

HENRIQUES, Cláudio Cezar. Sintaxe. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

MATEUS, Maria H. Mira e outros. Gramática da língua portuguesa. Coimbra:


Almedina, 1983. [capítulo "Categorias sintáticas"]

Exercícios complementares

1. Compare os dois enunciados e, relativamente a eles, identifique as


afirmações verdadeiras e as falsas.

1. Os invasores deixaram destruída a cidade.

2. Os invasores deixaram a cidade destruída.

a) Nenhuma das duas frases é ambígua.

b) Em 1, "deixaram" significa "tornaram".

c) Em 2, "deixaram" pode significar "tornaram" ou "foram embora".

d) Em 1, entende-se que a cidade, pela ação dos invasores, passou a ter uma
característica nova.

e) Em 1, "destruída" é adjunto adnominal.


f) Em 2, "destruída" pode ser adjunto adnominal (característica constante) ou
predicativo do objeto (característica circunstancial), dependendo do sentido que
se atribuir ao verbo "deixar".

g) As frases 1 e 2 são sintaticamente bem organizadas.

Respostas: a) F (a frase 2 é ambígua); b) V; c) V; d) V; e) F (é predicativo do


objeto); f) V; g) F (a frase 2, por ser ambígua, não é sintaticamente bem
organizada).

2. Sabe-se que o bom funcionamento do coração de uma pessoa relaciona-se


às condições físicas, psicológicas e emocionais a que ela está sujeita em sua
vida cotidiana.

Levando em consideração esse fato, compare os dois enunciados abaixo


quanto à organização sintática e ao sentido e, a respeito deles, responda à
pergunta proposta.

1. O fazendeiro entrou preocupado no banco.

2. O comerciante preocupado entrou no banco.

Qual dessas duas pessoas corre maior risco de sofrer um ataque cardíaco?
Justifique sua resposta.

Resposta: O comerciante. Em 1, o fazendeiro estava preocupado somente


naquela situação; trata-se de uma ocorrência ocasional; em 2, entende-se que
o comerciante está sempre preocupado, ou seja, mais pressionado pelas
condições cotidianas e, portanto, mais sujeito a um ataque cardíaco.
(Observação: Em 1, "preocupado" é predicativo; em 2, é adjunto adnominal.)

436

3. A frase abaixo, por se apresentar fora de contexto, admite mais de um


sentido. Leia-a com atenção e responda aos itens propostos.

Alguns participantes da caminhada acharam a trilha fácil.

a) Esclareça os três sentidos que podem ser atribuídos a ela.

Resposta: Pode-se entender que alguns participantes: 1. Localizaram uma


trilha considerada fácil de percorrer (em oposição a uma trilha difícil). 2.
Julgaram que a trilha tinha sido percorrida com facilidade. 3. Localizaram com
facilidade (sem problemas) a trilha.

b) Identifique, para cada um dos sentidos que você apontou em a, a função


sintática do termo "fácil".

Resposta: 1: adjunto adnominal (característica constante/fixa do nome


"trilha"); 2: predicativo do objeto (característica circunstancial atribuída ao
objeto "a trilha" por alguns participantes da caminhada); 3: adjunto adverbial
de modo (localizaram facilmente a trilha).

c) Se o termo "fácil" fosse substituído por "difícil", qual dos três sentidos
deixaria de ser possível?

Resposta: O sentido 3 (referido em a). Em "Alguns participantes acharam a


trilha difícil" não seria possível interpretar "difícil" como adjunto adverbial de
modo. Para obter o sentido 3, seria necessário trocar "difícil" por "com
dificuldade": "Alguns participantes da caminhada acharam a trilha com
dificuldade" (ou: Alguns participantes acharam, com dificuldade, a trilha).

4. Leia este título de notícia transcrito de um provedor da internet:

RJ: Idosas ajudam na prisão de falso sequestrador por telefone.

Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/rj-idosas-ajudam-na-


prisao-de-falso-sequestrador-por-
telefone,acca292573d2b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em:
17 maio 2016.

a) Explique os dois sentidos que podem ser atribuídos a esse enunciado e


indique, para cada sentido, a função sintática do termo causador da
ambiguidade.

Resposta: 1. Usando o telefone, as idosas ajudaram na prisão do falso


sequestrador (nesse sentido, "por telefone" funciona como adjunto adverbial
de meio/maneira). 2. As idosas ajudaram a prender um falso sequestrador que
utilizava o telefone para aplicar seus golpes. (Nesse sentido "por telefone"
associa-se a sequestrador e funciona como adjunto adnominal.)

b) Fazendo as mínimas alterações necessárias, reescreva o enunciado duas


vezes, deixando claros seus dois sentidos possíveis.
Resposta: Sugestões: 1. Por telefone, idosas ajudam na prisão de falso
sequestrador; 2. Idosas ajudam na prisão de falso sequestrador que agia por
telefone.

5. Leia este trecho do romance Quincas Borba, de Machado de Assis.

Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor,


vexado daquele pensamento, arrepiou caminho, buscou outro assunto, uma
canoa que ia passando; o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria.
Que lhe importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Rubião
acompanham, arregalados? Ele, coração, vai dizendo que, uma vez que a
mana Piedade tinha de morrer, foi bom que não casasse [...].

ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Capítulo II. Disponível em:


http://machado.mec.gov.br. Acesso em: 17 maio 2016.

a) O termo "arregalados" funciona, sintaticamente, como adjunto adverbial,


adjunto adnominal ou predicativo do sujeito? Justifique.

Resposta: Predicativo do sujeito (característica circunstancial atribuída ao


sujeito "os olhos de Rubião"). A concordância evidencia essa relação: "olhos"
(masc./plural) - "arregalados" (masc./plural).

b) No trecho, ocorrem dois apostos. Transcreva-os.

Resposta: 1. "uma canoa que ia passando" - aposto de "outro assunto"; 2.


"coração" - aposto de "ele".

c) Qual dos dois apostos referidos em b não poderia ser excluído, sob pena de
causar um problema de sentido no trecho? Explique que problema seria esse.

Resposta: O segundo. A eliminação de "coração" geraria uma ambiguidade,


pois o pronome "Ele" poderia retomar o termo "coração" (O coração vai
dizendo...) ou o termo "Rubião" (Rubião vai dizendo...).

6. Leia este trecho do poema "Noturno de Belo Horizonte".

Dorme Belo Horizonte.

Seu corpo respira de leve o aclive vagarento das ladeiras...

Não se escuta siquer* o ruído das estrelas caminhando...

Mas os poros abertos da cidade


Aspiram com sensualidade com delícia

O ar da terra elevada.

ANDRADE, Mário de. In: _____. Poesias completas. Belo Horizonte: Itatiaia,
2005. p. 189.

Vocabulário:

*siquer: opção ortográfica do autor; sequer.

Fim do vocabulário.

437

A respeito de alguns aspectos da organização sintática desse trecho, verifique


se cada uma das afirmações a seguir está certa (C) ou errada (E).

a) Entende-se que o eu lírico fala diretamente com Belo Horizonte.

b) A forma verbal "dorme" funciona como imperativo; o autor sugere à cidade


que ela deve dormir.

c) O autor se refere a Belo Horizonte e afirma que ela está dormindo.

d) Houve um descuido na transcrição do trecho; deveria haver,


necessariamente, uma vírgula isolando "Belo Horizonte", que, nesse contexto,
só pode funcionar como vocativo.

e) Se for acrescentada uma vírgula para isolar o termo "Belo Horizonte", será
necessário, para manter a uniformidade de tratamento, substituir "seu" (corpo)
por "teu" (corpo).

f) O quarto verso permite concluir que o eu lírico fala a respeito de Belo


Horizonte, e não com a própria cidade; disso se conclui que, no primeiro verso,
Belo Horizonte não funciona como vocativo, e sim como sujeito.

Respostas: a) E; b) E; c) C; d) E; e) C; f) C.

7. Em uma propaganda de refrigerante veiculada pela TV, uma adolescente e


um homem encontram-se casualmente num elevador. Ela está tomando o
refrigerante e ele tenta iniciar um diálogo, do qual segue uma reprodução
aproximada.

O homem: - Tá calor, né?


A adolescente: - Hã, hã.

O homem: - Tá gostoso o refrigerante?

A adolescente: - Hã, hã.

O homem: - Qual é o nome da gracinha?

A adolescente: - Tio, aperta o botão do 6º andar!

a) Aponte, no diálogo, o termo que funciona, sintaticamente, como vocativo.

Resposta: "Tio"

b) Levando em conta o contexto, explique a intenção do falante ao escolher


esse vocativo.

Resposta: A jovem teve a intenção de "aumentar a distância", ou seja, evitar


intimidade entre ela e o interlocutor. Com esse vocativo, ela dá a entender que
ele é velho e que não tem a menor chance de conquistá-la.

438

Leitura e produção de textos

ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS

Objetivos, sugestões de procedimentos e de atividades

Capítulo 1 - Resumo e resenha

Proposta

Apresentar sinteticamente o trabalho com o gênero resumo, conjugando-o com


prática de fazer resenhas, ou seja, acrescentar comentários críticos aos textos
resumidos, a partir de uma determinada situação comunicativa.

Objetivo

Enriquecer o processo de leitura e produção textuais por meio de


procedimentos que ajudem os alunos a registrar o que leram, como
compreenderem e o que acharam do texto lido, desenvolvendo sua capacidade
de síntese, seu gosto estético e seu senso crítico.

Sugestão de procedimento

Primeira leitura (p. 295)


Resenha do filme A noiva cadáver, de Tim Burton

A resenha apresentada no livro do aluno traz uma apreciação do filme de


animação A noiva cadáver, de Tim Burton. Sugerimos que, se possível, a turma
seja preparada para a realização das atividades propostas, assistindo
previamente ao filme e realizando uma pesquisa a respeito da produção
cinematográfica: quem são os personagens, como a animação foi construída,
quem são os atores que dão "voz" aos personagens etc.

Em tom de conversa (p. 296)

Na questão 3, sugerimos que o(a) professor(a) oriente o debate a respeito dos


significados do termo "clássico", ressaltando que não existem apenas os
clássicos consagrados pelo cânone, mas também os clássicos modernos e
contemporâneos, em todos os gêneros artísticos, do mais erudito ao popular.
Enfim, é possível considerar clássica uma obra bem realizada e com qualidade
que mereça permanecer e tornar-se referência ao longo dos anos, na medida
em que se torna exemplar para a elaboração de outras do mesmo gênero.

Na questão 4, o objetivo é mobilizar os conhecimentos dos alunos sobre a


resenha, enfatizando que a finalidade da resenha escolar é resumir e comentar
criticamente um conteúdo, de qualquer disciplina. Nesse sentido, esse gênero
textual serve como ferramenta de estudo. O meio em que ele circula é o
ambiente escolar e seus enunciatários são os colegas de classe, o(a)
professor(a) e funcionários da escola.

Releitura (p. 296)

As atividades de 1 a 4 objetivam, por meio da leitura atenta, refinar o


reconhecimento da parte do texto em que ocorre o resumo e da parte em que
ocorre o comentário crítico.

E mais... (p. 297)

Produção e apresentação de resenha

Esse trabalho sobre resenha propagandística envolve produção de texto crítico


e a leitura em voz alta, podendo ser bastante enriquecido com uma discussão
sobre as variações dos contextos de fala, tão importantes quanto os de escrita.
Por exemplo, aqui temos uma situação formal de uso da linguagem, que
consiste em ler um texto de forma inteligível e articulada, a fim de conseguir a
atenção e a adesão dos ouvintes. Isso implica a produção de um texto que
apresente elementos facilitadores desse tipo de leitura, como frases curtas,
concisão, seleção dos acontecimentos narrados, vocabulário comum ao
"auditório" etc.

Atividades (p. 299)

1. Sugerimos que seja realizada em três etapas:

I. Os alunos produzem individualmente o resumo e o comentário sobre cada


crônica.

II. A classe é dividida em dois grupos e cada um fica responsável por uma das
crônicas. Reunidos, os alunos leem e discutem os trabalhos realizados, unindo
as respostas dos itens a e b e reorganizando, por meio de complementação e
seleção, os elementos neles presentes, de modo que produzam uma resenha.

439

III. A classe apresenta um painel de resenhas, que pode ser colocado num
mural e, depois de algum tempo, substituído por outras resenhas, sobre livros,
filmes, espetáculos de música, de teatro etc. Sugerimos também a reiteração
da importância do gênero textual crônica, que, como o diário pessoal, a ser
estudado no próximo capítulo, mistura livremente os tipos de texto: apresenta
características, conta casos, expõe ideias. Ressaltar a beleza poética, o lirismo
e a simplicidade das crônicas lidas, resumidas e resenhadas.

2. Sugerimos que seja realizada por grupos de alunos e apresentada oralmente


à classe, se possível com material iconográfico, conseguido pelos alunos.

Leitura (p. 300)

É importante o(a) professor(a) perceber que as atividades de resenhas de


livros desenvolvem-se por meio de um processo que se inicia com dois tipos de
relato sobre o mesmo livro: A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector. Na
exposição teórica, apresenta-se um relato informal, com base em sensações e
sentimentos provocados pela leitura do livro.

Em tom de conversa (p. 300)


Aqui há um segundo relato, que utiliza a linguagem objetiva e um tom formal,
contextualizando o romance e comentando-o sinteticamente. Essa passagem
do contexto de informalidade para o de formalidade e a passagem das
experiências subjetivas para as objetivas de leitura e produção textual
constituem os movimentos pelos quais procuramos articular o desenvolvimento
da sensibilidade, da imaginação criadora e a conquista do pensamento crítico,
da postura lúcida diante de textos próprios e de outras pessoas, lidos e
escritos.

Sugestão de avaliação

Neste capítulo, cabe avaliar se os alunos incorporaram, na prática, os dois


procedimentos envolvidos na produção de resenhas escolares e/ou
propagandísticas: o resumo (ou o "enxugamento" do texto, destacando seus
elementos essenciais), articulado à produção de comentários críticos.

Sugestão de atividade extraclasse

Este capítulo sugere que o(a) professor(a) conheça as manifestações culturais


(filmes, livros, séries de TV, teatro, música, dança, jogos etc.) do universo dos
alunos. Seria proveitoso pedir que tragam para a classe resenhas de objetos
culturais que tenham escolhido, apresentando-as aos colegas e ao(à)
professor(a), explorando, assim, uma forma de compartilhar experiências e de
ampliar o repertório cultural da turma.

Sugestões de bibliografia especializada

ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O. Aprenda a fazer resenha. São Paulo:


Paulistana, 2006.

LEITE, Marli Quadros. Aprenda a fazer resumo. São Paulo: Paulistana, 2006.

MACHADO, Anna Rachel. Revisitando o conceito de resumos. In: DIONISIO,


Angela Paiva; MACHADO, Anna RacheI; BEZERRA, MARIA Auxiliadora.
Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

MACHADO, Anna RacheI; LOUSADA, Eliane; TARDELLI, Lília. Resenha. São


Paulo: Parábola, 2004.
MACHADO, Anna RacheI (Coord.); LOUSADA, Eliane; TARDELLI, Lília Santos
Abreu. Resumo: leitura e produção de textos técnicos e acadêmicos. São
Paulo: Parábola, 2004.

Capítulo 2 - Diário pessoal

Proposta

Trabalhar o gênero diário pessoal como forma de incentivar a produção escrita,


marcada pela informalidade e pelo hábito de registrar fatos do cotidiano.

Objetivos

1. Reforçar a ideia de escrita como exercício de autodescoberta,


autoexpressão. 2. Mostrar como as sequências textuais (descrever, narrar,
dissertar), articulam-se, num mesmo gênero, retomando e acentuando a noção
de predomínio. 3. Explorar proximidades e diferenças entre o diário e os meios
eletrônicos disponíveis atualmente para práticas de escrita diária, como os
blogs.

Sugestão de procedimento

Primeira leitura (p. 303)

Minha vida de menina, de Helena Morley

Comentar com os alunos que o diário de Helena Morley (pseudônimo de Alice


Dayrell Caldeira Brant, 1880-1970) foi descoberto e publicado, como obra
literária, muitos anos depois de escrito. Por meio da linguagem franca e
espontânea, ela fazia registros com fluência e precisão sobre a vida dos
mineradores, à procura de diamantes em Diamantina, Minas Gerais, no fim do
século XIX.

440

Atividades (p. 304 e 305)

Professor(a), chamar a atenção dos alunos para o fato de que o estudo das
sequências textuais e das formas como se articulam para produzir os gêneros
diversos implica perceber os fatores de coesão e coerência textuais, abordados
nestes capítulos.
Por meio de leitura compartilhada e dialogada, salientar o fato de que
especificamente o relato estudado apresenta sequências descritivas e
dissertativas que se articulam para a montagem do texto, tendo em vista o
conceito de predominância.

Em tom de conversa (p. 305)

Conversar com os alunos, destacando a experiência deles, sobre as


semelhanças e diferenças entre os diários pessoais e os blogs. Assim como o
diário, o blog tem sido utilizado para registrar relatos de experiências pessoais,
observações críticas e opiniões sobre assuntos variados; no entanto, é menos
restrito, mais coletivo, já que o autor pode selecionar e incluir a participação de
outras pessoas. Assim, pode-se deduzir que o blog visa, de certo modo, não
apenas à expressão, mas à comunicação com terceiros.

E mais... (p. 306)

Esta atividade, aliada ao Navegar é preciso, possibilita um trabalho


multidisciplinar valioso, tanto pela qualidade do filme e do livro sugeridos
quanto pela relevância histórica, geográfica e artística da época focalizada.

Atividades (p. 307)

Produção

Enquanto a atividade 1 privilegia a escrita lúdica e centrada na necessidade de


autoexpressão, a atividade 2 permite que o(a) professor(a) utilize a aula de
Leitura e Produção de textos para discutir com os alunos, a partir do
levantamento de seus hábitos de estudo, como e por quais razões se deve
estudar.

A atividade 3 concentra-se em uma questão de preparação dos alunos para o


Enem, por meio da leitura e interpretação de um texto de gênero instrucional
(texto 2) e de um texto de gênero expositivo a respeito do Twitter (visto como
mistura de blog e mensagens de celular).

Sugestão de avaliação

Sugerimos que a avaliação das atividades deste capítulo privilegie dois pontos:
a conexão entre as sequências textuais para se construir um determinado
gênero textual, como o diário pessoal, e a presença de características como o
uso da informalidade na linguagem escrita, o uso recorrente da primeira
pessoa, linguagem subjetiva etc. O diário pessoal é uma espécie de conversa
da pessoa consigo mesma, por meio da escrita.

Sugestão de atividade extraclasse

Retomar a conversa com os alunos sobre a prática de fazer anotações,


predominantemente subjetivas, como no caso do diário pessoal, ou de
quaisquer outros tipos. Mostrar a eles a necessidade do registro diário, que
deve estender-se também ao conteúdo das outras disciplinas.

Sugestões de bibliografia especializada

ARAUJO, Ubirajara. Tessitura textual: coesão e coerência como fatores de


textualidade. São Paulo: Humanitas, 2000.

BASTOS, Lucia Kopschitz. Coesão e coerência em narrativas escolares. São


Paulo: Martins Fontes, 2001.

TOLEDO, Marlene Paula de Marcondes e Ferreira. O ato de redigir. São Paulo:


Nankin, 2003.

VAL, Maria das Graças Costa. Redação de textualidade. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.

Capítulo 3 - Relatório

Proposta

Trabalhar com os alunos vários tipos de relatos objetivos, destacando-se o


relatório.

Objetivo

Agregar à redescoberta da importância da linguagem na constituição da


subjetividade a necessidade de também utilizá-la, de forma eficiente, em
situações pragmáticas, como ocorre nos relatos objetivos.

Sugestão de procedimento

Primeira leitura (p. 311)

Relatório de Graciliano Ramos


É importante ressaltar a necessidade da leitura do texto (p. 311 e 312) em voz
alta pelo(a) professor(a), antes do início das atividades, a fim de despertar o
interesse dos alunos pelo texto e destacar, chamando a atenção para os
detalhes, que mesmo um relato objetivo do tipo relatório deve ter marcas de
autoria.

A leitura do relatório de Graciliano Ramos, destacando os principais recursos


expressivos, pode ser feita de modo compartilhado e dialogado.

441

Em tom de conversa (p. 312)

Sugerimos ao (à) professor(a) que divida a classe em grupos e distribua entre


eles a tarefa de reconhecer trechos do texto que exemplifiquem os recursos
expressivos estudados (a referência ao leitor, as repetições enfáticas, a
presença de enumeração e de polissíndeto, a ironia, os elementos descritivos,
com uso de metáforas, e as marcas da presença do emissor do texto). Cada
grupo se encarregaria de trabalhar um ou dois desses recursos e apresentá-los
aos colegas.

A relação texto-contexto (p. 313)

Destacar as características específicas e também a diversidade dos textos do


gênero relatório. Ler o relatório sobre o estudo do meio na cidade litorânea de
Iguape (p. 314).

Em tom de conversa (p. 315)

Quanto a este relatório de estudo, realizado por alunos de Ensino Médio, seria
interessante enfatizar, ao longo da realização das questões propostas para
debate, o caráter interdisciplinar que apresenta e também sua menor
formalidade, considerando o fato de que se trata de um trabalho escolar.

E mais... (p. 315)

Relatório com tema livre

O objetivo desta atividade é promover uma discussão com os alunos sobre


métodos de estudo, visando à melhoria da produtividade da classe, a partir do
reconhecimento das dificuldades que os alunos apresentarem e principalmente
da diversidade entre eles.

Atividades (p. 315)

Leitura e produção

Sugerimos que as atividades de leitura e realização de relatórios utilizem os


textos apresentados como sugestões de roteiros e não como modelos a serem
copiados, descaracterizando a conquista da autoria. É necessário, ainda,
deixar claro que as variações de exemplos de relatórios estão relacionadas às
variações dos elementos contextuais (quem escreve, para quem, com qual
objetivo etc.). Este capítulo pode ser retomado pelo(a) professor(a) nas várias
ocasiões em que houver oportunidade de discussões interdisciplinares e de
produção de textos pragmáticos, voltados para o mundo do trabalho.

Sugestão de avaliação

Aqui, os conceitos de coesão e coerência textual são retomados e praticados,


considerando o fato de que não estão centrados nos "erros" cometidos pelos
alunos ao produzirem seus textos, mas, ao contrário, privilegiam as formas de
expressão e de comunicação mais articuladas, mais legíveis, mais adequadas
ao desenvolvimento do exercício da linguagem escrita, em suas várias
situações comunicativas.

Sugestão de atividade extraclasse

Pedir aos alunos que relatem objetivamente fatos cotidianos, relacionados ao


tema "cidadania", que consideram relevantes para uma discussão em sala.
Seria interessante que esses fatos fossem escolhidos pelos alunos, o que
mostraria por quais aspectos da realidade se interessam e que pontos de vista
têm sobre esses aspectos.

Sugestões de bibliografia especializada

ALMEIDA, Antonio Luiz Mendes. Atenciosamente: manual prático de redação


comercial e oficial. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.

GARCEZ, Lucília. A escrita e o outro. Brasília: Editora da UnB,1998.


GOLD, Miriam. Redação empresarial: escrevendo com sucesso na era da
globalização. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência


textual. São Paulo: Cortez, 2000.

REIS, Benedita Aparecida Costa. Redação técnica e comercial. São Paulo:


Rideel, 2006.

Capítulo 4 - Do relato à narrativa ficcional

Proposta

Fazer a passagem do relato de fatos à narrativa ficcional e começar a trabalhá-


la, por meio dos modos de apresentação de personagens.

Objetivos

1. Chamar a atenção dos alunos para as diferenças entre os relatos de fatos e


as narrativas ficcionais, tendo em conta as relações entre texto e contexto,
objetivo e ponto de vista. 2. Relembrar aos alunos os elementos vitais da
narrativa ficcional, focalizando os personagens e os modos - direto e indireto -
de apresentá-los.

442

Sugestão de procedimento

Primeira leitura (p. 322)

A volta do Messias, de Fernando Bonassi

Em tom de conversa (p. 322)

Na discussão sobre o texto "A volta do Messias", de Fernando Bonassi,


retomar com os alunos a noção de paródia, pois o texto imita, em tom irônico,
uma notícia de jornal. Nas atividades, destacar que se trata de um texto que se
apresenta como um relato factual, mas que na verdade pertence ao universo
literário (acentuar o caráter irônico da narrativa).

Relacionar "A volta do Messias" com "Romeu e Julieta", do mesmo autor,


apresentado no capítulo 6. Ambos são muito semelhantes, em seu tom e em
seus procedimentos estilísticos.
Seria interessante comparar o texto lido com o "Poema tirado de uma notícia
de jornal", de Manuel Bandeira (disponível em vários endereços da internet),
pela proximidade estrutural entre ambos.

E mais... (p. 323)

Apresentação

Nas propostas de produção apresentadas, acentuar a importância de perceber


a necessidade de adequação entre texto e contexto. Enquanto a proposta 1
retoma o diário pessoal, a proposta 2 retoma o relato oral e, finalmente, a
proposta 3 retoma o relatório.

Depois de os alunos lerem seus textos para os colegas, é importante comparar


as propostas, observando que, nos três contextos que apresentam, os mesmos
fatos são contados de formas diferentes, de acordo com os objetivos e pontos
de vista escolhidos.

Atividade (p. 325)

Produção

Além de retomar os elementos fundamentais da narrativa ficcional, num relato


jornalístico, este trabalho deve auxiliar os alunos a perceberem, na prática, as
diferenças essenciais entre o relato e a narrativa ficcional.

Os textos produzidos pelos alunos a partir de "Previsões sobre o menino que


nasceu nas alturas" devem ser lidos e comentados pela classe, com ênfase na
diversidade de enredos, estilos e universos possíveis de serem desenvolvidos
nas narrativas ficcionais.

Atividades (p. 326)

Produção

A atividade 1 fornece elementos descritivos, de caracterização dos


personagens, para que os alunos criem histórias.

Já a proposta 2 envolve a leitura de um texto e de uma tirinha, como costuma


ocorrer em vários vestibulares. É importante considerar os textos envolvidos, a
fim de não incorrer nos erros mais comuns de interpretação textual:
extrapolação (ir além do que está posto nos textos), redução (ficar aquém, ou
seja, não compreendê-los) ou contradição (produzir uma história contraditória,
decorrente de leitura equivocada dos textos).

Atividades (p. 329)

Produção

O exercício 1 permite o treino de identificação dos tipos de discurso,


preparando os alunos para o exercício 2, de criação de falas típicas para cenas
típicas. A produção e a leitura de acordo com cada situação implicam uma
multiplicidade de escolhas, que devem ser incentivadas pelo(a) professor(a).

Os alunos podem, durante a leitura, propor novos diálogos e cenas que lhes
provoquem a imaginação. Tendo sempre em vista a capacidade de observação
e de síntese, a fim de cativar o leitor.

Sugestão de avaliação

Sugerimos que o trabalho de avaliação se concentre no reconhecimento dos


elementos fundamentais que caracterizam o texto narrativo, das diferenças
entre relatos de fatos e narrativas ficcionais e dos modos de apresentação dos
personagens, destacando- se o valor expressivo do discurso direto e do
discurso indireto. O discurso indireto livre será retomado no capítulo 6.

Sugestão de atividade extraclasse

Neste capítulo, seria interessante propor aos alunos que atentem para notícias
(na TV, em jornais, em revistas etc.), discutindo o quanto elas lhes parecem
verossímeis. O que está em jogo neste trabalho é a percepção da falta de
precisão dos limites entre o que chamamos de realidade e o que chamamos de
ficção. Se por um lado as notícias são verdadeiras, já que relatam fatos que
aconteceram, mas muitas vezes não parecem verossímeis, por outro, as
narrativas ficcionais não são verdadeiras, mas são verossímeis. Essa
discussão pode ser encaminhada no sentido de levar os alunos a concluírem
que as narrativas ficcionais são elaboradas de um modo especial; elas não
falam diretamente sobre o mundo, mas constituem um mundo que pode e deve
ser decifrado pelo leitor.

443

Sugestões de bibliografia especializada


CHIAPPINI, Ligia (Coord. geral); MICHELETTI, Guaraciaba (Coord.). Aprender
e ensinar com textos: leitura e construção do real - o lugar da poesia e da
ficção. São Paulo: Cortez, 2002.

HOSAKABE, Haquira. Poesia e indiferença. In: PAIVA, Aparecida; MARTINS,


Aracy; PAULINO, Graça (Orgs.). Leituras literárias: discursos transitivos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.

PIGLIA, Ricardo. O laboratório do escritor. São Paulo: Iluminuras, 1994.

SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre


a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.

Complementação teórica

Ler este texto sobre a importância da leitura do texto literário na formação do


sujeito leitor e autor e usá-los com os alunos, citando trechos inspiradores, que
ajudam quando se pensa na especificidade da leitura literária em relação a
outros discursos.

[...] Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações


de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade,
em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos de folclore, lenda, chiste,
até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes
civilizações.

Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal


de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que
possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com
alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites,
ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns
momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono
a presença indispensável deste universo, independente da nossa vontade. E
durante a vigília a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em
todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós,
analfabeto ou erudito, como anedota, causo, história em quadrinho, noticiário
policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta
desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na
novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.
Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo
da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi
parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e
cuja satisfação constitui um direito.

Alterando o conceito de Otto Ranke sobre o mito, podemos dizer que a


literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é
possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja
equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de
humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive
porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Neste
sentido, ela pode ter importância equivalente à das formas conscientes de
inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar. Cada
sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de
acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas
normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles.

Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento
poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a
cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade
preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas
manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e
nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de
vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a
literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e
a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominante.

A respeito destes dois lados da literatura, convém lembrar que ela não é uma
experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas
psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e
transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador da personalidade, mas
não segundo as convenções; seria antes segundo a força indiscriminada e
poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do leitor o livro pode ser
fator de perturbação e mesmo de risco. Daí a ambivalência da sociedade em
face dele, suscitando por vezes condenações violentas quando ele veicula
noções ou oferece sugestões que a visão convencional gostaria de proscrever.
No âmbito da instrução escolar o livro chega a gerar conflitos, porque o seu
efeito transcende as normas estabelecidas.

Numa palestra feita há mais de quinze anos em reunião da Sociedade


Brasileira para o Progresso da Ciência sobre o papel da literatura na formação
do homem, chamei a atenção entre outras coisas para os aspectos paradoxais
desse papel, na medida em que os educadores ao mesmo tempo preconizam e
temem o efeito dos textos literários. De fato (dizia eu), há "conflito entre a ideia
convencional de uma

444

literatura que eleva e edifica (segundo os padrões oficiais) e a sua poderosa


força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem
sempre desejada pelos educadores. Ela não corrompe nem edifica, portanto;
mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o
mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver".

A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica


inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque
contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela
é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é
uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos
indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como
incorporação difusa e inconsciente.

Em geral pensamos que a literatura atua sobre nós devido ao terceiro aspecto,
isto é, porque transmite uma espécie de conhecimento, que resulta em
aprendizado, como se ela fosse um tipo de instrução. Mas não é assim. O
efeito das produções literárias é devido à atuação simultânea dos três
aspectos, embora costumemos pensar menos no primeiro, que corresponde à
maneira pela qual a mensagem é construída; mas esta maneira é o aspecto,
senão mais importante, com certeza crucial, porque é o que decide se uma
comunicação é literária ou não. Comecemos por ele.

Toda obra literária é antes de mais nada uma espécie de objeto, de objeto
construído; e é grande o poder humanizador desta construção, enquanto
construção.
De fato, quando elaboram uma estrutura, o poeta ou o narrador nos propõe um
modelo de coerência, gerado pela força da palavra organizada. Se fosse
possível abstrair o sentido e pensar nas palavras como tijolos de uma
construção, eu diria que esses tijolos representam um modo de organizar a
matéria, e que enquanto organização eles exercem papel ordenador sobre a
nossa mente. Quer percebamos claramente ou não, o caráter de coisa
organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais capazes de
ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e em consequência, mais
capazes de organizar a visão que temos do mundo.

Por isso, um poema hermético, de entendimento difícil, sem nenhuma alusão


tangível à realidade do espírito ou do mundo, pode funcionar neste sentido,
pelo fato de ser um tipo de ordem, sugerindo um modelo de superação do
caos. A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como um todo
articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrário do que geralmente
se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva,
primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre desde
as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos,
que sintetizam a experiência e a reduzem a sugestão, norma, conselho ou
simples espetáculo mental. [...]

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: _____. Vários escritos. 3ª ed.


rev. e ampl. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263.

Capítulo 5 - Enredo linear

Proposta

Definir e desenvolver o conceito de enredo linear e não linear, com base em


textos e contextos narrativos diversificados.

Objetivos

1. Mostrar aos alunos que o elemento fundamental do texto narrativo é a ação,


o acontecimento, sempre envolvendo um conflito, o conjunto de fatos que se
encadeiam para que a história seja contada. 2. Fornecer elementos para que
os alunos, por meio de exercícios de leitura e produções textuais, apropriem-se
das características do enredo linear e não linear, tendo em vista aprimorar suas
práticas de produção de textos narrativos. 3. Continuar a acentuar as relações
entre texto e contexto, privilegiando, a partir deste momento do curso, o
contexto das narrativas ficcionais.

Primeira leitura (p. 332)

Fábula "Yufá", de Italo Calvino

Este texto deve ser valorizado pelo(a) professor(a) como um tipo de narrativa
que envolve um saber mágico, mítico, que funciona como fonte das histórias
ficcionais. Seria interessante discutir com os alunos a "solução" dada ao
conflito, e a existência dele (o conflito) como fator nuclear de qualquer narrativa
ficcional. Inserir na discussão os conceitos de personagem protagonista versus
personagem antagonista, personagem principal, personagem secundário,
fazendo com que se lembrem de personagens, e que pensem no assunto.
Quem é, por exemplo, Yufá, o bobo? Ele tem alguma relação com Dom
Quixote, de Miguel de Cervantes? Lembrar a crônica "Pausa", de Mario
Quintana, que consta do volume 1 da coleção, na parte de literatura, em que o
assunto é tratado.

Leitura (p. 333)

"Uma vida ao lado", de Marina Colasanti

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Em tom de conversa (p. 333)

Sugerimos que, após ler com os alunos o texto "Uma vida ao lado", de Marina
Colasanti, proponha a eles que se dividam para trabalhá-lo, percebendo como
nele se desenvolvem os seguintes elementos do enredo: situação inicial,
complicação, clímax, desfecho. Há uma análise minuciosa do texto que deve
ser realizada, com destaque para os detalhes que envolvem uma leitura mais
refinada: destacar a funcionalidade de adjetivos, de tempos verbais (o
imperfeito e o perfeito), elementos de progressão da narrativa, desfecho
inesperado, tema do espelhamento do eu no outro etc.

Atividades (p. 334)

Na apresentação dos elementos que compõem o enredo, interessa ressaltar as


diferenças entre relato e narrativa, perceptíveis no item 1. No 2, chamar a
atenção dos alunos para a importância da criação do conflito. No 3, comentar
com os alunos que o roteiro deste item sintetiza alguns dos passos
fundamentais da construção de qualquer enredo narrativo clássico: situação
inicial problemática/ tentativa de solução/solução, mesmo que não definitiva.
Além disso, enfatizar que o narrador em 1ª pessoa, não protagonista, pode ter
uma posição privilegiada, na medida em que observa o que se passa de outro
ponto de vista e, assim, enriquece a história.

Atividades, exercício 5 (p. 337)

"A beleza total", de Carlos Drummond de Andrade

Esta atividade pode ser realizada como avaliação de leitura de um texto


narrativo com enredo linear.

E mais... (p. 338)

Construção de múltiplos enredos

Esse trabalho totalizador permite uma experiência muito interessante de


coautoria. Em seu decorrer, produzem-se e articulam-se ideias, escreve-se e
se reescreve, conjugando "inspiração" e "transpiração", num contexto de
interação colaborativa e avaliação progressiva, tanto da expressão escrita
quanto da oral. Para a produção do texto escrito, é preciso salientar a
importância do rascunho, da criação do título - sugestivo e integrado ao texto -
da articulação dos elementos narrativos estudados, colocando-os a serviço do
aprimoramento das habilidades de construção de narrativas.

Sugestão de avaliação

Além dos elementos reconhecidos e praticados ao longo do capítulo (enredo


linear e enredo não linear e suas características), destacar um aspecto
importante para a coerência do texto narrativo: a progressão temporal.

Consideramos que neste momento do curso já é possível privilegiar com maior


rigor a coerência entre criação de personagens e construção de enredo, leitura
e elaboração das propostas, integrando tais elementos às questões gramaticais
estudadas no bimestre e à, sempre fundamental, capacidade de escrever com
originalidade e expressividade.

Sugestão de atividade extraclasse


Sugerimos que os alunos redijam, em casa, um sonho interessante que tenham
tido, o mais fielmente possível. Na reescrita do texto, devem cortar os
elementos acessórios e acentuar os fundamentais, dando-lhe coesão e
coerência, e atribuindo-lhe um título criativo.

Sugestões de bibliografia especializada

BASTOS, Lucia Kopschitz. Coesão e coerência em narrativas escolares. São


Paulo: Martins Fontes, 2001.

CHANDRASEGARAN, Antonia. A intervenção como recurso no processo da


escrita. São Paulo: SBS, 2003.

COLASANTI, Marina. Fragatas para terras distantes. Rio de Janeiro: Record,


2004.

MACHADO, Ana Maria. Balaio de livros e leituras. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2007.

MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leituras e escritas. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 2001.

MARIA, Luzia de. Leitura e colheita: livros, leitura e formação de leitores.


Petrópolis: Vozes, 2002.

PELLEGRINI, Tânia (Org.). Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Senac,


2003.

STEEN, Edla van. Viver & escrever. Porto Alegre: L&PM, 2008. 3 v.

VARGAS LLOSA Mario. Cartas a um jovem escritor: toda vida merece um livro.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

Capítulo 6 - Enredo não linear e tipos de narrador

Proposta

Retomar e fechar os elementos da narrativa ficcional, com os conceitos de


enredo não linear e tipos de narrador.

Objetivo

1. Retomar o reconhecimento dos elementos narrativos, por meio do enredo


não linear, da figura totalizante do narrador e das possibilidades de escolha de
focos narrativos. 2. Ler, reler e analisar um conto de grande beleza e
densidade expressiva. 3. Retomar tipos de discurso, tipo de linguagem, criação
de efeitos líricos e outros elementos, num contexto de leitura e análise de texto
mais aprofundado.

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Sugestão de procedimento

Primeira leitura (p. 341)

"Tantas mulheres", de Dalton Trevisan

Releitura (p. 342)

Sugerimos que a leitura do conto "Tantas mulheres", de Dalton Trevisan, seja


feita de modo compartilhado e dialogado, por meio de debates com os alunos
reunidos em grupos. Cada grupo deve ficar responsável por algum elemento
fundamental do gênero "conto". Permitir que os estudantes descubram, por
meio de um processo de leitura mais aprofundado, a riqueza dos recursos
expressivos do conto, sua densidade psicológica, os elementos intensamente
líricos e ao mesmo tempo quase telegráficos de sua linguagem. O trabalho
sensível e minucioso de reconhecimento de como se organiza esse conto fará
com que os alunos retomem, na prática, os elementos narrativos já estudados -
os tipos de personagens (protagonistas e antagonistas, principais e
secundários), os tipos de discurso (direto, indireto e, sobretudo, indireto livre) e
que acrescentem a tais elementos um exemplo de texto com enredo não linear,
por meio de flashback (via alternância entre o presente da narração e a
rememoração de um passado recente) e um dos tipos de narrador em 3ª
pessoa (o narrador onisciente).

Na questão 1 , identificar o narrador onisciente e a situação problemática em


que se encontra o protagonista, que características o destacam, o contraponto
entre o ponto de vista dele e o da mãe (personagem secundária) etc. Na
questão 2, destacar o conceito de enredo não linear, relacionando-o com tipos
de discurso (questões 3 e 4).

Atividades (p. 343)


Dar o devido destaque à bela intervenção de Massaud Moisés, mostrando
relação entre o conto e a abordagem de um aspecto do cotidiano, "portador de
emoção ou de sentimento", em que "a poesia emana na impressão que aquela
deixa no espírito do leitor".

Como este tipo de enredo está presente no cotidiano dos alunos, pedir que o
encontrem em letras de música, filmes, peças de teatro etc., e que tragam para
a sala de aula bons exemplos (exemplos que julgam bem-sucedidos), a fim de
mostrá-los aos colegas.

Principais tipos de narrador (p. 343)

O conto "Tantas mulheres" é retomado nesta seção, a fim de que os alunos


aprofundem as habilidades de leitura do texto literário, ressaltando os
procedimentos mais complexos nele presentes, tais como o narrador
onisciente, o discurso indireto livre, o enredo não linear, o uso dos tempos
verbais no passado, a verossimilhança da narrativa, o efeito lírico e a
condensação da linguagem.

A proposta da leitura do texto "Romeu e Julieta" (p. 346), de Fernando Bonassi,


exemplifica o outro tipo de foco narrativo em 3ª pessoa: narrador observador.

Atividades (p. 346)

Leitura e produção

Na atividade 1, enfatizar a importância de assumir a identidade de um


personagem, utilizando a 1ª pessoa, isto é, colocando-se do ponto de vista
dele, ou 3ª pessoa, escolhendo o foco narrativo mais adequado à história que
quer contar: narrador-observador ou narrador onisciente.

Na atividade 2, ressaltar os efeitos do contraste entre o foco narrativo do texto


"Romeu e Julieta", cujo narrador é observador, e o foco narrativo do texto
"Tantas mulheres", anteriormente trabalhado, cujo narrador vimos ser
onisciente. Chamar a atenção dos alunos para a proximidade estrutural entre o
texto de Bonassi e o relato jornalístico, do qual constitui paródia.

Na atividade 3, enfatizar a relação entre ler e escrever, escrever e ler,


ressaltando a importância de trabalhar o foco narrativo de modo coerente com
os outros elementos da narrativa.
E mais... (p. 347)

Pesquisa e apresentação

É importante frisar que, para que essa atividade seja significativa, é preciso
atentar para a diversidade de tipos e modos de apresentação de personagens
(protagonista, antagonista; principal, secundário; apresentação por meio de
descrição, ação ou fala), de tipos de enredo (amoroso, de aventura, de
suspense, de terror etc.), de tipos de estrutura (enredo linear e não linear), de
tipos de narrador e focos narrativos (narrador observador, onisciente, narrador-
personagem etc.), de tipos de discurso (direto, indireto e indireto livre), de
temas que sejam relevantes etc.

A escolha dos contos deve considerar tal diversidade, incluindo contos


populares ou escritos em versos, como os da literatura de cordel. O mais
importante é que os contos escolhidos sejam os mais significativos para os
alunos, tanto na forma como foram elaborados quanto na temática que
desenvolvem.

Sugestão de avaliação

Neste capítulo, por meio de uma proposta de leitura bastante aprofundada e


minuciosa do texto "Tantas mulheres", de Dalton Trevisan, os principais
elementos constitutivos da narrativa ficcional foram retomados. Os conteúdos
destacados, cuja compreensão pelos alunos deve ser conferida, são o enredo
não linear, o narrador onisciente e o discurso indireto livre. Além disso, mais
uma vez retomamos o conceito de coerência, agora focalizando a relação entre
narrar e encontrar sentidos para a vida.

447

Como se trata do capítulo que finaliza narração, o processo de avaliação do


texto narrativo deve ser global, enfocando cada um de seus elementos: criar
personagens, tramas, enredos; construir circunstâncias de tempo e de lugar;
transformar-se no narrador, assumindo sua voz e sua importância como
aspecto central, que envolve todos os outros - enfim, ser capaz de uma
fabulação ao mesmo tempo inventiva, original e adequada às propostas
apresentadas. Esses constituem os pontos fundamentais que o(a) professor(a)
deve considerar, somando-os às questões gramaticais e contextuais que estão
sendo enfocadas. Assim, o(a) professor(a) vai convertendo esses pontos em
itens de avaliação, dimensionando-os de acordo com a importância que atribuir
a cada um. Por exemplo:

1. Caracterização e expressividade de atuação do personagem (considerando


as falas e/ou outros recursos).

2. Coerência interna do enredo.

3. Adequação das circunstâncias de tempo e lugar.

4. Propriedade do foco narrativo.

5. Linguagem:

a) expressividade, criatividade, originalidade;

b) correção, clareza, adequação etc.

6. Conteúdo (nível de densidade, de adequação à linguagem e ao tipo de


enredo escolhido etc.).

Atividades (p. 348)

Leitura e produção

1. Ao ler os textos propostos nesta seção, o(a) professor(a) terá a oportunidade


de avaliar mais amplamente o aprendizado dos alunos sobre cada um dos
elementos narrativos: os tipos de foco narrativo, de apresentação dos
personagens, de construção de enredo. Além disso, cabe também enfatizar as
relações entre título e texto, tipo de começo e de desfecho, percebendo-as
como fatores responsáveis pela coerência dos textos. Acentuar que a
qualidade da articulação desses elementos, entre outros fatores, resulta na
beleza e na expressividade dos textos.

2. No exercício de produção textual, chamar a atenção dos alunos para os


aspectos estudados no capítulo. Ressaltar a importância de evitar digressões e
extrapolações e de tornar a história verossímil.

Sugestão de resposta:

Antônio sempre caminhava pela noite e pensava se daria conta de tantos


compromissos. O peso da vida adulta tinha ficado grande demais para as suas
costas. Eh! agora um filho... Aquela carta lida tantas vezes, "aquele nosso
sonho aconteceu", não podia ser verdade. Ele é que queria colo. Ainda sentia
saudades do carinho da avó que lhe fazia mingau de aveia com canela. Ela foi
embora como a sua mãe, que nem conheceu. Tinha dezenove anos e estava
sozinho na cidade grande. Deixou para trás sua terra e amigos. Sua namorada,
Anita, não podia estar grávida. O que dizer para ela?

Perdido, entrou na padaria e sentiu o cheiro da canela, que o levou ao encontro


da avó. Sentou no balcão e nem reparou na moça que estava ao seu lado. Era
Gabriela. Ela estava se preparando para começar a noite. O cheiro de canela
vinha dela e ele nem se deu conta disso. Os olhares se encontraram na hora
de pegar o açúcar e nunca mais se largaram. Ela convidou Antônio para ir
assistir a um espetáculo. Ele foi sem entender por que estava indo, mas foi. Ela
lhe apresentou um mundo que ele nem sonhava existir. Era dançarina e atriz.
Também viera de uma cidade pequena de Alagoas. A partir daquele encontro,
Antônio começou a ver a noite, que antes era só descanso para a labuta do dia
seguinte. As luzes, os sons, as alegrias, as tristezas, as emoções à flor da pele.
Dois dias depois estava ele na porta do teatro novamente. Não conseguia mais
apagar a noite e dormir. Foi devagarinho se abrindo para tanta gente diferente!
E as pessoas que conhecia nem achavam estranheza nele. Como pode? Era
um mundaréu de histórias tão inusitadas para o seu mundo. Aqueles moços
cabeludos, de chinelos com meias de dedinhos e roupas moles tinham histórias
que alimentavam a sua alma. Antônio nunca imaginou ser amigo daquele povo
esquisito. E Anita... Pensava muitas vezes nela, no meio de tantas novidades.
Um dia tomou coragem e ligou para sua já antiga terra. Soube que Anita não
estava mais grávida. Tinha perdido o filho quando entrara no mar e quase se
afogara. Também soube que ela estava namorando o rapaz da praça que
escrevia as cartas. Respirou fundo. "Agora posso ter paz e me entregar a
minha nova vida." Saiu da pensão e foi morar com a Gabriela, que dividia o
apartamento com outro casal. Deixou o trabalho e se tornou iluminador dos
shows. Iluminar aquilo tudo era sua maior satisfação.

Antônio agora caminha pela noite com leveza e sempre que sente o cheiro da
canela, respira fundo e sorri.

Sugestão de atividade extraclasse


Pedir aos alunos que releiam o boxe O que dizem os especialistas (p. 348), em
que há um texto de Ana Maria Machado sobre os sentidos da narrativa
ficcional, em sua relação com nosso cotidiano, e que escrevam sua opinião a
respeito desse texto.

Sugestões de bibliografia especializada

COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender.


Porto Alegre: Artmed, 2002.

LARROSA, Jorge. La experiencia de la lectura: estudios sobre literatura y


formación. México: FCE, 2003.

LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo


Horizonte: Autêntica, 2001.

LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1991.

MANGUEL, Alberto. A biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras,


2006.

MANGUEL, Alberto. No bosque do espelho. São Paulo: Companhia das Letras,


2000.

MANGUEL, Alberto. Os livros e os dias: um ano de leituras prazerosas. São


Paulo: Companhia das Letras, 2005.

MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. São Paulo: Artmed, 1998.

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