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Palavra de Vida

O telefone toca.... Do outro lado uma voz carinhosa convida para uma fala em prol da
vida que teima em não se apagar. Como flecha a palavra voa e em uma fração de segundos
uma nota ressoa: Vou checar minha agenda! Ao que a voz meiga devolve: Elas precisam muito
de uma palavra de vida!

Sem mais delongas, continuo minhas tarefas cotidianas, quase que no automático,
leituras, planejamentos, aulas. Sim, aulas. E ali naquela sala, em plena aula de Ensino
Religioso, uma aluna tece um comentário: Professora, talentos são para repartir e não para
enterrar com medo de não dá certo, não é? De repente, um insight: ”Elas precisam muito de
uma palavra de vida”. Por um momento transcendi aquela sala. Voltei quando a aluna
teimosamente quase gritava: Não é professora! Ao que respondi: Claro querida! Claro.

O som que a aula terminou invade a sala e alguns alunos pulam de seus lugares tal
qual os peixinhos no fenômeno da pororoca, tão lindo e doloridos buscando desovar lá em
cima. Volto a mim mais uma vez e entre sorrisos e abraços nos corredores chego à sala dos
professores. Aproveito a pausa para ligar para a menina da voz suave. Do outro lado ela
responde: Diga professora. Ao que eu respondo: Pode contar comigo, estarei contigo. Sinto na
voz uma sonorização de alívio e alegria, simplesmente porque eu disse sim ao convite.
Enquanto que aqui dentro em mim o coração suspirava pela tal palavra mágica que levaria vida
àquelas mulheres daquele lugar.

Chegou o dia do grande encontro, uma brisa me acordou, suavemente como apenas
ela sabe despertar a pele e a alma...O carro lá fora deu sinal de que alguém me esperava.
Respirando lentamente visualizava rostos e mais que rostos emoções. Então entre pausas e
poucas palavras íamos nós em conexões e expectativas singulares.

Lá longe.... Um pontinho branco entre o verde e serras azuladas: O presídio


feminino...aqui em mim imagino meu próprio parto de ideias, velho Sócrates que teima em dá
sinal com sua maiêutica atemporal. Tantas indagações em minha mente, tantas reflexões sobre
liberdade e existência humana..., porém um insight me vem como bumerangue: O QUE É QUE
VOCE TEM? Ao que a mente se despe prontamente em sua autonomia: VOCÊ! Eureca! É isso!
Eu só tenho a mim! Isso basta! Pois elas só têm elas por elas mesmo apesar de. Nesse interim
sou pega pelas entrelinhas de Clarice:

“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.
Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar
de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar
de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu
uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria
vida. “Uma Aprendizagem ou O Livro dos
Prazeres, da Clarice Lispector .

Agora entre muros branquinhos estou a me preparar para entrar nesse universo onde
corpos disciplinados veem em fila indiana, para logo, logo sentarem, esperarem, ouvirem ou
não as palavras que fluirão de meu SER como fechas pretensiosamente rumo ao alvo: Qual
alvo? A morada interior onde a alma geme ou repousa. Desta feita lá vem a menina Brisa
dando sinal que a “viagem de dentro” vai começar. Como mágica dois jovens soltam uma
música leve e gostosa que nos transporta para além muros branquinhos. Assim passo a passo
as janelas vão se abrindo e a brisa leve areja recantos dantes tão amorfos e um tímido raio de
sol vislumbra as sombras pedindo licença para ali passear. Entre olhares brincantes dançam os
sentires e enquanto dançam lá vem o menestrel avisar que é hora de tecer palavras e nas
palavras, a dança, o sonho, os desabafos, as “dores bumerangues”... A autorreflexão.

Assim meio tímida e devagarinho como semente que fere a terra para nascer, ali
estava eu e lá vinham elas de branco e lilás dançando em filas e cá estávamos nós a sorrir, a
cantar e a chorar e principalmente a resignificar a existência…Elas tentando me captar através
do olhar e eu vibrando para que elas lessem o melhor de mim, pois como dizia minha mãe: “De
boas intenções o inferno está cheio”(minha boa intenção seja louvada).

Paro por aqui...hora de falar, ou melhor, hora de sentir a brisa que passa nesse lugar
apesar de.

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