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07/09/2018 Os guardiões do luxo da Avenida da Liberdade

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Os guardiões do luxo da Avenida da Liberdade


28/07/2018

A equipa de concierges do Tivoli Avenida Liberdade: Filipa Ferreira, Filipe Romano e Fábio Passos (Gonçalo Villaverde/Global
Imagens).

Quem recebe os clientes nas lojas mais exclusivas da Avenida da Liberdade? Como se preparam? Que
pedidos recebem as pessoas com a sublime missão de satisfazer os clientes mais exigentes?

Texto Marina Almeida

«O cliente pede e nós dizemos sempre sim. E depois é que vamos mover as montanhas necessárias para
concretizar. Mas a partir do momento em que dizemos “com certeza, está con rmado” vamos ter de
concretizar o pedido, seja como for.» Pode ser organizar um casamento para o dia seguinte ou, como aconteceu
na estreia de fogo de Filipa Ferreira, atual head concierge do Tivoli Avenida Liberdade, conseguir um bilhete
para ver um jogo do Real Madrid naquela mesma tarde na zona VIP do esgotadíssimo Santiago Bernabéu (e
respetiva viagem a partir de Lisboa).

Nessa tarde Filipa não almoçou, como se preparava para fazer quando a missão (im)possível aterrou na mesa de
concierge. Já o cliente, que pediu «arranje‑me tudo» enquanto lhe punha o cartão de crédito nas mãos, seguiu
para o almoço ‑ e, não tardaria, para Madrid.

«Tive de mover montanhas e contactos para conseguir bilhete nessa área exclusiva num jogo que estava
esgotado, reservar hotel, voo, motorista de turismo… Obviamente nesse dia não fui almoçar, mas consegui.»
Foi há sete anos, no início de um percurso no Tivoli Avenida Liberdade que a levou a head concierge e diretora
de serviço. Veste um impecável fato azul-escuro de calça e casaco sobre camisa azul-clara, e ostenta na lapela
as duas chaves douradas – a Clef d’Or, símbolo internacional dos concierges –, prova de que consegue abrir
todas as portas.

Filipa insiste em juntar à conversa Fábio Passos e Filipe Raposo, os seus «braços direitos». O luxo acontece 365
dias por ano, 24 horas por dia, ninguém trabalha sozinho. O trio tem um grupo no WhatsApp onde partilha
tudo, inclusive o que acontece na cidade, o restaurante novo que abriu, uma exposição que inaugura, uma
galeria de arte, os sítios da moda (e fora dela), a tasca genuína: informação, informação, informação.

Desa os exigentes são colocados à equipa de concierge do Tivoli


Avenida Liberdade. Exemplo? Arranjar bilhetes para um jogo esgotado do

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Real Madrid, no próprio dia,


no estádio Santiago Bernabéu. E conseguiram.

«Já não podemos achar que os clientes do mercado de luxo que estão num hotel [o Tivoli Avenida, com diárias
entre os trezentos e os quatro mil euros] com todo o conforto querem só ir a restaurantes de estrela Michelin
ou aos clássicos de Lisboa. O público está a mudar muito, e temos pessoas completamente diferentes, de gostos
diversos que buscam cada vez mais a autenticidade, o verdadeiro, o local», diz Filipa.

Fábio corrobora: «Eles no fundo querem sentir‑se como nós. É muito frequente a pergunta ser: onde é que tu
vais quando tens de levar a tua namorada a passear? Onde é que vais jantar com a tua família? As pessoas em
viagem, especialmente este cliente de luxo, procura ir a um sítio onde está no meio dos locais e não tem
turistas à volta. Isto é absolutamente desa ante numa cidade como Lisboa, porque o turismo não para, há todo
um conjunto de publicações que cada vez que um restaurante abre fazem dele o local do momento e cabe‑nos a
nós encontrar aquele sítio pequenino, perdido em Alfama…» E conseguem? «Claro!!!»

Sorriem os três. São jovens – Filipa tem 31 anos, Fábio, 26 e Filipe, 28 – e altamente motivados. Este trabalho
dá‑lhes uma adrenalina que se incorporou no seu modo de viver. «Aqui trabalhamos com os clientes, lá fora
estamos a trabalhar para nos prepararmos para os atendermos melhor», diz Fábio Passos.

«Hoje em dia as pessoas sabem muito bem o que querem. Querem um bouquet mas não um qualquer. É o
bouquet que a pessoa viu no Instagram. É preciso ter os parceiros corretos», salienta Filipe Romano.

Eis algo que não se aprende na escola: a olear uma rede de contactos para tornar reais todos os desejos dos
clientes. Os três têm um percurso universitário, passaram por outras unidades e zeram formações no hotel.
Mas é no dia-a-dia que superam a prova de fogo.

Estão num hotel que aposta na personalização e no atendimento exclusivo, em que os clientes frequentes têm
fronhas bordadas personalizadas e um serviço que lhes permite deixar os seus objetos pessoais e encontrá‑los
no quarto, como gostam, na viagem seguinte.

Entre os pedidos mais desa antes que lhes chegaram, para além das reservas para os restaurantes estrela
Michelin na hora («as pessoas não têm a noção da di culdade que é para nós conseguirmos uma reserva para
um restaurante que tem uma waiting list de duas/três semanas», diz ela), Fábio recorda‑se da cliente que lhes
dava diariamente listas de compras que os obrigavam a percorrer a cidade de uma ponta à outra: «As listas dela
iam de coisas tão básicas como meias para senhora a coisas estrambólicas, como acessórios para casas de
banho… um tampo de sanita numa determinada cor…» Riem‑se.

Os guardiões do luxo da Avenida da Liberdade no Hotel Tivoli na Av. da Liberdade.(Gonçalo Villaverde / Global Imagens)

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Cada desa o é uma prova de obstáculos, sem que o corpo mostre ao cliente o stress em que se movimentam.
Discrição é a chave. No setor dos casamentos-relâmpago, têm histórias para (quase) todos os gostos. «Houve
um de um dia para o outro, “olá, cheguei, quero pedir o meu namorado em casamento amanhã. Agora eu tenho
de estar de férias com ele, façam uma coisa incrível, falamos mais logo”. E nós zemos», conta Filipe.

Fábio lembra‑se especialmente de uma cerimónia organizada por eles em que a azáfama seguia em contagem
decrescente entre cabeleireiros, motoristas à porta, e eis que os homens começam a vestir‑se e ninguém sabia
fazer os laços bow rack. «E de repente tinha vinte senhores sem laços…» Como resolveu? Com uma loja
cúmplice da Avenida, especialista em laços e muito mais…

Os fatos da Rosa e Teixeira são feitos de detalhes. O mestre alfaiate


Eugénio Gomes é o timoneiro de uma equipa a nada, que cose à mão
todos os fatos que saem da alfaiataria centenária. Tudo começa com o
desenho, a giz, dos modelos, a que se segue o corte preciso. O logotipo
bordado sob o bolso das canetas é o ponto nal.

Chegou da Rosa e Teixeira a ajuda. Da alfaiataria da loja centenária saem exclusivos


fatos de homem feitos por medida e de forma artesanal. Ali não há pressas nem modernices. O mestre alfaiate
Eugénio Gomes é o subtil timoneiro de uma equipa que mantém vivo o ofício. É com pompa que José de Castro,
um dos proprietários, faz de mestre-de-cerimónias.

«Temos uma atmosfera de alfaiataria. Não é entrar, tirar as medidas e sair. Tudo isto é feito com a máxima
delicadeza», diz enquanto faz deslizar entre as mãos um elegante tecido de meia estação que, um dia, será calça
ou casaco. Atrás de nós fecharam‑se as portas de correr de madeira. Estamos perante prateleiras de tecidos
impecavelmente dobrados e alinhados por cores.

José de Castro conta que tudo começa por uma conversa com o cliente, para perceber que tipo de fato
pretende. Só depois é convocado Eugénio Gomes. O mestre alfaiate surge, elegante, num fato feito por si,
gravata, botões de punho – «sempre, estou sempre impecável de fatinho. Não posso atender um cliente em
mangas de camisa», aludindo à clientela de elite que a casa foi recebendo e que passa de geração em geração
(«não vão perguntar quem são os nossos clientes, se é o ministro, se é o presidente, se é o Gulbenkian, que já
morreu…», avisara já o senhor Castro).

O alfaiate Eugénio Gomes (Diana Quintela/ Global Imagens)

É tempo de abrir novas portas de correr, e o tecido entra na alfaiataria. Dali só sairá para a prova. Aqui
escuta‑se o programa da manhã da rádio entre o labor de seis costureiras, um aprendiz e um ajudante, sob a

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batuta do mestre. A média de idades andaria perto dos 70 anos, não fosse o jovem de polo preto, ténis e
smartwatch que também ali se senta de agulha entre os dedos a aprender o ofício.

Eugénio Gomes tira o casaco e deixa a descoberto a camisa azul com as iniciais bordadas. Vai fazer tombar a
primeira peça deste dominó que, durante cinco dias, vai levar o tecido de mão em mão até ser um fato
completo pronto a entregar: estende o tecido sobre a mesa polida de madeira, desenha o modelo com a barra
de giz a ada, medidas rigorosas, aqui a pala do bolso ali o cós. Nada é deixado ao acaso, o padrão do tecido tem
seguimento em todas as costuras, num liliputiano trabalho de precisão.

«Tem de car tudo certinho», diz este mestre do detalhe traçando riscos e risquinhos brancos no tecido, num
código de si para si que decifra há 60 anos, desde os 14 («já sabe a minha idade…»).

Pega então na «tesoura de alfaiate» e começa: Txic, txic, rss, rss. Os cortes seguem para Ana Paula, costureira
de calças. Também os casacos ganham forma nas mãos de quatro costureiras especializadas. Uma delas,
Filomena Nascimento, faz os alinhavos daquilo que, explica o mestre, será a parte do peito e vai ligar com a
banda do casaco – ninguém imagina o trabalho manual que está atrás dos forros lustrosos dos casacos. Está ali
a razão para cada fato custar, no mínimo, 2300 euros.

«Estamos a falar de um mercado de sensações que não temos no


e‑commerce», diz Hugo Silva, watch expert da Montblanc que já vendeu
uma caneta de 62 mil euros da exclusiva coleção dos patronos das artes.

Voltamos a atravessar a Avenida da Liberdade. Na Montblanc, Hugo Silva recebe os clientes com um distintivo
«bem-vindo» (ou «welcome»…). Também ele está impecável: fato, gravata, botões de punho com a
inconfundível estrela da marca francesa.

O watch expert aposta em fazer da visita à loja um momento único, contrariando as tentações digitais:
«Estamos a falar de um mercado de luxo e de sensações, que não temos
no e‑commerce. Daí termos a preocupação de termos este nível de atendimento, a delização do cliente, para
que sinta necessidade de vir sempre à loja».

De que são feitas estas experiências? De atendimento personalizado, do seguimento da visita. E de histórias.
Como a de O Principezinho, obra universal de Saint‑Exupéry, que a
marca transformou em canetas, cadernos e botões de punho.

«O Petit Prince é uma história que nos encanta em qualquer idade. Em criança interpretamos de uma maneira,
em adolescente temos outra interpretação, e depois em adulto outra. A magia desta coleção é ser uma obra que
nos traz memórias», diz Hugo, dispondo as três canetas sobre a mesa: uma versão de resina, uma versão de aço
e lacada a azul e outra toda lacada a azul. Mas não é canetas que vende, são memórias –«O luxo é uma
sensação, é a experiência que transmitimos.»

Hugo é, tal como Filipa, Fábio, Filipe e Eugénio, um dos guardiões do luxo. Nas mãos dele, as canetas, mas
também os relógios e as malas da marca, deixam de ser objetos. A Montblanc pisca o olho a milhares de
coleccionadores em todo o mundo com edições limitadas. A coleção do patrono das artes, que sai todos os anos
em abril, apresenta‑se em vários patamares de exclusividade, que culminam com um modelo de que só é feito
um exemplar em todo o mundo, que custa um milhão e meio de euros. Hugo ainda não vendeu nenhuma
dessas.

A caneta mais cara que saiu das suas mãos custou 62 mil euros, uma de vinte que saíram em todo o mundo.
Cabe‑lhe, enquanto encantador de histórias, perceber o cliente que tem à frente e levá‑lo a voar. «É ir
acompanhando, é ir atrás do sonho…»

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S I G A -NOS NO I N S T A G R A M

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