Você está na página 1de 1

O Sol e o Menino dos Pés Frios

Era uma vez uma casa. Muito grande. Com um tecto altíssimo, nem sempre
azul. Uma casa enorme onde habitava uma grande família: uma família tão grande
que, por vezes, não julgavam os seus membros que se conheciam. E se deviam amar.
Houve um menino que entrou nesta casa estava ela toda branca. No chão tapetes de
neve, cristais de água de uma brancura que estremecia. E as próprias árvores
escorriam essa brancura. E frio. Iluminava-a uma estrela tão brilhante que, sobre o
tecto, parecia que poisava sobre as nossas mãos.
Ora um dia, em que fazia anos em que esse menino entrara nessa casa, outro
menino por ela andava com frio. Pelo chão, pelos milhões de cristais, caminhavam os
seus pezitos enregelados. Tanto frio que nem podia olhar a estrela brilhante.
Uma mulher chorava a um canto dessa casa. E era triste essa mulher. Estava triste e
cansada. Na casa nem tudo era belo. Ali estava aquele menino cheio de frio. E, como
ele, tantos meninos. E, já há quase dois mil anos, um menino entrara na asa, que ficou
mais clara com a luz brilhante do tecto. O menino entrou só para dizer uma palavra
pequenina: AMOR.
Então essa mulher perguntou ao menino dos pés frios:
- Tu não tens a tua casa?
O menino olhou a mulher triste e ficou triste. Ambos estavam tristes. E disse
quase envergonhado que não.
- Tu não tens roupa? Sapatos? Um lume? Pão?
A cabeça (tão linda!) do menino ia abanando sempre a dizer não. A mulher
triste começou a ter vergonha. Então ela consentia que na sua casa, na casa de todos,
de tecto nem sempre azul, houvesse um menino sem roupa, sem lume, sem pão? Ela
consentia uma coisa assim? E os outros também?
Escorregaram-lhe pela face já enrugada duas lágrimas transparentes. De água.
Água como a que tombava do tecto, como a que se estendia nos mares. E perguntou
mais ao menino:
- E para onde vais? Eu dou-te qualquer coisa para o caminho...
O menino olhou para ela admirado. Não lhe disse para onde ia. Observou-lhe
apenas:
- Tens duas gotas de água nos teus olhos que reflectem o céu azul e a lâmpada
do tecto. Não sentes?
A mulher deixou cair pelo rosto enrugado as duas lágrimas. A pele, então, ficou-
lhe mais lisa. E ela tornou-se menos curva. Ergueu-se. Estendeu, sorrindo, os dois
braços ao menino. E disse:
- Fica. Perdoa. o menino ficou. Nos seus braços. Encostado ao seu peito. Com
os pés aquecidos sobre o campo de neve.
E a mulher entendeu que não adiantava chorar ao canto da casa. E o seu
vestido era uma bandeira. E o seu coração uma flor. Com o menino a seu lado.

Matilde Rosa Araújo

Actividade:
1. Leitura do texto em silêncio;
2. Leitura do texto em voz alta;
3. Reconto oral da história;
4. Reconto escrito.

Você também pode gostar