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Capa
Ficha Técnica
PARTE I - O Sul de Inglaterra
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
PARTE II
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezasseis
Capítulo Dezassete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezanove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Jude Deveraux
BALADA
DE
VELUDO
Tradução
Pedro Branco
PARTE I
O Sul de Inglaterra
Janeiro de 1502
Capítulo Um
1 No original, honey wagon, que significa, literalmente, «carroça do mel». (N. do T.)
Capítulo Dois
DEPOIS DO QUE PARECIAM ter sido horas a saltar para cima e para baixo no
dorso ósseo do cavalo, e com os nós dos dedos brancos de se agarrar à
borda da sela, Raine parou abruptamente o animal e Alyx quase voou por
cima da cauda.
– Segura-te – rosnou enquanto a agarrava por onde conseguiu, a sua coxa
dorida, fazendo-a ofegar de dor. – Silêncio! – ordenou ele. – Ali, através das
árvores, estás a vê-los?
Limpando as lágrimas de dor com a manga, pôde finalmente ver uma
família de javalis a revolver o solo. Os animais pararam, olharam para cima
com os seus olhinhos mesquinhos a brilhar nos seus corpos magros e
rígidos, e cheiraram sobre as longas presas afiadas que sobressaíam das
suas bocas.
– Agarra-te a mim – gritou Raine, segundos antes de impulsionar o
cavalo para a frente e ir atrás do porco maior, com a lança apontada para
baixo.
– Segura-te ao cavalo com os joelhos – disse ele quando Alyx, de boca
aberta, susteve a respiração quando o javali carregou sobre eles. O animal
era enorme em comparação com as pernas finas do cavalo.
De repente, Raine mergulhou de lado, ficando o seu corpo paralelo ao
chão. Uma vez que Alyx se agarrava a ele, desceu com ele. Desequilibrada
e a cair, agarrou-se a Raine com todas as suas forças, enquanto ele impelia a
lança contra a espinha dorsal do furioso animal. O grito hediondo era a voz
da morte e Alyx enterrou o rosto nas costas largas de Raine.
– Larga-me! – rosnou ele, sacudindo o porco da sua lança e, depois,
retirando os dedos de Alyx do seu peito. – Quase que nos fazias cair. Agora,
segura a sela com todas as tuas forças.
Depois dessa ordem, lançou-se novamente, rasgando a floresta,
esquivando-se dos ramos das árvores por cima e dos lados, enquanto corria
atrás de outro porco. Mais dois foram abatidos de forma tão limpa como o
primeiro e, antes de parar novamente, teve de arrancar os dedos de Alyx do
seu estômago. Ela não fazia ideia de quando o tinha agarrado e estava
contente por ele não ter feito mais comentários sobre a sua cobardia.
Quando se libertou do aperto dela, desmontou, tirou algumas correias de
couro da sua sela e, após uma abordagem cautelosa aos animais, atou-lhes
as patas.
– Desmonta – disse ele, e esperou pacientemente que ela obedecesse.
As suas pernas, ainda com falta de exercício, cederam debaixo dela e teve
de se agarrar à sela para evitar a queda.
Ignorando-a, Raine atirou os porcos mortos para o dorso do seu cavalo e,
depois, dirigiu-se imediatamente para a cabeça do cavalo para o acalmar
enquanto ele se empinava, não gostando do cheiro de sangue tão perto dele.
– Traz o cavalo e segue-me – disse-lhe ele, virando-lhe as costas e
caminhando em frente.
Depois de olhar, amedrontada, para o garanhão, com as orelhas inclinadas
para trás, os olhos furiosos e suado da corrida, Alyx, em pânico, inspirou
profundamente e pegou nas rédeas. O garanhão esquivou-se e Alyx saltou,
olhando rapidamente na direção de Raine, vendo-o de relance por entre as
árvores.
– Vá lá, cavalo – sussurrou ela, aproximando-se lentamente do animal,
mas ele afastou-se dela.
Frustrada, ficou imóvel, de olhos fixos nos do cavalo, e suavemente,
começou a cantarolar em surdina, tentando notas e tempos diferentes até
sentir que o cavalo gostava bastante de uma moda muito antiga e simples. À
medida que o cavalo acalmava, ela pegou nas rédeas e a sua voz ganhou
força à medida que ganhava confiança.
Alguns minutos mais tarde, e muito orgulhosa do seu feito, chegou à
pequena clareira onde Raine esperava impacientemente com o terceiro
porco.
– Ainda bem que tenho vigias espalhados por aí – disse ele, atirando o
porco amarrado para as costas do garanhão –, caso contrário, com esse
barulho todo, qualquer pessoa num raio de um quilómetro podia ouvir-te.
Alyx ficou completamente chocada. Desde os seus dez anos de idade que
só ouvia os elogios mais profusos à sua música e, agora, era referida como
«barulho». Sem dizer nada, permitiu que Raine a puxasse para a sela à sua
frente e cavalgaram de regresso para o acampamento, com as suas costas a
baterem-lhe no peito.
Uma vez chegados, Raine desmontou, ignorando Alyx, ainda na sela,
enquanto desamarrava os porcos e os atirava para junto de uma fogueira.
Enquanto Jocelin se aproximava, Raine passou-lhe as rédeas.
– Ensina o rapaz a limpar o cavalo – disse-lhe, antes de se dirigir à sua
tenda.
Depois de um sorriso tranquilizador para Alyx, Joss conduziu o cavalo na
direção da clareira onde estavam os outros cavalos.
– Rapaz! – murmurou Alyx enquanto desmontava, agarrando-se à sela
para se apoiar. – Rapaz, faz isto; rapaz, faz aquilo. É tudo o que sabe dizer.
Quando Joss desapertou a sela, Alyx pôs-se em bicos de pés, agarrou a
sela e puxou-a, caindo imediatamente para trás e estatelando-se com a sela
pesada em cima dela.
Obviamente tentando não rir, Jocelin pegou na sela enquanto Alyx
esfregava o queixo ferido onde a sela a tinha atingido.
– Estará Raine a tornar a tua vida miserável?
– Está a tentar – disse ela, ao tirar-lhe a sela e, após três tentativas,
conseguiu colocá-la em cima de uma armação de madeira. – Oh, Joss,
suspirou ela. – Estou tão cansado. Esta manhã, ele mandou-me esfregar a
armadura dele, depois passei horas com aquela espada pesada. Agora, foi a
caça e cuidar daquela grande besta.
A este comentário, o garanhão rolou os olhos e começou a empinar-se.
Sem pensar, Alyx cantou seis notas e o animal acalmou.
Jocelin teve de controlar o seu espanto perante o uso inconsciente dela da
sua voz antes de conseguir falar.
– Raine tem muita gente a seu cargo.
– Muita gente para se armar em senhor, queres tu dizer – retorquiu ela,
seguindo o exemplo de Joss e escovando o cavalo.
– Talvez. Talvez um homem como Raine esteja tão habituado a assumir a
responsabilidade que a assume sem pensar.
– No meu caso, gostaria de menos ordens – referiu ela. – Porque manda
ele em toda a gente? Porque é que ele acredita que governa toda a gente?
Porque é que não deixa as pessoas descansar?
– Descansar! – exclamou Joss, do outro lado do cavalo. – Devias ter visto
este lugar algumas semanas antes da sua chegada. Era como as piores zonas
de Londres, pessoas a cortar a garganta umas às outras por alguns tostões, a
roubar tanto que era preciso ficar acordado toda a noite para guardar os
bens. Os rendeiros desalojados estavam à mercê de assassinos e…
– E, então, o justo Raine Montgomery colocou tudo em ordem, correto?
– Sim, é verdade.
– Alguém alguma vez pensou que ele o fez porque sentiu que era um
privilégio seu, concedido por Deus, sobre os seus súbditos?
– És ainda muito jovem para ser tão amargo, não és? – perguntou Joss.
Alyx parou de escovar o cavalo.
– Porque estás aqui? – perguntou-lhe ela. – Como é que te encaixas neste
grupo? Não és um assassino e não pareces alguém demasiado preguiçoso
para trabalhar. A única coisa que posso imaginar é que algum marido
ciumento anda atrás de ti – brincou ela.
De imediato, Jocelin atirou a escova ao chão.
– Tenho de voltar ao trabalho – disse ele, com voz dura e grave, e afastou-
se dela.
Durante um minuto, Alyx, como que atordoada, não pôde continuar.
Nunca na sua vida teria pretendido insultar Jocelin. Ele era o único com
quem ela podia falar, cantar e…
– Quando acabares isso, podes ir buscar água ao ribeiro – ouviu-se uma
voz irritante atrás dela, que interrompeu os pensamentos de Alyx.
Lentamente, e com cautela, virou-se na direção de Blanche. Apesar de
tudo o que Alyx dissera sobre a arrogância de Raine, Alyx também era
muito orgulhosa da sua origem. Esta mulher, com o seu vestido desleixado,
voz grosseira e o seu sotaque denotando pouca educação, não era
certamente da mesma classe que Alyx. Ignorando-a, Alyx voltou-se para o
cavalo.
– Rapaz! – chamou Blanche, exigente. – Ouviste o que eu disse?
– Ouvi – respondeu Alyx, baixando o tom da sua voz. – E tenho a certeza
de que metade do acampamento também ouviu.
– Achas-te demasiado bom para mim, não é? Tu com as tuas belas roupas
e com os teus bons modos. Só porque passaste hoje o dia com ele, não
significa que vás passar todos os dias com ele.
Com um sorriso desdenhoso, Alyx continuou a limpar o cavalo.
– Vai tratar da tua vida, mulher. Não tenho nada para tratar contigo.
Blanche agarrou o braço de Alyx e puxou-a.
– Até esta manhã, servi Raine, levava-lhe a comida, e agora, ele ordenou-
me que preparasse uma cama na sua tenda para ti. Que tipo de rapaz és tu?
Alyx levou um momento para compreender as insinuações de Blanche e,
quando percebeu, os seus olhos iluminaram-se, como se em chamas.
– Se soubesses alguma coisa sobre a nobreza, saberias que todos os
senhores têm escudeiros. Eu apenas cumpro os deveres de qualquer bom
escudeiro.
Blanche, obviamente tentando parecer parte da nobreza, tentou manter a
pose.
– Claro – retorquiu ela. – Eu conheço os escudeiros. Mas só para te
lembrar – disse ela, ameaçadoramente –, Raine Montgomery é meu. Eu
trato dele como o faria a sua senhora… em todos os sentidos.
Com isso, rodou sobre os calcanhares e afastou-se através das árvores.
– Senhora! – murmurou Alyx, voltando a cuidar do cavalo
afincadamente. – O que sabe uma ordinária como ela sobre ser uma
senhora?
Zangada, não se apercebeu do tempo passar até que ouviu a voz de Raine
perto dela.
– Rapaz – disse ele, fazendo-a saltar. – Tens de ser mais rápido do que
isso com um cavalo. Há muito mais trabalho para ser feito.
– Mais? – sussurrou ela. Parecia tão triste que Raine sorriu, com os olhos
a brilhar, e Alyx endireitou-se. Ela não lhe daria motivos para rir de novo
dela.
Depois de pôr de lado a escova e ter sussurrado uma última melodia ao
garanhão, Alyx seguiu Raine até ao acampamento, dirigindo-se para um
grupo de homens de aspeto pouco respeitável, amontoado à volta de uma
fogueira. Raine, com a sua postura orgulhosa e o seu nobre porte, fazia estes
homens parecerem ainda mais imundos do que eram.
– Vocês os três, ouçam – disse Raine, num rosnado baixo. – Vocês fazem
a primeira vigília.
– Eu não vou ficar lá fora nesses bosques – disse um homem, enquanto se
voltava para se afastar.
Agarrando-o com uma mão, Raine puxou o homem para trás e deu-lhe de
imediato um pontapé nas costas que o fez estatelar-se.
– Se comes, tens de trabalhar – disse ele, com uma voz ameaçadora. –
Agora, vão para os vossos postos. Eu irei mais tarde, e, se algum de vós
estiver a dormir, será a última vez que o faz.
Assumindo uma feição sinistra, Raine observou os homens enquanto
saíam do acampamento, amuados como crianças pequenas.
– Aqueles são os teus belos amigos – disse ele, baixinho, a Alyx,
enquanto se afastava.
– Eles não são meus amigos – respondeu ela, furiosa.
– Nem Pagnell é meu amigo! – retorquiu ele.
Parando, ela olhou fixamente para as suas costas largas. Era verdade, ela
sabia. Não tinha o direito de o odiar pelo que outro homem tinha feito.
– Blanche! – grunhiu Raine. – Comida!
Depois disso, Alyx seguiu-o rapidamente, porque tinha muita fome.
Dentro da tenda, Blanche colocou à frente deles javali assado, pão, queijo e
vinho quente, e Alyx atirou-se à comida com gosto.
– É assim mesmo, rapaz! – Raine riu-se, batendo-lhe nas costas, fazendo-
a engasgar-se. – Continua a comer assim e ainda vais ganhar algum
arcaboiço.
– Continuai a fazer-me trabalhar como hoje e eu morro dentro de uma
semana! – ofegou ela, tentando desalojar um pedaço de carne de porco da
garganta, ignorando a gargalhada de Raine.
Terminada a refeição, Alyx olhou, desejosa, para o estrado ao longo de
um dos lados da tenda. «Preciso de descansar», pensou ela; simplesmente
deitar-se e ficar imóvel durante algumas horas seria o paraíso na terra.
– Ainda não, rapaz – disse Raine, agarrando-lhe o braço e puxando-a para
cima. – Ainda temos trabalho antes de podermos dormir. Os vigias precisam
de ser controlados, tenho armadilhas para animais montadas e ambos
precisamos de um banho.
Isso despertou-a.
– Banho! – arfou ela. – Não, eu não.
– Quando tinha a tua idade, também tinham de me obrigar a tomar banho.
Uma vez, o meu irmão mais velho deu cabo de mim com uma escova de
cavalos.
– Alguém vos obrigou a fazer alguma coisa? – perguntou ela, incrédula.
O orgulho de Raine parecia estar em jogo.
– Na verdade, ambos os meus irmãos mais velhos o fizeram, e Gavin saiu
com um olho negro. Agora, vá lá. Temos trabalho a fazer.
Relutantemente, Alyx seguiu-o, mas, por muito que tentasse, não
conseguia ser muito enérgica nos seus passos. Como alguém meio-morto,
seguia Raine através da floresta, esbarrando ocasionalmente nas árvores,
tropeçando nas pedras, enquanto ele percorria o perímetro do campo,
certificando-se de que os vigias estavam alerta e acordados, e retirando
coelhos e lebres das suas armadilhas. No início, tentou falar com ela,
explicar-lhe o que estava a fazer, como atirar uma pedra e ver se os vigias
respondiam, mas, depois de algum tempo, estudou-a ao luar e, notando a
sua exaustão, calou-se.
Junto ao ribeiro perto do acampamento, ele disse-lhe para se sentar quieta
e esperar por ele enquanto tomava banho. Meio adormecida, reclinada na
margem, com a cabeça apoiada no braço, Alyx observou com lânguido
interesse, enquanto Raine retirava as suas roupas e entrava na água gelada.
O luar refletia como prata no seu corpo, acariciando os músculos, brincando
ao longo das suas coxas e fazendo amor com aqueles braços magníficos.
Levantando-se sobre os cotovelos, Alyx observou-o descaradamente. Toda
a sua vida tinha sido dedicada à música. Enquanto as outras raparigas
namoriscavam com os rapazes no poço do povoado, Alyx compunha um
lamento em latim, a quatro vozes. À medida que as suas amigas se
casavam, ela estava dentro da igreja a organizar um coro de rapazes. Nunca
tivera tempo para falar com rapazes, para os conhecer – na verdade, nunca
se tinha interessado por eles, estivera sempre demasiado ocupada para
sequer reparar neles.
Agora, pela primeira vez na sua vida, ao ver aquele homem nu a banhar-
se, teve as primeiras sensações de... de quê? Certamente que sabia da
existência do acasalamento, tinha até ouvido alguns dos mexericos das
mulheres recém-casadas, mas nunca tinha sentido qualquer interesse no
processo. Este homem à sua frente, erguendo-se da água como um centauro
celestial, fê-la sentir coisas que ela nunca imaginara serem possíveis.
Luxúria, pensou ela, sentando-se mais acima. Luxúria pura e simples era
o que sentia. Ela gostaria que ele lhe tocasse, a beijasse, se deitasse ao seu
lado, e gostaria muito de tocar naquela pele dele. Lembrando-se da
sensação que tinha experienciado quando se sentara nas costas dele,
começou a arrepiar-se, as suas pernas pareciam mais vivas, e até os seus pés
começaram a aquecer.
Quando ele saiu da água e veio na sua direção, ela quase ergueu os braços
para ele.
– Pareces preguiçoso – comentou Raine, enquanto se secava. – Tens a
certeza de que não queres tomar banho?
Tudo o que Alyx podia fazer era observar o movimento do pano que ele
usava para se secar, enquanto o passava pelo seu corpo, e abanava
vagamente a sua cabeça.
– Mas ficas já avisado, rapaz, se começares a cheirar tão mal que eu não
aguente dentro da tenda, eu próprio te darei banho, e não vai ser um banho
suave.
Com os olhos bem abertos, Alyx olhou para ele, quase não se notando a
sua respiração. «Ser banhada por este grande deus humano», pensou ela.
– Estás bem, rapaz? – perguntou Raine, preocupado e ajoelhando-se ao
seu lado, enquanto franzia o sobrolho à sua estranha expressão.
Rapaz!, abespinhou-se ela. Ele pensava que ela era um rapaz; e se ela se
revelasse como uma rapariga? Ele era da nobreza e ela era apenas a filha de
um pobre advogado.
– Não ficareis com frio? – perguntou ela, rolando para longe dele para se
afastar, sem olhar enquanto ele se vestia.
Quando ele terminou, seguiu-o silenciosamente de volta ao
acampamento, onde se deixou cair no seu estrado, mas não dormiu até que
Raine se instalasse na sua cama estreita. Satisfeita por fim, adormeceu.
Capítulo Seis
–ESTAIS FERIDO – disse Alyx, num tom de voz aflito, que soava como se
quisesse dizer que ele estava morto.
– Não deve ser grave, mas talvez devêssemos tratar disto.
Correndo na sua direção, colocou o braço dela sobre a sua cintura e
inclinou-se para ele.
– Sentai-vos. Vou buscar a Rosamund e…
– Alyx – disse ele, divertido. – Não é uma ferida mortal e eu posso bem
voltar a cavalo para o acampamento. Sabes, és o pior escudeiro que alguma
vez tive.
– O pior! – arfou ela, enquanto ele se sentava pesadamente num tronco de
árvore. – Sois um ingrato…
– Porque demoraste tanto tempo com o cavalo? Estava eu a lutar pela
minha vida e ouvia-te no bosque a cantar. Tentavas entreter o inimigo?
Nunca, nunca mais ia falar com ele, decidiu ela, virando-lhe as costas e
dirigindo-se para o cavalo. Ouvi-lo rir atrás dela só a fez erguer o queixo
ainda mais alto.
Mesmo quando ele se tentou levantar com esforço, ela recusou-se a
ajudá-lo e virou-se para não o olhar.
– Alyx, tenho de montar no lado oposto e o cavalo não vai gostar. Deves
segurá-lo com firmeza. Não quero esforçar esta perna mais do que o
necessário.
Ao ouvi-lo, ela segurou a cabeça do cavalo com as mãos, olhou-o nos
olhos e começou a cantar, controlando-o com a sua voz. Raine pareceu
sentar-se no dorso do cavalo durante algum tempo antes de falar com ela e
lhe oferecer a sua mão para a ajudar a montar.
Durante todo o caminho de regresso ao acampamento, ela agarrou-se à
sela e viu o sangue de Raine escorrer-lhe pela coxa. O cavalo, ao sentir o
cheiro do sangue, começou a empinar-se e, por reflexo, Raine apertou-o
com os joelhos para controlar o animal. Alyx sentiu-o ficar tenso com a dor
que o movimento lhe causou.
– Talvez pudesses acalmá-lo com as tuas canções – sugeriu ele,
suavemente.
– Com o meu barulho, não é isso que quereis dizer? – respondeu ela,
ainda magoada com as suas palavras.
– Como queiras – respondeu ele, com dureza.
Alyx nunca tinha ouvido aquele tom antes, mas ela reconheceu-o como
uma voz que sofre com a dor. Raine dissera que a ferida não era grave, mas
não mostrava sinais de deixar de sangrar. Agora não era altura de ficar
zangada. Começou a cantar e o cavalo acalmou.
– Tenho de te mostrar aos meus irmãos – murmurou ele. – Eles não vão
acreditar nisto, a menos que vejam.
Ao aproximarem-se do acampamento, várias pessoas, sentindo que algo
estava errado, saíram para cumprimentá-los.
– Seria melhor que eles não vissem que estou ferido – disse-lhe Raine. –
Já são suficientemente difíceis de controlar e não preciso de novos
problemas agora.
Rapidamente, ela desceu do cavalo e colocou-se ao lado de Raine,
tapando com o seu corpo a visão do povo sobre a sua perna.
– Ouvimos dizer que houve uma luta – disse um homem de dentes pretos
e olhar ganancioso.
– Só na tua cabeça, velhote – gritou Alyx, surpreendendo todos com o
poder da sua voz. Visivelmente, a multidão saltou, e o cavalo de Raine
também. – Afasta-te – ordenou ela. – O animal enlouqueceu. Tivemos de
chicoteá-lo para o controlar.
Enquanto as pessoas olhavam, amedrontadas, para o grande cavalo, com
olhar assustado e sentindo o cheiro do sangue de Raine, este tirou uma
maça da sela.
– Não têm trabalho a fazer? – gritou ele. – Joss, vem à minha tenda.
Tenho trabalho para ti.
Resmungando, o povo começou a voltar para as suas fogueiras e cabanas.
Quando o cavalo estava em frente da tenda, pararam e Alyx preparou-se
para ajudar Raine a desmontar.
– Pelo amor de Deus, não me ajudes – ordenou ele através dos dentes
cerrados. – Eles vão ver-te. Vai e segura a cabeça do cavalo. Canta bem e
alto e chama a atenção para ti.
Alyx fez o que lhe foi pedido e chamou realmente muita atenção para si
própria, tanto que esteve quase meia hora a tentar fugir das pessoas que
queriam que ela cantasse canção após canção. Finalmente, vendo que já
tinha encoberto a estranha desmontagem de Raine, entrou na tenda dele.
Raine estava apoiado no seu estrado, de camisa e tanga, e Rosamund
encontrava-se ajoelhada junto à sua coxa, com uma bacia de água
ensanguentada perto dos seus joelhos.
– Aí estás tu! – rugiu Raine. – Não sabes fazer mais nada do que andar a
mostrar essa tua voz? Que os céus nos ajudem, se tiveres de ir para a guerra.
O teu inimigo pedir-te-á para cantares e tu largarás as armas todas para
atuares como um mimo. Agora, vai, Rosamund, e trata do homem que eu
feri. Jocelin, mostra-lhe o caminho. E tu, meu passarinho inútil, vê se
consegues ligar esta perna, ou talvez possas cantar até a ferida sarar.
Alyx abriu a boca para falar, mas Joss, voltado de costas para Raine, pôs
a mão no ombro dela.
– Ele está a sofrer com dores, lembra-te disso – sussurrou antes de deixar
a tenda.
Um olhar para o rosto pálido de Raine fê-la perceber a verdade da
afirmação de Jocelin.
– Não fiques a olhar para mim! Faz alguma coisa de útil – disse-lhe
Raine, rispidamente.
Ela não ia tolerar aquele tratamento. A sua raiva e hostilidade só
poderiam magoá-lo.
– Calai-vos, Raine Montgomery! – ordenou ela. – Não aceitarei mais os
vossos insultos. Ficai quieto e eu cuidarei da vossa ferida, mas não há nada
que possa fazer para mudar o facto de terdes sido ferido. Gritar comigo só
vos fará sentir pior.
Raine começou a levantar-se, mas um olhar de Alyx fê-lo deitar-se de
costas.
– Eles vão matar-se uns aos outros – disse ele, sem esperança, referindo-
se aos fora da lei no exterior da sua tenda.
– Não importa se o fizerem – disse ela, insensivelmente, mudando-se para
o lado mais distante da cama e da perna ferida de Raine. – Contam-se por
uma mão os que merecem o ar que respiram.
Ajoelhada, percorreu a coxa de Raine e levantou o pano que Rosamund
ali tinha colocado. Foi a sua primeira visão de uma ferida como aquela,
terrivelmente inflamada pela brutalidade da perfuração, o sangue ainda a
escorrer, e sentiu o estômago apertado.
– Estás a pensar deitar fora o teu jantar? – troçou Raine ao vê-la
empalidecer. – Já tive ferimentos muito piores, só que este parece ser mais
profundo.
As suas pernas, com as coxas pesadas e musculosas esticadas à sua frente,
tinham várias marcas salientes de cicatrizes. Hesitantemente, ela tocou
numa.
– Uma lâmina de machado – murmurou ele, deitado de costas; por fim, a
perda de sangue começava a drenar-lhe a força.
Tão suavemente quanto pôde, limpou a ferida e franziu o sobrolho
quando viu como estava suja, como se a flecha se tivesse limpado na carne
de Raine. Quando terminou, puxou um banco para perto da cama e
observou-o, de olhos fechados, a sua respiração pouco profunda, mas ainda
assim regular, e esperava que estivesse a dormir.
Depois de muito tempo, ele falou, de olhos fechados.
– Alyx – sussurrou ele, e ela ajoelhou-se imediatamente ao seu lado. –
Debaixo da cama está uma caixa. Vai buscá-la?
Instantaneamente, ela puxou a mala de couro e sorriu quando percebeu
que continha um alaúde.
– Sabes tocá-lo? – perguntou Raine.
Sorrindo, confiante, ela abriu a mala e retirou o alaúde, já com os dedos a
dançar na sua ansiedade de tocar as cordas. Suavemente, começou a tocar e
a cantar uma das suas próprias composições.
Só horas mais tarde se apercebeu que Raine estava a dormir, quieto e
pálido na cama, e pousou o alaúde. No silêncio, apenas se ouvia a
respiração cansada dele na tenda, e ela desejou que Rosamund voltasse.
Raine parecia pior do que antes e ela precisava de alguém que lhe dissesse
que ele ia recuperar.
Uma vista de olhos pela tenda fê-la compreender que precisavam de água,
a lateral do seu gibão estava ensopada com sangue de Raine e precisava de
ser lavada. De manhã, haveria perguntas dos fora da lei sobre a origem do
sangue.
Em silêncio, com baldes em ambas as mãos, deixou a tenda e dirigiu-se
para o rio, evitando qualquer contacto com as pessoas do acampamento.
Com um suspiro de alívio, viu Blanche envolvida num jogo de dados com
vários homens e percebeu que a mulher não deixaria o jogo para ir ver
Raine.
Já era quase escuro quando chegou à água, encheu os baldes e começou a
lavar o gibão. Para seu desgosto, a sua camisa também estava encharcada.
Após um momento de hesitação, tirou-a, juntamente com a ligadura dos
seus seios, e começou a lavar tudo, incluindo a sua própria pele e cabelo
sujos. Quase gelada, limpou-se com o pano da ligadura e cerrou os dentes
quando enfiou a camisa e as meias-calças muito frias e molhadas.
Segurando o gibão no braço, agarrou os baldes e quase correu de volta ao
acampamento.
Dentro da tenda, susteve a respiração, à escuta, ficando contente por
Raine ainda estar a dormir. Quando se livrou dos baldes, tirou rapidamente
a sua roupa molhada e vestiu uma das camisas de Raine, que lhe chegava
aos joelhos. Sabia que estava a correr um risco, mas, na verdade, não tinha
a certeza se não esperava que ele acordasse e descobrisse que ela era uma
rapariga.
Mal tinha acabado de vestir a camisa e um gemido de Raine fê-la virar.
– Mary – disse ele. – Mary, eu vou encontrar-te.
De um salto, ela estava ao lado dele. Devia estar calado para que as
pessoas do acampamento não percebessem que não estava bem. Os idiotas
suspeitavam que Raine escondia joias e ouro dentro da sua tenda, e Alyx
não tinha dúvidas de que adorariam a oportunidade para verificar.
– Mary – chamou Raine mais alto, com um dos seus grandes braços a
acenar, falhando por pouco a cabeça de Alyx.
– Raine, acordai – sussurrou ela em voz alta. – Estais a ter um pesadelo. –
Mal lhe pegou no braço e lhe tocou na pele, percebeu imediatamente que
ele estava febril. A sua pele estava quente ao toque dela.
– Não – ofegou ela e amaldiçoou Rosamund por ter deixado o
acampamento quando Raine precisava dela. Febre! O que poderia ela fazer?
Sentindo-se totalmente inútil, mergulhou um pano num dos baldes de água
e colocou-o na testa dele, mas um dos braços de Raine acertou-lhe e
mandou o pano pelo ar. Ao ritmo a que abanava os braços, iria bater num
poste da tenda e toda a lona cairia sobre as suas cabeças.
– Raine – disse ela, ferozmente. – Tendes de estar quieto. – Ela pegou-lhe
nas duas mãos com as dela e viu-se levantada do chão, caindo meio em
cima dele.
– Tenho de encontrar Mary – disse ele, muito mais alto, balbuciando as
palavras, e, enquanto se movia, levou Alyx atrás.
– Seu grande boi – sibilou ela. – Ficai quieto!
Isto pareceu afetá-lo, pois abriu os olhos e ela pôde ver o brilho febril
mesmo na tenda escura.
Por um momento, ele olhou para ela, sem a ver e, depois, os seus olhos
pareceram focar e pôs-lhe uma mão na parte de trás da cabeça dela,
puxando a boca dela para a sua.
Protestar, mesmo que Alyx tivesse pensado em tal coisa, estava fora de
questão. No momento em que os seus lábios tocaram os de Raine, tudo
ficou perdido. Ela era uma mulher de grande paixão, de grande sentimento,
e sempre tinha aplicado essa paixão à música. Ao primeiro toque de Raine,
a música explodira por todos os poros do seu corpo, anjos a cantar,
demónios a murmurar, coros a alcançar novas notas, em canções alegres e
canções tristes.
Ele virou-lhe a cabeça enquanto lhe cheirava os lábios, procurando a
doçura interior da boca dela, a sua língua tocando a ponta da dela. Não foi
preciso muito mais do que um momento para Alyx aprender a beijá-lo de
volta. Com um pé no chão, o outro balouçando no ar, o seu corpo meio em
cima dele, pôs-lhe os braços à volta da cabeça e puxou-o para mais perto, a
língua dela a mergulhar cada vez mais fundo na boca dele. Isto era o que ela
queria desde a primeira vez que o vira, não ser tratada como um rapaz, mas
como a mulher que era.
Raine reagiu com entusiasmo à agressividade dela, os seus lábios
sugaram os dela, mordendo-os, puxando-os entre os seus dentes, passando a
língua por cima da sua suave curva.
Quando a sua mão deslizou e tocou a parte superior da barriga da perna
dela, ela tomou fôlego e começou a beijar-lhe a face, com os lábios a
arrastar-se até ao seu pescoço, aquele pescoço poderoso e forte para o qual
ela olhara tantas vezes, observando com interesse como o suor gotejava por
ele.
A pele dele, tão quente, a ferver, deixou marcas a arder nas pernas dela
quando se moveu para o seu lado e começou a percorrer com ambas as
mãos as pernas dela, com os dedos a agarrar os músculos firmes das suas
coxas. Quando chegou às nádegas dela e as segurou, deu uma pequena
risada de satisfação.
– Doce rapariga – murmurou, movendo a cabeça de modo a capturar
novamente os seus lábios, e o beijo intensificou-se enquanto as suas mãos
ardentes acariciavam as pernas dela, apalpando a carne, explorando-lhe as
curvas e os contornos do seu corpo.
Mas Alyx não se contentou em ser uma participante passiva e as suas
mãos também começaram a explorá-lo, puxando-lhe a camisa para cima,
tocando-lhe a pele febril com as suas mãos ardentes e curiosas. Os pelos no
seu peito, grandes tufos ondulados, eram tão macios quanto ela tinha
imaginado, e os músculos no seu peito, também ondulados, curvados,
excitavam-na para além dos seus pensamentos mais mirabolantes.
– Raine – murmurou ela, com os lábios a seguir-lhe as suas mãos,
abominando a camisa de linho. As mãos acalmaram enquanto ele dava toda
a sua atenção ao que ela fazia com a boca. Quando a camisa não lhe
permitiu descer mais, ela moveu-se para que pudesse começar por baixo e
subir.
Os seus lábios tocaram a linha de pelos que desaparecia na sua tanga e a
respiração de Raine acelerou, as mãos ainda agarrando-lhe as coxas firmes
e duras. Enquanto os seus lábios se moviam para cima, as suas mãos
também acompanhavam o movimento ascendente, levando a camisa com
elas até chegar ao seu pescoço e, milagrosamente, o pedaço de tecido
limitador escorregou do seu corpo, expondo toda aquela pele quente e
bronzeada pelo sol à vista e ao toque de Alyx.
Raine, lento a mover-se, e mais lento ainda a perceber o que lhe estava a
acontecer, que esta ninfeta celestial estava a fazer amor com ele, retirou
facilmente e com um gesto treinado a sua camisa e, no mesmo movimento,
colocou um braço à volta da estreita cintura e puxou-a para se deitar ao seu
lado.
Foi a vez de Alyx arfar enquanto o seu corpo nu tocava a pele flamejante
de Raine e as suas mãos quentes começavam a explorar o seu corpo,
parando na sua cintura, rodeada apenas pelo cinto dourado de Lyon. Ele
parecia pensar que era natural que ela não usasse roupa, a não ser aquele
cinto dourado dos seus antepassados. Enquanto a mão se movia para cima,
em direção aos seus seios soltos, ela susteve a respiração, com medo de que
ele a rejeitasse por ser demasiado pequena para o seu gosto, mas, enquanto
as suas mãos a rodeavam e os seus lábios lhe beijavam o pescoço, ela
esqueceu-se de quaisquer deformidades imaginadas. E, quando a boca de
Raine deslizou rapidamente até ao peito dela e lhe tocou o mamilo rosado
com a língua, ela arfou e arqueou-se contra ele, as ancas a roçar
impiedosamente nas de Raine.
Um riso baixo, profundo e sensual brotou da garganta de Raine, enquanto
os seus dentes mordiam com demasiada força o mamilo, fazendo com que
ela gritasse e se afastasse dele. Raine enfiou-lhe rapidamente uma mão
debaixo da cintura e puxou-a facilmente de novo e, num só gesto, apanhou
o lóbulo da sua orelha com os dentes.
– Tu és minha, minha rica fada do bosque – disse ele entredentes, e a sua
respiração, tão quente como a sua pele, parecia entrar-lhe na orelha e viajar
diretamente até ao abismo da sua barriga.
– Não – riu-se Alyx, num tom que ninguém podia confundir com uma
resposta negativa, as mãos no estômago dele, empurrando-o. Ele deixou-a
fugir alguns centímetros, mas a sua mão voltou a puxá-la, tratando-a como
se ela fosse o cordel de um brinquedo de criança.
Presa no jogo, não gostando da sua brincadeira com ela, Alyx levou os
joelhos dela até ao peito e empurrou. Ficou satisfeita por ver que, pelo
menos, eram necessários dois braços para a segurar contra a força das suas
pernas.
Parecendo gostar da sua posição encolhida, ele segurou-a e percorreu-lhe
as costas com as mãos, bem como as pernas e as nádegas, acariciando
lentamente, deixando um rasto de calor até Alyx sentir que o seu corpo
estava tão quente como o dele, e Raine ficou novamente com uma
expressão séria, os seus lábios apoderaram-se dos dela com força e a sua
paixão subiu tanto que ela sentiu algo no ar sobre eles, além do aperto do
seu corpo contra o dela.
Impacientemente, puxou as pernas dela para baixo, de modo a ficarem
deitados de lado, virados um para o outro, e as suas mãos já não eram
suaves, mas exigentes, puxando o corpo esguio dela para o seu maior,
parecendo tentar fundir as suas peles.
Cega e com uma música magnífica a rugir na sua cabeça, Alyx tentou
aproximar-se dele, atirando-lhe uma perna por cima, enrolando-o nas suas
coxas e prendendo o pé atrás do seu joelho.
A mão de Raine desceu-lhe pelas costas, lentamente, sentindo cada
centímetro do seu corpo, até chegar ao centro do seu ser. Arfando e de olhos
bem abertos, Alyx afastou-se para trás, viu que os seus olhos estavam
fechados enquanto se concentrava em sentir. Quando o seu dedo a penetrou,
começou a tremer, assustada com aquela nova experiência, com o que lhe
estava a acontecer, com o que a sua mente e corpo estavam a sentir.
A mão dele movia-se, acariciando-lhe o interior das coxas, tocando-a
sempre de forma tão leve, fazendo com que abrisse as pernas cada vez mais,
à medida que as envolvia nas suas ancas, segurando-o com tanta força que
parecia esmagá-lo.
Quando a mão dele a deixou, ela protestou, mas a sua boca capturou a
dela e Alyx, quase em lágrimas, empurrou-se cada vez mais para perto dele.
A tanga de Raine desapareceu e, quando a masculinidade dele tocou a
feminilidade dela, ela colocou-se em cima dele. Ele segurou-lhe as costas,
penetrando-a muito lentamente, centímetro a centímetro.
Raine manteve-a quieta, penetrando-a e descansando, permitindo que as
sensações fluíssem de um corpo para o outro, até que Alyx, ansiosa,
inexperiente, começou a mover-se, brusca e ineptamente.
As mãos de Raine seguraram-lhe as nádegas e guiaram-na num
movimento fluido, lento, ritmado, levando-a facilmente e a cada movimento
cada vez mais longe no seu prazer.
Quando ela começou a mover-se mais depressa, ele acomodou-a,
empurrando-a com mais força e mais depressa, cada vez mais fundo, até
que Alyx começou a arranhar-lhe as costas e a morder-lhe o pescoço, com
todo o seu corpo a começar a contorcer-se e a revirar-se, parecendo lutar
contra ele e, ao mesmo tempo, implorar-lhe por algo.
Rodando, Raine deitou-a de costas e baixou o seu magnífico, delicioso e
glorioso peso em cima dela, pressionando-a contra a cama com tanta força
que quase a fez cair e ela agarrou-se a ele com as pernas, fixando os
tornozelos, empurrando as ancas para cima, enquanto ele se abateu para
dois penetrantes e duros impulsos – e Alyx morreu.
Música branca, quente e embriagante explodiu por toda a parte,
arrancando-lhe a pele, separando todos os pedaços dela enquanto o seu
corpo tremia e tremia até que a sua força se transformou em geleia.
Pegajosa, horrivelmente fraca, insegura do que o seu corpo tinha acabado
de fazer, e do que tinha feito para isso, agarrou-se a Raine, permitindo-se
sentir a sua pele quente e a sua respiração irregular no ouvido. Movendo um
braço e sentindo-se como se tivesse acabado de rolar por uma colina
íngreme coberta de pedras, Alyx tocou o cabelo húmido ao longo do
pescoço dele. Num movimento rápido e feroz, Raine agarrou a mão dela
enquanto rolava para o seu lado, arrastando-a consigo e agarrando-lhe a
mão com tanta força que ameaçava partir-lhe os dedos.
– Minha – sussurrou ele, levando a mão dela à boca e beijando dois dedos
antes de o sono o dominar.
Durante vários minutos, Alyx dormitou, metade a dormir, metade
acordada. O seu corpo estava exausto, mas, de alguma forma, estava mais
viva do que alguma vez estivera. Não sentia vergonha por ter acasalado
com um homem que não era seu marido, e talvez devesse, mas, naquele
momento, não havia nada na vida de que ela precisasse a não ser a perna
deste querido homem por cima dela, e aquela pegajosidade húmida a colar
mais os seus corpos juntos.
– Amo-te – sussurrou ela ao homem que dormia nos seus braços. – Sei
que nunca poderás ser meu, mas, neste momento, és. Amo-te – disse ela
novamente ao beijar uma madeixa húmida e adormeceu de novo, mais feliz
do que alguma vez tinha estado na sua vida.
Capítulo Oito
ALYX ACORDOU numa tenda iluminada pela luz matinal, e a pele de Raine a
tocar na dela estava mais quente do que na noite anterior. Adormecido,
movia-se, inquieto, rebolando, ignorando a presença de Alyx enquanto
rolava sobre ela, ameaçando partir-lhe os ossos. Empurrando-o com todas
as suas forças, ela conseguiu tirá-lo de cima dela e, rapidamente, começou a
vestir as suas roupas, molhadas nalguns sítios, secas noutros, uma vez que
tinham ficado amassadas num monte toda a noite. Ela desejava
ardentemente poder vestir um vestido e desistir da pretensão de ser um
rapaz. As roupas e os costumes masculinos davam uma grande liberdade,
mas se ela fosse um rapaz teria perdido uma noite como a que tinha tido.
Ainda mal tinha apertado o gibão quando a entrada da tenda se abriu e
Jocelin entrou, seguido de Rosamund.
– Como está ele? – perguntou Joss, observando atentamente Alyx.
Antes que ela pudesse responder, Rosamund interrompeu-os.
– Ele tem febre e temos de a fazer baixar. Vai buscar água fria enquanto
eu vou buscar as minhas ervas.
Imediatamente, Alyx agarrou nos baldes e dirigiu-se para o riacho.
Os três dias seguintes foram de tortura para Alyx. Ela e Rosamund
trabalharam continuamente para fazer descer a febre de Raine. O seu corpo
enorme foi coberto com cataplasmas e as mulheres tiveram de forçá-lo a
ingerir substâncias horríveis pela garganta abaixo. Esta operação foi sempre
acompanhada por terríveis ordens de Alyx, nas quais ela chamou tudo a
Raine, desde mendigo inútil a pavão vaidoso gigante, fazendo Rosamund rir
e, por vezes, corar. Alyx cantava-lhe constantemente, tocava alaúde
frequentemente, tudo para o acalmar e impedi-lo de se mexer
descontroladamente.
E, enquanto Raine ardia em febre, Jocelin tentou manter o comando do
campo de foras da lei, impondo o treino diário que Raine tinha começado,
tentando evitar que os degoladores se matassem uns aos outros.
– Não acredito que valham a pena – disse Joss, sentado no chão aos pés
da cama de Raine. – Porque é que ele – acenando para o homem
adormecido à sua esquerda – acha que tem de resolver os problemas deles?
– E aceitou uma tigela de guisado de Rosamund.
– Raine adota toda a gente – disse Rosamund calmamente, de cabeça
baixa, como sempre. – Ele acredita verdadeiramente que vale a pena cuidar
de nós.
– Nós? – questionou Alyx enquanto olhava para cima, desviando o olhar
de Raine. Nunca saíra do lado dele, dormira sentada num banco, com a
cabeça apoiada na borda da sua cama. – Não me considero semelhante a um
assassino.
– E tu, Rose? – perguntou Jocelin. – Que crime cometeste tu?
Rosamund não respondeu, mas quando Joss virou a cabeça, ela olhou
para ele de tal forma que Alyx arquejou sonoramente, cobrindo rapidamente
o som com um pouco de tosse. Rosamund estava apaixonada por Jocelin.
Enquanto Alyx os olhava, cada um com a sua beleza extraordinária, viu
como eram adequados um para o outro. Ela sabia porque estava Rosamund
naquele acampamento horrível, porque as pessoas acreditavam que ela tinha
a marca do diabo, mas porque é que Joss estava aqui?
Na manhã seguinte, muito cedo, a febre de Raine cedeu. Alyx estava a
dormir, com a cabeça junto ao seu braço nu, quando sentiu que ele estava
diferente. Observando-o, viu os seus olhos abertos, olhando para a tenda e,
finalmente, parando no seu rosto.
Imediatamente, o coração de Alyx começou a bater e a sua pele,
atraiçoando-a, começou a corar. Como reagiria ele ao facto de terem feito
amor?
Após um momento, ele desviou o olhar dela, não lhe dizendo nada com
os olhos.
– Quanto tempo estive doente?
– Três dias – respondeu ela, com a voz a ficar-lhe presa na garganta.
– E mantiveste a ordem no acampamento? Ou mataram-se uns aos
outros?
– Eles... eles estão bem. Jocelin empunhou a espada sobre as suas cabeças
e manteve a paz. – Quando ele não respondeu, ela suspirou. Agora, ele iria
falar deles, da sua paixão.
Em vez disso, lutou para se sentar e, quando Alyx começou a ajudá-lo,
empurrou-a como se ela não tivesse qualquer importância. Atirando o
cobertor de lã para o lado, arrancou as ligaduras da coxa e,
desinteressadamente, inspecionou a ferida na perna, pressionando-a.
– Está a sarar – aventurou-se ela. – Rosamund disse que a ferida não era
grave, à exceção da febre. Tememos pela tua vida.
Voltando-se para ela, dirigiu-lhe um olhar frio e duro, e ela quase podia
jurar que havia raiva nos seus olhos.
– Vai buscar-me comida, e muita. Preciso de retemperar as minhas forças.
Alyx não se mexeu.
– Maldito sejas! – gritou Raine, com a sua voz a abanar as paredes da
tenda. A explosão obviamente esgotou a pouca energia que ele tinha e, por
um momento, a sua mão agarrou-se à testa. – Obedece-me – disse ele
calmamente, deitado de costas. – E, rapaz… – acrescentou ele, enquanto ela
chegava à saída da tenda, com os baldes de água nas mãos. – Traz-me vinho
quente.
– Rapaz! – arfou Alyx quando saiu da tenda. – Rapaz!
– Alyx? – perguntou Joss. – Foi o Raine que eu acabei de ouvir?
Desalentada, ela assentiu com a cabeça.
– Estás bem? Porque gritava ele?
– Como é que eu vou saber porque gritava aquele grande boi? – disparou
ela. – Como pode um ser insignificante como eu saber o que pensa um
amigo do Rei?
Para sua consternação, Jocelin riu-se em voz alta e deixou-a, assobiando o
que Alyx sabia ser uma cançãozinha indecente.
– Homens! – praguejou ela, atirando os baldes para o riacho, arrastando
areia e pedras com a água e depois tendo de repetir o processo. Da segunda
vez, fez uma pausa, com lágrimas nos olhos. – Rapaz – sussurrou ela para a
água fria a correr. Significaria ela tão pouco para ele que nem se conseguia
lembrar da noite deles juntos?
Talvez ele precisasse de algumas horas para se lembrar, pensou ela ao
voltar para a tenda, parando para dizer a Blanche que Raine queria comida.
– Já sabia – disse Blanche, com uma voz doce e insinuante. – Ele já me
mandou chamar e devo dizer que Raine Montgomery não perdeu nenhuma
da sua força – afirmou ela em voz alta para toda a gente à volta ouvir,
apertando ostensivamente a parte de cima da camisa suja que usava. – Já
lhe levei a comida dele.
Com o queixo empinado, Alyx entrou na tenda, com os ombros
arrastados para baixo por causa dos pesados baldes.
– Porque demoraste tanto tempo? – perguntou Raine, com a boca cheia.
Ela rodopiou para o enfrentar.
– Tenho mais que fazer do que ir buscar a tua comida – disse ela,
enraivecida. – E parece que aquela tua prostituta pode muito bem tratar
disso.
– É justo – disse ele, respondendo-lhe à letra e atirando-se a uma perna de
porco. – Talvez devêssemos trabalhar nessa tua atitude puritana. Uma
mulher é uma mulher, uma coisa frágil e indefesa, alguém para proteger e
amar, independentemente da sua condição na vida. Se tratares uma
prostituta como uma senhora, ela será uma, e uma senhora pode tornar-se
uma prostituta. Tudo depende do homem. Lembra-te disso. Ainda estás
muito longe de ser homem, mas quando lá chegares…
– Quando isso acontecer, não vou precisar de nenhum conselho teu –
quase gritou ela antes de se virar para a saída, onde embateu em Jocelin.
Com um olhar de raiva, ela passou por ele e saiu da tenda.
Joss olhou de relance para Raine, sentou-se num banco e começou a tocar
despreocupadamente o alaúde, enquanto Raine comia silenciosamente.
Passado um momento, Joss deixou de tocar.
– Há quanto tempo sabes de Alyx? – perguntou Joss.
Apenas uma pausa na sua refeição mostrou que Raine o tinha ouvido.
– Na verdade, há algumas horas – disse calmamente. – E há quanto tempo
é que sabes?
– Desde sempre. – E riu-se da expressão de Raine. – Admirei-me por
mais ninguém ter percebido. Para mim, ela era como uma menina vestida
com as roupas do irmão. Quando lhe chamaste rapaz, nem quis acreditar
que falavas a sério.
– Quem me dera que me tivesses dito – desejou Raine com sinceridade e
com uma covinha a aparecer-lhe na bochecha. – Há dias, ela estava a
escrever uma carta para mim e eu quase a beijei. Fiquei doente durante
horas depois disso.
– Fizeste-a trabalhar mais do que qualquer outra pessoa, sabes.
– Talvez estivesse a tentar mudar as suas formas – riu Raine. – Tenho
andado fascinado pelas pernas dela há já algum tempo.
– E agora, o que planeias fazer com ela?
Empurrando a bandeja, Raine deixou-se cair de costas na cama, sentindo-
se muito fraco, muito cansado.
– Sabes quanto da história dela é verdadeira? O que lhe fez Pagnell?
– Acusou-a de o ter roubado, declarou-a bruxa e ofereceu uma
recompensa generosa pela sua cabeça.
Raine franziu o sobrolho a Joss, sentindo-se um tolo por saber tão pouco
sobre o que se passava debaixo do seu nariz.
– Como é que achas que a escória deste acampamento reagiria a uma
jovem rapariga no meio deles? Alguém cuja captura lhes traria uma
recompensa?
Joss bufou como única resposta.
– Penso que é melhor ela permanecer um rapaz – disse Raine,
pensativamente – e sob a minha proteção. Quanto menos pessoas souberem
da sua verdadeira identidade, melhor.
– Mas vais dizer à Alyx que sabes que ela é uma rapariga, não vais?
– Ah! – resmungou Raine. – Deixa que essa rabugenta sofra o que eu
sofri. Virou-me aquele lindo rabinho sempre que pôde e, esta manhã,
quando me apercebi de como me tinha feito passar por tolo, podia ter-lhe
torcido o pescoço. Não, deixa-a andar iludida um pouco mais. Ela pensa
que não me lembro… – E olhou rapidamente para Joss. – Ela pensa que eu
não sei que é mulher, deixa-a continuar assim.
Jocelin levantou-se.
– Não vais ser muito duro com ela, pois não? A menos que eu esteja
enganado, penso que ela acredita que está apaixonada por ti.
Raine sorriu de orelha a orelha.
– Ótimo. Não, não lhe farei mal, mas fá-la-ei provar um pouco do seu
próprio veneno.
Uma hora depois, quando Alyx voltou à tenda, de queixo empinado,
Raine e Jocelin estavam a jogar dados, mas nenhum dos dois parecia estar
muito interessado no jogo.
– Alyx – disse Raine, não olhando para cima sequer. – Treinaste no
acampamento hoje? Já és suficientemente esquelético para perderes o pouco
músculo que tens.
– Treinar – arfou ela, depois acalmou-se. – Por alguma razão que não
percebo agora, estava preocupado se sobrevivias ou morrias e não pensei
em modelar o meu corpo débil.
Com uma expressão de espanto e mágoa, Raine olhou para ela.
– Alyx, como podes falar comigo assim? Estás mesmo zangado por eu ter
sobrevivido? Vai-te embora, Joss, estou demasiado cansado para jogar mais.
Talvez vá eu próprio buscar algum vinho… assim que estiver
suficientemente forte – acrescentou, deitando-se de costas na cama com
uma grande demonstração de cansaço.
Joss começou a tossir, engasgando-se, antes de enfiar os dados no bolso,
revirando os olhos para Raine e deixando a tenda.
Alyx tentou manter-se distante, mas quando viu Raine cair na cama, com
um aspeto tão pálido, tão desamparado, acabou por ceder.
– Vou trazer-te vinho – suspirou ela, e, quando lho entregou, a mão dele
tremia de tal modo que teve de colocar-lhe o braço à volta dos ombros,
apoiando-o e levando-lhe o copo aos lábios… aqueles lábios que mesmo
agora a faziam respirar mais rapidamente.
– Estás cansado – disse Raine com simpatia. – E há quanto tempo é que
não tomas banho? Ninguém no mundo pode ficar tão sujo como um rapaz
da tua idade. Ah, bem – disse ele, sorrindo, encostando-se para trás. – Um
dia, quando tiveres encontrado a mulher certa, vais querer agradar-lhe.
Alguma vez te contei de quando estive num torneio fora de Paris? Havia
três mulheres que…
– Não! – gritou ela, fazendo-o pestanejar inocentemente para ela. – Não
quero ouvir as tuas histórias indecentes.
– Um escudeiro deve ter mais educação do que apenas em armas. Por
exemplo, quando tocas alaúde, as músicas que escolhes e as palavras que
cantas são mais adequadas para uma mulher. Uma mulher gosta de um
homem que é forte, seguro de si próprio, nunca gostaria de um jovem
chorão que soa mais a uma fêmea.
– Chorão! – começou ela, profundamente insultada. Ela podia não ser
bonita, mas confiava na sua música. – E o que sabes das mulheres? –
vociferou ela. – Se sabes tão pouco de mulheres como de música, és tão
ignorante como és…
– Como sou o quê? – questionou ele com interesse, apoiando-se num
cotovelo para a encarar. – Bonito? Assim tão forte? Saudável? – continuou
ele, olhando-a quase lascivamente.
– Vaidoso! – exclamou ela.
– Ah, se o teu tamanho correspondesse à força da tua voz. Alguma vez
tentaste derrubar as paredes do castelo, gritando-lhes? Talvez pudesses
atingir uma nota e um exército de cavalos do inimigo te seguisse pelas
florestas.
– Para! Para com isso! – gritou ela. – Odeio-te, seu grande, estúpido,
nobre cobarde! – De seguida, virou-se para a saída da tenda, mas Raine,
com a sua voz grave e dominadora, chamou-a de volta.
– Vai buscar a Rosamund, sim? Não me sinto nada bem.
Ela virou-se, dando um passo na sua direção, mas voltou atrás e saiu da
tenda. Lá fora, havia muitas pessoas e, obviamente, teriam ouvido a
discussão dentro da tenda. Dando o seu melhor para ignorar as pessoas que
se riam e davam socos uns aos outros, Alyx foi para o campo de treino e
passou três duras horas a praticar com um arco e flecha.
Finalmente, exausta, foi até ao riacho, tomou banho, lavou o cabelo e
comeu antes de regressar à tenda.
Estava escuro na tenda e, como não se ouvia som nenhum vindo de
Raine, assumiu que ele estava a dormir. Seria agora, pensou ela, se tivesse
coragem, que se afastaria deste acampamento e nunca mais regressaria.
Porque teria pensado ela que o que tinha sido tão especial para si fora
alguma coisa para este senhor do reino? Sem dúvida que estava habituado a
que as mulheres entrassem e saíssem da sua cama e lhes prestasse pouca
atenção. O que importava mais uma? Se ela se revelasse como a sua última
conquista, rir-se-ia ou talvez a aceitasse como uma das suas muitas
mulheres? Seria que ela e Blanche se revezariam para o entreter?
– Alyx? – perguntou Raine, sonolento. – Estiveste ausente durante muito
tempo. Comeste alguma coisa?
– Um balde cheio – disse ela, com ar desagradável – para que possa
crescer até ter o tamanho do teu cavalo.
– Alyx, não te zangues comigo. Vem sentar-te ao meu lado e canta-me
uma canção.
– Não conheço canções como as que tu gostas.
– Cá me arranjarei – disse ele, e a sua voz estava tão cansada que ela
cedeu, pegando no alaúde e tocando calmamente, cantarolando a melodia.
– Judith vai gostar de ti – murmurou ele.
– Judith? A bela esposa do teu irmão? Porque é que uma senhora como
ela se importaria com o filho de um humilde advogado? – Quase que tinha
dito «filha».
– Ela vai gostar da tua música – disse ele, com a voz pesada de sono, e
Alyx parou de tocar.
Quando teve a certeza de que ele estava a dormir, foi ter com ele,
ajoelhou-se junto à sua cama e, por um momento, observou-o, fazendo
pouco mais do que assegurar-se de que estava vivo. Finalmente, foi para a
sua própria cama dura e usou todas as suas forças para não chorar.
Pela manhã, Raine insistiu em ir para o campo de treino. Nenhum
protesto de Alyx ou Jocelin conseguiu persuadi-lo a descansar por mais um
dia. Enquanto caminhava, Alyx conseguia ver o suor na sua testa e o olhar
vazio nos seus olhos ao mesmo tempo que se forçava a mexer.
– Se morreres, que utilidade terás para nós? – perguntou Alyx na sua
direção.
– Se eu morrer, irás pessoalmente avisar a minha família? – disse ele com
tal seriedade que a sua respiração parou. Depois, surgiu-lhe uma covinha no
rosto e ela percebeu que ele a estava a provocar.
– Atirarei a tua grande carcaça para cima de um cavalo e irei ao encontro
da tua família perfeita, mas não me ajoelharei junto com as tuas irmãs para
te chorar.
– Haverá outras mulheres para além das minhas irmãs para chorarem a
minha morte. Alguma vez te falei da criada de Judith, Joan? Nunca conheci
uma mulher mais entusiasta na minha vida.
Naquela altura, Alyx virou-se de costas para as gargalhadas de Raine.
Após uma hora de treino, Alyx correu de volta à tenda para ir buscar um
pouco da bebida de ervas de Rosamund para Raine e encontrou Blanche a
mexer nas suas roupas.
– O que pensas que estás a fazer? – perguntou Alyx, fazendo Blanche
saltar culpadamente.
– Ando a ver da roupa... para lavar – disse ela, os seus olhos a moverem-
se rapidamente.
Alyx riu-se.
– Desde quando é que sabes o que é sabão? – Com um movimento
rápido, agarrou os braços de Blanche. – É melhor dizeres-me a verdade.
Sabes qual é o castigo por roubar. Seres banida.
– Eu devia ir-me embora daqui – queixou-se Blanche, tentando afastar-se
de Alyx. – Já não há nada aqui para mim. Solta-me!
Enquanto Blanche puxava, Alyx empurrou-a e Blanche foi projetada no
interior até as suas costas baterem num poste de tenda.
– Vais pagar por isto – rosnou Blanche. – Vais-te arrepender por me teres
roubado Lorde Raine.
– Eu? – perguntou Alyx, tentando disfarçar o prazer da sua voz. – E como
é que eu te roubei Raine?
– Sabes que ele já não me leva para a cama dele – disse ela, levantando-
se. – Agora que ele tem um rapaz…
– Cuidado – advertiu Alyx. – Parece-me que deves preocupar-te com a
minha raiva para contigo. O que procuravas quando eu entrei?
Blanche recusou-se a falar.
– Então, acho que vou ter de contar a Raine – ameaçou Alyx, virando-se
para sair.
– Não! – exclamou Blanche por entre lágrimas na voz. – Não tenho outro
sítio para onde ir. Por favor, não lhe digas. Não ia roubar. Nunca o fiz antes.
– Tenho um preço para não contar a Raine.
– Qual é? – perguntou Blanche, assustada.
– Fala-me de Jocelin.
– Jocelin? – perguntou Blanche, como se nunca tivesse ouvido o nome
antes.
Alyx só a olhou de relance.
– Vão notar a minha falta em breve e, se eu não souber a história quando
alguém vier procurar-me, Raine ficará a saber do teu roubo.
Imediatamente, Blanche começou a despejar a história.
– Jocelin era um trovador e todas as senhoras bem-nascidas o desejavam,
não só pela sua música mas também pela sua… – Ela hesitou. – O homem
nunca se cansava – disse ela melancolicamente, fazendo com que Alyx
acreditasse que possuía conhecimento de causa.
– Ele foi ao castelo de Chatworth, às ordens de Lady Alice.
O nome Chatworth fez com que Alyx levantasse a cabeça. Chatworth era
o homem que tinha aprisionado a irmã e a cunhada de Raine.
– Lady Alice é uma mulher má – continuou Blanche –, mas o seu marido,
Lorde Edmund, era pior. Ele gostava de bater nas mulheres e de as ver
debaterem-se enquanto as possuía. Houve uma mulher, Constance, a quem
ele bateu até ela morrer… ou, pelo menos, assim pensou. Entregou o corpo
a Joss para se desfazer dele.
– E? – encorajou Alyx. – Não me resta muito tempo.
– A mulher não estava morta e Joss escondeu-a, cuidando dela até ela
recuperar e apaixonou-se por ela.
– E isso era invulgar para um homem com os… atributos de Joss?
Blanche começou subitamente a ficar muito nervosa, a puxar uma mão
com a outra, apoiando-se num pé primeiro e depois no outro.
– Não acredito que ele alguma vez tenha amado alguém antes. Quando
Lorde Edmund descobriu que a rapariga ainda estava viva, tomou-a de novo
e atirou Jocelin para uma masmorra. E a rapariga... essa Constance...
– Sim? – incitou Alyx, impacientemente.
– Ela pensou que Joss, provavelmente, estaria morto e, por isso, suicidou-
se.
Alyx benzeu-se ao ouvir falar em tal pecado.
– Mas Joss escapou e veio para aqui – terminou Alyx.
– Mas, primeiro, matou Lorde Edmund – acrescentou Blanche
calmamente e, com isso, afastou Alyx e fugiu da tenda.
– Matou um lorde – sussurrou Alyx para si mesma. Sem dúvida de que
teria havido uma enorme recompensa pela sua cabeça e não admirava que
ele não quisesse ter nada a ver com as mulheres do acampamento. Alyx
sabia muito bem o que era amar um homem e perdê-lo.
– O que fazes aqui? – perguntou Raine, furioso, por trás dela. –
Desapareceste durante pelo menos uma hora e encontro-te aqui sozinho sem
fazer nada.
– Eu vou trabalhar – murmurou ela, virando costas.
Ele segurou-lhe o braço, mas libertou-a tão depressa como lhe tocou.
– Recebeste más notícias?
– Nenhuma que te interesse – soltou ela de repente, saindo da tenda.
Durante o resto do dia, os pensamentos de Alyx concentraram-se em
Jocelin. Joss era um homem doce, bondoso e sensível, e merecia alguém
que o amasse. Ela desejava poder ter-se apaixonado por Joss; como tudo
seria muito mais fácil. Um dia, provavelmente em breve, Raine deixaria a
floresta e voltaria para a sua rica família e ela ficaria sozinha.
Quando, sem pensar, levantou uma espada sobre a cabeça, tentando
baixá-la para a sua frente, o seu olhar apanhou um movimento no canto do
campo. Nas sombras, parada, a observar, estava Rosamund. Seguindo o seu
olhar, Alyx viu que a mulher olhava apenas para Jocelin, e que os seus
olhos ardiam de paixão e fogo e, como Alyx percebeu, de luxúria. A sua
cabeça não estava baixa e, pela primeira vez, não se via nela nenhuma
subserviência, nem arrependimento por ter nascido.
– Alyx! Seu relaxado! – gritou-lhe Raine e, com uma careta, ela voltou a
concentrar-se no seu treino.
Nessa noite, Raine, exausto, ainda muito fraco, foi para a cama para
descansar, enquanto Alyx se sentou lá fora ao ar frio da noite e comeu uma
tigela de feijão. Ao lado dela sentou-se Jocelin.
– Rasgaste a tua camisa – comentou ela. – Alguém devia coser-ta.
Antes de Alyx poder respirar, três mulheres disseram alegremente que a
coseriam.
– Não – murmurou Joss, olhando para a sua tigela. – Serve muito bem
como está.
– Dá a uma delas a tua camisa – disse Alyx, impacientemente. – Vou
buscar uma do Raine para te manteres quente. Ele tem mais do que
suficientes.
Relutantemente, Joss tirou a camisa quando Alyx se apressou a entrar na
tenda, lançou um olhar para a forma adormecida de Raine e apressou-se de
novo a sair, com uma camisa sobre o braço. Ao chegar cá fora, fez uma
pausa. Jocelin tinha-se sentado diante do fogo, com o seu corpo nu da
cintura para cima, cheio de mulheres à sua volta, de olhos sedentos
enquanto olhavam para Joss, para a sua beleza, a sua melancolia óbvia, e,
ao longe, estava Rosamund. Mas Jocelin nunca olhou para nenhuma das
mulheres.
Junto ao fogo, Alyx entregou a camisa a Joss e serviu-se de uma caneca
de cidra a ferver, soprando o líquido para o arrefecer.
De repente, um barulho mesmo ao lado do círculo de luz fez a cabeça de
todos rodar nessa direção.
Mais tarde, Alyx não se lembrava realmente de ter conscientemente
planeado o que fez. Ninguém estava a olhar, ela estava ao lado do corpo nu
de Jocelin e a segurar a cidra quente. Tudo o que pensou foi que, se Joss se
ferisse, teria de ir ter com Rosamund e, no momento seguinte, ela deitou
metade da cidra no braço de Joss.
Instantaneamente, arrependeu-se. Jocelin saltou para longe dela, a camisa
caindo-lhe do colo.
– Joss, eu… – começou ela, olhando, horrorizada, para a pele do seu
braço a ficar vermelha.
– Rosamund – alguém sussurrou. – Vão buscar a Rosamund.
Em segundos, Rosamund apareceu, colocou os seus dedos frios no braço
de Joss e levou-o para as sombras.
Alyx não se tinha apercebido, mas havia lágrimas nos seus olhos e o seu
corpo tremia com o que tinha acabado de fazer. Tinha acontecido tão
depressa e não tivera tempo para pensar.
Uma grande mão agarrou-a pela parte de trás do pescoço, paralisando-a.
– Vais seguir-me até ao riacho e, se não me seguires, dou-te já com um
chicote nas costas – rosnou-lhe Raine ao ouvido, com uma voz que mal
disfarçava a sua fúria.
A sua culpa pelo que tinha feito a Joss foi substituída por puro terror. Um
chicote nas suas costas? Engolindo em seco, seguiu Raine até à floresta
escura. Merecia um castigo, pois não tinha o direito de magoar o seu amigo.
Capítulo Nove
JUNTO AO RIACHO, Raine voltou-se para ela, com os seus lábios finos
encrespados num grunhido.
– Devia espancar-te – disse ele, ferozmente, empurrando-a uma vez,
levemente, fazendo com que se esparramasse na terra fria. – E que raio
imaginaste que Jocelin te tinha feito? – perguntou ele, com os dentes
cerrados. – Tiveste ciúmes do corte do seu gibão? Teria ele dito algo que
não te agradou? Talvez tenha tocado uma canção melhor do que tu.
Isso despertou-a.
– Ninguém é melhor do que eu – disse ela com firmeza, de queixo
espetado enquanto olhava para ele.
– Maldito sejas! – praguejou ele, agarrando-lhe a frente da camisa dela e
puxando-a para cima. – Confiei em ti. Pensei que eras um dos poucos da tua
classe com sentido de honra. Mas és como todos os outros… permitindo
que as tuas quezílias mesquinhas se sobreponham à tua honra.
Os dois formavam um casal estranho, Raine duas vezes do tamanho de
Alyx, em altura, a pairar sobre ela, mas a voz de Alyx não ficava atrás da de
ninguém.
– Honra – gritou-lhe ela de volta. – Não sabes o significado da palavra. E
Jocelin é meu amigo. Ele e eu não temos quezílias. – Ela deixou claro com
quem tinha diferendos.
– Então! A tua pequena mente perversa despejou-lhe em cima cidra a
ferver só por diversão. És como Alice Chatworth. Essa mulher adora
provocar e receber dor. Se eu soubesse que eras como ela…
De imediato, Alyx cerrou os punhos e agrediu Raine no estômago.
Enquanto ele pestanejava surpreendido, ela agarrou na sua faca da bainha a
tiracolo.
– Poupa-me a história da tua estúpida família – gritou ela, pressionando a
ponta da faca no seu estômago. – Vou explicar a Jocelin o que fiz e porque
o fiz, mas tu, seu fanfarrão, vaidoso e arrogante, não mereces nada. Julgas e
condenas sem a mínima prova.
Impacientemente, Raine tocou-lhe ao de leve no braço para lhe arrancar a
faca, mas os reflexos de Alyx tinham melhorado nas últimas semanas e os
de Raine estavam entorpecidos pela febre. A lâmina cortou-lhe as costas e o
lado da mão e fez com que ambos parassem enquanto observavam o sangue
a jorrar do corte.
– Tens sede de sangue, não tens? – perguntou Raine. – Tanto faz ser o
meu como o do meu amigo. Vou ensinar-te o que é dor. – Tentou aproximar-
se, mas ela desviou-se dele.
Foram precisas duas tentativas para a apanhar e, quando conseguiu, as
suas mãos apertaram os ombros dela, enquanto a abanava com muita força.
– Como pudeste fazer isto? – perguntou ele. – Confiei em ti. Como
pudeste trair-me?
Era difícil registar as palavras quando a sua cabeça estava prestes a saltar,
mas finalmente começou a compreender o que ele dizia. Jocelin era
responsabilidade de Raine e ele levava a sério as suas obrigações.
– Rosamund, Rosamund, Rosamund – começou ela a entoar.
Quando, finalmente, ele a ouviu, deixou de a abanar.
– Diz-me – gritou-lhe na cara.
O corpo dela estava fraco devido à força dos abanões dele.
– Rosamund está apaixonada por Jocelin e eu pensei que ela poderia
substituir Constance, mas não se eles estiverem separados.
Aquilo não fazia sentido para Raine. Os seus dedos apertaram nos ombros
dela e ela perguntou-se se, em breve, os atravessariam. Rapidamente,
explicou a história de Joss sobre Constance, omitindo o nome de
Chatworth.
O silêncio atordoado de Raine preencheu o ar.
– És um casamenteiro? – questionou ele, em voz rouca. – Feriste Jocelin
por causa de umas quantas ideias idiotas de amor?
– O que sabes tu do amor? – atirou-lhe ela, asperamente. – Sabes tão
pouco de mulheres que não reconheces uma quando a vês.
– É verdade – contra-atacou ele rapidamente. – Sou um inocente quando
se trata dos modos mentirosos e enganosos das mulheres.
– Nem todas as mulheres são mentirosas.
– Diz-me uma que não seja.
Ela estava morta por se mencionar a si própria, mas não conseguiu.
– Rosamund – deixou escapar ela. – Ela é uma pessoa boa e bondosa.
– Não quando usa tais métodos para prender um homem.
– Prender! Quem quereria apanhar um espécime tão abominável como
um homem? – Alyx parou de falar quando viu os olhos de Raine a brilhar.
– Tu sabes – murmurou ela. – Tu sabes.
Ela não perdeu muito tempo a dissecar a veracidade dos seus
pressupostos, mas levantou-se do chão e voou contra ele, com os punhos
cerrados.
– Seu…! – começou ela, enraivecida, mas Raine impediu-a. Agarrou-a,
apertando o corpo franzino contra ele e puxando a boca dela para a dele.
Avidamente, beijou-a, com uma mão na nuca e a outra mão na cintura,
levantando-a do chão.
– Lembra-te de que sou um homem debilitado – sussurrou ele. – E um
longo dia no campo de treino provoca…
Alyx mordeu-o no ombro.
– Há quanto tempo é que sabes?
– Não há tanto tempo como gostaria. Porque não me disseste logo?
Compreendo porque tiveste de te vestir como um rapaz, mas eu teria
guardado o segredo.
Ela aninhou a cara no pescoço dele, naquela pele tão macia e de sabor
doce.
– Eu não te conhecia. Oh, Raine, estás realmente, verdadeiramente, muito
debilitado?
A gargalhada de Raine soou através do seu corpo enquanto ele a afastava,
atirando-a ao ar.
– Tiveste o teu primeiro cheirinho de amor e não consegues parar, é isso?
– É como música – disse ela com ar sonhador. – A melhor música.
– Tenho a certeza que devo tomar isso como um elogio – disse ele,
começando a desabotoar o seu gibão.
Por um momento, passou pela mente de Alyx que ele não iria gostar do
seu corpo de peito liso agora, quando nenhuma febre lhe turvava os
sentidos.
– Raine – disse ela, a sua mão sobre a dele. – Eu pareço um rapaz.
Demorou algum tempo até que ele compreendesse as palavras dela.
– Não consigo deixar de pensar nessas tuas pernas e, agora, dizes que te
pareces com um rapaz? Fiz tudo o que estava ao meu alcance para fazer de
ti um homem e falhei. Mas fiz de ti uma mulher.
Sustendo a respiração, Alyx permitiu que ele a despisse e, quando ele
olhou para o seu corpo franzino com olhos fervorosos e ávidos, ela
esqueceu-se de qualquer sentimento de não ser desejável.
Com uma gargalhada, rasgou a roupa dele, arrancando tudo o que
conseguia da sua pele.
Raine baixou-a até ao chão, mantendo as suas mãos nas costas nuas dela
enquanto ela se encaixava nele. Nunca ele tinha encontrado tal entusiasmo.
– Não te estou a magoar? – murmurou ele enquanto segurava o seu
pequeno corpo.
– Apenas um pouco e só nos lugares certos. Oh, Raine, pensei que nunca
recuperarias da tua febre. – De seguida, saltou sobre ele e, depois de um
olhar de espanto, ele pôs as mãos nas suas ancas delgadas.
– Canta para mim, meu passarinho – sussurrou-lhe enquanto a levantava e
baixava, penetrando-a.
O sussurro de Alyx foi de facto musical e demorou apenas alguns
minutos a apanhar o ritmo do movimento de Raine, enquanto as suas
grandes mãos se moviam para cima até aos seus seios, aquecendo-a,
excitando-a, percorrendo-lhe todo o corpo, parando apenas de forma breve
no cinto dourado de Lyon, depois para baixo até às coxas em movimento,
enquanto ela se elevava e baixava.
As pontas dos dedos de Raine exploravam-na, acariciando-a, até que a
sua excitação aumentou e as suas mãos se firmaram nas ancas dela,
segurando-a e manipulando-a como desejava. Com um impulso violento
para cima, ejaculou enquanto Alyx tremia e tremia e caiu para a frente
sobre ele.
– Como pode uma mulher destas ter-se disfarçado de rapaz? – murmurou
ele, com as mãos emaranhadas no cabelo dela, beijando-lhe a têmpora. –
Não admira que tenhas ameaçado enlouquecer-me.
– Oh? – questionou ela, tentando esconder o seu interesse na sua resposta.
– Quando foi isso? Nunca diria que reparavas na minha existência, a não ser
como alguém para te satisfazer os teus pedidos mais mundanos.
– Talvez quando te dobraste ou quando insinuaste uma perna à frente da
minha cara ou outras coisas pouco próprias de um homem.
– Insinuar…! Eu não fiz tal coisa. E tu? Fizeste-me subir para as tuas
costas, para te montar! É assim que tratas todos os rapazes?
Ele riu-se dela.
– Os rapazes teriam ficado interessados na minha força. Tens frio?
Ela aconchegou-se em cima dele, o seu corpo tocando apenas o dele.
– Não.
– Alyx! – Raine levantou a cabeça. – Quantos anos tens? – Havia medo
na sua cara.
Ela dirigiu-lhe um olhar desdenhoso.
– Tenho vinte anos, e se esperas que eu cresça…
Rindo, ele empurrou a cabeça dela para baixo.
– Deus concedeu-te o dom da música, que mais poderias querer? Receei
que ainda fosses uma criança. Não pareces ter mais do que doze anos.
– Gostas da minha música? – perguntou ela inocentemente, tornando a
sua voz suave e sedutora.
– Não vais receber mais elogios da minha parte. Acho que já tiveste
demasiados. Quem te ensinou?
Brevemente, ela falou-lhe do padre e do monge.
– Então, é assim que se chega aos vinte ainda virgem e Pagnell…
Caluda – disse ele quando ela ia começar a falar. – Ele é um cobarde e
não te fará mal enquanto estiveres perto de mim.
– Oh, Raine! Sabia que ias dizer isso. Eu sabia! Há muitas vantagens em
ser um homem nobre. Agora, podes ir ter com o Rei e implorar-lhe perdão,
depois tu e eu iremos para tua casa. Cantarei e tocarei para ti e seremos
muito felizes.
Raine, com um movimento, empurrou-a de cima dele e começou a vestir-
se.
– Pedir o perdão do Rei – disse ele, em surdina. – E o que fiz eu para ser
perdoado? Esqueces-te de que dois membros da minha família são mantidos
prisioneiros? Esqueces-te porque estou aqui? E aqueles que estão neste
acampamento? Num momento, pregas sobre os Cercamentos de Terras e, a
seguir, exiges que os rendeiros deixem esta nova casa que encontraram.
– Raine – suplicou ela, segurando a sua camisa junto ao seu pescoço. –
Eu não quis dizer… Certamente que, se o rei Henrique ouvisse a tua versão
da história, te ajudaria. Esse homem, Chatworth, não devia ser autorizado a
ter a tua família presa.
– Henrique! – rosnou ele. – Falas dele como se fosse um deus. Ele é um
homem ganancioso. Sabes porque é que ele fez de mim um fora da lei?
Pelas minhas terras! Ele quer tirar todo o poder aos nobres e ficar com ele
para si próprio. Claro que a tua classe quer que ele o faça, pois ele faz
coisas boas por vós, mas o que acontece quando um rei mau tem o poder?
Entre os nobres, pelo menos, um mau nobre controla apenas uma pequena
área. E se Pagnell fosse rei? Desejarias seguir um homem como ele?
Apressadamente, Alyx vestiu a camisa. Nunca tinha visto Raine tão
furioso.
– Eu não estava a falar de toda a Inglaterra – explicitou ela. – Referia-me
a nós. Certamente, poderias fazer mais coisas boas pela tua família, se
estivesses com eles.
– E por isso desejas que me ajoelhe perante o Rei? – sussurrou ele. – É
isso que desejas? Desejas ver-me a rastejar, renunciando aos meus votos de
honra?
– Honra! – exclamou ela, em voz alta. – O que tem a honra a ver com
isto? Fizestes mal em usar os homens do Rei.
Por um momento, ela teve a certeza de que ele a ia atacar, mas ele deu um
passo atrás, afastando-se dela, com os olhos a brilhar.
– A honra é tudo para mim – murmurou ele, antes de voltar para o
acampamento.
Tão depressa quanto pôde, Alyx vestiu-se e correu atrás dele.
De pé, diante da tenda de Raine, estava um dos homens do seu irmão,
com uma mensagem na mão. Ela ficou contente por ver o homem. Talvez
algumas boas notícias de casa fizessem Raine esquecer a sua raiva.
Apressadamente, ela pegou na mensagem e, sem um olhar de Raine,
escapou-se para dentro da tenda. Sorrindo, abriu a mensagem, e, no
momento seguinte, os seus ombros caíram.
– O que foi? – resmungou Raine. – Está alguém doente? – Havia lágrimas
nos olhos de Alyx quando ela olhou para cima para Raine. Ao cruzarem os
olhares, os olhos dele endureceram. – O que foi? – exigiu ele.
– A tua... irmã Mary está... morta – murmurou ela.
O rosto de Raine não evidenciou nenhuma emoção, à exceção de um
pouco de branco ter aparecido nos cantos da sua boca.
– E Bronwyn?
– Fugiu de Roger Chatworth, mas ainda não foi encontrada. Os teus
irmãos estão à procura dela.
– Há mais alguma coisa?
– Não. Nada. Raine… – começou ela.
Ele afastou-a.
– Vai! Deixa-me sozinho.
Alyx começou a obedecer-lhe, mas, ao olhar para trás e vendo as suas
costas rígidas, ela sabia que não o podia deixar.
– Senta-te! – ordenou ela, e, quando ele se virou para ela, os seus olhos
eram como brasas negras do inferno. – Senta-te – disse ela, mais
calmamente – e vamos falar.
– Deixa-me! – protestou ele, mas sentou-se num banco e deixou cair a
cabeça entre as mãos.
Imediatamente, Alyx sentou-se aos seus pés, sem lhe tocar.
– Como era ela? – perguntou, baixinho. – A Mary era baixa ou gorda? Ela
ria muito? Ela aborrecia-te e aos teus irmãos? O que fazia ela quando eras
tão teimoso que só lhe apetecia dar-te com um pau na cabeça?
Ele olhou para cima, com os seus olhos escuros, zangados.
– Mary era boa, bondosa. Não tinha defeitos.
– Isso é bom – respondeu Alyx. – Ela tinha de ser uma santa para suportar
a tua teimosia e, sem dúvida, que os teus irmãos são iguais.
A mão de Raine apertou-lhe a garganta quando se aproximou dela,
fazendo o banquinho voar.
– Mary era um anjo – disse ele na cara dela, prendendo-lhe o corpo, com
as mãos a apertar.
– Vais matar-me – disse ela com uma voz resignada, ofegante. – E, ainda
assim, Mary não voltará.
Pouco depois, as suas mãos abriram-se e ele puxou-a para perto dele,
torcendo-lhe o corpo de todas as formas possíveis, enquanto os seus braços
a envolviam. Lentamente, começou a embalá-la, enquanto lhe acariciava o
cabelo.
– Fala-me do teu anjo. Fala-me dos teus irmãos. Como é Judith? E
Bronwyn?
Não foi fácil fazê-lo falar, mas, à medida que as palavras iam surgindo,
ela viu que era uma família próxima e afetuosa. Mary era a mais velha dos
cinco e adorada pelos seus irmãos mais novos. Raine falou da sua
abnegação e, recentemente, da forma como ela e Bronwyn tinham arriscado
as suas vidas para salvar o filho de um servo. Falou de Judith, de como o
seu irmão a tinha tratado mal, mas, mesmo assim, ela tinha-o amado o
suficiente para o perdoar.
Alyx, vivendo na sua pequena aldeia muralhada, nunca pensara na vida
familiar dos nobres, tinha assumido que eles viviam uma vida sem
problemas. Ao ouvir Raine, teve um vislumbre de dor e tristeza, tanto na
vida como na morte. Estava contente por não ter tido de ler em voz alta a
mensagem de Gavin para Raine. Roger Chatworth tinha violado a virginal
Mary e, aterrorizada, ela tinha-se atirado de uma janela da torre.
– Alyx – murmurou Raine. – Percebes agora porque não posso ir ter com
o Rei? Chatworth é meu. Terei a sua cabeça antes de terminarmos.
– O quê! – exclamou ela, afastando-se dele. – Estás a falar de vingança.
– Ele matou Mary.
– Não! Ele não a matou! – E desviou o olhar, amaldiçoando-se por dizer
aquilo.
Forçando-a, ele virou-lhe a cara para si.
– Não me contaste tudo o que estava na mensagem de Gavin. Como
morreu Mary?
– Ela…
Os seus dedos apertaram-lhe o maxilar e a dor fê-la soltar lágrimas.
– Diz-me! – ordenou ele.
– Ela acabou com a sua própria vida – sussurrou Alyx.
Os olhos de Raine fixaram-se nos dela.
– Ela era da Igreja e não o teria feito se não tivesse motivo. O que lhe
fizeram?
Alyx percebeu que ele tinha adivinhado, mas ele implorava que lhe
dissessem que estava errado. Não lhe podia mentir.
– Roger Chatworth... levou-a para a sua cama.
Violentamente, Raine empurrou Alyx pela tenda. Onde estava, lançou a
cabeça para trás e soltou um grito de tal desespero, tal raiva e tal ódio, que
Alyx se encolheu aos pés da cama.
Lá fora, tudo estava anormalmente silencioso, tendo mesmo o vento
parado.
Ao olhar para ele, Alyx viu que ele estava a começar a tremer, depois a
tremer violentamente, e, quando ele baixou a cabeça, viu que as convulsões
eram causadas por puro ódio.
Instantaneamente, ela levantou-se para lhe lançar os braços à volta.
– Não, Raine, não! – suplicou ela. – Não podes ir atrás de Chatworth. O
Rei...
Ele empurrou-a para se soltar dela.
– O homem ficaria contente por ter menos nobres. Tomará as terras de
Chatworth, bem como as minhas.
– Raine, por favor. – E voltou a encostar-se a ele. – Não podes ir sozinho,
e os teus irmãos andam à procura de Bronwyn. E as pessoas que estão lá
fora? Não podes deixá-los assassinarem-se uns aos outros.
– Desde quando é que te preocupas com eles?
– Desde que estou aterrorizada com a ideia de poderes ser morto –
respondeu ela, com sinceridade. – Como poderás combater Chatworth? Os
teus homens não estão aqui. Tens soldados, não tens? Será que Chatworth
tem cavaleiros?
– Centenas – disse Raine, entredentes. – Ele está sempre rodeado de
homens, sempre protegido.
– E se fosses à procura dele, será que te defrontaria de forma justa, um
para um, ou terias de passar primeiro pelos seus homens?
Raine desviou o olhar dela, mas ela pôde perceber que as suas palavras
faziam sentido. Como desejava saber mais sobre a nobreza! «Honra, pensa
em honra e, faças o que fizeres, não fales em dinheiro», avisou-se a ela
própria.
– Chatworth não é honrado – continuou ela. – Não podes lidar com ele
como com um cavaleiro. Tens de trabalhar em conjunto com os teus irmãos.
– Silenciosamente, Alyx rezou para que eles não fossem tão teimosos como
Raine. – Por favor, espera até estares mais calmo. Vamos escrever aos teus
irmãos e elaboraremos um plano juntos.
– Não tenho a certeza…
– Raine – disse ela, calmamente. – Mary está morta há dias. Talvez
Chatworth já tenha sido levado à justiça. Talvez tenha fugido para França.
Talvez…
– Estás a tentar persuadir-me. Porquê?
Ela respirou fundo.
– Acabei por te amar – sussurrou ela. – Morreria antes de ficar a assistir à
tua morte, e era isso que aconteceria se atacasses Chatworth sozinho.
– Eu não temo a morte.
Ela olhou para ele, repugnada.
– Vai, então! – gritou ela. – Vai e oferece a tua vida a Chatworth. Sem
dúvida que ele gostaria disso. Um a um, ele pode destruir a tua família. E tu
vais facilitar-lhe a vida. Vem, eu ajudo-te a armar-te. Vais usar a tua melhor
armadura. Vamos apetrechá-la com todas as armas que possuis e, quando
fores invencível, poderás cavalgar para enfrentar o exército de homens
desse Chatworth. Sim, vamos lá – disse ela, pegando na couraça da
armadura. – Mary terá o maior prazer em olhar do céu e ver o seu irmão
cortado aos pedaços. Dará à sua alma uma grande paz.
O olhar de Raine era tão frio que ela conseguia senti-lo a perfurar-lhe a
pele.
– Deixa-me – disse ele, finalmente, e ela fê-lo.
Alyx nunca tinha conhecido tanto medo como o que sentia naquele
momento. Mesmo ao ar frio fora da tenda, estava a suar profusamente.
– Alyx – ouviu-se uma voz sussurrada que pertencia a Jocelin.
Em segundos, ela estava nos seus braços, com as lágrimas a correr.
– A irmã de Raine – soluçou ela. – Mary está morta e Raine quer
enfrentar sozinho o exército do assassino.
– Shhhh – Joss acalmou-a. – Ele não é como nós. Fomos ensinados a ser
cobardes, a virar as costas e a fugir, a viver para lutar outro dia. Não há
muitos homens como Raine. Ele prefere morrer a enfrentar a desonra.
– Eu não quero que ele morra. Ele não pode morrer! Perdi toda a gente…
a minha mãe, o meu pai. Eu sei que não tenho esse direito, mas amo-o.
– Tens todo o direito. Agora, cala-te e pensa no que podes fazer para
evitar o seu suicídio. Certamente que os seus irmãos sabem que ele tem a
cabeça quente. Consegues persuadir Raine a escrever ao irmão e podes
acrescentar uma nota?
– Oh, Joss – disse ela, agarrando-lhe os braços. Perante o seu
estremecimento, ela parou. – O teu ombro onde despejei a cidra. Desculpa,
eu…
– Calma – disse ele, colocando a ponta dos dedos nos lábios dela. –
Rosamund está a cuidar de mim. É uma ferida sem importância. Agora, vai
ter com Raine, fala com ele e não percas a calma.
Silenciosamente, Alyx voltou a entrar na tenda. Raine estava sentado na
beira da cama, com a cabeça entre as mãos.
– Raine – sussurrou ela, tocando-lhe no cabelo.
Impetuosamente, ele agarrou-lhe a mão e beijou-lhe a palma.
– Sou um inútil – disse ele. – Um homem mata a minha irmã e eu não
posso fazer nada. Nada!
Ela sentou-se ao lado dele, pôs-lhe os braços à volta e descansou a cabeça
no seu braço. – Vem para a cama. É tarde. Amanhã, escrevemos a Gavin.
Talvez ele possa fazer alguma coisa.
Docilmente, Raine deixou-se levar para a cama, mas, quando Alyx se
começou a dirigir à sua própria enxerga, ele segurou-lhe o braço.
– Fica comigo.
Não havia qualquer possibilidade de ela rejeitar tal oferta. Com um
sorriso, deslizou para os braços dele.
Durante toda a noite, enquanto dormitava intermitentemente, tinha
consciência de que Raine estava acordado ao seu lado.
De manhã, havia olheiras sob os seus olhos e o seu temperamento era
irascível.
– Vinho, já te disse! – gritou ele para Alyx. – E depois vai buscar a pena e
o papel.
A carta que Raine ditou para ser enviada ao seu irmão era uma carta de
raiva e vingança. Jurava tirar a vida a Roger Chatworth e, se Gavin não o
ajudasse, iria sozinho.
Alyx acrescentou a sua própria mensagem no final, apelando a Gavin
para incutir em Raine algum bom senso e que ele estava pronto para
enfrentar sozinho todos os homens de Chatworth. Ao selar a carta,
perguntou-se o que pensaria o grande Lorde Gavin da sua presunção.
Passaram-se dois dias antes de chegar a resposta. O mensageiro, quase
morto pelo ritmo veloz que imprimira na sua cavalgada caiu praticamente
sobre Alyx. Com as mãos trémulas, ela quebrou o selo.
O rei Henrique estava furioso tanto com os Montgomery como com os
Chatworth. Aplicara uma pesada multa a Roger Chatworth e renovara a
condição de traidor de Raine. Queria ambos os nobres fora de Inglaterra e
estava a fazer o que podia para o conseguir. Estava irritado com o facto de
Raine se ter escondido em Inglaterra, e havia rumores de que Raine estaria
a criar um exército para lutar contra o Rei.
Com os olhos amedrontados, Alyx olhou para Raine.
– Não farias tal coisa, pois não? – sussurrou ela.
– O homem preocupa-se mais à medida que envelhece – disse Raine,
minimizando o assunto. – Quem conseguiria treinar escumalha como esta
para lutar?
– Isto é a prova de que deves permanecer escondido. O teu irmão diz que
o rei Henrique adoraria usar-te como exemplo do que seria feito a outros
que não acreditam que ele é o homem que detém o poder.
– Gavin preocupa-se em perder a sua terra – disse Raine, enojado. – O
meu irmão preocupa-se mais com a terra do que com a honra. Ele já
esqueceu a morte da nossa irmã.
– Ele não se esqueceu de nada! – gritou-lhe Alyx. – Ele lembra-se que
tem outras pessoas na sua família. Ficarias mais feliz se ele te enviasse para
a tua morte? Ele perdeu o seu bebé por nascer não há muito tempo, perdeu a
sua única irmã, a mulher do seu irmão está desaparecida e, agora, deveria
ele encorajar-te a dar voluntariamente a tua vida por algo tão estúpido como
a vingança?
– Pela vida da minha irmã – gritou-lhe ele de volta. – Esperas que eu
fique parado depois do que me fizeram? Haverá alguma maneira de alguém
da tua classe entender o significado de honra?
– Minha classe! – exclamou ela. – Pensas que por causa do teu berço
dourado és o único com sentimentos? Uma noite, uma pessoa da tua classe
cortou a garganta ao meu pai e queimou a minha casa. Como se isso não
bastasse, fui declarada ladra e bruxa. E tudo isto por causa da luxúria de um
homem qualquer. Agora, falas-me de vingança, perguntas-me se entendo.
Não posso sair desta floresta por recear pela minha vida.
– Alyx – começou ele.
– Não me toques! – gritou ela. – Tu e os teus modos superiores.
Ridicularizas-nos porque nos preocupamos com dinheiro, mas o que mais
temos nós? Nós arranhamos toda a nossa vida e damos uma grande parte do
nosso rendimento para vos sustentar nas vossas belas casas, para que
possam ter a liberdade de falar sobre honra e vingança. Se tivesses de te
preocupar de onde virá a tua próxima refeição, pergunto-me o quanto
falarias de honra.
– Não compreendes – disse Raine, taciturnamente.
– Eu compreendo perfeitamente e tu bem o sabes – replicou ela antes de
sair da tenda.
Capítulo Dez
Agosto de 1502
Capítulo Doze
ALYX LEVOU A mão ao fundo das costas e descansou um pouco num monte
de erva mesmo ao lado da estrada, dirigindo um pequeno sorriso de gratidão
a Joss quando este lhe entregou um copo de água fresca.
– Vamos descansar aqui esta noite – disse ele, os olhos a estudar-lhe as
feições cansadas do rosto.
– Não, temos de tocar esta noite… precisamos de dinheiro.
– E tu precisas de descansar mais! – respondeu ele energicamente e
depois sentou-se ao lado dela. – Venceste. Ganhas sempre. Tens fome?
Alyx dirigiu-lhe um olhar que o fez sorrir e ele baixou o seu, para a
grande barriga dela que se salientava na lã do seu vestido. O calor do verão
e as constantes caminhadas faziam com que Alyx se sentisse miserável.
Tinham passado pouco mais de quatro meses desde que haviam deixado o
acampamento de Raine e, durante esse tempo, mal tinham parado de andar.
No início, não fora difícil. Eram ambos fortes e saudáveis e músicos
populares. Mas ao fim de um mês na estrada, Alyx adoeceu. Vomitava tão
frequentemente que as pessoas se recusavam a viajar com eles, receando
que o rapaz tivesse alguma doença. E Alyx ficou tão fraca que mal
conseguia falar.
Ficaram numa pequena aldeia, durante uma semana, com Jocelin sentado
aos portões da povoação, a cantar por tostões. Uma vez, Alyx foi ter com
ele, levando-lhe pão e queijo, e, enquanto a observava, pensou como
mudara desde o tempo que tinha passado na floresta. Talvez fosse porque a
sua preocupação com ela aumentara ultimamente que Alyx lhe parecia ter
ficado mais amorosa, mais descontraída, mais bonita. O seu jeito juvenil
arrapazado transformara-se num andar suave, roliço e definitivamente
feminino. E, apesar de ter estado doente, ela estava a ganhar peso.
De repente, Joss foi atingido pelo que estava «errado» com Alyx: ela
carregava o filho de Raine. Quando ela chegou perto dele, já se ria e, se
estivessem sozinhos, já a teria rodopiado nos seus braços.
– Vou ser um fardo para ti – disse Alyx, mas os seus olhos brilhavam.
Antes que Joss pudesse responder, ela começou a tagarelar. – Achas que vai
parecer-se com Raine? Será errado rezar para que uma criança tenha
covinhas?
– Vamos guardar as orações e desejar ter os meios para te vestir como
uma mulher. Se viajar com um rapaz grávido, penso que não viverei muito
tempo.
– Um vestido – sorriu Alyx, pensando em algo macio e agradável que a
fizesse sentir-se novamente uma mulher.
Assim que Jocelin se libertou da sensação de que Alyx estava a morrer de
alguma doença terrível, ficou mais confiante em deixá-la viajar de castelo
em castelo. E Alyx, depois de perceber que não tinha perdido Raine, estava
muito mais bem-disposta. Falava constantemente no bebé, em como seria,
como seriam as feições de Raine numa menina e, se ela tivesse uma
menina, esperava que a criança não crescesse tanto como o seu pai. Alyx
também se riu do facto de nunca ter feito nada corretamente. Em vez de se
sentir enjoada nos primeiros três meses, sentiu-se enjoada nos segundos
três.
Joss ouvia tudo uma e outra vez. Estava muito contente por ela já não
estar calada e taciturna como estivera durante meses, depois de terem
abandonado a floresta. À noite, dormindo em enxergas no chão de uma
qualquer casa onde atuavam, ouvia-a muitas vezes chorar, mas ela não
falava na sua angústia durante o dia.
Uma vez tocaram e cantaram numa grande casa senhorial que pertencia a
um dos primos de Raine. Alyx tinha-se tornado novamente muito
silenciosa, mas ele quase conseguia sentir o esforço que ela fazia para tentar
saber alguma notícia.
Jocelin insinuara-se um pouco à esposa de Montgomery e a mulher tinha-
lhe revelado muito. Raine ainda estava na floresta e o rei Henrique, na sua
dor pela morte do filho mais velho, quase esquecera o nobre fora da lei.
Estava muito mais preocupado com o que fazer com a mulher do seu filho,
a princesa Catarina de Aragão, do que com uma contenda privada. Ignorou
os pedidos da família Montgomery para punir Roger Chatworth. Afinal,
Chatworth não tinha matado Mary Montgomery, apenas a tinha violado.
Não a tinha prejudicado de forma alguma. A culpa do suicídio pertencia
apenas à alma da rapariga.
Houve notícias de que, em julho, Judith Montgomery dera à luz um filho
e, mais tarde, em agosto, Bronwyn MacArran também tinha tido um filho.
Os primos Montgomery ainda estavam irritados com o facto de Stephen ter
adotado o nome e os costumes escoceses.
Alyx ouviu avidamente tudo o que Jocelin lhe relatou.
– É bom que eu já não esteja com ele – disse ela, calmamente, enquanto
dedilhava um alaúde. – A família dele está cheia de senhoras, enquanto eu
sou filha de um advogado. Se tivesse ficado com ele, não acredito que
pudesse ter sido dócil ou educada para com a sua senhora e ela não me teria
querido por perto, embora algumas destas senhoras que vejo sejam
mulheres de sangue frio. Talvez lhe fizesse falta um pouco mais de afeto.
Jocelin tentou mostrar-lhe que o que era diferente entre ela e as senhoras
podia ser resolvido com um vestido de seda, mas Alyx assim não o
entendia. Ele sabia que ela pensava não só em Raine, mas também no ódio
das pessoas na floresta.
À medida que a gravidez de Alyx avançava, ela ficou mais calma, mais
atenciosa, e parecia muito mais consciente do mundo do que quando ele a
conhecera. De vez em quando, não muito frequentemente, deixava
realmente de ensaiar para ajudar alguém a fazer alguma coisa. Na estrada,
viajavam sempre com um grupo, em vez de arriscarem enfrentar os ladrões
de estrada sozinhos, e Alyx, por vezes, levava algumas crianças a passear
para dar alguma paz às mães e, uma vez, partilhou a sua comida com um
mendigo desdentado e velho. Noutra ocasião, preparou uma refeição para
um homem cuja mulher estava deitada debaixo de algumas árvores, dando à
luz o seu oitavo filho.
As pessoas sorriam agradecidas e, como resultado, fizeram amigos por
onde quer que passassem. Uma vez, uma criança oferecera a Alyx um
pequeno ramo de flores silvestres e as lágrimas surgiram nos olhos dela.
– Significam muito para mim – disse ela, agarrando-as com força.
– Ela estava a agradecer-te por a teres ajudado ontem. As pessoas aqui
gostam de ti. – E Jocelin apontou para os viajantes que estavam ao seu lado.
– E não só da música – sussurrava ela.
– Como?
– Eles gostam de mim por algo para além da minha música. E eu dei-lhes
algo para além da música.
– Deste algo de ti mesma.
– Oh, sim, Joss – Alyx riu-se. – Tentei fazer coisas que eram difíceis para
mim. Cantar é muito, muito fácil.
Jocelin riu-se com ela. Era espantoso que alguém pudesse dizer que
música como a que Alyx fazia era fácil.
Agora, em agosto, quando o fardo da criança pesada tomava conta dela,
os seus passos tornaram-se cada vez mais lentos, e Joss desejava que
pudessem dar-se ao luxo de ficar no mesmo local por algum tempo.
– Estás pronto para ir? – perguntou ela, tentando levantar-se. – Chegamos
ao castelo ao anoitecer, se nos apressarmos.
– Fica aqui, Alyx – insistiu ele. – Temos comida.
– E perder a festa do noivado da senhora? Não, quando lá estivermos,
teremos muito que comer, e tudo o que temos de fazer é criar um pouco de
música divina para celebrar os encantos da herdeira. Espero que esta seja
bonita! A última era tão feia que confessei a gravidade das mentiras que
cantei ao padre.
– Alyx! – repreendeu-a Joss em tom de brincadeira. – Talvez a senhora
fosse bonita por dentro.
– Só tu pensarias tal coisa. E depois, claro, com a tua cara, podes dar-te
ao luxo de ser generoso. Vi a forma como a mãe da menina feia ameaçava
devorar-te. Ela fez-te alguma proposta depois do espetáculo?
– Fazes demasiadas perguntas.
– Joss, não podes continuar a isolar-te das pessoas e da vida. Constance
está morta.
Alyx levara muito tempo para conseguir que ele lhe falasse sobre a
mulher que, outrora, amara.
Jocelin apertou o maxilar de tal forma que Alyx percebeu que ele se
recusava a falar de si próprio. Entre eles, os problemas dela eram
propriedade comum, enquanto os dele eram apenas seus.
– Claro que nenhuma das mulheres terá sido tão encantadora quanto
Rosamund. Exceto a sua marca do diabo, claro. Essa coisa hedionda torna
difícil ver qualquer beleza. Pergunto-me se será realmente a marca de
Satanás.
Jocelin rodopiou sobre ela.
– É mais provável que seja uma marca da graça de Deus, porque ela é
uma mulher boa, amável e apaixonada.
– Apaixonada, ai sim? – provocou Alyx enquanto se afastava.
– És cruel, Alyx – sussurrou ele.
– Não, só quero que vejas que não há razão para te enterrares comigo.
Não te podes manter reprimido. Tens tanto para dar e, no entanto, ficas
isolado dentro de ti.
Quando ele olhou para ela, o seu olhar era frio.
– Raine não está aqui, então porque não encontras outra pessoa para
amar? Já vi muitos homens, desde nobres até aos rapazes do estábulo, a
dirigirem-te olhares. Ficariam contigo mesmo com a tua grande barriga.
Porque não casas com um comerciante que dará um lar ao teu filho e que
fará amor contigo todas as noites?
Depois do seu ataque, ela ficou imóvel por alguns momentos.
– Perdoa-me, Joss. Tive esperança de que Rosamund pudesse substituir
Constance, mas vejo que não é possível.
Jocelin virou as costas porque não queria que Alyx visse o seu rosto. Com
demasiada frequência, nos últimos meses, o rosto de que se lembrava à
noite era o de Rosamund e não o de Constance. Rosamund, tão silenciosa,
quase pedindo desculpa pela sua existência, era, muitas vezes, a mulher que
ele via, não como a mulher calma e gentil que conhecia, mas como a
mulher que lhe tinha dado um beijo de despedida. Pela primeira vez desde a
morte de Constance, acendera-se nele uma centelha. Não que não tivesse
havido algumas mulheres aqui e ali, mas antes de ter conhecido Constance
e, desde então, mantivera-se afastado sempre à parte das mulheres. Só
daquela vez, e fugazmente, em que tinha abraçado Rosamund, sentira uma
centelha de verdadeiro desejo, de interesse real por uma mulher.
Joss pegou na mão de Alyx e juntos começaram a caminhar na direção do
castelo que se avistava à sua frente. Era um lugar antigo, com uma torre a
desmoronar-se, e Alyx percebeu que iriam ter outro lugar improvisado para
dormir. Nos últimos meses de viagem, ela tinha aprendido muito sobre a
nobreza. Talvez o mais significativo tivesse sido que as mulheres nobres
tinham tão pouca liberdade como as mulheres em qualquer lugar. Vira
grandes senhoras com os olhos negros, resultado dos espancamentos dos
seus maridos. Vira nobres fracos e cobardes que eram tratados com
desprezo pelas suas esposas. Havia casais que se odiavam, famílias em
grande decadência e algumas baseadas no amor e respeito. Ela começara a
perceber que os nobres tinham problemas muito semelhantes aos das
pessoas da sua própria pequena cidade.
– A sonhar acordada?
– Pensava na minha casa, e na infância protegida que tive. Quase
desejava que a minha música não me tivesse separado de todos os outros.
Faz-me sentir como se eu não pertencesse a lado nenhum.
– O teu lugar é onde quiseres.
– Joss – disse ela, com seriedade. – Eu não te mereço, nem a Raine. Mas,
um dia, espero poder fazer algo digno.
– Sabias que falas cada vez mais como Raine?
– Ótimo – riu-se ela. – Espero poder criar o seu filho para ser pelo menos
metade do que ele é.
Ao aproximarem-se do velho castelo, tiveram de esperar que lhes
permitissem a entrada, uma vez que havia centenas de pessoas à sua frente.
O noivado iria juntar duas famílias poderosas e ricas, e os convidados e a
animação deviam ser sumptuosos.
Joss manteve o seu braço à volta dos ombros de Alyx enquanto a
conduzia através das multidões amontoadas.
– São vocês os cantores? – gritou uma mulher alta a Alyx.
Alyx assentiu com a cabeça, fascinada pelo cabelo escuro, apanhado por
uma fita de aço, e pela riqueza do seu vestido.
– Sigam-me.
Agradecidos, Alyx e Jocelin seguiram-na por uma estreita e sinuosa
escadaria de pedra, até uma grande sala redonda no topo da torre, onde
várias mulheres andavam de um lado para o outro, mostrando sinais de
agitação. No centro da sala encontrava-se uma jovem mulher a lamentar-se
em voz alta.
– Aqui está ela – disse uma mulher ao lado de Alyx.
Alyx olhou para cima, para um rosto angelical, cabelo louro, olhos azuis,
com um sorriso etéreo e delicado.
– Eu sou Elizabeth Chatworth.
Os olhos de Alyx arregalaram-se com o nome, mas não disse nada.
Elizabeth continuou.
– Receio que a nossa pequena quase-noiva esteja aterrorizada – disse ela,
num tom de exasperação e repugnância. – Achas que conseguirias acalmá-
la o suficiente para pudermos levá-la para baixo?
– Vou tentar.
– Se não conseguires, então terei de lhe chegar a mão à cara e ver se essa
música a acalma.
Alyx não pode evitar sorrir com as palavras desta mulher de aspeto doce.
Não correspondiam de todo ao seu rosto.
– De que é que ela tem medo? – perguntou, tentando decidir que música
tocar.
– Da vida. Dos homens. Quem sabe? Acabámos de vir ambas do
convento e pensar-se-ia que Isabella caminhava para a sua morte.
– Talvez o seu noivo...
– Ele é maleável – disse Elizabeth para terminar a conversa. Os seus
olhos caíram em Jocelin, que estava a olhar descaradamente para ela. – Sois
suficientemente bonito para não assustar a coelhinha – comentou ela. Um
grito de Isabella atraiu Elizabeth para o seu lado.
– Meu Deus – disse Alyx, sentindo-se como se tivesse acabado de
escapar a uma tempestade. – Acho que nunca conheci alguém como ela.
– E eu rezo para que não voltemos a conhecer – retorquiu Joss. – Está a
chamar-nos. Que o céu ajude o homem que ouse desobedecer a essa,
embora...
Alyx olhou para ele e viu o brilho especulativo nos seus olhos.
– Ela terá o teu escalpe, se lhe desobedeceres.
– Não seria o meu cabelo que ela me tiraria, e, maldito seja, se eu a
deixasse.
Antes que Alyx pudesse responder, Joss empurrou-a em direção à noiva
que chorava.
Demorou uma hora a acalmar a mulher e, durante todo o tempo, Elizabeth
Chatworth andou para trás e para a frente, por trás da cadeira, de vez em
quando cerrando os olhos na direção da chorosa Isabella. Uma vez abriu a
boca para dizer qualquer coisa, mas Alyx, temendo que a mulher arruinasse
o que ela e Joss tinham conseguido, cantou ainda mais alto para cobrir o
início da frase de Elizabeth.
Quando, finalmente, Isabella estava pronta para descer, todas as suas
criadas foram com ela, deixando Jocelin e Alyx sozinhos com Elizabeth
Chatworth.
– Estiveste bem – disse Elizabeth. – Tens uma voz magnífica e, a menos
que me engane no meu palpite, tiveste uma boa formação musical.
– Passei algum tempo com alguns professores – respondeu Alyx,
modestamente.
Os olhos de Elizabeth fixaram-se em Jocelin num olhar penetrante.
– Já te vi antes. Onde?
– Conheci a vossa cunhada, Alice – respondeu ele, calmamente.
Os olhos de Elizabeth endureceram.
– Sim – disse ela, com um olhar breve e insolente para cima e para baixo,
avaliando a figura de Joss. – Tu serias o tipo dela. Ou talvez qualquer
homem com o equipamento adequado lhe agrade.
Jocelin tinha uma expressão no rosto que Alyx nunca vira antes. E
desejava que ele não dissesse mais nada. Afinal, fora Joss quem matara
Edmund Chatworth, o irmão de Elizabeth.
– E como estão os vossos irmãos? – perguntou Joss, num tom de voz
desafiante.
Durante um longo momento, os olhos de Elizabeth concentraram-se nos
dele, e Alyx susteve a respiração, rezando para que Elizabeth não se
lembrasse de quem era Joss.
– O meu irmão Brian saiu de minha casa – referiu ela suavemente – e não
sabemos onde está. Há rumores de que foi preso por um dos nojentos dos
Montgomery.
A mão de Jocelin apertou brutalmente o ombro de Alyx.
– E Roger? – perguntou ele.
– Roger... mudou. Agora! – retorquiu ela, rapidamente. – Se já acabámos
de falar sobre a minha família, tenho a certeza de que precisam de vocês lá
em baixo. – Com isto desapareceu da sala.
– Nojentos! – exclamou Alyx antes de a porta se fechar. – O irmão dela
mata a irmã do meu Raine e ela ousa chamar-nos nojentos!
– Alyx, acalma-te. Não podes enfrentar uma mulher como Elizabeth
Chatworth. Comia-te viva. Não sabes que tipo de irmão tinha por perto
enquanto cresceu. Edmund era mau, vicioso, e já vi Elizabeth fazer-lhe
frente em alturas em que até Roger recuou. E ela adora o seu irmão Brian.
Se pensasse que os Montgomery o tinham levado de sua casa, ela estaria
cheia de ódio.
– Mas ela não tem esse direito! A culpa foi dos Chatworth.
– Silêncio! E vamos lá para baixo. – Joss olhou-a de olhos bem abertos. –
E nada desses teus truques de escrever canções sobre brigas. Entendeste?
Ela assentiu uma vez com a cabeça, mas não gostou de fazer tal
promessa.
*
ALYX, QUE SE SENTIRA tão convencida porque pensava ter adivinhado que
este homem pretendia que usasse a sua influência sobre o seu marido, de
repente sentiu-se muito assustada. Sem conseguir evitá-lo, o medo invadiu-
lhe o rosto e começou a levantar-se.
– Por favor – disse ele, suavemente. – Não pretendo fazer-vos mal. Só
quero falar-vos por um momento. – Sentou-se na ponta do banco, afastado
dela, com a cabeça baixa e as mãos apertadas uma na outra. – Ide-vos
embora. Não vos impedirei.
Alyx já tinha passado por ele quando voltou para trás.
– Se o meu marido vos vê, mata-vos.
Roger não respondeu e Alyx, franzindo o sobrolho, dizendo a si própria
que era uma tola, voltou a sentar-se.
– Porque arriscastes vir aqui? – perguntou ela.
– Eu arriscaria tudo para encontrar a minha irmã.
– Elizabeth?
Talvez tenha sido a forma como ela disse o nome, mas a cabeça de Roger
levantou-se abruptamente.
–O que sabeis dela? – As suas mãos fecharam-se em punhos.
– Pagnell, o filho do conde de Waldenham...
– Eu conheço esse monte de esterco.
Rapidamente, Alyx contou a história de como Elizabeth a ajudara e como
Pagnell tinha castigado Elizabeth.
– Miles! – exclamou Roger, de pé. Estava ricamente vestido de veludo
azul-escuro, com um gibão debruado com cetim, e as suas pernas longas e
musculosas firmemente revestidas numas meias-calças negras. Este não era
o homem que Alyx teria imaginado inimigo de alguém.
– E o que é que Miles fez com a inocente da minha irmã? – Roger exigiu,
de olhos irados.
– Não fez o que fizestes com Lady Mary – retorquiu Alyx.
– A morte da mulher pesa-me na alma, e paguei por ela com a perda do
meu irmão. Não tenciono perder também a minha irmã.
Alyx não fazia ideia do que ele estava a falar. O que tinha o irmão de
Roger a ver com a morte de Mary?
– Não sei onde Miles e Elizabeth estão. Não tenho estado bem. Talvez,
enquanto estava a descansar, Raine tenha sabido algo sobre Miles, mas eu
não sei nada.
– E Lady Judith? Acho que há poucas coisas que ela não saiba. Será que
ela vos disse alguma coisa?
– Não, nada. Porque estais livre, quando o meu marido tem de se
esconder, apesar de terdes matado Mary?
– Eu não a matei – declarou ele, com veemência. – Eu… não! Não quero
discutir o assunto, e, quanto à minha liberdade, o Rei ficou com todas as
minhas rendas dos próximos três anos. A maioria dos meus homens deixou-
me porque não lhes posso pagar. Tenho apenas uma pequena propriedade
para abrigar o que resta da minha família, que agora consiste numa cunhada
cruel. O meu irmão odeia-me e desapareceu da face da Terra e, agora, a
minha adorável e doce irmã é mantida prisioneira por um rapaz que é
famoso pelo desfloramento de mulheres. Não terei sido castigado? O vosso
marido ainda mantém as suas terras, o seu próprio administrador orienta-as
enquanto um homem de um rei dirige as minhas. Sabe o que restará dentro
de três anos? O vosso marido tem toda a sua família. Teve até tranquilidade
para se apaixonar e casar, enquanto a mim não resta ninguém… um irmão
morto, outro que me odeia, a minha irmã prisioneira. E dizeis que eu não fui
castigado? Que sou livre?
Depois deste discurso, ele parou e desviou o olhar, sem ver, para o
infinito.
– Não sei o que aconteceu a Elizabeth. Gavin foi atrás de Miles, mas
regressou imediatamente. Não falei com ele quando voltou.
– Matá-lo-ei se ele a tiver magoado.
– E que ganhareis com isso? – gritou Alyx, sentindo a dor da garganta
ferida, mas, pelo menos, a sua voz fê-lo pestanejar. – Será que algum de vós
descansará até que todos sejam mortos? Miles não levou Elizabeth; ela foi-
lhe oferecida. Ele é inocente. É sobre Pagnell que deve recair a vossa ira.
Mas estais demasiado habituado a odiar os Montgomery e a culpá-los por
todos os vossos problemas.
– O que posso eu esperar de um Montgomery? – perguntou ele,
soturnamente. – Já acreditais que eles são deuses nesta terra.
– Homem estúpido! – cuspiu ela. – Eu só quero que esta vossa guerra
acabe. Raine tem de viver numa floresta rodeado de criminosos e tudo por
vossa causa.
– Gavin é que começou isto quando brincou com a minha cunhada. Uma
mulher não era suficiente para ele. Também quis Alice.
Alyx levou as mãos à cabeça.
– Eu não sei nada disto. Deveis ir agora. Raine deve andar à minha
procura.
– Quer dizer, para me proteger?
– Tenciono proteger o meu marido de uma luta e a mim da sua ira.
– Não posso partir enquanto não souber de Elizabeth. – Alyx rangeu os
dentes. – Não sei onde está Elizabeth.
– Descobrireis e contar-me-eis?
– Garantidamente que não! – Alyx ficou surpreendida por ele ter feito a
pergunta. – Miles está com ela, e eu não farei nada que o ponha em perigo.
A boca de Roger formou uma linha grave.
– Sois uma tola por vir aqui comigo. Podia levar-vos agora e exigir a
libertação de Elizabeth enquanto fôsseis minha prisioneira.
Engolindo em seco, Alyx sabia que tinha de se atrever a sair daquela
situação e não o deixar perceber o seu medo.
– Não tendes guardas convosco. Bateríeis numa mulher grávida? Até
quando é que estareis sozinho comigo? Elizabeth ainda acredita que sois um
bom homem. Será que assim continuaria se fizésseis mais um Montgomery
prisioneiro? – Alyx conseguia perceber pelo seu rosto que estava a começar
a preocupá-lo. – Como lhe explicastes a morte de Mary?
Alyx parou por um momento, observando-o.
– Tendes de ir.
Antes que qualquer um deles pudesse reagir, Raine e os seus guardas
irromperam através das árvores. Instantaneamente, quatro espadas foram
apontadas à garganta de Roger Chatworth.
Raine agarrou Alyx, segurou-a com um braço, com a espada
desembainhada no outro.
– Este bastardo fez-te algum mal? – rosnou Raine. – Matem-no – disse
ele logo de seguida.
– Não! – gritou Alyx com todas as suas forças e fez com que os homens
parassem com sucesso. No mesmo instante colocou-se à frente de Roger. –
Ele não me fez mal nenhum. Tudo o que ele quer saber é onde está a sua
irmã.
– Na cova ao lado da minha – disse Raine, com os olhos semicerrados.
– Ela não está morta – replicou Alyx. – Raine, por favor, vamos acabar
com esta querela agora. Jura que vais providenciar para que Elizabeth seja
devolvida a Roger.
– Com que então, Roger? – Raine inspirou através dos dentes, olhando
para ela até ela dar um passo para trás, para mais perto de Roger. – Há
quanto tempo o conheces?
– Há... – começou ela, desorientada. – Raine, por favor, não estás a
perceber. Ele é um homem sozinho e não quero vê-lo morto. Ele quer a sua
irmã. Sabes onde está ela?
– Agora pedes-me que traia o meu irmão por este nojento. Será que ele te
falou dos últimos momentos de vida de Mary? – E olhou para Roger, com
um rosnado a enrolar-lhe o lábio. – Gostaste do som do seu corpo a
desfazer-se nas pedras?
Alyx começou a sentir-se mal com as imagens que Raine conjurara e
quase lhe quis entregar Roger. Mas o Rei teria outra desculpa para tomar as
terras de Raine. Ele nunca perdoaria Raine por matar um conde.
– Tens de o libertar – disse ela, calmamente. – Não podes matá-lo a
sangue frio. Vinde, Roger. Vou acompanhar-vos até ao vosso cavalo.
Sem uma palavra, Roger Chatworth caminhou à sua frente de volta à feira
onde o cavalo dele esperava. Nem Raine, nem os seus guardas o seguiram.
– Ele nunca vos perdoará – disse Roger.
– Eu não o fiz por vós. Se Raine vos matasse, o Rei nunca lhe perdoaria.
Ide agora e lembrai-vos que um Montgomery foi bom para si quando não o
merecia. Não quero que nada de mal aconteça a Miles ou a Elizabeth e farei
o que puder para que ela vos seja devolvida.
Com um olhar de incredulidade, espanto e gratidão, ele deu a volta com o
seu cavalo e cavalgou para longe das terras dos Montgomery.
Alyx parou por um momento, o seu coração palpitava desvairadamente ao
pensar em enfrentar Raine de novo. Claro que ele estaria zangado, mas,
quando lhe explicasse porque é que tinha ajudado o seu inimigo,
compreenderia. Lentamente, temendo a discussão que se aproximava,
caminhou de volta, em direção às árvores onde estava a guarda.
Demorou apenas alguns segundos para perceber que Raine não estava lá.
– Onde está ele? – perguntou ela, certa de que ele tinha ido para algum
lugar mais reservado, para a batalha privada entre os dois.
– Minha senhora – começou um dos guardas. – Lorde Raine voltou para a
floresta.
– Sim, eu sei – respondeu ela. – Onde podemos ficar sozinhos. Mas que
direção tomou ele?
Por um momento, Alyx olhou apenas para o homem e, depois de algum
tempo, percebeu o que queria ele dizer.
– Para a floresta? Referes-te ao acampamento dos fora da lei?
– Sim, minha senhora.
– Vai buscar o meu cavalo! Eu irei atrás dele. Podemos apanhá-lo.
– Não, minha senhora. Temos ordens para a levar a Lorde Gavin. Não
deve seguir Lorde Raine.
– Tenho de ir – disse ela, olhando para os homens a suplicar. – Não vês
que tive de impedir Raine de matar Chatworth? O Rei colocaria Raine no
cadafalso se matasse um conde. Tenho de explicar isto ao meu marido.
Leva-me imediatamente até ele!
– Não podemos. – O cavaleiro endureceu a expressão contra o olhar de
simpatia nos seus olhos. – As nossas ordens vêm de Lorde Raine.
– Talvez se a minha senhora falasse com Lorde Gavin – sugeriu outro
guarda.
– Sim – disse ela, ansiosa. – Vamos regressar ao castelo. Gavin saberá o
que fazer.
Uma vez a cavalo, Alyx imprimiu um ritmo que os cavaleiros tiveram
dificuldade em acompanhar. Assim que os cascos do cavalo tocaram o
pavimento do pátio, Alyx saltou e correu para a casa.
Entrou de rompante num salão vazio e dirigiu-se a outra divisão, depois
parou e gritou:
– Gavin!
Em segundos, surgiu Gavin a correr pelas escadas abaixo, com uma
expressão de incredulidade no rosto. Judith vinha logo atrás.
– Eras tu a chamar-me? – perguntou Gavin, assombrado. – Raine disse
que tinhas uma voz forte, mas...
Alyx cortou-lhe a fala.
– Raine voltou para o acampamento dos fora da lei. Tenho de ir ter com
ele. Ele odeia-me. Ele não compreende porque o fiz. Tenho de lhe explicar.
– Mais devagar – pediu Gavin. – Diz-me o que aconteceu desde o início.
Alyx tentou respirar profundamente.
– Roger Chatworth...
O nome foi suficiente para fazer explodir Gavin.
– Chatworth! Ele fez-te mal? Raine foi atrás dele? Vai buscar os meus
homens – ordenou ele a um dos homens atrás de Alyx. – Com armaduras e
armados.
– Não! – exclamou Alyx, e depois levou as mãos ao rosto. As lágrimas
estavam finalmente a começar a cair.
Judith abraçou Alyx.
– Gavin, fala com os homens enquanto eu trato de Alyx. – E conduziu
Alyx a um nicho almofadado por baixo de uma janela e pegou nas mãos
dela com as suas próprias mãos. – Agora diz-me o que aconteceu.
As lágrimas de Alyx e o seu sentimento de urgência tornaram-na quase
incoerente. Só através de um questionário cuidadoso é que Judith conseguiu
perceber o encadeamento da história.
– Eu não entendi – soluçou Alyx. – Roger não parava de me falar de
coisas que eu não percebia. Quem é Alice? Quem era o irmão dele? O que
tinha ele a ver com a morte de Mary? Raine estava tão zangado. Ele
mandou matar o Roger e tive de o impedir. Tive mesmo!
– Ainda bem que o fizeste. Agora quero que te sentes aqui tranquila
enquanto vou procurar Gavin. Vou contar-lhe a tua história e Gavin vai
poder falar calmamente com Raine.
Judith encontrou o seu marido e vinte cavaleiros no pátio, e pareciam
estar a preparar-se para a guerra.
– Gavin! O que estás a fazer?
– Vamos atrás de Chatworth.
– Chatworth? Mas e Raine? Ele acha que Alyx está do lado de Chatworth.
Tens de ir ter com Raine e fazê-lo perceber. Alyx estava a proteger Raine e
não Chatworth.
– Judith, agora não tenho tempo para resolver uma querela entre amantes.
Tenho de encontrar Miles e avisá-lo sobre Chatworth ou então encontrar
Chatworth e fazer com que não possa reunir um exército para ir atrás do
meu irmão.
– Faz com que Miles liberte Elizabeth. É isso que Chatworth quer –
afirmou Judith. – Devolve-lhe a irmã dele.
– Como ele devolveu a minha? Deitada sobre um cavalo, de cara para
baixo?
– Gavin, por favor – implorou Judith.
Ele parou um momento e puxou-a para ele.
– Raine está mais seguro na floresta. Sem dúvida Chatworth dará a
conhecer ao Rei as ameaças de Raine e isso irá atiçar a sua ira. E Alyx deve
ficar aqui de qualquer maneira, por isso até funcionou bem. Agora, Miles é
para mim uma preocupação maior. Não acredito que ele tenha maltratado a
rapariga, mas tinha esperança de que tivéssemos tempo antes de Chatworth
descobrir onde ela estava. Tenho de avisar o meu irmão e protegê-lo, se ele
precisar.
– E Alyx? Raine acha que ela o traiu.
– Não sei – disse Gavin, relevando o assunto. – Escreve-lhe e envia um
mensageiro. Talvez Raine esteja zangado, mas a raiva não lhe fará mal.
Agora tenho de ir. Cuida da Alyx enquanto eu estiver fora e alimenta o meu
filho.
Judith sorriu-lhe e ele beijou-a demoradamente.
– Tem cuidado – gritou-lhe enquanto ele e os seus homens saíam a
cavalo.
O sorriso de Judith só durou até voltar a entrar em casa e encontrar Alyx
sentada sozinha no banco da janela.
– Será que Gavin vai ao encontro de Raine? – sussurrou Alyx,
esperançosamente.
– Agora não. Talvez mais tarde ele vá. Agora tem de avisar Miles de que
Roger Chatworth sabe que um Montgomery tem Elizabeth prisioneira.
Alyx inclinou-se no encosto de pedra.
– Como pode Raine acreditar que eu o trairia? Chatworth pediu-me para
descobrir onde estava Elizabeth, mas eu recusei. Eu só queria ajudar Raine
e ajudar toda a família. Agora piorei tudo.
– Alyx – disse Judith, pegando nas mãos frias da sua cunhada. – Há
coisas que não sabes, coisas que aconteceram antes de fazeres parte da
nossa família.
– Eu soube da morte de Mary. Eu estava com Raine quando ele descobriu.
– Antes disso, houve acontecimentos...
– Relacionados com essa Alice que Roger mencionou e com o seu irmão?
– Sim. Alice Chatworth foi quem deu origem a tudo isto.
Alyx ficou surpreendida com a frieza nos olhos de Judith, com a forma
como as suas adoráveis feições haviam mudado.
– Quem é Alice? – sussurrou Alyx.
– Gavin estava apaixonado por Alice Valence – disse Judith, em voz
baixa. – Mas a mulher não quis casar com ele. Em vez disso, apanhou um
conde rico, Edmund Chatworth.
– Edmund Chatworth – disse ela. O homem que Jocelin tinha matado.
– Edmund foi morto, uma noite, por um cantor que nunca foi apanhado –
continuou Judith, desconhecendo o que Alyx sabia.
«Sempre acreditei que Alice Chatworth sabia mais sobre o que tinha
acontecido do que aquilo que contou. Como viúva, decidiu que podia dar-se
ao luxo de casar com Gavin, mas Gavin recusou-se a pôr-me de lado e a
casar com ela. Alice não aceitou muito bem a situação. – A voz de Judith
tornou-se pesada e sarcástica. – Aprisionou-me e ameaçou deitar-me óleo a
ferver na cara. Houve um confronto e o óleo deixou cicatrizes em Alice.
– Roger disse que, na sua casa, vivia apenas uma cunhada malvada.
Certamente, não deve ter feito mal a Mary por causa da cicatriz?
– Não, mais tarde, Roger esteve na Escócia e conheceu a mulher que o rei
Henrique tinha prometido a Stephen como noiva. Bronwyn era rica e valia
bem a pena lutar por ela. Roger reclamou-a para si e ele e Stephen lutaram.
Roger é um homem orgulhoso e um cavaleiro de renome, mas Stephen
venceu-o e, com raiva, Roger atacou Stephen pelas costas.
– Stephen não ficou ferido, pois não?
– Não, mas a reputação de Roger ficou destruída. As pessoas riam-se dele
por toda a Inglaterra e começaram a dizer que um «Chatworth» tinha feito
um apunhalamento pelas costas.
– E, portanto, Roger retaliou, levando Mary. Ele deve ter visto os
Montgomery como a causa das suas humilhações – deduziu Alyx.
– É verdade. Implorou a Stephen que o matasse no campo de batalha, mas
Stephen não o quis matar e Roger sentiu-se insultado. Então, Roger
manteve Mary e Bronwyn prisioneiras durante algum tempo. Não creio que
ele tivesse feito mal a Mary se não fosse por causa de Brian.
– E quem é Brian?
– O irmão mais novo de Roger, um rapaz aleijado e tímido que se
apaixonou por Mary. Quando Brian disse a Roger que planeava casar com
Mary, Roger embebedou-se e levou Mary para a cama. Já sabes o que Mary
fez a seguir. Brian devolveu-nos o corpo dela.
– E agora Miles tem Elizabeth – disse Alyx. – Raine é um fora da lei.
Roger perdeu a sua família e a sua riqueza e a vida de Miles pode estar em
perigo. Não há maneira de acabar com este ódio? E se Roger matar Miles?
O que acontecerá então? Quem será o próximo? Será que algum de nós
voltará a estar seguro? Irão os nossos filhos crescer a odiar os Chatworth?
Será que o meu filho irá lutar contra o Roger?
– Calma, Alyx – disse Judith suavemente, abraçando a cunhada. – Gavin
foi avisar Miles e ele ficará a salvo. Além disso, Bronwyn está lá com os
seus homens e, mesmo que Chatworth juntasse um exército, não seria capaz
de combater os MacArran.
– Espero que tenhas razão. E Raine ficará a salvo na floresta.
– Vamos escrever a Raine agora mesmo. Enviaremos um mensageiro esta
noite.
– Sim – disse Alyx, sentando-se direita e limpando as lágrimas. – Logo
que Raine saiba a verdade, tenho a certeza de que me perdoará.
Capítulo Dezoito
Embora Alyx pensasse que estava preparada para a sua primeira visão de
Raine, não estava. Ele tinha perdido peso e as estrias nos seus músculos
estavam salientes. Encontrava-se ao pé de uma fogueira a olhar para dois
homens que falavam com ele seriamente.
Por um momento, Alyx ficou completamente parada, observando-o,
lembrando-se de cada bocadinho dele, querendo correr para ele, lançar-se
nos seus braços, e senti-lo acolhê-la.
Mas, quando ele se virou, a sua respiração ficou presa na garganta. Teria
lidado muito bem com o ódio, mas os olhos de Raine não mostravam as
chamas quentes do ódio. Em vez disso, não havia lá nada a não ser um
frígido deserto de gelo: um azul tão frio que lhe enviava lascas de gelo
através do corpo. Não houve a mínima centelha de reconhecimento e,
especialmente, nenhuma de boas-vindas.
Sem se mexer, Alyx observou enquanto Raine lhe virava as costas e
caminhava na direção do campo de treino.
– Parece que está um bocadinho zangado, não é? – comentou Joan por
trás de Alyx. – Estes Montgomery são mesmo de luas. Alguma vez vos falei
do fosso em que Lady Judith se enfiou para salvar Lorde Gavin? Claro,
qualquer mulher no seu perfeito juízo arriscaria tudo por um homem como
Lorde Gavin. E Miles, também. No entanto, nunca fui para a cama com
Lorde Raine. Ele é satisfatório?
– Estás a ir longe demais! – irritou-se Alyx, virando-se para ela.
Joan sorriu graciosamente.
– Pelo menos, consegui que deixasses de sentir pena de vós própria.
Agora, onde quereis a tenda? Deveis decidir enquanto vou buscar alguns
homens para nos ajudar.
De seguida, afastou-se deslizando silenciosamente por entre o grupo de
pessoas que se reuniam lentamente à volta de Alyx e dos quatro cavalos
carregados.
– Dá para perceber que escapou sem se queimar muito – disse um
homem, olhando Alyx para cima e para baixo insolentemente.
– Não é possível queimar bruxas verdadeiras – comentou uma mulher.
– Vestidinho bonito – disse outra voz. – Com quem dormiu para
conseguir isso?
Alyx levantou o queixo.
– Quero agradecer a todos vós por terem ido socorrer-me quando precisei
de ajuda. Sei que não o merecia, mas estou-vos grata.
Isto pareceu acalmar a multidão por um momento.
– Ninguém a queria ajudar – disse um homem com uma cicatriz na cara. –
Foi por Lorde Raine que fomos. E agora, pelo ar dele, parece desejar que a
tivéssemos deixado arder.
A declaração provocou uma grande gargalhada geral e, abanando a
cabeça e batendo nas costas uns dos outros, voltaram para o acampamento,
deixando Alyx sozinha.
– Estais a pensar chorar? – perguntou Joan, maliciosamente, ao ouvido de
Alyx. – Eles iriam gostar disso. Vamos, vinde ver o que encontrei.
Inspirando profundamente, Alyx afastou-se do acampamento na floresta.
Esperaria ela que eles percebessem que tinha mudado? E olhou para Joan,
ladeada por quatro jovens fortes e bem-parecidos.
– Eles vão ajudar-nos a montar a tenda – disse Joan, passando os braços
por cima de dois dos homens.
Alyx teve de sorrir para Joan, que conseguia ser feliz tão facilmente.
Judith tinha dito que Joan era como um gato a escorregar de cama em cama.
Espantada, Alyx observou enquanto Joan começou a dar ordens aos jovens,
ao mesmo tempo que lhes fazia uma carícia aqui e ali. Uma vez, Joan olhou
para cima e piscou o olho a Alyx. «Rapariga insolente!», pensou Alyx,
virando-se para esconder um sorriso.
Junto aos cavalos, começou a descarregar os embrulhos que ela e Judith
tinham embalado.
– Precisais de ajuda? – perguntou um dos jovens de Joan por trás dela,
enquanto lhe tirava o embrulho das mãos.
– Obrigada – disse ela, sorrindo-lhe. – És novo no acampamento?
Ele riu-se e os seus olhos castanhos cintilaram.
– Eu estava aqui antes de Raine, e estava aqui quando éreis um rapaz.
Mudastes um pouco – brincou ele, observando-a.
– Eu não... – começou ela antes de desviar o olhar.
– Acho que nunca olhastes para nenhum de nós. Foi sempre a ele que
observastes. – E virou a cabeça na direção da tenda de Raine. – Acho que
não vos censuro, visto que ele é um nobre rico e vós sois… éreis… uma... –
E parou.
– Foi assim que pareceu? – questionou Alyx, principalmente para si
própria.
– Explicou muita coisa quando Lorde Raine nos disse que devíamos
salvá-la.
– Disse-vos, foi? – perguntou ela. – Sem dúvida que ficaram todos muito
contentes com a ideia de me salvar.
O jovem clareou a garganta e pegou no embrulho.
– Vou levar isto para o acampamento por si.
– Espera! – gritou ela. – Como te chamas?
– Thomas Carter – disse ele, sorrindo.
Pensativa, Alyx acabou de descarregar o cavalo. Ela tinha passado meses
naquele acampamento e, tanto quanto sabia, nunca vira sequer Thomas
Carter, no entanto, ele estava lá e tinha até arriscado a sua vida para a
salvar.
Franzindo o rosto, voltou para o acampamento e ficou muito contente
quando Thomas lhe sorriu.
Joan e os jovens montaram a tenda rapidamente e guardaram os pertences
dela no interior. No exterior ardia uma fogueira quente.
– Subiste na vida, não é verdade? – perguntou uma mulher do outro lado
do fogo, com os olhos fixos em Alyx. Tinha um bócio enorme no pescoço,
que a obrigava a inclinar a cabeça para um lado.
– Podemos partilhar o que temos contigo? – perguntou Alyx calmamente,
e depois virou-se para olhar furiosamente para Joan, que tinha arfado em
protesto.
A mulher abanou a cabeça, com os olhos bem abertos, e deixou-as.
– Não podeis deixar que aquela escumalha doente se aproxime de nós! –
sibilou Joan. – Gostáveis de ter uma coisa daquelas no pescoço? Só é
preciso ela sentar-se ao nosso lado e...
– Silêncio! – disse Alyx, revendo-se em Joan. – Não vou permitir que
desprezes estas pessoas. Salvaram-me a vida e, por toda a imundície e
doença que sofrem, merecem mais do que eu posso retribuir. E, quanto a ti,
vais tratá-los bem e não apenas os homens.
Joan cerrou os dentes, murmurando algo sobre Alyx trair a sua classe, e
que a cada dia ficava mais parecida com Lady Judith. Em silêncio,
desapareceu na escuridão.
«Como Lady Judith», pensou Alyx, e percebeu que nunca tinha recebido
tal elogio antes. Sorrindo, levantou-se e foi para a sua tenda. Sozinha na
pequena cama, lembrou-se das suas noites com Raine. Pelo menos, agora
estava perto dele e, pela primeira vez em meses, conseguiu dormir bem. Os
seus últimos pensamentos antes de adormecer foram para Catherine.
De manhã, Alyx acordou revigorada e sorridente. O ar puro e frio da
floresta soube-lhe bem e fê-la sentir-se até um pouco como em casa. Não
havia sinal de Joan e, por isso, Alyx vestiu-se sozinha com um vestido de lã
verde-esmeralda com uns acabamentos dourados entrançados. Uma
pequena touca na parte de trás da cabeça não era suficiente para esconder os
caracóis que lhe emolduravam o rosto. O seu cabelo estava agora mais
comprido e já não odiava a cor invulgar que fazia com que cada fio
parecesse único.
No exterior da tenda, foi saudada por uma Joan de aspeto exausto,
sentada sem se mexer, servindo-se de um cepo de árvore como banco. O seu
cabelo caía-lhe pelas costas e o ombro do vestido estava rasgado. Tinha um
hematoma no pescoço. Ela olhou para cima, para Alyx, com os olhos
brilhantes a quererem saltar das órbitas azuis.
– São homens vigorosos – disse ela, cansada, mas tão alegremente que
Alyx teve dificuldade em evitar o riso.
– Vai descansar – disse Alyx, severamente. – E, quando acordares,
falaremos da tua conduta repulsiva.
Pesadamente, Joan levantou-se e caminhou em direção à tenda.
Alyx apanhou o braço da sua aia.
– Os quatro de uma vez? – perguntou ela, com curiosidade.
Joan limitou-se a assentir com a cabeça, com as pálpebras a inclinarem-se
cansadamente enquanto entrava na tenda.
Alyx estava a pensar no assunto – quatro homens ao mesmo tempo? –
quando Raine lhe apareceu à frente, com os olhos a cintilar de raiva. Ela
engoliu duas vezes em seco.
– Bom dia – conseguiu ela dizer.
– Malditas sejam as tuas manhãs – rosnou ele, olhando-a de relance. –
Aquela rameira que trouxeste contigo esgotou quatro dos meus homens.
Não me servem de nada esta manhã. Nem sequer conseguem levantar uma
espada. Não sei porque vieste aqui, mas acho que está na altura de
regressares.
Ela sorriu-lhe docemente.
– Que acolhimento encantador, meu marido. Peço desculpa pela minha
criada, mas, como talvez te lembres, não tenho tido muita prática em lidar
com os servos. Nem todos podemos nascer no meio da nobreza. Quanto ao
porquê da minha vinda aqui, tenho uma dívida a pagar.
– Não me deves nada.
– A ti! – disse Alyx, nervosa, depois acalmou-se, forçando um sorriso. –
Talvez te deva alguma coisa, mas devo mais a estas pessoas.
– Desde quando te preocupas? – Raine olhou para ela, semicerrando os
olhos.
– Desde que arriscaram as suas vidas para me salvar – respondeu ela,
calmamente. – Gostarias de te juntar a mim e comer um pouco para quebrar
o teu jejum? Posso oferecer-te uma tarte de carnes frias.
Ele parecia querer dizer algo, mas girou sobre os calcanhares e deixou-a.
Alyx continuou a sorrir, com o coração a bater enquanto observava as
suas costas largas a afastar-se.
– Satisfeita contigo mesma? – perguntou Jocelin por trás dela.
Alyx riu-se sonoramente.
– Serei eu assim tão transparente? Raine Montgomery é um homem
arrogante, não é? Ele pensa que estou aqui apenas por causa dele.
– E não estás? – perguntou Joss.
– Eu vou enlouquecê-lo – afirmou Alyx, alegremente. – Queres comer
alguma coisa? Tens tempo para te sentares comigo e responder a algumas
perguntas?
As perguntas que Alyx fez foram sobre as pessoas do acampamento,
perguntas para as quais ela devia saber as respostas, uma vez que vivera
com elas durante meses. Mas sentia-se como uma forasteira.
– Não vai ser fácil ganhar a confiança deles – disse Jocelin. – Eles têm
muitos ressentimentos contra ti. Blanche lançou sobre ti a culpa de muitos
problemas.
– Blanche! – exclamou Alyx, sentando-se direita. As peças do puzzle
começavam a encaixar-se. – Blanche, a culpada da morte de Constance. De
que outra forma poderia ela ter sabido sobre Edmund Chatworth? Deves
odiar Blanche.
– Estou farto de odiar. – E levantou-se. – Gostarias de ver Rosamund? Se
queres ajudar as pessoas, ela pode indicar-te por onde deves começar.
Alyx não estava preparada para as mudanças de Rosamund. Os seus olhos
brilhavam tanto quando olhava para Jocelin que a mancha de nascença na
sua face quase desaparecera. Os olhos de Joss não brilhavam menos.
– Alyx gostaria de te ajudar – disse ele com uma voz suave e doce,
pegando na mão de Rosamund.
Rosamund dirigiu a Alyx um sorriso tolerante que a fez endireitar as
costas, e agradeceu aos céus pelos ensinamentos de Judith.
– Tenho a certeza de que vamos encontrar algo para fazeres – disse
Rosamund com a sua voz suave.
Foi precisa uma semana para que Rosamund percebesse que Alyx estava
a falar a sério. Durante esse tempo, Alyx trabalhou cedo e tarde e nenhum
trabalho estava abaixo dela. Lavava e ligava feridas abertas. Ajudou uma
mulher doente com varíola francesa a dar à luz e, quando o bebé cego
morreu, ela enterrou-o; ninguém mais tocaria no pobre coitado. Cantou para
uma mulher idosa que gritava incoerentemente com fantasmas que só ela
podia ver.
– Vossa senhoria está a fazer-nos um favor, aos mais desprezados – disse-
lhe um homem enquanto ela passava na escuridão a caminho da sua tenda.
– Antes tinha medo de sujar as mãos, e agora nada é suficientemente sujo
para ela. Mas não vejo Raine a curvar-se diante dela.
Na sua tenda, Alyx colocava as mãos nas têmporas. Doía-lhe a cabeça por
causa dos barulhos e dos cheiros horríveis. Os doentes permitiam que ela
lhes tocasse, mas as pessoas saudáveis ignoravam-na, exceto para a
provocarem. E, quanto a Raine, ela raramente o via.
– Viestes aqui para reconquistar Raine ou esta escumalha doente? –
perguntava Joan frequentemente.
– Raine – sussurrava Alyx, esfregando as têmporas. Agora, a tenda estava
vazia. Joan obviamente dormia noutro lugar. Alyx não estava habituada a
ter criados e estava a ser um fracasso a controlar Joan. Ao reparar que os
baldes de água estavam vazios, Alyx agarrou-os e foi até ao riacho.
Ajoelhando-se na margem, olhou-se na superfície cintilante da água,
como diamantes partidos ao luar. Um som fê-la virar-se e o seu coração
saltou-lhe à garganta quando viu Raine, o seu grande corpo – um corpo que
ela conhecia tão bem, a tapar a Lua.
– Já provaste o que querias? – perguntou ele calmamente, com uma voz
tão suave e dura como o aço. – Esperavas que, depois de ligar uma ferida
desagradável, as pessoas caíssem aos teus pés em agradecimento? Eles
julgam melhor as pessoas do que eu.
– Espero que me digas o que isso significa – respondeu ela, perplexa.
– És uma boa atriz. Uma vez, acreditei que eras... honesta, mas aprendi da
pior maneira. Espero que eles percebam mais depressa do que eu.
Alyx levantou-se, com os punhos cerrados ao seu lado.
– Poupa-me a tua autocomiseração – disse ela, entredentes. – Pobre Lorde
Raine que desceu ao ponto de se apaixonar por uma plebeia e, quando ela
fez o seu melhor para o salvar da ira do Rei, ele percebeu imediatamente
que ela tinha ultrapassado os seus limites.
O volume da sua voz elevou-se.
– Quero dizer-te uma coisa, Raine Montgomery. Não me importa se estas
pessoas me odeiam. Eu mereço-o muito bem. E, quanto à sua queda a meus
pés, não espero que o façam. Pelo menos, eles são honestos. Tu defendes-te
como uma espécie de mártir e não dás ouvidos a ninguém. Em vez disso,
preferes acreditar que foste enganado e que só tu tens sentido de honra.
– E o que é que tu, mulher, sabes sobre honra? – desdenhou ele.
– Muito pouco. Na verdade, sei muito pouco sobre qualquer coisa, exceto
sobre música. Mas, pelo menos, estou disposta a admitir que tenho falhas.
Enganei estas pessoas e estou a tentar corrigir o meu erro. Tu, meu alto
senhor, enganastes-me… e à tua filha, sobre a qual nem sequer perguntas.
– Já ouvi falar dela – disse Raine com firmeza.
Alyx soltou um som que atravessou a pele de Raine como uma rebarba de
aço.
– Que generosidade da tua parte! – disparou ela. – Raine, o grande
senhor, senhor das florestas, rei dos fora da lei, ouviu falar da sua própria
filha.
Alyx acalmou-se.
– Vim aqui para te reconquistar, mas agora não tenho a certeza se te
quero. Afasta-te de mim. Leva a tua fria honra para a cama contigo.
– Há outras mulheres dispostas a partilhar a minha cama – disse ele, com
um olhar duro.
– Têm toda a minha piedade – as palavras saíram forçadas a Alyx. –
Quanto a mim, prefiro um tipo de homem diferente, que não seja tão rígido
e frio, um que ainda esteja vivo.
Ela não viu o movimento do braço de Raine na sua direção. Ele era
sempre mais rápido, mais forte, do que ela se lembrava. Os seus dedos
fortes morderam-lhe a parte de trás da cintura e, enquanto os seus olhos se
cruzavam com os dele, ele sorriu ligeiramente, divertido, enquanto a puxava
para junto de si.
Baixando a cabeça, os seus lábios pairavam sobre os dela.
– Com que então sou frio, é? – disse ele, e a sua voz provocou-lhe
arrepios pela espinha abaixo.
Uma pequena parte do cérebro de Alyx ainda estava a funcionar.
Ele queria dar-lhe uma lição, não era?, pensou ela, enquanto se punha em
bicos de pés e lhe lançava os braços ao pescoço.
Quando os seus lábios se tocaram, os dois sustiveram a respiração com
força e afastaram-se um do outro, olhos violáceos a olhar para azul. Alyx
pestanejou uma, duas vezes, antes de a boca de Raine descer sobre a dela
com a fome de um homem moribundo. Ele endireitou-se, abraçou-a, e os
pés dela elevaram-se do chão enquanto ele agarrava a parte de trás da
cabeça dela com a sua mão forte e lhe virava a cabeça para os lados. A sua
língua invadiu a boca dela, enviando faíscas tão quentes através do seu
corpo que pareciam queimar-lhe todas as suas forças. O corpo dela ficou
flácido contra o dele, permitindo-lhe suportar todo o peso dela.
Os lábios de Raine começaram a trabalhar contra os dela, aproximando-a
dele, a mão massajando-lhe a cabeça, os seus dedos brincando com os
músculos na parte de trás do seu pescoço.
Alyx apertou o mais possível na sua tentativa de se aproximar mais. As
pernas dela movimentaram-se para cima até se aproximarem da cintura
dele. Ela virou a cabeça, tomando a iniciativa, enquanto a sua língua se
emaranhava com a dele, os seus dentes duros contra os seus lábios.
O som forte de cavaleiros a aproximar-se em muitos cavalos fez disparar
o detetor de perigo de Raine. Lentamente, cambaleando, saiu do nevoeiro
vermelho e grosseiramente, enraivecido, afastou Alyx dele.
Por um momento, a sua expressão manteve-se suave; depois, voltou a
ficar indiferente.
– Esperavas atrair-me de volta para ti? – sussurrou ele. – Usaste as
mesmas armas em Chatworth?
Alyx demorou um pouco a compreender o que ele queria dizer.
– És um tolo, Raine Montgomery – replicou ela suavemente. – Será que o
teu ódio se sobrepõe ao teu amor?
E, com isso, levantou as saias, esquecendo os baldes de água aos seus
pés, e voltou para o acampamento. Atrás dela, ouviu Raine falar com os
cavaleiros, com uma voz desnecessariamente zangada.
Capítulo Vinte
Alyx tentou não pensar na raiva constante de Raine e, em vez disso, virou
as suas atenções para Brian Chatworth. Era um jovem tristonho, e os seus
olhos negros revelavam um ódio profundo e ardente; nunca sorriu nem
parecia ter prazer com nada. Alyx não conseguiu persuadi-lo a falar ou a
confiar nela sobre qualquer assunto. As suas perguntas sobre onde tinha
estado nos últimos meses, desde a morte de Mary, obtiveram silêncio como
resposta.
Alyx desistiu passado algum tempo e deixou-o com os homens no campo
de treino. Raine não olhou nem falou com o rapaz e passou a maior parte do
tempo com Stephen.
Depois de Stephen estar no acampamento há três dias, Joan veio ter com
Alyx.
– Acho que eles estão a lutar – referiu Joan, entusiasmada.
– Quem? Não é o Raine e Brian Chatworth?
A voz de Joan soou impaciente.
– Claro que não! Lorde Raine e Lorde Stephen embrenharam-se na
floresta, e um dos vigias falou em vozes alteradas vindas de lá. Estão todos
a planear ir assistir.
– Não o farão! – exclamou Alyx, empurrando a criada e saindo para o ar
fresco. – Jocelin – gritou ela quando viu o seu amigo. – Detém-nos. Deixem
o Raine sossegado. E tu – disse ela, virando-se para Joan. – Ajuda a manter
os homens no acampamento. Faz o que for preciso. Mas nada de indecente
– gritou ela por cima do ombro enquanto se apressava a caminhar.
Jocelin recorreu à ajuda de alguns ex-soldados para o ajudar, enquanto
outros dos feridos ajudavam Alyx, e Joan tinha os seus próprios meios para
obrigar os homens a obedecer-lhe. Juntos conseguiram manter as pessoas
do campo afastadas do local onde Raine e Stephen estavam a ter a sua
«discussão».
– Eles estão a acalmar-se agora – disse um vigia quando foi substituído
por outra pessoa.
Alyx afastou-se, não querendo ouvir mais nada dos factos. Raine era
muito mais pesado do que o seu irmão e, obviamente, muito mais forte.
Stephen não podia vencer uma luta entre os dois, e Alyx rezou para que
Raine se contivesse e não magoasse a sério o seu irmão franzino.
Ao pôr do Sol, Alyx levou os baldes de água até ao riacho, na esperança
de escapar às vozes alegres das pessoas do acampamento. Estavam todos
amontoados à volta das fogueiras, ouvindo os vigias atentamente.
Ficou na margem do rio, imóvel, satisfeita com o silêncio, quando um
som a fez rodopiar. Raine vinha na sua direção, caminhando pesadamente e
cansado. Talvez ela devesse ter escutado os comentários das pessoas para
poder estar preparada para a sua primeira visão dele. O lado esquerdo do
seu rosto estava inchado e a ficar roxo. Havia hematomas na sua mandíbula
e o seu olho era uma mistura extravagante de cores não naturais.
– Raine – sussurrou ela, fazendo-o olhar para cima e para longe dela
enquanto ele se ajoelhava junto à água. Alyx esqueceu-se de qualquer
recordação de raiva entre os dois, mas correu para ele, ajoelhando-se ao seu
lado. – Deixa-me ver – pediu ela.
Docilmente, ele virou a cabeça para ela e Alyx colocou-lhe dedos frios na
cara inchada. Sem uma palavra, levantou a saia, rasgou um bocado de linho
do seu saiote, mergulhou-o em água fria e limpou-lhe o rosto.
– Conta-me tudo – disse ela, quase ordenando. – Que tipo de maça é que
Stephen usou na tua cara?
Passou um longo momento antes de Raine falar.
– O seu punho.
Alyx fez uma pausa na limpeza do rosto de Raine.
– Mas um cavaleiro... – começou ela. Tinha ouvido Raine gritar uma
centena de vezes sobre quão pouco cavalheiresco, quão pouco masculino,
era lutar com as próprias mãos. Muitos homens honrados tinham morrido
em vez de perder a sua honra usando os seus punhos.
– Stephen aprendeu uns costumes estranhos na Escócia – disse Raine. –
Ele diz que há mais do que uma maneira de lutar.
– E sem dúvida que ficaste ali parado como um grande boi e o deixaste
bater-te em vez de fazer uma coisa pouco própria de um cavaleiro como
bater-lhe na cara em troca?
– Eu tentei! – disse Raine, depois encolheu os ombros e acalmou-se. –
Ele dançava como uma mulher.
– Não insultes o meu sexo. Nenhuma mulher te fez isto à cara.
– Alyx. – Ele agarrou-lhe o pulso. – Não tens nenhum sentimento por
mim? Estarás sempre do lado dos outros contra mim?
Ela tomou-lhe o rosto suavemente nas mãos, os seus olhos a procurar os
dele.
– Amo-te desde o primeiro instante em que te vi. Mesmo nessa altura,
quando tinha planeado odiar-te, senti-me atraída por ti. Tentei não te amar,
mas foi como se algum grande poder me controlasse e eu não tivesse uma
palavra a dizer sobre o que fazia. Não te dás conta de que estou sempre do
teu lado? Naquele dia, na feira, se tivesses matado Roger Chatworth, podias
ter sido enforcado. Eu fingi ter-me deitado com Jocelin para te impedir de
sair da segurança da floresta. Que mais posso eu fazer para provar a minha
lealdade e amor?
Ele afastou-se dela.
– Talvez não goste dos teus métodos. Porque é que não me podes dizer o
que pretendes fazer? Porque tens de estar sempre a brigar comigo?
– Brigar é a única forma de me ouvires – disse ela, exasperada. – Disse-te
que não podias sair da floresta quando as pessoas me acusaram de roubar,
mas não me ouvias. Disse-te para não matares Roger Chatworth, mas
ficaste ali como um touro com as veias salientes no pescoço. – A sua voz
começava a levantar-se.
– Não sei quem é que me intimida mais… se o meu irmão, se tu.
O seu tom era tão infantil, cheio de pena de si próprio, que Alyx tentou
não rir.
– Sobre o que é que tu e Stephen discutiram?
Raine esfregou o maxilar.
– Stephen sugeriu-me que talvez eu devesse considerar que não foste
desleal quando salvaste a vida miserável do Chatworth. – Raine virou-se e
olhou para ela. – Tenho estado enganado? Será que te tratei muito mal?
Ainda há amor no teu coração para mim?
Ela tocou-lhe na face.
– Amar-te-ei para sempre. Por vezes, penso que nasci para te amar.
Uma única covinha apareceu-lhe na bochecha e ela susteve a respiração
enquanto pensava que ele a ia puxar para os seus braços. Em vez disso, ele
meteu a mão no interior do gibão e remexeu no bolso.
– Talvez com isto possa comprar um sorriso ou dois – disse ele, enquanto
balançava o cinto de Lyon diante dos olhos dela.
– O meu cinto – arfou ela. – Como é que o encontraste? Pensei que estava
perdido para sempre. Oh, Raine! – E abraçou-o, começando a beijar-lhe a
cara com tanto entusiasmo que lhe causou grande dor, mas ele não se
importou.
– Tu és o melhor marido – sussurrou ela, beijando-lhe o pescoço. – Oh,
Raine, como senti a tua falta.
As bocas colaram-se, rolaram de lado, depois mudaram de direção, e num
movimento rápido aterraram na água gelada do rio, com Alyx por baixo.
– Raine! – Alyx gritou de dor quando o seu pesado corpo rolou sobre o
seu braço, pressionando-o contra uma rocha. – Estás a partir-me o braço! –
Os seus dentes já começavam a tiritar.
– Seria uma pequena paga pelo que me fizeste – disse ele, deitado na água
como se fosse um colchão de penas. – Antes de te conhecer, a minha vida
era pacífica e calma. Agora, o meu próprio irmão bate-me.
– Porque mereceste – ralhou ela. – É a única maneira de te fazer ouvir.
Agora, deixa-me levantar e deixa-me secar antes que eu congele até à
morte.
– Eu sei uma maneira de te manter quente. – E começou a beijar-lhe o
pescoço.
– Seu grande javali estúpido – gritou-lhe ela ao ouvido, obrigando-o a
afastar-se e a abanar a cabeça para acabar com o zumbido. – Tenho frio e
estou molhada, e se não me deixares levantar, faço com que todo o
acampamento venha em meu socorro.
– Achas que viriam em teu socorro ou ficariam do meu lado?
Ela empurrou-o.
– Eles não te reconheceriam com a tua grande cara roxa.
Ele riu-se e afastou-se facilmente dela.
– Estás com bom aspeto, Alyx – disse ele, com olhos brilhantes, olhando
para o vestido molhado que se colava ao corpo dela.
Alyx firmou os braços atrás de si, começou a levantar-se e percebeu que o
vestido molhado era muito pesado. Com outro risinho, Raine levantou-se,
levantou-a a ela e começou a caminhar para a parte mais escura da floresta.
– O acampamento é por ali – apontou ela.
– Alyx, alguém deveria ensinar-te que nem sempre deves dar ordens.
Talvez estejas certa de vez em quando, mas, por vezes, devias ouvir e deixar
as ordens para os homens.
– Tenho de fazer o que é correto, e se precisares de ser salvo de ti mesmo,
fá-lo-ei – disse ela arrogantemente.
– Estás a remar numa direção onde nunca estiveste antes… se é que
alguma vez tiveste uma, o que duvido. Aquele padre que te treinou devia
ter-te dado com um alaúde no traseiro de vez em quando e assim talvez
tivesses um pouco de humildade.
– Tenho tanta humildade como tu – disse ela, observando-o. – Se fizeres
palermices, devo eu ficar de lado e não levantar a voz?
– Alyx, estás a ir longe demais – advertiu ele.
– E como me castigarás por falar a verdade?
– Não de uma forma que te agrade.
– Como podes ameaçar-me depois de tudo o que fiz por ti? Eu salvei-te
de Roger Chatworth. Quase fui queimada na fogueira porque os juízes
queriam as tuas terras. Fui-me embora com Jocelin para te manter a salvo
na floresta.
Raine agarrou-a pelos ombros e levantou-lhe os pés do chão, à distância
dos seus braços. Uma metade do seu rosto estava inchado e roxa, mas a
outra metade estava vermelha de raiva.
– Foste longe demais – disse ele entredentes.
Antes de Alyx poder respirar, Raine sentou-se num coto de uma árvore,
deitou Alyx no seu colo, de cara virada para baixo, e lançou-lhe as saias
sobre a cabeça. Deu-lhe uma palmada forte e dolorosa nas nádegas.
– Não foste julgada como bruxa por minha causa – disse ele. – Tiveste a
tua querela com Pagnell antes de eu alguma vez te ter conhecido.
Alyx não teve oportunidade de responder antes de Raine lhe bater no
traseiro outra vez.
– É verdade, eu estava zangado e talvez não devesse ter ordenado que
Chatworth fosse morto, mas, como estávamos num lugar isolado, quem
teria sabido e ido contar ao Rei? Não sou tão estúpido como pareces pensar
e não teria deixado o corpo perto da propriedade do meu irmão.
Mais uma vez, a sua mão desceu.
– Não gosto de ver as minhas ordens revogadas e especialmente diante
dos meus homens. Entendido? – Mais uma vez, desferiu uma palmada.
Alyx, com lágrimas nos olhos, acenou silenciosamente com a cabeça.
– Ótimo! Agora, quanto a ti e a Jocelin, não gosto de jogos e gracinhas
em que eu sou o elemento gozado. Doeu muito ver-te com outro homem e,
mais tarde, quando descobri que tudo tinha sido um truque, como se fosse
um idiota para ser feito de parvo, podia ter-te matado. E tu arriscaste a vida
da minha filha com os teus estúpidos joguinhos.
Um golpe muito duro atingiu-a.
– Quase perdeste a minha filha na fogueira, assim como nos perigos da
estrada, enquanto tu e Jocelin vagueavam pelo país. Não quero mais nada
disso, Alyx. – Bateu-lhe de novo. – Compreendes-me? És a minha mulher e
é bom que comeces a agir como tal.
Com mais uma palmada dolorosa, empurrou-a do seu colo.
Alyx sentou-se, com uma uma expressão de dor no rosto quando o seu
traseiro bateu no chão da floresta. Havia tantas lágrimas nos seus olhos que
mal conseguia concentrar-se.
Raine levantou-se, ficando acima dela.
– Quando deixares de estar amuada – disse ele –, volta para a tenda e eu
faço amor contigo tão apaixonadamente que te esquecerás de quem és. – De
seguida, afastou-se dela.
Por um momento, Alyx ficou sentada, seguindo-o com o olhar, depois
fechou a boca e levantou-se. Nenhuma birra no mundo valia a pena perder a
loucura de fazer amor. Tão depressa quanto as suas pernas rígidas a podiam
levar, Alyx correu atrás de Raine.
Capítulo Vinte e Um
ALYX ESTAVA DEITADA de costas na cama de Raine, com uma perna nua
pendurada na beira da mesma e um sapato de couro macio preso em dois
dedos do pé, feliz. Toda ela estava imensamente feliz, desde os dedos dos
pés até às raízes do seu cabelo. Raine tinha cumprido a sua promessa.
Durante toda a noite passada, ele tinha sido insaciável, nunca a deixando
dormir, movendo-a como uma boneca de trapos. Ela esteve por cima,
depois por baixo, esticada lateralmente e ele colocou-a entre as suas pernas.
Num minuto, era doce e gentil; no seguinte, tornava-se feroz, autoritário e,
a seguir, ficava quase aborrecido, como se se tivesse esquecido de que ela
estava lá. Nessas alturas, Alyx fazia algo matreiro para chamar a sua
atenção. O seu riso sensual fazia-a perceber que a estava a manipular e que
estava longe de estar aborrecido.
O Sol nascia quando ela finalmente lhe suplicou que parasse. Ele beijou-
lhe apenas o nariz, fez um sorriso meio torto com o seu rosto espancado,
levantou-se, lavou-se, vestiu-se e abandonou a tenda. Alyx decidiu dar ao
seu corpo ferido, marcado e exausto algumas horas de sono.
Mais tarde, finalmente acordada, deixou-se ficar quieta, a cantarolar para
si própria e a recordar a noite passada.
– Parece que, finalmente, aprendestes o que fazer com um homem – disse
Joan, entrando na tenda. – Pergunto-me se todos os irmãos serão tão bons
como Lorde Miles. Parece que pensais assim. Sabíeis que estáveis a sorrir
durante o sono?
– Cala-te, mulher insolente – disse Alyx de uma forma tão amigável que
Joan apenas se riu.
– É melhor que vos levanteis. Lorde Stephen teve algumas notícias da
Escócia e vai partir muito em breve.
– Não é nada de mal, pois não? – perguntou Alyx, levantando-se
relutantemente e encolhendo-se com uma dor nas costas. Por vezes, Raine
parecia pensar que ela era um trapo da forma como a envolvia no seu corpo,
uma perna aqui, outra ali, um braço acolá. Tinha um torcicolo no pescoço e
a memória do que Raine tinha feito para magoar aquela zona fê-la sorrir.
Joan olhava para ela com um interesse não disfarçado.
– Os meus quatro homens juntos não conseguiam pôr-me nesse estado.
Será Lorde Raine realmente um amante assim?
Alyx dirigiu-lhe um olhar sério.
– Terei o teu coração numa bandeja, se continuares a olhar assim para ele.
Joan sorriu apenas.
– Há anos que tento e ele não está interessado. O que ides vestir hoje?
Alyx vestiu cuidadosamente um vestido roxo pálido, com aplicações de
pele de coelho tingidas de um roxo-escuro e voluptuoso.
– Ah – disse Stephen, quando a viu –, tamanha beleza no meio de tal
mata. – E pegou-lhe na mão e beijou-a.
Alyx pegou-lhe na mão e examinou os nós dos dedos, que estavam em
carne viva, cortados, ainda por sarar.
– Estás sujeito a perder a mão se voltas a bater no meu marido –
sussurrou ela, com paixão. Stephen pestanejou uma vez antes de se rir.
– E o meu irmão ainda se preocupa com a tua lealdade. Tens de vir
conhecer a minha Bronwyn. Ela vai gostar de ti.
– Ouvi dizer que tens novidades.
O rosto de Stephen endureceu.
– Roger Chatworth encontrou Miles e Elizabeth sozinhos e espetou uma
espada no braço de Miles. Lady Elizabeth regressou a Inglaterra com o
irmão.
– Então, talvez em breve esta briga possa terminar. Roger tem a sua irmã
a salvo. Só falta levar o Rei a perdoar Raine.
– Talvez – disse Stephen. – Agora tenho de ir para casa e ajudar o meu
clã. O meu irmão mais novo está furioso e quer cavalgar sobre Chatworth.
– Vai! – disse ela. – Detém-no.
Stephen beijou-lhe a mão novamente.
– Vou fazer o que puder, e agora sei que deixo Raine em boas mãos. Ele é
um homem teimoso.
Alyx riu-se.
– Na vossa... conversa de ontem, mencionaste, por acaso, Brian
Chatworth? Agora que o Roger feriu Miles, será que Raine se vai vingar em
Brian?
– Não, acho que não. Esta manhã, Raine e Brian falaram durante muito
tempo e acredito que Raine abriu o coração ao rapaz. Não acredito que haja
mais problemas. Na verdade, estão agora no campo de treino. Tenho de ir.
Os meus homens esperam por mim.
– Os teus homens? – perguntou Alyx, surpreendida. – Não vi ninguém.
Presumi que estavas sozinho.
Stephen pareceu satisfeito com isto.
– Há seis MacArran comigo, acampados na floresta, de vigia.
– Mas nós temos vigias. Eles deviam ter vindo para o acampamento, para
o pé das fogueiras e ter comido alguma comida quente. Vão congelar lá
fora.
Stephen deu uma enorme gargalhada com isto.
– Os ingleses são uns tipos macios. Os nossos verões não são tão quentes
como os vossos invernos. Um dia, tens de vir às Terras Altas. Douglas diz
que o teu canto fará chorar os seus irmãos.
Havia tantas perguntas que Alyx queria fazer, mas não tinha ideia por
onde começar. As suas emoções transpareceram no seu rosto.
– Tens de vir – Stephen sorriu, beijou-lhe a face e desapareceu por entre
árvores, com a pequena saia esvoaçando sobre as suas coxas.
O que se seguiu para Alyx foram três dias de relativa paz. Raine parecia
ter criado laços com o aleijado Brian e ficou impressionado com a vontade
de aprender dele.
– O ódio está a corroê-lo – disse Raine, enquanto ele e Alyx se deitavam
na cama. – Pensa que, se treinar o suficiente, será capaz de combater o seu
irmão, mas Roger é formidável. Ele aniquilaria Brian com um só golpe.
– Irmão contra irmão – sussurrou Alyx e estremeceu.
Alyx sentiu pena de Brian, que dormia afastado das pessoas do
acampamento.
– Eu não confio nele – disse Joan. – Fala muito pouco e não se relaciona
com ninguém.
– Brian foi ferido. Vai ultrapassar isso – Alyx defendeu o rapaz.
– Ele está a planear alguma coisa. Tem andado a juntar a lanugem dos
cardos e ontem pagou a um homem para enviar uma mensagem a alguém.
– A quem? – perguntou Alyx, imediatamente preocupada. Talvez Brian
fosse realmente leal ao seu irmão e planeasse levar Roger Chatworth até
Raine, ou pior, a enviar os homens do Rei.
– Não sei a quem foi.
– Temos de dizer a Raine – respondeu Alyx, agarrando o pulso da sua
criada e arrastando-a para o campo de treinos.
– Eu sei da mensagem – disse Raine quando Alyx lhe contou. – Brian
deseja saber como está a sua irmã.
– Tiveste uma resposta?
Raine espetou a espada num alvo.
– A semente do meu irmão mais novo pegou e Lady Elizabeth carrega o
seu filho.
Alyx pensou na adorável Elizabeth… e na sua língua afiada.
– Ela não vai gostar disso. Ela não vai gostar que um homem a leve para a
cama e depois a descarte.
Raine dirigiu-lhe um olhar duro.
– Pareces entender que a culpa é toda do meu irmão. Talvez essa
Elizabeth seja uma mulher traiçoeira e tenha seduzido o meu irmão. Depois,
no fim de terem feito amor, ela deixou-o. Se Chatworth feriu Miles, quer
parecer-me que Miles lutava para manter a mulher.
– Talvez, mas Miles... – E calou-se, ouvindo o som de trombetas à
distância. – O que é que se passa?
Raine virou-se para alguns ex-soldados perto dele.
– Descubram o que se passa.
Em segundos, os homens cavalgavam e entravam para a floresta. Longos
minutos depois, voltaram.
– Roger Chatworth aceita o vosso desafio, meu senhor.
– Raine! – gritou-lhe Alyx.
Depois de um olhar tranquilizador, ele ignorou-a.
– Não lhe lancei nenhum desafio. Talvez Chatworth queira dar o primeiro
passo.
– Não, meu senhor. Ele...
– Fui eu quem enviou o desafio – disse Brian Chatworth por trás deles e
todos eles se viraram. – Eu sabia que o meu irmão não responderia a um
desafio meu, por isso enviei-o em nome de Raine Montgomery.
– Podes simplesmente ir dizer-lhe o que fizeste – pediu Alyx, como se
estivesse a falar com uma criança.
Ao longe, as trombetas tocaram de novo.
– Vai agora – ordenou Alyx – e explica-lhe.
– Alyx – disse Raine, em voz baixa. – Vai para a tenda. Isto não é assunto
para mulheres.
Ela olhou para ele, ainda magoado da sova de Stephen, e o que viu
assustou-a.
– Raine, não podes estar a pensar em aceitar o desafio. Não foste tu que o
enviaste. Tens certamente mais juízo do que...
– Jocelin – ordenou Raine. – Leva Alyx daqui.
Alyx esperou pelo seu marido dentro da tenda, andando para trás e para a
frente, estalando os dedos para Joan até a criada a deixar.
Quando Raine finalmente apareceu e os olhares dos dois se cruzaram,
Alyx arfou.
– Não, Raine – disse ela, abraçando-lhe a cintura. – Não foste tu que
lançaste o desafio.
Ele afastou-a de si, com as mãos nos braços dela.
– Tens de compreender que é uma questão de honra que já vem de há
muito tempo. Quando Chatworth estiver morto, talvez então a minha
família possa voltar a viver em paz. Se eu não o matar agora, ele irá atrás de
Miles por ter engravidado a sua irmã. Ele jura que Miles a tomou à força.
– Deixa Miles lutar contra Chatworth! – gritou Alyx. – Não quero saber.
Deixa todos os teus irmãos lutarem, mas não tu.
– Alyx – disse Raine suavemente. – Percebo que és uma mulher e, mais
ainda, não foste educada com os nossos costumes de honra, mas agora devo
pedir-te que não me insultes mais. Ajuda-me a vestir.
– Ajudar-te! Honra! Como podes falar-me de tais coisas? Que me
interessa a honra quando o homem que amo pode morrer? Lutei longa e
duramente para te manter a salvo, mas agora, por causa de alguns jogos
tolos de um rapaz, tens de pagar o preço. Deixa que Brian lute contra o seu
irmão.
O pescoço de Raine começava a ficar corado.
– Brian não está à altura de Roger Chatworth. E é a família Montgomery
que tem sido insultada. Esqueces-te que a minha irmã morreu por causa do
que Chatworth lhe fez? Não luto por Brian, mas sim por Mary, por Miles e
pela paz futura.
Alyx caiu de joelhos à frente de Raine, enquanto ele se sentava na beira
da cama.
– Por favor, não vás. Se não fores morto, ficarás gravemente ferido.
– Alyx. – Ele quase lhe sorriu enquanto lhe tocava no cabelo. – Talvez
não saibas, mas as propriedades que tenho foram compradas com dinheiro
que ganhei em anos de torneios. Já passei por centenas destes desafios.
– Não – disse ela, sentidamente. – Não como este. O ódio que tu e
Chatworth têm um pelo outro não estava envolvido nesses desafios. Por
favor, Raine.
Ele levantou-se.
– Não vou ouvir mais nada. Agora, vais ajudar-me a armar-me ou tenho
de ir buscar Jocelin?
Ela também se levantou.
– Pedes-me que te ajude a preparar-te para a tua morte? Devo eu ser a
esposa obediente e murmurar palavras suaves sobre honra? Ou deverei falar
de Mary e de como ela morreu e acrescentar combustível ao teu ódio? Se
Mary estivesse viva, quereria ela que lutasses por ela? Não terá sido toda a
sua vida uma tentativa de pacificação?
– Não quero que nos separemos com palavras amargas entre nós. Isto é
algo que eu tenho de fazer.
Ela estava tão zangada que tremia.
– Se nos separarmos agora e fores responder a um desafio que não foi
lançado por ti, então será com palavras zangadas… e serão definitivas.
Os olhos dos dois fixaram-se durante muito tempo.
– Pensa muito bem no que dizes – disse Raine, em voz baixa. – Já
discutimos antes sobre este assunto.
– Raine, não consegues ver como este ódio está a cegar-te? Até Stephen
percebeu como te tinha mudado. Esquece Roger Chatworth. Vai ter com o
Rei, implora o seu perdão e deixa-nos viver, abandonando esta conversa
constante sobre a morte e morrer.
– Eu sou um cavaleiro. Jurei vingar as injustiças.
– Então, faz algo sobre os Cercamentos! – gritou ela. – Eles estão errados.
Mas acaba com esta hedionda rixa com Roger Chatworth. A irmã dele
carrega um Montgomery. Será uma nova vida para Mary. O que mais podes
querer?
Lá fora, soaram as trombetas e o som trespassou Alyx.
– Tenho de me vestir – disse Raine. – Vais ajudar-me?
– Não – disse ela calmamente. – Não posso.
– Assim seja – sussurrou ele. E com um último olhar para ela, Raine
virou-se para a sua armadura.
– Hoje, estás a escolher entre mim e Roger Chatworth – disse ela.
Ele não lhe respondeu, mas manteve-se concentrado na sua armadura.
Alyx deixou a tenda.
– Vai ter com ele, Jocelin – disse ela, uma vez fora da tenda. Virando-se
para Joan, disse: – Anda, temos de fazer as malas. Vou para casa, para a
minha filha.
Alyx queria mesmo estar fora da floresta antes de qualquer luta começar.
Claro que Raine podia ganhar, pensou ela, mas será que aguentaria ficar e
ver pedaços cortados dele? Ela tinha a certeza de que Roger Chatworth
estava tão cheio de ódio quanto Raine.
Passaram duas horas antes de ouvir os primeiros sons de aço contra aço,
que ecoavam pela floresta. Lentamente, largou o vestido que estava a
dobrar e deixou a tenda. O que quer que ele fizesse, com quem tivesse
lutado, não importando a razão, ele pertencia-lhe.
Ela estava quase a chegar à clareira onde os homens lutavam, quando
Joan a parou.
– Não olheis – disse Joan. – Chatworth é impiedoso.
Alyx olhou fixamente para a sua criada e, depois, começou a avançar.
– Joss – gritou Joan. – Detém-na.
Jocelin agarrou os braços de Alyx e segurou-a ali.
– É um massacre – disse ele, olhando-a nos olhos. – Talvez o ódio de
Roger seja maior e isso lhe tenha dado mais força. Mas seja qual for a
razão, Raine está a perder por muito.
Alyx tentou libertar-se de Joss.
– Raine é meu, tanto na morte como vivo. Solta-me!
Com um olhar para Joan, Jocelin libertou-a.
Nada poderia ter preparado Alyx para a visão à sua frente. Dois homens
lutavam a pé e a armadura de Raine estava tão coberta de sangue que os
leopardos dourados dos Montgomery praticamente não se viam. O seu
braço esquerdo parecia estar pendurado por um fio, mas ele continuou a
lutar, balançando corajosamente com o direito. Roger Chatworth parecia
estar a brincar com o homem enfraquecido e ensanguentado, enquanto
andava à sua volta, provocando-o.
– Ele está a morrer – disse Alyx. Raine sempre acreditara tanto na honra,
mas agora, morrer assim, como um animal numa jaula, à mercê dos
tormentos de Chatworth.
Começou a avançar, mas Joss apanhou-a.
– Raine! – gritou ela.
Roger Chatworth virou-se para ela, olhou-a, embora o seu rosto não
pudesse ser visto por baixo do elmo. Como se compreendesse o seu
desespero, virou-se de novo e enterrou o seu machado ao fundo das costas
de Raine.
Raine hesitou por um momento e, depois, caiu para a frente, de cara para
baixo, com Roger em silêncio sobre ele.
Imediatamente, Alyx afastou-se de Joss e correu para a frente.
Lentamente, ajoelhou-se ao lado do corpo mutilado de Raine e puxou a sua
cabeça para o colo dela. Não houve lágrimas, apenas um profundo
entorpecimento, uma sensação de que o seu sangue também se estava a
derramar no chão.
Com grande reverência, ela levantou-lhe a cabeça e retirou-lhe o elmo.
O suspiro que ela soltou ao ver a cara saída do elmo fez Roger Chatworth
voltar para trás. Após um longo momento de incredulidade, ele lançou a
cabeça para trás e soltou um grito horrível – um grito muito semelhante ao
que Raine tinha dado quando soube da morte de Mary.
– Uma vida por outra – sussurrou Brian no colo de Alyx. – Agora, Mary
pode descansar.
Com uma mão trémula, Alyx tocou a face suada de Brian, observando-o
enquanto ele dava o seu último suspiro e morreu nos braços dela.
– Deixa-o – disse Roger, enquanto se curvava e pegava no corpo do irmão
nos seus braços. – Ele agora é meu.
Alyx ficou de pé com o seu vestido encharcado de sangue e viu Roger
carregar Brian na direção dos homens e cavalos Chatworth à sua espera.
– Alyx – disse Joss ao seu lado. – Não compreendo. Porque é que
Chatworth está a levar o corpo de Raine?
O corpo dela tremia tanto que mal conseguia falar.
– Brian estava a usar a armadura de Raine e Roger matou o seu jovem
irmão.
– Mas como...? – começou Joss.
Joan pegou num bocado de lanugem de cardo, com as extremidades
encharcadas em sangue.
– Ele deve ter planeado isto durante muito tempo. Sem dúvida que usou a
lanugem para forrar a cota de malha de modo a que a armadura de Lorde
Raine lhe servisse.
Alyx virou-se para eles com os olhos arregalados.
– Onde está Raine? Ele não permitiria facilmente que Brian levasse a
armadura dele.
Levaram algum tempo a encontrar Raine, deitado, com os enchimentos de
couro vestidos, profundamente adormecido debaixo de uma árvore. Joan
riu-se quando o viu, mas Alyx não. A posição anormal do corpo de Raine
alarmou-a.
– Veneno! – Alyx gritou e correu para o marido. O calor emanado dele
mostrou que não estava morto, mas podia estar, já que não tinha dado
atenção nenhuma ao que Alyx lhe dera.
– Vai buscar Rosamund imediatamente – ordenou Jocelin a Joan.
Alyx começou a esbofetear a face de Raine quando a sua voz não o
despertou.
– Ajuda-me a pô-lo de pé.
Foi preciso toda a força de Joss e de Alyx para levantar o corpo inerte de
Raine, mas, mesmo assim, ele continuava a dormir.
Rosamund apareceu a correr e, depois de olhar rapidamente para Raine,
olhou para Joss com medo nos olhos.
– Esperava estar enganada. O meu ópio foi roubado há dois dias e eu
esperava que o ladrão soubesse como usá-lo.
– Ópio? – perguntou Alyx. – Isso não é uma droga para dormir? A minha
cunhada tomou isso.
– É bastante comum – respondeu Rosamund –, mas o que a maioria das
pessoas não sabe é que, se for tomado em excesso, a vítima poderá dormir
até à morte.
Os olhos de Alyx abriram-se em alarme.
– Não achas que Brian Chatworth deu muito a Raine, pois não?
– Um dedal é demasiado. Temos de assumir que Lorde Raine tomou
demasiado. Anda, há muito, muito trabalho a ser feito.
Foi preciso um dia inteiro para limpar o sistema de Raine. Rosamund
deu-lhe misturas de sabor horrível que o fizeram vomitar, esvaziando as
suas entranhas. E, de forma constante, os homens revezaram-se para
caminhar com ele.
– Dormir, deixem-me dormir – era tudo o que Raine murmurava, de olhos
fechados e arrastando os pés.
Alyx não permitia que ninguém parasse de caminhar com ele, nem o
deixava fugir aos líquidos que lhe eram forçados pela garganta abaixo.
Após muitas horas, ele começou a recuperar o controlo dos seus pés e
caminhou um pouco por sua própria vontade. O seu corpo estava vazio de
toda a matéria sólida e Rosamund começou a obrigá-lo a beber baldes
cheios de água, na esperança de o limpar ainda mais. Raine estava a acordar
o suficiente para protestar mais alto.
– Não me abandonaste – disse uma vez a Alyx.
– Devia, mas não te abandonei – retorquiu ela. – Bebe!
Ao meio-dia do segundo dia, Rosamund por fim deixou Raine dormir e,
finalmente, ela e Jocelin também descansaram. Cansada para lá do
imaginável, Alyx foi ter com cada uma das pessoas do campo e agradeceu-
lhes pessoalmente por a terem ajudado com Raine.
– Devíeis ir dormir também – disse-lhe uma voz rouca, e Alyx
reconheceu um dos homens que a tinha acusado de roubar. – Não queremos
salvar um de vós só para perder o outro.
Ela sorriu-lhe com tanta gratidão que ele corou e olhou para o lado. Ainda
sorridente, ela cambaleou para a tenda de Raine e adormeceu ao seu lado.
Alyx ficou com Raine por mais uma semana… até que ele a encontrou a
segurar o bebé de uma mulher e a chorar silenciosamente.
– Tens de voltar para casa de Gavin – disse-lhe Raine.
– Não te posso deixar.
Ele franziu o sobrolho.
– Já percebeste que a tua presença aqui não vai impedir o que vai
acontecer. Chatworth vai enterrar o irmão e, então, veremos o que
acontecerá. Vai para casa e vê como está a nossa filha.
– Talvez lhe faça uma visita – disse ela, com os olhos a iluminarem-se. –
Talvez só por uma semana ou assim, depois voltarei para ti.
– Acho que não posso viver muito tempo sem ti. Vai agora e diz a Joan
para fazer as tuas malas. Poderás ver a nossa Catherine dentro de três dias.
A gratidão de Alyx e a alegria de pensar em voltar a ver a sua filha
fizeram-na saltar para os braços de Raine. E os seus beijos depressa os
levaram para outro lugar. Antes que qualquer um deles se apercebesse do
que estava a acontecer, encontravam-se a rolar no chão em cima de um
tapete sarraceno e a atirar peças de roupa para todo o lado.
Alegremente, fizeram amor e Raine ficou contente por ver tanta
felicidade nos olhos da sua mulher. Mais tarde, segurou-a junto a si.
– Alyx, significou muito para mim que tivesses ficado durante a luta com
Chatworth. Quer o admitas ou não, tens um elevado sentido de honra; não a
honra em que acredito, mas a tua própria estirpe especial. No entanto,
esqueceste-a pelo teu amor por mim. Agradeço-te por isso.
Ele sorriu quando sentiu as lágrimas dela a molhar-lhe a camisa.
– Vais ver a nossa filha e, ainda assim, tudo o que recebo são lágrimas.
– Serei eu egoísta por querer tudo? Quero que vejas a nossa filha, que nós
os três fiquemos juntos.
– Irei em breve. Agora dá-me um sorriso. Queres que eu me lembre de ti
em lágrimas ou de ti e do teu sorriso travesso?
Ela sorriu e Raine beijou-a.
– Anda, vamos começar a preparar-te.
Alyx continuava a dizer a si própria que a separação duraria apenas um
mês ou assim, mas tinha uma sensação de maior permanência, como se
nunca mais voltasse ao acampamento da floresta. As pessoas pareciam
pensar a mesma coisa.
– Para a sua bebé – disse um homem, enquanto lhe entregava um
brinquedo feito de um pedaço de carvalho verde. Havia mais presentes,
todos caseiros, todos simples, e cada um deles fez nascer lágrimas nos seus
olhos.
– Ficastes acordada com a minha bebé quando ela estava doente – disse
uma mulher.
– E enterrastes a minha – disse outra.
Quando chegou a altura de partir, Raine ficou em silêncio atrás de Alyx,
com a mão no seu ombro, e irradiava o seu orgulho por ela.
– Não te afastes muito tempo – sussurrou ele, dando-lhe um último beijo
antes de a instalar no seu cavalo.
Alyx saiu a cavalgar, com a cabeça virada por cima do ombro, vendo
todas as pessoas a acenar-lhe até as árvores as esconderem.
Capítulo Vinte e Dois
DURANTE DUAS semanas inteiras, Alyx andou contente, a brincar com a sua
filha, a compor canções de embalar para o filho de Judith e para Catherine.
Enviou longas e radiantes mensagens a Raine, descrevendo as perfeições da
filha deles e pacotes de medicamentos para Rosamund. Um mensageiro
regressou com notícias do acampamento, dizendo que Blanche tinha sido
apanhada a roubar e fora banida da floresta. Alyx não sentiu qualquer
alegria com a novidade.
Após duas semanas de felicidade, ela começou a sentir saudades de Raine
e deixou o berçário das crianças à procura da sua família.
– Tinha ouvido dizer que estavas novamente connosco – brincou Gavin –,
mas não tinha a certeza. Anda e junta-te a nós. Judith está com o falcoeiro e
eu estava prestes a juntar-me a ela.
– Achas que o Rei vai gostar deste falcão, Simon? – perguntou Judith ao
velho falcoeiro grisalho.
– Sim, minha senhora. Não há melhor na terra.
Judith segurava o grande pássaro encapuzado na ponta do seu braço
enluvado, estudando o falcão e franzindo as sobrancelhas.
– Estás a planear dar um presente ao Rei? – perguntou Alyx.
– Vou tentar tudo – disse Judith com veemência. – Desde a morte de
Brian Chatworth e da gravidez de Elizabeth que o Rei despreza o nome
Montgomery.
– E agora, desde a morte da Rainha... – começou Gavin.
– A Rainha Elizabeth morreu! – exclamou Alyx em voz alta, e o falcão
agitou as suas grandes asas até que Judith o acalmou. – Desculpa – disse.
Ela não sabia nada sobre falcões e falcoaria. – Não tinha ouvido dizer que a
Rainha tinha morrido.
– O Rei perdeu o filho mais velho e a sua mulher em menos de um ano e
a família da viúva do filho ameaça levar o seu dote de volta. O homem
agora pouco mais faz além de maturar. Em tempos, poderia ter ido ter com
ele e falar-lhe.
– E o que lhe perguntarias? – questionou ela, com esperança na sua voz.
– Quero que esta rixa termine – disse Gavin. – Houve uma vida tirada aos
Montgomery e outra aos Chatworth. Talvez, se eu pudesse falar com o Rei,
conseguisse persuadi-lo a perdoar Raine.
– E Miles? – perguntou Alyx. – Ele usou entusiasticamente Elizabeth
Chatworth. Não creio que o irmão dela lhe perdoe isso.
Gavin e Judith trocaram olhares e Judith falou.
– Trocámos correspondência com Miles e, se o Rei der permissão, ele
está disposto a casar com Elizabeth.
– E claro que Roger Chatworth acolherá de braços abertos um
Montgomery na sua família – sorriu Alyx. – Então! Vais usar o presente do
falcão para persuadir o Rei. Será que ele gosta de falcoaria?
Mais uma vez, Gavin e Judith trocaram olhares.
– Alyx – começou Gavin –, temos estado à espera para falar contigo.
Sabíamos que querias passar algum tempo com Catherine, mas agora não
há mais tempo a perder.
Por alguma razão, Alyx começou a sentir uma sensação de pavor.
Absurda, claro, mas ainda assim, pequenos arrepios de frio percorreram-lhe
a espinha.
– Sobre o que queres falar comigo?
– Vamos entrar – disse Judith, entregando o falcão a Simon.
Mal o velhote entrou na falcoaria de pedra, Alyx manteve-se firme onde
estava.
– Diz-me o que devo saber – disse ela, sem rodeios.
– Gavin! – exclamou Judith. – Deixa-me dizer-lhe. Alyx, o Rei não se
importa particularmente com a falcoaria. Neste momento, ele não quer
saber de mais nada ou de ninguém, exceto uma coisa. – E fez uma pausa. –
Música – disse Judith, calmamente.
Alyx parou um momento, a olhá-la fixamente.
– Queres que vá ter com o rei de Inglaterra, que lhe cante uma canção e,
enquanto lá estiver, imploro-lhe casualmente que perdoe o meu marido e
que dê a mão de uma herdeira rica ao seu inimigo jurado? – E sorriu. –
Nunca disse que era mágica.
– Alyx, tu consegues fazê-lo – encorajou Judith. – Ninguém no país tem
uma voz ou talento como tu. Ele vai oferecer-te metade do seu reino, se
conseguires que ele se abstraia durante uma hora ou assim.
– O Rei? – cuspiu Alyx. – Que me importa o Rei? Eu adoraria tocar e
cantar para ele. A minha preocupação é Raine. Ele passou um ano a tentar
fazer-me compreender o seu sentido de honra, e agora percebo-o… pelo
menos até ao ponto de saber que ele não me agradeceria por implorar o seu
perdão perante o Rei.
– Mas se conseguisses obter o perdão de Raine… – argumentou Judith.
Alyx virou-se para Gavin.
– Se estivesses no lugar de Raine, quererias que Judith fosse por ti ao Rei
ou preferias travar as tuas próprias batalhas?
O rosto de Gavin tornou-se sério.
– Não seria fácil para mim engolir uma tal humilhação.
– Humilhação! – exclamou Judith. – Se Raine ficasse livre, poderia voltar
para casa, e nós poderíamos voltar a ser uma família.
– E o nosso conflito passaria a ser interno – disse Gavin. – Consigo
perceber o ponto de vista de Alyx. Acho que ela não devia ir contra o
marido. Travaremos as nossas próprias batalhas e vamos manter o Rei fora
disto.
Judith parecia querer responder, mas, ao olhar para Gavin e Alyx, ficou
calada.
Mas o que fez Alyx mudar de ideias foi a raiva crescente de Roger
Chatworth. Gavin enviara espiões e eles voltaram com a notícia de que
Roger desejava a morte tanto de Miles como de Raine, para vingar o seu
jovem irmão e a perda da virtude da sua irmã.
– Raine não tem homens para lutar contra Chatworth – disse Alyx. – E irá
Miles aguentar-se contra um guerreiro experiente como Roger?
– Ele tem o apoio de todas as forças Montgomery – disse Gavin,
calmamente.
– Estás a falar em guerra! – gritou ela. – Uma guerra privada que vos
levará a todos a perder as vossas terras e o Rei... – Ela parou. Tudo parecia
ter voltado ao Rei.
Com lágrimas nos olhos, Alyx fugiu da sala. Seria ela a única que poderia
evitar uma guerra privada? Uma vez, tinha dito a Jocelin que faria tudo para
manter Raine vivo, que preferia vê-lo com outra mulher do que morto. No
entanto, ele tinha ficado ferozmente zangado quando ela fez o que sentira
que tinha de fazer. Raine não queria que ela interferisse na sua vida e,
especialmente, no que ele considerava ser a sua honra.
E se ela se calasse agora, não tentasse obter um perdão do Rei e houvesse
uma guerra? Ficaria ela feliz por saber que Raine morrera com a sua honra
intacta? Ou amaldiçoar-se-ia para toda a eternidade por não ter tentado pelo
menos evitar as batalhas?
Com uma dignidade serena, Alyx levantou-se, alisou o vestido e desceu
para o salão de inverno, onde Judith e Gavin estavam sentados a jogar
damas.
– Irei ter com o Rei – disse Alyx, calmamente. – Cantarei com todas as
minhas forças e pedirei, suplicarei, implorarei, o que quer que tenha de
fazer, para que ele perdoe Raine e organize o casamento de Elizabeth e
Miles.
*
Alyx estava à porta dos aposentos do Rei e o seu corpo tremia tanto que
receava que o seu vestido caísse. O que estava ela, uma filha de um
advogado vulgar, a fazer aqui?
Um grito de dentro da câmara e um som de algo a partir fez com que ela
arquejasse. Passado um momento, um homem magro saiu da sala em bicos
de pés, com uma marca vermelha na face e uma flauta na mão.
Ele dirigiu a Alyx um olhar insolente.
– Ele está de mau humor hoje. Espero que haja mais em vós do que
aparentais.
Alyx esticou ao máximo a sua pequena altura e olhou para ele.
– Talvez seja a música que ele não ouviu hoje que o tenha posto de mau
humor.
O homem grunhiu e deixou-a em paz.
Alyx ajustou novamente o seu vestido, uma mistura maravilhosa de
veludo verde-escuro com mangas e saia debruada, tão fortemente bordada
com fio dourado que o tecido ficava rígido. O vestido tinha sido desenhado
por Judith e o bordado era um arranjo esmerado de centauros e fadas a tocar
muitos instrumentos musicais.
– Para dar sorte – tinha dito Judith.
– Entrai e aguardai – disse um homem de capa escura, apenas com a
cabeça de fora da porta. – Sua Majestade irá ouvir-vos dentro de momentos.
Alyx pegou na sua cítola, um instrumento magnífico de pau-rosa e
marfim incrustado, e seguiu o homem.
A câmara do Rei era uma grande sala revestida de painéis de carvalho,
ricamente decorados, mas não era certamente melhor do que os salões do
castelo Montgomery. Isto surpreendeu Alyx. Talvez estivesse à espera de
que os salões do Rei fossem revestidos a ouro.
Ela tomou o lugar para o qual o homem apontou e observou. O Rei estava
sentado numa cadeira com uma almofada vermelha e Alyx não teria
percebido que ele era o Rei não fosse, ocasionalmente, alguém curvar-se
diante dele. Era um homem alto, sombrio e cansado, e quando bebeu de
uma taça de prata, ela viu que ele tinha poucos dentes e que estes eram
negros. O Rei franziu o sobrolho ao cantor diante dele, e o nervosismo do
jovem era visível em cada palavra que cantava. O ar estava carregado de
tensão enquanto o músico tentava agradá-lo.
Com a grande sala a ecoar e com toda a gente tão formal, não era de
admirar que ele estivesse descontente, pensou Alyx. Nenhuma das músicas
o fez esquecer por um momento a sua tristeza. «Se fosse eu a mandar,
juntava os músicos e desafiava-os com alguma música nova. Quando eles
se estivessem a divertir, o Rei teria prazer.»
Alyx ficou sentada quieta por mais um momento. Naquele dia, havia onze
músicos a fazer uma audição para o Rei. Ultimamente, ficava sozinho nos
seus aposentos, recusando-se mesmo a assistir ao funeral da Rainha. Alyx
tivera de esperar uma semana por esta oportunidade de tocar e cantar para
ele. E iria ela tremer perante ele, como os outros estavam a fazer?
«Pensa em Raine», disse ela para si mesma. «Pensa em todos os
Montgomery.»
Alyx respirou fundo e levantou-se, fazendo uma oração silenciosa de
esperança, e depois deixou a sua voz tomar o controlo.
– Ouça lá! – disse ela em voz alta ao cantor. – Vai pôr-nos todos a chorar.
O que precisamos é de risos e não de mais lágrimas.
Alguém lhe pôs uma mão de advertência no braço, mas Alyx olhou
diretamente para o rei Henrique.
– Com a vossa permissão, Majestade. – Fez-lhe uma vénia e o Rei
devolveu-lhe um gesto desinteressado.
O coração de Alyx batia descompassadamente, por causa dos nervos.
Agora, só precisava de conseguir que os músicos cooperassem.
– Sabeis tocar cravo? – perguntou ela a um homem que lhe dirigiu um
olhar hostil.
– Espere a sua vez – sibilou ele.
– Tenho mais a perder do que vós. Talvez juntos possamos fazer alguma
magia. E inclinou a cabeça. – Ou será o vosso talento demasiado limitado?
O homem, depois de um olhar pensativo, dirigiu-se para o cravo.
Como se fossem todos os meninos de coro que ela tinha ensinado em
Moreton, começou a ordenar os homens, entregando-lhes diferentes
instrumentos que havia na sala.
Uma vez sentados ou de pé, ela rodopiou por entre eles, dando melodia
aqui e ritmo ali. Quando ia a meio, começou a cantar e dois dos músicos
foram imediatamente conquistados para o seu lado. Rindo, pegaram na
melodia e acompanharam-na.
Parecia-lhe que tudo estava a demorar tanto tempo e ela só sentiu
encorajamento quando o homem do cravo acrescentou a sua voz à dela. O
homem da harpa apanhou a melodia e mostrou o seu talento com aquelas
cordas celestiais.
Alyx tinha escolhido uma canção antiga, esperando que todos a
conhecessem, mas talvez tivesse sido a sua interpretação da mesma que os
tivesse embaraçado. O homem a quem ela tinha dado uma pandeireta
mudou para um tamborim escondido num canto sombrio e o som começou
a fazer vibrar o chão.
Finalmente, todos pareciam ter apanhado a canção e Alyx atreveu-se a
virar-se e a olhar para o Rei. O seu rosto estava impassível e silencioso, mas
os homens atrás dele pareciam espantados. Pelo menos, ela sabia agora que
o que estava a fazer não era uma ocorrência diária.
Eles repetiram três refrões da canção e Alyx iniciou-os em algo novo,
música de igreja desta vez, e, quando terminou, saltou para uma canção
popular.
Havia passado uma hora desde que ela tinha começado e acalmado os
músicos. Desta vez, ela cantava sozinha. Uma vez, há quatro anos atrás,
uma cantora viera a Moreton e os aldeões tinham dito que, finalmente, Alyx
tinha tido alguma competição à altura. Alyx, com medo de parecer mal,
ficou acordada toda a noite e compôs uma canção que seria difícil até para
ela cantar, uma canção que cobria toda a gama das suas capacidades. No dia
seguinte, cantou a canção e a visitante, uma mulher mais velha, olhara para
Alyx com lágrimas nos olhos, beijando-a em ambas as faces, dizendo-lhe
que devia dar graças todos os dias pelo dom que Deus lhe tinha concedido.
Agora, Alyx planeava cantar essa canção. Ela detestava-a desde que a
escrevera porque, na verdade, a mulher a quem pretendia humilhar tinha-a
humilhado a ela. Mas agora, ela precisava de fazer o que fosse preciso para
cair nas boas graças do Rei.
A canção mostrava as notas mais altas e mais baixas que a voz de Alyx
podia atingir, bem como a suavidade controlada e o seu volume
extraordinário. Ela ia concentrando o poder total da sua voz, lenta e
suavemente, e quando parecia não poder ir mais longe, colocava tudo numa
só nota e aguentava-a – e aguentava-a até haver lágrimas nos seus olhos e
os seus pulmões ficarem secos.
Quando terminou, fez uma vénia pronunciada e sentiu-se um silêncio
total e absoluto à sua volta, com o som da última nota de Alyx ainda a
reverberar das paredes, rodopiando sobre as pessoas como luzes azuis e
amarelas.
– Vem cá, minha filha – o Rei quebrou o silêncio. Alyx foi ter com ele e
beijou-lhe a mão, mantendo a cabeça curvada.
O Rei inclinou-se para a frente e levantou-lhe o queixo.
– Então, és a mais recente mulher Montgomery. – E sorriu com o olhar
assustado dela. – Eu tento acompanhar o que acontece no meu reino. E acho
que os homens Montgomery casam com as mulheres mais divertidas. Mas
isto... – E gesticulou para os músicos espalhados pela sala – ... isto vale um
resgate de rei.
– Fico muito contente por vos poder agradar, Vossa Majestade –
sussurrou Alyx.
Ele esboçou a primeira indicação de um sorriso.
– Fizeste mais do que isso. E agora, o que pedes em troca? Obviamente,
não deixaste a casa de Gavin sem motivo.
Alyx tentou reunir a sua coragem.
– Eu gostaria de acabar com a rixa entre os Montgomery e os Chatworth.
Proponho um laço de sangue entre eles, o casamento de Miles com Lady
Elizabeth Chatworth.
O rei Henrique franziu o sobrolho.
– Miles é um criminoso de acordo com a Lei de mil quatrocentos e
noventa e cinco. Ele raptou Lady Elizabeth.
– Não é verdade! – gritou Alyx à sua maneira habitual. – Perdoai-me,
Vossa Majestade. – E caiu de joelhos perante ele. – Miles não a raptou, mas
foi por minha causa que Lady Elizabeth sofreu.
– Tu! Vai buscar um banco – ordenou o rei Henrique e, quando Alyx
estava sentada, disse: – Agora, conta-me toda a história.
Alyx contou-lhe de Pagnell, de ele a acusar de usar a sua voz para o
seduzir, de se esconder na floresta, de se apaixonar por Raine. Ela observou
os olhos do Rei, percebeu que ele estava interessado na sua história e
continuou a contar a sua captura por Pagnell e o rapto de Elizabeth.
– Dizes que ele pretendia enrolá-la num tapete e entregá-la a Lorde
Miles? – perguntou o rei Henrique.
Ela inclinou-se para a frente.
– Por favor, Vossa Majestade, não repita isto, mas ouvi dizer que ela foi
entregue sem um farrapinho e que atacou Lorde Miles com um machado. É
claro que a história pode estar errada.
O Rei fez um som muito parecido com uma gargalhada.
– Continua com a tua história.
Alyx contou-lhe do julgamento por bruxaria, como os homens a tinham
usado para atrair Raine para o seu salvamento.
– E ele salvou-te no último momento?
– Um pouco depois do último momento. O fumo era tanto que perdi a
minha voz durante dias.
O Rei segurou-lhe na mão.
– Isso – disse ele, com grande gravidade – foi uma tragédia. E o que
aconteceu depois deste magnífico salvamento?
A voz dela mudou ao falar da filha e do seu regresso à floresta e ter
conhecido Brian Chatworth. Ela referiu a forma como Brian se tinha
vestido com a armadura de Raine e como Raine quase tinha morrido devido
ao ópio.
– Então, agora, gostarias que Lorde Miles casasse com Lady Elizabeth.
– E...
– Sim? – encorajou ele.
– Por favor, perdoai Raine – disse ela. – Ele é tão boa pessoa. Não está a
tentar juntar nenhum exército contra vós. As pessoas do acampamento são
fora da lei e desempregados. Raine apenas os treina para dar aos criminosos
algo para fazer e para evitar que os outros morram de melancolia.
– Melancolia – suspirou o Rei. – Sim, eu conheço essa doença. Mas o que
dizer de Lady Elizabeth? Estará ela disposta a casar com Lorde Miles?
– Ela é inteligente e, sem dúvida, perceberá o sentido do casamento e, se
Miles é como os seus irmãos, como poderia ela recusá-lo?
– Um dia, gostaria de aprender o segredo dos homens Montgomery e a
lealdade que conseguem inspirar. Se Lady Elizabeth estiver disposta,
permitirei o casamento, e, se não for por outra razão, que seja para dar um
nome à criança.
– E Raine?
– Para isso vais ter de trabalhar. Que me dizes a passar uma semana aqui
comigo e a cantar para mim noite e dia?
– Dedicarei a minha vida ao vosso entretenimento, se isso salvar o meu
marido – declarou Alyx, ferozmente.
– Não, não me tentes, filha, já tenho problemas suficientes. Agora, vai
cantar e eu mandarei preparar os papéis. – E acenou a um dos homens atrás
de si que, rapidamente, saiu da sala.
Alyx cantou durante o resto do dia, até a sua garganta doer. Só depois de
o Sol se ter posto há muito tempo é que o Rei adormeceu na sua cadeira.
– Ide descansar agora – disse um dos serviçais do Rei. – Lorde Gavin
espera por vós lá fora e mostrar-vos-á os vossos aposentos. Tenho a certeza
de que Sua Majestade vos chamará de manhã cedo.
Assim que Alyx viu Gavin, o cansaço abandonou-a. Rindo de orelha a
orelha, ela atirou-se para os seus braços.
– Ele concordou! Ele concordou! – grasnou ela.
Gavin segurou-a com força, rodopiando-a.
– Vamos contar a Judith e fazer algo a respeito da tua voz. Além disso,
estamos prestes a dar origem a alguns mexericos feios.
Alyx endireitou-se assim que Gavin a libertou e, formalmente,
acompanhou-o através de longos corredores arejados, com tapeçarias
profusamente coloridas penduradas, até aos aposentos para eles reservados.
Bebeu a mistura de mel que Judith lhe preparou e ficou à espera – uma
espera que demorou dias. O rei Henrique manteve Alyx constantemente ao
seu lado e, como um cão treinado, mostrou-a ao seu filho Henrique e à
viúva do falecido filho, Catarina. Alyx estava no meio dos mexericos da
corte, ouvindo que o próprio Rei planeava casar com a jovem princesa.
Gostou muito do grande e bem-parecido príncipe Henrique, com doze anos.
Se alguma vez alguém parecera ser um Rei, era ele.
Em vez da semana que o rei Henrique tinha pedido, Alyx permaneceu na
corte durante duas semanas antes dos documentos para o perdão de Raine e
uma ordem para o casamento de Miles e Elizabeth terem sido redigidos.
Tanto Gavin como Judith estavam satisfeitos por deixarem a corte, mas
Alyx estava muito preocupada por ver Raine novamente. Qual seria a sua
reação à interferência dela?
Levou dias a embalar todos os seus pertences que tinham sido precisos na
corte e mais uns dias para regressar ao castelo Montgomery. Com o coração
palpitante, Alyx desmontou e esperou, desejando que Raine lá estivesse.
Não estava, mas havia mensagens à espera deles. Roger Chatworth tinha
recusado libertar Elizabeth, mas Miles escrevera, dizendo que a encontrara.
Gavin resmungou por causa daquilo, lamentando o desrespeito do seu irmão
mais novo pela lei. Tinham-se casado não muito longe da propriedade de
Chatworth e, imediatamente após a cerimónia, Elizabeth tinha regressado
para junto do seu irmão. Isto intrigou-os, mas Miles não deu qualquer tipo
de explicação.
Passou-se uma semana e não houve notícias de Raine. No final da
segunda semana, Gavin enviou mensageiros para a floresta, mas os homens
voltaram, dizendo que não tinham sido saudados pelos vigias como
habitualmente, mas que tinham vagueado durante dois dias, não
encontrando ninguém.
No dia seguinte, Gavin e os seus homens saíram a cavalo e só voltaram
uma semana depois.
– Raine está agora nas suas próprias terras – relatou Gavin. – E levou
consigo as pessoas que estavam com ele na floresta. Deve ter cinco
rendeiros em cada campo e insiste em pagar-lhes. Ele próprio será um
mendigo dentro de três anos.
– Gavin... – começou Alyx.
Gavin tocou-lhe na face.
– Ele está zangado, mas vai ultrapassar isso.
Silenciosamente, Alyx deixou a sala, com Gavin e Judith a observá-la.
– Diz-me a verdade – exigiu Judith.
– Maldito seja aquele meu irmão! – gritou Gavin, batendo com o punho
em cima da mesa. – Raine diz que Alyx o insultou pela última vez, que já
não aguenta mais. Diz que a avisou repetidamente, mas ela não lhe dá
ouvidos, e ele sabe que ela nunca o fará.
– Talvez Stephen possa falar com ele... – começou Judith.
– Stephen tentou, mas ele não quis ouvir. Passa o tempo dele todo com
aqueles criminosos… – Gavin parou e riu-se. – E aconteceu algo mais
estranho. Alyx está sempre a queixar-se de que deve tanto àquelas pessoas
na floresta e que nunca poderá pagar-lhes. Há um cantor com o bando,
Jocelin, creio que viajou com Alyx, e este Jocelin conheceu um homem que
esteve na câmara no dia em que a Alyx atuou pela primeira vez para o Rei.
Não tenho a certeza do que aconteceu nesse dia, mas, segundo a
testemunha, Alyx foi magnífica e uma das coisas que pediu foi segurança
para as pessoas ao cuidado de Raine.
– Não me lembro de Alyx ter dito alguma coisa sobre isso.
– Acho que ela não o fez… pelo menos diretamente. Mas mencionou que,
mais tarde, contou ao Rei histórias sobre a sua vida na floresta. Ouvi dizer
que o rei Henrique, uma vez, lhe pediu para se vestir como um rapaz para
comprovar que ela o tinha realmente feito.
– Achas que Alyx contou ao rei Henrique como algumas das pessoas
tinham sido injustamente tratadas?
Gavin sorriu.
– Por vezes, Alyx é tão inocente. Com o seu passado, duvido que ela
tenha alguma ideia do poder que detém. Já houve homens que mataram para
terem a atenção do Rei durante tanto tempo, como ela o fez todos os dias.
Se ela tivesse algum inimigo, poderia tê-lo enviado para a forca.
Judith dirigiu ao seu marido um olhar especulativo.
– Ou poderia ter salvado várias centenas de pessoas. Por acaso, foram
concedidos mais perdões?
Gavin sorriu.
– Raine foi autorizado a perdoar quem entendesse que o merecia. De
acordo com Jocelin, Alyx cantou canções sobre a lealdade e honra de Raine
até que o rei Henrique estivesse pronto para o declarar um santo. Ela
orientou a história até parecer que Raine estava a fazer um favor ao Rei
quando atacou Chatworth.
– Rapariga esperta! Ela consegue tanta coisa com aquela voz dela. As
pessoas sabem que foi ela quem obteve os seus perdões?
– Este homem, Jocelin, certificou-se de que eles sabiam. Quando se trata
de cantar elogios, ele é da mesma estirpe de Alyx. Todos eles enviaram
saudações a Alyx e disseram que desejavam que estivesse bem. A maioria
deles é tão má como os escoceses de Stephen… o mundo está a perder o
respeito pelos seus melhores.
Judith riu-se.
– Temos de falar à Alyx sobre o bem que ela fez e, agora, vamos começar
a trabalhar na situação de Raine. Ele tem de perceber que Alyx não o
insultou indo ter com o Rei.
– Espero que o consigas convencer disso.
– Também rezo por isso.
Capítulo Vinte e Três