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O Dom da História

Há muito tempo, em algum lugar do mundo, no furor da guerra, por três vezes, três
exércitos diferentes investiram contra uma pequena fazenda. E durante o inverno, três
dias antes do natal, no momento em que a guerra ia terminar, chegou mais um exército.
Este levou os que restaram na fronteira e os deixou aí, despojados dos seus sapatos e
dos seus casacos.
Como por milagre uma das velhas mulheres conseguiu se esconder na floresta.
Aterrorizada, abatida, ela errou horas por entre as árvores, se esforçando passo a passo
para parecer tão negra como um tronco e tão branca como a neve. A noite encobria tudo
em volta. Ele acabou por chegar a uma cabana de caçadores. Pensando que estivesse
vazia, aliviada, ela entrou e desabou no chão. Ela precisou de alguns instantes para
perceber que não estava só.

Na penumbra, tinha alguém, um homem, um homem muito velho, com uma expressão
de terror nos olhos. No entanto, desde o primeiro olhar ela soube que não era um
inimigo e ele, com um pouco de atraso, percebeu que ela também não era sua inimiga.

Ao contrário, todos os dois tinham um ar mais estranho do que assustador. Ela estava
vestida com calças de homem muito curtas, com um paletó no qual faltava uma manga e
no lugar do chapéu, um avental enrolado na cabeça. E ele tinha orelhas pontudas assim,
e seus cabelos se resumiam a dois tufos brancos. Sobre suas pernas, finas como galhos,
suas calças pareciam verdadeiros balões. Seu cinto dava duas voltas na sua cintura.
Eles estavam lá, um e o outro, dois estrangeiros que estavam atentos, ao menor barulho
feito por um passo na neve; duas almas prontas para fugir, a qualquer instante. E era
muito triste, nesta noite maravilhosa onde em qualquer lugar do mundo cada um deveria
celebrar a sua maneira o período das festas. Percebia-se no velho homem, uma cultura
que a velha mulher estava longe de possuir. Ela ficou menos triste, ele disse:
“Eu vou lhe contar uma história para fazer o tempo passar.”
E ele contou uma história que dá um sentido a pergunta; ”O que é que basta?”, o que fez
desta noite um momento único.
Era uma vez, há muito tempo, um mulher jovem na qual a beleza só era igual a sua
pobreza, ela tinha por esposo um homem jovem tão bonito e tão pobre quanto ela.
Estava próximo das festas, neste período do ano em que tradicionalmente se presenteia
quem se ama. Ora, tanto um quanto o outro estavam na maior pobreza.

A bela mulher e o belo homem jovem, possuíam dois bens que preservavam
preciosamente. Ele tinha conseguido guardar o relógio de bolso que seu avô tinha lhe
dado, o qual tirava com orgulho quando alguém lhe perguntava as horas. Ela, apesar de
mal alimentada há meses, tinha conservado sua magnífica e longa cabeleira que quando
solta escorria até o chão, a cobrindo como um casaco de peles. Assim, tendo estas
simples riquezas, o jovem casal seguia a vida, ganhando algum dinheiro vendendo um
nabo aqui e uma maça de inverno ali.

Para as festas, foram colocadas nas janelas, de toda a cidade, lâmpadas a óleo. Os dias
eram curtos. As noites longas, a neve caía em flocos compactos. A jovem mulher morria
de vontade de dar para o seu marido durante as festas um presente, um belo, um rico
presente, mas quando ela pôs as mãos nos bolsos, só encontrou algumas moedas de

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pouco valor. Ela recusava sentir pena de si mesma. Por que chorar? Isto não ajudaria a
encontrar um presente para o seu bem amado.
Ela colocou seu sobretudo usado e dois pares de luvas, cruzou a porta da casa
apressadamente e se precipitou sobre a rua enlameada, salpicada de pequenas lojas com
as vitrines praticamente vazias. Ela só tinha uma idéia na cabeça, o presente que ia dar
ao seu esposo, que trabalhava tanto e recebia uma miséria. Correndo, ela passou na
frente de um monte de gravetos pegou uma rua sem saída, entrou num casarão antigo e
parou sem fôlego, com força apenas para bater na porta.

Uma senhora abriu. Era uma estranha criatura. Ela criava magníficas perucas para os
homens das mulheres ricas. Seus olhos brilhavam.

-“ Ah, ela disse, você que vender seus cabelos?”


As duas começaram a barganhar até que chegaram a um acordo, então, a jovem mulher
se sentou. A senhora levantou uma de suas pesadas tranças. Na luz , ela brilhava como
um pedaço de seda. A mulher pegou então enormes tesouras negras e as fechou por três
vezes (crac, crac, crac), como uma armadilha de mandíbulas, sobre os maravilhosos
cachos. A senhora juntou com avidez de um roedor as mechas de cabelos que caíam
sobre o chão, enquanto lágrimas brilhantes rolavam pela face da jovem mulher. A
senhora, com um sorriso nos lábios, disse;
-“ Aqui está o seu dinheiro”, botando algumas moedas na mão da jovem mulher. E
estava acabado.
Apesar desta prova, a jovem mulher reencontrou seu entusiasmo. Seu olhar tornou-se
novamente brilhante. Ela correu outra vez para a rua, até a loja de um homem que
vendia correntes de relógios em chumbo folheadas de prata. Ela lhe deu o dinheiro, as
moedas que tinha levado ao sair de casa e aquelas que tinha acabado de ganhar
vendendo seu lindos cabelos. Ele entregou para ela uma corrente de relógio. Submersa
pela felicidade de poder dar um presente ao seu bem amado, ela voltou para casa
correndo. Os pés quase não tocavam no chão, leve como um anjo que ela sem dúvida
tinha sido em outros tempos em outros lugares.
Durante este tempo, seu marido, por outro lado, também se ocupava de lhe encontrar
um presente.
-“ O que traria prazer a minha querida”, perguntava ele.
Um vendedor ambulante lhe ofereceu um batata toda enrugada. Não, isto não. Um outro
lhe ofereceu um lenço, de uma bela cor. Isto não: este lenço cobriria os belos cabelos,
nos quais ele gostava tanto de contemplar os reflexos dourados e vermelhos. Na
próxima esquina, um outro vendedor apresentava em cada mão aberta um pente, um
simples pente, um perfeito e outro com um só dente quebrado. Assim, o jovem homem
soube que tinha encontrado o presente ideal.
-“ Um franco meus belos pentes” dizia o vendedor.
- “Eu não tenho”, disse o jovem homem.
-“Neste caso, o que você tem a me propor?”
E a barganha começou. Enquanto isso a mulher tinha retornado para o pequeno quarto
que eles alugavam. Ela molhou seu cabelo e fez um cacheado sobre a testa e a face.
Depois ela se sentou e esperou seu marido. Em seguida, ela ouviu o barulho dos seus
passos na escada. Ele abriu a porta, magro de dar dó, o nariz vermelho, os dedos
gelados, mas possuído de esperança e de fervor, como um recém-nascido. Na entrada ,
ele parou e contemplou sua mulher com os olhos abertos de espanto.
-“ Meu querido marido, você não gostou do meu penteado? Ele não te agrada? Eu te
peço, diz alguma coisa. Meu amor, fala-me”.

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O jovem homem a principio ficou dividido entre o sofrimento e o riso, depois ele se
resignou, pegou sua mulher nos braços e lhe deu um embrulho. A jovem mulher, com as
mãos tremulas e com um sorriso nos lábios , apressou-se para abrir. Por um instante ,
seu rosto se iluminou, mas seus traços se desmancharam e uma palavra escapou da sua
boca” pentes!”, então duas lágrimas escorreram no seu rosto.
-“ Minha amada, disse-lhe o jovem homem para reconfortá-la, não fiquemos tristes.
Teus cabelos vão crescer de novo e neste dia , os pentes te pentearão magnificamente.”
Então pensando no prazer em oferecer, por sua vez, um presente ao seu marido, ela
reencontrou a alegria e o sorriso.
-“ Toma meu querido marido, olha aqui o que eu escolhi para você.”
Ela abriu a mão, na sua palma estava a simples corrente, fruto do sacrifício que ela
tinha feito por ele.
-“ Senhor!” gritou ele “Eu vendi meu relógio para comprar teus pentes.”
-“ Você fez isso?” perguntou ela com a voz embargada.
-“Eu fiz!”
Eles se jogaram nos braços um do outro e começarem a rir e a chorar ao mesmo tempo,
jurando que o futuro seria mais sorridente, é claro, seria preciso ser paciente.
Estas jovens pessoas, se separando do que era mais caro para eles, tinham dado um ao
outro o Dom mais precioso, o amor sincero e ....era o bastante.

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