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MÉA YEUNG

I– O Casamento de Méa yeung

Méa Yeung era um pobre pescador que morava num pequeno vilarejo do
Laos1.
Ele era bem miserável: suas roupas, completamente gastas, eram
farrapos; sua casa era suja e ele era tão pobre que comia apenas o suficiente para não
morrer de fome.
Uma noite quando dormia profundamente, ele teve um sonho. Um gênio
apareceu e lhe disse:
- Méa Yeung, você é um bravo homem: apesar da tua miséria, não inveja
o bem dos outros, e nunca, mesmo quando você teve muita fome, você não furtou aquilo
que não te pertencia. Por isto eu quero te recompensar. Encontre uma mulher
trabalhadora, ativa, que aceite viver a mesma vida que você e logo todos os dois serão
ricos e felizes.
Quando Méa Yeung acordou e reviu os seus farrapos, sua casa miserável
e o mingau ruim que lhe servia de alimento, ele suspirou:
- Que pena! para chegar a minha felicidade o Gênio colocou uma
condição impossível de realizar. Que mulher aceitaria viver ao meu lado uma vida tão
penosa?
Ele já tinha tentado se casar outras vezes, mas todas as mulheres com as
quais ele tinha falado gargalharam com desprezo:
- Você está louco, Méa yeung, ela lhe diziam. Você não consegue nem mesmo
se alimentar. Como você ousar sonhar em Ter uma companheira!
Méa Yeung pegou então seus utensílios de pescador, e, como fazia todas
as manhãs, se dirigiu tristemente em direção ao rio.
Então, ele encontrou no caminho uma mulher que não era nem do seu
vilarejo e nem das cidades vizinhas, pois ele nunca a tinha visto. Ela estava pobremente
vestida, mas de forma asseada; ela tinha uma aparência modesta, no entanto ela era bela,
e uma inteligência viva iluminava o seu rosto.
Então, pareceu a Méa Yeung que o Gênio que ele tinha visto no sonho,
dizia no seu ouvido:
- Aí está a companheira que te ajudará a alcançar a riqueza e a felicidade.
O pobre pescador parou e vendo que a desconhecida o olhava com
bondade, ousou perguntar-lhe:
- Oh bela estrangeira! Um gênio me disse em sonho que se uma mulher
trabalhadora e ativa aceitasse viver comigo, nós seremos ricos e felizes juntos. Você
quer ser esta mulher?
- A desconhecida se aproximou, examinou com atenção o pescador; viu
suas roupas rasgadas, seu rosto pobre de homem que sempre tem fome; ela viu também
seu rosto honesto e a tristeza do seu olhar. Ele se emocionou com tanta infelicidade e
lhe disse:
Eu aceito ir com você para te ajudar. Nós dois juntos saberemos bem
vencer a miséria.
Era realmente uma mulher admirável, corajosa com as tarefas e estava
sempre de bom humor. Em poucas semanas, graças a ela, a vida do pescador se

1 Na parte oeste da Indochina

1
transformou completamente. A casa limpa de cabo a rabo, ornamentada com flores e
folhagens, parecia mais confortável; as roupas de Méa Yeung, limpas e remendadas se
tornaram apresentáveis; a comida miserável preparada com uma arte tão perfeita era das
mais agradáveis ao paladar.
Dia após dia, Méa Yeung recuperava suas forças; ele que sempre foi tão
triste tornava-se alegre; ele que as privações tinha envelhecido, parecia mais jovem; ele
estava feliz, e foi assim que a promessa do Gênio começou a se realizar.

II. – Méa Yeung salva o rei e a rainha

Durante esses acontecimentos, o rei organizava na região uma grande


caçada.
Quando a mulher de Méa Yeung soube da notícia, disse a seu marido;
- Eu vou te preparar boas provisões. Você vai levá-las e se preparar para
seguir o rei por todos os lugares por onde ele for. Se, por acaso, ele se perder e ficar
com fome e sede , você estará lá para satisfazê-lo.
Aconteceu o que ela tinha previsto. O rei, levado por seu ardor a
perseguir a caça, se enfiou na parte mais densa da floresta, sem se preocupar em saber
se seus companheiros o seguiam. Ao meio dia, no momento do grande calor, ele parou
cansado, com fome e com sede. Ele desceu do seu cavalo, se sentou debaixo de uma
figueira e chamou seus servidores para que lhe dessem comida e bebida. Mas só um
homem pôde segui-lo: Méa Yeung. O rei o viu, parado timidamente a uma distância
respeitosa. O rei fez sinal para que ele se aproximasse e lhe disse:
- O dia está avançado; meus servidores estão bem longe daqui; eu não sei
se eles vão me encontrar, no entanto eu estou morrendo de fome e de sede!
Méa Yeung se prosternou:
- Eu tenho arroz, mas que arroz! Como um rei poderia provar um prato
tão indigno de si!
- Bom ou mau sirva-o para mim, pois a fome está me atormentando.
- Eu também tenho água, mas não ouso oferece-la ao senhor!
- Me dê rápido, a sede queima meus lábios.
Méa Yeung prontamente entregou ao rei o arroz, a água, e os outros
alimentos que tinha trazido.
Tudo estava tão delicado como os pratos das cozinhas reais.
O rei exclamou:
Oh! Tudo está suculento, e tua esposa é realmente hábil. É impossível
encontrar algo melhor.
Ele bebeu a água, que estava perfumada e deliciosa.
Tua mulher merece elogios, pois ela prepara coisas boas. Você teria
agora arec2, bétel3 e cera para os lábios:
Méa Yeung o serviu no mesmo instante, pois sua mulher não tinha
esquecido nada.
Quando o rei terminou sua refeição, perguntou ao pescador:
- Como você se chama?
- Méa Yeung, senhor, para vos servir.

2 fruto do Arec, árvore do mesmo nome, da família das palmeiras


3 Preparação mastigatória composta de várias espécies de pimenta, folhas de tabaco, cal virgem e noz de
areca. (usada nas regiões tropicais0

2
- Então, Méa Yeung, de volta ao palácio, eu vou te recompensar!
Depois ele adormeceu debaixo da figueira.
Ora, esta árvore era o retiro preferido do mais temido gênio da floresta.
Furioso ao ver que o rei tinha se instalado em sua casa sem lhe pedir
permissão, ele reuniu os gênios vizinhos e lhes disse:
- Vejam este rei que mesmo sem Ter me saudado, adormeceu debaixo da
minha sombra. Sua insolência deve ser punida! Vamos esmagá-lo quebrando sobre ele
os galhos da minha figueira! Se ele escapar, nós derrubaremos os muros do seu palácio
e o enterraremos debaixo das ruínas. Se um gênio mais poderoso o proteger outra vez,
eu tomarei a forma de naja, a terrível serpente, entrarei a noite na sua cama e o matarei.
Todos os gênios aprovaram. Eles logo puseram mãos a obra e os galhos
enormes começaram a quebrar.
Mas Méa Yeung tinha escutado. O Rei acordado por ele, saltou sobre seu
cavalo, colocou o pescador na sua garupa e voltou correndo ao palácio para prevenir a
rainha, a corte e todos os chefes.
Assim que todo mundo saiu do palácio os muros começaram a cair com
muito estrondo.
Então o rei disse a Méa Yeung:
- Eu te devo a vida duas vezes, mais um grave perigo ainda me ameaça.
Eu peço que você venha comigo ao meu outro palácio e fique acordado toda a noite
velando o meu repouso.
Méa Yeung correu de volta para casa , contou a sua mulher sobre a
caçada, o isolamento do rei, a refeição que o rei tinha achado excelente, os elogios que
ele tinha feito e em seguida a raiva do gênio, a fuga em direção ao palácio e a destruição
deste último.
Depois disso ele comeu rapidamente, se armou com um sabre bem
afiados, e foi para o palácio, e, quando a noite chegou, ele ficou atento e imóvel ao pé
da cama onde o rei repousava ao lado da rainha. Todos os chefes e guardas estavam de
pé para defender o seu príncipe. Mas no meio da noite, exaustos pela jornada, todos
adormeceram profundamente. Sozinho, Méa Yeung continuou a velar.
Então uma serpente formidável apareceu, arrastando sobre o solo sem
barulho seus monstruosos anéis, abrindo uma boca espantosa, mostrando seus ganchos
afiadas que causam feridas envenenadas que matam em poucos instantes o homem mais
robusto.
Méa Yeung, dominando seu pavor, se lançou, e, com um violento golpe
de sabre, abateu a cabeça do monstro, depois cortou o corpo em pedaços e colocou
debaixo da cama.
O sangue jorrou de todos os lados por cima de Méa Yeung, sobre as
paredes e até sobre o peito e o pescoço da rainha adormecida.
A rainha acordou sobressaltada. Ela viu ao lado dela um homem tendo na
mão um sabre ensangüentado e no rosto uma expressão terrível provocada pela luta com
a serpente. Ela não reconheceu o fiel Méa Yeung; ela pensou que um criminoso tinha
entrado no palácio para matá-la. Ela deu um grito de espanto e caiu desmaiada.
Este grito acordou todo mundo; o rei, os chefes e os servidores. Quando o
rei viu a rainha manchada de sangue e imóvel como uma morta, quando reparou outras
manchas de sangue sobre as vestes e no sabre de Méa Yeung, ele pensou que a rainha
tinha sido assassinada e que o culpado era Méa Yeung.
Sem raciocinar, louco de dor e de raiva, ele chamou seus carrascos e
apontando Méa Yeung, lhes ordenou:
- Levem logo este homem para fora do palácio e cortem-lhe a cabeça!

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III. – Méa Yeung condenado a morte

Os carrascos conduziram o prisioneiro a saída sul do palácio e pediram


para que o sentinela abrisse a pesada porta.
O sentinela ficou espantado. As leis e os costumes proibiam que os
condenados à morte fossem executados durante a noite. E no entanto o rei tinha assim
ordenado. Que fazer senão obedecer?
Então Méa Yeung avançou e disse:
- Escutem esta história:
Uma mulher tinha uma criança; ela criava também um mangusto a qual
ela era muito ligada. Um dia, indo ao mercado, ela deixou a criança na rede sob a
guarda do mangusto. Surgiu uma serpente horrorosa que tentou morder a criança. O
mangusto se lançou sobre a serpente e a matou. A mãe chegou enquanto isto acontecia.
Ela viu o mangusto chegar até ela coberta de sangue; ela pensou que o mangusto tinha
cortado o pescoço de sua criança e matou o pobre animal. Indo depois em direção a
rede, ela encontrou a criança sã e salva e a serpente morta ao lado dela. Ela reconheceu
seu erro tarde demais! e ficou desolada em vão.
- Desgraça! disse ela, eu matei o mangusto e ele salvou a minha criança!
Quando o sentinela do portão sul ouviu esta história, ele disse:
- Eu amo e venero nosso rei, mas é possível que ele também fique logo
desolado como esta mulher. A lei me proíbe de abrir. Eu não abrirei.
Então os carrascos conduziram o prisioneiro a saída norte do palácio.
Mas lá o sentinela também ficou espantado com esta execução noturna, e, como ficou
em dúvida sobre como proceder, Méa Yeung se aproximou e disse:
- Todos vocês, me emprestem sua atenção e escutem esta história:
Era uma vez um rei que cuidava de um papagaio. Um belo dia o pássaro
vou em direção as florestas e, quando voltou, estava mais bonito e com cores
maravilhosas. O rei, cheio de admiração perguntou o que ele tinha feito para obter esta
plumagem encantadora.
É muito fácil, respondeu o papagaio: eu comi mangas, que mesmo que
estejamos muito velhos nos darão a juventude e a beleza.
- Oh! Caro papagaio colha para mim uma dessas frutas!
O papagaio partiu rapidamente e retornou com uma manga.
- Se eu comer esta fruta, serei o único a tirar proveito, pensou o rei.
Ele a colocou na terra afim de obter uma árvore e numerosos frutos e
assim todos os seus súditos poderiam rejuvenescer.
Depois de vários anos, as flores e os frutos finalmente apareceram. O rei
fez com que seu povo provasse e...todos aqueles que comeram morreram envenenados!
- Miserável papagaio, gritou ele , você queria causar a minha morte? E
tomado pela raiva, o matou.
Depois disso, ninguém ousou tocar nos frutos desta árvore temida.
Muito tempo depois, dois miseráveis, marido e mulher, guardiães de
elefantes reais, falaram enter si:
- Nós estamos muito velhos, muito doentes e sofremos dia e noite sem
esperança de cura. Vamos comer estas mangas e venenosas, e a morte vai nos libertar!
O marido comeu um fruto e – Oh maravilha! – recuperou toda a força e a
beleza da sua juventude.

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A mulher por sua vez provou e logo se tonou um jovem mulher
esplendorosa!
- Ah! Ela gritou toda feliz, há poucos dias, eu era apenas uma pobre
velha, tinha uma pele enrugada como os crocodilos perdidos nos pântanos. Você, meu
amigo, tinha apenas poucos cabelos e suas costas curvadas davam pena. E eis que
agora, recuperamos a beleza da juventude! Oh fortuna!
Quando rei notou o belo casal que cuidava dos seus elefantes, ele
procurou saber da onde eles vinham . O homem e a mulher contaram a sua história:
- Foram as mangas que fizeram este milagre, disseram eles!
Surpreso, o rei mandou buscar as frutas; ele as deu aos seus e todos
refloresceram de juventude.
Então a árvore foi examinada. Descobriu-se que uma serpente naja tinha
feito sua toca ao pé da árvore, o veneno do réptil envenenava a árvore e os seus frutos!
A naja desaparecendo, os frutos recuperavam sua virtude.
O pobre papagaio não tinha portanto mentido.
Como o rei lamentou Ter ordenado a sua morte!
Quando a história terminou, o sentinela da porta norte disse:
- Nosso rei é justo e bom. Mas ele pode se enganar. Carrascos, podem ir.
Eu não abrirei a porta pois a lei está ao meu lado.

IV. – A inocência de Méa Yeung é reconhecida

Ao longo desse tempo, a rainha aos poucos voltou a vida. Assim que ela
recuperou suas forças, contou que tinha tido um sonho horroroso: um gênio a perseguia
fazendo muitas caretas a ameaçando com um sabre ensangüentado. Ela acordou
bruscamente; ela viu então por perto um homem que também tinha na mão um sabre
ensangüentado. Ela não o reconheceu; pensou que o gênio a tinha perseguido até o
interior do palácio e então tinha desmaiado dando um grito de pavor. Mas tudo isto foi
apenas um sonho. Ela não tinha nenhum ferimento e seu pavor tinha sido em vão.
Então procurou-se da onde vinha o sangue que manchava a rainha, a
cama, e as paredes do quarto. Um serviçal descobriu debaixo da cama real os pedaços
da monstruosa naja. O rei tremeu ao ver o réptil e entendendo subitamente tudo que
tinha se passado, gritou:
- Oh bravo Méan Yeung, eu nunca tive um protetor mais corajoso e mais
devotado que você. Três vezes você me salvou a vida, e eu , te condenei a morte.
Malditos sejam a minha precipitação e a minha injusta fúria! Guardas! Corram rápido
até as portas. Talvez ainda haja tempo. Tragam-me de volta Méa Yeung. Ah! Eu daria
metade do meu reino para que ele ainda esteja vivo!
Logo Méa Yeung voltou são e salvo. Então, todo feliz, o rei avançou na
direção dele, o abraçou e lhe disse:
- Méa Yeung! Se nós estamos vivos ainda, a rainha e eu, devemos isto a
você. Perdoe minha raiva insensata. Eu quero que a partir de agora, você e a tua mulher
sejam reconhecidos como grandes dentro do reino.
Méa Yeung e a sua mulher foram cobertos de honras e benefícios. Mas
ninguém passou a invejar a sorte deles, pois eles permaneceram modestos e prestativos.
E foi assim que a profecia do gênio se realizou. Méa Yeung tinha
encontrado uma esposa trabalhadora, hábil, inteligente e boa. Ele estava certo de Ter se
tornado rico e feliz.

5
Adaptado de um conto do Laos

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