Você está na página 1de 12

1

A PSICOSE NA PERSPECTIVA LACANIANA.


THE PSYCHOSIS IN LACANIAN PERSPECTIVE

¹COSTA, A. S; ¹SILVA, E. A; ²TAVARES, L. A. T.

¹Discente do curso de Psicologia - Ênfase Psicologia e Processos Clínicos das Faculdades


Integradas de Ourinhos - FIO/FEMM
²Mestre em Psicologia pela UNESP/Assis e docente das Faculdades Integradas de Ourinhos-
FIO/FEMM

RESUMO

A foraclusão do Nome-do-Pai impossibilita a criança da simbolização da lei, o que em última instância


interfere em sua relação com a realidade. Neste projeto utilizamos o filme “Cisne Negro” do diretor
Darrem Aranofsky (2010) como objeto disparador para se pensar a teoria de J. Lacan. É importante
ressaltar que não houve pretensão de interpretar o filme em sua plenitude a partir do referencial
adotado, ao contrário, utiliza-se recortes do mesmo para ilustrar a teoria. O filme possibilita várias
interpretações, de maneira que não houve a intenção de se reduzir seus diversos sentidos. Dessa
forma, a presente pesquisa busca compreender o processo de estruturação psíquica da psicose a
partir do referencial teórico de Jacques Lacan, proporcionando assim articulações possíveis entre a
concepção estrutural da psicose na Psicanálise relacionando-as a alguns aspectos do filme. Essa
pesquisa é baseada em uma metodologia qualitativa de cunho teórico-reflexivo a partir do referencial
da Psicanálise. O desenvolvimento da mesma se dá a partir de leituras temáticas com possíveis
associações com o filme “Cisne Negro”. Desse modo, conclui-se, que com o fracasso da metáfora
paterna o psicótico é barrado de entrar na ordem simbólica, sendo a intervenção do Nome-do-Pai no
Outro que funciona como ponto-de-basta, que a lei é instituída e que, entretanto, para ele esse é o
ponto que jamais chegará a se estruturar.
 
Palavras-Chave: Foraclusão; Psicose; Lacan.

ABSTRACT
 
The foreclosure of the Name of the Father impossibility the child from the symbolization of the law,
what ultimately interferes in their relationship the reality. In this project we used the movie "Black
Swan" of the director Darrem Aranofsky (2010) as object trigger to think the theory J. Lacan. It is
important to highlight there was no pretense of interpreting the film in its entirety from the reference
adopted, instead, uses the same cuttings to illustrate the theory. The movie has the possibility to many
interpretations, in the way there wasn't the intention of reduce their senses. This way, the present
research seek comprehend the process of structuration psychic from psychosis from the theoretical
framework of Jacques Lacan, thereby providing possible links between the structural design of
psychosis in Psychoanalysis relating them to some aspects of the film. This research is based on a
qualitative methodology of theoretical-reflective from the reference of psychoanalysis. The
development of it takes place from thematic readings with possible associations with the movie "Black
Swan." Thus, we conclude that the failure of the paternal metaphor psychotic is barred from entering
the symbolic order, with the intervention of the Name of the Father in Another who works as a point-of-
just that the law is instituted and that, however, for him this is the point that will never come to be
structured.

Keywords: Foreclosure, Psychosis, Lacan.  


2  

INTRODUÇÃO

Toda criança precisa de uma relação familiar harmoniosa para se


desenvolver. Em uma relação em que há uma fixação com a figura materna, pode
haver comprometimento na constituição psíquica da criança.
A ausência do Nome-do-Pai (foraclusão), seja no real ou pela omissão no
discurso da mãe, impossibilita a criança da simbolização da lei.
Segundo Laplanche e Pontalis (2001), os significantes foracluídos não são
incorporados no inconsciente e não retornam do “interior” do sujeito, mas no real.
A interdição de um terceiro elemento no complexo de Édipo, na relação da
criança com a mãe, se dá não somente pela figura paterna, mas uma palavra pode
ter o efeito de Nome-do-Pai e efetuar assim a castração simbólica.
Existe aqui a proposta de utilizar o filme “Cisne Negro” do diretor Darren
Aranofsky (2010), como meio de exemplificar a teoria psicanalítica de Lacan, através
de algumas possíveis associações.
É importante ressaltar que não houve a pretensão de interpretar o filme em
sua plenitude a partir do referencial abordado, ao contrário, utiliza-se recortes do
filme para ilustrar a teoria. O filme possibilita várias significações e interpretações,
não havendo aqui o intuito de se reduzir seus diversos sentidos.
Para isso, torna-se necessário realizar um breve percurso pela história do
filme para uma melhor compreensão.
No filme “Cisne Negro”, a personagem principal Nina (Natalie Portman) é uma
bailarina que ganha o papel principal na peça “O Lago dos Cisnes”, é a escolhida
pelo professor Thomas Leroy (Vicent Cassel) para viver os dois papéis, o Cisne
Branco e o Cisne Negro. Nina, é filha única de uma bailarina aposentada que
abandonou a carreira devido à gravidez.
Percebe-se logo no início que a mãe é controladora e deposita na filha seu
desejo, projeta nela a ascensão como bailarina que gostaria de ter vivido. A relação
das duas é de completa simbiose. A figura paterna em nenhum momento é
mencionada.
Observa-se também que Nina tem características infantis, como o quarto todo
rosa, os vários bichos de pelúcia, e sua sexualidade é infantil. A privacidade é algo
que não se nota, pois a mãe a ajuda a se trocar, corta suas unhas e a coloca para
dormir como um bebê.
3  

Diante do Cisne Branco (superego) e do Cisne Negro (Id), percebe-se a cisão


da personalidade de Nina, ela entra em contato com o seu lado obscuro, mas sente-
se culpada ao se lembrar da mãe e resiste a mergulhar nesse outro mundo
desconhecido.
Nina passa a ter duas personalidades, o Cisne Branco e o Cisne Negro. O
ego de Nina é fragilizado, portanto, não consegue lidar com essas duas identidades.
Dessa forma, a presente pesquisa busca compreender o processo de
estruturação psíquica da psicose a partir do referencial teórico de Jacques Lacan,
proporcionando assim, articulações possíveis entre a concepção estrutural da
psicose na psicanálise relacionando-as a alguns aspectos do filme “Cisne Negro”.
No intuito de se entender como a falta do significante Nome-do-Pai pode
comprometer a constituição psíquica do sujeito, a presente pesquisa se faz
necessária na medida em que proporciona o aprimoramento de conhecimentos, indo
além das informações adquiridas em sala de aula. A pesquisa de iniciação científica
é um dos instrumentos necessários para a formação de todo estudante.
Essa pesquisa é baseada em uma metodologia qualitativa de cunho teórico-
reflexivo a partir do referencial da Psicanálise. O desenvolvimento da mesma então
se dá a partir de leituras temáticas com possíveis associações com o filme “Cisne
Negro”.

DESENVOLVIMENTO

1. O ESTÁDIO DO ESPELHO E O COMPLEXO DE ÉDIPO.

A criança ao nascer começa a estabelecer uma relação consigo e com o meio


externo. Nos primeiros meses de vida esse meio se restringe ao contato com a mãe
ou a quem ocupe o seu lugar e função, uma vez que neste momento inicial
predomina-se uma indiferenciação psíquica entre a criança e a própria mãe.
O estádio do espelho conceito introduzido por Lacan (1949 [1998]), nos indica
esta fase como pré-formação do eu, antecedente ao complexo de Édipo e ocorrendo
entre os seis e dezoito meses de idade. De acordo com Lacan (1949 [1998]), o
estádio do espelho tem como função estabelecer uma relação entre o organismo e a
realidade que o cerca.
4  

Segundo Dor (1989), é nessa fase que a criança vivencia a experiência de


uma identificação fundamental, em que se vê diante da própria imagem corporal.
Antes do seis meses a criança vivencia seu corpo não em sua totalidade, mas em
partes, em uma coisa dispersa. “A identificação primordial da criança com esta
imagem irá promover a estruturação do “Eu”, terminando com essa vivência psíquica
singular que Lacan designa como fantasma do corpo esfacelado”. (DOR, 1989,
p.79).

O estádio do espelho é um drama cujo alcance interno se precipita de


insuficiência para a antecipação, e que, para o sujeito, tomando no equivoco
da identificação espacial, urde os fantasmas que se sucedem de uma
imagem esfacelada do corpo para uma forma que chamaremos ortopédica
de sua totalidade. (Lacan, [1949]1998, p.100).

De acordo com Sales (2005), a angústia do “corpo despedaçado” dá vazão à


identificação com a imagem integrada do próprio corpo, sendo que a criança até
então não se via diante de uma unidade corporal, contudo, a partir dessa
identificação com a imagem especular a criança passa a perceber a existência de
uma unidade corporal.
Resumidamente, o estádio do espelho se organiza em três tempos. O
primeiro tempo, a criança vivencia certa confusão entre si e o outro, não consegue
ainda distinguir a imagem de seu corpo do outro, e vivencia de forma real essa
imagem. O segundo tempo é o momento da identificação, em que a criança
consegue distinguir a imagem do outro da realidade do outro, percebe que a imagem
não é real. Já o terceiro tempo, a criança consegue se re-conhecer na imagem,
possibilitando saber que a imagem é só uma imagem e que é a imagem do próprio
corpo, ou seja, vivencia um reconhecimento imaginário (DOR, 1989).
Durante todo o filme, um objeto que se faz presente é a utilização de
espelhos, que nos remete a teoria lacaniana do estádio do espelho. Nina diante da
própria imagem se confronta também com a imagem do outro. A alucinação de Nina
nos possibilita pensar que possivelmente ela não tinha esse reconhecimento. O
outro no espelho não era ela, vivenciava uma confusão entre o eu e o Outro, esse
podendo ser ao mesmo tempo seu rival e seu igual.
Enquanto a linguagem não é introduzida no universo psíquico da criança tudo
gira em torno da mãe, pois as coisas ainda não podem ser nomeadas e a criança
percebe as diferenças, mas ainda não consegue distinguir os objetos.
5  

Após o estádio do espelho, a criança vivencia a passagem pelo complexo de


Édipo, que segundo Sales (2008) é à entrada do sujeito na linguagem. A criança
ainda está em uma relação dual e fusional com a mãe, em que se faz ser seu objeto
faltante.

Esta relação fusional é suscitada pela posição particular que a criança


mantém junto à mãe, buscando identificar-se com o que supõe ser o objeto
de seu desejo. Esta identificação, pela qual o desejo da criança se faz
desejo do desejo da mãe, é amplamente facilitada, e até induzida, pela
relação de imediação da criança com a mãe, a começar pelos primeiros
cuidados e a satisfação das necessidades. (DOR, 1989, p. 81).

A criança supõe faltar algo a mãe, então tenta ela mesma se fazer esse
objeto faltante desejado pela mãe, o falo. Segundo Dor (1989), para Lacan enquanto
o falo se fizer desejo da mãe sua relação com ele é necessária. A criança estará
nessa relação fusional com a mãe enquanto não existir um elemento terceiro para
interditar essa identificação fálica da criança com sua progenitora.
A criança sente o complexo de Édipo como um afastamento de sua
progenitora, como aponta Almeida (2010) como um afastamento de seu objeto de
desejo, a mãe sente esse afastamento como uma privação de seu objeto fálico.
A criança aqui se faz objeto fálico que pudesse preencher a Falta da mãe e
assim vive imaginariamente uma relação de que um completa o outro.
“Por mais que a instância mediadora (o Pai) seja aqui considerada estranha à
relação mãe-criança, é a própria dimensão da identificação fálica da criança nessa
relação que a pressupõe”. (DOR, 1989, p.81).
Essa identificação fálica como aponta Dor (1989) é uma tentativa de evitação
da castração. Enquanto a criança se identificar com o objeto fálico ela impede no
imaginário de ser castrada, vivenciando dessa forma a dimensão subjetiva da
dialética do ser ou não ser o falo.

O ponto de origem da oscilação induzida na criança nesta dialética do ser,


sob a dupla relação da frustração e da privação, deve-se,
fundamentalmente, ao fato do pai aparecer aqui enquanto “outro” nesta
relação mãe-criança. E é como tal que ele surge na vida subjetiva da
criança, logo, como um objeto fálico possível com o qual a criança pode
supor rivalizar junto à mãe. (DOR, 1989, p.85).

Quando a figura paterna é introduzida no imaginário da criança e é investida


de atributos fálicos, ganha aqui uma nova significação, como aquele que
6  

supostamente tem o objeto fálico desejado pela mãe. Aquele que possibilita a
simbolização da lei, momento em que a criança encontra a lei do pai, sendo levada a
confrontação com a castração, através dessa mediação na relação dual mãe-
criança, ele ascende na posição de pai simbólico. (Dor, 1989). O sujeito então “[...] o
reconhece como ditando-lhe a lei” (Dor, 1989, p.87).
“O pai, ou o seu nome, libera a criança da relação de aprisionamento com a
mãe” (FERRETTI, 2004, p.133). No caso do filme em questão podemos perceber
que o significante Nome-do-Pai não está presente no enredo da trama, logo a
relação simbiótica entre mãe e filha remete ao primeiro tempo do Édipo em que a
relação fica entre mãe-filho/falo.
Sales (2008) faz referência ao jogo do fort-da em que a mãe direciona sua
atenção a algum outro objeto que não a criança, fazendo-se assim
ausente/presente, elucidando que o desejo do outro (a mãe) é o desejo do Outro (o
falo).
A criança dessa forma, simbolicamente vivencia o abandono da mãe, em que
através do afastamento e da aproximação pelo brincar, metaforicamente, a coloca
no lugar do carretel, o que para Lacan seria uma substituição significante. (DOR,
1989).
O olhar da mãe para longe da criança, possibilita que esta não fique presa ao
imaginário gerando fantasias que a possa deixar na posição de objeto fálico à mãe.
(Sales, 2008).
Com a personagem Nina pode-se verificar que a mãe se dedicava
inteiramente a filha, estando sempre perto e a ajudando a realizar as coisas mais
triviais, como se trocar, cortar as unhas, se alimentar. Assim Nina possivelmente se
colocava na posição desse objeto faltante à mãe e esta se apresentava com um
desejo frio, não transmitindo afeto à filha como se ela fosse meramente um objeto de
sua satisfação.
Quando o falo assume sua posição e seu lugar correto, e denota que o Pai,
aquele que o possui, tem preferência junto à mãe, estabelece assim, o processo da
metáfora paterna e com ele o recalque originário.

O recalque originário aparece como processo fundamentalmente


estruturante e que consiste numa metaforização. Esta metaforização não é
outra senão o ato mesmo da simbolização primordial da Lei, que se efetua
7  

na substituição do significante fálico pelo significante Nome-do-Pai. (DOR,


1989, p.90).

A castração para Lacan é realizada através do rompimento da relação dual


com a mãe, exercida através do signo lingüístico, efetuada pela palavra. A metáfora
paterna, a Lei do pai, realiza um corte simbólico nessa relação.
Entretanto, na formação das psicoses, não há a interdição do pai, no
complexo de Édipo.

1.1 A Foraclusão do Nome-do-Pai

A psicose regride e está fixada na fase do corte, a criança continua numa


posição fusional com a mãe, fazendo-se dela o significante desejado por ela, ou
seja, o falo, possibilitando assim, a não inscrição da castração simbólica. (ALMEIDA,
2010).
Essa relação fusional está explícita na relação de Nina com sua mãe, na qual
a relação aparentemente de acordo com os fragmentos do filme é de completa
simbiose.
A posição do pai no Édipo é essencial, e a ausência não do pai real, mas do
pai simbólico, o pai no discurso da mãe, impossibilita a simbolização da lei que
estabeleceria a castração simbólica. (DOR, 1989).

Mas, o ponto em que queremos insistir é que não é unicamente da maneira


como a mãe se arranja com a pessoa do pai que convém nos ocuparmos,
mas da importância que ela dá à palavra dele – digamos com clareza, a sua
autoridade –, ou, em outras palavras, do lugar que ela reserva ao Nome-do-
Pai a promoção da lei. (LACAN, [1949] 1998, p.585).

A mãe deve reservar um lugar ao Nome-do-Pai que possa interditar essa


relação, e “não é apenas o pai que pode funcionar como organizador, corte, princípio
de resposta; uma palavra dita pode ter um efeito de Nome-do-Pai e dita por alguém,
que não seja o pai” (FERRETTI, 2004, p.131).
Quando não há a instituição do Nome-do-Pai para a criança, de acordo com
Lacet (2004), o mecanismo do recalque originário não acontece, havendo assim,
uma falha simbólica estrutural, em que o sujeito passa a rejeitar o significante Nome-
do-Pai, que não se inscreve como falta simbólica no Outro.
8  

É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, na


foraclusão no Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora
paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição
essencial, com a estrutura que a separa da neurose. (LACAN, [1949] 1998,
p.582).

Com essa rejeição do significante Nome-do-Pai, a função paterna não realiza


sua função, a de substituir o significante materno e com isso possibilitar o acesso ao
simbólico. Destarte, a articulação da cadeia significante sofre com a falta do
simbólico, pois um significante sempre remete a outro significante.

Em outras palavras, a forclusão do Nome-do-Pai, que neutraliza o advento


do recalque originário, provoca ao mesmo tempo o fracasso da metáfora
paterna, e compromete gravemente para a criança o acesso ao simbólico,
barrando-lhe mesmo esta possibilidade. O advento de uma promoção
estrutural no registro do desejo é, do mesmo modo, suspenso, afundando
em uma organização arcaica onde a criança permanece cativa da relação
dual imaginária com a mãe. (DOR, 1989, p.98).

O sujeito fica fixado como objeto faltante à mãe, devido não ocorrer o corte
nessa relação pela instituição da metáfora paterna, dessa forma, não há significação
fálica, “a significação do falo, dissemos, deve ser evocada no imaginário do sujeito
pela metáfora paterna” (LACAN, 1998, p.563).
Essa criança não busca o gozo no objeto, visto que subentende que ela
própria não está ligada ao falo. O seu gozo é caracterizado a um Outro que dele
goza, como no clássico exemplo de Schereber, o qual se percebia como objeto de
gozo de Deus. Deus o amava por isso em seu delírio se via como sendo “Mulher de
Deus” (FREUD, 1915). Ele seria a cópula na qual Deus faria nele um filho, este
mudaria o mundo. E assim criaria uma nova descendência.
Esse exemplo foi analisado por Freud e caracterizado como sendo um caso
de paranoia, pois o paranoico ocupa o lugar de objeto do gozo do Outro. É em torno
do Outro que se organiza toda a existência do sujeito. Assim pode-se dizer que a
paranoia está do lado do estádio do espelho, segundo Quinet (2009).
Outro aspecto da paranóia sendo uma das derivações da psicose é a
suplência da metáfora paterna, operação que não se realizou, e corresponde a uma
transladação do gozo do corpo (esquizofrenia), para um gozo localizado num Outro
subjetivado, em alteridade em relação ao próprio sujeito.
“Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-do-Pai,
verworfen, foracluído, isto é, jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em
9  

oposição simbólica ao sujeito”. (LACAN, 1998, p.584). A falta desse significante abre
um furo no significado que dá margem a modificação do significante que só se
estabelecerá na metáfora delirante.
Assim, o psicótico se depara com um discurso sem um norte, em que há
possibilidade de várias significações, mas que não o é suficiente, pois, ao mesmo
tempo, não lhe diz nada, visto que, não foi antes simbolizada. Os significantes
circulam fora da cadeia significante, por não ter o psicótico acesso ao simbólico.
(LACET, 2004).
Para Lacet (2004), o psicótico não suporta o fato dos significantes não lhe
darem um sentido, sendo assim, faz uso deste e da linguagem para tentar enganar
as leis do símbolo, que irá organizar o texto delirante. A falta do significante que
torna possível a significação é vivenciada pelo psicótico como uma angústia que só
diminui com o delírio.
No filme que utilizamos como objeto de nossa reflexão podemos perceber que
a personagem principal, Nina, transfere e projeta a todo o momento a raiva que
sente pela mãe na colega Lily, e também vivencia o delírio de que a colega está
perseguindo-a, o que nos faz lembrar o controle exercido pela própria mãe sobre
ela. Esse não reconhecimento nos faz pensar no desejo de Nina de ser como a
colega (representante do Cisne Negro para ela), que ela resistia a viver.
Para Lacan, assim como para Freud, as alucinações e os delírios seriam uma
tentativa (imaginária) de re-construção do mundo externo e interno. Assim, aquilo
que foi rejeitado no interior agora retorna no exterior, ou o que foi rejeitado no
simbólico retorna efetivamente no real.
Devido à forclusão o sujeito não tem acesso às leis de simbolização, dessa
forma, elas não operam na psicose, sendo elas: Verdichtung (condensação);
Verdrangung (deslocamento); Verneinung (negação) (LANCET, 2004), “é a forclusão
(Verwerfung) primordial que domina tudo por seu problema” (LACAN, 1998, p.587).
Lacan cita a figura do prof. Flechsig, do caso Schreber, que nos mostra que
mesmo que posteriormente um terceiro elemento intervenha não será capaz de
“preencher o vazio subitamente vislumbrado da Verwefung inaugural” (LACAN,
1998, p.588).
No filme esse terceiro elemento poderia ser representado pela figura do
professor Thomas Leroy (Vicent Cassel) suposto interditor da relação dual com sua
mãe. No entanto, essa interdição não resolveria a foraclusão do Nome-do-Pai, no
10  

simbólico de Nina, dado que a forclusão do Nome-do-Pai resulta na não ocorrência


do recalque originário.
Diante do conflito vivido pela personagem em ser O Cisne Branco (Superego)
e o Cisne Negro (Id), identidades completamente opostas, percebe-se que a partir
do momento em que se vê na posição de dar vida ao Cisne Negro, Nina se depara
com um lado que exige dela entrar em contato com a agressividade e a sexualidade,
que sua mãe controladora não permitia, pois a tratava como uma criança inocente e
ingênua.
Dessa forma, observa-se que o mundo interno (Id) de Nina a invadia de tal
forma que a perturbava em muitos momentos no filme, estabelecendo assim uma
relação diferente com o mundo.
A partir desse momento em que o Cisne Negro passa a fazer parte de sua
vida, as automutilações de Nina presente em todo o filme aumentam
consideravelmente. Segundo Almeida (2010), as automutilações são como uma
castração no real, já que a castração simbólica não ocorreu, o que possibilita pensar
que, inconscientemente seria uma forma de se distanciar da mãe.
Como o psicótico não tem acesso ao plano simbólico, observa-se que no final
do filme, no último ato da peça em que o Cisne Branco deve morrer quem na
realidade morre é a própria Nina, ela leva ao pé da letra a cena, não consegue
simbolizá-la, sendo assim, se suicida. Ela vai da Cena (representação psíquica) à
passagem ao Ato (acting out).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao que concerne a pesquisa, a foraclusão do Nome-do-Pai é o que


caracteriza a constituição da psicose, a rejeição primordial do significante
fundamental para fora do campo do simbólico, e que a posteriori retorna no seio do
real na forma de alucinações e delírios.
O significante Nome-do-Pai é então excluído, pois não houve a substituição
significante, o que deveria ser simbolizado não ocorreu. Mesmo que haja um terceiro
elemento que possa interditar essa relação dual entre o sujeito e a mãe, isso não
garante a resolução deste conflito.
No filme “Cisne Negro” pode-se observar a partir de alguns fragmentos que
não houve intervenção de um terceiro elemento na relação entre mãe e filha, a
11  

instância paterna (metáfora do pai) não aparece, o que caracteriza a estrutura


psicótica da personagem. O Nome-do-Pai tem como função ser um ponto-de-basta
nesta relação. Nina faz-se objeto de desejo da mãe e busca realizar os sonhos
desta, esquecendo-se de si própria. Assim, ela é psiquicamente assujeitada à mãe.
Desse modo, não se chega a estabelecer a estruturação do sujeito, pois, o pai
não intervém para assegurar à criança a função simbólica paterna, dando-lhe um
nome e por fim garantido sua identidade.
Assim, com o fracasso da metáfora paterna o psicótico é barrado de entrar na
ordem simbólica, e é com a intervenção do Nome-do-Pai no Outro que a lei é
instituída, entretanto, para ele esse é o ponto que jamais chegará: a Lei e a
instauração da ordem simbólica.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, S. S. L. Automutilação e corpo na psicose. UFSC. Cadernos Bras. de


Saúde Mental, v. 2, n. 3. Santa Catarina. 2010. Disponível em <  
http://periodicos.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/1079>. Acesso em
13. ago. 2012.
DOR, J. Introdução à leitura de Lacan: O inconsciente estruturado como
linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1989.
FERRETTI, M. C. G. A criança é o pai do homem in O infantil: Lacan e a
modernidade. Rio de Janeiro: Vozes. 2004. p.127-137.
FREUD, S. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de
paranóia in O caso Schereber, artigos sobre técnicas e outros trabalhos, 1911-
1913. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.15-89. (Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. XII).
LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar. 1998. p. 96-103.
________. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998. p. 537-590.
LACET, C. Da foraclusão do nome-do-pai à foraclusão generalizada: considerações
sobre a teoria das psicoses em Lacan. Psicologia. USP, v. 15, n.1- 2. São Paulo.
jan./jun, 2004. Disponível em
12  

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
65642004000100023&lang=pt>. Acesso em 10. jul. 2012.
LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009.
SALES, L. S. Consistência do Édipo na psicanálise lacaniana: símbolos zero para o
desejo. Fractal Rev. Psicologia, v. 20, n.1. Rio de Janeiro. jan/jun, 2008. Disponível
em<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-
02922008000100020&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em 22. jul. 2012.
SALES, L. S. Posição do estádio do espelho na teoria lacaniana do imaginário. Rev.
Dep. Psicologia. U.F.F, v.17, n.1. Niterói - RJ. jan/jun, 2005. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
80232005000100009&lang=pt> Acesso em 22. jul. 2012.
 

Você também pode gostar