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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

GUSTAVO SCHUBERT

O PROCESSO DE NÃO ELABORAÇÃO DO LUTO E SUAS


POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

SANTA ROSA,
DEZEMBRO DE 2017
GUSTAVO SCHUBERT

O PROCESSO DE NÃO ELABORAÇÃO DO LUTO E SUAS


POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado como


requisito parcial ao curso de Psicologia da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – Unijuí, para obtenção do título
de Bacharel em Psicologia. DHE – Departamento
de Humanidades e Educação.

Orientadora: Flávia Flach

SANTA ROSA
DEZ DE 2017
“ É assim, chegar e partir
são só dois lados
da mesma viagem
o trem que chega
é o mesmo trem da partida
a hora do encontro
é também da despedida”

Encontros e despedidas
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho de conclusão de curso a todos os meus familiares, e


amigos que compreenderam quando precisei abdicar de momentos em que
poderíamos estar juntos. A minha orientadora Flávia Flach, pelas suas ideias e
sugestões, a qual foi fundamental para a construção deste TCC. E a todos aqueles
que contribuíram para que este trabalho se tornasse possível.
Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todas as pessoas, que de alguma forma ou outra,


contribuíram no meu percurso acadêmico para que eu pudesse chegar até aqui.
Agradeço inúmeros ensinamentos que me foram passados pelos professores
e colegas através de momentos compartilhados em sala de aula e/ou supervisão.
RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo situar sobre as


consequências psíquicas de um luto não elaborado. O processo de luto se
caracteriza por um momento de parada que restabelece as possibilidades do sujeito
de criar novos vínculos. Uma vez que o objeto é perdido o sujeito reage
profundamente através do luto, no qual procura reorganizar os investimentos
libidinais, trabalhando psiquicamente. Ocorre assim uma limitação desse sujeito,
uma vez que normalmente é difícil se desligar do objeto perdido e reinvestir num
outro. Este trabalho tem como foco principal de estudo os fatores que podem
interferir na não elaboração do luto e suas consequências psíquicas para o sujeito,
pois existem situações em que esse não segue a evolução esperada, ou seja, o
indivíduo não consegue se reestruturar, podendo ocorrer uma fixação numa das
etapas do luto. Nesses casos observa-se uma dificuldade extrema em aceitar a
perda. Este luto não resolvido pode interferir no estado emocional da pessoa,
impactando significativamente na vida da mesma. Porém, a ideia de luto não se
limita apenas a morte, mas ao enfrentamento das sucessivas perdas reais e
simbólicas que ocorrem durante o desenvolvimento humano, os quais vão permitir
que ao chegar na vida adulta, a pessoa possa lidar melhor com as suas frustrações.
O luto, portanto, é um movimento que o sujeito realiza psiquicamente para superar
momentos de perdas tanto reais quanto simbólicas. Ao perder algo que implica um
investimento, é necessário reorganizar e reinvestir. Este trabalho psíquico então é
denominado de luto. Quando este não for elaborado por sua vez, poderá trazer
inúmeras consequências psíquicas para o sujeito, entre elas a depressão.

Palavras chaves: Luto. Objeto. Perdas. Conseqüências Psíquicas.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................7
1. O LUTO PELO OLHAR DA PSICANÁLISE ...............................................9
2. O PROCESSO DO LUTO ..........................................................................20
2.1. O VIVER O LUTO ...................................................................................20
2.2 A NÃO ELABORAÇÃO O LUTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS
................................................................................................................... ...26
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... ...39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... ...40
7

INTRODUÇÃO

Desde o nascimento até o final da vida enfrentamos situações de vínculos e


separações, que podem estar relacionados à morte de alguém significativo. A ideia
de morte vem, normalmente, acompanhada de pesar, medo e angústia, que
dificultam encará-la como um processo natural da condição humana. Para, além
disso, a sociedade contemporânea de certa forma impõe, que todos tenhamos uma
vida longa e saudável, ignorando o fim inevitável.
No decorrer do percurso acadêmico, os assuntos que se relacionavam à
morte e/ou processo de luto despertavam interesse o que levou a escolha deste
tema para o trabalho final de conclusão de curso. .
Como dissemos, falar em morte na nossa cultura pode ser considerado um
tabu, pois o homem contemporâneo não sabe o que fazer exatamente com esta,
uma das saídas possíveis é ignorá-la ou não falar dela. Quando o processo de luto é
decorrente de uma morte, esta não é somente uma experiência dura e profunda de
perda, mas também a evocação de nossa condição mortal.
Durante esse trabalho veremos que cada indivíduo reage de forma diferente
perante a uma perda, dependendo da sua estrutura emocional. Para tanto é
fundamental falarmos aqui da importância de viver o processo de luto até que ele
seja superado, para que a dor da perda não fique reprimida e se manifeste
posteriormente num sintoma.
O objetivo então deste trabalho de conclusão de curso é para além de
trabalhar sobre a importância da elaboração do luto, abordar sobre as
consequências psíquicas de um luto não elaborado.
Para tanto, o primeiro capítulo trabalhará com o conceito de luto através do
olhar da psicanálise, e demais conceitos importantes para o entendimento deste
processo.
Já o segundo capítulo, abordará sobre a importância de viver o processo de
luto e os fatores que podem interferir na não elaboração deste e suas
consequências psíquicas, na visão de vários autores.
Este trabalho de conclusão de curso contará com uma pesquisa bibliográfica
através de livros, artigos e monografias que abordam acerca desse tema. Assim,
com base, pretendo elucidar de forma breve e clara o que seria um processo de luto
8

“normal” e os fatores que podem interferir na não elaboração deste e suas


consequências psíquicas.
9

1. O LUTO PELO OLHAR DA PSICANÁLISE

O processo de luto está inevitavelmente presente na existência humana, entre


a vida e a morte. Para compreender tal princípio busca-se, neste capítulo, explorar
as concepções de luto e seu processo, a partir da teoria psicanalítica.
Para começar a conceituá-lo, primeiramente aborda-se o desenvolvimento do
indivíduo que passa por constantes perdas, entre elas, do “seio materno”.Para Freud
(1923),o próprio ato de nascer é o primeiro grande estado de ansiedade, que ocorre
por ocasião da separação da mãe, diante de um perigo de desamparo psíquico.O
qual se torna assim a fonte e o protótipo do estado de ansiedade na infância. Com
isso, de acordo com o seu desenvolvimento, a criança tende a ir trabalhando
psiquicamente suas fantasias.
Para Freud (1926) são as primeiras experiências traumáticas que constituem
o protótipo dos estados afetivos incorporados na mente e quando ocorrem em uma
situação semelhante eles são revividos como símbolos mnêmicos. Ou seja, estes
são experiências traumáticas vividas na infância. Inicialmente, a imagem mnêmica
que a criança tem da pessoa pela qual ela sente anseio é intensamente investida
pela mãe, em seu estado ainda pouco desenvolvido. Essa imagem mnêmica é
provavelmente de forma alucinatória e a criança não sabendo como lidar com suas
fantasias, origina uma ansiedade.
Considerando o desenvolvimento freudiano acerca do aparelho psíquico, que
é pensado a partir das instâncias do id, eu e do supereu, as quais são apontadas
como parte integrante do sujeito. Entende-se entre a dimensão do eu enquanto
aquela que organiza o sujeito. O Id possui tudo aquilo que nos faz pensar nas suas
ligações com o passado, desde o nascimento do indivíduo. Ademais, nos permite
pensar nas influências do mundo em que o homem está inserido, levando em conta
questões internas e externas a que todos estão submetidos. Vale lembrar, que
muitas experiências que são vividas pelo sujeito estão recalcadas formando o
reservatório das pulsões.
Em A Lógica da Castração: os três tempos do Édipo (1957-1958, p. 197-198),
Lacan assevera que num primeiro momento a criança se encontra numa relação de
indistinção com a figura materna, ao sair do Estádio do Espelho a criança ainda está
numa relação imediata com o desejo da mãe (ou com quem exerça a função
materna). No primeiro tempo do Édipo a criança se põe no lugar do objeto que ela
10

acredita faltar a mãe, ocupando então o lugar do falo1. Para o autor, ser o falo da
mãe, é o que a criança busca. Nesse momento do Édipo ela está presa na dialética
ser ou não ser o falo e alienada no desejo da mãe.
De acordo com Chemama (1995, p.58) a fase do espelho é o aparecimento
do narcisismo primário, narcisismo no sentido pleno, pois indica a morte, ligada à
insuficiência de vida em que surge o narcisismo primário. De fato é uma fase da
constituição do ser humano, situada entre o sexto e décimo oitavo mês, período
caracterizado pela imaturidade do sistema nervoso. Esta prematuridade específica
do nascimento, no homem, é comprovada pelas fantasias de corpo fragmentado,
encontradas nos tratamentos psicanalíticos.Então deve-se compreender a fase do
espelho como uma identificação, isto é, a transformação produzida em um sujeito,
quando ele assume uma imagem.
No segundo tempo do Édipo quando intervém a palavra paterna na relação
mãe-filho, a criança é inserida na dialética da castração. A mediação paterna surge
sob a forma de privação. O significante Nome-do-Pai2 revela à mãe que ela não
pode reter o seu produto, e ao filho que ele não pode ser reintegrado à própria mãe.
O pai aparece como representante fálico, como o rival que vai promover o
deslizamento do filho com relação ao lugar fálico frente ao desejo materno. Diante
da função paterna há um deslocamento à representação do objeto fálico. A criança
percebe que o pai significa a Lei, e que a mãe também está submetida a essa Lei; o
desejo da mãe, assim, está contido na lei do desejo do Outro. Ou seja, o desejo da
mãe é dependente de um Outro, que detém o objeto de seu desejo: surge o pai
como possuidor do falo e da palavra do pai (LACAN, 1957-1958 , p. 198-199).
O terceiro tempo do conflito edípico é o momento do declínio do Complexo de
Édipo que traz o fim da rivalidade fálica com o pai em torno da mãe; nessa fase
ocorre a simbolização da Lei, a mãe e a criança inscrevem-se na dialética de ter. A
mãe não possuindo o falo pode ir à busca de quem o tem, e sabe onde procurar, no
lado do pai. O filho vai renunciar a ser o falo e irá à busca de vir a possuí-lo, para
isso vai trilhar o caminho da identificação com o pai. A menina por sua vez, renuncia
11
[...] Em psicanálise, o uso desse termo sublinha a função simbólica desempenhada pelo pênis na
dialética intra e intersubjetividade, enquanto o termo “pênis” é sobretudo reservado para designar o
órgão na sua realidade anatômica. (LAPLANHE; PONTALIS, 2001, p.166).
2
De acordo com Lacan (1999) pai como função em uma operação está articulado aos três registros
que Lacan formula: real, simbólico e imaginário. A dimensão simbólica se realiza pela escrita da
metáfora do Nome-do-Pai, a substituição do Desejo da mãe pelo significante do nome-do-pai.
11

a ser o objeto de desejo da mãe, posicionando-se na dialética de ter. Ela está do


lado da falta, ela não tem o falo por isso se identifica com a mãe, e assim como a
mãe sabe onde ir buscá-lo, no lado do pai. (LACAN, 1999, p. 200).
O movimento em direção ao Nome-do-pai é correspondente ao recalque
originário, pois, pelo acesso à linguagem a criança produz um afastamento com
relação à sua própria vivência, substituindo o registro de ser o falo pelo registro do
ter um desejo mesmo que limitado. A castração imposta pelo pai resulta no recalque
do desejo incestuoso pela mãe. A partir da linguagem, o desejo é nomeado e
simbolizado, o Nome-do-pai produz ao mesmo tempo a clivagem da subjetividade
infantil em consciente e inconsciente. A castração (simbólica) incide, pois, sobre um
objeto imaginário, o falo. A criança deixa de ser o falo e a mãe deixa de ser a lei
(Garcia-Roza, 2001, p.222).
De fato o Complexo de Édipo assume toda a sua dimensão de conceito
fundador quando, Freud (1927) o articula com o complexo de castração; este ao
provocar a interiorização da interdição oposta aos dois desejos edipianos (incesto
materno e assassinato do pai) abre o acesso à cultura pela submissão e a
identificação com o pai portador da lei que regula o jogo de desejo.
O complexo de castração compõe-se de duas representações psíquicas. Por
um lado o reconhecimento, que implicaria a superação da negação, inicialmente
observada da diferença anatômica entre os sexos. Por outro, como consequência
dessa constatação, a rememoração ou atualização da ameaça de castração, no
caso do menino, ameaça esta que é ouvida ou fantasiada, particularmente por
ocasiões de atividades masturbatórias e que assim vem se manifestar a posteriori.
Para Freud (1927) o pai (ou a autoridade paterna) é o agente direto ou indireto
dessa ameaça. Na menina a castração é atribuída à mãe, sob forma de uma
privação do pênis como dito anteriormente.
A experiência da castração está presente na vida cotidiana, como a
separação das fezes do próprio corpo, por exemplo. Porém, a experiência da morte
representa a "castração por excelência", pois é irreversível e incapaz de ser
compensada através de substitutos. O eu permanece absolutamente vulnerável
perante a morte. Com isso percebe-se que o indivíduo é indefeso perante a morte, e
tem-se a certeza, de que todo o ser vivo, um dia vai morrer, mas o ser humano burla
essa lei, pensando que a morte nunca vai chegar até ele.
12

Por isso toma-se aqui o conceito do narcisismo que conforme Freud (1914) é
definido a partir de duas maneiras particulares. O narcisismo primário e o
secundário. Quanto ao narcisismo primário este é o investimento depositado num
amor por si mesmo, um auto-erotismo. Já o narcisismo secundário refere-se a um
investimento do sujeito em um ideal. O narcisismo, desse modo resulta em um
investimento centralizado na relação entre a criança e seus pais. Assim, num
primeiro contato social a criança constrói sua percepção do mundo exterior, se
inserindo na cultura e na dinâmica familiar. Trata-se de um momento de formação do
sujeito, o qual se define pela relação edipiana, que movimenta as escolhas objetais,
como já falado anteriormente.
Todos esses elementos abordados até então, contribuem para perceber o
desenrolar do funcionamento psíquico de um sujeito. Com isso é possível
compreender como se dá o investimento objetal e as futuras relações que
influenciarão para a compreensão do luto.
Freud (1917) desenvolveu algumas considerações significativas sobre o luto e
melancolia. Este teórico refere que o luto se relaciona a um momento de
manifestação dolorosa frente a uma perda significativa para um sujeito. Segundo o
autor o valor psíquico que o sujeito investe sobre o objeto perdido é uma reação
perante a circunstância de uma perda. A existência psíquica do objeto caracteriza-se
pelo afeto, ou seja, quando você possui algum vínculo com uma pessoa. Então,
nesse sentido, em situações de perda, o sujeito precisa investir libidinalmente num
novo objeto.
De acordo com a teoria psicanalítica o conceito de libido pode ser vista como
uma energia, esta aproveitável para os instintos de vida. Segundo Freud, ela não é
algo apenas interno, algo que está ligado a desejos sexuais. Em sua teoria, ela está
estritamente relacionada aos fenômenos psicossociais. Também as alterações, as
características ou as modificações libidinais estão atreladas aos mesmos
fenômenos, isto é, o seu aumento ou a sua diminuição, a sua produção, a sua
distribuição, o seu deslocamento, tudo estaria relacionado ao mesmo processo.
Uma das principais características da libido está ligada ao seu deslocamento
ou mobilidade. O deslocamento da libido está diretamente unido a esse
desenvolvimento, que se passa durante a infância. Essa mobilidade está vinculada à
alternação do desejo sexual de uma área para outra do próprio corpo humano. Sua
atenção se volta para essa área, conforme a criança se desenvolve, como se ela
13

estivesse se descobrindo. E, aos poucos, descobrindo as diferenças entre o


masculino e o feminino, como já citado anteriormente no complexo de Édipo. Porém,
a libido não está relacionada apenas nos aspectos físicos ou fisiológicos, ela
também se vincula a aspectos psicológicos e emocionais.
Voltando ao conceito de luto segundo Aberastury e Knobel (1981), este pode
ser compreendido como um processo fundamental na constituição psíquica do
sujeito, atrelado ao fato de que é pelo processo do luto que se possibilita a
elaboração de fracassos desde a infância e principalmente na adolescência, os
quais vão permitir, que ao chegar a vida adulta, o sujeito possa lidar com as suas
frustrações,

Entrar no mundo dos adultos - desejado e temido - significa para o


adolescente a perda definitiva de sua condição de criança. É o momento
crucial na vida do homem e constitui a etapa decisiva de um processo de
desprendimento que começou com o nascimento. As mudanças
psicológicas que se produzem neste período, e que são a cor relação de
mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o
mundo. Isto só é possível quando se elabora, lenta e dolorosamente, o luto
pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com os pais da
infância. (Aberastury&Knobel, 1981, p. 08).

Retomando as considerações de Freud (1917) o autor revela que o luto é um


processo doloroso. Já com relação a dor Freud (1926) apresenta que a dor, na
dimensão mental, também é a reação real à perda do objeto.Quando há uma dor
física, ocorre um alto grau do que pode ser denominado de catexia narcísica da
parte do corpo que se sente a dor. Na dimensão mental, diante de uma situação
dolorosa, esse investimento está concentrado no objeto do qual se sente falta ou
que está perdido, por não poder ser apaziguada, essa catexia tende a aumentar. A
dor na dimensão mental produz a mesma condição econômica que é criada diante
de uma dor física. A transição da dor física para a mental corresponde a uma
mudança de investimento narcísico (investida na parte danificada do corpo) para a
catexia do objeto (objeto perdido do qual se sente falta).
No processo de luto, qualquer atividade que não esteja ligada ao objeto
perdido causará inibição e a perda de interesse no mundo externo o mundo fica
pobre e vazio, para o enlutado nada tem mais graça. Para Freud (1915), essa
inibição é expressão de uma exclusiva devoção ao luto, devoção esta, que nada
deixa a outros propósitos ou interesses.
14

Freud (1926), fala sobre a inibição, que não apresenta necessariamente uma
implicação patológica, sendo uma restrição da função do ego imposta como medida
de precaução ou acarretada como resultado de um empobrecimento de energia. O
ego, no estado do luto, se vê envolvido e absorvido em uma tarefa psíquica
particularmente difícil, perdendo uma grande quantidade de energia à sua
disposição, tendo que reduzir o consumo dessa energia em muitos pontos ao
mesmo tempo.
O sujeito diante a uma perda, sente falta do objeto, afinal ele não existe mais
e suportar essa realidade traz sofrimento. Portanto, a realidade da perda atua para a
preservação do ego, solicitando um adiamento da satisfação. O ego está absorvido
neste processo por meio das lembranças vinculadas ao objeto, deste modo, obtém
uma satisfação imediata, na qual conserva e prolonga-se psiquicamente, nesse
meio-tempo, o sujeito crê na permanência da existência do objeto perdido. Segundo
Freud (1915), esta oposição ocasiona um desvio da realidade e um apego ao objeto
perdido.
Cada uma das lembranças e expectativas isoladas por meio das quais a libido
está vinculada ao objeto é invocada e a realidade da perda exige que toda a libido
seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Desta forma, o trabalho do luto é
concluído quando a realidade prevalece,atingindo certo grau de investimento, a
libido é desligada e o ego se vê livre e desinibido outra vez.
Mucida (2004) entende que quando o sujeito consegue metaforizar, encontrar
diferentes significados para um fato, mais efetivo é o trabalho do luto. Segundo a
autora, quanto mais possibilidades um sujeito tiver de se haver com a realidade de
que algo não se inscreverá jamais, suportando portando, a castração (um limite a
que estão submetidos) mais o trabalho do luto tratará de abrir outras inscrições e
reinscrições, a partir do que se preservou no eu do objeto amado, que se perdeu.
Dessa forma, Freud (1915) em Pulsões e suas Vicissitudes pensa a idéia de
morte como uma impossibilidade de ser representada pelos sujeitos, que
inconscientemente, acreditam-se imortais. Assinalando a conjunção estreita entre a
vida e morte, o autor assegura que todos os homens se opõem à idéia de que a vida
pulsional sirva para ocasionar a morte, que o circuito pulsional sirva para garantir
que o organismo seguirá seu próprio caminho em direção a uma morte mais natural
possível. Entretanto Freud (1920) levanta a hipótese de que a pulsão é uma
tentativa inerente à vida orgânica de retornar a um estado de plenitude. Assim, a
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pulsão teria um caráter conservador, tentando conservar o organismo em um estado


de tensão permanente o mais reduzido possível.
De acordo com Freud (1920) a teoria das pulsões pode ser dividida em dois
momentos distintos. Num primeiro momento, Freud estabelece o conflito entre as
pulsões sexuais e pulsões de auto-conservação. Em um segundo momento, o
conflito passa a ser entre pulsões de vida e pulsões de morte. Cita que a pulsão é a
medida do trabalho imposto ao aparelho psíquico em razão da sua dependência
com o corpo.
Em 1905, no texto “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” Freud fala
de um mundo interno totalmente novo e com representações próprias onde trabalha
a possibilidade do prazer no olhar. Neste texto ainda tem-se fragmentos daquilo que
o autor toma como sendo o conceito de pulsão. Deste modo, para o autor:

Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante


psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui
continuamente, para diferenciá-lo do “estímulo”, que é produzido por
excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto é um dos conceitos da
delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais
indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não
possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma
medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. (FREUD, 1905, p.
159).

Freud (1915) entende pulsão como um conceito situado à fronteira do


somático e do mental. Teria a pulsão acesso ao psiquismo apenas por meio de
representações que operam na busca de estímulos originados ao organismo e
posteriormente seria o aparelho psíquico incumbido do trabalho. Desta forma, é
alcançada a conjectura sobre como a pulsão articula corpo e aparelho psíquico;
sobre isso o autor escreve:

Um instinto, por outro lado jamais, atua como força que imprime um impacto
momentâneo, mas sempre como um impacto constante. Além disso, visto
que ele incide não a partir de fora, mas para dentro do organismo, não há
como fugir dele. O melhor termo para caracterizar um estímulo seria
necessidade. O que elimina uma necessidade é a satisfação. (FREUD,
1915,p.139).

Portanto, a fonte da pulsão seria de natureza somática. Representaria o corpo


no psiquismo uma vez que é abordada pela psicanálise por via da ligação pulsional
a um determinado tipo de objeto.
16

Através do conceito de pulsão de morte, Freud (1920) introduz a ideia de que


todo ser vivo aspira à sua própria morte como um modo de por fim à tensão interna
provocada pela pulsão sexual, que está sempre elevando o nível energético de
estado de plenitude ou de nirvana.O estado de Nirvana é a descarga completa de
tensão interna do sujeito até um nível zero de energia, que corresponderia à morte.
O desprazer surge devido ao aumento desta tensão.
Na teoria freudiana a pulsão de morte é inerente ao homem: é uma luta
obstinada, contínua e inexorável que o leva a procurar paz e repouso não importa
por qual meio, sob qualquer forma, e não simplesmente uma força que visaria
transformar o animado em inanimado. A pulsão de morte é o nome do paradigma
relativo ao funcionamento psíquico. Deste ponto de vista a pulsão de morte procura
eliminar ou reduzir a tensão energética, decorrente da não-ligação ao seu princípio
de nirvana. A principal direção desta luta psíquica está centrada num estado de paz.
De acordo Rechardt (1988, pg 49) assim a pulsão de morte só pode
expressar de maneira indireta, ou seja, não se satisfaz nem com um objeto e nem
com um ato particular, mas com um estado que só pode ser definido negativamente,
um estado onde nenhuma perturbação intervém. Um "estado de paz" trata-se
apenas de uma palavra positiva descrevendo aproximativamente um estado que só
pode definir negativamente como uma tendência ao afastamento de algo.
Oliveira (2001) se dedica a escrever sobre o luto e também sobre a
melancolia, os quais seriam processos semelhantes, porém diferenciados por alguns
aspectos. Portanto, o luto como dito anteriormente, é a reação à perda de um ente
querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar deste que perdeu, como o
país, a liberdade ou o ideal de alguém e assim por diante. A melancolia seria a
reação frente as mesmas situações, em consequência de uma disposição
patológica, relacionada com uma identificação narcisista com o objeto e com
ambivalência, em que prevalecem aspectos hostis ao objeto,.

O processo psíquico do luto, que foi descrito como um trabalho de elaboração


consiste em o enlutado retirar os investimentos do objeto porque a realidade
impôs o seu veredicto. O objeto está morto. No entanto, ocorre ao enlutado uma
resistência a abandonar essa posição, o que pode levar a uma alucinação do objeto.
Porém, a realidade é respeitada; cada pensamento e cada lembrança são hiper-
investidos, e o desligamento da libido vai-se realizando aos poucos. A perda do
objeto é consciente por parte do enlutado: ele sabe quem foi perdido, e o mundo
fica vazio. Quando o luto termina, o ego está livre para ocupar-se de outro objeto,
e o consolo do que traz consigo traduz-se em “meu objeto amado não se foi,
17

porque agora trago-o dentro de mim e nunca mais poderei perdê-lo”. (OLIVEIRA,
2001, p.96).

No luto, o objeto amado não existe mais, fazendo com que toda a libido seja
retirada dele, também não existe nada de inconsciente sobre a perda, pois o objeto
perdido está presente no nosso consciente. Já a melancolia refere-se a uma perda
do próprio eu, esta de nível simbólico. Quer dizer, o melancólico pode saber quem
ele perdeu, porém não sabe o que de fato perdeu, pois se trata de uma perda do
ego, sendo esta de valor narcísico. Conforme Freud:

[...] mesmo que o paciente esteja consciente da perda que deu origem a sua
melancolia, mas apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas não
o que ele perdeu nesse alguém. Isso sugeria que a melancolia está de
alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em
contraposição ao luto, na qual não existe de inconsciente a respeito da
perda (1917, p. 251).

O melancólico debate-se em seu sofrimento, com um outro a quem ama,


amou ou deveria amar, e sua autocensura é, na verdade, uma acusação dirigida ao
objeto, ou seja todas as recriminações que o sujeito faz a si mesmo, suas queixas,
sua auto- acusação são na verdade, punições dirigidas ao objeto perdido que se
agora encontra incorporado.
Uma importante distinção entre o quadro clínico da melancolia e o luto é que,
no primeiro, observa-se um empobrecimento do ego, fato que não se observa no
luto. Enquanto que no luto o mundo se tornou pobre e vazio, na melancolia é o
próprio ego que empobreceu.
Freud (1917) afirma ainda que na melancolia haveria certo bloqueio na
passagem dos traços mnêmicos do inconsciente ao consciente, produzindo então
um tipo de regressão narcísica, no sentido da organização do eu, levando o
melancólico a retirar-se do mundo externo e a se desprender de todo objeto de
investimento como dito anteriormente.
Oliveira (2001, p. 81) situa que o trabalho do luto consiste numa perda de
objeto, porém com o passar do tempo o eu acaba por reinvestir em si mesmo, e
sequencialmente, em outros objetos. Freud (1917) pontuou a resistência encontrada
no funcionamento psíquico, quer em relação às zonas erógenas investidas
libidinalmente, quer quanto à modalidade de relações de objeto, pois isso implica em
18

um trabalho mental para vencer a tendência à fixação, à inércia e à ausência de


excitação cujo modelo é a vida intrauterina.
Segundo Oliveira (2001), a partir de uma perspectiva não linear de se pensar
o desenvolvimento e/ou a constituição e funcionamento do psiquismo, a passagem
de uma nova etapa exige o abandono da anterior, para que se dê conta das novas
demandas internas e externas impostas ao sujeito. Isto ocorre desde o nascimento
até a morte (p.79-80). A autora ainda coloca o fato da palavra morte estar ligada ao
pesar, o luto, a finitude, dor e desespero. Portanto, o sofrimento é consequência da
morte. A autora afirma ainda, de forma irrefutável, que não há mudança sem
sofrimento.

Não há como sairmos ilesos de experiências dolorosas, pois a experiência é


uma professora severa porque é transformadora. (...) O fortalecimento
interno do indivíduo é propiciado pelo resgate do amor, da tolerância, e da
criatividade, após o reconhecimento da destrutividade, da inveja e do ciúme
– manifestações da pulsão de morte dentro de si. (OLIVEIRA, 2001, p.80).

No decorrer da vida tem-se várias perdas simbólicas que são inerentes ao


próprio desenvolvimento, pois a compreensão da constituição e funcionamento do
psiquismo abre uma nova perspectiva de relação com a morte e assim, ela pode ser
representada como própria da nossa existência por nós sermos seres mortais
(Oliveira, 2001, p.81).
De acordo com Allouch (2004) o processo de luto implica em um
enfrentamento doloroso e de intenso sacrifício, uma vez que o objeto perdido leva
para a morte uma parte do sujeito enlutado, que o autor define como "um pedaço de
si". A aproximação com a morte leva o sujeito a elaborar o luto. Nesta perspectiva,
podemos pensar no enlutado diante da morte efetuando a sua perda. Assim,
entendemos que o luto é extremamente importante de ser vivido, pois é um pedaço
de si que o sujeito está perdendo.

O enlutado nele efetua sua perda, suplementando-a com o que chamamos


um "pedaço de si" eis propriamente falando, o objeto deste sacrifício de luto,
esse pequeno pedaço nem de ti nem de mim, de si e portanto de ti e de
mim, mas na medida em que tu e eu permanecem, em si distintos.
(ALLOUCH,2004, p.12).

Nesta perspectiva, o sujeito perde algo de si junto com o objeto amado


marcando o seu valor fálico, respondendo a falta do objeto perdido. As
19

representações capazes de responder ausência permitem para a criança o encontro


com seu desejo, simbolizando a falta. Quando perdido, o objeto carrega um pedaço
do sujeito e isso se perde junto com o objeto, envolvendo assim um forte sacrifício
de elaboração.
Logo, conforme Allouch (2004) o que é oferecido ao luto é exatamente este
pedaço de si que é pertinente ao valor fálico, de grande valia para o sujeito. Sendo
uma parte integrante do próprio eu, a versão do luto vem caracterizar todo o trabalho
do enlutado, estando intimamente ligada com a perda de maneira simbólica e
interligada ao objeto perdido. Na verdade a morte invoca a impotência do sujeito,
colocando as cobranças da vida sobre o que não foi realizado, trata-se de uma
cobrança do próprio sujeito perante a perda. É necessário que seja realizado o
julgamento da verdade para que o sujeito possa compreender os fatos no real e
assim, introduzir as possibilidades de trabalhar com a perda, implicando-se frente à
morte, pois todos somos seres mortais.
Para o mesmo autor, neste sentido, o luto coloca o enlutado entre a realidade
e a verdade. A seu tempo predominará a verdade, pois o enlutado pensa encontrar
em outro lugar o que perdeu. Isso ocasiona uma negação fazendo o sujeito crer
fielmente que o objeto perdido está presente. Trata-se do julgamento que o sujeito
faz frente a situações de perda, e quando se dá conta da perda ele passa a acredita
que a morte do objeto é verdadeira, ou seja, ocorre a aceitação.
No entanto, Allouch (2004) afirma que todo o sacrifício do luto se expõe
perante a fragilidade do enlutado frente à perda existente. Diante da morte, a própria
presença/ausência do objeto determina que haja ou não fechamento do luto, de
maneira a mediar graciosamente do sacrifício deste. Portanto, o que está perdido,
ou desaparecido, adquire o estatuto de inexistente, assim o sujeito cessa as
possibilidades de relação com o objeto, levando consigo um pedaço de si, com um
valor fálico.
Sendo assim, neste primeiro capítulo buscou-se falar sobre o luto e a sua
elaboração na visão da psicanálise, porém nem sempre o sujeito consegue realizar
o processo de luto. Pensando nessa perspectiva no segundo capítulo serão
abordadas as consequências psíquicas de um luto não elaborado e quais os fatores
que podem provocar essa não elaboração.
20

2. O PROCESSO DO LUTO

Como foi dito no capítulo anterior, luto é um processo que se inicia após o
rompimento de um vínculo e estende-se até o período de sua elaboração quando o
indivíduo enlutado volta-se, novamente, ao mundo externo. O luto é um processo
essencial para que se possa reconstruir e se reorganizar, diante de uma perda. É
um desafio emocional, psíquico e cognitivo com o qual todos nós temos que
vivenciar quando sofremos alguma perda significativa.
Portanto, nesse capítulo aborda-se as consequências de um luto não
elaborado, pois existem situações em que esse processo não segue a evolução
esperada, ou seja, o indivíduo não consegue se reestruturar, podendo ocorrer uma
fixação numa das etapas do luto. Nesses casos observa-se uma dificuldade extrema
em aceitar a perda. Este luto não resolvido pode interferir no estado emocional da
pessoa, impactando significativamente a sua vida.
Apesar de o luto ser um processo universal, cada sujeito o vivencia de uma
forma diferente. Este processo varia de acordo com a faixa etária em que o indivíduo
se encontra e com o tipo de vinculação com o objeto perdido. Varia também de
acordo com a própria estrutura emocional do sujeito e a capacidade para lidar com
as perdas.
Worden (1998), relata a importância do processo de enlutamento, que este
seja vivenciado até ser elaborado, para que a dor da perda não fique reprimida. Tal
processo se dá de forma lenta e gradual, com duração variável para cada pessoa
como já dito anteriormente.

2.1 VIVER O LUTO

No intuito de trabalhar as consequências de um luto não elaborado


abordaremos inicialmente, o que seria uma passagem de um luto “normal”. A maioria
das pessoas pensa o luto como algo experenciado apenas na morte de um ente
querido. Mas não, o processo de luto pode desenvolver-se por diversas razões seja
a perda de um objeto, de um emprego ou o fim de um relacionamento. Na verdade
até mesmo os desastres naturais ou ataques terroristas, podem impulsionar um
processo de luto, pois há uma perda do senso de segurança e proteção.
21

De acordo com Parkes (1998) sempre que há uma perda significativa,


desenrola-se no sujeito um processo de luto necessário e fundamental que permita o
ajustamento de uma nova realidade, ou seja, a realidade da perda. Porém este exige
que o sujeito passe por muitas adaptações, e transformações, pelas quais o
enlutado tem que lidar para se reestruturar racionalmente e emocionalmente. Nos
seus estudos o autor, refere que o processo de luto pode ser acompanhado pelas
seguintes reações consideradas “normais”.
Fase de Entorpecimento: consiste em um período em que a pessoa poderá
sentir como se estivesse desligada da realidade, atordoada, desamparada,
imobilizada ou perdida. Nesta fase acontece a negação da perda que poderá surgir
como uma forma de defesa do ego contra um evento de difícil assimilação. A pessoa
vive e não registra o que aconteceu. Nada mais tem graça.
Fase de Anseio e Protesto: caracterizada por um período de emoções fortes,
sofrimento psicológico e agitação física. Nesta fase sentimentos de raiva são
dirigidos tanto a si, como a pessoas significativas. Mesmo tendo conhecimento da
morte, o enlutado ainda assim, irá procurar pela pessoa que morreu, chegando a
procurar a pessoa morta em locais onde esta pudesse estar.
Fase de Desespero: a compreensão de que a morte é real, e gradual, ou seja,
acontece aos poucos. Uma fase igualmente associada a momentos de apatia e
depressão. Por vezes verifica-se um afastamento das pessoas e atividades, falta de
interesse, assim como dificuldades de concentração na execução de tarefas
rotineiras. Os sintomas somáticos, tais como, insônias, perda de peso e de apetite,
são recorrentes. A sensação de que será impossível seguir a vida é alternada com a
sensação de que é necessário que esta seja reconstruída.
Fase da Recuperação e Restituição: nesta fase o sujeito abandona a ideia de
recuperar a pessoa que morreu e adaptar-se ao significado que essa perda tem na
sua vida. Aceitando assim a realidade da perda.
Já na concepção de Kübler-Ross (1998) a primeira fase do luto é a negação.
Quando a pessoa tem conhecimento de que um ente querido faleceu, a primeira
reação, geralmente, é não acreditar na mesma. A segunda fase é a raiva, que pode
ser direcionada para qualquer coisa ou pessoa. Como para a equipe de saúde que
falhou no trabalho para salvar aquele que morreu, ou ao próprio enlutado, por não
conseguir fazer nada para salvar o ente querido, assim como para Deus, que não o
protegeu.
22

Para a autora, a terceira fase é a barganha, a qual vem acompanhada pela


culpa, pois o sujeito tem certeza que poderia ter feito algo para impedir a morte da
pessoa amada. Nesta fase o sujeito faz súplicas a Deus prometendo que não fará
mais as coisas como antes, de que tudo será diferente. A quarta fase é a depressão,
que não deve ser vista como um estado patológico, que necessite a intervenção de
medicamentos. A quinta e última fase é a aceitação, caracterizada pela aceitação
por parte do enlutado da realidade. Ele passa a concordar com a perda daquele que
morreu, mesmo assim, a anuência não significa que tudo está resolvido. Porém, ela
oferece ao sujeito a possibilidade de enfrentar sua nova realidade e ressignificá-la.
Segundo Parkes (1998), a aceitação da perda só se dá a partir de um longo
processo de elaboração como já referido acima, não significa esquecer do objeto
perdido, mas sim de o sujeito restaurar novos laços sociais, recuperando vínculos
antigos e estabelecendo novas relações. Ele retoma a capacidade de se envolver
em atividades cotidianas. A literatura do luto afirma, que não há um tempo exato
para cada fase, e que elas não são consecutivas. Como já foi referido neste
trabalho, o luto é um sentimento individual, onde cada um vai vivenciá-lo de forma
diferente.
Worden (1998) argumenta que no momento em que as tarefas do luto são
completas, pode-se dizer que o luto está terminado. Outros indicadores mostram
que quando o sujeito consegue pensar no objeto que perdeu sem dor ou sofrimento
o luto esta elaborado. Com isto a pessoa pode reinvestir suas emoções e afeto num
outro objeto.
Pode-se afirmar que ao elaborar uma perda, o sujeito reorganiza seu
investimento. Com isso, o eu torna-se livre das inibições que a perda instituiu. No
entanto, Freud (1917) afirma que este sofrimento é determinado por um período que
será superado no tempo do sujeito, diferenciando-se assim, em cada ser humano.
Portanto, o luto é o movimento que o sujeito realiza psiquicamente para superar
momentos de perdas, tanto reais quanto simbólicas.
Conforme Melo (2004), o luto é um processo inevitável e atinge todos os
indivíduos que cercam o enlutado, inclusive aqueles que não conheciam a pessoa
falecida. Mas, especialmente os membros da família que passam pelo mesmo
processo, mas sempre de forma distinta.
Segundo Araújo e Alves (2015) determinam algumas formas de luto:
23

Luto convencional: se manifesta por um estado de choro, sentimento de


entorpecimento e de atordoamento. Inicialmente ocorre incompreensão do que
aconteceu para posteriormente dar lugar a expressão de sofrimento e desespero.
Efeitos físicos são expressos por meio de dificuldades para concentrar-se, fraqueza,
falta de apetite, perda de peso, dificuldades para respirar, problemas em dormir
tendo, sonhos que envolvem o ente querido.
O luto normal: caracterizado por reações e comportamentos condizentes
com a perda, pessoas que passam por seus estágios raramente necessitam de
ajuda médica ou psicológica.
Luto patológico: acontece quando algumas pessoas não tem uma resposta
adequada ao processo do luto. Nesse caso as pessoas podem apresentar tristeza
intensa, depressão maior, sintomas psicóticos ou ideação suicida. A perda súbita ou
trágica aumenta a possibilidade reforça o risco para que ocorra o luto patológico,
como as circunstâncias de sentimento de culpa pela morte do outro (real ou
imaginário), histórico de perdas traumáticas, forte dependência daquele que se foi.
Identificação excessiva ou psicose do luto: Nesta forma de luto a tristeza
acontece de modo distinto do luto normal. A pessoa enlutada pode se identificar com
aquele que se foi de maneira a assumir atributos admirados e ainda crer firmemente
que é o falecido ou ainda achar que está falecendo da mesma forma. Há muitos
casos de pessoas que afirmam escutar inclusive a voz do falecido, ou vê a sua
imagem. Nesta forma de luto, a pessoa tem certeza da volta do falecido, o que
transforma a sua aflição em convicção delirante. Além disso, a pessoa também pode
acreditar que o falecido ainda está vivo.
Luto adiado, inibido, ou negado: a notícia da morte de um ente querido
acende sentimentos de tristeza. Contudo, esta forma de luto é caracterizada pela
ausência de expressão. Algumas pessoas conseguem adiar a tristeza até que um
dia não conseguem mais evitar o sentir. As influências familiares e culturais podem
afetar o comportamento do enlutado, por exemplo, quando os homens são
estimulados a não chorar ou conter o choro. Além disso, as pessoas enlutadas são
incentivadas por amigos e familiares enlutados, a abandonar a experiência do luto.
Comum observar uma das pessoas da família vivendo seu processo de luto
isoladamente abandonando-o antes de tê-lo completado, assim caminha-se para a
repressão emocional. A tristeza negada ou inibida impede que a realidade da perda
seja vivida, assim, o enlutado pode deslocar o que está sentindo de forma
24

inconsciente para outros setores da vida. Sendo comum observar essas pessoas
vivenciando sintomas físicos iguais da pessoa que morreu.
Luto antecipatório: este tipo de luto refere-se à tristeza diante de uma perda
inevitável. Essa forma de luto acaba quando a perda ocorre de fato. Se no luto
normal a tristeza se abranda conforme o tempo avança, nesta forma de luto a
tristeza antecipatória aumenta na medida em que a perda torna-se mais presente
com a morte do ente querido.
Luto dos pais: a reação dos pais à morte de um filho muitas vezes é
acompanhada por sentimentos de culpa e abandono. Quando os pais depositam nos
filhos esperanças, desejos de conquistas, a dor poderá ser ainda maior, fazendo
com que os pais sintam por toda a vida as manifestações da perda desse filho. No
caso de pais com filhos portadores de doença, o enlutamento pode ter início a partir
da comunicação do diagnóstico, pela perda do filho esperado e idealizado.
Luto em crianças: O luto de uma criança é semelhante ao do adulto quando
ela é capaz de compreender o significado da morte. A criança sente desejo de estar
com a pessoa que faleceu desejando sua volta, quando se dá conta que isto não
acontecerá poderá torna-se retraída. Posteriormente, passa por uma fase de
distanciamento, onde começa a desinvestir o afeto àquele que se foi e passa a
preocupar-se por outras coisas. A criança no início poderá sentir obrigação de
encontrar alguém que substitua a pessoa que morreu, e esse sentimento poderá ser
transferido para outros adultos. Isso é importante para a criança, e deve ser
respeitado para o equilíbrio psicológico, principalmente quando a pessoa que partiu
se refere a um de seus pais.
Oliveira (2001) aborda sobre a questão do luto em condições calamitosas,
que no trabalho do luto, quando ocorrem mortes trágicas, como por exemplo a
queda de um avião, um naufrágio ou no caso de pessoas que por algum motivo
desaparecem, o processo do luto é um dos mais difíceis de serem elaborados, pois
não tem o corpo físico para "comprovar" a morte daquele que desapareceu. Os
sentimentos e as fantasias presentes na morte são vivenciados intensamente e de
forma incessante pelos membros da família do desaparecido. A não certificação de
que a pessoa está viva ou morta, favorece a esperança e sustenta a cada dia a
fantasia de que seu retorno ainda acontecerá.
25

O desaparecimento caracteriza-se como um rompimento sem aviso, sem


explicação, sem conclusão. Assim, diferentemente dos casos de morte, nestes
casos não há uma comprovação acerca do que de fato tenha acontecido com o ente
querido. Portanto, o objeto de amor não está presente, mas não se sabe se algum
dia voltará (OLIVEIRA, 2001).
De acordo com Oliveira (2001) as reações de luto são propensas a serem
mais intensas e podem levar a um quadro denominado de luto ambíguo:

“a perda é desconcertante e as pessoas se veem desorientadas e paralisadas. Não


sabem como se portar nessa situação. Não podem solucionar o problema porque
não sabem se este (o desaparecimento) é definitivo ou temporário [...] a incerteza
impede que as pessoas se adaptem à ambiguidade de sua perda, reorganizando os
papéis e as normas de suas relações com os outros queridos [...] se agarram à
esperança de que as coisas voltem a ser como eram antes [...] lhes são privados os
rituais que geralmente dão suporte a uma perda clara, tais como funerais depois de
uma morte na família.” (OLIVEIRA, 2001,p. 20).

Desta forma, o autor afirma que o luto nos casos de desaparecimentos, pode
emergir como uma reação normal à circunstância dada a sua complexidade, visto
que a solução para a perda depende fundamentalmente de fatores externos
daqueles que a vivenciam. Além disso, a desorganização diante do
desaparecimento de um ente querido abrange várias esferas da vida dos enlutados,

“Ao contrário da morte, uma perda ambígua pode nunca permitir que a
pessoa que sofre alcance o desapego necessário para encerrar
adequadamente seu luto (...) é sentida como uma perda, mas não é de fato.
As pessoas intercalam esperança e desespero, depois retomam esperança e
assim sucessivamente.” (OLIVEIRA 2001, p.23).

Portanto nos casos de desaparecimentos o trabalho do luto às vezes não


ocorre de forma "esperada," pois, a dor vivenciada pelos enlutados convive
corriqueiramente com a fé e a esperança do reencontro. Para os familiares de uma
pessoa desaparecida, as emoções alternam-se entre a esperança e o desespero
achando que essa pessoa um dia vai voltar (OLIVEIRA, 2001).
Deste modo, cabe ressaltar que a diferença entre a morte de fato
"comprovada" e um desaparecimento, reside no corpo que permite propagar a
materialidade de uma vida que acabou independente de qual foi o motivo. Já em um
desaparecimento, a materialidade do sujeito se constitui por meio de fotografias, de
suas roupas deixadas, em objetos de uso pessoal, em seu quarto, enfim de todas as
26

lembranças que a família persiste em manter viva até que o contrário torne-se
verdadeiro (OLIVEIRA 2001).

2.2 A NÃO ELABORAÇÃO DO LUTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS

Para entender porque tem pessoas que não desenvolvem o trabalho do luto,
torna-se fundamental considerar os fatores que podem influenciar na sua elaboração
estes sociais, culturais, físicos e subjetivos.
Considerando a estrutura psíquica do sujeito existem vários fatores que
podem interferir na não elaboração do luto, como pessoas que não toleram estresse
emocional, que não se permitem vivenciar sentimentos ou até mesmo uma posição
narcísica3 de fato não aceitar que perdeu o objeto.
Segundo Worden (1998). há pessoas que não conseguem tolerar extremos
de sofrimento emocional, e assim se afastam, como mecanismo de defesa do
próprio sujeito com a finalidade de se defender de sentimentos tão fortes. Devido a
esta incapacidade de tolerar a angústia emocional o sujeito desenvolve às vezes
uma reação de não viver o processo de luto, pois este exige que o sujeito sofra
perante o objeto que foi perdido.
Na concepção freudiana sobre os mecanismos de defesa do ego diz-se que
são processos inconscientes desenvolvidos pela personalidade, os quais possibilita
a mente desenvolver uma solução para conflitos, ansiedades, hostilidades, impulsos
agressivos e ressentimentos e frustrações não solucionadas a nível da consciência.
Outro fator que pode dificultar o processo de luto é quando a família elege
uma pessoa como sendo “a mais forte”, (em muitos casos o homem da família)
porém essa pessoa precisa de alguma forma responder a esse lugar no qual é
colocado e mostrar que está tudo bem. Que a pessoa não está em sofrimento.
Muitas vezes esses sujeitos guardam esses sentimentos para si e no decorrer da
sua vida, essa não vivência de luto pode vir desencadear algum sintoma. Que será
desenvolvido na decorrência deste trabalho.
Mais um mediador que pode influenciar no luto não elaborado são os fatores
sociais, que referem às situações em que a perda não é falada, como o que

3
[...] Em psicanálise narcisismo significa amor que o sujeito atribui a um objeto muito particular: a si mesmo.
(Chemama; 1995, pg. 140)
27

acontece muitas vezes em casos de morte por suicídio. Quando alguém morre
dessa forma trágica, ninguém quer falar ou comentar sobre o que aconteceu. De
acordo Worden (1998), o autor comenta que a morte por suicídio faz com que os
familiares ou amigos sintam vergonha, já que ele é visto em nossa sociedade como
um estigma. Considerando a ideia do autor, o luto é uma vivência esperada pela
perda de alguém querido e pode se tornar mais sofrido quando a morte for por
suicídio. Geralmente, quando a morte acontece dessa forma as circunstâncias são
ambíguas, assim há uma tendência dos familiares e amigos de não falarem sobre a
morte. Por consequência, esse silêncio pode interferir na elaboração do luto.
Segundo Martins e Leão (2010), geralmente quando a morte ocorre por
circunstâncias trágicas, a vivência do luto e o enfrentamento da realidade são
difíceis de serem elaborados. Seja por vergonha, seja pela restrição social devido a
representação negativa que o suicídio representa. Os familiares demonstram um
sentimento de culpa, por não terem conseguido evitar o acontecimento, assim estes
apresentam ansiedade e angústia por não compreenderem o que levou o sujeito a
fazer aquele ato. A sensação de desamparo ou ainda de revolta em não admitir a
perda é muito grande. O mesmo se aplica em casos de morte violenta, como será
exposto a seguir.
Mortes trágicas e violentas, como homicídio, suicídio ou morte ao contexto de
terrorismo, tem muito mais possibilidade de desenvolver transtorno de estresse pós
traumático (TEPT) nos familiares sobreviventes, do que às mortes naturais. Em tais
circunstâncias, os temas de violência, vitimização ou quando o falecido opta pela
morte sobrepujando a vida, como no caso de suicídio são interligados a outros
aspectos de luto, gerando um sofrimento traumático marcado por medo, horror,
vulnerabilidade. Conforme os seguintes autores:

Descrença, desespero, sintomas de ansiedade, preocupação com o falecido


e com as circunstâncias da morte, retraimento, hiperexcitação e disforia são
mais intensos e prolongados do que em outras circunstancias não
traumáticas, e pode existir um risco aumentado para outras complicações.
Embora estudos sobre o tratamento de sobreviventes de morte repentina
sejam poucos e dispersos, a maioria dos especialistas concorda que a
atenção inicial deve ser focada no sofrimento traumático, na noção de que
existe m papel para a farmacoterapia e a psicoterapia e que grupos de
apoio e mútua ajuda podem ser extremamente benéficos. (SADOCK;
SADOCK; RUIZ, 1997, 1357).
28

Outro fator social que dificulta o processo de elaboração do luto é quando a


perda é socialmente negada; por outras palavras quando a pessoa e os que estão
em sua volta agem como se nada tivesse acontecido. Diz respeito ao sofrimento
imputado ao sujeito pela negação da dor. E, nesse eixo, Fortes (2004) pontua que o
sujeito nega a dor, não só na relação que mantém com o seu próprio sofrimento,
mas também em relação à interação com o sofrimento do outro. Em suas palavras:

Na contemporaneidade, portanto há uma mudança nas formas de


subjetivar-se sendo algumas modificações observadas no modo como o
sujeito se relaciona com a dor (algo a ser evitado) e na diminuição do
espaço oferecido para interação com a alteridade. Esses dois aspectos
caminham juntos, já que a alteridade não deixa de provocar uma certa dose
de dor para o sujeito: outro oferece intensidades e diferentes que trazem um
estranhamento a estabilidade narcísica do eu. (FORTES, 2004, p. 69).

O sujeito enlutado perante o social, esta proibido de mostrar o seu sofrimento,


“sofrer é feio e gera mal estar”, pois estamos vivendo em um ideal que impõe que é
preciso ser feliz a qualquer preço, reforçando a tese de que aquilo que se encontra
em jogo, é justamente evitar sofrimento. Ou seja, não apenas tem o dever de ser
feliz, como tem o dever de não sofrer.
Conforme Freud (1929) desde os primórdios da existência os homens
esforçam-se para obter a felicidade; querem ser felizes. Para isso visam, por um
lado, a ausência de sofrimento e de desprazer, e por outro, a experiência de
intensos sentimentos de prazer. Contudo, há impedimentos a esta intenção, tanto
existenciais – felicidade, amor, liberdade e morte – quanto sociais.
Os imperativos sociais „comprimem‟ a subjetividade humana, exigindo
respostas que estão longe de ser otimistas. Elas refletem a inaptidão humana à
felicidade, além de revelar a condição de homem-objeto diante destas exigências.
Uma delas é o uso de psicofármacos como cura para o mal estar. O homem
encontra no remédio a solução para sua angústia e alívio para seu sofrimento.
De acordo com Birman (1997), quando um excesso não encontra o caminho
da descarga, o efeito vai se dar através do corpo, manifestando-se por situações de
estresse, pânico e outras perturbações psicossomáticas. Importante frisar que o
excesso é entendido aqui como tudo que excede a capacidade de metabolização do
sujeito, extrapolando sua capacidade psíquica.
O apelo ao prazer imediato impera na sociedade contemporânea como a
única possibilidade de alcançar a tão almejada felicidade. Cresce, a cada dia, a
29

tentativa incessante de corresponder às exigências de um modelo ideal imposto pela


sociedade do espetáculo. A cultura da imagem valoriza o ideal instantâneo, ou seja,
não há tempo a perder ou sofrer temos que entrar na corrida desenfreada sucesso
profissional, do consumo exagerado. E, neste contexto, a mídia articula, de forma
exaustiva, felicidade e consumo, as pessoas que são mais felizes são as que mais
consomem.
A felicidade se tornou um bem e está ali à espera de quem estiver disposto
e/ou tiver condições de comprá-la. Baudrillard apud Fortes (2009) retoma o
pensamento de que em nossa sociedade adquirir objetos traduz-se pela ilusão de
que a demanda de felicidade pode ser preenchida pelo consumo se o sujeito esta
sofrendo basta comprar alguma coisa, que o sofrimento acaba. E, nesta lógica,
conforto e bem-estar podem ser entendidos como sinônimos de felicidade.
Ao apostar na felicidade, o sujeito não tem levado em conta o percurso a
trilhar para atingir seu objetivo, o foco é predominantemente na fuga do sofrimento.
E, nessa luta, evita-se, a todo custo, qualquer situação de desprazer. Peres (2010)
ressalta que estamos vivendo a democratização da tristeza em sua dimensão mais
aguda. Não é mais uma forma de situar-se no mundo, porém uma característica do
homem da atualidade.
No processo de luto, quanto maior for o investimento afetivo objetal, maior
será a dificuldade de fazer a sua elaboração. Porém um dos lutos considerados
pelos autores como mais complicados de serem elaborados é a morte de um filho. A
morte de um filho, na maioria dos casos, é inesperada e nos remete à velha ordem
natural que seria, os pais morrerem primeiro, o que infelizmente nem sempre
acontece. Podemos dizer que a morte de um filho é uma perda irreparável.
A morte de um filho pode representar a impotência do amor dos pais para
com este, podendo colocar em dúvida a qualidade desse amor, como se esse
tivesse fracassado. Eles podem sentir-se culpados por sobreviverem e o filho não.
Esta culpa pode acarretar um luto não elaborado.
Segundo Laplanche e Pontalis, (2001) quando se tem uma morte abrupta,
ocorre uma ruptura brusca no investimento objetal, emergindo a pulsão de morte,
que é uma categoria fundamental das pulsões que se contrapõem à de vida,
tendendo à autodestruição. Esta pode ser ainda maior quando a morte for violenta.
Para as pessoas enlutadas fica um forte sentimento de culpa, fracasso e impotência.
30

De acordo com Parkes (1998) não é raro ocorrer em pais que perderam um
filho a reação de aniversário, ou seja, a data da morte ou do aniversário do falecido
faz com que estes vivam momentos de sofrimento psíquico ou mesmo somático.
Nos estudos de Casellato (2004), a perda de um filho implica num trabalho de luto
bem difícil, pois solicita adaptações tanto de aspectos individuais dos pais, no
enfrentamento desta situação, como adaptações na relação com o cônjuge, no
sistema familiar e na sociedade.
Seguindo a ideia do autor é comum os pais atribuírem qualidades ao filho
morto como o “favorito”, o “melhor” o que pode interferir na elaboração do luto. É
muito comum nesse período acontecer comparações entre os filhos vivos e o filho
idealizado que morreu. Os pais costumam viver sentimentos ambivalentes em
relação aos filhos que “sobreviveram”, pois sentem medo de investir afetivamente,
ou por outro lado passam a superproteger, com medo de perdê-los.
Freud (1915) nos lembra que embora o luto envolva graves afastamentos
daquilo que constitui uma atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre
considerá-lo como uma condição patológica e submetê-lo a tratamento
medicamentoso.
Sob essa visão, atualmente na nossa sociedade, é notória a intolerância à
frustração, recusa do sofrimento. O remédio então aqui se coloca como uma busca
de soluções rápidas para qualquer problema que se apresente na vida do
sujeito,ocorrendo risco de ter problemas na elaboração do luto. Por consequência
podem desencadear um prolongamento da vivência do luto, ou seja, um luto
prolongado.
Intervenções medicamentosas passaram a „calar‟ os pacientes não levando
em conta a singularidade de sua experiência, o contexto do adoecimento ou
qualquer outra consideração a respeito de seu sofrimento. O que importa é a
prescrição de um fármaco. O homem de fala „comprimida‟ assume o estatuto de
“Homem-Comprimido”. Se não pode falar, torna-se objeto, tanto de um saber que
vem „do Outro‟ quanto de intervenções químicas.
Os medicamentos são úteis num tratamento psicanalítico não pela „cura‟ dos
sintomas, mas na medida em que possibilitam ao sujeito poder falar. Essa sim, a
fala, é a matéria com a qual o analista trabalha. É por meio dela que o “Homem
Comprimido” poderá sair da compressão imposta por diagnósticos, por rótulos, e
pelos determinismos biológicos que compõem o saber clínico atual.
31

Os psicofármacos respondem aos novos modos de apresentação da


psicopatologia atual lançando mão de comprimidos que aliviam, apaziguam e até
mesmo lhe dão prazer diante do mal-estar provocado por alguma perda. Os
indivíduos consomem remédios, muitas vezes sem nem saber o que estão tomando.
Lançam mão destas drogas lícitas que além de efetuar soluções diante do mal-estar,
atestam sua „subjetividade comprimida‟.
A medicalização pode perturbar a consciência e provocar confusão e inibir o
progresso de recuperação da dor. Porém a medicação pode ser necessária em caso
de depressão ou ansiedades extremas. De acordo com Soares e Mautoni (2013) o
uso de medicamentos só é recomendado quando o enlutado sofre de uma patologia
que ameace sua vida, como doença cardíaca e hipertensão, ou tenha um distúrbio
psiquiátrico, como depressão e transtornos de ansiedade. Medicar o enlutado para
que ele não sofra adia o processo de luto.
Sobre o medicamento este comparece na cena para mediar o sofrimento
psíquico que perpassa as bordas corporais e sinaliza a impossibilidade de suportar a
angústia.
Segundo Simonetti (2011) o medicamento exerce uma ação química sobre o
organismo do sujeito na dimensão real, mas não esgota nisso, pois além de
substâncias químicas é também signo que porta muitos significados, dimensão
simbólica e sua assimilação pelo organismo do paciente, é influenciada pelas
fantasias do sujeito, do médico e da cultura dimensão do imaginário. Aqui sujeito
ocupa a boca apenas com medicações e não com palavras.
Para a farmacologia, inúmeros são os medicamentos utilizados
sucessivamente, pressupondo ações e efeitos massificantes. Em contraponto, o
saber que ele porta para aliviar a dor é da ordem do simbólico e acreditar nos seus
efeitos é da ordem do imaginário. Essas relações ocorrem por via oral, e muitas
vezes o excesso na medicalização se dá como recurso em contraposição à fala
como método terapêutico de elaboração.

Sobre o imaginário um aspecto importante é a oralidade. A imensa maioria


dos medicamentos é ministrada via oral, e isso não pode passar
despercebido quando estamos falando de seres cuja primeira zona erógena
localiza-se exatamente ali. De alguma forma o medicamento é uma
gratificação oral. Assim pensando-o um seio, podemos dizer que é quase
uma mãe. (Simonetti, 2011, p.191).
32

Heidemann (2010) nos esclarece “a entrada do medicamento como aquele


que faz função materna está associado a todo um contexto que não permite ao
sujeito sentir-se mal, função que as mães exercem com seus filhos” (p.293). Diante
da angústia inerente a falta constitutiva, repete-se a necessidade de poções
medicamentosas, pois felicidade e bem estar são ideais almejados, porém odiados
quando não se tem.
Segundo e mesmo autor relata que “medicamento porta em si a capacidade
de funcionar tanto como remédio ou como veneno; como fator de cura ou como
agente do esquecimento: tudo depende da palavra que acompanha a prescrição” (p.
304)
Para além da medicalização está o consumo de drogas ilícitas, sendo que,
esta pode interferir na não elaboração do luto, pois o uso de drogas se impõe para o
toxicômano como uma necessidade a ser satisfeita. Quando isto não ocorre produz
dor corporal. O enlutado quando começa a usar a droga este usufrui de todos os
efeitos prazerosos que a droga lhe oferece, a medida que avança a habituação,
mesmo sob o efeito da droga, ele acentua-se a dor. Aqui a droga vem como
amenizar o sofrimento, o toxicômano fica impedido de reinvestir a sua libido em
outros objetos. O prazer que a droga lhe oferece faz com que o sujeito crie um
circuito pseudo-pulsional, que realiza a atividade de ligação e causa um
empobrecimento do ego4 levando para resto da vida psíquica.
O reencontro com o objeto perdido é impossível, no entanto o toxicômano nos
diz que a droga é ou foi por muito tempo um objeto vital. Expressa, assim, a
negação da perda, remetendo-se uma negação precoce e fundamental, como
consequência de um acontecimento traumático inicial, registrado como um perda,
não deixando lugar ao fantasma. Aqui Melman afirma nesses casos a importância de
fazer análise, “este acontecimento traumático não pode ser interpretado senão
retroativamente, é justamente por isso que as construções na análise tem sua
importância” (1992, p. 27-28).
A construção, portanto, é uma intervenção especialmente priorizada visando
proporcionar que, o que foi registrado a posteriori como trauma em relação a uma
perda, possa ser vivido como uma experiência que tenha valor na história do sujeito.

4
[...] Na teoria freudiana ego ou eu é definido com uma instância em movimento, em constante
reelaboção, mas também é passivo e atuando por forças impossíveis de dominar, fazendo com que
seja enganado pelo isso. (Chemama; 1995, p. 65).
33

A droga passa a frustrar enquanto ideal, que o sujeito toxicômano não consegue
mais manter a negação da carência do objeto que foi perdido.
No trabalho do luto a droga é como um objeto estimado e, ao mesmo tempo
odiado que é gradativamente deslocado de posição Petit (1990) formula que, ao
longo do estabelecimento da dependência, no lugar do desejo, sobrepõe o uso
intenso de drogas e que, no processo de tratamento, no lugar do buraco que a droga
produz na vida do toxicômano, é necessário costurar uma série de significantes que
auxiliaram na elaboração do luto da droga e da função de interditar o gozo do Outro
que ela exerceu. Para o toxicômano a experiência com as drogas torna-se algo
inesquecível.
O que o toxicômano não cessa de escrever é a posição de resto, que ele
representa, quando está completamente identificado com a droga, na sua versão de
impotência. Este se expõe como refugo, como se através desse resto fosse a única
forma de falar ainda do seu desejo.
O processo de luto no toxicômano não se realiza, encontra-se numa posição
melancólica que tem como maior consequência a inibição, com as perdas na vida
pulsional, levando a um empobrecimento extensivo no psiquismo. A não elaboração
do processo de luto desencadeia uma dependência da droga. Neste sentido ocorre
um vazio, portanto o sujeito não subtrai sua libido não consegue deslocar para
outros objetos. Consequentemente, o sujeito permanece numa posição de
desesperança, enquanto a libido seguiria retraída ou ainda identificada com o objeto
perdido.
Conforme Freud (1917), embora o processo de luto gerasse muito sofrimento
e angustia para um sujeito, jamais ele o considerou, como uma patologia ou que o
paciente fosse submetido a um tratamento médico. Porém, a não elaboração do luto
pode gerar vários sintomas. O luto não pode ser evitado, é um processo que todos
ou quase todos nós já passamos em algum momento da vida.
Ainda segundo o autor, o luto deve ser entendido como algo natural, não
negado ou disfarçado. Isto é, tanto a pessoa enlutada ou como aqueles que
estiverem acolhendo esta pessoa não devem fingir, negar ou disfarçar o assunto.
Assumir a dor, a tristeza (muitas vezes profundas), se permitir a chorar, a se recolher
é fundamental.
Parkes (1998) relata que muitas doenças físicas e mentais têm sido
conferidas à experiência de perda. É normal os enlutados sentirem dores físicas,
34

cansaço, mal estar, sintomas aparentes provenientes de estado de nervosismo, no


entanto, também é comum os enlutados irem à procura de um médico após alguns
meses por ter perdido uma pessoa querida. Contudo, o autor afirma que o valor do
luto como agente de doenças mentais. Segundo Parkes:

Para compreender melhor os meios pelos quais o luto pode levar a


distúrbios psiquiátricos e para iniciar programas de prevenção e tratamento,
precisamos olhar mais de perto como as pessoas reagem ao luto, as
circunstâncias que favorecem o aparecimento de problemas e as atitudes
que podem ser tomadas, que podem interferir na situação, de maneira a
reduzir a patologia e encorajar o crescimento psicológico. (PARKES, 1998,
p 45).

Portanto, na visão do autor acima citado, o luto pode causar tanto doença
física quanto alguns distúrbios psiquiátricos ou problemas mentais, porém, isto
dependerá de como o enlutado reage ao luto. Ou seja, como esse indivíduo que
perdeu um ente querido lida com as frustrações da perda.
Conforme Caronte (2012) é frequente que, em alguns processos de luto, se
manifeste a depressão. Esta pode afetar o desenvolvimento saudável do processo,
apresentando-se, com isto, o risco de se estabelecer um luto patológico. Isto pode
acontecer sobretudo, com pessoas que tenham predisposições para a depressão ou
que anteriormente tenham sofrido depressões. Nos casos de luto causado pela
morte de uma pessoa significativa num homicídio, a probabilidade de se desenvolver
uma depressão é muito maior que em outros casos de perda por morte. A depressão
pode apresentar-se de diferentes maneiras, estando, no entanto, quase sempre
relacionado com o atraso na vivência de determinadas fases do luto. Uma morte
inesperada, como a de um filho ou do cônjuge; ou uma morte violenta são fatores de
risco para a formação de um luto patológico. Estudos recentes têm referido taxas
consideráveis de lutos patológicos constatados em familiares de vítimas de
homicídio, após vários anos.
O texto apresentado por Caronte (2012) faz uma distinção entre Depressão
Reativa e Depressão Endógena. A Depressão Reativa pode verificar-se após um
incidente que envolva uma perda significativa. A pessoa deprimida apresenta, apatia
e falta de motivação para a vida. Este estado pode prolongar-se mais do que seria
esperado normalmente (estágio da depressão no processo de luto), passando a ser
então considerada como patológica. No entanto, o fato de se demonstrar um estado
depressivo, não significa que exista uma Depressão Endógena.
35

A Depressão Endógena já existia como condição clínica do enlutado antes


que houvesse a perda. Nestas situações, a perda de alguém vai agravar o estado
depressivo, ou seja, agrava-se uma depressão já existente. Enquanto a recuperação
das depressões reativas são basicamente focadas no que aconteceu (na morte de
alguém, por exemplo), nas depressões endógenas o processo de recuperação é
fundamentado na história de vida da pessoa doente.
A Depressão, seja Reativa ou Endógena, implica, frequentemente, um
possível isolamento social, uma vez que tende a sentir-se isolada. Este isolamento
pode ocorrer ainda porque a pessoa tem consciência de que está particularmente
irascível e teme desagradar e/ou magoar familiares e amigos, afastando-se, ou
evitando estar em grupo.
Conforme informações veiculadas por Caronte (2012) se confunde a
depressão com estados gerais de tristeza (a depressão decorrente do luto): a
depressão é uma doença complexa, dominadora, e pode estabelecer-se
cronicamente se não for combatida. Em alguns casos, favorece o aparecimento de
outras doenças do foro psiquiátrico e pode, de fato, levar à morte.
Dessa forma, de acordo com Caronte (2012) perturbações de pânico, que são
manifestações extremas de ansiedade, caracterizam-se por ataques inesperados de
pânico intenso quando o doente é colocado em determinadas situações particulares,
ou devido ao medo de experimentar novos ataques. A causa exata que desencadeia
os ataques de pânico varia de pessoa para pessoa. Os ataques de pânico podem
ocorrer quando se enfrenta situações especialmente difíceis. Num ataque de pânico,
a pessoa não consegue controlar a sensação de medo. O ritmo cardíaco aumenta e
pode chegar a pensar tratar-se de um enfarte. Também sente dificuldade em ter um
raciocínio lógico, bem como em ter noção do tempo e do espaço. Não consegue se
expressar verbalmente.
Enfim, para Caronte (2012) a fobia social é outra das características da
depressão. Está fortemente associada a um medo persistente de estar inserido em
situações sociais diversas. A pessoa tende a evitar situações de convívio social, pois
estas causam-lhe angústia. Estar com outras pessoas, mesmo que não seja forçoso
interagir com estas (por exemplo, cumprimentar e/ou conversar), pode tornar-se,
então, angustiante. Depois de uma, ou de várias situações sociais (por exemplo,
num só dia), podem seguir-se vários dias de tristeza profunda. Nessas situações,
pode ocorrer um ou mais ataques de pânico.
36

Conforme Marques (2015) o luto apresenta sintomas semelhantes com a


depressão, tais como: tristeza, insônia, falta de apetite, perda de peso, desinteresse
pelas questões sociais, apatia, sentimentos de desespero, exaustão física e
psicológica e, em casos agudos, ideação suicida.
No entanto, existem algumas diferenças entre luto e depressão. Marques
(2015) citando a APA (American Psychiatric Association) observa que para distinguir
o luto de um episódio depressivo, deve-se considerar que no primeiro prevalecem
sentimentos de vazio e de perda, enquanto na depressão o humor deprimido é
constante e gera a incapacidade de atingir a felicidade. A intensidade da disforia
(estado caracterizado por ansiedade, depressão e inquietude) no luto, normalmente
diminui ao longo do dia e é mais oscilatória, com tendência a estar associada a
pensamentos ou lembranças envolvendo a perda. O humor de uma depressão é
inalterável, constante e não se relaciona com pensamentos ou preocupações
específicas.
De acordo com a autora num processo de luto a pessoa tem tendência a
manifestações de apoio. Mesmo que datas especiais, como os aniversários do ente
querido, possam reativar alguns sintomas de forma mais intensa. Já a Perturbação
Depressiva Maior, tende a ser mais intensa e a pessoa sente pouco alivio nos seus
sintomas.
Na perspectiva de Marques (2015) uma exceção a isso seria a Depressão
Atípica, em que acontecimentos positivos podem gerar bom humor. Contudo, uma
pessoa com Depressão Atípica tende a manifestar sintomas que são contrários
aqueles vivenciados no luto, como sonolência excessiva, excesso de apetite e
aumento de peso. Para a autora:

A dor do Luto pode ser acompanhada por emoções e humor positivos que
são pouco característicos da Depressão (neste caso os sentimentos de
infelicidade e inutilidade são mais constantes e intensos). O conteúdo dos
pensamentos associados ao Luto representam, geralmente, uma
preocupação com os pensamentos e memórias sobre a perda, em vez de
ruminações pessimistas, que habitualmente, se verificam em pessoas com
Depressão. No Luto, a autoestima, normalmente, encontra-se preservada,
enquanto numa Depressão os sentimentos de inutilidade e auto aversão
são comuns. Se a ideação autodepreciativa está presente no Luto,
geralmente, envolve a percepção de supostas falhas relacionadas com a
perda (por exemplo: sentir que não visitou vezes suficientes a pessoa que
morreu; não ter dito à pessoa que morreu o quanto a amava). (MARQUES,
2015, p 2).
37

De acordo com ela na depressão, os pensamentos tendem a ser mais


imutáveis do que numa situação de luto. Se a pessoa pensar acerca da morte, estes
pensamentos estão, com frequência, ligados ao falecido e sobre a probabilidade de
o enlutado ir de encontro à pessoa que morreu. Por sua vez, numa Perturbação
Depressiva Maior, estes pensamentos estão focalizados em abolir com a própria
vida pelo fato de se sentir indigno de viver e de ser incapaz de lidar com a
depressão. Num processo de luto a ansiedade e a agitação podem estar presentes,
já a ausência de energia é própria do quadro depressivo.
Conforme o DSM-5 os transtornos depressivos do luto persistem em
transtorno depressivo maior e transtorno depressivo persistente (distimia)
compartilham, tristeza, choro e pensamento suicida. Enquanto o transtorno
depressivo maior e o transtorno persistente podem compartilhar o transtorno de
complexo persistente, esse último é caracterizado por um foco na perda.
Marques (2015) afirma que no luto a perda é reconhecida e na depressão,
comumente, é negada. Enfim, quando se trata de um processo de luto, os sintomas,
de forma diferente da Depressão, relacionam-se somente com a situação de perda,
como a morte de um ente querido, ou seja, a dor é um reflexo da perda. Para a
autora:

Desta forma, percebe-se que a Depressão está mais associada ao


sentimento persistente de que se é inútil, de que o Mundo não tem
significado e de que não há esperança no futuro. Por outro lado, o Luto
remete para uma resposta emocional e adaptativa capaz de gerar
sentimentos de tristeza. Por este motivo é importante não se confundir
tristeza com Depressão. Tristeza é algo que todos já sentimos, é uma
emoção desagradável, desencadeada por uma perda importante e é um
fenômeno emocional normal e saudável. (MARQUES, 2015, p 3).

A mesma autora ainda observa que pesar do luto ser uma resposta emocional
de adaptação a uma perda, ele também pode ser um percurso muito doloroso para
algumas pessoas, o que as leva a procurar ajuda profissional. Nestes casos, torna-
se fundamental que os profissionais (e não só) desenvolvam competências para
diferenciar as manifestações normais de luto de outras perturbações.
Na concepção dos autores acima citados, os pontos mais críticos do luto não
vivenciado se caracterizam pelo abandono da própria vida, dos sonhos, dos
projetos, renúncia da saúde e dos cuidados da pessoa consigo, ou seja, autoestima
baixa. Normalmente, isso ocorre porque o enlutado sente-se culpado da perda ou
38

está numa negação com a realidade. A desistência dos sonhos traz consigo um
desejo de morte para se livrar da culpa de seguir com a vida enquanto o outro não
pode mais, ou também pode representar a possibilidade de se encontrar com a
pessoa falecida em outra dimensão. Uma das consequências frequentes de um luto
não elaborado é o suicídio que o sujeito enlutado tende a cometer.
De acordo com Werlang (2013) este afirma que muitas vezes o indivíduo que
pensa em suicídio não deseja realmente a morte, mas sim busca eliminar a dor e o
sofrimento. Portanto, o sujeito busca a morte como método.
No luto não elaborado, a depressão pode ser acompanhada por ideações
suicidas, podendo o doente tentar várias vezes suicidar-se .Estes suicídios são mais
frequentes nos homens, que nas mulheres.
Entende-se após o exposto acima a importância de viver o processo de
elaboração do luto para o sujeito. Uma vez que a não elaboração do mesmo pode
gerar sintomas que poderão afligir a vida deste que perdeu uma pessoa significativa,
afetando assim a sua capacidade de manter relações familiares e psicossociais.
Diante de tudo que foi discutido entende-se que o luto é um processo natural
e ocorre de forma individual, independente de gênero ou faixa etária. Este não pode
ser negado nem disfarçado. Percebe-se então que não é possível passar pelo luto
sem sofrimento. Sendo assim, é preciso vivenciá-lo para que o sujeito não reprima a
dor. Dessa forma, a dor poderá se manifestar em forma de sintoma, como foi
trabalhado neste capítulo.
39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer dos meus estudos, pude perceber o quanto a questão do luto é


pertinente e complexa, pois cada sujeito reage de uma forma diferente perante a
uma perda.
A partir do olhar da psicanálise foi possível perceber o quanto este processo
está presente em inúmeros momentos da vida do sujeito, não apenas no âmbito da
morte, mas em momentos importantes da vida psíquica como o abandono do útero e
do seio, a perda do corpo infantil na adolescência, entre tantos outros.
Diante do que foi trabalhado no segundo capítulo existem vários fatores que
podem dificultar a não elaboração do luto, tanto sociais, culturais e psíquicos.
Contextualizamos a depressão, na medicalização, nas mortes trágicas como nos
casos de suicídio e acidentes, todos fatores importantes e que podem dificultar a
elaboração do luto. Uma das possíveis conseqüências disso pode ser o surgimento
de sintomas como: pânico, depressão ou até mesmo pensamentos suicidas.
Destacando que, cada sujeito responderá de uma forma diferente as suas perdas,
ou seja, não podemos afirmar que sintomas, a não elaboração do luto pode gerar,
mas podemos pensar que existe uma grande probabilidade de que a não vivência
deste poderá evoluir para um algum tipo de patologia.
Lembramos que uma morte de um ente querido ou uma grande perda nunca
pode ser de fato superada, nada ocupará o lugar de vazio deixado, porém ao se
realizar o processo de luto de forma saudável, o sujeito tem condições de se
reposicionar subjetivamente frente a esta situação e, com o tempo, se reestabelecer,
conseguindo reinvestir libidinalmente em novos objetos.
Observa-se também a necessidade de profissionais da psicologia que
trabalham direta ou indiretamente com situações de perdas, venham a refletir sobre
o tema “luto” para a compreensão da importância da elaboração desta temática para
o campo da psicologia, no sentido de produzir novos conhecimentos para o futuro da
prática profissional.
40

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