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GUSTAVO SCHUBERT
SANTA ROSA,
DEZEMBRO DE 2017
GUSTAVO SCHUBERT
SANTA ROSA
DEZ DE 2017
“ É assim, chegar e partir
são só dois lados
da mesma viagem
o trem que chega
é o mesmo trem da partida
a hora do encontro
é também da despedida”
Encontros e despedidas
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
DEDICATÓRIA
INTRODUÇÃO ...............................................................................................7
1. O LUTO PELO OLHAR DA PSICANÁLISE ...............................................9
2. O PROCESSO DO LUTO ..........................................................................20
2.1. O VIVER O LUTO ...................................................................................20
2.2 A NÃO ELABORAÇÃO O LUTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS
................................................................................................................... ...26
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... ...39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... ...40
7
INTRODUÇÃO
acredita faltar a mãe, ocupando então o lugar do falo1. Para o autor, ser o falo da
mãe, é o que a criança busca. Nesse momento do Édipo ela está presa na dialética
ser ou não ser o falo e alienada no desejo da mãe.
De acordo com Chemama (1995, p.58) a fase do espelho é o aparecimento
do narcisismo primário, narcisismo no sentido pleno, pois indica a morte, ligada à
insuficiência de vida em que surge o narcisismo primário. De fato é uma fase da
constituição do ser humano, situada entre o sexto e décimo oitavo mês, período
caracterizado pela imaturidade do sistema nervoso. Esta prematuridade específica
do nascimento, no homem, é comprovada pelas fantasias de corpo fragmentado,
encontradas nos tratamentos psicanalíticos.Então deve-se compreender a fase do
espelho como uma identificação, isto é, a transformação produzida em um sujeito,
quando ele assume uma imagem.
No segundo tempo do Édipo quando intervém a palavra paterna na relação
mãe-filho, a criança é inserida na dialética da castração. A mediação paterna surge
sob a forma de privação. O significante Nome-do-Pai2 revela à mãe que ela não
pode reter o seu produto, e ao filho que ele não pode ser reintegrado à própria mãe.
O pai aparece como representante fálico, como o rival que vai promover o
deslizamento do filho com relação ao lugar fálico frente ao desejo materno. Diante
da função paterna há um deslocamento à representação do objeto fálico. A criança
percebe que o pai significa a Lei, e que a mãe também está submetida a essa Lei; o
desejo da mãe, assim, está contido na lei do desejo do Outro. Ou seja, o desejo da
mãe é dependente de um Outro, que detém o objeto de seu desejo: surge o pai
como possuidor do falo e da palavra do pai (LACAN, 1957-1958 , p. 198-199).
O terceiro tempo do conflito edípico é o momento do declínio do Complexo de
Édipo que traz o fim da rivalidade fálica com o pai em torno da mãe; nessa fase
ocorre a simbolização da Lei, a mãe e a criança inscrevem-se na dialética de ter. A
mãe não possuindo o falo pode ir à busca de quem o tem, e sabe onde procurar, no
lado do pai. O filho vai renunciar a ser o falo e irá à busca de vir a possuí-lo, para
isso vai trilhar o caminho da identificação com o pai. A menina por sua vez, renuncia
11
[...] Em psicanálise, o uso desse termo sublinha a função simbólica desempenhada pelo pênis na
dialética intra e intersubjetividade, enquanto o termo “pênis” é sobretudo reservado para designar o
órgão na sua realidade anatômica. (LAPLANHE; PONTALIS, 2001, p.166).
2
De acordo com Lacan (1999) pai como função em uma operação está articulado aos três registros
que Lacan formula: real, simbólico e imaginário. A dimensão simbólica se realiza pela escrita da
metáfora do Nome-do-Pai, a substituição do Desejo da mãe pelo significante do nome-do-pai.
11
Por isso toma-se aqui o conceito do narcisismo que conforme Freud (1914) é
definido a partir de duas maneiras particulares. O narcisismo primário e o
secundário. Quanto ao narcisismo primário este é o investimento depositado num
amor por si mesmo, um auto-erotismo. Já o narcisismo secundário refere-se a um
investimento do sujeito em um ideal. O narcisismo, desse modo resulta em um
investimento centralizado na relação entre a criança e seus pais. Assim, num
primeiro contato social a criança constrói sua percepção do mundo exterior, se
inserindo na cultura e na dinâmica familiar. Trata-se de um momento de formação do
sujeito, o qual se define pela relação edipiana, que movimenta as escolhas objetais,
como já falado anteriormente.
Todos esses elementos abordados até então, contribuem para perceber o
desenrolar do funcionamento psíquico de um sujeito. Com isso é possível
compreender como se dá o investimento objetal e as futuras relações que
influenciarão para a compreensão do luto.
Freud (1917) desenvolveu algumas considerações significativas sobre o luto e
melancolia. Este teórico refere que o luto se relaciona a um momento de
manifestação dolorosa frente a uma perda significativa para um sujeito. Segundo o
autor o valor psíquico que o sujeito investe sobre o objeto perdido é uma reação
perante a circunstância de uma perda. A existência psíquica do objeto caracteriza-se
pelo afeto, ou seja, quando você possui algum vínculo com uma pessoa. Então,
nesse sentido, em situações de perda, o sujeito precisa investir libidinalmente num
novo objeto.
De acordo com a teoria psicanalítica o conceito de libido pode ser vista como
uma energia, esta aproveitável para os instintos de vida. Segundo Freud, ela não é
algo apenas interno, algo que está ligado a desejos sexuais. Em sua teoria, ela está
estritamente relacionada aos fenômenos psicossociais. Também as alterações, as
características ou as modificações libidinais estão atreladas aos mesmos
fenômenos, isto é, o seu aumento ou a sua diminuição, a sua produção, a sua
distribuição, o seu deslocamento, tudo estaria relacionado ao mesmo processo.
Uma das principais características da libido está ligada ao seu deslocamento
ou mobilidade. O deslocamento da libido está diretamente unido a esse
desenvolvimento, que se passa durante a infância. Essa mobilidade está vinculada à
alternação do desejo sexual de uma área para outra do próprio corpo humano. Sua
atenção se volta para essa área, conforme a criança se desenvolve, como se ela
13
Freud (1926), fala sobre a inibição, que não apresenta necessariamente uma
implicação patológica, sendo uma restrição da função do ego imposta como medida
de precaução ou acarretada como resultado de um empobrecimento de energia. O
ego, no estado do luto, se vê envolvido e absorvido em uma tarefa psíquica
particularmente difícil, perdendo uma grande quantidade de energia à sua
disposição, tendo que reduzir o consumo dessa energia em muitos pontos ao
mesmo tempo.
O sujeito diante a uma perda, sente falta do objeto, afinal ele não existe mais
e suportar essa realidade traz sofrimento. Portanto, a realidade da perda atua para a
preservação do ego, solicitando um adiamento da satisfação. O ego está absorvido
neste processo por meio das lembranças vinculadas ao objeto, deste modo, obtém
uma satisfação imediata, na qual conserva e prolonga-se psiquicamente, nesse
meio-tempo, o sujeito crê na permanência da existência do objeto perdido. Segundo
Freud (1915), esta oposição ocasiona um desvio da realidade e um apego ao objeto
perdido.
Cada uma das lembranças e expectativas isoladas por meio das quais a libido
está vinculada ao objeto é invocada e a realidade da perda exige que toda a libido
seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Desta forma, o trabalho do luto é
concluído quando a realidade prevalece,atingindo certo grau de investimento, a
libido é desligada e o ego se vê livre e desinibido outra vez.
Mucida (2004) entende que quando o sujeito consegue metaforizar, encontrar
diferentes significados para um fato, mais efetivo é o trabalho do luto. Segundo a
autora, quanto mais possibilidades um sujeito tiver de se haver com a realidade de
que algo não se inscreverá jamais, suportando portando, a castração (um limite a
que estão submetidos) mais o trabalho do luto tratará de abrir outras inscrições e
reinscrições, a partir do que se preservou no eu do objeto amado, que se perdeu.
Dessa forma, Freud (1915) em Pulsões e suas Vicissitudes pensa a idéia de
morte como uma impossibilidade de ser representada pelos sujeitos, que
inconscientemente, acreditam-se imortais. Assinalando a conjunção estreita entre a
vida e morte, o autor assegura que todos os homens se opõem à idéia de que a vida
pulsional sirva para ocasionar a morte, que o circuito pulsional sirva para garantir
que o organismo seguirá seu próprio caminho em direção a uma morte mais natural
possível. Entretanto Freud (1920) levanta a hipótese de que a pulsão é uma
tentativa inerente à vida orgânica de retornar a um estado de plenitude. Assim, a
15
Um instinto, por outro lado jamais, atua como força que imprime um impacto
momentâneo, mas sempre como um impacto constante. Além disso, visto
que ele incide não a partir de fora, mas para dentro do organismo, não há
como fugir dele. O melhor termo para caracterizar um estímulo seria
necessidade. O que elimina uma necessidade é a satisfação. (FREUD,
1915,p.139).
porque agora trago-o dentro de mim e nunca mais poderei perdê-lo”. (OLIVEIRA,
2001, p.96).
No luto, o objeto amado não existe mais, fazendo com que toda a libido seja
retirada dele, também não existe nada de inconsciente sobre a perda, pois o objeto
perdido está presente no nosso consciente. Já a melancolia refere-se a uma perda
do próprio eu, esta de nível simbólico. Quer dizer, o melancólico pode saber quem
ele perdeu, porém não sabe o que de fato perdeu, pois se trata de uma perda do
ego, sendo esta de valor narcísico. Conforme Freud:
[...] mesmo que o paciente esteja consciente da perda que deu origem a sua
melancolia, mas apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas não
o que ele perdeu nesse alguém. Isso sugeria que a melancolia está de
alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em
contraposição ao luto, na qual não existe de inconsciente a respeito da
perda (1917, p. 251).
2. O PROCESSO DO LUTO
Como foi dito no capítulo anterior, luto é um processo que se inicia após o
rompimento de um vínculo e estende-se até o período de sua elaboração quando o
indivíduo enlutado volta-se, novamente, ao mundo externo. O luto é um processo
essencial para que se possa reconstruir e se reorganizar, diante de uma perda. É
um desafio emocional, psíquico e cognitivo com o qual todos nós temos que
vivenciar quando sofremos alguma perda significativa.
Portanto, nesse capítulo aborda-se as consequências de um luto não
elaborado, pois existem situações em que esse processo não segue a evolução
esperada, ou seja, o indivíduo não consegue se reestruturar, podendo ocorrer uma
fixação numa das etapas do luto. Nesses casos observa-se uma dificuldade extrema
em aceitar a perda. Este luto não resolvido pode interferir no estado emocional da
pessoa, impactando significativamente a sua vida.
Apesar de o luto ser um processo universal, cada sujeito o vivencia de uma
forma diferente. Este processo varia de acordo com a faixa etária em que o indivíduo
se encontra e com o tipo de vinculação com o objeto perdido. Varia também de
acordo com a própria estrutura emocional do sujeito e a capacidade para lidar com
as perdas.
Worden (1998), relata a importância do processo de enlutamento, que este
seja vivenciado até ser elaborado, para que a dor da perda não fique reprimida. Tal
processo se dá de forma lenta e gradual, com duração variável para cada pessoa
como já dito anteriormente.
inconsciente para outros setores da vida. Sendo comum observar essas pessoas
vivenciando sintomas físicos iguais da pessoa que morreu.
Luto antecipatório: este tipo de luto refere-se à tristeza diante de uma perda
inevitável. Essa forma de luto acaba quando a perda ocorre de fato. Se no luto
normal a tristeza se abranda conforme o tempo avança, nesta forma de luto a
tristeza antecipatória aumenta na medida em que a perda torna-se mais presente
com a morte do ente querido.
Luto dos pais: a reação dos pais à morte de um filho muitas vezes é
acompanhada por sentimentos de culpa e abandono. Quando os pais depositam nos
filhos esperanças, desejos de conquistas, a dor poderá ser ainda maior, fazendo
com que os pais sintam por toda a vida as manifestações da perda desse filho. No
caso de pais com filhos portadores de doença, o enlutamento pode ter início a partir
da comunicação do diagnóstico, pela perda do filho esperado e idealizado.
Luto em crianças: O luto de uma criança é semelhante ao do adulto quando
ela é capaz de compreender o significado da morte. A criança sente desejo de estar
com a pessoa que faleceu desejando sua volta, quando se dá conta que isto não
acontecerá poderá torna-se retraída. Posteriormente, passa por uma fase de
distanciamento, onde começa a desinvestir o afeto àquele que se foi e passa a
preocupar-se por outras coisas. A criança no início poderá sentir obrigação de
encontrar alguém que substitua a pessoa que morreu, e esse sentimento poderá ser
transferido para outros adultos. Isso é importante para a criança, e deve ser
respeitado para o equilíbrio psicológico, principalmente quando a pessoa que partiu
se refere a um de seus pais.
Oliveira (2001) aborda sobre a questão do luto em condições calamitosas,
que no trabalho do luto, quando ocorrem mortes trágicas, como por exemplo a
queda de um avião, um naufrágio ou no caso de pessoas que por algum motivo
desaparecem, o processo do luto é um dos mais difíceis de serem elaborados, pois
não tem o corpo físico para "comprovar" a morte daquele que desapareceu. Os
sentimentos e as fantasias presentes na morte são vivenciados intensamente e de
forma incessante pelos membros da família do desaparecido. A não certificação de
que a pessoa está viva ou morta, favorece a esperança e sustenta a cada dia a
fantasia de que seu retorno ainda acontecerá.
25
Desta forma, o autor afirma que o luto nos casos de desaparecimentos, pode
emergir como uma reação normal à circunstância dada a sua complexidade, visto
que a solução para a perda depende fundamentalmente de fatores externos
daqueles que a vivenciam. Além disso, a desorganização diante do
desaparecimento de um ente querido abrange várias esferas da vida dos enlutados,
“Ao contrário da morte, uma perda ambígua pode nunca permitir que a
pessoa que sofre alcance o desapego necessário para encerrar
adequadamente seu luto (...) é sentida como uma perda, mas não é de fato.
As pessoas intercalam esperança e desespero, depois retomam esperança e
assim sucessivamente.” (OLIVEIRA 2001, p.23).
lembranças que a família persiste em manter viva até que o contrário torne-se
verdadeiro (OLIVEIRA 2001).
Para entender porque tem pessoas que não desenvolvem o trabalho do luto,
torna-se fundamental considerar os fatores que podem influenciar na sua elaboração
estes sociais, culturais, físicos e subjetivos.
Considerando a estrutura psíquica do sujeito existem vários fatores que
podem interferir na não elaboração do luto, como pessoas que não toleram estresse
emocional, que não se permitem vivenciar sentimentos ou até mesmo uma posição
narcísica3 de fato não aceitar que perdeu o objeto.
Segundo Worden (1998). há pessoas que não conseguem tolerar extremos
de sofrimento emocional, e assim se afastam, como mecanismo de defesa do
próprio sujeito com a finalidade de se defender de sentimentos tão fortes. Devido a
esta incapacidade de tolerar a angústia emocional o sujeito desenvolve às vezes
uma reação de não viver o processo de luto, pois este exige que o sujeito sofra
perante o objeto que foi perdido.
Na concepção freudiana sobre os mecanismos de defesa do ego diz-se que
são processos inconscientes desenvolvidos pela personalidade, os quais possibilita
a mente desenvolver uma solução para conflitos, ansiedades, hostilidades, impulsos
agressivos e ressentimentos e frustrações não solucionadas a nível da consciência.
Outro fator que pode dificultar o processo de luto é quando a família elege
uma pessoa como sendo “a mais forte”, (em muitos casos o homem da família)
porém essa pessoa precisa de alguma forma responder a esse lugar no qual é
colocado e mostrar que está tudo bem. Que a pessoa não está em sofrimento.
Muitas vezes esses sujeitos guardam esses sentimentos para si e no decorrer da
sua vida, essa não vivência de luto pode vir desencadear algum sintoma. Que será
desenvolvido na decorrência deste trabalho.
Mais um mediador que pode influenciar no luto não elaborado são os fatores
sociais, que referem às situações em que a perda não é falada, como o que
3
[...] Em psicanálise narcisismo significa amor que o sujeito atribui a um objeto muito particular: a si mesmo.
(Chemama; 1995, pg. 140)
27
acontece muitas vezes em casos de morte por suicídio. Quando alguém morre
dessa forma trágica, ninguém quer falar ou comentar sobre o que aconteceu. De
acordo Worden (1998), o autor comenta que a morte por suicídio faz com que os
familiares ou amigos sintam vergonha, já que ele é visto em nossa sociedade como
um estigma. Considerando a ideia do autor, o luto é uma vivência esperada pela
perda de alguém querido e pode se tornar mais sofrido quando a morte for por
suicídio. Geralmente, quando a morte acontece dessa forma as circunstâncias são
ambíguas, assim há uma tendência dos familiares e amigos de não falarem sobre a
morte. Por consequência, esse silêncio pode interferir na elaboração do luto.
Segundo Martins e Leão (2010), geralmente quando a morte ocorre por
circunstâncias trágicas, a vivência do luto e o enfrentamento da realidade são
difíceis de serem elaborados. Seja por vergonha, seja pela restrição social devido a
representação negativa que o suicídio representa. Os familiares demonstram um
sentimento de culpa, por não terem conseguido evitar o acontecimento, assim estes
apresentam ansiedade e angústia por não compreenderem o que levou o sujeito a
fazer aquele ato. A sensação de desamparo ou ainda de revolta em não admitir a
perda é muito grande. O mesmo se aplica em casos de morte violenta, como será
exposto a seguir.
Mortes trágicas e violentas, como homicídio, suicídio ou morte ao contexto de
terrorismo, tem muito mais possibilidade de desenvolver transtorno de estresse pós
traumático (TEPT) nos familiares sobreviventes, do que às mortes naturais. Em tais
circunstâncias, os temas de violência, vitimização ou quando o falecido opta pela
morte sobrepujando a vida, como no caso de suicídio são interligados a outros
aspectos de luto, gerando um sofrimento traumático marcado por medo, horror,
vulnerabilidade. Conforme os seguintes autores:
De acordo com Parkes (1998) não é raro ocorrer em pais que perderam um
filho a reação de aniversário, ou seja, a data da morte ou do aniversário do falecido
faz com que estes vivam momentos de sofrimento psíquico ou mesmo somático.
Nos estudos de Casellato (2004), a perda de um filho implica num trabalho de luto
bem difícil, pois solicita adaptações tanto de aspectos individuais dos pais, no
enfrentamento desta situação, como adaptações na relação com o cônjuge, no
sistema familiar e na sociedade.
Seguindo a ideia do autor é comum os pais atribuírem qualidades ao filho
morto como o “favorito”, o “melhor” o que pode interferir na elaboração do luto. É
muito comum nesse período acontecer comparações entre os filhos vivos e o filho
idealizado que morreu. Os pais costumam viver sentimentos ambivalentes em
relação aos filhos que “sobreviveram”, pois sentem medo de investir afetivamente,
ou por outro lado passam a superproteger, com medo de perdê-los.
Freud (1915) nos lembra que embora o luto envolva graves afastamentos
daquilo que constitui uma atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre
considerá-lo como uma condição patológica e submetê-lo a tratamento
medicamentoso.
Sob essa visão, atualmente na nossa sociedade, é notória a intolerância à
frustração, recusa do sofrimento. O remédio então aqui se coloca como uma busca
de soluções rápidas para qualquer problema que se apresente na vida do
sujeito,ocorrendo risco de ter problemas na elaboração do luto. Por consequência
podem desencadear um prolongamento da vivência do luto, ou seja, um luto
prolongado.
Intervenções medicamentosas passaram a „calar‟ os pacientes não levando
em conta a singularidade de sua experiência, o contexto do adoecimento ou
qualquer outra consideração a respeito de seu sofrimento. O que importa é a
prescrição de um fármaco. O homem de fala „comprimida‟ assume o estatuto de
“Homem-Comprimido”. Se não pode falar, torna-se objeto, tanto de um saber que
vem „do Outro‟ quanto de intervenções químicas.
Os medicamentos são úteis num tratamento psicanalítico não pela „cura‟ dos
sintomas, mas na medida em que possibilitam ao sujeito poder falar. Essa sim, a
fala, é a matéria com a qual o analista trabalha. É por meio dela que o “Homem
Comprimido” poderá sair da compressão imposta por diagnósticos, por rótulos, e
pelos determinismos biológicos que compõem o saber clínico atual.
31
4
[...] Na teoria freudiana ego ou eu é definido com uma instância em movimento, em constante
reelaboção, mas também é passivo e atuando por forças impossíveis de dominar, fazendo com que
seja enganado pelo isso. (Chemama; 1995, p. 65).
33
A droga passa a frustrar enquanto ideal, que o sujeito toxicômano não consegue
mais manter a negação da carência do objeto que foi perdido.
No trabalho do luto a droga é como um objeto estimado e, ao mesmo tempo
odiado que é gradativamente deslocado de posição Petit (1990) formula que, ao
longo do estabelecimento da dependência, no lugar do desejo, sobrepõe o uso
intenso de drogas e que, no processo de tratamento, no lugar do buraco que a droga
produz na vida do toxicômano, é necessário costurar uma série de significantes que
auxiliaram na elaboração do luto da droga e da função de interditar o gozo do Outro
que ela exerceu. Para o toxicômano a experiência com as drogas torna-se algo
inesquecível.
O que o toxicômano não cessa de escrever é a posição de resto, que ele
representa, quando está completamente identificado com a droga, na sua versão de
impotência. Este se expõe como refugo, como se através desse resto fosse a única
forma de falar ainda do seu desejo.
O processo de luto no toxicômano não se realiza, encontra-se numa posição
melancólica que tem como maior consequência a inibição, com as perdas na vida
pulsional, levando a um empobrecimento extensivo no psiquismo. A não elaboração
do processo de luto desencadeia uma dependência da droga. Neste sentido ocorre
um vazio, portanto o sujeito não subtrai sua libido não consegue deslocar para
outros objetos. Consequentemente, o sujeito permanece numa posição de
desesperança, enquanto a libido seguiria retraída ou ainda identificada com o objeto
perdido.
Conforme Freud (1917), embora o processo de luto gerasse muito sofrimento
e angustia para um sujeito, jamais ele o considerou, como uma patologia ou que o
paciente fosse submetido a um tratamento médico. Porém, a não elaboração do luto
pode gerar vários sintomas. O luto não pode ser evitado, é um processo que todos
ou quase todos nós já passamos em algum momento da vida.
Ainda segundo o autor, o luto deve ser entendido como algo natural, não
negado ou disfarçado. Isto é, tanto a pessoa enlutada ou como aqueles que
estiverem acolhendo esta pessoa não devem fingir, negar ou disfarçar o assunto.
Assumir a dor, a tristeza (muitas vezes profundas), se permitir a chorar, a se recolher
é fundamental.
Parkes (1998) relata que muitas doenças físicas e mentais têm sido
conferidas à experiência de perda. É normal os enlutados sentirem dores físicas,
34
Portanto, na visão do autor acima citado, o luto pode causar tanto doença
física quanto alguns distúrbios psiquiátricos ou problemas mentais, porém, isto
dependerá de como o enlutado reage ao luto. Ou seja, como esse indivíduo que
perdeu um ente querido lida com as frustrações da perda.
Conforme Caronte (2012) é frequente que, em alguns processos de luto, se
manifeste a depressão. Esta pode afetar o desenvolvimento saudável do processo,
apresentando-se, com isto, o risco de se estabelecer um luto patológico. Isto pode
acontecer sobretudo, com pessoas que tenham predisposições para a depressão ou
que anteriormente tenham sofrido depressões. Nos casos de luto causado pela
morte de uma pessoa significativa num homicídio, a probabilidade de se desenvolver
uma depressão é muito maior que em outros casos de perda por morte. A depressão
pode apresentar-se de diferentes maneiras, estando, no entanto, quase sempre
relacionado com o atraso na vivência de determinadas fases do luto. Uma morte
inesperada, como a de um filho ou do cônjuge; ou uma morte violenta são fatores de
risco para a formação de um luto patológico. Estudos recentes têm referido taxas
consideráveis de lutos patológicos constatados em familiares de vítimas de
homicídio, após vários anos.
O texto apresentado por Caronte (2012) faz uma distinção entre Depressão
Reativa e Depressão Endógena. A Depressão Reativa pode verificar-se após um
incidente que envolva uma perda significativa. A pessoa deprimida apresenta, apatia
e falta de motivação para a vida. Este estado pode prolongar-se mais do que seria
esperado normalmente (estágio da depressão no processo de luto), passando a ser
então considerada como patológica. No entanto, o fato de se demonstrar um estado
depressivo, não significa que exista uma Depressão Endógena.
35
A dor do Luto pode ser acompanhada por emoções e humor positivos que
são pouco característicos da Depressão (neste caso os sentimentos de
infelicidade e inutilidade são mais constantes e intensos). O conteúdo dos
pensamentos associados ao Luto representam, geralmente, uma
preocupação com os pensamentos e memórias sobre a perda, em vez de
ruminações pessimistas, que habitualmente, se verificam em pessoas com
Depressão. No Luto, a autoestima, normalmente, encontra-se preservada,
enquanto numa Depressão os sentimentos de inutilidade e auto aversão
são comuns. Se a ideação autodepreciativa está presente no Luto,
geralmente, envolve a percepção de supostas falhas relacionadas com a
perda (por exemplo: sentir que não visitou vezes suficientes a pessoa que
morreu; não ter dito à pessoa que morreu o quanto a amava). (MARQUES,
2015, p 2).
37
A mesma autora ainda observa que pesar do luto ser uma resposta emocional
de adaptação a uma perda, ele também pode ser um percurso muito doloroso para
algumas pessoas, o que as leva a procurar ajuda profissional. Nestes casos, torna-
se fundamental que os profissionais (e não só) desenvolvam competências para
diferenciar as manifestações normais de luto de outras perturbações.
Na concepção dos autores acima citados, os pontos mais críticos do luto não
vivenciado se caracterizam pelo abandono da própria vida, dos sonhos, dos
projetos, renúncia da saúde e dos cuidados da pessoa consigo, ou seja, autoestima
baixa. Normalmente, isso ocorre porque o enlutado sente-se culpado da perda ou
38
está numa negação com a realidade. A desistência dos sonhos traz consigo um
desejo de morte para se livrar da culpa de seguir com a vida enquanto o outro não
pode mais, ou também pode representar a possibilidade de se encontrar com a
pessoa falecida em outra dimensão. Uma das consequências frequentes de um luto
não elaborado é o suicídio que o sujeito enlutado tende a cometer.
De acordo com Werlang (2013) este afirma que muitas vezes o indivíduo que
pensa em suicídio não deseja realmente a morte, mas sim busca eliminar a dor e o
sofrimento. Portanto, o sujeito busca a morte como método.
No luto não elaborado, a depressão pode ser acompanhada por ideações
suicidas, podendo o doente tentar várias vezes suicidar-se .Estes suicídios são mais
frequentes nos homens, que nas mulheres.
Entende-se após o exposto acima a importância de viver o processo de
elaboração do luto para o sujeito. Uma vez que a não elaboração do mesmo pode
gerar sintomas que poderão afligir a vida deste que perdeu uma pessoa significativa,
afetando assim a sua capacidade de manter relações familiares e psicossociais.
Diante de tudo que foi discutido entende-se que o luto é um processo natural
e ocorre de forma individual, independente de gênero ou faixa etária. Este não pode
ser negado nem disfarçado. Percebe-se então que não é possível passar pelo luto
sem sofrimento. Sendo assim, é preciso vivenciá-lo para que o sujeito não reprima a
dor. Dessa forma, a dor poderá se manifestar em forma de sintoma, como foi
trabalhado neste capítulo.
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brasileira. Rio de Janeiro: Imago 1996.
______. O Ego e o Id (1923). In: O Ego e o ID e Outros Trabalhos (1923-1925).
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
Vol. XIX, Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 33-40.
41
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Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago.
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1998.