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Maarten Aalbarse
1. INTRODUÇÃO
Pretendo descrever o processo terapêutico sob uma perspectiva algo diferente
discutindo-o como um processo de grounding.
Primeiramente, apresentarei exemplos de alguns conceitos básicos e heranças
filosóficas oriundos da antiga tradição da espiritualidade ocidental, da psicodinâmica
moderna, do pensamento existencial e de minha própria experiência com a terapia
neo-reichiana.
Desenvolvida esta perspectiva teórica, trabalharei posteriormente com o processo
terapêutico. Dado que o modelo de terapia desenvolvido pó James Masterson em
sua longa experiência com clientes limítrofes e narcísicos é altamente relevante para
este tema, apresentarei um resumo das suas teorias e tecerei alguns comentários
sobre o modo como este modelo se relaciona com a teoria do vínculo e o processo
de grounding.
A isso se seguirá uma descrição de alguns modos de interrupção de tendências para
se elevar acima do chão ou afundar-se nele, já que são padrões básicos da
ausência de grounding.
À medida ·que vai melhorando o seu grounded, o cliente entra em contato com
sentimentos aterrorizantes de abandono; tentarei esclarecer os componentes
emocionais mais importantes da depressão de abandono que vai emergindo.
Voltando à teoria do vínculo, ilustrarei a maneira como se pode lidar com esta
situação assustadora nos quatro níveis de vínculo.
À medida que a terapia progride, o cliente se move do abandono à aceitação da
solidão existencial; exemplificarei o modo como os clientes podem experienciar esta
solidão nos quatro níveis de vínculo. A solidão existencial é ao mesmo tempo
dolorosa e desafiadora, e eu sugerirei alguns meios de aceitar esse desafio para que
se curem.
O cliente pode se tomar tão preocupado com a sua solidão que precise se abrir
(novamente) para a dimensão coletiva ou universal da sua experiência. Isso não
precisa ser uma fuga da sua solidão; no caso, a intenção é antes manter esta
polaridade existencial (a de ser só e pertencer a algo, ou, como descreveu Bugental:
"De estar à parte e ser uma parte ao mesmo tempo") em equilíbrio dinâmico.
Portanto, incluirei algumas intervenções que podem ajudar o cliente a se conectar
novamente com essa dimensão Universal.
A última recompensa deste processo, os momentos preciosos de transcendência da
solidão e experienciação da unidade (que é diferente da experienciação da
universalidade), serão aqui apenas sugeridos, Dar a este último tema a atenção que
merece exige algo que está "além de mim"; ou, pelo menos, além do tempo e do
espaço que tenho disponíveis no momento.
5. DISCUSSÃO
A "noite negra" espiritual e a depressão de abandono são fundamentalmente
diferentes ou estreitamente paralelas?
Tendo descrito as duas experiências da noite negra por que passam muitas pessoas
que se dedicam à contemplação e os sentimentos de abandono que voltam a
emergir na psicoterapia dinâmica, a pergunta que fica é: Quão similares são esses
dois processos?
As citações que inicialmente coloquei oriundas de místicos passando pela noite
negra poderiam muito bem ter vindo de clientes em depressão de abandono.
Ken Wilber, por outro lado, afirma categoricamente que as depressões de abandono
narcísica, limítrofe e neurótica não deveriam ser confundidas com o abandono da
noite negra da alma, apontando que são dinâmicas muito diferentes; ele fornece dois
argumentos para fundamentar esta opinião:
1) O místico estabeleceu contato com a fonte da bem-aventurança e percebeu o
significado da vida apenas para perdê-Io novamente. Wilber sugere que esta é a
diferença fundamental com relação ao abandono (pré) edípico.
2) Um segundo argumento é que "não importa quão profunda a depressão ou agonia
dá noite negra possam ser, a literatura não apresenta virtualmente nenhum desses
casos conduzindo ao suicídio (em forte contraste com as depressões existenciais ou
Iimítrofes, por exemplo)".
Quero tecer comentários a respeito de cada um desses dois argumentos.
1) Eu descreveria esta diferença entre a maioria dos clientes e os místicos de uma
maneira um pouco diferente. Muitos clientes perderam o caminho de volta para a
sua fonte de bem-aventurança nos primeiros meses de suas vidas.
O místico que passa pela noite negra, por outro lado, perdeu o contato com a fonte
de bem-aventurança que experienciou recentemente. Portanto, ele viverá esta perda
de um modo muito mais agudo e estará muito mais consciente do que perdeu do
que a maioria dos clientes.
Poder-se-ia argumentar que a bem-aventurança "vinda de Deus" nas primeiras
experiências místicas são bem diferentes da que uma criança sente nos seus
momentos de fusão ou simbiose com a mãe. Não estou tão certo disso:
É bem possível que um feto e um bebê não só sintam (pelo menos algumas vezes)
uma fusão bem-aventurada com a mãe, mas também estejam em contato com
realidades transcendentais. Ou, como colocou Boadella: "Há muitas evidências de
que o feto é altamente psíquico". Pode ser que nas primeiras experiências místicas
haja um forte elemento de retorno à vivência anterior aos estados pré-pessoais.
Fico impressionado com a freqüência com que os mestres espirituais mencionam a
analogia entre a criança amamentada pela mãe e' a bem-aventurança das primeiras
experiências místicas.
Desenvolver o grounding significa, neste caso: soltar essa pose, ceder, tomar-se
mais humilde e admitir nossa insegurança com "pernas trêmulas". O medo de cair
neste caso é sentido primeiramente como medo de falhar (cair de cara) e, num nível
mais profundo, como medo de ser desprezado e expulso por causa das nossas
inabilidades.
Jay formulou isto uma vez de um modo muito sucinto: "Uma pessoa pode estar
acima do chão, dentro do chão ou sobre o chão". Quando discuti posteriormente
com ele a respeito dessa questão, tomou-se claro que uma pessoa corta suas
energias pélvicas tanto quando se ergue acima do solo quando afunda nele. No
primeiro caso, ela se traciona acima de uma pélvis comprimida, no segundo ela cai
sobre uma' pélvis sem vida. Os dois casos podem ser formas de evitar o abandono
carregado de pânico, resultante da rejeição edípica. Mas o preço é alto: perdemos
contato com nossa base biológica, extinguimos nosso fogo interior em alto grau e
apagamos a nossa ânsia de vida; sentimo-nos queimados, mais cedo ou mais
tarde.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUGENTAL, James. The searchfor authenticity. Hol,. Rinehart & Winston, 1965.
KRUIS, Joannesvan H. Mystieke Werken.·Carmelitana, 1980.
MASTERSON, James. The real self. Brunner/Mazel 1985.
MASTERSON, James & KLEIN, Ralph (eds.). Psychotherapy of the dísorders af
the self. Brunner/Mazel, 1989.
MILLER, Alice. Het drama van het begaafde kind. Het Wereldvenster, 1981. No
Brasil, O drama da criança bem dotada. São Paulo, Summus, 1986. STATTMAN,
Jay. Conceituação teórica apresentada durante o treinamento em psicoterapia
unitiva.
STEGGINK, Otger: Jan van het kruis wijst een weg uit het narcisme ais bron
van geweld. Speling, 1978.
WILBER, Ken; ENGLER, Jack & BROWN, Daniel. Transformations of
consciousness. New Science Library, 1986.