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KELVIN ALISSON RODRIGUES CATALANO

A PERVERSÃO E CULPA NO CONTEXTO DA PSICANÁLISE

JACAREÍ
2022
KELVIN ALISSON RODRIGUES CATALANO

A PERVERSÃO E CULPA NO CONTEXTO DA PSICANÁLISE

Projeto apresentado ao Curso de Psicologia da Instituição


Faculdade Anhanguera de Jacareí

Orientador: Patrícia Brandão

Jacareí
2022
KELVIN ALISSON RODRIGUES CATALANO

A PERVERSÃO E CULPA NO CONTEXTO DA PSICANÁLISE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade Anhanguera, como requisito parcial
para a obtenção do título de graduado em
Psicologia.

BANCA EXAMINADORA

Prof(a). Esp. Aline Albuquerque Cirimbeli


Souza.

Prof(a). Tatiane Rodrigues Zaram Alcantara.

Jacareí, dia 05 de dezembro de 2022.


Dedico este trabalho de pesquisa aos
meus amados pais, Marcos e Marcia,
meus irmãos, Bruna e Victor. A força de
vocês foi a mola propulsora que permitiu o
meu avanço, mesmo durante os momentos
mais difíceis. Agradeço do fundo do meu
coração.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela sabedoria e compressão das coisas, agradeço


ao mundo por mudar as coisas, por nunca as fazer serem da mesma forma, pois assim
não teríamos o que pesquisar e o que descobrir.
Agradeço aos meus Pais, Marcos e Marcia, meus irmãos, Bruna e Victor, e minha
amiga Patrícia Chaguit e minhas amigas de Curso Patrícia e Leticia, vocês foram e
são uma peça fundamental em minha trajetória.
Agradeço aos meus professores da Faculdade Anhanguera, pela sabedoria com
quem me guiou nesta linda trajetória, em especial aos professores do meu ultimo
semestre, Aline Albuquerque, Mariana Cançado e Matheus Felipe.
A minha ex-coordenadora Lucimar e me atual Coordenadora Carina, por tudo carinho,
compressão, puxões de orelha e principalmente a atenção.
A minha orientadora Patricia Brandão pela paciência e atenção.
Aos meus colegas de Sala.
Enfim, a todos aqueles que por algum motivo contribuíram para a realização desta
pesquisa.
A minha eterna Gratidão a todos vocês
“Proponho que a única coisa da qual se possa ser
culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de
ter cedido de seu desejo”.
(Jacques-Marie Émile Lacan)
CATALANO, Kelvin Alisson Rodrigues. A perversão e a culpa no contexto da
psicanálise. 2022. 45 f. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em
Psicologia. Faculdade Anhanguera. Jacareí, 2022.

RESUMO

A proposta desta monografia é discutir a perversão e a culpa a partir da abordagem


psicanalítica e o objetivo foi transcrever sobre a perversão na perspectiva de Freud e
o sentimento de culpa e suas implicações no sujeito contemporâneo. A metodologia
utilizada no presente trabalho foi baseada em revisão teórica, por meio de fontes
bibliográficas. Verifica-se que ao abordar perversão, é indispensável mencionar o
conceito de fantasia como realidade psíquica, assim como não haveria forma de
desenvolver a clínica da perversão, sem considerar as implicações fundamentais do
Complexo de Édipo no processo de constituição do sujeito. Ainda se fez necessária a
descrição de algumas das peculiaridades do sujeito perverso, que envolvem o
processo fetichista, muitas vezes presente na vivência do sujeito em relação à sua
sexualidade. É preciso que o olhar do psicanalista seja dirigido ao inconsciente, de
forma desprovida de opiniões irredutíveis ou deterministas, buscando proporcionar
acolhimento e escuta a cada sujeito que se apresenta para o tratamento. A
compreensão sobre o consciente e o superego permitiram abordar a culpa no contexto
psicanalítico e no contexto da lida com a culpa no site terapêutico, colocando a
transferência como alicerce essencial para a prática psicanalítica.

Palavras-chave: Perversão. Culpa. Freud. Sujeito. Psicanálise.


CATALANO, Kelvin Alisson Rodrigues. A perversão e a culpa no contexto da
psicanálise. 2022. 45 f. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em
Psicologia. Faculdade Anhanguera. Jacareí, 2022.

RESUMO

The purpose of this monograph is to discuss perversion and guilt from the
psychoanalytic approach and the objective was to transcribe about perversion in
Freud's perspective and the feeling of guilt and its implications for the contemporary
subject. The methodology used in the present work was based on theoretical review,
using bibliographic sources. It appears that when addressing perversion, it is essential
to mention the concept of fantasy as a psychic reality, just as there would be no way
to develop the clinic of perversion, without considering the fundamental implications of
the Oedipus Complex in the process of constituting the subject. It was also necessary
to describe some of the peculiarities of the perverse subject, which involve the fetish
process, often present in the subject's experience in relation to his sexuality. It is
necessary that the psychoanalyst's gaze be directed to the unconscious, in a way
devoid of irreducible or deterministic opinions, seeking to provide welcoming and
listening to each subject who presents himself for treatment. The understanding of the
conscious and the superego allowed to approach guilt in the psychoanalytic context
and in the context of dealing with guilt on the therapeutic site, placing transference as
an essential foundation for psychoanalytic practice.

Keywords: Perversion. Guilt. Freud. Subject. Psychoanalysis.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
2. PERVERSÃO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO ............................................ 15
3. PERVERSIDADE E CULPA .............................................................................. 30
4. INCONSCIENTE ................................................................................................ 33
5. PSICANÁLISE ................................................................................................... 37
6. TRANSFERÊNCIA ............................................................................................ 42
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 45
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 47
13

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho foi de desenvolver o conceito de perversão e culpa,


fundamentais em teoria psicanalítica, já que estes termos são citados, mas
geralmente pouco compreendidos e, por vezes, mal interpretados.
O fator que impulsionou a escolha desse tema foi desmistificar o rótulo de que
perverso e de culpa, já que para muitos a perversão é sempre sinônimo de
perversidade, para o lado negativo de liberdade, de desumanização, ódio, crueldade
e gozo. Por outro lado, partiu-se do pressuposto que o sentimento de culpa
culturalmente construído tem implicações no sujeito contemporâneo, que precisa lidar
com este fenômeno avassalador, que o aprisiona e o faz debater em suas tramas
ardilosas. Neste aspecto, a escuta analítica é fundamental para o sucesso do
tratamento psicanalítico.
A metodologia utilizada no presente trabalho teve como base, a busca pelo
referencial teórico, pautada nas obras de Freud e Lacan. Procurou-se compilar essas
interpelações e fazer um aprofundamento no conceito psicanalítico desses renomados
autores e com complementação de outros autores utilizados como fontes para visão
abrangente do assunto.
Na sua obra "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud (1905)
apresenta pela primeira vez o conceito de perversão. Trata-o como a permanência na
vida adulta de característica perverso-polimorfo, típica da sexualidade pré-genital
infantil, em detrimento da sexualidade genital por ele considerada normal.
Lacan (1992) propõe que a perversão não é simplesmente uma aberração nas
relações com critérios sociais. Em vez disso, a perversão é definida através do
desrespeito da castração. Diante do exposto, o sujeito reconhece a falta de
constitutivo, mas mantém, no entanto, que está cheio de significado e substância.
Que outro conceito poderia complementar a ideia de culpa? Uma incursão
pelos discursos da religião, da filosofia, da psicanálise e da antropologia cultural, quem
sabe? ” (SILVA, 2000, p. 71).
A punição, em termos religiosos, é uma herança do Judaísmo de Moises, em
que a culpa deveria ser expurgada pelo sacrifício, em nome de um Deus poderoso e
cruel diante da desobediência. Na verdade, esta questão do sacrifício tem a ver com
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eu poder abrir mão de algo meu e que aparentemente faz muita falta, para tentar ficar
tocado e poder questionar o meu ato…e muitos outros....
Conforme Freud (apud QUINODOZ, 2007), a religião seria uma forma de
expressão, desde a religião totêmica das origens até o cristianismo, este último
fundado no pecado original cometido pelos primeiros homens contra o Deus Pai.
Em termos pessoais, o presente trabalho de pesquisa se justifica ao permitir a
aquisição e desenvolvimento de competências importantes para a atuação em
psicanálise.
Com este estudo pretende-se assimilar a complexidade conceptual da
perversão e culpa no âmbito terapêutico, no qual o inconsciente pode ser manifestado
na análise dos tormentos que assolam a consciência diante de um senso consciente
de culpa ou de perversão.
O trabalho vai ao encontro com o desejo dos profissionais psicanalistas em
elaborar ações que promovam as resoluções dos conflitos de seus pacientes.
15

2. PERVERSÃO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

Como sinônimo de “anormalidade sexual humana”, a noção contemporânea de


“perversão” ainda reflete amplamente a forma como o termo foi apropriado pelo
discurso médico-legal sobre sexualidade no final do século XIX, processo que ocorreu
em duas etapas consecutivas (DOR, 1991, p.30).
Em primeiro lugar, o termo foi transferido de seu contexto sócio-religioso
original, no qual “perverter” (do latim “pervertere”) significava “virar”, “virar de cabeça
para baixo”, para a esfera médica geral, onde “ perversão ”tornou-se modificação
patológica de uma função humana - os outros sendo“ diminuição ”,“ aumento ”e“
abolição ”.
A função da audição, por exemplo, foi considerada “pervertida” em pacientes
que sofrem de alucinações acústicas: não é que o paciente tenha perda auditiva
parcial ou total, ou que sua audição tenha ficado mais aguçada, mas sim que ele está
ouvindo “mal” de coisas “boas” (VALAS, 1990, p.13).
Devido à importância do complexo de Édipo, em relação à estruturação da
personalidade e desejo humanos, no decorrer do processo de constituição do sujeito,
é fundamental sua descrição minuciosa, pois dele dependem alguns outros aspectos
relevantes em psicanálise. Sabe-se que o sujeito para a psicanálise, é o sujeito do
inconsciente e que o Complexo de Édipo, é o conjunto de desejos amorosos e hostis
que a criança sente em relação aos pais (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).
Mas antes de desenvolver esse tópico, é importante expor uma citação que
deixa clara a distinção entre as inversões e perversões propriamente ditas.
[...] uma distinção entre as inversões e as perversões [...] tem seu fundamento
na plasticidade do mecanismo pulsional e em sua aptidão a se prestar a
“desvios” em relação ao fim e ao objeto das pulsões. As inversões
corresponderiam a desvios concernindo ao objeto da pulsão, enquanto as
perversões remeteriam a um desvio quanto ao fim (DOR, 1991, p.33).

Freud (1924) identificou que, no inconsciente, se manifestavam fantasias de


incesto e de ciúmes em relação aos genitores. Assim, foi feita uma analogia entre
essas fantasias e a lenda do Édipo, em que este mata o pai e casa-se com a mãe,
chegando-se ao termo “complexo de Édipo”. Este, é universal, e funciona de maneira
diferente em meninas e meninos, embora o primeiro passo definido para a fase
edipiana seja o mesmo em ambos os sexos (BRENNER, 1987).
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Em todo sujeito, encontram-se movimentos que se assemelham à perversão.


“As perversões não são nem bestialidades, nem a degeneração, na acepção patética
do termo [...] elas estão contidas na predisposição sexual não diferenciada da
criança” (VALAS, 1990, p.19).
Após sua implantação no domínio médico, a “perversão” foi então aplicada por
especialistas médico-legais ao campo de pesquisa em desenvolvimento da
sexualidade humana. A extensão científica do termo "perversão" para o domínio
sexual, ocorreu no contexto de uma concepção médico-filosófica do ser humano. O
instinto sexual como função essencial da reprodução, responsável pela preservação
da espécie.
No menino, há temor pela perda de seu pênis, já que observa ser possível
essa castração. Mas o menino também é incitado por uma raiva ciumenta em relação
à mãe, por ela ter rejeitado seu desejo de exclusividade na relação, e isto desperta
o desejo de ser amado pelo pai. Já na menina, o desejo de personificar o homem
junto à mãe, não se fundamenta no medo da castração, já que ela não tem o pênis.
Por isto, sente-se fracassada e surge a inveja do pênis unida à raiva contra a mãe.
Assim, ela volta-se para o pai como principal objeto de amor, e quando este desejo
também é frustrado, ela retorna ao seu apego à mãe. Menino e menina “encontram”
a solução de reprimir suas fantasias e desejos edipianos (FREUD, 1924 apud
BRENNER, 1987).
É importante mencionar que o superego tem uma relação com o complexo de
Édipo, em que ocorrem identificações com aspectos paternos. Ou seja, o superego
é o herdeiro das relações de objeto edipianas.
Freud (1905) localizou a perversão na constituição normal do sujeito, mas a
caracteriza como um desvio sexual. “É instrutivo que a criança, sob a influência da
sedução, possa tornar-se perversa polimorfa e ser induzida a todas as transgressões
possíveis. Isso mostra que traz em sua disposição a aptidão para elas [...]” (FREUD,
2002, p. 54).
A perversidade polimorfa é um conceito psicanalítico que propõe a capacidade
de obter gratificação sexual fora dos comportamentos sexuais socialmente
normativos. Sigmund Freud usou esse termo para descrever a disposição sexual
desde a infância até os cinco anos de idade (DOR, 1991).
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As perversões não são bestialidades nem degeneração no sentido patético


dessas palavras. São o desenvolvimento de germes contidos, em sua
totalidade, na disposição sexual indiferenciada da criança, e cuja supressão
ou redirecionamento para objetivos assexuais mais elevados – sua
“sublimação” – destina-se a fornecer a energia para um grande número de
nossas realizações culturais (FREUD,1905, p.55-56).
Por disposição perversa polimorfa, entende-se uma característica presente
em todas as crianças sem distinção, onde há tendências perversas, que podem ser
ou não recalcadas (VALAS, 1990).
Freud (1905) enfatiza que a criança, através da sedução, pode se tornar um
perverso-polimorfo e ser levada a transgressões, estando predisposta a isso, já que
não está submetida à influência da civilização, conservando esta disposição (VALAS,
1990).
Esse polimorfismo das manifestações da sexualidade infantil e o fato de que
seus desvios intrínsecos se encontram em todos os seres humanos, acaba gerando
problemas para Freud, ao definir perversão. Segundo Valas (1990) Freud formula,
então, que para além de certas manifestações incontestavelmente patológicas
(coprofagia, necrofilia), só pode distinguir a perversão da normalidade porque
perversão se caracteriza por uma fixação prevalente, até mesmo total, do desvio
quanto ao objeto, e pela exclusividade da prática quanto ao desvio com relação ao
objeto. Esse comportamento também entra nessa categoria quando causa sofrimento
clinicamente significativo ou prejuízo na vida do indivíduo e/ou conflitos com terceiros.
A capacidade de encontrar prazer erótico em qualquer parte do corpo. Segundo
Freud, uma criança é, por natureza, "polimorficamente perversa", o que significa que,
antes da educação nas convenções da sociedade civilizada, uma criança se voltará
para várias partes do corpo para satisfação sexual e vontade não obedecer às regras
que nos adultos determinam o comportamento perverso. A educação, entretanto,
suprime rapidamente as possibilidades polimórficas de gratificação sexual na criança,
eventualmente levando, por meio da repressão, a uma amnésia sobre esses desejos
primitivos. Alguns adultos mantêm essa perversidade polimorfa, de acordo com Freud.
Freud (1905) então observou que há adultos que se mantêm na prática de um
ou outro comportamento sexual de forma exclusiva, muito mais como defesa do que
como grande capacidade de sustentar a liberdade sexual, pois em sua infância as
diversas correntes da sexualidade coexistiam sem um eixo organizador que as
aglutinasse e subordinasse em torno de si. Desse modo, a continuidade de uma
sexualidade infantil perverso polimorfa contextualizaria o perverso.
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Após essas colocações, infere-se como fundamental fazer um paralelo entre as


considerações lacanianas acerca do Complexo de Édipo.
Segundo a teoria freudiana (1905) (apud LAPLANCHE; PONTALIS, 2001),
existe perversão, de forma geral, quando o prazer é obtido visando outros objetos
sexuais, por outras partes corporais e/ou quando o prazer depende de um fator
extrínseco. Estas possibilidades podem proporcionar o prazer sexual. A perversão é
o comportamento psicossexual que segue alguns “parâmetros” atípicos, considerados
moralmente desviantes, pois não vão ao encontro ao que é observado como “natural
e habitual” numa sociedade.
É fundamental lembrar que o Complexo de Édipo é dividido em três tempos por
Lacan (1960), por uma questão didática, pois sabe-se que o tempo é do inconsciente.
No primeiro tempo do complexo de Édipo, a relação entre mãe e bebê é dual
e simbiótica, não sabendo o bebê e nem a mãe, delimitar aonde quem começa e
termina. Se há falha na operação do Nome-do-Pai (NdP), este significante é
foracluído e a relação mãe-bebê segue dual. O Nome-do-Pai é da ordem da lei e
regula todo o caminho pulsional do bebê, assim como o desejo. É o Nome-do-Pai
que vai ligar também, o real, o simbólico e o imaginário. Sem este enodoamento,
necessário à estruturação do sujeito, este cai na psicose, ou seja, não há amarração
possível dos três registros e o real torna-se absoluto. (SAMICO, 2008b).
O que permite que se chame a perversão de “estrutura” é a possibilidade de
reduzir a perversão a elementos mínimos estruturantes e relacionados entre si
(SAMICO, 2008b).
No segundo tempo do Complexo de Édipo, quando o bebê insiste que a mãe
é fálica e, por identificação, acredita que ele também é, está instalada a perversão.
O perverso recusa a castração e depois recalca esta recusa (denegação), cuja
lembrança encobridora é a última imagem da mãe fálica, para esconder a angústia.
Assim, o perverso recusa qualquer simbolização da falta materna, já que a mãe se
mostra como ser desejante, portanto, faltosa, e aí surge o fetiche como símbolo de
um “drible” sobre a castração. (SAMICO, 2008a).
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Essa relação entre o perverso e a mãe, fica melhor descrita no seguinte


parágrafo:
[...] o perverso imagina a mãe toda poderosa do lado do desejo, isto é, não
carente. A crença imaginária nessa mãe não-carente implica na neutralização
do pai simbólico enquanto representante da função paterna. Dito de outro
modo, o pai não é suposto ter o que a mãe deseja. Consequentemente, o
perverso pode continuar a sustentar o fantasma de ser o único objeto de
desejo que faz a mãe gozar (DOR, 1991, p.50).

Portanto, o sujeito perverso, acredita não precisar desejar, já que pensa ser
completo. Coloca-se como objeto de gozo do Outro e coloca o outro apenas como
facilitador de seu gozo. E por acreditar ter o falo, o perverso tem o comportamento
de desafio e transgressão perante a lei. (DOR, 1991).
“É, pois, a partir do que falta no simbólico, que toma lugar a perversão: graças
ao objeto pequeno a complementar ou suplementar o Outro para sua plenitude”.
(JULIEN, 2002, p.129). [grifo do autor]
O perverso não quer se haver com seu desejo. Para tanto, ele acredita ser
completo. E, assim, ele se coloca como objeto de gozo do Outro, e coloca o outro
apenas como instrumentos facilitadores de seu gozo. Ele acredita ter o falo e, por
isto, tem o comportamento de desafio perante a lei, já que ele acredita ser mais do
que a lei. Mas ele precisa da lei, para poder desafiá-la. E é neste constante desafio
e comportamento transgressor, provocando angústia inesperada no outro, que faz
surgir seu gozo. (JULIEN, 2002).
Lacan (1960), de acordo com Julien (2002), vai a partir do fetiche, apresentar
a estrutura de toda a perversão, ao mostrar a dupla função do véu e da cortina.
Assim,
O véu é a um só tempo o que esconde e o que designa. Na perversão, trata-
se, para o sujeito, de esconder a falta fálica da mãe, embora designe com a
ajuda do véu, a figura daquilo de que há falta [...] O véu esconde o nada que
está para além do Objeto enquanto desejo do Outro: a mãe não tem o falo.
Mas, ao mesmo tempo e mesmo assim, o véu é o lugar onde se projeta a
imagem fixa do falo simbólico: a mãe tem o falo. (JULIEN, 2002, p.111-112).

Assim, “todo gozo fálico é perverso, isto é, estabelece relação sexual graças
ao Outro, completo“(JULIEN, 2002, p.129).
Julga-se fundamental descrever o conceito de fantasia no presente trabalho,
entendendo que a teoria da sedução é uma “cena real ou fantasística em que o
sujeito (geralmente uma criança) sofre passivamente da parte de outro (a maioria
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das vezes um adulto) propostas ou manobras sexuais” (LAPLANCHE; PONTALIS,


2001, p.469). [grifo do autor]
A fantasia seria, para Freud (1905), a articulação entre o inconsciente e a
pulsão, e para Lacan (1960), seria uma “espécie de matriz psíquica que funciona
mediatizando o encontro do sujeito com o real. Ela é uma matriz simbólico-imaginária
que permite ao sujeito fazer face ao real do gozo” (JORGE, 2006, p.32).
É fundamental lembrar que o que Freud (1905) determina ser pulsão de morte,
Lacan (1960) chama de gozo. “Alguma coisa acontece que nos permite lidar de uma
forma diferente com esse alvo da pulsão de morte: o gozo. Essa alguma coisa se
chama fantasia” (JORGE, 2006, p.32).
Além disso, a fantasia se situa como o prosseguimento, no adulto, do papel
desempenhado pelo brincar na criança, e há uma autonomia do fantasiar em relação
à realidade do sujeito (JORGE, 2007).
Assim, é fundamental fazer algumas colocações acerca do conceito de
fantasia na clínica da perversão. Na neurose, há a fantasia de completude amorosa,
ficando o neurótico, fixado no polo inconsciente da fantasia. Já na perversão, há a
mesma entrada da fantasia, mas a fixação se dá no polo de completude de gozo,
onde o perverso busca resgatar a completude perdida através do gozo. (JORGE,
2006). Dessa Maneira:
Ao ter acesso ao pulsional e ao gozo, e deixando de se fixar no pólo do amor,
o neurótico terá acesso ao desejo. No perverso é o contrário. Porque, quando
se tem acesso ao amor e ao gozo, tem-se perda de amor e perda de gozo e
[...] desejo é [...] a dimensão da falta de amor e da falta de gozo. (JORGE,
2006, p. 34).

Considera-se, ainda, que o ponto nuclear da fantasia perversa seja a operação


de subjetivação, onde o que se encontra presente na base da relação intersubjetiva
sustentando a perversão, é a anulação do desejo do outro ou do sujeito. (JORGE,
2007).
Mas o que importa na travessia da fantasia estrutural (de constituição do
sujeito), é que o sujeito tenha acesso à dimensão do desejo, inscrito enquanto falta.
Unindo as três estruturas clínicas no que se refere à fantasia, pensa-se que:
[...] enquanto na psicose, como Lacan ponderou de maneira precisa, há “uma
espécie de falha” no que concerne à realização do amor, na neurose ele surge
de forma direta, e na perversão, de modo encoberto pelas fantasias de
espancamento em que o gozo é a dominante. (JORGE, 2007, p.50).
21

O senso comum pode desejar manter uma concepção estreita do que é


importante como sexualidade normal, levantando assim um problema sobre como
distinguir entre sexualidade normal e anormal, mas o mais interessante e o problema
imediato é deixar claro em virtude do que o as perversões são reconhecidas como
sexuais. E é aqui que Freud faz um enorme avanço conceitual.
Conforme Skliar (2005), a culpa na perspectiva religiosa tem origem nos
conceitos do Bem e do Mal e a Bíblia transmite este sentimento, primeiro, na história
da transgressão de Adão e Eva, que se tornaram humanos, como castigo diante do
Poderoso Deus.
“Do ponto de vista religioso, a transgressão cometida por Adão e Eva
representa a desobediência a Deus” (SKLIAR, 2005, p. 63).
Conforme Skliar (2005), depois da transgressão veio o crime cometido por
Caim, que matou o irmão Abel, que agradava a Deus com oferendas sinceras e de
valor. Jonas desobedeceu a Deus e sofreu castigo; o povo de Sodoma e Gomorra
eram pecadores, desobedientes e pagaram por isso. Deus salvou a família de Noé e
castigou o resto do mundo. O Velho testamento está repleto de exemplos de
desobediência, culpa e castigo.
Os Dez Mandamentos de Deus é um código de conduta confiado a Moisés e
os profetas se tornaram os representantes de Deus e mantiveram o sentimento de
culpa vivo, seja para as pessoas comuns ou para os poderosos. A tradição Judaica
teve continuidade com o cristianismo, que trouxe o perdão para os pecados e neste
aspecto, Jesus trouxe uma nova mensagem, que não mobiliza a culpa das pessoas,
já que consolava, ajudava, curava, perdoava – Judas traiu Cristo, Pedro negou Cristo,
Os Fariseus condenaram Cristo, os romanos o crucificaram e todos sentiram culpa e,
também, o perdão.
“A noção de castigo, presente no Antigo Testamento, é incorporada pelo
cristianismo e, assim, a culpa passou a ser uma constante na condição humana,
mesmo que a pessoa se ache inocente” (SKLIAR, 2005, p. 63).
As religiões nomeiam sempre a culpa na origem do ser e por vezes têm na
culpa uma justificativa para o sofrimento ou para castigar a iniquidade, também,
fornecem uma esperança de alívio ou promessa de perdão. Neste sentido, Corrêa
(apud SILVA, 2000) argumenta que nas organizações sociais mais primitivas, em
várias religiões ocidentais, ou nos primórdios da institucionalização do direito,
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encontra-se sempre o resgate da culpa pelo sofrimento administrado sob a forma de


um dever.
No estudo da culpa, coube a Freud deslocar o foco da questão quando, saindo
das considerações sobre o ato transgressor ou o sentido de débito sobre um suposto
credor, tomou o sentimento de culpa como um acontecimento psíquico, passando da
imposição da realidade, por meio do fato, para a categoria de sentimento, havendo,
pois, aproximação da origem inconsciente da culpabilidade humana (CORRÊA apud
SILVA, 2000).
Com base na história da culpa e sua relação com a religião, observa-se que a
gênese e o desenvolvimento da consciência moral – renúncia e culpabilidade –
constituem um dos pilares da construção do corpo teórico da psicanálise, para que se
entendam os motivos pelos quais, o homem e a cultura agem de certa forma.
O fato é se goste ou não, bom ou ruim, na civilização ocidental, por milhares
de anos, religião e culpa é associada fortemente como uma aliança diabólica. Neste
aspecto de antiguidade, a culpa está tão arraigada culturalmente na sua ligação com
religião, que se considera esta relação como verdadeira e indissociáveis.
Corrêa (apud SILVA, 2000), ao tratar da culpa original do ser argumenta que
repensar a culpa é sem dúvida mergulhar em uma das mais inquietantes questões
que governam o ser humano – a história da criação do mundo está impregnada dela
– já que Deus faz os anjos e logo meles se colocam em um dilema.
Lúcifer, por inveja, pretende tomar o lugar do pai. Como ele, outros não
resistem à tentação perante o mal, caem no pecado e, na sua desgraça, são
condenados a um tipo de expiação eterna, passando a ter a marca de uma culpa
indelével (SILVA, 2000).
O pecado original é pecado no sentido análogo, isto é, se culpado por
associação com Adão a vergonha de um pai em desgraça, assim, é passado para as
crianças – a condenação é para todos. Contudo, não se escolheu o pecado de Adão,
de modo que não se é pessoalmente culpado e não se poder ser amaldiçoado por
isto. Aqui começa a herdar uma falta que já está presente em Adão. Se Adão quer
algo a mais do que acredita ter e porque já não tem tudo e se foi castigado e por que
não deu tudo a este outro. Já lhe faltou algo. Dívida e culpa e designado por uma só
palavra em alemão. Saída do paraíso. Do momento UNO. Assim como a relação mãe-
bebê.
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Por outro lado, os efeitos do pecado original sobre os sujeitos são similares aos
efeitos dos pecados pessoais. Neste sentido, igual os pecados de cada um, no meio
social diabólico em que se é lançado, a pessoa se torna frágil e predisposta para o
pecado.
Para Freud (apud QUINODOZ, 2007), articulando religião, mito, herói, Moisés
e culpa, trata do mito do nascimento do herói. Freud mostra uma situação comum, isto
é, o herói geralmente é filho de pais de posição elevada, filho de rei, e é condenado à
morte pelo pai; mas a criança é recolhida e criada por uma família pobre e, desta
maneira, escapa da morte. Adolescente, o herói se vinga do pai, vencendo-o.
“Freud acha que na verdade Moisés pertencia a uma família real egípcia, mas
para alimentar o mito atribuiu-se a ele uma família de origem modesta, aquela que
abandonou a criança” (idem, p. 288).
A questão da culpa não é só do homem, já que se observa que o pecado
original é uma história que é sentida pela psique coletiva como uma onda de
desespero e dano irreparável, em que se observa expulsão, rejeição e desterro da
essência feminina.
Este é o grande segredo que as mulheres carregam, ou seja, a ideia e
sentimento de ter cometido um erro imperdoável, que não pode ser reparado e deve
ser conhecido e usado contra a liberação da mulher, de forma integral e com regozijo
para o encontro de Deus.
Quinodoz (2007) afirma que a tragédia escrita por Sófocles – Édipo Rei – e que
deu a Freud o modelo original da relação primária familiar está impregnado de uma
culpa circulante que se inicia com a recusa e o abandono do pequeno Édipo indo até
a expiação final em Colono, com o castigo divino exercido com toda a crueldade, no
intuito de resolver uma grande culpa.
Em outras palavras, com base em Yong (2005), Édipo cometeu vários pecados:
matou o pai, casou com a mãe, quebrou o tabu do incesto, foi egoísta, odiou o pai,
agiu por impulsos violentos e tornou-se culpado diante das regras sociais. Nesta visão
é que se observa a consciência sobre não agir contra as convenções culturais e
sociais. O sujeito, portanto, teme uma represália e se sente culpada de sentir desejos
que vão de encontro com as normas. A culpa se caracteriza como a arma fundamental
contra os impulsos de incivilidade, voracidade e sexualidade sublimada. No caso de
Édipo, ele fura os próprios olhos na tentativa de não ver a sua realidade.
24

Nesta perspectiva, a psicanálise veio mostrar que a tragédia grega não era
apenas uma história, mas a descrição teatral de um acontecimento comum a todo ser
humano, como se fosse mais um, ou o verdadeiro pecado original.
O conhecimento e a consciência são construídos pela interação social e não
podem estar desvinculados da materialidade do real, mesmo que seja mediado pela
abstração, pelo âmbito das ideias, pelos mitos.
Na sociedade do capital, o mito tem função de justificar a relação de
desigualdade, ou seja, justifica-se a ordem social estabelecida, mesmo que seja
desigual, mas podendo vir-a-ser como no passado, em que havia unidade de grupo,
visão consensual de mundo, determinação coletiva, tradição e comportamento grupal.
“O Inconsciente assinalando que é nas lacunas das manifestações conscientes
que temos de procurar o caminho do inconsciente. Estas lacunas vão trazer para a
investigação: o sonho, o lapso, o ato falho, os sintomas, o chiste” (GARCIA-ROZA,
2007, p. 171). [grifo do autor]
Conforme o mesmo autor, o inconsciente traz a culpa por ser humano e causa
traumatismos, numa situação em que o que se tenta negar acaba reaparecendo de
uma forma modificada – como é o caso do reaparecimento da antiga religião de
Moisés. Na verdade, à luz da experiência psicanalista, Freud estabelece um paralelo
entre o tempo de latência que se observa na clínica entre o surgimento de um
traumatismo psíquico e a aparição dos sintomas consequentes e, na história religiosa,
entre o abandono da religião de Moisés e o ressurgimento tardio do monoteísmo
judaico. Ressurge o mito. Este trauma e psíquico. O fato pode nunca ter ocorrido. Mas
é vivenciado pelo sujeito da mesma forma.
Exemplifica-se com a afirmação de que a democracia é um mito, ou seja, uma
ideologia que encobre uma sociedade racista e que age de forma sutil. Uma sociedade
que abomina o racismo, mas hipocritamente é condescendente com o preconceito, o
desprezo, a desvalorização dos negros, índios e mestiços. Parece que ficou enraizada
no inconsciente do homem branco, a relação de senhor e escravo, de modo que a
resistência em se igualar à raça “inferior” ainda é grande. É uma questão social,
política, econômica e cultural, que ainda exigirá muitas lutas de várias gerações para
ser apagada da memória histórica do brasileiro branco.
25

Retornando à culpa, Singh (2005) defende que a punição tem a ver com o
legado do psicodrama do complexo de Édipo, que, não resolvido na infância, continua
pressionando a psique do adulto.
“Em O Mal-Estar na Civilização, ele (Freud) observou que era alto o custo
humano da civilização (avançada) quanto à repressão dos instintos e que, quando ela
se transformava em neurose e psicose, o custo era alto demais” (SINGH, 2005, p. 34).
Nesta perspectiva, todas as doutrinas e ideologias religiosas não conseguem
propiciar uma sociedade feliz de indivíduos felizes. Fornece-se a pista da origem dos
mitos, já que a vida dos homens primitivos se definia pela ligação com a natureza
como fonte de recursos de sobrevivência e como força misteriosa de difícil domínio. A
relação primitiva era do homem com a natureza, em que o mito é tanto conhecimento
e identificação com a natureza, como ordenação de uma conduta e justificativa de
uma vida social.
Contudo, a relação se amplia, isto é, envolve homem-natureza-cultura, em que
o mito tem seu papel modificado para o sentimento da segregação, do “sagrado”, até
se tornar tabu ou fetiche diante da natureza e dos novos grupos dominantes.
Defende-se que a identidade do homem vem sendo historicamente construída
e, na modernidade, ela nasce no Iluminismo, se torna socializada no capitalismo
industrial e se transforma na pós-modernidade diante da globalização.
O não-Eu universal e abstrato do mundo antigo ganha individualidade e se
torna Eu, poderoso e não-social, quando passa a usar a razão. Depois, o capitalismo
cria as cidades e a as relações entre capital e força de trabalho. Assim, o Eu individual
se torna Eu social e coletivo, sujeito alienado, sem significação própria, pois é
institucionalizado e naturalizado pelo poder hegemônico, que ainda usufrui a culpa e
sua superioridade incontestável diante da religião de Moisés.
Para Quinodoz (2007), Freud vê nesta incontestável superioridade a marca da
nostalgia do pai que habita cada sujeito desde a infância, razão pela quais os traços
que se atribuem ao grande homem são traços paternos. De fato, a religião mosaica
proporcionou aos judeus uma representação de Deus bem mais sublime que os
outros, pois a proibição de criarem uma imagem de Deus teve como consequência
favorecer uma representação abstrata do divino, o que constitui um progresso notável
no plano psíquico. Sim. Se sou a imagem e a semelhança de uma forma que
desconheço. Esta busca passa a ser individual e não coletiva de imago.
26

Guedes e Walz (2009) afirmam que o sentimento de culpa – cuja natureza é


inconsciente –, é um sentimento totalmente ilusório e em nada percebido pelo sujeito
como tal. O sentimento se apresenta extremamente sedutor, mais do que tudo, é
sentido como absolutamente necessário e imprescindível a um efetivo enfrentamento
da vida e de seus problemas.
Na questão de lidar com a culpa, conforme Skliar (2005, p. 211): reforça-se “a
posição freudiana argumentando que a culpa ajuda a sobrevivência da espécie,
funcionando como barreira para a agressão e estimulando as pessoas a prover ajuda
aos desvalidos”.
Na questão da culpa, Gerez-Ambertin (2007) apresenta o tripé: morte do pai
culpa e punição, enfatizando a estranha punição a qual condescende todo sujeito, seja
como represália de sacrifício na histeria, como autopunição culposa na obsessão, ou
como delírio de perseguição na paranóia. No esboço freudiano, tais padecimentos se
entrelaçam pouco a pouco à consciência moral e a morte ou ódio do pai tem a ver
com hostilidade e remete ao totemismo e à religião.
Para Gerez-Ambertin (2007), todo sujeito enfrenta um drama universal, isto é,
fazer o entrecruzamento da culpa e da ambição, que se concretiza numa culpa
estrutural em todo filho, culpa genealógica, de filiação, com traços de totem e tabu,
em que a ambição aparece como complemento. Caracteriza-se como uma culpa de
sangue. O auto sacrifício fala de uma culpa, ou melhor, uma dívida de sangue, para
que se tente reconciliar com o destino fatídico, poderoso, divino. Assim, culpa e
sacrifício sempre remetem à morte do pai pelo filho.
A maldição do pai ronda o filho, e mesmo que este triunfe, em seguida vem o
fracasso, já que não se pode superar o pecado do parricídio ou do incesto e nem
franquear os pecados do pai.
Segundo Gerez-Ambertin (2007), Freud adverte que, como pesaroso
estratagema, o sujeito é um encobridor e o que esconde são os pecados do pai, uma
culpa do filho em resposta às faltas paternas, desculpalizando o pai para que possa
usufruir da garantia da lei, do poder.
Gerez-Ambertin (2007, p. 83) afirma que:
Não se deve esquecer que o obscuro sentimento de culpa somente se
exterioriza na angústia, razão pela qual a possibilidade de delinquir e seu
consequente castigo produzem alívio ao sujeito. Em suma, a acusação e o
castigo conferem um nome à culpa obscura, um nome falso que permite à
27

verdadeira razão passar despercebida. É no obscuro da culpa jazem os dois


mais abomináveis crimes: parricídio e incesto.

Para Freud, com base em Gerez-Ambertin (2007), na ligação de Édipo com a


culpa, se identifica três tipos de figuras clínicas:
Nas exceções se manifesta na forma de reivindicação e a culpa é do
parceiro imaginário, autor da privação imperdoável e nessa causa se sustenta
o desafio.
Nos que fracassa ao triunfar, a culpa recai sobre o ambicioso
fracassado, não como consciência de culpa, mas sob a dimensão do
fracasso, assim, o parceiro é dela preservado, embora, de forma paradoxal e
a partir do seu fracasso, não deixe de insistir na recriminação.
Nos que delinque por culpa, o sujeito busca o banco dos réus,
assume uma culpa lateral e deixa a punição nas mãos da justiça e castigo
pacíficos e, portanto, é bem-vindo.

Em qualquer caso, de forma velada ou aberta, ainda espreita a marca do pai,


desde o totemismo. Ferraz (2010) defende que o sentimento moral, para a psicanálise,
não é o respeito nem a reverência, ainda menos a aspiração, mas a culpabilidade e
sua repercussão subjetiva, o sentimento de culpa. Ou seja, parece que a culpabilidade
envolve diretamente o problema da lei em relação à qual o indivíduo se sentiria
culpado.
Para Freud, na questão do sentimento de culpa na religião ocidental, não resta
nenhuma dúvida de que “esse sentimento de culpa constitui o resíduo de uma falta
originária cometida quando de uma refeição totêmica1 durante a qual os irmãos,
reunidos no ódio ao seu pai, o teriam devorado para ocupar seu lugar” (QUINODOZ,
2007, p. 137).
Para Quinodoz (2007), originário desta ação canibalesca e ancestral se
apresenta a culpa como sentimento, não somente no âmbito individual, mas também
coletivo, nas diferentes fases da organização social da humanidade, com início
nototemismo dos sujeitos primitivos até a moral coletiva que garante a vida no meio
social.
Na verdade, observa-se que as sociedades primitivas e selvagens
apresentaram formas de organização social e religiosa denominada totemismo, e os

1 O estudo da família na psicanálise freudiana envolve o tema da horda primária, do


mito de origem Totem e Tabu. Freud busca suporte na religião totêmica para explicar
os fundamentos da civilização. A partir do sentimento de culpa pelo assassinato do
pai, os irmãos erigem a religião e a sociedade civil, estabelecendo-as sobre a mesma
lei. É esse pacto originário que dá sustentação aos laços coletivos.
28

limites sociais de cada tribo tinham identificação com um totem animal específico,
segundo o qual se identifica a tribo, e cada elemento da tribo é referido numa forma
de identificação social mais forte do que a união de sangue (QUINODOZ, 2007).
O totem animal é definido como o espírito pai e guardião da tribo e cada
membro têm obrigações quanto a não matar e nem comer o animal, com exceção de
cerimônias tribais.
Neste aspecto, para Freud, com base em Quinodoz (2007), entretanto, a prática
mais interessante do totemismo é a exogamia, ou seja, a proibição das relações
sexuais entre os indivíduos que se unem diante de um totem, uma prática sem
justificativa na concepção do totemismo – não há conexão.
A culpa, assim, vem do totem e tabu do incesto, desde a religião totêmica das
origens até o cristianismo, com fundamento no pecado original cometido contra o Pai.
O horror do incesto pode ser comparado à psicologia da neurose.
Freud coloca a questão do totem e tabu na perspectiva do mito, no qual o
aparecimento da cultura é resultado de uma violência de caráter primordial. Na
verdade, o pecado original de todos é um crime, isto é, a morte do pai pelo filho, ação
extraordinária que deu início de muitas coisas, entre elas: a organização da
sociedade, as restrições impostas pela moral e pela religião (QUINODOZ, 2007).
Neste aspecto, é onde se localiza a culpa na sua origem, em que se destaca o
retorno do amor em formato de remorso.
Portanto, na origem da consciência moral é que se encontra o amor, com o
acompanhamento do inevitável e fatal sentimento de culpa, resultado da ambivalência
afetiva e emocional relacionada ao pai, numa realidade de duas faces: uma em que
se destaca a agressividade, com a morte do pai pelo filho e outra, emocional, com a
presença do remorso. Amor e ódio estão, portanto, em conjugação no
estabelecimento do laço social, onde se defrontam pulsões de vida e pulsões de
morte.
A horda primária representa o agrupamento original primitiva da humanidade,
caracterizada pela autoridade paterna, que proibia o incesto entre os jovens, que para
obterem sua liberdade sexual, eventualmente obtinham poder e comiam o pai, para
descobrir o poder e os benefícios da comunidade.
Na relação do totem e tabu com o complexo de Édipo, observa-se que apesar
da importância sem descrição da mãe, a criança precisa ir adquirindo independência,
29

por isso, a presença de um segundo outro faz parte do desenvolvimento psíquico da


criança. O pai aparece como mediador tanto da relação da mãe com a criança ou vice-
versa. A criança já não terá mais a certeza de ser o centro das atenções da mãe, caso
o pai passe a ter um lugar dentro do desejo materno. Início da incompletude...
A função paterna tem como meio de barrar, de mediar à relação entre a mãe e
seu bebê, barra não somente o desejo materno sobre o bebê, como também em
apreender-se como único objeto de desejo de uma mãe, que, por sua vez, é também
mulher. Conforme o mesmo autor, o filho é tomado especialmente pela mulher, mas
também pelo que simbolicamente falta.
30

3. PERVERSIDADE E CULPA

Na perversão, o desejo aparece como vontade de gozo e o ato é vivenciado


como vitorioso triunfo isento de qualquer sentimento de culpa. O perverso sabe o que
quer e isto é a base da sua arrogância, já que está convencido de saber a verdade
sobre o gozo. Desta forma, ele não está à mercê das apreensões, inibições,
recriminações, autoacusações e frustrações que angustiam o sujeito neurótico. Pelo
contrário, o perverso não se penaliza e ainda vê o sofrimento da culpa com desprezo.
Para ele o que sente culpa é um indivíduo que não sabe o que quer, que não sabe
gozar (JACQUES-ALAIN MILLER, 1989)
Se a perversão é uma doença dos instintos sexuais, ou seja, patologia, isso
significa que, embora alguém que é pervertido desfrute dessa patologia, ele sofre dela.
Ele sofre com o que inflige ao outro. Ele sofre por ser um pervertido. Todo o debate
sobre o status dos pervertidos se orienta da seguinte maneira: o pervertido sofre de
sua ‘anormalidade’? Ele pode, conseqüentemente, ser reeducado? Ele é ainda mais
pervertido e sem culpa pelo fato de que doravante pode se designar como doente e
não mais como a encarnação do mal?
A medicalização da perversidade e sua transformação em perversão
transformam radicalmente a própria natureza da perversão, pois a partir de então o
sujeito pervertido não tem mais que lidar com a culpa da religião, mas com o saber
médico. Assim, despojado do que era sua estrutura - passando do sublime ao abjeto
por uma série de metamorfoses - o pervertido não é mais a encarnação daquele que
ousa desafiar a Deus ou mesmo a lei dos homens. (FREUD, 1913)

Na psicanálise, freqüentemente se depara com traços de caráter semelhantes


manifestados em diferentes pacientes que muitas vezes não compartilham a mesma
estrutura de personalidade. Isso sugere que certas características apresentadas pelos
pacientes não são exclusivas do tipo de personalidade que apresentam, pois podem
ser encontradas em outras estruturas. Traços de caráter perversos constituem um
exemplo de tais características, pois podem ser identificados em várias estruturas de
personalidade, embora não estejam necessariamente ligados a uma organização
perversa da personalidade. A culpa inconsciente do perverso pode ser uma outra
estrutura de personalidade. (BARBIERI, 2001)
31

Assim, as estruturas não compartilham a mesma estabilidade e solidez que


possuem as chamadas "anestruturas". Os sujeitos podem parecer aparentemente
adaptados à realidade, mas quando expostos a situações ansiogênicas, eles precisam
recuar para defesas mais agressivas para manter a coesão do ego. Devido a falhas
narcísicas prematuras, o indivíduo torna-se dependente de objetos externos para
manter a estabilidade do Self. A constituição psíquica do indivíduo se comporta em
uma dinâmica extremamente instável, "oscilante", que também é altamente
responsiva às mudanças no ambiente. Tais dinâmicas enfraquecem o sujeito e
assumem o status de organização, em oposição a estrutura, que apresenta maior grau
de estabilidade. (FREUD, 1923)
É possível identificar diferenças fundamentais entre uma estrutura de culpa
(que figura entre as psicoses) e uma organização perversa (que pertence ao campo
das anestruturas). Traçando um paralelo entre elas, pode-se observar a presença de
fixações anais que afetarão de forma diferenciada essas organizações. Da mesma
forma, existem problemas relacionados ao narcisismo. Por outro lado, enquanto na
perversão o sujeito rejeita uma parte específica da realidade, na culpa o que existe é
a negação da perda do objeto, que é introjetado no ego. Embora distintos, os dois
padrões estão a serviço da reparação das feridas narcísicas: o perverso tenta retomar
seu lugar de falo materno, enquanto o que sente culpa preserva o objeto morto, que
desempenha um papel narcísico. (FREUD, 1905)
A ideia de motivações inconscientes é uma inferência que explica as falhas e
distorções da consciência de uma pessoa. A hipótese que dá coerência a dados
comportamentais e mentais que de outra maneira pareceriam incoerentes, foi
explorada de modo sistemático por Freud, primeiramente. Freud (1915), percebeu
que, falhas da memória, ações pouco claras, perversidade, culpa podem ser, em nível
mais profundo, intencionalmente inconscientes e não erros causais.
A divisão do psíquico em que é consciente e o que é inconsciente constitui a
premissa fundamental da psicanálise, e somente ela torna possível a esta
compreender os processos patológicos da vida mental, que são tão comuns quanto
importantes, e encontrar lugar para eles na estrutura da ciência. A psicanálise não
pode situar a essência do psíquico na consciência, mas é obrigada a encarar esta
32

como uma qualidade do psíquico, que pode achar-se presente em acréscimo a outras
qualidades, ou está ausente.
33

4. INCONSCIENTE

Na teoria psicanalítica da personalidade de Freud, o inconsciente da mente é


um reservatório de sentimentos, pensamentos, memórias e desejos irreprimíveis que
permanecem fora da consciência. A maioria dos conteúdos do inconsciente é
inaceitável ou desagradável, tais como sentimentos de dor, ansiedade ou conflito.
Segundo Freud, o inconsciente continua a influenciar o comportamento das pessoas,
bem como suas experiências, mesmo embora não estando ciente destas influências.
Nesta perspectiva, o indivíduo autoconsciente é sofisticado no que diz respeito à sua
vida emocional. A clareza com que sente suas emoções pode reforçar outros traços
de sua personalidade, tais como autonomia, objetividade, saúde psicológica,
conhecimento de limites, positividade etc.
Garcia-Roza (2007, p. 171) afirma que o conceito fundamental da psicanálise
se liga à palavra inconsciente e se desdobra em termos de significação, extensão e
limites e com base em Freud, defende que o inconsciente é um sistema, por sua vez
dinâmico e regido pelo processo primário, envolvendo conflitos, barreiras,
represamento ou liberação de energia. Um sistema psíquico distinto dos demais e
dotado de atividade própria, lugar da vontade em estado bruto e impermeável a
qualquer inteligibilidade. O inconsciente cabe ressaltar, não é aquilo que se encontra
abaixo da consciência, já que se trata de um sistema psíquico – o Ics – que se
contrapõe a outro sistema psíquico – o Pcs/Cs – que é em parte inconsciente. O
inconsciente não é caótico e arbitrário e sim determinado. “A sintaxe do Inconsciente
não é a mesma do sistema pré-consciente-consciente, mas isso não significa que ele
não possua sintaxe nenhuma. [...] O inconsciente possui, portanto, uma ordem, uma
sintaxe, ele é estruturado”.
Freud (2006) afirma que o reprimido, para ele, é protótipo do inconsciente, em
que existe latência, ou seja, o inconsciente pode torna-se consciente. Neste aspecto,
Freud denomina o inconsciente descritivo, que não é dinâmico, de pré-consciente,
restringindo a denominação inconsciente ao que é reprimido de forma dinâmica
inconsciente e assim, existem três termos, isto é, consciente (Cs), pré-consciente (Pcs
e inconsciente (Ics), que vão além da simples descrição). Em outras palavras, o
consciente inclui tudo de que estamos cientes, que é o aspecto do processamento
mental em que se pensa e se fala sobre a racionalidade, e parte disto é a memória,
34

que não é sempre parte da consciência (pré-consciência), mas pode ser resgatada
facilmente a qualquer tempo e vir para a consciência.
Na compreensão do inconsciente, torna-se relevante a abordagem do ego e do
id, já que para Freud, segundo Quinodoz (2007), já que a divisão topográfica de Cs,
Pcs e Ics já não são suficientes para dar conta do funcionamento psíquico, precisando,
pois, amplia-lo. Freud introduziu uma divisão do psiquismo em três instâncias, o ego,
o id e o superego, complementando a divisão topográfica. O ego, para Freud é uma
instância de regulação, de fenômenos psíquicos, que deve buscar permanentemente
um equilíbrio entre as exigências do id, que é a reserva das pulsões – e do superego,
que é a instância crítica da consciência.
As tensões conflituosas inconscientes que se produzem entre ego, id e o
superego, cujas exigências são contraditórias, tem uma influência duradoura sobre a
formação da personalidade, resultante de forças respectivas presentes e de seu
equilíbrio dinâmico. Neste sentido, para se tornar consciente o que é inconsciente, do
id deve advir o ego (QUINODOZ, 2007).
Jorge (2002) afirma que para Freud, as características especiais do sistema
inconsciente são as seguintes: não há na inconsciente negação, dúvida ou quaisquer
graus de certeza, já que estes elementos são introduzidos pelo trabalho de censura
entre o Ics e o Pcs (Cs). Neste sentido, a negação é um substituto, em grau mais
elevado, do recalcamento. No Ics só existem só existem conteúdos investidos com
maior ou menor força; os investimentos sofrem processo de condensação e, também,
de deslocamento, que tem a ver com a maneira de funcionar o processo psicológico
primário; os processos do inconsciente não se ligam ao tempo, já que o tempo é
apenas vinculado à consciência e, também, os processos do inconsciente não
dispensam atenção adequada ao contexto exterior, já que se sobressai o princípio do
prazer, envolvendo a realidade psíquica.
Mollon (2005) afirma que a interpretação dos sonhos é a via principal para se
conhecer as atividades inconscientes da mente humana, possibilitando o tratamento
analítico e tornando-se o recurso mais relevante para que se abra um caminho para
acessar o inconsciente. Na verdade, os sonhos carregam grande objetividade, mas
não apresentam correspondência às expectativas do sonhador, que também não os
inventa. Freud chegou à hipótese de que os sonhos representam a realização
disfarçada de um desejo que se encontra reprimido. Os sonhos ficam mais obscuros
35

ao se lidar com desejos aterrorizadores ou associados a conflitos emocionais –


desejos que são, portanto, submetidos à censura mental e tornados inconscientes.
Para Mollon (2005), Freud aventou a hipótese de que, se os desejos que
surgem durante o sonho são os que podem causar angústia, culpa ou vergonha, então
a realização dos desejos é disfarçada e, daí a dificuldade de identificar significados
dos sonhos. O preceito de Freud de que os sonhos são, a realidade disfarçada de
desejos repudiados (reprimidos), que se tornaram inconscientes é uma hipótese
explicativa concisa e muito inteligente. Também, Freud ao abordar sonho e
inconsciente trata da condensação e deslocamento, o primeiro, tem a ver com a mente
inconsciente, em especial como é expressa nos sonhos, empregando diversas
imagens visuais que podem misturar muitos significados múltiplos, que aludem a
fragmentos ou indicados por eles, e não enunciados explicitados e na íntegra. Ou seja,
é como se diversos pensamentos tivessem sido despedaçados ou embaralhados e
depois espremido para formar o que parece ser uma pequena porção de significado.
A forma mais simples de condensação é quando existe no sonho uma figura que é
composta de várias pessoas. A segunda característica das representações
inconscientes é o deslocamento, em que Freud revela que ele ocorre de duas formas:
pela substituição de um elemento por outro mais remoto que alude ao primeiro e pela
troca de ênfase de um elemento importante para outro que não é importante.
Ao se tratar da mente inconsciente, com base em Freud, se podem apresentar
características, as quais não existem no consciente, ou seja: impulsos ou ideias que
não se compatibilizam, mas não se parecem contraditórias – na mente consciente
amor e ódio são contraditórios e o sentimento é de discordância, contudo, no
inconsciente amor e ódio são expressos ao mesmo tempo; um significado, na mente
inconsciente, pode ser deslocado facilmente de uma imagem para outra; ou, por outro
lado, muitos significados se condensam em uma imagem; no inconsciente não há
ordenação cronológica, de modo que as ideias não se alteram de acordo com o tempo;
o inconsciente independe da realidade externa, mas representa a realidade psíquica
interna, neste caso, os sonhos ou alucinações são percebidos como reais (MOLLON,
2005).
Para Garcia-Roza (2007, p. 207), ainda abordando o inconsciente, o id é a parte
que não se pode acessar do psiquismo humano e suas características são
apresentadas como em oposição às do ego. Ou seja, de modo funcional, id e ego são
36

distintos, mesmo que parte do ego esteja fundida no id (o ego é a parte do id que
sofreu modificação por estar próxima à influência do mundo exterior). “Em um dos
seus extremos, o id está aberto às influências somáticas e em seu interior abriga
representantes pulsionais que buscam satisfação, regulados exclusivamente pelo
princípio do prazer”. No id não se observa negação, ou mesmo ação de obediência
para uma situação de não contradição ou juízo de valor, mal ou bem, moral ou ainda
vontade coletiva.
O ego, segundo Garcia-Roza (2007), tem a função de se apresentar como
mediador do id e o mundo exterior, em que existe confronto de princípios de regulação
do aparelho psíquico: realidade e prazer. Mas não é apenas contra o id que o ego tem
que se confrontar, já que se viu que uma parte do ego se diferencia e se constitui com
uma instância autônoma e como agente crítico, ou seja, uma terceira região do
psiquismo denominada superego.
Quinodoz (2007) afirma que quando as percepções internas que provêm das
camadas mais profundas do aparelho psíquico, elas são mais elementares que as
percepções externas e chegam à consciência por meio de sensações de prazer e
desprazer e não pelos órgãos do sentido.
37

5. PSICANÁLISE

Anteriormente ao desenvolvimento do assunto proposto para o trabalho, é


importante enfatizar que, independentemente da estrutura clínica, o setting analítico é
o lugar do acolhimento, sendo enfatizada a questão da escuta do sujeito.
Na prática clínica, é habitual procurar estabelecer correlações entre a
especificidade dos sintomas e a identificação de diagnóstico. Essas correlações
supõem a presença de procedimentos intrapsíquicos e intersubjetivos, dependentes
da dinâmica do inconsciente (DOR, 1991). Dessa forma,
As referências diagnósticas estruturais advêm, então, num só registro. Não
constituem, todavia, elementos confiáveis nesta avaliação diagnóstica, senão
à condição de se o poder desligar da identificação dos sintomas. A identidade
de um sintoma nunca é senão um artefato a ser colocado por conta dos
efeitos do inconsciente. A investigação diagnóstica precisa, então, se
prolongar aquém do sintoma, isto é, num espaço intersubjetivo. (DOR, 1991,
p.21)
Este espaço intersubjetivo é o ordenado pela articulação da palavra, e é no
dizer que se manifestam as referências diagnósticas estruturais, onde há expressão
de desejo. (DOR, 1991). Nessas condições,
[...] podemos compreender que a natureza do sintoma tem sempre apenas
um valor significativo tão aleatório quanto imprevisível. Enquanto formação
do inconsciente, o sintoma se constitui, com efeito, por sucessivas
estratificações significantes [...] Os componentes significantes constitutivos
no sintoma mantêm-se, então, diretamente tributários das “fantasias” do
inconsciente. Ao lado, todavia, da indeterminação relativa da escolha dos
significantes que intervêm nesta formação do inconsciente, existe uma
determinação incontornável: trata-se de uma determinação cuja intendência
do material significante se efetua apesar do sujeito. Essa intendência é
caracterizada do funcionamento da estrutura, ou seja, de um certo modo de
gestão do desejo. A avaliação diagnóstica deve, pois, permanecer ligada à
referenciação desta intendência, única e pôr em jogo traços notáveis e
estáveis. (DOR, 1991, p. 22-23)
Em relação à possibilidade analítica, sabe-se que, apesar da possibilidade de
manobras defensivas da recusa produzirem um triunfo sobre a castração, há indícios
de que a angústia não pode ser neutralizada de forma total, pois se a castração é
recusada, é porque ela foi inscrita e reconhecida. Portanto, a defesa contra a
castração está sujeita a fracassar, ficando o caminho livre para que surja a angústia
(SAMICO, 2008b).
A aposta na falha deste arranjo defensivo contra a angústia faz crer que a
clínica da perversão não se reduz a impasses. Assim, há grandes empecilhos ao
trabalho psicanalítico, pois a tolerância a certa dose de angústia é necessária para o
38

trabalho de elaboração, e esta tolerância pode se mostrar muito reduzida no sujeito


perverso, diante de suas articulações psíquicas (SAMICO, 2008b).
Dessa forma, o manejo da transferência é extremamente delicado pois é fácil
cair nos extremos: numa posição moralizante por um lado, e numa perversa por
outro. A vontade de gozo perversa envolverá o analista, assim que se dê o
deslocamento da libido que caracteriza o estabelecimento da transferência. Para
delegar ao analista a angústia de castração, o discurso perverso poderá buscar
acirrar sua divisão. E isto, pode se dar, algumas vezes, de forma angustiante para o
analista (SAMICO, 2008a).
O discurso perverso invoca cumplicidade quanto à sua insubmissão à
castração, o que não deixará de ocorrer em análise. O analista é solicitado como
participante do ato perverso que se reproduz em análise, quando o analisando se
oferece como “instrumento de gozo no próprio cenário analítico”. Então, o analista é
retirado da posição de sujeito-suposto-saber e colocado no de sujeito-suposto-gozar.
Assim, o analisando pode disputar o lugar de semblante de objeto a posição que, no
discurso analítico, é o do analista. Se o analista deve ocupar, na clínica, o lugar de
causa de desejo, para fazer revelar ao analisando a sua verdade, o discurso perverso
obstrui essa operação (DOR, 1991, p.136).
Por outro lado, a recusa tem como consequência que não se vai buscar
análise com uma demanda de saber sobre o desejo. Quando o desejo está obturado
pela “consistência do gozo”, graças ao “sucesso” da recusa, o que talvez a análise
possa fazer é suscitar, no analisando, um estranhamento em relação ao lugar que
ocupa diante do Outro, esse lugar de objeto ou de instrumento de gozo, cujo desejo
é aniquilado (SAMICO, 2008a).
Além disso, é importante que o analista saiba observar as manifestações
perversas, para que ele não permita ser seduzido pelo analisando, já que a sedução
é uma das características dele.
O importante é saber que o sujeito procurou análise porque algo o incomoda,
deixando transparecer o que é da ordem do desejo, mesmo que a análise implique
numa perda do gozo, pois ela permite o acesso ao saber inconsciente e quando há
gozo, não há saber, já que existe um corte radical entre ambos (JORGE, 2006).
Apesar destes obstáculos na clínica, não se deve desconsiderar o sofrimento
de um sujeito condenado à repetição do sintoma. Sabe-se que ao invés de repetir, o
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analisando deve elaborar, e é por este caminho que o tratamento deve ser conduzido,
além de se considerar que a análise visa atravessar a fantasia, e não retirar o sintoma
(NOGUEIRA, 2006).
Assim, de acordo com o que foi mencionado no presente trabalho, o fim da
análise, para o perverso, seria uma travessia de fantasia de gozo, que implica no
acesso a dimensão do amor, da qual ele se defende (JORGE, 2006).
Conforme Quinodoz (2007), o trabalho psicanalítico só pode ser um trabalho
de muito fôlego, se o analista quiser realmente libertar um ser humano de seus
sintomas e inibições neuróticas. Freud ergue-se assim contra as tendências de se
abreviar a duração das análises. Fixar um prazo é eficaz desde que se escolha o
momento adequado, mas para isto não existe regra geral, e se deve confiar na
intuição.
É comum ouvir dizer que uma análise não terminou ou que o paciente não foi
analisado até o fim e, neste aspecto, o que seria o fim da análise? O fim pode ocorrer,
segundo Freud (2006), quando o paciente não sofre mais de seus sintomas, e quando
o reprimido se tornou consciente, de modo que não há mais por que temer a repetição
de processos patológicos. Se faltam estes elementos, a análise não está completa.
Quinodoz (2007) afirma que nos casos bem-sucedidos, consegue-se eliminar
completamente o distúrbio e evitar seu retorno. Os casos mais favoráveis ao
tratamento são aqueles que têm uma etiologia traumática, para Freud, pois a análise
psicanalítica consegue resolver as situações traumáticas que remontam à infância
precoce, que na época o ego imaturo não conseguir dominar.
Ao contrário, quando a força das pulsões é excessiva, isso impede a
domesticação das pulsões pelo ego, e a análise é então condenada ao impasse, pois
o impacto das pulsões provoca modificações no ego.
Para Freud (2006), o êxito de uma terapia analítica depende essencialmente
de três fatores: a influência dos traumatismos, a força constitutiva das pulsões, as
modificações do ego. Deve-se reivindicar a originalidade do tratamento psicanalítico,
pois ele capacita o paciente para ter domínio sobre o reforço das pulsões, processo
que não é espontâneo. Contudo, o domínio das pulsões está longe de ser garantido,
pois ele é jamais completo ou definitivo.
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Esta incerteza quanto ao futuro é um argumento a mais para se insistir sobre a


necessidade de um trabalho analítico aprofundado, com o objetivo de reforçar a
capacidade do ego de domar as pulsões.
Sem dúvida é desejável abreviar a duração de uma cura psicanalítica, mas o
caminho para chegar ao nosso objetivo terapêutico passa sempre pelo aumento da
força de apoio analítico que queremos proporcionar ao ego.
Quinodoz (2007) trata dos limites da prática psicanalítica e neste aspecto afirma
que indagações se colocam durante o tratamento: pode-se proteger o paciente contra
futuros conflitos pulsionais? É possível despertar um conflito que ainda não manifesto
com um objetivo preventivo?
Na medida em que um conflito atual não se manifesta, o analista não pode ter
nenhuma influência sobre ele, já que só se pode tratar de um conflito atual quando se
consegue abordá-lo pela via da transferência, mas se houver tentativa de se produzir
artificialmente conflitos transferenciais com um objetivo preventivo, prejudica-se
seriamente a transferência positiva indispensável.
Do mesmo modo, é totalmente inútil tentar falar destes conflitos com o
analisado, com a esperança de despertar nele outros conflitos para então elaborá-los.
O paciente responderá que é interessante, mas declarará não sentir nada disso.
Aumenta-se o saber do analisando, mas não se muda nada nele.
Freud (2006), na perspectiva da prática psicanalítica trata da questão das
resistências à cura que provêm do ego sob os dois aspectos: primeiro, do ângulo de
uma necessária aliança entre o analista e o ego do paciente, e depois do ângulo da
posição do ego à cura. No que diz respeito ao primeiro ponto, considera-se que o
analista se alia com o ego do paciente, mas com um ego medianamente normal, que
não é uma ficção ideal.
Visto desta perspectiva, o objetivo da prática analítica é conseguir integrar na
síntese do ego as partes não dominadas de seu id, concepção do trabalho de
elaboração que vai além de suprimir a repressão, e implica uma síntese do ego
reunindo suas partes do ego que ele supõe fragmentadas. Coexistem duas partes
dentro do ego: uma parte próxima do ego psicótico e uma parte normal.
Ao abordar as resistências fundadas nos conflitos mais fundamentais,
Quinodoz (2007) argumenta que se encontra uma grande variedade de ego, e cada
ego particular é dotado desde o início de tendências individuais que são em parte
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inatas e provenientes da herança arcaica. Estas tendências formam o caráter da


personalidade, com suas resistências e suas defesas próprias, que tendem a se
reproduzir na relação analítica.
Há o caso de pessoas que apresentam uma excessiva viscosidade da libido,
que retarda bastante o processo de cura; há casos de mobilidade excessiva da libido,
em que se torna quase impossível investir em objetos, que mudam frequentemente;
há a questão da inércia que se espera de pessoas mais velhas, mas que também se
manifesta nos jovens.
Freud (2006) trata das resistências que provêm do conflito entre pulsão de vida
e pulsão de morte que opera nos casos de masoquismo, de reação terapêutica
negativa ou de sentimento de culpa dos neuróticos. O conflito entre Eros e pulsão da
destruição não se encontra apenas na patologia, mas também nas situações da vida
normal.
Quinodoz (23007) afirma que a necessidade da análise do analista é
indispensável para o êxito da análise que o analista tenha aprendido suficientemente
com seus próprios desvios e erros e que tenha submetido ao seu poder os pontos
fracos e fortes de sua personalidade. Para Freud, os analistas são homens como
outros quaisquer e é incontestável que os analistas não atingiram completamente em
sua própria personalidade o grau de normalidade psíquica a que pretendem conduzir
seus pacientes.
Freud (2006), quanto ao término da prática psicanalítica, está se choca com
uma rocha subjacente, isto é, há dois obstáculos ao término que se considera como
intransponíveis: a inveja do pênis na mulher e a rebelião contra a posição passiva no
homem. Embora estas duas resistências ao término sejam distintas, em razão da
diferença dos sexos, elas possuem um elemento comum, ou seja, a atitude
semelhante do homem e da mulher em relação ao complexo de castração.
Enfim, para Quinodoz (2007), Freud mostra primeiramente que o trabalho do
analista visa eliminar as repressões ocorridas na infância e que estão na origem dos
sintomas e inibições neuróticas. Para chegar a este objetivo terapêutico, é preciso que
o paciente encontre lembranças de experiências afetivas precoces, e estas aparecem
através das associações livres, dos sonhos e da repetição de relações afetivas na
transferência.
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6. TRANSFERÊNCIA

Maurano (2006) argumenta que transferência remete a transmissão, contágio,


tradução, versão e até audição e, em termos psicanalíticos, o sentido de
estabelecimento de um laço afetivo intenso, que se instaura de forma quase
automática e independente da realidade, na relação com o terapeuta, revelando o pivô
em torno do qual gira a organização subjetiva do paciente.
Maurano (2006, p. 18) afirma que:

É o manejo da transferência que distinguirá a posição do médico da do


analista. O médico vale-se da autoridade nele investida e vai à direção da
supressão do sintoma, desconsiderando as resistências que se colocam
quanto a isso. Neste sentido, o analista é assim designado porque analisa a
transferência, lugar onde aparecem as resistências que, se acolhidas, podem
ser trabalhadas. Estas podem revelar elementos fundamentais do conflito que
deu origem ao recalcamento e o fez retornar como sintoma.

Para Maurano (2006), a transferência é assim, objeto de tratamento e é


decomposta em cada uma de suas manifestações. Deve ser desmontada e o êxito do
trabalho se mantém é porque não se baseia na sugestão.
O que é preciso ressaltar é que a transferência se converte no campo de
batalha que imanta todas as forças que agem no conflito, do qual o sintoma é o
resultado. Ela renova este conflito, e por mais que, obviamente, isso traga problemas
para o desenvolvimento do trabalho – já que ao despertar tendências positivas,
amistosas e cooperativas por parte do analisando, o que facilita o trabalho, surgem
outras negativas, hostis ou de natureza francamente eróticas, que o dificultam e
arriscam sua interrupção –, ainda assim é preciso utilizá-la como instrumento. A
transferência é a mola mestra do tratamento e ao mesmo tempo seus obstáculos,
terreno onde se arrisca fracassar.
Conforme Quinodoz (2007), Freud menciona de forma explicita a noção de
transferência quando se aprofunda nos motivos de resistência do paciente, em
particular nos casos em que o procedimento por pressão não funciona. Neste aspecto,
existem dois obstáculos à tomada de consciência das resistências: em primeiro lugar,
uma objeção pessoal em relação ao médico, fácil de resolver; em segundo lugar, o
temor de se ligar demais a ele, obstáculo mais difícil de superar. Freud ainda acredita
em um terceiro obstáculo à conscientização das resistências que surgem quando o
doente teme reportar à pessoa do médico as representações penosas que emergem
43

do conteúdo da análise. Este é um fato constante em certas análises. A transferência


ao médico se realiza por uma falsa associação.
Quinodoz (2007) relata o breve exemplo de uma paciente que desejava ser
abraçada e beijada por um homem de seu círculo. No final da sessão, ela foi tomada
pelo mesmo desejo de ser abraçada e beijada por Freud, o que a deixou assustada.
Quando Freud foi informado por ela da natureza desta resistência, esta foi superada
e o trabalho pôde prosseguir.
Na perspectiva da transferência, cabe tratar dos atos falhos e a despeito de sua
variedade inesgotável, os atos falhos se baseiam em um mecanismo comum: todos
são a expressão de um desejo reprimido no inconsciente ao qual se pode ter acesso
graças ao trabalho de análise. Para Freud, um ato falho resulta de um compromisso
entre uma intenção consciente do sujeito de fazer, e um desejo inconsciente de fazer
o contrário, que se impõe à sua revelia, em seu discurso manifesto. Assim, os
mecanismos envolvidos na formação de um ato falho são, portanto, os mesmos que
determinam a formação dos sonhos e dos sintomas, mecanismos descritos por Freud
em A interpretação dos sonhos (QUINODOZ, 2007).
A transferência destinada a ser o maior obstáculo à psicanálise, torna-se seu
mais poderoso auxiliar sempre que se consegue desvendá-la e traduzir seu sentido
para o doente (FREUD, 2006).
Para Freud (2006) a noção de transferência lhe apareceu no pleno sentido do
termo com o caso de Dora, em 1905, quando ele percebeu que a paciente interrompeu
seu tratamento em razão de sentimentos amorosos e eróticos que reportava
inconscientemente a ele. Assim, a transferência é um deslocamento para a pessoa do
analista de sentimentos, desejos, fantasias ou mesmo cenários inteiros que são a
reprodução de experiências já vividas.
No caso do homem dos ratos Freud (2006) dá um bom exemplo de um
deslocamento transferencial para sua pessoa e do caráter estereotipado da
transferência: as observações deste paciente sobre a história do rato. Freud tentou
lhe explicar detalhadamente já na segunda sessão que seus sintomas tinham uma
origem sexual quando ouviu o homem dos ratos dirigir-se a ele várias vezes
chamando-o de “Meu capitão!”.
O setting psicanalítico tal como preconiza oferece as condições de segurança
que permitem ao paciente dar livre curso às suas fantasias transferenciais, das quais
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poderá ser curado pelo trabalho terapêutico, já que é no manejo da transferência que
se encontra o principal meio de conter o automatismo de repetição e de transformá-lo
em uma razão de se lembrar (QUINODOZ, 2007).
Na questão da transferência, Maurano (2006, p. 35) trata dos impasses da
contratransferência e o desejo do analista:

Já que é o que o habilita a manejar a transferência para colocá-la a serviço


do trabalho analítico e, portanto, vencer as resistências que tentam
obstaculizar o processo, já que a transferência tem duas faces: facilitação e
impedimento. Se o desejo do analista não estiver afinado com o trabalho, a
resistência surgirá também do seu lado, por meio de uma transferência mal
colocada por parte dele, e que o ensurdecerá para tratar as colocadas pelo
analisando.

Freud, de forma perfeita, abordou a questão específica da transferência de


quem analisa, distinguindo-o pela denominação de contratransferência. Em uma visão
particular, Freud se refere à contratransferência como o conjunto das diversas reações
de afetividade que um analista apresenta com relação a cada um dos seus pacientes,
sejam conscientes ou inconscientes (MAURANO, 2006).
Ainda conforme Maurano (2006), quando uma analista dá importância aos
afetos suscitados nele por seus pacientes, sua função fica prejudicada, ou
inviabilizada, pois o trabalho analítico, diferente de muitos trabalhos psicológicos, não
se efetiva como um processo intersubjetivo, ou seja, entre sujeitos. O analista não
está em posição de simetria frente a seu analisando. Os dois não estão numa situação
reciprocamente engajados como pessoas e o analista recebe para que se lembre
disso.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir este trabalho, se percebe a importância da abordagem do tema


proposto, visto que a psicanálise, muitas vezes, é vista de forma errônea e elitista.
Igualmente importante, o contexto de perversão sugere muitas opiniões contraditórias
e infundadas, que precisam ser revistas.
Por isto, se acredita que tenha demonstrado no presente trabalho, todas as
questões que envolvem a clínica da perversão.
Ao se falar em perversão, é indispensável mencionar o conceito de fantasia
como realidade psíquica, assim como não haveria forma de desenvolver a clínica da
perversão, sem considerar as implicações fundamentais do Complexo de Édipo no
processo de constituição do sujeito. Ainda se fez necessária a descrição de algumas
das peculiaridades do sujeito perverso, que envolvem o processo fetichista, muitas
vezes presente na vivência do sujeito em relação à sua sexualidade.
Como forma adicional ao trabalho, infere-se ser igualmente importante enfocar
a questão da possibilidade analítica do perverso, já que este aspecto é interessante e
pertinente à prática clínica.
O trabalho possibilitou estudar o conceito de culpa no seu contexto histórico e
religioso até as possíveis causas articuladas com outros conceitos no processo
analítico. Neste sentido, do ponto de vista psicanalítico, os pacientes chegam ao
campo terapêutico com vários tipos de provocados por culpas que a religião não
conseguiu curar, mesmo que não as tenha criado. É preciso reintegrar o indivíduo que,
por meio da transgressão da matriz moral, se separou da sociedade.
Buscou-se o desafio de teorizar e destrinchar um dos temas mais complexos
da psicanálise, normalmente denominado culpa, ou até complexo de culpa, além de
sentimento inconsciente de culpa. Contudo, sempre se trata das relações nem sempre
muito claras entre o desejo, a consciência moral, a inibição, o supereu e o gozo.
A culpa mortifica a consciência e envolve vontade de gozo, exigência moral,
bem, felicidade, obediência, ferocidade, mal-estar cultural. Por esta razão, é custoso
demais para os pacientes abandonarem os seus sintomas, já que se observa grande
dificuldade de cede a uma fruição que se tornou não renunciável, assim, não é devido
à satisfação da pulsão que está em jogo, muito menos pelos diversos benefícios que
são secundários. Na instância final, existe sempre o processo de se inibir o passo em
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direção à ética, que é uma suposta decisão, a de não ceder no que se refere ao desejo
próprio.
Os pacientes precisam ver como eles projetam seus pensamentos e atitudes a
fim de ganhar novamente autoestima, já que o que é de fato uma deficiência do
superego é manifestada como uma recusa autodestrutiva de se conhecer a perversão
ou a culpa, provocando assim uma desordem obvia do funcionamento do ego.
De fato, tentou-se ilustrar como a teoria psicanalítica e terapia requerem o uso
da perversão e da culpa e da responsabilidade como concepções psicanalíticas
essenciais enquanto usadas no sentimento moral. Descreveu-se sobre o superego e
sua função de censor crítico interno e como se considera a perversão e a culpa como
fenômeno universal que se levanta e, talvez, dos tabus universais.
Portanto, na origem da consciência moral é que se encontra o amor, com o
acompanhamento do inevitável e fatal sentimento de culpa, resultado da ambivalência
afetiva e emocional relacionada ao pai, numa realidade de duas faces: uma em que
se destaca a agressividade, com a morte do pai pelo filho e outra, emocional, com a
presença do remorso. Amor e ódio estão, portanto, em conjugação no
estabelecimento do laço social, onde se defrontam pulsões de vida e pulsões de
morte.
O importante para a psicanálise é o sujeito do desejo, e não o enquadramento
do mesmo em conceitos pré-estabelecidos, o presente trabalho explicita, com
embasamento teórico, características relevantes e muitas vezes desconhecidas sobre
o processo da clínica da perversão, que é sempre a partir da realidade psíquica, ou
seja, da fantasia manifestada na fala do sujeito em análise.
Acreditando ter deixado claro que existem julgamentos e rótulos acerca de
questões complexas, como no caso da perversão, é preciso que o olhar do
psicanalista seja dirigido ao inconsciente, de forma desprovida de opiniões irredutíveis
ou deterministas, buscando proporcionar acolhimento e escuta a cada sujeito que se
apresenta para o tratamento.
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